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ECOFORMAÇÃO E SUSTENTABILIDADE PLANETÁRIA: DESAFIOS PARA A
EDUCAÇÃO DO SÉCULO XXI1
Danilo José Garbelini2
José Aparecido Celorio3
Resumo
Este trabalho busca enfatizar as contribuições dos valores ambientais e éticos daEcoformação para a educação do século XXI. Ao evidenciar o atual desequilíbrio
planetário, em grande parte devido às atividades e práticas humanas, buscou-semostrar a necessidade de uma reorientação das ações humanas em relação ànatureza. Para isso, construiu-se uma trajetória histórica que mostrou a manipulaçãopredatória da natureza a partir da Modernidade tendo como suporte teórico-filosóficoas ideias de pensadores como Francis Bacon e René Descartes. Na sequência,buscamos analisar o renascimento da natureza orgânica a partir do momento emque as próprias ações humanas são descobertas como causa da possível destruiçãoplanetária. Por fim, em busca da sustentabilidade planetária, os valoresecoformadores se fazem necessários no âmbito socioeducacional para sugerirpráticas de preservação ambiental e valores éticos entre os educadores e alunos.
Palavras- chaves: Ecoformação. Natureza. Sustentabilidade. Educação.
INTRODUÇÃO
Atualmente a degradação dos ambientes naturais tem chegado a níveis
alarmantes, fazendo com que haja uma crise ambiental grave na sociedade mundial,
fruto, sobretudo, das práticas econômicas e do modelo produtivo das nações
capitalistas industrializadas que, de acordo com Gore (2008), podem provocar a
autodestruição da humanidade.
1 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Pedagogia, da Universidade Estadual de
Maringá – Campus Regional de Cianorte, como requisito para obtenção do título de Licenciado emPedagogia.2 Acadêmico do 4º ano de Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá – Campus Regional deCianorte.3 Professor do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de Maringá – Campus Regional de Cianorte.
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Assim, ao se considerar o que apontou Grün (2009), que a educação deve
orientar o agir da humanidade em sua relação com o meio ambiente e sua
convivência social, nada mais justo que salientar a implementação das discussões
ecoformadoras na educação.
Diante dessa discussão, que sugere a implementação dos valores
ecoformadores no âmbito educacional, surgem diversos questionamentos. Entre
eles, quais seriam os motivos que justificam essa sugestão? A humanidade sempre
sentiu a necessidade de se preocupar com a natureza? Como a natureza foi e é
vista? Quais seriam as efetivas contribuições da Ecoformação para a formação ética
e ambiental?
Em virtude da problematização, esse artigo se justifica pela necessidade dereorientação dos valores e práticas da humanidade em relação à natureza e à sua
própria existência. Para isso, é fundamental ir além do discurso da Educação
Ambiental, é preciso compreender mais profundamente as nossas relações com a
natureza a fim de superar a visão egocêntrica de que “[...] o que é de todos não é de
ninguém” (NAVARRA, 2008, p. 235).
Portanto, esse artigo tem como objetivo analisar as contribuições das
discussões sobre a Ecoformação e a sustentabilidade para o trabalho educacionalno século XXI, estabelecendo uma análise teórica a partir de autores que tratam do
objeto circunscrito. Para que isso seja possível, é necessário buscar subsídios
históricos e filosóficos que justifiquem essa nova forma de pensar, bem como,
mostrar as necessidades de se tratar sobre a Ecoformação de maneira continuada e
concreta no contexto escolar. Em virtude dessa prática, será possível refletir sobre
as relações da humanidade com a natureza. Portanto, diante da problemática
descrita e do objetivo traçado, o artigo ser á organizado em três itens: “A visãomecanicista da natureza”, “O renascimento da visão orgânica da natureza” e “A
aplicabilidade educacional do pensamento ecoformador”.
No primeiro item, serão discutidos elementos teóricos e filósofos que deram
conta de legitimar a unidade da razão à custa da objetificação da natureza. Nesse
sentido, será possível compreender os elementos histórico-filosóficos que elevaram
o ser humano a um patamar superior à natureza.
No segundo item, serão abordados os elementos teóricos e históricos,
principalmente descritos por Rupert Sheldrake (1991), que relatam os motivos pelos
quais a humanidade retoma os princípios da organicidade da natureza e os
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cuidados, conforme descreve Boff (2008), com o meio natural e com a própria
humanidade.
