Münstenberg e casal Gilbreth: a instrumentalização psicofísica dos empregados nas indústrias estadunidenses na primeira década do século XX. Rodrigo Moreira Vieira 1 Orientadora: Fátima Aparecida Cabral 2 Este trabalho tem como objetivo apresentar o desenvolvimento estudos psicofísicos e de tempo-movimento de Hugo Münstenberg (1863-1916) e do casal Lilian (1878 – 1972) e Frank Gilbreth (1868-1924) realizados no primeiro decênio do século XX. Entende-se que tais estudos contribuíram para a apropriação instrumental da capacidade psicofísica dos trabalhadores e para a correspondente a ampliação do controle sob tal aspecto nos empregados. Tal objeto será apresentado tendo como referência social e econômica o desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção estadunidense no período mencionado e analisado através da problemática das classes sociais desenvolvida por Karl Marx. Palavras-chave: psicofísica; Psicologia Industrial; trabalho; relações sociais de produção; Estados Unidos. Abstract That work has as objective to present the development of Münstenberg (1863), Lilian (1878 - 1972) and Frank Gilbreth (1868 – 1924) studies about motion-time and psychophysical done at the first decade of 20 th century. Is understood that these studies contributed to the instrumental appropriation of psychophysical capacity of workers and to the corresponding enlargement of control above that aspect on the employers. That object will be presented having as reference the American social and economical development of productive forces and the social production relations on the mentioned period and analysed though the social classes Karl Marx problematic. Keyword: psychophysics; Industrial Psychology; job; United States Contexto e demarcações 1 Doutorando em Ciências Sociais pela UNESP – campus de Marília. 2 Professora Doutora da UNESP – campus de Marília – Departamento de Sociologia e Antropologia.
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Münstenberg e casal Gilbreth: a instrumentalização psicofísica dos empregados
nas indústrias estadunidenses na primeira década do século XX.
Rodrigo Moreira Vieira1
Orientadora: Fátima Aparecida Cabral2
Este trabalho tem como objetivo apresentar o desenvolvimento estudos
psicofísicos e de tempo-movimento de Hugo Münstenberg (1863-1916) e do casal
Lilian (1878 – 1972) e Frank Gilbreth (1868-1924) realizados no primeiro decênio do
século XX. Entende-se que tais estudos contribuíram para a apropriação instrumental da
capacidade psicofísica dos trabalhadores e para a correspondente a ampliação do
controle sob tal aspecto nos empregados. Tal objeto será apresentado tendo como
referência social e econômica o desenvolvimento das forças produtivas e das relações
sociais de produção estadunidense no período mencionado e analisado através da
problemática das classes sociais desenvolvida por Karl Marx.
Palavras-chave: psicofísica; Psicologia Industrial; trabalho; relações sociais de
produção; Estados Unidos.
Abstract
That work has as objective to present the development of Münstenberg (1863),
Lilian (1878 - 1972) and Frank Gilbreth (1868 – 1924) studies about motion-time and
psychophysical done at the first decade of 20th century. Is understood that these studies
contributed to the instrumental appropriation of psychophysical capacity of workers and
to the corresponding enlargement of control above that aspect on the employers. That
object will be presented having as reference the American social and economical
development of productive forces and the social production relations on the mentioned
period and analysed though the social classes Karl Marx problematic.
Keyword: psychophysics; Industrial Psychology; job; United States
Contexto e demarcações
1 Doutorando em Ciências Sociais pela UNESP – campus de Marília. 2 Professora Doutora da UNESP – campus de Marília – Departamento de Sociologia e Antropologia.
As últimas décadas do século XIX e as primeiras do XX foram marcadas por
um período de intenso desenvolvimento das forças produtivas em formações sociais que
passaram pela segunda Revolução Industrial. Dentre tais formações destacam-se
Alemanha, França, Inglaterra e Estados Unidos. Contudo, dado que o despontamento
dos Estados Unidos colocou-os na ponta de lança do capitalismo mundial e que os
estudos psicofísicos e de tempo-movimento empregado nas relações sociais de
produção ganharam amplitude com maior ênfase neste país, é sobre este terreno e sobre
os trabalhos de Müntenberg e do casal Gilbreth que voltar-se-ão os esforços da análise
do objeto. Deste modo, como poderá ser visto no decorrer do trabalho, a
instrumentalização da psicofísica dos empregados foi realizada em um momento
específico da unidade entre forças produtivas e relações sociais de produção: o advento
da Administração Científica nos EUA.
