1RODRIGO TEIXEIRA
A Origem daMsica Sertaneja de
Mato Grosso do Sul
2 Dlio & Delinha
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Primeiro Long Play gravado pela dupla Dlio & Delinha em 1961
4Copyright 2009 by Rodrigo Teixeira Pesquisador Assistente: Raphael Teixeira Capa e projeto grfico: Lula Ricardi . XYZdesignAssistncia de design: Rodrigo Vargas Tratamento de imagem e restaurao de fotos: Leonardo de FranaDecupagem: Rodrigo Teixeira, Raphael Teixeira e Las Camargo Reviso: Marcelo Arma e Ariane Martins
As entrevistas aqui contidas foram editadas para maior clareza.A fotocpia de qualquer folha deste livro ilegal, e configura uma apropriao indevida dos direitos intelectuais e patrimoniais do autor.As informaes contidas na discografia so uma reproduo do contedo dos encartes dos discos originais dos artistas.
INVESTIMENTO Fundo de Investimentos Culturais (FIC/MS)
51 edio
Campo Grande - MS - BrasilDezembro 2009
RODRIGO TEIXEIRA
A Origem daMsica Sertaneja de
Mato Grosso do Sul
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LP de Rodrigues & Rodriguinho com participao de Beth & Betinha lanado em 1964
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Beth & Betinha
8Zacarias Mouro com Itamy & Anahy
9O LIVRO
Ao propor o projeto para escrever o livro Os Pioneiros A Ori-
gem da Msica Sertaneja de MS no imaginava a fundura do poo.
Primeiramente, pensei em fazer um trabalho envolvendo Dlio &
Delinha, ainda sem ter a dimenso da obra da dupla. Aos poucos, ao
ampliar o leque para os fi nados Zacarias Mouro e Z Corra fi cou
evidente o elo entre, no s os trs nomes citados, mas uma turma
que transformou, a partir dos anos 50, o Sul do Mato Grosso em um
celeiro artstico de primeira qualidade e com caractersticas dife-
rentes do restante do pas. Beth & Betinha, Amambay & Amamba,
Dino Rocha, Maciel Corra, Elinho do Bandoneon, Tosto & Gua-
rany, duplas que j no existem mais como Ado & Praense e Adail &
Tesouro, os cantores Benites, Victor Hugo e Aurlio Miranda, a sau-
dosa Jandira... Ao iniciar a pesquisa para esta obra ainda em 2008,
constatei que seria insufi ciente o espao para contar a histria de
tantas duplas e artistas que ajudaram a construir a primeira fase de
profi ssionalizao da msica de Mato Grosso do Sul. At porque a
histria de cada um deles daria um livro inteiro.
O fato de termos uma bibliografi a diminuta sobre a msica de
Mato Grosso do Sul reforou a necessidade de se colher as infor-
APRESENTAO
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maes direto na fonte. Por isso, tive de ir a campo. Decidi que as
verses dos fatos seriam dadas por meio dos depoimentos dos pr-
prios condutores da histria. Foram meses at conseguir encontrar
alguns destes pioneiros. No entanto, sempre tive uma guarida segu-
ra. Na segunda parte do livro esto as entrevistas, onde mantive ao
mximo a fi delidade na maneira que o artista se expressa. At para
se registrar como estas pessoas que guardam as tradies de um
Sculo XX ainda sem tecnologia avanada se comunicavam.
Confesso que abrir arquivos e bas empoeirados foi uma das par-
tes mais prazerosas do trabalho. H muito ainda da memria de
Mato Grosso do Sul sendo guardada em caixotes e gavetas, longe
demais dos museus ofi ciais. importante ressaltar o trabalho de
restaurao de imagens feito para o livro, tanto das capas dos LPs
como das dezenas de fotos dos artistas. Um dos principais objetivos
desta publicao contribuir para a catalogao e organizao das
informaes sobre a msica do Estado. Por isso, a terceira parte
traz a discografi a dos artistas dedicada exclusivamente a long-plays
(LPs) e compactos em 78 e 33 rotaes por minuto. Tambm esto
listados os dados biogrfi cos dos msicos, com nome, local e data
de nascimento.
Na pesquisa para encontrar os LPs, muitos raros, foi fundamental
o trabalho de colecionadores campo-grandenses de discos de vinil.
Os principais so Capito Moura, Kenzo, Fauzer, Odilo e Luiz Carlos.
Juntos eles ultrapassam a marca de 40 mil LPs, incluindo centenas
de discos regionais. So verdadeiros heris porque preservaram a
memria musical do Estado, enquanto os registros das apresenta-
es nas rdios, dos festivais de msica, dos shows-dramas nos cir-
cos e nos palcos dos cinemas campo-grandenses nos anos 50, 60 e
70 so praticamente inexistentes.
Apesar de realizar a catalogao de 110 lbuns e 1.149 msicas
da obra de artistas fundamentais de Mato Grosso do Sul, muitos
ainda precisam ser analisados e suas histrias resgatadas. Duplas,
cantores e instrumentistas que aliceraram o mercado e a cena mu-
sical do Sul de Mato Grosso como Romance & Romerinho, Curioso
& Barqueirinho, Baronito & Sereninho, Ivo de Souza & Florito, Aba-
dil Viegas, Atlio Colman, Frankito, Delcides Alves Gondin Jnior,
Dozinho Borges, Charles Franco... Todos eles tambm pioneiros.
Por isso, encaro este livro como um ponto de partida. Uma fonte
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de informao para auxiliar estudos futuros. Primeiro preciso co-
nhecer, s para depois analisar. E os fatos so a mais pura fonte da
histria e da verdade.
O subttulo da obra - A Origem da Msica Sertaneja de MS -
uma maneira de afi rmar que o Sul de Mato Grosso produzia uma
msica diferenciada em relao aos grandes centros e o que se en-
tendia e consumia de msica sertaneja para a poca. Graas po-
sio geogrfi ca, foi inevitvel que a herana da msica fronteiria
(do Paraguai e Argentina) j estivesse bem delineada nas canes
de nossos primeiros compositores.
E estes primeiros compositores so pessoas vindas do campo,
muitos nasceram em fazendas, viveram na faixa de fronteira e cons-
truram um repertrio que refl ete estas razes. Cantando em trs
idiomas - portugus, espanhol e guarani - e amparados por ritmos
ternrios - como a polca, a guarnia e o chamam - estes artistas
tiveram o mrito de ser um diferencial do prottipo de caipira, que
falava de maneira antiga, vestia-se de modo rudimentar e tocava
basicamente moda de viola. Delinha deixa isso bem claro em suas
falas.
A elegncia, na verdade, uma das qualidades desta gerao de
msicos. O terno sempre impecvel de Dlio e a saia rodada de De-
linha viraram marca da dupla. O poeta elegante Zacarias Mouro,
o ndio do Mato Grosso, tambm fazia suspirar as mocinhas dos
auditrios e as colegas de trabalho, como as Irms Galvo afi rmam
com todas as letras no documentrio Ti e a rvore - Vida e Obra
de Zacarias Mouro, dedicado ao compositor de Coxim. O tambm
saudoso Z Corra sempre estava alinhadssimo. Beth & Betinha
eram as princesinhas da fronteira! Victor Hugo e Benites at hoje
mantm a fi na estampa. Esta gerao toda sertaneja, mas tem
uma herana mais ligada a tradio castelhana do que caipira. O
que a difere do restante do pas.
Alm da questo comportamental, preciso ressaltar a impor-
tncia das apresentaes destes artistas nos circos e nas rdios.
Desde o fi nal da Segunda Guerra Mundial o nmero de emissoras
de rdio estava em ascenso no Brasil. No fi nal dos anos 40 j eram
mais de cem no pas que atendiam trs milhes de aparelhos recep-
tores. Os programas de rdio acabavam popularizando os artistas e
na outra ponta da cadeia produtiva estavam os circos, que faziam
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este artista circular pelas grandes cidades e interior dos Estados.
Estima-se que apenas em So Paulo havia, no incio da dcada de 50,
aproximadamente 200 circos que serviam de porto seguro para os
dolos sertanejos, que eram repelidos pela intelectualidade do pas.
Com as apresentaes nos circos, outra faceta tinha que ser re-
velada: a de ator. Muitas vezes, a de escritor tambm. Os shows
tinham a parte musical e tambm o que chamavam de drama, um
esquete de teatro. Estas encenaes colocavam os artistas j co-
nhecidos nos papis principais e a equipe do circo fazia os persona-
gens que giravam em torno dos protagonistas. O estilo era sempre
a comdia pastelo, o dramalho e o bang bang. Era como se fosse
uma novela seguida de uma apresentao musical. Depois de assis-
tir a textos como Pistoleiro Satnico, Preta Veia, Ladro Deteti-
ve, Pai Joo, Planeta dos Mansos, Deus Perdoa, Eu No e Kid
Querosene o pblico j estava ganho para o show que viria depois.
No fi nal da dcada de 1950, Campo Grande servia de moradia
e base para muitos msicos que vinham de Ponta Por, Bela Vista,
Maracaju, Coxim, Trs Lagoas, Corumb e Aquidauana. Movimento
que iria aumentar gradualmente nas prximas dcadas. A arte inte-
riorana pulsava e eram as rdios que refl etiam isso. Os locutores fo-
ram essenciais neste processo e se tornaram agentes da cena musical
campo-grandense. Em especial a dupla formada pelos irmos Juca
Ganso e o saudoso Ramo Achucarro, que faleceu em agosto de 2009.
J no fi nal da feitura do livro, entrevistei Juca Ganso. Ele contou uma
das passagens mais comoventes da msica sul-mato-grossense: a tr-
gica morte de Z Corra em frente a Rdio Educao Rural em abril
de 1974, em Campo Grande. Depoimento sensvel e emocionante.
Todos os msicos desta gerao, sem exceo, tiveram um
contato intenso com o rdio. Dlio & Delinha, por exemplo, por
vrios anos se deslocaram todas as semanas para comandar um
programa na rdio de Aquidauana. Beth & Betinha comearam
nos concursos das rdios de emissoras de Ponta Por e Pedro
Juan Caballero. Dino Rocha participou com Os Filhos de Gois de
programas de grande audincia em So Paulo. Zacarias Mouro
comeou a carreira ganhando concursos de poesias nas rdios e
comandou produes jornalsticas, de variedades e musicais na
Rdio Bandeirantes, Radio Nacional, Excelsior...
Alguns artistas sul-mato-grossenses tiveram um contato prximo
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com nomes importantes do cenrio nacional. Capito Barduno, que
foi quem batizou Delanira e Zezinho, ainda Duo Pintassilgo, como
Dlio & Delinha, foi um dos locutores mais infl uentes da msica ser-
taneja e o primeiro do gnero na poderosa Rdio Bandeirantes. Ou-
tro personagem fundamental em toda a evoluo e, principalmente,
registro e divulgao do que seria a msica produzida pelos artistas
que estavam residindo em Campo Grande e que vinham de vrios
lugares foi Mrio Vieira. Tambm compositor lembra de Sabi l
na gaiola fez um buraquinho, voou, voou, voou...? -, ele transformou
a sua gravadora, a Califrnia, em uma base dos msicos do Sul de
Mato Grosso. Depois de Dlio & Delinha e o sanfoneiro Z Corra
lanarem seus lbuns pela Califrnia, respectivamente, na virada
dos anos 50 e fi nal da dcada de 1960, a gravadora no parou mais
de produzir discos de artistas do Estado at o fi nal dos anos 1970.
