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A LITERATURA INFANTO-JUVENIL
E A CONSTRUO IDENTITRIA NEGRA
Eli Simia Martins dos Santos Amorim1
Resumo: Pretende-se discutir a literatura infanto-juvenil e as
relaes entre emoo-cognio na
construo identitria, indicando que tal processo no algo
definido, esttico, antes pelo contrrio;
as nossas formas de nos encontrarmos com ns mesmos se do ao
longo da vida, por processos
inconscientes e que se transformam medida que preenchemos nossas
expectativas. Neste sentido,
percebe-se que a literatura infanto-juvenil contribui de forma
contundente; entretanto a literatura
negra ainda no tem a visibilidade e penetrao devida nas escolas;
contribuindo para que docentes
no utilizem este instrumento em seu cotidiano, permitindo que
ideologias de branqueamento,
excluso e discriminao perdurem em seu interior atravs das
leituras preconceituosas encontradas
em livros infantis de origem europeia e/ou tecidas com vises
estereotipadas acerca da negritude e
dos valores identitrios negros.
Palavras-Chave: Identidade Negra. Literatura Infanto-Juvenil.
Negritude.
CHILDREN'S AND ADOLESCENT LITERATURE AND THE BLACK
INDENTITY CONSTRUCTION
Abstract: We intend to discuss children's and adolescent
literature and the relationship between
emotion-cognition in identity building, indicating that such
process is not something defined, static,
on the contrary; our ways of find ourselves occur throughout
life, by unconscious processes that
transforms as we fill our expectations. In this sense, we
realize that the children and adolescents literature contributes
forcefully; however the black literature does not yet have proper
visibility and
penetration in schools; contributing to teachers do not use this
instrument in their daily lives,
allowing ideologies of whitening, exclusion and discrimination
endure in its interior through the
prejudiced readings found in children's books of European origin
and/or woven with stereotypes
about blackness and black identity values.
Keywords: black identity, children's and adolescent literature,
blackness.
LA LITTRATURE ENFANTS-JUVNILE ET LA CONSTRUCTION DE
LIDENTIT NOIR
Rsum: Le but ici est discuter la littrature enfants-juvnile et
les relations entre l'motion-
1 Possui Doutorado em Educao pela Universidad del Mar - UDELMAR,
Chile (2012). Mestrado em
Tecnologias da Informao e Comunicao na Formao em EaD - UFC
(2007). Pesquisadora nas reas de
Identidade Negra, Percepo Ambiental e Novas Tecnologias na
Educao. professora assistente da
Universidade do Estado da Bahia. Atua em cursos de graduao e
Ps-graduao. Tem experincia na rea de
Educao, com nfase em identidade negra, alfabetizao, literatura
infanto-juvenil, valores, ensino de
Geografia, escola e cidadania. E-mail:
[email protected]
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cognition dans la construction de l'identit, en indiquant que ce
processus n'est pas dfini, statique,
bien au contraire; notre formes de nous trouvons avec nous mmes
se donnent au long de la vie, par
des processus inconscients qui transforment comme nous
remplissons notre attentes. En ce sens, on
peroit que la littrature enfants-juvnile contribue avec force;
mais la littrature noire n'a pas
encore la visibilit et la pntration dans les coles; en
contribuant aux enseignants qui n'utilisent
pas cet instrument dans leur vie quotidienne, en permettant que
lidologies de blanchiment, l'exclusion et la discrimination
perdurent l'intrieur travers les lectures prjudice trouvs dans
les
livres enfants d'origine europen et/ou tiss avec visions les
strotypes sur la ngritude et des
valeurs de l'identits noirs.
Mots-cls: l'identit noire, Littrature Enfants-Juvnile;
Ngritude.
LA LITERATURA INFANTO JUVENIL Y LA CONSTRUCCIN IDENTITARIA
NEGRA
Resumen: Se pretende discutir la literatura infanto juvenil y
las relaciones entre emocin-cognicin
en la construccin identitaria, indicando que tal proceso no es
algo definido, esttico, antes lo
contrario; las nuestras formas de encontrarmonos con nosotros
mismos se dan al largo de la vida,
por procesos inconscientes y que cambian a la medida que
rellenamos nuestras expectativas. En este
sentido, se percibe que la literatura infanto juvenil contribuye
de manera contundente; entretanto la
literatura negra an no tiene la visibilidad y la penetracin
necesaria en las escuelas; contribuyendo
para que los docentes no utilizan esta herramienta en su
cotidiano, permitiendo que ideologas de
blanqueamiento, exclusin y discriminacin perduren en su interior
a travs de la lecturas
prejuiciosas encontradas en los libros infantiles de origen
europea y/o tejidas con visiones
estereotipadas acerca de la negritud y de los valores
identitarios negros.
Palabras-clave: Identidad Negra; Literatura Infanto-juvenil;
Negritud.
EMOO E COGNIO A PARTIR DA LITERATURA INFANTO-JUVENIL
A criana que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou.
Quero ir buscar quem fui, onde ficou.
(Fernando Pessoa)
Estudos e concepes filosficas e cientficas pautadas em
epistemologias
Behaviorista e/ou Inatista Maturacional colocam cognio e emoo em
campos
diferenciados, que pressupem processos de compreenso tambm
distintos. Neste estudo,
pretende-se discutir que ambos fazem parte de um nico processo;
discutindo luz das
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Teorias da Modificabilidade Cognitiva (FEUERESTEIN, 1994) e
Inteligncia Emocional
(MAYER, CARUSO; SALOVEY, 1999) e (GOLEMAN, 1995),
considerando-as de
importncia fundamental para a compreenso dos sujeitos e na
possibilidade de permitir a
incluso de alunos, atravs de um trabalho efetivo que leve em
conta a mediao de
pertencimento e competncia.
