DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E ......CÂMARA DOS DEPUTADOS DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO NÚCLEO DE REVISÃO DE COMISSÕES TEXTO COM REDAÇÃO FINAL COMISSÃO
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CÂMARA DOS DEPUTADOS
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REVISÃO DE COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
COMISSÃO ESPECIAL - PLP 167/00 - ESTATUTO DA TERRAEVENTO: Audiência Pública N°: 001201/01 DATA: 24/10/01INÍCIO: 15:04 TÉRMINO: 17:39 DURAÇÃO: 02:35TEMPO DE GRAVAÇÃO: 02:31 PÁGINAS: 60 QUARTOS: 30REVISÃO: AMANDA, LÍVIA COSTA, MÁRCIA, NEUSINHACONCATENAÇÃO: LETÍCIA
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃOJOSÉ ELI DA VEIGA - Secretário-Executivo do Conselho Nacional de DesenvolvimentoSustentável — CNDRS.SEBASTIÃO AZEVEDO - Presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária —INCRA.GILSON ALCEU BITTENCOURT - Secretário do Programa Nacional de Agricultura Familiar —PRONAF.
SUMÁRIO: Considerações sobre a matéria objeto de análise da Comissão Especial: Estatutoda Terra.
OBSERVAÇÕESHá intervenção inaudível.Há oradores não identificados.A reunião foi suspensa e reaberta à página 31.
CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: Comissão Especial - PLP 167/00 - Estatuto da TerraComissão Especial - PLP 167/00 - Estatuto da TerraNúmero: 001201/01 Data: 24/10/01
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Declaro abertos os
trabalhos da presente reunião da Comissão Especial do Estatuto da Terra.
Hoje, além de diversas Comissões estarem trabalhando, está havendo na
Casa um seminário sobre a ALCA e é também o dia que antecede o prazo para
apresentação de emendas de bancada e individual ao Orçamento da União.
Portanto, informo aos palestrantes que a ausência de Parlamentares neste plenário
não significa pouco interesse pelo assunto e muito menos por aqueles que vão
expor suas opiniões.
Tendo em vista a distribuição antecipada da ata da reunião anterior, consulto
os Srs. Deputados sobre a necessidade de sua leitura.
O SR. DEPUTADO XICO GRAZIANO – Sr. Presidente, peço dispensa da
leitura da ata.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Dispensada a leitura da ata,
coloco-a em discussão. (Pausa.)
Não havendo quem queira discuti-la, em votação.
Aqueles que a aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovada.
Ordem do Dia.
Audiência pública com os Srs. José Eli da Veiga, Secretário-Executivo do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável; Sebastião Azevedo, Presidente
do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, e Gilson Alceu Bittencourt,
Secretário do Programa Nacional de Agricultura Familiar.
Convido a tomar assento à mesa os Srs. José Eli da Veiga, Secretário-
Executivo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável; Sebastião
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Azevedo, Presidente do INCRA, e Gilson Alceu Bittencourt, Secretário do PRONAF.
(Pausa.)
O SR. DEPUTADO XICO GRAZIANO – Sr. Presidente, peço a palavra pela
ordem. Acabei de chegar da Confederação Nacional da Agricultura, onde houve uma
reunião com representantes do Conselho Nacional do Café, em que se discutiu e,
felizmente, se resolveu a situação do endividamento dos cafeicultores do País.
Estava também presente, e muito atuante, o Deputado Silas Brasileiro, Vice-
Presidente desta Comissão, sem dúvida, o nosso mais contumaz parceiro desses
trabalhos.
Portanto, o dia de hoje é muito corrido para todos nós, Parlamentares. Trata-
se do último dia para apresentação de emendas ao Orçamento, e os Deputados da
Frente da Agricultura estão reunidos, decidindo os recursos que serão destinados
aos Estados — inclusive, o Governador esteve aqui hoje. Nossos convidados são
ilustres, e gostaríamos que muitos Parlamentares de vários Estados estivessem
presentes, mas não é esta ausência que vai reduzir o brilho da exposições.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Informo aos convidados que
esta Comissão adotou como linha de atuação não a polêmica, mas o debate em que
os palestrantes efetivamente colaboram para a elaboração do novo Estatuto da
Terra. O que aqui for exposto será gravado, taquigrafado e registrado. A Relatoria,
juntamente com aqueles que vão compor a equipe de assessoria, com certeza,
aproveitará os depoimentos que ouviremos hoje.
Cada palestrante terá o tempo de vinte minutos para sua exposição.
Começaremos ouvindo o Dr. José Eli da Veiga, a quem concedo a palavra.
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O SR. JOSÉ ELI DA VEIGA – Sr. Presidente, Deputado Carlos Batata;
Deputado Xico Graziano, autor do projeto; demais Deputados; colegas do Ministério
do Desenvolvimento Agrário, inicio agradecendo a esta Comissão o convite. Deixo
bastante claro que esta me parece uma oportunidade muito importante para que se
debata a questão do desenvolvimento rural no Brasil. Elogio o Deputado Xico
Graziano, pela iniciativa de apresentar o projeto do novo Estatuto da Terra. Não
entro em nenhum tipo de comentário sobre o velho Estatuto da Terra, sobre o qual
— é consenso e talvez até unanimidade —, a opinião é a de que está obsoleto.
O Brasil, sem dúvida alguma, precisa de um estatuto à altura senão do século
XXI, porque seria muito imaginar que uma lei complementar pudesse durar um
século, mas de atender às necessidades de desenvolvimento do País nas primeiras
décadas deste século. Essa é a intenção.
Só tenho a dizer que a idéia foi excelente e, por isso, parabenizo o Deputado
por ter tomado a iniciativa. O Ministro Raul Jungmann, o primeiro a ser convidado
para falar nesta Comissão, já teceu uma série de considerações sobre o autor da
proposta, Deputado Xico Graziano, o que de certa forma me dispensa de fazer
novos elogios. Simplesmente registro que faço minhas as palavras do Ministro Raul
Jungmann, e passo diretamente à matéria a ser tratada.
Se de um lado a intenção do nobre Deputado Xico Graziano é excelente, não
digo o mesmo quanto ao resultado. Ao contrário, confesso — e começo por aí —
que o resultado me decepcionou muito. Entendo até que o projeto é um tiro pela
culatra. Vou tentar justificar começando pelas minha conclusões, inclusive sob pena
de, nos vinte minutos de que disponho, não ter tempo de apresentar todos os
argumentos. Por isso, prefiro adiantá-las.
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Um estatuto da terra que se dirija às necessidades do País para as próximas
décadas precisaria ter pelo menos quatro alicerces — precisaria de outros, claro,
mas vou destacar apenas quatro.
Em primeiro lugar, há que se levar em conta a experiência em
desenvolvimento rural acumulada pelos países desenvolvidos, os que normalmente
chamamos de Primeiro Mundo. Em segundo lugar, um estatuto da terra não pode
prescindir do conhecimento acumulado pela pesquisa científica brasileira que está,
por exemplo, registrada nos anais e na revista da SOBER (Sociedade Brasileira de
Economia e Sociologia Rural), da ANTEC (Associação Nacional dos Centros de Pós-
Graduação em Economia) e da ANPOCS (Associação Nacional dos Centros de Pós-
Graduação em Ciências Sociais).
Digo isso pelo seguinte: quando o Estatuto da Terra original foi elaborado,
essas pesquisas não existiam, e o conhecimento que se tinha sobre o Brasil rural,
na época, era absolutamente precário. Essas sociedades científicas sequer existiam.
Praticamente não havia cursos de pós-graduação. Talvez o principal documento que
permitiu algum tipo de embasamento para a elaboração do Estatuto da Terra foi a
obra de Caio Prado Júnior, baseada no Censo Agropecuário de 1950. Isso basta
para se saber qual era o conhecimento de que se dispunha. Se fôssemos fazer uma
avaliação do que se conseguiu com aquele Estatuto da Terra, poderíamos dizer que
de certa forma sua elaboração foi até um milagre, porque não existia conhecimento
a respeito. Na verdade, só existiam preconceitos a respeito do Brasil rural, o que
hoje não mais acontece. Existe uma vasta pesquisa científica publicada nas
melhores revistas, como a que me referi, e acredito imperdoável que não levemos
em conta os resultados dessas pesquisas.
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O terceiro alicerce para a elaboração de um novo estatuto da terra é o capital
político acumulado no processo de redemocratização. Destacaria especialmente os
dois Governos Fernando Henrique Cardoso e, particularmente, a experiência
posterior a Eldorado dos Carajás. Evidentemente, estou me referindo à gestão do
Ministro Raul Jungmann no Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Finalmente, um quarto alicerce que, no caso, é imperdoável também que seja
esquecido: hoje existe no País o Estatuto da Cidade, promulgado depois de onze
anos de tramitação.
Pois bem. Lendo o projeto do novo Estatuto da Terra, com base nesses
quatro critérios, a minha avaliação é a de que ele está sistematicamente na
contramão. Ele não revela o conhecimento da experiência acumulada pelo Primeiro
Mundo, não incorpora o que a pesquisa científica, principalmente em economia e
sociologia rural, acumulou no período de vinte anos, não reflete o avanço político
dos dois Governos Fernando Henrique Cardoso e, no fundo, ignora a existência do
Estatuto da Cidade, sendo inclusive contraditório em relação a ele. Vou tentar
justificar isso tudo durante os meus vinte minutos, se possível.
Para que eu possa apresentar as evidências de que o projeto não está à
altura das nobres intenções do autor — e não me cabe aqui especular o motivo —
deve haver algum tipo de problema com assessoria, mas não cabe a mim discutir
isso —, vou me concentrar em três pontos.
O primeiro diz respeito a uma confusão, que me parece primária, entre a
definição do que é rural — e é um critério de espaço, um critério territorial —, e o
que é agrícola ou agropecuário, que se refere a um subsetor econômico do setor
primário. Essa confusão é muito comum. O senso comum faz essa confusão, mas é
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imperdoável que reproduzamos isso, principalmente quando se tem tanto
conhecimento científico como hoje. No entanto, é o que acontece em quase todo o
texto, e vou apontar os artigos em que isso é mais manifesto.
A segunda evidência que tenho a ressaltar é relativa ao fato d que se
desconsidera quais são os principais determinantes da renda das diversas
categorias da população rural, especialmente da própria população agrícola.
População rural é algo muito mais vasto que população agrícola, e a renda das
populações rurais e a das populações propriamente ditas agrícolas têm
determinantes hoje conhecidos, que não são levados em conta no estatuto.
Terceiro ponto: parece-me que há uma visão equivocada sobre a dinâmica da
inovação tecnológica, particularmente no que diz respeito à sua relação com os
mercados. Esse talvez seja um ponto que, considero, o autor vai levar mais a sério,
até porque ele faz questão de enfatizar que se trata de proposta para valorizar a
tecnologia. Nesse sentido é que digo que se trata de um tiro pela culatra.
Como não vou ter muito tempo para discorrer sobre essas graves conclusões
— e pediria ao Presidente que levasse isso em conta —, gostaria de que nos autos
desta Comissão fosse registrada a existência de um documento que se intitula “O
Brasil rural precisa de uma estratégia de desenvolvimento”, que está sendo debatido
não só no Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, mas também
nos Conselhos Estaduais e Municipais. Aqui estão pessoas da Secretaria do
Conselho que poderão distribuir esse documento. Passo imediatamente um
exemplar ao Presidente. (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – O Presidente fará constar
dos Anais da Comissão.
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O SR. JOSÉ ELI DA VEIGA – Muito obrigado.
Passo à justificação das minha avaliações.
Primeiramente, falo da confusão que se faz entre rural e agrícola. Para
poupar tempo, não vou entrar na discussão acerca do motivo de ser o senso comum
sobre o que é e o que não é rural — o corte urbano/rural — tão distorcido no Brasil.
Entendo muito importante, principalmente quando estamos discutindo um projeto de
lei complementar, que nos perguntemos qual é a base legal da separação
urbano/rural no Brasil. O Estatuto da Cidade, por exemplo, não tem essa definição
— o Estatuto da Cidade fala o tempo todo das cidades e em nenhum momento
define o que é cidade. Se formos procurar na legislação brasileira essa definição,
vamos encontrar um decreto-lei de Getúlio Vargas, no ápice do fechamento político.
Foi o período mais autoritário que o País viveu, sem comparação com nenhum
outro, com certeza, quando inclusive todas as Câmaras Municipais foram fechadas.
Portanto, foi justamente em 1938, durante o Estado Novo, que Getúlio Vargas, então
ditador, baixou o Decreto-lei nº 311, que, por incrível que pareça, continua em vigor
e, delimita, em princípio, o que seria urbano e o que seria rural no Brasil.