Quem fazia a ponte dos msicos do Sul de Mato Grosso no s
com a Gravadora Califrnia, mas com os programas de rdios e cir-
cuito de shows em So Paulo era Zacarias Mouro. Foi ele que enca-
minhou Dlio & Delinha Rdio Bandeirantes e os apresentou aos
importantes Capito Barduno e Bigu. Depois de famoso, o acordeo-
nista Z Corra tambm foi o responsvel pela ida de vrios artistas
para gravarem seus primeiros discos na Califrnia, como Elinho do
Bandoneon, Jandira & Benites, Amambay & Amamba e Curioso &
Barqueirinho.
Um dos mais importantes msicos paraguaios, Hermnio Gim-
nez, tambm passou por Mato Grosso do Sul e teve contato com
vrios artistas de Campo Grande. Este foi um dado completamen-
te novo para mim quando comecei a pesquisa do livro. O saudoso
maestro paraguaio fez vrias apresentaes no Estado. Sua ligao
com o Sul de Mato Grosso vem desde que se exilou nos anos 50 na
Argentina e transformou as cidades de Corrientes e Buenos Aires
em suas moradas. A atrao de Hermnio Gimnez pelas cidades
sul-mato-grossenses e o contato mais prximo com Elinho do Bando-
neon e Jandira & Benites refora a caracterstica platina e comprova
a qualidade da produo autoral e de interpretao do cancioneiro
sul-americano dos msicos da regio sul-mato-grossense desde o
incio dos anos 50. So muitos os personagens que construram a
primeira cena artstica do Sul de Mato Grosso.
Um aviso importante a no incluso no livro de informaes
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especfi cas sobre a saudosa Helena Meirelles. Uma deciso difcil
que tive de tomar por vrias razes. Pela densidade e tamanho da
sua trajetria, A Dama da Viola tomaria com facilidade todas as
pginas deste livro. Tive a honra de conhecer e entrevistar Dona He-
lena e tenho imenso respeito e admirao. Esta pantaneira de boca
suja e corao gigante, no entanto, um fenmeno parte. Pratica-
mente um milagre, uma brincadeira de Deus. Helena nasceu em 13
de agosto de 1924. Veio ao mundo apenas sete meses antes de Jos
Pompeu, o Dlio, o atual patrono da msica sul-mato-grossense com
85 anos. Entendo que Dona Helena, apesar de ser contempornea,
vem de uma outra histria, que no tem a ver com o pessoal de D-
lio & Delinha. Em um movimento praticamente subterrneo, Dona
Helena s deixou o circuito das fazendas e inferninhos do Pantanal
e interior de Mato Grosso do Sul e So Paulo nos anos 1990. Mais
especifi camente, em 1993, o seu sobrinho mandou uma fi ta para a
Guitar Player e a revista norte-americana acabou a elegendo como
instrumentista-revelao. Depois disso, a sua palheta de chifre de
vaca foi inclusa no pster em que a mesma Guitar Player listou as
100 melhores do mundo, de todos os tempos, junto com as de B. B.
King, Jimi Hendrix e Eric Clapton.
Com isso, Dona Helena ganhou fama no fi nal de sua vida e se
transformou em uma das artistas mais conhecidas de nosso Esta-
do. Gravou trs discos pela Eldorado (Helena Meirelles/1994, Flor
da Guavira/1996 e Raiz Pantaneira/1997) e depois mais dois dis-
cos (Helena Meirelles Ao Vivo/Sapucay Discos/2003 e Os Bambas
da Viola/Quarup/2004). Ainda foi o foco de documentrios e fi lmes,
como Dona Helena, de Dainara Toffoli, e Helena Meirelles: A
Dama da Viola, de Francisco de Paula. Seu nome batiza a Concha
Acstica do Parque das Naes Indgenas de Campo Grande. Enfi m,
Dona Helena est bem registrada, embora particularmente acredite
que uma pesquisa mais aprofundada deva ser feita em torno da tra-
jetria e do modo com que ela tocava violo com afi nao de viola.
Acompanhei de perto seus ltimos dias em 2005, quando aos 81
anos faleceu no Hospital das Clnicas em Campo Grande, cidade na-
tal que ela voltou a viver depois de ganhar uma casa modestssima
do governo do Estado em 2002.
Na minha primeira entrevista para o livro, que fi z questo que
fosse com Dlio, o msico falou o seguinte sobre Dona Helena:
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`Ouvi falar dela muito, mas depois que ela fi cou famosa. Esse o
grande defeito. Deixam as pessoas sofrerem primeiro para depois
valorizarem. Helena Meirelles quando apareceu j tava com 70 e
tantos anos. Ela tocava no estilinho bonitinho, s nas duas cordinhas
de baixo. Din din din, din din din.
Lanar esta publicao dedicada aos pioneiros da msica de
Mato Grosso do Sul justamente em 2009 e sem ter a inteno de
conciliar com datas importantes pura coincidncia. So 50 anos
da primeira gravao de Dlio & Delinha e Beth & Betinha. Tambm
faz cinco dcadas que Goi musicou os versos de Zacarias Mouro
para o p de cedro que ele havia plantado em 1939, 70 anos atrs.
L se vo 35 anos que Z Corra foi tirado de nosso convvio e 15
que a inimitvel Jandira foi vencida por um cncer. Zacarias Mouro
foi morto h duas dcadas.
Por isso, dedico este livro memria de trs grandes artistas sul-
mato-grossenses que eu no poderei entregar em mos esta obra,
mas que so inesquecveis. Mesmo aps terem se tornado estrelas,
ainda no receberam o devido reconhecimento pela grande obra
construda e trajetria fundamental para o surgimento da msica
sul-mato-grossense.
Zacarias Mouro, Z Corra e Jandira, este livro vai para vocs!
Rodrigo Teixeira Campo Grande, setembro de 2009
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O acordeonista Z Corra
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AGRADECIMENTOS
Acima de tudo, gostaria de agradecer a minha me, Maria Lcia, pelo apoio
em todas as horas;
A minha irm, Luciana, e ao meu pai, Margenato, pela ajuda permanente e
incentivo fundamental;
A meu irmo Raphael, pela dedicao e levantamento de informaes para o
livro e a confi ana plena;
Aos meus amigos sinceros, Leandro Calixto, Prsio Rodrigues (Bl), Frede-
rico Carvalho (Fred), Mrcio de Camillo, Jerry Espndola, Maurcio Copetti,
Marcelo Arma, Antnio Porto, Fernando Bola e Carol Alencar;
A todas as pessoas que concederam entrevistas para este livro;
Aos colecionadores Capito Moura, Kenzo, Fauzer, Odilo e Luiz Carlos; peas
fundamentais para se montar a trajetria da msica de Mato Grosso do Sul;
Aos pesquisadores Professora Glorinha S Rosa, Idara Duncan, Paulo Rena-
to Coelho Neto, Marlei Sigrist, Cndido Alberto da Fonseca, Paulo Simes
e Evandro Higa e os fi nados Hlio Serejo, Jos Octvio Guizzo e Henrique
Spengler, desbravadores em revelar o signifi cado da cultura regional de MS;
A Zito Ferrari, da Editora UFMS;
A toda a equipe liderada pelo Professor Amrico Calheiros na Fundao de
Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS) por ter acreditado neste projeto;
Aos fotgrafos Eduardo Medeiros, Jefferson Ravedutti, Maurcio Borges,
Moiss Palcios, Minamar Jnior e Saul Schramm, por registrar a histria
da arte sul-mato-grossense;
Aos artistas que tiveram a disposio e confi ana em abrir seus arquivos
pessoais;
A Lgia, por ceder material precioso de seu pai, saudoso Zacarias Mouro;
A Leonardo de Frana, pela pacincia em restaurar vrias imagens maltra-
tadas pelo tempo;
A Lula Ricardi e Rbia Gutterres, pelo empenho e carinho na feitura do livro;
A Cristiane Pingarilho, por ter me resgatado e incentivado a trilhar o cami-
nho do jornalismo;
A Ariane Martins, pela viso crtica, o carinho e o companheirismo na fi nali-
zao do trabalho,
Para as minhas fi lhas, Gabriela e Ana Lua, meus tesouros.
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Amambay & Amamba
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SUMRIO
APRESENTAO / O LIVRO 9AGRADECIMENTOS 17SUMRIO 19
PARTE 1 . A msica de Mato Grosso do Sul 23
PARTE 2 . Depoimentos 39
O FENMENO DLIO & DELINHA 41O batismo na Rdio Bandeirantes 45Gravadora Califrnia 48Filme de Tonico & Tinoco 50A roupa 53Rasqueado 54 Chantecler 55A volta para Campo Grande 56Retorno da dupla 57
BETH & BETINHA 59As Princesinhas da Fronteira 59Rodrigues & Rodriguinho 62Primeira gravao 64Curioso & Barqueirinho 65A Mulher Vampira 66
ZACARIAS MOURO 69O Poeta Embaixador 69 Rdio 71Coluna Venenos do Zacarias 72P de Cedro 76Itamy - A Garota Mgica do Teclado 77Mudana para Campo Grande 80Bandeira de MS 82O batismo de Dino Rocha 85O personagem 86Morte do Zacarias 89
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CHAMAM NO COMANDO 92Amambay & Amamba 92O vo de Z Corra 95O encontro com Mrio Vieira 96A Mato-grossense 97
Z CORRA 99Da fazenda para o mundo 99O legado 103O estilo 107O Rei do Chamam 108A confuso 111Campana 113O crime 114
DINO ROCHA 122Bananas 127Os Filhos de Gois 128
O SISTEMA 129Maciel Corra 129A primeira gravao 132O hit Cadeado 133
A MSICA PARAGUAIA 134O encontro de Jandira & Benites 134Cabana Gacha 137O chamado de Z Corra 139Jandira 141Free way na fronteira/Victor Hugo e Benites 144Mercado 145Cultura fronteiria 148
CRUZEIRO, TOSTO, CENTAVO E GUARANY
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151Aurlio Miranda: Rumo ao Sul de MT 151O encontro de Aurlio e Adir 153O empurro de Delinha 155A gravao na Califrnia 156O nome Cruzeiro & Tosto 157A chegada do Centavo 158Os campees do Festo 160Estrada de Cho 162O fi nal prematuro do trio 163A unio de Tosto & Guarany 168O compacto 170Os donos do circo 171Campanha poltica 172
PROGRAMA DE RDIO EM CAMPO GRANDE 175Incio 175Ado & Adail 180
PRIMEIROS ACORDEONISTAS 182Atlio Colman e Abadil Viegas 182Nos embalos do circo 184
PARTE 3 . Discografi a 189
Dlio & Delinha 191Z Corra 206Amambay & Amamba 213Jandira & Benites 223Dino Rocha 230Beth & Betinha 237Los Tammys/Victor Hugo 239Elinho do Bandoneon 247Maciel Corra 250Adail & Tesouro 256Ado & Praense 259Cruzeiro, Tosto, Guarany e Centavo 263Zacarias Mouro 269
PARTE 4 . Bibliografi a 275
22 O sanfoneiro Dino Rocha
23
PARTE 1
A MSICA DEMATO GROSSO DO SUL
24
25
HISTRIA A msica de uma regio refl exo do homem que habita aquele
lugar. E este homem infl uenciado no s por seus sentimentos,
mas pelo o que o rodeia. A identidade de um local acompanha a
trajetria de sua ocupao. A msica sul-mato-grossense comeou
a germinar a 11 mil anos atrs, data dos primeiros vestgios da pre-
sena humana no local que hoje chamamos de Mato Grosso do Sul.