As teorias que pretendem desvelar as emoes e de que forma
interferem no
desenvolvimento cognitivo dos indivduos no novo; porm, nas
ltimas dcadas tem sido
alvo de maiores indagaes e interesse; derivando polmicas, no
somente no campo
educacional, antes, contudo, a preocupao com o sujeito integral,
holstico, vem
despertando interesse de cientistas e pesquisadores em todo o
mundo.
A relao mente/emoo ora discutida em campo filosfico e cientfico
pressupe
dualidade, ou mesmo hierarquia, onde as emoes sugerem um desafio
a ser vencido; uma
batalha do esprito contra enfermidades que podem levar loucura
ou perda da razo.
Na Repblica, Plato (427 a.C - 347 a.C) sugere que, o carter
sensato e disposto
liberta das paixes e sentimentos selvagens e delirantes (2002,
p. 13). E as compara,
sugerindo a teoria das trs almas (Livro III, 415 a-e) mas o deus
que vos modelou, queles
dentre vs que eram aptos para governar, misturou-lhes ouro na
sua composio, motivo
por que so mais preciosos; aos auxiliares prata; ferro e bronze
aos lavradores e demais
artfices (p 109 a 110); num conceito de almas diferenciadas
hierarquicamente, sendo
concupiscvel (bronze), irascvel (prata) e a racional (ouro);
onde emoes valem menos
que o raciocnio.
A metafsica aristotlica (384 a.C. - 322 a.C) concebe o ente como
um ser composto
de matria (hyl) e forma (eidos), encontrando-se no acidente a
mudana das caractersticas
do ser, e no movimento, advindo das experincias sensveis o
sentido do prprio ser; ou
seja, no existe essncia inata. Tudo experincia. Sartre (1905
1980) retoma tal conceito
ao afirmar que o homem mesmo quem produz aquilo que , por sua
liberdade.
Em Freud (1973) pensamento e emoo concorrem num sentido de ego
cogitans
contra o ego agens como condio de autopreservao e
autodesenvolvimento, numa
sugesto de que sendo duas substncias especficas e independentes
podem duelar entre
si. Conceitos estes fortemente defendidos por Kant (1724 1804)
que considerava as
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paixes como "enfermidades da alma ou um cncer", denotando uma
hierarquia entre a
razo e as emoes, pois estar submetido s emoes e s paixes sempre
uma doena
do nimo, porque as duas excluem o comando da razo. Em uma e
outra, elas degradam-se
em violncia (KANT apud CENCI, s/d, p.5).
Diferentemente, na contemporaneidade, encontramos em Piaget
(1896-1980),
Vygotsky (1896 -1934), Wallon (1812-1904), tericos da
Psicologia, o conceito de que a
afetividade e a cognio so inseparveis. O sentido de unicidade
(Aristotlico) ou
dualidade da matria/esprito (DESCARTES, 1596 1650 apud
INTERNET
ENCYCLOPEDIA OF PHILOSOPHY, s.d) encontram na interao os pontos
divergentes
quanto episteme, pois, embora divergentes quanto s substncias
(afeto e cognio),
ambas esto intrissecamente relacionadas e indissociveis.
Segundo Vygostsky, (2007) os indivduos interagem com o ambiente
sociocultural
desde seu nascimento de onde vo construindo suas relaes afetivas
e cognitivas, e por ele
vo sendo moldados. Portanto, o contedo scio emocional ou afetivo
nas linguagens,
dos diferentes lugares, concorre no sentido de permitir o
desenvolvimento dos sujeitos e
suas cognies. No entanto, importante que se ressalte o papel das
configuraes
ontogenticas e sociogenticas, que se entrecruzam, permitindo que
cada um seja figurante
de sua prpria histria, uma vez que a linguagem egocntrica
distinta a cada sujeito.
O sistema simblico e figurativo da linguagem ainda contribui
para que
cognitivamente, cada indivduo crie sua viso de mundo e dela faa
suas leituras
(FREIRE, 1979). Contudo, parece-nos, que determinados costumes,
crenas, mitos,
arqutipos fazem parte de um mundo social por onde somos
mergulhados, e dos quais se
torna, muitas vezes, impossvel nos dissociarmos dele.
Ibaez (1989, p. 118) apud Traverso-Ypez (1999), afirma: "no a
natureza do
objeto, mas o tipo de relao em que o fenmeno est inserido, o que
lhe confere sua
dimenso social, e esta relao eminentemente simblica." (p. 1). Ou
seja, o social do
psiquismo humano no est determinado pela tipologia dos "objetos"
(outros sujeitos), mas
se constitui a partir da construo de um mundo de significados
compartilhados num
conglomerado humano, sendo, portanto, um processo social,
cultural e historicamente
situado. (TRAVERSO-YPEZ, 1999), que imbricados s habilidades
cognitivas e as
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formas de estruturar o pensamento representam o resultado das
atividades praticadas, de
acordo com os hbitos sociais da cultura em que o indivduo se
desenvolve.
Desta forma, as histrias pessoais funcionam como espelho das
histrias da
sociedade na qual os sujeitos se desenvolvem, pois para Vygotsky
(2007) Uma palavra que
no representa uma ideia uma coisa morta, da mesma forma que uma
ideia no
incorporada em palavras no passa de uma sombra. ( p. 1).
Percebe-se que as linguagens dos alunos das classes populares
refletem o meio
scio cultural e econmico em que vivem e representam mais do que
um discurso: so suas
histrias de vida e perspectivas de futuro, que se estampam nos
atos cotidianos e no
prolongamento de insucessos, evidenciando as suas trajetrias
escolares e fortalecendo a
excluso, pela compreenso de que esto no lugar errado. De que a
escola realmente no foi
feita para eles, cabendo apenas confirmar o veredicto a eles
predestinado: as ruas, os
subempregos, a pobreza e o ciclo vicioso do fracasso na
vida.
