Leiria, 1878 – Lisboa, 1946
O PINHAL DO REI
Catedral verde
Catedral verde e sussurrante aonde a luz
se ameiga e se esconde e aonde ecoando
a cantar se alonga e se prolonga a longa
voz no mar:
Ditoso o “lavrador” que a seu contento
por suas mãos semeou este jardim:
Ditoso o poeta que lançou ao vento esta
canção sem fim.
Ai flores, ai flores do pinhal florido
Que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do pinhal florido do
rei D. Dinis, bom poeta e mau marido,
lá vêm as velidas bailar e cantar.
Encantado jardim das minha infância
aonde a minha alma aprendeu a musica
do Longe e o ritmo da distância que a
tua voz marítima lhe deu.
Por estes fundos claustros gemem os ais
do velho do Restelo.
Mas tu debruças-te no mar e ao vê-lo
teus velhos troncos de saudades fremem.
Ai flore, ai flores do pinhal louvado que
vedes no mar?
Ai flores, ai flores do pinhal louvado são
as caravelas, teu corpo cortado,
é o verde pino no mar a boiar.
Pinhal de heróicas árvores tão belas,
foi do teu corpo e da tua alma também
que nasceram as nossas caravelas
ansiosas de todo o Além;
foste tu que lhe deste a tua carne em flor
e sobre os mares andaste navegando,
rodeando a terra e olhando os novos
astros.
Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
que grande saudade, que longo gemido
ondeia nos ramos, suspira no ar.
Na sussurrante e verde catedral
oiço rezar a alma de Portugal:
ela aí vem, dorida, e nos seus olhos
sonâmbulos de surda ansiedade,
no roxo da tardinha,
abre a flor da Saudade;
ela aí vem, sozinha,
dorida do naufrágio e dos escolhos,
Viúva de seus bens
e pálida de amor,
arribava de todos os aléns
de este mundo de dor;
ela aí vem, sozinha,
e reza a ladainha
na sussurrante catedral aonde
toda se espalha e esconde,
e aonde, ecoando a cantar,
se alonga e se prolonga a longa voz do
mar.
Dança do vento
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia.
Baila, baila e rodopia
E tudo baila em redor.
E diz às flores, bailando:
- Bailai comigo, bailai!
E elas, curvadas, arfando,
Começam, débeis, bailando.
E suas folhas, tombando,
Uma se esfolha, outra cai.
E o vento as deixa, abalando,
- E lá vai!...
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia,
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor.
E diz às altas ramadas:
Bailai comigo, bailai!
E elas sentem-se agarradas
Bailam no ar desgrenhadas,
Bailam com ele assustadas,
Já cansadas, suspirando;
E o vento as deixa, abalando,
E lá vai!...
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor!
E diz às folhas caídas:
Bailai comigo, bailai!
No quieto chão remexidas,
As folhas, por ele erguidas,
Pobres velhas ressequidas
E pendidas como um ai,
Bailam, doidas e chorando,
E o vento as deixa abalando
- E lá vai!
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia,
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor!
E diz às ondas que rolam:
- Bailai comigo, bailai!
e as ondas no ar se empolam,
Em seus braços nus o enrolam,
E batalham,
E seus cabelos se espalham
Nas mãos do vento, flutuando.
E o vento as deixa, abalando,
E lá vai!...
O vento é bom bailador,
Baila, baila e assobia,
Baila, baila e rodopia,
E tudo baila em redor!
Afonso Lopes Vieira
Repartia o seu tempo entre Lisboa e S.
Pedro de Moel, Leiria – no Inverno em
Lisboa, nos meses mais aprazíveis em S.
Pedro – onde recebia vários amigos,
também escritores.
Basta uma lágrima cheia
De uma saudade de tudo
Bartolomeu Dias
Era uma vez um capitão português
chamado Bartolomeu que venceu um
gigante enorme e antigo.
Bartolomeu, em menino pequenino, ia
para o pé do mar e ficava a olhar o mar.
E Bartolomeu cismava…
Ó que lindo, ó que lindo o mar e a sua
voz profunda e bela!
Uma nuvem no céu era uma caravela
que nos céus andava descobrindo…
Ó que lindo, os navios que vão
suspensos entre a água e o céu com
velas brancas e mastros esguios e com
bandeiras de todas as cores.
Bartolomeu cismava porque ouvia tudo
o que o mar dizia.
A última cantiga
Esta palavra saudade
Aquele que a inventou
A primeira vez que a disse
Com certeza que chorou.
E tão felizes correm os meus dias
E o meu sono é aqui tão descansado,
Que inda espero pagar em agonia
Cada dia de agora, sossegado!
CAVALEIRO DO CAVALO DE PAU
Vai a galope o cavaleiro e sem cessar
Galopando no ar sem mudar de lugar.
E galopa e galopa e galopa, parado,
E galopa sem fim nas tábuas do sobrado.
Oh! Que bravo corcel, que doídas
galopadas,
– Crinas de estopa ao vento e as
narinas pintadas!
Em curvas pelo ar, em velozes carreiras,
O cavalo de pau é o terror das cadeiras!
E o cavaleiro nunca muda de lugar,
A galopar, a galopar a galopar! …
Penso às vezes
Penso às vezes como depois de eu morto
Certos objectos do meu uso irão chorar
por mim.
Essas saudades deles comovem-me
De modo que sinto até já saudades
minhas.
Casa do poeta em S. Pedro de Moel
Chora no ritmo do meu sangue
Chora no ritmo do meu sangue, o Mar.
Na praia, de bruços,
fico sonhando, fico-me escutando
o que em mim sonha e lembra e chora
alguém;
e oiço nesta alma minha
um longínquo rumor de ladainha,
e soluços,
de além...
São meus Avós rezando,
que andaram navegando e que se foram,
olhando todos os céus;
são eles que em mim choram
seu fundo e longo adeus,
e rezam na ânsia crua dos naufrágios;
choram de longe em mim, e eu oiço-os
bem,
choram ao longe em mim sinas,
presságios,
de além, de além...
Onde a terra se acaba e o mar começa
Onde a terra se acaba e o mar começa
É Portugal;
Simples pretexto para o Litoral,
Verde nau que ao mar largo se
arremessa.
Onde a terra se acaba e o mar começa
A Estremadura está,
Com o Verde pino que em glória
floresça,
Mosteiros, castelos, tanta pátria ali há!
Onde a terra se acaba e o mar começa
Há uma casa onde amei, sonhei, sofri;
Encheu-se-me de brancas a cabeça
E, debruçado para o mar, envelheci…
Onde a terra se acaba e o mar começa
É a bruma, a ilha que o Desejo tem;
E ouço nos búzios, até que o som
esmoreça,
Novas da minha pátria – além, além!...