AEXCELENTÍSSIMASENHORA
DONACAROLINAMICHAELAS DEVASCONCELOS,
A, QUEM AS LETRAS PORTUGUESAS TANTO DEVEM ,
como tr ibu to homenajem da s ua admiração
e do seu r esp eito
DEDICA ESTA OBRA
AUTOR .
P REFÁ C IO
Não há para nenh um idioma vivo d icionário que s e possad izer completo, mesmo até a data da sua ultimação. Uma partenão pequena do lécsico, j á no que respeita a vocábulos , j á no
que se refere a acepções , fi ca sempre om issa, e êsses tesourosda língua teem de ser completados por trabalhos avulsos , queao depois s e encorporam em novas ed ições dos d ic ionários Jaexistentes ou em ob ras novas da mesma espécie .
C om a publicação destas A POSTILAS venh o tamb ém contribuir
para a futura compilação de outro d icionário, em que se tenh aem vista aumentar o copioso cabedal de termos portugueses ,mais ainda do que s e fêz no Nõvo DI C C IONÁBIO DA LÍNGUAPORTUGUESA , de C ândido de F igueiredo, 0 mais abundante d e
quantos se teem publicado em Portugal , mesmo descontandomuitas dições que figuram nele sem que sejam ou tenham s idoportuguesas .
Todavia, ass im como tive em m ira acrescentar mais dições eacepções , fruto de longos anos de estudo e de leitura, procureiigualmente criticar, mormente com relação a etimolojia, muitodo que na nossa l íngua se tem escrito. Não me ocuparei todaviados devaneios insensatos que tanto avu ltam em certas obraslecsicolójicas , mas apenas do que m ereça d iscussão séria e profícua, porque os autores criticados foram escrupulosos na redac
V III Apostilas aos D i cionári os Por tugueses
ção das suas monografias , ou dos seus d icionários ou glossar ios .
A ordenação das palavras e locu ções aqu i tratadas e r igorosamente alfab ética ; mas , como na d iscu ssão ou exposição de doutrina acerca de cada vocábulo figuram , para termos de compara
ção principalmente , outros , vocábulos em número considerável ,que são expl icados s imultâneamente com os de cada epígrafe , oleitor encontrará no fim da obra um índ ice , tamb ém alfab ético,de todos eles , com a des ignação daqueles a que ficaram subordi
nados , ou em cuja discussão se introduziramNo decurso da obra tive mu itas vezes de citar palavras e
formas pertencentes a id iomas cujos sistemas graficos diferem.
muito do romano, de que usamos ; e fui consegu intemente obri
gado a t'
ransliterar os caractere s desses sistemas em letrasromanas . Para ê ste fim escolh i os versaletes , emtanto que as
palavras latinas as oito em romano espacejado, e as do latim
popular, h ipotéticas ou reais, e do latim bárbaro as figuro emcaracteres itálicos , igualmente espacejados para sobressaírem no
texto .
Na transl iteração do alfabeto grego substitui pelo sinal deaspiração (ª ) 0 E que, em h armonia com a transcrição romana,se costuma empregar na figuração das letras gregas 0, <p, x
,
transliterando—as eu portanto com os símbolos monogramãticos'rª
, Pª
, Kª
,em vez de TH PH , OH
' do me smo sinal me sirvo paraa representação do esp i rito áspero, que, ã maneira dos romanos ,é uso designar peloH latino . D issolvi tamb ém o É grego nos
seus el ementos , KS , a semelh ança do que sempre se fêz com
o <b, PS .
No alfabeto devanãgrico, ou indico, represento semelhantemente as aspiradas por (ª ), G', por exemplo, e em tudo mais sigomuito de perto a transliteração do ind ianista português Gui
Ap osti las aos D i ci onár ios Por tugueses Ix
lh erme de Vasconcelos Abreu ; com a d iferença de figurar porm inúsculas , promiscuamente com os versaletes designativos dasletras , os sinais das vogais , quando estas não são iniciais desílaba, mas acompanham a letra consoante , formando parte inte
graute dela : assim transcrevo, por exemplo, Kauêí, e não,
KAÉGi
No alfabeto arábico represento por versaletes as letras , e porminúsculas intercaladas as trê s vogais , ou m o ç õ e s escr itas ,quando o São, a i u . C omo êste alfabeto é mais numeroso que o
romano e contém letras representativas d e sons que são estranh osao português , e alguns mesmo a qualquer id ioma não semítico,tomei por base para a sua transliteração o alfabeto h ebreu , menosnumeroso e Ja perpetuado tradicionalmente no grego e no romano,transl iterando os caracteres h ebraicos , quanto possível , pelasletras que lh es correspondem h istóricamente no abecedário latino ; e ampl iei com artifí cios , sempre os mesmos , o número decaracteres necessários para a transliteração do alfabeto arábico,quer na sua aplicação ao árabe , quer na sua acomodação a id iomas de outras famílias que o u sam , todas as vezes que me foi ind ispensável citar vocábulos d e qualquer desses id iomas . Para o
malaio, contudo, seguindo autorizados exemplos , preferi dar transcrição europeia, caracterizadamente portuguesa, dos sons , e não
das letras .Devo advertir que a
º transliteração dos alfabetos semíticosmuitas vezes não representa a pronúncia ; é m era convenção com
base h istórica,_]a o d isse . É por isso que, desatendendo na trans
literação do h ebreu mu itas das m i nuciosas convenções e parti“
cularidades da notação massoretica, figure sempre por K, P , 'r
tanto as consoantes momentáneas iniciais de sílaba, como as con
tínuas correspondentes , finais d e sílaba, a semelhança do que J ás e pratica a respeito de B , G , D .
X Ap osti las aos D i cionári os Por tugu eses
Dêste modo, o alfabeto h ebraico é transliterado da seguintemaneira, conforme a ordem dos seus caracteres
A B G D E U Z H T I K L M N S O P ê Q R X T
O acento c ircunflecso subs crito diferença da última letra a
nona, e da décima qu inta a décima oitava. Em fim de sílabaK , P , T , G, D valem respectivamente pelas letras arab icas quetranscrevo por Ti , F , Y , E) , e que vou descrever
_] a em seguimento. B em tal s ituação vale por b intervocál ico português .
O alfabeto aráb ico é assim transliteradO º
A B tr g G H H D S R Z S X S D T Z O Y F Q K L M N E U -I q
O (1 elevado denota o chamado emea, ou consoante explosivafaucal . O circunfi ecso j á fi cou expl icado no alfabeto h ebraico, comod esignando as letras , denom inadas enfáticas , s T , e aqu i mais
A
13, a. O s ímbolo t r repr esenta o valor do castelhano actual ;o ª 0 th inglê s surdo de th ink, z castelhano com pequena diferença, 0 th sonoro inglês de they, apross imadamente o nossod intervocálico. O H é uma asp iração surda, mais funda e maisperceptível do que a aspiração eXpressa por h em inglês ou emalemão ; E, essa mesma aspiração, porém acompanh ada de voz ;
em fim de palavra é , conforme os d ialectos , proferida como a, oucomo é . O H , 0 H e o E inicial de sílaba aparecem representados
por f na Península. O G vale por dj, e'
no árabe do Ejipto por g ,
qualquer que seja a vogal que s e lh e siga. 0 Y e um g fricativo,proferido no véu do paladar , e nos vocábulos arábicos que passaram a Península Hispánica foi substituído quasi constantemente
por g, gn . 0 Q e um K pronunciado tamb ém no véu do paladar ,com grande ênfase ; às vezes equ ivale a g, ou ao emza ª 0 X
Ap ostilas aos D i cionári os Por tugueses X I
tem o mesmo valor que o a: português d e xadr ez . O O expressaaqui uma articulação formada mais abaixo da farinje, sem re
presentante nas línguas europeias , e que se eliminou na passajem
dos vocábulos arábicos para os idiomas da Península ispanica.
Quem mais amplas informações desejar obter acerca da re
presentação peninsular dos sons arábicos lerá com mu ito proveitoas seguintes obras , exemplares a todos os respeitos : Dozy En
gelmann , GLOSSAIRE DES MOTS ESPAGNOLS ET POBTUG AIS DÉBI
vES DE L'ARABE,Leida, 1 869 , Introduction ,
rr ; Egu ilaz y Yan
guas , ESTUDIO SOBRE EL VALOR D E LAS LETRAS ARÁBIGAS EN EL
ALFABETO CASTELLANO,Madrid , 1 874 ; David López, TEXTOS EM
ALJ AMÍA portuguesa, Lisboa, 1 897 , principalmente esta última,por ser portuguesa e d igna de todo o encarecimento.
O alfab eto arábico aplicado ao persa tem mais quatro letras ,que são aqui transliteradas por P , O, J , é , e em queO figura o
valor do ch portuguê s do norte , castelh ano e inglês , quasi tcc ,e o é o gu i do portugu ês gu iar . 0 J tem o seu valor normal nanossa l íngua. Em turco há mais 0 U com valor de e .
Para os id iomas da Índ ia que s e escrevem com caracteresarábicos , como o indostano, temos ainda a acrescentar as cha
madas letras c ac um in ai s , que, do mesmo modo que no s ilabár io devanágrico, são representadas pelas bases T D N L (R), com
um ponto subscrito, TD NLR , e se proferem no ponto em que pro
nunciamos o r de caro .
Outros sinais convencionais são E para h aspirado (h f) sonoro,e AA (ai) para. denotar o ng final de sílaba nas l ínguas germánicas , como o inglê s ou o alemão, isto é a consoante nasal postero
p alatal , um n proferido com a raiz da língua no ponto em que
articulamos o k , e que em portuguê s se ouve , associado a k ou g,
em fr anco, frangoNa maioria dos casos , quando qualquer destas letras d e valor
X II Ap osti las aos D i cionár ios Por tugu eses
desu sado ou convencional aparece na citação de vocábulos peregr inos , o valor dela é apontado em nota, para comodidade dosleitores .
É sab ido que 0 z e o no castelhano actual valem por con
soantes fricativas surdas : a prime ira genji val , como 0 th inglês deth ink ; a segunda velar , como o ch alemão de bach , ou aindamais funda, pelo menos no castelhano como é rigorosamente pronunciado na C astela—Velha. Na Andaluzia 0 z equ ivale ao nosso ç,que como som e como letra desapareceu do castelhano normalmoderno.
Na antiga ortografi a e pronúncia castelhana 0 Z, 0 j, o c eo a: tinham os valores que lh es damos em português .
Advertire i ainda que a curva fechada subs crita as letras a
e e representa o valor que elas teem nas palavras portuguesasda dg; e que êste mesmo s inal sobrescrito a i , u denota queestas duas vogais não formam sílaba por si , mas com a vogal
que as preced e ou s egue , constitu indo a parte fraca dos ditongosdecrescentes , como em p ai , p ai
º
l (p ai , p au), ou dos d itongoscrescentes , como em f iar , suar (fiar , suar) . Os ápices sôbre0 u signifi cam o
,u alemães , eu (aberto), u franceses ; 0 o o fe
chado alemão de s ch õn , eu francês de feu . Os áp ices sôbre “
0 i
designam 0 i guturalizado de navi o, como esta palavra se pronuncia em vários d ialectos açor ianos , 0 y polaco.
Para os vocábulos pertencentes a id iomas cujas letras não
rep resentam nem fonemas nem sílabas uso de trans crições ,quanto possível , portuguesas , e o mesmo faço com outros idiomas que são analfabeticos , como por exemplo o tupi, os cá
friá is , etc .
O sinal (2) quere d izer « d e r i v ad o d e », e êste mesmo in
vertido (l ), « qu e é o r ijem d e ».
A ortografi a segu ida no texto desta obra é a que es ,
Aposti las aos D i c ionár ios Por tugu eses XI II
discuti e defend i na ORTOGRAF IA NACIONAL , dada a estampaem Lisboa no ano de 1 904, e já adoptada pelo Dr . Júlio C ornuna 2 .
ª ed ição da sua preciosa Gramática h istórica portuguesapubl icada no GRUNDRISS DER ROMANISCHEN PH ILOLOGIE , bemcomo últimamente pela snr .
ª I) . C arolina M ichaelis de Vasconc elos o que a consagrou ,
e ainda pelo snr . Alberto da C unh aSampaio, na revista P o r t u g á l ia .
F icou pois sancionada por aquelas duas maiores autoridadesactuais em íi loloya portuguesa, e com isto me contento.
Na reprodução de documentos antigos , principalmente ano
nimos , busqu ei ,
uniformizar a escrita por padrão artifi cial , s im ,
mas ameu ver correcto, ev itando quanto pude escritas d iversas domesmo vocábulo, ou de formas análogas , no mesmo documento.
Nas i numeras c itações , com que me abono, segui r igorosamente
'
o modo de escrever que encontrei impresso, e rarís simasvezes o ass inalo ou cr itico, por mais incongruente que êle s eja,ou me pareça.
É do meu dever tr ibutar aqu i a m inha gratidão ao s enh orG . de Vas concelos Abreu , meu antigo mestre na especialidaded e estudos orientais que abal isadamente cultiva, por mu itas ponderações e observações j ud iciosas que me subm inistrou ,
e bemassim pelo escrúpulo intelijentíssimo com que me auss iliou na
revisão de uma grande parte das p rovas . Agradecimento e louvordevo igualmente ao benemérito ed itor desta obra e ao estabelecimento onde é impressa, pelo esmero e solicitude com que para a
sua laboriosa composição tipográfi ca teem dilijentemente contribuído.
Das erratas sómente faço menção especial , quando são essenciais á intel ijéncia do texto.
A . R . Gonçalves Viana .
APOSl LASAOSOICONÁROSPORTUGUESES
Éste vocábulo, tam portugu ês , que nas suas várias acepçõesnão tem correspondente exacto nas outras l ínguas românicas , éde orijem mu ito problemática. Os nossos d icionaristas teem—lheatribuído étimos d iferentes . Pondo- se d e parte fantasias d iversasque fôra inútil citar , aquele que maiores probabil idades ofereceem seu abôno é o apontado por F . Adolfo C oelh o do segu intemodo : «(Hespanh oll alabea,
rumo [a liás , ramo], curvo na ma
deira [a li as , encurvamento], goteira ; do basco alabea, o que pendeou goteja)
Haver ia muito que ponderar sôbre o enunciado desta etimoloya, mesmo sem ins istir em r um o , em vez de r am o , por ser
evidente erro tipográfi co.
L imito-me ao segu inte : nem a labear(s e) s ignificou jamaisgotejar » ou goteira em espanh ol ou em vasconço, nem alabea
é palavra espanh ola, mas s im alabeo que o Dic ioná
r io da Academia define assim ; —« v icio que toma una tabla úotra pieza de madera, torcie
'
ndose de modo que su superfi cie no
esté toda en un planO mesmo D icionár io dá como orijem do verbo a labear s e
(« empenar—s e a d e que a labeo é substantivo verbalexpressando acto, a palavra álabe, com vár ios signifi cados , e cujo
1 D ICCIONARIO MANUAL ETYMOLOG I C O DA LINGUA PORTUGUEZA .
2 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
étimo seria o árabe ALaUA,« curvo »
, que Egu ilaz y Yanguasrefere ao verbo LaUI , flex i t , preferindo- lh e outro étimo igualmente arábico, que não cito por ser foneticamente inadm issível .
Diez 9 , citando Larramendi, aponta o vasconço alabe(a), « (o)
que pende », preferindo—lh e o étimo proposto por Mahn, e do
mesmo modo vasconço, aclar(ra) « ramo », e be, « para baixo »
, ecom êste explica a palavra portuguesa aba, contraída de alaba,
como p aço, de p alaço .
Efectivamente , nos derivados em que o primeiro a perde o
acento tónico, conserva êle o seu valor alfabético, o que é provade resultar de dois aa ; ex . : desabar , abadá , etc .
A não ser esta circunstáncia importantí ssima, talvez fossetambém admissível como ótimo o latim al a a iia 3ava aba,
visto ser êste o proposto por Zanardelli para o sardo ab'
a,
« asa »,
comparável a candeba, que na mesma l íngua corresponde ao
latim c an d e l a .
Temos , porém , de o rej eitar para o português , não só por ser
neste a permutação de Z em b talvez facto isolado, mas tambémem razão de o a átono permanecer aberto, a, como resultante dacontracção de a+ a .
C omo cur iosidade d irei ainda que na província de Leão s eusa um verbo de identifi cação d ifícil , abar(se) , signifi cando o
que d izemos alar(—se), « fu j i r », como no provérbio— Aba ! que
na g rande el r io, aunqu e me de al tobi llo— «Ala! que vai
grande o rio, apesar de (só) me ch egar ao tornozelo rifao que
se emprega' quando se qu ere dizer — « que el h ombre prevenido
debe hu ir de la apariencia del peligro » 3.—Abacs =abad—os)
signifi ca « arredal » .
Informa—me também um am igo meu , da Estremadura Espa
1 GLOSARIO ET IMOLÓGICO DE LAS PALABRAS ESPAS'OLAS DE ORIG EN ORIENTAL , Granada , 1 886, sub v. alabes .
ª ETYMOLOGISCHES WORTERRUC H DER ROMAN ISCHEN SPRACHEN ,Bonn , 1870, 2 .
ª
parte, sub v. Alabe.
3 D ICC IONAR IO ENC ICLOPÉ DICO HISPANO—AMERICANO .
4 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
S e considerarmos que outra forma portuguesa dêste vocábuloé bada, somos levados a concluir que o acento é na sílaba ba, eneste caso teremos de Optar pelo malaio bádag « rinoceronte »
,
como étimo. Um parónimo dêste vocábulo, ábada derivado deaba,
deve ser marcado com a inicial a para se diferençar do quefaz o obj ecto dêste artigo e s e pronuncia abáda
'
, com a'
surdo
inicial .Al ém do passo com que Bluteau abona o vocábulo, e da ind i
cação que faz da ETIOPIA ORIENTAL de Frei João dos Santos ,para ju stifi car a outra forma bada, pode ainda autorizar—se O seu
emprego com as BATALHAS DA C OMPANHIA DE J ESUS NA SUAGLORIOSA PROVINCIA DO J APÃO, do Padre António Franc iscoC ardim
« O benjoim amendoado desce pelo rio abaixo do re ino dosLaos , com as pontas de ab ad a
F . Méndez Pinto u sa da forma bada no seguinte passo daPEREGRINAÇAO,
'
referindo—se a Ásia insular : outros mu itosan imaes mu ito p iores inda que as aves , como são alifantes ,
b ad as , liões , porcos , búfaros e gado vacum em tanta quantidade ,que cou sa nenbíia que os h omens cultivem para remed io de sua
vida lh e deixaõ em pé _º
.
A letra final , q, da palavra malaia bárlaq é quasi imperceptivel e é proferida na farinje.
abafador , afogador abafar, afogar
G uilh erme de Vasconcelos Abreu , num erud ito artigo, pu
bl icado no CORREIO DA NOITE , de 25 de outubro de 1 886 , referiu- se a s eita (los abaf adores , e descreveu em que consistia.
abaf ar o mor ibundo, o que reputava prática relijiosa da antiga
s eita dos h erej es C átaros afim de imped irem o que
L isboa, Imprensa Nacional , 1894, p . 25 1 .
º C ap ítulo XLI .
Apostilas aos D i cionár ios Por tugueses 5
está a morrer de cometer pecado, depois d e receber pela impos ição das mãos do sacerdote o consolani ento, correspondente aextrema unção da Igreja C atól ica. No mesmo artigo s e vê queê sse homicíd io relijioso foi , e ainda é atr ibuído a seitas judaicas ,tanto em Portugal , como fora déle , mas especialmente em Bragança e na C ovilh ã , onde abundam os cr istãos novos . Aí vemostambém a razão pela qual tam nefanda prática foi assacada aos
j udeus , com fundamento em outra prática judaica, inofensiva, demeter debaixo da cabeça do mor ibundo uma almofadinh a de penas de gal inha, para o aju dar a bem mor r er .
O ind ivíduo que no norte é chamado abafador , denomina—s ena Beira—Baixa afogador , com o mesmo s ignifi cado infamante ,que, se é real , entende o douto professor não poder com justiçaatribuir- se a seita nenh uma propriamente judaica. É sab ido queos verbos abafar e afogar se encontram em uma acepção co
mum , a de « sufocar », conquanto tenham outras em que não são
s inónimos .
termo afogador , como correspondente a abafador , vemass im definido na REVISTA LUSITANA 1
: —« C h ristão novo en
carregado de estrangular ou abafar com as roupas da cama os
moribundos da mesma communh ão rel igiosa ; pois , segundo é corrente , passa como prece ito d e certa seita judaica que os proselytos não devem morrer , mas serem mortos . afogador cumprea tr iste e repugnante m issão com a serenidade com que o sacerdote pratíca os actos mais santos do seu ministerio. Nos concelh os de Penamacor e C ovilh ã , onde abundam os ch amados ch ristaos novos , são apontados pelo povo os afogadores . C onta—se quemuitas pessoas teem s ido instadas pelos moribundos para que os
não abandonem emquanto não expirarem ,h orrorizados com a
idea do estrangulamento
1 Vol . II , 1 890- 1 892 , p . 244 : NOTAS SOBRE A LINGUAGEM VULGARDA ALDE IA DE SANTA MARGARIDA (Beira-Baixa), por A. Alfredo Alves.
6 Aposti las aos D i cionár ios Por tugueses
abafarete
Emprega- s e êste vocábulo, em linguajem de gíria parlamentar , para designar o acto de pôr termo a uma d iscu ssão, med iantemoção de confi ança ao govêrno, ou requerimento para se considerar a matéria discutidaz— « S e não h ouver abafarete,— e é
mu ito provavel que o h aja—.a d iscussão sobre a troca de tele
grammas deve pros eguir por toda a proxima semanaÉ evidente a orijem da expressão, que provém do verbo abafar ,
no sentido d e sufocar
abismo
No ECONOMISTA de 4 de janeiro de 1 891 , deu—se como u sualíssima uma acepção dêste vocábulo, que não é fácil apurar qualseja, pelo modo por que ali se empregou , e é o segu inte :— « Di
zem do Algarve : ch ove a valer . Não h á falta que não dê em fartura. No entretanto, como ha sempre d iscordantes, os das alturasquerem mais agua, porque os abysmos , expressão muito popular,estão s eccosA palavra abismo provém de uma forma superlativa latina
a bg s s im u s , do adjectivo abys s u s , correspondente ao adj ectivogrego ÁBUSSOS, que se ob serva nos SETENTA, ou versão grega doVelh o Testamento h ebreu , onde traduz o adj ectivo BOEU, que na
VULGATA , ou versão latina, e interpretado por inan i s : t e r raau te m e r at in an i s et u ac u a,
em grego RAI GE ETTON ABUSSOS KAI AP ªANIASMOS. O grego ABUSSOS é um adj ectivo negativodo substantivo RUSSOS
,« mar fundo na Il íada de omero
[x'
x IV , No Novo Testamento a HE ABUSSOS do texto ªcor
responde na Vu lg a ta in fe rn i , « as que é o
1 O SECULO , de 9 de agosto de 1905 .
ª t V. W. Pape, G RIEOH IS C H - DEUTSCHES WORTERBUC H , Brunsvique,
1 880.
Apostilas aos D icionár ios Por tugueses 7
adj ectivo inte r nu s , superlativo de infe r , « que fi ca por bai
xo » mas substantivado.
abozinado
Éste adj ectivo mu ito bem formado do substantivo boz ina,
assim como abotinado, de batina, afu n i lado, de fun i l, abona—secom o s egu inte trech o, extraído do jornal O SÉ CULO , de 1 3 dejane iro de 1 902 : de barrete verde , orlado devermelh o, calça ab u z inada , ar gingão .
É locução mais curta e mais expressiva, que a usual , calçade bôca de s in o .
abrasado
Éste particípio do verbo abr asar é usado na África OcidentalPortug uesa num sentido mu ito especial , como vemos no VI Relatório da Liga Filafricana 2
, pájinas 3 4
un de ses sekulus qu i se trouvait par hasard afut abrasado (en port ugais local) ; c
º
est- ã—d ire , il fut appelé aumonde des esprits par le revenant de Petelu assassiné
absent(e)ísta, absent(e)ísmo
Neoloji smo empregado por Alberto Sampaio no seu trabalho,
por todos os títulos notável , AS « VILLAS » DO NORTE DE PORTUG AL
3 ' S ó mais tarde , tornando- se absenteístas [os proprietarios] o regime cultural tomou caracter d ifferente »
'E copiado ê ste vocábulo do francês absen té is te, de introdu
1 V. M . Theil , D ICTIONNAIRE LAT IN- FRANÇAIS , Par is, 1 880.
2 LA L IGUE PH ILAFRIC AINE.
3 in Portugá lia », I , p . 282 .
8 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
ção recente , formado de absen té isni e, que é derivado do inglêsabsentei sni , conforme E. Littré
Melh or forma fôra sem dúvida absen tis ta,com absorção do e
de absen te, ausente a semelh ança, por exemplo de den tis ta,
que se não profere , nem escreve dentei s ta .
A GAZETA DA S A LDEIAS usou absen te-
i'
snio cesse o absenteí smo, que o prOpr ietár io . eXplore d irectamente —º
0 NOVO DICCIONARIO DA LÍNGUA PORTUGUESA admitiu no
Suplemento o termo absen teismo, dando—o como brasileiro.
Melhor seria com certeza absen tismo, sem aqu ele e a dificul
tar a pronunciação, v isto que de p rotes tan te d izemos p rotes tantismo, e não p rotes tan tei smo .
ab side , abside
Na REVISTA LUSITANA ivr, p . 95] mostrou J . Le ite d e Vasconcelos que a acentuação usual desta palavra, abs ide, é errada.
Teóricamente tem razão : em latim 0 i de ab s i s , ab s i d i s deveser longo, como o era em grego o de APSI'S , APSÍD OS, « ligaçãodo qual os romanos o tomaram . O facto, porém , é que quasitodos , se não todos , os lecsicógrafos portugueses acentuam abs ide,
naturalmente para s e conformarem com o uso dos arqu itectos , eesta acentuação e commum ao castelhano e ao toscano. No ul
timo livro, que trate de arquitectura, escrito em portuguê s acentua- se graficamente abs ide, contra o sistema ortográfico do autor ;que raras vezes marca acentuação 3
, do que se depreende insistirêle em que deva ser assim acentuado. C onquanto em questões delinguajem não tenhamos por dever seguir caprichos ou particularismos de quem não tenha a competência especial nessas questões , não devemos , contudo, dispensar absolutamente o seu voto.
1 D ICTIONNAIRE DE LA LANGUE FRANÇAISE .
de 9 de ju lho de 1 905 .
3 Augusto Fusch ini , AARC H ITEOTURA RELIGIOSA DA RDADE MEDIA ,L isboa, 1 904, passi ni .
Apostilas aos D ic ionár ios Por tugueses 9
acabador
0 NOVO DICCIONARIO DA LÍNGUA PORTUGUESA inclu i ê stevocábulo, dando—lh e como defi nição o que acabaÉ insufi ciente esta defi nição (que aliás era bem escusada por
ser intuitiva) para o sentido em que ê ste substantivo é tomado ,e que parece trivial , comquanto técnico, no anúncio n
º3 21 B ,
publicado no jornal 0 SECULO , de 1 9 de abril de 1 901 — « Aca
bador . C om as melhores referencias [al iás , abonações , informa
ções] de trabalho . admitte—s e na fabrica de lanifi ciosPelo teor do anúncio vê - se que é um « Operário a quem se in
cumbe o ac ab am ento , ou última mão em uma peça de tecidod e lã
acarrejar
Em C aminh a tem o s entido e special de « fazer fretes Vemj á consignado em d icionár ios como equivalendo a carr egar .
acarretador (Algarve)
O emprego particular que na província mais merid ional docontinente português adquiriu esta palavra deduz- s e c laramenteda seguinte definição, dada por J . Nunez no seu estudo C OSTUMES ALGARVIOS « Tem o nome de acarr etador o ind ivíduoque anda recolh endo o trigo para o moinh o, para cuja conducção
se serve d 'uma muar ou dºum carro onde transporta os saccos
Acem
Este termo de carniçaria, ou açougue , é usualmente escritoassem, escr ita com certeza incorrecta, conquanto seja a adºptada
por Bluteau no VOOABULARIO PoRTUGUEz—LATINO , e repetida
1 in P o r t u g á l i a , I , p . 3 88 .
10 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
ainda no Suplemento, acompanhada porém da que tenh o porpreferível .
O termo, como quasi todos os que pertencem aos ofí c ios demagarefe, esfolador , etc ., deve ser de orijem arábica, e aos s s
arábicos correspondeu sempre ç em português .0 arab ista Jos é Benol iel sujere—me como étimo, entre outros
menos prováveis , OSN , gordura », que na realidade vem incluído
por Belot no Vocabulário árabe- francê s 4, com a signifi cação de
« graisse », e no Dicionário árabe- francês de C h erbonneau º
, com
as de « graisse , embonpoint ».
A definição do termo português é , conforme o DIOOIONARIOC ONTEMPORANEo z « parte do lombo da vacca , ou do boi , entrea pá e a extremidade do cachaço »
Veja- s e febra.
acenha, azenh a
Os d icionários consignam em geral ambas as formas , dandoquasi sempre a preferência a s egunda, que é , a bem d izer , a
única literária modernamente . O povo emprega comummentea primeira
,e em escrito recente , J . Nunez 3
, refer indo—se ao
Algarve cita as duas —« mas h á também os (moinh os) chamados de rodizio e as az enh as ou acenhas » Vê - s e que a formacom c é a local , e está mais conforme com o seu étimo arábico.
Os lecsicógrafos que teem tratado dos termos árabes quepassaram as línguas h ispánicas , a começar em João de Sousaderam há mu ito a etimolojia dêste vocábulo, AL—SaNIE, e ê stearab ista aponta como mais correcta a forma assan ia,
no foral
dado por D . Afonso Henríquez a cidade de C oimbra, mas escreve
VOCABULAIRE ARABE - FRANÇAIS , Beirute, 1893 , p . 692, col . I .D ICT IONNAIRE ARABE - FRANÇAIS , Par is, 1 876 , II , p . 7 1 6, col . I I.C OSTUMES ALGARVIOS , in Portugália »
, I , p . 3 88 .
VEST IGIOS DA LINGOA ARARICA EM PORTUGAL , Lisboa, 1 3 30.
12 Aposti las aos D i c ionár ios Por tugueses
Félix Pereira dilijenciou acomodar a português com a formap latô, a qual vingou por algum tempo, mas h oj e , e ainda bem ,
está quas i d esterrada. Alme ida d'Eça usa também o termo achada
na sua C HOROGRAPH IA.
O passo em que o erud ito professor , a quem acima me refer i,emprega os dois termos reza assim « e finalmente as achadasou planaltos de Moncorvo »
E precioso aquele l ivro pela propriedade de l inguajem , todaportuguesa de lei , e muito bem expl icada, no que s e refere a ter
m inolop a.
O vocábulo achada figura na toponím ia, como se pode ver
no DIOC IONARIO C HOROGRAPB'
IOO de João Mar ia Baptista e éa denominação de um largo, e de uma rua de Lisboa, que, res
pectivamente, veem apontadas , com os números 1 e 2 , no quadrado 63 da PLANTA DE LISBOA , publ icada em 1 880 em português , francês e inglês . São essas denominações lar go da Ac h ad a ,
r u a da Ac h ad a, e fi cam para os lados do C astelo de S . Jorj e .
C onquanto, que eu saiba, o verbo a char não seja empregadoactualmente em parte alguma do território portuguê s no sentidocorrespondente ao castelhano allanar f ap p lan ar e , no copiosoGlossário do dr . A. A. C ortesão º encontramos o part icípio pass ivoachãado, de um verbo achaar , da mesma or ijem , abonado com
o seguinte exemplo :— «De gu isa que em breve foi todo ac h ã ado
[Azurara, CRÓNICA DO CONDE DOM PEDRO] »
Em Mértola diz—se chada p l an ata , e é possí vel que sejaesta a forma pr im itiva, a que se soldasse o artigo femenino, comoem ur rá
, arra ia .
Sôbre achada com outra s ignifi cação, veja—se achar.
1 VI volume da C HOROG RAPH IA MODERNA DO RE INO DE PORTUGAL ,p . 3 , col . I . L isboa, 1878 .
2 SUBSÍDIOS PARA UM D ICC IONARIO COMPLETO (HISTORIC O -ETYMO
LÓGICO) DA LÍNGUA PORTUGUESA , Coimbra, 1 903 .
Aposti las aos D icionári os Por tugueses 1 3
achaque
Ao exemplo de achaque na acepção de « pretexto », aduzido
no DIOOIONARIO CONTEMPORANEO , pode acrescentar—se o seguintepasso das BATALHAS DA COMPANHIA DE J ESUS NA PROVINo IA
DO J APAO do Padre Antônio Francisco C ardim z— « foi inti
mada nova sentença de destêrro, tomando por ach aque um incendio que na sua côrte . sucedera
Sôbre a etimolojia dê ste vocábulo, que desde Marina e Joãode Sousa º s e afi rma ser árab e , com o que concordaram Dozy -e
Engelmann 3, e Eguilaz y Yanguas veja—s e o que diz Kõrting 5
,
c itando C anello, que lh e atribui or ijem germánica.
C om efeito 0 eh com que s empre se e screveu esta palavra,tanto em português como em castelhano, é in compatível com o
ótimo arábico a que o subord inam e que tem por primeira con
soante ac (Ui
).
achar ; achar (substantivo)
A etimolojia dêste verbo, que maiores probab il idades oferecee, sem dúvida, o latim afflare, que entre outras acepções incompatíveis , tem a de « bafejar »
, que também pouco se coaduna comas muitas que êle apresenta na nossa língua. Pelo sentido, pois ,deveríamos repelir êste étimo, e é isso o que E. Adolfo C oelh o eC ândido de F igueiredo fi zeram nos seus dicionár ios , não obstantea coinc idência de se encontrarem em outros d ialectos románicos
1 L isboa, 1894 , p . 18 1 .
VESTIGIOS DA LING OA ARAB ICA EM PORTUGAL , L isboa,3 GLOSSAI RE DES MOTS ESPAGNOLS ET PORTUGAIS DERIVES D E
L 'ARABE , Leida, 1 869 .
GLOSARIO DE LAS PALABRAS ESPANOLAS DE ORIGEN ORIENTAL ,Granada, 1 886 .
5“
LATEINISCH - ROMANISCHES WORTERBUC H , Paderborn , 1891 , p . 7 1 ,
col . I I .
1 4 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
várias formas a esta correSpondentes , por exemplo o romeno ae com o mesmo s ignificado.
Todos , porém , teem confessado que o étimo é tentador , eque pela sua constituição formal lh e corresponde perfeitamentecf. chama fi amm a , cheirar 2flagr ar e .
Vejamos , porém , se , mesmo foneticamente, o vocábulo podesubordinar- se a êsse étimo. 0 correspondente verbo em castelhanomoderno é hallar , pronunciado alhar (cf. llama 2 fi amm a), eportanto poderíamos supor que aqu ele h seja etimolójicamente
erróneo, como o é o de hen ch i r Aimp l er e , « ench er ». Todavia,
em mu itos vocábulos o h - é ainda proferido em vár ios d ialectos ,tais os andaluzes e os estremenhos , e era—o dantes quando tinh asido precedido de formas em que anteriormente figura va 0 f .
Ora êste verbo hallar tinha antigamente a forma faltar , o
que torna inadmissível que procedesse de affl ar e ; pois , aindaque admitíssemos a pouco provável ins erção de uma vogal anaptíctica a desunir o grupo de consoantes fft, do que resultar iauma forma h ipotética aff a lar e , necessária para explicar o a da
primeira s ílaba, deixaria de existir o dito grupo, a que em cas
telhano corresponde ll (l palatino) e em português ch (flamm a llama, chama) .
Vê - se , portanto, que o étimo proposto carece de expl icaçãosatisfatória, mesmo foneticamente, e que o verdadeiro está aindatam lonje de ser averiguado, como o do verbo correspondente emoutras - l ínguas románicas , tr ovare italiano, trouver francês , acêrcado qual tanto s e tem escrito.
De achar provém o particípio achado e achada . Estes particíp ios substantivados diverjem de s ignifi cado : o masculinoachado quere dizer « aquillo que s e acha » ; o femenino achada
s ignifi cava dantes— « C oimas ou penas , que se levão aos que fa
zem algum furto, roubo, ou detrimento nos lugares , frutos e
Hunfalvy derivou alta do grego ALPºANõ : DU PEUPLE ROUMAIN OU
VALAQUE, 46e Congres de la Soc iété d
'
arch éo logie française « C om
p te- rendu
Apostilas aos D icionários Por tugueses 1 5
terras que estão contadas, ou são alh eias ; quando os Auth ores
são ach ad o s , ou descubertos na execução deste cr ime »
Isto diz Santa Rosa de Viterbo, abonando—se com as ORDENAÇOES . O vocábulo porém ainda é usado em Trás—os—Montes nosentido de « multas como sou informado por indiví duo de Mirandela, e ê ste facto não está acusado em nenhum dicionário, queeu saiba.
Por uma achada corresponde lá actualmente ao que emLisboa se diz vulgarmente p r egar uma condenação, isto é , « im
põr uma multa ».
A char , substantivo, como nome de uma conserva de frutos ,h ortaliças em azeite e vinagre com outros adubos , é o persianoAõAR que pelo malaio passou as línguas europe ias 9 .
Garcia da Orta descreve—o 3.
acinzeirado (encinzeirado)
Este vocábulo é um neolop smo que não está incluído emnenhum d ic ionário da l íngua, mesmo no mais C opioso dêles , oNOVO DIOOIONARIO de C ándido de F igueiredo. Digo ser neolo
jismo, ind ividual talvez , porque outro da mesma s ignifi cação econstituição aprossimada enc inzeir ado, suposto não figure também nos d icionários , é todavia mu ito u sado pelo povo, pelo menosde L isboa. Eis aqui a abonação «Hav ia desaparecido o nevoeiroe o dia apresentava—se esplendido, ch eio de sol , vendo- se apenasno h orisonte [s i c], sobre as aguas , o acinze irado que produz onorte forte » — ª
.
1 ELUC IDARIO DE TERMOS , FRASES , ETC . , QUE ANT IGUAMENTE SE
USARÃO , L isboa.
º Marcel Devic , D ICT IONNAIRE É TYMOLOGIQUE D ES MOTS D '
ORIG INE
ORIENTALE , Par is, 1876 .
3 C OLOQUIOS DOS S IMPLES E DROGAS DA IND IA , 1 . L isboa, 189 1 , p . 1 85 .
ª 0 SECULO , de 6 de dezembro de 1900.
1 0 Aposti las aos D icionár ios Por tugueses
Açougue
Quando a anarqu ia e a guerra civil começaram a desenca
dear—se no império de Marrocos , nos per iód icos e revistas estranjeiras apareceram frequentes descrições dos domínios do xarife,
que eram avidamente traduzidas nos j ornais portugueses , com
maior ou menor vernaculidade.
L iam - se então, reproduzidas com todas as letras com que os
estranjeiros as figuravam , mu itas palavras e denom inações arabicas , e entre elas me l embro de ter visto soh lc, como designaçãode mercadoA nenhum dos ind ivíduos que para portuguê s vertiam essas
interessantes notí cias ocorreu que êste vocabulo j á ex istia cá háum m ilénio, com forma portuguesa, açougu e, a qual , se no uso
corrente de h oj e apenas s ignifi ca a loja onde se vende a carne ,principalmente a de reses bov inas e ovinas , em tempos anter iores servia para denominar um mercado qualquer . Ao sentidoespecial é restrito que a palavra adquiriu se refere sem dúvidaum articul ista, que, pela maneira por que se expressa, parec ianão ignorar que tivera outros sentidos A accepção que vul
garmente se dá á palavra aç ou g u e logo nos evoca, com arrep iose nauseas , os logares de venda de carnes »
0 Glossário de Engelmann e Dozy º, a pájinas 228 , subordi
nado a inscrição a sogu e, castelhano, as ougue, português , e portanto fora do seu lugar , porque o étimo desta é d iferente[AL—ZAUQE] , diz—nos Dans la signifi cation dé march é (d im inutif azogu ejo), c
ºest un autre mot arabe , ã savoir as—sou c, ou
as - sôc [AL—SUQ ] qui a le même sensE em segu ida mais ê ste trecho, que é de Dozy : Dans le
Fu ero de Madrid . azoche. En portugais açougu e (ancienne
O SECULO , de 20 de março de 1 902.
GLOSSAIRE DES MOTS ESPAGNOLS ET PORTUGAIS DERIVEs D E
Lº
ARABE , Leida, 1869 .
Aposti las aos D ic ionár ios Por tugueses
m ent açougu i), qui s ignifiait autrefois mar ch é en général , maisq ui plus tard désignait spéc ialement : le march é ou l
'
on vendaitde la viande , la bouch erie . De ce mot v ient le terme aç ougagem
s ur lequel on peut consulter S.
ª RosaC omo não é o vocábulo açougajem, o qual , conforme O aba
lisado autor do Elucidário s ignifi cava um tributo imposto aos
vendedores , mas s im a palavra açougu e o que por agora nos in
teressa,se recorrermos ao prec ioso repositór io, que Dozy tanto
encarece , (e'
m in en t sa i'
ant p or tugais , lh e chama), o que, sejad ito , não era seu costume , achamos lá esta informação« AÇOUGUI . Ass im se ch amarão os lugares , onde antigamentes e vendião, e compravão todas , e quaesquer me rcadorias »
0 Suplemento ao NOVO DICCIONARIO de C ândido de Figueiredo consigna. esta acepção lata do vocábulo por um modo maisgenérico, pois o defi ne , com a cota de antigo « ar r u am en tode mercadores »
, o que me parece temerário, pois lh e falta abo
nação .
Em todo o caso, é d e aplaud ir a inserção do sentido maislato do vocábulo, visto como nem ainda no primeiro, e até agoraúnico, volume (1 ) Dicionário da Academia para o seu tempomonumental , s e faz menção dêste signifi cado.
D ispenso—me de citar , ainda que interessantes , as cons ideraç ões apresentadas por Eguílaz y Yanguas s ôbre esta palavra, pors e basearem em que d esconh eceu as acepções que ela tinha anti
gamente em Portugal , mu ito mais latas , que as que lh e atribu i
d e « carni ceri a, que es la que tiene la voz portuguesa —3
A conclusão, pois , é que açougue des ignou mercado, princ ipalmente de comestíve is , e que, portanto, é escusado empregar
1 Fr . Joaqu im de Santa Rosa de Viterbo , ELUC IDARIO DAS PALAVRAS ,TERMOS E FRASES , QUE EM PORTUGAL ANT IGUAMENTE SE USARÃO , etc . ,
L isboa, 1 798 .
D ICC IONARIO DA LINGOA PORTUGUEZA , L isboa, 1 793 .
3 GLOSARIO DE LAS PALABRAS ESPANOLAS DE ORIGEN ORIENTAL,
G ranada, 1886.
9.
18 Apostilas aos D i cionár ios Por tug ueses
mos , com letras grifas , o termo s ohh, malissimamente ortografado,
quando qu isermos designar tais mercados nos países barbarescos ;e isto
'
com tanto mais razão, quanto é sabido que, no sentidorestrito de mercado, loja, onde se vendem carnes , a denominaçãomais u sual h oj e é talho . Já 0 mesmo jornal , O SECULO d isse :
Mas a real idade é que não temos senão açougues , e precisamos de ter talh os »
Assim seja !
acud ia, acud ia
No NOVO DIOOIONARIO adm itiu—se ê ste vocábulo, preced idodo asterisco a indicar que a sua inserção em d icionários portugueses é feita pela prime ira vez . Não é exacta a afirmação, porque j á J . Inácio Roquete no DIOTIONNAIRE PORTUGAIS—FRANÇAISinfelizmente o incluíra com a seguinte definição : AC ÚD IA ,
acudie, insecte lum ineux d e l 'Amérique mérid ionale » O s inalque precede o vocábulo ind ica também a sua primeira inserção.
Que ánsia d e novidade !A definição dada pelo lecsicógrafo portuguê s suprim iu o
m e r i d i on al , pois nos diz tam sómente .—« AOUD IA, insecto lu
m inoso, da America » Deu - lh e pois muito mais d ilatada vi
venda. Feliz bich o !Rufino José C uervo na R om an i a 3 deu—nos a h istória dêste
cur ioso termo, que até época mu ito recente fi gurava em todos osd icionários franceses , onde os dois lecsicógrafos portug ueses o
foram buscar , em má h ora, sem indagarem se algum escritornacional o h avia empregado, sem o quê, fosse êle francês , quenão é, nenhum d ireito h avia de o rejistar .
Eis o resmno do interessante artigo de C uervo.
No pr imeiro e único volume do D icionário da Academia Es
1 de 20 de março de 1 902, citado antes .º Paris , 1855 .
3 Vol . XXIX p . 574 e ss .
20 Apostila s aos D icionár ios Por tugueses
bastante correcta, e acompanhada de algumas val iosas notas .
A pájinas 45 lemos o seguinte extraord inário trech o :— « Lissa
des J accétans (Ptol I I , 6 , p . de lis ar ra, en d ialecte de Labourd lei sar ra c e n d r e . C ette étymologie pourrait . être taxéed'
arbitraire s i lº
lbérie nº
eút renfermé deux localités du nom deFrax inu s , l
'
une en Lu sitau ie et l'
autre ch ez les Bastetans »
Eran las dos y s in embargo llovia !O leitor preguntará espantado e perplecso em quê o haver
nas Espanhas duas povoações com o nome de FREIXO (P r ax in u s ) concorre para se admitir como provável que Lissa,
nomede outra povoação, s e possa identificar com um vocábulo, lizar ra ,
cujo s ignifi cado s e declara ser « cinza » !
A explicação é esta. Em alemão Es che quere d izer « freixo »,
e As che, cinza ». 0 tradutor tomou Esche por As ch e, e cometeu
esta inadverténc ia, pouco desculpável , v isto que o d isparate lh edevia ter dado nos olh os , e porque tinh a todos os meios de aver iguar o s ignifi cado próprio do vasconço lis ar , decla
rando—se , como s e d eclara, «Procureur impér ial ã Oboron- SainteMarie (Basses isto é
,em terras vascongadas . Ora,
lisar , em vasconço corresponde ao f r a sc in u s latino, f rêne, enão, cendr e, em francês , f rei co em português .
adega, bod ega, botica ; botiqueiro, botiqu im
Em última análise , existe como étimo extremo destes trêsvocábulos d iferentes o grego T
ºEKE, substantivo derivado da base
do verbo TI'
TªEMI cujo aoristo, ou pretérito indeterm inado, é
ETH—«JEA, e a Sign ifi cação « pôr no seu lugar »
. 0 substantivoTªEKE quere pois d izer « arrecadação »
. Palavras portuguesas , deorijem artificial , em que o étimo grego figura menos alterados ão h ipoteca, e o mu ito moderno p inacoteca, que para. nós veio
1 W . Pape, GRIEOH IS C H—DEUTSCHES HANDWORTERBUC H , Brunsvi
que, 1 880.
Apostilas aos D ic ionár i os Por tug ueses 21
do francê s p inacothêgu e, o qual , pela sua parte , é provávelmentemera acomodação do alemão p inahothel r.
O s romanos receberam dos gregos o vocábulo ap oth ec a
(APOTªERE), com o s ignifi cado de « armazem de arrecadação,
princ ipalmente d e mantimentos » e dêste se der ivaram na Península H ispánica, adega e bodega, ambos os quais querem d izer« casa de arrecadação de v inh os em cubas »
,desaparecendo no
primeiro a sílaba átona p o, e no segundo o a inicial . O últimopassou depois do castelhano ao português num sentido pejorativo,mu ito bem expli cado por Bluteau, pelas s egu intes palavras« He palavra castelhana, que val o mesmo , que Adega ; e deBodega â zerão os C astelh anos Bodegon , que val o mesmo, quelugar subterraneo na Adega, aonde quem não tem quem lh e façao comer , o acha as mais das vezes mal guisado . Por isso ch a
mamos vulgarmente a Bodega : ma l coz inhado . Por Bodega.
entendemos h uma taverna a modo d e barraca, ou cabana, que searma. commummente no campo com paos , e pannos , em ocasiãod e feira, ou festa popular, ou outro concurso, aonde se cozinha,e vende o comer ao povo » —º
Boti ca d eriva Bluteau , com razão, do francês bou tique« que é o nome geral de todas as lojas , em que estão mercancias
em venda » — 3,e na real idade assim é , e era, tanto em francês ,
como em português , pois ainda h oj e ch amamos boti ca do cheche,a uma loja de miudezas d iversas , expressão que provávelmentenos proveio d e Macau , e aí qu ererá d izer o mesmo, e na qual oepíteto deve corresponder ao ch inês chau - ehau 4
,« cons ervas »
, ou
a outro"
vocábulo análogo.
Em ital iano, tamb ém a palavra bottega quere d izer « loja devenda, em geral » , e o própr io deminutivo botequ im , provávelmente antes , botiqu im ,
ind ica que o termo botica se não lim itavaa designar « farmácia
M . Thei l , D ICT IONNAIRE LAT IN- FRANÇAIS , Paris, 1 889 .
º e 3 VOCABULARIO P oRTUGUEz - LAT INO , Coimbra, 1 7 12 .
4 REVISTA LUSITANA , IV , p . 97 .
22 Aposti las aos D i ci onár ios Por tugu eses
A forma bou tique francesa não tem aspecto de ser imediatamente derivada do latim ap oth ec a ,
v isto que tem i por (E, e
qu e excepcionalmente por eu , em vez de che : cf. cheval c ab all um , c ach e v ac c a.
E. L ittré é d e parecer que o vocábulo tivesse vindo de Itál ia,atenta a queda do a inicial , o que nos leva a crer que o castelhano bodega provenh a igualmente d e bottega toscano, onde talsupr essão é frequente (C f. badessa, por abbatessa) . Esta solução,porém , ainda não eXpl ica 0 i , a que não encontro outra expl icação senão esta :
O vocábulo passou de Itál ia a F rança por interméd io de uma
forma d ialectal que fosse botzca, ou botti ca, em vez da toscanabottega, e assim se eXpl icaria igualmente o português botequ i ,
m
v isto como em veneziano se diz botegh in , por « loj inha » ; e presumívelmente os pr ime iros botequ in s pertenceram a ital ianos ,assim como as pr ime iras perfumar ias e as primeiras pastelarias .
Essa forma bottica, ou botica,
cuja ex istência resta averiguar emqualqu er d ialecto ital iano em contacto com a população grega,receber—se—ia desta, quando j á certi ss imamente o E h avia adquiridoo valor de i , que tem no grego moderno, e j á tinha no med ieval ,de modo que a palavra APOT
ªEKE, foss e pronunciada, como h oj e
em dia o é pelos romaicos , ap oáª
i h i º
Bluteau , no S uplemento, rejistando ç
o substantivo Bu tiqu eir o
diz : Em Goa e outras cidades da Ind ia Oriental , Butiqueiroé tendeiro, porque os portuguezes da Ind ia chamam Butica áloge , ou tenda. Em Goa, Butiqueiros vendem toda a casta decomestíveis
,e tambem mezinh as [reméd ios], tabaco, etc . (Que
rendo comprar de hum C h ina Butiqueiro). Fr . Jacinth o, Vergeld e plantas 1 43 »
O próprio vocábulo tenda, que a princípio s ignifi cava « bar
raca », ao depois « loja »
, ve io por fim a especial izar—se no seu
1 D ICT IONNAIRE DE LA LANGUE FRANÇAISE , Par is , 188 1 .
ª O sinal 5 indica a pr onúncia do th inglês de thing , pouco mais oum enos o c castelhano antes de e, i
Apostilas aos D icionár ios Por tugueses 23
tido, já h oj e quas i obsoleto , de « loja onde se vendem comestí
,Veis » , o que no Porto s e dizia loja de p eso, e em Lisboa maismodernamente se denominou mer cear ia, palavra que do mesmomodo variou muito de sentido com o tempo, pois antes queria dizer « loja. de capela » como o mer cer ía espanhol .
Adema, adem ia
No Elucidário de Santa Rosa de V iterbo figura êste vocábu
lo, com remissão a admenas , com o qual o douto frade o identifi ca, um tanto h es itante .
Pela defi nição que dá do último. isto é ,— « alemedas , passeio,r ua de quaesquer arvores frondosas e Oopadas »—4 , confrontada coma que atribu i a ademá s , é impossível a identificação, pois estassão definidas por êle próprio nos seguintes termos— «Em mu i
tos documentos que fallão no C ampo da Gollegã , e nas r ibe irasd e Torres , Brescos , e outras no termo de Santiago do C acem no
S eculo XV , e XV I s e chamão Ademas as terras planas , e d eve iga, ou seara, e mesmo quaesquer outras reduzidas a cultura»
0ra adema,ou adem ia j á eu o defini, como s endo usado
em C oimbra, por informação de Guilh erme de Vasconcelos Abreu ,
que o empregou na CHAND—BIBI º 0 campo . é adémea
s ituada entre montanh as »Veja- se em adi l.
adiça, adiceiro
0 NOVO DICCIONARIO 3 de C ândido de F igue iredo traz o
termo adiga « com o s ignifi cado » « mina de ouro », capitulado
de antigo ; não incluiu porém adiceir o, que o próprio autor empregou depois no DIARIO DE NOTICIAS de 1 1 de junho de 1 904.
V . Bluteau , i b.
L isboa, 1898 , p . 1 5 .
NOVO D I C C IONÁRIO DA LINGUA PORTUGUESA , Lisboa, 1 898- 1 900.ca
lo
r
24 Apostilas aos D ic ionár ios Por tugueses
Esta palavra, ja apontada no Suplemento ao NOVO DIOOIONARIO , é assim definida al i, como transmontana — « o mesmo quep oi s io . Diz- se « um adi l » ; mas , especialmente : « estar ou fi cara ter ra de adi l (Termo de M iranda)
Logo após êste , consignam- se tamb ém o verbo adi tar e o seu
particípio pas sivo adi tado . Nenh um dos três está , porém , abo
nado, por não entrarem tais abonações no plano do d icionário, Oque é d e sentir , mormente em vocábulos de novo col ijidos .
