Dossi O mundo rural no sculo XXIContemporneaISSN: 2236-532Xv. 4,
n. 1 p. 85-115Jan.Jun. 2014Quando a mquina desla, os corpos
silenciam: tecnologia e degradao do trabalho nos canaviais
paulistas1 MARIA A. MORAES SILVA2JULIANA DOURADO BUENO3BEATRIZ
MEDEIROS DE
MELO4Resumo:Ahiptesecentraldoartigogiraemtornodas(novas)confguraes
do trabalho no atual contexto da mecanizao nos canaviais
paulistas.Os acha-dos da pesquisa revelam que intensifcao da
explorao dos operadores das
mquinassoma-seoutrarelacionadasatividadessubsidiriasrecolhade
pedras, tocos, restos de cana, distribuio de veneno, vinhaa que
implicam
rearranjosdadivisosexualdotrabalho,constituindoasimbiosetecnologia/degradao
do trabalho. O atual avano tecnolgico analisado tanto do ponto de
vista econmico como das estratgias de controle vigentes segundo as
parti-cularidades histricas dessa produo em So Paulo.1Este artigo
resultado da pesquisa: Novas confguraes do trabalho nos canaviais.
Um estudo compara-tivo entre os estados de So Paulo e Alagoas.
Edital Universal do CNPq (processo: 474696-2011-1), sob a coordenao
de Maria A. Moraes Silva.2Professora visitante snior da CAPES junto
ao Programa de Ps-graduao em Sociologia da Universidade Federal de
So Carlos (UFSCar) So Carlos Brasil. Pesquisadora do CNPq
[email protected] de Ps-graduao em Sociologia da
Universidade Federal de So Carlos (UFSCar) bolsista de doutorado do
CNPq So Carlos Brasil [email protected] de Ps-graduao
em Sociologia da Universidade Federal de So Carlos (UFSCar)
bolsista de ps-doutorado da FAPESP So Carlos Brasil
[email protected] a mquina desla, os corpos silenciam:
tecnologia e degradao...Palavras-chave:mecanizao; produo
canavieira; trabalho; gnero/etnia.When the machine shows of the
bodies make silence: technology and degradation of work at the So
Paulos
canebrakesAbstract:Tecentralhypothesisofthisarticleinvolvesthe(new)workplacecon-fgurationunderthecurrentSoPauloscanebrakesmechanizationcontext.Re-searchfndingsrevealtheincreaseofmachineoperatorsexploitationsumming
up to subsidiary activities exploitation - collection of stones,
stumps, distributing poison, vinasse -, which implies a
readjustment of the sexual division of labor and ultimately
constitutes the symbiosis technology/degradation of work. Ongoing
ad-vance in technology will be analyzed from both the economics
point of view and
theoneofactualcontrolstrategiesaccordingtohistoricalparticularitiesofthis
production in So Paulo.Keywords:mechanized agriculture; sugarcane
production; work; gender/ethnicity. Na semana passada fui a uma
fazenda em Cravinhos-SP, que conheci alguns anos atrs. L chegando,
fquei espantado, pois no vi mais osmorros, as minas dgua e nem as
rvores que ali havia. Era uma fazenda com mais de 1.000 hectares
com muitas pastagens e muitas rvores. Era uma paisagem bonita de se
ver. Eu me perguntei: onde esto os morros? A rea fora arren-dada
para a usina para o plantio da cana mecanizado, que necessita de
ter-reno plano. Hoje, tudo cana. No acreditava no que estava vendo
(Sr. Jos, sitiante. Altinpolis, 25/1/2014).IPara quem percorre as
estradas paulistas, a paisagem que se descortina o monocromtico da
cana-de-acar, ora verde, ora enegrecida pela queima das
palhas.Nomeiodela,comfrequnciacadavezmenor,silhuetasdetrabalha-doresrurais,migrantes,negros,provenientesdosestadosdonordesteoudo
nortedeMinasGeraissoesmaecidaspelasnuvensdecinzaepoeira,que
asencobrem,apsasequnciademilharesdegolpesdefacodesferidosdu-rante a
jornada de trabalho. De abril a dezembro, o cu do interior paulista
era
atalgunsanosatrsparcialmentevistoporseushabitantes,poisachava-se
encoberto por milhes de toneladas de gases advindos da queima da
biomas-sa. Seguramente, essa paisagem escurecida e poluente seria
considerada uma
gigantescairracionalidadeporpessoasdeoutrasplagas,preocupadascomo
v.4, n.1Maria A. M. SilvaJuliana D. BuenoBeatriz M. de Melo 87meio
ambiente. Ademais, durante a safra de cana, os mdicos alertavam
para o agravamento de doenas respiratrias e o crescimento de
internaes de
pes-soasmaisvulnerveis,comocrianas,idososeportadoresdeenfermidades
crnicas. O Ministrio Pblico e representantes de muitas entidades
civis con-clamavam a favor do fm das queimadas e em alguns
municpios esta prtica foi at mesmo proibida. No entanto, cada vez
mais, ano aps ano, aumentavam as reas com cana e
tambmasqueimadas.Asjustifcativasdaclassepatronalassentavam-senos
lucros, pois com a queima a quantidade de gua da cana se reduz,
diminuindo assim os custos com o transporte at as moendas das
usinas. Outra justifcativa repousava no fato de que os
trabalhadores preferiam (sic) esta prtica porque, assim, logravam
aumentar a quantidade de cana cortada e, por meio do salrio por
produo, seus ganhos seriam maiores. Tambm se livrariam dos riscos
de ser picados/atacados por animais peonhentos (sic) tatus, ratos,
capivaras, lo-bos, cobras, coelhos etc. , os quais seriam mortos
durante a queima em virtude
defcaremencurraladospelofogonostalhesdecana.Essaprtica,portan-to,benefciavatantoostrabalhadorescomoospatres.Alis,osrepresentan-tes
sindicais tambm a defendiam. As questes relativas aos baixos
salrios, superexploraoimposta,queemmuitoscasoslevoumorteouinvalidez
permanente muitos trabalhadores, no eram objeto de pautas da
reivindicao sindical. A partir de 2002, quando entraram em operao
os chamados carros fex fuel, movidos a etanol e a gasolina, a
demanda de cana-de-acar cresceu, gerando o aumento vertiginoso da
expanso dos canaviais no somente no esta-do de So Paulo como tambm
em outros estados5. Neste contexto,
aprofundou--seaexploraodaforadetrabalhopormeiodaintensifcaodosnveisde
produtividade exigidos metas de produo , em razo da impossibilidade
do cortemanualnoturno,visandoatenderdemandacrescentedecanaparaas
moendas. A partir de ento, vrias pesquisas, juntamente com a
participao da 5Segundo a estimativa da CONAB, a rea cultivada com
cana-de-acar colhida e destinada atividade
sucroalcooleiranasafra2013/14foiestimadaem8.799.150milhectares.OestadodeSoPauloper-manececomoomaiorprodutor,com51,31%(4.515.360hectares)dareaplantada,seguidoporMinas
Gerais,com8,0%(781.920hectares),Gois,com9,3%(818.390hectares),Paran,com7,04%(620.330
hectares), Mato Grosso do Sul, com 7,09% (624.110 hectares),
Alagoas, com 5,02% (442.590 hectares), e Pernambuco, com 3,25%
(286.030 hectares). Nos demais estados produtores as reas so
menores, com
representaesabaixode3,0%.Areadecana-de-acardestinadaproduonesteano/safradeve
apresentarumcrescimentode3,70%,ou314.150hectares,emrelaosafrapassada.Disponvelem:
.88Quando a mquina desla, os corpos silenciam: tecnologia e
degradao...Pastoral do Migrante (sediada em Guariba [SP])6,
trouxeram superfcie a bar-brie que estava ocorrendo nos canaviais
em virtude das mortes de trabalhado-res supostamente motivadas pelo
excesso de trabalho (Silva et al., 2006; Alves, 2006; Laat, 2010;
Barbosa, 2010; Silva, 2006; Silva; Martins, 2010; Silva; Veroza;
Bueno,2013),semcontarqueessarealidadeextrapolouosmurosdauniver-sidade,chegandoaosmeiosdecomunicaonacionaiseatinternacionaise,
sobretudo,aoMinistrioPblicodoTrabalho.Enfm,chegaraomomentode impor
alguns limites aos capitalistas no que se referia aos nveis de
dilapidao da fora de trabalho e da natureza, pelo menos
aparentemente.Dois arranjos institucionais o Protocolo
Agroambiental, frmado pelo go-verno estadual e representantes da
UNICA em 2007, e o Compromisso Nacional
ParaAperfeioarasCondiesdeTrabalhonaCana-de-acar,frmadopelos
representantesdostrabalhadores,CONTAGeFERAESP,governofederalere-presentantes
do patronato em 2009 marcaram a presena poltica do Estado em relao
s queimadas, aos problemas ambientais, de um lado, e, de outro,
situaodostrabalhadores.Estesdoisarranjosinstitucionais(estadualefede-ral)visavam,sobretudo,consolidaodaideologiasegundoaqualoetanol,
extrado da cana, seria a soluo para os problemas ambientais do
planeta na medida em que seu uso causaria a diminuio de gases
poluentes na atmosfera, responsveis pelo efeito estufa, garantindo
assim a segurana
energtica.Noquetangeaosempresrios,pressionadospelasnotciasveiculadasnos
pases compradores de acar e etanol, o que poderia comprometer suas
vendas, pelo Ministrio Pblico e, ainda, pela resistncia dos
trabalhadores por meio de milhares de processos trabalhistas, a
soluo encontrada foi mascarar a realida-de social e ambiental
existente por meio da assinatura desses acordos e do incre-mento do
processo de mecanizao, alis em marcha ascendente desde a dcada
de19907.Assimsendo,oslimitesnaturaisdessaproduoseriamtranspostos
namedidaemqueocampofossepaulatinamentetransformadonumaverda-deira
fbrica funcionando diuturnamenteSegundo dados do INPE, a rea com
cana no estado de So Paulo teve um incremento de 51,1% no perodo de
2006 6Jadir Damio Ribeiro, aluno de IC do CNPq, sob orientao da
primeira autora deste artigo, ento agente leigo da Pastoral do
Migrante, foi quem primeiro denunciou as mortes nos canaviais, em
funo da bi-rola (termo usado pelos trabalhadores para se referir
sequncia de cibras provocadas pelo dispndio excessivo de
energia).7SegundodadosdoProjetoCanasat,doInstitutoNacionaldePesquisasEspaciais(INPE),dos4.658.316
hectares de cana colhidos na safra 2012, 1.277.003 hectares (27,4%)
foram por queima e 3.381.313 (72,60%)
mecanicamente.Em2006,65,76%doscanaviaisforamcolhidoscomousodefogoe34,24%comouso
demquinas.Disponvelem:. Acesso em: 3 fev. 2014. v.4, n.1Maria A. M.
SilvaJuliana D. BuenoBeatriz M. de Melo 89a 2012. Em contrapartida,
o nmero de trabalhadores no qualifcados os que no operam as mquinas
decresceu de 154.254 em 2007 para 110.188 em 2012, enquanto os
empregados na mecanizao agrcola passaram de 34.142 em 2011 para
35.825 em 2012, segundo os dados CAGED e RAIS (Baccarin, 2013).Em
2009, durante a assinatura do Compromisso Nacional em Braslia, com
apresenadosrepresentantesdachamadaComissoTripartite(governo,em-presriosetrabalhadores),foimontadoocenrioparaaveiculaodanova
imagem do setor canavieiro. O Compromisso frmado visava ao
seguimento da
NR31(NormaRegulamentadora31,quenormatizaoambientedetrabalhono
campo) e implantao do chamado trabalho decente, por meio da
verifcao
documprimentodessanorma.Entreosvriositensdesseacordo,destaca-se
aregulamentaodomercadodetrabalhopormeiodacontrataonolugar
deorigemdostrabalhadores,evitandoassimavindaespontneademigran-tes
para a safra de cana. Criou-se, portanto, um mercado de trabalho
migrante temporrio regulado pelas empresas com o aval do Estado.
Este fato se constitui num elemento importante para entender o
avano do processo de mecanizao
eaeliminaodemilharesdepostosdetrabalho,semaocorrnciadapropa-ganda
ideolgica de um possvel desemprego em massa. Desde suas origens, os
migrantesrepresentaramamaiorfatiadoconjuntodetrabalhadoresdasusi-nas(Silva,1999).Destasorte,elesestosendodescartadospaulatinamentee
substitudos pelas mquinas, enquanto uma pequena parte destinada a
outras tarefas subsidirias das mquinas, sob o manto da contratao
direta e formal.
Osdescartadostomaramarotadeseuslocaisdeorigem,livrando,assim,as
cidades canavieiras paulistas dos problemas sociais causados pelos
migrantes, se-gundo palavras de um engenheiro
agrnomo.IIAoanalisaraliteraturasobreamecanizaodocortedacana8,obser-vam-seasseguintespreocupaes:a)explicaestcnicasrelacionadasao
funcionamentooperacionaldemquinas,tratores,transbordosecarregadei-ras,geralmenteprovenientesdareadaengenhariaagronmicaemecnica;
b)explicaesquevisamaapontarasvantagensdamaquinaria,relacionan-dooscustosdeproduo,taiscomoconsumodecombustveis,vidatildos
8As informaes a respeito da mecanizao so inmeras. Selecionamos
aquelas que nos auxiliaram na anlise dos depoimentos recolhidos
durante a pesquisa, a saber: Ramo, Schineider, Shikita, 2007; Cano,
Vergnio, 2010; Veiga Filho et al, 1994; Scheidl, Simon, 2012. Os
principais sites consultados foram: ; ; .90Quando a mquina desla,
os corpos silenciam: tecnologia e
degradao...equipamentos,rendimentos,cuidadosoperacionaisetc.Demodogeral,tais
explicaes se estendem tambm a outras fases da produo, como preparo
do
solo,subsolagem,nivelamento,profundidadedossulcos,distribuiodeher-bicidas
e adubos, atividades prvias ao plantio da cana. Muitos so os sites
da internet de empresas, fabricantes, associaes de plantadores de
cana, alm dos
artigostcnicosecientfcosquedivulgamtaisinformaes.Enfm,amaqui-naria,comomercadoria,cuidadosamenteexpostaparaatrairaatenode
futuros consumidores. O auge de seu fetichismo ocorre durante a
realizao das agrishows, feiras anuais visitadas por consumidores
nacionais e internacionais, alm de por representantes de partidos
polticos, governadores e presidentes da repblica e, obviamente, dos
meios de comunicao. importante ressaltar que dessa exposio no fazem
parte os trabalhadores. Eles permanecem ocultados e, assim, a
maquinaria parece dotada de um poder anmico, pelo qual ela sozi-nha
responsvel por toda a produo.Os achados de nossa pesquisa trazem ao
palco, no entanto, esses atores es-condidos atrs das cortinas pelos
fabricantes da imagem da produo
canaviei-raproprietrios,tcnicos,meiosdecomunicao,cientistas,fabricantesde
mquinas etc. Assim sendo, objetivamos ao entendimento desse
processo luz no apenas dos aspectos econmicos como tambm das
estratgias de domina-o que asseguram o poder da classe patronal e
desvendam formas de submis-so ao capital que so to ou mais
perversas do que aquelas at ento vigentes. Desta feita, alm de
tornar visvel a presena de trabalhadores, nossos achados
depesquisamostramqueamecanizaonoseliminoupostosdetrabalho
comotambmaprofundouaexploraodaforadetrabalhodaquelesquefo-ram
empregados. Para tanto, analisaremos a situao dos operadores de
mqui-nas, considerados qualifcados e os mais bem pagos, e tambm a
daqueles(as) que desempenham tarefas como: a recolha de pedras para
evitar que estas da-nifquem as lminas das mquinas; a extrao do
colonio nas fleiras de cana com a utilizao de enxades; a distribuio
de veneno com bombas costais de at 20 ou 30 quilos no meio das
canas; a recolha da bituca (restos de cana) dei-xada pelas mquinas;
a limpeza das curvas de nvel e dos canais de vinhaa; o plantio da
cana por meio da retapagem dos sulcos ou at mesmo por meio do
plantio manual. preciso, de antemo, ressaltar que essas atividades
(exceto a
dosoperadores)nosotornadasvisveis,inclusivepelosestudosquelevam em
conta o trabalho, nos quais a nfase recai somente sobre os
operadores de mquinas (Scopinho et al., 1999; Vergnio; Almeida,
2013) ou sobre a quantifca-o do mercado de trabalho (Veiga Filho et
al., 1994; Baccarin; Gebara; Borges Junior, 2011; Baccarin; Gebara;
Silva, 2013); v.4, n.1Maria A. M. SilvaJuliana D. BuenoBeatriz M.
de Melo 91Outro ponto importante a ser ressaltado que esse processo
de mecanizao no homogneo. Assim, h, de um lado, usinas cujo
progresso tcnico maior do que em outras. Isto est em sintonia com o
grau de concorrncia entre os capitais, por meio da qual so defnidas
a taxa de lucro e a produtividade mdia do trabalho. Por outro,
trata-se de um processo tcnico-cientfco que se acha combinado
per-manncia/recriao de atividades aparentemente anmalas (e
impensveis) como a recolha de pedras. Essa combinao defnidora da
nova morfologia do
traba-lhonoscanaviaispaulistaseproduzadialticadaracionalidade/irracionalidade,
cuja essncia a busca da reproduo ampliada dos capitais assentada na
dilapida-o da natureza e da fora humana de trabalho (Silva;
Martins,
2010).IIIAntesdeiniciarmosaanlisedasmudanasdoprocessodetrabalhonos
canaviaispaulistas,teceremosalgumasrefexestericascapazesdeapontar
outros caminhos interpretativos sobre essa
realidade.Numimportanteartigo,Gaudemar(1991)analisaadisciplinanoprocesso
de trabalho como sendo inscrita nas transformaes sociais
capitalistas:Ese,naverdade,adisciplinaconstituiopontonevrlgicodarelaode
subordinao do trabalho ao capital, a anlise da evoluo das formas
des-sa disciplina (por exemplo, as formas de controle do processo
de trabalho) pode ser um indicador fundamental da evoluo da relao
social em seu conjunto (p. 88; trad. MAMS).Ao estabelecer um dilogo
crtico com outros marxistas, o autor ressalta a
importnciadeumareleituradeMarx,sobretudodocaptulodamaquinaria e da
grande indstria, para se entender o estatuto terico da disciplina
do tra-balho na atual fase do capitalismo. Desta feita, retoma as
passagens referentes a esta temtica em Marx, mostrando a
necessidade do controle como meio de assegurar a produo da
mais-valia. Na fase anterior, os capatazes eram os
res-ponsveispeladisciplinadotrabalhoparceladoecooperativoentreostraba-lhadores.
Na fase da maquinaria, o controle no se acha encarnado em fguras
humanas, subjetivas, como a do capataz, por exemplo, porm numa fora
muito mais diablica a de um mecanismo objetivo: O que eu denomino
maquina-o maquinadora (p. 91). Na sequncia, o autor afrma:
Levando-se em conta que a formao social sempre imperfeita, no que
diz respeito s possibilidades que o pensamento terico lhe oferece,
existiriam 92Quando a mquina desla, os corpos silenciam: tecnologia
e
degradao...doisnveisdisciplinaresdamodeobra.Umquedesignariaatendncia
progressiva, a da fbrica automatizada, e outro que suporia a
permanncia dos velhos modos de dominao; um que conduziria ao futuro
capitalismo, e outro que permaneceria ancorado em suas origens, em
seu passado (p 91-92; trad. MAMS).Mais adiante, Gaudemar retoma as
consideraes de Marx acerca da diviso do trabalho, onde h uma
separao ntida entre o trabalho dos engenheiros, dos
tcnicosespecializados,dosvigilantesdasmquinas,dosoperadoreseaquele
dos pees, dos ajudantes, que naquele momento eram representados
pelas crian-as e mulheres. Para Gaudemar, a maquinaria gera um
processo de
autovigiln-ciaque,nolimite,poderiasuprimiropessoalencarregadoexclusivamenteda
vigilncia.Dessemodo,opanoptismodaprimeirafasepoderiasersubstitudo
pelomaquinismopormeiodeumprocessodeobjetivao-interiorizaoda
disciplina(p.93).Nacontramodeoutrosmarxistas,oautorafrmaqueessa
diviso no puramente tecnolgica, ainda que esta seja uma tendncia.
Pelo contrrio, tal disciplina se reproduz amplifcando os modos de
dominao social: a fbrica um lugar fora da lei, porque o capitalista
faz nela a sua lei (p.
94).Essasrefexesnospermitemenxergaralmdoeitodoscanaviais,isto,
analisar as mudanas do processo de trabalho no contexto da dominao
social
impostaaostrabalhadores.Entendemosarealidadesocialenquantoprocesso,
cuja dinmica se reproduz por meio de elementos histricos
determinados, se-gundo as particularidades de cada sociedade.
Inspiradas nas refexes tericas
deMarxeGaudemar,sugerimosquatrociclosdodesenvolvimentodeestrat-gias
de dominao social nos canaviais no estado de So Paulo, a saber:A
histria brasileira durante quase quatro sculos foi marcada a ferro
pela escravido de negros e ndios. Durante os primeiros sculos, o
centro da econo-mia colonial situava-se no nordeste, cujo solo
massap da costa era propcio plantao canavieira. No estado de So
Paulo, os primeiros engenhos surgiram
emSoVicente;maistarde,emmeadosdosculoXVIII,comadecadncia da minerao
e o retorno de muitas famlias, houve no chamado quadriltero
doacarPiracicaba,Sorocaba,Mogi-GuaueJundiaaimplantaode muitos
engenhos (Petrone, 1968). Os escravos eram a base do trabalho
nesses engenhos de cana, produtores de cachaa e rapadura. A cidade
de Itu tambm desenvolveu essa produo. As estratgias disciplinares
eram por meio da coer-o fsica, da chibata e outros instrumentos de
tortura.Durante o colonato (as primeiras cinco dcadas do sculo XX)
o controle do trabalho era exercido pelo chefe da famlia. O
processo de trabalho consistia no v.4, n.1Maria A. M. SilvaJuliana
D. BuenoBeatriz M. de Melo 93trabalho manual em todas as fases do
processo produtivo, incluindo preparo do solo, por meio de arados
tracionados por animais, plantio e corte da cana crua (no
queimada). Aps o corte realizado por homens e mulheres, as canas
eram amontoadas em feixes pelas crianas, que os amarravam com a
folha da cana, os quais, em seguida, eram transportados nos ombros
dos homens at os carro-es puxados por bois ou burros nos
carreadores. Dali a cana era levada at os vages de trens que a
conduziam aos ptios das usinas (Silva, 2008). As relaes sociais do
patriarcado reproduziram-se no interior dos canaviais, investindo
os chefes de famlia da funo de capatazes9. A partir do surgimento
das usinas na dcada de 1960 e do desmonte do sis-tema do colonato,
as formas do controle passaram para um grupo especial de vigilantes
do processo de trabalho, como feitores, fscais, empreiteiros de mo
de obra (gatos), que refetiam as mudanas nas formas de gesto e
organizao do trabalho. Instalou-se, assim, um sistema panptico de
controle tanto no es-pao produtivo como no reprodutivo. Com o
surgimento das cidades
canaviei-rasnoestadodeSoPaulo,pormeiodavindademilharesdetrabalhadores
dosestadosdeMinasGerais,Paranedonordestedopas,criou-seumsis-tema
disciplinar no eito dos canaviais e tambm em seu exterior,
modelando,
assim,acasaeoeito.Nocolonato,essecontroleduploexistia,emborafosse
exercidopelopai-patro,almdepelosfscais.Comasusinas,essaduplici-dadedecontrolecaberaumgrupoespecializadodefnidopelasestratgias
dasempresas,segundocdigosdamoralizaosocial,pormeiodocontrole do
mercado de trabalho desde as regies de origem dos trabalhadores, at
suas condutas morais (uso de bebidas alcolicas, absentesmo) e
polticas partici-pao em greves (Silva,
1999).Emmeadosdadcadade1990,inicia-seochamadoparadigmadama-quinarianoscanaviais,nocontextosocial,econmicoeambientalexposto
noinciodesteartigo.Deformacadavezmaissistemtica,amaquinaria
seroprincipalinstrumentodeobjetivaodoprocessodetrabalho,em-boranestemomentocombineformassubjetivasdecontrolepormeiode
capatazes(encarregados),prevalecentesnasfasesanteriores.Seguindoas
refexesdeGaudemar,aalienaoquederivadamaquinariaconsistena
9Essasinformaesvmdapesquisalevadaacabopelaprimeiraautoradesteartigoemmeadosdad-cada
de 1990, com apoio da FAPESP e do CNPq, na usina Amlia (Santa Rosa
de Viterbo), pertencente famlia Matarazzo, que operou a partir da
dcada de 1930, por meio do trabalho dos colonos, constitu-dos por
afrodescendentes, provenientes do nordeste e de Minas Gerais e
tambm de imigrantes italianos. Na usina Tamoio (Araraquara),
(Caires, 2008), o sistema era o mesmo.94Quando a mquina desla, os
corpos silenciam: tecnologia e
degradao...interiorizaodoprocessodetrabalhoobjetivadopormeiodeumciclode
disciplina maquinadora (p.
103).Aperiodizaodasestratgiasdisciplinarespostasemprticanesselongo
perodohistricodessaatividadeprodutivanospermiteafrmarqueessesci-clos
no so excludentes entre si, justapondo-se uns aos outros, ainda que
em cadaciclosejapossvelverifcaratendnciadaestratgiadominantedecada
umdeles.Aparticularidadehistricadopas,marcadaporquatrosculosde
escravido,imprimiumarcasprofundasnasrelaesdetrabalhops-escravi-do,
cujos rastros ainda vigem, embora escamoteados sob o manto do
trabalho livre. A chibata hoje foi substituda pelo gancho, pela
imposio das metas de produo, pela suspenso do vale-refeio e por
tantos outros mecanismos de controle que sero descritos mais
adiante. Uma anlise que privilegiar o recorte
tnicoencontrarnoeitodoscanaviais,desdeocolonatoatosdiasdehoje, uma
classe trabalhadora constituda de negros e no provenientes do
estado de So Paulo. Este dado histrico de suma importncia para a
compreenso dos quatro ciclos de tecnologias de disciplina impostos,
alm de para uma anlise que aponte para a mudana da mais-valia
absoluta para a relativa, o
crescimen-todaprodutividadedotrabalhocomasmquinaseoaumentodaproduo.
Tal como afrmou Marx, o capitalista compra a fora de trabalho e no
o traba-lhador, mas no podemos olvidar que a primeira no existe sem
o segundo, do mesmo modo que a lesma no vive sem a concha.Portanto,
as razes das estratgias disciplinares encontradas no eito dos
ca-naviaispaulistasemtemposdoparadigmadamaquinariaforneceroosele-mentos
para o entendimento da tecnologia per se e no o contrrio. Desta
feita, analisaremos o atual processo de trabalho, enfatizando a
organizao do traba-lho, a diviso do trabalho, segundo os gneros e
as formas de controle
impostos.IVTalcomodescritoporMarx,oespaodacompraevendadaforadetra-balhooreinodaliberdadeondeestopessoasjuridicamenteiguais.Toda-via,
essa aparncia de liberdade desaparece no momento da produo. Segundo
Marx, observa-se a uma mudana na fsionomia dos personagens desse
drama. Enquanto o homem do dinheiro caminha frente, o possuidor da
fora de tra-balho lhe segue atrs como seu trabalhador. Aquele
possui um ar altivo e este tmido, hesitante, retido, como algum que
levou sua prpria pele ao mercado e s pode esperar uma coisa: ser
tosquiado (Marx, 1976: 135; trad. MAMS). v.4, n.1Maria A. M.
SilvaJuliana D. BuenoBeatriz M. de Melo 95Essa passagem de O
capital ilustra bem as relaes de poder que existem no espao
produtivo, mormente quando o saber tcnico-cientfco domina o
proces-so de trabalho, aprofundando a diviso do trabalho e a
alienao do trabalhador.
Ametforamarxiananosfazlembrarasituaodostrabalhadoresnointerior das
minas de carvo descritas por mile Zola na obra-prima Germinal.
Somente penetrando nas entranhas da terra era possvel extrair o
carvo e tambm conhe-cer as condies de trabalho l vigentes. Ainda
que a produo canavieira seja feita na superfcie da terra, o
conhecimento do trabalho que a realizado s se faz pelo escutar das
vozes e pelo compartilhar das emoes advindas das profun-dezas no da
terra, mas dos interiores daqueles(as) que a labutam10.Linhas atrs
mencionamos que a implantao das mquinas implicou largas
mudanasnoprocessoprodutivodacana-de-acar.Comojsalientaramou-tros
estudos (Veiga Filho et al., 1994; Scopinho et al., 1999; Scheidl;
Simon, 2012), h uma interdependncia entre as diferentes fases do
processo produtivo: desde a escolha de variedades de cana que se
adaptem s condies edafoclimticas, passando pelo preparo do terreno,
pelo plantio, pela colheita, at o
carregamen-toeotransporteparaasmoendasdaindstria.Poroutrolado,oavanoda
tecnologia impe cada vez mais mudanas em todo o processo. Antes do
plan-tio, prepara-se rigorosamente o terreno com tratores,
niveladores, gradeadores, escavadeiras, sulcadores. O terreno
necessita ter grandes dimenses em virtude
nosdotamanhodasmquinas,mastambmparafacilitarediminuiros gastos com
combustvel para as suas manobras durante a colheita. Em casos de
reasnovas,hanecessidadederetirarrvores,cercas,pomares,casas,corri-gindo
a declividade, secando as nascentes dgua, alm de nivelar o terreno
por-que as salincias podem causar acidentes, como o tombamento11. E
mais ainda. A demolio das casas ocorre aps a sada de seus moradores
trabalhadores, sitiantes ou at mesmo fazendeiros, que arrendaram ou
venderam suas terras para as usinas (Melo, 2012; Reis, 2013). A
demolio das casas, sedes de fazen-das nada mais do que o apagamento
das marcas sociais e coletivas de quem ali viveu, portanto do
patrimnio material e histrico. Ela determina tambm
oquantumdecortadoresmanuaisqueperderoempregocomsuachegada.
Enfm,amquina,oumelhor,afguradamquina,determinacomoeoque
10Marxafrmouquenoespaodafbricanopermitidaaentradadepessoasestranhas.Domesmo
modo,ospesquisadoresnotmacessoaoeitodoscanaviais.Todavia,sabiamente,aproveitandoum
descuido dos vigilantes, em duas ocasies foi possvel adentrar esse
espao e seguir os trabalhadores da vinhaa, do preparo da terra e da
distribuio de venenos.11Aqui podemos entender o desaparecimento dos
morros citado na passagem em epgrafe deste artigo. As rvores so
enterradas cemitrio das rvores em gigantescos buracos escavados
pelos tratores.96Quando a mquina desla, os corpos silenciam:
tecnologia e degradao...deve ser feito para que ela opere. Ela a
persona central do processo produtivo e para ela que as atenes, os
olhares, os fashes se dirigem. Ela custosa (em torno de R$
1.000.000,00), luxuosa (com cabines refrigeradas e computador de
bordo).Suaetiquetadefabricao(modelo,capacidadedecolheita,consumo de
combustvel, graxa, leo) a coloca no centro da passarela12. Uma
verdadeira
topmodel,quedesflasemparar,descansandoapenasalgunsminutosparao
abastecimento e a reparao de peas danifcadas. O tempo todo ela
exige que
osolharessejamaeladirigidoseseusdesejossatisfeitos,atmesmonoite.
Emborasendoproduzidaparaoperarnaterra,elanoofazduranteopero-do
chuvoso, pois a lama no combina com seus ps esteirados. Mesmo que
os tratores tapem as minas dgua, sequem as reas pantanosas, seus
artfces no conseguiram ainda impedir as chuvas. Neste momento o
desfle se interrompe. Ela descansa, enquanto seus operadores so
destinados a outras atividades.Sigamos as indicaes desta metfora. O
preparo da passarela, como vimos, exige planejamento prvio dos
tcnicos em relao ao terreno, variedade de
cana,distribuiodefertilizantes,herbicidas,larguraentreasfleirasda
canaeprofundidadedossulcos.Prepararoterrenosignifcalimp-lodeto-das
as impurezas e anomalias, tanto naturais como sociais. Esta fase
feita pela frente de trabalho dos tratoristas e seus ajudantes.
Esses profssionais, em geral, j tinham uma trajetria laboral na
usina, eram bons cortadores de cana, dceis, que, assim que surgiu a
oportunidade, fzeram o curso e foram selecionados. H
aindaaquelesquesoflhosdesitiantesedesdecrianasaprenderamalidar com
o trator, juntamente com os pais13. Neste caso, no necessitam fazer
o curso. Os ajudantes aprendem com os tratoristas, havendo a
captura do saber e da ex-perincia dos trabalhadores por parte das
empresas, diminuindo os custos com a qualifcao da fora de trabalho.
H ainda os mecnicos, soldadores que trabalham nas ofcinas de apoio
s mquinas e no campo, quando so chamados para o reparo daquelas que
esto
emoperao.Nestemomentocontamcomoapoiodosoperadoreseajudan-tesdasmquinasemsituaodereparo.Acomunicaofeitapelopessoal
docontrole,oschamadosencarregados,pormeioderdiosamadores,poiso uso
de celulares pelos trabalhadores proibido nos canaviais. As
estratgias da disciplina so feitas pelos computadores de bordo dos
tratores e tambm pelos encarregados, os capatazes, supervisionados
pelos tcnicos.12A marca John Deere a mais cobiada, segundo os
operadores.13Situao encontrada em Santa Albertina na regio de
Jales-SP. v.4, n.1Maria A. M. SilvaJuliana D. BuenoBeatriz M. de
Melo
97Afeituradapassarelaexigeumacabamentofnal,desempenhadoporoutra
frentedetrabalho,totalmenteinvisibilizadapelosestudosconstitudaporho-mens
e mulheres considerados no qualifcados, trabalhadores da diria,
poliva-lentes,taiscomoaturmadapedraoudotoco.Maisadiante,veremosqueesta
atividade mormente desempenhada por mulheres. Vale enfatizar que se
trata de uma atividade importantssima, pois a recolha das pedras
impede a quebra das faquinhas (lminas) das mquinas. Essa frente
controlada pelos encarregados. Todavia, nossos achados de pesquisa
revelaram que a frente da pedra traba-lha tambm antes da operao das
colheitadeiras, porque, segundo uma depoen-te, as pedras brotam do
cho; quanto mais a gente recolhe, mais elas aparecem. De todo modo,
h aqui a combinao da tecnologia avanada com o trabalho huma-no
degradado, um trabalho da poca da escravido, segundo uma
trabalhadora14.
Terminadaaconstruodapassarelaentraemcampooutrafrentedetra-balho,adoplantio.Atecnologiadessaetapavariamuitodeumausinapara
outra. H aquelas que combinam o trabalho manual com o mecnico,
enquanto em outras o processo todo ele feito por mquinas. No
primeiro caso, a cana crua cortada manualmente, transportada at as
reas de plantio e depositada em montes. Nos sulcos previamente
adubados e abertos por tratores, as canas vo sendo depositadas
pelos(as) trabalhadores(as), seguidos de outra frente que pica os
gomos e, fnalmente, pelos tratores que realizam a cobertura com
terra. Essa atividade exige muito esforo e agilidade, pois a
distribuio das canas nos
sulcoseocortedosgomossorealizadossegundoavelocidadedostratores
ecaminhesquetransportamascanas,quenamaiorpartedasvezesperten-cem a
frmas terceirizadas, cuja forma de remunerao pelo quantum de cana
plantada.Essaatividadeprovocamuitasdoresnocorpo,poisexigeapostura
curvada ou at mesmo ajoelhada para cortar os gomos. No plantio
mecanizado, todas essas etapas so realizadas pelas mquinas e seus
operadores: as colheitadeiras cortam e picam as canas cruas que,
aps ser transportadas, so distribudas nos sulcos j adubados por
outros tratores com caambas, que tambm realizam a tapagem dos
sulcos15. Caso os encarregados 14Consultando os sites sobre as
mquinas, vimos que h um modelo de colhedora de pedras na Austrlia.
15At h alguns anos vigorava outro sistema de plantio, embora, ainda
seja praticado, porm, interditado
peloMinistrioPblico.Osistemaomesmonoquetangeaopreparodossulcos.Oscaminhes
transportavamacanaechegandoaoslocaisdoplantio,cincohomensdispostossobreacanaiam
lanandoasmesmasnossulcos,medidaqueocaminhoavanava.Nocho,asmulherescortavam
os toletes nos sulcos e atrs delas, os tratores faziam a operao de
tapagem. As mulheres, assim, eram pressionadas pelos tratores e
pelos caminhes, alm de inalarem os gases expelidos dos
escapamentos. Em razo da movimentao das canas, eram frequentes os
acidentes graves, resultando em quedas dos homens e tambm
atropelamento das mulheres pelas mquinas.98Quando a mquina desla,
os corpos silenciam: tecnologia e degradao...julguem necessrio, uma
turma de trabalhadores(as) ser mobilizada para rea-lizar a
retapagem dos sulcos. importante ressaltar que as frentes da diria
so
constitudasportrabalhadoresmanuais,polivalentes,osquaisdesempenham
atividades complementares s mquinas e so deslocados para diferentes
reas detrabalho,segundoasnecessidadesdaproduo.Dasurgeaformacomo
defnemseutrabalho:trabalhonaroa.Juridicamente,soregistradoscomo
trabalhadores rurais. Na verdade, so, alm de polivalentes,
ambulantes. A mu-dana do tropo semntico importante na medida em que
so distinguidos em relao aos qualifcados tratoristas e operadores ,
e a natureza do trabalho realizado camufada e no paga, segundo a
NR31. o caso dos trabalhadores
nadistribuiodavinhaaedoveneno,quenorecebemacomplementao
correspondente insalubridade. Finda essa etapa aguarda-se o ciclo
natural da cana brotao, crescimen-to e maturao. Todavia, h
necessidade de muitos cuidados para esse ciclo se completar. Ou
seja, a cana o tapete verde que se estende sobre a passarela da
mquina, que necessita de planejamento tcnico-racional. a fase de
cuidar da cana. a vez dos(as) que executam o trabalho na roa:
frentes da pedra, bituca, veneno e vinhaa, que certifcam a combinao
da racionalidade/irracionalida-de mencionada linhas
atrs.VPretendemos apresentar nas linhas que se seguem a degradao do
trabalho que circunda as grandes mquinas colheitadeiras e a forma
pela qual as normas
referentesaospadresdegneronosdiferenciamoempregodehomense mulheres
nas diversas etapas do processo de produo da cana como acabam por
estabelecer o momento em que as fronteiras devem ser abertas e
fechadas para a contratao de mulheres. Entre as atividades que
ainda empregam mulheres est o recolhimento das pedras nos
canaviais, como j foi mencionado. Tal processo pode ser descrito
como um dos movimentos de abre-alas para a mquina colheitadeira
passar. Isso porque o terreno precisa fcar livre de pedras que
possam danifcar as lmi-nas das enormes e potentes mquinas
colheitadeiras. Essa atividade consiste na retirada de pedras de
diferentes tamanhos. Primeiramente, as pedras so reco-lhidas e
colocadas em baldes, para depois serem depositadas em uma pequena
carreta puxada por um trator no canavial. Essa atividade realizada
pela assim chamada turma da pedra ou por uma turma que est
trabalhando na diria. A turma da diria muitas vezes chega no eito
do canavial sem saber ao certo qual atividade desempenhar naquele
dia. Pode ser enviada para a recolha de v.4, n.1Maria A. M.
SilvaJuliana D. BuenoBeatriz M. de Melo 99bituca e pedra, a
abertura de eito ou at mesmo a retirada de cercas que marca-vam as
reas recm-arrendadas pelas usinas. Na recolha de pedras, geralmente
asmulheresseencarregamderecolheraspedrasmenores,coloc-lasemum
balde, enquanto os homens puxam o trator que carrega a carreta e so
responsa-bilizados tambm por puxar as pedras maiores que fcam
escondidas na terra. Eles usam uma enxada para retirar as pedras
que esto parcialmente fncadas no solo. Muitas vezes, em razo do
tamanho e do peso das pedras, elas precisam ser carregadas por um
grupo de
pessoas.Neusa16:Deprimeiroagenteusavabastantepedra,colocavanocarreador.
Sabe o que carreador? Assim, um caminho. Porque eles falam que a
pe-dra protegia muito o caminho, o local. Acho que para as
barreiras no cair
terraporqueperdiamuito.Squeporcausadasmquinasobrigatrio tirar as
pedras por causa das mquinas pra cortar as canas. E quebra
mui-toalminadamquina,entoelespemostrabalhadoresparacataras
pedras.Agentecataaspedras,jogaprafora,unsvopegandoefazendo aqueles
montes. Outros vo atrs pegando e pondo num caminho, levando pra
outro lugar e jogando num buraco. assim. Mesmo que puder catar as
miudinhas, tem que catar. As grandes os homens iam l, ajudavam,
catavam pra jogar pra fora, por causa da mquina.[...]Eu entrei na
bituca, a como acaba a bituca a tinha dia que a gente ia na bi-tuca
e tinha dia que a gente ia na pedra. Ento quando chovia bastante
que no tinha como eles se... Por causa das canas que o caminho no
andava porcausadaterramolhada,entoagenteiacatarpedra.Agenteiacatar
pedra. Tirar pra fora (7 de novembro de
2012).Aatividadecontroladaporumfscaldeturma,quedestinaacadatraba-lhadora
um nmero e uma rua de cana para que a recolha de pedra seja feita.
Elepassanoscanaviaisolhandoparasabersealgumapedrafoideixadapara
trs. Caso isso acontea, uma vez identifcada a rua em que a pedra
foi deixada, o fscal tem acesso tambm pessoa que estava encarregada
de realizar aquele trabalho. Essa mais uma das formas de controlar
o trabalho nos canaviais. Nos trechos seguintes, as trabalhadoras
descrevem a diviso do trabalho na atividade.
Neusa:Voumaspessoasnafrenteevaicatandoaspedrasecolocando naqueles
montes. A vem uns homens mexer na caamba, na carriola, sei l, 16Os
nomes so fctcios.100Quando a mquina desla, os corpos silenciam:
tecnologia e degradao...sabe? Vai pegando por cima daquela caamba.
A vai levando pro tratorista que est com a caamba l atrs, e vai
levando pro terreno ali. Tem um bu-raco e vai jogando, sempre. E a
maioria levava balde. Sabe esses baldes de casa mesmo? A a maioria
das mulheres levava de balde, apanhava aquelas pedras de balde pra
puxar pra fora pra juntar. Levava baldes de casa mesmo.Rita: que
fca aquelas pedrinhas
pequenininhas...Neusa:pedrinhagrandeassim.Eratograndequesvezeseradetrs,
quatrohomenspraarrastarela.Squeaspequenaselespediampragente levar
balde. Tinha vez que no tinha balde, tinha vezes que as mulheres
que no sabiam que iam trabalhar l, elas pegavam a roupa e colocava
l. A gente at zuava com elas. A gente falava: No faz isso no, mais
tarde voc vai es-tar toda suja!. A gente que j era acostumada fazia
de outro jeito pra no se sujar. Elas colocavam tudo na roupa.
sempre assim (7 de novembro de 2012).Para alm da diviso de tarefas,
os excertos das narrativas evidenciam uma prtica abusiva por parte
dos empregadores: delegar s trabalhadoras a respon-sabilidade por
levar os instrumentos de trabalho de suas casas para o canavial.
Levando-se em considerao que o trabalho na recolha das pedras
realizado muitas vezes pela turma da diria, algumas trabalhadoras,
por desconhecer o
trabalhoderecolhadaspedras,acabamutilizandoasprpriasblusasparaar-mazenar
as pedras e transport-las at as
carretas.Outraatividadesubsidiriamaquinareporta-sedistribuiodeherbi-cidas,
formicidas e tambm extrao do colonio17. No tocante a esta ltima,
foramencontradasmulheresque,comousodoenxado,arrancavamastou-ceirasdocapimnomeiodasfleirasdecana.Porseremresistentes,elasno
soeliminadaspelosherbicidas,sendo,portanto,necessrioarranc-las,ga-rantindoassimocrescimentodacana.Trata-sedeumtrabalhopesado,dado
queexigemuitodispndiodeenergiaparaextrairasrazesprofundasdoca-pim.Aprefernciapormulheresdeve-seaofatodeelasseremmaiscuida-dosas,segundoosfscaisdocontrole.Poroutrolado,quandoascanasesto
crescidas, o trabalho executado longe do olhar panptico dos fscais,
pois em
razodotamanhodelasasmulheresfcamtotalmenteinvisveis,camufadas por
elas. Todavia, assim que logram percorrer as fleiras de cana e
chegam at 17O Panicum maximum Jacq CV Colonio, conhecido como capim
colonio originrio da frica. uma
plantaperene,formatouceirasgrandesedensasepodeatingirattrsmetrosdealtura.Exigealtas
temperaturas e umidade para crescimento; pouco resistente a geadas
e tem resistncia regular seca e no
resistenteaofogo.Defniodisponvelem:http://www.agronomia.com.br/conteudo/artigos/arti-gos_gramineas_tropicais_panicum_colon.htm.
Acesso em 10/02/2014. v.4, n.1Maria A. M. SilvaJuliana D.
BuenoBeatriz M. de Melo
101oscarreadores(espaosdetrnsitodasmquinaselimitesdostalhes),les-to
eles espera. A estratgia disciplinar, neste caso, medida pelo
clculo do
tempoparaoarranquedocapim.Emvirtudedodiminutoespao(entre1,50
me1,90m)edocrescimentodasfolhas,asruasdacanafcamtotalmente
fechadas. Esse ambiente inspito, agravado pelo perigo de cobras,
alm do calor excessivo, faz que as mulheres trabalhem em duplas,
sobretudo para evitar que o medo ou mesmo a picada de cobras possa
afetar o rendimento do trabalho. A estratgia colocar as mulheres
mais arrojadas frente das medrosas. Inme-ros foram os relatos de
mulheres que mataram cobras. Nota-se que, neste caso,
nohmaisodiscursodeproteoaostrabalhadorescontraoschamados animais
peonhentos, descrito linhas atrs, justifcando a mecanizao. H ain-da
aquelas que vo amassando o colonio com os ps para facilitar o
arranque. Esta operao penosa, pois exige que as mulheres portem
botas especiais com canos acima dos joelhos, o que lhes provoca
deformaes nos ps, varizes, alm da queixa de presso arterial alta,
devido ao calor. No inverno, quando as folhas da cana esto ainda
orvalhadas, logo no incio da jornada de trabalho, elas so obrigadas
a adentrar as fleiras de cana. Muitas reclamam que fcam com a
rou-pa molhada durante muitas horas, o que lhes provoca muitas
doenas respira-trias, inclusive pneumonia.No que se refere turma do
veneno, encontramos homens que distribuem
formicidaemulheresquedistribuemherbicidas.Ambosportambombascos-tais,
que pesam de 20 at 30 kg. Do mesmo modo que a turma do colonio,
eles trabalham no meio da cana, no mesmo ambiente penoso, agravado
pelo cheiro dos venenos e pelo peso das bombas nas costas. Os
depoimentos revelam o so-frimento do trabalho, as dores na coluna,
de cabea, enjoos, vmitos, inapetn-cia, desmaios, alergias,
perturbaes visuais, alm de outras queixas.O que constatamos que
mormente as mulheres no aguentaram ou no esto aguentando essa
atividade por muito tempo. A grande maioria solicitou a
transferncia para outras funes, afastaram-se por razes de doena ou
ma-nifestaram desejo de deixar o emprego. A gente quer que a usina
nos mande embora, mas eles no mandam. Esta frase revela outra face
dessa realidade. O
cicloatualdoparadigmadamquina,aoimpornovasestratgiasdecontrole,
produziu tambm mudanas nas formas de contratao. As frentes de
trabalho
soconstitudasportrabalhadorescomregistroformaleportempoindeter-minado.Nohmais(excetoparaoscortadoresmanuaisdecanaqueimada)
os contratos de safra e entressafra. Portanto, eliminaram-se,
naqueles casos, os
contratossazonais.Destafeita,aoserdespedidosnoporjustacausa,ospa-tres
seriam obrigados ao pagamento dos direitos trabalhistas. Na medida
em 102Quando a mquina desla, os corpos silenciam: tecnologia e
degradao...que eles no mandam a gente embora, eles no pedem demisso
para assegu-rar esses direitos, na esperana de que eles mandem a
gente embora.Para completar a descrio da feitura do tapete verde da
passarela, analisa-mos em seguida os trabalhadores da vinhaa.VIA
vinhaa, tambm conhecida por restilo ou vinhoto, o produto oriundo
da destilao do licor de fermentao do lcool de cana-de-acar18. As
usinas
aproveitamesselquidoresidualparaaplicarnosistemadefertirrigaonas
plantaes de cana. Dependendo do solo e da quantidade de vinhaa
aplicada
noterreno,olquidopodecontaminarasguassuperfciaisesubterrneas.A
contaminaosed,emparte,emrazodeumaconcentraoespecfcade fosfato e
nitrato. A aplicao da vinhaa tem efeitos diretos na sade humana e
animal e tambm infuencia no crescimento de plantas e na qualidade
do am-biente (Silva; Griebeler; Borges, 2007). O poder poluente da
vinhaa decorre da sua riqueza em matria orgnica, baixo pH, elevada
corrosivida-de e altos ndices de demanda bioqumica de oxignio
(DBO), alm de ele-vada temperatura na sada dos destiladores;
considerada altamente nociva
fauna,fora,microfaunaemicroforadasguasdoces(Silva;Griebeler;
Borges, 2007:
109).Szmrecsnyi(1994:73)tambmapresentaasconsequnciasambientais do
uso da vinhaa in natura: poluio hdrica dos cursos dgua e dos lenis
freticos e uma progressiva salinizao dos solos. Esses estudos
mostram os riscosambientaisdodespejodavinhaanosoloetambmdeseuusona
cultura de cana-de-acar como fertilizante. Traz, inclusive, risco
de doenas para os peixes dos rios prximos a essas reas e tambm o
risco de
dissemi-naodeendemiascomoamalriaeaesquistossomose.Oelementooculto
nessasrefernciasoriscoparaquemtrabalhadiretamentecomavinhaa.
Recorremos experincia laboral do Sr. Edson, que trabalha h sete
anos na aplicaodavinhaanasplantaesdecana.Suanarrativatrazelementos
fundamentaisparaacompreensodeelementoscomoadinmicadotraba-lho, o
esquema de revezamento de turnos, o protagonismo das mquinas e os
riscos para a sade do trabalhador. Em sua trajetria laboral esto
presentes 18Cada litro de lcool produzido pela usina gera cerca de
dez a dezoito litros de vinhaa (Silva; Griebeler; Borgeset al.,
2007). v.4, n.1Maria A. M. SilvaJuliana D. BuenoBeatriz M. de Melo
103aomenostrsatividadesdistintasnaculturacanavieira:controlebiolgico
depragasnoscanaviais,cortedecanamanualeaplicaodavinhaa.Aps dois
anos de atividade no corte de cana, Edson comeou a sentir fortes
dores no brao que fazia o movimento de abraar a cana. Aps passar
por percia mdica e tentar afastamento, foi encaminhado de volta
usina para dar conti-nuidade ao trabalho. Entretanto, no podia mais
cortar cana; por esse motivo, foi destinado para a turma da
vinhaa.A turma da vinhaa responsvel pela construo dos canais que
ligam a
usinaaoscanaviais.Oscanaissoconstitudospordutosfeitosnasuperfcie do
terreno. Em seguida, colocada uma lona preta para facilitar o
escoamen-todavinhaa.Existemaomenosduasfrentesdeaplicaodavinhaa.Uma
delas feita por asperso de canho. Uma mquina puxa a vinhaa que sai
do canal e o trabalhador responsvel tem que inclinar o canho em
diferentes n-gulos para que a irrigao seja feita. Na outra frente
de trabalho da vinhaa a asperso feita por meio do carretel
enrolador. Nessa modalidade de asperso,
avinhaaarmazenadaemumcaminhotanque,apartirdoqualsaiuma
mangueiraqueseligaemoutramquinaqueabasteceocarretel.Ocarretel tem
um comprimento de trezentos metros e consegue jogar a vinhaa a uma
distncia de cinco
metros.Aaplicaodesseprodutofeitaininterruptamente,oqueimplicaumes-quemaderevezamentoquefazqueostrabalhadorespassemportrsturnos
distintosduranteoms.Dessemodo,seuscorposprecisamsereadaptar,se-manalmente,anovosordenamentosderotina,comdistintoshorriospara
alimentao, sono e trabalho. Alm da confuso mental e orgnica gerada
por
readaptaesconstantes,oambientedetrabalhoapresentaalgunsfatoresde
risco, como o rudo elevado emitido pelos motores das mquinas que
fazem o carregamento e a asperso, e o contato direto com o lquido
da vinhaa, que tem um odor bastante acentuado, chegando a fcar
impregnado na pele dos trabalha-dores, mesmo depois que eles chegam
em casa e tomam banho. A despeito de os trabalhadores realizarem
suas atividades com protetores auriculares e roupas reforadas para
no entrar em contato com o lquido, em alguns momentos a substncia
entra em contato direto com a pele dos trabalhadores, como mostra o
seguinte trecho da narrativa de Edson:
Edson:Prafalaraverdadepravocela[avinhaa]qumica.soda,
soda...umaqumica,euvoufalaraverdadeparavoc.[...].Aroupada
gentedevoctrabalharmuitotempocomelaapodrecetudo[...]ela come a
roupa da gente. 104Quando a mquina desla, os corpos silenciam:
tecnologia e degradao...[...] J teve at vez de eu tomar banho nele,
no vou mentir pra voc. Porque tem uma tal de motobomba, e essa tal
de motobomba tipo de uma dessa mquina a. Ento, voc liga a motobomba
assim [...] voc liga a
motobom-ba,eessamotobombajogaelasozinha,novaicano,novainadanela.E
ela joga a vinhaa l assim, joga sozinha. E tem vez que ela enrosca
o cano dela, e voc obrigado a tomar um banho pra desligar aquela
mquina. [A
mquina]estesticadatrabalhando,sabe?Elaestavatrabalhando,ocano dela
trabalhando, e enroscou, parou. O cano dela, e ela no desarma. E se
ela no desarmou voc obrigado a ir embaixo dela, pegar um cabo de
enxada e bater ali no canho dela para desarmar. E nisso a voc j se
molhou tudo. Voc sai com a roupa, todo molhado. Se voc levou roupa,
voc troca, se voc no levou obrigado a trabalhar no turno molhado
ali. E eu no vou mentir
no,jaconteceudeeutrabalharanoitetodinhamolhadinhodevinhaa, vou
falar o que verdade [...] trabalhei a noite toda
molhadinho-molhadinho.P: E essa coisa de contato com a vinhaa,
ento, o senhor acha que nunca deu nenhum problema para o
senhor?Edson: No, no [...] falar o que pleno e verdade... Mrcia19:
Pra ele [...], ele no sabe dos outros. Edson: S teve uma coisa que
deu. Um rapaz fcou cego. Menino. Olha, ns estvamos trabalhando das
11 [...] das 3 s 11. A ns chegamos na usina, ns passamos o crach na
usina, chega e espera o nibus da usina vir aqui trazer...
vemumnibus[...]trazerosprofssionaisaquina[...].A,quandonspe-gamos e
chegamos l, descemos todo mundo de dentro do nibus, ele estava
quase assim dentro do nibus, . Ele gente boa, brincava com a gente
[...] ele se batendo dentro do nibus, assim, ... e eu falei: ,
rapaz, que
brinca-deiraessa?!Falei[...]eelefcouassim.Aelefoiefalouquenoestava
enxergando mais. A, levaram ele na casa dele, chamaram a esposa
dele, pe-garam os documentos dele, e levaram ele em Campinas num
mdico l... A chegou l, o mdico falou, ia, ele perdeu a vista. No
sei quantos por cento. Inclusive, algum leva ele pros lugares, a
esposa dele (14 de abril de
2013).Durantenossaspesquisasdecampo,ementrevistaseconversascomho-menstrabalhadoresdoscanaviaispaulistas,nasdiferentesocupaes,ouvi-mos
muitos relatos de pessoas que conheciam algum que tinha se
machucado no trabalho, mas difcilmente a doena tinha acometido o
narrador,
principal-mentenocasodoshomens.Emseuestudosobrepsicopatologiadotrabalho,
19Esposa de Edson. v.4, n.1Maria A. M. SilvaJuliana D. BuenoBeatriz
M. de Melo 105Dejours (1987) mostra que o corpo s aceito enquanto
est silencioso, isto , enquanto capaz de produzir valor. De acordo
com o autor, a situao ocasio-nada por uma doena advinda do trabalho
gera uma ideologia da vergonha, que causa no trabalhador angstia e
sofrimento, no em razo da doena em si prpria, e sim pela destruio
do corpo enquanto fora capaz de produzir trabalho (Dejours, 1987:
34).Asituaodetrabalhonavinhaageraaindaumdesconfortoparaotra-balhador,namedidaemqueasmquinassetornamprotagonistasnaaplica-o
da vinhaa e o trabalho destitudo de contedo. Durante uma situao de
pesquisadecampo,quandoacompanhvamosoprocessodeplantiodacana,
passamospordiferentespontosdoscanaviaisevisualizamosalgumasfrentes
de trabalho. Uma delas era composta por uma dupla de trabalhadores.
Eles es-tavam sentados em uma valeta prxima ao canal da vinhaa. Ao
lado deles, uma mquina grande com um canho fazendo a irrigao no
canavial que a
circun-dava.Conversamosdurantealgunsminutoscomostrabalhadores,querelata-ram
uma experincia de submisso mquina.P: A vocs tm que montar um cano,
como que vocs
fazem?Afonso:No,porenquantono.Essamquinaabombeiadireto.Esseca-nho a
trabalha [...] (27 de maio de
2013).AsrefexesdeMarx(1984)nosfornecemabaseparaacompreensodo
processo de protagonismo das mquinas. Como destacado no excerto
acima, o canho que atua, ele que trabalha. Portanto, nesse cenrio o
trabalho des-titudo de contedo. A se manifesta o poder anmico da
mquina.Mesmo a facilitao do trabalho torna-se um meio de tortura, j
que a m-quinanolivraotrabalhadordotrabalho,masseutrabalhodecontedo.
Toda produo capitalista, na medida em que ela no apenas processo de
trabalho, mas ao mesmo tempo processo de valorizao do capital, tem
em comum o fato de que no o trabalhador quem usa as condies de
traba-lho, mas, que, pelo contrrio, so as condies de trabalho que
usam o tra-balhador: s, porm, com a maquinaria que essa inverso
ganha realidade tecnicamente palpvel (Marx, 1984: 43).O trabalho na
vinhaa quase que exclusivamente masculino. Assim como o a operao
das mquinas colheitadeiras de cana. A ausncia das mulheres
nacolheitamecanizadajustifcadapelapericulosidadeoferecidapelam-quina.possvelverifcarquemuitasvezesodiscursoreforaaausnciade
106Quando a mquina desla, os corpos silenciam: tecnologia e
degradao...mulheresematividadesconsideradasperigosas.Entretanto,naprtica,elas
tambmestonalinhadefrentedeocupaescomaltoriscodeacidentes
detrabalho,comonocasodemulheresquerecolhemasbitucasaoladodas
mquinasqueretiramascanascortadasmanualmenteparaocaminhode
transbordo. No seguinte trecho da entrevista fca evidente o risco
na atividade desenvolvida pelas mulheres: P: E na bituca era
recolher s a sobra da
cana?Rita:Era.Nabituca?Eracorrendoatrsdasmquinastambm.Prapo-der...
muito difcil. [...] , correr atrs das mquinas. Ficava que nem boba
correndo atrs das mquinas [risos contidos] [...] Vai catando a cana
e co-locando no caminho, e s vezes elas derrubam tambm, a a gente
ajudava amquinaacataracana,picavaejogavadentrodocaminho.,tinha que
jogar dentro do caminho. [...] Uma vez [...]. Morreu bastante gente
na usina. Na bituca. O caminho passou por trs, a pessoa no v. S se
tiver muita coisa [...]. Isso a muito perigoso, sabia? muito errado
esse servio a. Mandar a gente atrs das mquinas. Eu acho que no
devia de fazer isso. Porque a gente vai alcanando a mquina e como
que a gente vai alcanar uma mquina? [...] (7 de novembro de 2012).A
atividade de recolha de bituca acompanhando o caminho realizada
predominantementepormulheres,assimcomoaquelareferenterecolha das
pedras nos canaviais20. De acordo com os fscais de turma, as
mulheres
soempregadasnasatividadesderecolhadasbitucasepedrasporqueso mais
delicadas que os homens. Entretanto, preciso lanar um olhar crtico
sobreessasconsideraesacercadascaractersticasqueseriaminerentesa
homensemulheres.AspesquisasdesenvolvidasporOlaizola(2009;2012)
reforamessaposturacrtica.Aautoramostraanecessidadedecompre-ender
dialeticamente como as ideologias sexuais vo se materializando nos
processos de trabalho e como as condies materiais de existncia
formatam e condicionam essas ideologias, as quais no so estticas e
sim cambiantes (Olaizola, 2009: 254-255).A materializao das
ideologias sexistas se expressa no s na diviso das
tarefasnoscanaviais,mastambmnasexignciasreferentesaoprocessode
seleoparatrabalharemalgunssetoresdaagroindstriacanavieira.Nos 20Em
Silva (2011) possvel encontrar uma descrio detalhada acerca do
trabalho das mulheres na reco-lha das bitucas nos canaviais. v.4,
n.1Maria A. M. SilvaJuliana D. BuenoBeatriz M. de Melo 107seguintes
trechos da entrevista com Rita e Neusa, as trabalhadoras justifcam
os motivos pelos quais as usinas esto contratando poucas mulheres
nas tur-mas.Neusa: Eu acho mais por causa da mquina. Das mquinas
[...]. Eles esto olhando tambm que as mulheres esto engravidando
muito. To engravi-dando muito. Porque... No sei se faz uns dois
anos atrs ou um ano atrs que a Usina X tambm s pegava mulher se a
mulher fosse se fosse casal.
Deprefernciaamulherquetivessefeitolaqueaduraequenopodiater mais
flho. Porque entrava e engravidava. Se afastava e ento... Por mais
que a usina no pagasse... Porque agora diz que o INSS que paga.
Mesmo que a usina no pagasse, a usina estava sendo prejudicada,
ento eles no estavam mais querendo pegar mulher.[...]Rita: Tinha
aquele papel que eles fazem na laqueadura, a tinha que mostrar pra
eles l. Levar o papel que voc j fez a laqueadura.Neusa: Ou s pegava
casal, homem e mulher. que teve uma poca tambm. No foi, Rita? Ento
o que tinha ali arrumava vaga pra quem estava desempre-gado, n. E
eu s entrava se eu fosse casada e se eu tivesse o meu marido pra
entrar junto comigo. A fquei at sem emprego, no foi? Naquele
tempo... No sei por qu. S pegavam o casal junto, ou s mulher que no
tivesse mais flho [...]. Eles no estavam tendo futuro com as
mulheres (7 de novembro de 2012).No incio do excerto da narrativa
de Neusa a mquina citada como
prin-cipalresponsvelpelonmeroreduzidodemulheresempregadasnoscana-viais.Elasegueaargumentaoeacrescentaosempecilhosdausinapara
acontrataodemulheres,combaseemumcritriosexista.Emumadas tentativas
de Neusa de procurar trabalho na usina, ela estava solteira, motivo
sufcientenaquelemomentoparaqueaempresarecusasseotrabalhoa
ela.Trata-se,naverdade,deumadasimplicaesdopatriarcado,aquien-tendidocomoumdossistemasdedominao-exploraocomponentesde
uma simbiose da qual participam tambm o modo de produo e o racismo
(Safoti, 1990: 22). Se, por um lado, a tecnologia das mquinas
colheitadeiras
tiraotrabalhodehomensemulheres,aideologiasexistaestabeleceomo-mento
em que as mulheres devem ou no ser chamadas para o trabalho nos
canaviais,lanandomodoargumentodequeastrabalhadorassomes em
potencial. Chodorow (1990) assim defne as implicaes da categorizao
de homens e mulheres no que diz respeito ao posicionamento na
famlia e na 108Quando a mquina desla, os corpos silenciam:
tecnologia e
degradao...organizaodaproduo.Paraestaautora,asmulheresestoposicionadas
primeironosistemasexo-gneroeoshomensprimeironaorganizaoda produo
(Chodorow, 1990:
223).Issofcabastanteevidentequandoconsideramosqueasusinassolicitam
queasmulheresentremnoprocessoseletivosomenteseestiveremacompa-nhadas21
e desde que comprovem que a gravidez no um risco a ser encarado
pela usina.VIIFindas as construes da passarela e do tapete verde,
chegamos ao momen-to do incio do desfle da top model: a
colheitadeira.Linhas atrs, mostramos que h uma interdependncia
entre as diferentes fases do processo produtivo que se intensifcam
com o paradigma da mquina.
Todasasatividadesanalisadasdosustentaoentradadamquinanoca-navial. O
trabalho de Scopinho et al. (1999) analisa as condies de trabalho e
sade dos operadores nos fnais da dcada de 1990. Comparando nossos
acha-dos de pesquisa com esse estudo, notamos que, de modo geral,
ainda que tenha
havidosignifcativoavanotecnolgicodascolheitadeiras,asituaodosope-radores
no sofreu mudanas signifcativas. A trajetria laboral dos operadores
a mesma dos tratoristas. Iniciaram o trabalho em outras funes e em
razo do bom comportamento e da produtividade foram selecionados
para,
primei-ramente,trabalharcomtratores,depoiscomasmquinas.Seguiramocurso
profssionalizanteoferecidopelasusinasepeloSENAR(ServioNacionalde
Aprendizagem Rural) e, em meio a tantos outros, graas aos seus bons
desem-penhos,foramselecionados.Noincioforamajudantesdosoperadoresmais
experienteselogoemseguidaassumiramocontroledamquina.Descrevem esse
momento com muito orgulho, agraciados por Deus, por terem logrado
um posto to importante como aquele. Sentem-se felizes, realizados.
Falam da casa, do carro, dos eletrodomsticos, enfm, das mercadorias
que possuem como re-sultado desse trabalho. Sentem-se, tal como a
mquina, no topo em relao aos
demaistrabalhadores,principalmentedoscortadoresmanuais,considerados
coitados ou sofredores. Todavia, ao ser inquiridos sobre o
trabalho, paulatinamente vo revelando outra face dessa realidade.
Trabalham em trs turnos (oito horas) alternados
semanalmente.Atecnologiasofsticadaexigeatenocontinuadadurante
21Omesmocritrionoutilizadonacontrataodehomens.Homenspodementrarnausina
desacompanhados. v.4, n.1Maria A. M. SilvaJuliana D. BuenoBeatriz
M. de Melo
109todooprocessodetrabalho,semcontarquetrabalhamaoladodostratoris-tasdoschamadostransbordos,cujascaambasrecebemacanacortada22.A
maneira de conduzir tanto dos operadores quanto dos tratoristas
precisa ser totalmente sincronizada, caso contrrio haver perdas em
razo de canas ca-das fora das caambas23. Completadas as caambas,
seu tratorista, por sua vez,
encaminha-seatolocalondeestooscaminhes,enquantooutrotomao seu
lugar, e assim ininterruptamente. o sistema CCT (Corte,
Carregamento e Transporte)24. Portanto, a movimentao de mquinas,
tratores, caminhes, que operam segundo o tempo do chamado
bate-volta, intensa e contnua, onde o domnio da maquinao
maquinadora atinge o auge, pois a mquina no pode
parar.Almdaatenoexigidanestetrabalhocooperativo(colheitadeira,trans-bordo
e caminho), h que se considerar que a velocidade da mquina
progra-mada pelos computadores, bem como suas paradas, tal como
pode ser visto na foto (Figura 1) do painel de controle de uma
delas, com 34 cdigos de coman-dos25. Quanto ao tempo de parada para
as refeies os entrevistados afrmaram
quesealimentamenquantoamquinaestparada(trocadepeas,abasteci-mento,
limpeza de palhas etc.). Portanto, a mquina que determina quando e
quanto podem se alimentar. O mesmo ocorre em relao s necessidades
fsio-lgicas. Se estiver com dor de barriga, no pode trabalhar, o
encarregado pe outro no lugar. Afnal, a usina paga a gente para
trabalhar e no para cagar, disse o encarregado, segundo um
depoente.Almdocontroleexercidopelamaquinaomaquinadoracomputado-res,rdiosamadores,satlites,GPShaindaapresenadoschamadosen-carregados.Portanto,haduplicidadedasestratgiasdedisciplina,pormeio
da interiorizao da objetivao, que atinge at o funcionamento orgnico
dos operadores(fome,apetite,necessidadesfsiolgicas),etambmdapresena
subjetiva dos capatazes que controlam se a mquina est deixando
tocos altos (soqueira alta) ou se as faquinhas esto afundando muito
na terra e causando impurezas s canas, sem contar os acidentes
provocados por manobras rpidas
oucurvasdenvel(tombamento),ouaindaaquantidadedepalha(embucha-mento)
que pode, com o calor, provocar incndio na mquina26. 22Para cada
mquina, h um trator com dois transbordos.23As possveis perdas,assim
como os tocos altos, so reparados pela frente da bituca.24Ver a
respeito da terceirizao do CCT:Scheidl; Simon, 2012; Barreto, ,
2013.25A foto foi feita por Lcio Vasconcellos de Veroza, durante a
pesquisa de campo.26Recentemente, ao participar de um evento na
UFG, a primeira autora deste artigo foi informada de que em Gois,
em razo das altas temperaturas, as mquinas incendeiam-se com muita
frequncia.110Quando a mquina desla, os corpos silenciam: tecnologia
e degradao...Figura 1. Cdigos e comandos da mquina colheitadeira de
cana.[...]Pegoufogo,queimouinteira.Nodeutempoparaooperadortirara
mochila dele [...] Estourou uma mangueira que trabalha com seis mil
peci-nhas de presso. A presso to terrvel que se ela fzer apenas um
furinho na mangueira com os implementos ligados, ela nem precisa
estar em duas
milrpmderotao.Seaquelefurinhofordirecionadonumapessoatraa uma
pessoa igualzinho uma bala, muito forte. leo quente ainda. A ela
pegou fogo, estourou uma mangueira em cima da turbina quente, a ela
ex-plodiu e queimou inteira (Antnio, 26/5/2013). v.4, n.1Maria A.
M. SilvaJuliana D. BuenoBeatriz M. de Melo
111Estemesmooperadorapontououtrassituaesderisco,provenientesda
trocadasfaquinhas(lminas),acada80horas,issosenohouverpedras.A troca
feita com luvas de ao, pois as lminas raspam at cabelo de to
afadas, sem contar a troca dos parafusos que enroscam na terra, bem
como a simples sada da cabine, que pelo fato de estar numa posio
elevada pode causar que-das com leses.
Outraestratgiadecontroleexistenteadvmdaformadeorganizaodo trabalho
dos operadores. Pelo fato de trabalharem em trs turnos, h um
siste-ma de premiao, PAM (prmio para atingir a meta), que consiste
no seguinte: a mdia diria estipulada para cada operador 718
toneladas. Se um deles no cumprir a meta, o prmio (30% do salrio em
carteira) ser diminudo. Alm
dacoaoqueumacabaexercendosobreooutro,htambmocontrolede qualidade da
cana colhida impurezas, tais como palha, terra, capim , que
in-terferir no montante do bnus a ser recebido. Se houver uma
falta, eles perdem 50% do bnus; duas faltas implicam perda total.
Assim, eu me esforo e meu parceiro tambm faz o mesmo. H uma
combinao entre ns. Um no pode
prejudicarooutro.Poressemotivo,hconfitosentreoperadoresqueno
trabalham combinados, sobretudo quando h terceirizao dos
tratoristas dos transbordos. Nos perodos chuvosos, a mquina no
opera, mas os operadores permanecem no seu interior, vigiando-a
para evitar possveis roubos. No que diz respeito sade, aos
transtornos psicossomticos em virtude da
alternnciadeturnosdajornadadetrabalhosomam-seasdifculdadespara
dormirduranteodiaeorudo(zum)dosmotoresquepermanececonstante-mente
nos ouvidos, a falta de apetite e os prejuzos relativos
sociabilidade da famlia, pois, alm da alternncia dos turnos, o
sistema vigente o 5 x 1, ou seja, cinco dias trabalhados e um de
descanso. VIIIPor fm, os resultados desta pesquisa revelaram o
avesso do processo de me-canizao nos canaviais paulistas. A anlise
do paradigma da mquina vis--vis
asestratgiasdisciplinaresresultantesdasimbiosetecnologia/degradaodo
trabalho foi importante para a compreenso das particularidades
histricas
des-saatividadeeconmica,bemcomodasrazesdapermannciadohabitusdas
formas de dominao que asseguram os nveis da acumulao desses
capitais. Neste momento, os leitores podem nos perguntar: E a
resistncia? Ela no existe? Nos limites deste texto no nos sobrou
espao para essa anlise. Compre-endendo a histria como processo, a
resistncia greves ou a revolta cotidiana 112Quando a mquina desla,
os corpos silenciam: tecnologia e
degradao...foidetectadaemvriosmomentosduranteapesquisa.Grevesdeoperadores
de mquinas em Sertozinho, de cortadores manuais em Fernandpolis,
alm de centenas de processos trabalhistas coligidos nas Varas da
Justia do Trabalho
emMato,RibeiroPreto,Sertozinho,Jaboticabal,Araraquara,Franca,Bata-tais
e Campinas. Ademais, foram captadas muitas formas de resistncia
mida, nem por isso menos importantes, como encher a memria dos
computadores, obrigando a mquina a parar, no pedir para ser mandado
embora para rece-ber os direitos, no recolher todas as pedras dos
canaviais, deixar o emprego de tratorista e voltar ao trabalho da
famlia nos stios, no aceitar os preos pagos pelo corte da cana e
voltar ao local de origem (migrantes), abandonar o traba-lho de
distribuio de veneno e assim por diante.Seguindo as pegadas de
Harvey (2011), o sistema de dominao precisa exis-tir em funo da
tenso existente no processo de trabalho, onde o capitalista
basicamente dependente do trabalhador (88). o(a) trabalhador(a) que
traba-lha, que opera as mquinas, que distribui veneno, que recolhe
pedra, que cata bituca, que entra em tanque com vinhaa, que corta
cana at a morte... e no o capitalista e seus adeptos. Por mais que
os capitalistas organizem o processo de trabalho, o trabalhador o
agente criador. O processo de trabalho um campo de batalha perptuo,
segundo Harvey. Quando enfrentam ocanavial, consideram arecolhade
pedras
comotra-balhoescravo,quandosopostosnogancho,comoamarradosaopelourinho,
quando sentem cibras por todo o corpo, inclusive na lngua, em funo
do ex-cesso de trabalho, os trabalhadores tm conscincia do campo de
batalha onde esto. Nas palavras de
Harvey:Umdostpicosmaispersistentesdahistriadainovaotecnolgicatem
sido o desejo de enfraquecer o trabalhador tanto quanto possvel e
passar os poderes de movimento e deciso para dentro da mquina, ou
pelo menos para cima, em alguma sala com controle remoto
(89).Todavia,parasaberoqueocorrealmdessasalacomcontroleremoto,
preciso escutar as vozes daqueles(as) que a trabalham. Hoje eu sei
o quanto na cana bruto. Trabalho com a top de linha, a John
Deer,commotorde477cavalos,e,mesmoassim,agentevqueomotor
senteumacanade18meses,enraizada[...]Agentefala:meuDeusdo cu, como
bruto isso aqui. Como eu aguentei trabalhar nisso durante onze
anos?. Eu trabalho pensando nisso [...] (Antnio, 26/5/2013). v.4,
n.1Maria A. M. SilvaJuliana D. BuenoBeatriz M. de Melo
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14/04/2014Como citar este artigo:
SILVA,MariaA.Moraes;BUENO,JulianaDourado;MELO,BeatrizMedeirosde.
Quandoamquinadesfla,oscorpossilenciam:tecnologiaedegradaodotra-balho
nos canaviais paulistas. Contempornea Revista de Sociologia da
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