Somo levados a situações simplesmente surrealistas. Por exemplo, o que se
considera grau de urbanização no Brasil é a relação entre o que seria população
rural e população urbana. Como a população urbana é definida como sendo aquela
que vive na sede do Município ou na sede do Distrito — e esse é o caráter do
decreto-lei —, todas as sedes de Municípios ou Distritos foram estabelecidas, por
decreto-lei como sendo urbanas, independentemente de qualquer função geográfica,
ecológica etc. e não importando o caráter do Município. Isso faz com que, por
exemplo, quando o IBGE calcula o grau de urbanização, o Pantanal apareça como
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sendo a região mais urbanizada do País. Não sei se os senhores são capazes de
perceber a gravidade dessa definição: no Brasil, a região que o grau de urbanização
mais alto é o Pantanal.
Precisaria de muito mais tempo para explicar qual seria a alternativa a isso,
mas simplesmente digo que essa maneira de separar o urbano e o rural que há no
Brasil só acontece em quatro outros países do mundo: Equador, República
Dominicana, Guatemala e El Salvador. Nenhum outro País do mundo tem esse tipo
de separação. Essa situação faz com que, ao olharmos para os países que se
desenvolveram mais, percebamos que os que adotaram critérios desse tipo tiveram
de revisá-los.
Utilizando o método da OCDE, cito um exemplo de como a questão mudaria.
Peguei como exemplo o Estado do Tocantins, porque a Relatora desta Comissão,
Deputada Kátia Abreu, é daquele Estado. Segundo dados oficiais, 75% da
população do Estado do Tocantins seria urbana, e apenas 25% seria rural. No
entanto, fazendo-se as contas pelo método que a OCDE utiliza hoje em dia, haveria
uma inversão completa, ou seja, quase 73% da população do Estado do Tocantins
seria rural. Como exemplo extremo, cito o Município de Cristalândia, que tem quatro
habitantes por quilômetro quadrado, lembrando que, no período Neolítico, a
densidade média que a agricultura permitia era de trinta habitantes por quilômetro
quadrado. Cristalândia tem quatro habitantes por quilômetro quadrado. A sua
população caiu de 7.000 para 6.000 pessoas na década de 90. Esse Município é
classificado como tendo 92% de população urbana. Ou seja, ele é mais urbano que
o Município de São Paulo. Esse é o sistema utilizado no Brasil para separar o
urbano do rural.
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Infelizmente, não posso me estender muito nessa exemplificação, mas
gostaria de chamar a atenção dos Deputados desta Comissão, principalmente da
Relatora , para o fato de que, se tivermos uma visão correta do que é rural e do que
é urbano, a primeira coisa que salta aos olhos é que o rural tem três setores
econômicos, e não apenas um, como normalmente se faz questão de dizer. Na área
rural existe também a indústria. Há países em que a população ocupada na indústria
é mais rural do que urbana. No Brasil, em grande parte isso é verdade. Cito Estados
que inclusive visitei recentemente: Rio Grande do Sul, com sua indústria de calçados
e de confecções; Santa Catarina, com sua indústria de confecções; São Paulo, com
sua indústria de brinquedos, no Município de Laranjal Paulista, que certamente o
Deputado conhece; Minas Gerais, com a indústria de cerâmica e de fogos de
artifícios. São inúmeros os exemplos que podem ser citados, e eles mostram
claramente que é um absurdo tratar agricultura e território rural como se fossem
sinônimos.
Isso tem grane importância para o que estamos tratando aqui pelo fato de
que, nessas regiões, há pluratividade dos agricultores, principalmente dos familiares
— a família normalmente tem uma ocupação principal e uma ou mais ocupação
secundária. E isso é muito mais importante no Brasil hoje do que se imagina. Nem
se pensava a respeito do assunto no tempo do Estatuto da Terra, mas hoje é
imperdoável que se ignore a pluratividade dos agricultores familiares. E eu ainda
nem disse que todos esses Municípios têm um comércio importante e que o setor de
transporte rural é importantíssimo e subestimado.
Portanto, ao concluir este primeiro tópico sobre confusão entre território rural,
espaço rural e setor agrícola, afirmo que tratar pura e simplesmente da política
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agrícola, somada à política fundiária, como ocorre na nova proposta do Estatuto,
nem de longe significa tratar do desenvolvimento rural. O desenvolvimento rural
teria, no mínimo, um terceiro componente, que se refere fundamentalmente à
diversificação das economia locais — e ela se inicia com a própria diversificação dos
sistemas agropecuários.
Eu havia esquecido de registrar que essa confusão entre o rural e o agrícola
aparece em inúmeros artigos do projeto, mas principalmente no art. 15, que tenta
definir o que seja desenvolvimento rural. Ele define no máximo o que seja
crescimento agrícola. Isso também aparece com muita clareza nos arts. 37, 38 e 44.
O segundo tópico diz respeito a determinantes da renda.
Informo que não estou levando em conta outra separação: a do rural e o
urbano. As pesquisas são praticamente obrigadas, pelo IBGE, a considerar absurda
essa separação que acabei de denunciar.
Considerando a maneira como o Brasil hoje separa o urbano e o rural, já há
evidências científicas para mostrar que um terço das famílias rurais nada tem a ver
com agropecuária. Insisto em que, mantendo a separação que já mostrei aqui e que
é absurda, um terço das famílias rurais nada tem a ver com agricultura. Se
tivéssemos uma nova maneira de classificar o que é rural, a proporção das famílias
rurais que nada têm a ver com agricultura seria ainda maior.
Quanto às fontes de renda, 34% da renda das famílias "conta própria" vêm de
outras fontes que não a agricultura. No caso das famílias empregadoras, 40% de
suas rendas vêm de fora da agricultura. No caso das famílias de empregados do
meio rural, 56% da renda vêm de fora da agricultura.
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Sem querer aborrecê-los com a citação de vários dados, chamo a atenção
para as tabelas que aparecem nas págs. 54 e 55 do documento que acabei de
solicitar seja juntado aos autos — "O Brasil rural precisa de uma estratégia de
desenvolvimento". As tabelas que estão nessas páginas contêm todos esses dados.
Destaco a situação dos "conta própria", maioria esmagadora dos chamados
agricultores familiares.
No que se refere aos "conta própria", as atividades se separam assim: 52%
podem ser simplesmente agrícolas; 31% são famílias pluriativas, e 17% são outras
coisas que nem têm a ver com agricultura.
Entre os agricultores que são puramente agrícolas — essa massa de cerca de
4 milhões de agricultores —, 71% têm renda proveniente da atividade agrícola; 25%,
de aposentadorias e pensões, e 4%, de outras. Entre os pluriativos essa proporção é
de 50%; 12%, de aposentadorias, e 36%, de outras. No caso da terceira categoria,
apenas 2% vêm da agricultura; 89% vêm de outras.
Conclusão: mesmo considerando o critério de separação de urbano e rural
utilizado no Brasil, que na minha opinião é absurdo, fica muito claro que não
podemos enxergar o setor agrícola como algo que dependa da renda agrícola. Uma
parte pequena dos agricultores depende exclusivamente da renda agrícola. Mas, se
reconsiderarmos a separação do urbano e do rural, chegaremos à conclusão de que
a renda da agricultura, hoje, representa apenas 30%, um terço da renda das famílias
rurais. Significa dizer que a estimativa é a de que a agricultura represente 30%, um
terço do PIB da economia rural como um todo.
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Os artigos que não levam em conta esses dados, essas evidências da
pesquisa científica são principalmente o art. 18, que trata da renda mínima, e os
arts. 45, 46 e 47.
No caso do art. 18 — é simplesmente um comentário ad hoc —, de acordo
com meu ponto de vista, a discussão sobre a renda mínima não deveria separar o
rural do urbano. E, se houver algum dia no Brasil um projeto de renda mínima, deve
basear-se principalmente nos critérios que a FGV tem mostrado sobre a linha de
pobreza, independentemente de ser rural ou urbano. E não deveria ser um critério
do setor ou do subsetor agrícola ou agropecuário.
Para eu demonstrar que o ponto n° 3, que trata da inovação tecnológica, é
contraproducente, que as medidas que aparecem no projeto do Estatuto da Terra
são contraproducentes do ponto de vista da inovação tecnológica, contrariamente à
principal intenção do autor, eu me basearia em dois aspectos.
O primeiro é o do seguro-renda. Primeiro, não se trata de seguro. Na verdade,
o que está sendo proposto aí é um subsídio; significaria a diferença entre os preços
médios de mercado constatados e um preço mínimo prefixado. Nós conhecemos
essa maneira de agir, que é muito comum nos países desenvolvidos, as suas
origens e o seu resultado.
Não vou entrar em dois aspectos sobre essa questão. Está-se propondo a
criação de um subsídio que levaria todos os agricultores a terem direito a uma
remuneração que corresponderia à diferença entre o preço médio de mercado e o
preço mínimo fixado anteriormente.
Não vou entrar na questão da responsabilidade fiscal, que me parece óbvia.
Tenho certeza de que, se um artigo como esse fosse aprovado, seja nesse projeto,
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seja em qualquer outro projeto de lei, seria vetado com base na idéia da
responsabilidade fiscal hoje em dia. Também não vou fazer referência a aspecto que
me parece da maior importância: o da política comercial e da nossa política externa.
Gostaria que fosse registrado também artigo publicado hoje no Estado de S.
Paulo, que mostra justamente que estamos chegando no fim daquele período em
que não dá para contestar a legalidade desse tipo de subsídio nos países
desenvolvidos. O Brasil montou toda a sua estratégia comercial para ir contra esse
tipo de subsídio no mundo desenvolvido. Até agora, nunca pudemos contestar isso
na OMC. Esse artigo chama a atenção para o fato de que a partir de 2004 vai ser
possível contestar a legalidade desse tipo de subsídio.
Seria grande incoerência se o Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento estivesse montando toda a sua estratégia comercial externa para
combater esse tipo de subsídio, e, ao mesmo tempo, o Brasil o estivesse criando.
Mas, conforme disse, isso não faz parte da minha argumentação central. O ponto
principal da minha exposição é a inovação tecnológica.
O que ficou constatado em todas as experiências que tiveram esse tipo de
prática, que está sendo chamada aqui de seguro-renda, mas que, na verdade, não é
um seguro, e está formulada principalmente no art. 46, é que a questão central da
inovação tecnológica, que é a decisão de plantio, fica congelada por um mecanismo
como esse. Por que eu vou sair de uma cultura cujas perspectivas são negativas, se
sei de antemão que vou ter garantida a diferença entre o preço mínimo e o preço de
mercado?
Inovação tecnológica na agricultura é fundamentalmente a capacidade de o
agricultor de escolher bem as culturas que vai praticar e de, muitas vezes, modificar
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o seu sistema de produção. E, modificar o sistema de produção, muitas vezes,
significa convertê-lo.
Uma das conseqüências negativas de se estabelecer esse tipo de política é
que os agricultores vão ter muito mais tendência — aí, sim, a palavra "seguro"
aparece — a apostar no que é seguro, porque há subsídio para aquele tipo de
cultura, do que, por exemplo, a estar atento à necessidade de se fazer conversão do
seu sistema produtivo e migrar para outras culturas com maior futuro.
Vou dar um exemplo muito chocante: o semi-árido brasileiro, principalmente
na área em que os agricultores continuam com práticas dependentes de chuva —
não estou me referindo às áreas irrigadas. Ali nunca deveriam ter sido plantados
grãos, como acontece com o feijão, o arroz, o milho, principalmente.
Se fosse estabelecido um seguro-renda para essas culturas, esses
agricultores continuariam praticando tudo aquilo que a pesquisa científica,
principalmente a EMBRAPA...Todas as pesquisas mostram que eles teriam de estar
saindo dessas culturas e praticando outras que a EMBRAPA já mostrou que são
viáveis e que permitem um sistema de produção completamente diferente, baseado
na caprino-ovinocultura. Mas essa conversão, que é de difícil realização, ficaria
praticamente inviabilizada se fosse estabelecido um subsídio que garantisse, por
exemplo, o preço mínimo do milho, do feijão e do arroz para produtores de áreas
dependentes de chuva.
A segunda parte da argumentação sobre a questão tecnológica diz respeito à
reversão, que considero retrocesso mesmo em relação ao conceito do módulo rural.
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Quero chamar a atenção principalmente do autor para esse ponto. Li todas as
notas taquigráficas das sessões anteriores, a introdução desse texto que apresenta
o novo Estatuto da Terra, entrevistas. A questão do módulo está interessando muito.
Não vou aqui fazer a defesa do módulo da maneira como ele está no Estatuto
da Terra. Por quê? Porque no Estatuto da Terra ele é visto como módulo municipal.
Há experiências avançadas em outros países sobre isso. Ele tem algo muito
importante, que foi um tremendo avanço: relaciona a área com o sistema produtivo e
com a base tecnológica, com o padrão tecnológico. Por isso é que não estabelece
área, como agora está sendo reintroduzido aqui. É coisa do século XIX imaginar que
se pode separar pequena propriedade, média propriedade e grande propriedade por
critérios de área. Toda pesquisa científica mostrou o contrário.