Para o primeiro tenh o eu notada abonação, de'
escr itor transmontano e é a s egu inte — « vê a luz, vagando inquieta e soluçante, da alma penada de Santa C ruz , que percorre . m ilh õesde vezes aquelle urzedo, esteval e ad i l , da fralda á cum iada »
S e bem que o termo é refer ido ás terras de M iranda no
NOVO DI C GIONARIO , não se encontra êle no Vocabulário etimoló
j ico, que forma de paj. 1 45 a 225 a Parte v do volume II dosESTUDOS DE PH ILOLOG IA MIRANDESA de J . Leite de Vasconcelos ; e , atento o escrúpulo e minu c iosidad e com que o seu autor
compôs esta notabiliss ima obra, é de supor que o termo não sejapropr iamente m irandês , mas geral transmontano, e como tal o
inclu í eu no vocabulár io d e Rio—Frio que pub liquei no pr imeirovolume da REVISTA LUSITANA º
, (p . onde o defini, « terrad e pous io »
, acrescentando z— C f. adem ia, adema, « terra no SOpé
d e monte », ou ,
« entre monte e r io, susceptível de qualquerlavoura »
Este último, com a forma I'
m ica adema, vem apontado no
NOVO DIOC IONARIO , mas cap itulado de antigo.
Veja- se êste vocábulo.
1 M . Ferreira Deusdado , 0 RECOLHIMENTO DA MOFRE ITA , in «Revistade educação e ensino » , 1891 , e também tirado em separado , simultaneamente.
MATERIAIS PARA O ESTUDO DOS D IALECTOS PORTUGUESES , Falarde Rio-Fr io .
!
OAp ostilas aos D ic ionár ios Por tug ueses
Este vocábulo, que se pronunc ia adáa é dado como antigo ,
pelo DICC IONARIO CONTEMPORANEO com a s ignifi cação d e « rebanh o e pelo NOVO DI C OIONARIO, como alentejano, qu erendo d izermatilha de cães Ambos lh e atr ibuem como étimo um ad- du lla .
arábico : o segundo, porém , com um ponto de interrogação, e comrazão, visto que , a estar bem escr ito o vocábulo arábico. o I não
haveria d esapare c ido, por estar dupl icado .
Nos meu s apontamentos ten ho esta palavra como usada emC astelo—Branco com a segu inte signifi cação : « ch ão público ondepastam porcos , cujo porqueiro é pago em comum »
. Infel izmentenão está abonada esta definição, que provávelmente foi dada d ev iva voz não sei j á por quem .
Ainda no NOVO DICO , e em segu ida a adu a . lemos (atuado .
como termo beirão, definido desta maneira— « manada (d e porcos) » É ev idente d erivado da adua
, que é d iferente d e outroanadiou incluído em ambos os d ic ioná rios ih
dicados , com a signifi cação de uma espécie d e imposto, é sôbreo qual se podem consultar com mu ito prove ito , além de Bluteau ,
no Suplemento, o Elucidár io de Santa Rosa de V iterbo, e principalmente 0 Glossário de Dozy e Engelmann , bem como o d e Ev
'
ui
laz y Yanguas . anter iormente citados , e cujo étimo, também ará
b ico, é d iferente (NUD BE), e d ificil d e se acomodar com a formaadua .
No Suplemento ao NOVO DIGG . dão- se mais os s egu intessubsídios para o entend imento do significado d e adua .
« rebanh o — « local onde os porcos , pertencentes a d iversos hab itantes da mesma povoação, perm anecem durante o dia. C olh ido no
Fundão Este esclarecimento aprossima—se bastante da m inh a
informação acima referida.
Disse que addu lla não pode ser a escr ita certa do vocábuloarábico que se dá como étimo ; na real idade , João d e Sousa
VEST IG IOS DA L INGOA ARÁBI C A EM PORTUGAL , L isboa, 1 83
2 6 Aposti las aos D icionár i os Por tugu e ses
ou antes Frei Jos é de Santo António Moura, que rev iu e aumentou a 2
ª ed ição, que c ito sempre por j á não ter a prime ira,transcreve o vocábulo com um só l, Addu la (AL- DULE), e dáuma excelente definição, que tudo congraça, e é pena não haversido aprove itada : Rebanh o de bois e bestas de qualquer Villaou C idade , que sah e a pastar , pastoreado por h um ou mais ind ividuos aos quaes h um dos donos paga mensalmente um tanto por
cabeça»
Bluteau diz ser palavra alentejana, s ignifi cando «matilh a »,
como termo de caçador .
termo adua está empregado no seguinte documento ofic ial« Art. I . Assoc iações d e proprietários ou h ereos das levadas da
Ilha da Made ira, ou de qualquer outra região onde h aja o mesmoregimen de aguas , ou das adua s são reconh ecidas como assoc iações legaes para todos os actos juríd icos , especialmente parapor meio dos seus ju izes , d irecções ou commissões d irectoras ,quando d ev idamente auctor izadas pela assemblea dos consortes ,ou como propr ietários adquirir, por qualquer titulo legitimo, osbens immob il iar los precisos , com destino á conservação, accres
centameuto ou melhor aprove itamento dos mananciaes de agua5)d essas levadas
Tanto as águas , como as aduas , são bens comuns .
Vem inclu ído no DICO. CONTEMPORANEO e muito bem definido, s em abonação porém antiga, ou moderna.
, v isto que o ins
trumento ainda é usado, em Évora, por exemplo, ond e o ouv itocar na noute de Santo António, há uns c inco anos .
C omo abonação pode servir a segu inte : Ouviam—s e j á des
1 VOCABULARIO PoRTUGUEz - LAT INO , L isboa, 1 7 12.
C ARTA DE LEI DE 26 D E J ULHO DE 18 38 .
23 Aposti las aos D i cionár ios Po r tugueses
inadmissível fonética, e m esmo ideolójicamente, fal l ax porqueo l gem inado não haveria desaparecido em português , e em cas
telhano ter ia produz ido l palatal (ll) , v isto que o vocábulo é emambas as línguas de or ijem evolutiva, popular ; e ainda porque ésempre de bom aviso em palavras desta espécie averiguar se háum sentido material por elas expresso, e que em regra é a sua
primeira acepção, da qual as outras são d esenvolvimento.
Outras etimolojías teem s ido propostas por d iferentes roma.
nistas abalisados , como Freder ico D iez , João Storm , Gastão Par is , e outros citados por Kõrting ª
, nenhuma das quais porémsatisfaz completamente , nem resolve as d ifi culdades fonolójicas ,que o vocábulo apresenta, comparadas que sejam as formas portuguesas afago, (a)fagar , faque ir o (fáguei r o . ou fague iro) . as
castelhanas jalagar , halagar , ha lago , ha lag i iefi o, a catalã af a
legar , e a asturiana af alagar . Até agora, portanto a mais plausí v el é ainda a pr ime ira proposta por C ornu , apesar das suaspequ enas d ifi culdades fonéticas , princ ipalmente se tivermos ematenção que o sentido em que o vocábulo é u sualmente tomadod e « acar ic iar »
, não pode ser o pr im itivo , O qual sem dúvida foio que ainda perdura como termo de marcenaria, isto é , « pôr a
face , alisar » ; ou mais r igorosamente , como terminolojia técnica.
j á restrita esta acepção lata, ch egar ao (mesmo) livel a. made iraensamblada, al isando- a, ou , como d izem « afagan d o—a »
.
Já em tempo, na rev ista belga Ill useon , porém menos cir
cunstanciadamente, me referi a esta etimolojia, ao dar ali contados estudos de gramática portuguesa, publ icados , como j á d isse ,em 1 880, na R om an i a, pelo actual professor de línguas e l iteraturas románicas na universidade de Graz , para a qual foi transfer ido da de Praga, onde rej ia cadeira análoga. Mencionei entãoapenas a mais os vocábulos castelhanos lagotear , lagotero, « ba
jular , bajulador », cuja relação com o de que trato aqui me pa
r ece agora incerta.
1 GRUNDRISS DER ROMANISCHEN PHILOLOGIE , I , p . 756 , n .
º 1 3 1 .
LATE IN ISCH,ROMAN ISCHES WORTERBUC H ,
Padel—born 1 890 : 3 00.
Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses 29
Assim , todas as investigações que no futuro se fi zerem sôbrea etimolop a destes vocábulos devem , a meu ver , basear- se numaforma peninsular f alagar , s ignifi cando al isar »
afreimar
0 NOVO DIOOIONARIO traz esta forma.
,remetendo o leitor
para afteimar , e desta para afleumar , aparentemente maispróss ima de fteuma Ap h l e gm a , e à qual dá como definiçãotornar fleumático, pach orrentoNão me parece que as rem issões estejam bem feitas , pois
nos Açores ê ste verbo quere d izer « inflamar—se , piorar », e pá
rece extraordinário que o étimo dêle seja o que se lh e atr ibu i ;
s er ia mais corrente dar- lh e como étimo imed iato o substantivofreima , que o mesmo d icionário inclu i no respectivo lugar , eemduvida deriva d e flegma .
Em todo o caso fi cará cons ignada aqui a acepção em que é tomado, pelo menos em S. M iguel , o verbo af reimar , d erivado defr eima, que vem já em Bluteau , no sentido em que h oj e empre
gamos jteimaío . d e p h l e gm on e , vocábulo grego, adoptado emlatim
agostadouro
Este vocábulo não está incluído nos nossos d icionár ios , nemmesmo como provincialismo, apesar de muito bem formado emuito expressivo. Merece bem que aí s e lhe dê cab ida.
Abonação excelente é a seguinte, que encontramos na pri
morosa publicação intitulada P or tu gá l ia,vastíssimo repositório
d e d ições , u sos e indústrias do nosso povo, e cujo segundo volume está já sendo publ icado :— «Entretanto o rendeiro antigo temainda o d ire ito de aproveitar o agostadouro da seara última .
1 Vide O SECULO , de 5 de julho de 1 901 .
30 Ap osti las aos D ici onár ios Por tugueses
comendo—lh e a esp iga e sementes com o gado suíno que entender , e bem assim com o numero de bois ou bestas estrictamentenecessar ias ao acarreto respectivo
Este substantivo pressupõe a existencia de um adj ectivo agostado
,particíp io passivo d e agos tar , derivado de agosto, e que não
sei se ex iste em portuguê s , mas vem apontado no Dicionárioda Academ ia espanh ola, com a seguinte defi nição, que aclara o
sentido da palavra portuguesa pastar el ganado durante el verano en rastrojeras o en deh esas
A forma agostadour o portuguesa corresponde a castelhanaagos tadero, que o Dicionário da Academ ia não incluiu , mas queé usada, pelo menos , na provínc ia de Badajoz , onde , como estouinformado por pessoa daquella província, a meúdo é confund idacom abrebadcr o .
« bebedouro ».
agra, agro : campo ; agrela, agrelo
Palavras mu ito corriqueiras no norte d e Portugal , não sócomo nomes comuns , mas também na toponimia, com alguns der ivados , dos quais proveem apelidos , por demais conh ecidos . Lêmosno primeiro volume de publicação a que j á nos referimos , Po rtu gá l ia, o seguinte , em uma monografi a a todos os respe itosd igna do maior encarecimento —« ager . na última [acepção]e tamb ém da sub - unidade , apparece repetidas . vezes em agro ,
agra . agr elo ou agr ela—º
C ertos derivados dêste vocábulo e várias acepções dêles aindanão entraram nos d icionários , e por isso apontarei aqui alguns .
1 J . Silva Picão , ETH NOG RAP IIIA DO ALTO ALEMTEJ O , p . 280.
2 Alberto Sampaio , AS « VILLAS » DO NORTE D E PORTUGAL , p . 1 23
e 0 8 1 .
Apostilas aos D icionár ios Por tugueses 3
Este particíp io pass ivo do verbo agu ar (aguar) tem em C a
m inha a s ignifi cação de gu loso
aguard ente
Esta palavra, que em Lisboa é pronunc iada aguarden te, emvár ios pontos do paí s revela ainda a consc iéncia da sua formaçãopor parte d e quem a emprega, pois é pronunc iada aguardente .
d evendo os que assim a proferem conservar os dois elementosseparados na escrita por h ífen : águ a- arden te . Na C OLLEC ÇÃO DELEGISLAÇÃO PORTUGUEZ A , referente aos anos d e 1 753—1 762 , Su
plemento , ainda se impr imiu agoa ardente .
A lei de 1 4 de junh o de 1 901 , publ icada no DIARIO D O GO
VERNO d e 1 5 do d ito mês e ano, traz uma interessante nomenclatura das várias espécies de aguardentes (ou água s—ardentes) ,que tem por bases a graduação centes imal , a matér ia. prima deque são distiladas , a procedenc ia, e as d enom inações por que sãoconh ecidas geralmente , quer no comércio, quer no público . Inu
til fôra reproduzir aqui essa nomenclatura, mas não o é recomen
dar que na feitura de novo d ic ionário da língua, ou na reed içãod e alg um dos já publ icados , ela seja tida em atenção com as
r igorosas d efinições que al i são dadas .
aguista
Este vocábulo para ser bem figurado, no que respe ita a sua
pronúncia, deveria ser escrito com trê s acentos aguis ta : o pr i
me iro, grave , para indicar que o a se profere aberto ; o segundo,também grave , para avisar que se profere o u ; e o terceiro, agudo, como s inal de que 0 i não forma ditongo com aquele u , istoé que êle se não lê agu is ta , nem aguis ta . Basta por ém o que
marquei na epígrafe .
3 2 Apo stilas aos D icionár ios Por tugueses
E de introdução recente e s ignifi ca « o ind ivíduo que está emsítio d e águas medicinais , para fazer uso delas :— « Vi um telegramma do gerente da empreza de Mondariz , d izendo que os
h ospedes se Oppõem á ida de agu istas do PortoEprovável que seja castelh anismo. Também se diz aq i
'
i is ta .
agude , agúdia, aguida
0 CONTEMPORANEO define agudea,como « formiga de asas »
e dá como var iante agude. 0 NOVO DIOC IONARIO dá a mesmadefinição da forma ag i
'
i dia, e atribui—lhe, em dúv ida, O étimo
agu do .
Jos é Joaqu im Núnez no seu escr ito DIALECTOS ALGARVIOS,
publicado na « Rev ista Lu s itana »ºapresenta- nos as segu intes
formas do mesmo vocábulo, e de um seu derivado : agu idáo, »
espe-cie de form iga. Embora o sufi cso ã o s eja próprio de aumentativos agudido des igna uma form iga de grandeza inferior á d eagudia, que o povo diz agu ida como tamb ém agu idã o »
Fal tam aqu i acentos ind ispensáve is para s e lerem bem os doisvocábulos , ag i
'
i ida,ag i
'
i idáo, pois de outro modo o u deixará de
ser proferido, errando—se a pronúncia dos dois vocábulos . A formaag i
'
i ida . por agudia, é análoga a verba segu inte a ibto, por hábito .
Efenómeno conh e c ido êste , em português , d e 0 i átono penúltimode um esdrúxulo passar a sílaba acentuada, formando d itongo,resultando mu itas vezes d essa passajem vocábulos parocsítonosex . : Anto ine, forma popular de An tón io, desva irar por des rar /ar
,ch u i oa , no norte , por ch u o ia, de p l uu ia , eira,
de ar e a , etc .
alugar , alago
lste verbo. além das várias acepções apontadas nos dicionár ios modernos , tem mais a de « de itar ao ch ão »
, como palavra
1 O SECULO , de 1 7 de ago sto de 13 99 .
2 V II , p . 104.
ç.wApostilas aos D ic ionár ios Por tugueses
alentejana, mas que eu ouv i também em Vizela e foi cons ignadano CONTEMPORANEO .
No volume único do D icionário da Academ ia vem ind icadaJ a esta s ignifi cação, pelas seguintes palavras s abrer
ter » Da três abonações . uma das quais , colh ida nas DÉ CADASde João de Barros , é apropr iadíss ima :
—« Dizia que com punhadas de terra sem mais armas , os seus alagar iã o a Fortaleza »
É difícil saber o sentido exacto em que o Padre C ardim emprega o que parece um substantivo r izotónico d erivado dêsteverbo, no segu inte passo— « mandou publ icar [o rei de C och inch ina] uma chapa ou provisão contra. a lei de Deus e contra os
padres [da C ompanh ia d e Jesus], a qual foi a primeira que
naquelle re ino se pôs em público e se fixou a porta da igrejaque os padres tinham em Taifó . C ah iu a porta com os alagos ,
accu sou a alde ia ao padre , que na casa estava, deante de um
mandarim . culpando—o d e tirar a ch apa » —º C onfrontado o vocabulo a lago com a lagar no passo de João de Barros , c itado, deduz—se que é um substantivo verbal , s ignifi cando talvez « r uína »
.
Em Le iria a lagar é u sado no sentido de « deitar a baixo »,
por exemplo, p ar ede a lagada , derribada »
alavão, alabão
D . Rafael de Bluteau , no VOCABULARIO PORTUG UEZ LATINO ,da a primeira destas formas , que escreve ALAVAM , 0 signifi cado
« manada das ovelhas que dão leite cons iderando o termoalentejano.
J . Inacio Boquete reji stou ê ste vocábulo no seu d icionárioportugu ês- francê s 3
,como adj ectivo : brebis qu i donne
1 L isboa, 1 793 .
BATALHAS DA C OMPANHIA D E J BsUs NA PROVINC IA D O JAPÃO ,p . 1 82 , L isboa 1 804.
3 DI C T IOXNAIRE PORTUGAIS—FRANÇAIS , Par is , 1 835 .
3 4 Ap os ãila s aos D ic ionár io s Por tug ueses
du lait (pour faire le fromage) » C andido de F igueiredo no
NÓVO D IC IONÁR I O DA LÍNGUA PORTUGUESA inclui- O como provinc ial ismo, definindo- O assim : gado que ainda mama » Não
sei com que fundamento lh e é dada ai esta acepção, que todavia não contesto.
O C onde de F icalho, numa sér ie de artigos publ icados na
interessantí ssima revista de Serpa «A Tradição », intitulados O
ELEMENTO ÁRABE NA LINGUAGEM D OS PASTORES ALENTEJANOSconsagrou duas colunas ao termo, exam inando a sua s ignificação em todos os aspectos , e diz- nos que a pronúncia constantedos pastores e a lauã o . É natural que no norte do reino, se a pa
lavra lá é u sada, ela s e pronuncie com Z) . C ritica O doutí ssimoescritor as definições dadas por vários lecs icógrafos , portuguese sou estranjeiros , estes últimos pr incipalmente arabistas , e defi neO termo do seguinte modo :— « alavã o no Alentejo significa uni
camente O rebanh o que dá leite pela ordenha, nunca aquello emque OS borregos ainda mainrnam . nome do rebanho anda ligadosempre ao facto de dar le ite para os qu eijos : começa a cha
mar- se alauao no dia em que OS borregos se apartam ; deixa. d ese ch amar alaeã o no dia em que a ordenh a cessa. Esta é a Si
gnifi cação da palavra no Alentejo ; seria interessante saber O
sentido que lhe dão na S erra da Estrella, onde as coisas s e passam de modo um pouco d ifferente »
C re io inútil acrescentar uma palavra'
que seja a tam lúcidadecis iva descrição, feita por quem tinh a toda a autoridade e todas as competências para a fazer certí ssima.
Diz—se ali, c itando João Sousa º, que o vocábulo é arábico,
a i—laban,« O leite » Pois , apesar dêste étimo t
'
am claro, Egui lazy Yanguas 3
atribui—lh e como or ijem ar - raf, conforme diz « med iante el conubio de 7
“
por la l, y de la f por la v » J á é !
'1 I , p . 95- 100
2 VEST IGIOS DA LINGOA ARAB ICA EM PORTUGAL .
3 G LOSARIO DE VOCES ESPAÉOLAS DE ORIGEN ORIENTAL , Granada,1 836.
A P (Lô LL D'
b U/LCLF LUU U uy'
u eõ ea'
alcouce
Éste termo, ainda h oj e não de todo desusado, vem defi nido noELUOID ARIO de V iterbo como « casa em que s e dão cómmc
dos para lascivos comrnerc ios » Dá—lhe O douto lecs icógrafocomo étimo um arábico Aleou ed, « alcov iteiro » O que não
expl ica O ce.
A etimolojia p roposta por Dozy ºa lcoceifa, dá razão do e,
mas é inadm issível por ter a mais a sílaba . fa, que levaria cám inho, sem se saber porquê . Eguilaz y Yanguas 3
p rºpõe parasubstitu ir a de Dozy, que não admite
, a que escreve atjoç ç , do
mus ex arund ine » casa de canas que tampouco se podeaceitar , porque sendo a palavra antiga na língua, como O provaa inclusão dela no ELUGID ARIO , a 7 .
ª letra do abecedário árabe, equivalente ao j castelh ano actual , estaria representada porf em português , e não por e e ao ou corre sponderia au emárabe .
O único vocábulo que pode satisfazer as le is fonéticas queregularam a admissão de vocábulos arábicos em português , recebidos por aud ição, e, que eu saiba, Qaus arco »
, e é possí vel quea situação de algum prostíbulo perto, ou dentro de um arco, oude uma arcada, tivesse dado or ijem a ser denom inado assim qualquer bordel .Em C oimbra h ouve uma porta de Belcouce 5
, no tempo de
1 ELUC I DAR IO DAS PALAVRAS , TERMOS E FRASES QUE EM PORTUGAL ANT IGUAMENTE SE USÁRÃO , Lisboa, 1 798 .
ª GLOSSAIRE D ES MOTS ESPAGNOLS ET PORTUGAI S DERIvEs DEL 'ARABE
,Leida, 1869 .
ª GLOSARIO DE VOCES ESPAÉOLAS DE ORIG EN ORIENTAL , Granada,
4 A. R . Gonçalvez Viana, DEUX FAITS DE PHONOLOGIE HISTORIQUEPORTUGAISE , L isboa, 1892 , p . 10.
º A. de Campos, LUÍS DE C AMõES , in « O Seculo », de 10 de j unho
de 1000.
Apostilas aos D icionár ios Por tugueses 3 7
C amões , e êsse nome deveria s ignificar em árabe «no arco » (RaL
QaUs).
alcunha
Éste vocábulo é h oj e por nós empregado no sentido em que
os castelhanos usam ap odo . os franceses sobr 'iqu et, os inglesesn i ck-name ; porém antes estava mais em h armonia com a sua
aplicação na língua de onde O tiramos , O árabe , e a que modernamente se dá. ao termo cognome. O Dicionár io daAcadem ia.
, vo
lume único, assim O declara, e autoriza- se com um trech o de Joãode Barros ; errou—lh e, porém a etimolojia arábica, a qual diz ser
atguenna (s ie). Não é isso.
Garcin de Tassy, na sua interessante memória sôbre os no
mes e títulos mocelemanos diz a paj. 6—7 , que cada árabetem em geral , pelo menos , três nomes : 1 .
º0 ó lame, Onome pró
prio, de baptismo , como d izemos , (prénom) ; 2 .
ºfatu ra o sôbre
nome (surnom), mas que designa paternidade , ou fil iação, e écomposto quas i sempre com a palavra abu , pai ou abn fi lh o
segu ida do nome daquele , ou d êste ; 3 .
º O Iáqab. ou verdadeiraalcunh a, no s entido desta palavra, h oj e em dia.
Éste étimo já tinha s ido ind icado nos VESTIG IOS DA LING OA
ARABICA EM PORTUGAL º, transcrito a lcon ia . É a mesma cousa.
C om o signifi cado de cognome encontra- se a palavra a lcunhaem portuguê s em Dam ião de Góis 3 : e ha Infanta dõna Isabel ,que casou com o Duque Ph il ippe d e Borgonha, dalcunh a h o
bom »
C ovarrubias , contemporâneo de Mariana [séculos XVI e XVII],dá como antiquada a lcuna— « vale l inage , casta, descendencia ;latine , genus , stemma. ES muy usado térm ino en la lengua
1 MÉ MOIRE SUR LES NOMS PROPRES ET LES TITRES MUSULMANS,Par is , 1878 .
2 .
ª Edição , 1 830.
3 CHRON ICA DE É L-RE I DOM EMMANUEL , cap . II I.
3 8 Aposti las aos D icionár ios Por tugueses
castellana antigua, así en las crónicas como en las leys y con
tractas — 1
aldeagante;
Palavra trasmontana ainda não col ijida nos d icionários portugnoses , no s ignificado de v iandante cam inhante S eseguir O caminh o em d irecção a C ova da Lua vê O al deagan te
(individuo errante) outro m ilagroso castigo— é um lameiro (prado) convertido n
ºum profundo lago —º
No Suplemento do Nôvo DI C C IONÁRIO de C andido de Figueiredo vem esta palavra, bem como o verbo de que deriva, aldeagar , mas noutra acepção z pessoa alegre , des involta C olh idoem Lagoaça falar á tôa ; alanzoar ; tagarelar ; falar com ani
mação ; gracejar ru idosamente »Antecede- os nesse cop ioso d ic ionário 0 substantivo aldeaga,
como termo beirão, assim definido tarelo , tagarela, palradôr
D ifí cil será decidir qual é a acepção primár ia, se a que é dadanesse dicionário, se a que acima apontámos , autor izada. Desconh ecido é igualmente O seu étimo.
aleixar
Éste verbo, afim do castelhano antigo alexar , moderno alejar
(pron . alegar), der ivado de leitos , lejos , cuja orijem parece ser,conforme F . D iez 3
,O latim l ar u s , e a Signili cação « afastar »
,
1 ap u d Ramón Menéndez Fidal , ANTOLOG iA DE PROSISTAs CASTELLANOS
,Madrid , 1899 , p . 105 .
2 Ferreira Deusdado , 0 RECOLHIMENTO DE MÓFREITA. in REVISTADE EDUCAÇÃO E ENSINO , 1 891 .
ª ETYMOLOGISCHES WõRTERRUC E DER ROMAN ISCHEN SPRACHEN ,Bonn ,
1870, p . 1 48 .
Apostilas aos D ici onár ios Por tugueses oO
« d e itar a Ionj e », segundo a expressão camoniana vem abo
nado por F . Adolfo C oelh o no seu estudo intitulado A PEDAGOGIA DO POVO PORTUGUES
,publicado na revista P o r tu g á l ia
(I, p . Quem dos seus se aleixa a Deus le ira » É interessante O conceito do adájio, como O é a ex istencia dêsteverbo em português , que assim fi cou docum entada.
Éste vocábulo, não col ijido em nenhum d icionár io da língua,vêmO- lo abonado e definido num estudo de Albino dos SantosPere ira «Lºpo, intitulado BRAGANÇA E BEMQUEBENÇA , publicadono Boletim da Soc iedade de Geografia de Lisboa º
, e reza ass imO texto :— « era costume nas vesperas de Entrudo. quando se iamrevistar as « alfas »
, ou os marcos d ivisorios das propr iedadesparticular es , ir O h omem mais velh o de Donae abr ir no Sagradouma pequena cova como Signal de que O povo estava de possed 'elle
C om respeito ao que O autor' chama. O S agr ad o lê- Se
algumas linhas antes :— E como trad ição dos « Loca Sacra» dos
povos desta epocha [pre—romana] tem s ido cons iderado O local aque OS h abitantes de Donae chamam « o Sagrado »
, que é umpequeno castro de forma elliptica, coberto de frondosos carvalhos . a norte da povoação . Denominam—no tambem .
« Igreja Velh a ». a igreja desappareceu , mas O s itio onde ficou
lá se conh ece ainda h oj e , formando uma pequena depressão e é aella que mais particularmente chamam o Sagrado »
1 Deixas criar às portas o inimigoPor ires buscar outro de tão longe ,Por quem se despovoe O reino antigo ,
Se enfraqueça e se vá. deitando a longe .
LUSÍADAS , Iv , 101
Sér ie, 1898—1899 , p . 198 .
40 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
No vocabulário que faz parte do estudo que publiquei novol . 1 da « Revista Lu sitana » já eu inclu íra, como sendo usadoem Moimenta, O vocábulo alfa,
O qual, segrmdo a informação que
dali me fôra prestada, como declarei , Signifi ca, m ar c o e nt r eb e n s c om u n s e p ar ti c u l ar e s .
No Suplemento ao NOVO DICCIONARIO foi incluído, comotermo antigo, O plural a lfas , no sentido de « fronteiras »
alfacinha ; tripeiro
São conh ecidas as signifi cações destes dois vocábulos , quepor derisão se apl icam , respectivamente , aos naturais de Lisboae Porto, naturalmente porqu e em cada uma destas c idades se d ápreferência a certos manjares , na pr imeira a salada de alface , nasegunda a um guisado fei to de dobrada de vaca. É também pro
vável que tais alcunh as lh es fossem por escárnio postas por ind ivíduos nascidos em povoações convizinhas .
Abonação de ambos os termos é a seguinte :— Vemos que a
Exposição de Paris e tambem O que mais preoccupa a attenção
tanto do « alfacinha » como do « tr ipeiro º.
É de notar que lecliugu ino, em castelhano, der ivado de techuga 2 l ac tu ca ,
« alface », se apl ica a um « peralvilho » em
Espanh a.
A palavra a lface, e de or ijem arábica, como s e sabe d esdeJoão de Sousa 3
(AL- Ti as), e também é u sada em várias partes deEspanha, conforme Eguilaz y Yanguas Por outra parte , leitugaem português equ ivale a a lface brava .
1 887- 1 889—FALAR DE R IO-FRIO (Trás—OS-Moutes), p . 203 .
O SECULO , de 30 de abri l de 1 900.
VESTi G IOS DA LINGDA ARAB ICA EM PORTUGAL , L isboa, 1830.
GLOSARIO D E VOCES ESPANOLAS D E ORIGEN ORIENTAL , Granada,nà
º-'
N
'
Ap osti las aos D ic ionár ios Por tugueses 4 1
alfand ega
Esta palavra é h á mu ito tempo empregada em Portugal eseus domínios com a s ignifi cação dada geralmente na Europa latina ao vocábulo aduana, ass im mesmo em castelh ano, doganaem italiano, (louane
'
em francês , isto é , « repartição em que se
arrecadam d ire itos das mercadorias , para que se cons ideremfrancas para 0 seu consumo »
. Antes,porém , a lfándega quer ia
d izer « albergaria » sendo a mesma dição que a castelhana moderna fenda, « h ospedaria »
, isto é a palavra arábica (ALl- FaNDao , FUND aQ , der ivada do grego med ieval PAND OKEÍON º
alfavaca, alfabega, alfadega
Éste termo usual de botán ica, o qual procede , conforme o
volume ' único do D ic ionár io da Academ ia, c itando Pedro de Alcalá , do árabe li abaca,
« manj er icã o »,é apl icado a duas plantas
enteiramente d istintas ; só , serve para des ignar uma planta aro
matica, e com um epíteto, alfaoaea de cobra,e O nome popular
de uma par ietár ia.
C onforme informação fided igna, des igna no Riba- Tejo, quercom esta forma, qu er sem O prefi cso a l, « a flor da. olive ira »
,
faeaea, e neste sentido não figura em nenhum d icionário, queeu saiba.
Em arabe , segundo O Vocabulário árabe—francês de Belot 3, a
forma é , transcr ita, HaRaQ, e portanto, O vocábulo dado por Pedro de Alcalá tem a mais O suficso de unidade .
1 Santa Rosa de Viterbo , ELUC ID ARIO DAS PALAVRAS QUE ANT IGUAMENTE SE USARÃO , Li sboa, 1 798 .
2 Henrique Yule , THE BOOK OF SER MARCO POLO , THE VENET IAN ,Londres , 1875 , 1 , p . 401 .
3 VOCABULAIRE ARABE- FRANÇAIS , Beirute, 1893 , p . 101 , c ol . I I.
42 Aposti las aos D ic ionár ios Por tugu eses
O étimo aráb ico dado no NÓVO DICCIONARIO , alcabague, eerrado evidentemente no e por H , e não sei de onde foi cºpiado.
Em castelhano, conforme o D icionário da Academ ia, existemd uas formas a lfabega e albaliaca
,numa das acepções da palavra
portugu esa a lj'
avaea. Na pr imeira dessas formas 0 Q foi reproduzido por g , que parece ter s ido em vários vocábulos a sua pro
nunc ia nO d ialecto arábico das Espanh as q. na
segunda, que pressupõe uma forma mais antiga albafaca , h ouvemetátese entre as duas sílabas internas .
Relacionemos estes vocábulos todos .No NOVO DICCIONARIO vem inscr ita esta palavra, com a si
gnifi cação de «manj erona e sem acento marcado, O que ind icaser preceituada a pronúncia a ljadega . e cita—se um d icionáriomanus crito arquivado na Tôrre do Tombo ; C ándido de Figueiredo acrescenta — « supponho que é alter [ação] de alfabega, uma.
das formas castelhanas , correspondentes á nossa a lf avaca »
No S uplemento, porém , O vocábulo outra vez inserido, emarcada a pronúncia aljádega, com a seguinte explicação :ainda h oj e s e usa, designando O mangericão de folhas largas ,
Ou a mangerona »
Segundo as informações que tenh o, d es igna sómente , pelomenos em C oimbra, « manj ericão de fôlha larga »
, e não, « man
jerona » .
No mesmo Suplemento declara- se que alj'
abega por alfavaea
é tamb ém portuguê s , u sado em Vizela.
Dic . da Ac . Esp . acentua alj'
ábega .
O povo diz rnajar i cáo, e não manger i cã o, e dêle der iva uma
forma deduzida, nmjar ico .
alfeça, alfece ; alferça, alferce
Bluteau, no Supl emento ao seu VOCABULARIO PORTUGUEZLATINO , dá ao vocábulo a lj
'
eça a s ignificação de « safradeira, fer
ramenta de ferre iro », e descreve - a pelas seguintes palavras
« Tem fi gura redonda, com altura de uma mão travessa. S erve
44 Aposti las aos D icionár ios Por tug ueses
alf'
ósticº, alfóstigº, fósticº
Esta palavra, bem acentuada em Bºquete aparece defºrmada nº CONTEMPORANEO cºm a pronúncia alfos tigo , que também incºns ideradamente foi cºpiada para O NOVO DICO . Em castelhanº as fºrmas s㺠alfós tico, alfós tigo, a lfo
'
c igo, tºdas esdrúxulas . Outra fºrma pºrtuguesa é f istico (Boquete), ºm issa nºs ºutrºsdº is dic iºnár ios , mas que nº Vºcabulário de Bluteau está incluída.
, marcada a pronunci-ação cºmº esdrúxula igualmente (f is tico) .
Para pºrtugu ês , cºmº para castelhanº , proced e imed iatamentedº árabe (AL)Fusr aQ , correspondente aº gregº P ISTAKION ,
latimp i s tac i um , dº qual proveio º francês p is tache, e que em últimaanál ise é vocábulo semíticº. Os árabes trºus seram- no talvez daPérs ia. Os franceses receb eram - nº da fºrma ital iana p istaceio,que concorre cºm p is tacch io para designação dº mesmº frutº ,ºu da árvºre que º prºduz .
alfresses , a lji'
ezes
No Elucidáriº de V iterbo vem ê ste vocábulo (a lfreees) ass imdefinidº:— «Alfaias e mºve is de uma casa » abonado cºm ºseguinte trechº:— C a lças , A lfr esesu esp ec ias, bac ias , ag i l
—mgs ,e ºutras cºu sas que tragem pera si dºcumentº de 1 3 52
O NOVO DICCIONARIO incluiu- º nº Suplementº cºmº antigº ,e ampl iou - lh e º signifi cado cºm— « variedade de panºs ricºs , própria. para armações ; certºs enfeites dº vestuáriº »
Num cur iºsº artigo de Sousa V iterbo, intituladº AS CANDEIASNA INDUSTRIA E NA S TRAD IÇÓES POPULARES PORTUGUEZAS º
, e.
ºnde, seja d itº de passajem, as gravuras representando cande iasn㺠vem a prºpósitº , pº is êste vºcábulº nºs textºs aduzidºs tem
D ICT IONNAIRE PORTUGAIS - FRANÇAIS , Paris , 1855 .
ª in P º r t u g á l i a , I , p . 3 65 -3 68 .
Apostilas aos D ic ionár ios Por tugueses 47)
º seu s ignificadº antigº de « vela » ; nesse artigº , d izemºs , aº citarum dºcumentº , extrata déle váriºs vºcábulºs , entre ºs quais ,pºrém , n㺠fi gura O que nºs interessa aqu i e nº mesmº dºcumentº vem c itadº pºr estas palavras :— « fºlha dºurº e d e pratae dal fr ez es trenas , retrºs .
—º que ser ia inintelijível se a l
fr eses ali estivesse pºr al faias , m ó v e i s .
Parece pºis ter raz㺠O NOVO DICO . em lh e atribu ir a acopç㺠c itada, ºu a de « guarnições » para vestiduras , ºu tapeçarias .Eguilaz y Yanguas traz êste vºcábulº , e dá—lh e º étimº
arábicº ALPaRXE, tapetum » ; e deve ser nº sentidº d e « tapete »
que ali está empregada a palavra, ºu noutrº muitº pertº dêste .
Vê - se pºr aqui também que a escr ita cºm .e é errônea,pºis
nº dºcumentº º 8 está pºr s s, vistº prºceder dº x arábico
cf. a lvissaras (e nãº, alvi çaras), de ALBÍXABE, sôbre º qual vejaº leitºr ORTOGRAFIA NACIONAL , paj. 1 1 3 , em que se prºvºu quea ºrtºgrafi a dºs antigºs escr itºres e cºm s s e n㺠cºm ç, e na suacºrreSpºndénc ia a X aráb icº s e fundamentºu a excepç㺠aparentede s pºrtuguês em palavras d essa ºrijem .
Nº D ic iºnár iº árabe—francês d e Belot º d㺗se cºmº cºrres
pondentes franceses d e FanxE « l it, natte ; matelas » .
Assim a lfreees , nº artigo a que me referi, é erro de transcr iç㺠e n㺠será º únicº dº textº aduzidº.
algar(a)via
Esta palavra, que nº usº actual quere d izer « mºdº cºnfusºde falar , l inguajem estranjeirada, ºu estranjeira »
,é d efe ituosa
mente definida nº C ONTEMPORANnºz— mºdº de falar próprio dosh ab itantes dº Algarve acepç㺠que ninguem lh e dá, e que seriadisparatada, pº is n㺠é tam ind istinta e especial a prºnúnc ia
1 GLOSARIO DE VOCES ESPANOLAS DE ORIGEN ORIENTAL . Granada ,
2 Beirute , p . 58 1 , cºl . I .
46 Aposti las aos D icionár ios Por tugueses
dºs naturais daquela fºrmºsa prºvínc ia, que justifi casse tal denom inaç㺠.
O NOVO DICCIONARIO define bem : « linguajem árabe ; cºnfus㺠de vºzes ; cºusa [melh ºr fôra l ingu ajem] d ifi cil de intender »
O a depº is dº r é uma Vºgal , cºmº técnicamente se diz,an ap t i c ti c a , ºu intercalar , desunindo º r dº (cf. º pºpularcarap in teir o, pºr carp in teir o) .
A lgar via , ºu a lgaravia, é º arabe ALOREIE,e qu ere d izer
« º árabe » . A pr imeira fôrma s em a vºgal intercalar figura emum adájiº c itadº pºr F . Adºlfº C ºelh º , nº seu estudº sôbreA PEDAGOG IA DO POVO PORTUGUES 1
: — « Em casa de mºurºn㺠falles algarvia
Nº BOTEIRO DA VIAGEM DE VASCO DA GAMA ºa palavra
aravia tem º mesmº s ignifi cadº —« e alguns delles [índ ios]sabem alguma pºuca d
'ar av i a »
0 g está ali cºmº fi gurandº a prºnúncia da 1 8 .
ª letra dºabecé arábicº, º que acima transcrevi pºr 0 ; aº passº que emAlgar ve a mesma letra está pela 1 9 .
ª
, que transcrevº pºr Y,e que é um g fricativo profer idº nº palatº mºle : AL-YaRB « ºpºente »
, vºcábulº diferente e que só remºtamente é afim deoaRaB,
« arabe ».
Outra fórma dº vºcábulº a lgar(a)via é a lgrav'ia, cºm O a de
gar elidido, citada pºr Bluteau 3, e abonada cºm Bernardez
—«N㺠imaginemºs que h á aqui mais Algr avias, nem cºusas
escºndidas , e sec retas » . (LUZ E CALOR , p . 249)A definiç㺠dada pelº doutí s s imo lecsicólºgº é perfeita
Termº Arab icº, que s ignifica a l ingºa que ºs Arab ios fallam .
Onde º CONTEMP ORANEO fºi desencantar a s ignifi caç㺠que lhedá , é que ninguém pºderá descobrir.
O derivadº alg(a)raviada é mais usadº pºpularmente dº queº pr imitivº . C f. alarve, que s ignifi cºu « º árab e » .
1 in Pºr t u g a l i a ,1 , p . 488 .
ª Lisbºa, 1 861 , p . 46.
3 VOCABULARIO PORTUGUEz—LAT INO , sub v. Algaravia.
Aposti las aos D ic ioná r ios Por tugueses 47
alhºra
Esta interj eiç㺠, cºntraída prºvávelmente de olhe ora é dadapºr Henriqu e Lang cºmº usada nºs Açôres .
Fêmea dº elefante : Fre i Gaspar d e Santº Agºstinh º , ITINEBABI O DA INDIA , cap . x v. Esta nºta foi- me subm inistrada pelºsnr . Guilh erme de Vascºncelºs Abreu .
aljam ia, aljemia ; aljam(i)a?
A primeira fºrma é a preferida pelº arabista Dav id López 9 ,e na escr ita a que s e emprega em castelhanº ; mas nºs nºssºsantigºs escritºres parece que era mais u sada a segunda. DuarteNunez de Le㺠, pºr exemplº, diz : e ainda entre Mºurºs , quea tem pºr sua algemia [a l íngua castelhana]Denominava- s e assim º castelhanº , º pºrtuguês , qualquer das
línguas rºmânicas da Península ispanica, pºr ºpºsiç㺠a algar
v ia, (q. tº
.) que era O árabe . A aljam ia, ºu a ljem ia , confºrm evemºs em Eguilaz y Yanguas 3 designava tamb ém º árab e cºrruto faladº pelºs mºurºs de Espanh a. AOGaMIE é º femeninºde AOG aMI , que signifi ca « º que fal a língua [ rºmânica] , d eEspanh a »
, e neste sentidº º vemºs empregadº nº trech º c itadºpelº dºutº arab ista espanhol— « Ordenamºs i mandamºs quepasados tres anos , el qual dich º tiempº damºs para que puedan
1 REVISTA LUSITANA , I I , p . 52 .
2 TEXTOS EM ALJ AMIA PORTUGUEZA , Lisboa, p . 1 89 .
3 GLOSARIO DE VOCES ESPANOLAS DE ORIGEN ORIENTAL , Granada, 1886.
48 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
lºs Mor iscos aprender á hablar i escribir nuestra lengua castellana, que d icen ellºs aljam ia etc .
» Ley 1 3 , tít. 2 .
º
,lib . V III , Nu eva
Recop i lac io'
n
A palavra s ignifica tamb ém « assemblea », mas esta talvez
tenha de acentuar- se aljam ia, vistº que a fºrma dada pºr Viterbºnº ELUC IDARIO e' algumas , cºngregações
alj ibe , aljlbé alj ub e
O NO VO DI C C IONÁRIO inclui as duas fºrmas , abºnandº sómente a prime ira, que parece ser a verdade ira. Outra abºnaçãº
dela é a seguinte , em que se cºntém a sua definiç㺠, cºmº termºde marinh as de sal ; — «D
º
ah i [a água salgada] passa para ºutrºs[tanques] menºres , ch amadºs al g ib e s »A palavra j á existia cºl ijida em ºutrºs d iciºnár iºs , cºm a sig
n ificaç㺠de « cisterna ºnde se recºlh e a água da cºmºse lê nº CONTEMPORANEO .
Existe também em castelhanº a lg ibe, h ºj e prºnunciadº a l
qibe9. e parece ser uma fºrma paralela de a lju be, º qual em
árabe quere d izer calabºuçº e prºpr iamente furna (ALG uBR).
No sentidº de pris㺠é bem cºnh ecidº em Lisbºa êste nºme , pºrs er º de uma cadeia quasi frºnteira a dº Limºeirº ; mas º vocá
bulº cºntinua a ter º s ignificadº geral d e pris㺠pública »
aljofaina
Esta palavra, ºu sem º prefi csº a l, s implesmente jof aina, que
Signifi ca nº castelh anº h od ierno bacia de lavar as mãºs , a cara
(prºnunciada qof áina) , é , cºnfºrme tºdºs ºs etimólogos , a fºrmadem inutiva arábica GuFaINE,
'
deminutivº de G ÍFNE, « algu idar »,
cºm , ºu sem º artigo AL .
1 O SECULO , de 10 de junh º do 1 901 .
2 11 I'
epresenta o valºr de j castelhanº actual .
Ap osti las aos D icionários Por tugues es 49
N㺠incluiria aqui êste vºcábulº , se º n㺠visse escr itº nº
artigº AS OLARIAS DO PRADO , de Bºcha Peixºtº nº s eguintepassº , em que parece indicar ser pºrtuguês :
— «Atribuiu - s e ºmºringue a uma impºrtaç㺠da India e amer icana, aºs arabesº alguidar , a alj ofa ina e a almºtºlia »
Esta palavra, além dº sentidº geral que expressa, tem muitºsoutrºs , quer só pºr s i, quer acºmpanh ada d e epítetos , e quasitºdº s , se n㺠tºdºs , teem sidº apºntadºs nºs d iciºnáriºs .
Um de que ainda n㺠vi menç㺠e que é d ifi cil perceber quals eja, encontrei- º nº segu inte passº de uma fºlh a d iária, que hámuitº tempº se cºnverteu em mensal , mudandº a sua antiga
índºle para ºutra mais cºnfºrme cºm º títulº º' O J ornal de
Es tar reja cºnta º seguinte casº : « Um d estes dias fºi encºntradºjun tº ás almas de C r istello . um pºbr e h ºmem quasi nu , presºa um p inh eiro »
,gSerá p ainel das almas ?
Nº PORTUGAL AN TIGO E MODERNO 3, de Pinh º Leal , ºbra que,
a par d e muitºs desacertºs , cºntém muita matéria utilíssima,prºcurei debalde nº artigº Estarreja e naqueles para que fazch amadas , An tuã , Bedu i clo, Lar anja, qualqu er referênc ia as
a lmas, de que fêz menç㺠O d itº j ºrnal . C f. alminhas , q. e .
almandra, almandrilha
Num anún ciº , publicadº no per iodico O ECONOMISTA , de 4 denºvembrº de 1 882, encºntra- se º segundo vºcábul º , n㺠cºlijidº
s ignifi candº uma espécie de « cºntaria », ºu
« avelóriº»
1 i n P º r tu g á l i a , I , p . 241 .
ª O ECONOMISTA , de 1 2 de agºstº de 1 885.
3 L isbºa, 1873 - 1 886.
50 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
Almandra é definidº nº Nôvº DICO . cºmº vºcábulº antigºcºm as signifi cações de « cºlcha, alcatifa »
, que n㺠est㺠abº
nadas , mas s em dúv ida fºram adºptadas dº ELUC IDARIO deVi terbo, ' ºnde se cºnclui cºm estas palavras a inscriç㺫 Parece que Almandra é cºlcha ºu alcatifa de linh º e lãa.
l/[i cle] D u cange o . Ti r etanu s »
Eguilaz y Yanguas admite º vºcábulº , citandº º ELUCIDARIO , e deriva—º de um arábicº AL—MaNTa, que seria º m an tum a
que s e refere Isidºrº Hispalense 9, O que n㺠tem visos de pro
babilidade, pºis n㺠eXplica nem º el,nem º r . Parece ter rela
ç㺠cºm alma(n)tr ixa, cuj º étimº está ainda pºr averiguar , apesar do seu aspectº arábicº.
A lman clr i lha vem j á nº Supl ementº aº NOVO DICO . definidacºmº « cºnta alºngada »
, e abºnada cºm C apelº e Ivens 3 , mas a
citaç㺠fºi ºm itida e é assim : explorador póde levar cºm
sigo missanga grºssa, m issanga miuda, Maria s egunda (ª), que éindispensável , cassungo de variadas côres , alm andr i l h a (º)apipada e ris cada »
As nºtas d izem cºnta encarnada pequ ena, interiormente branca, de de diametrº » cºnta de bºrdado » « (
º) cºnta alºngada de de comprido »
0 adj ectivº ap ip aclo « em fºrma de p ip o » vemo—lo tamb émaplicadº a cºntaria
,juntº aº sub stantivº coral, em um anúnciº
publ icadº nº j ºrnal . O ECONOMISTA , de 4 de nºvembrº de 1 882 .
Almandr i lha parece n㺠ter relaç㺠cºm almandra.
alma—negra, ºu anj inh º
E nas ilhas da Madeira e de Pºrtº—Santº º nºme de umaave, cºmº vemºs n a valiºsa mºnºgrafi a dº P . Ernestº S chm itz ,
1 GLOSARIO DE VOCES ESPANOLAS DE ORIGEN ORIENTAL , Granada,1 886.
2 ETYMOLOG IARUM SEU ORIG INUM LIBRI x x .
3 DE BENGUELLA ÁS TERRAS DE IAC C A , Lisbºa, 1881 , I , cap . I , p. 6-7 .
52 Aposti las aos D i cionár ios Por tugueses
ch er (Ibn- al-ºAnwan, I , 669 emploie le participe manchou r en
décrivant la maniere dºnt il faut séch er les fi gues), almanehou ra reçu le sens de séchºir , lieu ºu l
ººn fait s éch er les toiles , etc .
(Bºcthºr)0 dºutº arabista diz mais que almix ar deve ser cºrrutela
de almanxar , pºrqu e -
º verbº ocur ra nº sentidº de « secar » nãº
era pºpular , e pºrque a
'
forma devera ser almaxar « sequeirº »,
e n㺠alm ixar , que s ignifi caria « aqu ilº cºm que se seca ».
S eja cºmo fôr , vê—s e que as duas fºrmas existem , e que a
segunda se deverá es crever almixar , almexar , almascar , ºu
mesmº almex iar , mas nãº, almeix(i)ar
almeidina
Esta palavra, que parece derivada artificialmente dº nºmeprópriº Almeida, veiºnº ECONOMISTA de 7 de agºstº de 1 885explicada cºmº qu erendº dizer— « borracha branca de Mºssámedes »
almeixar , almixar
V . em almanchar.
alminha, alminhas
Nº singular , signifi ca nº Minh º º «mealh eiro das almas » 4;
noi
plural « painel das almas » . V . almas .
almuadem , almu é clano, mu ezz in
Nº Suplementº aº Nºvo Dic ciºnar iº declara—s e , cºm raz㺠,ser afrancesada a fºrma muezz in , que para aí u sam escritºrespºucº lidºs em livrºs pºrtugueses d e bºa nºta. A fºrma, pºrém ,
1 Arnaldº da Gama, O SEGREDO DO ABRAD E , p . 56.
Ap ostilas aos D i c iºnár ios Por tugues es 53
que nº mesmº d iciºnáriº se prºpõe para a substitu ir nenhumavantajem traria, pºis equival ia a trºcar um gali cismo pºr um
castelhanismº, sendº ambºs inúteis pºrque existe a fºrma portugu esa a lmuadem, prºnunciada almuadem, ºu muádem, sem ºartigº , a qual perfeitamente cºrrespºnde a arábica AL—MuaSiN ,
« pregºeirº » . E º indivíduº incumb idº de chamar , dº altº dºalcorão da mes qu i ta, ºs fi éis as r ezas diárias . O própriº autºrhavia rejistadº nº cºrpº dº d iciºnáriº êste vºcábulº , escrevendo-º
almuhádem,cºm um h a mais .
Albertº de Oliveira emprega a fºrma muedclin , que é lej itima, pºrém , inútil , v istº que a palavra j á de h á muitº existeapºrtuguesada, cºmº diss e :— «E de repente surgiram em tºdºsos minaretes . ºs vultºs direitºs e p h an tasm ati cºs dºs mu ed
d ins »
C um pre nºtar que tamb ém emprega nº mesmº escritº , ali ásde grande interesse , as fºrmas minarete e soco, errônea esta em
vez de açougue (q. o .)A fºrma francesa mu ezz in , que tem de ser prºnunciada
muez ine, e n㺠mueze, explica—se pºrqu e a nºna l etra dº alfabetºarábico é prºferida pºr muitºs barbarescos defeituosamente cºmºe, em vez de lh e darem º seu verdadeirº valºr , º dº nºssº dentre vºgais , diferente dº d inicial , a que cºrrespºnde a ºitava.
Pºr tºdas estas razões,e ainda pºrque º acentº tónicº é em fran
cês deslºcadº para a última sílaba, se vê que a mais perfeitarepresentaç㺠dº árabe ALMUãSiN é º pºrtuguê s almuádem .
A fi gura 8 representa aquela nºna letra. V . muezz in.
Em C aminha êste vºcábulº signifi ca º que em Lisbºa sechama ch i cara de almoço .
A prºpósitº de ch i car a veja- s e chávena.
1 O SECULO , de 23 de ºutubr º de 1 905 .
54 Ap osti las aos D i c ionár ios Por tugueses
almofada, almofadinha
No sul do reino chama—se almofada da cama, ou almofadi
nha, ao que no centro e norte se denomina travesseira, isto é,« a almofada que na cama s e põe sôbre o travesseiro »
, que emfrancês se ch ama or ei ller .
Esta acepção é j á antiga, pois o Padre António Franc iscoC ard im no XVII s éculo emprega o vocábulo neste mesmo sentido
o dormir era sôbre uma esteira velha, um pau ou pedra portravesseiro e almofada — 4
Hoj e é moda acentuar- se êste vocábulo, como s e fosse latino,áloes , pronúncia inadmissível em portuguê s . A acentuação antigaera aloes
,e nenhuma razão plausível ex iste , que ju stifi que o pe
dantismo da pronúncia moderna. Frei Gaspar de Santa C ruz escreveu :— « babosa, ou erva al o é s »— º Sôbre êste vocábulo ve
já—se a erudita nota do C onde de F icalh o aos C OLÓQUIOS D os sm
PLES E DROGAS DA INDIA , de Garcia da Orta 3
Esta diçao, talvez usada no sul com o significado de « alo
jamento », e muito bem formada, e um sub stantivo verbal rizo
tónico, isto é , com o acento tônico sôbre a última s ílaba do ra
dical , e vem exemplifi cado no seguinte passo da ETHNOGRAPH IA
1 BATALHAS DA C OMPANH IA DE JESUS NA PROVINCIA DO J APÃO,L isboa
,1 894, p . 206.
