Abordagem integrada para o Planeamento de Cuidados
Continuados Integrados: Lidar com a multiplicidade de perspetivas,
objetivos e preferncias dos decisores
Jos Pedro de Campos Portela
Dissertao para obteno do Grau de Mestre em
Engenharia Biomdica
Orientador(es): Prof. Doutora Teresa Sofia Sardinha Cardoso de Gomes Grilo
Prof. Doutora Cristina Maria Pires Ribeiro Gomes
Jri
Presidente: Prof. Doutora Patrcia Margarida Piedade Figueiredo
Orientador: Prof. Doutora Teresa Sofia Sardinha Cardoso de Gomes Grilo
Vogais: Prof. Doutora Ana Catarina Lopes Vieira Godinho de Matos
Outubro 2016
I
Agradecimentos
Antes de tudo, quero expressar os meus sinceros agradecimentos a todos os participantes que
integraram o estudo realizado atravs das respostas aos questionrios e da transmisso de
conhecimentos. Sem o seu compromisso e a sua disponibilidade este estudo no teria sido possvel
de realizar.
A todos os meus amigos e amigas, que me ajudaram a superar as adversidades neste caminho.
A toda a minha famlia pelo apoio dado no decurso da realizao da dissertao, principalmente aos
meus pais que estiveram comigo e me encorajaram at ao ltimo momento.
Finalmente, os meus melhores agradecimentos aos orientadores, Prof. Dra. Cristina Gomes, e em
especial Prof. Dra. Teresa Grilo, pela indispensvel contribuio, a contnua orientao e todas as
informaes prestadas durante a elaborao desta tese. O seu apoio e motivao foram
fundamentais para conseguir desenvolver este trabalho.
II
Abstract
In a context of an increasingly aging population and growing incidence of chronic diseases, an
adequate planning of Long-term Care (LTC) becomes a key objective across European countries.
Such planning has to take into account the multitude of objectives meant to be achieved, as well as a
diversity of stakeholders involved, which have different, and probably conflicting, perspectives.
However, there has been little research around such a matter, especially in the LTC sector.
This dissertation proposes a new methodology in order to explore the diversity of perspectives among
the stakeholders involved in the planning of networks of LTC, regarding the objectives they consider
relevant to be achieved, as well as its impact in planning decisions. The proposed method integrates a
Delphi Method so as to collect information regarding the objectives considered relevant among the
selected participants, and also the importance the participants assign each objective. In order to
accomplish this latter feature, the Delphi is integrated with the MACBETH methodology, so as to allow
determining the relative importance conferred to each planning objective, in the form of numeric
weights. Afterwards, the data obtained is inputted in a mathematical programming model so as to
explore the impact of different planning perspectives in planning decisions in the LTC sector.
The proposed methodology was applied to a Portuguese case study in the Great Lisbon Region, in
order to contribute for a better understanding of the planning setting, and consequently a better and
more adequate provision of LTC for the Portuguese LTC patients.
Keywords Long-Term Care; Health Planning; Delphi Method; MACBETH Method; Mathematical
Programming Model.
III
Resumo
No contexto de uma populao cada vez mais envelhecida e crescente incidncia de doenas
crnicas, o planeamento adequado de Cuidados Continuados Integrados (CCI) constitui uma das
principais preocupaes nos pases europeus. Este planeamento tem de ter em considerao a
multiplicidade de objetivos a atingir, tal como a diversidade de stakeholders envolvidos, que possuem
diferentes, e possivelmente conflituosas, perspetivas. Contudo, a investigao em torno de tal
problemtica pouco significativa, especialmente no setor dos CCI.
Esta dissertao prope uma nova metodologia de forma a explorar a diversidade de perspetivas
entre os stakeholders envolvidos no planeamento de CCI, relativamente aos objetivos que eles
consideram relevantes de atingir, tal como o seu impacto na toma de decises. O mtodo proposto
integra um Mtodo de Delphi, para recolher informao relativa aos objetivos considerados relevantes
entre os participantes selecionados, e tambm a importncia que conferem a tais objetivos. De forma
a cumprir este ultimo requisito, o Delphi tem de integrar uma metodologia MACBETH, de forma
a determinar as importncias relativas atribudas aos objetivos do planeamento, sob a forma de pesos
numricos. Posteriormente, a informao obtida introduzida num Modelo de Programao
Matemtica, com o intuito de explorar o impacto das diferentes perspetivas de planeamento na
tomada de decises no setor dos CCI.
A metodologia proposta foi aplicada num caso de estudo na regio de Lisboa e Vale do Tejo, de
forma a contribuir para uma melhor compreenso do contexto do planeamento e, consequentemente,
uma melhor e mais adequada prestao de CCI aos utentes portugueses.
Palavras-Chave Cuidados Continuados Integrados; Planeamento na Sade; Mtodo de Delphi;
Metodologia MACBETH; Modelos de Programao Matemtica.
IV
ndice
Agradecimentos...I
AbstractII
Resumo..III
ndice......IV
Lista de Tabelas.....VIII
Lista de Figuras..X
Lista de Siglas...XI
1. Introduo ........................................................................................................................................ 1
1.1 Motivao ................................................................................................................................ 1
1.2 Estrutura da Dissertao ......................................................................................................... 2
2. Contexto .......................................................................................................................................... 4
2.1 Cuidados Continuados ............................................................................................................ 4
2.2 Cuidados Continuados em Portugal ........................................................................................ 6
2.2.1 Evoluo Histrica at aos dias de hoje ......................................................................... 6
2.2.2 Desafios Atuais ................................................................................................................ 7
2.3 Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) ............................................. 7
2.3.1 Organizao .................................................................................................................... 7
2.3.1.1 Servios Prestados na RNCCI .................................................................................... 8
2.3.1.2 Profissionais envolvidos na Prestao da RNCCI ...................................................... 9
2.3.1.3 Financiamento ........................................................................................................... 10
2.3.2 Evoluo da Rede ......................................................................................................... 10
2.3.3 Planeamento da RNCCI ................................................................................................ 11
2.3.3.1 Objetivos .................................................................................................................... 11
2.3.3.2 Coordenao da Rede .............................................................................................. 12
2.3.4 Desafios Atuais associados ao Planeamento da RNCCI .............................................. 13
2.4 Objetivos da Dissertao ....................................................................................................... 14
3. Reviso Bibliogrfica ..................................................................................................................... 15
3.1 Mtodos de Apoio ao Planeamento na Sade ...................................................................... 15
3.1.1 Importncia do Planeamento no setor da Sade .......................................................... 15
3.1.2 Modelos de programao matemtica para apoio ao planeamento no setor da sade 17
V
3.1.3 Modelao de mltiplos objetivos para apoio ao planeamento no setor da sade ...... 18
3.1.4 Modelos de Programao Matemtica para apoio ao planeamento de CCI ................ 19
3.2 Anlise de Stakeholders ........................................................................................................ 19
3.2.1 Importncia da Anlise de Stakeholders ....................................................................... 20
3.2.2 Mtodos para identificao de stakeholders ................................................................. 21
3.2.2.1 Power-interest grid..................................................................................................... 21
3.2.2.2 Salience diagram ....................................................................................................... 22
3.2.2.3 Radical Transactiveness ........................................................................................... 22
3.2.2.4 Matriz RACI ............................................................................................................... 22
3.2.2.5 Participation Planning Matrix ..................................................................................... 23
3.2.2.6 CATWOE ................................................................................................................... 23
3.2.3 Mtodos para Identificao das diferentes perspetivas de diferentes Stakeholders .... 23
3.2.3.1 Concept Mapping....................................................................................................... 24
3.2.3.2 Q Methodology e Repertory Grid ............................................................................... 24
3.2.4 Mtodos para Identificao de Interaes entre Stakeholders ..................................... 25
3.2.5 Anlise de stakeholders no setor dos Cuidados Continuados ...................................... 26
3.3 Mtodos de Recolha de Informao ..................................................................................... 27
3.3.1 Mtodos Existentes ....................................................................................................... 27
3.3.1.1 Questionrios ............................................................................................................. 27
3.3.1.2 Entrevistas ................................................................................................................. 27
3.3.1.3 Focus Group .............................................................................................................. 28
3.3.1.4 Nominal Group Technique ......................................................................................... 28
3.3.1.5 Mtodo de Delphi....................................................................................................... 29
3.3.1.6 Conferncia de deciso ............................................................................................. 30
3.3.2 Aplicaes de Mtodos de Recolha de Informao na Sade ..................................... 31
3.4 Mtodos para Determinao de importncias relativas de objetivos .................................... 33
3.5 Concluses da Reviso Bibliogrfica .................................................................................... 35
4. Metodologia ................................................................................................................................... 37
4.1 Descrio Global da Metodologia.......................................................................................... 37
4.2 Descrio Detalhada da Metodologia ................................................................................... 37
4.2.1 Fase 1: Seleo de Participantes a envolver no estudo ............................................... 38
