-
73Revista da EMERJ, v. 6, n. 22, 2003
1 BEVILQUA, Clvis Cdigo Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio
de Janeiro: EditoraRio, 1977, t. I, p. 11.
OS Princpios Constitucionais e oNovo Cdigo Civil
CRMEN LCIA ANTUNES ROCHAProcuradora de Justia - MG
Um Cdigo Civil no obra da cincia e dotalento unicamente; ,
sobretudo, a obra doscostumes, das tradies, em uma palavra,
dacivilizao, brilhante ou modesta, de umpovo.
Jos de Alencar, citado por Clvis Bevilqua
INTRODUO
Ao iniciar a sua exposio sobre o Cdigo Civil de 1916, o seu
princi-pal fautor, Clvis Bevilqua esclarecia que as codificaes, alm
decorresponderem s necessidades mentais de clareza e
sistematizao,constituem, do ponto de vista social, formaes orgnicas
do direito,que lhe aumentam o poder de preciso e segurana,
estabelecendo aharmonia e a recproca elucidao dos dispositivos,
fecundando prin-cpios e institutos que, no isolamento, se no
desenvolveriam suficien-temente, contendo, canalizando e orientando
energias que s poderi-am prejudicar, na sua ao dispersiva1.
Refletia-se, naquela exposio, o entendimento que prevalecia
entosem qualquer questionamento quanto necessidade, convenincia
eoperacionalidade das codificaes.
Expondo toda a tramitao do Cdigo Civil que se promulgava
na-quele ano, Clvis refletia sobre os noventa e seis anos de
ausncia de umalegislao civil brasileira. Anunciado desde a
Independncia do Estado na-cional, em 1822, o Cdigo Civil fora
objeto de determinao constitucionalespecfica em 1824 quanto sua
formulao e somente viera a lume sob agide j de uma outra
Constituio, a primeira Republicana, que expunhaum Brasil diferente
daquele primeiramente pensado quando da independn-
-
74 Revista da EMERJ, v. 6, n. 22, 2003
2 Relatava Clvis Bevilqua, quando do advento do Cdigo Civil de
1916, que publicado oCdigo Civil, houve, no pas, um duplo
movimento. A maior parte dos brasileiros regozijaram-se com a
terminao do trabalho, que se no supunham perfeito, consideravam
satisfatrio, eem melhores condies do que as leis dispersas,
desconexas e antiquadas que antes regulavamas nossas relaes civis.
... Na corrente oposta, foi figura proeminente Lacerda de Almeida,
queest em desarmonia integral com o Cdigo Civil: quando este
realiza um avano em relao aodireito anterior, acha que se devera,
antes, ter mantido a sabedoria da tradio e quando nose atira a
inovaes, censura-o por ficar petrificado, criando obstculos ao
progresso dodireito (Op. cit., t. I, p. 61).
cia e que transitara por profundas transformaes em suas
instituiespolticas e jurdicas.
outro tempo, outro sculo, outro Brasil. H outro Cdigo Civil
emvigor desde 11 de janeiro de 2003. Noventa anos depois dos
debates queconstituram preocupao primeira da comunidade jurdica
brasileira, novaonda de discusses impe-se sobre a nova legislao
civil. Diversamentedaquele primeiro diploma, que se fez objeto de
um grupo restrito de juristas,advogados, magistrados e pensadores
atentos a uma legislao especfica,a mudana da sociedade permitiu a
democratizao do direito. Os debatessobre o Direito e os direitos j
no se atm soleira das portas de faculda-des de direito ou dos
tribunais, seno que ganhou ruas, praas e fez-selinguagem de todo o
povo. Todos querem saber como e para que o CdigoCivil vem lhes
aportar mudanas na vida e nas relaes sociais.
Como naquele primeiro documento promulgado, pode-se dizer
queainda nos albores do sculo XX uma vez que sequer se tinha
completadoa segunda dcada daquele perodo -, tambm agora a marca
havida nestavista inicial do novo Cdigo a polmica.2
Nada de novo e tambm nada de mais. Afinal, tudo quanto toca
deuma forma mais direta a vida das pessoas suscita opinies, razes
diversas,propostas diferentes e exposies distintas. da liberdade
que a cada um dado opinar e que se sustente o que se lhe parea
melhor.
O nico cuidado que me parece necessrio atentar e promover
deimediato com a lei nova o que sustenta Pontes de Miranda, segundo
o qualh que se haver com simpatia em relao a uma nova norma, porque
comantipatia no se interpreta, combate-se. O que se h de buscar,
parece-me, que a nova legislao chegue a uma aplicao justa, que seja
um instru-mento competente para concretizar os melhores ideais de
uma sociedadesolidria e livre, tal como determina, em seus
princpios fundamentais, aConstituio da Repblica de 1988, sob a gide
da qual sobrevm o novo
-
75Revista da EMERJ, v. 6, n. 22, 2003
3 Leciona Caio Mrio da Silva Pereira que a expresso direito
civil experimenta mudanas designificado no tempo, tendo sido
considerado, no direito romano, ...que considerava o direitoem razo
de suas condies peculiares ... o direito da cidade, destinado a
reger a vida doscidados independentes e, rigorosamente,
correspondia a direito quiritrio, ius quitiium. ... deum lado
correspondia ao sistema dos princpios tradicionais, em contraposio
ao iushonorarium, de elaborao pretoriana; ao sistema nacional, e em
antinomia ao iusgentium...(PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Instituies
de direito civil. Rio de Janeiro:Forense, 1978, t. I, p. 31). Na
Idade Mdia, ainda aquele grande civilista que demonstra ter tidoo
direito civil o entendimento de ser o corpo jurdico-normativo a se
contrapor ao direitocannico, tendo o direito ingls feito distino
entre o civil law, que correspondia ao direitoromano tomado como
referncia, enquanto a denominao mais restritiva, tal como
agoraaproveitada no direito ocidental, invocada pela expresso
private law. (Idem, ibidem)
Cdigo Civil. Muda-se, sempre, em busca de aperfeioamento dos
institutose das instituies. Cuidando-se do ofcio do direito, esta
tarefa e objetivo no soafeitos exclusivamente ao legislador, seno
que principalmente ao intrprete, aoaplicador da norma, ao advogado
e ao magistrado. Boa vontade com lei nova o mnimo que se pode pedir
de quem tem o dever de ter esperana de que odireito no se frustrou,
e que mesmo nesta nova civilizao conturbada e nummundo em runas de
tudo o que lhe antecedeu e faz-se uma vertigem de mudan-as
permanentes e desenfreadas rumo ao desconhecido, deve acreditar que
odireito pode propiciar segurana pessoa, mesmo no incerto da
vida.