º ITINERÁRIO DA ÍND IA, cap . 1 x .
3 L isboa, 1 892 , vol . II , p . 60 e segu intes.
O!
01
Aposti las aos D i c ionár ios Por tugueses
DO ALTO ALEMrEJ o , de J . da S ilva P icão — « com pateo, ou, sem elle , ao rez do ch ão, outros com s ob r ad o s , reunem em ge
ral al oj o sufficiente para uma lavoira med iana » Refere—se oautor aos m on t e s , ou « casais » , e a citação contém abonação
também para a palavra sobrado .
Todo o estudo, que é de mu ito interesse , abunda em termose locuções locais , o que lh e dá grande valor como documentolecsicográfico dialectal .
aloquete
É uma forma derivada com a prostático, var iante da palavralogu ete, j á rejistada em vár ios d icionários , com o signifi cado de« cadeado de argola »
. A. A. C ortesão abona a forma aloqu ete,
com um passo de C amilo C astelo- Branco º
alqu ilar, alqu ilé
Tanto o prime iro dêstes vocábulos como o segundo são cas
telhanismos , significando o primeiro « alugar », e o segundo (al
qu i ler), « aluguer », ou com assim ilação do 7
”
ao Z, « aluguel » ;mas em português tomaram o s entido restrito de « alugar » e« alugu er »
, com relação a cavalgaduras . Modernamente , alqu i lés ignifica espe cialmente a pessoa que s e ocupa em compras , vendas e trocas de j umentos , cavalos , ou gado muar ; os espanh óisch amam- lh e chaláu , os franceses maqu ignon .
O vocábulo alqu i léúº
) é indubitavelmente arábico, entantoque o português alugu el, alugar provém do latim ad - l o c ar e ,com luna mudança, de o em u , anormal e inexplicada.
1 in P o r t u g á l i a , I , p . 356.
º SUBSÍDIOS PARA UM D I C C IONÁRIO COMPLETO . DA LÍNGUA PORTUGUÉ SA ,
Coimbra, 1 900.
56 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
alquitete
Éste aportuguesamento popular da palavra culta arqu i tecto
tomou j á uma acepção especial , que lh e dá d ireitos a figurar
nos dicionários , como palavra independente e expressiva. Eis
aqui um exemplo :— « O imperio dos mestres d 'obras , vulgarmente conh ecidos por alqu itetes , foi sem duvida a causa primaria d 'essa variedade de gaiolas que por ah i s e vêem , e a que s edá o pomposo nome de p redios e p alacetes »— 1
altamado
Tenh o, sem abonação, ê ste vocábulo nos meus apontamentos ,como termo çaloio, com a signifi cação « de tudo, de todos , unspºr outros » ; exemplo, p artos altamados , « de todas as qualida
des » . Parece ser uma contracção de alta e mata, de que se formasse um verbo altamar , do qual se deduzisse êste particípiopassivo, empregado como adj ectivo.
Numa das Sátiras do portuguesíssimo Nicolau Tolentinolê—se ºº
Feita a geral cortesia,Pé atrás, segundo a moda,
Daremos á mãe e atia,E depoi s a toda a rodaAlto e malo a senhoria.
O Nôvo D ICCIONARIO rejista a expressão altamala, no sentidode « a pressa »
,« sem escolha » e aventura—lh e como étimo, mas
em dúvida, ata mata, o que é inadmissível . Declarando o seu
autor que a locução é antiga, sem aboná- la, é manifesto que não
1 O DIA, de 18 de julho de 1 905 .
2 Obras, 1 , p . 1 78 .
Ap ostilas aos D icionár ios Portugueses 57
pod ia ter por étimo'
uma palavra que é de introdução moderna,ma la,
e pouco empregada pelo povo.
Éste vocábulo, u sado por Gonçálvez Guimarães para traduziro francê s avalan che, é assim definido pelo douto professor« Os crystaes ou frocos de neve , accumulando- se uns sobre os outros no mesmo local , comprimem—se reciprocamente em virtud edo seu pêso, e agglutinam
—s e . para se formarem esses perigosos aludes = fr . avalan ches), que se precipitam pela encostada montanh a, arrastando com a sua massa grandes pedregulhos ,lascas de roch edo e tudo quanto se lh es depara na passagem ;até que a final , quando a temperatura excede o limite de C º, afu são da neve torna- s e in evitável , e a agua passa a incorporar - s eem qualqu er torrente ou r ib eira vizinha, ao mesmo tempo que osmateriaes sólidos s e depositam pela maior parte
Á palavra a ludes lê- se no pé da pájina a nota seguinte« Nas regiões montanh osas da espanh a este ph enómeno é desiguado pela palavra alu d
,de emprego h oj e corrente na litteratura
scientifi ca, donde a trans crevemos , por nos parecer mais conformecom a índole da nossa língua do que O fr . avalanch e. A palavraé de origem árabe , e decompõe - s e no artigo al e na raí z ad que
significa precipitar—se ou cair pesadamente . Em italiano diz- seva langa e em all . Law ine »
Na SELEor A DE AUTORES FR ANCESES que, editada pela casaAillaud C .
ª em 1 897 , foi presente ao concurso de livros escolares e aprovada, pusera eu uma nota ao trech o n º
20 º,extraído
de Eliseu Reclus , com o nome de «Une tourmente dans lesAl pes
Não sab ia eu então que O autor dos ELEMENTOS DE GEOLO
1 ELEMENTOS D E GEOLOGIA , 2 .
ªed. , Coimbra, 1897 , p . 1 67 .
2p . 146.
58 Ap ostilas aos D icionár ios Por tugueses
GIA tivesse tido a mesma lembrança, sem um sab er do outro.
A minha nota é ass im concebida— « déblage p ar les avalan
ches » varrida pelas avalanches . «Não há, ao que parece , voca« bulo português que traduza êste ; em castelhano chama—se - lh es« aludes, palavra que poderia passar para português . Avalan che« signifi ca mole de neve e gêlo, que vae, lentamente ao pr inci« pio, precipitadamente depois , desl izando pela s erra abaixo e« despedaçando tudo que encontra no caminh o »
No s ingular , a adoptarmos o vocábulo espanh ol , teremos deescrever um e Hnal , alude ; cf. saú de com o castelhano salud,
cidade com ciu dad.
Quanto á etimoloa árabe , parece—me duvidosa. A Academiaespanh ola, no seu Dicionário dá como étimo O latim alãta,
« pele curtida o que é ab surdo como sentido, sendo j á por si a
forma incompatível com a espanh ola.
C omo abonação d e alude em portugu ês , já em sentido figurado, temos a seguinte :— « era um dilúvio, um alude de perguntas »
Outro étimo, al l u u ium , que ja foi aduzido, conquanto sa
tisfatório no s ignifi cado, é formalmente inaceitável , visto como o
u latino não poderia dar o d final castelhano, o qual , a ser latinoo étimo, pressupõe uma terminação —u t e m ; cf. salud s al u tem .
alustre
Em Bragança usa—se ê ste vocábulo no sentido de « relampago » º
alvela, alvéloa, arvéloa, alver ôa
Esta galantíssima ave, que tantos nomes tem, conforme as
rejiões da nossa terra, é em Lisboa conh ecida pelo de ar vé loa.
1 MISS TEMPÉ TE , tradução portuguesa, 1 1 parte, XI , in « O Seculode 13 de abril de 1 901 .
2 REVISTA LUSITANA , I I I, p . 67 .
60 Ap osti las aos D ic ionár ios Por tugu eses
do pr imeiro, como se vê do passo que vou transcrever z— « C li eguei de regresso a casa, quando a nossa ama (criada), veio cha
marms para o jantar »— 4
Análoga a esta especialização, e talvez orijem imediata dela,é a palavra ama, quando se emprega na locução ama de c lér igo,
ou na castelhana ama de llaves , governante » ; funda- se em que, .
se tal ama é serviçal do patrão ou patroa, é por outra partequem governa a mais criadajem .
Aparentada com esta locu ção é ainda ama da r oup a, que na
6)
ilha de Sam Miguel se usa para designar lavadeira »
ámago, amago
Júlio C ornu dá como étimo a este obscuro vocábulo, cujasformas antigas cita, meiagoo, maiagoo, maagoo, meoogo, meogoo,meogo, o latim m e d iu s l o cu s , « lugar do meio »
3. A ser certo
o étimo, que na forma actual está bastante desfi gurado, temosde supor que a acentuação actual é errônea, e que a verdadeiraseria amago. Não era de estranhar que, tendo saído do u so vulgara palavra, os doutos a revivessem com êrro de acentuação, comoaconteceu a p an táno (q. h oj e acentuado p antano, não obs
tante a forma femenina p an tána, e o castelh ano p antáno, quemostram qual era a verdadeira acentuação.
amassaria
Esta dição ja foi no Nóvo DICCIONAR IO apontada, com o seu
signifi cado de casa,logar onde se amassa farinha »— mas sem
1 Bosquejo de uma viagem no interior daParahyba e dePernambucoin O SECULO , de 8 de ju lho de 1 903 .
º O SECULO , de 5 de julho de 1 901 .
3 V. também REVISTA LUSITANA , II I , p . 150.
Ap osti las aos D i c ionár ios Por tugueses 61
abonação. Está autor izada com O segu inte passo de J . InácioFerreira Lapa escr itor douto e escrupulosíssimo na pureza epropriedade da linguajem z— «A amassadura a braço é geralmente praticada na mesma casa em que s e acha estab elecido Oforno de cozer ; algum as vezes êste trabalho verifica—se em casacontígua que tem O nome de casa da amassar ia »
Não é pois neolojismo o emprêgo dêste vocábul o no seguintetrech o, que trans crevo do curioso estudo de J . da S ilva Picão,ETHNOGBAPH IA DO ALTO ALEMTEJ O º
: AMASSARIA .— É a casa
do fabrico do pão de todas as qualidades, que se consome no
monte [casal]. Tomando- se por bas e a importancia do consumo,temos em primeiro logar O pão de centeio, denominado mar rocate,
que s e dá aos creados e « maltezes » em segundo o pão de trigo,—bran co e r alo
, que é respectivamente para amos e creados deportas a dentro ; em terceiro e ultimo, as p err umas , pão de farelos de centeio com que al imentam os cães de gado »
Se p err umas não é aqu i erro tipográfi co por p er runas e portanto castelhanismo, como outros da l inguajem dessa província,pois em castelhano p er ru na é também— « especie de pan muy
moreno y grosero, que ordinariamente se dá alos p e r r o s 3 [cães] ;se não é erro tipográfi co, repito, e parece que não, pois o vc
cabulo j á está rejistado no C ONTEMPORANEO , é êle uma formacuriosa do adj ectivo femenino p er r ita, de p er rum, sub stantivado,no qual s e deu a consonantização do nasalamento da vogal i i ,como em uma de ita lat. u n a
, em vez d e se dar a apócopedo a fi nal , como em commum , fem . pelo antigo vomita, ou a
desnasal ização do it, como em comua substantivo, lu a, antigo
Zita 2l una, e ainda camoniano.
Apesar da definição genérica, dada no Nôv o DIcc . par eceque o vocábul o amassar ia se não aplica ao local em que se tra
1 TEC HNOLOG IA RURAL , Lisboa, 1 868 , p . 233 .
ª in Po r tu g al i a , 1 , p . 53 8.
3 D ICC IONARIO DE LA LENGUA CASTELLANA , de la Real Acad. , Ma
drid, 1 899 .
62 Ap osti las aos Di cionár ios Por tugueses
balha nas massas alimentí cias , visto que a TEOENOLOG IA RURAL
não faz menção déle na S ecção Aletriaria, com que dá quási fimao livro.
J . Leite de Vasconcelos define a p er ru/ma do segu inte modo« pão feito de farelo, sem fintar , de bagaço, etc . , para OS cães
de gado »— 4.
ámbria
Este termo de gíria, relativamente moderno, não é mais queo castelhano hambr e, « fome » , mal pronunciado, e tem a mesmas ignificação.
amigo- fech ado
Termo da África Oriental Portuguesa, chamnar (q. v
amoroso
No Minho e nos Açores , quere dizer « l iso »,
« macio
amuado
É palavra muito conh ecida, e muito u sada, como signifi cando« o que desgostado se afasta, e persiste no enfado, sem mani
festar a causa. e proprio dos rapazes —º
Acrescentarei que tal h ábito ainda é mais próprio das meninas , pequenas , ou j á crescidinh as .
E esta palavra o particípio passivo do verbo amu ar(- se), etamb ém se emprega como adjectivo, com o mesmo signifi cadov irtual do verbo de que deriva.
1 REVISTA LUSITANA , II , p . 3 6.
2 R . Bluteau , VOC ABUL . PORT .- LATINO .
Aposti las aos D icionár ios Por tugueses 63
Bluteau dá- lhe como étimo o substantivo ni n— « animal durode domar » isto é , mu to, macho ; e parece que é
.
certo, porpouco lisonj e ira e del icada que seja a expressão, com tal orijem ,
aplicada a alguma das gentilíssimas damas que teem a graciosaastúcia de se enfadarem com aqueles a quem bem querem , e daqual diz o épico amador
Que se aqueíxa e se r i num mesmo instante ,E se torna entre alegre magoada.
1
Outro menos épico, mas não menos amavioso e conh ecedor detam suaves astúcias
, o terno e apaixonado Torquato Tasso, falandoda maga Armida e do seu Reinaldo, na Jerusalém Libertada, diz :
Tener i sdegni , placide e tranqu illeRepulse, e car i vezzi e liete paci ,Sospir i , parolette, e dolci stilleDi p ianto , e sospir tronchi , e molli baci .
Para s e consolarem, as damas podem subordinar o verbo
amu ar ao francês mou e (faire la mou e), que, para ser maisbonito, basta que s eja francês , conquanto o étimo que para estalíngua s e lh e atribu i pareça ser também comparação com irra
cional , o holandês mouwe, parente de meeuwe gaivota » .
Tornando aos nossos amu ado e amu ar , j á o mesmo Bluteaunos dá outro signifi cado, ainda na língua comum usadíssimo, o
que bem s e vê na citação que faz :— « S e o tumor Amu ar ,
e não madurar » h oj e dizemos « amadurecer »,isto é « atra
sar- se em resolver », e neste sentido, ou análogo, o vemos em
pregado no C OMMERCIO DO PORTO de 1 8 de julho de 1 885 ,referindo—se ao atraso produzido pelas trovoadas no amanh o dosal ;— «E provavel que as marinh as fi quem amuadas por maisqu inze dias »
1 LUSÍADAS , I I , est. 38.
64 Ap ostilas aos D icionár ios Por tugueses
3 111 1180
NeOIOji smo que vemos indicado na REVISTA LUSITANA [II ,p . com a significação « contrário ás musas »
anámica (adj. fem .)
Este adj ectivo vemo- lo empregado na Obra do Padre AntónioFrancis co C ard im , BATALHAS DA C OMPANHIA DE JESUS NA PBO
V INOIA DO JAPÃO I: o padre Gaspar do Amaral . que neste
anno se appl icou á l ingua anamica » isto é , a língua doAnnam, ou Aname.
É duv idoso s e a terminação am s e h á de ler al i como ã ,ame, ou ao . C onveniente seria que assentássemos em pronunciare escrever Aname, para se não confundir êste nome própriocom o comum anão, ana, e com tanto mais razão, quanto écerto que de Siam (=s i ao, s i a
,ou s iame) fi zeram os nossos
e scritores Siames 9, os povos de Siame, d iferençando nós deste
modo O reino de Siame, do monte e castro de S i ã o em Jerus alem .
Teríamos pois : anám ico aname Aname,
“
s iamês , s za
m ico s iame Siame ; formas bem portuguesas e perfeitamentededuzidas .
Disse que deveríamos diferençar Siame da S ião bíblica, eassim o creio necessár io ; não por ém , como j á incautamente sefêz, adoptando para a última a forma Sion ,
conquanto a latina
s eja S ion , copiada do grego SIõN ,transcrição da forma h ebraica
S IUM , porque a forma Sião j á h á muito é portug uesa, e foi em
1 Lisboa, 1 894, p . vs .
2 i bid, p . 288 , mã e siame; PEREGRINAÇõES, de Fernám Méndez Pinto,c ap . LVII , e p assim .
0%
Apostilas aos D ic ionár ios Por tugueses
pregada em r ima por Luí s de C amões , na formosí ss ima redondi
lha que pr incipia assim :
Sobolos rios , que vão
Por Babilónia, me achei ,Onde sentado choreiAs lembranças de Sião .
ances tral avito
Este barbarismo tem a pouco e pou co penetrado na lingua
j em pretens iosa ou afrancesada dos jornais , e por , incúria decertos escritores , ainda mal até em obras didácticas . Foi tomadod irectamente do francês ancestral, onde é neolojismo, que Littréainda não rejista. A palavra e inglesa ances
'tr al, derivada de
ancesf tor , o qual provém do francês antigo ances tres , h oj e ance
tres (latim an t e c e s s o r ). O adj ectivo ingl ês ances tra l é ass im definido por W ebster —« relating or belonging to ancestors or descending fron ancestors »— que se refere a antepassados ou lh espertence , ou deles descende faz parte de uma família de vocabulos composta de ances'tor
,ances to'r ial, ances
j tr al, an ces'tr esse an
'ces try. Em inglês , pois , está mu ito bem , e em francês ainda
se tolera. Em português , porém , é tam absurda a sua adºpção,
como a do ridículo fee'
r i co, tamb ém muito do gôsto dos l iteratosestranjeirados , pois nenh um rad ical portuguê s lh e serve de encôstoou expl icação. O termo português que lh e corresponde , con
quanto latinismo, é avito au i tu s , - a ,—um anu s , avô tanto
no sentido de « pai do pai » , como no de « avoengo »,
« ascendeute antepassado j á rejistado como termo poético por J . 1 . Ro
quete e no C ONTEMPORANEO , que o abona com Alexandre Herculano. Por medo ou conveniencia haviam renegado da religiãoavita »
1 D ICTIONNAIRE PoRTUGAIs -FRANÇAIS , Par is , 1855 .
66 Ap osti las aos D i c ionár ios Por tugu eses
Martinh o Brederode usa duas vezes o vocábulo avito nos seusformosos poemetos , intitulados SUL
O Fado , 0 mysterioso , av i t o encanto .
Das guitarras, á noite , por ah i ;
Vozes de treva, tremulas de pranto ,Fontes gementes, onde O Sol não r i !
Que choras tu , OMar , que heroica histor iaEvoca a imprecaç ão da tua voz ?
É s tu chorando a nossa a v i ta gloria,
É S tu , oMar , és tu ou somos nó s ?
O NOVO DI C OIONARIO deu - lh e“
tamb ém cab ida, assim como aoextravagante ancestr al, 0 que é de sentir, pois o d evera ter re
pudiado, ou pelo menos criticado no Suplemento, como fê z a.
outros vocábulos estranjeirados .
anch ão
Em Goa esta palavra s ignifica « boião »
ancinh o, ancinh ar
Além da sua acepção usual de um instrumento rústico, deque no R iba—Tejo derivaram o verbo encinhar , equivalente a es
gravinhar ,—e que aí signifi ca « l impar com ancinho »
, des ignaêste vocábulo na rejião do Mondego uma rede , como vemos narevista P o r tu gá l ia 3 º— « Rede de suspensão que se empregaprincipalmente para a captura do berbigão
1p . 86 e 1 3 7 , Lisboa, 1 905 .
2 « Revista Lusitana », VI , p . 76. DIALEOTO PORTUGUES DE GOA , por
Monsenhor Rodolfo Dalgado , que lh e não aponta étimo p lausível .3 I , p . 381 .
68 Ap osti las aos D icionári os Por tugueses
do Nas cimento. O adj ectivo andejo ja estava incluí do em outrosdicionários , na acepção de quem anda muito (C ONTEMPORANEO),e em sentido figurado « versátil , desvairado » . C onforme informação, no Alentejo e em C oimbra MULHER ANDEJA quere d izer« rameira » e esta expressão tanto pode fi l iar—se no sentido natu
ral da palavra, e corresponde neste caso ao francês cou reuse,como no figurado « volúvel , mudável » . Todav ia, Bluteau no Vo
C ABULARIO PORTUGUEZ LATINO , admitindo a locução mu lher an
deja, interpreta- a do modo segu inte :— «Andeja, ou Andeira, ouAndadoura, Molh er andeja, chamamos vulgarmente a que não
pára em casa, e sempre anda pella C idade , de h uma parte paraoutra » O que perfeitamente s e h armoniza com O adájio, C o
madr e andeja, não vou a p ar te algum a onde a não veja,apon
tado por Delicado ª e rejistado no Dicionário publicado pelaAcademia de Lisboa, vol . único.
andorinha
Esta forma é expl icada por F . Adolfo C oelh o como derivada do latim h i r u nd in em , isto é h i r u n d i (n i)n a 9
, e melh or ,a meu ver, por J . Leite de Vas concelos , como um adj ectivoh i r u nd inea, com metátese nas primeiras sílabas , h i n du r in ea , h i r un d o 3
, igualmente .
Qualquer que seja dos dois étimos o preferido, actuou emambos a influencia do verbo andar .
aneiro
Este adj ectivo, deduzido . em português de ano, ou derivado do latino an n u a r i u m
, por annual e annu s (cf. já
1 ADAGIOS PORTUGUEZES , Lisboa, 1651 .
2 REVISTA LUSITANA , I , p. 1 3 5.
3 i b . I II , 268 .
Apostilas aos D icionários Por tug ueses 69
nei ro ianu ar ium), é defin ido, no NOVO DIOOIONARIO , do modosegu inte :— « dependente da maneira como correr o anno ; con
tingente. incerto »
Todavia, no trech o que se vai ler o s ignifi cado é bastanted iferente , e não foi ainda apontadog que eu saibaz— « Possuouns m al ap e i r o s antigos que são anneiros , isto e, dão muitonum anno, e no seguinte não dão nada » — ª
Pelo contrário, cadaneir o quere dizer que produz cada ano,
todos os anos »Tanto um como o outro adj ectivo são mu ito express ivos ,
mesmo pela Opos ição que entre si apresentam . V . cadaneiro,
em cada.
angl icano, angl ico
Este adj ectivo, que u sualmente só se aplica as palavras r elijiã o, igr eja, para significar igr eja anglicana,
a oficial de Iuglaterra , foi por Manu el Severim de Faria empregado com o substan
tivo lingua,para expressar a forma mais antiga do inglês , que
sucedeu ao anglo—saxão, e que eu na SELECTA DE LEITURAS IN
G LESASª denominei língua ánglica as causas publicas s e não
tratassem senão na lingoa angl icana » — 3.
Os ingleses chamam Anglian ou Ang lo-Saxon , ao que eu
denom inei áng lico ou lingua ángli ca,id ioma germánico u sado
entre meados do século VI e meados do X II, abranjendo portantoseiscentos anos .
ani(e)lado
No Arch eologo Português ª em um artigo de Jos é Pessanhaintitulado O C AL IX DE OURO DO MOSTEIRO DE ALCOBAÇA , faz—se
GAZETA DAS ALDEIAS , 1 905 , p . 247 .
DISCURSOS POLITICO S , in Dicc . da Academia » , I , xxx , col . 2.
L isboa, 1 897 , p . 287.
V , p . 3 .«Dº
i—'N
70 Ap osti las aos D icionár ios Por tugu eses
menção de « um tecido de ouro an i lado » evidente quean i l ad o está por an ielado
,isto é , esmaltado, e que em an i lado
s e deu a absorção do e átono no i igualmente átono. An ielado
é o particípio passivo do verbo an ielar , mal formado do substantivo n ielo
,« esmalte preto »
, que rejistou O NOVO DIO(:IONARIO , como procedente do latim n i g e l l a , o que deve ser exacto,mas por intermédio do italiano n iello .
An i lado, como s ignifi cando esmaltado vem já em Bluteaudevidamente abonado com um passo da C rónica de El—Rei DomManuel .É de estranhar que nem O C ONTEMPORANEO , nem o NOVO
DICO . rejistassem o vocábulo neste sentido, que também escapouao Dicc . da Academ ia.
anta ; antela, antinha mamoa, mámua,mamu inha, mamunha, mamuela, mamal tar ; montilh ão ; madorra ;
or ca ; arcainha, q . v .
Sôbre todos estes vocábulos , quer primitivos , qu er derivadosver—se há com mu ito proveito o Opúsculo de J . Le ite de Vasconcelos , intitulado PORTUGAL PRE—HISTÓR ICO º
, páj. 46—48 , para'
o qual r emeto o leitor que deseje obter noções exactas e minuciosas acêrca destes termos portugueses d e nomenclatura arqu i
tectónica pre—h istórica, e das suas r igorosas definições .C om respeito a orijem do vocábulo an ta, eis o que nos diz
G uilh erme Smith :— « an tae : p ilares quadrados que se acresceut avam em geral as paredes laterais de um edifício, de cada ladod o portal , para ajudarem a formar o pórtico. Raras vezes se enc ontram e stes termos [o latino e o correspondente grego PARASTADES] no singular, porque o fim a que s e destinavam as antas
1 VOCAB . PORT . LAT.
2 O número 106 (1885) da « Bibliotheca do povo e das escolas» , mer itória colecção do editor David Corazzi , de barateza inexcedível .
Aposti las aos D ic ioná r ios Por tugueses 71
era que ficassem fronteiras e sustentassem as extremidades deum mesmo teto »
antenal ; mangas de veludo
Este vocábulo empregado como substantivo, e que própriamente parece ser um adj ectivo substantivado, derivado de an tena,não ocorre , que eu saiba, em dicionário algum da língua portujguesa, mas só num b ilingue .
Na interessante e fided igna obra de Jurien d e la Grav i ere ,LES ANGLAI S ET LES
“OLLANDAIS DANS LES MEBS POLAIRES
ET DANS LA MER DES INDES 9, a paj. 1 48 do tômo I lêmos o
s eguinte :— « Vers le 20 mars , on avait vu beaucoup de cesOiseaux de la grosseur d
'
un oison [ « patinh o que les Portugaisnomment antenales . Maintenant on était entouré de mangas develudo
,— manch es de velours ,— qu
º
on appelle ains i parce quºaubout—de leurs ailes il y a quelques marques noires imitant levelours , le reste étant blanc et gris . La rencontre de ces Oiseauxest un indice certain quºon n
'est pas loin de la partie orientaledu C ap [ C abo da Boa—Esperança] »Before—se o autor a narrativa de Linsch oten .
Se as duas expressões an tenal (pl . an tenais , e não an tena
les) e mangas -de—veludo, como denom inações vulgares , impostasprovávelmente por mar ítimos , figuram , ou não, em escritores portugueses do século XVI , ou posteriores , e se ainda são usuais emqualqu er parte do reino, é o que não ou sarei afi rmar , nem negar .
Entendi, contudo, não desaproveitar a ocasião de tomar delasapontamento , para base d e futuras indagações . Apresentarei mais
1 G . Smith , SMALLER DICTIONARY o r GREEK AND ROMAN ANTIQUITIES , Londres, 1871 .
Paris, 1 890.
72 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
No DICCIONARIO PORTUGUEZ—FRANCEZ de J . I . Boquete
vemos inserida a palavra ANTENNAL , como portuguesa, traduzidapara francês por— « antenale, albatros : oiseau de mer »
Esta palavra, pertencente a l íngua dos cafres da Beira, na
África oriental , é assim definida nun s interessantes estudos publicados no JORNAL DAS C OLONIAS 9 , acêrca de usos e costumesde Marromeu , por Jorj e Epifanio Berkeley C otter , funcionário ao
serviço da C ompanh ia portuguesa:— « Quando um ap ale (rapaz)ch ega á edade de oito a dez anuos »
apanha(s)
Na publicação peri od ica PORTUGALIA 3 vem a s egu inte descrição do tear ordinário, u sado no d istrito de Viana- do—C astelo,na qual apenas suprimo os algarismos que s e referem ao desenho,que aqui não reproduzo.
— «As duas p ernas de p rumo da fr ente ; as duas p ernas dep r umo das costas ; as duas mezas ; os dois cap i teis ; as duastramações dos cap i teis ; os dois p ombos do orgão do panno ; oorgão do fiado ou das costas ; o orgão do p eito ; o orgão do
p anno os dois malhetes do orgão do p eito ; os dois p ombos doorgao das costas ; a r oda dentada do orgão do p anno, e Suaesp er a as duas var etas das queixas ; a maçã ou p ega das que i
x as ; as duas p eças das queixas o eixo das queixas ; os doismoi tões p ara as lisseiras ; o travessão dos moito
º
es ; as quatrochavelhas p ara o orgao das costas ; as duas ap an h a s , p r emedeir as ou p edaes ; o temp erei ro ; os dois comp os tou ros ; as lisseiras .
1 Paris , 1 855.
ª 30 de maio de 1 903 .
ª I , p . 3 74.
Aposti las aos D ic ionár ios Por tugueses 73
Aponto aqu i em itálico os termos constantes d esta nomenclatura vulgar, que ainda não foram ou col ijidos em lécs icos por
tugueses ou neles defi nidos nestas acepções ; considerando não
rejistados os termos ou acepções que não figuram no mais completo dêsses lécs icos , o NOVO DICCIONARIO , ou no VO CABULAR IOPoRTUGUEz LATINO de Bluteau , tam rico em meudíssimas definições de termos vulgares .
apani(a)guado
Passando por alto como inaceitável a palavra p ano que o
NOVO D ICC IONARIO propõe por étimo do verbo ap an icar , para o
qual remete ap an igu ar , identifi cando- os , vejo que duas etimoloj ias teem sido propostas para o nome que encabeça êste artigoa primeira, por Duarte Nunez de Leão 4
, a—p an—e—á gua; a se
gunda por F . Adolfo C oelh o º, exposta nos seguintes termos
« (A p ref. e th ema p ani pão ; para a formação que nada tem que
ver com agua,como suppoz N . Leão, vid. Apaz iguar e Sancti
guar » S eguindo êste raciocínio, vemos em Apaz iguar, no
mesmo dicionário z— «A pref. e p a c ifi car , cf. para a forma ap a
n igu ado por ap an ili cado, aver iguar de ver ificar , ant. amor ti
guar d e mor tificar , etc .
Não seria mu ito fácil suprir 0 etc ., e apesar de tam perentoria afi rmativa, tanto amor tiguar de mor tificar , como aver igua r
de ver ificar não são tam seguros , que não precisem larga expli
cação, a qual al i s e não encontra em nenhuma das palavras apontadas para confronto , nem nas remissões feitas em san(c)tiguar .
Ora, as formas aver iguar , san tiguar , ap az igu ar , amor tiguarSão naturalmente erros d e interpretação de gu , que do antigo
expediente ortográfi co por g pas saram as ortografias posteriores ,alterando a pronunciação, por má leitura, pois s e o u h ouvesse
1 Convém saber : ORIGEM DA LINGOA PORTUGUESA , cap . VII I .D ICC IONARIO MANUAL ETYMOLOG IOO .
74 Aposti las aos D icionár ios Por tugueses
de ler- se , a sua escrita antiga ter ia sido gu o, como em loguo ,
pºr logo, agu oa, por águ a . Esta indução é cºnfirmada pela c ir
cunstancia de nenhum dêsses vocábulos ser pºpular, sendo dºisdéles ob sºletºs , amor tigu ar , san tigu ar .
Se pºr ém a todas essas d ições se podem atribuir as fºrmasreais amortigar , ap az igar , aver igar , san tigar , o mesmº nãº
acontece com ap an iguado, particípio passivo aparente de um
verbº ap an iguar , que parece não existir , e cuja fºrma antiga é
ap an iagu ado, confirmada pela castelhana (a)p an iaguado, de queprºveio. Em Fernám Méndez Pinto lemºs :— «E sem embargode tudº istº º padre [Francis cº Xavier] s e embarcou nesta mesmanao para a C h ina, mas bem d ifferente dº que ºuvera de yr s efôra com D iogo Pereyra, mas elle fi cou em Malaca, e a nao fºy
tºda por cºnta dº capitão e dºs seus ap an iag uado s , e cºm capitão pôstº de sua mão, e o padre foy ín gr em e , sem autoridadenenhúa, ás esmolas dº contramestre e sem levar ºutra cºusa maisque só hua loba que le vava vestida »
Este passº é , em tºdºs os pontºs de vista, de mu itº interesse ,n㺠só pºr se referir ao apóstolº das Índ ias , mas ainda comotexto de linguajem ,
pºis cºntém ,além de ºutras lºcuções verná
culas , o vocábulo ap aniaguado, e ingreme num sentido muitoespecial , desu sado h oj e , e que talvez pºssa contribu ir para s eaclarar a sua ºr ijem e verdadeira acentuação, pois a literáriaíngr eme está em oposiç㺠com a popular ingr ime.
A fºrma completa, pºis , da palavra de que estou tratandovêmº—la aqui
, a—p an
- i—agu a—do, aportuguesamentº da castelhana(a)-
p an—i - agua -do, visto que é nesta língua, e não na portuguesa,
que p an quere d izer pão Assim , ser de a lguem ap an iaguado
equ ivalia ao que hoj e dizemos « estar as sºpas de alguém ».
Vê—se bem que tinha razão º grande h umanista do sé
culº XV- XVI, D . Nunez de Leão, e que bem fê z Bluteau em
1 PEREGRINAÇÃO , L isboa, 1829, cap . C v .
ª VOCABULARIO PORTUGUEZ LATINO , s ub. v. PANIGUAD O.
76 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
exactamente a que ºs d iciºnários castelhanºs d㺠ao p an igu adode que procede o português ap an i(a)gu ado, s em verbo de queseja particípiº , mas cºmº adj ectivº substantivado.
Para cºnfirmação do que fica exposto aduzirei uma infºrma
ç㺠decisiva. No excelente estudº de Paulº Groussac , intituladºLE C OMMENTATEUR DU LABERINTO [de Jo㺠de Mena], lemºs oseguinte :— « Il S
ª
agit de la petite rente appelée p an y agu a,
remplaçant l'ancienne ration en nature des ch eval iers pauvres(p an iaguados) agrégés aune commanderie E em nºta acrescenta, citando Dormer , PROGRESOS DE LA H ISTORIA EN ARAGÓN(Çaragºça, 1 680, paj um trech º da carta de Fornam Nunez,o Pinciano, a Zurita, em que lhe diz : De la tardanza de m ilibramiento estoy en sospecha si ha venido alguna suspensiºn deSa Maj estad [C arlos V] en que .nºs quite ese p an y agu a que
nos daba »
C reio ser decis iva a citaç㺠.
aparadeira
Ein C aminha, e provávelmente em ºutras partes da prºvínciado Minh º , dá—s e êste nome a uma bandejinha que apara ºs p ingos da vela, nº castiçal . É pº i s ê ste um termº excelente paratraduzir º vocábulo francê s bobeche, sub stituindo—º em pºrtuguês.
Nem é de estranhar a fºrmação e aplicaç㺠dêste derivadofemeninº dº verbo ap arar , visto que j á temºs º cºrrespondentemasculinº ap arador , que pelº sentido menºs que aquele se ligaao expresso pelo verbº .
aparamentos
Esta fºrma, equ ivalente a p aramentos , não vem rejistada nºs
nºssºs dicionáriºs , e está para o substantivo p aramen tos , cºmo
D ICCIONARIO DE LA REAL ACADEMIA, 1899.
Ap ostilas aos D icionár ios Por tugueses 77
º verbº ap aramen tar , ja colijido, para º verbº p aramentar .
'
Abºna- s e cºm º seguinte trech o dº Padre António FranciscºC ardim z— « preparou—se a varanda de alcatifas , e cadeiras d eveludº bºrdado para ºs dºis fidalgºs , outra d iferente para o
embaixadºr , pºsta na cabeceira, com ºutrºs aparamentºs vistosos »
ápetº, atom
O cºnh ecido etnógrafo A. Tºmás Pírez, na'
revista PORTUGA
L I A º, publicºu um seu estudo descritivº dos amuletºs usadºs
pelos pºvºs dº cºncelh o de Elvas . Entre outrºs vocábulos interessantíssimos vem apºntado êste numa r ima pºpular :— Ondeestá o ap [e]tº e o atºm não faz o demº seu tºm . Antes diz« Usam o aipo e º atom (Ta lasp ia), mettidos em bºlsinhas , ao
pescoço, para preservarem do feitiço e dº demonio »
E_
s ingular esta forma áp eto, e não, ap to, a medida do verso0 está indicandº , para des ignar o a ip o, e n㺠atino com a sua
orijem . Outro tanto direi de atom , que apresenta uma terminaçãorara nº pºrtugu ês do sul .
É evidente que º grupº p t é inadmissível em vocábulºsde or ijem pºpular , e pºr issº ºu s e haveria redun do a ato
(cf. atar ap tar e), ºu u ma vºgal anaptíctica desuniria, cºmºdesuniu , as duas consºantes incºmpatíveis .
Este verbo e u sadº no Algarve , com a pronúncia ap agar
(o átºno na 2 .
ª sílaba), e a s ignifi caç㺠« demorar- se » . O étimº
é naturalmente p od ium ,cºmo supõe J . Leite de Vascºncelos 3
1 BATALHAS DA COMPANHIA DE JESUS NA PROVINC IA DO JAPÃO ,Lisboa, 1 894 , p . 50.
2 I , p . 618 - 622.
3 REVISTA LUSITANA , VII , pag. 107 .
78 Ap osti las aos D i cionári os Por tugueses
apºlentar
Este verb º está registadº no NôVO DI C C . , assim definidºengºrdar cºm pºlenta »
A pºlenta, nº mesmo d iciºnari o é descrita do s eguinte modº« papas de farinha cºm manteiga e queijo raladº» e nº
Suplementº acres centa—s e polenda o mesmo que p olenta. Em
Veneza, é uma pasta grºssa, fei ta de farinha de mil h º com águae sal , e serve de p㺠em certas refeições . Parece que tambémhá pºlenda de farinha de castanhas »Efectivamente a p olen ta que lá comi era a que aqui se des
creve . Quanto a fºrma p olenda, é sabido que em certas partesde Itál ia nd alterna com n t, ou o substitui , onde h ouve infiuéncia do gregº mºdernº , no qual n t se prºfere nd, em meiº depalavra, ºu de um para ºutrº vºcábulo, e cºmo d nº princípiode vºcábulº .
O termo p olenta ja era u sadº pelºs romanºs , aplicado a um
« mantimentº que se fazia d e farinh a de cevada tºrrada e preparada de diversos modºs »
C ºnfºrme Petrõcch i , a fºrma mais u sada e' p olenda ; maseu, em Veneza, ºuvi chamar—se- lhe p olenta .
Não é pºrém da p olen ta romana ou italiana que eu tratareiaqui , visto não ser tal nºme conh ecidº cá pelo pºvº , e se fiz acitação referida, extratada do Nóvo DI C C IONABIO, fºi apenaspara pôr em dúv ida, visto n㺠estar ali abonado o vºcábulo, aexistencia do verbº apolentar , com a signifi caç㺠que lá s e lh eatribui .
Nos meu s apºntamentos tenh º º verbº ap oten tar , cºlh idº na
tradição ºral , cºmo termo da Beira—Baixa, qu erendº d izer « palpar
1 MAGNUM LEXICON , Lisboa, 1 81 9, ºnde se abºna com Ovídio ; Theil(D ICT . LAT . FR.) cita Macróbiº. V. também SEPTEM LINGUARUM CALEPINUS , 1 758 .
Aposti las aos D ici onár ios Por tugues es 79
cºm as pºntas dos dedºs a fruta, para experimentar se estámadura »
.
É duvidºsº que êste verbo cºm tal signifi cadº se pºssa relaciºnar cºm º substantivo p ol en ta latino.
apo(u)sentamento
E ê ste um dºs pºucºs vºcábulºs pºrtugueses em que 0 cor
responde a au latino, sem der ivação imediata do castelhano,como bobo (q . ºu do latim popular , como p obr e p ap er e ,
pºr p au p er em . Outrº é ap oquen tar , e seu s derivados , cuj ºétimº é p ouco . Tºdavia, é esta uma cºndensaç㺠mºderna dºd itongo ou , pºis as formas antigas eram ap ouquen tar , apou sen
tar :— « b ii a escada de pedra per hºnde sobem as casas de apousentamentº dº ditº castello »
Outros vocábulºs são foz fau c em , afogar effa u ca r e ,
e pºucos mais ª
aqu ela, aquelar
Assim cºmº empregamºs o substantivº cou sa para suprir umnºme , que na ocasi㺠nºs n㺠ºcºrre ou não sabemºs , e coi sopor pessºa, dº mesmo mºdo que ºs francêses usam mach in ma
ch i ne, e ainda cºmº u samºs aquela por « afeiç㺠» ; u sam emC aminha aquela, querendº signifi car « pessºa rica » e aqu elar
por « fazer qualqu er cºusa », e em sentidº restr icto por « limpar » .
S㺠exemplºs da vitalidad e cr iadºra que ainda pºssui a língua na bôca do pºvº inculto.
1 Auto de posse dº castelo de Sines, de 24 de novembrº de 1533 , inARCHEOLOGO PORTUGUES , x , p . 101 .
ª V. J . Cornu , Grammati k der pºrtugiesisch en Sprache, edi ç㺠, inGRUNDRISS DER ROMAN ISCH . PHILOLOGIE , Estrasburgº , 1 906, I , p . 93 7 .
80 Apostilas aos D ic ionár ios Por tugueses
araçá , araçá , araçaí
Esta palavra, que o DIOC . C ONTEMPORANEO e o NOVO DICO.
acentuam araçá, e o DI C TIONAIRE PORTUGAtS- PRANC AIS deJ . 1 . Bºquete escreve araçaz , vêmo
—la escrita sem acentº gráfico, araçá , entendendo—se que será l ida araçá , nº « Bosquejo deuma viagem nº interiºr da Parahyba e de Pernambucº » º
Designa diversºs vejetais e seus frutos , e deve ser palavra indij ena do Brasil .
C ºmº , pºr ém , nº VOCABULARIO Y TESORO DE LA LENGUAGUARANI , O MAS BIEN TUPI 3
, do Padre Antóniº Ru iz de Mon
toya, ela figura na II Parte cºm as formas Ar aç á , definida cºmoEsp ec ie de gu ayabas , e Araç aí, Arbo l des tas guayabas, vê - seque a verdadeira acentuaç㺠e a que ºs d icionáriºs citadºs indicaram . Por aí vemºs também que o nome da árvºre e ampliaçãºdo nºme dº fruto, e pºrtanto denºminaç㺠distinta, o que ºsd itºs d icionários n㺠apontam . A palavra não fºi incluí da nº
D ICCIONAR IO DE VOC ABULOS BRAZILEIROS , do V izconde de Beaurepaire—Bºh an
aragão, pai—dos—caixeiros
Em uma cºrrespondência do Brasil l ia—se' êste vºcábulo, empregado cºmº sub stantivº comum e explicadº pelº seguinte mºdº— « s inº grande da igreja de Sam Francisco de Paula, que dáo tºqu e para s e fecharem ºs estabelecimentos nº Riº de J aneirº Outrº nºme que tem o festivo sinº é p ai - dos—caiacei ros .
Eis aqu i o trech º dº qual extrai a definiçãº: O meu amigotalvez n㺠saiba que ás 10 h ºras da nºite cºrre aqui um grande
Par is , 1 855 .
in O SECULO , de 8 de junhº de 1 900.
Nueva edición , Paris-Viena, 1 876.
Riº-de-Janeiro , 1 889 .à—w
N
H
Ap ostilas aos D ic ionár ios Por tugueses 8 1
s inº da igreja de S . Francisco de Paula, 0 que indica a h ºra a
que são obrigadºs a fech ar tºdos os estabelecimentºs que nãº
teem licença especial . C hamam geralmente a êste toqu e— o Aral
gdo ou o p ae dos caix ei r os . a segunda [d enominação]clarº é que prºvém de ser aquella a h ºra que os caixeiros acabam a tarefa da nºite »
A ºrijem da prime ira denºm inaç㺠dá- s e na mesma correspºndenc ia pºr estas palavras :— « Deriva—se d e ter s ido um ch efede pºl icia dºaquella cidad e que estabeleceu que º sino cºrresseàs d ez h oras »
aragoês , aragºnês
H ºj e d izemos aragones , l imitando- nos a transcrever º castelbano aragone
'
s,mu ito bem der ivado d e Ar agon ,
naquela língua.
Na pºrtuguesa, porém ,v istº que º nºme própriº de que se fºrma
o adj ectivº está aportuguesado, e bem ,no u so cºmum , Aragã o,
º ditõ adj ectivo deve ser aragoes , cºmo s e dizia e escrevia dantes z— « Pºrque como ºs Aragºeses que tem a mesma l ingºa queºs castelhanºs — º
A fºrma ar agones é um castelhanismo, cºmº o s㺠leones leone
'
s León ,castelhano cas tellan o C astiella, fºrma
antiga, cºrrespºndente a mºderna C as ti lla, « C astela », pois anti
gamente dizíamos castelão . Luí s de C amões , pºr ém , u sou da fºrmae spanh olada cas telhano :
Deu sinal a trompeta castelhanaHorrendo , fero , ingente e temerºsoOuvi -O O m ºnte Artab rº, e Guadiana 3
O nºme própriº dº r iº é castelh anismo tamb ém , pºis a fºrma
1 ECONOMISTA , de 12 de agºstº de 1885 .
2 Duarte Nunez dº Le㺠, ORIGEM DA LINGOA PORTUGUESA , cap. XXV .
3 OS LUSI'
AD AS , IV , 28 .
82 Apostilas aos D i cionár ios Por tugu eses
pºrtuguesa é Odiana . C f. Odemir a, Odeceixe, Odelou ca, nas
quais a palavra aráb ica UAD , riº está cºndensada em odi , ode .
C ºm efeitº , Ru i de P ina e Dam ião de Góis , pºr exemplº ,escreveram Od iana º
, e n㺠Gu adiana, que a pºu cº e pou cº sefºi difundindº , a pºntº de ser h ºj e a única fºrma, pelº menºsescrita, em portuguê s .
O mesmo acºnteceu cºm Badajoz , que dizíamos Bada lhou ce,escr ita e prºnúncia mais cºnfºrme cºm a arábica BaTaLIUS . Vê—s epºr ém que esta última designação geográfi ca entrºu em pºrtuguê spelºs ºlh ºs , e n㺠pelºs ouvidºs , pºr isso que prºnunciamºs aí 0j e 0 z aº nºssº modo, e não aº dº castelhano actual .
arcainh a ; arqu inha
E êste mais um termo vulgar para des ignar a an ta ºu area,
e Vêmo—lo ass im defi nidº em uma mºnºgrafia intitulada MATEBIAES PARA O ESTUDO DO POVO PoRTUGUEz 3
: Os prºpr ietariºse visinhºs . deram O nºme de ar cainhas aos mºnumentos , etambém O applicaram aºs sitios em que se achavamAr cainha parece ser um dem inutivº de ar ea, mas diferente
de ar qu inha, que tem a signifi caç㺠d e « maqu ineta » —« deu
uma arqu inh a de prata, para estar nella um Santíssimo Sacramento » —ª
. V . anta.
arcº celeste , arco- da- velha, arco—da—chuva,arco—de—Deu s , arco—íris
A pr imeira destas denom inações é erud ita, cºmo a última, ecoincidem ambas cºm as castelhanas , igualmente cultas . O nome
1 CRÓNICA DE DOM AFONSO V , cap . 1 38 .
2 C RÓN . DE É L-REI DOM EMMANUEL , cap . VI. V . também G . Viana,
ORTOGRAF IA NACIONAL , p . 199 . L isbºa, 1904.
ª in P º r t u g á l i a , I , p . 13 .
4 O ARCHEOLOGO PORTUGUES , V , p . 3 .
8 4 Aposti las aos D ic ionár ios Por tugu eses
feitamente cºm a denºm inação espanh ola aren is ca,e cºm a
inglesa sands tone, ºu alemã sands tein , que ambas s ignifi campedra-areiaPºder ia pºrtanto u sar- se simplesmente areis ca, cºmº substan
tivo, suprimindo- se a palavra p edra, cºmº acºnteceu a cantar ia,
que dantes era adj ectivo, pºis s e d iz ia p edr a can tar ia, comovemºs em Ru i de P ina — «E tanta ordem e dil igencia s e pôsnisso acêrca da pedra c an tar ia, e cal , e madeira » — 1
argamassa
Qualqu er que seja o étimo dêste vºcábulº , que também existeem castelhano, argamasa, º certº é que se deve escrever cºms s , e não cºm ç, atenta a forma espanh ºla, e h aja, ou nãº, al i a
palavra massa ; ao cºntráriº dº nºme que d㺠a um bôlº, maça
p ao, em que tal vºcábulº não ex iste , pºis em castelhanº se diz
mazapan , o que prºva dever escrever—se em pºrtuguês cºm ç en㺠cºm ss .
A palavra argamassa, cºmº termo de calão, quere d izer « cº
m ida », o que se encºntra dºcumentadº pelo trech º segu inte
« Lavaram-me, cortaram—me O cabellº , mas a respeito de argamassa . pão e agua, porque era dia de j ejum » —º
arlequim
Nº Suplementº ao Nôvo DICCIONARIO ins creveu- s e êste vºcabulo, cºmº de gíria, cºm a signifi caç㺠de— « restos de carne ,peixe ou de qualquer iguaria, que fi cam das refeições
,dºs criá
dos das casas r icas » Duvidº da existência em pºrtugu ês des emelhante palavra, que creio foi empregada numa afamada tra
CRON ICA DE É L—REI DOM AFONSO V , cap . CXLII.O D IA, de 25 de setembr º de 1 902 .
Apostilas aos D ic ioná r ios Por tugueses 85
dução do romance de Eugéniº Suê OS M ISTÉR IOS DE PAR IS , naqual se procurºu , bem ou mal , verter todas as muitas expressõesde gí ria que al i se encºntram ,
inventando—se umas , apºrtugue
sando—Se outras temerariamente , com º fim de reprºduzir , com
uma afectada e imajinária exactid㺠, as locuções do argot francês .Ora, ar lequ in , nesse cal㺠parisiense , qu ere dizer , poucº mais ºumenºs , o que os espanh ó is d enºm inam r op a vieja,
isto é , cºnforme a definiç㺠de Emíl iº Littré z— « debris d e repas , et surtout débr is de v iandes , ainsi dit parce que ce plat, que l
º
on vendpºur la nourriture des animaux domestiques et que les pauvresne d édaignent pas , est cºmpºsé de morceaux assemblés au h a
sard » —1 O nºme pºis foi- lh e impºsto por cºmparação cºm a
vestimenta dºs arlequ ins , feita d e remendos de várias côres .
armada
; « E cºm elle [o visgo] que s e apanham nas armadas º spintas ilgºs e p intarroxos . As armadas s㺠unicamente feitasás aves que cºstumam de preferencia pousar nas pºntas dos r ã
mos » — º
C f. armadi lha, e armar aos p assar os .
armamento ; armar , armado
Este substantivº conh ecidº derivado dº verbo armar , tem ,
além dos seus d iversºs signifi cadºs , mais ºu menºs relaciºnadºscom º étimº primord ial arma,
outro mu itº especial , exempl ifi cadºpela seguinte definição :— « C ur ioso amuletº compºsto de s ino
sai mao, meia lua e cºração ; deve ser de ferro ºu aço e traz- s e
1 D ICTIONNAIRE DE LA LANGUE FRANÇAISE , Paris, 1 88 1 .
2 G . Pinhº , ETHNOGRAPH IA AMARANTINA , A Caça, in Po r t u ga l i a ,
II , p . 96.
8 6 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
ao pescºço para preservar de ataqu es epilepticºs » Quered izer guarnição cºmpletaArmado, ind icandº « v estido de arm adura »
, u sava- se dantesnão só cºm relaç㺠às pessºas
, mas também aos cavalºs , cºr
respondendo neste caso aº que em francês se d izia barde:«E sairam lºgº delles quatrocentºs de cavalº em cavalos ar
mados » — º.
Armar no sentido do francês mon ter , que modernamentepor galicismo s e traduz pºr montar , significa « d ispôr e ligar as
peças de um qualquer maqu inismo (pºr exemplo), de mane iraque fiquem tºdas cºnjugadas e no seu lugar »
.
armazém
O povº diz almazem,e diz bem , mas j á não é tempo de re
med iar a emenda falsa. Os nºssºs autores antigos escreveramsempre almazem
,como, pºr exemplº , Rui de Pina ' fºi eu
viar—lh e [ao infante Dºm Pedrº] El- rei [Dºm Afºnso V ] com muita
estreiteza requerer entrega das armas do seu almazem » — 3.
Este passº dº cronista patente ia claramente a influencia exer
cida pelo vºcábulº arma na deturpação da palavra a lmazem.
Bluteau , cºnquantº j á rejiste armazem,fºrma preferida pelºs
lecsicógrafos modernºs , dá a primazia aantiga fºrma, que é aindah oj e a castelhana, almace
'
n , do árabe AL—MaH z aN , ou AL-MaH zaIN4,
dº qual os franceses tiraram também º seu magaz in , cºm su
pressão do artigo AL. A palavra árabe s ignifi ca (casa de) arrecadação »
,e é um substantivº verbal , cºrrespºndente a nºssa
term inaç㺠—ou ro, istº e, designa o lugar onde se exerce a
1 PORTUGALIA , I , p . 606.
ª Rui de Pina, CRON ICA DE EL-REI DOM AFONSO V , cap . CXLI.3 CRÓNICA DE É L-REI DOM AFONSO V , cap . XC IV .
4 O q é transliteração da 5 .
ª letra do abecedáriº aráb icº, equivalente aoj castelhanº actual .
88 Aposti las aos D i cionár ios Por tugueses
dº verbº ar rastar , sendº a primeira um substantivº rizotónico,do tipº lavr a lavrar , esp era esp erar , a segunda um adj ectivoverbal substantivado cºmo coador coar , atacador atacar ,
assen tador assentar , etc .