VI
4.2.2 Fase 2: Seleo de Objetivos e Nveis de Referncia .................................................. 38
4.2.3 Mtodo de Delphi........................................................................................................... 40
4.2.3.1 Fase 3: Ronda Exploratria ....................................................................................... 41
4.2.3.2 Fase 4: Obteno de Julgamentos............................................................................ 44
4.2.3.3 Fase 5: Validao dos Julgamentos ......................................................................... 48
4.2.4 Fase 6: Validao de Pesos dos Objetivos Considerados ........................................... 50
4.2.5 Fase 7: Anlise do Impacto das Diferentes Perspetivas no Planeamento da Rede de
CCI............................................................................................................................... 53
5. Caso de Estudo ............................................................................................................................. 55
5.1 Resultados ............................................................................................................................. 55
5.1.1 Fase 1: Seleo de participantes a envolver no estudo ............................................... 55
5.1.2 Fase 2: Seleo de Objetivos e Nveis de Referncia .................................................. 56
5.1.3 Mtodo de Delphi........................................................................................................... 56
5.1.3.1 Fase 3: Ronda Exploratria ....................................................................................... 56
5.1.3.2 Fase 4: Obteno de Julgamentos............................................................................ 59
5.1.3.3 Fase 5: Validao dos julgamentos .......................................................................... 61
5.1.4 Fase 6: Validao de Pesos dos Objetivos Considerados ........................................... 61
5.1.5 Fase 7: Anlise do impacto das diferentes perspetivas no planeamento da Rede de
CCI.. ................................................................................................................................ 63
5.1.5.1 Abertura e Fecho de Unidades de CCI ..................................................................... 63
5.1.5.2 Desempenho dos Objetivos e Comparao com as Metas ...................................... 65
6. Discusso ...................................................................................................................................... 69
6.1 Discusso de Resultados ...................................................................................................... 69
6.2 Limitaes .............................................................................................................................. 72
7. Consideraes Finais .................................................................................................................... 73
7.1 Concluses ............................................................................................................................ 73
7.2 Trabalhos Futuros ................................................................................................................. 76
Referncias...77
Anexo A Profissionais envolvidos na prestao de CCI e as competncias chave para esta
prestao......................................................................................................................................A-1
Anexo B Informaes sobre as competncias e composio das Equipas, relativamente a cada
nvel da Coordenao da RNCCI........................................................................................................B-1
VII
Anexo C Questionrio da Ronda Exploratria....................................................................C-1
Anexo D Questionrio da Recolha de Julgamentos......D-1
Anexo E Questionrio da Validao de Julgamentos..................E-1
Anexo F Questionrio da Validao de Pesos Obtidos.....................................F-1
VIII
Lista de Tabelas
Tabela 1- Estudos a propor o desenvolvimento e aplicao de modelos de programao matemtica
para apoio ao planeamento de Cuidados Continuados, organizados por ordem
alfabtica...19
Tabela 2- Mtodos de anlise de stakeholders, os estudos onde foram aplicados, se foram
participativos, o output retirado de cada estudo, e se foi aplicado no setor dos
CC......26
Tabela 3- Estudos onde foram aplicados diferentes Mtodos de Recolha de Informao junto de
stakeholders e/ou peritos, tendo em vista apoiar o planeamento no setor da sade, e mais
especificamente nos CC ....32
Tabela 4- Objetivos do planeamento relevantes no setor dos CCI: descrio sucinta, descritor
definido........................39
Tabela 5- Status quos obtidos para os objetivos relativos s Equidades e Custos..56
Tabela 6- Obteno dos nveis de Status quo dos GS e GBE, apresentando juntamente os valores
QALYs e os valores de ICECAP-A, para cada tipologia de CCI..56
Tabela 7- Respostas dos participantes relativas s Metas atribudas aos objetivos Maximizao de
Equidade de Acesso (EA), Maximizao da Equidade Geogrfica (EG), Maximizao da Equidade
Socioeconmica (ES), Maximizao da Equidade de Utilizao (EU) e Minimizao de Custos
(Custos); mdia aritmtica e mdia arredondada das Metas; e Status quo de cada objetivo....57
Tabela 8- Status quo e a mdia aritmtica para as Metas obtidas para a distribuio da prestao de
CCI pelos Cuidados de Convalescena (CC), Cuidados de Mdia Durao e Reabilitao (CMDR),
Cuidados de Longa Durao e Manuteno (CLDM), Cuidados Paliativos (CP) e Cuidados
Domicilirios (CD), tendo em vista a determinao dos objetivos de Maximizao de Ganhos em
Sade e Maximizao de Ganhos em Bem-estar.....,57
Tabela 9- Ordenaes efetuadas do mais importante (Posio 1) para o menos importante (Posio
7), para os objetivos: Maximizao de Equidade de Acesso (EA), Maximizao da Equidade
Geogrfica (EG), Maximizao da Equidade Socioeconmica (ES), Maximizao da Equidade de
Utilizao (EU), Minimizao de Custos (C),Maximizao de Ganhos em Sade (GS) e Maximizao
em Bem-estar (GBE).................................................59
Tabela 10- Percentagem e nmero total (entre parntesis) de participantes que, para cada objetivo,
selecionou um determinado julgamento. Os objetivos so: Maximizao de Equidade de Acesso (EA),
Maximizao da Equidade Geogrfica (EG), Maximizao da Equidade Socioeconmica (ES),
Maximizao da Equidade de Utilizao (EU), Minimizao de Custos (Custos), Maximizao de
Ganhos em Sade (GS) e Maximizao de Ganhos em Bem-estar (GBE).60
Tabela 11- Distribuio de pesos (em %) referentes aos objetivos considerados, por cada
participante. Os objetivos so: Maximizao de Equidade de Acesso (EA), Maximizao da Equidade
Geogrfica (EG), Maximizao da Equidade Socioeconmica (ES), Maximizao da Equidade de
IX
Utilizao (EU), Minimizao de Custos (Custos), Maximizao de Ganhos em Sade (GS) e
Maximizao de Ganhos em Bem-estar (GBE)...61
Tabela 12- Distribuio de pesos (em %) aps validao, referentes aos objetivos considerados por
cada participante. Os objetivos so: Maximizao de Equidade de Acesso (EA), Maximizao da
Equidade Geogrfica (EG), Maximizao da Equidade Socioeconmica (ES), Maximizao da
Equidade de Utilizao (EU), Minimizao de Custos (Custos), Maximizao de Ganhos em Sade
(GS) e Maximizao de Ganhos em Bem-estar (GBE)..62
Tabela 13- Nmero total de aberturas e fechos de Unidades de Convalescena (UC), Unidades de
Mdia Durao e Reabilitao (UMDR), Unidades de Longa Durao e Manuteno (ULDM) e
Unidades de Cuidados Paliativos (UCP) durante o perodo 2016-2018. apresentado tambm os
pesos obtidos para os Ganhos em Sade (GS), Ganhos em Bem-estar (GBE) e Custos...64
Tabela 14- Desempenhos obtidos para os objetivos das Equidades, para cada participante, e Metas
associadas, e os pesos associados s Equidades, Ganhos e Custos para facilitar a
compreenso.....65
Tabela 15 - Nveis de GS, GBE e Custos para cada participante, apresentando ao lado os pesos
associados aos objetivos, para cada participante..............................................................................67
X
Lista de Figuras
Figura 1- Metodologia seguida na dissertao, em que a verde se encontram delimitadas as fases
onde o Mtodo de Delphi aplicado junto dos participantes do estudo.37
Figura 2- Exemplo de pergunta para validao de objetivos e recolha da Meta associada ao
objetivo de maximizao da Equidade de Acesso.....41
Figura 3- Custo Mdio por utente assistido (), entre os anos de 2008 e 201442
Figura 4- Pergunta relativa validao e obteno de Metas para a maximizao dos Ganhos em
Sade........43
Figura 5- Apresentao de nveis de referncia de cada objetivo considerado............45
Figura 6- Ordenao dos objetivos considerados, de acordo com a importncia associada a melhorar
cada um do seu nvel atual para a Meta a atingir..45
Figura 7- Exemplo de julgamentos inconsistentes.............................46
Figura 8- Exemplo de julgamentos consistentes............................47
Figura 9- Questo para obteno dos julgamentos para cada objetivo considerado, sendo
apresentado neste caso dois objetivos, a ttulo de exemplo...47
Figura 10- Exemplo de sumrio realizado de acordo com as respostas de 5 participantes na ronda de
Delphi anterior, em que a negrito est representado as respostas que o participante forneceu na
ronda anterior...48
Figura 11- Lista de objetivos para seleo dos objetivos a reavaliar..49
Figura 12- Exemplo de questo para a obteno de julgamento qualitativo, para o objetivo que o
participante pretende reavaliar..49
Figura 13- Exemplo de Matriz de julgamentos do M-MACBETH. ...............................................50
Figura 14- Exemplo de questionrio utilizado para a seleo da distribuio de pesos mais
enquadrada com a perspetiva do participante....52
Figura 15- Questo aberta para descrio da distribuio de pesos que o participante considera mais
adequada, com base no histograma dos pesos obtidos inicialmente....53
Figura 16 - Evoluo de GS, GBE e Custos, de forma crescente, entre todos os participantes.........71
XI
Lista de Siglas
ACSS Administrao Central do Sistema de Sade
ARS Administrao Regional de Sade
CCI Cuidados Continuados Integrados
CSP Cuidados de Sade Primrios
EA Equidade de Acesso
ECCI Equipa de Cuidados Continuados Integrados
ECL Equipa de Coordenao Local
ECR - Equipa de Coordenao Regional
ECSCP - Equipa Comunitria de Suporte em Cuidados Paliativos
EG Equidade Geogrfica
EGA Equipa de Gesto de Altas
EIHSCP Equipa Intra-Hospitalar de Suporte em Cuidados Paliativos
ES Equidade Socioeconmica
EU Equidade de Utilizao
GBE Ganhos em Bem-estar
GS Ganhos em Sade
IPSS - Instituies Particulares de Solidariedade Social
LVT Lisboa e Vale do Tejo
MACBETH - Measuring Attractiveness by a Categorical Based Evaluation Technique
NGT Nominal Group Technique
OCDE - Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico
QALY Quality Adjusted Life Years
RNCCI Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados
SNA Social Network Analysis
SNS Sistema Nacional de Sade
UC Unidade de Convalescena
UCP Unidade de Cuidados Paliativos
UE Unio Europeia
ULDM Unidade de Longa Durao e Manuteno
XII
UMDR Unidade de Mdia Durao e Reabilitao
I
1. Introduo
1.1 Motivao
A sociedade atual, principalmente no continente europeu, tem vindo a ser afetada por um conjunto de
alteraes sociais e demogrficas, destacando-se o significativo envelhecimento da populao assim
como o progressivo aumento da proporo da populao idosa. Associado a estes fenmenos, tem-
se verificado o aumento da incidncia e prevalncia de doenas crnicas (OECD, 2015). Estes so os
principais fatores que originaram o incremento de um tipo de cuidados especficos de sade os
Cuidados Continuados Integrados (CCI).
