1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X TEATROS FEMINISTAS NA ILHA DAS BRUXAS: MEMÓRIAS E “HERSTORY” DE PRÁTICAS TEATRAIS FEMINISTAS EM FLORIANÓPOLIS Maria Brígida de Miranda 1 Resumo: Nesta comunicação pretendo apresentar axs participantxs do Simpósio Temático “Engendramentos da cena: práticas teatrais feministas na contemporaneidade”, que coordeno junto a professora Dra. Luciana de Fátima Rocha Pereira de Lyra (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), um panorama dos estudos teatrais feministas em Florianópolis na última década. Meu propósito é estimular a “herstory” teatral ou seja uma escrita que torne visível práticas e ativismos de mulheres de teatro feminista nesta cidade. Como professora e pesquisadora do Departamento de Artes Cênicas da Universidade do Estado de Santa Catarina percebo o florescimento e amadurecimento de uma profusão experimentos teatrais que se inserem no campo de estudos e produção artística feminista e essas ações não estão isoladas, elas dialogam, reverberam e proliferam outros artivismos para muito além do campus. Mas é necessário que divulguemos essas experiências! Assim, abertura deste S.T., e o objetivo desta comunicação é ser um relato, uma escrita dentre muitas escritas sobre nossas “herstories”.... Meu relato primeiro situa a criação formal de nossa área de estudos a partir da abertura de um simpósio específico na área de Teatro em edições anteriores do Fazendo Gênero, e paralelamente destaca algumas ações, eventos e produções cênicas de várias mulheres e grupos que disseminaram temas, conceitos, conteúdos, estratégias e estéticas do que podemos chamar “Teatro Feminista” na Ilha de Nossa Senhora do Desterro, também chamada de Ilha das Bruxas. Palavras-chave: Teatro Feminista. Memorial. “herstory”. Estudos teatrais. Um Tsunami no Brasil? Movimentos organizados e manifestações de rua relacionados às causas feministas e de gênero ganharam mais visibilidade no Brasil na última década. Pela primeira vez tenho a sensacão de que estou em meio a uma onda feminsta. Essa onda ganha força a medida que discursos feministas se proliferam em images. Imagens que popularizam conceitos e ideias sobre respeito as mulheres e diversidade gênero. Na grande mídia, as temáticas das políticas de identidade ganham destaque e por outro lado, são paulatinamente apropriadas pela indústria. Neste ano, ri sozinha em salas de espera quando via que declarações como “eu sou feminista” descolou-se das camisetas de 1 Doutora. Professora Associada do Departamento de Artes Cênicas da Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil.
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TEATROS FEMINISTAS NA ILHA DAS BRUXAS ......1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
TEATROS FEMINISTAS NA ILHA DAS BRUXAS: MEMÓRIAS E
“HERSTORY” DE PRÁTICAS TEATRAIS FEMINISTAS EM
FLORIANÓPOLIS
Maria Brígida de Miranda1
Resumo: Nesta comunicação pretendo apresentar axs participantxs do Simpósio Temático
“Engendramentos da cena: práticas teatrais feministas na contemporaneidade”, que coordeno junto
a professora Dra. Luciana de Fátima Rocha Pereira de Lyra (Universidade do Estado do Rio de
Janeiro), um panorama dos estudos teatrais feministas em Florianópolis na última década. Meu
propósito é estimular a “herstory” teatral ou seja uma escrita que torne visível práticas e ativismos
de mulheres de teatro feminista nesta cidade. Como professora e pesquisadora do Departamento de
Artes Cênicas da Universidade do Estado de Santa Catarina percebo o florescimento e
amadurecimento de uma profusão experimentos teatrais que se inserem no campo de estudos e
produção artística feminista e essas ações não estão isoladas, elas dialogam, reverberam e
proliferam outros artivismos para muito além do campus. Mas é necessário que divulguemos essas
experiências! Assim, abertura deste S.T., e o objetivo desta comunicação é ser um relato, uma
escrita dentre muitas escritas sobre nossas “herstories”.... Meu relato primeiro situa a criação formal
de nossa área de estudos a partir da abertura de um simpósio específico na área de Teatro em
edições anteriores do Fazendo Gênero, e paralelamente destaca algumas ações, eventos e
produções cênicas de várias mulheres e grupos que disseminaram temas, conceitos, conteúdos,
estratégias e estéticas do que podemos chamar “Teatro Feminista” na Ilha de Nossa Senhora do
Desterro, também chamada de Ilha das Bruxas.
