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Relato de caso
Sndrome do roubo coronrio-subclvio: relato de caso e reviso da
literaturaSteal coronary-subclavian syndrome: case report and
literature review
Jean Carlo Miiller1, Patrick Cardoso Candemil2, Joo Marcelo
Goncalves da Rocha Loures3, Fabrcio Martins Zucco3, Walmor Erwin
Belz3, Nilceu Gomes da Rocha Loures3, Marco Rodrigo Ortiz3, Rogrio
Sanchez Garcia4
Introduo
Os avanos da Cardiologia Intervencionista tm feito da
angioplastia coronariana com stent uma opo cada vez mais atraente
para pacientes com doena aterosclertica1. Dessa forma, atualmente,
os pacientes encaminhados para cirurgia de revascularizao do
miocrdio (CRM) tendem a ter doena coronariana mais extensa,
frequentemente asso-ciada aterosclerose em outros territrios
vasculares2.
O fenmeno do roubo coronrio-subclvio definido como o fluxo
sanguneo invertido de uma coronria, por meio de um enxerto da
artria mamria interna esquerda (AMIE) em direo subclvia
mdio-distal, e ocorre devido
estenose significativa ou ocluso total da poro proximal desta
ltima1. Sua ocorrncia rara2, porm apresenta morbi-dade
significativa com possveis complicaes3, originando-se a Sndrome do
Roubo Coronrio-Subclvio (SRCS). Deve ser suspeitada em pacientes no
ps-operatrio de CRM, com uso da AMIE como conduto, com
precordialgia do tipo Angina Pectoris recorrente, principalmente
quando os sinto-mas forem desencadeados pelo esforo fsico2.
Caso clnico
Paciente do sexo masculino, 68 anos, hipertenso e dis-lipidmico,
com histria de CRM h 12 anos com uso de
Resumo
O fenmeno do roubo coronrio-subclvio definido como o fluxo
sanguneo invertido de uma artria coronria, por meio de enxerto de
artria mamria interna em direo subclvia mdio-distal, e ocorre
devido estenose significativa ou ocluso total da poro proximal
desta ltima. uma causa rara, mas significante, de isquemia cardaca
aps cirurgia de revascularizao miocrdica e pode originar uma
sndrome de mesmo nome e com manifestaes tpicas. Relatou-se o caso
de um paciente com esta enfermidade, que foi submetido angioplastia
percutnea com implante de stent. Tambm revisou-se a literatura a
respeito.
Palavras-chave: artria subclvia; sndrome do roubo subclvio;
sndrome do roubo coronrio-subclvio.
Abstract
The phenomenon of coronary-subclavian steal is defined as the
reversed blood flow in a coronary artery, through internal mammary
artery graft towards medial-distal subclavian artery, which happens
due to severe stenosis or total occlusion of the proximal portion
of the latter. It is a rare but significant cause of cardiac
ischemia after coronary artery bypass surgery and it can cause a
syndrome of the same name and with typical manifestations. We have
reported the case of a patient with this disease, who underwent
percutaneous angioplasty with stent implantation, and we also
reviewed the literature on the subject.
Keywords: subclavian artery; subclavian steal syndrome;
coronary-subclavian steal syndrome.
Trabalho realizado no Servio de Angiologia, Cirurgia Vascular e
Endovascular do Hospital Santa Isabel de Blumenau Blumenau (SC),
Brasil.1 Mdico Angiologista da equipe de Angiologia, Cirurgia
Vascular e Endovascular do Hospital Santa Isabel de Blumenau;
Professor na cadeira de Angiologia do curso de Medicina da Fundao
Universitria de Blumenau (FURB) Blumenau (SC), Brasil.
2 Chefe da equipe de Angiologia, Cirurgia Vascular e
Endovascular do Hospital Santa Isabel de Blumenau Blumenau (SC),
Brasil; Professor na cadeira de Angiologia e Cirurgia Vascular do
Curso de Medicina da FURB Blumenau (SC), Brasil.
3 Membros da equipe de Angiologia, Cirurgia Vascular e
Endovascular do Hospital Santa Isabel de Blumenau Blumenau (SC),
Brasil.4 Acadmico do curso de Medicina da FURB Blumenau (SC),
Brasil. Fonte de financiamento: nenhuma. Conflito de interesse:
nada a declarar. Submetido em: 14.05.11. Aceito em: 16.01.12. J
Vasc Bras. 2012;11(2):166-170.
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Sndrome do roubo coronrio-subclvio - Miiller JC et al. J Vasc
Bras 2012, Vol. 11, N 2 167
AMIE, iniciou quadro de dor em hemitrax esquerdo tipo Angina
Pectoris aos mdios esforos, principalmente nas atividades
envolvendo os membros superiores, associada dispneia leve e
sudorese. Negava claudicao de membros, tontura ou sncope. No
apresentava sopros, tinha pulsos amplos e simtricos nos membros
superiores e inferiores. A presso arterial aferida no membro
superior direito era 150/75 mmHg e no esquerdo 80/50 mmHg.
Foi submetido inicialmente cintilografia miocr-dica, cujo
resultado apontou rea isqumica na parede anterior. Continuou a
investigao com angiografia coro-nariana percutnea, na qual inverso
de fluxo em artria descendente anterior foi constatada (Figura 1),
mesmo em repouso, com esta nutrindo a AMIE e desaguando seu fluxo
na artria subclvia esquerda (ASE) mdio-distal, que se encontrava
ocluda proximalmente (Figuras 2 e 3). Realizou tambm eco-Doppler
colorido de artrias cervi-cais, em que constatou-se esquerda o
fenmeno do rou-bo da artria subclvia.
A despeito da ocluso, optou-se pela realizao de an-gioplastia
percutnea com implante de stent na ASE, por meio de puno retrgrada
das artrias femoral comum direita e braquial esquerda,
utilizando-se a tcnica de Seldinger. Aps o procedimento,
constatou-se boa pervie-dade do segmento tratado (Figura 4). O
paciente apresen-tou regresso dos sintomas no ps-operatrio, com
cinti-lografia miocrdica de controle apresentando melhora do padro
isqumico.
Discusso
A artria mamria interna, ou torcica interna, foi utilizada pela
primeira vez como conduto para CRM, em 19704, e atualmente o
enxerto de escolha, sendo utilizada em cerca de 90% dos pacientes
submetidos a este procedi-mento2. Isto se deve s vantagens
extensamente descritas na literatura, tais como: proporcionar maior
taxa de patncia em comparao aos enxertos de veia safena5, ser
raramente fonte de doena aterosclertica5 mesmo nestes casos so
relatadas altas taxas de sucesso com angioplastia6 e apre-sentar
problemas oclusivos raros, habitualmente ocorrendo no segmento
distal, na zona de anastomose com a artria coronria, geralmente por
reao proliferativa local7.
Na ASE, estima-se que a prevalncia de estenose, mais comumente
encontrada no segmento proximal (85% dos casos)7, na populao geral,
varie de 0,5 a 6,8%2, sen-do de 3,5 a 5,3% nos pacientes
coronarianos potencial-mente cirrgicos e de 11,8 a 18,7% nos
indivduos com doena arterial perifrica (DAP), tendo, portanto,
esta
Figura 1. Coronariografia evidenciando fluxo retrgrado na artria
mamria interna com enchimento das artrias subclvia esquerda distal
e axilar.
Figura 2. Angiografia mostrando obstruo da artria subclvia
esquer-da com recanalizao distal pelo fluxo reverso das artrias
vertebral e mamria interna.
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comorbidade o maior valor preditivo para a ocorrncia desse tipo
de estenose3,8.
A SRCS teve seus primeiros casos descritos na dcada de 1970 por
Tyras e Barner5, sendo considerada uma com-plicao incomum da CRM9,
com incidncia de 0,5 a 2% do total de pacientes operados4.
Outrossim, supe-se que esta incidncia venha aumentando devido idade
dos pacientes submetidos ao bypass coronariano ser cada vez maior,
visto que os fatores de risco para doena coronariana so os mes-mos
da estenose da ASE10.
A etiologia da SRCS quase que invariavelmente ate-rosclertica,
embora tenham sido descritos casos em pa-cientes com arterite de
Takayasu10 ou malformaes da AMIE, como a presena de fstulas
arteriovenosas11.
A fisiopatologia paralela da Sndrome do Roubo da Subclvia (SRS),
descrita em 1961, por Reivich12, na qual a artria vertebral
apresenta fluxo reverso em di-reo subclvia, ocorrendo devido
estenose do seg-mento proximal da ASE, e podendo ser agravada pela
vasodilatao perifrica produzida pelo esforo fsico do
membro acometido. Seus sintomas incluem claudicao de membro
superior e sintomas vertebrobasilares (tontu-ra, vertigem, ataxia e
sncope)13. Na SRCS, alm da art-ria vertebral esquerda, pode haver
diminuio ou mesmo reverso do fluxo na AMIE12. Como a AMIE est
agora, aps a CRM, utilizando bypass arterial, nutrindo o lei-to
coronariano, a inverso no seu fluxo leva isquemia miocrdica,
originando-se os sintomas da sndrome, po-dendo, inclusive,
ocasionar o infarto agudo do miocr-dio10. Os pacientes podem ser
assintomticos14, porm, o diagnstico deve ser considerado naqueles
submetidos CRM utilizando a AMIE, que cursam com sintomas cardacos
como dor tipo angina pectoris e episdios de arritmia1; e
nocardacos, tais como tontura, vertigem, ataxia e claudicao de
membro superior. O quadro nor-malmente desencadeado ou exacerbado
pelo esforo fsico9,12. A sndrome surge usualmente entre 2 a 31 anos
aps a CRM (mdia de idade de 14 anos)14, indicando que as leses
oclusivas se desenvolveram aps o enxerto mamrio, sendo que o
surgimento da SRCS at um ano
Figura 3. Angiografia do arco artico evidenciando obstruo da
artria subclvia esquerda.
Figura 4. Angiografia de controle ps-angioplastia com implante
de stent, mostrando boa perviedade da artria subclvia esquerda e
ma-nuteno das artrias vertebral e mamria interna.
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aps a CRM sugere que a estenose da ASE no foi perce-bida no
momento da cirurgia cardaca9.
O exame fsico deve buscar sopros supraclaviculares, assimetria
de pulsos e, principalmente, diferena de pres-so entre membros
superiores >20 mmHg, sendo este lti-mo o achado mais
significativo1. O eco-Doppler colorido um exame vlido para deteco
de estenose hemodinami-camente significativa no territrio subclvio,
e as imagens da angiotomografia computadorizada e angiorressonncia
magntica podem ser consideradas neste sentido. Porm, a angiografia
por subtrao digital continua como o padro-ouro para o diagnstico10.
Nesta, aps a injeo de contraste na artria descendente anterior,
percebe-se o fluxo rever-so da AMIE em direo ao leito subclvio12.
Alm disso, durante o procedimento, a medida direta do gradiente de
presso tambm pode ser obtida concomitante demons-trao de inverso do
fluxo10.
Tem sido descrito diversos tipos de tratamento para SRCS. O
procedimento mais realizado nas dcadas de 1970 e 1980 era a
cirurgia de derivao com condutos protticos ou autlogos
subclvia-subclvia, aorto-subclvia ou, pre-ferencialmente,
carotdeo-subclvia10,12; embora este seja contraindicado se houver
estenose crtica do segmento ca-rotdeo5. Alternativamente, o tero
proximal da AIME pode ser transferido para outra fonte arterial,
como a aorta11. So usados como condutos preferenciais para cirurgia
aberta as prteses de Dacron ou politetrafluoretileno (PTFE). As
veias autgenas, como a safena magna, no so uma boa opo devido
elevada probabilidade de toro e rotao axial com os movimentos do
pescoo e grande diferena de calibre entre os dois vasos4. A
abordagem supraclavicu-lar para anastomose com enxerto na artria
subclvia no livre de dificuldades e potenciais complicaes, pela
proxi-midade com canais linfticos e tecidos nervosos locais. No
entanto, a abordagem infraclavicular mais simples e eli-mina alguns
destes potenciais riscos14. A melhora dos sin-tomas da SRCS aps
cirurgia de derivao foi de 75% numa srie de casos de 168
pacientes5. As possveis complicaes so: acidente vascular cerebral,
fstula linftica cervical, pa-ralisia do nervo frnico e sndrome de
Horner5. A taxa de patncia a mdio e longo prazo demonstrada em
estudos de 96%, em quatro anos, e 83%, em oito5,14. A morbidade de
aproximadamente 25% e a mortalidade entre 1 a 2%7,13.
Outra opo de cirurgia aberta a realizao de trans-posio da artria
subclvia para a cartida, descrita pela primeira vez em 1964, por
Parrot4, que considerada um excelente mtodo de tratamento para
estenoses e ocluses proximais da ASE, devido a no-utilizao de
material sin-ttico, realizao de apenas uma anastomose e com taxas
de
patncia a longo prazo maiores que o bypass carotdeo-sub-clvia4.
Porm, a transposio necessita de clampeamento temporrio da ASE,
cessando, portanto, o fluxo na AMIE. Isso pode ocasionar isquemia
transitria miocrdica e com-plicar o procedimento13.
Desde a dcada de 1990, a angioplastia transluminal per-cutnea
considerada o tratamento efetivo da estenose da ASE9. A tcnica,
seguida de implante de stent, proporciona resultados mais anatmicos
e fisiolgicos quando comparada cirurgia aberta7,12, e associada com
baixa morbidade, mor-talidade zero e curta hospitalizao2,3,7. O
sucesso tcnico, a curto prazo, >90%3 e, no seguimento dos
pacientes, so re-latadas taxas de patncia em cinco anos superiores
a 90%2,3.
Alguns fatores podem dificultar a angioplastia, como em casos de
placas crnicas e densamente calcificadas14, es-tenose significativa
ou ocluso da ASE4,9,12. De Vries et al. relataram taxas de sucesso
de 100% para estenoses e somen-te de 65% para ocluses15. Alm disso,
caso a estenose seja muito prxima origem da artria vertebral, o
stent pode oclu-la14.
A ocorrncia de trombose ps-angioplastia rara2; en-tretanto, a
estenose intra-stent a longo prazo foi descrita por Schilliner et
al. como frequente, podendo atingir 40,7%, em cinco anos14-16.
Mesmo assim, na comparao entre a an-gioplastia com stent e o
tratamento cirrgico aberto, a efe-tividade dos procedimentos so
comparveis3, com menos complicaes no grupo da angioplastia,
concluindo-se que esta deve ser considerada a terapia de primeira
linha3,9.
Nos casos de CRM de urgncia e com estenose da ASE conhecida, a
cirurgia cardaca pode ser combinada com bypass carotdeo-subclvio14
ou pode-se utilizar a artria torcica interna direita para suprir o
leito coronariano2. Nos pacientes eletivos e com estenose de ASE, a
angioplastia o mtodo de escolha2.
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CorrespondnciaPatrick Cardoso Candemil
Rua Marechal Floriano Peixoto, 245 Sala 75 Centro CEP 89010-500
Blumenau (SC), Brasil
E-mail: [email protected]
Contribuies dos autoresConcepo e desenho do estudo: JCM, FMZ,
JMGRL
Anlise e interpretao dos dados: JCM, WEB Coleta de dados: JCM,
RSG, NGRL, MRO
Redao do artigo: JCM, MRO Reviso crtica do texto: PCC, MRO
Aprovao final do artigo*: JCM, PCC, JMGRL, FMZ, WEB, NGRL, MRO,
RSG Anlise estatstica: JCM, RSG
Responsabilidade geral pelo estudo: PCC *Todos os autores leram
e aprovaram a verso final submetida ao J Vasc Bras.