Neste perodo, que o fi nal da Era do Gelo, grupos de caadores-
coletores transitavam pela regio. Estudos tentam comprovar que
eles vieram da frica Oriental. Ou seja, estavam vinculados a raa
negra. J os indgenas, que s chegaram por volta de oito mil anos
na Amrica, originrios da sia, encontraram por aqui justamente
estes caadores-coletores que se extinguiram, provavelmente, de-
vido ao contato com os novos habitantes.
As sociedades indgenas, como se conhece atualmente, comea-
ram a se formar h cinco mil anos. A Nao Guarani abrangia toda
a Bacia do Prata passando por Brasil, Paraguai e Argentina com
mais de um milho de pessoas. Uma tribo em especial que habita-
va esta regio chegou a ameaar a expanso europia: os Mbay-
Guaikuru. O cavalo, que era encarado por outras etnias como uma
caa que se multiplicava no campo, se tornou uma poderosa arma
de guerra. Defi nidos como a imagem de um Hrcules pintado, eles
fi caram ainda mais poderosos ao se aliarem aos Payagu-Guaikuru,
famosos por lutarem em suas canoas e transformarem seus remos
em lanas de duas pontas.
O contato dos indgenas com o homem branco e europeu come-
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a nas primeiras dcadas de 1500. A resposta correta para qual
seria a data e quem teria sido este europeu ainda gera polmica.
Uma das teses considerada por alguns autores como mito a de
que o primeiro homem branco a chegar no territrio do hoje Mato
Grosso do Sul teria sido o portugus Aleixo Garcia entre 1520 e
1524. Depois de naufragar em uma expedio em Santa Catarina,
teria se tornado lder e subido com dois mil indgenas at Santa
Cruz de La Sierra pelo caminho de Peabiru nome da rota que
faria a ligao entre Oceano Pacfi co e o Oceano Atlntico e que
iria do Peru ao Brasil, passando pelo Paraguai e Bolvia e, claro,
o Pantanal. Uma espcie de free-way de trs mil quilmetros que
servia de idas e vindas para os incas, guaranis e vrios outros po-
vos. Depois de ultrapassar a regio de Corumb pelo Rio Paraguai,
encontrou fortalezas construdas pelos incas e as saqueou. Rebela-
dos, os guarani mataram o tal Aleixo. Mas no existem documentos
que comprovem que o portugus tenha realmente existido ou que
o prprio Caminho de Peabiru no passe de lenda.
Mais prximo da realidade a provvel passagem de lvar
Nez Cabeza de Vaca pelo Pantanal, com direito a encontro com
ndios da regio, como os paiagus. Criado em Sevilha, ele tinha 45
anos quando comandou uma armada de quatro navios que deixou
o Porto de Cdiz em 2 de novembro de 1540 e chegou em Santa
Catarina em 29 de maro de 1541. Centenas de homens - entre
400 a 700, segundo os historiadores - e 16 dos 30 cavalos que
embarcaram na Espanha aportaram sob o comando de Cabeza de
Vaca no Brasil. Seu objetivo era chegar em Assuno, onde se tor-
naria governador do Rio de la Plata. Durante o trajeto descobriu
as frondosas Cascatas de Iguau e em seu dirio de viagem relata
de maneira detalhada o movimento das guas que presenciou e
que muito se parece com o fenmeno que ocorre todos os anos na
regio pantaneira de Mato Grosso do Sul. Neste longo caminho
eles chegaram em 11 de maro de 1542 -, a expedio se tornou
notcia entre as tribos porque recebiam dos estrangeiros muitos
artefatos de ferro. Os indgenas faziam festas para a chegada de
Cabeza de Vaca e seus homens. Sabe-se que nestas ocasies eram
tocados atabaques, tambores e apitos.
Com a vinda do homem branco desenvolvido, as infl uncias eu-
ropias seriam incorporadas para sempre na msica do continente,
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at ento dominado pela arte produzida por aqueles indgenas que
chegaram a cerca de oito mil anos atrs e que tocavam instrumentos
rudimentares, de percusso, basicamente. Com certeza, na tentativa
de aproximao dos indgenas e, depois, para mant-los cativos, a
msica foi uma das principais ferramentas utilizadas desde a chega-
da dos jesutas, at porque, como se confi rma no caso de Cabeza de
Vaca, os prprios indgenas tambm usavam a mesma tcnica.
Este territrio de passagem do homem branco seguiu at fi -
nal do sculo XIX. Mas a presena do negro por estas bandas j
vinha das pioneiras expedies na primeira metade de 1500, con-
tinuou com os bandeirantes nos 1600, aumentou com as comitivas
das Mones em 1700 e chegou ao auge nos 1800. Os bandeirantes
tinham alguns ajudantes negros na caa aos indgenas. Ao contr-
rio da poca das Mones, em que eram necessrias dezenas de
escravos para realizar as travessias dos varadouros de muitos quil-
metros e enfrentar como remeiros a fora de rios, como o Paraguai
e o Paran. Mato Grosso do Sul fi cava bem no meio desta rota que
ligava So Paulo cobiada, pelo ouro, Cuiab, em Mato Grosso.
Segundo a historiadora Zilda Alves de Moura destaca em seu livro
Cativos nas Terras dos Pantanais, em 1834 muitos dos pioneiros
cuiabanos resolvem descer, com escravos a tiracolo, para o Sul do
Estado para montar fazendas em terras que os nativos habitavam.
Mas no s os poderosos tinham seus escravos. Os prprios sitian-
tes e os agricultores menores possuam ao menos um negro em sua
propriedade. Por estas bandas, ento, desde 1543, quando Cabeza
de Vaca e seus homens teriam passado pelo Pantanal, foram 300
anos em que circularam pelo Sul de Mato Grosso uma grande va-
riedade de estrangeiros africanos e europeus, alm dos brasileiros
- vindos em grande parte de So Paulo e regio Sul - e os vizinhos
sul-americanos, principalmente os paraguaios.
Segundo Darcy Ribeiro, em O Povo Brasileiro, em 1500 haviam
cinco milhes de ndios isolados quando os portugueses chegaram
na ilha Brasil. Em 1800, este nmero era de um milho de ndios
isolados e 500 mil de ndios integrados. Ou seja, 3,5 milhes de
indgenas foram exterminados. Os escravos eram 30 mil em 1600 e
em 1800 atingiriam 1,5 milho. Neste clima hostil, mesmo com as
culturas africana, europia e indgena andando lado a lado no conti-
nente sul-americano em geral, no Sul de Mato Grosso em particular,
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bvio que no existia clima para jam sessions. At porque, alm
da explorao da prpria natureza sem piedade, ocorreu um ver-
dadeiro massacre do branco europeu sobre os negros e indgenas.
O fato que somente aps a guerra com o Paraguai, entre 1864
e 1870, que o Sul de Mato Grosso se tornou famoso perante os
brasileiros. Como vieram soldados e combatentes de todas as partes
do pas, as belezas e as terras boas para fi xar moradia fi cam conhe-
cidas depois que a nao paraguaia foi derrotada sem piedade por
Brasil, Argentina e Uruguai. E o primeiro plo cultural a surgir na
regio foi Corumb na virada do Sculo XIX para o XX. A cidade foi
fundada em 21 de setembro de 1778 e tinha em 1900 cerca de 15
mil habitantes. O porto corumbaense se tornou um dos principais da
Amrica do Sul e atraiu muitos estrangeiros. Um dado importante
a presena de uma base da Marinha a partir de 1873 na vizinha
Ladrio, com muitos integrantes vindos do Rio de Janeiro e Cuiab.
Com a chegada do Exrcito em 1903, o ambiente fi cou ainda mais
propcio para o surgimento de bandas de msica.
De acordo com Jos Octvio Guizzo, no livro A Moderna Msica
Urbana de Mato Grosso do Sul, baseado em artigos do jornalista e
pesquisador Renato Baez, at o fi nal dos anos 1930, muitas orques-
tras e bandas atuavam na cidade. As primeiras, alm da prpria ban-
da do Exrcito fundada em 1903, teriam sido o Conjunto do Matias
e a Orquestra do Mestre Ferro, um portugus que morava por l.
A cidade contou at mesmo com a Filarmnica Corumbaense, que
animava sesses de cinema mudo sob a regncia do maestro Emdio
Campos Vidal. No incio da dcada de 1930 havia tantos msicos
em Corumb que uma orquestra especial teria sido montada com
30 elementos. Todos estas informaes necessitam de um estudo
aprofundado e uma pesquisa para encontrar documentos que com-
provem esta efervescncia instrumental na Cidade Branca. Com a
herana da vinda de muitos escravos a Corumb, incrementado pela
chegada dos cariocas militares, a cultura do samba sempre foi mui-
to apreciada na cidade.
A ponto de Corumb ter a sua primeira escola de samba fundada
em fevereiro de 1933, apenas quatro anos depois da estao Primei-
ra da Mangueira ter surgido no Rio de Janeiro. Guizzo aponta Jos
Igncio da Silva Neto, o Tim, como o compositor da primeira m-
sica popular urbana feita por um sul-mato-grossense e gravada por
29
uma editora de fama nacional. A msica chama-se Silncio Notur-
no, um samba-cano gravado pelo cantor Carlos Augusto pelo selo
Sinter, em 1955. O pesquisador garante que esta msica foi muito
executada nas rdios do Sul do Estado e em Corumb, chegando
a virar prefi xo dos cinemas locais. O prprio Tim gravou no ano
seguinte um compacto de 78 rotaes contendo duas composies
suas: Destino e Pingo de Chuva. O caso de Tim, no entanto, iso-
lado e refl ete, alm do prprio talento do artista, a grande conexo
que Corumb mantinha com a cultura carioca, j que as composi-
es eram sambas e falavam basicamente de amor, sem nenhuma
relao com o universo cultural da prpria regio. Mas foi realmen-
te na dcada de 50 que a msica autoral do Sul de Mato Grosso
fl oresceu e isso tem tudo a ver com o desenvolvimento de Campo
Grande desde 1914, quando chegou na cidade o trem da Noroeste
do Brasil vindo de Bauru e estourou a Primeira Guerra Mundial,
inviabilizando o comrcio do porto corumbaense.
Enquanto Corumb iria chegar na segunda metade do Sculo
XX em declnio econmico, Campo Grande faria o caminho inverso.
Jos Antnio Pereira, um mineiro de Barbacena, fundou o Arraial de
Santo Antnio no ano de 1877. Ele havia sado de Monte Alegre em
4 de maro de 1872 com o objetivo de chegar as terras da regio da
Vacaria, ao Sul de Mato Grosso, por um caminho j trilhado pelos
soldados mineiros e goianos que tinham ido lutar na guerra com o
Paraguai. O aventureiro viajou acompanhado apenas do fi lho Ant-
nio, do guia Luiz Pinto e dois escravos. Foram trs meses e meio at
Jos Antnio chegar em 21 de junho de 1872 a confl uncia dos cr-
regos depois batizados de Prosa e Segredo. claro que a chegada
dos mineiros traria tambm toda a cultura secular de Minas Gerais.
Uma idia da mentalidade reinante e da msica que era ouvida nos
primrdios de Campo Grande, elevada categoria de cidade somen-
te em 1918, pode ser conferida em um dos itens do primeiro Cdigo
de Posturas do municpio. expressamente proibido fazer sambas,
caterets ou outros quaisquer brinquedos que produzam estrondo
ou vozerio dentro da vila. Ou seja, no incio de sua histria, a misce-
lnea cultural j estava instalada. O cateret vem de Minas Gerais e
a catira do interior de So Paulo. O samba, claro, dos negros. Uma
verdadeira salada compe o imaginrio cultural da cidade desde
a fundao at os dias de hoje. Herana vinda dos indgenas e caa-
30
dores-coletores, dos portugueses, espanhis, japoneses e vizinhos
paraguaios e bolivianos, alm dos migrantes sulinos e nordestinos e
outras regies do pas.
O jornalista Valrio DAlmeida, um dos mais importantes cronis-
tas do Estado, relata no artigo O Prstito Carnavalesco de 1914, no
livro Campo Grande de Outrora, que havia na Rosa de Maracaju
- maneira com que se referia a cidade campo-grandense - um grupo
de entusiastas que j organizava apresentaes de msica e teatro.
Miguel Garcia, Joaquim Bertolino, Mestrinho e Tobias eram ex-
mios musicistas, formando, em conjunto, uma excelente orquestra,
sendo o primeiro timo cantor, tendo, na sua mocidade, tomado par-
te ativa no elenco do teatro Lrico do Rio de Janeiro. Valia a pena
assistir s lindas noitadas que organizavam, quer fazendo msica,
quer levando peas teatrais ribalta de um pequeno palco constru-
do na hoje tristonha e abandonada Rua 26 de Agosto.
Seu texto data de maio de 1949. Mas demoraria at a dcada
de 50 para surgirem os primeiros compositores, vindos de vrios
locais, mas que moravam em Campo Grande. Na verdade, at este
perodo, no havia clima na cidade para se fazer vos intelectuais.
Alm da prpria infra-estrutura de Campo Grande, que s foi
melhorar a partir dos anos 1930, com a construo de vrias obras
e a primeira modernizao do municpio, um dos empecilhos para
que surgissem artistas com trabalhos prprios na cidade que ha-
via tambm um clima de insegurana, gerada pelo grande nmero
de armas de fogo usadas pela populao e pela presena de bandos
organizados, que assaltavam e saqueavam principalmente fazendas
e cidades na regio da fronteira algo que durou at a dcada de
1940. Houve um esforo enorme do Governo Vargas e seu Estado
Novo para combater estes criminosos e desarmar a populao do
Sul de Mato Grosso, impingindo at mesmo toque de recolher e lei
do silncio.
De acordo com Valmir Batista Corra, em seu Coronis e Bandi-
dos em Mato Grosso, vrios destes bandidos fi caram famosos, como
o correntino Franck Six Moritz. Conhecido como Sismrio, chamava
a ateno pela bela aparncia e o fi no trato. Foi morto na segun-
da dcada de 1900. A gacha Capitoa, apelido de Maria Aparecida
Belmonte, foi uma das poucas mulheres a comandar um grupo de
bandoleiros no Estado na primeira e segunda dcada do Sculo XX.
31
Mas os bandos proliferaram-se na regio a partir de 1930. Um dos
mais conhecidos era liderado por Silvino Jacques, o Lampio de
Mato Grosso. Ele famoso tambm pelos bailes que organizava e
por tocar violo e cantar, alm de fazer seus prprios versos. O seu
auge foi nos anos de 1935 e 1936 e, depois de servir aos podero-
sos, acabou caado e morto em 1939 pela polcia de Getlio Vargas.
Os bandos chamados Bochincheiros, constitudos por fronteirios
e paraguaios, que atuavam na zona ervateira prxima ao Paraguai,
tinham uma peculariedade, conforme ressaltou o historiador Hlio
Serejo e que Valmir Batista destacou em p de pgina em seu livro.
Como (os bochincheiros) no conseguiam trabalho, passavam a se
divertir com musiqueada (baile improvisado) que recebia o nome de
bochincho. Com certeza, a trilha sonora deste pessoal era a polca
paraguaia. Um dos ltimos grupos organizados e armados foi o dos
Baianinhos, liderado pelo valente Otaclio Batista, bvio, baiano.
Em 1942 este grupo ps terror na zona fronteiria atacando fazen-
das do Pantanal portando metralhadoras de mo conhecidas popu-
larmente por piriri. No ano seguinte eles seriam desmantelados.
Em 1941, Campo Grande tinha atingido os 25 mil habitantes. A
cidade dava os primeiros sinais de desenvolvimento. De acordo com
ngelo Arruda, em Campo Grande - Arquitetura e Urbanismo na
Dcada de 1930, em 1938 desenhou-se a primeira planta urbana do
municpio e desenvolveu-se, ento, um plano diretor para a cidade
em 1941. Os primeiros edifcios, os monumentos Obelisco e Rel-
gio da 14, o Colgio Dom Bosco, o Hotel Americano, a Agncia dos
Correios e Telgrafos, o Hotel Colombo, o Cine Alhambra, o Colgio
Nossa Senhora Auxiliadora, as Casas Pernambucanas, a Casa Said
Name, a Casa de Sade Santa Maria, o Estdio Belmar Fidalgo, a
estao da Noroeste do Brasil... Todas estas obras foram realizadas
durante a dcada de 1930. Com o fi nal da Segunda Guerra, do longo
perodo sob o governo ditatorial de Getlio Vargas e da exploso do
rdio no Brasil, a partir de 1945 todo o mundo ocidental vive uma
fase de euforia e esta onda comearia a chegar na provinciana Cam-
po Grande durante os anos 1950 e 1960 e explodir nos 1970, com
122 mil habitantes morando na rea urbana.
Na dcada de 1940, alguns msicos eruditos residentes em Cam-
po Grande formaram um grupo para tocar violinos, violoncelos, vio-
les e piano. Msicos militares eram chamados para os instrumen-
32
tos de sopro. Eles se apresentavam nos cinemas de Campo Grande,
como o extinto Cine Santa Helena, e em cidades do interior, com um
repertrio sinfnico adaptado para a formao e tambm tocavam
msica de salo. Os lderes foram os msicos Frederico Lieberman
e Eldio Campos Vidal. importante ressaltar ainda o papel do R-
dio Clube, fundado em 1924, como local em que se fazia arte em
Campo Grande. Muitos grupos de fora do Estado se apresentaram
no clube, que teve carnavais histricos e foi testemunha da evoluo
da sociedade de alto poder aquisitivo na cidade. Nos anos 1950,
se destacou o Conjunto do Lalo, um quinteto que se tornou popular
nos bares e casas noturnas campo-grandenses.
At a, no entanto, no havia nenhum compositor local ou um
grupo com trabalho autoral em evidncia na cidade. O que havia,
at ento, era msica para animar bailes, festas de casamento, da-
tas comemorativas, eventos ofi ciais e, claro, churrascos e festan-
as nas fazendas. Este repertrio vinha de dois lugares principal-
mente: da rdio - que foi fundada no Brasil em 1923 e nos anos 1940
j havia se tornado o principal meio de comunicao e mdia de
massa do povo brasileiro -, e do cancioneiro paraguaio. Os grandes
artistas do pas eram cantores do rdio que estavam no eixo Rio-So
Paulo. No seria Campo Grande que fi caria de fora deste fenmeno
nacional. No entanto, tudo o que se faz nas grandes cidades re-
petido, e antes em maior escalada, nos fundes do pas. Por isso, as
rdios locais tambm produziriam suas estrelas locais. A partir dos
anos 1950, ento, comeam a surgir os primeiros nomes da msica
do Sul de Mato Grosso com trabalhos autorais.
A PRIMEIRA TURMA OS DESBRAVADORES DOS 50
O fato que entre 1500 e 1600 a presena dos espanhis foi gran-
de na regio sul-mato-grossense. Isso deixou marcas, independen-
temente da fronteira poltica estabelecida pelos governantes. Em
grande parte do Estado, vrios hbitos e costumes do povo paraguaio
permaneceram na banda de c brasileira. Com o grande xodo ocor-
rido no lado paraguaio devido a combates como a guerra com Brasil,
Argentina e Uruguai, a Guerra do Chaco (1932/1935) e a Revoluo
33
Civil (1947), muitos deles se estabeleceram na fronteira do Sul de
Mato Grosso, Paran e no Norte da Argentina, em Corrientes. Os pri-
meiros compositores do Estado so descendentes da mistura destes
paraguaios com os migrantes brasileiros, principalmente mineiros e
gachos.
Entre os artistas com trabalhos autorais em tempos mais longn-
quos est Ceclio da Silva, depois transformado em Amamba. Aos
10 anos, em 1947, ele montou a dupla Campanha e Corumb (seu
parceiro) e se apresentava na Rdio Difusora de Aquidauana. Em
1956, participou da dupla Garimpo e Garimpeiro, desfeita porque
seu parceiro precisou ir para So Paulo tratar da voz que estava
perdendo, e logo formou com Emdio Umar, que j tinha tido a dupla
Alvarenga e Umar, a famosa dupla Amambay & Amamba, nome su-
gerido por Zacarias Mouro.
Outra pioneira foi Eleonor Aparecida Ferreira dos Santos, a Beti-
nha. Em 1951, com 10 anos, formou com seu cunhado a dupla Nh
Chico e Nh Xica. Eleonor e sua irm Josabeth estrearam como Beth
& Betinha em 1956 no Clube Amambay, em Pedro Juan Cabarello.
Elas ganharam o ttulo de Princesinhas da Fronteira depois de ven-
cer um concurso em uma rdio de Assuno de composio em cas-
telhano e guarani. As duas j faziam o trecho de cidades da fronteira
paraguaia com o Brasil e em 1958 vieram para Campo Grande tocar
na Rdio PRI-7. Quem estava na cidade era o circo de Nh Pai, aque-
le que comps Beijinho Doce e vrias canes dedicadas ao Mato
Grosso. Ele escutou Beth & Betinha cantando na rdio e as chamou
para se apresentar em seu circo que estava montado aonde hoje o
Mercado Municipal de Campo Grande.
Zacarias Mouro tambm j tinha passado pelo Rio de Janeiro,
com a inteno de se tornar padre, e So Paulo, onde se estabeleceu
at os anos 1980. No comeo da dcada de 1950, o compositor de
Coxim comeou a ganhar os primeiros concursos de poesias nas
rdios paulistanas. Foi sem dvida o primeiro artista do Sul de Mato
Grosso a ter programas prprios em emissoras de rdios poderosas
e escrever em revistas musicais importantes do eixo Rio-So Paulo.
A parceria dos primos ele 11 anos mais velho do que ela Jos
Pompeu e Delarina Pereira aconteceu em 1956 em Campo Grande.
Primeiro eles formaram um trio, com a amiga Vanir chamado Duas
Damas e Um Valete. Depois fi caram apenas os dois Zezinho e Deli-
34
nha como o Duo Pintassilgo. Nas primeiras apresentaes em So
Paulo na Rdio Bandeirantes, em 1958, j casados, os dois ainda
atendiam por este nome, o que foi rapidamente modifi cado pelo ex-
periente Capito Barduno, primeiro locutor sertanejo da emissora
e que batizou os dois de Dlio & Delinha.
A msica autoral do Sul de Mato Grosso nasceu escancarando
a infl uncia da msica paraguaia. Mas a antropofagia rolou solta.
Nem o rasqueado desenvolvido por Raul Torres, Nh Pai, Mario Zan
e Capito Furtado desde a dcada de 1940 e tampouco a rigidez das
normas estruturais da escola tradicionalista musical do Paraguai. A
msica desta regio sempre foi outra coisa. Algo genuno e muito
particular. Assim como Corrientes se orgulha de ter criado o cha-
mam o termo surgiu na cidade nos anos 1930 -, Campo Grande
tambm pode gabar-se de ter seu prprio estilo de interpretar a pol-
ca, a guarnia e, sim, o prprio chamam correntino. Esta linha de
criao artstica desenvolve-se at os dias atuais, mas os primeiros
foram justamente esta gerao dos anos 1950.