Por fim, o terceiro item, tratará da pertinência e da importância em se inserir
os conceitos ecoformadores na educação do século XXI, com o objetivo de atingir a
formação tanto de docentes quanto dos discentes. Espera-se que essa prática, por
sua vez, seja substancial para a busca da ampliação positiva das relações entre os
homens e a natureza e entre os homens com os outros homens.
A VISÃO MECANICISTA DA NATUREZA
Uma das principais causas da degradação ambiental, afirma Grün (2009), se
substancia na ética antropocêntrica. De acordo com essa ética, o Homem é o centro
do mundo e tudo o que existe se dá em sua função. A visão mecanicista da
natureza, portanto, esteve antecedeu e deu base para o surgimento da ética
antropocêntrica. Essa ética é caracterizada pelo abandono dos ideais da concepção
orgânica da natureza em favor da concepção mecanicista. A ideia de natureza comoalgo vivo e animado, composto de cores, sons, tamanhos e cheiros, foi substituída
por uma visão de natureza inanimada e mecânica.
Embora a sistematização científica da mecanização da natureza tenha
tomado forma e se efetivado nos século XVI e XVII, a gênese desse pensamento
ocorreu entre os judeus muitos séculos antes, conforme as sagradas escrituras no
livro do Gênesis. No livro do Gênesis, capítulo 1, versículo 28 (BÍBLIA, GÊNESIS, 3,
1-28), Deus, após criar o homem e a mulher, disse-lhes “Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos
céus, e sobre todo o animal que rasteja sobre a terra”. Esse versículo das sagradas
escrituras evidencia que, no plano teológico, Deus conferiu a Adão e, em
conseqüência disso, aos seres humanos, a dominação sobre a natureza.
Na Antiguidade os gregos também possuíam, tais quais os judeus, uma visão
“antropocêntrica”. Sheldrake (1991) afirma que, na Política de Aristóteles, embora
esse tivesse a visão animada da natureza, já se demonstrava a separação entre
alma e corpo que, posteriormente, serviu de base para a constituição da res cogitans
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(a coisa que pensa) e da res extensa (a coisa material) utilizada por Descartes no
século XVII.
Dizia Aristóteles (2004, p. 18):
Primeiramente, todo ser vivo constitui-se de alma e corpo, que anatureza destinou um a mandar, outro a obedecer [...] Idênticarelação é a que existe entre o homem e os outros animais. Anatureza foi mais benigna para o animal que está sob o domínio dohomem do que com relação à besta selvagem; e para todos osanimais resulta de utilidade estar sob o comando do homem.
As mudanças na visão de mundo que resultaram na mecanização da
natureza e na constituição da ética antropocêntrica, o que de fato redefiniu o lugar
ocupado pelos seres humanos na Terra, se consolidou com a atuação de
pensadores como Francis Bacon (1561-1626) e René Descartes (1596-1650). Em
suas filosofias, esses pensadores intensificaram essas mudanças vindas da
Antiguidade Clássica, relacionando os elementos teóricos, sobretudo de Aristóteles,
às suas propostas de ciência. Em virtude dessa apropriação teórica, expressa na
modernidade por Bacon e Descartes, é necessário reconstruir os elementos
históricos que contextualizaram suas filosofias, tendo em vista, principalmente, os
valores socioculturais e científicos que se manifestaram nessa época.
De acordo com Grün (2009), a lenta transição entre a Medievalidade e a
Modernidade foi marcada pelo Humanismo4. Durante a Idade Média, a posição do
homem era a de servo, obediente a Deus, como não poderia ser diferente, já que se
tratava de uma sociedade teocêntrica, na qual as relações entre o homem e a
natureza eram muito estreitas. No entanto, esse papel começou a tomar uma nova
forma com o próprio Humanismo, fruto do pensamento renascentista que revalorizou
os elementos da cultura e do pensamento clássico e proporcionou profundas
transformações nos cenários político, artístico, religioso e filosófico.
Na esfera política surgem os Estados Nacionais e neles a consolidação de
uma nova classe social, a burguesia. Na arte, os autores assinam suas obras,
assumindo a responsabilidade da criação. Na literatura desenvolveram-se os
gêneros biográficos e autobiográficos, bem como, o retrato e o auto-retrato na
4 O Humanismo é apontado como um dos principais valores expressados no Renascimento. Baseia-
se, sobretudo, nos conceitos de Neoplatonismo, Antropocentrismo, Hedonismo, Racionalismo,Otimismo e Individualismo. O Humanismo faz uso da razão e do empirismo para chegar às suasconclusões, além de analisar os textos gregos originais. Além disso, o Humanismo afirma a dignidadedo homem e o torna o investigador da natureza (REALE; ANTISERI, 1990).
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pintura. Na religião, a hierarquia do clero é criticada e sua autoridade é questionada
pela Reforma Protestante.
No curso dessas transformações, o homem buscou imprimir a sua marca no
mundo e relegou sua posição submissa expressa pela teologia na Idade Média. Para
isso, foi necessário adquirir capacidades especiais que o possibilitaram perceber e
modificar a natureza e, consequentemente, tornar-se o centro do universo (CIVITA,
1989).
Figura 1: O Homem Vitruviano5: desenho de Leonardo da Vinci (1452-1519) que representa oantropocentrismo.
Para Sheldrake (1991, p. 50), “[...] o maior profeta da conquista da natureza
foi Francis Bacon”. Seu objetivo foi o de buscar subsídios para justificar o poder da
dominação humana. Para que isso fosse possível, a primeira ação foi a de buscar
amparo para driblar as críticas daquelas pessoas que consideravam a dominação da
natureza como satanismo ou uma pretensão maléfica de poder ilimitado. Bacon,
lançando mão de seu poder de argumentação, e amparado na tradição judaico-
cristã, buscou nas sagradas escrituras uma plausível justificativa para a dominação.
Vejamos:
5 A composição O Homem Vitruviano, ilustrada por Leonardo da Vinci, baseia-se no tratado escritopor Vitruvius, no século I a.C. sobre as dimensões corretas do corpo humano.
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Havendo, pois, o Senhor Deus formado da terra todo o animal docampo, e toda a ave dos céus, os trouxe a Adão, para este ver comolhes chamaria; e tudo o que Adão chamou a toda a alma vivente, issofoi o seu nome.E Adão pôs os nomes a todo o gado, e às aves dos céus, e a todo oanimal do campo; mas para o homem não se achava ajudadoraidônea (BÍBLIA, GÊNESIS, 4, 2-19 e 20).
Com a ajuda da passagem em que Adão dava nome aos animais, Bacon
conseguiu fundamentar a sua dominação da natureza, pois, com esse argumento,
justificou, tão somente, a recuperação do direito, dado por Deus, da humanidade
dominar a natureza. No entanto, é necessário dizer que essa dominação da
natureza atendeu também aos interesses da burguesia e do nascente sistemacapitalista. O ideal de Bacon em converter a natureza orgânica em mecânica
delineou a separação entre o homem e a natureza, fazendo desse homem, com a
ajuda da ciência, o senhor de todas as coisas.
Mas se alguém se dispõe a instaurar e estender o poder e o domíniodo gênero humano sobre o universo, a sua ambição (se assim podeser chamada) seria, sem dúvida, a mais sábia e a mais nobre detodas. Pois bem, o império do homem sobre as coisas se apóiaunicamente nas artes e nas ciências (BACON,1973, p. 82).
Embora o projeto de Bacon não tivesse plenamente se efetivado, já que a
sociedade humana não se tornou de toda livre por meio da ciência, conforme aponta
Grün (2009), o seu legado antropocêntrico teve êxito, pois sua concepção de
ciência, durante a Modernidade, pôs o homem numa posição central no universo.
Profundos progressos foram notados na agricultura e, sobretudo, na indústria,
reforçando a ideia de que a ciência levaria ao poder. Essas revelações discutidas
pela filosofia de Bacon, resumidas às leis matemáticas da ciência dadas por Deus,
reduziram, paulatinamente, a mãe natureza à matéria inanimada regida por essas
leis.
Em meio ao complexo tecido social, surgem incertezas, já que o homem,
devido ao progresso científico, se sentiu poderoso. No entanto, esse mesmo homem
carecia de bases epistemológicas seguras para substanciar o seu caráter supremo.
Diante dessas inúmeras questões, René Descartes procurou, então, respondê-las.
Para ele, as respostas a esses questionamentos estariam na própria razão humana,
já que o universo seria um vasto sistema de matéria em movimento que funcionava
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de maneira mecânica. Esse universo, portanto, poderia ser explicado a partir de
relações matemáticas, inclusive o homem, as plantas e os animais (SHELDRAKE,
1991).
Diante do pensamento moderno racional, no princípio do século XVII, René
Descartes se lança naquilo que Grün (2009) chamou de busca da unidade mundial,
já que esse mundo se encontrava filosoficamente em pedaços devido à nova
maneira de pensar. Assim, Descartes buscou romper com a tradição, já que essa
seria fonte de enganos, e se concentrou na busca pela verdade das coisas. Dizia
ele:
Há já algum tempo eu me apercebi de que, desde meus primeiroanos, recebera muitas falsas opiniões como verdadeiras, e de queaquilo que depois eu fundei em princípios tão mal assegurados nãopodia ser senão mui duvidoso e incerto; de modo que me eranecessário tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-mede todas as opiniões a que então dera crédito e começar tudonovamente desde os fundamentos, se quisesse estabelecer algofirme e de constante nas ciências (DESCARTES, 1983, p. 85).
Em sua jornada teórica, Descartes se deparou com um problema de caráter
metodológico, a distinção entre o sujeito e objeto. Segundo sua visão, essa distinçãolegitimaria o processo metodológico das ciências naturais. Descartes, então,
pressupôs a divisibilidade do objeto. Assim, se a razão é autônoma e indivisível, a
natureza, por outro lado, seria esse objeto. Dessa maneira, se a razão é própria do
homem, este estaria fora da natureza. Com essa lógica, chega-se à unidade da
razão e à objetivação da natureza, em outras palavras, o homem é o res cogitans
(coisa pensante), enquanto a natureza seria o seu objeto. Conforme Spinelli (2009,
p. 43), “[...] o cogito promove a descoberta da capacidade humana de se
autodecifrar enquanto eu humano, unívoco”.
Nesse sentido, o Antropocentrismo é o resultado de um conjunto de valores
inter-relacionados que levou, filosoficamente, à crise ambiental. No entanto, embora
tenhamos em Bacon e Descartes suas bases filosóficas mais evidentes, não
queremos dizer que a mecanização da natureza tenha nesses únicos autores sua
consubstanciação. Porém, conforme diz Grün (2009, p. 36), “[...] o coração filosófico
da crise ambiental tem sido identificado em Descartes”.
Em virtude da breve discussão, podemos notar, até agora, como a natureza
passou de um organismo com funcionamento próprio para um objeto inanimado e
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dominado pela razão humana, ou seja, mecânico, explicado pura e simplesmente
pelas leis e modelos matemáticos, conforme os versos de John Theophilus
Desaguliers6:
A natureza oprimida se submete ao seu espírito penetrante. E lhemostra com prazer todos os seus meandros secretos. Contra amatemática ela não se pode defender. E cede à deduçãoexperimental (PRIGOGINE; STANGERS7 apud GRÜN, 2009, p. 41).
Ainda que a dominação da natureza pelo homem tenha se desenvolvido por
séculos e, ainda hoje, permaneça incutida nas práticas sociais humanas, fenômenos
naturais tem despertado a atenção de parte da comunidade científica para aautodestruição da humanidade. Esse risco latente da autodestruição fez com que se
retomasse o valor orgânico da natureza, conforme o que será abordado na
sequência.
O RENASCIMENTO DA VISÃO ORGÂNICA NA NATUREZA
O modelo de produção industrial, sobretudo o da sociedade capitalista
ocidental, tem provocado a intensificação da apropriação da natureza pelo homem,
causando drásticas transformações na paisagem e acelerando a destruição dos
ambientes naturais do planeta.
Tais práticas humanas, afirma Muceniecks (2009), são frutos do constructo
social, no qual o valor que se dá ao meio ambiente é reflexo das relações existentesentre os homens em sociedade que, durante os últimos séculos, foram
caracterizadas pela dominação do homem sobre os outros homens e sobre a
natureza. Em virtude disso, ambientalistas e parte da comunidade científica
internacional alertaram, a partir da segunda metade do século XX, para os graves
problemas ambientais que já estariam em curso ou em estado de latência e que
6 John Theophilus Desaguliers (1683-1744), foi “Curador” ou “Experimentador Oficial” da Royal
Society de Londres e se tornou um pioneiro na divulgação do Newtonianismo e um dos maiores emais respeitados Professores Independentes de Filosofia Mecânica e Experimental da Inglaterra, naprimeira metade do século XVIII (SOARES, 2009, p. 82). 7 PRIGOGINE, Y.; STANGERS, I. A nova aliança. Brasília: UnB, 1991.
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poderiam, por sua vez, trazer à tona grandes catástrofes e a própria destruição da
raça humana. Boff (2008) fala que essa relação predatória evidencia o princípio da
autodestruição do sensível sistema físico-químico e ecológico que mantêm a
biosfera e põe em risco a existência dos seres vivos, entre eles, o homem.
O fato que, segundo Grün (2009), inaugurou a preocupação de colapso da
humanidade a partir de suas práticas com a natureza ocorreu em julho de 1945, no
Deserto de Los Alamos, nos Estados Unidos. Nesse dia, a equipe chefiada pelo
físico Oppenheimer fez experimentos com a bomba atômica que, meses depois foi
usada nos ataques às cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Essa calamitosa
experiência conferiu ao homem o poder de sua própria destruição, porém, plantou a
semente do ambientalismo moderno.Outro fato que chamou a atenção da comunidade internacional ocorreu em
1962, quando a bióloga estadunidense Rachel Carson (1907-1964) publicou Silent
Spring (Primavera Silenciosa). Ela descreveu, enfaticamente, as consequências
ambientais do uso indiscriminado de agrotóxicos e produtos químicos nas lavouras
agrícolas, entre eles o DDT8. Entre as consequências do uso indiscriminado desses
produtos, Rachel Carson apontou a extinção de algumas espécies de aves, entre
elas, o falcão peregrino, e o surgimento de doenças degenerativas como o câncer.Esses, entre outros acontecimentos, levaram à primeira mobilização
internacional para tentar organizar as relações do homem com a natureza, no ano
de 1972, na Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, em
Estocolmo, na Suécia. Nessa conferência, participaram 113 países e pouco mais de
400 organizações governamentais e não governamentais. Essa conferência deu
base para novas discussões e implementações de políticas ambientais que, por sua
vez, teriam como base criar elementos para reorientar as ações práticas eeducacionais do homem com a natureza.
Conforme observamos, a segunda metade do século XX foi marcada por uma
crise ambiental que levou a sociedade contemporânea a um processo de
“ecologização”. Essa ecologização surgiu num momento em que o meio ambiente
8 Sigla de Dicloro-Difenil-Tricloroetano. Este pesticida foi largamente usado após a Segunda Guerra
Mundial para o combate dos mosquitos causadores da malária e do tifo. Apesar de sintetizado em1874, suas propriedades inseticidas foram descobertas somente em 1939, por Paul Muller, químicosuíço, que recebeu o prêmio Nobel de medicina, em 1948, por essa investigação (MUCENIECKS,2009, p. 56).
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deixou de ser um assunto dos amantes da natureza e tornou-se assunto da
sociedade civil (GRÜN, 2009).
A ecologização, descrita por Grün (2009), retomou os ideais de uma natureza
dotada de vida, orgânica, situada num complexo que James Lovelock chamou de
Hipótese de Gaia9. Para Lovelock (1991) o planeta Terra é um organismo vivo, onde
existem fluxos de energia fundamentais que garantem a manutenção das espécies,
inclusive a humana. Lovelock (2006a), além de justificar o caráter orgânico da
natureza, explica que os fenômenos e catástrofes naturais que frequentemente
assolam a Terra são frutos da própria reação do planeta. Assim, ele aponta que
essas catástrofes naturais são, de fato, repostas da Terra que refletem as ações
negativas ocasionadas pelo homem.Em virtude dessas ações humanas que, de certo modo, promovem o
desequilíbrio de Gaia, podem existir resultados sem precedentes. Em entrevista à
Revista Veja em outubro de 2006, Lovelock discute as ações humanas que
intensificaram o aquecimento global e aponta suas consequências. Vejamos:
Um organismo que afeta o ambiente de maneira negativa acabarápor ser eliminado. O aquecimento global foi provocado pelo homem
e, por isso, corremos o risco de ser extintos. Até 2100, é provávelque desapareça 80% da humanidade (LOVELOCK, 2006b).
Embora as previsões de Lovelock sejam apocalípticas e, para alguns teóricos,
infundadas, temos que considerar que de fato há problemas com o equilíbrio
ambiental do planeta, ocasionado pelas práticas e ações predatórias da
humanidade. Isso refletiu a preocupação de parte da comunidade científica com a
preservação do meio natural e reaproximou o homem da natureza. Um exemplo
disso é a mobilização dos representantes da maior parte dos Estados membros da
ONU (Organização das Nações Unidas) em discutir, nas inúmeras conferências que
seguiram desde Estocolmo (1972)10, as ações político-administrativas, produtivas e
educacionais sobre o meio ambiente.
9 Gaia foi a denominação atribuída pelos gregos antigos à deusa que personificava a Terra, mãe de
todas as criaturas vivas. 10
Conferência sobre Meio Ambiente Humano. Realizada entre 5 e 16 de junho de 1972 emEstocolmo, Suécia. Essa conferência, afirma Muceniecks (2009), representa um marco referencialpara a definição de bases da educação para o meio ambiente.
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Nesse sentido, embora o nosso propósito não seja o de discutir as políticas
para o meio ambiente desenvolvidas desde a década de 1970, é fundamental
percebermos a partir desses fatos que a natureza volta a ter um papel de
protagonista nas discussões da humanidade, ainda que não de forma abrangente e
total. Mesmo assim, esse “renascimento da natureza”, termo empregado pelo
biólogo e filósofo britânico Rupert Sheldrake, tem tomado grande importância nas
últimas décadas, alimentando a necessidade de práticas éticas e educacionais para
o florescente século XXI.
A APLICABILIDADE EDUCACIONAL DO PENSAMENTO ECOFORMADOR
Como vimos no item “A Mecanização da Natureza”, o meio natural foi
transformado em objeto inanimado e alvo da dominação pelo homem. Ele foi, em
outras palavras, reduzido a mero recurso utilizado, sobretudo, pela sociedade
capitalista ocidental. Vimos também, no item “O Renascimento da Natureza”, que
catástrofes naturais têm ameaçado a soberania da humanidade na Terra, levando oshomens, nas últimas décadas, à reaproximação com o paradigma orgânico da
natureza.
Embora atualmente se fale sobre a necessidade de preservar o meio natural,
é preciso saber: esses valores são disseminados entre os homens de maneira
consistente e plena? Talvez essa questão possa ser respondida, em parte, a partir
do trabalho educacional. Porém, segundo Gadotti (2009), os sistemas educacionais
que se formaram na Europa no século XIX, sobretudo num período de consolidaçãoda industrialização e que influenciaram boa parte do mundo ocidental, em sua
grande maioria, reproduzem valores insustentáveis, já que não é raro vermos, tanto
em práticas pedagógicas quanto nos materiais didáticos, a natureza como um
simples recurso para satisfazer as necessidades da humanidade.
Conforme Gadotti (2009, p. 4):
Os sistemas educacionais, em geral, são baseados em princípios
predatórios, em uma racionalidade instrumental, reproduzindovalores insustentáveis. Para introduzir uma cultura dasustentabilidade nos sistemas educacionais nós precisamos
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reeducar o sistema: ele faz parte tanto do problema, como tambémfaz parte da solução. Por isso precisamos de uma nova pedagogia.
Dessa maneira, notamos que, de fato, uma nova pedagogia se faz
necessária. Com isso, para superar a visão reducionista e linear da Modernidade,
são precisos novos paradigmas de formação e compromisso dos sujeitos envolvidos
em construir novos conhecimentos.
Tendo em vista a construção de práticas que visam a sustentabilidade
planetária e o paradigma ecossistêmico, Torre et. Al. (2008) descrevem a
importância da ecoformação11 , já que esta oferece uma visão ampla sobre o natural
e o social, podendo contribuir de maneira significativa para a formação do sujeito.
Entendemos a ecoformação como uma maneira sistêmica,integradora e sustentável de atender a ação formativa, sempre narelação com o sujeito, a sociedade e a natureza [...] A ecoformação éuma maneira de buscar o crescimento interior a partir da interaçãomultissensorial com o meio humano e natural, de forma harmônica,integradora e axiológica. Buscando ir além do individualismo, docognitivismo e utilitarismo do conhecimento. Partindo do respeito ànatureza (ecologia), levando os outros em consideração (alteridade)e transcendendo a realidade sensível (TORRE et. Al., 2008, p. 43).
Diante da necessidade de novos paradigmas pedagógicos, portanto, a
Ecoformação seria um conjunto de valores de grande valia, numa perspectiva
transdisciplinar, para a formação de docentes que, consequentemente,
potencializariam suas ações pedagógicas em sala de aula com seus alunos. Navarra
(2009) afirma que a ecoformação tem a capacidade de incluir à educação ambiental,
valores de uma educação para o desenvolvimento sustentável, para os direitos
humanos e para a paz. Dessa maneira, com esses valores, o educador pode, pormeio de suas práticas pedagógicas, despertar, em seus alunos, a solidariedade, o
compromisso com a Terra e com a humanidade de um modo geral.
Assim, para Navarra (2009, p. 251-252), “[...] a Ecoformação não é somente
educação ambiental, mas sim uma interação entre a educação para o entorno, o
desenvolvimento econômico e o progresso social”, pois, ao defender os
ecossistemas e a responsabilidade pela sustentabilidade planetária, a Ecoformação
promove o desenvolvimento econômico global e o progresso social universal.
11 Ecoformação é um conceito apresentado por Gaston Pineau no início da década de 1980 apóspesquisas na Universidade de Tours (França).
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Figura 2: A Ecoformação requer um trabalho educativo inter-relacionado, para que se atinja os trêsobjetivos ao mesmo tempo (NAVARRA, 2008, p. 252).
Conforme o modelo de Navarra (2008) acima, a Ecoformação se reveste de
uma teoria tripolar 12 de educação. Esse aspecto, por sua vez, remete à teoria dos
três mestres de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e também se correlaciona
com a relação triádica, indivíduo/sociedade/espécie, proposta por Morin (2005).
Figura 3: A relação triádica (MORIN, 2005, p. 54).
Conforme podemos verificar, essa relação permite conceber o caráter
indissociável entre o indivíduo, a espécie e o ambiente, numa intrínseca relação de
interdependência e que, como o próprio Morin (2005) diz, não haja a sobreposição
de um desses elementos nessa relação. Pensando nessa lógica é que a educação
deve contemplar os aspectos teóricos da Ecoformação. Com isso, haveria um
diálogo entre o homem e o meio em que vive o que, por sua vez, garantiria ações
12
A teoria dos três mestres aparece na obra “Emílio ou da Educação” de Jean-Jacques Rousseau.Segundo ela, para que possamos ser educados seria necessária a concorrência de três mestres: ohumano, a sociedade e as coisas, ou seja, precisamos de nós mesmos, do indivíduo (autoformação),da espécie (heteroformação) e do meio ambiente (ecoformação) (GADOTTI, 2004, p. 8).
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que não visassem apenas a sustentabilidade planetária, mas sim todo um conjunto
de relações éticas e solidárias entre o homem com os seus semelhantes e dele com
a natureza.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em virtude das discussões realizadas ao longo desse artigo, podemos dizer
que a sustentabilidade planetária deve ser discutida pela sociedade atual. A
educação, por sua vez, como instituição que trata de conteúdos e valores
historicamente construídos pela humanidade, além de seu caráter formador de
opiniões e ações, não se deve furtar dessa discussão.Porém, conforme Gadotti (2009) havia salientado, os sistemas educacionais
trazem consigo os valores predatórios o que, sem sombra de dúvida, mesmo que o
discurso tenha sido menos rígido na atualidade do que outrora, ainda continua
reproduzindo os valores de uma sociedade que via a natureza como recurso. Além
de reproduzir tais valores, em favor de conteúdos mais abstratos, os cursos de
formação docente, salvo algumas exceções, pouco têm se preocupado em
manifestar-se transdisciplinarmente, por meio de suas grades curriculares, osvalores ético-ambientais, tais quais os elencados pela Ecoformação.
Diante dessa questão é que se faz necessária uma nova pedagogia que
introduza novos elementos teóricos, éticos e práticos na construção de um novo
paradigma educacional que vá além da visão humanista. Para tanto, os valores
inovadores da Ecoformação podem ser de grande valia para essa mudança, pois
vão além da educação ambiental, pondo em diálogo, conforme Silva (2008, p.102),
“[...] sistemas cognitivos emergentes (Teoria da Complexidade), sistemas teóricos datradição filosófica (Rousseau) e os saberes de vivência (conhecimentos não
científicos)”. A partir disso, afirma Silva (2008), é possível entender e renovar os
processos educacionais, não só ambientais, mas socioambientais.
Portanto, os valores ecoformadores seriam fundamentais tanto nos cursos de
formação docente quanto no trabalho escolar diário, pois possibilitam ações
formativas que levam à compreensão das relações interdependentes entre o sujeito,
a sociedade e a natureza. Esse pensamento, enfim, estabeleceria o ponto crucial
para se alcançar o equilíbrio, ou seja, a sustentabilidade.
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