I A CONSTITUCIONALIZAO DOS RAMOS DO DIREITO
O direito civil do sc. XIX e incio do XX guardava, ainda, a
condioherdada dos Antigos, sendo o direito comum, tanto
significando o veio mes-tre do Direito, do qual partiam as demais
instituies jurdicas, de onde bro-tavam os institutos, legatrios das
idias contidas nas leis civis.3
O avano do movimento de publicizao das instituies e dos
institu-tos jurdicos, as transformaes havidas nas relaes dos
indivduos no Es-tado e com o Estado, determinando a submisso do
ente do Poder Pblicoao direito e definindo os contornos novos do
Direito Constitucional e doDireito Administrativo, em especial,
determinaram a autonomizao dosramos pblicos do Direito.
Em especial, deve ser realado que a constitucionalizao dos
diver-sos campos de especializao do Direito determinou uma mudana
de rumoda corredeira foz, enaltecendo a condio do direito
constitucional de raize tronco dos quais brotam os ramos e segundo
os quais se do os frutos dodireito cultivado. Todos os ramos
surgidos do direito constitucional de um
-
76 Revista da EMERJ, v. 6, n. 22, 2003
4 Segundo Seabra Fagundes a preeminncia das instituies de
Direito Privado na cronologia daevoluo do Direito, resultante da
estrutura absolutista do Estado, que levava o poder pblico fuga da
disciplina jurdica, enquanto caminhava para a regulao legal das
relaes entre osindivduos como pessoas privadas do que tpico o
fenmeno do Estado romano, com umlegado magnfico de princpios
jurdicos para o Direito Civil, e praticamente sem nada denotvel
transferido aos psteros em matria de Direito Pblico fez que o
Direito Administra-tivo, o direito atravs do qual se dinamizam, por
excelncia, as relaes do binmio Estado-indivduo, tivesse na legislao
civil a origem de algumas das suas principais instituies,
delarecebendo-as por cissiparidade... (FAGUNDES, M. Seabra Da
contribuio do Cdigo Civilpara o direito administrativo. In Revista
Forense, p. 1).
povo fluram para uma condio de dependncia do quanto plantado
nosfundamentos jurdico-normativos havidos somente na
Constituio.
Aquela condio de quase supremacia vinculada idia de ser otronco
jurdico contenedor da seiva viva de todas as instituies -, que
antesdetinha o direito civil, cedeu lugar para o direito
constitucional a partir doEstado moderno liberal. A explicao
simples. O Direito, no Estado abso-lutista, no tocava o Estado,
menos ainda o governante. As relaes deadministrao eram
desenvolvidas entre particulares, no tangenciando osentes do Poder
Pblico.4 A submisso do Estado ao direito (idia chave doEstado de
Direito) determinou que os ramos do direito pblico, e, muitomais, o
constitucional, no qual se estrutura e organiza e Poder Pblico
esegundo o qual esse desenvolve as suas competncias, transformou
todo odireito, fazendo florescer os regimes jurdicos de direito
pblico, cuidadosem sede prpria e formalizando-se em documentos
especficos.
parte a mudana na estrutura estatal, a determinar o
fortalecimen-to das instituies e dos institutos de direito pblico
e, paralela e necessari-amente, uma grande transformao nas idias
fundamentais de sistema eordenamento jurdico, e, no sistema, das
relaes entre os diversos ramosdo direito, tambm h que se acentuar a
modificao havida no papel a serdesempenhado pela pessoa humana e
pelos agentes, rgos e entidadespblicos. Relevo deve ser dado ao
papel do juiz, o qual, dotado de compe-tncia para interpretar e
reinterpretar para manter viva a norma e atualiza-do e necessrio o
direito para a sociedade, teve-se uma reverso nas idiasque
prosperaram e se sedimentaram entre os Antigos e, mesmo, no
Estadomoderno absolutista.
Tudo isto e mais a democratizao social, que tambm
contribuiudecisivamente para que se ampliassem no apenas os debates
sobre apoltica do direito e o direito da poltica mas o universo dos
que discutem e
-
77Revista da EMERJ, v. 6, n. 22, 2003
lutam pela conquista de novos direitos, foraram a que as
Constituiesmaterializassem objetos antes lanados na condio de
matriainfraconstitucional, a ser pensada e formalizada, se e quando
fosse o caso,de ser transformada em lei, na rea de competncia do
legislador.
A Constituio mudou, porque o mundo mudou e o Direito no para o
tempo que foi, mas para o que e o que se prepara para vir.
Estatalvez seja, dentre outras, razo que pe em causa hoje at mesmo
a valida-de e a atualidade necessria das codificaes, includas as de
matria civil.
A importncia da Constituio na vida das pessoas, a condio
defundamentalidade das matrias ali formalizadas, especialmente no
que concerne dignidade que se quer garantir para todos como
justificativa maior do Estado,aliada obrigatoriedade de se vincular
a conduta estatal a includo o legisladorinfraconstitucional
ideologia de Justia estabelecida no sistema constitucio-nal,
obrigando todos a dar-lhes efetividade jurdica e acatamento
administrativo,contribuiu, decisiva e incontornavelmente, para que
o Direito se mostrasse inte-gralmente redimensionado. As
Constituies contemporneas ganharam noapenas em extenso e largueza
formal, sendo essas caractersticas decorrnciado quanto havido na
sociedade sobre o que se considera fundamental.
Assim, a famlia que no era objeto de muito cuidado
constitucional, sendo,em geral, apenas mencionados nos primeiros
textos constitucionais, os sujeitos dedireitos sociais, como as
crianas, os adolescentes, os velhos, etc., os direitosdifusos, que
antes no eram sequer mencionados, tendo galgado
reconhecimentoinicial na legislao infraconstitucional, tantos os
assuntos que antes eram legadosaos legisladores passaram a ser
objeto de cuidado dos constituintes.
No Brasil, as Constituies sempre foram minudentes em seus
pre-ceitos.5 O direito de propriedade nunca deixou de ser objeto de
cuidado,considerado como sempre foi um dos direitos fundamentais
individuais, masa seu lado sempre compareceram institutos como o da
empresa, ainda quereferente ao patrimnio pblico, desde 1934, o do
trabalho, dentre outros.
A Lei Fundamental do Brasil de 1988, entretanto, inaugurou uma
faseindita do constitucionalismo ptrio. Saudada por muitos como
cidad,6
5 Exemplo disto que a de 1824, outorgada em perodo tipicamente
liberal e sob o plio doautoritarismo ento prevalecente, nem por
isso deixou de mencionar o que somente viria a serconquista
sedimentada na fase de Estado social, como o direito educao
fundamental obriga-tria, gratuita e a ser prestada como dever do
Estado (art. 179, 32).