Se havia algo interessante no módulo, mesmo que ele tivesse de ser
modificado, era o fato de fazer a relação da área com o sistema de produção e a
tecnologia padrão daquele momento. E o módulo avisava que ele devia ser revisto.
Abrir mão disso para fixar novamente o critério de área é um absurdo. Por exemplo,
chamar de pequena propriedade 30 hectares, ou mais, em outras regiões.
No mesmo Município, numa área irrigada, 6 hectares podem ser demais para
uma família; um metro depois, numa área em que a irrigação não chega, o sistema
de caprino-ovinocultura exige, num padrão tradicional, 500 hectares. Se forem
adotadas as práticas mais modernas que a EMBRAPA e outros organismos da área
desenvolveram, pode-se reduzir isso a 100 hectares ou até a 50 hectares, onde, por
milagre, uma família poderia viver, mas com padrão tecnológico praticamente
desconhecido no País. Ninguém o adotou ainda.
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Portanto, essa relação tem de ser feita. E pelo fato de essa questão do
tamanho na agricultura sempre haver preocupado os economistas, inúmeros
trabalhos foram realizados, procurando investigar em todos os países quais seriam
os tamanhos correspondentes e sobretudo como é que se mede tamanho. Não é
mais por terra. Área de terra como medida de tamanho no sistema produtivo na
agricultura é coisa do século XIX. Poderia ser medido, por exemplo, pelo capital.
Na verdade, todos os estudos — e aí eu cito principalmente os estudos feitos
na Inglaterra — concluíram que as economias de tamanho estão ligadas ao fator
mão-de-obra, fundamentalmente. Chegou-se à conclusão, por exemplo, de que na
maioria dos países desenvolvidos o padrão ideal de uma unidade agrícola é o
daquela que envolve três unidades homem/ano. O máximo que eles conseguem
chegar, com trabalhador permanente, seria a uma equipe de seis unidades
homem/ano. E, mesmo assim, quando passa disso, necessariamente, tem de haver
a terceirização. As propriedades que funcionam assim nos Estados Unidos, na
Europa etc. são fundamentalmente baseadas na terceirização. Infelizmente nós
usamos outros nomes, mas é um fenômeno que ocorre com bastante freqüência nas
áreas mais modernas da agricultura brasileira.
Portanto, se considerarmos a mão-de-obra permanente e a transformarmos
em unidades homem/ano, vamos chegar à conclusão de que, no fundo, aquilo que
dá o tamanho mais eficaz na agricultura é muito semelhante ao que fundamenta a
idéia da agricultura familiar.
Fiquei particularmente surpreso com o fato de que, tendo sido o PRONAF,
talvez, um dos principais programas inovadores dos dois Governos Fernando
Henrique Cardoso, é praticamente esquecido no projeto, embora haja uma definição
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de agricultura familiar no Capítulo I. Depois, para efeito de política agrícola, o que
aparece é apenas a idéia de pequeno, médio e grande, o que é uma coisa anterior.
Mais uma vez se constata, portanto, tremendo retrocesso nesse aspecto,
principalmente ao se esquecer de que a agricultura familiar, inclusive, é a que
melhor exprime a questão das economias de tamanho na agricultura.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Dr. Eli, a palestra de V.Sa. é
bastante intrigante e interessante, e o Deputado Xico Graziano tem muitas coisas a
dizer. Infelizmente, como já estamos no início da Ordem do Dia no plenário, devo
solicitar a V.Sa. que encerre o seu pronunciamento. O que faltar, V.Sa. poderá nos
encaminhar por escrito, que a Comissão vai receber com o maior prazer.
O SR. JOSÉ ELI DA VEIGA – Já encerro, Sr. Presidente.
Esse terceiro ponto, como eu disse, está encerrado. Quero apenas fazer uma
síntese, em um minuto, de tudo o que falei.
Em primeiro, na minha opinião, tal como se apresenta, o projeto do novo
Estatuto da Terra está muito longe de poder revogar o anterior, sobretudo as leis
agrícolas de 1991 e a Lei Agrária, de 1993.
Para que possamos ter um Estatuto da Terra que corresponda às
necessidades do País para a primeira década do século XXI, ele precisa ser
inteiramente reformulado, a fim de incorporar as quatro dimensões sobre as quais
chamei a atenção de V.Exas.. É fundamental que ele leve em conta a experiência
dos países mais desenvolvidos; que não ignore a pesquisa brasileira, principalmente
em economia e sociologia rural; que incorpore os avanços institucionais da
redemocratização, principalmente dos dois Governos Fernando Henrique; e que
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contribua para que haja uma definição mais clara do que seja urbano e o que seja
rural, já que o Estatuto da Cidade, que poderia, em princípio, ter feito isso, não o fez.
Desculpe se ultrapassei o tempo, Sr. Presidente, e muito obrigado pela sua
paciência.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Com a palavra o Sr.
Sebastião Azevedo, Presidente do INCRA.
O SR. SEBASTIÃO AZEVEDO – Quero cumprimentar os integrantes da
Mesa, na pessoa do Deputado Carlos Batata, e os Srs. Parlamentares, na pessoa
do ilustre Deputado Xico Graziano, além das pessoas presentes neste plenário.
Primeiramente, quero agradecer-lhes o convite para debater tema de tanta
relevância para a sociedade brasileira. Ao mesmo tempo, congratulo-me com o
Deputado Xico Graziano pela ousadia de trazer para o debate público com a
sociedade assunto dessa importância.
Faço minhas as palavras do Ministro Raul Jungmann, quando esteve aqui
debatendo sobre o mesmo tema, e do Dr. José Eli da Veiga. Deixo também
registrada a minha admiração pelo Deputado Xico Graziano.
É evidente que, em matéria de tanta relevância, devem permear situações
embaraçosas, de alta complexidade. E não poderia uma proposta como essa,
apresentada pelo Deputado Xico Graziano, ser considerada perfeita, acabada,
completa. Tendo em vista o esforço de editar o novo Estatuto com fundamento na
Constituição e nas legislações então vigentes, deve-se considerar esse trabalho da
maior importância, fazendo-se contudo as observações necessárias a respeito do
tema, dentro do princípio de que estamos trazendo a esta Comissão a nossa
contribuição pela experiência adquirida ao longo dos anos nessa atividade.
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Tendo em vista o acordo feito entre nós, painelistas, vou restringir-me aos
aspectos técnicos e jurídicos agrários. Nesse sentido, com todo o respeito que tenho
pelo Deputado Xico Graziano, começo dizendo que o projeto apresentado se
equilibra entre a fragilidade e o retrocesso.
O que me leva a tecer essas considerações — e é evidente que não temos,
em vinte minutos, condições de fazer um debate mais amplo sobre o assunto — tem
fundamento em alguns aspectos.
O primeiro deles diz respeito à evolução do Direito Agrário brasileiro. Como os
senhores sabem, o Estatuto da Terra se constitui, na verdade, na legislação básica
do Direito Agrário brasileiro. É sobre ela que repousa todos os demais atos
normativos. Embora possamos encontrar diversos atos extravagantes, a questão
central gira em torno do Estatuto da Terra.
O Estatuto da Terra foi elaborado como norma do Direito Agrário em face da
Emenda Constitucional nº 10, de 1964. Essa emenda é de abril, em seguida, em
novembro, o Estatuto foi editado com todo esse manancial de normas que
conhecemos. A partir daí, sucederam-se diversas outras legislações multifárias.
Essas legislações estavam estagnadas e não eram editadas desde 1850 (Lei nº 601,
de 1850).
Qual é a primeira preocupação no que se refere ao Direito Agrário, em face
do Estatuto da Terra? O Direito Agrário possui institutos próprios. Até para que se
afirme como ciência do Direito, ele precisa ter institutos e princípios próprios, que
evoluem ao longo do tempo. O legislador que pretende editar uma norma da
envergadura do Estatuto da Terra precisa ter os cuidados necessários e considerar
esses aspectos de institutos que têm de firmar-se ou modificar-se. Não pode deixar
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de acompanhar também os aspectos relacionados à doutrina e à jurisprudência
predominante ao longo do tempo. Nesse sentido não se verifica avanço, por tudo o
que aconteceu a partir de 1964.
Outra preocupação que se tem, e que é presente, é quanto aos aspectos
constitucionais. Na verdade, o autor pretendeu regulamentar o capítulo da reforma
agrária, da política agrícola e fundiária.
Tenho questionado a respeito da conveniência de se estar editando ou
revendo normas frente ao dispositivo constitucional vigente. Os Constituintes
presentes e a sociedade que debateu o assunto devem se recordar de que no
capítulo pertinente à reforma agrária e à política fundiária verificou-se um dos
maiores retrocessos, quando se discutiu acerca do assunto nesta Casa,
diferentemente do que aconteceu com a política ambiental, consubstanciada no art.
225, e com a política relacionada aos índios — art. 231.
A primeira abordagem que faço em relação ao assunto é se não seria
oportuno, antes mesmo de se cuidar das leis ordinárias, aperfeiçoando-as ou
consolidando-as, voltar a discutir política agrária e fundiária, sobretudo porque vários
assuntos ficaram pendentes e não foram suficientemente debatidos nesta Casa.
Outro ponto diz respeito à competência legislativa para editar o Direito
Agrário, que seria do Poder Federal. Esse é um aspecto que está em debate.
Parece-me que essa questão relacionada à competência — sobretudo à
competência privativa, às competências concorrentes e às competências comuns ou
materiais —, nos dias atuais, precisa ser rediscutida, em face dos avanços que a
sociedade moderna alcançou.
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Ainda sobre esse aspecto, apresento questão de ordem procedimental, que
diz respeito ao processo legislativo. Há aqui uma proposta de lei complementar. Na
verdade, afigura-me desnecessário editar norma complementar, em face da
Constituição vigente. A Constituição vigente, a rigor, não exige que essa norma de
Direito Agrário que se quer editar seja conduzida por processo legislativo em forma
de lei complementar. Aliás, o próprio Estatuto da Terra, hoje, é uma lei ordinária,
como ordinárias são as demais leis que o sucederam. Exceção feita — porque
constitucionalmente protegido — à lei do rito sumário. Essa é uma questão a ser
vista, porque submete a critério rígido uma norma que, a rigor, poderia ser
conduzida por um processo de quorum menos exigente.
Outro aspecto que de alguma forma foi abordado pelo Sr. José Eli, que me
antecedeu, está relacionado exatamente aos avanços do Governo desde 1964,
embora possamos considerar que os maiores avanços ocorreram a partir de 1985,
sobretudo a partir da vigência da Constituição de 1988. O Estatuto como norma
básica não só não acompanhou os avanços, como deixou de contemplar no seu
texto disposições pertinentes, por exemplo, à questão fundiária, sobretudo a
discriminação de terras públicas, sobre a questão da faixa de fronteira. Embora
exista lei autônoma, seria a oportunidade de trazer para o bojo — já que se está
tentando dar uma idéia de consolidação dessa matéria — dispositivos pertinentes ao
ordenamento da estrutura fundiária e, sobretudo, o combate a fraudes e
falsificações, inclusive decorrentes da nova Lei nº 10.267, recentemente aprovada
nesta Casa, aspectos relacionados a cadastros rurais e à aquisição de imóveis
rurais por pessoas estrangeiras.
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Se houvesse tempo, eu trataria do estudo comparativo realizado por uma
equipe do INCRA a nós recomendado sobre a proposta apresentada e a legislação
vigente. Cabe-me destacar pelo menos alguns pontos com relação a algumas
questões fundamentais. A primeira delas está relacionada ao art. 20. Em face do
dispositivo constitucional vigente, a partir do art. 184 e porque a Constituição não
enfrentou esse problema, o dispositivo proposto apresenta o retrocesso ainda maior
do que o previsto na Lei nº 8.629, que, a meu ver, é complementar ao Estatuto da
Terra. E por mais que não se constitua um avanço com relação a esse aspecto da
função social da propriedade, a Lei nº 8.629 procurou pelo menos conceituar bem os
diversos aspectos relacionados a esse assunto.
Também há retrocesso com relação à competência da União para
desapropriar por interesse social ou para fins de reforma agrária o imóvel que não
cumpre a função social, com relação ao conceito de imóvel rural e mais
precisamente com relação à utilização, por exemplo, de títulos da dívida agrária.
A Lei nº 8.629, com a alteração introduzida pela medida provisória recém-
reeditada, avançou significativamente em relação à moderna proposta apresentada
em face do Projeto de Lei Complementar nº 167.
Mais adiante, vamos também verificar outro aspecto que, comparativamente à
legislação vigente, lamentavelmente não ousou avançar. Esse ponto se relaciona
sobretudo ao conceito de prévia e justa indenização, delineado no art. 12 da Lei nº
8.629, que tem como fundamento não só os critérios já conhecidos anteriormente,
também aspectos doutrinários e jurisprudenciais que estão hoje predominantes,
como no sentido de acatar aqueles que são considerados mais favoráveis às teses
defendidas, para evitar que se dê interpretações que possam elevar o preço da terra
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na execução do programa de reforma agrária. Nesse passo, vejo ainda a questão da
destinação ou da redistribuição fundiária através de assentamentos. Há também que
se louvar a iniciativa no sentido de tentar disciplinar. Estudo comparativo da mais
recente atualização dos arts. 17 e 18 da Lei nº 4.504, da medida provisória citada
anteriormente, demonstra que se conseguiu evoluir além do proposto.
Enfim, gostaríamos de nos deter em vários pontos cujos trabalhos
comparativos realizamos. É de se lamentar. Entendo que esta é a forma de se fazer
a discussão no primeiro momento, visto que não há tempo para se fazer abordagem
ampla.
Como foi dito pelo ilustre Presidente Carlos Batata, acredito que este é o
início de um debate que pode prolongar-se com o propósito de se aperfeiçoar o
projeto apresentado pelo Deputado Xico Graziano. Nesse sentido já havíamos nos
posicionado anteriormente, mas, vamos repetir, continuamos no INCRA e no
Ministério do Desenvolvimento Agrário à disposição do ilustre Deputado para que
encaminhemos, em conjunto, proposta que possa resultar em substitutivo que
atenda aos anseios da sociedade brasileira.
(Não identificado) - Sr. Presidente, peço a palavra pela ordem.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) - Tem V.Exa. a palavra.
(Não identificado) - Sr. Presidente, eu queria anunciar aos Srs. Deputados e
a V.Exa. que está entre nós o Prof. Benedito Ferreira Marques, da Universidade
Federal de Goiás, acompanhado de doze professores mestrandos de Direito Agrário.
A Universidade Federal de Goiás realizou o Seminário Estadual de Direito
Agrário. O debate central desse seminário foi exatamente a alteração do Estatuto da
Terra. Portanto, em nome da Universidade Federal de Goiás, do Prof. Benedito,
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trago à Comissão os anais do 1º Seminário Estadual de Direito Agrário, como
subsídio relevante, já que ela vem discutindo essa questão de forma sistemática.
O SR. DEPUTADO JOÃO GRANDÃO - Sr. Presidente, aproveito este
momento para solicitar um exemplar, não apenas para esta Comissão, mas também
para o Deputado Padre Roque, que, como eu, faz parte da Comissão de Agricultura,
onde queremos debater este tema.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) - A Presidência, após o
pronunciamento do Dr. Sebastião Azevedo, agradece enfaticamente a dedicação ao
Prof. Benedito.
O Estado de Goiás tem dado sua contribuição pela forma que trata a questão
agrícola e agrária neste País. Com certeza a nossa Relatora, Deputada Kátia Abreu,
o Deputado Xico Graziano e esta Presidência vão usar este trabalho feito na
Universidade de Goiás, assim como tudo aquilo que é trazido a esta Comissão.
Agradecemos aos professores da Universidade Federal de Goiás e ao nobre
Deputado pela oportuna observação.
Gostaria de pedir ao Prof. Benedito que, se possível, enviasse cópia desse
trabalho a outros membros da Comissão Especial do Estatuto da Terra.
Para encerrar, concedo a palavra ao último palestrante da tarde, o
representante do Programa Nacional de Agricultura Familiar, programa do Governo
Fernando Henrique Cardoso, que de fato veio para ficar e muda consideravelmente
a forma de trabalho do pequeno agricultor do Brasil inteiro. Com a palavra o Sr.
Gilson Alceu Bittencourt.
O SR. GILSON ALCEU BITTENCOURT - Exmo. Sr. Carlos Batata,
Presidente desta Comissão, Exmo. Sr. Deputado Xico Graziano, autor do projeto em
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questão, demais Deputados e participantes desta sessão, a minha exposição segue
a mesma ótica do Sr. Sebastião Azevedo. É uma seqüência das posições do
Ministério do Desenvolvimento Agrário, iniciadas aqui com a primeira apresentação
e abertura desta Comissão com a intervenção do Ministro Raul Jungmann, em
seguida pelo Sr. José Eli da Veiga, Sr. Sebastião Azevedo e eu, tentando enfocar
especialmente a questão de política agrícola no projeto em questão.
Para iniciar, acho importante reforçar um pouco a questão do PRONAF e, em
função disso, discutir concretamente o vínculo do PRONAF com a proposta em
discussão.
O PRONAF foi criado em 1995 e representou uma significativa mudança,
principalmente no foco do Governo em relação ao entendimento da agricultura
familiar e à perspectiva de desenvolvimento rural. Foi um programa criado através
de uma negociação e articulação muito intensa com os movimentos sociais,
especialmente a CONTAG, e nesses últimos cinco anos, desde a sua criação, vem
sendo aperfeiçoado anualmente, sofrendo significativas mudanças sempre para
melhor e visando o desenvolvimento do espaço rural.
O PRONAF conseguiu quebrar uma série de tabus, especialmente em relação
à perspectiva de desenvolvimento rural, como iniciado aqui pelo colega José Eli da
Veiga, não só sob o aspecto da agricultura. Tanto que entre as suas linhas de ação
tem cada vez mais avançado no financiamento, na capacitação de agricultores no
sentido de atividades não agrícolas que podem potencializar e complementar a
renda dos moradores do espaço rural, quando não forem a principal renda desses
agricultores.
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O PRONAF também conseguiu avançar significativamente na ótica de
classificação do que antes era considerado mini, pequeno, médio e grande produtor,
evoluindo para o conceito de agricultura familiar. Neste conceito, incorporou tanto a
questão da mão-de-obra, quanto a direção do estabelecimento, área-limite e renda,
para, a partir daí, definir um público-alvo da ação do Governo nas suas principais
áreas, que eram o crédito, a capacitação e os recursos para infra-estrutura nos
Municípios, sempre tentando avançar e garantir uma estrutura e serviços para a
agricultura familiar.
Além disso, avançou como política governamental, no conceito de agricultura
familiar, mudando o conceito anterior que ora era miniprodutor, ora era pequeno,
dependendo do ano, não se sabendo exatamente quais eram os públicos centrais da
atuação das políticas públicas. Avançou no sentido de fazer uma diferenciação
interna dentro da agricultura familiar, que também foi fruto do processo de discussão
e negociação com os movimentos sociais, criando dentro do próprio PRONAF
propostas ou políticas específicas para agricultores de acordo com a sua renda ou o
tamanho da sua propriedade. Lógico que muito ainda precisa ser feito no PRONAF,
especialmente em relação à assistência técnica e ao avanço da capacitação.
Não se pode negar que é um programa que em cinco anos conseguiu chegar
a mais de 900 mil contratos de crédito de custeio e investimento com agricultores
familiares. Nessa próxima safra, deve passar um milhão de contratos, muito aquém
ainda do seu público-alvo, o que significa um avanço.
Conseguimos viabilizar recursos de infra-estrutura para tentar avançar no
debate de desenvolvimento territorial. Num primeiro momento, através de recursos
para Municípios, a tendência, a partir de agora, é começarmos a desenvolver ações
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muito mais no sentido microrregional, articulando os Municípios em relação a
políticas de desenvolvimento. Da mesma forma em relação à capacitação, através
de conselhos municipais, a fim de dar-lhes maiores condições para que possam
intervir nos Municípios, não só no aspecto da agricultura como no aspecto da
garantia da cidadania para toda a população rural.
Esse programa foi evoluindo nos últimos anos. Quando partimos para uma
avaliação específica do projeto do Deputado Xico Graziano, basicamente todo os
avanços do PRONAF são desconsiderados, como já dissemos anteriormente. A
agricultura familiar aparece em dois momentos em relação ao projeto: um, onde a
define simplesmente pela questão da execução da mão-de-obra que tem de ser
majoritariamente familiar, do chefe da família e dos seus membros; e depois
juntando com os pequenos agricultores. Aí começa uma contradição.
O projeto define que pequena propriedade é todo imóvel com menos de 30
hectares, podendo chegar a 100 hectares em algumas regiões. À frente começa a
referir-se a pequeno agricultor, sendo que este não é sinônimo de pequena
propriedade, porque esta vincula-se ao imóvel — e cita a palavra “imóvel” — e
depois define o pequeno produtor, que pode ser arrendatário, parceiro e uma série
de outras condições que não batem com a definição. Além disso, fica muito longe da
definição de agricultura familiar que vem sendo desenvolvida nesses últimos anos.
Quando o projeto define pequena propriedade, depois mudando para
pequeno agricultor, simplesmente o fixa com a questão da área. E aí, para todos os
que têm pequena propriedade, diferente da agricultura familiar apresentada, dá
incentivos e isenções. Posso ter uma propriedade patronal, com diversos
empregados, ou uma propriedade totalmente irrigada, altamente capitalizada e, pelo
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simples fato de ter menos 30 hectares, está fora tanto da isenção do ITR, quanto
dos benefícios de incentivos principalmente em relação ao crédito. Então, não se
vincula agricultura familiar a pequena propriedade ou muito menos a pequena
agricultura. Seria preciso definir melhor esses três conceitos e principalmente, no
nosso entender, avançar para a questão da agricultura familiar, incorporando alguns
outros aspectos a essa definição. Posso, por exemplo, ter um profissional liberal
com uma propriedade e ela ser isenta de ITR pela forma apresentada, bastando ter
menos de 30 ou 100 hectares, dependendo da região em que se situa. No nosso
entendimento, o tamanho da propriedade simplesmente não é um definidor de
agricultura familiar ou merecedor de incentivos e sim o agricultor familiar. Isso
vincula-se a uma série de momentos, em que se refere a pequenos agricultores no
projeto.
Na prática, o projeto está propondo quatro grandes seguros e alguns ainda
não muito definidos. O primeiro é a garantia da renda rural mínima para pequenos
agricultores. Novamente vem a discussão: o que estamos querendo atingir? Uma
renda mínima para toda a população rural, para toda a população nacional ou
somente para os agricultores? Mesmo assim, falta uma definição mais forte em
relação ao que seria essa renda rural mínima para pequenos agricultores. E aí
novamente o conceito de pequeno agricultor acaba não se enquadrando nessa
lógica, além de restringir. Se, por exemplo, tivermos trabalhadores que não sejam
agricultores no meio rural, sejam bóias-frias, sejam assalariados com uma renda
muito baixa, estariam excluídos diante de uma ótica de renda mínima ou de garantia
de renda mínima.
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Depois, avança para o seguro de renda, que visa, como foi levantado
especialmente pelo Sr. José Eli, garantia proporcional à área cultivada. Podemos ter
no País, hoje, um excedente significativo de milho. Termos grandes produtores que
conseguiram, devido a um determinado nível tecnológico, produzir milho a um custo
muito baixo, e uma ação do Estado, independente da área e do período, subsidiando
uma produção que para o País pode ser altamente ineficiente ao longo do tempo.
Ineficiente no sentido de estar sobrando ou não ser prioritária frente a uma
determinada realidade. E como garanto uma renda, tenho de garantir esse
diferencial independente do porte e do período.
Um terceiro seguro é proposto no projeto: Seguro Rural, pensando a questão
climática. E um quarto, o PROAGRO, garantia do banco. O projeto viabiliza uma
série de seguros, numa definição muito genérica, e provavelmente vamos cair na
questão da responsabilidade fiscal em qualquer uma dessas formas, se não for
melhor trabalhado.
Na prática, agricultura dessa forma seria uma atividade de muito pouco
planejamento, porque estaria garantida em todos os seus aspectos talvez muito
mais do que a indústria. No nosso entendimento, a agricultura precisa ter garantias e
é fundamental avançarmos no seguro. Agora, se amarrarmos de todas as formas,
será uma situação muito difícil garantir o gerenciamento, principalmente conseguir
recursos e alcançar o objetivo a que se propõe esse projeto, apresentando-se como
de modernização para o meio rural.
É fundamental avançarmos na discussão da assistência técnica e sua
garantia no Brasil. Mas na medida em que se vincula o crédito à assistência técnica,
só se liberando o crédito se o agricultor tiver assistência técnica, também se amarra
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e não necessariamente se vai garantir assistência técnica. Conseqüentemente, não
se garante o crédito. Em muitos casos não há necessidade de assistência técnica,
até pelo domínio que os produtores podem ter. E vai-se amarrando as coisas que
dificilmente darão condição de gerenciar o processo ou de garantir essas questões.
O crédito é focado somente para a produção agropecuária. Inclusive o art. 51
deixa muito claro isso: “O crédito rural é instrumento básico de financiamento da
produção agropecuária”. Eu falava antes do PRONAF, do modo de pensar o
desenvolvimento rural e as atividades não-agrícolas no meio rural como uma forma
de geração de renda, como o próprio projeto apresenta a perspectiva de habitação
para fixar o homem no campo. Como muito bem levantado pelo Sr. José Eli, para
garantia da fixação é fundamental extrapolar o conceito de rural, tentando atingir
esse conjunto de áreas.
Quando se refere à assistência técnica, quero fazer duas ou três observações
para concluir. O art. 60 diz: “Assistência técnica e extensão rural são de
responsabilidade dos Estados, Distrito Federal e Municípios, cabendo ao Governo
Federal a coordenação de suas atividades, oferecendo apoio aos órgãos
descentralizados de auxílio aos agricultores”.
É fundamental que o Estado atue na assistência técnica, principalmente para
a agricultura familiar. Mas hoje já não temos uma assistência técnica exclusivamente
do Estado. Tem-se uma assistência técnica privada e uma série de produtores,
inclusive, que poderão ter acesso a ela. Tanto que o próximo artigo diz: “O principal
da assistência técnica e da extensão deverá ser para pequenas e médias
propriedades”, se não me engano. O projeto está desconsiderando que existe outra
assistência técnica que não necessariamente para esses dois setores.
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Por fim, no art. 63, no seu inciso II, está confuso. É fundamental ter o controle
de sanidade, mas a leitura do artigo não dá uma compreensão. Não sei se por falta
de redação ou de impressão. É um artigo que está bastante confuso no seu
entendimento.
Esses são os pontos centrais que eu gostaria de apresentar. Agora estamos
abertos ao debate.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) - A Presidência agradece ao
Sr. Gilson Bittencourt.
Antes de abrir a inscrição para outros Parlamentares que desejam falar,
passo a palavra ao autor do projeto, Deputado Xico Graziano. S.Exa. terá o tempo
necessário para fazer as suas indagações. Cada expositor disporá de cinco minutos
para as suas respostas, tendo direito, o Parlamentar, à réplica.
Com a palavra o Deputado Xico Graziano.
O SR. DEPUTADO XICO GRAZIANO - Sr. Presidente, está havendo votação
nominal no Plenário. Talvez devêssemos suspender os trabalhos por dois minutos.
Exerceremos o direito de voto e voltaremos, para não ficarmos nessa angústia. Não
sei se isso é regimentalmente permitido.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) - A Mesa concorda? (Pausa.)
Está suspensa a reunião.
(A reunião é suspensa.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) - Está reiniciada a sessão.
Convido os palestrantes e os Srs. Parlamentares a tomarem os seus lugares, para
que possamos agora, efetivamente, passar ao debate.
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Uma vez recomposta a Mesa, pela ordem, o autor do projeto, Deputado Xico
Graziano, está com a palavra.
O SR. DEPUTADO XICO GRAZIANO - Sr. Presidente, quero manifestar
inicialmente minha satisfação de ter recebido dos três convidados as críticas feitas.
A maior parte delas reconheço que as esperava de forma talvez não tão peremptória
como foram feitas. O nosso objetivo nesta Comissão é exatamente receber essas
críticas, desde que sejam evidentemente no sentido de uma contribuição a fim de
termos um projeto de lei adequado para ser votado nesta Casa. Imagino que a única
coisa que o Poder Legislativo não pode aceitar é que o desmereça.
Embora o projeto de lei que apresentei tenha recebido o privilégio de uma
Comissão Especial, presidida por V.Exa. e com a constituição de todos os
Parlamentares desta Casa, e tenha sido categorizado como um tiro pela culatra,
frágil, ou que apresenta retrocessos, está sendo discutido no País todo. Prova disso
é que o Deputado de Goiás traz aqui um seminário realizado em Goiânia em que
apresenta uma série de discussões. O simples fato de que eu tenha tido, como disse
o Dr. Sebastião, a ousadia de apresentar um projeto de lei desta ordem e provocado
essa discussão, modestamente, como Parlamentar que a vida toda estudou esse
assunto, faz-me satisfeito. E aqui ninguém melhor do que o Prof. José Eli sabe do
quanto tenho dedicado-me, nos últimos 25 anos, a estudar as questões agrárias e
agrícolas do País.
Eu estava ao lado do Presidente da República quando foi criado o PRONAF.
O primeiro artigo que S.Exa. publicou foi sobre agricultura familiar, e eu tive o
privilégio de ajudá-lo a desenvolver esse programa, secretariado hoje pelo Dr. Gilson
e que tem o Prof. José Eli no Conselho Nacional.
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De tal forma que estamos imbuídos de um espírito que é exatamente o de
aperfeiçoarmos os nossos arcabouços legais. A Comissão e eu próprio temos
recebido, em geral, daqueles que são considerados ou que se autoconsideram
advogados agraristas, uma batelada de críticas sobre o meu projeto. Eu, como
engenheiro agrônomo, e a maior especialização que tenho é um doutorado em
administração pública pela Fundação Getúlio Vargas, fico tranqüilo, porque não
entendo tanto de algumas questões. Mas confesso que sinto um ranço conservador
nessas propostas. Enfim, não vou polemizar com agraristas que às vezes me
escrevem de cada canto do País dizendo: “Imaginem que vão se mudar algumas
coisas...” O que eu quero é mudar as coisas mesmo. É exatamente isso. E mudar
para melhor.
A contribuição que trazem aqui os nossos convidados é muito interessante,
juntamente com as demais contribuições que a Comissão tem recebido, no sentido
de que podemos discutir um relatório a ser apresentado. Esperamos que este reflita
pelo menos a média daquilo que pensamos. É assim que se fazem as leis, e estou
aqui aprendendo esse processo.
Gostaria de dizer ao Prof. José Eli da Veiga que na última Conferência
Nacional de Ciência e Tecnologia citei dados e, principalmente, argumentos com
base nas suas últimas publicações sobre a questão agrícola e rural. Portanto,
conheço as informações apresentadas por S.Sa. hoje e já li o documento que pede
seja transcrito, ao fim do qual apresenta sugestões para projeto de lei, procurando
incorporar a dimensão não-agrícola à temática do desenvolvimento rural do País.
Julgo essa linha de raciocínio muito interessante. Já a havíamos discutido com o Sr.
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Pimenta, que lhe cedeu o lugar no Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural
Sustentável para cumprir outras tarefas no Governo Federal.
De forma que reconheço que precisamos evoluir no setor rural, dando-lhe
dimensão maior. Ao mesmo tempo, Prof. José Eli, com a ousadia de quem já
conhecia seus argumentos, peço que tome cuidado com as estatísticas.
Foi publicado ontem, no jornal O Estado de S.Paulo, artigo de minha autoria
intitulado “Latifúndios fantasmas”. Há onze anos, em 1990, quando apresentei a
minha tese de doutorado, eu dizia que as estatísticas agrárias e os cadastros de
terras do Brasil, elaborados pelo órgão que depois tive a honra de presidir, o INCRA,
no qual conheci mais de perto o seu atual Presidente, o Dr. Sebastião Azevedo,
poderiam ser jogados fora. Provei isso numa tese de doutorado, mas a academia
não gostou. Achava que eu estava errado. Dizia-se que, mesmo se fosse essa fosse
verdade, não deveria ser dita.
O INCRA cancelou o registro de 93 milhões de hectares de terras griladas da
Amazônia. Por conta disso, o índice de Gine do País — e todos sabem disso —
diminui de 0,848% para 0,80%. Na Amazônia, onde foi registrado o mais alto índice
do País, baixou de 0,86% para 0,71%, ficando quase no mesmo nível de Santa
Catarina. Isso aconteceu, simplesmente, devido à limpeza dos cadastros do INCRA,
o que tive a honra de propor quando o presidi, em 1995.
As estatísticas no Brasil precisam, então, ser analisadas com certo cuidado.
Alguns dados apresentados pelo Prof. José Eli da Veiga são um pouco exagerados,
mas tenho absoluta certeza de que S.Sa. está correto na linha de argumentação.
Não tenho dúvida disso. Às vezes, os números chocam mesmo, mas esta não é a
hora de discuti-los.
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Se eu quisesse dar à exposição dos nobres convidados a pecha político-
ideológica que me fosse conveniente, diria que ambos foram hoje os maiores
defensores do neoliberalismo, o que me espanta muito, especialmente em relação
ao Dr. José Eli, cujas tradições reformistas conheço e sei que são diferentes das
minhas convicções sociais-democratas.
Se defendêssemos somente as inovações tecnológicas e o conhecimento que
está à disposição dos agricultores, deixando que se virem para produzir, tenho
absoluta certeza de que a população rural brasileira seria reduzida drasticamente.
Estou propondo a criação de seguro qualquer que mantenha no campo os
produtores, mesmo sabendo das inovações tecnológicas existentes. Não acredito, a
exemplo do que acontece nos Estados Unidos, na França e na Alemanha, que
devamos deixar os agricultores à mercê das inovações tecnológicas e do mercado,
porque eles desaparecerão.
Eu proponho, modestamente, a criação do seguro-renda. Conheço os riscos
da proposta. Embora os Estados Unidos e a Europa façam isso, eu confesso que
achei exagerada a defesa de deixar os agricultores por conta própria. Não sei o que
pensará disso o PT, que, pelo menos nesta Casa, mais critica quando nos chama de
neoliberais. Pois estou, ousadamente, propondo a criação do seguro-renda para
agricultores. A academia já disse que não funciona, que é melhor deixar os
produtores atuarem, por si sós, no mercado, usando a tecnologia existente; quem
quiser mudar de atividade, tem à disposição tecnologia para fazer isso.
Francamente falando, acho pouco forte demais, mas entendo a crítica. A
mesma foi feita pelo Dr. Benedito Rosa, Secretário Nacional de Política Agrícola,
segundo o qual, dessa forma, tiraríamos a eficiência e a racionalidade do mercado,
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ou seja, protegeríamos os produtores ineficientes, o que gostam de dizer os
neoclássicos. Eu estudei isso.
Se o melhor não é o seguro-renda, o que fazer para que os produtores não
desapareçam? Certamente, não divergiremos nesse ponto.
Apresento outra questão para debate: como são definidas as propriedades
familiares, pequenas, médias e grandes? Eu tenho recebido muitas críticas. As
últimas eu ouvi em Campo Grande. Disseram que meu objetivo, com esse projeto de
lei, é ampliar a reforma agrária no Brasil e desapropriar todas as propriedades com
maior número de hectares. Fiquei impressionado. Recebi críticas inversas das que
tenho recebido da chamada esquerda. Eu não quero aumentar nem diminuir as
desapropriações, mas melhorar a legislação sobre o assunto. Cada Governo decide
o que vai fazer. Isso é democracia.
Preocupei-me com as questões conceituais. Se não incluí a agricultura
familiar e o PRONAF foi porque já são objeto de programa de Governo. Mudando a
administração, que se invente outro ou se mantenha o que já está implantado.
O que é agricultura familiar? Como definir pequenas, médias e grandes
propriedades? Esse é o ponto mais importante. Não creio que seja este o momento
de contraditar opiniões, mas certamente precisaremos trabalhar mais o assunto. Em
algum momento — não sei se entendi errado —, o Dr. Gilson Bittencourt disse que
confundiram agricultura familiar com agricultura empresarial. Eu quero transformar a
agricultura familiar em agricultura empresarial! E penso que quem não quer isso
continua defendendo só o pobre. E aprendi isso com quem conhece o assunto e
trabalha com o Dr. José Eli na USP: o Prof. Ricardo Abramovay. E a definição de
agricultura familiar inserida no meu projeto de lei foi discutida com S.Sa. Não quero
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dizer que, por ter sido feita junto com o professor da USP, está certa, mas o fato é
que procurei fazê-lo sem considerar área e renda.
Se eu propuser isenção para a agricultura familiar, do ponto de vista teórico,
estarei defendendo que os grandes agricultores norte-americanos, todos familiares,
devem ter direito às mesmas isenções. Familiar, realmente, nada tem a ver com
tamanho da propriedade ou com a renda do proprietário. Repito: do ponto de vista
teórico.
O que queremos, afinal? Elaborar programa para determinada categoria é
atribuição do Governo e não definição conceitual, na minha concepção. Ademais, fui
impelido a incluir no projeto de lei a definição de pequena e média propriedades
porque é exigência da Constituição brasileira. Desculpem-me, se acham que trinta
hectares significa pouco ou muito. Não tenho posição firmada sobre isso. No
entanto, a Constituição diz que pequenas e médias propriedades não podem ser
desapropriadas e que a lei regula a matéria. Não fosse a exigência da Constituição,
confesso, isso não teria o menor sentido. Eu não sinto necessidade de dizer o que é
pequena propriedade.
Para mim, agrônomo que sou, essas definições devem ser objeto de projetos
agropecuários, de desapropriações, por exemplo. Eu tenho absoluta certeza de que
nas desapropriações, com projeto agropecuário bem feito, poderiam ser dados dois,
três ou cinco hectares aos agricultores, em vez do chamado módulo rural. Os
assentamentos estariam muito melhores hoje, com tecnologia evoluída. Dar módulo
rural e, depois, crédito rural no valor de 7 mil e 500 reais ao agricultores não os
impulsiona para frente.
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Então, essa discussão sobre módulos rurais, sobre propriedades pequenas e
familiares me parece muito rica. E aproveitarei as considerações dos convidados,
não importa se foram muito ou pouco críticas, para discutir o projeto da melhor
maneira.
Seja em relação aos pontos abordados hoje, seja em relação a outros, se
nós aceitarmos a idéia do Dr. Sebastião Azevedo, Presidente do INCRA, de que o
projeto tem muito a ser aperfeiçoado, devemos elaborar substitutivo adequado. A
Comissão Especial foi instalada para isso, desde que se entenda que o processo
legislativo envolve conjunto de atores — Parlamentares e seus grupos de apoio
político —, que expõem suas opiniões, nem sempre as mesmas. O resultado final,
no entanto, acaba sendo a ponderação sobre vários assuntos. Em alguns casos,
nada se pondera, partindo-se para a definição do voto.
Eu imagino que não tenhamos de chegar a esse ponto, mesmo recebendo
críticas que não foram elementares, mas vigorosas ao projeto de lei. Se não são
desqualificadas as sugestões, e imaginam os convidados ser possível aperfeiçoar o
projeto, conseguiremos elaborar legislação adequada aos novos tempos para
agricultura que não é mais de subsistência, para o mundo rural que hoje não
incorpora somente atividades agrícolas, mas também os famosos pesque e pague, o
turismo rural etc., o que não cansa de repetir o meu predileto parente José Francisco
Graziano da Silva, professor da UNICAMP.
O meu projeto de lei foi o pontapé inicial do processo. O fato de estarmos
discutindo-o é muito positivo. Evidentemente, algumas críticas precisam ser
transformadas em sugestões concretas. O Dr. Sebastião Rosa disse que há
retrocesso no projeto. Eu confesso que não entendi absolutamente nada. Por que
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houve retrocesso? Certamente, alterei lei anterior, mas do meu ponto de vista não
retrocedi em nada e, sim, avancei.
São discussões dessa natureza que precisamos promover. Não é porque
revogou algo que o projeto de lei retrocedeu. Se alguma característica pauta a
minha vida intelectual e política, é o gosto de olhar para frente. Não gosto de ser
alcunhado de retrocedente. Eu gostaria muito de saber onde há retrocesso no
projeto, pelo amor de Deus! O que não quero é retrocesso! Eu quero olhar para a
agricultura lá na frente, para o País lá na frente. Não é possível fazer isso sem
debate produtivo, o que estamos fazendo aqui.
Pergunto, especialmente, ao Prof. José Eli da Veiga, talvez o mais incisivo
nas críticas, se vê a possibilidade de emendar, alterar, incluir novos artigos, enfim,
fazer sugestões práticas e objetivas no sentido de criarmos o estatuto do novo
mundo rural.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Com a palavra o Prof. José
Eli da Veiga.
(Intervenção inaudível.)
O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Submeto ao Plenário a
proposta.
O SR. DEPUTADO PADRE ROQUE – Sr. Presidente, fiz a proposta porque
há poucos Deputados no plenário.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Então, com a palavra o
Deputado Padre Roque.
O SR. DEPUTADO PADRE ROQUE – Sr. Presidente, Sras. e Srs.
Deputados, senhores palestrantes, serei muito breve.
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Parabenizo o Deputado Xico Graziano pela coragem de apresentar o tema
para discussão. Eu sempre encontro mérito no projeto, ainda que discorde dele.
Penso que tem uma série de virtudes. Ele tenta provocar o debate sobre o atual
agronegócio nacional. Esse é, ao mesmo tempo, o seu grande vício. Eu acredito que
o projeto consolida um modo de pensar que o nobre colega já percebeu e deixou
muito claro na resposta às argüições iniciais. Encontram-se defrontados dois tipos
de pensamento. Repito: o projeto consagra um modelo de pensamento. É claro,
perpassa de ponta a ponta, desde o conceito até as subjacentes elaborações
políticas.
Chamo a atenção dos Srs. Deputados para dois ou três aspectos,
rapidamente. Por exemplo: já discutimos na Comissão de Agricultura desta Casa o
art. 3º, §§ 1º e 2º, que revelam claramente o modo de pensar ao qual nos opomos.
No § 6º há, de fato, questão conceitual que parece de menor importância: não têm o
mesmo significado as expressões “pesqueira” e “aqüicultura”. Para mim, pelo
menos, não têm. Eu tenho impressão de que estamos diante de duas realidades
diferentes: a atividade pesqueira e a aqüicultura, esta muito mais ampla.
Meu caro companheiro, não vou passar o pente fino no projeto. Eu divirjo de
quase todo o capítulo sobre reforma agrária, política e fundiária. Tenho “n”
observações a fazer, mas reconheço a virtude do autor do projeto por ter trazido o
assunto ao debate. Seria bom se pudéssemos elaborar projeto para o futuro,
pensando na agricultura dos anos 2010, 2020 ou 2050. Normalmente, os estatutos
vigoram por muito tempo. Quando já estivermos no ocaso há muito tempo, nossos
projetos continuarão atrapalhando ou ajudando. Oxalá este ajude as gerações
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futuras, criando condições para que os modelos agrário e agrícola deste País,
problema que deve ser solucionado, sejam concretizados.
Concordo com V.Exa., Deputado Xico Graziano: devemos transformar o
pequeno agricultor em empreendedor, em empresário. E sou um dos que mais
insistem com o Ministério de Desenvolvimento Agrário para que aplique recursos na
agroindustrialização de dimensão familiar. Sou partidário da tese desde que cheguei
a esta Casa, até porque já tinha participado de experiências positivas e conhecia
políticas semelhantes que obtiveram sucesso em outros países.
Essas seriam as minhas considerações, não me esquecendo de parabenizar
o Deputado Xico Graziano e de me posicionar contrariamente à quase totalidade do
seu projeto, que quero debater com a fraternidade e a seriedade com que
normalmente nos enfrentamos na Comissão de Agricultura e Política Rural e em
outras Comissões que tratam desses assuntos.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Já que o Plenário decidiu
pela manifestação dos Srs. Deputados, eu também gostaria de tecer alguns
comentários sobre o assunto, mesmo na Presidência da Comissão.
Já foi dito e repetido que o colega Xico Graziano teve a ousadia de submeter
ao debate tema que, pelo que estamos vendo, é e será polêmico. Há 36 anos, se
não me engano, seria preciso pensar. Com certeza, o autor do projeto e aqueles que
participam do debate querem avançar e olhar para frente, de forma a termos novo
estatuto da terra condizente com nossa realidade.
O Dr. Eli falou da questão do Primeiro Mundo. Ontem me perguntaram qual
era a maior dificuldade do pequeno agricultor nordestino, que não tem acesso à
tecnologia e a mercado mais promissor. Respondi que era exatamente inseri-lo
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neste momento no contexto do Primeiro Mundo, na economia globalizada. Tem de
haver um plebiscito sobre a ALCA. O povo tem de nos dizer se quer a economia
globalizada. Ele não foi consultado.
Diante dessa indagação, nada mais justo do que enquadrar o pequeno
agricultor de renda mínima nessa economia globalizada. Ora, custa menos — pelo
menos dez vezes menos — mantê-lo no campo do que trabalhando em indústrias na
cidade. A vida urbana é sete, oito vezes mais cara. Ele tem de bancar habitação,
transporte, saneamento etc.
Deputado Xico Graziano, o projeto de renda mínima de V.Exa. não visa —
pelo que entendo — dar ao agricultor um complemento de cera. Não é isso. Temos
de dar-lhe subsídio para ele continuar produzindo até o dia em que puder ter acesso
à tecnologia, à produtividade e ao comércio e, conseqüentemente, inserir-se na
economia globalizada. Tem de haver um programa de Governo para atender às
camadas consideradas miseráveis da população. Renda mínima rural, na minha
opinião, é possibilitar às milhares de famílias carentes crédito, tecnologia e,
sobretudo, mercado mais fácil. Com relação à nomenclatura, como vai ser ou não o
seguro-renda, até concordo em parte com o Dr. Eli. Não sei se o nome deveria ser
ou não seguro-renda. Vou sugerir aos Líderes da Casa fazermos audiências
públicas em outros Estados, para sentirmos o que a base, o povo, a associação, o
sindicato e a comunidade almejam.
Ninguém pode plantar a saca de feijão a 100 reais e vendê-la a 20 reais. Não
há agricultor que consiga fazê-lo. A produção leiteira, graças a trabalho feito por
vários Estados, como Goiás, Alagoas e Pernambuco, meu Estado, aumentou em
50%. O leite do Brasil é talvez o mais barato do mundo. Ele chega a ser vendido a
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21 centavos, ou seja, 5, 6, 7 dólares. Temos de criar mecanismos para estabelecer
um preço. O grande produtor, que tem capital, programa-se, sabe como e quando
vender o seu produto e sabe buscar o recurso. O pequeno, não.
Um produtor de feijão em Águas Belas, em Pernambuco, tira quinze sacas
por hectare, vê o filho com fome, quer vender o feijão, comprar comida, um par de
sapatos. Entra em um mercado para vender o feijão mas não sabe que preço cobrar.
Alguém tem de orientá-lo. Tem de haver um regulador. O homem do campo tem de
ser financiado pelo Tesouro. O mercado não pode continuar descontrolado.
O debate de hoje foi muito produtivo. Não diria que foram as mais duras
críticas ao projeto do Deputado Xico Graziano, mas talvez as melhores
ponderações. Inclusive as ponderações do Dr. Eli da Veiga sobre a renda rural
deixaram-me muito satisfeito. Não nos devemos ater efetivamente à renda agrícola
ou pecuária. Temos de criar alternativas de renda no campo e na zona rural.
Peço então aos Srs. José Eli, Sebastião Azevedo e Gilson Bittencourt que
mandem a documentação para a Comissão, a fim de que a Deputada Kátia Abreu,
nossa Relatora, possa aproveitá-la ao máximo no seu relatório.
Com a palavra o Dr. José Eli da Veiga.
O SR. JOSÉ ELI DA VEIGA – Tendo em vista a ausência do autor, vou
começar pelas considerações de V.Exa., Sr. Presidente.
O debate da renda mínima não pode ser segmentado. Tramita nesta Casa, há
bastante tempo, projeto que visa adotar ou não a renda mínima no Brasil. No dia em
que for à votação, vai ter de haver renda mínima para aqueles que estiverem abaixo
de determinada linha de pobreza. No meu ponto de vista, absolutamente não faz
sentido criarmos renda mínima por categorias e tentarmos fazer isso a partir dos
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mais variados projetos de leis, no caso esse que se pretendia para o rural, mas que,
na verdade, o texto é apenas agrícola.
Enquanto o Congresso não delibera sobre a questão da renda mínima,
observo que o Governo avançou muito nessa direção por intermédio do Programa
Bolsa-Escola e assemelhados. Como essas experiências têm tido bom resultado,
principalmente por vincularem inclusive esse complemento de renda à
obrigatoriedade de as crianças freqüentarem a escola, tenho a impressão de que o
Brasil tem evoluído nessa direção. Isso tem acontecido muito com esses tão falados
agricultores.
Srs. Deputados, chamo a atenção de V.Exas. para aspecto importante que,
temendo ultrapassar o tempo, deixei de enfatizar. Poucos se dão conta de que
grande parte dos agricultores são urbanos. Podemos classificar urbano e rural pelo
critério de residência. Hoje, é impressionante o número de agricultores que moram
nas sedes do Municípios e não nos respectivos sítios. Metade dos agricultores de
Goiás têm residências urbanas — e não apenas os muitos ricos. Aqueles que
dependem mais da renda agrícola moram nas áreas tradicionalmente consideradas
rurais, mas têm residências urbanas. A família desses agricultores, muitas vezes,
não é pura e simplesmente agrícola.
Então, um programa de renda mínima via Bolsa-Escola, ou nos moldes
propostos pelo Senador Eduardo Suplicy, deve ser universal, não deve ser tratado
por categoria, como se pudéssemos considerar o que deve ser a renda mínima de
um agricultor no Brasil.
Quanto ao seguro, há um problema de nomenclatura. A idéia de seguro
implica — tenho impressão de que inclusive os setores ligados ao seguro serão os
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primeiros a protestar contra ele — que seja necessariamente feito algum tipo de
pagamento, prevendo a possibilidade de risco. E, em função disso, tenho um
determinado seguro que contratei.
O que está sendo proposto aqui nada tem a ver com isso. Propõe-se algo
criado pela primeira vez, em termos de política agrícola, em 1933, nos Estados
Unidos, pelo New Deal. Depois acabou sendo copiado em vários países europeus,
nos anos 50, no Japão, em 1961, e em alguns outros países. O Brasil não vai mais
nessa direção. Estamos em 2001. Não estamos mais nessa época. Apesar de isso
ter resolvido uma série de problemas. Estamos contraditando a idéia de que se deve
instituir um chamado seguro vinculado a preço, justamente porque o balanço dessas
experiências mostra que não se deve criar essa ajuda.
Diz o autor do projeto que estaríamos aqui desenvolvendo um raciocínio
neoliberal — o que para mim é um xingo, mas vamos deixar isso de lado. Estudei a
fundo as políticas agrícolas do Estados Unidos. Minha tese de livre docência — sabe
o nobre Deputado — foi sobre a história da política agrícola americana, publicada no
livro “Metamorfose da Política Agrícola nos Estados Unidos”. E sou contra a idéia de
que o simples funcionamento dos mercados poderia resolver tudo.
Agora, se a sociedade considera que os agricultores cumprem um papel que
vai muito além das funções específicas que exercem como simples empreendedores
— que correm risco muito maior do que os outros empreendedores — pode
perfeitamente decidir que deve ser dado tratamento privilegiado para essa categoria.
É o inverso do que pensa um neoliberal. Mas de todos os casos que estudei —
porque estudei casos de vários países europeus, Japão, Tawain e Coréia —, percebi
que, em geral, foram momentos em que a sociedade se deu conta de que devia
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fazer isso, inclusive porque os agricultores que contribuem para o desenvolvimento
vão muito além do problema da produção de certo produto agropecuário por
determinado preço e concorrer no mercado. Nesse caso não há motivo algum — é
esse o pano de fundo — para vincular essa decisão da sociedade de fazer essa
retribuição pelo papel que os agricultores desempenham a preço e a mercado.
Há crítica e até autocrítica em todo o mundo europeu que discute a política
agrícola comum. Nos Estados Unidos estão tentando resolver o problema, e todas
as vezes em que há lei agrícola nesse país grande parte dos Deputados tenta alterar
esse modelo. Lá ninguém fala em abandonar os agricultores à própria sorte. Mas
deve-se evoluir no sentido de que nesse tipo de complemento de renda a ajuda não
deve estar vinculada à idéia de sustentação de preço. Eles, contudo, criaram um
grande pepino. Na medida em que criaram mecanismos, que inclusive foram
aumentando, geraram tremendo excedente agrícola. O problema acabou ficando
para os Estados resolverem. E nós estamos pagando o preço.
O Deputado Xico Graziano sabe que uma das nossas maiores dificuldades de
exportação do agronegócio vem desse sistema extremamente resistente. Sábado
passado publiquei artigo no jornal O Estadão sobre isso. Nele chamei a atenção
para ingenuidade com que essa questão tem sido discutida no Brasil.
Longe de mim dizer que os agricultores têm de ser abandonados à própria
sorte. Ao contrário. Justamente por reconhecer as funções que desempenham, que
vão muito além dessas meramente econômicas, eles têm papel relevante na
questão ambiental e na gestão do território. É muito provável que um dia nossa
sociedade também reconheça essa importância. Ainda não estamos fazendo isso no
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Brasil porque, devido à brutal urbanização das última décadas, em nosso País
predomina uma visão anti-rural e antiagrícola.
Portanto, defendo abertamente subsídios — coisa que ninguém tem coragem
de dizer — aos agricultores. No entanto, a base tem de ser a consciência de que é
uma retribuição da sociedade pelo papel que eles cumpriram a seu favor, e não
apenas porque produziram alimentos baratos. Para isso, não é preciso distorcer
mercado com sustentação de preço.
Esses países estão fazendo de tudo para saírem desses pagamentos
vinculados a preços e fazerem pagamento direto. O México, sendo um país ainda
parecido com o nosso, com grau de subdesenvolvimento semelhante — e o Gilson
vai poder falar disso, porque esteve lá recentemente —, possui mecanismos de
retribuição pelo papel que os agricultores desempenham, que não necessariamente
amarraram a preço e a distorção de mercado.
O SR. DEPUTADO XICO GRAZIANO – Permite-me um aparte, professor?
O SR. JOSÉ ELI DA VEIGA – Pois não.
O SR. DEPUTADO XICO GRAZIANO – Evidentemente, estou entendendo
suas explicações. Mas vou fazer algumas ponderações.
Todos os Deputados desta Casa interessados no assunto são pressionados,
nos seus Estados, pelos agricultores, para que os protejam contra a queda de preço
dos seus produtos. O Deputado Carlos Batata já fez seu depoimento nesse sentido.
Poderiam ser os de qualquer partido.
Como políticos, vamos fazer alguma defesa não via seguro de renda. Os
senhores, que são os especialistas — apenas para argumentar — devem nos dar a
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receita. Não será via esse crédito rural, que está matando o agricultor, nem o
PRONAF.
Disse-nos, em audiência pública, um líder sindical, que o Banco do Brasil
apenas importa-se com garantias. Por exemplo, se um pessoa tiver projeto para
montar uma fábrica de desentortar bananas e fazê-las retas, mas der ao banco
garantias, ele empresta o dinheiro. Pouco importa se o projeto vai ou não dar certo.
Deu garantia, o banco empresta. O sistema financeiro, hoje, quer saber se há
garantia, não quer saber o que a pessoa vai fazer com o dinheiro. Isso leva-me a
induzir que temos de vincular mais a assistência técnica ao crédito rural.
Como fazer isso? Posso dizer, em nome de todos, que podemos até
reconhecer que nós, Deputados Federais, não sabemos direito como, mas vamos
fazê-lo. E que os senhores, da academia, do Governo, nos ajudem. Qual é a
fórmula? Os Estados Unidos estão fazendo. Eles defendem que não se faça, mas
eles bancam seus produtores com essa fórmula que, portanto, não pode ser
chamada de atrasada, talvez de equivocada.
O que nós — sabendo dessas questões e tendo a mesma vontade de não
deixar que os agricultores fiquem no mercado — fazemos com eles? Porque se
ficarmos apenas discutindo eles não vão agüentar. O endividamento está aí. Os
créditos a serem cotizados serão todos prorrogados novamente. As dívidas do
PRONAF, da cafeicultura, foram incorporadas pelo FUNCAFÉ, na reunião do
Conselho Monetário de hoje. E assim por diante.
O café que custava R$ 180,00 está sendo vendido a R$ 70,00. Os
agricultores não têm nada a ver com isso. Eles fizeram tudo certinho, usaram
tecnologia da EMBRAPA. Mas estão quebrados.
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Alguma coisa precisa ser feita. Do contrário, não chegaremos a lugar algum.
Perdoe-me, Sr. Presidente.
O SR. JOSÉ ELI DA VEIGA — Isso inclusive permite-me melhor esclarecer o
pensamento.
Em primeiro lugar, quando os Estados Unidos decidiram fazer isso em 1933,
há dez anos os agricultores estavam nessa situação que o Deputado acabou de
descrever. Por quê? Porque o aparelho produtivo da agricultura americana, no início
do século, foi tão possante que ela passou a alimentar grande parte dos países,
inclusive europeus.
Quando eclodiu a 1ª Guerra Mundial, os Estados Unidos ficaram fora e
literalmente sustentaram a Europa. Isso levou a um brutal aumento de produção. Ao
final da 2ª Guerra Mundial veio o armistício e em dois anos apenas a Europa tinha
refeito sua agricultura. Os americanos ficaram com brutal excedente, sem
possibilidade de exportação. A queda dos preços agrícolas foi gigantesca. Os
agricultores foram para o vinagre. Foi nessa situação que surgiram diversos
projetos.
O artigo de V.Exa. é uma simplificação atroz disso. Discuto no meu livro qual
era o projeto dos agricultores, que foi vetado sistematicamente pelos Republicanos.
Ele chegou a ser aprovado no Congresso diversas vezes e vetado por presidentes
republicanos. E qual foi o acordo entre esse projeto e o da indústria e do comércio
americano, que acabou sendo selado depois da vitória Roosvelt, o primeiro
presidente democrata, depois de longo período republicano, que justamente pegou o
pepino da crise pós 1929? Então, simplesmente importar mecanismo, criado em
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1933 nos Estados Unidos, e trazê-lo para a situação brasileira de hoje, parece-me
disparate. Esse é um ponto.
Referiu-se V.Exa. a que os Parlamentares, como representantes do povo,
foram pressionados pelos agricultores para encontrarem mecanismo contra a queda
dos preço e que nós, especialistas, devíamos dar-lhes a solução. Se não é essa,
qual é? A tendência à queda dos preços agrícolas resulta do aumento da
produtividade do trabalho. Portanto, apenas podemos ir contra isso se formos contra
o aumento da produtividade do trabalho. Não está certo esse raciocínio. Os preços
agrícolas só não caem dessa forma porque a produtividade do trabalho está sempre
aumentando. Não cai dessa forma quando, por algum motivo, se cria uma
disparidade entre oferta e procura, que faz com que eles momentaneamente se
segurem.
Vou insistir. A fórmula encontrada de sustentação de preços pode ter tido
resultados. Ela poderá eventualmente vir a ser adotada no Brasil. Contudo, devemos
ter consciência de que isso é absolutamente contraditório e que nós, ao contrário,
queremos combatê-la. O Brasil, como política externa, soma-se a todos os que nos
Estados Unidos e Europa combatem esse sistema da política.
E muito se engana o nobre Deputado Xico Graziano, porque a esquerda na
Europa e nos Estados Unidos não defende a manutenção dos subsídios dessa
forma. Inclusive a extrema-esquerda, representada pelo Sr. Bovet, que esteve
recentemente no Brasil, é contra a PAC. Estamos aqui simplesmente alertando para
o fato de que podemos ser criativos e encontrar a forma de garantir a estabilidade
de renda dos agricultores que não esteja necessariamente vinculada à sustentação
de preços. Posso citar os projetos mais avançados que já apareceram nos Estados
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Unidos. Colegas meus na faculdade desenvolveram propostas nesse sentido,
principalmente o Prof. Fernando Homem de Melo. Segundo eles, a idéia de
estabilização da renda dos agricultores não passa necessariamente pela
sustentação de preços. Esse é o ponto fundamental sobre o qual gostaria de insistir.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Permite-me V.Sa um
aparte?
O SR. JOSÉ ELI DA VEIGA – Pois não.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – V.Sa. concorda que o
aumento da produtividade é o que efetivamente gera aumento da produção e a
baixa do preço. O produtor, estimulado a produzir leite, aumentou sua produção. O
leite, que era 37, 38 baixou para 20, 21. Efetivamente, naquele ano, ele perdeu
renda de 50%. Ele faz o que naquele ano? Ele não consegue pagar seus
financiamentos nem pagar seus empregados. É um fato real que acontece. Ou seja,
não existe uma política de planejamento, ou ele não está inserido no contexto
comercial para analisar uma safra nacional que aumentou.
Enfim, o que fazer com esse produtor? No fundo, o Governo vai ter de
subsidiá-lo. Ou subsidia na hora, e evita causar-lhe transtorno emocional, ou na
ponta, quando ele for renegociar o financiamento, acaba vindo o subsídio. De certa
forma há um subsídio.
São perguntas que nos fazem os produtores. Estamos vendo isso in loco. O
que fazer com eles? De que forma fazer?
O SR. DEPUTADO EUJÁCIO SIMÕES – Sr. Presidente, permita-me fazer
duas perguntas.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Pois não.
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O SR. DEPUTADO EUJÁCIO SIMÕES – Gostaria de interrogar o Dr. Gilson
Alceu Bittencourt. A primeira pergunta é sobre o PRONAF. Até 1998, Dr. Gilson,
V.Sa. tem idéia de quanto era aplicado no PRONAF? Quanto o Governo Federal
dispunha anualmente para o PRONAF?
O SR. GILSON ALCEU BITTENCOURT – Posso responder agora, ou
depois?
O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Pode responder. Seria bom.
(Não identificado) – Seria pela ordem. Fiz a mesma pergunta ao Dr. Eli
também. Perguntei-lhe o que fazer com o produtor. Então concedemos o aparte,
pela ordem. O Dr. Gilson responderia e S.Sa. em seguida.
O SR. GILSON ALCEU BITTENCOURT – Em relação a crédito, o programa
vem aumentando ano a ano. Não tenho o valor de 1998. Não me lembro. Mas deve
ser algo em torno de 2 bilhões e pouco reais.
O SR. DEPUTADO EUJÁCIO SIMÕES – Mas vem aumentando ano a ano.
O SR. GILSON ALCEU BITTENCOURT – Vem aumentando. Nos últimos
dois anos estabilizou-se o valor aplicado, embora tenha se ampliado o valor
disponibilizado, um dos principais motivos, mas tanto a questão da assistência
técnica quanto alguns elementos levantados em relação à garantia, e assim por
diante.
O SR. DEPUTADO EUJÁCIO SIMÕES – Qual sua opinião em relação à
assistência técnica? Deve ou não haver assistência técnica para o PRONAF? Eu
entendi que não deveria haver.
O SR. GILSON ALCEU BITTENCOURT– Não, não.
O SR. DEPUTADO EUJÁCIO SIMÕES – Minha dúvida é a seguinte...
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O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Responda agora, porque já
fugiu um pouquinho a ordem. Vamos tentar organizar.
O SR. DEPUTADO EUJÁCIO SIMÕES – Sr. Presidente, com perguntas e
respostas fica mais objetivo, podem esclarecer-nos melhor. Muitas vezes pensamos
em fazer uma pergunta e até o final de uma explanação perdemos o raciocínio.
O SR. GILSON ALCEU BITTENCOURT – Essa é uma das questões que iria
levantar. É fundamental a assistência técnica, principalmente para a agricultura
familiar. Acho que um dos principais problemas hoje do PRONAF é a falta de
recursos e a garantia de assistência técnica — não é o único.
Com relação à questão anterior, nós precisamos vincular os recursos da terra
ao crédito, mas não o inverso. O que eu apresento no projeto é a não-vinculação do
crédito à terra. Defendemos isso como ponto fundamental. Estamos discutindo na
Secretaria algum tipo de alternativa para que se possa também agregar recurso
público para assistência técnica, na medida em que se definam a quantidade de
recursos e, embutido neles, o subsídio, que poderá ser concedido por meio de taxas
de juros ou rebate. Estou, então, vinculando ao crédito a assistência técnica. É o que
defendemos. Mas, se ficar decidido que só vai ter crédito quem tiver assistência
técnica, outro problema estará sendo criado, e não se conseguirá garantir.
O SR. DEPUTADO EUJÁCIO SIMÕES - Eu entendo que só deve haver
crédito se houver assistência técnica, para evitar casos como o que o Presidente
Carlos Batata mencionou. Muitas vezes, a pessoa ouve falar, por exemplo, que em
determinado ano vai ser bom plantar milho e, por modismo, resolve plantar milho. Aí
há uma superprodução, e o preço despenca. Quando há assistência técnica, muitas
vezes se pode evitar isso.
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Sou de uma região onde o PRONAF sempre foi o esteio da agricultura. Muitas
vezes, eu vi empresas de assistência técnica chamarem atenção do produtor e
aconselhá-lo a plantar o que era mais adequado para ele. Portanto, considero
fundamental a assistência técnica, mesmo achando que, para o pequeno produtor
especialmente, devemos quebrar todas as amarras possíveis, para que ele tenha
acesso ao crédito.
O SR. GILSON ALCEU BITTENCOURT - Eu concordo com que a assistência
técnica é fundamental, mas eu não sei se ela poderá resolver o problema de
mercado.
O SR. DEPUTADO EUJÁCIO SIMÕES - Ajuda a resolver. Posso garantir que
ajuda a resolver.
O SR. GILSON ALCEU BITTENCOURT - Tanto que grande parte dos
excedentes de produção normalmente existem também nas grandes propriedades,
que têm assistência técnica. Mas nem sempre conseguem se direcionar exatamente
para a produção mais adequada, de acordo com o preço.
O SR. DEPUTADO EUJÁCIO SIMÕES - Mas o pequeno, por desinformação,
não tem a mesma informação que o grande. Ele está mais sujeito ao modismo, ao
“ouvi dizer que é bom” e plantar.
O SR PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Concedo a palavra ao Dr.
José Eli da Veiga. Infelizmente, vamos ter de encerrar o debate, porque haverá
votação nominal.
O SR. JOSÉ ELI DA VEIGA – Sr. Presidente, rápida e pontualmente, quero
fazer três observações. Não quero deixar sem comentar dois pontos mencionados
no início pelo autor do projeto. Respondendo agora especificamente à pergunta do
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Presidente Carlos Batata, sobre os produtores de leite, na medida em que a
sociedade os estimula a adotar tecnologias novas, faz também com que eles criem
uma superprodução. Os consumidores então se beneficiam com brutal queda do
preço, o que é benéfico para todos. A sociedade deve considerar que devemos
compensar o agricultor que fez o esforço, inclusive porque nós o estimulamos a
fazê-lo. Nesse caso, existem milhões de mecanismos de retribuição de renda, que
não necessariamente passam por preço e não têm nome de seguro.
(Não identificado) - Mas seria um subsídio de qualquer forma.
O SR. JOSÉ ELI DA VEIGA – É claro. Mas ninguém aqui falou contra
subsídio. Pelo contrário, sou o maior defensor de subsídio.
Eu só não quero deixar de analisar duas questões, e é uma pena que eu não
possa responder a todas as perguntas. Anotei todos os tópicos de seu
pronunciamento, Deputado Xico Graziano, gostaria muito de ter abordado todos eles
e não poderia deixar passar o seguinte.
Em primeiro lugar, em relação às questões das estatísticas, é bem diferente
quando alguém lida com estatísticas cadastrais, declaratórias, que têm implicação
fiscal muito grande, e, portanto, sabe-se que têm distorções. Há ainda a questão de
grilagem, como V.Exa. abordou. É completamente diferente quando lidamos com o
censo agropecuário ou com as PNADs. Então, não vamos falar de estatísticas em
geral e dizer que elas têm caqueiras. De fato, nas estatísticas com as quais eu lido,
há clara subestimação da renda. Todo mundo declara menos renda do que tem na
verdade. Mas em nenhum momento eu lidei com números absolutos. Só chamei
atenção para proporções. Proporções de renda, cuja fonte é a agricultura, e
proporção em relação às outras, sem saber se os números absolutos refletem ou
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não de fato a realidade. Tenho certeza de que há muita subestimação em todas as
estatísticas de renda de que dispomos. Em todas.
Há outro ponto que eu gostaria de realçar. Acho que o nobre Deputado tem
toda a razão em dizer que quem faz críticas, como fizemos aqui, tem de oferecer
sugestões. S.Exa. usou a expressão “sugestões concretas”. Pois eu ofereci. Não
creio que o que está proposto seja a última palavra. Muito pelo contrário. A nossa
idéia é de que os Conselhos de Desenvolvimento Rural possam, durante o ano de
2002, realizar um debate sistemático — para acelerar, montaremos uma rede virtual.
As críticas feitas à essa proposta e o projeto serão objeto do debate. Uma coisa é
certa. Não vamos chegar a nenhum consenso em prazo menor do que o que temos.
Outras pessoas farão outras críticas, e todas que recebermos serão publicadas da
mesma forma. Os Conselhos elaborarão algum documento que será visto de fato
como nova lei de desenvolvimento rural no Brasil. Isso é fundamental. Vejam bem: já
temos o Estatuto da Cidade e o Estatuto da Terra, que só cuida da agricultura. Fica
um enorme buraco jurídico e legal no meio, o que é um absurdo.
Quero insistir em que não fiz verbalmente todas as sugestões concretas que
estão escritas, porque a paciência dos senhores tem limites.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) – Para as considerações
finais, concedo a palavra ao Sr. Gilson Alceu Bittencourt.
O SR. GILSON ALCEU BITTENCOURT – Sendo bem rápido, faço minhas as
palavras do Prof. José Eli em relação aos subsídios e a sua importância para a
agricultura e o espaço rural neste País.
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Em segundo lugar, em relação ao PRONAF, em momento algum eu quis que
o programa fizesse parte do projeto de lei, mas, sim, as experiências e os conceitos
trabalhados com relação a ele e que avançaram. Temos até a pretensão de
transformar o PRONAF em lei específica de apoio à agricultura familiar. Ainda não é,
principalmente no que concerne aos conceitos, muito mais do que a qualquer outro
aspecto. Eu não falei nada sobre diferença entre familiar e empresarial. Referi-me à
diferença entre familiar e patronal, até por entender que a familiar pode contribuir
muito mais para o meio ambiente, o uso do espaço, principalmente quanto à
distribuição de renda e de envolvimento local que pode potencializar, notadamente
nos pequenos Municípios deste País. Acho que, quanto mais renda conseguirmos
garantir para a agricultura familiar, mais estaremos desenvolvendo, embora
tenhamos de considerar que há 4 milhões de estabelecimentos rurais, muitos dos
quais não têm a agricultura como atividade principal. E muitos deles se encontram
também em grau de subsistência. Portanto, temos de pensar em políticas que
atendam desde o que está em nível tecnológico mais avançado, até os que
precisam garantir a alimentação básica. De modo geral, se for no sentido de gestão
empresarial, quanto mais renda melhor, independentemente de ser ou não familiar.
O que importa é que os agricultores se desenvolvam.
É fundamental termos um seguro agrícola que abranja problemas climáticos,
mas isso não é simples, tanto que há anos o tema vem sendo debatido seja por
empresas seguradoras, seja por governos. Temos sucesso em alguns Estados, mas
ainda não está bem definido. Na própria Secretaria de Agricultura Familiar, temos
um grupo aprofundando-se nesse estudo, principalmente para a agricultura familiar.
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Quando à garantia de preços, outro ponto levantado pelo Sr. José Eli, acredito
que possamos até ter algum tipo de política para garantia de preços em
determinados momentos e determinadas realidades, mas não como política
permanente ou central, senão não conseguiremos avançar na perspectiva de
desenvolvimento tecnológico. A partir de qualquer política permanente, teria de
haver outra forma, por exemplo, de pagamentos diretos.
Há uma experiência muito interessante nesse sentido desenvolvida no México
há pouco mais de um mês, que foge de toda e qualquer ação mais vinculada
especificamente aos preços. Não que isso não possa existir, mas que seja
esporádico, que ocorra em determinado momento, por determinado motivo, por
motivo externo, mas não por ação específica do produtor. Isso não pode ser política
de garantia de renda, mas deve ser visto pela ótica de um seguro climático, com
validade para certos momentos e pontos específicos, com algum tipo de
contrapartida quando os preços estiverem mais altos. Mas, volto a dizer, não como
política de garantia geral de renda.
A questão da renda mínima já foi levantada.
Volto a reforçar que a assistência técnica é fundamental, e é da maior
importância que se incluam mais recursos para ela no PRONAF. Entretanto, não
basta assistência técnica para que o PRONAF evolua. Temos de avançar nesse
programa, para passarmos dos atuais 900 ou 1 milhão, seja com cooperativas de
crédito, seja com sistemas alternativos ao sistema bancário. Caso contrário, pode
até haver assistência técnica, mas a lógica do financiamento vai continuar sendo a
mesma. E é isso que estamos tentando buscar — não é fácil — no sentido de
ampliar as potencialidades da agricultura familiar.
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Repetindo, assistência técnica é fundamental, é preciso recursos para ela,
mas não se deve vinculá-la, como sugeriu o Deputado, pois pode ser muito
complicado. Para comprar um boi, é preciso assistência técnica. Se o boi morrer,
para comprar outro se precisará novamente de assistência técnica. Sabemos que
uma série de atividades precisam da assistência e muitas outras não. Ou seja, seria
um custo desnecessário, que não precisa existir. Volto a dizer que se deve vincular a
assistência técnica, mas isso não significa que qualquer crédito precise ser
antecedido dela. Isso tem de ser mais analisado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, nós nos colocamos à disposição de V.Exas.
para prestar qualquer contribuição que julgarem necessária, na perspectiva de que
com o debate só avançaremos. Entendemos fundamentais o desenvolvimento e o
fortalecimento da agricultura e do espaço rural. Para isso, o apoio do PRONAF é
importantíssimo. E com subsídio, sim.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) - Esta Presidência agradece.
Quero apenas salientar ao Sr. Bittencourt que o PRONAF pode tornar-se lei a
partir do projeto do Deputado Rubens Bueno, com substitutivo do qual sou Relator.
Com relação a isso, brevemente teremos na Casa audiência pública para ouvirmos
representante do PRONAF, sobre alguns subsídios. Este programa deveria
preocupar-se com a capacitação do cliente — já disse isso ao próprio Ministro em
reunião em Pernambuco —, para que o homem do campo possa gerenciar sua
propriedade. Além de aprender a tecnologia, ele deve ser capacitado para
administrar sua propriedade. Eu sempre defendo recursos do PRONAF para
capacitar o homem do campo.
Concedo a palavra, para encerrar, ao Deputado Xico Graziano.
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O SR. DEPUTADO XICO GRAZIANO - Sr. Presidente, sinto-me muito
satisfeito de haver propiciado com o meu trabalho essas discussões. Certamente,
elas terão desdobramentos, e, em algum momento, chegaremos a um acordo,
principalmente porque temos na Comissão Deputados do porte de Silas Brasileiro,
que acaba de chegar.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Deputado Carlos Batata) - Nada mais havendo a tratar,
vou encerrar os trabalhos.
Está encerrada a reunião.
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