Depois, em 1960, Z Corra iria revolucionar o modo de tocar
o acordeon e a maneira de interpretar os chamams argentinos.
importante salientar que o jeito de tocar duetado a sanfona gera
uma discusso sobre se foi Z Corra ou no o criador da tcnica.
Mas o importante, e inconteste, que foi ele, um descendente de
gachos e nascido em uma fazenda, quem popularizou esta nova
maneira de tocar o instrumento. Este jeito de tocar o chamam, que
Dino Rocha depois se tornou o principal representante, ainda um
enigma para a maioria dos sanfoneiros de outras regies do pas.
Por isso, quando os nacionalistas apontam a msica fronteiria
como no sendo brasileira, h uma negao de um lado do pas que
no se enquadra nos moldes do que se consome e produz artistica-
mente no litoral do Brasil. O fato que em poucos lugares do pas os
compositores unem trs lnguas nas letras espanhol, guarani e por-
tugus -, e o ritmo explorado o ternrio (3/4 ou 6/8). Esta gerao
de 1950 foi a primeira a fazer isso no campo da msica autoral e esta
tradio segue at hoje na msica sul-mato-grossense. pertinente
ressaltar que at o fi nal dos anos 1970, quem dominava a cena arts-
tica e ditava as cartas era justamente Dlio & Delinha e companhia.
Quando o Mato Grosso do Sul foi criado em 1977 e dois anos depois
o Estado nasceu de fato, era urgente responder a questo sobre
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qual era a msica sul-mato-grossense e quem eram os msicos que
representavam o novo Estado. O fato que esta gerao comeou a
declinar no fi nal dos anos 1970 e na dcada de 1980 enfrentou a forte
concorrncia dos ritmos sulinos, como o vanero, que se popularizou
no Estado e, de certa maneira, mudou o panorama do mercado musi-
cal, antes basicamente dominado pelo gnero fronteirio.
No momento em que se cria o Mato Grosso do Sul, a gerao que
havia comeado a fl orescer nos festivais estudantis, a partir de 1967
em Campo Grande, se fi rma como a detentora da verdadeira msi-
ca do novo Estado. Entre eles, Grupo Acaba, Famlia Espndola, Pau-
lo Simes, Carlos Colman... Com isso, este pessoal dos anos 1950
acaba deixado de lado, pois h uma espcie de negao de tudo
o que representava o antigo Mato Grosso. A gerao de Geraldo
Espndola viveu a primeira onda da globalizao, com a televiso j
mais popular que o rdio divulgando astros nacionais e estrangeiros
e a juventude em plena revoluo de costumes. No entanto, a obra
destes compositores dos 50 tambm signifi cativa e, em termos de
quantidade de discos e fonogramas gravados, imbatvel at os dias
atuais. Nenhum artista sul-mato-grossense gravou mais que Dlio &
Delinha ou Dino Rocha. importante frisar tambm que a ligao
com Cuiab praticamente no existiu para a maioria destes com-
positores. Dlio & Delinha, por exemplo, fez apenas um show nos
palcos cuiabanos em 50 anos de carreira.
P de Cedro e A Mato-Grossense, de Zacarias Mouro, Cria-
dor de Gado Bom, Prazer de Fazendeiro e O Sol e A Lua, de Dlio
& Delinha, Estrada de Cho, de Aurlio Miranda, Don Artur, de
Z Corra, e Gaivota Pantaneira, de Dino Rocha, so clssicos re-
gionais to representativos do Sul de Mato Grosso quanto os que
viriam depois com Almir Sater e seus companheiros a partir dos
anos 1970. O tom pr-natureza j estava contido na ecolgica P de
Cedro, feita em 1959, quando o assunto no era nem de longe uma
pauta interessante. Com certeza, Zacarias Mouro um dos primei-
ros compositores do pas a emplacar um sucesso nacional com este
tema e a partir de uma histria pessoal, pois ele plantou a rvore
protagonista em 1939, aos 11 anos. Cinco dcadas depois de ser
criada, P de Cedro resiste ainda como a msica mais conhecida e
uma das mais regravadas do cancioneiro do Estado.
O compositor paulista Raul Torres foi um dos primeiros do pas
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a ir at Assuno para beber direto da fonte da msica paraguaia.
Ele fez trs viagens capital paraguaia nos anos de 1935, 1944 e
1950. considerado o primeiro brasileiro a compor rasqueados, o
gnero que seria o abrasileiramento da polca paraguaia e da gua-
rnia. Em 1943, Capito Furtado organizou uma turn por todo o
Estado de So Paulo, Gois, o Tringulo Mineiro, e o Mato Grosso.
Foi nesta excurso que Mrio Zan comps Chalana, segundo re-
lata Rosa Nepomuceno em Msica Caipira - Da Roa ao Rodeio,
vendo o Rio Paraguai de sua janela do quarto do Hotel So Bento na
cidade de Corumb. Nh Pai tambm foi outro pioneiro em compor
rasqueados, a adaptao da polca paraguaia que agradou em cheio
ao pblico brasileiro. A maior prova disso o sucesso nos anos 1950
da dupla Cascatinha e Inhana, os Sabis do Serto. Em 1952, eles
gravam um LP de 78 rpm com verses de ndia e Meu Primeiro
Amor (Lejania). Na poca foram 500 mil cpias prensadas, o que
equivaleria na dcada de 1990 a dois milhes, ainda de acordo com
Rosa Nepomuceno.
At hoje no foi feita uma pesquisa sobre a vendagem dos dis-
cos sul-mato-grossenses. Sabe-se que os primeiros LPs de 78 rpm,
os bolaches, gravados por Dlio & Delinha, assim como vrios
discos da dupla, foram muito bem aceitos. Um dos mais vendidos
foi Gosto Tanto de Voc, de 1968, que contou com a participao
do estreante Z Corra. A msica Criador de Gado Bom tornou-
se um dos hits do repertrio do Casal de Ona de Mato Grosso.
Z Corra, alis, foi um dos artistas que mais venderam discos em
uma carreira meterica. De 1968 a 1974, quando foi assassinado,
gravou sete discos solo, um compacto duplo e 14 discos com outros
artistas. O LP Os Mensageiros de Mato Grosso, que ele fez ao
lado de Amambay e Amamba, em 1969, pela Califrnia, infl uen-
ciou muito os msicos do Estado, incentivando o aparecimento de
muitos trios com a formao de dois violes e sanfona. A ltima
msica do Lado B deste lbum se transformou em fenmeno de
vendas e de pedidos nas rdios do Estado: A Mato-grossense, de
Zacarias Mouro e Flor da Serra.
O fato que desde a gerao de Raul Torres que o rasqueado j
era apreciado no prprio Paraguai. A msica de Capito Furtado e
Palmeira, Paraguayita, Pepita de Oro, de 1944, fi cou famosa por
ser uma das mais apreciadas pelo presidente paraguaio na poca.
37
Por isso, alguns artistas de Campo Grande acabaram produzindo
disco na gravadora Cerro Cor, de Assuno. Foi o caso de Adail e
Tesouro (Sereia Loira/1974), Ado e Adail (Pula Pula Corao/1975,
Que Problema Tem?/1976) , Dino Rocha (Meus Sentimentos/1975) e
Amambay e Mbakarai (Os Mensageiros da Fronteira/1975). O mer-
cado e a integrao musical entre o Paraguai e o Sul de Mato Grosso
incentivaram a gravadora Cerro Cor a abrir uma fi lial em Campo
Grande, a Melodias Discos. O selo lana, por exemplo, o disco Se-
parados na Cama, dos Irmos Ouro e Prata, em 1979.
Assim como h o interesse dos brasileiros em romper as barrei-
ras que os separam do pblico do pas vizinho, os paraguaios se inte-
ressam pelo Brasil. E muito. Se o Paraguai tem a msica riqussima
e uma espcie de bero da alma da cultura guarani, o Brasil possui
um mercado atrativo para os msicos paraguaios e este desejo, de
fazer mais shows, vender mais discos e tocar para mais pessoas,
que fez bandas como o Los Tammys rumarem para o Mato Grosso
do Sul principalmente a partir do fi nal dos anos 1970. Originrio de
Pedro Juan Caballero, cidade vizinha a Ponta Por, o grupo grava
vrios discos pela Cerro Cor e Melodias Discos e se apresentou
a partir do comeo da dcada de 1970 em vrias cidades do Esta-
do. Conhecidos por serem um dos primeiros grupos a romper com
a formao clssica de instrumentos acsticos, ditados pela escola
tradicionalista, o conjunto comeou a cantar as polcas e msicas
tradicionais do pas com baixo, bateria e guitarras no acompanha-
mento. A banda se apresenta em vrios clubes campo-grandenses,
como o Surian e o Libans, e o cantor Victor Hugo de La Sierra aca-
bou vindo morar no incio dos anos 1980 em Campo Grande, onde
residente at hoje.
Esta atmosfera fronteiria era perfeitamente sentida na recm fei-
ta capital do novo estado de Mato Grosso do Sul, na dcada de 1980.
Havia vrias churrascarias com msica paraguaia ao vivo. A mais fa-
mosa foi a Cabana Gacha. A dupla que mais se destacou na noite
campo-grandense foi Jandira e Benites, em um tempo que se passava
de mesa em mesa, cantando a pedidos e faturando principalmente
com a caixinha que os clientes deixavam para os msicos. Esta gera-
o, no entanto, se apresentou muito mais nos circos que circulavam
pelo interior e capital do Sul de Mato Grosso. A pesquisa deste livro
se encerra em Tosto & Guarani, pelo autor entender que esta foi a
38
ltima dupla que ainda guarda mais semelhanas do que diferenas
em relao aos primeiros compositores que surgiram nos 50.
Donos de uma obra extensa e que necessita de um estudo mais
detalhado de anlise musical, Dlio & Delinha, Zacarias Mouro,
Amambay e Amamba, Z Corra, Beth & Betinha, Jandira e Beni-
tes, Maciel Corra, Adail e Tesouro, Ado e Adail, Tosto e Guarany,
Aurlio Miranda, Victor Hugo de La Sierra foram alguns dos artistas
que ajudaram a transformar o Mato Grosso do Sul em um celeiro de
talentos musicais com trabalhos de primeira qualidade e com um
forte cunho fronteirio. Estes artistas so os primeiros compositores
que registram e cantam a matogrossice, um jeito de ser brasileiro
nico e ainda no incensado como o tradicionalismo gacho, a cul-
tura carnavalesca nordestina-carioca e a exuberncia amaznica.
necessrio o resgate destes nomes e a reposio do valor de seus
trabalhos na linha de frente da msica sul-mato-grossense para que
a msica do Estado siga seu caminho natural e evolutivo.
39
PARTE 2
DEPOIMENTOS
40
41
O FENMENO DLIO & DELINHA
Delinha: O Dlio tinha morado em So Paulo por cinco anos e vol-
tou para Campo Grande em 1956. Ele queria ser artista. L ele fez
dupla e no deu certo. Um irmo dele morava perto da minha casa
em Campo Grande e o Dlio estava l. A mame soube que o Zezi-
nho tinha chegado. Ele era metido e muito bonito.