6 Ttulo que lhe foi atribudo por Ulysses Guimares, Presidente do
Congresso Constituinte e quese difundiu amplamente.
-
78 Revista da EMERJ, v. 6, n. 22, 2003
7 As caractersticas que dominam a Constituio do Brasil de 1988
so as mesmas que envolvem,com as peculiares condies de cada qual,
as Constituies promulgadas mais recentemente emtodo o mundo, quanto
sua matria e quanto sua forma mais extensa do que
anteriormenteaproveitado como modelo.
8A denominada Lei de Introduo ao Cdigo Civil , formalmente, um
Decreto-lei (n. 4657) e datade 4 de setembro de 1942. Por ter sido
expedido na vigncia do Estado Novo, denominao dada aoregime
autoritrio que prevaleceu no Brasil desde 10 de novembro de 1937 at
a deposio deGetlio Vargas em 1945, j teve alguns dispositivos
declarados no recepcionados desde a Constitui-o de 1946 (por
exemplo, o 2 do art. 2). Em sua quase totalidade, contudo, o
documentopermanece vigente e vem ganhando importncia, inclusive
para a jurisprudncia que atenta, cadavez mais, aos ditames ali
contidos para se firmar a interpretao das leis segundo os fins
sociais a quese destina a norma (art. 5), o que vem se fortalecendo
com a redemocratizao do Brasil desde adcada de 80 e as novas
concepes e prticas jurisdicionais, que ampliam o papel do juiz.
criticada por outros como analtica, demasiado longa etc., se no
foi unani-midade quanto a seus termos, foi plenamente aceita quanto
sua necessi-dade. E no apenas pelas contingncias polticas ento
vivida pelos brasilei-ros, e que era refletida no documento decado
em 1988, como, ainda, pelainadequao dos textos anteriormente
vigentes s normas e ao prprio mo-delo adotado pelo direito
contemporneo.7
A Constituio deixou de ser um documento jurdico-normativo
fun-damental com princpios e passou a ser um documento fundamental
jurdi-co-normativo de princpios. Do constitucionalismo de preceitos
chegou-seao constitucionalismo de princpios, tidos como necessrios,
autnomos eobrigatrios com fora normativa imperativa e vinculante a
todos, includosos legisladores, como bvio.
De Carta de Liberdades passou a Lei Fundamental da Libertao.
DeLei Fundamental do Estado passou a Constituio do Povo. O
direitoinfraconstitucional no poderia negar-se a acatar tais
mudanas: so elas abase do novo sistema jurdico e o fortalecimento
dos sistemas de controle deconstitucionalidade determinou a
curvatura de todos a esta constitucionalizaode todos os ramos do
direito. No h desimportncia dos ramos do direito,cuidados em nvel
infraconstitucional. Ao contrrio, o que se tem , bem di-versamente,
uma constitucionalizao das matrias que afetam a pessoa, ten-do
cabido o cuidado bsico dos seus termos na sede base do direito
positivo.
II OS PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS E O NOVO CDIGO CIVIL
A) Uma palavra inicial, ainda que brevssima, deve ser lembrada
so-bre a Lei de Introduo ao Cdigo Civil.
Cdigo Civil novo, Lei de Introduo velha. Estaria mesmo ela
velhamaterialmente como os seus sessenta anos de vigncia poderiam
fazer ini-cialmente supor?8
-
79Revista da EMERJ, v. 6, n. 22, 2003
9 Referncia feita ao sc. XIX.
10 LACERDA, Paulo de Manual do Cdigo Civil Brasileiro. v. I, p.
18.
11 Afirma Maria Helena Diniz que a Lei de Introduo ao Cdigo
Civil contm ... normas desobredireito ou de apoio que disciplinam a
atuao da norma jurdica (DINIZ, Maria Helena Direito civil
brasileiro. So Paulo. Ed. Saraiva, 2003, v. I, p. 57). Conquanto no
creia emsobredireito, mas num sistema jurdico que comporta e acata
o princpio da hierarquia dasnormas, em cujo pice se tem a
Constituio, parece-me que o que ocorre, aqui, e que no
guardaqualquer ineditismo jurdico, que se tem, na denominada Lei de
Introduo ao Cdigo Civil umcuidado de matria constitucional pela via
da legislao infraconstitucional, o que no inditoou absolutamente
incomum. A Lei urea mesma considerada, unanimidade, uma lei
material-mente constitucional, conquanto formalmente fosse lei
ordinria.
Duas observaes preambulares impem-se neste passo: a primeira,a
de que a despeito de conhecido e publicado aquele Decreto-lei como
Leie, na seqncia, como Lei de Introduo ao Cdigo Civil, ela no
respei-ta, especfica e diretamente, o Cdigo Civil. A segunda, a de
que, a despeitode ser sempre publicada como um item previamente
vinculado a este docu-mento, no se tem, aqui, uma relao direta e
unicamente vinculada a esteCdigo.
A denominada Lei de Introduo ao Cdigo Civil cumpre um pa-pel j
enfatizado por Paulo de Lacerda, que observa que examinando
ocontedo dos cdigos, se reconhece que eles no se limitam, quase
sempre, matria objetivada; certos assuntos outros so mesmo
tratados, com de-senvolvimento aprecivel, em leis anexas
denominadas Introduo, Lei deIntroduo, Ttulo Preliminar etc. ... o
modelo francs, estabelecido desdea primeira dcada do sculo
passado.9 Segundo esse modelo, elabora-se umcdigo civil, contendo o
direito civil material, parte do internacional privado,e at algo do
direito civil formal e do direito pblico... Tal modelo tem
domi-nado, com algumas variantes10.
A despeito de sua denominao e de sua divulgao, sempre comoadendo
preliminar ao Cdigo Civil, bem certo que no h vinculao estreitaou
exclusiva entre aquela Lei de Introduo e o Cdigo Civil que seria,
nasua forma verbalmente divulgada, por ela introduzida. A Lei de
Introduo aoCdigo Civil , em sua matria, mais de direito pblico que
de direito privado,sendo mais norma sobre normas que norma civil ou
de direito privado11.
Norma normarum, lei das leis como a prpria Constituio o ,
adenominada Lei de Introduo ao Cdigo Civil uma lei que cuida
deleis, de sua eficcia, vigncia e interpretao. Por isto, no
substituda por-que no guarda adequao plena matria civilmente
cuidada e que respeita
-
80 Revista da EMERJ, v. 6, n. 22, 2003
aos indivduos, continua plenamente em vigor, com o jargo
jurdico-positivoque lhe foi aposto em 1942, com o quanto
recepcionado pela Constituio de1946 e as que se lhe seguiram. Deve
ser enfatizado que, quanto elaboraode normas jurdicas, o Brasil
obedece, conjugada ao Decreto-lei n. 4.657/1942, a Lei Complementar
n. 95, de 36 de fevereiro de 1998, que estabelecenormas sobre a
redao, a alterao e a consolidao das leis. Quanto suavigncia
espacial e temporal, mantm-se ntegro o Decreto-lei n. 4657/42,sendo
de se interpretar a norma conforme Constituio de 1988.