Arroyo (2004) indica que As crianas e adolescentes em seus
rostos violentos ou
em seus gestos indisciplinados, mais do que revelar-se, revelam
o lado destrutivo da
civilizao(p.12). E continua: as trajetrias humanas condicionam
as escolares. (idem,
ibdem, p. 82).
Desta forma, cabem-nos as questes:
De que forma as crianas e pr-adolescentes negros compreendem
suas origens?
A literatura pode influenciar ou colaborar na formao da
identidade da criana e do
adolescente?
Ou seja, a escola pode contribuir, atravs da linguagem, para
modificao do
equilbrio socioafetivo de alunos marcados pela inferiorizao e
sentimentos de excluso?
ainda Arroyo (idem) que denuncia o mal estar docente acerca
destes alunos, que
engrossam as fileiras do abandono e descaso e conclamam o
encontro de novos paradigmas,
pois reconhecer os educandos (as) como habitantes legtimos da
escola implica em criar
condies estruturais para que a ocupem como o seu territrio (p.
27).
O que se prope a discutir se a linguagem escolar pode
possibilitar o reverso da
contracultura, e consequentemente, permitir a incluso dos alunos
egressos das camadas
populares, nos espaos sociais pelo sentimento de afeto e cognio
fortalecidos.
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Iniciaremos por discutir conceitos de linguagem cultural e
escolar.
A LINGUAGEM, COGNIO, AFETIVIDADE E IDENTIDADE
Os estudos da neurofisiologia e neurocincias tm trazido
contribuies relevantes
para a compreenso do crebro humano, que em sua configurao
encontra-se integrado a
todo conjunto do corpo por circuitos bioqumicos e neurais
recprocos em duas vias
principais de interconexo. Primeiro por nervos motores e
sensoriais perifricos, que
transportam sinais de toda parte do corpo para o crebro, e do
crebro para todas as partes
do corpo e outra que transporta sinais qumicos (hormnios,
neurotransmissores e os
neuromoduladores) que a corrente sangunea. (DAMSIO, 1996).
Alm de tais condies, o conceito de plasticidade cerebral remete
capacidade de
remodelar-se ou modificar-se em funo das necessidades
individuais de adaptao.
Segundo Sylwester (1995), a plasticidade fisiolgica permite
aprendizagens para toda a
vida e por outro lado as aprendizagens permitem modificaes
cerebrais. O neurocientista
Feuerstein (1988) afirma que:
(...) uma interao qualitativa entre o organismo e seu meio
ambiente. Esta
qualidade assegurada pela interposio intencional de um ser
humano que medeia
os estmulos capazes de afetar o organismo. Este modo de interao
paralelo e
qualitativamente diferente das modalidades de interao
generalizadas e difusas
entre o mundo e o organismo, conhecido como contato direto com o
estmulo (p. 7).
Para ele, possvel alterar os processos mentais e scio afetivos
da aprendizagem
pela mediao docente; mesmo naqueles indivduos bloqueados ou
desestruturados
patologicamente, atravs do trabalho significativo nas zonas de
desenvolvimento proximal
(VYGOSTKY, 2007); atuando significativamente para a construo das
estruturas a
qualquer tempo ou idade do indivduo, uma vez que o organismo
vivo e ativo.
A Experincia da Aprendizagem Mediada - EAM - requer a presena de
trs
parmetros (que Feuerstein denomina de critrios de mediao) que so
o objeto de ateno
deliberada por parte do mediador: Intencionalidade e
Reciprocidade, Transcendncia e
Significado.
Sendo um otimista acerca das possibilidades humanas para
aprender, Feurestein
(1988) coloca na Privao Cultural ou ausncia/incapacidade de
interaes sociais,
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atravs da Sndrome de Privao Cultural as dificuldades na
aprendizagem dos
indivduos e para isto que a aprendizagem mediada aparece como
sustentao para as
experincias significativas, que permitem a construo da
aprendizagem. Ele coloca:
[...] ser otimista se sentir responsvel. Voc diz a um indivduo
que ele pode se
modificar, que ele pode chegar a um nvel mais alto de
funcionamento, que ele pode
chegar a uma independncia que lhe permitir contribuir, de
maneira significativa,
com a sociedade. Quando voc mostra que ele pode ser um indivduo
consciente,
responsvel por ele mesmo e por aquilo que acontece ao redor de
si, quando voc
postula esta modificabilidade, ento voc est engajado. Quando ns
acreditamos
que isso possvel, direito deles e dever nosso tornar isso
possvel. (p. 34).
Gomes (2002) elenca dois sentidos na mediao docente, pautadas na
Teoria da
Modificabilidade Cognitiva:
1) Mediao do sentimento de pertencimento, que est relacionado
forma como o
indivduo se relaciona consigo mesmo e com o grupo, e tal fenmeno
varia a cada grupo
cultural, no sentido de identidade. Para Gomes, (2002):
... O ser humano, para manter sua sade mental, precisa sentir-se
em casa, ou seja, pertencer a algo ser reconhecido e reconhecer,
ser identificado e identificar seus pares e ter certa relao de ser
parte de um todo maior, que o acolhe e o protege. Pertencer a algo,
alm de nos descentrar de uma onipotncia egocntrica, acalenta
um sentimento de prazer, de comunho, j que o ser humano no pode
responder
sozinho pelas suas questes existenciais.
(...) A mediao do pertencimento enfatiza: veicula o mediado nas
suas razes
sociais e ensina-o a estabelecer laos e referncias psicossociais
que iro ancorar,
por sua vez, a construo de uma histria de vida com passado,
presente e futuro. (s/p)
Compreende-se que o pertencimento tambm algo que se ensina e
aprende. No
inato.