O pai do Dlio irmo da minha me. A vov casou primeiro
com um Pompeu e depois com um Pereira. O Dlio Pompeu. Ele
da famlia Taveira tambm.
Quando ele veio em casa eu tinha uns 10 anos. A minha me
contava que ele colocou a mo na minha cabea e disse: Ai que
menina feia.
Dlio: Eu morava em So Paulo e vim passear em Campo Grande.
Fiquei na casa do meu irmo. A me da Delinha, que irm do meu
pai, foi me visitar e falou: Zezinho! Voc gosta de cantar e tocar. A
Delinha tambm. Vai l para casa. Voc no tem onde fi car mesmo.
Conhecia a Delinha s de nome. Tinha visto ela menina e quando
voltei estava moa.
Delinha: Ento fomos eu, Vanir e mame para ver o Zezinho. Che-
gamos l, ele estava na matin. Ficamos esperando at que ele veio
de palet no dedo e culos escuros. A mame pediu para ele cantar.
Ele pegou o violo e comeamos a cantar. Ele falou: Vamos cantar
mais. Vou na sua casa. Ele viu que deu um negcio. Ele vinha para
casa e comeamos a cantar eu, a Vanir e ele. Ele colocou o nome do
42
trio de Duas Damas e Um Valete. Mas o pai dela no deixou mais
porque dizia que o Dlio era sem vergonha e queria fi car com as
duas. Besteira. Ns comeamos a cantar. A mame gostava dele e
falou que era para eu namorar. Mas eu no queria. O papai j tinha
sado de casa.
Dlio: Eu fui para a casa da Delinha, mas no estava namoran-
do. Era s msica. A gente fi cava at as 11 da noite incomo-
dando os vizinhos. A casa onde ela foi criada e morou a vida
toda. Na Rua Paissandu. A Delinha tem at uma msica chama-
da Velha Casinha. Cheguei a querer derrubar a casinha para
construir uma de material, mas a me dela no deixou. Ficamos
nisso um ano mais ou menos, at que comeou a dar namorinho
e terminamos casando.
Delinha: Eu no sei se o Dlio chegou a ir falar com a minha me
sobre namoro e casamento. De certo sim. A mame fi cou brava
porque eu no queria casar com o Zezinho. Ele dava entrada de
namorar, mas eu saa fora. Tinha 19 anos e ele 31, 32. Mas a
falei: Me, para acabar com a conversa, voc quer que eu case?
Eu caso. Toda a vida foi assim. Se me incomodar muito eu fao,
mesmo se vou sofrer.
Dlio: Casamos no dia 22 de fevereiro de 1958. Logo na lua de
Dlio & Delinhaarq. Delinha
43
mel fomos embora para So Paulo. Fomos lutar com a vida. A gente
no tinha lugar para fi car e nem dinheiro para viajar. O que fez a
gente ir foi porque eu cantava bem e a Delinha tambm. A carreira
artstica oferecia um futuro.
Delinha: A minha tia Braulina toda vez que nascia um bezerro
dizia que ele era meu: Este da Del. Quando casei j tinha seis
cabeas de gado. Eu era muito pobre e o Zezinho no tinha nada.
A mame chorava e no queria que eu fosse para So Paulo. Disse:
Voc queria que eu namorasse ele, agora aguenta.
Bom, falei com a tia Braulina, escrevi uma carta e ela vendeu
os bois para mim. Deram 6.500 que no sei se era cruzeiro ou cru-
zado. Com este dinheiro fomos para So Paulo. Deixei um pouco
com a mame.
Viajamos graas a este dinheiro que a tia Braulina pegou do
meu gado. O Dlio queria ir. Eu no. Mas quando destino, voc
no corta.
O Zacarias Mouro veio em Campo Grande fazer show na rdio
PRI-7 com o Duo Estrela Dalva. Aos domingos o auditrio lotava. A
Itamy era noiva dele e eu era do Dlio. Fizemos amizade com eles.
Quando casamos e fomos em 1958 para So Paulo procuramos o
Zacarias na Rdio Bandeirantes. Ele falou com o Capito Barduno
e foi quando ns entramos na rdio.
Dlio: Antes de irmos para So Paulo, o Zacarias esteve em Campo
Grande com o Duo Estrela Dalva, em que a noiva dele cantava. Foi
o meu primeiro contato com o Zacarias. Ele falava: Se forem para
So Paulo, me procurem que arrumo um encaixe para vocs.
Delinha: O Zacarias conseguiu falar com o Capito Barduno e
o Bigu, que tinham programas sertanejos na Bandeirantes. E o
resultado foi que com nove dias a gente entrou para a rdio. Mas
sem ganhar. Ficamos cinco anos e um ms l e nunca tivemos re-
munerao. S para fazer nome. Ganhava cenzinho, duzentinho,
nos shows nos circos.
Dlio: A gente foi confi ando no Zacarias, mas fomos confi ando
mais em ns mesmos. Ns samos daqui dando show em gua Cla-
ra, Rio Pardo... Onde tinha um lugarejo ns descamos do trem e de
noite dava um show para arrumar dinheiro. Ganhava uma mixaria.
Delinha: A irm do Dlio j morava em So Paulo. Lembro que a
primeira rua que cheguei foi a Avanhandava. Onde tinha uma igre-
44
ja de crente. Porque antes da gente ir, o Dlio morava l. Ele fi cou
noivo de uma moa crente. At uma msica ele fez para ela. De
certo, ela o achou muito estpido e desmanchou o noivado.
Ento ns fi camos na casa de um pastor, que era da igreja que
ele ia com ela.
Dlio: Antes de ir casado com a Delinha para So Paulo eu j havia
morado l. Trabalhei como eletricista. Devia estar com 28 anos.
Fui para enfrentar o basquete de SP. E consegui emprego bom.
Comecei a entrosar na eletricidade e fazia de tudo. Nesta poca
tocava s para mim mesmo. Voltei para Campo Grande por bairris-
mo. Saudade da terra.
Delinha: Eu no sabia nada. Nunca tinha sado de Campo Gran-
de. O Dlio falou: Ns vamos noite na minha irm. Era a minha
cunhada, que era minha prima tambm. Ela j morreu. Eu entre-
gava leite para ela quando tinha uns nove anos. Ela no lembrava
de mim, s sabia que eu era fi lha da tia Xiruca. J no primeiro dia
ela disse: Mano, vamos jantar aqui. Era acostumada a comer ma-
carro com molho vermelho e bastante queijo. Ela falou: Vamos
comer um macarro com manteiga. No tinha comido. Era chique,
mas no descia. Queria molho. Sofri em So Paulo. A cunhada fa-
lou: Mano vem morar aqui. Voc no tem onde fi car.
O apartamento dela era uma kitnet. Aquele salo grande e a
cozinha. Era na Rua Paula Souza, fi cava na mesma rua da Rdio
Bandeirantes, para cima da Avenida So Joo. A minha cunhada
deu o biombo para ns. Dormia ela no sof e o menino dela, o
Silvio, no outro. Ns fi camos muito tempo com ela ali. Eu limpava
a casa e cozinhava. Ela foi parceira. Era muito famlia e se preo-
cupava com os irmos.
Mas eu tive que trabalhar para ajudar. Fui ser professora de um
cara que tinha uma loja perto da Estao da Luz. Ele tinha lbio
leporino. Ensinava ele a fazer continha de somar. Ele era mais novo
que a mulher e ela no queria que ele fosse ao colgio. Ela era
velha rica e queria botar uma loja para ele. O Dlio acabou indo
trabalhar como informante da Editora Globo.
Dlio: Eu estava trabalhando em servio braal na iluminao p-
blica. Mas sempre fui curioso e tinha aprendido datilografi a, mas
no com grande execuo. Surgiu uma proposta de emprego na
Rede Globo. Precisava ser datilgrafo e fui. Tinha uns 10 candida-
tos e passei em primeiro lugar. Era para ser informante.
45
Tipo comprava uma coleo de livro e eu ia tirar informao
para o cara. Mandei o dedo naquele troo e passei em primeiro
lugar. O chefe falou: o seguinte, estamos precisando de infor-
mante, mas tem que comear amanh. No outro dia fui trabalhar
na Editora Globo.
Eu comprei um sof cama prestao e alugamos um quartinho
no Bexiga que s cabia ns dois. No fi m do ms eu no pude pagar
o aluguel e o dono da casa me tomou o sof. L fomos ns dormir-
mos no cho outra vez.
Delinha: Tivemos de mudar para um quarto menor no Bexiga com
cinco meses de casados. Eu tinha 22 anos. O apartamento s tinha
uma cama de solteiro, uma mala de roupa e uma mesinha. O outro
tinha cama de casal. Cozinhava na espiriteira, aquelas coisas de
lcool. Fazia arroz e feijo.
O BATISMO NA RDIO BANDEIRANTES
Dlio: Depois de poucos dias que chegamos a So Paulo j estvamos
cantando na Rdio Bandeirantes. Ns chegamos l com o nome de
Duo Pintassilgo. O nosso diretor artstico era o fi nado Capito Bardu-
no. Ele falou: Vamos trocar esse nome a. Como vocs se chamam?
Me chamo Zezinho.
Capito Bardunoarq. Rodrigo Teixeira
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Zezinho o que tem aqui, no serve. E voc?.
Me chamo Delanira, mas desde criana que me chamam de Delinha.
Est a um nome: Dlio & Delinha.
Delinha: Foi o Capito Barduno que nos batizou. E a fi cou. Mas
ele esquecia o nosso nome: Agora vamos apresentar... Esqueci o
nome... Meu Casal de Ona de Mato Grosso. Ns no gostvamos
desse ttulo de Casal de Ona. Quando anunciava nos shows Dlio
& Delinha, o Casal de Ona de Mato Grosso o povo pensava que a
gente levava um casal de ona adestrado.
Tinha o programa Serra da Mantiqueira que era do Bigu. Das 7
s 7h30. E do Capito Barduno que era mais tarde, das 8 s 8h30.
Eram os programas mais ouvidos da Rdio Bandeirantes.
O Capito Barduno gostou de ns. Ele era gordo. De vez em quan-
do eu chamava o Dlio de Zezinho e o Barduno queria me matar. Fi-
Carto da duplaarq. Delinha
47
cava bravo. O dia que o Palmeiras perdia no podia nem falar com ele.
Chero: Tambm fui morar em So Paulo por volta de 1960, com
uns 19 anos. Trabalhava com calados, mas sempre envolvido
com o mundo artstico. Fui morar no Sumar na casa de um cabo-
clo que eu fui com ele daqui, o Jos Enoque Luis. Ele era diretor
cenogrfi co da Rdio Tupi. Eu comecei a fazer um trabalho l
dentro e aprender cenografi a. A gente tinha direito ao restau-
rante, ento comia no servio de dia na loja e a noite j fi cava na
Tupi. Depois do jantar descia pra casa. Ali comecei a ter contato
com artistas.
Delinha: No sexto andar da Rdio Bandeirantes tinha um restau-
rante. Ento todas as teras a turma se reunia para encontrar os
colegas e pegar show. Ia um povo de circo e tal. Para entrosar a
gente ia l de noite.
Um dia, a gente estava sem dinheiro. E eu com vontade de
comer uma mdia com po doce. O Dlio falou: No temos di-
nheiro.
A voc v como Deus ajuda. Veio um senhor l e disse: Escuta
Dlio, o que voc vai fazer na quinta?.
Nada.
Quer um showzinho?.
Queremos.
uma turma toda que vai e quinhento.
Ah t.
Eu j vou pagar adiantado.