B) O constitucionalismo contemporneo caracteriza-se,
consoanteacima salientado, por ser de princpios. O que lhe marca e
demarca a natu-reza e a forma a principiologia que se impe
inteireza do sistema jurdicopositivo com fora normativa determinada
e determinante. A marca funda-mental e distintiva de sua essncia ,
exatamente, traar e retraar os prin-cpios que configuram os veios
sustentadores de toda construo jurdica econtra os quais nada pode
ser considerado vlido.
O constitucionalismo de princpios, hoje vigente, determina a
descrioexpressa de alguns dos princpios que so acolhidos nos
sistemas positivados,mas permite que, ao lado dos expressos, tambm
outros, inexpressos, explicitadosainda que no expressos, ou
implcitos, componham a principiologia que se querfazer prevalecer.A
Constituio Lei, a Lei maior em eficcia e vigor, pelo queno se lhe
pode negar cumprimento ou acatamento. Por isso, os seus
princpiospenetram, estendem-se, configuram-se, concretizam-se,
espalham-se com maisdensidade e concretude vinculada a cada qual
das normas que componham oordenamento jurdico-positivo
especfico.
Eles so vinculantes, obrigatrios, incontornveis e, em geral,
autno-mos. Da porque o novo Cdigo Civil, como qual nova lei ou
norma de qual-quer natureza e grau hierrquico, includo aquele
inferiormente dependentede lei, haver que se fazer cumpridor dos
princpios constitucionais.
III - OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A CODIFICAO CIVIL DOS DIREI-TOS
DA PERSONALIDADE.
1. A espinha dorsal de uma Constituio o seu sistema de
direitosfundamentais assegurados a qualquer pessoa humana. O corao
do siste-ma constitucional, do pensamento constitucional, da prtica
constitucional
UsuarioHighlight
UsuarioHighlight
UsuarioHighlight
UsuarioHighlight
UsuarioHighlight
UsuarioHighlight
-
81Revista da EMERJ, v. 6, n. 22, 2003
o homem, sua vida digna e sua condio social para permitir-se
realizar oque lhe permita ser feliz.
A Constituio da Repblica brasileira de 1988 erigiu em
princpiofundamental o da dignidade da pessoa humana (art. 1o, III).
No basta ga-rantir o direito vida, seno que a vida digna; no basta
garantir a liberdade,seno aquela que garante a vida livre que
dignifica em igualdades sociais,polticas, econmicas as pessoas
humanas. No basta existir o direito, masaquele que realiza a justia
pensada por um povo em certo momento e emdada situao concreta. No h
direito sem justia pensada, acreditada porum povo; no h justia sem
dignidade de todos e de cada um dos quecompem o Estado; no h
direito sem princpios concretizveis, o que de-pende do acatamento
das prescries constitucionais dos princpios que le-gitimam o
sistema e tornam-no possvel de ser eficaz socialmente para
con-verter-se em eficaz juridicamente.
A Constituio da Repblica brasileira de 1988 cuidou do homem,
ou,no dizer de Ulysses Guimares, presidente do Congresso
Constituinte que aelaborou e promulgou, o homem o problema da
sociedade brasileira...diferentemente das sete Constituies
anteriores, comea com o homem.Graficamente testemunha a primazia do
homem, que foi escrita para o ho-mem, que o homem seu fim e sua
esperana. O Cdigo Civil promulgadoem 2002 para vigorar a partir de
2003, tambm. O seu incio e o seu fim ohomem, mas assim considerado
em suas relaes privadas. Todavia, como bvio e juridicamente
incontornvel, no pode ser cogitado seno comtodas as garantias de
que se acha investido constitucionalmente.
Da porque o primeiro item a chamar a ateno do estudioso do
novoCdigo Civil a referncia pessoa. Em primeiro lugar, mantm-se o
quehavia no Cdigo Civil de 1916, a saber, a meno s pessoas
naturais.Expresso aproveitada pelo direito europeu, particularmente
o francs quemuito influenciou, no sc. XIX e incio do sc. XX o
direito latino-americano,foi ela substituda por outra, mais direta
e objetiva, pessoa humana.
A referncia constitucional pessoa humana marca o direito
consti-
tucional brasileiro de 1988 (arts. 1o, III; 17; 34, VII, b; 226,
7o; alm das
referncias especficas dignidade humana).
UsuarioHighlight
-
82 Revista da EMERJ, v. 6, n. 22, 2003
A meno civilista pessoa natural anterior Constituio da Re-pblica
brasileira de 1988 e mantm, sem maior indagao ou questionamento,o
quanto antes positivado em 1916.
D-se que como o Cdigo Civil a pormenorizao do quanto
cons-titucionalmente estabelecido, parece que seria prpria a meno
pessoahumana, que uma expresso que se fortalece pelo seu supedneo
consti-tucional e que tem sede no direito contemporneo sem qualquer
indagao.
2. O Cdigo Civil remete-se, logo em seu art. 1o, pessoa como
sercapaz de direitos e deveres na ordem civil.
A pessoa aqui mencionada a humana, o que no seria
demasiaobservar, uma vez que tanto se conjuga com o quanto
constitucionalmenteposto. Todavia, como se contm no captulo a
referncia matriaenucleadora dos cuidados legais, parece que se
satisfaz com tal meno olegislador, o que deve ser observado pelo
intrprete.
A expresso ordem civil deve ser referncia a direitos, deveres
eresponsabilidades nas relaes interpessoais privadas, uma vez que a
or-dem nica e sistmica vigente a ordem jurdico-positiva e,
portanto, no huma ordem separada, estanque, distinta das demais,
mas um nicoordenamento constitudo na forma sistmica de um sistema,
no qual subsis-tem, paralela, simultnea e conjugadamente,
subsistemas que se compempelo atendimento pronto e permanente aos
princpios insculpidos noordenamento constitucional.
Aqui parece ter subsistido a terminologia que antecede a
Constitui-o da Repblica de 1988, sem qualquer ordenao ou composio
com anova sistemtica adotada a partir daquela data.
Mais problemtico parece ser o art. 2o, no qual se dispe que:Art.