Os CCI so um conjunto de diversos servios de sade dirigidos a doentes que possuem
incapacidades/dependncias ao nvel funcional, fsico e cognitivo, que necessitam de apoio para a
realizao das suas atividades dirias. Estes servios incluem no s servios mdicos, mas tambm
cuidados de enfermagem, preveno, reabilitao, monitorizao da sade, administrao de
medicao, cuidados pessoais e cuidados paliativos (ERS, 2015; OECD, 2013a).
Portugal enfrenta, tal como outros pases europeus, um problema de envelhecimento significativo da
populao, associado a uma crescente prevalncia de doenas crnicas (INE, 2011; INE, 2016a).
Atualmente, fundamental ter em conta a menor disponibilidade dos cuidadores informais devido,
principalmente, maior integrao da mulher no mercado de trabalho que antigamente providenciava
os cuidados necessrios (Barros et al., 2011). Associado ao aumento progressivo da procura verifica-
se em simultneo a diminuio dos cuidados informais, pelo que aumenta a necessidade da
populao em receber CCI.
Assim, surgiu a criao da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), em que
atravs de uma gama de diferentes servios, se pretende satisfazer as diferentes necessidades
existentes na populao portuguesa (ACSS, 2013). Apesar das suas melhorias e crescente evoluo
em termos de oferta e recursos disponibilizados, estes so ainda considerados insuficientes. Alm
disso, o contexto econmico portugus, caracterizado por fortes restries econmicas, no auspicia
significativos investimentos na melhoria expressiva da RNCCI. E considerando que a tendncia de
aumento progressivo da procura (devido ao crescente envelhecimento da populao), a oferta
providenciada insuficiente (Barros et al., 2011; ERS, 2015).
Dada a discrepncia entre a procura e oferta, essencial que exista um planeamento adequado e
rigoroso. A RNCCI caracterizada por uma significativa multidisciplinariedade, em que os elementos
envolvidos apresentam diferentes formaes e provm de diferentes reas. Apesar dos benefcios
inerentes a esta diversidade, o facto de se ter de conciliar, no contexto do planeamento, uma
significativa diversidade de perspetivas, pode provocar importantes consequncias no planeamento,
originando divergncias no mesmo e consequentemente pode prejudicar a prestao de cuidados
aos utentes. Isto porque cada elemento possui o seu prprio conjunto de interesses e objetivos que
2
pretende atingir, mas que podem entrar em conflito com os outros elementos (Brailsford e Vissers,
2011).
Esta dissertao pretende abordar a problemtica da diversidade de perspetivas dos stakeholders
envolvidos no planeamento, atravs da anlise das suas diferentes perspetivas, em termos de
objetivos considerados relevantes no processo de planeamento da RNCCI, e verificar como que
esta diversidade pode ter impacto na prestao de cuidados. Com este objetivo, surge a necessidade
de utilizar modelos de programao matemtica, que permitem analisar e estudar a influncia que os
mltiplos objetivos podem ter na prestao de cuidados. Contudo, fundamental ter em conta que
estes objetivos no possuem todos a mesma relevncia para cada indivduo, pelo que importante,
refletir tambm a ponderao que os objetivos tm, individualmente, no modelo de programao
matemtica.
Assim, necessrio obter informao no s sobre que objetivos so relevantes para o planeamento
da RNCCI, mas tambm as importncias relativas dos mesmos. Para isso, necessrio interagir com
os stakeholders e/ou peritos da Rede. Numa rea to especfica como a dos CCI existe pouca
informao, ou incompleta, relativamente aos conhecimentos que se pretendem obter, pelo que h
que destacar que obter informao proveniente destes indivduos bastante mais credvel e rigorosa,
dadas a sua envolvncia e experincia na rea.
Para uma anlise mais aprofundada, proposta ainda a realizao de Anlise de Stakeholders, que
representa um conjunto de diferentes metodologias, que permitem o estudo, no s dos stakeholders
existentes na RNCCI, mas tambm os stakeholders-chave que devem ser envolvidos neste estudo.
Para alm disso, permite ainda determinar quais os objetivos existentes no planeamento da RNCCI,
associ-los aos diferentes stakeholders, e identificar as relaes entre eles, determinando a
existncia de eventuais conflitos ou alianas (Ackerman e Eden, 2011).
A dissertao prope desenvolver uma metodologia, em que se aplica numa primeira fase
metodologias de Anlise de Stakeholders, de forma a explorar em profundidade a diversidade de
objetivos existentes no planeamento, e tambm a determinar os stakeholders-chave a envolver no
estudo. Numa segunda fase, ocorre a recolha, junto de stakeholders e/ou peritos, de informaes
relativamente aos objetivos que consideram relevantes no contexto do planeamento, e as
importncias relativas atribudas a estes objetivos, integrando para isso um mtodo de ponderao de
objetivos. Posteriormente, os dados obtidos por esta metodologia sero implementados no modelo de
programao matemtica do estudo Cardoso et. al (2016) aplicado na regio de Lisboa e Vale do
Tejo (LVT), de forma a estudar o impacto que a diversidade de objetivos e as suas importncias
relativas tem no planeamento. Esta metodologia assim considerada inovadora para a rea de CCI.
1.2 Estrutura da Dissertao
A dissertao encontra-se estruturada da seguinte forma:
No captulo 2, apresenta-se o Contexto, de forma a providenciar informao importante, relativamente
aos CCI e RNCCI.
3
No captulo 3 realiza-se a Reviso Bibliogrfica, com o intuito de analisar estudos realizados e
aplicados no setor da sade e especialmente no setor de CCI, sobre:
i) Modelos de programao matemtica;
ii) Metodologias de Anlise de Stakeholders;
iii) Mtodos para recolha de informao junto de stakeholders;
iv) Mtodos para determinao de importncias relativas.
Posteriormente, no captulo 4, delineada a Metodologia proposta, de forma a obter informao
relativamente aos objetivos do planeamento e possibilitar a determinao da importncia relativa dos
mesmos.
No captulo 5, so apresentados os resultados da aplicao da Metodologia proposta e os resultados
obtidos pelos modelos de programao matemtica, aps introduo nestes modelos das
informaes obtidas.
No captulo 6, realizada a discusso sobre os resultados obtidos e as limitaes do estudo
realizado.
Finalmente, no captulo 7, so demonstradas as concluses inferidas neste estudo e propostos
eventuais trabalhos futuros relacionados com esta dissertao.
4
2. Contexto
Neste captulo explorada a viso geral sobre os CCI, focando-se posteriormente no caso portugus.
A anlise incide sobre a necessidade de se prestarem CCI, o que so e como so prestados aos
pacientes e ainda a evoluo dos mesmos at surgir a RNCCI.
Para um melhor entendimento sobre a RNCCI, este captulo relata como se esta se encontra
organizada em termos de servios e profissionais de sade envolvidos, a sua evoluo e como se
processa o seu planeamento e ainda os objetivos que esta pretende atingir, de forma a melhorar o
planeamento e prestao dos seus servios.
Apresentam-se tambm os objetivos que a dissertao pretende cumprir, com vista a contribuir para
um melhor planeamento da RNCCI e a uma contnua melhoria na prestao de servios aos doentes
que necessitam de CCI.
2.1 Cuidados Continuados
Nos ltimos anos, e em particular na Europa, os pases tm sofrido alteraes demogrficas e
sociais, em particular um considervel envelhecimento da populao traduzido pelo aumento da
populao idosa ou seja com mais de 65 anos. A percentagem da populao envelhecida, calculada
atravs do rcio entre a populao com 65 e mais anos e a populao com idade entre os 15 e 64
anos, atingiu os 18.37%, relativamente mdia dos 28 pases da Unio Europeia (UE), (OECD,
2015). Esta proporo bastante significativa e tem aumentado desde 1970, ano em que se situou
em 11.46%, sendo estes valores referentes mdia dos pases da UE, existem no entanto pases
mais envelhecidos, como o caso da Alemanha, que em 2014, atingiu uma proporo de 21.45%.
(OECD, 2015). A proporo de populao com mais de 80 anos, em 2010, atingiu os 4.7% nos
pases da Unio Europeia, sendo expectvel que em 2050 esta alcance os 11.3%, isto , mais do
dobro quando em comparada com 2010 (OECD, 2013a).
O envelhecimento da populao tem estado associado o aumento da esperana mdia de vida e o
declnio das taxas de natalidade designado por duplo envelhecimento. O aumento da esperana
mdia de vida deve-se essencialmente ao desenvolvimento nas reas de saneamento e sade
(nomeadamente, atravs da vacinao e do uso de antibiticos), permitindo a reduo de mortalidade
(Zhaurova, 2008). A reduo da taxa de natalidade (especialmente nos pases da UE) leva reduo
da populao jovem afetando o crescimento demogrfico (Grant, 2004). Existem diversos fatores
responsveis pelo declnio da natalidade, nomeadamente:
A reduo de fertilidade, devido a fatores ambientais e condies de sade (como a
obesidade) (Nargund, 2009);
A participao cada vez mais ativa da mulher na sociedade (Grant, 2004);
A influncia de questes econmicas, como por exemplo, as elevadas despesas associadas
educao dos filhos (Nargund, 2009; Grant, 2004);
5
As restries do mercado de trabalho, em termos de horrio e carga de trabalho, bem como o
insuficiente suporte aos cuidados das crianas (Kohler et al., 2006);
As alteraes de mentalidade no que toca a casamentos e divrcios. (Kohler et al., 2006).