Em castelhanº o verbº cºrrespondente tem a form a ar ras
trar r astro,e nesta não s e deu a d issimilação que observamos
nas formas portuguesas , com relaç㺠aº seu étimº latinº r as
tr um ; r as tr o em pºrtuguês é desusado .
Numa acepção especial , filiada na mesma term inºlºjia, háem espanh ol a palavra ar rastrader o, que se aplica aº sítiopºr ºnde se ar r as tam para fºra da praça- dos—touros ºs ani
mais mºrtºs na cºrrida. C ºmº é sab ido, o sufi cso .- er o cºrres
ponde a -ou r o em pºrtuguês, e designa º lugar ºnde se exercea acção expressa pelo verbo, como em lavadero lavar , port.lavadou ro qu emadero qu emar , pºrt. qu ei
-madou ro quei
mar ; abr evadero abr evar « dar de beber »,
« abeberar », port.
bebedou r o beber
(de) arred io ; arredar
Esta lºcu ç㺠adverb ial , formada C ºm a prepos içã º de e ºadj ectivº ar redio, prºnunciadº , em geral , ar redi o, nº C ontineute, º que d ificulta a sua identifi caç㺠com o latim e r rat iu um
(C f. sadio, antigº saadio s anatiu um ), tem na ilha de S . Mi
guel a significaç㺠« de lºnge » ª, que parece d eduzida da que
apresenta o verbº ar r edar , o qual todavia se n㺠pronuncia arreddr , mas sim ar r çdár .
C omº em cas telh ano ar r edar se diz ar r edrar a (l r e
tr a r e r e tr o e arredio, ao contráriº , tem nesta l íngua a
fºrma r adio, incompatível cºm º mesmo étimo, é clarº quear redio tem de separar- se de ar redar , cºm º qual º parentescºe apenas aparente , sendº a coincidência quasi absºluta de fºrma
1 V. O SECULO , de 5 de julho de 1901 .
Aposti las aos D ic ionár ios Por tugueses 89
nas duas palavras ar redar e arr edio puramente casual , cºnverjéncia dº efeitº das leis fºnéticas que ºperaram nos seu s ótimoslatinos .
Nº verbo r edrar r u tr a r e r u tr um ou de r e tr ºn㺠s e deu a d iss imilação de que oferece exemplº ar r edar , cºma perda do r dº grupo dr tr
, se O étimº ºferecido pºr C oelh ºé certo, do que duvido.
Em resumo, ar ràdio pºde cons iderar- se cºmo provávelmentederivadº de e r r at iu um , º que é corroboradº pelo castelhanoradio (cf. en tr e
'
vado por en travado), e de todo independentede arr edar , arr edrar , que pºde ser desenvºlvimentº de r e
drar reiterar e, sendº neste caso r edra um substantivº verbal ,r izºtónicº.
arredºres
Esta palavra tem nº Algarve (Lagºs pelº m enºs) uma acep
ç㺠especial , que julgº n㺠estar consignada nºs nossos diciºnários , mas que vemºs perfeitamente definida nº segu inte trech º— «A meia altura d
º
ellas [mós] ha uma travessa d'uns quatrodedºs de largº , a rºdeal—as , ex cepto no sitiº em que cah e a farinha ; chamam—lh e os arr edores »— º
arrelicas , arrelíqu ias
A seg unda destas duas formas pºpulares , a par da culta r e
liqu ia(s) , e que parece devida a se h aver sºldado a esta º artigoa (cf. arr aia), é assim aduzida por J . Leite de Vascºncelºs :« Na moderna tradiç㺠portuguesa não cºnh eçº amuletº algum
1 D ICO. MAN . ETYM . D A LINGUA PORTUGUEZA.
2 J . Núnez , COSTUMES ALGARVIOS : Os moinhos, in P o r tu g á l i a , I ,p . 3 86.
90 Ap ostilas aos D i cionár ios Por tugueses
cranianº ; apenas tem voga as ar r equ ias dºs ºssos de santºs ,trazidas em saqu inhos ao pescoço »
A primeira, redução do esdrúxulº a vocábulo parºcsítonº(cf. p ovo, ant. p ôvoo pºp u l um , _
bravo b arb ar um ) está definida, em sentidº mais esp ecial , nº segu inte passº: As ARRELI
CAS . Um pequeno objectº de prata, em que estão promíscuamente representadas a meia- lua, a fi ga, o s igno—sámão, o coraç㺠,a chave , a argºla, tudº encimado pela efiigie de Nossa S enhorã » — º
A es crita ultra—etimolójica s igno- sámão não deve iludir qual
quer pessoa que cºnh eça a denºm inaç㺠dos dºis triángulos comb inadºs , º p en tágono, a qual se prºnuncia s ino e queprºcede dº latim s ign um Salºm on i s , º que é sabido. C ºmºninguém escreve s ino, s ineta, s ineira, com g nulº , por issochamo aquela escrita ultra—etimºlójica.
A palavra arr eliqu ias, a rr elicas é semi—erud ita, vistº que semanteve. nela º q latinº : cf. agu ia aq u i l a.
arrenega, greve , grevista
O vocábulº francê s greve tºmºu ja fºrºs de c idade em Por
tugal , º que n㺠é de estranhar, pºis o costume , bom ou mau,
cºnfºrme º cºnceito ºu º interess e de cada um , e cuja críticanão ser ia aprºpriada nesta simples resenha de palavras e locuções, o cºstume , digo, veiº de fora, e pºr emquanto ainda s e nãºenraizou cá . Esta
'
forma de prºtesto cºlectivo e sºl idário, a queos franceses chamaram greve, do nome de uma praça, a de Greve,ºnde se reuniam ºs ganhões que vinham aju star—s e para trabalhar,denºmina- s e h uelga, « fºlga » e p are, « parajem »
, em Espanha, ecá pºder ia chamar—se (as)s ueto 3
. A palavra greve, pºrém , está
1 PORTUGAL P RE-H ISTORIC O , p . 3 6.
2 P º r t u g á l i a , I , p . 619 .
3 Na quarta-feira [depºis da Páscºa] que alguns lentes consideravam dia de suetº ºu aséueto, cºmº ent㺠se dizia » Antóni º de Campºs,LUIS DE C AMõES , in « O Secu lº de 10 de julhº de 1 900.
92 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
feitº dº francês falaises , n㺠o vi ainda reji stadº, em tal acep
ção restrita, em nenhum d iciºnário pºrtuguês .Usei dêste termº , para traduzir fa la ises , nas nºtas á SELECTA
DE AUTORES FRANCESES 4, a p . 1 48 .
arrilhada
Nºs meus apºntamentos , mas sem abonação, tenh º êste vocabulº, comº u sadº em Montemor—º—Novo, cºm a s ignifi caç㺠debicº de ferro da agu ilhada »
.
Nãºestá cºns ignadº nos d iciºnáriºs pºrtugueses , que eu saiba,nem tampºucº em ºutra acepção, usada, comº me infºrma o
editºr dêste trabalho, desde C ezimbra até a
º
Nazaré . E uma
espécie de raspador cºmposto de ferro triangular , de um palmode cºmprimentº , cuja bas e é o gume , e em cujº vértice se insereum cabº d e madeira : serve para arrancar da rºcha a ser rada,ou m inh ºca de água salgada. Serve para isco a s errada.
arr io, arr ios , arriºz, arriol
A terceira destas fºrmas é definida no Nôvo DICCIONARIOcºmº s ignifi candº
— « pedrinha redºnda cºm que s e joga o alguergue ; pelouro de arcabuz » .
—No Suplemento aº mesmº copioso dic iºnáriº diz- se ser— «jôgº de r apazes cºm a pedra do mesmºnºme » equ ivalendº pºrtantº ao citado a lgu ergue.
C ºmº o mesmº d iciºnáriº dá tamb ém a fºrma ar r iol trasmontana, segue- se que temºs aqui um casº cºmº º de eir ós c i
r o'
areola, e cºnsegu intemente a escrita arr ioz deve ser orto
grafia errónea. C ándidº de Figueiredº atribu i ali aº vºcábulº um
1 Lisboa, 1 897 .
Aposti las aos D icionár ios Por tugueses
étimo arábicº mu itº prºblemáticº ; mas o outrº , a lgu ergue, é semdúv ida de tal proveniência.
G'
Qual é pºrem a orijem de arma,armas , ºu ar r iai, e qual
o seu prim itivº signifi cadº , pois vemos que tem três : « pedraredºnda »
,« pelºuro (de ped ra) para arcabuz » , e um jôgo em
que figura uma pedra como elemento » ?
Vê - se perfe itamente que o desenvolvimentº de s ignificaç㺠daprimitiva « pedra esférica » poderia ter—se dado, pºr uma parteapl icandº º vocábulº a qualquer pedra redºnda, ou arredºndada,pºr outra denominando o jôgo pelº instrumentº déle , como d izemos a ma lha,
pelo jogo da malha .
Para a investigaç㺠dº seu étimo n㺠é pºrém ind iferente a
ordem pºr que se desenvolveu a signifi caç㺠pr imºrd ial desta pálavra.
C ºmo, para ju stificar a acepç㺠de « pedra », n㺠h á nem em
latim , nem em árabe , nem em qualquer língua germânica vocabulo que possa apresentar—se como orijem d êste , que parece ser
antigº na língua, é—nos l í cito procura—lo em ºutrº id iºma, doqual o pºrtuguês haja recebidº palavras , ainda que raras , e com
que estivesse em pºssível contacto.
N㺠res istº à tentação de , cºmº s imples h ipótese , º considerar um dos pºucºs vºcábulºs vascºnçºs que passaram a Portu
gal, assim como na real idade passºu esquerdo, formas antigas ,ezquerdo, escequerdo, castelhana i zqu ierda, em vascºnçº e,
quer escu ,« mão » e aquer , « torto, canh o » ; palavra que tanto
em português cºmº em castelh anº s ubstitu iu as antigas d içõesse(e)s tro, s in ies tra s in i s tr um , a primeira das quais aindaperdura em pºrt. cºmº substantivº , cºm a s ignificaç ão de « bal
da »,« h ábitos ruins » e a segunda em espanh ºl , cºm
'
a de « desas
tre ». Outra palavra de orijem vascºnça parece ser gualdir gal
du ,
Neste idiºma p irenaico p edra diz—se ar r i, que vemºs nº ape
lido Ar r iaga , prºcedente d e Espanha, e que lá é também o
nºme de um lugar na prºvíncia de Alava (ºu Alava, cºmo acehtuam os castelhanos , aº cºntráriº da acentuaç㺠ºrijinal), e delugarejos nºs subúrbiºs de Vergara, Vitória, Gu erni ca, tudº nas
94 Ap osti las aos D i cionári os Por tugueses
Vascongadas , ºnde tamb ém se encontra o rad ical arr i em Ar r iala, nºme de povºaç㺠naquela e na de Guipúzcºa
O suficsº —aga de Ar r iaga tem valºr cºlectivº , equival endoo derivadº a « pedreira, ou pedrar ia, pedregal » (V . em azi
nhaga)S e , porém , partirmos da h ipótese que a acepç㺠prim itiva
h aja sidº « espécie de jôgº», neste caso ser- nos há inútil ir pro
curar º étimo a idiºma tam exóticº , pº is o temºs mu itº amãona fºnte principal dº nºssº vºcabulár iº . Em castelhanº º jºgº a
que nºs referimºs denºm ina—s e r ayuela, fºrma deminutiva deraya « risca »
, dº latim r ad ia, plural de r ad i um (cf. p im ianta p igm enta , pl . de p i gm e n tum ), e êste nome procede dºtraço ou riscº feitº nº ch 㺠pelos j ºgadores , e que serve de metapara a proj ecção da pedra, arremessada com uma pancada de umpé , emquantº º outrº está nº ar . Ora, a fºrma r ayu ela, corresponde em português r aiola, ou r apou la (cf. lentejou la cºm len
teju ela, tejala com teju elo), e dº primeiro, raiola, com a adjun
ção dº artigº a (cf. ar raia raia), resultaria a fºrma arra iola,
da qual proviria arra ió (cf. abuela cºm avó), e pela condensação do d itongo (cf. r ial, ar raial) arr i ó
,cujo plural arr i ós , seria
ao depºis tomado cºmº s ingular : [cf. ei r ó(s), e a fºrma pºpularp oses , por p ós], (q.
C omº , porém , a palavra e mas cul ina, º prºcessº de derivação pºde ainda, cºm menºr prºbabil idade , ter sido º seguinteradiolum raiola, raiat, r ial r io
'
, menºs plausível vistºque pºr . êle se não pºderia expl icar nem º a inicial , nem ºó _ abertº (cf. avô au o lu m , P aço P A LAT I O LUM , Mostei
r ô m on a s ter i o lu m , com Gr ijó e c c les i o la) .
Em qualquer caso a fºrma ar r ioz , com z, é injustifi cável .
1 Geºgrafía General de Espana D ICC IONARIO DE TODOS LOS PUEv
BLOS DE ESPANA , Madrid, 1862, p . 26, cºl . I .
96 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
Em castelhanº , C ºmº em português , artesa, ainda que actualmente cºm prºnunciaç㺠d iversa dada aº s , quere d izer : caixºtede quatro faces iguais , que vai estre itandº para o fundº , e servepara amassadourº do p㺠.
O ótimº e descºnh ecidº , pois o gregº ár tos que se lhe atribu inão oferece confiança alguma. De ar tesa vem ar tesão, comº termºde arquitectura, 0 qual tamb ém se deve escrever com 8 , comºem castelhano ar tesa
'
n .
Em Trás—os-Montes e º mesmº que argueiro ».
Em castelhanº ar ujo é o « bagaçº da uva »
arvoar
Este verbº quere d izer , confºrme ºs d ic iºnáriºs « entontecer »
. D . C arºl ina M ichaelis j á lh e deu a or ijem ; é º latim h e r
b u lar e ,« envenenar »
ª cºm h ervas » . C f. her var , nº mesmo sentido, por exemplo em fr echas h ervadas .
asada, asado
A fºrma masculina dêste adj ectivo substantivado, cºmº nºmede um vaso cºm asas , j á está cºnsignada nº NôVO DICCIONAR IO ,e é mu itº frequente nº nºrte do reino. A fºrma femenina pareceser usual nº Alentej º
,vistº que a encºntramos empregada por
J . da S ilva P icão, na ETHNOGRAPH IA DO ALTO-ALENTEJO« azadas para a coagulaç㺠dº leite , para a cºalhada, cºmº vul
O
garmente s e diz
1 REVISTA LUSITANA , I , p . 298.
º in P o r tu g á l i a ,
Aposti las aos D ic ionár io s Por tugueses 97
á aqui mais a reji star a abºnação do termº coalhada.
Parece que nem asada,nem asado são u sadºs no centro do
reinº , ºu pelo menºs em Lisboa.
O Diciºnário da Academia define asado comº « panela com
asasÉ sab idº que asa é º an s a latino e que, al ém do s ignifi cado
dêste , cºmpendia também o de al a , que depºis de ter passado a
aa“desapareceu enteiramente do u sº, vistº que º latinismo a la tem
sentido muitº restritº . Exemplo de aa ainda º encontramºs no
ROTEIRO DA VIAGEM DE VASCO DA GAMA — « nºn tem penasnas 8 3 8
ascoitar
Esta fºrma pºpular minh ota, cºrrespºndente à dº sul es cu tar ,fºrma antiga eseu i tar
,e como esta derivada do latim au s c u l
tar e , é quasi igual a galega asco itar , que vemºs empregadanestes h iperbólicos , mas formosos ver sos , cºnsagradºs pºr AlbertoGarcia Fe rreirº º a C orunh a, ao avistar esta cidade :
Chorei , qu '
eu non saberia,e San Pedrº nºn m
'
escoite !
d'
escºller , qu'
escºllería,
; s'
entrar n -a Cruna de noite
ºu entrar n—o ecº de di a !
Este elºjio a fºrmosa cidade galega em nada é inferiºr ao
c ºnsagradº a risonha Granada:
Hi zo Diºs á la Alhambra y á Granada ,
Pºr s i le cansa un día su morada.
1 L isboa, 1861 , p . 14 .
2 POLLAS D E PAPEL , Madrid, 1 892 .
98 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
aselha
C onquanto ê ste vocábulo não seja tam evidentemente um
deminutivo de asa como parec e e os lecs icógrafos modernos o
afi rmam , tem o signifi cado de asa pequena de vasilha no trech oseguinte 1
z— «Manufacturados os primeiros vasos sob a insp iração floral ou dos fructos , apodes , sem aselhas e cabos »A acepção usual é « laçada »
, o que em inglês se diz loop , esubstitui a casa, para s e abotoar um vestido, entrando nela o
botão. J . C ornu deriva- o de an s i cu la .
asneiro, asneira
C omo adj ectivo quere dizer o que procede de asno, « burro ».
O NOVO DI C C IONÁBIO defi ne assim :— « diz—se da bêsta que procede de burro e égua, ou de cavallo e burra » Não é exactaa definição ; a verdadeira contém- se na segu inte citação :— «Bas
taria a creação de algumas candelar ias, onde se ensaiasse a creação de muar es asneiras (fi lhas de cavallo e burra), muito maisresistentes a hor se- s icknes s do que as [muares] eguariças (fi lhasde burro e egoa)»— º
.
Vê—se : Lº
que as bêstas são muares ; 2 .
º
que h á d iferença,determinada pela mãe , que é quem dá o nome : se é jumenta, amuar é asneira, se é égua, egu ar iça.
JaBluteau mostrava bem que havia distinção, ao citar Galvão,TRATADO DA GINETA z— «As bestas muar es egoariças e asaci
ram — 3
assedajem
Este vocábulo, ainda não incluído nos d icionarios , é assimdefinido por Belch ior da C ruz no seu interessante estudo intitu
1 Rocha Peixoto, As OLARIAS DO PRADO , in Po r tu g al i a , I , p . 229.
2 JORNAL DAS COLON IAS,de 15 de julho de 1 905 .
ª VOC ABULAm O PORTUGUEZ LATINO, sub o . ASNEIRO .
100 Apostilas aos D i c ionár i os Por tug ueses
deira ortografi a, e mesmo a mais comum , ora com ç, acarear ,
que tenh o por errónea, pois é impos sível que tais vocábulos provenham de acor , ou de Açôres . O étimo, não provado, mas provável , será a- sar sar
,sendo sorear uma contracção de so- ar ear ,
pois a preposição e ao prefi cso latino s ub correspond ia no português antigo s ó
, e não sob, que é de introdução moderna, talvezfeita por Alexandre Herculano.
Eis aqui dois exemplos , que abonam o verbo e o nome« O mar não cessa de lamber a areia que forma a praia de Espinh o. Nas ch amadas Pedras do Brito deixou a descoberto cachopos , que desde tempos immemoraveis s e ach avam assoreados
— «No anno de 1 895, em poucos mezes os assoriamentos
tomaram tal incremento .— º
No primeiro dêstes trech os , vê - se bem a s igniâ cação e a proveniência presumível da palavra.
A h ipótese de que em assorear haja como principal elementoa palavra areia é corroborada pelo facto de tamb ém se empregar a expressão « o r io está areado of. o francê s ensabler
(a)tabefe
É um vocábulo de orijem arábica, que em português ora
se diz com o artigo arábico, ora sem êle (cf. zar cão e azar cao) ;designa, como é sab ido, um preparado de leite , que o DI C C IONA
BIO C ONTEMPORANEO descreve dêste modo :— « massa formadapor manteiga e caseína, levantada, pela addição de uma certadóse de coalh eira, do soro do leite que fi cou depois de separadoo coalh o »
Na Revista P or tu gal ia 3 está abonado o termo como usado
1 O ECONOMISTA de 5 de janeiro de 1 890.
Po r tu g a l i a, I , p . 609.
3 J . da Si lva Picão , ETHNOGRAPH IA DO ALTO-ALEMTEJ O , a p . 5 40,
vol . I .
Ap osti las aos D ici onár ios Por tugueses 01
no Alentejo z— « tach o grande de cobre para o almeice (soro) irao lume e produzir o atabefe »
A palavra almeice, ou , segundo a forma mais u sual , almece,é também arábica, AL-MEIIS, soro de leite »
, aqual a forma alentejana é mais fiel .
atazanar , atenazar
Éste verbo costuma ser corr ijido nos dicionários em atenaear ,
como derivado de tenaz .
O NOVO DIOOIONABTO , no Suplemento, consigna a forma ata
zunar como a verdadeira, e na realidade é ela a (mica empregadapelo povo. Parece ser o árabe LA Taz aNa(r), correspondente ao
n e m e c h ab oer i s do sexto mandamento do decálogo na Vulgata.
Não é pois metátese de atenazar , a qual seria pouco presumível, visto a palavra tenaz ser do domínio popular , com estaforma, ou com as de tanaz , atanaz , no singular , ou no pluralten
'
azes,como substantivo, nome de um conh ecido instrumento,
que no u so actual melh or corresponde ao francês p in ces , v istoque tenai lles nesta língua quere d izer torquês . Todavia, comoferramenta em d iversos ofí cios , continua tenaz a ter os signifi cados antigos , que vemos em Bluteau
No period ico do Pôrto, intitulado A REV ISTA , d e 1 5 de abrilde 1 905 (ano rr
,n .
º publ icou a insigne romanista D . C aro
l ina Mic hael is d e Vasconcelos um interessantí ssimo artigo acêrca
da famosa lejenda, em caracteres góticos minúsculos , das C apelasImperfe itas do moste iro da Batalha, infi nitamente repetida com
diversas variantes gráficas , e que tem espertado a curiosidade eaguçado a sagacidade de tantas pessoas . Nesse erudito estudoconclui a notável escr itora pela interpretação tãHas ser ey=ten az
ser ei , interpretação que satisfaz completamente ao sentido, masdeixa no espírito ainda uns vizlumbres de dúvi da, pois a ser
1 VOCABULARIO PORT . LATINO .
102 Ap osti las aos D icionár i os Por tugu eses
aceita, temos de cons iderar o s final de tenaz incluí do no s
inicial de serey, visto que não é possível encontrar na lejenda
mais que um 3 ; além d isto, temos de admitir que um mesmosímbolo se há de interpr etar no primeiro vocábulo como a figuração emblemática de u ma tenaz, e no segundo por y, sendo elessempre tam semelhantes entre si . Na real idade , a h ipótese émuito engenh osa e muito bem estabelec ida ; está ainda lonje,por ém , de demonstrada a exactidão dessa leitura. 0 conceitototal do emblema e da letra ser iam portanto correspondentes aconh ecida d iv isa italiana ch i du r a vince.
C rawford , no curioso e ameno l ivro que, com o títuloTRAVELS IN PORTUGAL e o pseudónimo Latouch e , publ icou emtempo, considerava a famosa lejenda como anagramática, e eu
contrava nela uma fras e el íptica latina, ar te tineis , devendoler—se , portanto, para ê ss e efeito a segunda letra como sendo t,e nãO '
a como a qu inta.
No número da citada REVISTA, correspondente a 1 5 de julh ode 1 905 voltou a qu estão da lejenda a ser tratada. Brito Rebêlo,em data de 1 5 de maio do mesmo ano expôs os resultadosda sua investigação, a qual , é fôrça confessar , deixou bem clara aSignifi cação dêste enigma.
Para o erudito investigador a lejenda não é grega, nem latinanem portuguesa: é francesa, como as de todos os ín c l i to s infante s , e nesta l íngua cortesã representa a d ivisa de El-ReiDom Duarte , fundador das C apelas Imperfeitas , pois mandoudar começo as obras delas em sua vida, comêço que teve execução. A lejenda, que principalmente adorna o arco da entrada,enlaçada nos ramos d e h era que são o motivo predominante dasua ornamentação, mas que tamb ém se vê em outras partes domosteiro, é na sua Opinião, difi cil de refutar , o mote tan qu e seray,« emquanto viver »
, segundo membro de outro em cuja. interpretação Brito Rebelo não foi a meu ver tam feliz , e que não meu
cionarei aqu i. A êste resultado não ch egou Rebêlo por exameespecial e detido das muití ss imas repetições da célebre lejenda,mas sim em virtude da leitura de um documento, arqu ivado na
Tôrre do Tombo, e publicado após o d ito estudo, o qual consiste
104 Ap osti las aos D i c ionár ios Por tugu eses
avelar ; avela
Palavra que mu itos d icionários dão como verbo, sign ificandoengelhar , e nenhum como sub stantivo comum , pois como próprio é bem conh ecido o apelido, que deriva de Avelar , nomede uma vila, de trê s lugares , de um casal e de uma qu inta 4
Ora avelar , como substantivo c omum , s ignifi ca, a imitação doavellanar castelhano, que também é denom inação de um casal ,um sítio plantado de avelei ras , e daí provieram os nomes depovoações ou sítios r eferidos .
O verbo avelar deriva igualmente de avelã (avelanar), cf.
acerejar cer eja, e e' parelho do verbo avellanar castelhano,
que tamb ém quere dizer « engelh ar , secar , como a
outra parte , avelã português , avellana castelhano são o latimau el l ana, ou ab el l ana, adj ectivo der ivado do nome da cidadede Abella, ou Avella, e j á os romanos ch amavam ao fruto da
aveleira nu x av e l l ana, por o receberem daquela c idade da C ampánia.
O verbo avelar , querendo dizer « melar », vêmo
- lo empregadoneste trech o :— «As uvas , como a ch uva ch egou ás raí zes dascêpas , avellaram e . apodrecem »
Está , pois , aqu i num sentido absolutamente oposto àqueleem que geralmente se emprega, isto é , « encolh er por falta deumidade » .
Neste último significado usam na ilha de Sam Miguel o verboazougar , aplicando- o a fruta que começa a apodrecer 3
.
0 NOVO DIOOIONARIO inclui o vocábulo avela como usado naÍndia, com o significado de « arroz torrado »
. Nada tem , contudo,
1 João Maria Baptista, C HOROGRAPHIA MODERNA DO REINO DE
PORTUGAL , vol . VI , Lisboa, 1 878 .
º O SECULO , de 2-5 de setembro de 1 901 .
3 V. O SECULO , de 5 de j ulho de 1 901 .
Aposti las aos D icionár ios Por tugu eses 105
êste termo com o verbo avelar , pois é palavra malabar , como s edeclara na REVISTA LUS ITANA , VI , paj. 77
aventar
Além das Várias acepções , qu er naturais , quer figuradas , jareji stadas nos d icionár ios , cumpre acrescentar a de « botar fora »
,
u sada no Alentejo (Vila—Viçosa).
avergoar
No NôVO DIOOIONARIO vem inclu ído ê ste verbo, mu ito express ivo, derivado de vergão, que o C ONTEMPORANEO define nostermos seguintes :— « verga grossa Marca ou vinco resultantede uma pancada forte e sobretudo da que é dada com vara ou
azorrague » A orijem do vocábulo é evidentemente verga,do
lat. v i rga . Modernamente , encontramos o verbo avergoar , na
tradução de um conto não sei de que autor , nem em que
língua escr ito, e que em folh etim foi publicado no excelenteperiódico semanal portu ense G A ZETA DAS ALDEI AS ; intitula- se« Os h orrores da S ib ér ia »
. O trech o é assim : cavalos]arremeçaram
—se numa corr ida fur ibunda, soltando de quandoem quando roucos relinch os , arrancados pêlo ch icote que lh esaver goava as poderosas ancas »
Neste sentido ouvi eu empregar outro verbo mu ito pitoresco,ja colijido no NôVO DI C C . , eardear . 0uvi esta expressão, hávinte e tantos anos , a um coch eiro de dilijéncia, indo de jornadade Alcobaça para a Nazaré . Reparando eu nuns vincos que os
cavalos/bur r os lh e ch amava êle) tinham no pêlo, preguntei—lheo que aqu ilo era ; ao que me respondeu : « estão cardeados do
açoute ».
1'
DIALECTO INDO - PORTUGUÉ S DE GOA , por Monsenhor Sebastião Rodolfo Dalgado.
106 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
Aqu i o verbo cardear tem exactamente o mesmo s entido queavergoar , isto é, « Vincar »
, e a prime ira acepção deve ter sido« fazer nódoa negra »
, v isto que o adj ectivo eárdeo signifi ca«arroixado, denegrido »
, correspondendo ao castelhano cárdeno,
como o vemos empregado por Espronceda no DIABLO MUNDOÉ de notar também que a palavra r oioco, que antes signifi
cava « encarnado », h oj e é pelo povo muito bem apl icada a côr
que os franceses ch amam v iolet, e que por cá se teima em arremedar com violeta, s em se atender a que a forma popular parao nome da flor é viola, e não v ioleta .
S entido análogo e oppos ição semelhante a expressada por É spronceda nos versos do C anto a Teresa, no DIABLO MUNDO , eque acima citei, vêmo- lo entre a palavra ro iaco e a locução cor
de r osa, nos seguintes do canto IV do Dom Jaime , de TomásR ibeiro :
Que ás tuas faces m imosasC omban idas do martír ioCobriram frescura e rosasAs roixas tintas do lír io !
C om o significado de vergão, existe o substantivo cardeal.
0 adj ectivo roioco, como des ignando côr mais escura que a
encarnada, é mu ito u sado em português , por ex . : r oisco - li r io,
roixo- r ei , r oixo- ter ra, r ouco—tú n i ca, etc.
Referi—me á tradução de um conto, e aproveitarei o ensejopara algumas observações a êste respeito. D isse que essa traduçãoé esmerada, direi igualmente que nem sempre é fel iz ; assim no
trech o que citei, fu r ibunda seria com vantajem substituída por
fu r iosa, lou ca, desordenada, como ancas p ossantes é preferívela p oder osas ancas . Acrescentarei ainda : 0 s istema de acentua
1 Cuando ya su color tus labios rojosEn cárdenos matices cambiaban ;
Quando já dos teus lábios o rubor
Em roixa e negra côr se transmudava ;
108 Aposti las aos D i cionár ios Po r tugueses
Outro emprego da palavra aze itona é ser nome de uma ar
vore da África portuguesa, boa para construções, de porte ele
vado, que ch ega ás vezes a 25 e a 30 metros de alturaC om relação aos vocábulos azeite e azeitona diz Alberto Sam
paio, na sua erud ita e curiosa monografi a, intitulada AS VILLASDO NORTE DE PORTUGAL º
o seguinte :— « admittindo- s e queazei te, sendo um termo especial , não só tornou oleo (oleum)uma palavra gener ica, mas ajudou tambem a sustentar azei to
na »
AO nome da vila de Azei tã o, dá João de Sousaa mesma ori
Azeite em portugu ês tem emprêgo mais restrito do que emcastelhano, pois apenas s e apl ica ao de oliveira, ao de p u rgu eira e ao de p eixe, entanto que em castelhano, não só se dizacei te de h ígados de bacalao, « óleo de fígado de bacalhau »
,
mas também se aplica a mu itos outros óleos .Um adj ectivo derivado de azeitona, azeitonatlo, serve para
qualifi car certos peros - camOeses muito lustrosos , que teem na
casca uma mancha,maior ou menor , mais escura, que—na real i
dade parece de óleo, e com esta acepção particularí ssima não
está êste adj ectivo rejistado nos dicionários portugueses .O der ivado azeitoneira,
azeitoneir a, prato para azeitonas ,ja foi inscr ito em vários dicionários .
De orijem arábica do mesmo modo parece ser a palavra quedesigna a ol iveira brava zambujo ou zarnbujeir o, em português ,z aNBUG , acebu che em castelhano, onde tem a mais o artigo AL
,
que também vemos no nome de v ila de Azambuja,ao passo que
em zarnbujal, azambujal se lh e acrescentou o suficso colectivo—al, como em laranjal, p inhal, etc . Dozy 3 põe em dúvida queàaNBUG , ou AL- zaNBUGE, azzembuja, que vem em Pedro de Al
1 V. O ECONOMISTA , da5 de agosto de 1885 .
ª in P o r tu g a l i a , I , p . 3 19 .
3 GLOSSAIRE DES MOTS ESPAGNOLS ET PORTUGAIS DÉRIVÉ S DE
L 'ARABE, Leida, 1 866.
Aposti las aos D icionár ios Por tugues es 109
calá , seja vocábulo arábico, Opinando ser antes berbere arab izado,o que Eguilaz y Yanguas refuta, atr ibuindo- lhe, a) contrário:como étimo o latim ac e rb u s , o que é enteiramente infundado.
É sabido que êste arabista, de grande competência no seu campode investigação, a nenhuma autoridade tem jus como romanista,e assim o demonstrou todas as vezes que a etimolojias latinas sereferiu .
João de Sousa º deu a zambujo como étimo o aráb ico j ác itado, e o D ic ionário da Academia fêz o mesmo.
azevinh o
No Tramagal esta palavra designa uma casta de uva mu itomedda, que nunca ch ega a amadurecer .
Na língua comum é o nome de um arbu sto, e como tal estáincluído em todos os d icionários . É uma forma dem inutiva, ou
talvez antes adj ectival, correspondente a azevo, de que derivou o
nome de lugar Azevedo, e dêste o apelido conh ecido.
F . Adolfo C oelho, Júlio C ornu e outros dão como étimo deazevo, em castelhano acebo
,o latim aq u i fo l ium , como tr evo
de tr ifo l ium . É força porém confessar que, se pelo que respeitaá terminação —evo j á é d ifí cil de expl icar satisfatór iamente a transformação de fo l ium , é a bem d izer insuperável a d ifi cul dadeque apresenta o primeiro componente aq u i para dêle provirace aze e acebo, azevo .
Para vir de lá até cá
Mudou mui to no cam inho 3
GLOSARIO DE VOCES ESPANOLAS DE ORIGEN ORIENTAL , Granada,
VESTIGIOS DA LING OA ARAB ICA EM PORTUGAL , Lisboa, 1830.
ª Alfama vient d'
equu s sans doute,Mais il faut avouer aussi ,Qu
'
en venant de laj usqu Ici ,
II a bien changé sur la route.
1 10 Apostilas aos D i cionár i os Por tugueses
azinh '
aga
Os nossos etimólogos dão como or ijem dêste vocábulo um
nome árabe , que_
foi primeiro proposto por João de Sousa escrevendo porém Azenhaga, s em por isso todavia pretender quetenha alguma cousa que ver com azenha (q. Diz ser a palavra portuguesa corrutela de uma forma arábica AL—z aNQE, quetranscreve Azzancha, e relaciona com uma raiz verbal z aNaQa,
« apertar , estreitar » . Os mais d icionários , a começar no da Academia, limitaram- s e a copiar o étimo, com eh e tudo, sem daremmais razões do seu dito, nem da mudança de símbolo na transcrição.
Ora, em português existe um nome de árvor e mu ito conh e
cido, az inho, em castelhano encina, que tem por orijem um
adj ectivo i l i c i n u in , derivado de i l e x , em latim com a mesmasignifi cação. Júlio C ornu dá êss e adj ectivo como étimo do portugues az inha, e D . C arolina M ich ael is de Vasconcelos º perfi lhaesta Opinião, que me parece irrefutável . Na forma castelhana o n
está pelo l da dição latina.
Temos pois em portuguê s as formas azinha, para o fruto epara a árvore , az inho, az inheira, esta última derivada com o
sufi cso —eira, muito usual para designar árvores , arbu stos , etccomo em cas tanheir o, a par de castanho, castanha, p inheiro,
de p inho, p inha, etc . É sab ido que em castelhano se designa emgeral pela terminação -o a árvore , e p ela terminação —a o fruto,
por ex . : naranja e naranja, manzano e manzana.
Resta averig uar se azinhaga poderá ser um derivado deazinha, ou az inho, que primeiro designasse um caminh o porentre az inhos , e ao depois tomasse o sentido menos especial de« caminho estreito entre árvores » , e mais genérico ainda, de« caminh o estreito »
, como aconteceu com alameda, que primeiro
1 VESTIG IOs DA LINGOA ARARICA EM PORTUGAL , Lisboa, 1830.
2 REVISTA LUSITANA, 1 1 1 , p . 135 .
1 1 2 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
bacalhau : bacalhaus , bacalhoeiro, bacalhoa; badejo
Há perto de trinta anos D . C arolina Mich aelis de Vasconcelos 4 identificou esta palavra, em castelhano baca llao e bacalao,com o latim artifi cial ba c c a la u r eu s e o francês bachelier ,derivado de b ac c alar iu s , e do qual procedem tanto o castelbano bach i ller , como o português bachar el : cf. a forma antiga
ehançar el i chancelier , o que h oj e se diz chanceler .
A apl icação de um termo com a s ignifi cação de « bach arel »a denominar um peixe não e' caso único, pois o mesmo peixe sechama tamb ém (a)badejo, palavra que é um deminutivo castelhano de abad
,« abade »
, e foram sem dúvida os traj es daquelee dêste que determinaram as denominações : cf. batina por aba
tina, « a veste do abade ». Temos ainda outra denominação aná
loga em p eixe-frade ; e com relação a aves , o francês moineau
« pardal » , dem inutivo de moine, « monj e », obedece a mesma
suposta semelhança com o traj e , como acontece igualmente , comas denominações portuguesas de aves , cardeal, v iu va, etc .
Outro nome do bacalhau em espanh ol é cu radi llo, e a estaexpressão dá a ilustre romanista (tb.) como étimo o substantivocu ra,
« padre ». Todavia, cu radi llo não é mais que o deminutivo
d e curado, particíp io passivo de curar ,« conservar por meio de
fumo, sal , exposição ao sol » etc . , particípio que se adj ectivou eao depois se substantivou , como aconteceu a p escado, p escada,
p escadinha, que proveem do verbo p escar .
C omo em h olandês a palavra que denomina aquele peixe'
é
lcabeljaauw (pron . cabeliáu), supuseram alguns que o vocábuloportuguê s ou castelh ano fos se o h olandês , com metátese das duaspr imeiras sílabas ; é porém provável que, ao contrário, seja o
h olandês que sofreu a metátese , d er ivando- se portanto das formaspeninsulares , e com tanto mais razão, quanto é certo h averemos espanh óis e os portugueses conh ecido o d ito peixe e a sua
STUD IEN ZUR ROMAN ISCHENWORTS C H Ó PEUNG , L ipsia, 1 876, p . 1 69.
Apostilas aos D ic ionár ios Por tugues es 1 1 3
Vivenda antes dos h olandeses , devendo- se ter ainda em atençãoque o vocábulo holandês , desusadamente extenso para ser primitivo nesta língua, tamb ém se não pode decompor em elementoss ignifi cativos .
Littré r efere- s e a. esta palavra nos seguintes termos« OABILLAU (kab ill ô, ll mou illé) ou OABLIAU (kabliô) s . m . Nom
donne dans les march és a la moru e fraich e . ETYM . Wallon
cab iawe, namurois cabouau , h oll . habeljaauw, dérivé par renver
s ement de bacai laba, nom basque de la morue , dºou lºespagnolbacalao et le fiamand bahlceljau »
Foi isto, pouco mais ou menos , traduzido do que a respeitode cabliau dissera Frederico Diez no Dicionário etimolójico das
línguas românicas . Dom Rafael de Bluteau 9, porém , j á mu ito
antes escrevêra o s eguinte :— « Peixe do mar septentrional daAmerica a que os b i s c ain h o s derão o nome , quando
'
o trouxerão
á Europa . Bacalhao, e Badejo são o mesmo : o Bacalhao h á oque
“ põem ao ar a secar nas partes da America, donde se pesca.
0 Badejo nos vem mais fresco » É êste último o que tambémse denomina bacalhau fr esea l.
C us ta- me ter de contradizer Bluteau , Diez e Littré , com re
lação ã orijem vasconça do vocábulo.
Verdade é que Bluteau apenas asseverou que os b iscainh oslh e pu seram êste nome , sem afi rmar que pertencesse a línguadas Vascongadas ; e na realidade
, êle é tam vasconço como éh olandês . E senão, vejamos : a forma vasconça citada por Littr é ,baeai laba, é simplesmente o castelhano bacallao, com a formabacai lau ,
seguida do artigo a, e a mudança do—u final em b ;
c omo de gau ,« noute »
, on ,« bom »
, e a,artigo, se faz, em vários
d ialectos do mesmo id ioma, a saudação gaboná, por gau on a,
« boa noute ! Bacai lau não é expl icável em vasconço, e mesmonão figura no dicionário de Van Eys 3
, nem como termo verná
1 D ICTIONNAIRE DE LA LANGUE FRANÇAISE, sub v. C ABILLAU.
VOCABULARIO PORTUGUEZ LATIN O.
3 D ICTIONNAIRE BASQUE—FRANÇAIS, 1 873 .
1 14 Aposti las aos D icionár ios Por tugueses
culo, nem sequer como castelhanismo. Nem é de admirar : umagrande parte do vocabulário vasconço castelhano e, ou outro maisantigo, latino.
O peixe e o seu nome foram mencionados por Pedro Mártirede Anguiera (Angh iera), geógrafo italiano que viveu em Espanh ano século XVI e compôs em latim Várias obras de mere cimentoacêrca de viaj ens , descubrimentos e etnografia. É citado porH . P . Biggar, na excelente monografia em que reivindica paraos portugueses a exploração marítima da Groenlándia, primeirochamada Terra do Lavrador , e a do C anadá . lntitula—s e a monografia VOYAGES OF THE C ABOTS C abotas , ou Gabatos) ANDC ORTE-REALS e foi publicada na « Revue Hispanique » PedroMártire , pois , atribui ao vocábulo bacalhau orijem americana porestas palavras :— «Bacallaos C abottus ipse illas terras appellavit :« eo quod eorum pelago tantam repererit magnorum quorun
« dam p iscium , tynnos emulantium sic vocatorum ab indigenis
«multitudinem ,ut etiam illi navigia interdum detarderent
C aboto denominou aquelas terras dos Bacalhaus , porque no marque as banh a encontrou grandes cardumes de enormes peixes ,parecidos com os atuns , e assim chamados pelos indíjenas , etantos eram que estorvavam o navegar das embarcações » .
—Biggaracrescenta com mu ita razão :— « Th is origin of th e word can
hardly be correct. It is more likely that th e Spanish and Por
tuguese sailors gave th e name »Efectivamente , o vocábulo, com esta ou outra forma parecida,
nem em groenlandês ou ésquimo, nem em qualquer dos idiomasdos índios bravos daquelas rejiões americanas s e encontra.
Nestes termos , não h á remédio senão contentarmo—nos poremquanto com o étimo bac ca lau r eu s , há trinta anos proposto,como disse .
A palavra bacalhau indica ainda um açoute usado no Brasil ,e com esta definição j á se encontra no DIcc . C ONTEMP ORANEO ,mas sem estar aí abonada. O trecho seg uinte apresenta a palavra
1 T. x p . 556.
1 1 6 Aposti las aas D ici onár ios Por tugueses
sentido foi o vocábulo empregado por Fernám Méndez P intoe por António Francisco C ardim º
, no s eguinte passo : obedecem[os habitantes da ilha d e Ainão] ao sinal , parando ou marchandoao som da bacia »
É o que h oj e indevidamente chamamos tan tã , que na Índiasignifi ca « tambor » . O verdadeiro nome da bacia de arame quese tanj e com vaqu eta é gom .
Outro nome português do mesmo instrumento é bátega« Vigia toda a noute com bátega e soldados »— 3 É ê ste quedeveria substituir o erróneo tantã .
Bacia 0 que também chamamos'
pratos fundos , tejelas .
José Pestana, na monografi a O CALIX DE OURO DO MOSTEIRODE ALCOBAÇA , publ icada no «Arch eologo Portugu ês » (V) diz« D . Manu el ordenara ao seu th esoureiro que entregass eFru ctos d e Goes os dois bacios dourados , e o gomil »
0 Elucidario de Santa—Rosa de Viterbo 4 diferença assimbacia de bacia — « RAC IO na provincia de Traz—dos—Montes aindaconserva o seu antigo signifi cado ; pois C hamam Bacias aos pra
tos . Mas note—se , que antigamente Bacia se tomava por todo o
vaso de boca larga, como gomis , canecas , etc . , e nisto se d iferemçavão das Bacias , que erão de mais bojo, e fundas , e aquelles
erão mais chatos , espalmados , a modo das nossas bandejas »
Esta deânição parece estar em contradição com o uso actualdos dois vocábulos , visto que na bacia, como forma femenina,a superfi cie predomina sôbre a altura, o que é o oposto dobacio.
1 PEREGRINAÇÃO , cap . CLX I .BATALHAS DA COMPANHIA DE JESUS , Lisboa, 1 894, p . 229.
3 P . Antóni o Francisco Cardim , BATALHAS DA" COMPANHIA DE JESUS ,Lisboa, 1 894, p . 103 .
4 ELUC IDARIO DAS PALAVRAS TERMOS E FRASES QUE EM PORTUGAL ANTIGUAMENTE SE USARÃO , L isboa, 1 798 .
Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses 1 1 7
bádur , badur
0 NOVO DICCIONARIO dá êste vocábulo com a s ignificaçãode— « ch efe indígena de alg um districto, dependente do Estadoda Índ ia portuguesa » escreve—o porém Badhur, e como o não
acentua gráficamente , subentende—se , em harmonia com o sistemade acentuação gráfi ca empregado pelo lecsicógrafo, que se há deler badur . O termo e' persiano BaEAD uR ,
« valente »ª,e o E,
antepenúltima letra do respectivo abecedário e que aqu i represento por E maiúsculo, foi deslocado para depois do d, quando a
escrita orijinal o marca antes , formando a segunda sílaba com
o A . A acentuação e a escrita portuguesas devem ser bádu r , eassim , sem h , ortografaram os nossos antigos escr itores .
bafo, bafejar , abafar , bafio
Estes vocábulos são entre s i indubitavelmente aparentados , epara o primeiro déles existe em castelhano a forma vaho, na
qual o v é provávelmente capricho ortográfico em vez do b, quea forma portuguesa demonstra ,
ser a verdadeira inicial , Visto que,ao contrário do castelhano, o portugues diferença perfeitamentev de b, do Mondego para baixo.
E. Diez º pretende que seja voz imitativa e como ainda selh e não descobriu étimo plau sível , apesar de que as vozes ono
matopoéticas são por via de regra suspeitas , quando não são
meramente interjectivas , a falta de melhor , aceitaremos provisoriamente o parecer do fundador inexcedido da fi lolojia románica.
Bafo tem uma significação muito diferente , porém , no seguinte passo :— « Por monturos classificam—se os ferragiaes con
tíguos ao monte [casal], ou os b afo s do monte , como tambem
1 V . Garcin de Tassy , MEMO IRE SUR LES NOMS PROPRES ET LES
TITRES MUSULMANS , Par is , 1878 , p . 42.
ETYMOLOGISCHES WõRTERBUC H DER ROMAN ISCHEN SPRACHEN,Bonn , 1869, II.
1 18 Aposti las aos D icionár ios Por tugueses
alguns lh es chamam ,se não lh e encontram a feição propria dos
ferragiaes
baforeira, bêvera ; abeberar
Tem—se fantasiado étimos extravagantes para êste termo vul
gar de botánica, e todavia D . C arolina M ich aelis de Vasconcelosj á deu o verdadeiro, na REVISTA LUS ITANA , I ,paj. 298 , assim como bever a j b ife r a, em castelhano breva.
O verbo (a)beberar , porém , corre sponde ao castelhano abr evar,
francês abr euver , ant. abeuvrer , ital iano abbeverare, de ad eb ib e r e , por intermédio de uma forma transitiva adbi ber a r e .
baga, bagada, bágoa, bago
Em galego a palavra bágoa significa « lágrima ». Em portu
guês comum d izemos bagas de su or ; mas no Minh o bagadasquerem dizer « lágrimas º
. Esta última forma é der ivada, e pressupõe a existencia de baga na acepção de « lágrima »
, correspon
dente ao vocábulo galego citado.
A orijem de todas estas formas é o latim b acu l a, plural deb acu l um bágoo, antigo, moderno baga, que foi depois substi
tufão pelo latinismo bácu lo, quando se refere a insígnia episcopal .No Suplemento ao Nôvo D ICCIONARIO Vê- se inscrita a pala
vra baga, como adj ectivo, abonada com um passo da D . BRANCAde Almeida Garrett, páj. 23 , não sei de que edição para o
conferir : o abbado, h omem prudente , que o baga regedormetten em meio da contenda .
1 J . S .Pi cão,ETHNOGRAPH IA DO ALTO ALEMTEJ O, in P o r tu gal i a I ,p . 280.
2 Fu i ao jardim da alegria
Espalhar [as] m inhas penasOnde as b agadas caíramRebentaram açu cenas.
FOLKLORE TRANSMONTANO i n P o r tu g a l i a , II, p . 107.
120 Ap osti las aos D i ci onári os Por tugueses
pois em ambos os casos s e emprega emba inhar , e abainhar
tornou—s e obsoleto.
No Minho o antigo abainhar diz—se h oj e em dia bainhar ,
sem preficso.
0 substantivo vajem, é um alótropo, ou forma diverjente domesmo étimo nag ina, com deslocação do acento tónico vág i
n a) , e que tem outras formas , vaje, baje, e designa a bainha,
ou folh elho dos legumes .Tanto no francês gaine, como no castelhano vai na, o acento
foi igualmente deslocado para a primeira sílaba de n ag ina .
bairro, bairrista, bair r i smo ; barro, barreira, barreiro,barroso, barrista
A palavra bairro é de procedência arábica B&B,« terra »
,
BaRI , « de fora », e a sua primitiva acepção, ainda u sual em Es
panha (barr io), foi de « subúrbio » ; a de d ivisão interna de umacidade e posterior : cf. a expressão, « fora da terra »
,e o substan
tivo castelhano afu eras , « cercanias , arredores » .
Do mesmo modo, o derivado ba ir r is ta tem tamb ém as duasacepções ; na segunda significa o h ab itador do mesmo bair ro ;na primeira, vemo—lo exemplifi cado no segu inte trech o :— « La
mego 1 2 . Existem ainda por estes sitios uns restos da antiga
barbaria b ai r r i s ta, que faz ver no povo vis inh o o inim igo, cujosodios se transmittem, intensamente selvaticos , de geração emgeração »— ª
.
É palavra muito expressiva para des ignar o indivíduo cujoamor a terreola natal é levado ao extremo odioso de aborreceros naturais das terras próss imas ; e a semelhança desta formaçãopoderíamos denom inar bair r ismo êsse caprich o e timbre intransijente e ex clusi vista
'
.
0 ECONOMISTA , de 1 6 de novembro de 1890.
Ap ostilas aos D ic ionários Por tugueses 1 2 1
Santa Rosa de Viterbo define assim o vocábulo bairr o« Lugar pequ
'
eno, qu inta, Aldêa, casa de campo, ou de abegoa
ria
Esta deãnição e' a que no Dicionár io da Academia Espanh ola º vemos , com pequena d iferença, atribu ir- se a palavra barr io, na s egunda acepção, em que é s inónimo de ar rabal :
« Grupo de casas ó aldehuela dependiente de otra poblac ion ,aunque está apartado de ell a »
A palavra bar ro, portuguesa e castelhana, parece ter a mesmaorijem , e o mesmo se pode d izer de bar reir a, no sentido de lugaronde s e colh e o barro, como vemos empregado o vocábulo no escrito de Rocha Peixoto intitulado As OLARIAS DE PRAD O 3 :
«Adqu irida a argilla necessaria nas bar r eiras de C abanellas0 nome de vila, ao sul do Tejo, Barr eiro, deve de ser um a
forma, mascul ina, da mesma dição, e outro tanto podemos d izerde Bar r eiros ou Barreiras , nomes de mu itas povoações portuguesas , de Bar roca, e de Bar rosa,
Bar r oso, Bar r osã , Bar rosão ,
adj ectivos substantivados em nomes próprios .Bar r oso como substantivo comum é nome de um peixe , que
também se chama qu elme 4.
Outro vocábul o da mesma família, empregado noutro escritode Rocha Peixoto, na acepção de fabr icantes e pintores de fi g urasde barro, e bar r ista — « os barristas do seculo XVIII , os coroplastas de Gaya, e os Oleiros do Prado »— 5
.
Barr os tem no Al entejo uma s ignifi cação especial , que s eencontra no seguinte passo da ETHNOGRAPH IA DO ALTO ALEMTEJO , de J . S . Picão z— «As planíc ies que fi cam a leste entreElvas e Badajoz e aquella cidade e C ampo Maior chamam - se—lhe
1 ELUC ID ARIO DAS PALAVRAS, TERMOS E FRASES QUE EM PORTUGAL ANTIGUAMENTE SE USARÃO , Lisboa, 1 798.
2 Madrid, 1 899.
3 in P o r t il g a l i a , 1 , p . 236.
I C HTHIOLOG IA, por D . Carlos de Bragança, in O DIA, de 7 de junhode 1904 .
5 in Po r tu g al i a , I , 588 .
1 22 Aposti las aos D ici onár ios Por tugueses
[ s i c] bar ros em virtude da natureza do solo, em geral bastanteargilloso
bajoujo, bajoujar
D . C arolina Michaelis d e Vasconcelos 9 ja determ inou a for
mação dêste vocábulo : bajoujar é O latim ba i o l i a r e , por ba i ola r e , que figura na Vulgata, com assim ilação de - li ao j da
sílaba anterior , o qual é consonantização e africção do i de b aiul u s .
Bajoujar é pois idéntico a baju lar .
bald io, valadio, vad io ; baldo, baldar , balde , baldão ;Valdevinos
Alberto Sampaio, no val ioso estudo intitulado AS VILLAS DONORTE DE PORTUGAL
,
3 diz : « outro termo equivalente [amaninh o] quas i popular é baldio, que parece provir do ajectivo allemão bald » S emelhante conj ectura carece de fundamento, poiss e lhe opõe manifestamente a signifi cação do vocábulo português , e a do citado advérb io alemão. Este , conforme FredericoKluge 4
, tem por bas e um adj ectivo alto alemão antigo, o quals ignifi ca « rápido, afouto, valente » (schnell, lcuhn , tapfer), o
inglês bold, e de que procede o italiano baldo, « afouto » e o
nome próprio Baldu im,de que em português se fêz Valdevinos ,
provávelmente por intermédio de um nominativo latino Bal du in u s , ou Va ldu i n u s , Va ldev i n u s .
Em Évora há uma rua de Valdevinos , que certamente pro
1 i b. I , 272 .
2 REVISTA LUSITANA , I II , p . 138 .
3 in P o r tu g á l i a , I , p . 1 1 7 .
4 ETYMOLOGISCHES WORTERBUC H DER DEUTSCHEN SPRACHE, Es
trasburgo , 1889.