2o A personalidade civil da pessoa comea do nascimen-to com vida,
mas a lei pe a salvo, desde a concepo, os direi-tos do
nascituro.Deve ser anotado, preliminarmente, que a personalidade
civil da pes-
soa soa duplamente estranho: em primeiro lugar, porque a
referncia civilparece fazer supor a existncia de personalidade
criminal etc., o que no sed no sdireito brasileiro. A referncia
capacidade civil tem lugar e cabi-mento, uma vez que legtima a meno
capacidade poltica, capacida-de eleitoral, capacidade para exercer
cargos e empregos administrativos,etc., mas a personalidade no tem
o desdobramento que poderia o maisdesavisado supor em face do
quanto positivado na norma em foco.
-
83Revista da EMERJ, v. 6, n. 22, 2003
certo que se tem no art. 50, do mesmo Cdigo, que em caso deabuso
da personalidade jurdica, caracterizado pelo desvio de finalida-de,
ou pela confuso patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da
par-te, ou do Ministrio Pblico, quando lhe couber intervir no
processo, que osefeitos de certas e determinadas relaes de obrigaes
civis sejam estendi-dos aos bens particulares dos administradores
ou scios da pessoa jurdica.
A referncia ali feita personalidade jurdica parece servir debase
para uma interpretao possvel sobre a meno personalidade civil,que
seria o seu contrrio. Nada disto, entretanto, tem assento na
doutrina ouno ordenamento normativo-jurdico do sistema brasileiro,
pelo que a utiliza-o novidadeira no parece, de toda sorte, a mais
feliz.
Ademais, personalidade ... da pessoa (art. 2o) faz soar estranha
aredao da norma, sendo aqui de se lembrar a advertncia de Ruy,
segundoo qual so as codificaes monumentos destinados longevidade
secular;e s o influxo da arte comunica durabilidade escrita humana,
s elemarmoriza o papel, e transforma a pena em escopro. Necessrio ,
portan-to, que, nestas grandes formaes jurdicas, a cristalizao
legislativa apre-sente a simplicidade, a limpidez e a transparncia
das mais puras formas dalinguagem, das expresses mais clssicas do
pensamento. Dir-se- que po-nho demasiado longe, alto em demasia, a
meta, que a sublimo a um idealpraticamente irrealizvel. Mas eu no
exijo que igualemos essa perfeiocustosa e rara. Basta que, ao
menos, dela nos acerquemos, no a podesalcanar; que a lei no seja
imprecisa, obscura, manca, disforme, solecista.Porque, se no tem
vernaculidade, clareza, conciso, energia, no se enten-de, no se
impe, no impera; falta s regras da sua inteligncia, do seudecoro,
de sua majestade12.
Personalidade somente pode se referir, no direito pessoa, pelo
queafirmar-se, em norma jurdica, que a personalidade ... da pessoa
come-a... parece afrontar qualquer das ponderaes aludidas por Ruy
Barbosah exatos cem anos sem aprender-lhe as lies.
Ademais, reitere-se, personalidade civil no encontra eco nas
idiasprevalecentes juridicamente, uma vez que no h
adjetivaoinfraconstitucional da personalidade.
Firma-se na doutrina juscivilista a noo de que personalidade
oconceito enucleador de todo o Direito13. No! O que se tem como
definio
12 BARBOSA, Ruy Escritos e discursos seletos. Rio de Janeiro:
Nova Aguillar S. A., p. 905.
13 Cf. , dentre outros, DINIZ, Maria Helena Op. cit., p.
UsuarioHighlight
UsuarioHighlight
-
84 Revista da EMERJ, v. 6, n. 22, 2003
constitucional fundamental no direito contemporneo includo no
direitobrasileiro que demarca a sede de elaborao juscivilista a de
pessoa etudo o que da advm e que resguardado pelo direito. E neste
sentido o que fundamental a dignidade que permite a expresso livre
da personalidade,e no essa, que uma manifestao da existncia digna e
livre daquela.
3. parte a referncia pessoa e personalidade, quanto capaci-dade
civil, que matria tpica e originariamente cuidada pela
legislaojuscivilista, deve ser anotado que parece no ter o
legislador de 2002 levadoem considerao os cem anos de modificaes
constitucionais que erigiramnovos preceitos normativos
fundamentais.
Assim que se verifica no inciso III do pargrafo nico do art. 5o
donovo Cdigo Civil brasileiro que cessar, para os menores, a
incapaci-dade... III pelo exerccio de emprego pblico efetivo.
A Constituio da Repblica brasileira de 1988 estabelece, no art.
37,II, distino insupervel entre cargo e emprego pblico. O cargo
pblico, esomente ele, pode dotar-se da qualificao de provimento
efetivo, no ha-vendo a efetividade de emprego pblico na Administrao
Pblica. O em-prego qualidade de uma ocupao transitria, efmera, no
dotado daqualidade de provimento efetivo. A repetio da norma do
Cdigo de 1916,de que aqui se cuida, no autoriza o entendimento de
que se cuida de umanegligncia ou desconhecimento, seno que de
desimportncia inegvel atri-buda ao texto constitucional o que no
aceitvel ou permitido juridica-mente quase quinze anos aps a sua
promulgao - ao qual bastaria umabreve passada de olhos para se
verificar a mudana administrativista pro-cessada nas definies agora
adotadas e que j perpassam a legislao e ajurisprudncia quanto a
estes termos.
Tambm merecer uma interpretao sistmica dos juzes e
tribunaisptrios a referncia havida averbao dos atos judiciais ou
extrajudiciaisque declararem ou reconhecerem a filiao, bem assim
aqueles de adoo. que qualquer formalizao e exposio a pblico como
prprio daaverbao dos documentos que distingam entre os filhos poder
ensejarou ser considerado, a uma, desigualador das condies naturais
da pessoa e,a duas, determinante de uma exposio a pblico de dado
referente exclusi-vamente pessoa, em violao a seu direito
constitucional privacidade e intimidade (art. 5o, X, da Constituio
da Repblica).
4. O cap. II do ttulo I do Livro I do novo Cdigo Civil refere-se
aosdireitos da personalidade.