Palavras-chave: Teatro Feminista. Memorial. “herstory”. Estudos teatrais.
Um Tsunami no Brasil?
Movimentos organizados e manifestações de rua relacionados às causas feministas e de
gênero ganharam mais visibilidade no Brasil na última década. Pela primeira vez tenho a sensacão
de que estou em meio a uma onda feminsta. Essa onda ganha força a medida que discursos
feministas se proliferam em images. Imagens que popularizam conceitos e ideias sobre respeito as
mulheres e diversidade gênero. Na grande mídia, as temáticas das políticas de identidade ganham
destaque e por outro lado, são paulatinamente apropriadas pela indústria. Neste ano, ri sozinha em
salas de espera quando via que declarações como “eu sou feminista” descolou-se das camisetas de
1 Doutora. Professora Associada do Departamento de Artes Cênicas da Universidade do Estado de Santa
Catarina, Florianópolis, Brasil.
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ativistas para revistas comerciais direcionadas ao público feminino como Claudia2 e Quem3. Em
meio as dicas de beleza, saúde e relacionamento as celebridades como Juliana Paes, Ana Paula
Padrão declaram-se feministas e a atriz britanica Emma Watson4 icône do feminismo atual,
embaixadora ONU Mulheres trás pitadas de engenhosidade e inteligência à princesa do filme A
Bela e a Fera da Disney. Já as propogandas de cosméticos populares investem em imagens sobre a
diversidade de gênero e etnia. Por exemplo, as marcas Natura e Avon celebram a diversidade
identitária em campanhas de marketing (2017)5 com modelos de diferentes origens étnicas, tipos
físicos e padrões corporais e também apostam na maquiagem como performatividade de gênero e
dão visibilidade para consumidoras transgêneros e travestis. Estas são apenas algumas das imagens,
que abordam feminismo e gênero, criadas por artistas empregados pela grande midia.
Mergulho nesta onda feminista para sentir sua velocidade e principalmente seu repuxo...
Para onde ela pode nos levar? Na década de 1990 Naomi Wolf já havia apontado em seu livro The
Beauty Mith [O Mito da Beleza] (1991) como a mídia apropria-se de imagens e discursos
produzidos pelos movimentos feministas para criar novos desejos e vender novos produtos para as
mulheres. A tese defendida por Wolf é que ao conquistar espaço e direitos na sociedade capitalista o
sistema não empodera as mulheres mas, cria novas armadilhas. Ou seja, se você entra no mercado
de trabalho, o marketing instaura a necessidade de consumir produtos que restabelecem os símbolos
do feminino reiterando, assim, valores patriarcais. Wolf demonstra que se no século XX as
feministas defenderam a ideia um vestuário igual a de seus colegas homens – com o objetivo de
minimizar as diferencas de gênero, diminuir a erotização do corpo feminino e o assédio nos
ambientes de trabalho, logo em seguida a indústria da moda lançou o terninho da executiva com
uma modelagem que enfatizava e/ou criava curvas da cintura, quadril e seios. Vale observar que as
mulheres que empregam seus corpos, personalidades e histórias pessoais para vestir esses figurinos
da 'mulher vitoriosa', da 'bela feminista' são principalmente atrizes e modelos professionais. São
artistas que criam representações específicas sobre “as mulheres” e que trabalham em determinado
setor da indústria do entretenimento e do consumo.
4. publicações (monografias, dissertações, teses, artigos e dossies temáticos)
Sabendo que muitas dessas ações aglutinam-se em mais de uma produção, neste momento
proponho selecionar e comentar apenas alguns destes itens para rememorar um pouco da nossa
herstory.