124 Aposti las aos D i cionár ios Por tugu eses
tartaros , mas seus exé rcitos constariam pela maior parte dosch inas v ad io s e disfarçados »— f
gQuere d izer « gente dos campos » ?
balguesa
— « Hoje [os barcos moliceiros] adoptam a vela ch amadabalgu eza »— º
balh ão bailão ; bailadeira; balhadouro
0 NOVO DICCIONARIO reji sta uma acepção especial dêste vocabulo, que no seu sentido natural signifi ca « o que muito baila »
.
Essa acepção é a de « fadista », que vemos abonada no seguinte
trecho : O Taboada, um bailão al i do s ítio, convidou o Nava
lhadas , seu collega, com duas d itas [navalh adas] no peito »— 3.
É conh ecido o sestro do fadista de andar sempre jingando,e em brigas é notória a sua líjeíreza, quer no arremeter , quer no
fuj ir, quer em furtar o corpo as investidas do contendor . Em cas
telhano bai lo'
n , como termo de gíria (german ia), quere d izerladrão velh oA palavra bai ladei ra de que os franceses fi zeram bayadêre,
vem no Suplemento ao VOCABULARIO PoRTUGUEz LATINO deBluteau assim definida com mu ita exactidãoz— «BAI LADEIRAS
se chamão na India as mulh eres publicas , que habitão nos Pagodes , porque todas bailão e cantão. Or ien te C onqu ist , tom. 2 ,
p ag . 25 »
Os dicionários portugu eses em geral omitem esta partien
1 BATALHAS DA COMPANHIA DE JESUS , L isboa, 1894, p . 25 .
ª Lu ís de Magalhães, OS BARCOS DA RIA DE AVEIRO , in P o r tu g a
l ía , I I , p . 59.
3 O ECONOMISTA , de 22 de agosto de 1 885 .
Ap osti las aos D i ci onári os Por tugueses 1 25
larização de sentido ; todavia o dicionário português- francês deJ . 1 . Roquete incluiu o termo, com a mesma definição j á dadapor Bluteau .
Bai ladeiras se denom ina o ponto do r io Tejo, perto de C acilhas , na maíjem esquerda, onde o movimento das águas é cons iderável . Nesta acepção vemo—lo abonado neste trech o : Quandono dia 1 2 do corrente appareceu o cadaver da infeliz C asim ira átona d 'agua no sitio das bailadeiras _
º
Outra forma de bai lão , jingão » é balhão , como popularmente balhar substitui bai lar , e vemo- la empregada no mesmoperiódico 3
:— « e lá foi todo bailh ão para O calaboiço »
No termo de Leir ia há um descampado chamado charneca doBalhadoiro, onde é crença que s e reúnem as bruxas em sumblea
do diabo, como se diz no norte , para aí celebrarem as suas folganças .
É de advertir que na l inguajem local bai le se diz balho, econs eguintemente balhar , de que balhadoi ro é nome do logarem que s e exerce a acção do verbo, como em lavadou r o, delavar , matadou ro, de matar , etc .
balufera
Instrum ento músico africano, conforme a menção que vimosdéle no jornal 0 ECONOMISTA , de 5 de agosto de 1 885 : — « Eu
contro [na secção portuguesa da exposição de Antuérpia] o balufera que j á v ira na secção do Senegal (colonias francesas). Esteinstrumento curioso, especie de marimba, compõe—se de uma seriede peças de madeira justa- postas sobre uma dupla ordem decabaças de d iversos tamanh os . Batendo—se—lh es produz- s e uma
especie de escala irregular »
Pari s, 1 855 .
ª O SECULO , de 29 de agosto de 1899 .
3 i b. 10 de setembro de 1 900.
1 26 Aposti las aos D icionár ios Por tugueses
No museu a cargo da Sociedade de Geografia de Lisboaex iste um dêstes instrumentos .
bambol im , bambolina
Este vocábulo está defi nido no NOVO DI C C . da seguinte maneira —« sanefa, sobreposta aos cortinados das portas ou janelas . (De bambo) » De bambolina diz o mesmo d icionário :« parte do scenár io, que liga superiormente os bastidores e fingeo tecto »
Deveria acrescentar , « o céu »,
« folhagem », etc .
Estes termos teem aspecto muito italiano, conquanto actualm ente não s ejam empregados em toscano com tal signifi cação.
Outra acepção de bambolim é a que vemos no jornal 0 SECULO , de 2 de janeiro de l 902 z— « o chamado bambolim, o
Bombay du ck [ « pato de Bombaim » ] dos mercados da C h ina, éabundante em Diu »
bandulho
J . Joaquim Nunez propoe como étimo, muito plausível ,para esta palavra, que o NOVO DICCIONARIO compara com razãoao castelhano bandujo [tamb ém bandu llo], dando—lh e orijem in
certa, o latim p andu c(u )l um , que deve ser um deminutivo do
adjectivo p andum ,« curvo »
,substantivado.
banh eiro, banh eira
Este sub stantivo está empregado no sentido de « banh o » ou
« banhadouro » no seguinte trecho :— « Já agora, vinde tambem
« Revi sta Lusitana» , II I, p . 292, PHONETI C A H ISTORIC A PORTUGUESA.
1 28 Aposti las aos D i ci onár ios Por tugueses
damos como correspondente varão, que dêle não deriva, sendo pelocontrário o mesmo que o Barao dos LUSÍADAS . A identifi caçãoresulta do s ignificado que tem o adjectivo varon i l.
Nos antigos C antares de gesta franceses baron designah omem de grande valor e alta j erarqu ía e no Livro dos Salmos[século XII I] francês encontra- s e o advérbio barn i lmen t, « varonilmente 1
Em latim existia o sub stantivo b ar o , b ar on i s , com signifi
cação de « homem tôsco, h omem vigoroso ».
E claro que varão, aumentativo de vara, nenhuma r elaçãotem com esta palavra.
barbado
Termo brasileiro, cujo signifi cado se depreende do trech o seguinte :— « Saber menos , não prejudicava ; saber mais desqual ificava o individuo, díffícultava- lhe a collocação. Passava á catego
r ia de barbada, isto é , de suspeito »— º
bar(e); matuca
Vemos êste vocábulo num sentido mu ito especial , como usadona Zambézia, no segu inte trech o :— « Nestes territórios e espec ialmente nos situados entre Tete e Zumbo, encontram—se .
vestígios de antigas explorações aur íferas , conh ecidas na Zam
bezia sob a denominação de « bares » e ás quaes alludem to
dos os nossos antigos auctores , que escreveram sobre aquelle
paiz »— 3.
Por exemplo, Frei João dos Santos ETIOPIA ORIENTAL , liv. II ,cap . 1 1 a 1 3 , no último dos quais s e encontra um vocábulo não
1 Emilio L ittré, H ISTOIRE DE LA LANGUE FRANÇAISE , I I.º O SECULO , de 20 de setembro de 1 905 .
3 O SECULO , de 3 1 de março de 1 900.
Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses 129
c ol ijído nos nossos dicionários z— «Tambem se tira ouro de p édras , a que chamam ouro de m atuc a ,
” como j á d issemos que s etirava no reino de Manica. De todas estas sortes de ouro, o d elascas feitas em ram inh os , ou esgalh os , êss e é o mais fino, ede mais quilates , e o que chamam de matuca e o mais baixo detodos , e o d e menos qu ilates »
barlaque , barlaquear—s e
Nas NOTAS ETHNOGRAPH I C AS SOBRE OS POVOS DE TIMOR , deJ . S . Pereira Jardim vemos defi nido o substantivo, e abonadoO verbo português , que s e formou dêle z— « O barlaque
'
é a com
p ra da mul h er , que vale tanto mais quanto maior for a gerarch iaa que pertence »
« S e for ch ristão, casa- se com uma, e barlaqueia- se com
quatro
Al ém de mu itos outros significados , era o nome de uma moedade convenção, em Benim , com o valor de 500 réis º
barreleiro
Na praia da Nazaré dá—se ê ste nome , derivado de bar r ela, auma tripeça de madeira, com tabuleiro de perímetro circular ,r ematado lateralmente por um prolongamento quadrado, e sul
c ado por dois ou três regos . S erve para a lavajem da roupa.
1 in Po r tu gal i a , 1 , p . 357 .
2 RELATÓRIO de Jacinto Pereira Carneiro , in «Annaes do ConselhoUltramarino II .
9
130 Aposti las aos D ici onár ios Por tugueses
Na praia da Nazaré tem êste nome uma bilh a de barro, comgrande bôjo, e gargalo e fundo estreitos ; a sua capacidade regulapor quatro litros : tem duas asas , j unto a bôca, para suspensão.
Serve para água a bordo dos batéis de pesca.
barroco, barroca, barrocal
A primei ra destas formas ouvi—a em 1 888 a um coch eiro,indo de Al pedrinh a para C astelo-Branco em dilijéncia; prometeuêle a um çapateiro, que lh e pedira uma pedra de bater sola, quelha traria, e fêz a promessa nos seguintes termos :— « Deixe estarque eu lh e arranjarei um barroco muito grande Em Rui dePina vemos z— « um serro alto de pedras e barrocas mu i fragoso »
A palavra é conh ecida e sub stitu i mu ito bem o galicismobloco, como bar roca, bar rocal, ou barranco êsse outro gal icismoainda mais escu sado, r avina, que s e tem propagado em livroscientíficos , sem vizlumbre de prºpriedade, por isso que parafrancês é êle aparentado com ravir rap e r e , procedendo imediatamente de rap ina , no sentido de « acção de arrebatar » ;
e também sem a mínima necessidade , pois temos barran co,barrocal e barroca.
Barroca é intens ivo de barr oco, e é sabido que barroco, ouo seu correspondente castelhano bar r u eco com menor probabilidade , deu orijem ao francê s baroqu e, como termo de arquitec
tura, o qual por êle deve ser traduzido em português .É por todas estas razões que eu estranho haver encontrado
numa publicação, em geral redijida em castiça, e por vezes veruacula e pitoresca linguajem , o termo ravina, agravado com um
1 C RÓNI C A DE É L-REI DOM AFONSO v , cap . C LV I .
132 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
era bastante , o rio porém arrebatado » —1 É um derivado doverbo bas tar , como bas to, no sentido de « espesso, grosso » . Substantivo da mesma or ijem é basti c , o qual no Alentejo 6 «monta
fechada», e em Trás- os—Montes s ignifi ca « pinhal rasteiro »
.
O adj ectivo bas to parece derivar- se do latim vas tum º, ou ,
como propôs J . C ornu , de p as t a s , particípio passado passivo depas c or , o que me parec e menos provavel .
bastos
Em uma resenha de termos pertencentes à jiria dos ladrõesdo Pôrto, publicada no jornal O ECONOM ISTA , de 28 de fevereirode 1 885 , vem êste vocábulo com a s ignificação de « mãos » .
É palavra pertencente ao caló , ou d ialecto dos ciganos de Espanha, como mu itos outros de cálci o, incluindo êste nome da j iriade malfeitores e da ralé , alguns dos quais se tem difund ido emlinguajem mais elevada, tornando—se gerais , mas conservando o
seu sabor p itoresco. Mu itos serão incluídos neste trabalh o, comos s eu s correspondentes nesse d ialecto. Bas to é em caló bate,bas te 3
, e nele s ignifi ca, na realidade , «mão »
Em outro dialecto cigano, o da Roménia, tem a forma vas t
batata, sem ilha, castanh ola
A primeira destas palavras , ao contrario do que e uso no
continente , quere d izer na ilha da Madeira « batata doce » , porque a outra se denom ina sem i lha, eis aqu i um exemplo :— « Um
1 BATALHAS D A COMPANHIA DE JESUS NA PROVINCIA DO JAPÃO,
L isboa, 1 894, p . 3 8.
2 REVISTA LUSITANA , Iv , p . 273 .
ª EL GITANISMO , por Francisco de Sales Mayo , Madrid, 1870.
4 GRAMMAIRE, D IALOGUES ET VOCABULAIRE DE LA LANGUE DES
BOHÉMIENS OU OIGAINS , por J . A. Vai llant, Paris, 1 868, p . 53 .
Ap osti las aos D ic ionár ios Por tugueses 3 3
correspondente de Boaventura escreve que esta sendo abundantea colh eita da s em i l h a (batata) » —
i
Em Tras—os—Montes êste tubérculo é designado pelo nome decastanhola, aumentativo de castanha :
Lh ebemu s no ssa m erendaº
(Y era de tr igo b re guapo l);Para cenar a la nuite ,
Las castanholas num saco .
Esta quadra vai emendada na pontuação, pois a da obra deonde a extratei está errada:
Lh ebemu s nossa m erendaº ”
(Yera de tr i go b i e guapo ! )Para cenar a la nu ite.
Las castanholas num Saco .
Esta palavra na Índ ia portuguesa qu ere d izer « arroz em casca»,
em concani R ªãT(a), e não « arroz d escascado »
, como se vê no NOVODIOOIONARIO. O que o vocábulo tamb ém la s ignifica e « arrozcozido como em indostano. Em malaio ch ama—se p ádi , ao arrozem h erva na terra, e é natural que seja a mesma palavra, a
qual,porém ,
parece or ijinár ia da Índ ia, pelo menos no sentidod e « arroz cozido » . Sôbre êste obj ecto, veja- se Burnell Yule ,A GLOSSARY OF ANGLO—IND I AN W ORDS AND PHRASES 3 , su b. 22.
Paddy.
O que é singular e que bate seja o nome que em C aminh a
1 « Noti cias da Madeira in O ECONOMISTA , de 5 de agosto de 1891 .
2 J oseLeite deVasconcelos , ESTUDOS DE PH ILOLOG IA MIRANDESA , Ir,L isboa, 1 901 , p . 32.
3 Londres, 1896.
1 3 4 Ap osti las aos D ici onár i os Por tugueses
s e dá ao p ao-de—lo
'
, outra locução de or ijem obscura ; parece nãoter a mínima relação com o bate asiático, a não ser na coinci
dência casual da forma.
batel , batela ; batelo ; bote , bateira
O Suplemento do NOVO DI C C IONÁBIO reji stou o segundodêstes vocábulos com a signifi cação de— « barco ch ato, de pequenas d imensões , usado ao norte do Minh o » Parece ser uma var iante mais antiga de batel ba te l lum ba tu m , latinizaçãodo alto alemão antigo bot, d e que também procedeu bote, se êstenão e importação posterior do inglê s boat h oj e pronunciado bou t,mas no inglês médio proferido bo
'
ot, em anglo—saxão bát, isto é ,
baat.
Datelo, no Ribatejo, des igna um aparelho para tirar águados poços , e parece ser vocábulo independente destes .Bateira é nome conh ecido de bar ca, que navega no Tejo, e
ii gura em todos os d icionários .
batoque
Não respondo pela forma, visto que o per iodico onde a en
contro vem crivado dos mais inverosímeis erros tipográfi cos . Noentanto, entendo que devo rejistar êste vocábulo (talvez batu qu e)na acepção nova que se lh e _
atribui no trech o seguinte :— « Os
b atoqu es de que usam na guerra são de três especies . O goma ,
o cinzete e o bi r ibir i » — º(V . estes vocábulos).
Batoqu e será , pois , um tambor .
1 V. Henrique Sweet, THE STUDENTS D ICTIONARY OF ANGLO- SAXON,
Ocsónia, 1897 ; A HISTORY OF ENGLISH SOUNDS , Londres , 1 874, p . 96.
Azevedo Coutinho, A CAMPANHA DO BARUE EM 1 902, in « Jornaldas Colonias » , de 1 9 de agosto de 1905 .
1 36 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugu eses
varas no ch ão ao longo dos bebedou r os , sítios onde as aves costumam ir beber , de forma que estas não possam ch egar a agua
sem lh es tocar » —1
b edem , bedem
O DIOOION . C ONTEMPORANEO define esta palavra como siguificando— « capa de esparto ou junco, para l ivrar da ch uva »
Não me consta, que estas capas caracterí sticas , que provávelmente importamos do Japão, onde são muito u sadas , tenh amem qualquer parte do reino êste nome ; sei que são conh ecidaspelos s eguintes : ou c(o)r oça, p alhota, cap a p a lh i ça .
O NOVO DI C OIONARIO defi ne o vocábulo como túnica moirisca,curta e sem mangas ; capa palh iça, ou de coiro ou esparto, contraa ch uva » Dá , pois , em um dos s ignifi cados a definição doC ONTEMPORANEO , mas atr ibu i—lhe outra, como primária, O detúnica mour isca » .
J . I . Roquete º,mais prudentemente , l im itou- se a dizer que
é capa de mouro man teau mau r e ; mas antes , no DIOOIONARIODA L INGUA PORTUGUEZ A 3
,d issera ser capa mourisca, ou de
agua »
S em contestar absolutamente a s egunda acepção, dire i Sómente que desejaria _
vê—la abonada.
Quanto a prime ira acepção, Bluteau dá apenas o s ignifi cado« capa » ou— « capa de agoa » mas não diz que s eja feita d epalh a, ,
ou cousa semelhante , antes se abona com João de Barrose Diogo de C outo, por sua ordem nestas duas citações : Vinhavestido ao modo Mourisco, camisa branca, e seu Bedem emcima ; um Bedem de setim preto
, com grandes cadilhos »
1 J .Pinho, ETHNOGRAPH IAAMARANTINA ,A Caça, in P o r tu g al i a , II ,
2 D IOTIONN . PORT . FRANÇAIS , Paris, 1855.
3 Par is, 1843.
4 VOO. PORT . LATINO .
Aposti las aos D ic ionár ios Por tugueses 1 3 7
A palavra é arábica, como todos declaram , e Engelmann eDozy dizem ser BaDaN ,
« túnica sem mangas » .
Pareceria que a verdadeira acentuação devera ser bedem , enão, bedem , como todos marcam .
Todavia, se O vocábulo nos veio dos paí ses berberiscos , épossível que a sílaba acentuada seja a segunda, se bem que brevea vogal dela.
Aqu i apresento outra abonação do vocábulo z— « bem vestidocom sua camisa mourisca e um b e d e m por cima de tudo, e o
capelo metido na cabeça, por cima da touca » — º
beduí, beduim , bedu i no
As únicas formas port uguesas são as duas prime iras ; a terceira é uma versão mal fe ita do francê s be'dou in . Bluteau 3 dá
no Suplemento a forma REDUI M, remetendo O leitor para BIDUIM,
e aíc ita tamb ém b e d u ín o s . É esta feição da palavra que, aindamal , aceitaram Roquete , o C ONTEMPORANEO e O NOVO DIOOIONAR IO , conquanto ê ste último rej iste tamb ém bedu im no S uplemento. O vocábulo é
,como se sabe e todos d izem , arábico
,
BaDaUI , de RAD iIE 4,
« nômade no deserto », d e Dann,
« deserto »
Ora, assim como de r u bi se fêz r ubim , e não r ubin o ass im d ebedu i , se fêz bedu im , mas não bedu ino, forma que os escritoresantigos não conh eceram .
beijo ; beij inh o ; be ij ocador
O primeiro derivado, deminutivo, signifi ca em sentido res
trito, não só uma cava ca, mais pequ ena e estreita, que se faz
GLOSSAIRE DES MOTS ESP . ET PORT . DERIVES DE L 'ARABE .
2 J . Camara Manuel , MISSõES DOS JESUITAS NO ORIENTE , p . 102 ,
L i sboa, 1894 .
3 VOC . PORT . LAT .
Belot, VOCABULAIRE ARABE- FRANÇAIS , Beirute , 1893 .
1 3 8 Aposti las aos D i ci onár ios Por tugu eses
nas C aldas—da-Rainha, mas tamb ém um amuleto, com o feitio e otamanh o de uma ameixa, como vemos na revista P or tu gá l ia , I,paj. 620.
Beijocador , nome verbal de aj ente do verbo beijocar , frequentativo de beijar , designava no s eculo XVIII um « s inal postiçoao canto da bôca »
bejoga, bijoga, bojega
O termo transmontano bejoga é O latim u es u cu la , e a formada Beira—Alta, que lh e corresponde na signifi cação, é bojega 2u e s ic u la, conforme J . Leite d e Vasconcelos º, s ignifi cando qualquerdêles empôla nos pés »
. É possível , porém , que ambos procedamde u es i c u la , e que h ouvesse metátese das vogais , como houvena forma algarvia boleta, em vez da geral belota por bolota, doárab e BaLUTE. O o da L
ª sílaba é devido em bojega a influenciado b, e na forma bijoga 0 i a influencia do j, pelo quê melhorescrita s erá bejoga, Visto como o e surdo vale por i surdo emconjunção com uma consoante palatina, aqui 0 j : cf. chegar pronunciado ch igar , p r ivi lejiado, para p r çvelijiado, e assim muitasvezes escr ito erroneamente.
« Bebida fermentada, feita de farinha de milho, ou deoutro qualquer m an tim ento »— 3 E termo da Africa OrientalPortug uesa.
1 A. Campos, O MARQUEZ DE POMBAL , in O Seculo de 7 de abr il
de 1 899.
2 REVISTA LUSITANA , I I, p . 105.
3 Diocleciano Fernández das Neves , ITINERÁRIO DE UMA VIAGEM ACAÇA DOS ELEPHANTES , L isboa, 1 878 , p . 49 .
140 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
cre io não estar lomj e da verdade considerando belhó como derivada de uma forma latina ba lan e ó la
, dem inutivo de ba lan eu m , forma adj e ctival substantivada, derivada de b al anu s ,« castanha » . A sucessão de formas seria então : b al an eo la: b anal eol a : b an e l eol a : baelhola : baelh ó : bel/Ló .
bengala, p ingal im
São os portugueses o único povo europeu que chama ao bas
tão benga la . Pr imeiro se denominou cana de Benga la, por ser
a haste feita de cana- da- Índ ia ; depois supr imiu- s e o primeirotermo Que cousa h é esta, senh or Afonso de Alboquerque ?qu is estes que d issessem as regateiras de Lisboa que vós tomastesprimeiro terra neste vosso C alecut de que fazeis a Rl—rei NossoS enh or tantos espantos ? Ora eu ire i a Portugal , e d ire i a SuaAlteza que com esta c an a d e B en gal a na mão, e com estebarrete vermelh o que trago na cabeça, entrei em C alecut ; e poisnão ach o com quem pelejar , não me h ei de contentar , senão deir ás casas de Elrei , e jantar h oj e nellas »
Saiu - lh e cara a basófia, e aos d esgraçados que O acompanharam , pois quas i todos foram mortos com êle, 0 mar i chal D . Fer
nando C outinh o, que assim desdenhava dos traiçoeiros naires .
P e-ngatira parece ser '
um deminutivo de bengala, com mu
dança da inicial .
bem—aventurado, bem—aventu rança
Estas duas palavras teem de escrever—s e com uma l inha di
visória, para que não s ejam lidas be-maven tu rado, be-maventu
ran ça .
João de Barros, DA ASIA , DÉCADA II , liv. 4 .
º, cap . 1 .
Aposti las aos D ic ioná r ios Por tugueses 141
benjoim , bt oim
A etimolojia dêste vocábul o foi primeiro dada por Garcia daOrta, nos C OLOQUIOS DOS SIMPLES E DAS DROGAS DA IND IA : e oárabe LuBAN GAUI
,« incenso de Java »
. Na segunda forma, queé a mais u sual , influiu a palavra be ijo .
bento
Em Viseu esta palavra quere dizer « curandeiro » O donoda casa tem um fi lh o doente ha mu ito tempo . por suggestões
de amigos lançou - s e nas mãos de um b ento »
Esta palavra, cuja etimolojia é incerta, mas que para português , como para O galego ber ce, parece ter tido orijem francesa,ainda que remota, pois em castelhano o mesmo obj e cto se chamacu na c u nae , figura no trech o segu inte em uma acepção não
rejistada nos d icionários : o pessoal . tenciona cotizar—se paracollocar b e r ç o s nas sepulturas das duas víctimas » Estesberços são uns gradeamentos em tôrno do coval , e nos quais s edispõem plantas de ornato, ou vasos
'
com elas .
besigue
No Suplemento ao NOVO DICCIONAR IO inseriu—se uma palavrabezigne, que aí é definida como certo jogo de cartas , dando- se—lh eem dúvida como étimo b i s e s ign o .
0 VIRIATO , in 0 Econom ista », de 4 de setembro de 1884.
142 Ap osti las aos D i cionári os Por tugu eses
Ora, o nome do jogo em francê s é bes igu e, ou bés igu e, e nãobezigne, e o autor do dicionário Viu—o provávelmente citado emportuguê s com um êrro tipográfi co, n por u. Aqu i fi ca feita a
emenda, que inclu i a rej eição do étimo proposto. Qual seja a ori
j em de tal nome ignoro—o ; Littré , que o inscreveu no seu granded icionário francês , não aventa qualquer h ipótese , dando—lh e ape
nas como variantes as abreviaturas bezy e bes i . Na enciclºpedia
NOUVEAU L AROUSSE ILLUSTRE vem a descrição minu ciosa dojôgo, que é francês , e de lá passou para cá juntamente com o
nome .
São bastantes os erros tipográfi cos que Vão passando de unspara outros dicionários , o que motivou em França os curiososartigos de A. Th omas intitulados C OQUILLES LEXIOLOG IQUES ,
« Gralhas lecsiolójicas »,publ icados no volume XXII da rev ista
R om an ia, correspondente ao ano de 1 893 .
Exemplos de tais equívocos são neste meu trabalho os que
subordinei as epígrafes acudia, e her er o'
s .
besouro, besoiro, bisouro, bisoiro
A forma mais comum em Lisboa é bisoi r o ; a que se consideramais correcta é besou ro, sem grande fundamento, pois é desconh ecido o étimo. Que a escrita é com s e não com z prova—s ecom a pronúncia transmontana bes '
o'
u r o,com s sonoro subcacu
minal, quasi j, e”
não com o e de zelo , por exemplo, e é sabido
que em Trás- os—Montes , e parte do M inho, Douro e Beira—Alta,o e e s entre vogais se não confundem actualmente , como se
não confundiam h á trê s s éculos em parte alguma do reino, pelomenos até o Tejo, diferençando—se perfeitamente coser c on su e
r e , e cozer 2c oqu er e , como s e d iferençavam e ainda se d iferem
çam no norte p aço l p al at ium , e p asso p as s u s .
C om relação ao ou ou oi , a forma transmontana não nos
pode dar regra que autorize a preferência, pois ali predomina o
ditongo ou (=ou) sôbre o d itongo oi
0 i por e (=g) da primeira sílaba eXplica—se por mais clara
144 Aposti las aos D i cionár ios Por tugueses
do poema a v e r d e fol h a da h e r v a ar d en t e , escreve bette, eaduz o outro nome
,aráb ico, pelo qual foi conh ecido dos nossos ,
atambor (AL—TaNRUL), e que no ROTEIRO DA VIAGEM DE VASCODA G AMA se emprega para a designar — « e tinh a amão es
querda huma c0pa dºouro . na boca engaço de humas ervas
que os h omens desta terra comem pela calma, a qual chamamatam b or » É de advertir que ê ste nome é índ io tamb ém ,
mas ar ico, e não dravídico ; é o sanscrito TãMBuLa, arabizado, edepois aportuguesado.
Veja—se o vasto comentário do C onde de F icalho aos C OLOQUIOS DOS S IMPLES E DAS DROGAS
,de Garcia da Orta, na pri
morosa edição da Imprensa Nacional º dirijida pelo C onde ; aí seencontrarão todos os esclarecimentos , que ser ia longuí ssimo reproduzir aqu i : O índ ice , perfeitamente organizado, encaminhará o
leitor na averiguação de tudo o que resumidamente expus .
beto beto)
Por informação do snr . Francisco Teixeira, natural de M irandela, este vocábulo des igna em Trás- os—Montes uma eSpécie demeia- pá de madeira, correspondente a raqu ette francesa. C om
êle se j oga O togu e—embogu e.
Beto e tambem ali o nome de um jogo, parecido com o
cr icket inglês .
betume
Em C aminha, e provávelmente em outros pontos do Minh o,s e não em toda a província, betume, ou batume, quere dizer« caldo grosso » .
1 Lisboa, 1861 , p . 59.
ª Lisboa, 1 891—1892 , dois volumes, afora a introducção intitulada GARC IA nA ORTA E O SEU TEMPO , um Vol . , Lisboa, 1886.
Ap ostilas aos D icionár ios Por tugueses 1 45
bex igas
A varíola ja assim é denominada pelo Padre António Francisco C ardim , que lh e chama «p es te » :— « No anno de 1 63 7houve na ilha [de Ainão] uma universal peste de b exigas , deque morreu muita gente »— 1
O nome lh es proveio das vesí culas que na pele se formam ,
do latim v e s i ca ,« empôla »
, com a mudança do s em a:, por
influência do i , e a do c em g, por estar depois de vogalcf. fogo 2 fo c um , e Xi s to l S i x tu s .
A terrível doença chamam os médicos var íola, não se sabepor que razão, Visto a palavra ser artifi cialmente fabricada, derivando- a de var ias , pois em latim não existia ; parece , pelo con
trário, que devera acentuar- se var i ó la, como a comparaçãocom o francê s (p etite) ve
'
role, O castelhano viruelas , e O ital ianor a iu blo 0 está ind icando.
'
O que é de estranhar é que, entre as nove pragas que a so
berana de Póh iola desencadeou sôbre os fineses , por lh e teremarrebatado ardilosamente o Samp o, ou « penh or de prosperidade »
, como se conta no Kalevala, não estejam incluí das as h e x ig as , que parece não eram conh ecidas na Finlandia. Essas pragas foram : Pleuresía, cól ica, reumatismo, tisica, úlcera, sarna,c ancro, peste . e a última e peor de todas , a que não tem nome ,O demónio da en s eja
9.
bezerro
Termo de Leiria, e provávelmente d e toda a Estremadurarural :— « buraco feito por uma fagulha, no fato, quando s e estáa engomar, a cozinh ar , a meter pão no forno, etc .
— 3
BATALHAS DA COMPANHIA DE JESUS , L isboa, 1894, p . 238.
KALEVALA , runa 45 .
Informação do snr Acácio de Paiva, dali natural .u
0
0
H
1 46 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
bica ; biquinha; bico ; bicuda, bicudo, bicudez
Além dos signifi cados col ijidos em Vários d icionários, tem a
palavra bica mais dois : em C aminh a quere d izer « sémea fina »,
e na ilh a da Madeira (Pôrto—Santo) é o nome de uma planta(An thu s tr iviali s), a qual também se ali ch ama biqu inha .
Por outra parte , a forma mascul ina bico tem , além das já
apontadas , mais as seguintes acepções : C aminha : « beijo » ; Ma
deira : « focinh o de cavalo » . Geral : « aves de capoeira »
gallinh eiro e provido de poleiros sufi cientes para repouso dosbi cos » —1
.
Em calão : « moeda de dois tostões » .
Termo faceto : « bebedeira », como nestes versos de Manuel
Roussado :
Como a scena é de taberna,Armei os versos em bico
Bicuda : galinhola » « Já ch egaram as bi cudas , como lhechamam os caçadores »Bi cudo d ifí cil , ex . : temp os bi cudos , n egóc io bicudo.
Bicudos : (neolojismo faceto):— « apesar da b icudez dos tem
pos »— 3.
bicha, bicho ; b ichar , bicharengo, bich eiro
Bicha : Trás-os-Montes : « Víbora »
Ilha da Madeira: « milh afre »Geral : figura de dança, em que todos os pares dão as mãos
uns aos outros em fi leira.
1 J . da SilvaPicão , ETHNOGRAPHIA D O ALTO ALEMTEJ O, in Po r tu
O SECULO , de 1 de novembro de 1 901 .
3 O DIA, de 26 de setembro de 1 902.
148 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
de gallo na testa, e o rabo muyto comprido pintado de verde epreto, como são os lagartos desta terra. Estes b i c h o s d e voo ,a modo de salto, cação os bugios , e bichos por cima das arvores , dos quais se mantem »
Devemos confessar, que como descrição leva a palma as deC uvier ; assim ela seja a verdadeira !
bigode , mostacho
A palavra bigode e antiga na língua, e existe também emcastelhano com a forma bigote, ou antiga vigote. No D IÁLOG OENTRE LAIN C ALVO Y NUNO RASURA , texto castelhano do XVI s écul o publicado na « Revue H ispaniqu e » , t. X,
encontram- se ambos os vocábulos z— « Otro estilo an tomado estos nu evos alcavaleros [judíos ] de poco tiempo aca, pasearsetiesso quatro dellos en cuadrilla [ s ic] , oliendo olores , putos d ealmizcle , algalia, benjui, perfumes , encreSpandose los cabell ospara arriba, i tirando sus viles v igote s i m o s tac h o s , por parecer mas valientes i rrobustos » —1
O termo mos tacho veio para o castelhano, como para o fran
cês mou stache, do ital iano mos taccio ou mostacch io, h oj e emgeral substitu ído nesta l íngua por bafji , e cuja or ijem parece sero grego moderno MOUSTÁKION , ou MOUSTÁKA, que tem a mesmasignifi cação que já tinh a no grego antigo MÚSTAKS , juntamentecom a de « beiço de cima »
º: cf. barba em português , que qu ere
dizer « a ponta do queixo » e « o pêlo da cara ».
Ao mesmo passo, porém , que Lu í s de C amões ja emprega o
plural do vocábulo bigode nos LUSIADAS , Torquato Tasso, na
Jerusalém Libertada, serve- se de uma c ircunlocução para o
designar :— « Lascia barbuto il labbro e'l mento rade »
1p . 1 77.
º W.Pape, GRIECHISCH - DEUTSCHES HANDWORTERBUC H , Bruns vique,
1880.
Aposti las aos D ici onários Por tugueses 149
Persas feroces, Abass is e Rumes ,Que trazido de Roma o nom e tem ,
Em sangue português juram desc'
ridosDe banhar os bigodes retor cidos —l
Já antes , G il Vicente usou o deminutivo bigodez inho
Pero — Elle pôs desta maneiraA mão na barba e jurouDe meu s dinheiros pagã - los .
Vasco— gEssa barba era enteira
A m esma em que te jurou ,
Ou b igodezinh os ralOS?— º
.
A orijem do castelhano c igole parece ser a palavra viga, cujosignifi cado é o mesmo que em português ; pelo menos é esta a
Opinião da maioria dos etimolojistas , mas bastante problemática.
h ilbafre
Esta variante de m i lhafr e é u sada por Francis co RodríguezLôbo na C ORTE NA ALDEIA 3
Na ilh a da Madeira designa o « francelho
A mudança de m inicial em b, e vi ce-ver sa, conquanto pou cofrequente , não é sem exemplo em português : cf. ber r ac com
marr ão ; bi chei r o (q.« canudo para a torcida, com mecher o
castelhano, que tem o mesmo signifi cado » ; batota « tavolagem »
com matu te, candonga » em castelhano, etc.
1 OS LUs íADAS , x , 68.
FARSA DOS ALMO C REVEs .
3 D iálogo I I I , cd . de 1 774, p. 56.
150 Aposti las aos D i cionár ios Por tugueses
E uma interjeição u sada em Sam M iguel , dos Açôres , com
a s ignifi cação de brac o
bíri—bíri
« Os b atoqu es [ q. o .] de que usam na guerra são detrês especies . 0 bir i—bir i tem a forma de um charuto grossoe curto, com a ponta cortada ; e enorme e geralmente tem os
dois extremos cobertos com pelle . Amarra- se a uma arvore ou
poste e é tocado com bocados de pau . 0 bir i - bi r i e que dás ignal para as povoações visinhas de que ha guerra ou preparativos para ella Tocado em combate , do lado do maior diametro, dá signal de avançar , e do lado do menor , s ignal de retirada . 0 bir i—bir i desempenha ainda, entre as populações selvagens , o h orroroso serviço de cepo de carrasco »— º
Na ilha da Madeira é o nome de uma ave, que também é
conh ecida por abibe, termo j á colijido no C ONTEMPORANEO .
biscate, biscalho, biscalh eira
Bi scalho s e chama ao alimento que as aves levam no bicopara os íi lhos ; outras formas do mesmo vocábulo são biscate ebiscato, e todas estas trê s formas teem aspecto de ser derivadas
1 0 SECULO , de 5 de julho de 1 901 .
ª Azevedo Coutinho , A CAMPANHA DO BARUE EM 1 902, in « Jornaldas Colonias » , de 1 9 de agosto de 1 905 .
152 Ap osti las aos D ici onár i os Por tugueses
bitácula
C omo termo de calão, « e nariz » .
bitafe. V . pitafe
Voz transmontana, que quere d izer « entornar »
bisnaga
0 NOVO DICCIONARIO diz provir êste vocábulo do árabe bastinage, de orijem latina, p as tinac a. É natural que os árabesencontrass em a palavra na Península, e a afeiçoassem a s ua
pronunciação. Ora, o latim p as t inaca deveria passar ao português , ou ao castelhano, com abrandamento do c em 9 , p as tinaga.
Não existindo em árab e nem p , nem g póstero—palatal (como em
p aga), mudaram a primeira consoante para b, e a última parapalatal africata, quási igual a di, pois é esta a pronúncia clãsSica da 5 .
ª letra do seu alfabeto, que no Ejipto se profere como0 g de gato, e em Vários pontos da Barbaria como 0 j português .Deste modo, o romanço peninsular p as tinaga passou a RaSTiNAGE,
e dêste procedeu o português bisnaga, com supressão da 2 .
ª sílaba átona ti . C f. Beja do latim P ax , ou P ac e(m) no acu sativo (Pax Iu l i a), conforme demonstrou David López no seu beloestudo TOPONYMIA ARABE DE PORTUGAL
1 in « Revue Hispani que » , t. IX, p . 39,
Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses 153
bísaro, bízaro ; sedeúdo, molarinho
Este termo, que o RECENSEAMENTO GERAL DOS GADOS es
creve bisaro, e cujo étimo é desconh ecido, sendo difí cil ficsar—lh ea ortografia, designa uma raça de porcos própria do norte do
reino, e ass im definida na mesma interessante publ icação ofi c ial :— « cabeça comprida e estreita ; orelhas tambem muito compridas e pendentes . ch egando a dois terços e mais da extensão dacabeça. 0 pescoço e delgado : a extensão que vae desde a nu caaté á origem da cauda é muito consideravel , ch egando a med ir
e mais : l inha dorso- lombar mu ito convexa ou arqu eada ;pe ito mu ito estreito e ach atado ou espalmado, assim como o
ventre , que é muito mais alto que largo. As pernas São tambemmu ito altas e ossudas . As cerdas são compridas e grossas , s endoa côr geralmente preta. Ha—os tambem brancos e malh ados , etendo sómente a frente aberta, uma lista branca sobre a agulha
e as espáduas , e baixo calçados .São geralmente muito corpulentos .
Os porcos de cerdas ou pellos mais densos comp ridos e grossos são ch amados sedeudos isedeúdos], ou cerdosos ; e agnellesem que ellas são menos grossas e compridas , mais raras e a
pelle mais fina s e chamam mollar inhos »
blasonar
Este verbo está definido em um sentido especial no jornal0 SECULO , de 1 2 de agosto de 1 900, nos termos seguintes :«Ao entrarem nos logares destinados á realização das j ustas , erei d
'
armas descrevia, em voz alta, os emblemas do escudo dorecemvindo, e ass im se fi cava sabendo quem elle era. A isto s echamava blasonar »
Lisboa, 1873 .
154 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugu eses
A forma blasonar , em qualquer acepção, e a apontada pareceser a primitiva, e castelhanismo, pois ao blaso
'
n castelhano cor
responde em português br asã o, substantivo do qual se derivariaum verbo (a)brasoar , e não blasonar
Júl io C ornu atribui a orijem dêste vocábulo ao latim p ú
p u s , « rapaz inh o » . Não creio : ao a longo corresponde u emportuguês , e não o .
Parece-me que para o português veio êste vocábulo do castelhano bobo, em que ainda perdura como adj ectivo usual , no sen
tido em que empregamos tôlo, e que procede nessa língua dolatim bal b u s , « gago » . Que a palavra portuguesa não pode derivar—se imediatamente do mesmo étimo que a castelhana prova- secom a circunstancia de que, a ser d irecta a derivação, a formaportuguesa seria bou bo, como é em m irandês , com d itongocf. ou teir o
,cast. oter o, de al tar i um , p oup ar , de p al p ar e ,
mou co, de M al c h u s .
Outra circunstancia que concorre para aceitarmos a"prove
niéncia castelhana é que bobo, em português , quere dizer apenas« jogral » , e não produziu derivados , por ser termo de signifi cadomuito restrito, e de aplicação especial ; entanto que em castelbano êle tem várias acepções , e deu or ijem a nada menos deonze derivados por suficso, e três por prefi cso. Nesta língua tevev italidade ; em português foi e é uma palavra estéril .
Este adjectivo, que suponho não ter ex istencia independente ,vemo—lo empregado junto ao substantivo p au s , p au s boçudos ,
GRUNDRISS DER ROMANISCHEN PHILOLOGIE, I , p . 726, nº 27.
156 Aposti las aos D i cionár ios Por tugueses
O vocábulo r eboliço é muito usado ; não ass im porém o seu
primitivo, que era frequente dantes , e que vemos empregado pelocronista Rui de P ina — « encomendarão ao Baião que fosse falarcom ella [a Rainha], para que qu isesse repousar á vontade , e nãodar causa a bo l i ç o s , de que tanto mal se pod ia segu iu
bolo ; bôla
Bolo- de—vinte—e-
guatr o-horas se chama em Aveiro a uma es
pécie de arrufada, que leva 24 horas a aprontar- se : tem farinha,
ovos e açúcar .
No Alentejo denomina—se bola O chamado « que ijo de correr »,
que em outras partes se diz qu eija .
a boma, (e não) o boma
É palavra da África Oriental Portuguesa, e o seu s ignifi cadoestá exposto no seguinte passo do JORNAL DAS C OLONIAS, de24 de dezembro de 1 904 — « no boma ou forte só pernoita a
guarda »
Deu—se—lh e aqu i o gênero mascul ino, infundadamente , pois asl ínguas cafriais não d iferençam géneros gramaticais , e a palavra,pela sua terminação, é femenina em português .
bomba, bombo, bumbo, zabumba
Estes vocábulos , mais ou menos onomatopoéticos , isto é , imitativos de sons , com os seus derivados , como bombarda, bom
1 ' CRÓNICA DE EL-REI DOM AFONSO V , cap . LIII .
Apostilas aos D ic ionári os Por tugues es 1 57
beiro, dariam causa a uma extensa monografia, (tam abundantee minuciosa como a que Hugo Sch uchardt consagrou aos derivados do latim c o c h l ea a começar pela interj eição bum l
,só
ou repetida, bumbum !C onsignarei aqui apenas o seguinteA forma bumbo é a popular , talvez por influência da inter
jeição, e ampliada ainda com a sílaba c'
á prefi csada, o que apros
s ima o vocábulo do castelhano zambomba (pr . ãambomba), nomeque em Espanha s e dá ao instrumento grosseiro e importuno a
que em português se ch ama r onca, o qual cons iste numa caixade resonánc ia mais ou menos c ilíndrica, aberta num tôpo, e cuberta no outro com uma pele esticada. a que está preso internamente um cordel encerado, pelo qual se corre a mão para O fazersoar .
A forma tida por culta, bombo, des igna um tambor ou caixa,antigamente muito alto, h oj e d e altura inferior ao d iámetro, o
qual se tanj e com uma maçaneta.
A palavra parece que veio para cá. do italiano, como outrosnomes de instrumentos : em italiano (lá—se 0 nome de bombo a
uma nota musical , repetida, sem variação alguma (r on ca), e o
bombo, na real idade , não dá mais que uma nota, se nota musicalse pode chamar O soído de uma pancada, s empre a mesma.
Em razão da forma, dão os pescadores da tartaranha, no
Tejo, seixalenses e b ar r e i r en to s , o nome de bumbo a uma
selha alta ond e expõem a venda o peixe no mercado da lota, noAtêrro da—Boa—Vista.
Os bumbos são fe itos de um barril serrado ao me io, e portanto, de cada barril fazem—s e dois b um b o s , ou selhas dessas .
1 ROMAN ISCHE ETYMOLOG IEEN , I I , in « Sitzungber ich ten der Kais erl i
chen Akadem ie der Wissenschaften in Wien 1899.
158 Aposti las aos D i cionár ios Por tugueses
bombaça
No estudo de Rocha Peixoto intitulado Os PALHEIROS Do
LITTORAL lê—se z— « D 'uma cobertura de duas aguas [de duas
correntes], telhada, raro colmo, irrompe , para escoante do fumoda cozinha, uma bombaça, quando não é uma Simples abertura,ou mesmo nada »
Antes º dissera o mesmo e scritor , referindo—se a edifi caçõesportuguesas várias z— « Dos telhados , resaltando á frente sobrecach orros de madeira, recortadas e ligadas ao frechal . sobemcham inés de tipos Vários , como a b omb aça (Minho e Douro)ou as que semelham tumulos (Alemtejo), minaretes e zimborios
(Algarve); nºoutros nem existem : é na s erra, onde as paredes
parecem uniformemente vestidas de fuligem »
Estes dois trech os completam—se um ao outro.
É pois a bombaça uma espécie de chaminé , e é vocábuloainda não rejistado em d icionários .A propós ito direi que o povo pronuncia melhor que os cul
tos a palavra cham in é , pois diz ch em in é , do francês chem i
ne'
e ; a forma l iterária chamin é é devida a falsa analojia com
chama flamm a , vocábulo com o qual não tem nenhuma re
lação.
O francês provém de cam i n a ta 2 cam i nu s , palavra queos romanos receberam dos gregos .
bombeiro
Designa êste vocábulo, nas marinh as do sal , um tabuleirosôbre o comprido, com um cabo, e um pau roliço atravessado a
meio por dois buracos abertos nas paredes laterais .
1 in P o r tu g á l i a , I , p . 87.
i b. p . 83 .
1 60 Aposti las aos D icionár ios Por tugueses
vas começam pelos mesmos elementos consonânticos , muda- se ameúdo a vogal surda da pr ime ira delas , em outra mais d istinta ;assim temos : dida l, por dedal dedo, se não de d ig ital e , poisd izemos dedeira,
sem haplolojia ; jíjum, e jajum, por jejum ; p i
p in o, por p ep ino, etc .
Haplolojia notável é a que s implifi cou antigamente cons i
derar em cons irar , que vemos , por exemplo, em Rui de Pina,C RONICA DE EL—REI DOM AFONSO v (cap . II). O povo, ainda hoj e,porque o verbo nas formas arrizotónicas , como o infinito, tem um e
es crito, que se não lê, pois pronrmc iamos cons idrar , e não, cons ider ar , conj uga—o nas r izotónicas sem esse e, d izendo cons idro,
por cons idero, assim ilando—o a vidro, de vidrar , que não é vide/
ro .
bonideco
Esta expressão adverbial , usada nos Açõres no sentido em que
empregamos de boa von tade, ou em francê s volon tier s , tem ori
j em erud ita: e o latim b on o et ae qu o , com supressão do o do
primeiro vocábulo.
bonzo
É vocábulo japonês , e como tal sempre foi considerado,havendo s ido introduzido naEuropa pelos portugueses . É frequentenos nossos escritores , quando s e referem à C h ina, Japão, Aname ,S iame , C amboja, a toda a parte da Ásia onde impera, como r é
lijião dominante , o budismo, mais ou menos adulterada — « Depois da morte de seu pai foram os b on z os que assistiram ao pá
gode »Os nossos d icionários e os alh eios dão como étimo a esta voz
peregrina a forma japonesa boca ; mas a verdadeira escrita seria
1 António Francisco Cardim ,BATALHAS DA COMPANHIA DE JESUS ,
L isboa, 1 894 .
Ap ostilas aos D i cioná r ios Por tugues es 61
então bôueu ,dando—se ao ou o valor que tem em português .
Não é desta forma, porém , que o vocábulo foi tirado, mas simde outra dialectal , bóneu , o que eXpl ica a vogal que adqu iriuem português .É frequente esta adjunção de n às consoantes sonoras entre
vogais , em certos dialectos da língua do Japão, e assim se motivam as escritas portugu esas Nangassáqu i , C angox imá, etc .
0 mesmo aconteceu ao vocábulo biombo, em japonês biôbu ,
ou bi o'
mbu .
boqueirão
0 NOVO DICCIONARIO reji sta êste substantivo como nome deum peixe , cuja Vivenda é no Algarve e nos Açôres .
Todavia, no jornal 0 ECONOMISTA , de 1 4 de setembro de 1 888 ,c itando o C AMPEÃO DAS PROVINCIAS , de Aveiro, lemos :— « No
mercado não ha pos itivamente nada. Um pou co de b oqu e i r ã oque restava das últimas pescas , vendeu—se logo que aqui ch egoua 700 r éis o m ilh eiro »
Parece portanto que se encontra em outras águas mais ao
norte .
Em castelhano h á boquer ón , que o D icionário da Academiadescreve do seguinte modo :— « Pez del orden de los malacopteriglos abdominales , muy comun en el Mediterráneo, de unos ochocentímetros de longitud , cuerpo largo y
'
compri
m ido, verdoso por el lomo y plateado en lo d emás , yboca que s e prolonga h asta detrás de los ojos » Parece ser
êste último caracterí stico o que lhe deu o nome . lgnoro s e o
peixe que em português se ch ama boqu eirão é êste mesmo.
bôrco (pl . bórcos); emborcar
Tanto no D ICC IONARIO C ONTEMPORANEO , como'
no NOVOD ICCIONAR IO dá—se êste vocábulo por sómente u sado na locução adverb ial de bôr co, o que inspirou a Júlio C ornu a etimolo
jia d e p o r c o , bastante singular e inverosímil . No Suplemento ao1 1
1 62 Aposti las aos D ic ionár ios Por tugueses
NOVO DI C C . relac iona- se bar co com bolear , dado no corpo dod icionário como vocábulo transmontano, com o signifi cado defazer cair , voltando » Bar co, porém , existe como substantivoindependente .
No meu trabalho sôbre o falar bragançano, inserto no I volume da REVISTA LUSITANA , a paj. 212 incluído no vocabulá
rio transmontano que al i publiquei, reji stei o verbo embolcar,
comparando—0 com O castelhano volcar,
« tombar » um carro, porexemplo, e o português comum embor car , subord inando—os todosao latim i n u o lu i c a r e , de u olu er e . Ainda mantenh o a mesmaOp inião, que é confi rmada pelo substantivo bôr co, « tombo » empregado no seguinte trecho : [cambalhota] de cima para baixo,aos borcos como cobras —º
bordão
Esta palavra, na acepção de modo- de- d izer que s e repete a
mendo, tornando—se h ab itual , e a bem dizer inconsciente , e queem castelhano, com a mesma relação fi gurada, se diz mu leti lla,
é j á antiga em português , pois a vemos empregada neste sentidopor António Franc isco C ard im nas BATALHAS DA C OMPANHIADE JESUS 3 º —« o bordão com que s e defendem nas respostas ed izer que assim está nos seus l ivros »
bornudo
«Ave de formosas pennas » D ifí cil definição para sepoder identifi car , pois tanto poderia ser um p av ã o , como um
can á r io ; em todo o caso, a ave, descrita com tanta parcimônia,
é da África Oriental Portuguesa.
1887- 1 889 .
Mar celino de Mesquita, 0 TIO PEDRO .
Lisboa, 1 894, p . 259 .
4 Diocleciano Fernández das Neves, ITINERARIO DE UMA VIAGEM ACAÇA DOS ELEPHANTES , L isboa, 1 878 , p . 58.
9:
tº
H
1 64 Ap osti las aos D ic ionár ios Por tugueses
cipalmente da bosta dos bois e dos cavallos . Dah i lh e veio o
nome'
popular de bostei ras , por que a gente das aldeias maisusualmente os conh ece » Vê—Se, portanto, que não é nome dequalquer espécie diferente , mas sim alcunha que lhe foi postaem razão dos seus h ábitos . Nem êle vive na bosta, o que lh e
traria existencia muito precária; se a busca, é para al imento, enão para fazer nela v ivenda.
A mesma útil publicação acrescenta : ' —« Julgou—s e durantemuito tempo que o escaravelho preparava esta bola [que formada bosta] para nella depor os ovos , mas está recentemente provado que ella é única e exclusivamente destinada a al imentaçãodo insecto »
C omo a GAZETA DAS ALDEIAS s egue a risca o s istema deacentuação e quasi pontualmente o ortográfi co adoptado no NovoDI C C . , ao leitor do centro do reino depara—se por vezes indicaçãode pronunciações que lh e São estranhas , e nas l inhas que transcrevi h á duas dessas : a primeira que, conquanto diversa da queé corrente em Lisboa, é menos singular , escaravelh o, que na
capital s e pronuncia escaravá lho ; e a outra, mais inesperada,gênero, que em todo o litoral no sul , desde o extremo Algarveaté Figueira da Foz, pelo menos , s e profere géner o, com e abertona sílaba predominante , que é a primeira.
Entendo ser defeituoso ê ste s istema de uma parte do reinoimpôr pela escrita as suas pronunciações locais ao resto das províncias, mormente à capital , que decerto as não seguirá . É em
razão disto que eu , apesar de adoptar um Sistema rigoroso deacentuação gráfica, marco sempre com o sinal geral do acentotônico, o agudo as vogais a, e, o antes de consoante nasal ,por o seu valor variar muito de uns para outros pontos , e nãocom o circunflecso, que particular e únicamente serve para indicar, em caso de necessidade , o e e o o que São proferidos comofechados em toda a parte
V. sôbre êste assunto ORTOGRAF IA NACIONAL , do autor , Lisboa,1 904, p . 1 79—18 1 .
O";
CA
Aposti las aos D icionár ios Por tugues es 1
bota—d'água
Éste calçado, apropriado a resistir a agua, especialmente naspassajens a vau , está j á designado com êste nome no Suplementoa C OLLEPÇ ÃO DE LEGISLAÇÃO PORTUGUEZA , referente aos anosde 1 750—1 762 , em um aviso de 23 de outubro de 1 753 : se dêaos Regimentos de Dragões do seu Exercito b otas d e agoa »
Esta palavra, formalmente , parece provir de b al tea , pluralneutro do adj ectivo b al t e u s , b al tea, b al teum , substantivado,que em latim s ignifi ca « o que cinje »
, e do qual o MAGNUMLEXICON de Jos é António Ramalh o nos diz ser mais u sadocomo substantivo no plural . É definida no DI C C . C ONTEMPORA
NEo, como termo m inhoto, com a signifi cação de —« terreno ondese cria matto para adubo, por não ser proprio para cultura »
Mas na monografia de Alberto Sampaio AS VILLA S DO NORTE DE
PORTUGAL, 9 lemos o seguinte as b ou ç as (bau zas , bu s telos)que fornec iam o matto para a cama dos animaes , e a l enh a »
donde se deduz que a acepção é mais lata.
braga, braga]
0 pr imeiro destes vocábulos , do latim b r aca ,e mais trivial
mente b rac ae no plural , como acontece entre nós também com
obj e ctos geminados , de que se faz uso, por ex . : ca lças , ó cu los ,br incos , çap atos , etc .