2) Mediao do sentimento de competncia, pela elevao da
autoestima, onde o sujeito
se v capaz de realizar as aes exigidas pelo grupo social ao qual
faz parte. Enriquecendo
as possibilidades de novas construes e aprendizagens.
Meyer, Caruso e Salovey (1999) tem mostrado que as emoes so
importantes para
pensar corretamente. Elas reorientam, priorizam e dirigem o
pensamento, pois: facilitam as
decises e julgamentos; a compreenso dos estados de nimo;
organizam informaes e os
estados emocionais.
Goleman (1995) em seus estudos tem procurado mostrar a
importncia de uma
educao para o desenvolvimento emocional, ou metaemoo; no sentido
de gerir seus
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prprios sentimentos; organizar suas funes mentais; adaptar-se a
novas situaes e
ambientes culturais distintos e relacionar-se com os outros. Sem
dvida, elementos
indispensveis para o equilbrio mental e social dos
indivduos.
Os cinco passos por ele elencados, na construo desta educao
emocional seriam:
1. Desenvolver Empatia (capacidade de sentir o que o outro
sente); 2. Reconhecer a emoo
como oportunidade de intimidade e orientao; 3. Ouvir o outro,
legitimando seus
sentimentos; 4. Nomear e verbalizar emoes e por fim, 5. Impor
limites, ajudando o outro
a encontrar solues.
Embora muitos tericos ainda se contraponham s Teorias da
Inteligncia
Emocional, como apontado por Muniz e Primi (2008), que indicam
ser essa diferenciao
entre inteligncia emocional e personalidade j vem sendo
constatada em pesquisas
anteriores: (BRACKETT, MAYER e WARNER, 2004; BUENO, 2003; COBRO,
PRIMI,
MUNIZ, 2006; DANTAS, 2004; LOPES et al., 2004; PRIMI, BUENO;
MUNIZ, 2006).
O que se observa tambm que tal rejeio se deve pelo ceticismo
configurado por
resqucios da Cincia Moderna, que subjuga as questes emocionais
colocando-as num
segundo plano por compreend-las como campo do esprito e no da
mente. Contudo, h de
perceber que tais teorias trazem luz um novo paradigma,
necessrio e humano para as
relaes entre alunos, professores e aprendizagens.
A concepo de que cognio e afetividade so elementos dissociados
e, portanto
inerentes a algumas pessoas e outras no, tem levado a muitos
enganos conceituais e na
postura de docentes, que mesmo se inteno; acabam por excluir
alunos dos meios de
aprendizagem e da escola. Por crer que ambos funcionam e
pertencem a uma mesma
configurao ou estruturao cerebral, e que pode ser modificada, a
partir das contribuies
valiosas da neurologia e neurocincias; e de tericos como
Feuerestein, Luria, Vygotsky,
Piaget e outros contemporneos, cujo cerne epistemolgico
centra-se na mediao e
interao dos sujeitos com o meio cultural; que tal estudo se
fundamenta.
Contudo, cr-se que, muitos docentes no conseguem
desvencilharem-se dos mitos
do dom de aprender e com isto, ainda presencia-se nos seios das
escolas o fenmeno do
fracasso escolar, sentido e confirmado nas estatsticas da Amrica
Latina e em especial, das
brasileiras, atravs de seus rgos de avaliao institucional.
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A mediao deve partir da ao da escola em contribuir com a mudana
de
paradigmas e principalmente, no compromisso de atos educativos
que potencializem as
aprendizagens dos alunos das camadas populares e dos que
precisam ver-se competentes e
includos na sociedade, produtores de conhecimento e partcipes da
vida cidad.
LITERATURA E NEGRITUDE
Eu s existo porque ns existimos.
tica Ubuntu
Apesar dos tericos da literatura reconhecerem que os livros para
crianas foram
produzidos somente ao final do Sculo XVII e durante o Sculo
XVIII, (ZILBERMAN,
2003; SOUZA, 2006), a histria da humanidade revela que as
representaes de mundo,
dos seres e da natureza sempre estiveram permeadas de imaginao e
fantasia, atravs dos
contos, onde os seres fantsticos misturam-se realidade,
permitindo a criao e a
explorao do desconhecido, primeiramente de forma oral e, depois,
nas sociedades
letradas atravs de desenhos, histrias e relatos escritos.
Meireles (1979) afirma que:
A Literatura precede o alfabeto. Os iletrados possuem a sua
Literatura. Os povos
primitivos, ou quaisquer agrupamentos humanos alheios ainda s
disciplinas de ler
e escrever, nem por isso deixam de compor seus cnticos, suas
lendas, suas
histrias; e exemplificam sua experincia e sua moral com
provrbios,
adivinhaes, representaes dramticas vasta herana literria
transmitida dos tempos mais remotos e de boca em boca. (p.
19-20)
A literatura em que envolve a mitologia e/ou o sagrado descrita
nas comunidades
primitivas, onde os xams, sacerdotes, feiticeiros e sbios
revelam segredos e ordenanas
dos deuses ao povo, vide as comunidades que habitavam as regies
do Oriente a. C (judeus,
mulumanos, rabes, chineses, africanos e outros) e na Idade
Antiga com os gregos,
romanos, nrdicos e egpcios; perdurando at os dias de hoje em
muitas, inclusive entre os
ndios brasileiros.
Os livros sagrados das religies judaico-crists contam acerca da
criao do mundo,
dos destinos da humanidade atravs de contos e histrias. O Cristo
revelado na Bblia fala
aos seus discpulos por meio de parbolas. De sorte que,
compreendemos que a literatura
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para o pblico infantil teve seu reconhecimento formal e
registrado somente depois do
Sculo XVII, mas de fato j existia, permeando as mentes e
tornando ldica a construo
do cotidiano.