Foruns
O que estamos fazendo agora, neste Simpósio Temático (S.T.), é uma ação de pesquisa
acadêmica sobre o teatro feminista. Me lembro que em 2006, participei pela primeira vez do
Seminário Internacional Fazendo Gênero, na época apresentei uma comunicação9 em um S.T. sobre
representações de gênero no cinema, literatura e artes. Ou seja, naquele momento não havia nenhum
forum dedicado exclusivamente aos estudos teatrais. Isso me motivou a propor dois anos depois, na
edição seguinte do Fazendo Gênero o S.T. Teatro e Gênero. Este simposio inaugural foi elaborado e
proposto por mim junto a Dra. Lúcia Romano (UNESP), e a Dra. Ciane Fernandes (UFBA)10, e
reuniu o primeiro grupo de pesquisadoras/es interessadas/os em refletir sobre as práticas
espetaculares a partir de um viés gendrado. Em 2010 propus com a Dra. Katia Paranhos (UFU) uma
segunda edição e novamente reunimos pesquisadoras/es com um amplo leque de temas no âmbito
do feminismo nas artes da cena. Portanto, esta é a terceira edição deste Simpósio Temático no
Fazendo Gênero, desta vez compartilho a proposta e coordenação com a Dra. Luciana Lyra (UERJ).
E com alegria observo que a área de teatro ganhou mais espaço com o S.T. cujo foco é relação entre
gênero e voz na cena11. Neste ano, além desse espaço acadêmico a prática teatral é tema de várias
9 MIRANDA, Maria Brigida de. "Mulheres em Cena: Representações Teatrais do Feminino", Gênero e
Preconceitos, Seminário Internacional Fazendo Gênero 7, Florianópolis, Brazil, 2006. 10 A Dra. Ciane Fernandes (UFBA) foi uma das coordenadoras deste primeiro S.T. mas, não pode comparecer
ao evento.
11 S.T. coordenado pelas professoras Dra. Daiane Dordete S. Jacobs (UDESC) e Dra. Janaina T. Martins
(UFSC).
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das Oficinas do evento que conta também com uma mostra de espetáculos com temáticas
feministas na sessão de cultura.
Em eventos de grande porte como o F.G. 11 e o M.M.C. 13, são os pequenos grupos,
Simpósios Temáticos (S.T.), ou Grupos de Trabalho (G.P.), ou Grupos de Pesquisas (G.P.) que
geram espaços mais aconhegantes para expor ideias, trocar conhecimentos, divulgar práticas locais
e fortalecer nossas redes. Ao focar em questões feministas na prática teatral esses espaços tornar-se
grupos de conscientização das mulheres e de criação de estratégias de luta por políticas de gênero
em espaços institucionais como companhias teatrais, escolas de teatro e cursos superiores de artes
cênicas.
A organização em rede tem sido um dos debates de muitas vertentes feministas
contemporâneas em várias áreas do conhecimento e do ativismo. Por exemplo, em redes
campesinas como o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC-SC) a estrutura reúne agricultoras
mobilizadas em prol de uma agenda específica definada pelo movimento social12. No caso da
prática teatral temos exemplos recentes, e do início do século XX de mulheres de teatro que se
organizaram enquanto categoria para lutar por causas específicas ligadas ao feminismo e ao teatro.
Em 2016 as trabalhadoras da prática teatral da Irlanda criaram a explosiva e bem sucedida
campanha de marketing Waking the Feminists13 [Acordando as Feministas] – popularizado como
WTF (What the F---?) – contra a misogênia da programação de peças do mais importante teatro do
país, o Abbey Theatre. O movimento de base reuniu as trabalhadoras do teatro (primeiro via rede e
depois em assembléias) para lutarem contra a política de curadoria do evento Waking the Nation. O
evento nacional, que pretendia celebrar o centenário do movimento de independência da Irlanda ,
selecionou 10 peças teatrais a serem montadas ao longo do ano de 2016. Dessas 10 peças, apenas 1
foi escrita por uma mulher – e era uma peça de teatro infantil, o recado estava dado “mulheres
fiquem em casa, ou cuidem das crianças”14. E apenas 3, das dez montagens seria dirigida por
mulheres15. A luta das trabalhadoras teatrais envolvidas no WTF focou em políticas de igualdade de
12 <http://www.mmcbrasil.com.br/site/> 13 Para saber mais visite a página <http://www.wakingthefeminists.org/> 14 Em recente palestra no colóquio Women in Theatre a pesquisadora irlandesa Miriam Haughton (NUIG)
apresentou e discutiu as estratégias ativistas de Walking the Feminists. Ela apontou a luta das trabalhadoras do teatro
contra as imagens opressivas e machistas dos governos e instituições irlandesas. Uma dessas imagens é da mulher como
dona de casa e mãe resignada. The 13# Annual Irish Theatrical Diaspora Conference Irish, realizada de 27 a 28 de
abril de 2017 na UFSC, em Florianópolis, S.C.. 15 <http://www.wakingthefeminists.org/about-wtf/how-it-started/>
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gênero em instituições como o Abbey Theatre -- que recebe anualmente a maior parte do orçamento
de cultura teatral do país.