Cabe, tambm aqui, uma palavra quanto terminologia apro-veitada
pelo legislador civil. Segundo Carlos Alberto Bitar, em
obramonogrfica sobre o tema, ... consideram-se como da
personalida-
UsuarioHighlight
UsuarioHighlight
-
85Revista da EMERJ, v. 6, n. 22, 2003
de os direitos reconhecidos pessoa humana tomada em si mesma eem
suas projees na sociedade, previstos no ordenamento
jurdicoexatamente para a defesa de valores inatos no homem, como a
vida,a higidez fsica, a intimidade, a honra, a intelectualidade e
outros tan-tos.14
O confronto deste conceito, doutrinariamente oferecido, com as
defi-nies normativas contidas nos documentos constitucionais ou
internacio-nais dos direitos fundamentais conduzem inexorvel
concluso de que secuidam de um mesmo dado subjetivo e de uma mesma
contingncia jurdicaobjetiva. Por exemplo, o que se pode verificar
da leitura simples e objetivado art. 2o da Declarao dos Direitos do
Homem e do Cidado da ONU de1948, segundo a qual todo homem tem
capacidade para gozar os direitos eas liberdades estabelecidas
nesta Declarao, sem distino de qualquerespcie, seja de raa, sexo,
lngua, religio, opinio poltica ou e outra natu-reza, origem
nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra
con-dio.15
Se os direitos da personalidade so aqueles referidos
constitu-cionalmente como os direitos fundamentais, a sua expresso,
asua manifestao ou a sua exposio nas relaes sociais, comose contm
nos trabalhos de direito civil e nos comentrios feitossobre as
normas recm-vigentes, fica ainda mais difcil percebere aceitar a
referncia feita, uma vez quea)no art. 52 do Cdigo Civil se contm
que aplica-se s pessoasjurdicas, no que couber, a proteo dos
direitos da personalida-de.Os direito fundamentais individuais,
vale dizer, dos indivduos,so inatos ao ser humano, no podendo ser
estendido, menosainda por deciso normativa infraconstitucional, a
qualquer
14 BITTAR, Carlos Alberto Os direitos da personalidade. Rio de
Janeiro: Forense Universitria,2001, p. 1.
15 Ensina Jos Afonso da Silva que direitos fundamentais do homem
constitui a expresso maisadequada... porque alm de referir-se a
princpios que resumem a concepo do mundo e infor-mam a ideologia
poltica de cada ordenamento jurdico, reservada para designar, no
nvel dodireito positivo, aquelas prerrogativas e instituies que ele
concretiza em garantias de umaconvivncia digna, livre e igual de
todas as pessoas.... A expresso direitos fundamentais dohomem ...
no significa esfera privada contraposta atividade pblica, como
simples limitaoao Estado ou autolimitao deste, mas limitao imposta
pela soberania popular aos poderesconstitudos do Estado que dela
dependem (SILVA, Jos Afonso da Curso de direito consti-tucional
positivo. So Paulo: Malheiros, 2001, p. 182).
-
86 Revista da EMERJ, v. 6, n. 22, 2003
criatura jurdica dotada de personalidade pelo s desejo do
le-gislador;b)no livro IV da Parte Especial do direito de famlia o
CdigoCivil apresenta o ttulo I com a referncia ao direito
pessoal.Direito pessoal vem a ser o da pessoa, como bvio. Direito
pes-soal, direito da personalidade e direito fundamental da
pessoaso ou se pem a ser uma mesma realidade a ser protegida
pelodireito brasileiro? imprescindvel que venha a prevalecer
interpretao que assegu-re a coerncia entre as normas civis vigentes
e o seu fundamentoconstitucional, includos os elementos que contm
definies toimportantes para os indivduos e suas criaes jurdicas,
includasas pessoas, sob pena de se ter uma confuso de difcil
desfazimentoe de graves conseqncias em tema que no o admite.O que
chama, contudo, a ateno no somente a disparidade dos
termos e expresses utilizadas constitucionalmente e na legislao
civil, se-no a confuso de dados definidores havidos no novo Cdigo e
que tero deser harmonizados com o quanto constitucionalmente
posto.
Assim que, guisa de exemplo, tem-se o disposto no art. 11,
donovo Cdigo Civil, segundo o qual: com exceo dos casos previstos
emlei, os direitos da personalidade so intransmissveis e
irrenunciveis, nopodendo o seu exerccio sofrer limitao
voluntria.
Caracterstica dos direitos fundamentais que so eles
intransmissveise irrenunciveis (alm de intransferveis, inatos,
etc.) no podendo o seu exer-ccio ser restringido ou limitado, seno
na forma constitucionalmente legitima-da, independente da vontade.
Assim em relao ao direito vida e compea essncia deste direito
combinado com aquele que se refere liberdade.
Nos termos postos na letra simples da norma civil, em cujo ramo
dodireito predomina a autonomia da vontade, de se perguntar se pode
haverexceo liberdade constitucionalmente assegurada em relao
naturezanuclear dos direitos fundamentais da pessoa. A norma,
conforme antes acen-tuado, depender de interpretao que somente
poder prevalecer no siste-ma se composta e compossvel com a
natureza normativa fundamental dapreviso constitucional (art.
5o).
De outra parte, a norma civil contida no art. 12 do novo Cdigo,
ade-mais da indeterminao do sujeito, das condies de exerccio do
direito econtra quem se h de exigir o que ali se faculta, somente
poder prevalecer,identicamente, se interpretada conforme a
Constituio, uma vez que se
UsuarioHighlight
-
87Revista da EMERJ, v. 6, n. 22, 2003
cuida de norma contenedora de elementos que dependem da
complementaodos dados de esclarecimento para a sua eficcia plena e
vlida.
Por igual, a norma do art. 13 demanda interpretao segundo
osprincpios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da
liberdade queconduz a leitura e aplicao dos direitos
fundamentais.
O art. 15, sua vez, contm expresso que constitui
complicadorgrave para a interpretao, uma vez que ali se dispe que
ningum podeser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a
tratamento mdico oua interveno cirrgica. A principiologia
constitucional, especialmente noque concerne aos direitos
fundamentais da pessoa humana, no permite quequem quer que seja
constrangido a submeter-se a tratamento mdico, comou sem risco de
vida, pela singela circunstncia de que o direito liberdade
assegurado plenamente, salvo as restries legais, que no se
afirmamquanto subsuno a tratamento mdico.
O art. 18 estabelece que sem autorizao, no se pode usar o
nomealheio em propaganda comercial.
Ao mais desavisado poderia parecer que somente em
propagandacomercial no se poderia usar o nome alheio, uma vez que
apenas para estaest prevista, expressamente, na norma a vedao.
Todavia, o nome direito personalssimo, que no pode ser
utilizadoseno pela prpria pessoa, que pode transmitir a outrem o
seu uso, massempre como manifestao do titular deste direito. Da
porque, para finscomerciais, ou no, o uso de nome alheio vedado por
fora do sistemaconstitucional vigente.
Por igual, parece-me que o art. 20 do novo Cdigo Civil haver
quereceber interpretao que permita combinar os direitos de quem
divulga oescrito ou transmite a palavra, por exemplo, com os
direitos de quem delesautor. que os direitos fundamentais e os
princpios constitucionais nopodem ser garantidos a uma pessoa
excluindo de sua garantia o outro. Oprincpio haver que ser
garantido com outro, ponderando-se o que sobrele-va, mas sem se
afastar, anular-se, aniquilar-se direito.