Com a concepo de que a criana era um ser diferente do adulto
(ROUSSEAU,
1973); e de braos dados com a Pedagogia, que a literatura
infantil torna-se de fato um
instrumento til na educao.
Zilberman (2003) aborda que os primeiros livros com fins
didticos traziam em seu
bojo uma nova configurao familiar, cujo modelo aproximava os
laos familiares, uma vez
que o sentido de infncia passa a ser percebido diferentemente
das necessidades do adulto;
contudo, vieram tambm os meios de controle do desenvolvimento
intelectual e emocional
das mesmas; por defender as relaes de poder na sociedade; o
modelo poltico burgus,
em oposio nobreza feudal; a viso de um mundo centrado na famlia,
seus valores do
casamento institucionalizado como meio de assegurar legitimidade
dos herdeiros e a
educao destes, de forma enciclopdica. Viso esta percebida nas
obras de Comenius -
Orbis Pictus e Didtica Magna (1592-1670), Basedow - Livro dos
Mtodos para Pais e
Naes (1723-1793) e outros.
Com a Idade Moderna e os apelos das camadas burguesas
escolarizao de seus
filhos, do status concedido infncia pelas ideias de uma
pedagogia inovadora em
Rousseau, Pestalozzi e Froebel (Sculo XVIII), contudo, o iderio
econmico do
liberalismo j consubstanciado socialmente; a literatura
destinada aos jovens e infantes
aparece como uma colnia da pedagogia, extirpada da arte, com
finalidade pragmtica,
comprometida com a inculcao dos valores de dominao e
subservincia de uma classe a
outras. (ZILBERMAN, 2003).
Para Luz, (2008), Zilberman (2003), Bernard Charlot (1979),
Meireles (1984); tem-
se como consequncia imediata a valorizao da infncia como etapa
diferenciada, que
envolve fragilidade biolgica, fsica e psquica, cuja inocncia
natural agrega maiores
cuidados e proteo sobre sua formao de carter; contudo, alijada
da produo econmica
ser em dependncia total da vontade adulta, portanto vulnervel
corrupo social.
Neste sentido faz-se mister compreender que:
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Os tratados pedaggicos so fechados, ideologicamente carregados
de valores
burgueses liberais (ARANHA, 1989; RIBEIRO, 1993; ROMANELLI,
1991);
A escola atua como agncia credenciada formao acadmica, cujo
currculo
manipula os saberes que devem ser inculcados, acentua a diviso
entre
indivduo e sociedade e entre si, numa competio pelos esforos
pessoais, sem
levar em conta as diferenas e experincias individuais; contribui
para a diviso
de classes e de gnero; impede a formao de grupos variados e da
diversidade
prpria de cada lugar quando impe o critrio nico de aceitao: a
escola
para homens brancos e ricos. (BOURDIEU; PASSERON, 1976;
ALTHUSSER,
1983; FREITAG, 1986; MOCHCOVITCH, 2001);
As relaes escola e vida contrariam a ordem natural, uma vez que
se negado
o social para introduzir o normativo, sem questionamentos,
politicidade e
crtica. (FREIRE, 1987).
De igual forma, a literatura, refm da pedagogia burguesa, serve
como instrumento
de multiplicao da ordem em vigor,
(...) seja pela atuao de um narrador que bloqueia ou censura a
ao de suas
personagens infantis; seja pela veiculao de conceitos e padres
comportamentais
que estejam em consonncia com os valores sociais prediletos;
seja pela utilizao
de uma norma lingustica ainda no atingida por seu leitor, devida
falta de
experincia mais complexa na manipulao com a linguagem.
(ZILBERMAN,
2003, p. 23)
Que de acordo com Palo e Oliveira (2006) a ausncia de abstrao
compensada
pela concretitude, (...) que vai da operao mais simples mais
complexa do pensamento
(p. 6) e este o caminho pedaggico para a construo do
conhecimento.
Ainda para Zilberman (2003); a literatura enquanto arte
sujeitou-se ao ensino
pedagogizante cujo texto se revela como um manual de instrues;
no entanto pode provar
sua utilidade e beleza quando se tornar espao de reflexo social
e da prpria condio do
indivduo, pois a fico permite invadir e recriar a viso de mundo,
por meio de smbolos e
linguagem, que extrapola condicionantes de gnero, classe e da
realidade circundante.
Neste sentido, o contato direto com o texto implica em
alargamento dos
horizontes; que expressos pela (re) apropriao dos mitos, contos,
fbulas, lendas ou pelo
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relato de aventuras possvel perceber-se em que contexto se est
inserido e com o qual
pode vivenciar sua realidade, num processo de intercmbio entre
cognio e emoo.
Zilberman (idem) afirma que:
Da representao da criana no livro infantil decorrer o tratamento
artstico de sua
busca de identidade e lugar social. Se o resultado ficcional
pode apresentar
caminhos comprometidos com o leitor, na medida em que lhe
propiciam o
reconhecimento e a soluo para seus dilemas internos, o contrrio
tambm pode
ocorrer. (p. 102)
Na atualidade, sem perder o formato pedaggico; e muitas vezes
confundida com o
livro didtico, a literatura infantil continua a servio de
ideologias e de classes, mesmo que
no percebidas pelo adulto interlocutor, narrador ou que se
utiliza dos textos enquanto
pretexto de lies que necessitam ser apreendidas pelos alunos.
(PALO; OLIVEIRA,
2006).
So caractersticas da literatura infantil, cuja origem histrica
est na adaptao:
1 Do assunto: linguagem clara, objetiva, texto coerente com as
necessidades
infantis e principalmente que incorpora um contedo
comportamental e
doutrinrio aceitao de valores socialmente impostos;
2 Da forma: visando prender a ateno do leitor, os personagens
tm
sequncias de encadeamentos lineares e marcantes, sem delongas e
finalidades
morais;
3 Do estilo: frases curtas e com vocabulrio que no excede a
compreenso do
leitor;
4 Do meio: presena de ilustraes e formato colorido, agradvel e
prtico.
Contudo, j possvel perceber na contemporaneidade uma ruptura com
modelos
socialmente impostos pela cultura burguesa em se tratando da
literatura infantil brasileira, a
partir de meados dos anos 70, do Sculo XX.
So autores como Ruth Rocha, Elisa Lucinda, Ziraldo, Srgio
Caparelli, Ceclia
Meireles, Lygia Bojunga e tantos outros, que se percebem o
imaginrio e o real frente a
frente, com denncias sociais, o rompimento com a sacralidade dos
contos de fadas e a
aproximao com o real, sem, contudo, perder suas caractersticas
de vanguarda quanto
forma, estilo e meio, mesmo porque as crianas de hoje no se
assemelham s da Idade
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Mdia ou Moderna. Ou seja, investe-se na inteligncia e na
sensibilidade da criana, agora
sujeito de sua prpria aprendizagem e capaz de aprender do e com
o texto. (PALO;
OLIVEIRA, 2006, p. 12).
Para Abramovich (1997) a literatura faz-se importante na vida
das crianas porque
principia sua aprendizagem num caminho absolutamente infinito de
descoberta e
compreenso de mundo (p. 16); uma vez que suscita o imaginrio;
possibilita descobrir
um universo de conflitos, impasses, solues e alternativas porque
todos passam; desperta a
curiosidade natural; ouvindo histrias que se pode sentir toda
sorte de emoes (raiva,
tristeza, alegria, euforia, pavor, insegurana, etc.); podem-se
descortinar a Geografia,
Histria, Filosofia, Poltica, Sociologia, tica sem a feio da sala
de aula.
Entretanto, ainda no final do Sculo XX; as figuras do negro e do
ndio, partcipes
da histria nacional, aparecem somente de forma folclorizada e
mtica, alijada da realidade
social e segundo Souza (2006) tais personagens no tm destaque na
literatura infantil
brasileira, e quando so mencionados, aparecem de forma jocosa,
humilhante e
inferiorizada; tal como em Monteiro Lobato (1956), que descreve
a empregada Tia
Anastcia de preta com alma de branco, uma vez que todos sabem
que ela preta s por
fora. (p. 166)
Sem dvida, a literatura necessita demarcar os seus limites e
fronteiras com o que
no literatura ou formas no literrias, e da funo que ela exerce
sobre contexto
emancipatrio, reconhecimento e superao de problemas individuais
e/ou sociais que
provm o seu valor. Alm de que, como caractersticas intrnsecas
esto: a presena do
fantasioso, do imaginrio, do contedo onrico e imagtico
imbricados; a peculiaridade de
apresentar universo em miniatura. (ZILBERMAN, 2006; BETTELHEM,
2001). Acima de
tudo preciso compreender como se d a literatura africana em suas
matizes e de igual
forma contemplar a figura dos negros e seus descendentes no
acervo brasileiro no s pela
importncia histrica que imprime, mas como meio de construo
identitria.
Literatura Africana e Afrodescendente
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A literatura nas comunidades negras, pela sua tradio e histria,
foi passada por
muitos sculos atravs da oralidade. Os contos, canes, lendas e
mitos reforam a cultura
do grupo e transmitem o sentimento de pertencimento e
identidade. Estas manifestaes
tambm comprometidas com a luta de libertao do povo representam
ainda hoje
estratgias de luta.
Debruados sobre a sapincia dos velhos africanos, enquanto
guardies da memria,
que nos grupos e comunidades eram, e ainda o so, cantadas e
contadas em forma de
versos, lendas e canes, a histria, os embates, os heris, a
resistncia negra contra
colonizadores. Em tais circunstncias, a literatura vem de certa
forma, assegurar o direito
fala, pois pela criao potica pode-se ocupar um lugar vazio
apresentando uma contra fala
ao discurso oficial, ao discurso do poder. (PROENA FILHO, 2004)
e de certa forma, O
canto potico planta e rega a memria coletiva (p. 1).
Submetidos s disporas, os momentos dedicados literatura grupal e
tais retratos
vividos e poetizados no foram esquecidos. Luz (2008) indica que
indivduos negros
isoladamente ou em seus grupos registraram a histria e fora
negra, divulgando a lngua de
suas ancestralidades, publicando livros e contribuindo para a
formao de acervos acerca da
cultura essencialmente africana, a exemplo de Mestre Didi (1961)
e as tradies do povo
nag, no Brasil.
No entanto, a historiografia nacional brasileira, por longos
anos, nos fez acreditar na
figura do negro ou da negra apticos, sem fora, indolentes e
preguiosos, que faz parte de
uma totalidade ideologizante, que busca ocultar o verdadeiro
sentido do que ser africano ou
afrodescendente.
Desta forma, o negro foi completamente esquecido nos livros de
literatura e
didticos, aparecendo sempre como algum que teve uma participao
na fora produtiva
do pas, em momentos recortados e isolados, tais como na
agricultura aucareira e no
processo abolucionista de rompimento escravagista. Fatos estes
comemorados ou indicados
nos livros, como perodos de pouca valia; em que a figura dos
brancos sempre se destaca,
inclusive da Redentora Isabel com sua pena urea que bondosamente
os livra da
escravido.