, não designa em português , como na línguade onde provém ,
« calças compridas , até os pés » , mas calçotas
1 Lisboa, 18 19.
º in P o r tu g á l i a , I , p . 324 .
166 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
curtas,ainda mais que os calções , como as que usam os serrado
res de madeira. Designa também , no singular , a argola de ferroou grilh eta onde prendia a cadeia de ferro dos condenados a
trabalhos públicos , e que se via frequentemente h á cinquentaanos em Lisboa nos calceteiros , quando o ofício dêstes era desempenhado por bandos de galeotes , acorrentados a dois e dois , eque se denominavam também gr i lhetas . V . calceta.
Alberto Sampaio, na excelente monografia AS VILLAS DONORTE DE PORTUGAL 1
, refere—s e dêste modo aos dois vocábulosda epígrafe z
— «A terminologia [da cultu ra, cura, fiação e tecedura do linh o no norte d e Portugal] tem a mesma procedencia[romana] ; ass im b ragal , des ignando tanto a roupa branca comoO pano que lh e é destinado, e b r aga , b ragas (de braca, palavragallo
- latina), massar (massar e, esmagar as h astes do l inh o), estOpa (s tupp a), tomentos (tomen tum), espadella (d im inutivo desp atha), espadar ou espadelar (bater com a Spatha ou espadella),estriga (s tr iga), fuso fusu s) , manuca ou mainça (manu n cia pl .
de ma-
nu ntium, ou de man i cia, pl . de man i c ium), e roca (rukka,got , em esp . ru eca,
em ital . r occa)— todos estes termos provêmdo latim , excepto o ultimo, cuja origem germanica nas tres l in
guas é singular »
No ELUOIDARIO de Santa Rosa de Viterbo vem um longo
d iscurso sôbre o termo bragal ; nem aí, porém , nem em nenh umoutro d icionário vejo apontada uma acepção especial que temesta palavra, e é o « pano com que se cobre a farinha depois de
C)
amassada
0 significado dêste vocábulo é cã ibra, e a êle se devem su
bordinar as várias locuções compend iadas no Suplemento ao
NÓVO DICCIONARIO : levado da breca « travesso » ; foi -se com a
1 in P o r tu g á l i a , I , p . 3 1 7.
2 REVISTA LUSITANA, t. vr, p . 126.
168 Ap ostilas aos D i ci onár ios Por tugueses
brelh o
0 latim imb r e x , imb r i c i s , que provém de imb e r , imb r i saguaceiro »
, e signifi ca « telha » tegu l a), está provávelmenter epresentado em francês pela palavra br igu e, e em italiano por
br i cca, « barranco por onde a água se despenh a », e que num
sentido especial foi talvez o étimo imediato do termo francês . Emportuguês temos no Minho um vocábulo, não derivado d irectamente do im b r i c em , mas do deminutivo imb r i c ul um : é br elho,
« (fragmento de) tejôlo », colijido por J . Leite de Vasconcelos ,
que lh e atribui, com razão, esta etimolojiaVocábulos modernos da mesma orijem são imbr i car , imbr i
cado imb r i car e . Outra etimolojia proposta para O francê sbr igu e é o inglê s br ick br eak « quebrar »
.
brendo
Na Beira—Baixa denom ina—se assim uma espécie de garfo, dequatro a s eis dentes , fabricado de madeira pelo carpinteiro, emOposição a tomadeira (q. o .
º.
brinco, brincar
Ou br incar provenha de sp r ingan , no sentido de « pular », e
de bli(ri)lcan , no de « gracejar , entreter- s e » , sendo portanto formas converjentes ; ou proceda de um só destes verbos germanicos , sendo a segunda acepção desenvolvimento da primeira ; ouainda, o substantivo br inco signifi cando « pinjente » s eja o latimu in c(u)l um , independente portanto de br inco, substantivo ver
1 REVISTA LUS ITANA , III , p . 207.
ª Informação do editor , natural de Almeida.
Apostilas aos D ic ionários Por tugueses 1 69
bal rizotónico do verbo br incar : o que é certo é que ê ste emportuguê s adquir iu s ignili cados em que o seu correspondente castolhamo br incar , « pular »
, o não seguiu , pois na segunda acepçãos e diz ali jugar , juguetear .
Entre o povo, no continente , o verbo br incar era usual no
sentido de « b ai lar », e ainda h oj e não perdeu de todo essa acep
ção, que vemos exempl ifi cada na seguinte quadra.
, vulgar h ác inquenta anos :
Ó menina das laranjas,óVOC ê que dá e que tem
?
Você está tam coradinha,
Você br incou com alguém .
Éste'
s ignifi cado conserva o substantivo verbal na Índia portuguesa, em Goa pelo menos , como se lê no seguinte trech o deuma correspondência de lá, publicada no jornal 0 SECULO , de 26de jul h o d e 1 902 z— « Danças chamadas br incos , populares , dech ristãos brahamenes [ s ic] , moiros e outros gentios , com suasmusicas caracteristicas
0 mesmo substantivo, que tamb ém signifi ca « b rinquedo decriança »
, foi por António Francisco C ardim empregado num sen
tido muito especial , o de « galantarias »,
« bujigangas », correspon
dente ao francês bibelots , e que o traduz perfeitamente z— «Era
fô rça ir o padre ao paço beijar a mão ao príncipe pela mercê , eapresentar—lh e agradecido alguns b r in c o s daEuropa e C h ina»—ª
.
Br in cos da C h ina é também expressão de que j á se serviraFernám Méndez Pinto, no mesmo sentido de « galantarias »
« o embaixador comprou muitas peças ricas e b r in c o s da C h inaque aquy se vendião muyto baratos , em que entrou
'
grande quantidade de alm izcre, porcellanas fi nas , seda, retrós , e pelles dearminh os — º
.
1 BATALHAS DA COMPANHIA DE JESUS , Lisboa, 1894, p . 145 .
PEREGRINAÇÃO , cap . CLXVI .
1 70 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
(de) bruços
Este modo adverbial , cuja signifi cação é « de peito parabaixo »
,« estendido com o. rosto para o ch ão »
, e a qual corresponde o castelhano de bru ces , é explicada imperfeitamente porbue, com
'
fundamento em que os d icionários castelhanos cons ignam também a variante de bu ces
, que suponh o não ser lejítima.
C om respeito ao bue com o qual o relacionam , pode ver—se o
DICCIONARIO MANUAL ETYMOLOG I C O de F . Adolfo bC oelh o, o qualresume a argumentação de D iez , que aqui não repito, por meparecer de pequení ss imo peso.
A expressão parece não ser antiga em portuguê s , visto queBluteau a não incluiu 1
. Partindo desta om issão, suponh o que a
locução, muito trivial h oj e , e da qual se derivou o verbo debru çar
- se, proveio de Espanha, por intermédio do castelhano, oqual, todavia, não der ivou verbo da sua expressão de bru ces ,como aconteceu em português com debr u çar .
A or ijem dêste modo adverb ial parece—me ser o vasconço
bu ru z (pronunciado bu ruç), caso modal de bu r u ,« cabeça »
. Écerto que o Dicionário vasconço
- francês de Van Eys º só dá a
ê ste caso modal bu ru z a significação « de cor »,
« de cabeça »,
como tamb ém dizemos ; é possível , porém , que, assim como pormeio do mesmo suficso —ez, de m i , ou oin ,
« pé » , se forma ones ,
oines , « a pé », a forma bu ru z , signifi casse « de cabeça [para
e que dessa acepção restrita, em qualquer parte dasVascongadas o caso modal ind icado v iesse a signifi car também« de cara para baixo »
.
E isto uma simples h ipótese , que me parece mais aceitáveldo que a proposta por D iez , e por isso aqu i a rejisto, para fundamento de mais rigorosa investigação.
1 VOCABULARIO PORTUGUEZ LATINO .
D IC TIONAIRE BASQUE-FRANÇAIS , Par is, 1873 , sub voc . buru.
1 72 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
cando o verbo bruxu lear , « lampejar », dar clarões incertos e de
intens idade variável , êle seja der ivado de br uxa, tendo estapalavra sido, em qualquer tempo ou lugar , tanto em Espanhacomo em Portugal , a designação popular do fenómeno.
Parece-me que neste sentido se devem nortear as investigações que s e façam para des cortinar o étimo do vocábulo bruxa,considerando—se brux u lear um derivado romanico- peninsular dêssevocábulo.
C omo subsíd io para essa investigação apresento aqui um textoextraído de obra antiga de mu ito interesse , e que serve de amparo am inha h ipótese .
— « Por conclu sion noto aqu i, que aquellavision nocturna que en algunos Paises llaman Hu este, y quierenque sea procesion de b r ujas , es mera fabula, a que d ieron oca
sion las exalaciones encendidas , que los F is icos llamam Fu egosfatuos . El vulgo, v iendo aquellas lu ces y no pud iendo creer quefuese cosa natural , la atribuyó a la Operacion d iabol ica » —1
A bu es te, « hoste », a que o autor aqu i se refere , é a Estan
tiga,em castelhano Estan tigu a, a p r o c i s s ã o d e m or to s da
superstição med ieval , das wutende H eer,acêrca da qual se lerá
com muito proveito o que D . C arol ina M ichael is de Vasconcelosescreveu no vol . III da REVISTA LUS ITANA , e onde de ixou perfeitamente averiguada a etimolojia do vocábulo, bues te an tigua.
É sabido que no Brasil se ch ama ao fogo- fátuo ca ip ora, termotupi C ahap ora), que também designa o deus das selvas , protectordos animais silvestres , h ostil ao caçador , a cuja manifestação os
índ ios bravos atribuem O dito fenómeno, conforme todas as prohab ilidades .
C oncluirei com uma observação ju sta. Pondera—me em carta0 SM . Acácio de Paiva que é talvez temerária a supos ição deque bru sca algures no reino se aplique ao fogo fátu o, v isto que
1 THEATRO CRITICO UNIVERSAL . DISCURSOS VARIOS EN TODO OENERO DE MATERIAS PARA DESENGANO DE ERRORES C OMUNÉS , ESCRITOPOR EL M . I. S . D . Fr . Benito Geronimo Feijoo Montenegro, t. I I , 66, p . 1 96,
MDCCXLV .
Ap osti las aos D i c ionár ios Por tugueses 1 73
em parte nenh uma O vocábulo designa alma- clo-ou tro-muna'o,
sendo certo que na opinião do vulgo o poder ou condão fatal dabruxa lh e provém do d iabo, e que ela é sempre criatura v iva emal éfi ca.
bubela
Por êste nome se des igna em Trás—os—Montes a p oupa, comose vê do trech o seguinte z Outra [trad ição], a da bu beta (poupa)d isfarçada milagrosamente em Nossa S enh ora »
Inclui , no vocabulário transmontano que publiquei no I vo
lume da « Revista Lusitana »9o mesmo vocábulo, e para aqui
transcrevo a sucinta observação que al i lh e consagrei z— « bu
bela, poupa (ave): latim up up e l la , dem inutivo d e up up a pelaqueda do u [in icial] e abrandamento de p em b : cf. port. bisp o,castelhano obisp o ; port. baço, catalão u bach , Op ac i
'
u in , Op a
c um:Em galego é também bu beta,
em mirandês boubela, emcastelhano abu bi lla, h avendo—se dado igual abrandamento de pem ambas as sílabas , como se deu no ital iano bu bbola, que per
deu a vogal inicial . Tanto a forma portugu esa, como a m irandesa e as dialectais italianas p opp a , p op o fazem pressupor uma
forma latina u p p up a » Depois , em nota acrescentava :« O dr . ugo Sch uch ardt 3
adm ite u p fl p a , que não expl icaria o
ditongo ou, nem a redupl icação da consoante ou o o, dialectais
ital ianos »
bu ch o, bu ch a
Este vocábulo no sentido de « estômago », como no de «mus
culo da coxa e do braço », provém do latim m u s cu l um , que j á
1 Ferreira Deusdado , 0 RECOLHIMENTO DE MÓFREITA, in « RevistaEdu cação e Ensino » , 1891 , p . 544 .
ª FALAR DE RIO -FRIO , p . 205 .
3 LITTERATURRLATT FÚR GERMANISCHE UND ROMANISCHE PHILOLOGIE, 1883 , 3 .
1 74 Ap osti las aos D i c ionár i os Por tugu eses
tinha o sentido expresso na segunda acepção, conquanto a pri
mitiva signifi cação fosse « ratinh o », como deminutivo de m u s ,
« rato ». Em castelhano a acepção de « músculo » corresponde
onu s to, e a de estômago bu che, ambos OS quais teem a mesmaorijem latina, sendo formas diverjentes naquele idioma.
O Suplemento ao NOVO DICCIONARIO aduz também uma forma
femenina, bu cha, que escreve bu cca, abonando- se com C amilo C astelo Branco ; mas esta escrita é evidentemente errónea.
buço, embuçar , boçal , rebuçado
No NOVO DICCIONARIO atribui- se , em dúvida, como étimo a
êste verbo, o sub stantivo bu ço . D . C arol ina M ichaelis de Vasconcelos Opina por ê ste étimo, cuja orijem s eria O latim b u c c eu s ,
adjectivo postulado, me parece , por b u c c ea ,« bocado » b u c c a.
C onforme a douta romanista, embu çar—se quererá d izer— « cobrira metade inferior do rosto até ao buço com capa ou capote »Em confirmação dêste modo de ver adu z a mesma es critora as
formas castelh anas agora escritas bozo, embozo, r eboco e seu sder ivados , e de bu ço deriva bu çal (boçal) . Assim será , conquantoa forma portuguesa com u por a latino seja um óbice importante , por existir o vocábulo boca, no qual dêsse ii resultou o nor
malmente. Por outra parte , parece—me violenta a metáfora, queatribuiria ao particípio de r ebu çar o Signifi cado que tem 0 substantivo r ebu çado . Em todo o caso é enjenh osa a h ipótese , e oferece bastantes probabilidades , visto não ser admissí vel que bu ço,português , tenha orijem diferente de bozo castelhano, O que pressupõe igual parentesco nos competentes derivados .
bufarinh a, bufarinh eiro
0 primeiro dêstes termos é defi nido por C ándido de Figueiredo, no NOVO D ICCIONARIO , como significando— « cosméticos depouco valor ; bugiganga ; quinquilharias » e o segundo como
vendedor de bu far inh as »
1 76 Apostilas aos D icionár ios Por tugueses
Esta palavra, que designa uma ave nocturna, foi transferidametaforicamente para indicar um ind ivíduo da polí cia s ecreta,do mesmo modo que nos tempos de D . Miguel os esb irros daronda nocturna s e chamavam mor cegos . O termo bufo, nestesentido, está abonado no s eguinte trech o :— « Tinham sido os doisb u fo s . que me tinham mandado prender » — ª
bul ; bule
C omo vocábulo de j iria torpe , com a significação do latimanu s , é o caló
º
bu l, que quere d izer isso mesmo ; cf. chaleira,
no mesmo sentido obsceno.
C omo peça do aparelho em que se serve o chá (q. o vo
cábulo bu le é malaio. Pódem perfeitamente diferençar- se os doistermos , escrevendo aquele sem o e final , e formando—lh e o plural ,conforme a regra geral , bu i s .
bul iceira
Nos arredores d e Lisboa quere d izer « ch uva Ineúda ». O
termo foi colh ido da tradição oral pelo snr . Martinho Brederode .
E a chuva, como que peneirada, a que chamamos ni oinha .
C omo o segu inte trecho é definição perfeita da s ignifi caçãodêste vocábulo, para aqui O transcrevo z—A lã no districto [de
1 O SECULO , de 23 de abr il de 1902.
Ap osti las aos D ici onár ios Por tugueses 1 77
Viana] é própria para o burel, que antes de ser submettido á
fula é um tecido de lã s imples , raro a ponto de se contaremfacilmente os fios , por entre os quaes se vê o dia »— 1
burra
Em Leiria: « saliência de terra fora do limite de uma pro
priedade ȼ
burro, burr inh o
0 NOVO D ICC IONAR IO , o mais copioso que existe em português , dá o vocábulo bu r r o em nada menos de dezasseis acepçõesd iversas , incluindo- se as que foram acrescentadas no Suplemento.
Aqui apresento mais uma, que se deduz do segu inte trecho :« Per' to da ch aminé estão os bur ros (bancos rusticos de pernadasde azinh eira)» — 3
0 deminutivo bur r inho é usado no norte para designar uma
« frijideira de barro com caboÉ sab ido que os nomes de animais são a meúdo transferidos
para Obj ectos nos quais se supõe h aver dêles aparencia ; tais sãoca chorr o, ma caco, bujio, ma chos , cegonha, cã o (de espingarda).gati lho, cava lo (na vinh a), bur ra ; bordão b u r don em ,
« muloExemplo d isso j á. o vimos na inscrição anterior .
bus : v . chus
Por tu g al i a , 1 , p . 3 77 .
2 Informação do Snr . Acácio de Paiva, dal i natural .3 J . da S i lvaPi cão , ETHNOGRAPH IA DO ALTO ALEMTEJ O , in Po r tu
g al i a , I , p . 542.
1 78 Ap osti las aos D i cioná ri os Por tugueses
butaca
No RELATORIO OFFICIAL de João de Azevedo C outinh o, acêrcada campanha do Barue em 1 902 encontra—s e ê ste vocábulo,que parece ser africano z— «A entrada de Manuel de Sousa paraa bu taca » e em nota expl ica—se z— « butaca, th rono »
É s ingular a exacta conform idade desta palavra com a castelhana bu taca, assim definida no Dicionário da Academia Espanhola, sem se lh e apresentar etimolojiaz— « S illón de brazos , almohadillado, entapizado, cómodo y comunmente con el respaldoechado hacia atrás »
Só s e O vocábulo foi de Espanha para a Áfr ica com os her re
r os , nome com que os nossos jornalistas teimam em alcunhar osher er o
'
s q . o .
Este vocábulo, que provém do latim , b u c c inum , designa,como se sabe , uma concha univalva, que em muitas partes daAfrica serve de moeda.
Em Ajudá 1 búz io valia real , e búzios denominavam—s e um p eso de bú z ios perfazendo búzios 15000 réis .
Os búzios na Índia denominam—se caur in s , (q.
Bug io, na acepção de « mergulhador » parece ser outro vocá
bulo, e em castelhano diz—s e bu zo, de orijem desconh ecida.
cabaça, cabação, cabacinha, cabaço
A orijem destes vocábulos é ignorada : sab e- s e apenas queem castelhano tem o primeiro uma sílaba a mais , calabaza, o
1 JORNAL DAS COLONIAS , de 9 de julho de 1904.
º Carlos Eujénio Correia da S ilva, UMA VIAGEM AO ESTABELECIMENTO PORTUGUEZ DE S . JOAO BAPTISTA D '
AJUDAEM 1865, L isboa, 1866.
1 80 Aposti las aos D ici onár ios Por tugueses
Eis aqui algumas definições e abonações da palavra cabana,
extratadas de várias monografias de muito interêsse publicadasna revista Po r tu gal ia.
— « No Alentejo o termo de cabana éum nome generico que se apl ica indistintamente a todos os casarões toscos e espaçosos que se adaptam a quaesquer u sos » .
« C ABANAS . Por este nome designam—se as seguintes d ifferentes accommodações : a loja dos carpinteiros de carros e arados , o deposito de madeiras , as arrecadações de veh ículos e ucharia d e lavoira, as arribanas para gados , etc ., etc .
— º
« C abanas no onomastico locativo portuguez é ainda a denominação de algumas fregues ias e aldeias que . tiveram a
sua origem em barracas de tabuado » —3
— « C abanelas , C abaninhas e C abanões formam uma tcpony
mia de similar procedencia » — ª
C abanal em Trás- os—Montes s ignifi ca « alpendre », como
vemos do trecho segu inte :— « d isse zangado a seguinte p ragauma noite no cabana] (alpendre). —0xalá se afundasse este lameiro »— 5
.
C ubano, caban i lho, cabaneir o, des ignando várias formas decestos , são com cabana apenas aparentados por afi nidade, e sôbreos dois primeiros veja- se neste livro a palavra côvo.
cabeça, cabeceira, cabeçalha, cabeçalho, cabecilha, cabecinha
Tem mu ití ssimas acepções o primeiro vocábulo, do latim vul
gar cap i ti a ,plural neutro de cap i ti u m , tomado como feme
nino, o que é frequentissimo nas línguas románicas , e deriva—sede capu t , cap iti s , « cabeça »
.
1 º José da SilvaPi cão, ETHNOGRAPH IA Do ALTO ALEMTEJ O , p . 544.
3 4 RochaPeixoto , HAB ITAÇÃO , p . 84.
5 M . Ferreira Deusdado, O RECOLHIMENTO DA MÓEREITA , in «Re.
Vista de Edu cação e Ensino 1 891
Apostilas aos D i c ioná ri os Por tugueses 81
Entre outras acepções ass inalarei aqui algumas mais especiais , e raras vezes ind icadas em d icionários .
C abeça : « quem manda », correspondente ao francês chef
«A principal igreja que v isitei naquell as províncias [do reinode Aname] foi a de um ch ristão, cab e ç a de aldeia, chamadoPaulo »
Ainda hoj e se diz cabeça de motim,locução muito u sual .
Neste sentido u sam os espanh ois cabec illa, que por imitaçãodeu o português cabeci lha, castelh anismo, pois O suficso deminutivo - i lho, —i lha, não é português .
C abeça e u sado com a s ignificação de peça de gado, res ,
sendo ê ste último a palavra árab e RAS, « cabeça »,empregada
nessa língua com o mesmo s ignifi cado, que tamb ém passou ao
castelhano r es mas igualmente designa « o cabeça de tr ibo » .
No sentido de r ãs , com referência a gado suíno, é mais usualno Alentejo o termo cabeça :— «A aval iação dos montados faz- sepor cabeças , quer d izer pelo numero de porcos adultos , que en
gorda a bolota em cada anno »— º.
Outro sentido especial do vocábulo cabeça, acompanh ado deuma locução adj ectiva, é cabeça- cle-
p au ,para designar os indi
víduos que teem lojas de móveis usados :— « as casas dos cabeçasde p au , nome de giria por que são conh ecidos os negociantesde tarecos »— 3
.
C om a mesma signifi cação de cabeça, « principal » , us ou- setamb ém cabeceira, como vemos em Rui de Pina, C RÓNICA DE
EL—REI DOM AFONSO V (cap . x ) — « Seria povo e gente meúda,que sem c ab e c e i r as não teriam fôrças , nem dariam ajuda »
Nesta acepção ainda O encontramos modernamente , no RELATORIOde C arlos Eujénio C orreia da S ilva com referência ao
Daomé . É forma muito aproveitável e expressiva, que pode ser
BATALHAS DA COMPANH IA DE JESUS , L isboa, 1 894 , p . 1 70.
2 J . S ilva Pi cão , ETHNOGRAPH IA DO ALTO ALEMTEJ O , in Portuga
3 O SECULO , de 1 8 de novembro de 1901 .
1 82 Ap osti las aos D i ci onár ios Por tugu eses
empregada actualmente , conquanto a s ignifi cação mais trivialseja a « de parte superior »
, como cabeceira da mesa, cabeceirado leito, cabeceira(s) de um r io, etc .
Oabeçalha : Dos jugos [dos carros] destaca- se breve a decoração profusa que os caracterisa na região [Minh o], os arcos ,en s ogadu r as e tend i l h as , a c h ave l h a e o p igar ro, a s ôga
emfim —ª
É palavra derivada de cabeça, e signifi ca « o temão, ou lançade um carro de bois » , e também , em a parte deanteiradêsse temão » .
Uma forma mascul ina dêste vocábulo, cabeçalho, designa,além de cabeçalha, o título, títulos ou d izeres a que se subordinam vários averbamentos , e que ocupam a parte superior dafôlha, O que os franceses chamam en - tête.
C abec inha é um deminutivo evidente de cabeça, e além deoutros s ignifi cados , deduzidos do vocábulo de que é formado,tem também o de— « farinha grossa que resulta do rolão passadopor peneiro largo [de pano aberto] para o s eparar da sémea »
como diz o DICCIONARIO C ONTEMPORANEO . Na pauta de consumo(de Lisboa), anterior a 1 880, O produto da moenda do trigo era
classificado em quatro espécies : far inha esp oada, far inha exp u r
gacla de sémea e farelo, r olã o, e cabecinha, a cada uma das
quais competia uma taxa de imposto diferente , de mais paramenos ; a sémea era livre de imposto.
C omo nome de ave é o vocábulo cabec inha, acompanhado devários epítetos que o d iversificam , mu ito usado na Ilha da Ma
deira, como vemos na monografia de P . Ernesto S chm itz , intitulada DIE VOGEL MADEIRAS º
z— cabecinha en carnada, « pin
tassilgo », no Estreito ;— cabecinha negra, « toutinegra » em
Gaula ;— cabec inha r osada, « pintass ilgo », na Faj ã .
É sabido que tou tinegra (q. v.) signifi ca também « cabeçapreta »
, c ap ite n igra.
1 Rocha Peixoto , As OLARIAS DO PRADO, in P o r tu g á l i a , I , p . 253 .
º in « Ornithologisches Jahrbu ch x , 1899, 1 , II.
1 84 Ap ostilas aos D i cionár ios Por tugueses
se usa, e ainda Bluteau (VOCABULARIO PoRTUGUEz E LATINO) éa única que cita.
Da definição de cavide, dada por êste douto lecsicógrafo eescritor de há dois séculos , s e verá quam infundada é a explicação do vocábulo proposta por Santa Rosa de Viterbo e queacima transcrevi :— «He nas estribarias h uma taboa pregada ema parede , em uns buracos da taboa metidos huns paos , paranelles pendurarem os freios » (Voc . PORT . E
Esta definição é exactíssima, e a aplicação do vocábulo, ou ,
melhor d ito, da armação que êle des ignava, a outros u sos e posterior .
Desviados por inaceitáveis os dois étimos apontados , c ap itulum , que tem sido O mais admitido, e cavidado que ninguémaceitou a Viterbo, teremos de ir bu scar a outro id ioma, dos queministraram palavras ao lécsico português , um étimo plausível ,se não perfeitamente justifi cado.
Ninguém ignora que existem na nossa l íngua uns m il vocá
bulos de procedência arabica, demonstrada principalmente porEngelmann e Dozy [GLOSSAIRE DES MOTS ESPAGNOLS ET PORTUGA IS DERIVES DE L'ARABE, Leida, de grande parte dosquais já havia sido averiguada por João de Sousa e José deSanto António Moura [VESTIGIOS DA LINGUA ARARIOA Eu PORTUGAL] 4
. Deve haver , há com certeza, número maior dêles ,abstraindo mesmo dos nomes próprios de lugares , incluídos emgrande cóp ia no lécsico dos arabistas portugueses , mas excluídosdo Glossário que citámos , e que até hoje é o trabalho mais completo e mais bem feito que existe nesta espécie , visto que O deEguilaz y Yang uas ª
apenas lhe leva vantajem no grande nú
mero de abonações .
Nas minhas peregrinações pelos nossos vocabulários talveztenh a ensejo de avolumar a parte arábica do nosso lecsico.
1 Lisboa, 1830.
GLOSARIO DE VOCES ESPANOLAS . DE ORIGEN ORIENTAL , Granada, 1 886.
Ap ostilas aos Di c ionári os Por tugueses 5
Existe em árabe um radical , Q-R- D, o qual tem como signifi
cado principal « agarrar, pegar em qualquer cousa », e que, com
a 2ª letra duplicada, Q-R—D ,
quere d izer « apanhar e pôr departe conforme o Dicionário arábico—francês de Belot Aí vemosum substantivo derivado, M&QBÍD , com o signifi cado de man ch e,p oigné e, « cabo, punh o, pega »
. São os p au s da definição de Bluteau . Outro derivado do mesmo radical , QaRDa, com igual signifi
cação, encontra—se no Dicionário francê s—arábico de C h erbonneau 9,
e não explicaria o nosso cabide ; mas no dicionário arábicofrancê s do mesmo autor 3 encontramos MiQRid, plural HaQARiD
manch e , poignée ; anseC reio ser esta a orijem do nosso cabide. Nos paí s es barbares
cos o prefi cso ma é muitas vezes reduzido na pronúncia ao m ,
e poderia ter sido considerado como o artigo por
tuguês indefinido um, separando- se do resto do vocábulo, que
â cou palavra independente : cf. a locu ção uma tu ta e m eia, por
macu ta e meia. 0 b, segunda letra do radical trilítero, modificou—se em v (cf. alcavala, alvaiade, e resultou pois o vocabulo cavide dos nossos antigos escr itores e adm itido por Bluteau , sendo a forma cabide posterior , devida talvez a infi uénciade cabido
, erudita provávelmente (cf. asp ar , em vez d e rasp ar) .
H á uma qu inta ao pé da C hamus ca, cujo nome , pelo menosO popular, é C abide, talvez do C ab i d o ,
e neste nome parece terinfluído a palavra de que trato aqu i .
Na Beira-Alta cabide tomou a forma popular cabido, de queresultou uma forma converjente, ou h omeótropo
5
Beir ute, 1893 , p . 613 , I col .º Paris, 1884, p . 322, col . II .3 Paris , 1 876 , 2 .
ºvol . , p . 91 1 , I col .
V. C aussin de Perceval , GRAMMAIRE ARABE VULGAIRE ,Paris , 1880,p . 1 7 ; e Lerchundi , RUD IMENTOS D EL ÁRABE VULGAR , Tangere, 1 889 , p . 1 3 ,
nota .
5 J á publi cado na REVISTA LUSITANA , VI , 1 900- 1 901 , com leves diverjéncias .
1 86 Aposti las aos D icionár ios Por tugueses
caboclo
É sabido que êste vocábulo designa um índio do Brasil.É dado por F . Adolfo C oelho como termo tupi mas não s eencontra no Dicionário tupi- guarani de António Ruiz de Montoya
º. Eis a sua abonação
— «Ao gentio manso, ou reduzido á civil isação, s e começoudesde logo a denominar cad—boc, que quer dizer— tirado ou pro
cedente do matto, donde nos veio o vocabulo caboco, como aindah oje o pronuncia o h omem rustico ou caboclo, como já o adoptouo portugues brasil ico — 3
cabouco
Além de outros signifi cados, des igna também , no Norte doreino, « e s tr i b o d e p au » .
cabreiro
Emprega—se como adj ectivo, junto ao substantivo queijo,
qu eijo cabreiro, para designar o qu eijo feito de leite de cabras .Em qualquer mercearia s e encontra rotulado com êste nome ; nãotenho porém nota de trech o com que o abone .
cabresto
Nome de um calabre nos moinhos algarvios , e não sei setambém das mais províncias :— « Quando se carece de ferrar ou
1 DICC IONARIO MANUAL ETYMOLOG I C O DA LINGUA PORTUGUEZA ,Lisboa, s/data.
2 VOCABULARIO Y TESORO DE LA LENGUA GUARANI (O MAS B IENTUPI)— Viena—Paris , 1878 , nueva edicion .
3 Teodoro Sampaio 0 TUPI NA G EOGRAPHIA NAC IONAL , S . Paulo,
1 901 , p . 67.
188 Ap osti las aos D ici onár ios Por tugueses
caçamba
É termo brasileiro, que vem definido no NOVO D ICCIONARIOcomo « alcatruz » ; no respectivo Suplemento acrescentam—se maisas seguintes acepções z
— « balde preso numa corda enrolada num
sarilh o ou nora, pára se tirar água dos poços ; (ext.) qualquerbalde ; estribo em forma de ch inela »
Falta ainda outra acepção em que O vocábulo é usado no
Brasil e que vemos no BOSQUEJO DE UMA VIAGEM NO INTERIORDA PARAHYBA E DE PERNAMBUCO meu filho mal accomodado
na sua caçamba, á moda do paiz : tosco caixote de madeira, forrado, sobre uma das ilhargas do animal , e equil ibrado por egualcaixote , collocado na outra ilharga e tarado com carga » —1
.
cachalote , cach olote, caixalo'
te, queixalote
Este termo, O francês cachalot, aportugu esado artificialmente ,designa um cetáceo, com dentes , e daí provém provávelmente onome . H . Stappers
º dá - lh e como orijem o castelhano cacha lote,
que é , sem dúvida, o catalão qu ixalot, dem inutivo de qu ixal,ouentão caixal, que se pronuncia como a palavraportuguesa queixa l, e tem a mesma signifi cação, isto 6, « dente o que
em castelh ano s e diz mu ela .
Em português da—se—lh e também a forma cacholote, que J.
Inácio Roquete inseriu 3, e que parece ser uma apross imação ao
vocábulo cachola, cabeça de peixe
1 in O SECULO de 8 de julho de 1900.
D ICTIONNAIRE SYNOPTIQUE D'
ETYMOLOG I I FRANÇAISE, 2 .
ªedição ,
Paris , s/data.
ª D ICTIONNAIRE PORTUGAIS-FRANÇAIS , Paris, 1 855 .
Apostilas aos D ic ionár ios Por tugueses 1 89
cacharolete
Palavr a muito conh ecida, como termo de botiqu im , e jareji stada no DICCIONAR IO C ONTEMPORANEO. que a define com
exactidão— « beb ida alcoól ica formada pela m istura de d iversoslicores Eis aqui uma abonação do seu emprêgo z 0 Termo,0 C ollares , o grog e o c ab az , o c ac h ar o l ete e o ger ip it i , ouos seus equivalentes , não servem lá » [nos bailes da Opera, emBruxelas]E uma nomenclatura completa de venenos , principalmente
quando tomados em lojas de bebidas .
cach o
Esta palavra, a que o NOVO DICCIONAR IO atribui or ijem in
certa e o D ICCIONAR IO MANUAL ETYMOLOG I C O uns étimos mu itoprõblemáticos, foi por Frederico Diez º considerada romanizaçãoh ispânica do latim c apu l u s , « punhado, manch eia »
, mediante aforma c ap tu s , comparando—o a an cho am p l u s . Todavia, j ápor J . Leite de Vasconcelos foi ponderado que dos grupos latinosmediais - c l -
p l—tl -f l só resultou em português e castelhano
ch , quando êsses grupos estavam em latim precedidos de con
soante , como, por exemplo, em mach o m a s c”lu m , en cher ,
(h)en ch i r im p l e r e , in char inflar e , etc .
Na realidade , uma excepção aparente , ca ch - orr o, não provémde c at
'l—u s , pois é metátese das duas primeiras sílabas do vas
conço chaeu r , deminutivo de çacu r , « cão ». C atu l u s , pois , de
veria produzir ca lho em português , caja em castelhano, comovetu lu s deu velho e v iejo, m an u p lu m , molho e manojo,n ova c la , navalha e navaja, etc .
1 D IARIO DE NOTICIAS , de 20 de fevereiro de 1 903 .
ETYMOLOGISCHES WORTERRUC H DER ROMANISCHEN SPRACHENBonn , 1 870, I I , b .
1 90 Aposti las aos D i cionár ios Por tugueses
Não obstante esta ponderosa circunstánc ia, é ainda c ap u lum
o étimo que, por emquanto, apresenta maiores probabilidades , aomenos para o português cacho . O próprio Leite de Vasconcelos ,que formulou a lei, não h esitou em derivar cachei ra de cap ula r i a e cacheir o de c ap u la r i u m
4. Outro tanto não direi para
O castelhano cacho, ao qual corresponde , segundo parece , o português caco c al c ul u s .
Além de outras acepções da palavra portuguesa cacho, ja re
ji stadas nos d icionários , tenho a acrescentar uma, a de « espiga
de trigo depois de esbagoada », a qual lhe é dada no Riba-Tejo,
como estou informado por pessoa fided igna, que a empregoudeante de m im , e preguntada, assim ma explicou . Esta acepçãorelaciona—se com outra usada no Alentejo, dada no NOVO DIC C IONARIO , da qual é variante ; e que vem a ser espigas ou réstias
de espigas, que resistem á primeira debulha e que se juntampara formar eir as de cachos »
C achor r o designa vários obj ectos , com Significados já apontados nos d icionários , e um deminutivo no plural , cachor r inhos ,é nome que se dá no Riba—Tejo a « h erva moleirinha » (fum ar ia
o ffi c inal i s ).
cachola; cacholeira
Em Lisboa designa o primeiro destes vocábulos « cabeça », e
principalmente « cab eça de peixe » . Em castelhano cholla é um
termo chulo que Signifi ca sómente « cabeça de genteParece h aver relação entre os dois vocábulos ; todavia não é
fácil de explicar a primeira sílaba da palavra portuguesa, cujoétimo, bem como o da castelhana, é desconh ecido.
C acholei ra, que Só mu ito a medo s e poderá considerar comoderivado de cachola, pelo menos no sentido que damos a êstevocábulo, é O nome pelo qual é conh ecida uma casta de chou
1 REVISTA LUSITANA , I I , p . 3 1 .
1 92 Ap osti las aos D icionár i os Por tugueses
cacimba, cacimbo
O primeiro destes vocábulos tem duas acepcõesC omo termo da África Portuguesa, tanto Ocidental , onde se
orijinou , como Oriental , para a qual foi levado pelos portugueses ,é , como define o NOVO D ICCIONARIO ,— « pôço que recebe a ág uapluvial , fi ltrada por terrenos circumjacentes , e da qual se servemas povoações » Neste sentido é o quimbundo qu ix ima, (e não,qu i ch ima, como está escrito no dito dicionário):— «A ilha dos
Elephantes . dista 1 8 m ilhas de Lourenço Marques . A águaque bebem [os leprosos da gafar ia, e não, gafeira, como s e intitulou , pois êste vocábulo é o nome da doença] é fornecida porcacimbas »C omo s e vê , trata- s e da África Oriental .A s egunda acepção, « ch uva meúda »
, é mais u sada no C onti
nente do que na África Ocidental, onde lhe chamam de preferencia cacimbo.
É naturalmente outro vocábulo diverso, mas não sei d izerqual . Veja—se cach imbo em tabaco.
cacique , cacico, caciqu ismo
Esta palavra, de orijem americana, caribe , segundo se afirma,que em castelhano denota « cab eça de tribo »
, e de uso raro emportug uês . No entanto vemo- la empregada com referência ao
Brasil no segu inte trech o do BOSQUEJO DE UMA VIAGEM NOINTERIOR DA PARAHYBA E DE PERNAMBUCO º
z— « C arirys , raçaindolente , sem embargo essencialmente bellicosa, o
eram . os tabajuras e os petyguares , a que pertenceram al
guns c ac i q u e s alliados dos portuguezes , como o celebre C amarão (Poty) »
1 JORNAL DAS COLON IAS , de 24 de julho de 1 905 . V. gafo.
in O SECULO , de 1 7 de junho de 1 900.
Aposti las aos—D icionár ios Por tugues es 193
É prefer ível o emprego dêste vocábul o ao de chefe, que emtal sentido é galicismo, conquanto mu ito generalizado j á. para s epoder desterrarBluteau reji stou outra form a do mesmo vocábulo, cac i co
ignoro s e foi por aportuguesamento arbitrário, ou porque ass ima encontrou também em castelhano.
O termo cacique em Espanha designa um influente eleitoralque exerce pressão e domínio em certa rejião, e dêle se derivoucac iqu i smo ; ambos os termos j á de Espanh a passaram a Por
tugal .
caço ; cacete
Este termo, correspondente :
ao castelhano cazo, e cujo derivado deminutivo caz uela produziu O portuguê s caçou la (cf. lentejou la e len tejuela, tijok e teju elo), des igna « colh er de con
cha » no Al entejo, e provávelmente em outros pontos do reino,visto que o NOVO DI C C . rejista a palavra, sem limitação. Eo ins
trumento que os espanh óis denominam cu char ón ,aumentativo
d e cu chara,
« colh er » .
A orijem do vocábulo caço, que também fi g ura em toscano,cazza e cazzo é duvidosa.
O cazzo italiano, que, além de outras acepções ob soletas , temum signifi cado obsceno, deu tal vez orijem ao verbo portuguêscaçoar , o qual , como mangar , foi também termo obsceno, masse vulgarizou, obl iterando—se a signifi cação imunda que tinha.
No entanto, é conveniente que, a cautela, qu em quere usar limpal inguajem evite O emprego de qualquer destes dois verbos , oudos seus derivados , substitu indo—os por zombar , escarnecer , mo
tejar , cha laç(e)ar , etc .
De caço,no sentido de moca »
, vem provávelmente a palavracacete, e não do francês casse—tête.
VOCABULARIO PORTUGUEZ E LATINO , Suplemento .
1 9 l Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
Esta palavra, que, sem a menor dúv ida, tem por or ijem o
grego KATA, o qual j á aparece no latim dos escr itores eclesiásticos , no mesmo emprego que tem em portuguê s e castelhano,verbi gr atia,
na locução da Vulgata, c ata m an e , cada manh ãé uma verdadeira prepos ição invar iável , e não adj ectivo comoos gramáticos a classifi cam e como o é o francês chaqu e, ou o
italiano qualche. A prova é que se u sou antigamente antesde nomes no plural , como por ex emplo nesta frase — « cadahuns tinham seu senh or »
1
gentes darmas que cada h úusdariam — º
.
Emprego be in evidente de cada como prepos ição é o seguintetrech o castelhano, do título XXV I da Partida II :— «Et por esteson llamados quadrilleros [em portuguê s co ir eleir os , quairelei
r os ; qu adr i lhei ro é castelhanismo] ; porqu e cada uno dellos h ande saber las h erechas que cayeren en la su quadrilla » — 3
E claro que o suj eito gramatical do verbo han (e não, ha) éO substantivo plural qu adr i lleras , e não O pronome s ingular u no ;portanto o pronome não é aqui cada uno, mas Sim u no sómente ,governado pela preposição cada .
Em antigo toscano encontra- se catuna equ ivalendoao moderno c iascuna, O que confi rma aquele étimo, propostopor D iez e aprovado por todos os romanistas .
Ainda h oj e , valendo por advérbio, se emprega cada em fraseselípticas , como a que vou citar, é que, a meu ver , é um tri
'1 ROTEIRO DA VIAGEM DE VASCO DA GAMA , L isboa, 1861 , p . 3 7.
º Rui de Pina, CRON ICA D E EL-REI DOM AFONSO v, I , cap . LX .
3 Julio Puyol y Alonso , UNA PUEBLA EN EL SIGLO X II I , in « RevueHispan ique XI , p . 288 e r e c h a llaman en Espafi a á las emiendas que los
homes h an de rescibir por los danos que resciben en las guerras » [ ih . n] .4 Versão toscana do L IVRO DE MARCO PAULO VENETO , Milão , 1886,
1 96 Aposti las aos D icionár ios Por tugueses
cadafalso
Este vocábulo é h oje usado quas i exclusivamente na acepçãorestrita de « patíbulo »
.
Antes , porém , signifi cava um estrado alto, armado em praça.
,
para actos solenes » .
Nas ilhas dos Açôres designa cadafalso uma casa, destinadaàs festas do Espírito—Santo. São os c ad afal s o s geralmente s ituados em sítios chamados ramadas , porqu e se adornam com fron
des e ramos .Neste sentido vemos O vocábulo empregado no seguinte tre
ch o — « exp1ica a camara que cadafalso nos Açôres é o pequenoedificio, também ch amado th eatr o , onde se armam alguns imp er i os do Espirito—Santo
Veja- s e imperio.
cadeira
Além das várias acepções reji stadas nos d ic ionários para estapalavra, vemos no jornal O ECONOMISTA , de 5 de agosto de 1 885 ,que na África portuguesa designa uma— « arvore de onde se extrah e borracha
cadelo cadêlo
Esta palavra é definida como « cão pequeno » e procede deum deminutivo ca te l lu m , por c atu l u s , sendo a forma masculina correspondente a feminina cadela=cadé la, com a metafoniau sual em português ; cf. canêlo e canela. Além dêste s ignifi cado,O NOVO DICCIONARIO dá- lhe mais o seguinte , como termo minhoto z— « cruzeta de pau , prêsa ao adelh ão e sacudida pela móem movimento » Neste sentido parece ter sido empregada na
1 O SECULO , de 8 de julho de 1901 .
Aposti las aos .D ic ionár ios Por tugueses 1 97
rev ista P or tu gal ia no seguinte trech o :— «Este [o tabul eiro]inclinado sobre o olho da mó , é posto em movimento por umpausinh o circular
,O cadello »
E um dos mu itos nomes de animais apl icados a obj ectosv . em burro.
cad ilho, cadilha
C omo é sabido, cadi lhos e termo mu ito conh ecido e há mu itotempo para designar uma espéc ie de franja, ou guarnição entrançada e pendente . O femenino cadi lha parece ter s ignificado anã
logo aquele com que se define a prime ira acepção de cadi lhos
nos d ic ionários , isto é , — « fios do urdume que não levam trama,e formam no final da teia uma como franja » — º
. Na revistaP o r tu gal ia 3 lê- se z O desenvolvimento dos fios [da urd idura]até este torno do conjuncto (cadi lha) de fi os tem o nome des ignal »
Um exemplo antigo do emprego de cadi lhos , como s ignificando certa guarnição, pode ver—se em bedem.
cafaj este , cafazeste
0 NOVO DICCIONAR IO reji sta a primeira destas formas , definindo- a do segu inte modo : h omem de ínfimacond ição ; indivíduo sem préstimo » No Suplemento, porém ,
acrescenta esc [olar]) aquelle que não é estudante e que, em C oimbra, se denomina fu tr i ca » Na pr imeiraacepção vemo—lo empregado no BOSQ UEJO DE U MA VIAGEM AOINTER IOR DA PARAHYBA E DE PERNAMBUCO ª º
« C onh eço esse
1 I , p . 3 87 , MOINHOS .
DI C C . CONTEMPORANEO .
I , p . 3 74 .
in O SECULO , de 1 7 de junho de 1 903 .
N)
«L'—Gf»
1 98 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
vaqueiro. E um D . Juan dos meus s itios ; caf azeste de marca;exemplar de anth rOpologia Ladrão de mulh eres »
Por ê ste trecho fi camos sabendo que o e da sílaba tónica éfechado. Ignoro absolutamente a orijem do vocábulo, que, apesarde bras ileiro e desconh ecido enteiramente em Portugal , não temaspecto de ser nem abanh eenga ou de outro id ioma de índios daAmérica do sul, nem tampouco oriundo de qualquer das línguasafricanas , cafriais ou outras .
0 extravagante nome que em portuguê s s e dá a êste batráquio, e que os pudibundos escritores modernos velam ,
para o
d isfarçar , com uma in icial grega, hágado, não figu ra em outro
idioma, nem com esta forma, nem com qualquer que com ela separeça, a não ser em japonês
, ond e o vocábulo háu azu s ignifi ca,s egundo Hepburn i — «frog (rã), toad (sapo) » Ora no nortede Portugal o c á gad o é chamado sap o cone/i o, isto é , « d e con
cha ».
A palavra cágado ja figura em G il Vicente , no «Auto das
Fadas » (sortes)
C ágado Quem tiver êste animal
Não é muito que O leixe,
Pois não é carne nem peixe.
Portanto, a não ser mera coincidência como tantas outras ,foi O nome ' levado de cá para O Japão, com mais alguns poucosvocábulos , e não de lá trazido como outros , tais biombo, qu imáo, catana (q. e pou cos mais .
Não sei com que fundamento O coordenador do LIvRO DA
1 A JAPANESE-ENGLISH AND ENGLISH -JAPANESE D ICTIONARY.
Tóquio , 1897 : em letra romana.
200 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
cagarra
Na Ilha da Madeira é sinónimo de p ardela, (q.
É o particípio passivo do verbo cai r , substantivado no fe
menino e h oj e quasi desu sado, porque se contraiu em qu eda,
como mes tre de m ag i s tr em , caen te em qu ente, acaecer emaquecer , no sentido em que antigamente era empregado, de« acontecer »
, e bem assim no de « aquentar » acalen tar , que
subsiste em outra signifi cação, e deve de ser castelhanismo, emrazão da manutenção do l medial .
Dizemos todavia descu ida, r ecaída, formas derivadas nas
quais s e não deu a contracção de aí em e.
caijeira
Este vocábulo u sado em Arcos—de-Val-de-Vez , apontadoja no Suplemento ao NOVO DICCIONARIO , atribuindo- se - lh e aí
como étimo provável ca lijem,foi j á explicado perfeitamente por
J . Leite de Vasconcelos como procedendo de c al ig in ar ia c a
l igo , c al i g in i s . As formas interméd ias ser iam c a l ig i a r i a ,
caijai ra, caiyei ra .
Este nome próprio é empregado como apelativo na ilha deSam Miguel , no sentido de «mau homem »
, como vemos declarado no jornal O SECULO
,de 5 de julh o de 1 901 .
1 REVISTA LUSITANA , IV, p . 275 .
Aposti las aos D ic ionár ios Por tugueses 201
C ostuma escrever- se esta palavra com h med ial , a desunir asduas vogais a e i , e não porque seja nela organico, etimolójico.
O vocábulo é turco, QAIQ , conforme Marcelo Devic , no Supl emento ao d icionário frances de Emilio Littré aí vemos definida esta palavra do seguinte modo : petite embarcation en usage dans l
'
Ar ch ipel et a C onstantinople »
Bluteau não rejista o vocábulo, e d ifí cil s erá dizer h oj e quandoêle entrou na língua e por que via, para se tornar vulgarí ssimono Algarve , a não ser que ch egasse lá por interméd io dos mourosdos paí ses barbarescos .
Dozy ª define dêste modo O vocábulo, que não inclu iu no
Glossário de palavras espanh olas e portuguesas derivadas deárabe 3
, o que parece exclu ir a minh a h ipótese — « embarcaçãopequena, usada no mar Negro. É a palavr a turca lcái'lc, a qualpassou a muitas outras línguas ; veja- se J al , G lossair e Nau tique,
sub v . cai o, cai co, cai g, caique . Em C onstantinopla é o caique
uma embarcação bonita e lijeira, com um ou mais remeiros , emu ito comum ; aos particulares não é permitido guarnecê—la com
mais de cinco remeiros ; os m inistros do Sultão, e os embaixado
res estranjeiros podem empregar sete remadores »J . Inácio Roquete no d icionário português- francês 4, não sei
com que fundamento, traduziu cai qu e, por— « guatche, petit bã
timent du Tage , de la côte de Portugal et de la Manch e »
entanto que Littré define quaich e, como sendo— « petite embarcation des mers du nord » —5
, mandando pronunciar hecho.
DI C TIONAIRE ETYMOLOG IQUE D ES MOTS D'
ORIG INE ORIENTALE,
Par is, 1876.
º OOSTERLING EN , Haia, 1 867 , p . 46, em holandês.3 GLOSSAIRE DES MOTS ESPAGNOLS ET PORTUGAIS DERIVES DE
L'
ABABE , Pari s, 1 869 .
ª Par is, 1 855 .
5 D ICTIONNAIRE DE LA LANGUE FRANÇAISE , Pari s, 188 1 .
202 Ap osti las aos D i ci onár ios Por tugueses
cairo ; C airo
Este termo, que designa uma substância vejetal tenacissima,de que s e fazem cordas e calabres , troussemO
—lo nós da Índia,com O Obj ecto que tem êste nome .
É a fibra da cas ca. do côco, e a esta ch amam os malabaresna sua língua hagar , do verbo hay,/ara estar entretecido » .
João de Barros 4, diz que parece feito de cou r o, e , na opiniãodos autores do Glossár io de palavras anglo- índias º, a semelhançados dois vocábulos deve ter contribu ído para a aceitação do primeiro. Todos os nossos cronistas da Ásia fazem menção do emprêgo que desta fibra faziam os índ ios .
Nada tem esta palavra que ver com C ai ro, c idade no Ejiptomaometano, a qual em árab e se chama AL-
QAEIRE (pron. alqáh ira,
a vitoriosa
É vocábulo transmontano e Signifi ca dente canino, colmilhoE o latim can ar i n c an i s « cão »
, conforme J . Leite de Vasconcelos 3 e as formas intermédias h ão de ter s ido caneiro,
cdeiro.
Este termo, designativo de uma moeda asiática, é frequentenos nossos es critores dos s éculos XVI e XVII. C onforme FernámMendez Pinto valia real e meio : duas caixas , que erão tresréis da nossa moeda »
DA ASIA , DÉCADA III , livr o I I I, cap . 7 .
º Yu lo Burnell , A GLOSSARY OF ANGLO- INDIAN WORDS AND PHRASES , Londres, 1886.
3 REVISTA LUSITANA , I I , p . 1 1 6.
4 PEREGRINAÇÃO , cap .. C Ix .
204 Aposti las aos D i cionári os Por tugu eses
mesma substancia vejetal aromática, e sôbre estes dois vocábulospode consultar—s e o VOCABULARIO de Bluteau , onde também serejistou a forma calamba .
Garcia da Orta escreveu calambac : —« C hama—se agalugem
e haud em arabic ; e os Guzarates e Decanins u d, que é casi o
arab io ; os Malaios gar r o, e estes chamam ao muyto fino ca lam
bac . A arvore é como a ol iveira, e ás vezes muyto maior ; fruitonem frol não lh e sey
Veja—s e sôbre esta essencia aromática o erudito comentáriodo C onde de Ficalho, a paj. 60—65 da ed ição dos C OLOQUIOS ,c itada em nota. Outro nome do c h e i r o s o p au era aqu i la, vo
cabulo cuja acentuação e duvidosa, e que s em dúvida proveio,como supõe o douto comentador , das formas indicas agar , agi r ,ag i l, mod ificações do sânscr ito AG uRu ,
— « que os árab es con
verteram'
em agaladjin [AYaLAG IN ] (« agalugem » de Orta) »Pela forma arábica da palavra se vê '
que a acentuação tem deser aga luje
'
m,e não, aga lujem . Mas será agalugem êrro tipo
gráfi co por aga lugem?
Pelo contrário, a forma sanscrítica AG uRu, com o u breve ,aconselha—nos a acentuar agu i la, o que expl ica a confusão quese deu entre êste nome e a palavra latina aq u i l a,
« águia », e
motivou a extravagante denominação inglesa eag le-wood.
0 DICCIONARIO C ONTEMPOR ANEO , conforme o seu costume ,atribui a esta palavra um étimo extravagante : diz—nos que provém de cala ao . Que será êste cala, e mais êste do é o que,se não fi ca sabendo, e cada um suporá o que mais lh e agradar ;mas pode conj ecturar—s e que, visto calar querer d izer— « não
falar » e— « áo, sufi cso subst. derivado de verbos » —denotar
COLOQUIOS DOS SIMPLES E DAS DROGAS DA IND IA , I I, Lisboa, 1892 ,p . 58 .
[OOc
u
Ap ostilas aos D i cionár ios Por tugueses
acção, segundo o mesmo d icionário, calã o deve signifi car « a
acção de não falar », convém saber , « de estar calado » . Bonita
etimolojia !
Na realidade , calã o e o caló espanh ol , que designa « o ci
gano » (plural cale'
s , femenino calli , pl . callias) e o dialecto délesna sua própria linguajem .
O caló concorreu bastante para a formação da j iria portuguesa e castelhana. Sôbre ê ste obj ecto vejam—se as seguintesobras : F . A. C oelh o, OS CIGANOS DE PORTUGAL , e Rafael Sali llas , EL DEL INCUENTE ESPANOL, EL LENGUAJE
Outra acepção de caldo, que deve ser vocábulo d iferente ,vemo- la no seguinte trech o :— «As mangas partem da boca dosaco [rêde], em posições oppostas . d im inuindo . na ponta .
ou caldo º
calceta, calcetar , calceteiro
O NOVO D ICCIONARIO define ca lceta como sendo grilh eta,argola com que se prend ia a perna do condemnadO » e também— « o condemnado a trabalh os forçados »
O vocábulo ca lceta parece ter orijem castelh ana, sendo provávelmente O termo de germania, ou j iria de malfeitores espanh óis , calza,
« grilh eta », corrente com que se prendem os en
carcerados ; na mesma j iria ca lcetero é o nome que os pres id iáriosdavama quem prendia essas correntes aos pr esos 3
.
Os galeotes, a que me referi no artigo braga, eram tambémdenominados simplesmente gr i lhetas , por alusão a cadeia que os
acorrentava. Em malaio, pelo mesmo motivo, ch amam- se o'
rar n
—ran te, « gente (de) grilh eta », e esta denominação designa, por
1 L isboa, 1892 ; Madr id, 1 896 .
º Fernández Tomás, A PESCA EM BUARCOS , inPo r tu g a l i a , I , p . 15 1 .
º Rafael Salillas, EL DELINCUENTE ESPANOL , EL LENGUAJE , Ma
dr id, 1896 , p . 276.
206 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
amplificação de sentido, nesta lingua um qualquer « preso emcadeia pública »
.
Em meados do s éculo passado OS gr i lhetas ou calcetas,
acorrentados a dois e dois por uma cadeia de ferro (grilh eta), deuretre e meio de compr imento, presa a perna por uma argola
(calceta ou braga), eram ocupados em ranch os no calçamentodas ruas , e foram êsses ranchos que, por desenh o e d irecçãosuperi or do general C ándido C ord eiro P inh e iro Furtado, governador do C astelo de Sam Jorj e , ex ecutaram o formoso mosaicoda Praça de Dom Pedro, ou R o s s i o de Lisboa ; foram êles os
calceteir os , e tanto êste nome , como o verbo ca leetar e «seusderivados , calcetamen to, calcetar ia daí procedem .
Muitos dess es indivíduos , cumprida que foi a pena, con
tinuaram a exercer essa profi ssão, em que tam peritos s e Inostraram .
A tradição perpetuou—se , aperfeiçoando- se , e h oj e em dia esseofí cio é tam h onrado e tam h onroso como qualquer outro ma
nual , e tem—se d ifund ido em mu itas outras c idades e vilas dore ino.
caldeiro, caldeirada, caldeireiro
Eis aqui abonações destes três vocábulos , em sentidos especiais :
Para que a duração das redes seja maior , u sam os pescaderes mergulhal
—as ul
uma infusão de casca de salgueiro, paraO que possuem . grandes vasos de cobre (caldeiros), onde as
redes são mettidas —1— « Da outra parte [da pesca] que pertence aos pescado
res que formam a companh a, tira—se um terço para a cal
de irada . E o pe ixe reservado para as refeições dos pescadores — º
1 Po r t u g á l i a , A PESCA EM BUARCOS , I , p . 1 53 .
“2 i b. p . 154 .
208 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
No Alentejo êste termo signifi ca uma extensão de terrenoarjIloso, encravado entre outras formações . É ev idente a orijem
do termo : destaca- se , por d iferença de aspecto, êsse retalho entreOs terrenos c ircunjacentes , como um calo realça na pele . C omparação análoga, mas com relação a dureza, levou a aplicar- se amesma denominação a « grossura de terra, entremeada e presapelas raí zes das varas , que s e forma em tôrno das v ideiras ques e cortaram na poda »
, sentido êste j á consignado no NOVO DICC IONABIO .
calombo ; car imbo ; carcunda
C alombo no Minh o s ignifi ca « abóbora ». O NOVO DIC C IONA
RIO diz—nos que como termo brasileiro quere d izer— « tumor , inch aço duro em qualquer parte do corpo » e atribui- lhe emdúvida orijem africana. O aspecto é na realidade cafrial , mas
o vocábulo não parece qu imbundo, pois nesta língua calombo
quere d izer « mulh er infecunda »,conforme Joaquim da Mata
Não seria pOrém d e estranh ar que O fosse , pois esta e outraslínguas bantas m inistraram e ainda ministram copioso vocabulá
r io a nossa.
O preficso ca e deminutivo em quimbundo, e a palavra,mu ito usual car imbo é s implesmente o deminutivo de qu i r i
'
mba
« marca »º, como car cu nda é o quimbundo car i cunda, « cesti
nhas » , « o das costas » , e significa « quem tem as costas defeituosas » e o próprio defeito.
1 ENSAIO DO D ICCIONARIO KIMBÚNDU-PORTUGUEZ , Lisboa, 1893 .
º i b. sub voc . kir imbu.
Apostilas aos“
D ici onári os Por tugueses 209
calote
Este vocábulo, no sentido de « dívida não paga », parece ser
o francês cu lotte, como termo de jôgo do dominó , o qual designaas pedras com que cada
' parceiro fi ca na mão, por as não podercolocar » .
Também se diz naquele sentido cau r im, (q.
caluete
O NOVO DICCIONARIO rejista como inédito êste vocábulo, queescreve calvete, O que é êrro manifesto, pois e vemos escrito nos
nossos cronistas da Ásia tamb ém caloete, e é sab ido que do 0 ses erviam dantes , em caso de dúvida, quando o u
, que na forma,quer escrita, quer impressa, se confund ia com O v, 'Se poderia lêrcomo h oj e lemos êste . E sab ido também que o v era o desenh oinicial , u e medial e final da palavra, tendo ambos promíscuamente os dois valores , e sendo o II para o da vogal u a mendosubstituído por 0 , se fi cava no me io da palavra, pelo exped ientegráfi co hu, principalmente se no começo dela: hu ivar , por exem
plo, assim diferençado de viver ª.
O termo é malabar ka lu elclci , e d esignava o instrumento d eum suplí cio atroz , descrito por Fernám Méndez Pinto, nos segu intes termos :— « porém O moço foi espetado v ivo em um cá
luete de '
arrezoada grossura, que lhe m eterão pelo sesso, e lh esah io pelo toutiço »— º
Para se ver quanto os nossos escr itores eram escrupulososem representar , conforme a ortografia do seu tempo, os nomes evocábulos peregrinos que intercalavam nas suas relações e d es
1 V . , do autor , ORTOGRAF IA NAC IONAL , L isboa, 1 904, p . 61 , 99 , 108 ,
2 15 e 218 .
“2 PEREGRINAÇÃO , cap . CLXXVII .
210 Ap osti las aos D i c ionár ios Por tugueses
crições , cumpre advertir que o vocábulo malabar, que na letrada terra se escreve kalu eklci , é pronunc iado káluêttiBluteau ortografou tamb ém erroneamente calvete, pelo quê se
fica sabendo que antes do Nôvo D iccionario j á a palavra h aviasido rejistada.
Repito que a escrita caloete tira todas as dúvidas, mesmoque não soubéssemos pelo seu étimo, como sabemos , que al i o u
não tinha o valor de mas de u vogal .
camach eiro
É termo usado no Funch al , com a'
signiii caçao de « ventoleste »
. A orijem desta denominação é evidente . C hama- se- lh eassim porque êsse vento s0pra ali do lado da freguesia de C ámacho, capela de Santa C ru z, fora da c idade . C f. (vento) p almelão P almela, o sueste no Tejo.
cama—quente
« Dá—se em h orticultura o nome de cam a q u ente a tôdo
o amontoado de adubo constituído por fôlhas sêccas ou detrictosvários próprios pára entrarem em fermentação e desenvolveremcalôr » — º
cámara, camarim , camarinha, camarote ,belich e , caramanch ão
O termo camar im ,derivado do ital iano camer ino, significa
nos teatros portugueses , como nos de Itál ia, o quarto em que os
1 Yule Burnell , A GLOSSARY OF ANGLO-IND IAN WORDS , Londres ,
º GAZETA DAS ALDEIAS , de 20 do agosto de 1 905 .
212 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
Outra palavra composta, não derivada, de cámara é caramanchão, de camaran ch ão, com metátese das sílabas méd ias ,formado de cámara an cha, com el isão do a hnal de cámara, emudança de género gramatical : cf. mu lherã o, substantivo masculino, aumentativo do femenino mu lher , casão, masc . , de casa,
femenino.
A palavra cámara, que deu avultado número de d erivados
em todas as línguas románicas , é o latim camera, camãra, do
grego KAMÁBA .
camba, cambo, cambal , cambeira, cambeirada, cambada,cambulh ada, cambulh ão
O NOVO DI C C IONÁBIO , no S uplemento, incluiu a palavra cambei r as , com a seguinte definição : da Bairrada), a farinhamais li na que, nos moinh os de água, se evola da mó , poisandonas paredes e obj ectos c ircunjacentes »
Acrescenta um derivado cambeirada, como tamb ém pertencente ao vocabulário daquela rejião, definindo—o— « arremessode cambeiras ou enfarinhadela com cambeiras , nos folguedos doentrudo ; . pequena porção de farinh a »
gPorque se ch ama, porém , cambeira, ou cambei ras , a essafarinha fi ní ss ima?
No corpo do d icionár io incluiu—se o termo cambal, assimdefinido — « resguardo de pano, madeira ou farinha, para que senao espalh e a farinh a que se vai moendo »
Bluteau disseraz— « Gambais chamao os Moleiros a farinha(segundo imajina quem mo d iss e) que poem em roda da pedraque moe, como r eparo da que se está moendo ; ou são umas taboinhas , que pela mesma sorte se poem »— l
A palavra deve provir de camba, a que o mesmo d icionário
1 VOCABULARIO PORTUGUEZ E LATINO , Sup lemento
Ap osti las aos D icionár ios Por tugues es 2 13
da as seguintes defi nições z— « peça curva das rodas dos carros ,pina ; nesga; (aut.) moinh o de mão ; pequena cambota »
C amba parece derivar- se do latim c amp e , termo grego ques igniti cava curvatura
0 ELUC ID ARIO de Santa Rosa de Viterbo diz- nos que antiga
mente camba era :— « moinho pequ eno, m ol in h e i r a, moinh o demão >— e canibal— « a farinh a, que faz labio na mó debaixo »
Na monografia MOINHOS vemos o segu inte trech o em que
se descreve o que são cambeir as :— < por sobre estes [os ar r e
dores , q . v .] assenta . um anteparo de madeira, a que dão 0
nome de cambeiras »
C reio ficarem assim bem estremadas , com as citadas definições e com ê ste trech o, várias acepções das palavras camba,camba l
, cambei ra,cambeirada . De camba e cambota há cla
rissimas definições no D ICCIONAR IO C ONTEMPORANEO .
C om relação a. cambada,enfiada de coisas penduradas no
mesmo ganch o, cord el , etc ., como declara êste último d icionário,
parece ser um derivado colectivo de camba, cambo, porque taisobj ectos , fazendo peso, obrigam o cordel , vara, etc .
, a curvar- se ;ou de cambo
, que signifi ca « enfiada, vara (curva, geralmente desalg ueiro) » C ambada,
« sucia », tem a mesma or ijem .
Outros derivados são cambu lhada, cambu lhão, que pressu
põem uma forma cambu lho , ou cambu lha,da mesma orijem .
cambola
No « Jornal das C olonias », de 27 de maio de 1905 º encon
tra—se êste termo, próprio da África Oriental Portuguesa, pertencente ao vocabulário das línguas bantas , e que assim é ali definido « corda feita com fibras vejetais »
.
in P o r tu g á l i a , I , p . 386.
º CAMPANHA DE BARUÉ EM 1 902 , relató rio ofi cial .
2 14 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
cambolar , cambolação, cambolador
NOVO DI C C IONÁRIO traz o segundo destes vocábulos , coma signifi cação de engajamento de com itivas de carregadoresdo interior da África »
0 étimo de cambu lhada, que em dúvida lh e dá , é inadmissivcl .
,Tanto o segundo como
'
o terceiro vocábulo pressupõem um
verbo cambolar , que não é mais que o aportuguesamento doverbo quimbundo cu combola, « negociar , trafi car »
, de que se derivou o substantivo cambolador , correspondente ao qu imbundor i tombo « negociante »
.
caminh eira, caminh ão
O NOVO DI C C IONÁBIO rej i sta como provincialismo o vocábulocaminhã o, no sentido de « carro do quatro rodas » .
Outro sub stantivo, do mesmo modo derivado de cam inho,
é nome apli cado a uma espécie de locomotiva, como se vê dotrech o seguinte :— «Há d ias effectuou—se em Inglaterra a eXpe
ricucia d'uma cam inh e i r a para o Soldão [al ias, Sudão] . C om
um carro atrelado levando dentro mais d'uma tonelada de peso,a c am inh e i r a pegou- se diversas vezes » — º
;— « pessoal e ma
terial relativos ás cam in h e i r as e outras mach inas a vapor » — 3.
camisa—de—onze- varas ; camisão
C omo ja foi explicado na REVISTA LUSITANA 4, esta estranha
denominação qu eria dizer a alva dos padecentes
Héli Chatelain , GRAMMÁTI C A ELEMENTAR DO K IMBUNDU , Gene
bra, 1888- 1 889 , p . 1 21 .— D . Cordeiro da Mata, ENSAIO DE D I C C IONÁRIO
KIMBÚ NDU-PORTUGUEZ , Lisboa, 1893 .
3 JORNAL DAS COLON IAS , de 21 de outubro de 1905 .
ª D IARIO DE NOTICIAS , de 30 de janeiro de 1 906.
4 vol . VI , p . 1 29.
16 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
Um derivado de campainha e' camp ainheir o, que no concelho de Vila—Nova—de-Ourém , e provávelmente em todo o distritode Santar ém , des igna o vendedor de cam p ain h as e chocalhospara gado, na feira, e que anuncia a fazenda tocando alternadamente duas campainh as que empunha, uma em cada mão.
campido ; campo, campina, campinação
É um particípio pass ivo substantivado de camp i r— « fazer a
perspectiva do h orizonte em um quadro como define 0 NOVOD ICCIONAR IO . J . Gomes Monte iro, na C ARTA ÁC EBGA DA ILHADOS AMORES 1
, empregou aqu ele substantivo expl icando—o z— a
confusa d istribu ição dos elementos que entram no quadro, a faltados camp idos , como lh e ch ama Ph ilippe Nunes , isto é os longes ,os ecos , os h or isontes »
O verbo camp i r é de orijem ital iana, camp ir e, como mu itís simos termos de arte . (V. em poltrona).
C amp o, além de muitas outras acepções , que dos dicionáriosconstam , tem uma mu ito especial em portug uês , a de « espaçoonde pode caber alguma cousa, ou algu ém ; eis um exemplo :« custando a acred itar como alli [sala da aud iência do tribunalem Vila—Franca] possa viver [ s ic] umas dezenas de pessoas , no
espaço de algrunas h oras , sem ar , sem campo, entre bancos eOestrados
De camp o se deriva camp ina, e dêste talvez um verbo cam
p inar , que deu orijem ao substantivo camp inação, que vemosempregado por M . Ferreira R ibeiro «
º
n— « As polainas de laçossão as melhores e mais uteis nos trabalh os de c am p inaç ã o ,
passagem de florestas , etc .
1 Porto , 1 849, p. 60.
º O SECULO , de 3 de maio de 1900.
3 REGRAS E PRECEITOS DE HYGIENE COLONIAL , p . 90.
Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses 2 1 7
cana—verde ; cana, caninha, canic inho
O NÓVO D ICCIONARIO inseriu ê ste termo composto, dando- lh e a signiãcação restr ita d e— « canção popular do Minh o »
acepção em que toda a gente o conh ece ; Todavia, no seguinteex certo a locução tem , sem dúvida, outro s ignifi cado, que talvezpossa aclarar o nom e que puseram a cantiga m inhota — « aindahaverá os vinh os , ou ca rm a- verde, produzidos por vinhas doentes
C ana, por « aguardente d e cana de açúcar », vemo- lo empre
gado no s eguinte passo : Dê- nos canna » —º.
C an in ha , como d esignando a cana—doce, ou cana- de - açúcar ,foi assim defi nida no jornal 0 ECONOM ISTA , d e 3 d e maio de 1 89 1— « C onstou que o snr . Brandy mandara vir de Moradnagar ,
Índ ia, s ementes de cana «Alapoor J ovvart » que pertence a uma
casta inteiramente nova e prod uz assucar e aguardente . Diz a
notic ia que res iste mu ito á seca e pode por isso ser plantada emterrenos onde haja falta dº
agua. Não é da famil ia Sargh os , a quechamam caninha. Forma soqueira e dá semente »
O dem inutivo can ic inho, na ilha d e Sam M iguel , qu ere d izermotejo como o vemos muito plausívelmente expl icado no jornal
O SECULO , d e 5 de julho de 1 901 z— Estar com o canicinh o
n'
agua, estar a brincar , a gracejar . Pela forma açor iana se vêque a nossa locu ção « estar com a carinha n
'
água», que realmente
não faz sentido, é corruptela da seguinte : «Estar com a caninhan'água »
, de facil compreh eusão »
Éstas modos de d izer triviais , que s e empregam tendo—se emv ista o teor da frase enteira, e não o valor dos seus elementos ,são mu ito suj eitos a ser deturpados , substituindo- s e qual querdesses elementos por outro, cujo valor fonético seja quasi equ i
1 O SECULO , de 5 de outubro de 1 902 .
BOSQUEJO DE UMA VIAGEM NO INTERIOR DA PARAHYBA E DE
PERNAMBUCO , in « 0 Seculo »,de 1 7 de junho de 1900.
2 18 Ap osti las aos D ici onár ios Por tugueses
valente : e o que aconteceu a outro anexim ,« não s e pescam tru
tas a b r agas enxutas » , onde b ragas é geralmente substituidopor b arb as .
canado
Na Beira-Baixa tem êste nome a « armação de canas ou rã
mos , em tôrno do carro, para conter o estrume »
E um derivado— evidente de cana .
canajeira
É um termo que designanas marinhas uma espécie de pá, queveio fi gurada no j ornal 0 SECULO , de 10 de janeiro de 1 901 .
canastro
Esta palavra, formação masculina correspondente a femeninacanas tra, designa em geral o arcabou ço, a armação, o esqueleto,e nestes s ignifi cados traduz perfeitamente o car casse francês , o
qual só é português, no uso comum , com a forma car cassa, talvezmelhor car caça, no sentido de cousa, pessoa velh í ssima » .
Em sentido especial designa no Minh o a palavra canas tro o
mesmo que esp igu eiro ou can i ço, isto é, um celeiro provisório,o qual consiste em uma construcção levantada sôbre estacas oupegões de pedra, e em que s e arrecadam esp igas e maçarocas ,fi cando a salvo da hum idade e dos animaes daninh os »
canave , cáneve, canaveira
Estas duas formas , a segunda das quais está para a primeiracomo camera para cámara, são os lejítimos derivados do substan
1 Informação do editor , natural de Almeida.
220 Aposti las aos D ic ionár ios Por tugueses
Ao fabricante de candeeiros de metal chamou - se ao depoiscandeeir ei ro . Sou sa Viterbo adverte haver d iferença entre candeeiro,
— « o ofi icial que faz c an dêas de cera,a que h oj e cha
mamos -
r olo » — e cerieiro— « que fazia velas , tochas , e brandões » Al ias , c ir iei r o 2ci r io .
C andeia, no sentido de « vela », foi empregado por Dam ião
de Góis z— « lh e pedirão algumas mercê s , as cartas das quaesassinou, tendo na mão ezquerda a can d e a , e na outra a penacom que ass inava —º
Ainda muito depois escreveu C ardim : pedindo que a h orada morte os ajudem metendo- lh es a c an d e ia na mão » — « fui
benzer as can d e ias á igreja de Homac , conv idando os por
tugueses para a festa » — 3 Ainda h oj e se diz A Senhora das
C andeias .
Outro trech o, que d iss ipa todas as dúvidas , é o seguinte .
« O curioso andor das cande ias foi salvo Este andor era
conduzido na procissão das marafonas ou dos pães bentosO andor ia adornado de v e l las d e cera , que perfaziam o pezodo rolo com que se devia cercar a muralha da cidade [de Guimarães] —4
.
C andi l, de orijem imediata arábica QaND IL, mas remota dogrego KANTALA 5
, signifi ca um candeeiro- de-mão. 0 NOVO DICC IONÁRIO , além desta acepção conh ecida, aduz outra :ph osph orecência das águas
C omo, porém , não está abonada, creio ser informação errada,e que O vocábulo candi l, está por candeia; « luzeiro que se usana caça ou na pesca, para atrair a presa »
.
1 ELUC IDARIO DOS TERMOS . QUE EM PORTUGAL ANTIGUAMENTESE USÁRÃO , L isboa, 1 798 .
º CHRONICA DE EL-REI DOM EMMANUEL , cap . IX .
BATALHAS DA COMPANHIA DE JESUS NA PROVINC IA DO J APÃO ,
Lisboa, 1 894 , p . 23 e 1 62.
ª O SECULO , de 23 de fevereiro de 1 902 .
5 Dozy Engelmann ,GLOSSAIRE DES MOTS ESPAGNOLS ET PORT .
DÉRIVÉS D E L 'ARABE.
Apostilas aos D i cionár ios Por tugueses 221
Quanto a outras acepções de candi l, as pr imeiras que se dãono mesmo dicionár io ;— « medida de capacidade , na Índ ia »
e antiga moeda asiática » — são vocábulo distinto dêste ; deveriaali ser subord inado a inscrição separada, conforme a economiaadoptada nele . Qualquer dessas acepções pertence ao vocábulomalabar handi , que é o marata K
ªaND í
,unidade de pêso de
250 kilos prossimamente A forma portuguesa candi l foi erradamente induzida do plural candis : cf. java li , java li s , com
fun i l, fu n is .
caneca, caneco
É um par de nomes , um masculino e outro femenino, comohá tantos na nossa língua : caneca é um vaso pequeno de louça,cilíndrico, com maior altura que diámetro, e guarnecido de asa ;caneco é uma especie de barril d e madeira, de forma cónica, eaberto por cima, no que no Norte se d iferença do b ar r i l própriamente dito, que geralmente tem dois tampos .Todavia os canecos de madeira para água, no Port o, teem
dois tampos , mas são semelh antemente cônicos , e não com a
forma de dois cones unidos pelas bases , como os dos aguadeiros
de Lisboa, e os que s ervem a transportar v inh o , aguardente , Vinagre , etc .
canga, cangalhas , cangalho, cangueiro
Al ém de indicar uma eSpécie de jugo para os bois , usado no
sul do reino, d es ignou , por analojia de forma ou d e aplicação, atábua que serve d e suplí c io na C h ina. . No curioso l ivro BATALHAS DA C OMP ANH I A DE JESUS NA PROVINCIA DO J APÃO , doPadre António F rancisco C ardim 9
,vem mencionado o dito tor
4 Yule Burnell , A GLOSSARY OF ANGLO - INDIAN WORDS , Londres ,1886 , sub v. C andy.
Lisboa, 1 894 , p . 85 ; v. também a p . 185 , 1 99 , 21 7 .
222 Apostilas aos D i c ionár ios Por tugues es
mento por êste nome :— « lh e tinha lançado ao pescoço uma
c anga, com dois pesados paus , a modo de escada.
Desta palavra se d erivaram , segundo parece , cangalho, ecangalhas , armação geminada que s e põe no dorso das cavalgaduras , para transporte de cestos , canastras , barris , etc . , e quepode ser de ferro, ou de madeira —« colocam—lh e por sobre a
albarda [do burro dos aguadeiros] as c an gal h as , nome que aqui[Algarve] s e dá a um obj ecto feito mais vezes de madeira quede ferroExemplo de cangalho, na acepção primitiva de « cada um
dos dois paus que aju stam e seguram a carga ao pescoço dosbois » como define o DI C C . C ONTEMPORANEO , é o seguinte« tinha ido proximo de um r ibeiro arrancar um pedaço de madeira, para dºah i fazer um c angal h o » — º
C angalho, como é sabido, significa tamb ém um obj ecto ve
lho, inútil , e desta acepção proveio o verbo es cangalhar , « desmanchar , destru ir » .
A orijem do vocábulo canga é o verbo cangar c on
i u g a r e3.
0 substantivo cangu eir o vem _já ins crito no NOVO DI C C IONAR IO numa acepção especial , « barco ch ato, u sado no Tejo »
, atri
buindo- se—lh e por orijem a palavra canga . No mesmo d icionárioestá rejistada outra acepção, como própria do Brasil,— « pregni
çoso, negligente » Nos meus apontamentos , s em abonação
porém ,porqu e levou esta sumiço, encontro cangu eiro como bar
queiro de certa embarcação, que nunca abre caminho, desvíando—se , a outros barcos mais pequenos , evitando únicamente os
que são maiores , para não çoçobrar .
Po r tu g á l i a , I , p . 385 .
º 0 ECONOMISTA , de 22 de outubro de 1892 .
3 J . Leite de Vasconcelos , in REVISTA LUSITANA , I I , p . 34.
224 Aposti las aos D i cionár ios Por tugueses
canh ongo
Termo da África Oriental Portuguesa: Os canhongos , e ofeiticeiro usam r abo de gu er ra q. v .
—1
Etermo de Timor régulo bom é como a canipa doce »
[Nota] : « mistura de alcool e melaço »— º.
Este termo indiano, que em todo o Portugal se difund iu paradesignar o caldo de arroz , princ ipalmente feito com galinha epresunto, mas que também se emprega quando outra carne seutiliza, vem no Suplemento ao NOVO DICCIONARIO com o seu
verdadeiro étimo apontado ; mas esqueceu notar que a segundaacepção que ao vocábulo é dada no corpo do d icionário— « embarcação do
'
Nilo, de qu ilha recurva » —não cabe a indicação« T [ermo] as [iático] » pois nada tem que ver com a palavraconcani hang
'
i procedente do tamul hánx i, « cousa fervida, co
zida em água », só apl icável ao caldo ind icado, para o qual os
franceses empregam a forma cange, tirada do português , e os
ingleses congee, que d irectamente trousseram da Índia.
O Padre C oeurdoux parece ter sido quem primeiro d ivulgouem França O termo, que definiu z— « du C anj e ch aud , c'est—à- d irede l 'eau dans laquelle on ait fait cuire le r iz » —3
1 Azevedo Coutinho, A CAMPANHA DO BARUE EM 1 902 , in « Jornaldas Colonias de 1 9 de agosto de 1 905 .
º J . S . Pereira Jardim , NOTAS ETHNOGRAPH IC AS SOBRE OS POVOSDE T IMOR, in P o r t u ga l i a , I , p . 856.
3 LETTRES ÉDIF IANTES ET CURIEUSES ÉCRITES D ES MISSIONSETRANGERES PAR QUELQUES MISSIONAIRES DE LA COMPAGN IE DE JESUS ,t. XXVI , p . 1 85 , 18 de janeiro de 1 742 .
[O
[OOAp ostilas aos D ici onár ios Por tugueses
canoura
Este termo não está , que eu saiba, col ijido em dicionárioalgum da l íngua. Vejo- o empregado s em mais explicaçao no seguinte trech o de um jornal de Elvas , transcrito no ECONOMISTAde 3 de outubro de 1 888 z— « Esta [azeitona] saindo da c an ou r a[da máquina de tulhar] cae sobre um cylindro liso » Pareceser um « canudo » .
cantadoura
Al ém dos mu itos derivados de can to e can tar cumpre re
j i star mais êste , que'
vemos empregado no seguinte trech o damonografia de Rocha Peixoto, As OLAR I AS DO PRAD O 1— « Por
vezes o tradicional carro de bois exh ibe - se em rara particulariza
ç ão de minudenc ias . No c h ade i r o e a vincos lim itam—s e as
c h êdas do resto do leito e da c ab eç al h a ; esta obl iqúa na
turalmente até encontrar o tam oe i r o ; os fueiros ornam as
c h êdas ; nos log
'
ares.
respectivos indicam—se as c antadou r as ;
no rodeiro acentua- s e 0 m in ] ; nas c am b as , ás vezes , aparecemas m e ias—l u as »
Este trech o é obscuríssimo em virtude do uso de termostécnicos , populares e pou co conh ecidos , insertos em um d iscurso,no qual os verbos empregados são, pelo contrário, pertencentesa linguajem convencional e artificial , como exh ibe—se, obliqua,
acen tu a- se,limitam
—s e,ornam ,
aproveitados em acepções quenão são as suas naturais . Espacej e i todos os termos desusados,que procurarei expli car com aussil io do dicionário. Principiando
por chadei ro, s e consultarmos o NOVO DICCIONARIO , encontramosaí uma remissão a chedeiro v isto ê ste , achamo- lo definido como
1 in P o r tu g á l i a , I , p . 253 .
Sõbre esta conjugação errada veja- se ORTOGRAF IA NACIONAL , Lisb oa, 1 904 , p . 90 e 91 .
1 5
226 Ap osti las aos D icionári os Por tugueses
— « leito do carro de bois » C heda, diz—nos o mesmo dicionário ser— « cada uma das pranchas lateraes do l eito do carro, nasquaes se encaixam os fueiros » e na província do Minh o« plataforma do carro de lavoira » Parece , porém que chedas
s ejam as « pranchas » , visto que chedeiro é o leito, isto é , o queo mesmo d icionário chama p lataforma . C abeçalha vemos aí, queé o temão do carro, ou a parte deanteira dêsse temão. Tamoeiro,
s empre no mesmo dicionár io, é— « peça central do carro de boisque s e prolonga até á canga e serve de tirante » C ambas , são
peças curvas das rodas dos carros »Buscando m iu l ou miu lo no mesmo dicionário, vemos que nos
remete para meu l, onde nos diz que vem a ser— « o mesmo quemeao do carro » Procurado êste , acha—se como definição« peça central da roda dos carros , na qual s e imbebe o eixo »
explicação que o autor nos poderia dar também em meu l, paranos poupar a cam inhada.
C antadou ras ninguém nos diz o que seja. Portanto se o
leitor ainda não entendeu o trech o transcrito, é porque é tambronco como eu sou .
S egundo informação, can tadei r as são a parte do eixo ondeprendem as rodas : devem ser as cantadou ras do trech o.
C umpre advertir que a descrição é aplicada a uma imitaçãodo carro, como brinquedo, feito de barro.
Na Nazaré equ ivale a « canto »,
« cantiga », cf. descante. Em
castelhano é usual can te por can to.
cantiga, cántigo
É evidente que esta palavra não provém do plural canti cade c anti cum em latim ,
visto que, se êsse fosse o seu étimo, aacentuação seria can tiga. Deve pois ser um sub stantivo verbal ,
228 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
Uma forma moderna, a que a palavra cap a serviu de orijem ,
é cap ina'ó, que, além do sentido pejorativo que lh e dá 0 Suple
mento ao NOVO DICCIONARIO , é também o nome de uma capade grande roda, ch egando até o j oelho, a qual constitu i uma partedo uniforme da marinha portuguesa.
C ap a e um latim cap(p )a, que produziu numerosos derivados nas diversas línguas románicas, e cuja verdadeira orijem é
problemática.
« um dia que me roubéram uma capada (rebanh o)»R epresentou- s e aqu i a linguajem de um pastor da Beira—Baixa.
C onquanto os dicionários dêem « amplo » como signifi cadoprimordial dêste adj ectivo, é êle menos usado nessa acepçãoactualmente em português , do que o é em castelhano.
Exemplo dessa acepção primordial é o seguinte : 41 thuyengia (são umas embarcações mais capazes que as suas galés)» —º
capelana
Termo da África Oriental Portuguesa— « Fauno de 1 braçaquadrada que lh es serve de capa »— 3
[aos pretos] .
1 Joaqu im Manuel Correia, ANTIGUIDADES DO CONCELHO DO SABUGAL
, in «Ar cheologo português » , X , p . 201 .
º BATALHAS DA COMPANHIA DE JESUS , de António Francisco Cardim ,
Lisboa, 1894, p . 2 1 7 .
ª D iocleciano Fernández das Neves, ITINERARIO DE UMA VIAGEM ACAÇA DOS ELEPHANTES, Lisboa, 1 878 .
Apostilas aos D i cionár ios Por tugueses 229
Na África Oriental Portuguesa é tomado êste termo em si
gnifi cação mu ito particular , como vemos no relatório da C AMPANHA DO BARUE EM l 902 z— « capitão é o capataz ou feitorquando ind igena
cap itel , ch apitel , ch ap itéu
A prime ira destas palavras , como quasi todos os termos deartes nobres em portug uês , proveio do italiano, onde se diz ca
p i tello, do latim c ap i te l l um , deminutivo de c ap u t , que juntamente com outro deminutivo mais u sado ainda, c ap itu l um , s eempregava j á para designar « o remate superior do fuste da co
luna, ou pilar » . C onforme a conh ecida lei de que a ca latino
corresponde cha, che francê s, c ap i t e l l um deu nesta l íngua a
forma chap i teau , da qual resultou chap iteu em portug uês , saindode outra forma, chap itel, o nosso chap i tel, h oj e desu sado, mas quelemos , por exemplo, na GA ZETA DE L ISBOA OCCIDENTAL, de22 de maio de 1 73 8 e se reconh ecem ainda muytas bases e ch ap iteis de colunas » — ª
C ap i tel designa uma peça de tear , como vemos na publicaçãoP o r tug á l i a,
I , paj. 3 74 .
capoeira
C omb parte do moinh o, é êste vocábulo definido do modoseguinte : frechal] parte um r ipado que, indo terminarem ponta, é coberto de palha de centeio e algumas veses folhasde lata ; chama—se cap oei r a. É evidente a orijem da denominação : semelhança com o encruzamento das ripas das capoeiras
1 in Archeologo português » , V . p . 3 .
º MOINHOS , in P o r tu g á l i a , I , p . 386.
230 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
capotim
« Duas braças de fazenda»— 1 África Oriental Portu
guesa.
Este neoloji smo, que também se escreve hhah i e de outrosmodos não menos arrevesados , é o nome de uma fazenda de al
godão côr de barro, que actualmente se usa mu ito em fardamen
tos das tropas que vão fazer serviço em África.
O vocábulo é persa na or ijem , HAK,« barro » que passou ao
indostano, onde produziu o adj ectivo HAR I , « barrento, côr debarro »
9. Eis aqu i uma abonação do vocábulo z— « É alto, traz
trunfa branca, casaco de kak i com platina e pudvém branco — 3
carabelina, cravina
O cravo sinjelo, a que vulgarmente se chama cravina, é denominado carabelina em Trás- os—Montes . Esta forma pressupõeoutra, cr abel, correspondente ao castelhano clavel, mas com vo
gal anaptíctica entre o c e o r : cf. as formas populares carap inteir o, crap in teir o, por carp in tei ro, e can ivete, do alemão antigo
hu ij, passando talvez pelo catalão gan ivet, onde j á se h ouvessedado a anaptíctise do a, e que parece um dem inutivo, cuja si
gnificação actual e « faca » .
J . Leite de Vasconcelos deriva crabelina directamente de
1 Diocleciano Fernández das Neves , ITINERARIO DE UMA VIAGEM ACAÇA DOS ELEPHANTES , Lisboa, 1 878 , p . 26.
Yule Burnell , A GLOSSARY OF ANGLO -INDIAN WORDS , Londres,1886, sub v. Khakee.
3 O SECULO , de 1 de abri l de 1 902.
232 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
(em) carapuça ; (em) pelote
São vulgares estas expressões , signifi cando a primeira « com
a cabeça descuberta » e a s egunda « nu », como também se diz,
« em pêloA segunda ainda se poderia explicar pelo seguinte modo
p elote é apenas um aumentativo faceto da palavra p elo, referidajá tamb ém por gracejo a p e l e .
Não me parece que seja assim .
Nos SUBSÍDIOS PARA UM DICCIONARIO COMPLETO DA LÍNGUAPORTUGUESA , preciosos pelo grande número de citações , está incluído o vocábulo p elote, com referência a p elica, onde s e lê o
s eguinte :— « Darem a cada huum dos d itos pobres para vestyr
pelotes e ssayas em cada huum ano, e de dou s em deus anospelicos e cerames á estanferee (Figaniere, Mem . das R . de P .,
p .
Vê - se daqui que p e l ot e s não eram p el i c o s , e que estes porsua natureza deviam ter maior duração, o dôbro da dos outros ,e tanta como os cerames , comparados com as saias , que durariam menos que estes últimos .
C onforme o Elucidário d e Viterbo p elote era capa forrada depeles , á differença da que não era forrada »
A descrição minuciosíssima, porém , dos pelotes que pertenceram ã guarda- roupa de El-rei Dom Manuel 1
, por nenhum modoconfi rma esta definição : poucos pelotes são forrados de peles,entre as dezenas e dezenas déles , escrupulosamente descritos , número quasi infindo de vestiduras ricas de aparato, que contrastasingul armente com a escassez" de roupa branca, quasi toda emmau uso, relacionada no mesmo interessantí ss imo inventário, eque me trousse á memória, quando pacientemente o li, um rol
de roupa qui Vi escrito na parede caiada de uma hospedaria na
cidade da Guarda, no qual se enumeravam doze colarinhos , seis
1 ARCHIVO HISTORICO PoRTUGUEz , vol . II , p . 399 e ss.
Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses 33
pares de punh os , s eis camisas , quatro gravatas , e um só par depeúgas . A par dêste rol , por outra letra, lia—s e o seguinte co
mentário :— Por fora cordas de viola ; por dentro, puh ! mu itoaplicável a vestimenta do aparatoso rei .
Prossigamos . Nos muitos pelotes de Rl- rei, forrados d e lãs ,de sedas , de çetim , etc . , b o r lados de ouro, debruados de veludo,raros se encontram com peles , e estas de somenos valor , e sómente como guarnição, por exemplo :— « Item outro pelote d eçetim avelutado preto de fralda e mea debruado de çetim pretocom prefis de gato s com as mangas e quartos forrado(s) defustam pardo e a fralda de pano encarnado e de baixo do forrofustam das mamgas e corpinh o esta (es tá) outro forro de damasco emcarnado o quall forro das mamgas não ch ega a baixopor quamto servyram nelle bocaes de martas »
Devia de ser mu ito bonito. 0 que mais me surpreendeu a
pr imeira leitura, na m inh a qualidade de tam am igo de gatoscomo Madame Mich elet, foi a devoção, a graça de enfeitar com
focinh os do meu animal predilecto a tal garrida vestimenta, o
que um pou co me congraçou com a penúria de roupas brancasdo monarca. C omo, porém , [os pelotes com caras de gatos , deperfi l , como que a d isfarçar o serem todos cegos de um ôlho,
fossem nada menos de cinco, todos a seguir , estranh ei tanto gatojunto ; e como em outro i tem s e leia— « Outro pelote de çetimpreto com prefis d e gato e o corp inh o e mamgas forradas defustam pardo e a frallda de pano encarnado conclui que êstegato e aqueles gato s eram as peles déles , e que os p r efi s
eram as frentes , as bandas , como h oj e se diz, ou as ourelas das
tais v estimentas . Pobres gatos , que deram pêlo e peles paratantos enfeites ! Santa Rosa de Viterbo no ELUOIDARIO refere—s ea (man to) gatum ,
e acrescenta :— « talvez forrado de pelles degato» C ordeiros , por peles de cordeir o, foi tamb ém u sado.
C oncluí ainda outra cou sa importante , e é que o pelote nuncafoi capa, forrada ou por forrar , visto que tinha corpo, mangas esaia ; mas sim uma espécie d e sobrecasaca moderna, sôbre a qualse podia vestir , para abafo ou por luxo, uma r ou p a , ou roupão,ou pôr uma capa: e assim se explica o gastarem- s e num ano os
234 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
p e l ot e s , e só em dois os p el i c os , os quais seriam então as
vestiduras de cima, que por menos trazidas duravam mais .Enganou
—se portanto o bom Viterbo, e para nos convencermos d isso nem mesmo era necessár ia tal conclusão, visto queaquela peça, que no rico tesouro da igreja de Nossa S enhora daOlive ira, de Guimarães se arrecada e se amostra como sendo o
pelote de Dom João I , nem de perto nem de lonja se pode considerar capa ou capote .
Assim , i r e m p e l o t e qu is d izer O mesmo que h oje ir em
corp o bem feito, sem segundo casaco, ou qualquer outra vestimenta de agasalho, e daí ir nu .
Passemos a expressão em carap u ça, que s e interpreta pormodo análogo.
Este vocábulo é assim definido por Bluteau i: —«Especie de
capacete de pano, com aba estreita por deante » Pode ver- seem qualquer retrato de Lu í s XI de França, e foi moda que durou bastante tempo. Por cima dela punha—se o chapéu ; e assimquem tirava O ch apéu fi cava em carap u ça : e como quando sedeixou de usar carapuça quem tira o chapéu fi ca em cabelo, ouem careca, conforme a sua fortuna, em carap u ça passou a signifi car e m cab e l o , ou , c om a c al v a am o s tr a .
No uso actual a palavra carap u ça e o seu derivado masculino carap u ça signifi cam , com lijeira mudança ou modifi caçãode sentido, « qualquer cobertura mole , para a cabeça, com formaj á a ela acomodada, s em abas ou pala, e que serve para a tapar »
.
C om relação a orijem e formação, é o vocábulo em últimaanálise afim do castelhano antigo cap eru ça, moderno cap eruza,
(com o ceceio da consoante da última sílaba), tendo- se dado na
palavra portuguesa metátese das duas sílabas med iais ; e devede ser um derivado terciário de cap a, visto que em castelhanoantigo temos cap araço
'
n ,de que der ivou o francê s cap araçon , e
em latim bárbaro ex iste documentada a forma cap aro. C f. aindao francês carap asse, « casca de crustáceo »
, no qual s e deu igual
VOCABULARIO PORTUGUEZ E LATINO .
23 6 Aposti las aos D i c ionár ios Por tugu eses
Quanto ao seu s inónimo aljava, arábico e'
também , AL- GaoBE,
que tem a mesma Signifi cação
cardanh o, cardenho
Termo de jiria, furto Quando [a ladra Giraldinha] faziaum cardanho, tratava de fugir de Lisboa » —º
Parece um derivado artificial do verbo cardar . A escrita éduvidosa, visto que na capital -anho e - enho teem a mesma pronunciação ; todavia, no R iba—Tejo pronuncia—se cardanha.
careca
É , no seu sentido natural , um termo burlesco para designara « calva »
, e um « calvo ».
Além do emprego fi gurado, ja ins crito no NOVO DICCIONAR IO ,de— «môço de praça de toiros , encarregado de abrir a gaiola
aos toiros que vão ser l idados na arena » tem outro sentidoesta palavra, conforme se vê no SECULO , de 29 de março de 1 902 :
« car eca e,no norte , aquelle que deita fogo ás peças de arti
fi cio »
Tanto uma como a outra acepção é natural que provenhamde indivíduos calvos , que em algum tempo exerceram um dessesmesteres . A mesma orijem temos de atribuir a palavras comocarras co, por exemplo, que de apel ido passou a des ignar o
« algoz » , por ter havido um com êsse nome , derivado, comomuitos outros , de nome de terra, a qual o recebeu de árvore quenessa terra era acidente notável .
Quanto a etimolojia de careca, d irei só que tem aspecto cá
frial o vocábulo (cf. car cunda, q. v .)3, mas não é quimbundo,
visto não haver nesta língua r senão antes de i .
1 Egu i laz y Yanguas , GLOSARIO DE LAS PALABRAS ESPANOLAS DE
ORIGEN ORIENTAL,Granada, 1 886.
º O SECULO , de 1 de dezembro de 1 901 .
3 V. em calombo, e carras co.
Apostilas aos D icionár ios Por tugueses 2 3 7
Esta palavra, que s ignifi ca um adubo muito cond imentado,u sado na Índia e no sul da Ás ia, é o canarim har i l, « môlho »
,
correspondente ao támul har i , de que os inglezes derivaram o
seu cur r ie (pron . cár i) :— «E deste cogu o p isado, e tiradoo leite . . cozem arroz com ell e , e h e como arroz de leitede cabras . Fazem comeres das aves e carnes (a que chamamcar i l) » — º
A or ijem desta palavra parece ser o concani har i , a que s edaria um plural ear is , do qual se deduzisse ao depois o s ingular car i l : cf. fu n i l, plural fu n is , e candi l, (q.
Este condimento é mu ito u sado em toda a Índ ia, e modernamente mesmo na Europa. A sua composição, conforme o livro deJos é Maria de Sá , PRODUCTOS INDUSTRIAES DO C OQUEIRO 3
, é a
seguinte
Coentr oRaizes frescas de gengibreSemente de dormideiraPimenta redondaAçafrãoCanela .
Semente de cum inh oAlhosCravo da ÍndiaCardamomo
Pimenta longa
1 Burnell Yule ,A GLOSSARY OF ANGLO - INDIAN WORDS AND PHRASES , Londres , 1886 .
º Garcia da Orta, COLOQUIOS DOS SIMPLES E DAS DROGAS D A ÍND IA ,
Lisboa, 1 891 , p . 238 .
ª Nova-Goa, 1 893 , p . 72 .
238 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
Forma—se uma massa de todos estes ingredientes , moendo- os
primeiro separadas , e depois juntamente , e ajunta- se o leite d *umametade de coco. Estas quantidades bastam para preparar o car i ldº
uma ave ou dº
uma libra de carne »
carinh osa
Em Vila- Real—de- Santo-António designa ê ste adj ectivo, substantivado, um « capuz de senh ora »
.
carioca
O NOVO DICCIONARIO dá duas acepções a êste vocábulo bras ileiro : pessoa preta ou mulata ; pessoa do Rio- de-JaneiroNa segunda acertou ; na primeira creio que não, e ainda menosna etimolojia que lh e atribu i . p [róprio] de uma ri
beira »
C onforme o Vizconde de Porto- Seguro o epíteto car ioca,
de ear i' « branco » e oca,« casa »— casa do branco— foi pelos in
díjenas tupis apl icado a uma ribeira do Rio- de- Janeiro, perto daqual s e estabeleceram os primeiros colonos portugueses , e ao
depois, por ampliação a todos os naturais do Rio- de—Janeiro, denominação por êles aceita e que passou ao C ontinente, servindoem tempos para os designar , não só a êles , mas a todos os indivíduos nascidos no Brasil .
C onforme o r eferido autor , a palavra car i era empregadapelos tup is meridionais para se intitularem a si próprios , e até
aos europeus , com quem conviviam em boa paz.
Vê - se , portanto, que a acepção « preto » ou « mulato » não
pode estar compreendida no vocábulo car ioca, a não ser por vi
tupério.
L'
ORIG INE TOURANIENNE DES AMÉRICAINS. TUPIS- CARIBES ET
DES ANCIENS EGYP TIENS , Viena, 1 876, p . 2 .
240 Apostilas aos D icionár ios Por tugu eses
C omo adjectivo, ca'
rôcho, femenino carocha quere d izer « escuro, preto e dêste adj ectivo provém que ao gato preto s e dá emgeral o nome de car ocha, nome que, naturalmente pela mesmarazão, s e aplica em C aminha a um barco pequeno de pesca, o
qual , como tive ocas ião de ver , e pintado de preto.
C arocha se chamava a m itra que s e punha na cabeça aos
penitentes , condenados pela Inqu is ição, quando iam para o patibulo. Essa mitra era de papelão, e nela se p intavam fi guras ded iabos monstruosos , requinte d e pervers idade , inventado paradesviar a compaixão que poderiam inspirar aqueles infelizes ,despertando um sentimento contrário de h orror e asco em quemos visse . A esta mitra alude Gil Vicente no VELHO DA HORTA :
C om cent” açoutes no lombo ,E da carocha por capela
E singular a analojia que se dá entre carocha e o adj ectivocaro, comparados estes dois vocábulos com barato e barata,inse cto, o qual provém de b l atta, latino.
carola, carolo
A palavra car ola tem três acepções , uma das quais independ ente , e que portanto deve ser considerada como vocábulo distinto.
Temos pois : C ar ola « dança de roda ».
Eo francês carole, O inglê s car ol, o italiano carola, que é , ouvocábulo próprio das línguas célticas , como pretende Skeat 1 ; ouO latim c h o r eo la , como outros pretendem .
C arola do latim c o r ol la , deminutivo de c or ona, a
1 A CONCISE ETYMOLOGICAL D ICTIONARY OF THE ENGLISH LANG UAGE, Ocsónia, 1887.
Ap ostilas aos D ic ionári os Por tugueses 41
coroa, que os padres abrem no cabelo, no alto da cabeça, o
cerqu i lho. Por extensão : « o indivíduo que tem coroa aberta »,
o padre ; o irmao que, de cabeça descuberta, acompanh a as pro
c issões , com capa e toch a; a cabeça descuberta ; o indivíduo quese compraz em fi gurar em festividades rel ijiosas ; O devoto ; oentus iasta por qualquer causa, e que se presta, por vaidade , porinterêsse, ou por ded icação, a tomar parte activa em qualquersociedade , gr émio, partido, facção,
C arola como nome próprio, é abreviatura de C arolina .
De car ola, cabeça descuberta, derivou- se um masculino cor
respondente , car ôlo, com o tónico fechado, como é de r egra, quequ ere dizer : pancada na cabeça »
.
O substantivo car ôlo, «maçaroca esbagoada, pão de farinhagrossa, papas de farinh a grossa de milh o, etc . é decerto outro
vocábul o.
C arôlo, além das acepções contidas nos dicionários tem mais ,pelo menos em Lisboa, a de uma massa grossa, de farinh a d etrigo e água, de que usam os çapateiros , ou usavam ainda até
h á pouco tempo.
carpinteiro
C omo termo teatral , signifi ca « o ind ivíduo que arma o cená
rio no palco ».
carranca
Este vocábulo português tam expressivo, e cujos matizes designi fi cação estão perfeitamente compend iados no VOCABULAR I OPoRTUGUEz E LATINO do insigne Rafael Bluteau , é consideradopor todos os nossos lecsicógrafos como uma mod ifi cação de cara,
s em nos declararem os processos de derivação que o produziram ,
e por que motivo o r s e profere e escreve dobrado, sendo certoque nas línguas das Espanh as jamais se confundiram rr e r .
Não aventarei étimo algum , mas apenas chamarei a atençãopara o vocábulo sanscrítico KaRaAAEa, o qual , segundo Monnier
1 6
242 Ap ostilas aos D icionár i os Por tugueses
Williams signifi ca « cranio, cabeça » (th e skull , th e h ead), ealém disso, note- se , uma casca de côco, vazia, e preparada paraservir de c0po, ou vasilha (a cocoa—nut h ollowed to form a cup or
vessel).Em outra inscrição do mesmo d icionário, em TaMBuLa,
« betele » , vemos a s egu inte explicação :— « Támbula- haran'ha,
th e Pan- dan or betel- box (th is box generally resembling a
karan 'ka or hollovved cocoa-nut) —º
.
Esta singular coincidencia, e ja vou expl icar em que ela con
siste, autorizaria talvez a suposição d e que o vocábulo tivessevindo da Índia
,não d igo d irectamente do sânscr ito, mas de
qualquer das línguas vernáculas d e lá, principalmente se a pa
lavra não existe em outro dos Vários id iomas da PenínsulaH ispánica com ê ste signifi cado, nem em nenh uma outra do do
minio románico.
A coincidencia está no s egu inte factoC ar ranca quere d izer « cara feia »
, e côco, como é sabido,signifi cava em português , e h oj e ainda em castelhano, o que
actualmente chamamos p ap ão, isto é, uma fi gura de cataduraruim , com que s e mete mêdo as crianças . Os portugueses , ao
verem pela primeira vez o fruto do coque iro, compararam—no a
uma dessas caras d e arremeter, e aplicaram—lh e o nome com que
desde então é conh ecido em toda a Eurºpa.
Eesta a orijem que lh e dão João de Barros , Garcia da Orta;e 0 ROTEIRO DA VIAGEM DE VASCO DA GAMA , s em primeiro o
nomear, descreve—o do segu inte modo :— «As paÍm eiras dam uma
fruta . como mellõees , e o m iollo . h e o que comem e sabecomo junça avellanada » —3 . Mais adeante , porém , já o designapelo seu nome : —« e o mantimento era coquos »— 4
.
Eis aqui o final do interessante passo de João de Barros , no
A SANSKRIT -ENGLISH D ICTIONARY , C osoaia, 1 872 .
i b. , p . 3 69 , col . I II .Lisboa, 1 86 1 , p . 28 .
ib. p . 94.