O envelhecimento da populao est associado a uma maior quantidade de dependentes, com
necessidade crescentes de apoios econmicos e sociais bem como a um aumento da procura de
servios de sade principalmente de longo prazo. Tem ainda associado uma maior incidncia de
diferentes doenas crnicas, contribuindo para mais necessidades em termos de recursos e
prestao de cuidados de sade a longo prazo. Em 2010, cerca de 117 milhes de pessoas
possuam uma ou mais doenas crnicas nos Estados Unidos da Amrica, representando metade da
populao adulta deste pas (Ward, 2014). Assim, o envelhecimento da populao associado
prevalncia de doenas crnicas (com maior impacto na idosa), provocam um aumento da procura e
necessidade por CCI. Os CCI so um conjunto de diversos servios de sade dirigidos a doentes que
possuem incapacidades/dependncias ao nvel funcional, fsico e cognitivo, que necessitam de
suporte para a realizao das suas atividades dirias. Estes so compostos no s por servios
mdicos, mas tambm por cuidados de enfermagem, preveno, reabilitao, monitorizao da
sade, administrao de medicao, cuidados pessoais e cuidados paliativos (ERS, 2015; OECD,
2013a). A prestao destes cuidados pode ser realizada a um nvel institucional ou domicilirio,
sendo efetuados ou por cuidadores formais ou informais.
Os cuidadores informais representam um dos principais prestadores deste tipo de cuidados. Em
mdia, nos pases da Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE), cerca
de 15% da populao com mais de 50 anos prestou cuidados a um parente ou amigo dependente.
Estes so mais abundantes em alguns pases europeus do Sul (como Portugal e Itlia), onde existe
uma maior percentagem (cerca de 75%) de cuidadores informais a suportar o doente diariamente
(OECD, 2013b). Alguns pases tm vindo a implementar polticas de suporte ao cuidador informal,
como por exemplo, a Blgica que implementou uma baixa renumerada, enquanto a Austrlia permitiu
a flexibilizao de horrio a estes cuidadores (OECD, 2013b).
Por outro lado, os prestadores formais so profissionais pagos para prestarem cuidado e assistncia,
tanto a um nvel institucional como a um nvel domicilirio, sendo, entre outros, mdicos, enfermeiros
ou personal care workers, designados em Portugal por tcnicos, em que estes ltimos possuem cada
vez maior responsabilidades e qualificao. Assim, ao invs de se necessitar de mais enfermeiros
mais qualificados e com maiores custos associados, existe um conjunto de tarefas que podem ser
desempenhadas pelos personal care workers, permitindo reduzir custos e alocar os enfermeiros para
outro tipo de tarefas (OECD, 2013b).
A despesa associada prestao de CCI tem sido maioritariamente paga por fontes pblicas,
representando, na mdia dos pases da OCDE, cerca de 1.6% do Produto Interno Bruto (PIB) e
acredita-se que em 2060 seja o dobro.
6
2.2 Cuidados Continuados em Portugal
2.2.1 Evoluo Histrica at aos dias de hoje
Portugal tambm tem sido um pas afetado pelo envelhecimento da populao, contribuindo para tal o
aumento da esperana mdia de vida e a diminuio das taxas de natalidade. Em 2015, a proporo
da populao com 65 e mais anos atingiu os 20.6% relativamente ao total da populao portuguesa
(INE, 2016a), sendo em 1970, de 9.7% (INE, 2016a). De acordo com o INE (2016b) a esperana
mdia de vida aos 65 anos, em 2015, era de 19.19 anos. Por outro lado, a taxa de natalidade
(calculada pelo nmero de nados vivos por mil habitantes) tem decrescido ao longo dos anos, sendo
em 2015, de 8.3%, face a 20.8% em 1970 (PORDATA, 2016). Neste contexto, ainda de considerar
as doenas crnicas, em que em 2011, 40.5% da populao portuguesa com idade entre os 15 e os
64 anos sofria de pelo menos um problema de sade prolongado, com tendncia a aumentar com a
idade. Na populao com 65 e mais anos a proporo dos afetados por pelo menos uma doena
crnica de 73.2% (INE, 2011). Nestas doenas destacam-se as dores lombares ou problemas
crnicos no pescoo, problemas circulatrios, de tenso arterial ou de corao, e problemas de
pernas ou ps (INE, 2011), Em 2011, cerca de 16% da populao entre os 15 e os 64 anos foi
afetada por doenas crnicas e possuam pelo menos uma dificuldade na realizao de atividades
bsicas (como por exemplo andar ou descer escadas, levantar e transportar objetos) (INE, 2011).
Cerca de 38%, da populao com doenas crnicas e limitantes apresentavam dificuldades na
realizao de tarefas relacionadas com seu ofcio, e cerca de 13% necessitavam at de ajuda
pessoal para poder realizar as suas tarefas (INE, 2011). Ainda em 2011, cerca de 50% da populao
idosa tinha muita dificuldade ou no conseguia realizar pelo menos atividades do dia-a-dia, tais como
ver, ouvir, andar, memria/concentrao, tomar banho/vestir-se e compreender os outros/fazer-se
compreender. A sua principal limitao foi a dificuldade de andar, seguida de dificuldades de viso e
dificuldades de memria (INE, 2011).
A populao portuguesa no s bastante envelhecida, como significativamente afetada por
doenas e por problemas de sade capazes de causar incapacidades e dependncias. Com vista a
melhorar a sua sade e bem-estar e mitigar as repercusses das limitaes e/ou doenas
prolongadas fundamental a prestao de CCI.
Tradicionalmente em Portugal, os CCI eram essencialmente prestados por cuidadores informais e por
instituies de caridade, tal como as Misericrdias, sendo que atualmente, estas opes j so
insuficientes. Tal deve-se principalmente maior quantidade de mulheres no mercado de trabalho
(habituais cuidadoras informais) e migrao para as zonas urbanas de familiares mais jovens
(Barros et al., 2011). Em 2011, cerca de 22% da populao idosa residia sozinha, o que significa que
cuidados informais podem no ser uma alternativa adequada (INE, 2011). Assim, a maior carncia de
cuidados informais, associado ao envelhecimento da populao portuguesa, faz com que seja
fundamental a criao de outras alternativas capazes de assegurar a prestao de CCI.
7
De forma a responder a esta problemtica, foi criada em 2006 a RNCCI, que combina a prestao de
cuidados de sade (desde de curta durao, como os cuidados de convalescena, a de maior
durao, como os cuidados paliativos) com apoio social. A implementao desta Rede permite fazer
face procura crescente que se tem vindo a verificar e pretende assegurar a sustentabilidade do
Servio Nacional de Sade (SNS) (ACSS, 2013), ao permitir a reduo da procura de servios
hospitalares agudos. Desta forma, a Rede capaz de conferir significativos ganhos em sade e
melhorar as condies de vida e dependncia dos doentes, atravs da prestao de cuidados de
sade e sociais especficos, possibilitada pela articulao entre o setor da Sade e da Segurana
Social (UMCCI, 2009).
2.2.2 Desafios Atuais
Atualmente, apesar dos significativos benefcios que esta Rede providenciou, continuam a existir
diversos desafios associados RNCCI. Com uma procura de Cuidados Continuados elevada
presentemente e sendo expectvel um crescimento progressivo, estima-se que em 2025 possa atingir
cerca de 24% da populao portuguesa (ERS, 2015). Assim, a RNCCI ter de ser capaz de dar
resposta a estas crescentes necessidades tornando-se imperioso investir significativamente no seu
desenvolvimento e planeamento. Atualmente a oferta da Rede est abaixo das necessidades da
populao, afetando o acesso e a proximidade aos servios prestadores e a capacidade desses
servios em prestar os cuidados necessrios (ERS, 2015). Sabe-se que as despesas com os CCI
apesar de terem crescido a um ritmo superior s despesas pblicas totais, Portugal dos pases da
UE com menos gastos em CCI i.e., somente 0.1% do PIB em 2010 (Lopes et al., 2010).
Adicionalmente, ainda fundamental considerar o atual contexto econmico de Portugal em que as
polticas implementadas com vista a garantir a sustentabilidade financeira do pas, tendem a fomentar
o menor dispndio possvel em recursos, com impacto significativo tambm no setor da sade, com
restries oramentais, que podem colocar em causa a prestao adequada de cuidados na RNCCI.
Assim, a necessidade de crescimento da Rede para uma oferta adequada de CCI conjugada com o
contexto econmico/financeiro portugus faz do desenvolvimento da RNCCI uma das grandes
prioridades polticas atuais. pois fundamental um adequado planeamento da Rede, nos mais
diversos nveis, em termos de estratgias e de recursos, de forma a garantir a prestao de servios
de qualidade aos utentes com necessidades, e assegurar a sustentabilidade financeira da Rede.
2.3 Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI)
2.3.1 Organizao
A RNCCI envolve a participao do setor social e do setor da sade, que abrange hospitais, centros
de sade, servios distritais e locais de segurana social. A RNCCI presta cuidados de sade e apoio
social, sendo o primeiro providenciado pelo Estado, enquanto os apoios sociais so maioritariamente
fornecidos por Instituies Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e agentes privados (com ou
sem fins lucrativos), que so contratualizados pelo Estado. Neste caso, o Estado no funciona como
prestador, mas como financiador (ERS, 2015).
8
2.3.1.1 Servios Prestados na RNCCI
A RNCCI trata-se de uma Rede de respostas, resultante da implementao de diferentes unidades e
equipas, o que confere flexibilidade e diversidade de respostas para as diferentes necessidades dos
utentes. Os seus servios podem, assim, ser prestados atravs do internamento do paciente, no
domiclio ou em regime de ambulatrio. Dentro destes 3 nveis, existem as diversas unidades e
equipas, cujas caractersticas e servios so apresentados em baixo (ERS, 2015; Instituto da
Segurana Social, 2014):
As Unidades de Internamento abrangem 4 unidades: Unidade de Convalescena (UC),
Unidade de Mdia Durao e Reabilitao (UMDR), Unidade de Longa Durao e
Manuteno (ULDM) e Unidade de Cuidados Paliativos (UCP):
o UC presente em hospitais ou outras instituies, responsvel pela prestao de
tratamento, superviso e reabilitao de utentes internados na sequncia de situao
aguda, recorrncia ou descompensao de processo crnico. Providencia
principalmente, cuidados mdicos e de enfermagem permanentes, fisioterapia e apoio
psicossocial. Destina-se a internamentos com durao esperada de menos de 30 dias;
o UMDR articulada com hospital, possuindo espao prprio para a prestao de
cuidados clnicos, de reabilitao e apoio social para doentes internados decorrentes da
recuperao de um processo agudo ou descompensao de doena crnica, que
perderam temporariamente autonomia, mas potencialmente recupervel. Providencia
cuidados mdicos dirios e de enfermagem permanentes, fisioterapia, terapia
ocupacional e apoio psicossocial. Destina-se a internamentos com durao entre 30 e
90 dias;
o ULDM - possui espao prprio, presta apoio social e cuidados de sade de manuteno
a doentes que no renem condies para serem cuidados no seu domiclio. Fornece
cuidados mdicos e de enfermagem dirios, apoio psicossocial, fisioterapia e terapia
ocupacional com o propsito de prevenir e retardar o agravamento da dependncia do
doente. Destina-se a internamentos com durao superior a 90 dias ou em casos
temporrios, como por exemplo para que o cuidador informal possa repousar;
o UCP - possui espao prprio, preferencialmente num hospital, com o intuito de
acompanhar, tratar e supervisionar doentes em sofrimento, resultante de doenas
severas, incurveis e progressivas. Conferem cuidados mdicos dirios e de
enfermagem permanentes, apoio psicossocial e acompanhamento, para alm de
realizarem exames complementares de diagnstico, com o propsito de mitigar o
sofrimento e sintomas no doente. Nesta unidade, no existe limite de internamento.