Comi gostoso hein! A gente passava vontade. Foi uma poca difcil.
Dlio: Na Rdio Bandeirantes se cantava ao vivo. Eu j tinha um
repertrio bom. Ficamos assim por um ano. A gente era caipira,
bobo mesmo. Ficamos esperando que a gravadora nos chamas-
se. Cheguei no Barduno e reclamei: Capito, ns precisamos
gravar. Faz um ano que estamos cantando na rdio e a rdio no
nos manda gravar.
Mas meu fi lho, a rdio no tem nada a ver com isso. Voc vai
l na gravadora, mostra o repertrio e a eles vo ver se interes-
sa. Eu fui.
Chero: Toda noite a gente ouvia a Rdio Bandeirantes. Eu ouvia
o Dlio & Delinha cantarem na rdio. Toda noite tinha apresen-
tao ao vivo s 7h30. Curti muito. O Dlio e a Delinha lanaram
48
em 1964 o LP Sorte, Amor e Cano com coisas lindas. Naquela
poca o Brasil inteiro ouvia rdio.
Delinha: Ns fi camos na Rdio Bandeirantes por cinco anos e um
ms sem ganhar nada. S para fazer nome. Eu no sei se algum
ganhava. A gente tinha medo de perguntar.
Dlio: Fizemos amigos em So Paulo na Rdio Bandeirantes. Era
Pedro Bento e Z da Estrada, Zilo e Zalo, Liu e Lo, Dom Glacial,
Zico e Zeca, Zezinha do Acordeon e o Luizinho Limeira... Eram
nossos amigos.
GRAVADORA CALIFRNIA
Delinha: O Mrio Vieira, da Gravadora Califrnia, fi nalmente
marcou para a gente gravar. O ano era 1959. As primeiras msi-
cas foram Malvada e Cidades Irms em disco de 78 rotaes.
Amambay: O Mrio Vieira era msico. Ele participava do Sexteto
da Lua. Abriu este selo e comeou a gravar caipira.
Delinha: Eu e o Dlio ramos muito ensaiados. Ele tocava violo
l do outro lado e a gente entrava igual. Quando fomos gravar na
Dlio (3 da dir. para esq.), Delinha e Barduno com elenco da Bandeirantesarq. Delinha
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Califrnia, que estava comeando, fi zemos testes. O Mrio Vieira
falou: Quinta vem aqui e grava.
Ensaiamos a noite inteira e fi cou na ponta da lngua. Chega-
mos e gravamos s ns dois no violo. Maior desprezo que fi ze-
ram. A o Dlio falou que tinha mais msicas, mas ele disse que
duas estava bom. E saiu o disco.
Quando deu os trs meses para receber o dindim tinha vendi-
do 264 discos. O Dlio disse que no queria mais, que todo mundo
falava que vendia mil discos e que a gente iria voltar para Mato
Grosso. Fazia um ano e pouco que eu e ele estvamos por l.
A gente era caipira e sem tarimba. Todo mundo falava que
vendia mil e tanto e ns achamos que ia ser com a gente tambm.
O Dlio disse: Quero resciso de contrato. J que no vendeu no
quero dar prejuzo. Vou embora trabalhar com enxada. Vale mais
a pena. O Mrio deu a resciso.
O Zacarias Mouro estava em Campo Grande com o Duo Es-
trela Dalva e o sucesso na cidade era Malvada e Cidades Irms.
Em todo lugar tocava. Virou um hino.
Zacarias retornou para So Paulo e falou que tinha que gravar
as msicas com a dupla dele. O Dlio falou: No senhor. Se eu
no fi z sucesso com a minha msica, ningum mais vai fazer.
Dlio: Quando falei com o Mrio Vieira, ele disse: Vamos fazer
um teste. E nos mandou para fazer uma gravao na aparelha-
gem. Ele adorou demais e gravamos. O disco veio para Mato Gros-
so e o negcio virou um sucesso. Fomos faturando devagarzinho.
Delinha: Foi quando o Mrio Vieira chamou para a gente gravar
bem. Ele sabendo do sucesso em Campo Grande chamou de volta
e entramos para a Califrnia outra vez.
A que gravamos com o Caulinha, teve baixo e outros instru-
mentos. O Julio na viola. Mas o primeiro sucesso mesmo foi s na
voz e violo, como gravamos o primeiro LP 78 rotaes.
Ns gravamos uns 2 ou 3 LPs com o Caulinha. At que um
dia o Dlio discutiu com o Caulinha porque eles no acertavam
uma msica. Eles discutiram e o Dlio falou: Ou eu ou ele aqui.
Naquele tempo ramos jovens. J passou tudo isso. Depois entrou
o Z Cupido para tocar com a gente tambm.
Quando deu o sucesso a gente gravava at dois discos por ano.
Porque naquela poca levantava cedo e ia a todas as rdios levar o
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disco. A gravadora dava um invendvel para eles. E eles tocavam.
Depois do primeiro LP continuamos gravando os 78. E quem
gravava LP j era tido como famoso. Diziam que fi cava rico.
Ns gravamos o primeiro LP de 78 rotaes em 26 de maro
de 1959. Lembro porque na Semana Santa em Campo Grande ti-
nha a Quinta-feira Santa e as coisas eram fechadas. Ento, quan-
do o Mrio Vieira marcou um 26 de maro, quinta, eu disse pro
Dlio que ele estava mentindo. Ns fomos com medo. A gente
morava em um poro.
O Mrio Vieira era sistemtico. No falava e fi cava na frente.
O estdio era grande. E ao vivo se um msico errava, parava
tudo e comeava de novo. Ficava o violoncelo e contrabaixo no
cantinho. E quando a gente errava o Caulinha dava risada com
a sanfona. Mas nunca pagamos para gravar ou ir a um programa.
No ganhamos, mas no pagamos. O Mrio Vieira virou amigo.
FILME DE TONICO E TINOCO
Dlio: Ns tivemos sorte porque no primeiro fi lme do Tonico e Tino-
co, chamado L No Meu Serto, a Biguazinha, que era fi lha do Bigu
da Rdio Bandeirantes, gravou a minha msica Triste Verdade no
acordeon. S instrumental. E entrou na trilha sonora do fi lme. A
que eu faturei.
Delinha: A Biguazinha, fi lha do Bigu, tocava no acordeon esta m-
sica Triste Verdade. Ns e a dupla Bigu e Biguazinha fazamos
shows juntos. Andava de txi marcando o velocmetro, inclusive via-
jando para fora de So Paulo para tocar nos circos e em tudo quanto
era lugar. O motorista era o Joaquim e ele cobrava por quilmetro. Na
verdade, o Bigu pagava um cachezinho pra gente. Ele tinha nome
e lotava. E, para pegar nome, a gente ia junto. Ns encaixamos com
o Bigu.
Ele gostava da dupla. Tem at esta msica, Querendo Voc, que
demos a parceria para o Bigu. Porque ele gostava demais. Ele bota-
va o p na cadeira e mandava cantar. Tomava um pouco de pinguinha
e era apaixonado. A turma fazia que nem a gente fez. Dava a parceria
da msica para ele ajudar no programa.
51
Bigu e Biguazinhaarq. Delinha
O primeiro show que a gente fez em circo foi em uma cidade mi-
neira. Chegamos l, o circo arriado no cho e uma brigaiada. A sorte
que a gente levava o dinheiro para ir e voltar. Foi em Santa Rita de
Extrema, cidade no Sul de Minas Gerais. No ganhamos nada e vie-
mos com prejuzo.
Todo mundo chegava na rdio e contava que tinha ganhado isso
e aquilo e Dlio & Delinha no ganhavam nada. At pegar nome foi
difcil demais.
At que a Biguazinha gravou a cena do fi lme do Tonico e Tinoco
tocando o arrasta p Triste Verdade. O assessor deles ligou para o
Dlio e disse que todo mundo estava cedendo as msicas gratuita-
mente. E o Dlio: Eu no dou nada. Ento vocs tirem, porque ela
gravou, mas a msica nossa. Eu quero um cach e vou cobrar.
O que ele cobrou na poca deu at para ir passear por Campo
Grande. A gente vinha e sempre arrumava onde cantar. O Dlio levou
mais de um ms segurando o fi lme. Ele dizia: Se no me pagar, eu
no assino. At que eles pagaram. E a deu para dar uma respirada.
Eu acho que era muito dinheiro.
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Dlio: Os compositores precisavam assinar uma liberao para
poder lanar o fi lme do Tonico e Tinoco. Eu segurei a barra. Pas-
sou uns seis meses e o diretor da gravadora do Tonico e Tinoco
telefonou para a Chantecler, onde a Biguazinha gravou e falou que
a gente estava segurando o fi lme. O diretor da Chantecler me cha-
mou. Fui l e ele disse: Por que voc esta segurando o fi lme do
Tonico e Tinoco?.
No estou segurando nada. O que eu quero receber meus
direitos autorais.
Mas esse o seu caso?.
E passou a mo no telefone para falar com um diretor artstico
da gravadora, que era um espanhol. Eu fui l depois e recebi uma
gaita boa. Comprei carro e constru minha casa em Pirituba. Se eu
no chorasse ia perder essa boca. Eu que vivia dormindo no poro
feito besta.
Chero: J tinha visto Dlio & Delinha uma vez tocando em um bar-
raco perto do Clube Surian em Campo Grande. Depois eu fi z uma
viagem a So Paulo com meu amigo, Dr Valfrido Rodrigues. Ele
tinha tido um problema na famlia e tinha ido pra casa das irms.
Dlio & Delinha naTV Tupi nos anos 1960arq. Delinha
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Fomos parar l na casa do Dlio & Delinha em Pirituba. Eu era
jovem de tudo. O primeiro contato que eu tive com eles foi com o
Valfrido l em Pirituba.
Delinha: Eu e o Dlio fi zemos uma casa em Pirituba. Compramos
o terreno e amassamos barro. Eu que dava o balde para o Dlio.
O Capito Barduno colocou nosso apelido de Meus Pedreiros de
Pirituba. A gente acabava o programa, eu fazia uma marmita de
noite e levava. Pegava o trem e subia 800 metros. A casa tinha uns
20 degraus para subir.
Mas o Dlio comprou o terreno e dividiu com mais dois artistas.
No fi m o Dlio pagou sozinho e virou uma confuso muito grande.
Perdemos tudo.
A ROUPA
Dlio: A gente tinha um costume bonito. A Delinha levava uma
mala cheia de roupa com os violes. Os violeiros naquele tempo
punham as roupas dentro da caixa do violo. E ns no. A gente
levava quantidade pra fi car uma semana trocando de roupa e o
pessoal era tipo todo dia a mesma roupa. Eu achava que o artista
tinha que ser assim e sabe que funcionava? Mas a turma ria de
ns. Vocs so bestas mesmo.
Para ir pra casa de Pirituba tinha que subir uma ladeira e com
essas malaiadas era difcil. Ce besta, leva s uma muda de rou-
pa!
Delinha: Naquela poca toda a turma tinha duas ou trs roupas de
apresentao. Voc no ia a uma mesma cidade direto, ento no
repetia a roupa. Eram duas ou trs mudinhas de roupa por isso.
Comprava o pano porque minha roupa no existe e precisa ser
feita. Minha saia tem 3 metros de largura. Dois saiotes por baixo.
O papai era muito enjoado e no deixava nem roupa justa e nem
cala comprida. Eu fui acostumando.