Somente no Sculo XX; em especial a partir das dcadas de 20 e 30,
a partir de uma
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ateno voltada para a construo identitria procurou-se registrar a
histria tipicamente
nacional e desta forma, como meio de garantir a formao de
valores, passa-se a escrever
criana brasileira na sua linguagem, sobre sua gente, suas razes
raciais e culturais. No
entanto, a presena do negro na literatura brasileira no escapa
ao tratamento
marginalizador que, desde as instncias fundadoras, marca a etnia
no processo de
construo da nossa sociedade. (PROENA FILHO, 2004, p. 1)
Os textos desta poca traduzem personagens negros pertencentes s
sociedades
arcaicas, ultrapassadas, atrasadas, ignorantes e primitivas,
como um retrato do continente
africano e de igual forma, a escravido representada como marca
de vergonha e atraso,
assim, como o corpo negro, as prticas e histria desta ou daquela
nao.
No incomum perceber a presena dos negros idosos e negras que se
transformam
em personagem constantes, como contadores de histrias,
feiticeiros, benzedeiros ou
cozinheiras para crianas brancas; meninos negros abandonados
prpria sorte a fazerem
molecagens como pequenos marginais; os homens e mulheres bem
feitos de corpos, cujo
valor est no tamanho de seus atributos sexuais e na fora
primitiva do sexo. (GOLVA,
2005).
A viso passada pelas histrias sobre a cultura africana traz
elementos bastante
primitivos, carregados de valor afetivo, associados ingenuidade,
estereotipia e
simplificao, prprios de uma perspectiva folclorizada. Tais
questes necessitam de uma
reviso de forma que:
Possamos compreender os mecanismos de excluso legitimados pela
sociedade. Por
exemplo, quando nos referimos literatura brasileira, no
precisamos usar a
expresso literatura branca, porm, fcil perceber que, entre os
textos consagrados pelo cnone literrio, o autor e autora negra
aparecem muito pouco, e, quando aparecem, so quase sempre
caracterizados pelos modos inferiorizantes
como a sociedade os percebe. Assim, os escritores de pele negra,
mestios, ou
aqueles que, deliberadamente, assumem as tradies africanas em
suas obras, so
sempre minoria na tradio literria do pas. (Proena Filho, 2004,
p.13)
Nota-se claramente uma viso estereotipada de cultura nos textos
do incio do
Sculo XX de escritores brasileiros que buscaram escrever na
literatura infantil sobre os
negros no Brasil. A exemplo, v-se na fala de D. Benta,
personagem do Stio do Pica-Pau
Amarelo, obra de Monteiro Lobato (1937), o reflexo deste
pensar:
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Ns no podemos exigir do povo o apuro artstico dos grandes
escritores. O povo...
Que o povo? So essas pobres tias velhas, como Nastcia, sem
cultura nenhuma,
que nem ler sabem e que outra coisa no faz em seno ouvir as
histrias de outras
criaturas igualmente ignorantes, e pass-las para outros ouvidos,
mais adulteradas
ainda. (p. 30)
O povo representado pela pobreza negra, ignorante e
infantilizada, crdula e de
poucas oportunidades, a quem no adianta educar os sentidos e
mente.
A literatura infantil caracterizada pela criatividade de seus
autores mantm o padro
da imaginao e o uso do fantstico em suas representaes e Tales de
Andrade (1919)
anteriormente, induz que o negro precisa embranquecer e para
isto utiliza-se da magia, do
irreal e ilusrio para confirmar seu preconceito e racismo. No
texto Prola da Manh, ele
descreve como fazer tal ao:
Tamil disse-nos que os primeiros homens que foram criados viviam
margem de
um grande rio, que fica para l!, Disse Prola da Manh, apontando
para o norte.
Eram todos pretos. Mas, alguns deles que sabiam nadar...
Atravessaram o rio para o
outro lado. A gua lavou-os e eles ficaram brancos. Desde ento,
os homens brancos
esto sempre a estender os braos, convidando os homens pretos a
tambm
atravessarem o rio (...) eu tambm desejava atravess-lo nado, a
fim de tornar-me
branca. (p. 32)
Para Luz (2008) a literatura infantil brasileira utiliza os
discursos mticos da
religio, linguagens e figuras de forma severa e crtica,
reprimindo-os em nome da
civilizao; procurando atacar as fontes que asseguram o orgulho e
identidade negra, como
os valores de progenia e continuidade da existncia,
utilizando-se de termos agressivos,
injustos e indelicados como criolo doido, negra maluca, negra do
balaio grande, cabelo
ruim, macaca, negro feiticeiro; reduzindo todas as aes e valores
negros ao mstico,
perigoso, satnico, marginal. Tais barreiras e representaes
ideolgicas visam
desumanizar os africanos e seus descendentes e deix-los merc da
manipulao das
polticas genocidas. (p. 24).
No entanto, no desta literatura que se pretende estabelecer como
referencial
cultura negra ou dos valores negros presentes em nossa histria,
e base desta pesquisa uma
vez que:
O resgate dos mitos, a proximidade cultural com a frica, mas sem
distores
nostlgicas, e com outros pases em que a discriminao existe; o
tempo escravo
repensado, as revoltas, a situao do negro e de seus descendentes
na construo
socioeconmica do pas e sua marcada participao nos tempos
heroicos da
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formao da nacionalidade, as contribuies lingusticas colocadas em
evidncia na
nossa lngua portuguesa do Brasil, podem, entre outros traos,
contribuir, atravs da
transfigurao na literatura, para o melhor conhecimento e o
redimensionamento da
presena do negro na sociedade brasileira. So verdades e valores
capazes de se
opor vigorosamente aos esteretipos e preconceitos ainda vigentes
no
comportamento de muitos brasileiros. (PROENA FILHO, 2004, n.
p)
Se de fato a literatura brasileira conseguir romper esteretipos
e ranos
discriminatrios, poder marcar uma nova poca onde a literatura
negra seja de fato
brasileira, como marca identitria e no uma literatura "negra" ou
"marrom". (PROENA
FILHO, 2004).
Lobo (1989) afirma que:
Um dos aspectos primordiais que ao meu ver define a literatura
negra, muito
embora no seja um elemento norteador, em geral, dos estudos
sobre o assunto, o
fato de a literatura negra do Brasil ou afro-brasileira ter
surgido quando o negro passa de objeto a sujeito dessa literatura e
cria a sua prpria histria; quando o
negro visto geralmente de forma estereotipada, deixa de ser tema
para autores
brancos para criarem sua prpria escritura no sentido de Derrida:
a sua prpria
viso de mundo. S pode ser considerada literatura negra,
portanto, a escritura de
africanos e seus descendentes que assumem ideologicamente a
identidade de
negros. (p. 91)
Mrcio Barbosa (1985), coloca a questo: Pode-se falar de uma
literatura negra?
(p. 51). Quando falamos de sujeito na literatura negra no
estamos falando de um sujeito
particular; de um sujeito construdo segundo uma viso
romntico-burguesa, mas de um
sujeito que est abraado ao coletivo.
preciso perceber que sujeitos da literatura negra tm a sua
existncia marcada por
sua relao, e por sua cumplicidade com outros sujeitos. Temos um
sujeito que, ao falar de
si, fala dos outros e, ao falar dos outros, fala de si.
(ORLANDI, 1988, n. p)
A pluralidade emerge quando se trata de recontar a histria negra
africana ou
afrodescendente onde as vozes so coletivas, prprias de um grupo
marcado e resistente,
que muito tem a mostrar, ou seja, Tudo adquire um valor
coletivo. (DELEUSE;
GUATARRI, 1997, p. 25).
O que caracteriza uma literatura negra no somente a cor da pele
ou as origens
tnicas do escritor, mas a maneira como ele vai viver em si a
condio e a aventura de ser
um negro escritor. No podemos deixar de considerar que a
experincia negra numa
sociedade definida, arrumada e orientada por valores brancos
pessoal e intransfervel.
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E, se h um comprometimento entre o fazer literrio do escritor e
essa experincia
pessoal, singular, nica, se ele se faz enunciar enunciando essa
vivncia negra, marcando
ideologicamente o seu espao, a sua presena, a sua escolha por
uma fala afirmativa, de um
discurso outro diferente e diferenciador do discurso
institucionalizado sobre o negro
podemos ler em sua criao referncias de uma literatura negra.
David Brookshaw (1983) reconhece que os escritores negros podem
produzir
internalizando e defendendo esteretipos contra eles mesmos,
todavia faz uma ressalva:
(...) O aspecto importante a emergir da obra dos escritores
negros, como veremos,
que, embora possam defender e mesmo internalizar esteretipos
criados pela
tradio branca a respeito deles, suas obras raramente limitam-se
a isso, mas
inevitvel e desejavelmente, transmitem um conhecimento mais
ntimo da posio
do negro na Amrica Latina e uma perspectiva mais pessoal e
honesta de suas
aspiraes. (p. 145-146)
Assim, evidenciam-se, na sua trajetria no discurso literrio
nacional, dois
posicionamentos: a condio negra como objeto, numa viso
distanciada, e o negro como
sujeito, numa atitude compromissada. (PROENA FILHO, 2004, p. 1)
Ou seja, tem-se
uma literatura onde o negro objeto e de outro o sujeito de sua
prpria histria.
Apropriar-se de sua histria e de sua cultura, reescrev-la
segundo a sua vivncia,
numa linguagem que possa ser libertadora, o grande desafio para
o escritor afro-
brasileiro. Ele escreve, se comunica atravs de um sistema
lingustico que veio aprision-lo
tambm, enquanto cdigo representativo de uma realizao lingustica
da cultura
hegemnica.
A literatura negra brasileira, ao apresentar um discurso outro
que pretende uma
autoapresentao do negro discordante de um discurso de
representao do negro
produzido pela literatura dominante.
Entretanto, ainda se v que na literatura contempornea nomeada
como Negra no
h voz nem vez, uma vez que os brancos somam quase quatro quintos
das personagens,
com uma frequncia mais de dez vezes maior do que a categoria
seguinte - negros. Em
56,6% dos romances, no h nenhuma personagem no branca
importante. Em apenas
1,6%, no h nenhuma personagem branca. (DALCASTAGN, 2007,
s/p).
O que se espera que ao ser inserida no conjunto das produes
contemporneas, a
Literatura Negra Brasileira passe a ter o mesmo espao delegado s
produes de contextos
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brancos, pois ainda so consideradas como de menor valia ou ainda
militante, pelo
contedo tnico e social apresentado, os textos encontram
dificuldade de se inserirem no
mercado editorial e no so avaliados como literrios do ponto de
vista da crtica
tradicional, ou os que conseguem furar o bloqueio so tratados
como material especfico, de
pouca tiragem e por isto os preos so bem maiores e at
extorsivos. (DOMINGOS
RIBEIRO, 2008)
O negro brasileiro no pode ser tratado como o outro, que tanto
trabalhou pela
grandeza da nao etc. e a quem se deve reconhecimento especial
por isso, como no cabe
agradecer aos brancos portugueses ou aos ndios, mas tambm no
deve tratar-se como o
outro em nome de sua autoafirmao. (PROENA FILHO, 2004).
Como os demais grupos tnicos, ele parte da comunidade que fez e
faz o pas. Se a
luta em que se empenha se tornou e continua necessria, isto se
deve, como sabido, ao
fato de ter-se tornado alvo de tratamento social e
historicamente discriminatrio.
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