As Equipas Domicilirias prestam servios ao domiclio do utente, sendo estas representadas
pela Equipa de Cuidados Continuados Integrados (ECCI) e pela Equipa Comunitria de
Suporte em Cuidados Paliativos (ECSCP):
o ECCI presta servios domicilirios a doentes com dependncia funcional, terminal ou
em convalescena, que apesar de no necessitarem de serem internados, no se
deslocam com autonomia. responsvel por fornecer cuidados mdicos e de
9
enfermagem de natureza preventiva, curativa, reabilitadora ou paliativa, bem como
cuidados de fisioterapia e apoio psicossocial. As visitas domiciliares por parte desta
equipa so programadas de acordo com a avaliao realizada do paciente;
o ECSCP estas equipas prestam apoio e aconselhamento em cuidados paliativos s
ECCI e UMDR. So ainda responsveis pela realizao de formao de profissionais
envolvidos nos cuidados paliativos e de profissionais de cuidados continuados
domicilirios, de avaliao integral do paciente e execuo de tratamentos e
procedimentos paliativos a pacientes em situao complexa.
As Unidades de Dia e de Promoo de Autonomia so as unidades responsveis pela
prestao de servios no ambulatrio. Tm como objetivo a prestao de cuidados de
suporte, promover a autonomia, e providenciar apoio psicossocial, em regime de ambulatrio.
Contudo, estas unidades apesar de estarem previstas e planeadas, no foram ainda
implementadas.
Contudo, a RNCCI no se cinge apenas s unidades e equipas acima mencionadas possuindo ainda
um conjunto de equipas hospitalares, que tm como principal funo o suporte dos cuidados. A
Equipa de Gesto de Altas (EGA) suporta a preparao e gesto da alta para utentes que requerem
seguimento dos seus problemas, quer para unidades de internamento como para o domiclio (ARS
Algarve, 2016). Existem ainda Equipas Intra-Hospitalares de Suporte em Cuidados Paliativos
(EIHSCP), que no s prestam aconselhamento sobre cuidados paliativos aos servios hospitalares e
orientam o plano de interveno de doentes em estado avanado ou terminal, como podem tambm
prestar cuidados diretos ao utente, nomeadamente cuidados mdicos e de enfermagem, e apoio
psicossocial (ERS, 2015).
Os pacientes, para serem admitidos na Rede e na tipologia adequada s suas necessidades, tm de
seguir um processo de referenciao. A admisso da competncia da Equipa Coordenadora Local
(ECL) da rea de residncia dos doentes, responsvel pela aprovao do ingresso na RNCCI ao
analisar a situao do doente e verificar o cumprimento dos critrios (UMCCI, 2009).
A ECL no s responsvel pelo ingresso na Rede, mas tambm pela mobilidade da RNCCI, isto ,
a transferncia do utente entre as tipologias que compem a Rede que permite a adequao dos
cuidados.
2.3.1.2 Profissionais envolvidos na Prestao da RNCCI
Para a diversidade de servios e tipologias exploradas anteriormente, contribui significativamente a
multidisciplinariedade incutida dentro das unidades e equipas da RNCCI. Por isso, os seus servios
no so somente prestados por mdicos e enfermeiros, mas tambm por outros tipos de
profissionais, nomeadamente fisioterapeutas, psiclogos, assistentes sociais, terapeutas
ocupacionais, entre outros, assegurando desta forma a prestao adequada da variedade de servios
inerentes prestao de CCI (UMCCI, 2011). No Anexo A, apresentam-se em Tabela os diferentes
profissionais envolvidos na prestao de CCI aos pacientes, salientando as suas competncias.
Demonstra-se assim a multidisciplinariedade que os profissionais integrados na RNCCI possuem,
com vista a conseguir prestar a diversidade de servios (ERS, 2015; UMCCI, 2011).
10
2.3.1.3 Financiamento
A RNCCI composta por um conjunto de tipologias e por profissionais que as compem. O
financiamento especfico e diferenciado a cada tipologia, podendo este ser assegurado pelo
Ministrio da Sade ou pelo Ministrio do Trabalho e Solidariedade Social. O Ministrio da Sade
financia os custos de prestao de cuidados de sade, enquanto o Ministrio do Trabalho e
Solidariedade suporta parte dos custos associados aos cuidados de apoio social, sendo que neste
caso o doente tem tambm de comparticipar este apoio social, que depende do rendimento do
agregado familiar do utente (ERS. 2015). de referir que os fundos monetrios, de ambos os
Ministrios, para o RNCCI provm das receitas de jogos sociais (UMCCI, 2009).
2.3.2 Evoluo da Rede
A implementao e desenvolvimento da RNCCI foram delineados de acordo com um plano
estratgico, num horizonte de 10 anos. Esta estratgia engloba trs fases, onde se pretende atingir,
em cada fase, um progressivo crescimento da oferta de servios disponveis, de forma a aumentar a
capacidade da Rede. Numa primeira fase, entre 2006 e 2008, pretendia-se no s iniciar o processo
de implementao da RNCCI mas tambm conseguir cobrir cerca de 30% da populao com
necessidades. Na segunda fase, (2009 a 2012) procurou-se aumentar a cobertura da populao para
60%, para que depois, na terceira e ltima fase, (2013 a 2016) a Rede fosse capaz de satisfazer
100% da populao com necessidades de CCI, consolidando e estabilizando a Rede (UMCCI, 2007;
UMCCI, 2009).
A estratgia anterior pretendia progressivamente ao longo dos anos aumentar a cobertura de doentes
e a oferta de servios, nomeadamente:
Em termos de camas, em que em 2006 existiam, em Portugal, cerca de 898 camas
contratadas para unidades de internamento da Rede (ACSS, 2013) subindo para 7311 camas
em 2015 (ACSS, 2015);
Relativamente a cuidados ao domiclio, as ECCI, as equipas maioritariamente responsveis
pela prestao de cuidados domiciliares aos utentes, aumentaram de 138 equipas (ACSS,
2007) para 283 equipas em 2015 (ACSS, 2015);
As equipas referenciadoras tm crescido ao longo dos anos, tanto ao nvel hospitalar como
nos centros de sade, sendo que em 2015 atingiram-se 86 equipas hospitalares e 634
equipas ao nvel de centros de sade, e em que entre 2006 e 2010, mais de 50 000 utentes
foram assistidos pelo RNCCI (Escoval et al., 2014). Ao longo dos anos, a RNCCI pretendeu
tambm o aumento da sua gama de servios e focos, nomeadamente na prestao de
cuidados de Sade Mental (SNS, 2016b) atravs de um conjunto de medidas de organizao,
coordenao e criao de unidades e equipas (Ministrio da Sade, 2010). Apesar de esta
orientao ter sido aprovada em 2010, somente a partir de 1 de Julho de 2016 que esta
diretiva comeou a ser implementada, com a abertura de unidades piloto. Apesar da
populao com maior necessidade de CCI corresponder frao idosa, tambm
fundamental garantir a prestao de cuidados continuados peditricos, atravs de criao de
unidades de internamento e de ambulatrio (SNS, 2016b). Semelhante aos cuidados de
11
sade mental, apesar de esta diretiva j ter sido aprovada em decreto em 2015, as medidas
delineadas ainda no foram implementadas (Cardoso, 2016).
Para alm deste alargamento de cuidados para as reas de Pediatria e Sade Mental, importa
salientar ainda a rea especfica aos Cuidados Paliativos, que apesar ter sido inicialmente integrada
na RNCCI, a partir de 2012 estes passaram a ser da responsabilidade de uma Rede prpria,
designada de Rede Nacional de Cuidados Paliativos. Contudo, importante referir que esta encontra-
se interligada e articulada com a RNCCI, sendo por isso importante explorar a prestao de cuidados
paliativos nesta dissertao (Ministrio da Sade, 2015)
2.3.3 Planeamento da RNCCI
Atravs do atrs referido pode-se denotar a complexidade inerente RNCCI, que apresenta uma
elevada diversidade de servios e de recursos humanos que so necessrios gerir. Para alm disso,
crtico ter em considerao o atual contexto econmico de Portugal com limitaes na
disponibilidade de recursos alocados para os CCI. Assim sendo, o planeamento apropriado
fundamental para assegurar a prestao de servios e a consequente satisfao das necessidades
dos doentes da Rede. Desta forma, importante explorar como decorre o planeamento,
nomeadamente quais os objetivos que o planeamento pretende atingir, como se procede e quais os
responsveis, para posteriormente compreender os desafios que o planeamento da RNCCI enfrenta.
2.3.3.1 Objetivos
A RNCCI surgiu com o propsito de promover os cuidados de sade e suporte social a todos os
pacientes que a integrem, ou seja, utentes dependentes, com doenas crnicas e/ou incapacitantes
ou que se encontrem em fase terminal. Para isso, esta Rede pretende fomentar a funcionalidade e
autonomia dos doentes, atravs da reabilitao, readaptao e reinsero familiar e social,
assegurando simultaneamente conforto e melhoria da qualidade de vida ao doente (ERS 2015). Com
este propsito, fundamental que a prestao de cuidados tenha qualidade e esteja ajustada de
acordo com os diferentes grupos de doentes. Um dos principais objetivos da Rede a melhoria
contnua na qualidade da prestao de cuidados continuados de sade e de apoio social para atingir
uma reduo no nmero de internamentos e reinternamentos, e consequentemente, menos recursos
despendidos (UMCCI, 2009).
Outra das preocupaes da RNCCI a preveno de lacunas na disponibilizao de servios e
recursos nas diferentes tipologias de respostas da Rede. Assim, pretende-se capacitar a prestao
de resposta a doentes com necessidades de forma equitativa em todas as suas tipologias (UMCCI,
2011). A RNCCI pretende ainda garantir a equidade de acesso dos utentes que implica a prestao
dos servios a qualquer utente independentemente das suas condies socioecnomicas e da rea
geogrfica da sua residncia (UMCCI, 2009). Pretende tambm uma maior mobilidade, ou seja uma
melhor adequao de cuidados atravs de transferncias entre diferentes tipologias sempre que tal
se justifique, e garantindo sempre que possvel uma prestao dos cuidados prximos dos doentes e
equitativamente distribuda pelos diferentes grupos socioeconmicos e reas geogrficas do pas.
12
(ACSS, 2013). O planeamento da RNCCI pretende assim certificar que existe equidade de utilizao
nos seus servios.
A RNCCI tem ainda como objetivo no s promover a formao e o desenvolvimento dos diferentes
grupos de profissionais envolvidos na prestao de Cuidados Continuados (Lopes et al., 2010), como
tambm reforar as capacidades e competncias da famlia e cuidadores informais (Ministrio da
Sade, 2006).
O tema dos custos uma preocupao constante sendo fundamental o seu controlo e minimizao
dos gastos incorridos com a RNCCI.
A RNCCI engloba mltiplos e diversos objetivos a cumprir, cuja execuo significativamente
complexa: melhoria contnua na qualidade dos servios prestados; preveno de lacunas nos
servios e recursos disponibilizados, com vista a assegurar os objetivos de equidade de acesso,
geogrfica e socioeconmica; garantir a mobilidade na Rede, em termos dos servios
disponibilizados para as necessidades do doente e a sua proximidade a estes; apoio aos familiares e
cuidadores informais, atravs de formao e ensino, formao de profissionais de sade para garantir
o seu desenvolvimento e consequentemente uma melhor prestao de CCI, e controlo dos custos
incorridos com a prestao de servios. Esta complexidade deve-se, entre outros motivos,
necessidade de se assegurar simultaneamente estes mltiplos objetivos, sabendo-se partida que
muitos destes resultam em aes contraditrias, por exemplo, minimizao de custos contra
maximizao da prestao de cuidados.
2.3.3.2 Coordenao da Rede
O planeamento da Rede um fator fundamental para conseguir prestar servios com qualidade,
assegurar os objetivos da Rede e garantir a sua sustentabilidade.
A Coordenao da Rede tem um papel fundamental neste planeamento, sendo realizada ao nvel
nacional e operacionalizada a nvel regional e local. Cada um destes nveis possui o seu conjunto de
competncias especficas, contudo em todos eles transversal a multidisciplinariedade dos
elementos presentes em cada nvel. Assim, para alm de serem compostos por intervenientes das
reas da sade e da segurana social, estes elementos detm diferentes formaes e capacidades, o
que confere multidisciplinariedade coordenao da RNCCI permitindo atingir uma viso global e
multidimensional das necessidades que os utentes apresentam (ACSS, 2013).
A coordenao nacional da RNCCI da responsabilidade da Administrao Central do Sistema de
Sade (ACSS) a responsvel pela coordenao nacional (ACSS, 2013). Ao nvel regional, a
coordenao exercida por Equipas de Coordenao Regional (ECR), existindo uma equipa por
Administrao Regional de Sade (ARS), ou seja existem 5 ECRs para as regies do Alentejo,
Algarve, Centro, LVT e Norte (UMCCI, 2009). A nvel local, so as ECL as responsveis pela
coordenao da Rede, existindo uma por cada Agrupamento de Centro de Sade (UMCCI, 2009). Na
tabela em Anexo B, esto descritas as competncias especficas e a composio das equipas,
relativamente a cada nvel da Coordenao.
13
Verifica-se que o planeamento da RNCCI se realiza a 3 nveis (i.e., nacional, regional e local),
possuindo cada nvel mltiplas e diferentes funes. Dependendo do nvel de planeamento em
questo, diferentes preocupaes e diferentes importncias sero atribudas a diferentes objetivos de
planeamento por exemplo, ser de esperar que a equidade geogrfica seja mais importante para o
planeamento a nvel nacional do que ao nvel local (especialmente se se tratar de uma rea com
poucas disparidades), dado as desigualdades geogrficas serem mais vincadas a nvel nacional. Por
este motivo, um planeamento adequado requer que se conhea os diferentes nveis de planeamento
e as preocupaes dos profissionais envolvidos na coordenao da RNCCI nos diferentes nveis,
preocupaes estas que podem resultar na necessidade de prossecuo de diferentes objetivos.
2.3.4 Desafios Atuais associados ao Planeamento da RNCCI
Apesar dos benefcios da implementao da RNCCI e da evoluo positiva e significativa que tem
verificado em termos da oferta e diversidade de servios, esta enfrenta ainda um conjunto de desafios
que fazem do seu planeamento adequado, uma das polticas de sade prioritrias em Portugal. O
conjunto de fatores que representam os principais desafios da RNCCI so os seguintes:
Aumento da procura, devido maior proporo de idosos e ao aumento da prevalncia e
incidncia de doenas crnica e/ou incapacitantes na populao portuguesa que implica o
aumento de despesas com a prestao de cuidados, com tendncia para crescer nos
prximos anos;
Atual contexto econmico de Portugal com a implementao de polticas de limitao e cortes
de recursos, com influncia no planeamento e desempenho da RNCCI;
Reduo da prestao de cuidados por cuidadores informais.
Escassez de trabalhadores formais em CCI que se reflete no nmero de ECCI, que apesar do
seu crescimento, ainda insuficiente na prestao de cuidados domiciliares (Lopes et al.,
2010). Portugal tem significativas lacunas em termos de disponibilidade de recursos humanos
e segundo o estudo da ERS (2015), em que mais de 90% da populao idosa portuguesa
no tem acesso a Cuidados Continuados de qualidade. Por outro lado os profissionais de
sade da RNCCI no esto alocados somente para a prestao destes cuidados, o que pode
afetar a disponibilidade para prestar os cuidados necessrios (Lopes et al., 2010);
Desigualdade de acesso dos doentes (Escoval et al., 2014), que se deve principalmente a
uma desigual distribuio de geogrfica de unidades de internamento e sua insuficiente
capacidade, principalmente nas regies de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) e do Norte (ERS
2015).
O planeamento da RNCCI essencial para a adequao da oferta de cuidados s necessidades
existentes, especialmente no contexto atual de crise econmica, devendo assegurar a prossecuo
de mltiplos objetivos de planeamento e garantir a sua sustentabilidade, envolvendo as equipas de
coordenao. Uma das principais caractersticas destas equipas a multidisciplinariedade dos
elementos que as compem. Contudo, apesar das mais-valias oferecidas por este perfil, i.e.,
diferentes equipas de coordenao a diferentes nveis, nacional, regional e local, com diferentes
perspetivas de planeamento, pois fundamental considerar que esta variada gama de stakeholders e
14
dos seus pontos de vista pode causar divergncias nos objetivos a considerar no planeamento da
RNCCI (ERS, 2015), pondo em causa a prestao adequada e qualidade dos servios prestados.
por isso fundamental compreender as diferentes perspetivas e objetivos dos mltiplos stakeholders
envolvidos no planeamento da RNCCI, de forma a explorar como originam diferentes decises de
planeamento, e consequente qual o impacto destes diferentes pontos de vista na prestao de
cuidados.
2.4 Objetivos da Dissertao
Como foi explorado ao longo do captulo, os desafios que a RNCCI enfrenta so complexos sendo
pois fundamental que o planeamento realizado seja adequado e rigoroso, no entanto este enfrenta
um conjunto de dificuldades, devido no s complexidade e quantidade de objetivos que a Rede
tem de conciliar e assegurar, mas tambm diversidade de stakeholders responsveis pelo
planeamento, os quais possuem diferentes perspetivas e preocupaes sobre como assegurar um
planeamento adequado da RNCCI.
Neste contexto, e de forma a apoiar o planeamento da oferta de CCI em geral, e da RNCCI, em
Portugal, esta dissertao tem por objetivo desenvolver mtodos para apoiar o planeamento
adequado de CCI quando existem mltiplos stakeholders com mltiplas e distintas perspetivas e
preocupaes envolvidos no planeamento destes cuidados. Nesse sentido, esta dissertao envolve
duas fases principais:
Numa primeira fase, pretende-se identificar quais os stakeholders chave a considerar no
planeamento da oferta de CCI, assim como explorar os seus diferentes pontos de vista e
como estes se refletem em diferentes objetivos de planeamento ou em objetivos de
planeamento com diferentes importncias relativas entre eles. So propostos i) mtodos
alternativos para apoiar a identificao e seleo de stakeholders a envolver na seleo de
objetivos relevantes para apoiar o planeamento de CCI, e ii) um processo participativo
baseado em questionrios online integrados com um processo de Delphi para identificao
dos objetivos de planeamento e respetivas importncias relativas, de acordo com as
perspetivas dos stakeholders identificados em i);
Numa segunda fase, e utilizando a RNCCI em Portugal como caso de estudo, pretende-se
perceber em que medida diferentes pontos de vista de diferentes stakeholders tm de facto
impacto nas decises de planeamento da Rede. Nesse sentido, sero aplicados os modelos
de planeamento desenvolvidos por Cardoso et al. (2016) utilizando os objetivos e suas
importncias relativas identificadas na primeira fase desta dissertao.
Com base no delineamento das fases da dissertao, pretende-se realizar seguidamente a Reviso
Bibliogrfica, de forma a explorar como se pode desenvolver e aplicar as etapas envolvidas na
dissertao, e demonstrar que contributo esta dissertao pode deter face aos trabalhos j
desenvolvidos.
15
3. Reviso Bibliogrfica
Este captulo apresenta a Reviso Bibliogrfica realizada, explorando:
1. Estudos que existem a propor mtodos de apoio ao planeamento de cuidados de sade em
geral, com particular nfase em modelos de programao matemtica;
2. Metodologias com vista a identificar os stakeholders envolvidos no planeamento no setor da
sade, identificando no s quem so mas tambm as suas diferentes perspetivas e
objetivos;
3. Abordagens utilizadas para recolher informao junto de stakeholders e/ou peritos, dando
particular ateno a estudos focados na recolha de informao til para a identificao de
objetivos relevantes para o planeamento na sade e posterior determinao das suas
importncias relativas;
4. Mtodos para o tratamento da informao recolhida junto dos stakeholders, determinando,
sob a forma de pesos numricos, as importncias relativas dos objetivos.
Pretende-se ainda demonstrar os benefcios que estes mtodos providenciam para o planeamento na
sade, mais especificamente para o planeamento de Redes de CCI, salientando as suas aplicaes e
exemplos de estudos onde estes mtodos foram utilizados. Por fim, pode-se evidenciar, com base
nos estudos realizados e revistos, o contributo que esta dissertao pode dar, como forma de apoiar
o planeamento de Redes de CCI.
A Reviso Bibliogrfica foi realizada recorrendo a motores de busca nomeadamente o Elsevier,
Researchgate, ScienceDirect e Springer, utilizando principalmente as seguintes palavras-chave:
Cuidados Continuados Integrados, Planeamento na Sade, Modelos de Programao
Matemtica, Anlise de Stakeholders, Mtodos de Recolha de Informao, Mtodo de Delphi,
Mtodos de Determinao de Importncia Relativa e Metodologia MACBETH.
3.1 Mtodos de Apoio ao Planeamento na Sade
3.1.1 Importncia do Planeamento no setor da Sade
Como se pde constatar no captulo do Contexto, o planeamento no setor da sade
significativamente complexo, nas Redes de cuidados de sade em geral, e de CCI em particular,
devendo ter em conta um elevado e diverso conjunto de objetivos de poltica de sade que so
necessrios atingir e conjugar, sendo que este planeamento realizado por um elevado e diverso
conjunto de stakeholders.
Importa a um primeiro nvel, explorar porque que o planeamento na generalidade do setor da sade
to complexo. Esta complexidade advm da influncia de um considervel nmero de fatores que
dificultam o planeamento, nomeadamente:
A natureza da prestao de servios de sade que visa melhorar a vida e sade da
populao, o que traz mais presso e responsabilidade ao planeamento (Griffin, 2012);
16
O servio de sade tem de conseguir responder s necessidades imediatas da populao e
simultaneamente desenvolver infraestruturas a longo prazo (novos servios ou at novos
hospitais). O planeamento da sade exige, assim, a tomada de decises no s ao nvel
operacional, mas tambm a um nvel ttico e estratgico (Ozcan, 2005). O planeamento a
estes nveis difcil de balancear devido limitada disponibilidade de recursos que
atualmente se verifica em muitos pases europeus (Thunhurst, 2003);
A organizao e multiplicidade de servios de sade, com caractersticas e funes prprias
(por exemplo, cuidados prestados em regime de internamento e no domiclio) (Marchal et al.,
2014), tm de dar resposta variedade de necessidades da populao (Ozcan, 2005);
A limitao sucessiva na disponibilidade de recursos para o servio de sade exige que o
planeamento e consequente utilizao dos recursos, com os menores custos e a melhor
prestao de servios possvel (Brailsford e Vissers, 2011). Para alm disso, fundamental
assegurar a capacidade de resposta face incerteza no setor da sade, onde a procura de
servios difcil de prever (Ozcan, 2005);
Atualmente, a populao no est s interessada em receber cuidados de sade, mas
tambm cuidados com qualidade e poucos dispendiosos (Grossmann et al., 2011);
O aumento progressivo dos custos associados prestao de servios de sade, devido ao
desenvolvimento de novas tcnicas e tecnologias (Brailsford e Vissers, 2011; Grossmann et
al., 2011);
O elevado nmero de stakeholders envolvidos no planeamento, os quais podem ter
interesses e objetivos muito diferentes (Grossmann et al., 2011; Hans et al., 2012; Marchal et
al., 2014). Por vezes estes diferentes objetivos entram em conflito entre si (por exemplo,
minimizar custos implica uma pior prestao de cuidados com implicaes a nvel do
planeamento). Um planeamento adequado deve por isso conjugar e conciliar os interesses e
perspetivas dos diversos stakeholders (Brailsford e Vissers, 2011).
Tal como acima referido, o planeamento realizado em trs nveis - estratgico, ttico e operacional.
Estes refletem diferentes conjuntos de decises e horizontes de tempo em que ocorrem, da a sua
consequente hierarquizao (Hulshof et al. 2012):
Estratgico: Traduz a estratgia no design, dimensionamento e desenvolvimento do processo
de prestao de cuidados, por exemplo para desenvolver novos protocolos. Baseia-se em
previses e informaes agregadas, isto , informao sobre populao, servios, entre
outros elementos, ao longo do tempo (Ryan e Thompson, 2002). Este planeamento
efetuado tendo em vista um horizonte temporal mais alargado, entre 1 a 5 anos (Barbosa-
Pvoa, 2014);
Ttico: Envolve a organizao das operaes/execuo da prestao de cuidados, por
exemplo para a alocao de recursos e seleo de fornecedores. Trata-se de um
planeamento com um horizonte temporal entre o estratgico e operacional, normalmente at
1 ano (Barbosa-Pvoa, 2014);
17
Operacional: Responsvel pelo planeamento mais detalhado, nomeadamente, no que se
refere execuo da prestao de cuidados, que pode ser realizado a priori ou ser reativo,
por exemplo relativamente a escalonamento de recursos humanos e gesto do inventrio.
Trata-se de um planeamento com um horizonte temporal curto, planeando em tempo real, em
termos de dias ou semanas (Barbosa-Pvoa, 2014).
Assim, reconhecida a importncia e necessidade de desenvolver mtodos que suportem o
planeamento a diversos nveis e foi neste contexto que se comearam a aplicar os mtodos de
Investigao Operacional no setor da sade.
3.1.2 Modelos de programao matemtica para apoio ao planeamento no setor da sade
A Investigao Operacional um campo cientfico que providencia um conjunto de diferentes
ferramentas para apoiar o processo de tomada de deciso, o que acentua a sua importncia e
aplicabilidade no contexto do planeamento da sade (Moreira, 2003). Os mtodos que podem ser
utilizados so diversos e envolvem principalmente as reas de modelao matemtica, estatsticas e
algoritmos (Sottinen, 2009). Perante esta diversidade de ferramentas, a Investigao Operacional tem
inmeras aplicaes, como por exemplo no setor da sade onde utilizada principalmente, no
planeamento de servios, gesto de recursos, logstica e at para a teraputica e diagnstico mdico
(Rais e Viana, 2011). Mais especificamente, a Investigao Operacional tem abordado principalmente
os seguintes objetivos (Ozcan, 2005; Rais e Viana, 2011):
Previso da procura de cuidados de sade;
Planeamento de infraestruturas e servios, relativamente sua localizao e capacidade de
forma a satisfazer as necessidades da populao e ter em conta outros fatores, como por
exemplo custos;
Alocao e escalonamento de recursos humanos e materiais para responder incerteza da
procura.
Um dos principais mtodos utilizados da Investigao Operacional no apoio ao planeamento no setor
da sade so os modelos de programao matemtica (Brailsford e Vissers, 2011). Estes envolvem a
formulao de um conjunto de relaes matemticas, com um conjunto de parmetros, variveis,
equaes, desigualdades e dependncias, que permitem representar relaes existentes no contexto
do mundo real (Williams, 2013). O modelo formulado definido por uma funo-objetivo, que
incorpora um conjunto de variveis de deciso, sendo que estas refletem os nveis ou quantidades
das operaes consideradas para o problema em questo (Lyles, 2005; Ozcan, 2005). atravs da
resoluo e otimizao desta funo que se determina a soluo tima do modelo, consoante se
queira maximizar ou minimizar o objetivo que se pretende. No setor da sade, os objetivos mais
comuns (refletidos na funo-objetivo) so baseados em custos, ganhos em sade, eficincia,
equidade, entre outros (Cardoso et al., 2015; Hooker e Williams, 2012; Ozcan, 2005). O clculo das
variveis de deciso na funo-objetivo, que expressa a soluo obtida (Ozcan, 2005), tem de
respeitar as restries definidas no modelo, sob a forma de equaes ou desigualdades, que
traduzem as relaes, requisitos ou limitaes do problema (Lyles, 2005; Williams, 2013).
18
Vrios modelos tm sido propostos tendo em vista apoiar o planeamento no setor da sade, que tm
vindo a considerar vrios aspetos relevantes:
i) Planeamento de mltiplos servios (Flessa, 2013; Mestre et al., 2012);
ii) Planeamento ao longo de um horizonte temporal alargado (Benneyan et al., 2012; Torres-
Ramos et al., 2012);
iii) Impacto da incerteza nas decises de planeamento (Costa et al., 2003);
iv) Mltiplos objetivos de planeamento (Flessa, 2013; Zhang et al., 2016).
No entanto, apesar de ser reconhecida a necessidade de planear Redes de cuidados de sade
quando se consideram mltiplos objetivos de planeamento, s recentemente esta temtica tem vindo
a ser alvo de interesse pela comunidade cientfica. Neste sentido, esta tese pretende analisar o
planeamento de Redes de cuidados de sade (nomeadamente, Redes de CCI) quando se
consideram mltiplos objetivos de poltica de sade.
3.1.3 Modelao de mltiplos objetivos para apoio ao planeamento no setor da sade
O aparecimento de modelos multiobjectivos deve-se ento necessidade de definir mais do que um
objetivo a otimizar (Evans, 1984). Para conseguir modelar os mltiplos objetivos, podem-se seguir
diferentes estratgias: i) pode-se construir fronteiras de Pareto compostas por mltiplas solues
possveis (Zhang et al., 2016); ou ii) pode-se converter os mltiplos objetivos numa funo mono-
objetivo (Cardoso et al., 2016).
Uma das estratgias mais utilizadas consiste na agregao de todos os objetivos a considerar numa
s funo objetivo, utilizando para isso a atribuio de pesos a cada objetivo (Marler e Arora, 2010). A
atribuio de pesos permite a integrao no modelo das preferncias associadas aos diferentes
objetivos (Marler e Arora, 2010), o que possibilita estudar o impacto dos mesmos e das suas
importncias relativas no modelo.
No entanto, a definio destes pesos complexa devido escassez de informao til e completa,
para a sua construo, que reflitam as necessidades e preocupaes dos decisores da rea em
estudo. Por isso necessrio recorrer a peritos que possam providenciar a informao necessria
(Goulet et al., 2009). Isto permite a construo de modelos que reflitam as reais necessidades dos
decisores da rea, para alm de que estes especialistas podem posteriormente facilitar a validao
do modelo, o que confere maior transparncia e confiana para a sua aplicao (Eddy et al., 2012).
Apesar disto, no existem muitos estudos na sade onde se verifique a colaborao de peritos a este
nvel, nomeadamente para a identificao de quais os objetivos de poltica de sade relevantes assim
como para a definio dos seus pesos. Dos poucos estudos identificados destacam-se os seguintes:
Lee e Kwak (1999) desenvolveram um modelo para o planeamento eficaz de um sistema de sade,
em que tiveram de ser identificados e priorizados os mltiplos objetivos, atravs de julgamentos
fornecidos por um conjunto de decisores; Rossetti e Selandari (2001) construram um modelo
multiobjetivo para avaliar se os servios de entrega, transporte e distribuio de um sistema
hospitalar poderiam ser realizados por robots ao invs do usual sistema humano. Devido ao elevado
19
nmero de critrios e objetivos existentes, foi necessrio a sua priorizao atravs de julgamentos
providenciados pelo Diretor dos servios de transporte e distribuio.
3.1.4 Modelos de Programao Matemtica para apoio ao planeamento de CCI
Em termos da aplicao deste tipo de modelos, a Tabela 1 evidencia um conjunto de estudos
aplicados no setor dos CCI.
Tabela 1 - Estudos a propor o desenvolvimento e aplicao de modelos de programao matemtica para apoio
ao planeamento de Cuidados Continuados, organizados por ordem alfabtica
Estudo Aplicao Objetivos de planeamento
Borsani et al., 2006
Planeamento da alocao de recursos humanos prestadores de
cuidados domiciliares
Um objetivo Maximizar a satisfao das necessidades dos pacientes.
Cardoso et al., 2016
Localizao e planeamento da capacidade de Redes de CCI
Multiobjetivo Maximizar equidade de acesso, geogrfica e socioeconmica
Cinnamon et al., 2009
Localizao de servios paliativos em regies rurais e remotas
Um objetivo - Maximizar o nmero de residentes assistidos
Djenic et al., 2016
Localizao de infraestruturas de CCI
Um objetivo - Minimizar o mximo nmero de pacientes numa s infraestrutura
Kim et al., 2012
Localizao de dois tipos de servios: hospital pblico que
providencia servios hospitalares e domiciliares e centro de sade que
presta s cuidados ao domiclio
Um objetivo - Minimizar custo total de construo
Song et al., 2013
Localizao e alocao de infraestruturas de CCI
Multiobjetivo, com a construo de dois modelos: um que minimiza a distncia percorrida associado
a um limite de financiamento, e o outro que minimiza o custo associado a um limite de
distncia percorrida
Song et al., 2015
Localizao de uma nova infraestrutura e determinao do
tipo de servio a prestar
Um objetivo Minimizar o custo total de construo
Torres-Ramos et al., 2014
Escalonamento e determinao de rotas para as equipas domicilirias
Um objetivo Minimizar tempo total de operao
Zhang et al., 2012
Planeamento da capacidade de infraestruturas de CCI
Um objetivo Otimizar os nveis de servio relativamente a tempos de espera
Como se pode constatar, estes modelos tm-se revelado teis para o apoio ao planeamento de
cuidados em sade em geral, e mais especificamente relativamente aos CCI. No entanto, para estes
modelos fornecerem informao verdadeiramente til para apoio ao planeamento de cuidados,
necessrio recolher informao detalhada relacionada com as preferncias dos mltiplos
stakeholders envolvidos, tendo em vista identificar que objetivos so relevantes, assim como a sua
importncia relativa. Desta forma, fundamental verificar como identificar os stakeholders que se
devem envolver neste tipo de estudo, para posteriormente integrar as informaes obtidas num
modelo de apoio ao planeamento de CCI.
3.2 Anlise de Stakeholders
No contexto da sade, nomeadamente dos CCI, existe uma grande diversidade e elevada quantidade
de stakeholders envolvidos, no s na prestao de cuidados mas tambm no seu planeamento,
como se constatou no subcaptulo da Coordenao da Rede.
20
Antes de explorar que ferramentas existem para identificar os diferentes stakeholders, importa desde
logo compreender o que um stakeholder. Segundo Wang et al. (2015) existem duas formas de o
definir, de acordo com uma viso alargada ou estreita. Segundo a perspetiva alargada, os
stakeholders so os indivduos que estabelecem uma relao recproca com uma determinada
organizao em estudo, isto , estes indivduos afetam e so afetados pelo cumprimento dos
objetivos da organizao. De acordo com a perspetiva considerada estreita, os stakeholders so um
grupo de indivduos sem os quais uma organizao no conseguiria existir. Na dissertao, a
identificao de um stakeholder ser baseada na primeira definio, ou seja, os indivduos/entidades
que influenciam e so influenciados pelo planeamento de CCI.
Deve-se desde j salientar a diferena entre um stakeholder e um perito. Um perito trata-se de um
indivduo com conhecimento significativo de uma determinada rea, derivado da sua formao e/ou
experincia, sendo que este pode ser ou no um stakeholder (Reynaud et al., 2015). Por exemplo,
um indivduo que se formou em CCI pode ser considerado um perito, mas pode no ser um
stakeholder, pois no influencia ou no influenciado pela prestao de CCI. Tal como um
stakeholder pode no ser um perito, dado que no tem um conhecimento significativo da rea (por
exemplo, um utente que recebe CCI um stakeholder mas no considerado um perito pela razo
apresentada).
Na seco 3.2, sero revistos como se pode realizar uma anlise de stakeholders, nomeadamente os
mtodos existentes e os seus propsitos.
3.2.1 Importncia da Anlise de Stakeholders
No contexto da sade em geral, e dos CCI em particular, existe um elevado nmero de intervenientes
e entidades, sendo por isso fundamental compreender e identificar os indivduos influenciados e que
influenciam esta prestao de cuidados. Por outro lado, indispensvel relembrar que cada
stakeholder tem o seu prprio conjunto de perspetivas e interesses individuais, pelo que atravs da
sua anlise, possvel apresentar, analisar e gerir os diferentes pontos de vistas existentes na
organizao (Wang et al., 2015). Alm disso, os stakeholders interagem entre si, pelo que crtico
compreender e demonstrar as interaes entre os envolvidos na organizao, com vista a identificar
possveis conflitos que possam prejudicar a operao da organizao, e por outro lado identificar
relaes que possam ajudar ao sucesso da organizao (Jhala e Christian, 2012). Assim, a anlise
dos stakeholders permite compreender e guiar a anlise de problemas, solues e mesmo a
implementao de solues (Grimble e Wellard, 1996), sendo especialmente importante a realizar
antes de implementar projetos, por permitir maior probabilidade de sucesso (Schmeer, 1999).
De acordo com Brugha e Varvasovszky (2000), a anlise de stakeholders encontra-se
tendencialmente a ser cada vez mais utilizada no contexto da sade, principalmente, com os
seguintes propsitos (Brugha e Varvasovszky, 2000):
Identificar potenciais aliados e alianas e simultaneamente detetar e mitigar potenciais
ameaas, o que tem como principal benefcio a possibilidade de sucesso da implementao
de um projeto ou programa;
21
Identificar grupos especficos de stakeholders;
Analisar periodicamente o ambiente interno e externo da organizao;
Informar o planeamento estratgico, atravs da identificao de interesses e influncia;
Prever alteraes nos stakeholders e decidir estratgias para gerir estas alteraes.
Sendo uma anlise relevante no setor da sade, importante explorar como se pode desenvolver e
segundo Crosby (1992), a anlise de stakeholders engloba um conjunto de diferentes metodologias.
Assim sendo, seguidamente so explorados diferentes mtodos que tm sido aplicadas neste setor,
analisando o seu propsito, em que consistem, e as suas vantagens e desvantagens, de forma a
posteriormente selecionar os mtodos a aplicar nesta dissertao.
3.2.2 Mtodos para identificao de stakeholders
Nesta seco so apresentados vrios mtodos de anlise de stakeholders aplicados no setor da
sade, focados na sua identificao, onde se explora o seu funcionamento, e quais as vantagens e
limitaes associadas sua aplicao. Estes mtodos so: Power-interest grid, Salience Diagram,
Radical Transactiveness, Matriz RACI, Participation Planning Matrix e CATWOE.
3.2.2.1 Power-interest grid
O Power-interest grid um mtodo simples que consiste na representao grfica dos stakehol