Os direitos fundamentais impem a tica da compreenso e a
dasolidariedade, que no podem ser desconhecidas ou mantidas
desavisadasao argumento de que a vontade autnoma sobrepe-se a
qualquer expres-so da liberdade. Por isso que todas as normas civis
referentes aos direi-tos fundamentais no podem desconhecer os
princpios constitucionais daliberdade, da igualdade, da
solidariedade e da responsabilidade jurdicas.
UsuarioHighlight
-
88 Revista da EMERJ, v. 6, n. 22, 2003
Afinal, o homem que definitivo. O mais so normas, direitos que
apenasservem ao ser maior sujeito-incio, princpio e fim da construo
do direito eobjetivo permanente de justia. Direito no se descuida
ou acaba sem jeito.
O ttulo III do Livro I, da Parte Geral, que cuida do domiclio,
mante-ve situao que vem sendo objeto de preocupao dos trabalhadores
doDireito. que a distino civil feita no Cdigo de 1916 e agora
repetido node 2002 entre domiclio e residncia no atenta ou atende
ao que se contmna Constituio, mormente no art. 5o, no qual se
estabelece a garantia obri-gatria pelo Estado dos direitos
fundamentais dos brasileiros e estrangeirosresidentes no Pas.
Como o Cdigo Civil faz distino entre domiclio e residncia,
paraessa acentuando a possibilidade de ser plural, haver que se
delinearjurisprudencialmente o contedo da norma para no restringir
direitos funda-mentais e deveres intransponveis do Estado a serem
honrados para a suaplena garantia.
Apenas guisa de observao, deve ser mencionado que o art. 75
doCdigo Civil determina que o domiclio da Unio o Distrito Federal
oque, em 1916, correspondia capital da Repblica -, enquanto a
Constitui-o, em seu art. 18, preceitua que a capital da Unio
Braslia.
IV O PODER PBLICO E O TRATAMENTO CIVIL DOS SEUS BENS
No captulo I do ttulo II, referente s pessoas jurdicas, o
CdigoCivil refere-se s pessoas jurdicas de direito pblico a que se
tenhadado estrutura de direito privado (art. 41, pargrafo nico;
art. 99, par-grafo nico).
Entretanto, os publicistas tm enfatizado as suas crticas a tal
refe-rncia, uma vez que, na lio de Celso Antnio Bandeira de Mello,
no h,nem pode haver pessoa de direito pblico que tenha estrutura de
direi-to privado, pois a estrutura destas entidades auxiliares um
dos prin-cipais elementos para sua categorizao como de direito
pblico oude direito privado.16
O art. 101 do novo Cdigo Civil inaugura entendimento que vi-nha
prevalecendo em face da jurisprudncia predominante, segundo aqual
somente os bens afetos prestao de servios pblicos (bens de
16 MELLO, Celso Antnio Bandeira de Curso de direito
administrativo. So Paulo: Malheiros,2003, p. 780.
-
89Revista da EMERJ, v. 6, n. 22, 2003
uso comum e de uso especial) que so dotados da caracterstica de
inali-enabilidade. Tem-se no art. 100 que este atributo somente
prevalece en-quanto os bens estiverem comprometidos pela afetao ao
servio pblicoe, por isso, forem destinados ao uso comum e ao uso
especial do povo.
Tal como observado quanto referncia s pessoas administrativas
dota-das de estrutura e submetidas ao regime jurdico predominante
de direito privadoquanto a seu desempenho, tambm o pargrafo nico do
art. 99 no encontraressonncia ou respaldo nos princpios
constitucionais, mormente aqueles expres-sos ou implicitamente
postos no art. 37 e seguintes da Constituio da Repblica.
Deve ser anotado que a referncia s pessoas que compem a
Ad-ministrao Pblica foram distinguidos no novo Cdigo Civil segundo
o quantoaceito constitucionalmente, o que configura ponto
positivo.
Tambm se consideram adaptados na nova legislao civil os
disposi-tivos referentes aos bens do subsolo (art. 20, IX e 176, da
Constituio daRepblica), que j recebem tratamento fundamental,
independente de refe-rncia expressa do legislador civil.
V A RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL DOS ENTES DA ADMINISTRA-O
PBLICA
A Constituio da Repblica estabelece, expressamente, em seu
art.37, 6o, a responsabilidade das pessoas jurdicas de direito
pblico e as dedireito privado prestadoras de servios pblicos. O
novo Cdigo Civilrefere-se matria em seu art. 43, ficando, contudo,
aqum do quanto cons-titucionalmente disposto, especialmente em
relao pessoa de direito pri-vado prestadora de servios pblicos, o
que no se altera, entretanto, emface do quanto estabelecido na Lei
Fundamental da Repblica.
A importncia desta nfase est em que mesmo a responsabilidade
subsi-diria do Estado quanto aos atos lesivos havidos contra algum
e praticado porparticular no desempenho de servio pblico est
amparado constitucionalmente,pelo que no pode ser desconhecido pela
ausncia de norma civil expressa.
VI PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS DA ORDEM ECONMICA E O DIREI-TO DE
EMPRESA
Ao cuidar da ordem econmica, a Constituio da Repblica de
1988estabelece os princpios que a informam e que tm aplicao plena,
pela sua
UsuarioHighlight
-
90 Revista da EMERJ, v. 6, n. 22, 2003
natureza, e eficcia incontrastvel. Assim, a valorizao do
trabalho huma-no e a livre iniciativa, a fim de assegurar a todos
existncia digna conformeos ditames da justia social so os elementos
determinantes da dinmicaeconmica, formando e conformando o
desempenho empresarial.
Ao inaugurar cuidado especfico com o direito de empresa (livro
II daParte Especial), o Cdigo Civil inaugura legislao
infraconstitucional quese conforma com os princpios
constitucionalmente adotados, especialmen-te os que se referem ao
princpio da funo social das atividades e de todosos bens (art. 170
e seus incisos II e III) que tm de se voltar aos interessesda
sociedade, bem como para garantir a pessoa a que se destina a
presta-o da atividade econmica.
De se ressaltar tambm a funo social do contrato (arts. 421 e
2.035,pargrafo nico, do Cdigo Civil), antes nunca mencionada e que
se ajus-tam, perfeitamente, ao quanto constitucionalmente
encarecido no sistemafundamental vigente nos ltimos quinze
anos.
VII DIREITO CONSTITUCIONAL DE PROPRIEDADE E CUIDADO CIVIL
DAPROPRIEDADE
Quanto ao direito de propriedade, realce dado propriedade
cujodiresito recaia sobre bem imvel, que tema enfatizado
constitucionalmen-te (art. 5o, inciso XXII, XXIII e XXIV, art. 182
a 191, da Constituio daRepblica), o Cdigo Civil vai alm do quanto
disposto no texto do art. 524,do Cdigo Civil de 1916, como no
poderia deixar de ser.