A mame que costurava quando eu era mocinha. E fui acostu-
mando com esta roupa rodada. Se eu vestir uma cala comprida
ou saia justa eu estou nua. E se eu no botar dois saiotes por bai-
xo no est bom. A minha roupa um estilo s. S muda a cor e o
54
tipo de tecido. Mas o estilo a roupa rodada. A turma v uma saia
rodada e j fala que da Delinha. Virou uma marca. Eu chegava ao
lugar e ia passar as roupas. Tambm toda vida o Dlio se apresentou
de terno. Ele s anda assim. Mesmo de dia. Acostumou. A gente no
sabe ir a um show mal arrumado. Pode ser de dia ou de noite. Os fs
gostam de nos ver bem vestido.
RASQUEADO
Dlio: Nesta poca, em So Paulo, poucos artistas cantavam cha-
mam, rasqueado, cano rancheira... Era s moda de viola e ca-
teret. Ns entramos cantando chamam e rasqueado. Eu tocava
bem violo. A Delinha eu ensinei. A gente dava show s ns dois. A
Delinha com um ms j comeou a tocar bem violo e j foi tocar
no rdio. A mulher nasceu pra isso. Fizemos um teste pro Capito
Barduno e ele adorou.
Maciel Corra: O Dlio era conhecido como Z do Bordo. Ele s
tocava na bordaria. No tinha esse negcio de rasquear. A Delinha
rasqueava e o Dlio s no bordo. Nos discos ele fazia tudo.
Delinha: O Dlio me ensinou a tocar violo. Era um violo verme-
lho, pequeno. Tinha 19 anos, moa bonita, e tinha vergonha daquele
violozinho. Mandei meu primo Romeu pegar o violo e sair na fren-
te no dia que fui tocar na rdio PRI-7, no domingo. Para eu no levar,
porque no tinha capa.
No que toco bem violo, eu aprendi a me acompanhar. Depois
de uns tempos, comecei com uma dor no brao e no quis mais tocar.
Dlio: O povo achava bom o estilo novo do rasqueado. A gente pu-
lava no palco e era levado da breca.
Delinha: No gosto de msica ca-i-pi-ra! Porque aquela mal fala-
da com moda de viola e tem moda que no d. Desculpe quem goste.
Eu prefi ro o rasqueado, que mais apaixonante.
Polca, chamam e guarnia cada um uma coisa. So diferentes.
S que quase que o mesmo batido no violo. O rasqueado vem do
chamam e da polca paraguaia. O chamam mais lento e a polca
paraguaia mais rpida. O rasqueado fi cou no meio do chamam e
da polca. Para mim, que no estudei msica, isso.
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Dlio: Nosso estilo diferente. um estilo, como que se fala, com
um palavreado mais civilizado do que esse do mundo caipira. Nossa
dupla no totalmente caipira. uma dupla de folclore, que faz
uma msica aceita pelas altas autoridades.
Chero: Naquela poca era mais o rasqueado. No havia tanto cha-
mam.
Delinha: Ns fazemos rasqueado. Acho que nos colocam de serta-
nejo, mas a dupla Dlio & Delinha no raiz. Nem caipira. um fol-
clore nosso de MS. Tem o rasqueado mato-grossense de Cuiab que
diferente. A guarnia tambm diferente da polca, do chamam...
Tudo tem um jeito diferente de bater a mo. Mas no foi a gente
que implantou o rasqueado. Foi o Mario Zan. Nh Pai e Nh Filho
tambm tocavam rasqueado antes e ns pegamos deles.
Eu era menina de 10 anos e j tinha disquinho de 78 do meu
compadre Francisco. A gente tocava muito as Irms Galvo naque-
las vitrolas de corda. Elas comearam aos sete anos e j tocavam
rasqueado. Eu ouvia e gostava. A gente no implantou nada. No
tem este negcio. S que graas a Deus as letras so nossas.
Ns comeamos com msica prpria porque o Dlio fazia muito.
Teve mais inspirao do que eu. Quando a gente cantava msica dos
outros era porque o repertrio era pequeno. At que j tinha umas 15
msicas e a gente cantava aquelas. O povo pedia as mesmas.
Ensaiar uma msica nova no adianta. Chega l e s se canta
aquilo que eles querem. O Sol e a Lua, Por Onde Andei, Prazer
de Fazendeiro... Ento a gente nem ensaia. Vai l e canta aquilo
mesmo. O povo quer cantar junto, saber as letras. No nosso caso
tem gente que gosta das nossas msicas antigas porque namorou
a mulher, danou com a namorada ou houve algo na vida deles com
a msica e querem recordar.
CHANTECLER
Dlio: Ns gravamos um disco pela Chantecler. A Califrnia no
gostou porque ela nos lanou e a Chantecler estava querendo
usufruir. A Califrnia queria que a gente fi casse. A eles se arran-
jaram e fi cou tranquilo.
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Delinha: O nico disco que fi zemos fora da Califrnia foi na Chante-
cler em 1970. Tiramos tanta foto no Parque da gua Branca em So
Paulo para colocarem uma que no gostei na capa.
Foi a dupla Sulino e Marrueiro que fez a gente sair da Califrnia.
O Dlio, sempre brigando, fi cou chateado com o Mrio Vieira e ns
fomos para a Chantecler. No valeu a pena. L quem tocou conosco
foi um douradense que era o sanfoneiro da dupla do Marrueiro.
No dia que a gente foi receber eram as mesmas msicas o Dlio
pegou dois mil e no sei quanto e eu recebi mil e pouco. Como podia
ser diferente se eu e o Dlio dividia a composio das msicas? O
certo era vir o mesmo valor para os dois. Mas a a gente j estava com
passagem marcada para ir embora para Campo Grande.
A VOLTA PARA CAMPO GRANDE
Dlio: A gente estava bem de situao em So Paulo. Mas mato-
grossense bairrista e voltamos para Campo Grande defi nitivamen-
te. Mas no ganhamos dinheiro como em So Paulo. O problema
adorar a terra que nasceu.
Maciel Corra: Tem a histria da msica Antigo Aposento. O Dlio
escreveu a letra quando estava em So Paulo. O sistema dele era o
seguinte: tinha que escrever e chorar. Ele fez esta letra e jogou fora.
Da a empregada falou: Dlio essa letra estava jogada l no quintal.
Ele pegou, olhou e gravou. sucesso at hoje: Retornei a minha
terra pra matar minha saudade, cheio de felicidade meus amigos en-
contrei.
Delinha: Ns fomos para So Paulo em 1958 e depois de quase
uns dois anos a gente voltou para fazer em Campo Grande um
show no Relgio da 14 com a Afonso Pena. Ns viemos de So
Paulo, em 1962, com o Guarati no acordeon. Este show foi mar-
cante. Tinha muita gente.
A gente vinha, fi cava uns dois meses e louco para no voltar. Mas
tinha a casinha l em Pirituba.
Depois ns viemos fazer show no circo do Nh Pai e Nh Fio, que
estava armado na frente do Mercado, onde era a feira livre. Isso por
1963 ou 1964. Tinha a feira, com um largo e ali armava circo. Ns fi -
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zemos e lotou o circo. No sabia nem quanto era a entrada. Era xucra
de tudo. E roubaram de ns. Deu 45 mil de border e eles apresen-
taram tanta despesa que a gente fi cou com uns cinco ou seis contos.
Mas voltamos de vez mesmo de So Paulo para morar em Campo
Grande em 1966. Para fi car na Velha Casinha. A mame foi at para
So Paulo e fi cou um tempo. O papai tambm foi para conhecer. Mas
no tinha mais jeito. A gente estava fazendo muito show em So Pau-
lo, mas a famlia n. Saudade. Logo minha cunhada veio tambm
para Campo Grande e ns retornamos tambm.
Em 1964 havia tido o golpe militar, mas no infl uenciou em nada.
Ns no tnhamos tanto nome como os que foram presos. Ns ramos
sertanejos e no mexamos com isso. Eu nem sabia destas coisas por-
que toda a vida o Dlio foi o cabea. Nunca deixou eu tomar conta de
nada. Ele carregava at meu RG. Precisava, ele que pegava.
Dlio: Ns voltamos, mas continuamos gravando na Califrnia por
muito tempo ainda. A gente ia para So Paulo para gravar e voltava
para Campo Grande.
Delinha: Ns montamos um mercadinho perto da minha casa e por
muito tempo toquei o negcio. O Dlio ajudou no comeo, mas depois
eu fi quei tomando conta mais sozinha. At que no aguentei mais. Em
1978 eu me separei do Dlio. E a dupla tambm acabou parando de
tocar por uns tempos.
No fi nal dos anos 1970 tinha feito a msica O Sol e A Lua e
comeou uma histria da gente voltar a gravar. O que aconteceu
em 1981, quando lanamos o disco O Sol e A Lua. A msica virou
um sucesso, mas separamos a dupla logo depois de novo. Eu j
estava casada com o Jairo.
Depois resolvemos voltar em 23 de outubro de 1993. Fizemos um
show do Crculo Militar que foi sucesso. Tinha cinco mil pessoas e foi
gente embora.
RETORNO DA DUPLA
Maciel Corra: Gravei com o Dlio & Delinha o disco O Sol e A Lua,
que saiu em 1981, uma semana antes do meu, Cadeado de Ouro. Eu
tinha gravado a faixa ttulo com eles. A msica entrou arrebentando
58
nas rdios e uma semana depois veio Cadeado de Ouro. Estava
ali para ajudar a juntar novamente a dupla para gravar. Existia um
movimento para que a dupla voltasse. Eu participei da turn do
disco O Sol e A Lua. Esse disco estourou. Ligavam pra mim at
de So Paulo para contratar Dlio & Delinha. Eles atraam pblico
e tinha cach bom porque era s casa cheia. A gente ganhava tipo
milo por cabea.
Rodrigo Teixeira: Como aconteceu do Dlio falar o seu nome na
faixa O Sol e A Lua?
Maciel Corra: Quando estamos comeando queremos aparecer.
Ento eu pedi para o Dlio. Voc coloca a minha foto atrs do seu
disco? Como acordeonista que acompanhou? Ele foi seco: No.
Eu estou pagando e no vai aparecer ningum. T bom. Fiquei
quieto. Na hora da gravao o Dlio se entusiasmou e disse o se-
guuuura Maciel Corra. Foi bem melhor do que a foto. Ficou para
o resto da vida.
Outra msica que gravei foi De Mato Grosso a So Paulo. A
Delinha disse: Pode arrematar Maciel Corra. Quer dizer, no mes-
mo disco saiu Maciel Corra duas vezes. E vai fi car rodando O Sol
e A Lua para sempre. imortal essa obra. Isso me ajudou demais.
Rodrigo Teixeira: O Dlio tinha noo do que estava fazendo?
Maciel Corra: No tinha.
Rodrigo Teixeira: Como ele era no comando dos msicos?
Maciel Corra: Rigoroso. Quando estava comeando a ensaiar
tive um arranca rabo com o Dlio dentro do estdio. Ele era
agressivo. Ns ensaiamos 30 dias para gravar. Era todo dia. O
pessoal achou que eu tinha caso com a Delinha. Saiu at entrevis-
ta disso. Mas porque eu passava na casa da Delinha toda tarde.
Pegava ela e ia l pro Dlio ensaiar at a noite. Depois largava na
casa dela e j pegava outra vez. Da caiu na boca do povo. Brinco
at hoje com a Delinha. amiga da gente. O Dlio e a Delinha se
separaram como marido e mulher, mas na parte profi ssional no
desandava. Eles viajam muito e respeitam um ao outro. Mas um
em cada canto.
Eu continuei tocando a minha carreira