O advento da psicofísica
Por tratar-se de uma aplicabilidade específica que nasce em terreno ocidental
marcado pelo pragmatismo, sobretudo nos séculos XVIII e XIX, se faz necessário
compreender, em linhas gerais, os elementos embrionários que permitiram a
ramificação da Psicologia e sua aplicabilidade empírica e, desta forma, compreender o
desenvolvimento da psicofísica industrial nos EUA. Será feito um recorte: serão
mencionados os principais eventos que antecederam a chegada da psicofísica e da
psicologia nos EUA, terreno e contexto em que foram desenvolvidos os estudos dos
Gilbreth e Münstenberg voltados à Psicologia e psicofísica industrial.
Um ponto importante para o desenvolvimento do objeto é a chegada das
reflexões sobre a Psicologia em terreno inglês. Tal importância justifica-se pelo fato de
que as concepções pragmáticas que orientaram o desenvolvimento de diversos campos
da ciência no ocidente tem o modelo inglês como referência. Dentre os filósofos mais
influentes neste processo podem ser mencionado David Hume3 que, no Tratado da
natureza humana (1739–1740), influenciado pelas observações e pelo método
experimental de Isaac Newton, chamou a atenção para a necessidade de aplicar tais
métodos das ciências naturais nas investigações acerca da natureza humana e, desta
maneira, fundar uma ciência do homem por meio de bases experimentais (HUME,
3 Embora Hume não tenha origem inglesa, e sim escocesa, vale lembrar que sua base filosófica foi
inglesa.
2001). Este ponto também é relevante. Ao afirmar que a mente e a razão são elementos
passíveis de serem analisados a partir bases experimentais, abre-se o pressuposto de que
a conduta humana possa ser objeto de intervenção orientada para determinados fins.
Esta afirmação é reforçada pela expressão ciência do homem. A expressão “do homem”,
neste caso, tem a função predicativa. A ciência pragmática parte do pressuposto de que
os objetos são passíveis de intervenção e análise por meio do empirismo. Isto conduz ao
fato de que ciência do homem coloca o próprio homem como objeto de intervenção
pragmática. Este ponto, ao mesmo tempo que, em parte rompe com a inviolabilidade do
corpo do homem sustentado pela Igreja na Idade Média, abre portas para a máxima de
que os homens são passíveis de serem analisados e conduzidos através da razão, através
da ciência enquanto objetos desta.
Saindo do terreno inglês, Johann F. Herbart (1776-1841) tentou desenvolver
uma base matemática para uma psicologia científica. Embora ele fosse incapaz de
conceber empiricamente os termos de sua teoria psicológica, seus esforços fizeram com
que cientistas alemães como Ernst Heinrich Weber (1795-1878) e Gustav Theodor
Fechner (1801-1887) estabelecessem relações matemáticas entre a grandeza dos
estímulos externos e as intensidades das sensações psicológicas resultantes, criando, a
partir disto, a psicofísica (GOODWIN, 2004; STEVENS, 1986). Este processo foi
importante para o avanço de apropriação de princípios pragmáticos na constituição de
técnicas de intervenção prática e de pesquisas experimentais que, posteriormente,
avançou sobre a intervenção técnica-mecânica nos estudos de tempo-movimento
apropriados em exércitos e na força de trabalho operária em indústrias, por exemplo.
Sob influência do pragmatismo inglês, laboratórios que levaram a cabo
experiências empíricas no terreno da Psicologia em terreno estadunidense. Por volta de
1875, o professor de fisiologia em Harvard, William James (1842 – 1910), abriu um
pequeno laboratório de psicologia experimental para uso de demonstrações em seus
cursos, embora, naquela época, não tenha sido utilizado originalmente para a
investigação. Em 1882, Challs Sanders Peirce (1839 – 1914) realizou o que, talvez,
pudesse ser considerado os primeiros experimentos da psicologia americana sobre o
tema da visão colorida, publicado em 1877 no American Journal of Science
(CADWALLADER, 1974). Além desse texto, Peirce e seu aluno, Joseph Jastrow (1863
– 1944), publicaram Sobre pequenas diferenças na sensação (On small differences in
sensation) na Memoir of The National Academy of Sciences em 1884. Em 1887, Hall
fundou o American Journal of Psychology, onde publicou trabalhos referentes às
pesquisas desenvolvidas em seu próprio laboratório.
Logo em seguida, laboratórios de psicologia experimental foram sendo abertos:
na Universidade da Pennsylvania, em 1887, por James McKeen Cattell; na
Universidade Indiana, em 1888, por William Lowe Bryan (1860 – 1955); na
Universidade de Wisconsin, em 1888, por Joseph Jastrow; na Universidade de Clark,
em 1889, por Edmund Sanford (1859 – 1924), no McLean Asylum, em 1889, por
William Noyes; na Universidade de Nebraska, em 1889, por Harry Kirke Wolfe (1858 –
1918) (SCHULTZ, 2009). No entanto, foi na Universidade de Princeton, mais
precisamente o prédio Eno, construído em 1924, onde houve a construção do primeiro
edifício em uma universidade nos Estados Unidos a ser inteiramente dedicado aos
estudos em Psicologia experimental, ocasião em que acabou se tornando a sede do
Departamento de Psicologia na Universidade de Princeton (LEITCH, 1978). Tais
marcos sinalizam o caminho para a consolidação da formação de quadros intelectuais,
portadores de conteúdos e saberes enunciantes e a institucionalização da Psicologia
aplicada em terreno estadunidense.
Na transiçãodos séculos XIX e XX a escola funcionalista da Psicologia, de
modo geral, com sua ênfase prática em ação e aplicação, melhor adaptou-se ao estilo
cultural pragmático estadunidense, pragamatismo herdado dos ingleses, mas adaptado à
formação social dos EUA que, no início do século em questão, começava a se despontar
como uma grande força econômica e com um grande desenvolvimento das forças
produtivas. Por conta desse contexto somado ao apelo pragmático, o funcionalismo
tornou-se mais atraente para fiduciários e curadores das universidades e, também, para o
financiamento privado (GOODWIN, 2005).
É neste contexto que, Stanley Hall, importante figura da Psicologia aplicada
nos EUA, faz a seguinte afirmação contrapondo-se àquilo que entendia como obstáculos
morais à Psicologia aplicada: “We need a psychology that is usable, that is dietetie,
efficient for thinking, living and working…” (precisamos de uma psicologia que seja
utilizável, que seja dietética, eficiente para o pensamento, vida e trabalho” (HALL,
1912, p. 414).
Os psicólogos desta linha de pensamento ampliaram o alcance da Psicologia
para fora dos laboratórios das universidades: em escolas, agências de publicidade,
fábricas, tribunais, centros de saúde mental e clínicas de orientação infantil. Um
termômetro dessa empreita é a literatura profissional produzida entre a passagem do
século XIX para o XX, ocasião em que 25% das comunicações de pesquisa publicadas
nas revistas americanas de Psicologia tratavam de elementos de Psicologia aplicada, e
menos de 3% envolviam introspecção (O’DONNELL, 1985). É neste contexto que o
desenvolvimento das forças produtivas e da Administração Científica em terreno
estadunidense levou à criação da Psicologia Industrial.
Administração Clássica e a apropriação produtiva da psicofísica
É no contexto supracitado que as ciências gerenciais nos Estados Unidos vêm à
tona. Da mesma forma que o pragamatismo e o desenvolvimento das forças produtivas
estadunidenses fizeram com que a Psicologia fosse apropriada economicamente pelos
industriais americanos, criando a Psicologia Industrial, a Adminsitração ganha caráter
científico no e para o mesmo processo.
O quadro abaixo mostra alguns dos principais eventos que permitem
acompanhar o processo de institucionalização e criação das ciências gerenciais nos
EUA. O recorte feito apresenta informações entre a década de 80 do século XIX e a
primeira década do XX.
Tabela 1
A cronologia do pensamento administrativo
1881 Joseph
Wharton
EUA
Criado curso superior de administração de empresas