Aquele documento civil fora preparado sob a gide da Constituio
de1891, nico documento fundamental do direito positivo brasileiro a
estatuir que odireito de propriedade mantm-se em toda a sua
plenitude...(art. 72, 17).
No obstante aquele preceito - que se justificava como tentativa
depacificar os senhores de terras, preocupados em razo da abolio da
es-cravatura que poderia, segundo o seu preocupar, ensejar novas
expropria-es (sic) a jurisprudncia dos tribunais cuidou de adaptar
aquele preceitoaos novos ditames constitucionais. Modificada a
natureza, a extenso e osefeitos do direito de propriedade a partir
da Constituio brasileira de 1934(preparada segundo os pensares
predominantes a partir da Constituio deWeimar, de 1919), a norma do
art. 524 do Cdigo Civil de 1916 passou porverdadeira mutao (mudana
informal da norma), a fim de persistir segun-
UsuarioHighlight
-
91Revista da EMERJ, v. 6, n. 22, 2003
do o princpio da funo social da propriedade que logrou persistir
a partirdaquele perodo.
A Constituio de 1988 encareceu o princpio da funo social
dapropriedade (o qual, conforme acentuado, estendeu-se naquela Lei
Funda-mental a toda atividade econmica, em orientao expressamente
seguidapelo Cdigo Civil de 1916), expressando-o, em nvel legal o
legislador civilde 2002, no art. 1228, 1o.
Parecendo combinar-se com aquele princpio, se tem o 2o do mes-mo
dispositivo legal, o qual, todavia, contamina-se por disposio
extrema-mente embaraada e de difcil compreenso, pois impede tanto a
liberdadede dispor do bem quanto de se exercer o direito de
propriedade quando nohaja contrariedade ao bem pblico ou inteno de
prejudicar outrem.
O 3o do mesmo art. 1228 no se compadece com as normas de
direitopblico, menos ainda com a inteligncia aceita do direito de
propriedade consti-tucionalmente assegurado com limitaes (art. 5o,
XXIV, da Constituio daRepblica). O que a Constituio da Repblica
garante o direito de proprieda-de, vale dizer, a propriedade
desenhada no sistema constitucionalmente adota-do, no qual se
contempla a desapropriao como instrumento do Poder Pblicopara a
concretizao do interesse pblico. Por isso que a requisio no posta
constitucionalmente como hiptese de privao da coisa (art. 5o,
XXV),seno que limitao precria a seu direito de uso
temporariamente.
Mais complicada parece ser a construo jurisprudencial para
darplena eficcia ao preceito previsto no 4o do art. 1228 do Cdigo
Civil,pleno de conceitos indeterminados e que convertem a
competncia judicialem discricionariedade difcil de ser contornada,
mas que, tal como se tementendido, no pode prevalecer sem que haja
critrios objetivos a seremacatados e fundamentados na deciso
prolatada.
Deve ser anotado que algumas normas referentes desapropriao e
queprevaleciam com base em interpretao doutrinria e jurisprudencial
oferecida aoDecreto-lei n.3.365/41 foram alteradas pela nova
legislao, como o direito dereaver o bem (art. 519 do Cdigo Civil)
em retrocesso entendida como direitoreal e que j no mais comporta
debate em face dos termos legais estritos.
VIII O HOMEM E A FAMLIA NA CONSTITUIO E NO CDIGO CIVIL
Ao centrar o sistema constitucional no homem (o qual foi
enfatizadoat mesmo na topografia normativa para bem acentuar o
ncleo da constru-
-
92 Revista da EMERJ, v. 6, n. 22, 2003
o jurdica da poltica a ser implementada), a Constituio da
Repblicasinalizou o cuidado a ser oferecido a todas as pessoas e s
formas aceit-veis de configurao social. O afeto fez-se fonte de
direitos e de cuidados.
O princpio constitucional da igualdade, aquele que mais vezes
foiexpressamente enfatizado pelo constituinte de 1987/88,
compareceu forte-mente no novo Cdigo Civil, especialmente quanto
aos cnjuges, aos filhos,interferindo at mesmo na nova concepo de
direitos sucessrios.
Conquanto se tenha sob questo alguns dispositivos, que tm de
re-ceber interpretao conforme para serem considerados vlidos
(hiptese,por exemplo, dos arts. 1565, 2o, 1566, II, do Cdigo
Civil), bem certo quehouve a preocupao, em primeiro lugar, de se
adequar e sistematizar oquanto esparso em legislao que no se
coadunava com princpios ordena-dos e, em segundo lugar, de se
formalizar o quanto aceito pela jurisprudn-cia que tinha cuidado de
dar acolhimento ao que a sociedade j absorverapelos costumes.
CONCLUSO
O Direito brasileiro fez-se mais popular nos ltimos anos.
Poder-se-ia dizer que se democratizou, conquanto ainda no se tenha
um verdadeirosentimento de Constituio ou sentimento do Direito na
sociedade. Mastransformaes na raiz de modelos polticos que no
contemplaram, em suaraiz histrica, a participao do povo nas
formulaes constitucionais e le-gais acabam por se fazerem mais
lerdas e difceis.
O Cdigo Civil, que vem de iniciar a sua trajetria viva, tende a
acen-tuar o que desde a dcada de 80 do sc. XX se vem mostrando: a
vontadede que se mostram dispostas as pessoas de conhecer e exigir
os seus direi-tos. Como direito ignorado direito no reivindicado, o
brasileiro busca,agora, fazer-se ciente do quanto conquistado.
As normas civis somente so vlidas como qualquer
normainfraconstitucional quando compatveis, consoantes, conformes
ao siste-ma constitucional, especialmente quanto aos seus
princpios. Por isto quecompete aos advogados e juzes, em especial,
fazer com que a interpreta-o a prosperar mantenha as normas
recentemente iniciadas em sua vign-cia, a fim de que o brasileiro
veja-se abrigado por direito justo e perfeita-mente compatvel com a
Constituio, em respeito ao princpio da justiaconstitucional e da
segurana jurdica.
UsuarioHighlight
-
93Revista da EMERJ, v. 6, n. 22, 2003
No h leis perfeitas, por serem obras do homem, imperfeito em si
eem sua criao. Fazer leis, lembrava Maquiavel, a obra mais difcil
doPrncipe. Mas o imperfeito d-se ao aperfeioamento, podendo ser
melho-rado pelos instrumentos legtimos e, em especial, pela ao
conjunta daque-les que tm a funo de fazer operante, eficaz e
eficiente tanto quanto olegislador em benefcio da sociedade, que
precisa de leis atuais para viversegundo ela. A vida no estanca
perante a lei defasada da idia de Justiacontemplada pela sociedade
e esvaziada em sua eficcia social.u