O mais interessante é que os movimentos de atrizes em luta feminista pode ser escavado em
ações do início do século XX. Durante a Primeira Onda do Feminismo, agremiações como o
Actress Franchise League [Franquia da Liga das Atrizes], fundada em 1908, atraiu mulheres de
teatro em prol do sufrágio feminino. Atrizes, diretoras e dramaturgas que atuaram na liga criaram,
encenaram e sairam em tour com peças teatrais que defendiam a emanciapação feminina, como The
Pageant of Great Women16. E essa foi apenas uma das inúmeras peças inteiramente criadas por
mulheres de teatro da Liga. Vale lembrar que este espaço político tornou-se também o berço de
grupos como o Pionner Players e o Women's Theatre Company -- espaços teatrais criados por e
para mulheres de teatro exercerem suas capacidades em todas as áreas da prática teatral. Esses
espaços, eu considero como “espaços teatrais ginocêntricos”17, ou seja espaços de proteção,
empoderamento e construção de redes entre mulheres que trabalham no teatro.
Um dos primeiros foruns que teve esse carácter de “espaço ginocêntrico” da prática teatral
em Florianópolis foi o Encontro Vértice Brasil18 em 200819, uma iniciativa da atriz, produtora e
pesquisadora Dra. Marisa Naspolini. Junto as colaboradoras Dra. Bárbara Biscaro, Cleide de
Oliveira, Gláucia Grígolo, Mst. Monica Siedler e Nilce Silva, Naspolini reuniu mais de 40 mulheres
de teatro em um evento que durou seis dias. O projeto Vértice foi uma empreitada das
organizadoras que conseguiram editais e apoios de diversas instituições públicas e empresas
privadas. Na época contou com o suporte do Departamento de Artes Cênicas, que sedeu espaços
para as oficinas e espetáculos e atraiu professoras e discentes da universidade. Embora o evento não
impedisse a participação de homens, ele abriu um espaço para as mulheres começarem a perceber
16 <http://womenslibrary.org.uk/2014/12/16/the-actresses-franchise-league/> 17 Apresentei pela primeira vez esse conceito “espaço ginocêntrico” na minha tese de doutorado (2004), e em
2008 ao participar do Primeiro Vértice Brasil, eu dei a palestra sobre teatro feminista, a convite da organizadora do
evento Marisa Naspolini. "Mulheres de Teatro: Sobre Mulheres Invisíveis e Espaços Ginocêntricos", The Magdalena
Project-Vértice Brasil: Encontro e Festival de Teatro Feito por Mulheres, Florianópolis, Brazil, 2008. 18 “A proposta de criar uma versão brasileira teve início em 2004, quando a coordenadora do evento Marisa
Naspolini participou do encontro e festival Roots in Transit, realizado em Holstebro, na Dinamarca. Desde então, ela
vem fomentando encontros de discussão e trocas com atrizes, pesquisadoras e diretoras de Florianópolis sobre as
questões levantadas pelo Projeto Magdalena. A partir da realizaçao do evento Vertice Brasil 2008 esta rede se
estabeleceu efetivamente no Brasil com a presença das fundadoras do The Magdalena Project Julia Varley e Jill
Greenhalgh. Esta iniciativa pretende manter-se continuamente atualizada e ativa através das continuas parcerias entre
artistas brasileiras e do resto do mundo, alimentada pelas conexões estabelecidas pela rede The Magdalena Project e
pelos frutos dos encontros do Vértice Brasil.” (acesso em 04 de julho de 2017) <http://verticebrasil.blogspot.com.br/p/> 19 O evento aconteceu de 14 a 19 de julho de 2008 em Florianópolis. Mais sobre a edição na página: