1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X “TUDO SOBRE A DITADURA MILITAR”: MULHERES E ESQUECIMENTO Carolina Souza Macedo Resumo: O presente trabalho deseja discutir de que forma o jornal Folha de São Paulo, ao narrar tempos depois o Golpe de 64 e a Ditadura Militar brasileira mais recente (1964-1985), contribui para a (re)escrita de uma certa memória onde as mulheres foram elididas da história. Em outras palavras, tendo como eixo a triangulação entre memória/esquecimento, ditadura militar e mulheres, o trabalho pretende compreender que construção social da memória da ditadura é feita quase exclusivamente do ponto de vista masculino e com destaque para homens. Nesse sentido, deve-se perguntar sobre o apagamento e/ou silenciamento das experiências das mulheres, seja na questão da vida privada quanto da luta política. Palavras-chave: Memória individual; memória coletiva; esquecimento; mulheres; teorias feministas; luta política. 2014 é o ano em que foi “comemorado” – no sentido que Ricoeur (Cf. SILVA, 2002) dá ao termo – o cinquentenário do Golpe Militar de 64. Diversos veículos da imprensa brasileira, além de alguns estrangeiros, dedicaram páginas impressas, tempos de rádio e TV, e espaços na internet ao tema, assim como aos 21 anos de ditadura civil-militar vividos no país. Um dos veículos foi o jornal Folha de S. Paulo, ainda hoje, um dos mais tradicionais do país. Sediada na capital paulista, ele se apresenta como uma publicação de referência, com abrangência nacional e liderança em tiragem – de acordo com a mesma, uma posição consolidada “durante a campanha pela redemocratização do país, em 1984, quando empunhou a bandeira das eleições diretas para presidente 1 ”. Entretanto, a Folha escolheu descolar a data e publicar no dia 23 de março um fascículo especial, encartado no jornal, que recebeu o nome de “Tudo sobre a Ditadura Militar”, disponível também como “reportagem multimídia 2 ”. Ao todo, o ‘tudo sobre’ impresso reuniu conteúdo em oito páginas, composto por oito textos – sete deles assinados. Entre os temas abordados, motivações para o golpe, estruturas de repressão e combate à luta armada, bom desempenho da economia, resistências no campo cultural, comportamento de órgãos de imprensa e até um espaço para a ficção – um bloco de “respostas” a perguntas como “E se Jango tivesse resistido ao golpe?”). A compor a cena, outras unidades redacionais distintas, como infográficos, retrancas, ilustrações, fotografias, entre outros. Na página 3, o jornal informa que o “site especial da Folha sobre a ditadura vai ao ar hoje” e nele há também “vídeos, galerias e depoimentos”. 1 Acesso em 07/09/16 http://www1.folha.uol.com.br/institucional/circulacao.shtml 2 Acesso em 06/06/2017 folha.com/golpe64
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TUDO SOBRE A DITADURA MILITAR”: MULHERES E …...1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
“TUDO SOBRE A DITADURA MILITAR”: MULHERES E ESQUECIMENTO
Carolina Souza Macedo
Resumo: O presente trabalho deseja discutir de que forma o jornal Folha de São Paulo, ao narrar
tempos depois o Golpe de 64 e a Ditadura Militar brasileira mais recente (1964-1985), contribui
para a (re)escrita de uma certa memória onde as mulheres foram elididas da história. Em outras
palavras, tendo como eixo a triangulação entre memória/esquecimento, ditadura militar e mulheres,
o trabalho pretende compreender que construção social da memória da ditadura é feita quase
exclusivamente do ponto de vista masculino e com destaque para homens. Nesse sentido, deve-se
perguntar sobre o apagamento e/ou silenciamento das experiências das mulheres, seja na questão da
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
Ao propagandear seus métodos de produção, ela valoriza os “princípios editoriais do Grupo
Folha: independência, jornalismo crítico, pluralismo e apartidarismo”5. O pluralismo, em especial,
parece ser acionado como elogio e, ao mesmo tempo, como defesa para rebater críticas como as que
o jornal recebeu quando publicou, no aniversário de 40 anos do golpe, texto6 assinado pelo general
reformado do Exército, Carlos Meira Mattos, no qual ele afirma:
A derrubada do governo João Goulart não foi um golpe militar, como hoje insistem em
tachar e propagar certos setores políticos e da imprensa. O dia 31 de março de 1964 foi,
sim, o marco que coroou a resposta da grande maioria dos brasileiros, apoiada pelas Forças
Armadas, ante as ameaças e as tentativas de implantação de um regime político
incompatível com a nossa vocação de viver numa sociedade livre e democrática.
A preocupação em se dizer um veículo que abriga diferentes vozes é recorrente, e ganhou
novo grifo com a campanha institucional O que a Folha pensa7, veiculada na mídia impressa, em
canais de TV aberta e fechada e na internet de 2014, mesmo ano do fascículo Tudo sobre a
Ditadura Militar. Às opiniões sobre diferentes assuntos – como aborto, pena de morte e as
manifestações de junho de 2013 – segue-se sempre o mesmo texto: “Concordando ou não, siga a
Folha, porque ela tem suas posições, mas sempre publica opiniões divergentes”.
Mas, afinal, o que o jornal considera divergência? Que vozes cabem no pluralismo da
Folha? O quão elástico é este conceito? Indo adiante, ao narrar o passado, a Folha pretende-se total
porque plural? Se sim, ela se esquece de uma das lições de Walter Benjamin: “articular
historicamente o passado não significa conhecê-lo ‘como ele de fato foi’. Significa apropriar-se de
uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo” (BENJAMIN, 1987, p. 224).
Em outras palavras, um olhar sobre o jornal nos estimula a indagar em que medida o
encontro de opiniões que se pretendem plurais implica a construção (e possibilidade) da memória
social da ditadura que esse dispositivo engendra. Ressaltamos aqui que pensar a memória como um
campo social é enfatizar seu empenho em orientar e agir em um campo de lutas simbólicas,
discursivas e relacionais. Neste sentido, a memória social deve ser considerada em seu contexto e
produção sócio-históricos, uma vez que:
A memória se constitui como poder, como um contrato e uma luta pela imposição de uma
hegemonia, não conseguindo e pretendendo “dar conta” da complexidade social e dos
processos em curso. Ao contrário, sua dimensão de poder e, portanto, sua eficácia
dependem da política, cuja pretensão de controlar ou orientar a memória social é expressão
dos interesses em luta. Dessa forma, toda memória social é política. (MORAES, 2005. P.
93)
5 Acesso em 07/11/16 http://www1.folha.uol.com.br/institucional/missao.shtml 6 Acesso em 07/11/16 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz3103200409.htm 7 Acesso em 02/11/16 https://www.youtube.com/watch?v=SFHE0_VqT7A