244 Ap ostilas aos D icionár ios Por tugueses
piernas especialmente » ; e— « carrancudo tieso, eSpeta
do »
O vocábulo côco designa nos Açôres « inhame »
carrapiço
Em Trás- os—Montes signifi ca « pedaço de velo difí cil de c arm e ar
No NOVO DICCIONARIO é ê ste vocábulo dado como provincial , com o sentido de— « espécie de pequenino ouriço, que en
cerra as s ementes de certas ervas e que se agarra facilmente aofato da gente e á lan do gado lanigero »
carrapito, carrapiteiro
C onforme informação da m inha criada Maria do Rosário, natural da C hamus ca, designa êste nome , no R iba- Tejo, a roseirabrava.
A signifi cação primordial de carrap i to é ch ifre »
carrasco, carrasca, carrascão
C arrasco é um termo de botánica vulgar , a que científi camente corresponde qu e r cu s c o c c i fe ra, e dêste vocábulo, cujoétimo é desconh ecido, mas ao qual corresponde em castelh anocarrasca, s e derivam os sub stantivos carrasqu eir o, car rascal,
sítio em que existem carrascos » carrasca,« lenh a »
,« casca de
pinh eiro » e « espécie d e Ol iveira », e OS adjectivos carr asqu enho,
carrascão (vinh o), etc .
C om o primitivo carrasco, ou seus derivados , s e denomina
1 REVISTA LUSITANA , I I , p . 47 .
Ap ostilas aos D i ci onári os Por tugueses 45
ram mu itos lugares em Portugal : C ar rasca, C ar rascal, C ar rasca is , C ar rascalinho, C ar ras cas , C ar ras cosa, C ar rasqu eira, C ar
rasqueiro, C ar ras co ; e é sabido que nomes de plantas contribuem considerávelmente para a toponímia em todos os idiomas
,
e nomeadamente nas línguas románicas . Frequente é tambémque ê sses nomes de local idades passem a apelidos d e família, edêste modo é muito u sual o de C arr asco. Dêste apelido, conforme Bluteau , proveio a acepção que, como substantivo comum ,
tem êste vocábulo em português :— « Desde o tempo de Belch iorNunes C ar ras co, que na cidade de Lisboa era Algoz , ch amou o
vu lgo aos Algozes C arrascos »
Algoz dizem os arabistas ser o nome de uma tribo turca,cruelíssima, cujos indivi duos eram empregados pelos mourosnos mesteres de carniceiros e de v e r d u go s . Esta última palavra é também um enigma.
Kõrtingº diz- nos ser um latim vulgar v i r i du eu m
,deri
vado de v i r i dem ,« verde »
. Designava verdugo uma « varaver'de » (cf. verdas ca), que servia de açoute , e de in strumentode tortura passou o nome a designar o h omem incumbido de aapl icar .
Deve ter- se em atenção que, havendo tantos nomes de lugares formados em Espanha com o sub stantivo car ras co e seusderivados , e sendo O apelido C ar r as co lá vu lgar , a começar nO
bacharel Sansão C ar ras co , amigo de Dom Quixote , não tem emcastelhano o vocábulo carr asco a acepção de « algoz i , o que
confirma o étimo proposto por Bluteau .
Digna de reparo e também a coincidência de o algoz deLu í s XVI de França s e chamar San sao, e ser car rasco ; entantoque o San são C ar ras co do Dom Quixote era excelente criatura.
O espanhol era Sansao C ar rasco, o francê s era Sansão e foicarr asco de veras .
1 VOCABULARIO PoRTUGUEz E LATINO .
LATEINISCH- ROMANISCHES WÓ RTERBUC H , Paderborn , 1890, 8758 .
246 Aposti las aos D ic io-
nár ios Por tugueses
carregar, carrego, carga, cargo, descarregar
Do verbo car regar derivou- s e um substantivo verbal r izotó
nico, que dever ia ser carrega, mas que, na realidade , e carga.
Análogo a ê ste h á,em português , folgar , folga, a par de fôlego,
que melh or s e escreverá fôlgo, para evitar uma excepção que, segundo a pronúncia comum , seria só ortográfic a. Em castelhanoo verbo correspondente a car r egar e cargar j em que s e deu a
elisão da vogal medial , como aconteceu em português com fol
gar fo l l i c ar e , como car r egar c ar r i c ar e .
Acepção especial de car regar e esta que vemos na publicaçãoP o r tu g á l ia
ªz— «A fiandeira põe a roca á cinta, depois de
carregada » isto é , « depois d e lh e ter pôsto o l inh o, que vai
Har ».
C argo é derivado mas culino de car(r e)gar , em qualqu er acepção em que seja tomado, incluindo a de certa fogaça, ou arma
ção piramidal enfeitada de bolos , flores e frutas , que s e vendeem leilão nos arraiais , ou festas populares a algum santo.
O verbo des car regar tem várias acepções que se relacionamcom carga .
Antigamente tinha ainda outra, em relação com en cargo,cargo, ou carr ego, como se dizia:— « Dêste cometimento do lnfante ficou Rl- rei descarregado e mui ledo » — º
, isto é , « exone
rado, aliviado ».
carreirão
0 suficso - ã o é em português , como em espanh ol o seu cor
respondente - ón ,com u sem inficso, z, c (h omemear rã o), au
mentativo, e conseguintemente vocábulos como cordão oferecemtodas as probabilidades d e ser de orijem francesa, onde , ao con
I , p . 3 72.
º Rui de Pina, CRÓNICA DE É L-REI DOM AFONSO V , cap . Lxxxrx .
248 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
carretilho
Na Beira-Baixa dá- se ê ste nome ao « carrinh o de mão »
que os franceses chamam br ou ette, termo de que o beirão é tradução excelente , que merece ser generalizada. Eum evidentedeminutivo duplo de car ro carrete carr eti lha.
carriço, carriça ; encarriçado
No Suplemento ao NOVO DICCIONARIO vemos a primeiradestas formas , como termo da Bairrada, com o mesmo s ignificado de car rap iço (g.
No corpo do dicionário, porém ,fôra essa forma masculina de
tinida como— « planta cyperácea (cu r rer ambigua) » A formafemenina é aí dada apenas como designando certa ave, da qualuma espécie se denomina carr i c inha .
Nos meus apontamentos tenh o ambas as formas , em signifi cações análogas , mas não em absoluto idênticas , como pertenceutes ao vocabulário transmontano (Rio-Frio): car r i ça, « monte deh erva, tufo de cabelo » ; carr i ço, « indivíduo de cabelo crespo »
.
Ao adj ectivo participial encar r içado dá o dito Suplementocomo signifi cado o segu inte : Diz—se da gallinh atoda occupada em ch ocar os ovos . (Talvez por encarn içado, senão vem de acarrado) »
É evidente que proced e de carr i ço, e que a aplicação doepíteto a galinha que está no chôco provém de ela ali estar en
tufada, com as penas arripiadas . Vê- se pois que car r i ça e osseus derivados s e não limitam a tam pequena parte do reino,como a respeito de qualquer dêstes vocábulos se depreende doque em separado se diz dêles : são mais gerais .
No capítul o que, com o título RAÇAS E TIPOS HUMANOS , es
Informação do editor , natural de Almeida.
Apostilas aos D icionár io s Por tug ueses 249
crevi para os «Elementos de Geograph ia Geral » de Manu elFerreira Deusdado, usei do adj ectivo encar r içado para descrevero aspecto do cabelo dos papuas z— « cabelo negro, encarriçado eemmaçarocado
carrinh a
0 NOVO DICCIONARIO dá ê ste vocábulo como alentejano,d izendo-nos que é
— « pequ ena carroça » Todavia, no jornalO SECULO , de 1 4 de agosto de 1 903 , lê- se o seguinte trech o,que amplia o nome a veí cul o algarvio — « outros d irigiram—se aPortim ão no transporte característico da região [Lagos], as denominadas carr inhas »
cartapaço, cartapácio, cartapele
A palavra car tap ácio está reji stada em todos os dicionárioscom os dois signifi cados principais , de « caderno de apontamen
tos » , e de « livro volumoso e de pouco préstimo ».
C onforme F . Adolfo C oelho º, é um latim da
“ decadênciac h ar ta p ac i s , e e termo escolar .
Uma forma um tanto mais portuguesa, car tap aço, porém ,
tem em Trás—os-Montes acepção muito diferente , cõmo se vê doseguinte passo :— « cartonagem de molduras para estampas d esantos , para cartapaços de rocas e camándul as » —3 . É pois umcartucho de papel , que s e põe na roca de fiar .
Outro nome do mesmo amparo e' car tap ele, usado na Beira,como vemos no NOVO DICCIONARIO .
L isboa, 1891 , p . 219 .
2 D ICCIONARIO MANUAL ETYMOLOG I C O .
3 Manuel Ferreira Deusdado , 0 RECOLHIMENTO DA MÓFREITA , in
« Revista de edu cação e ensino 1 891 .
250 Ap osti las aos D icionári os Por tugueses
cartazeiro
O indivíduo incumbido de pregar os cartazes nas paredes
caruma
Este vocábulo é dado no NOVO DICCIONARIO com a significação de— « folha de pinh eiro » isto é, a agu lha ou agu lheta .
No Suplemento acrescenta- se beir .) a pellicula quereveste as castanhas ainda verdes e tenras » 0 DICCIONARIOMANUAL ETYMOLOG I C O declara ser termo prov incial e s ignificar—« r esina de pinh eiro » C reio que a primeira acepção é
muito concreta, e , com relação a ultima, tenh o- a por inexacta.
Na SOBERANIA DO POVO , jornal de Águeda, de 21 de setembro de 1 882 , l ia—se — « ao pé do lar estava uma porção decaruma e lenha, que se incend iaram ao calor do fogo prox imoPor êste trech o é caruma um colectivo, que poderá talvez designar « rama de pinh o »
, e não, « um a fôlha de p inh eiro »
carunh o
No NOVO DICCIONARIO vem esta voz como transmontana, coma signifi cação de caroço ; nos meus apontamentos tenho- a comom inh ota, com o mesmo s ignificado.
casa, e seu s derivados
Este substantivo, que em portugu ês únicamente , mas não emtodo o reino, s ignifica qualquer dos repartimentos internos de
O ECONOMISTA , de 1 3 de novembro de 1887.
Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
que morava . o mesmo fizeram mais os tres cas eiros,para cujas
casas o padre se mudava »
Nesta acep ção parece ser obsoleto.
b) « o —« 0s caseiros . foram pagar as importancias dos seu s alugueres em notas d e 55000 réis . 0 s en h or i o . recebeu as notas » — º
C asa designa em português, singularmente , « a abertura emque entra o botão que em castelhano se denomina ojal, em francês oei llet, que correspondem ao nosso vocábulo i lhó(s), no qual0 i átono está por o por infl uência da palatal lh : i lho
'
por olho'
,
de ôlho, com um sufi cso ô(t)a .
D e casa nesta acepção s e derivaram cascar e caseadei ra,
que signifi ca a mulh er que abre as casas no fato e as guarneceou remata » .
O que é menos conh ecido é o verbo cascar , com a s ignifi cação de « fazer moradas d e casas » , como e vemos empregado no
passo segu inte —« impoz este tributo ao vinh o, para casear VillaNova »
3
casaca, casaco
C asaca, de que se formou , além de outros derivados , um
masculino com a s ignifi cação de qualqu er peça de vestuário quese põe por cima de colete ou de outro casaco, veio para Portugal provávelmente de França, onde casaqu e queria d izer um
« sobretudo Para o francês , em oposição ao que afirma Littréescudando—
l
sc com Diez,veio casagu e, presumivelmente designan
do primeiro « farda », do roupão u sado pelos cossacos , que em
russo se denominam KOZAKI , pronunciado hazáh i .
BATALHAS DA COMPANHIA DE JESUS , Lisboa, 1 894, p . 241 .
ª O SECULO , de 1 de outubro de 1 901 .
ª E. Freire de Oliveira, ELEMENTOS PARA A HISTORIA DO MUNIC IP IODE L ISBOA , I , p . 1 78 .
4 D ICTIONNAIRE DE LA LANGUE FRANÇAISE, Par is, 1881 .
Ap ostilas aos D ic ioná r ios Por tugueses 253
No term o de Lisboa, entre çaloios , um casaca qu ere dizer« o ind ivíduo de Lisboa, da c idade, que não usa jaleca »
, natural
mente porque , quando tal apodo foi introduzido na linguajem
déles , a casa ca era trajo obrigado da gente fina, a toda a h ora
do dia, isto é , a casaca, o frac francês e castelhano, com as abassómente na parte posterior e compridas , porqu e , se eram curtasessa peça de vestuário denominava- se n ica .
Quando eu era rapazote , as pessoas de certa representação,ou que pretend iam tê—la, trajavam sempre casaca quando estavam de luto , e ainda há pouco tempo deixou êsse traj o de ser o
próprio dos fun erais e outras solenidades diurnas .Exemplo de casaca como « indivíduo da cidade » é o seguinte« um ou outro saloio que não s e intimida com 0 casaca »
C omo s e vê , a citação e moderna ; mas o termo tende a obli
terar- se , em razão de maior convivência entre a gente de Lisboae a dos subúrbios , e porqu e a diferença radical no trajar se vaiabolindo pouco a pouco numa promis cu idade quasi absoluta: opovo acrescentou as abas às jaquetas , convertendo—as em casacos ,
p aleto'
s , e as pessoas de distinção cercearam - nas , de forma queacrescentando- as uns e encolh endo- as os outros , resultou ficaremdo mesmo comprimento. Nada mais igualitário do que as modas ,e ainda bem !
casqueira
«Etoda feita [a ratoeira de raposa] de madeira de pinh o,geralmente cas qu e i r as ou taboas velhas , afim de incutir menosdesconfi ança — º
á um provérbio que diz : « Ou dá tábua ou casqu eira ».
O sentido do provérbio é : « todo o indivíduo tem uma ser
O SECULO , de 18 de junho de 1901 .
º José Pinho , ETHNOGRAPH IA AMARANTINA , A caça, in P o r t u g al i a , II , p . 90.
254 Aposti las aos D i c ionár ios Por tugueses
ventia qualquer », como a árvore , com relação amadeira, boa ou
ruim , que se aproveita dela.
cassungo
Esta palavra, propriamente , signifi ca um povo da Guiné« Os principaes povos espalhados pelos sertões , margens dos riose costas , ou littoral ma Guiné são : « os fulos , os jalofos , man
dingas , felupes , charos , banhames , burames ou papeis , bijagoz,c as s u ng os , beafares , nalins , balantas , lapes e sacalages »
ªo
Felizmente quem escreveu isto, ortografou tudo à portuguesa,em contrário da pretenciosa moda actual .Dêste nome étnico s e derivou s em dúvida o de uma eSpécie
de contaria, naturalmente bem aceita por tal povo na permuta,
termo j á reji stado no Suplemento de NOVO DI C C . , abonado com
C apêlo e Ivens , mas que em vista de um anúncio publicado no
ECONOMISTA,de 4 de novembro de 1 882 , vou explicar também :
contaria, que s e vende aos massos ; é de varias côres , taiscomo branco, preto, encarnado, azul—celeste »
castelh ano
Quere dizer propriamente de C astela, em espanh ol castellano,de C as ti lla, antes C as tiella .
C astelh anismo é também esta forma em português , pois antesse d izia castelão
—Aqu i jaz Simom Antom ,
Que matou muito castelão ,E debaixo do seu covom
Desafi a a quantos são
O SECULO , de 23 de abril de 1 902 .
2 D . Rafael de Bluteau , VOCABULARIO P oRTUGUEz E LATINO , subv . C OVAM.
256 Ap ostilas aos D i cionári os Por tugu eses
do norte de Portugal , onde por toda a parte os castros coroamas eminéncias
, como é sab ido. O último citado, como nome delocalidade, costuma escrever- se erroneamente chr is tello, como s eabsurdamente tivesse alguma cousa que ver com C h r i sto ; outro
tanto aconteceu a sachr i s tão e sach r is tia, que proveem do latims ac rum , e não de C hr i sto, e , portanto, em qualquer ortografia,
devem escrever- s e s em 0 h , sacr is tã o, sacr i s tia.
C rasto é pois o mesmo que castr o,de que é metátese em
Portugal os monumentos archaicos , luso- romanos ou pre- romanos ,são conh ecidos por diversos nomes :— castello, caste
'
llo, crasto
(do latim castrum) »
C rasta signifi cava clau stro, e é natural que seja o plurallatino c l au s tr a , de c l au s tr um , de c l au de r e , « encerrar » . As
formas intermédias podem reconstitu ir- se : c l au s tr a c la s tr a
(cf. agosto de Au gu s tum) cras tr a, crasta, por dissimilação(cf. cravo c l au um , e r osto r o s tr um ).Evocábulo independente , portanto, de cras to º
C rasteir o é adjectivo derivado de cras ta, e foi u sado mo
dernamente, conquanto provávelmente colh ido em documentosantigos —« esse que fora prior c r as tei ro de Santa- C ruz » 3
O vocábulo vem no DICTIONNA IRE PORTUGA IS - FRANÇ AI S deJ . Inácio Boquete, com r emissão a C LAUSTRAL
catana, catanar
O último dicionário português publicado, NOVO DICCIONARIODA LÍNGUA PORTUGUESA , de C andido de F igueiredo, define daseguinte maneira o vocábulo C atana —« alfange asiático ; pe
Leite de Vasconcelos, PORTUGAL P REH ISTORI C O , p . 62.
Veja- se A. A. Cortesão, SUBs iD IOS PARA UM D ICCIONARIO COMP LETO DA LÍNGUA PORTUGUESA , Coimbra, 1 900,
3 António de Campos , LUÍS DE C AMõES, in « O Seculo » , de 26 dej ulho de 1 900.
Paris, 1855 .
Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses 257
quena espada curva ; espada com bainha de madeira, em uso
entre os timôres » e dá- lh e, em dúvida.
, orijem japonesa.
No Suplemento ao mesmo d icionário [2 .
ºvol . , p . 775 , col . II]
atribu i- se- lh e orijem italiana presumível, cattana,femenino de
cattano, contraído de cap i tano, contracção que designar ia « espada de capitão »
. Efectivamente , Petrõcch i aduz como desusadoO vocábulo cattano ; todavia, apresenta- nos também catana
, que
define— « sorta di scimitara o di pugnale giapponese »
Bluteau ,no VOCABULAR IO PORTUGUEZ E LATINO
,diz—nos .
« C ATANA , catãna.
s
e palavra do Japão. Vid. Alfange . Terçado.
(Todo o primor vay em alimpar a C atana com o rosto serenoalegre : Lucena, Vida de S . F ranc , Xav. fol . 473 , col .
C umpre notar que em Lucena, lugar citado [Liv. V I I, cap . 2 .
º
],se acentua cataná ; como, porém , duas l inhas mais abaixo vemum êrro tipográfico, « tatisfeitos » por « satisfeitos » , e em toda a
interessantíssima obra mais algumas incoerências d e acentuação,seria mester compulsar pacientemente essa ed ição [Lisboa,para
'
se aver iguar s e o d ito vocábulo é mais vezes citado, com
esta ou outra acentuação. Não o faço agora porque me faltaocas ião e tempo, e por ser provável que o própr io Bluteau ,
escrupulosíss imo como se nos revela em todo o seu famoso Vocabulário ; não assentasse na acentuação que ind ica, sem para issoter motivos ponderosos , tanto mais que é ela a certa.
A acentuação catána é corroborada pela segunda citação abonatória, tirada do poema MALACA C ONQUISTAD A , de Franciscode Sá e Meneses , que transcreverei , com os dois versos que a
antecedem no poema
[ C om pou ca ocasião que procurárãoD escobr irão seu fim sangu inolento]E nos derão do mal já tardo avisoMil cr izes , m il catanas d'
imp roviso.
CANTO III , EST . 49 .
1 NOVO D IZ IONARIO UN IVERSALE DELLA LINGUA ITALIANA , Mi lão ,1 887 , t. I .
1 7
258 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
Há ainda terceira citação, de Francis co Rodrígu ez Lôbo,C ORTE NA ALDEIA . C omo porém é em prosa, fôra inútil parao caso reproduzi—la aqu i .
Morais [DICCIONARIO DA LINGUA PORTUGUEZ A , 3 .
ª edição,Lisboa, 1 823 ] transcreve esta última c itação.
O GRANDE DICCIONAR IO PORTUGUEZ , chamado de DomingosVieira, reproduz , com cento e sessenta anos de intervalo, as citações de Bluteau , modifi cando, todav ia, a definição do vocábuloaí C atana é— « alfanj e asiático » O mesmo fi zeram outrosd icionaristas anteriores e poster iores aos editores do GRANDEDICCIONARIO , omitindo as citações e transcrevendo essa definição mais lata de « alfanj e asiático »
, a qual provávehnente foisujerida pelas duas últimas citações , que se não referem ao Japão.
Seria de interes se compulsar toda a literatura portuguesa dotempo de Lu cena e imediatamente anterior ou posterior, em catadêste curioso termo, que de tam longe nos veio ; por agora con
tentar—me h ei com esta, que aproveitei sem maior trabalho.
No vocábulo Alfanj e , para onde Bluteau nos remete , nadas e acrescenta ã definição que a elucide antes ficou prejudicada,levando talvez essa r emissão os lecsicógrafos posteriores a daremos dois vocábulos como sinónimos , pois nos d izem que ambosdesignam espadas curvas as iáticas Roquete , quer no NOUVEAUD ICTIONNA IRE PORTUGAIS- FRANÇA IS [Paris , onde se lim itaa traduzir catana por cau telas , qu er no DICCIONARIO PoRTUGUEz[Paris , em que a define como ter çado, suprimiu a espec ifi cação de jap onês , dada e autenticada por Bluteau , o que
outros tamb ém fi zeram ; e no DICCIONARIO DE SYNONYMOS omitiucatana, quando dá a Sinonímia de esp ada, discriminando, com
maior ou menor artifício, os termos esp ada, g ládio, ter çado, dur indana, a lfanje, cimi tar ra .
F . Ad. C oelho, no seu DICCIONARIO MANUAL ETYMOLOG I C O
DA LINGUA PORTUGUEZA (Lisboa, sem data) aceitou , sem reparos ,a etimolojia apontada por Bluteau , definindo também o vocábul ocomo significando « alfanj e asiático »
Não tenho ao meu alcance agora todas as muitas ed ições detodos os dicionários portugueses , para averig uar se outros seme
260 Ap osti las aos D icionár ios Por tugu eses
nição, europeia, vemo- lo no vocabulário apenso a gramática japonesa de S e idel muito recente , conjuntamente com ken ,
tu r igi ,
waki sass i (s i c =uákizác i) .
O que ocorre preguntar é se o vocábulo catana veio paraportuguês directamente do japonê s , ou por intermédio do ital iano.
Tenh o como certo que a primeira solução é a unica aceitável,
não só pela definição de Bluteau e primeira citação com que a
abonou , mas também atentando nas estre itas relações que os
portugueses tiveram com o Japão nos sé culos XVI e XVI I .É igualmente ponderosa em favor desta solução a circunstan
cia s eguinte : A tradu ção italiana, quasi c ontemporanea, da obra
de Lu cena, feita pelo P . Lu í s Mansoni, como Lucena da C ompanh ia de Jesu s [Roma, MDCXI I I], traduz no ind icado passocatana por s c im itarra, o que testemunha não ter s ido aindaadmitido em ital iano o referido vocábulo japonê s , que natural
mente passaria de Portugal ao depois para lá, por meio da literatura.
Devemos , sem embargo, confessar que Fernám Méndez P into ºch ama sempre tr e ç ado (s ic) a espada dos japões , e j á v imosque Bluteau lh e dá igualmente esta Sinonímia.
S eja como fôr, o vocábulo por tal modo s e natural izou cá , ed isso j á se queixava Francisco Rodríguez Lôbo no passo que
constitui a terceira citação de Bluteau , que deu o substantivoderivado catanada, como « golpe dessa, ou de outra espada »
, eem sentido fi gurado, h oj e o único vulgar , como equ ivalendo a
« censura áspera» porque o vocábulo eatana, no sentido natural sós e emprega como termo burlesco. Produz iu tamb ém pelos modos ,e que menos sabido é e não está por emquanto mencionado emd icionários portugueses , o verbo catanar , que no Riba—Tejo quered izer « ceifar h erva » com a gadanh a, segundo o que me informaa m inha criada Maria do Rosário, natural da C hamusca, e seu
1 HARTLEBEN'
S VERLAG , Viena, Peste, Lipsia, p . 184.
PEREGRINAÇÃO , III , e p as sim .
Apos ti las aos D icionár ios Por tugueses 261
irmão , consultado independentemente , e que foi trabalhador rural
nos campos vizinh os daquela vila
cauch u ; cach o, cách u
Na Secção FALAR E ESC REVER do « Diario de Noticias » 9 deLisboa, com os núm eros D C C XI II e DCCXVI , veem dois artigosreferentes ao pr imeiro dêstes vocábulos , o qual ord inariamentese escreve , a francesa e errado, eaou tchoup . C ita—se ali E. Littrépara se lh e atribu ir orijem americana. C om efeito, o grande escritor e lecs icógrafo francês expressa- se do seguinte modo acêrca
dele : (há - ou—tch ou ; le e final ne se prononce jamais . É rw .
C ah u chu , nom ind ien d e cette substance » que prime iro definiraz— « Vulgairement gomme élastiqu e ; suc coagulé du jatr o] )ha elas tica, L , arbre de la famille des euph orb iacées tithvmales et d
'
autres plantes , telles que le figuier d'
lnde, le jaqu ier ,etc .
Na ORTOGRAFIA NAC IONAL 3aludira eu em nota as escritas
usuais e erróneas cau tehu , cau tchu c, caou tchou c , e propusera no
texto a ortografia aportug uesada cau chu , que mantenho, con
quanto prefi ra a êste inútil galicismo algum dos trê s ou quatronomes que temos para a mesma substância, e adeante menc iono. Em qualquer caso, o c tinal , e mesmo o t são erros evidentes , cop iados da defeituosa escrita francesa, ind iscretamenteim itada.
Rodolfo Lenz, no fidedigno Diccionario etimolójico de vocábulos ch ilenos traz a forma ca i i cho, referindo- se a ela como estran
1 J á p ublicado êste artigo na REV ISTA LUSITANA , VI , 1900- 1 901 , de
onde o extratei com pequenas alterações .ª De 9 e 16 de janeiro de 1 906 .
3 L isboa, 1 904 , p . 1 74 .
D ICCIONARIO ETIMOLÓ J I C O DE LAS VO C ES CHILENAS DERIVADASDE LENGUAS IND ÍJ ENAS AMERICANAS , Santiago de Chile, 1 904- 1 905 , p . 186 ,
publicação que ainda não está concluída. 0 aster isco signifi ca de u so correnteem Santiago
262 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
jeira nos termos s eguintes : Gaucho, m [as cul ino] - l it[erario]el jugo l echoso, resinoso de varias plantas sudamericanas que secuaja cuando se espone al aire ; goma elástica. La palavra no espropiamente ch ilena, pero conocida en las ciudades por el muchouso industrial de la mater ia . La voz mej icana h u le, que siguifi ca 10 m ismo, se usa solo para la tela encerada [em português ,o leaclo]. Variante : cautchuc , poco usado . ETIMOLOGIA : Segunel Standard D i ctionary del ind io cahnchn . S egun una notic iade Barberena que no puedo comp robar , la voz seria de la lenguade los ind ios mainas de las márgenes del Amazonas »
O primoroso poeta e prosador Eduardo Augu sto Vidal , quesabe , como pou cos actualmente , a nossa língua, chamou a minhaatenção, em carta, para a confusão aparente que nos artigos a
que me referi se faz entre o cane/in , ou cancho, de que estoutratando, e outro vocábulo, semelhante na forma, cáchu ,
ou ca
c ho, de or ijem e s ignifi cado mu ito d iversos , e sôbre o qual o
C onde de F icalh o, nas notas, aos C olóquios dos S imples e drogasda Índ ia, de Garcia da Orta, nos diz ª
z— « O « cate » de Orta,« cato » da P/iarni acop ea p or tugueza, substancia mais conh ecidapelo nome de catechn ,
é um extracto da madeira da Aca c iaC atechn , W ild . (Mimosa C a lechn ,
Linn . fil .) uma arvore bastante commum na Ind ia, mais a leste , nas terras de Burma, epor outro lado na Africa Oriental ; e tambem obtido este extracto de uma especie proxima, Acac ia Sama, Kurz , que se eu
contra igualmente na India. a des ignação empregadapor Orta, é a natural orthograph ia portugu eza do seu nome h industani, que h oj e escrevem kat ou kat/
'
t . D rury diz que a palavracate significa arvore e chu succo, donde catechn ; mas não sei s eesta afii rmação tem fundamento. Duarte Barbosa . dá amesma.
substancia o nome de cacho, que é a designação tamil , canarim(lingua do C anara) e malaya, lcash i
'
i, ou Isac/Lú ; e « cate »
, empregado em Malaca, s egundo Orta, é uma simples alteração depate, ou de cacho »
1 vol . 1 1 , L isboa, 1 892 , p . 76.
264 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugu eses
como em xadrez , mas s im uma consoante que s e parece com o
ch beirão].Traduzi, resumindo, o que nos diz 0 Glossário.
Quanto a estranha denominação terr a jap on ica, vemos no d itoartigo ser a misnomer , « equívoco »
,de S ch roder , que em 1 654
publicou a PHARMAOOPEA MEDICO- C HYMI C A,e aí denominou e
defi niu assim esta substância vejetal z C atechu ,terra jap on i ca,
genu s ter ra; exoti cce » quando a dita substância, ao depois ,foi importada do Japão.
Temos pois dois vocábulos d iferentes em portuguê s, cacho,
cáchu, cate, cato, voz asiática, extrato de várias acácias cau chu
ou , se quiserem cau cho, voz americana, extrato de várias árvoresdiferentes , por outro nome goma elásti ca .
C umpre não confundir um com o outro na escr ita, como, domesmo modo, se não devem confundir na pronúncia.
O cau chu denomina—se também bor racha, e gu ta-
p er cha
=perzca, e não p er ca, como erradamente se profere : o vocabulo é malaio, gata—perd ia, pron . quasi gu eta, ou gata
—p er tcha,
goma da árvore p er cha ou goma de P er cha, id e .
O nome veio de França para Portugal , e para lá foi d e Inglaterra, o que explica a escr ita gu ita, onde o u vale pross imamente o português , como é regra em inglês para o u breve emsílaba tónica fechada por consoante . Outro tanto aconteceu com
o s inónimo goma—gu ia, que também nos ve io de Inglaterra porintermédio da França
Outro nome ainda da bor racha, mais conh ecido no norte doBrasil , é ser inga, denom inando—se as árvores que a produzemser ingu ei ras, e o plantio ser ingal
9.
A orijem de ser inga, e bem assim a de bor racha neste sentido são desconh ecidas .
1 Mar celo Devic , D ICTIONNAIRE ÉTYMOLOGIQUE DES MOTS D 'ORIGINE ORIENTALE , Par is, 1876.
º Vizconde de Beaurepaire-Rohan , D ICCIONARIO DE VOC ABULOS BRAZILEIROS , Rio de Janeiro , 1889 .
[OO“;
C;
!
Aposti las aos D i c ionár ios Por tugueses
O C onde de F icalho e também 0 G lossário citado referiram—se ao l ivro de Duarte Barbosa, a respeito de cafe
,ca cho .
Folheei—o cuidadosamente , e só pude encontrar nele referênc iaao cacho a paj. 289 , formando O vocábulo composto cachop u cho,
no trech o seguinte — « outras drogarias que nós não conh e
cemos , e em Malaca e C h ina saom muyto estimadas , e temgrande valia, silicet c ac h op u c h o , e muyto encenso que vemde Kaer » — ª
Refere—se aos reinos de Guzarate e de C ambaia, e é s emdúvida êste o passo a que aludiu 0 Glossár io d e Yule Burnell.com a seguinte c itação, que transcreveu da tradução inglesa deH . E. J . Stanley, publicada pela Sociedade akluyt, conquantoa pudesse ter feito do or ijinal '
que incluiu na b ibl iografia, edecerto devia conh ecer :— « drugs from C ambay ; amongst Wh ichth ere is a drug Wh ich we do not possess , and Wh ich th ey callp uc hô and anoth er called C ú C ÍLô » — º
. Os acentos são a mais , ea versão está mal feita, como se vê ; a substância é uma só .
António Nunez, a quem tamb ém cita, ch ama- lh e cacho e cafe:— « O baar do cate , que aqui [Índia] chamam cach o, h e em tudocomo h o arroz , quanto ao peso » — 3
C onforme Leóncio R ich ard p u cho/c, (2 .
ºtermo de cacho
p u cho) é o nome malaio da her va cidr eir a (meli sse) .
caudel , caudelaria, coudel , acaudelar ; caud ilho
O substantivo caudi lho j á por Bluteau 5 foi declarado cas
telhanismo, dando- lh e como correspondentes portugueses gu ia ou
cap itã o . Escusado era ir tam longe , pois da mesma or ijem re
ª NOTICIAS PARA A HISTORIA E GEOGRAF IA DAS NAç õES ULTRAMARINAS , Lisboa, II , 18 12 .
ib.
ª L IVRO DOS PESOS D A INDIA , L isboa, 1868 , p . 22 .
COURS DE LA LANGUE MALAISE, Bordéus , 1872 , I I , p . 102 .
5 VOCABULARIO PORTUGUEZ E LATINO .
266 Aposti las aos D ici onár ios Por tugueses
ji stou o mesmo doutí ssimo escritor a palavra portuguesa coudel,
a que deu por étimo erroneamente o espanholado caudi lho.
Deline- se caudel, no VOCABULÁR IO , do modo seguinte : — « Por
ordem . del-Rey D . Affonso V os h omens de armas Escudeyros , que serviam a cavallo nos exercitos foram reduzidos ao
mando, ou capitania de h um C apitão que os repartisse por C oudeis , dando a cada C oudel v inte . Pelo que chamaram aos C á
p itaens de sta gente Ooudei s , C oudel Mor . Este , como por o re
gimento da guerra fi cava capitaneando a gente de cavallo, despoiss e veyo a encarregar—lhe a execução das leys , que se fi zerão,para conservar as boas raças dos cavallos do Reyno, e assi tema seu cargo os cavallos destinados a cobr ir as egoas , e para êsteeffeito obriga h un s h omens a comprar egoas » A seguir , a
palavra C andelar ia é definida— « offic io que tem a seu cargoa criação dos cavallos »
Ora, tanto coudel, como cau del, como o caudi lho acastelha
nado procedem de uma forma latina c ap i te l lu m c a'
p te l lo .
Em castelhano de c ap te l lo fez—se primeiro caudi ello (=cau
dielho), e por contração do ditongo ie em i , caudi llo (cf. c as
tel l um castiello casti llo, e v . castelhanº) ; em portuguêsc ap te l lo deu
.
caudel, e dêste provém imed iatamente coudel
(cf. tou ro 2tau r um ). Portanto, ao castelhano caudi llo corresponde em português caudel, ou caudel, do último dos quais procede o verbo acaudelar , empregado pelo cronistaRu i de Pina :« C onde , fi cai com estes mouros , porque lh e conh eceis melhor asmanhas , e ac aude l ai esta m inha gente »
Do prim itivo cap u t , de que s e derivou o dem inutivo cap itel lum , resultou O português cabo, em quas i todas as suasacepções , e dêste O verbo acabar . (q.
O vocábulo cap i tel (q. o .) tem a mesma orijem e entrou na
língua provávelmente por intermédio do italiano cap itello.
Não vejo o fundamento com o qual o NOVO DICCIONARIO
1 CRÓN ICA DE EL-REI DOM AFONSO v , cap . CLV.
263 Ap osti las aos D icionár ios Por tugu eses
cautelosamente ev itar, pois s e cava lhei r o u surpou algumas dasacepções de cava lei ro, nunca a quem vai ou anda a cavalo, e Só
por isso, chama ninguém cava lheiro, vocábulo êste que em por
tuguês não sujere a idea cavalo em ocasião nenh uma.
cavaqueira
A palavra cavaca,entre outros signifi cados , des igna uma es
pecie de conh ecido bis couto, duro, muito leve , euberto com
uma capa de açúcar branco em pó , e princ ipalmente fabr icado navila das C aldas—da—Bainha, em que é a especialidade da terra.
quanto a doçaria, e que tem o nome de beijinho, quando maispequeno, isto é
, quás i do tamanho de uma cabeça d e dedo.
A mulh er que os fabr ica e vende tem lá o nome d e cava
qu ei ra :—«Mais uma vez logradas as casas de pasto, cavaquei
ras , lojas de louça, etcNote—se que a des ignação se apl ica principalmente as fa
bricantes , como vemos pela d istinção fe ita na c itação entre cá
c agu ei ras e lojas de lou ça,não, l ou c e i r o s ou l o u c e i r as .
caxa, caixa
C omo nome de uma moeda de dem inuto valor na Índ ia eoutras partes da Asia, falta nos d icionár ios portugueses . A palavra, conforme Yule Burnell º, e O tam il Ifásu z— « lhe mandoulogo duas m il caixas »— 3
D IARIO D E NOTIC IAS , de 24 de outubro de 1 905 .
º A GLOSSARY OF ANGLO - IND IAN WORDS , Londres , 1 886.
ª Antón io Fran cisco Cardim , BATALHAS DA COMPANHIA DE JESUS ,Lisboa, 1894 , p . 1 94.
Apostilas aos D ic ionár ios Por tugueses 269
cazembe
E termo da Africa Oriental Portuguesa: C aee inbe,*
com
mandante de ensaca »
ceifarda, ceifardajem
Éstes neolojismos , que não sei se ch egaram a d ifundir- se ,foram propostos pelo vizconde de C oruch e na GAZETA D OS LA
VRAD OBES , em fevereiro de 1 883 , para traduzirem os termosfrancezes fau chard e fauchage, isto é , « certo instrumento paraceifar h erva »
, e essa ce ifa.
cemiterio, cementerio
A forma alentejana é cernenter io, talvez por influência cas
telhana, e nela se deu a inserção da nasal , por assimilaçãoao m
, como em mançana m ati ana, comparado ao português maçã . A palavra latina e c oem eter i um , e 0 i por e do
português cem ité r io teve por fim evitar haplolojia cen tér io
O vocábulo é de orijem douta, ou semi—douta.
ced iço cedi ço) s edi ç o
[O
Epifânio Díaz , na REVISTA LUSITANA atribuiu a êsteadj ectivo, muito comum no s entido de « em comêço de putrefacção, incapaz de consumo, ou fora de uso »
, o adj ectivo latino
Azevedo Coutinho, A CAMPANHA DO BARUÉ , in « Jornal das Colonias » , de 1 3 de agosto de 1 904.
º vol . I , p . 1 75 .
270 Aposti las aos D icionários Por tugueses
c ed i ti ti u s , alterado em s ede ti ti u s j s e d e r e , « pousar » .
Não advertiu porém o douto latinista em que a forma sedico,
que é j á a que dá Bluteau deve corresponder outra mais antiga em portugu ês , ce(e)di ço, análoga a castelhana cedizo, comoem carne cediea, « carne que já tem (mau) ch eiro »
.
António Morais e S ilva ºaduz um exemplo, que mais s e
conforma com a verdadeira s ignifi cação de cedi ço :— «Anexim ,
d ito s ed i ç o ; mui velho, sabido e trilhado0 étimo, pois, deve de ser c ed iti t iu s c e d e r e , « passar,
estar gasto », como o aponta o Dicionário da Academia espa
mbola 3, e conseguintemente há de escrever—se com e, e não com s
inic ial , em português .
Além das acepções definidas nos d icionários conh eço duas ,de que vou apresentar exemplo :— «Estas redes são lançadascom dois cabos . e são d ispostas ou em linha recta, ou formando cerco »— ª
« os cercos . consistiam nisto. Por motivo de voto antigo,e depois da Pasch oa, a maioria das pessoas dºuma freguesia, compendões , cruzes e andores , começava a percorrer os limites daparoch ia. A frente um grupo de atiradores . d isparava frequentemente , em regra ao desafio »— 5
cerne , cernar , cerneira, cernandi
Estes vocábulos,menos o último, veem perfeitamente d efini
dos no NÓVO DICCIONARIO , e os seus s ignifi cados são mais ou
VOCAB . PORT . E LAT .
D ICCIONARIO DA LINGUA PORTUGUEZA , Lisboa, 1 823 .
Madr id, 1 899.
Fernández Tomás , A PESCA EM BUARCOS , in Po r t u g al i a , I , p . 149.
Ro cha Peixoto, Po r tu gal i a , I , p . 624.
-5
33
59
272 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
em seu favor , é o arabe z aITUNIE, adj ectivo derivado de nome dacidade de Zaitune, afamada pelo fabrico de tais tecidos . É esta,pelo menos , a Opinião de Henriqu e Yule , na segunda edição daversão inglesa do livro de Marco Paulo Veneto
Já R . Dozy, no Glossário, º h avia d ito o seguinte , a propósitoda forma acei tun i , castelhana, frequente na VIDA DEL GRAN TAMORLÁN
, de Gonçález de C lavijo, como designando um tecido quevinha da C h ina :— « C
'est l ªarabe ee itoun i . La v ill e ch inoiseTs eu—thoung, actuellement Th s iuan—tch ou—fou ,
sºappelait ch ez les
Arabes Zeitoun. 0u y fabriquait des étoffes damass ées de velourset de satin, qu i avaient une tres grande reputation et qui por
taient le nom de eeitoun i . Voyez Ibn—Batouta, IV, 269 »
Em catalão antigo escrevia- se atzegton i :
Item un dosser de drap daur domesqui ab lo cumpervermey ab les orles de atzeytoni blau , ab senyals Reyals entorn
brodat ab sotana de tercepell vermey » — 3.
Não h á, portanto, a mínima dúvida que a escr ita certa é a
antiga com“
c, não s . A forma u sada por Fernám Méndez Pinto,na PEREGRINAÇAO
4, e por outros escritores do seu tempo, c itim,
é devida a ass im ilação do e ao i da sílaba seguinte , como emm in tir , p i dir , por mentir , p edi r , e m in ino, que vemos constantemente no mesmo autor .
chá, ch ávena, pires , bule
A palavra chá é d e orijem ch inesa, como a planta, e estámuito d issem inada nas línguas esclavónicas , cai
5 em russo e
1 THE BOOK OF SER MARCO POLO THE VENETIAN , Londres, 1875 , II ,cap . LXXXII , p . 224, n . 2 .
“2 GLOSSAIRE DES MOTS ESPAGNOLS ET PORTUGAIS DERIVES DE
L 'ARABE , Leida, 1 869, s ub v . SETUNI .
Inventar i del Rey Martí , in REVUE H ISPANIQUE ,XII , p . 457.
4 cap . IX , XX I , LII , X III , XIV , LI , etc .
5 C om esta letra marcada fi guro o som do ch castel hano e português donorte, quasi ta'
.
Aposti las aos D ic ionários Por tugueses 73
b úlgaro, por exemplo. 0 outro nome da planta e sua infusão, te,quer êle se orijinasse do termo botánico th e a, latinização doch inês la, como creio, quer seja tamb ém ch inês d ialectal , comoOpinain quási todos os que teem investigado a etimolojia dêsteúltimo vocábulo, foi o adoptado, com pequenas excepções , emoutras línguas da Europa, qu er románicas , quer germânicas .
C om a palavra cha Vi eram do Oriente para Portugal os
nomes das várias peças do aparelho em que êle é servido : chávena é ch inês também ,
êa—van ,« vasilha para o chá » . Bu le é o
malaio buli « frasco » ; p i res , o indostano p i r ia ,malaio p i r im»
« pratinh o », cuja orijem é incerta, mas , com todas as probab ili
dades , oriental .Entre todos os id iomas europeus e o português o único a
u sar estas denom inações , como é sab ido, pois nem mesmo emcastelhano elas são conh ecidas ; aí diz—se te, tasa,
teter a, p lati llo,
C omo a palavra bu le é malaia, e p ires em malaio existeigualmente , e sendo êste idioma nos seculos XV , XVI e XVII, eainda h oj e , de geral comunicação no sul da Ás ia, é natural quepor seu intermédio os recebêssemos nós , ou por qualquer dasl ínguas da Índia, para aS
'
quais h ouvessem passado, o que no
emtanto carece de demonstração. É de notar que ao chá, própriamente d ito, ainda h oj e se ch ama chá—da—Índia,
especializaçãoque ou proveio de que de lá o recebêssemos d irectamente , ou
então de que por Índia s e entendesse toda a Ásia d e que tinh amos conh ecimento, em razão das nossas navegações , conqu istas e comércio. Notável é também que ainda h oj e s e ouçaapregoar laranja da C h ina, locução com a qual se diferença da(laranja) tanjer ina .
Que o malaio foi dos nossos Viajantes e aventureiros conh ecido e praticado prova- se com a circunstancia de que nas PEREGRINAçõES de Fernám Méndez P into a cada passo ocorrem
1 0 Sinal ai designa aqui o ng germânico , isto é , um n proferido no
extremo do palato duro com a raiz da língua. Aplique- se esta nota aos vocá
bu los citados a p . 241 -243 , e p assim .
1 8
274 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
expressões , nomes , quer próprios , quer comuns , que pelo malaios e explicam , conquanto s e refi ram a C h ina; e exemplo frisante éê ste passo da mesma interessantí ss ima obra:— « e em lugar detorres ou baluartes tõ [os ch ins] h íi as goaritas de dou s sobradosarmados sôbre esteos de pao preto, a que elles chamão C aub e sy ,
que quer d izer p ao fe r r o —ª. Ora o vocábulo, ou melhor , voca
bulos citados , e que na realidade s ignifi cam « pau—ferro »
, são ma
laios e não ch ineses : lráiu,
« pau e bes i , « ferro ».
Voltando ao chá, a primeira menção desta bebida, vemo- la
feita, na Europa, por Frei Gaspar da C ruz º, por estas palavras :— « Qualquer pessoa ou pessoas que ch egam a qualquer casa deh omem l impo tem por custume ofereceremlh e em h íia bandeja galante húa porcelana, ou tantas quantas sam as pessoas , com b iia
agoa morna a que chamam C ha, que h e tamalavez vermelha emuy medicinal , que elles custumam a beber , feita de há cozimento de ervas que amarga tamalavez »
Note - s e que o curioso frade ainda não conh ecia a palavrachávena
,v isto que lh e ch ama por celana
A prOpósito de chávena d irei ainda que h oj e s e confundecom ch i cara, mas que dantes não era assim . Ainda na m inha.
mocidade a chávena s erv ia para se tomar o c h á , era um vasomais baixo que alto, alargando para a bôca, e não tinh a asa ;
pela ch i cara tomava—se o c afé , e esta era mais estreita, de formacilíndrica, com asa, como as d e agora.
A c h á v e na ch inesa tem dois p ires : um em que assenta numlargo orifí cio circular, aberto no meio, onde encaixa a bas e dach ávena, e outro ch eio com que esta s e cobre , sorvendo—se a bebida por entre êle e a ch ávena, aos golinh os .
Bluteau 3 define chávena, que escreve chavana, sem dúvidaa forma mais antiga, do seguinte modo :— « Palavra da ludía.
É como meia ch icara » Isto confirma em certo modo o que
1 cap . XCV . Edi ção rolandiana, Lisboa, 1 829.
”2 TRATADO DA CHINA , cap . X III , Lisboa, 1 829.
3 VOCABULARIO PORTUGUEZ E LATINO .
276 Aposti las aos D i cionár ios Por tugueses
recida, e cujo aspecto mais se conforma com o étimo apontados i c c ina : secina : cecina, por assimilação da inicial da sílabaa da 2
ª '
C ornu dá como forma intermed i ária h ipotética sach ina,de
que chacina seria metátese nas consoantes das duas primeirassílabas ; mas não ex pl ica como é que de cc i latino proveio ch i ,
fenómeno tanto menos admiss ível, quanto para o castelhano ce
c ina resultou dêle ci , como era de esperar . C umpre ainda adver
tir que êste fenómeno estaria em circunstâncias muito d iversasdas que se deram em chu char ex—s u c ti a r e , pois neste h ouveassimilação da inicial da 2 .
ª sílaba a da Lª.
Acresce ainda outra singularidade , a conservação de n puro,anormal (cf. u inum , castelhano vino, português vinho, mas an
tes vio), visto que os vocábulos citados por C ornu para confir
mação, bovina e ovina, nunca foram nem são evolutivos ou
populares . Si c c ina daria secinha .
É de notar , apenas talvez como ementa, que a terminação- ina, ora tónica, ora menos frequentemente átona, serve nas línguas esclavónicas para de nomes de animais s e formarem substantivos femeninos que designam a carne deles , como, por exem
plo, em russo baran ina, « carne de carneiro » 2baran,sv in ina,
« carne de porco » svin i a .
Para que tal terminação seja a que vemos em chacina, fora
nec essário, porém ,expl icar satisfatóriamente o radical, e encon
trarmos palavra análoga em qualquer dialecto italiano oriental ,pelo qual pudéssemos justifi car a transmissão.
Averiguado, como me parece estar , que o cecina castelhanoproveio do latim s iccina, insistamos um tanto nas signifi caçõesde cecina e de chacina, para nos certifi carmos se são, ou não,
idênticas .
0 castelhano, conforme o Dicionário da Academia é assimdefinido :— « C arne salada, enjuta y seca al aire , al sol , 6
:
al
humo » Dêste substantivo derivou—se um verbo, acecinar :
Madr id, 1899.
Aposti las aos D ic ionári os Por tugueses 47
« Salar las carnes y ponerlas al humo y al aire para que enjutasse conserven » e fi guradamente :— « Quedar—se uno, por vejezú otra causa, muy enjuto d e carne »
0 substantivo chacina português é assim definido por Bluteau — « Postas de carne salgada, que se guardam , e se conservam em pipa, tonel , ou outros vasos » Deste se deriva um
verbo , cha cinar , que Bluteau diz significar :— « Salgar pedacinh os ou postas d e carne , e pollas em sal de conserva » Não
nos apresenta sentido figurado no verbo ; mas no nome acrescenta :« Fazer chacina em alguem . Fazello em postas »No verbo cha cinar dá—nos uma abonação :
— «Em que cha
cinão, e defumão todas as sortes de caças e carnes »Há , como se ve , grande d iferença nos signiâ cados . C ecina,
em sentido natural , quere d izer « carne sêca por qualquer processo, para se conservar » ; chacina,
« carne cortada e salgada,mas não, s êc a, note
—se , ún ico fundamento ideolójico com o quallh e poder íamos racionalmente atribuir o étimo proposto, s i c c in ade
'
s i c c u s . Em sentido fig urado diferem igualmente as signifi cações : do vocábulo castelhano deriva um verbo que expressa a
idea de « definhar—se , mirrar »,
« perder carnes » ; do portuguêsoutro, que expressa o contrário dêste , convém Saber , « fazer matança, carnificina »
.
Depois d e todas estas ponderações concluo1 .
ºC ec ina, castelhano provém de s i c c ina .
2 .
ºC hac ina deve ter outro étimo, que exclua a idea de
« secar » .
3 .
ºC hacim , como nome próprio, procede de chacim « porco »
,
ou deu—se o caso contrário, é do nome próprio que resultou o
comum .
4 .
º É duvidoso que chac ina tenh a relação com chac im ,na
s eg unda h ipótese ; presumível na primeira.
5 .
º Resta averiguar qual seja a etimolºjia de chacim , se na
VOCABULARIO PORTUGUEZ E LATINO .
“
278 Apostilas aos D icionár ios Por tugu eses
realidade tem a signifi cação que lh e dá o NOVO D ICCIONARIO ,visto não estar ali abonada.
6 .
ºO vocábulo chacina é de or ijem ignorada.
chafardel
0 NOVO DIcc . dá- nos esta palavra como transmontana, coma signifi cação de safardana, que no lugar competente define« biltre » .
Em sentido muito d iver so dêste , isto é , no de « rebanh o »,
vemo- la empregada, como própria do Alentejo, no seguinte passo- « um chapeo de terra [terreno pouco espaçoso], que não lhe
cabe dentro um chafardel de ovelh as »
chafarica, chafariqueiro
0 NOVO D ICCIONAR IO dá ao prime i ro destes vocábulos duasacepções z
— « loja maçónica ; baiuca, taberna » Subord inado asegunda acepção é o termo chafar iqu eir o no passo s eguinte :«Porto, 1 1 . C om o título App reh ensão de vinho fals ificado— P r isão, lê—s e na Voz PUBLICA o segu inte :— « o vis inh o partiupara o Porto, e voltou pouco depois trazendo um chafariqueiroemerito .
—º
Neste sentido u sou- se mais recentemente m i stureir o « a
protecção que está resolvido a d ispensar aos falsifi cadores e m istureiros — 3
J . S . Pi cão , ETHNOGRAPH IA DO ALTO-ALEMTEJ O, in P o r tu g a
l i a , I , p . 275 .
º 0 EC ONOMISTA,
'
de 1 2 de junho de 1 894.
3 0 DIA, de 14 de novembro de 1 902.
280 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
chamiça, ch amiço, chamiceiro ; chafurdo
C hami ça, conforme 0 NOVO DICCIONARIO, tem vários sigu ificados , e entre eles o de « carqueja » . Oharniço é ali definidocomo— « acendalh as ; lenha m iúda ; ramos secos ; tição » C ha
m i ceir o— « aquelle que apanha e vende chamiço »
Na Beira-Baixa (Fundão) chami ceir o é « o fogueira que
mete a lenha no forno
Poderia aplicar—se ê ste termo, ampliando- lh e a significação,para denom inar o que em francê s se chama chauf eu r , nos auto
móveis, e que o povo, meio a sério, meio gracejando, j á aportuguesou em chafu rdas— « q uanto eu ia entretido com o
travão [do automóvel] o c h afu r do entretinha- se a gritar que s earredassem
ch amo, chamariz
Os reclamos naturaes , chamar izes ou chamos , como bems e compreh ende, não passam de uma ave da especie d'aquellaque se vae caçar , e que pelos seus pios ou canto . attrae a
outra que a ouviu » —º
V . reclamo.
chamuar(e)
C hamuares ou amigos fechados ; rapazes da mesma povoação e idade , que vão juntos a todas as emprezas perigosas , eque na guerra se não abandonam . São os chamuares que trans
1 O SECULO , Supplemento, de 4 de julho de 1 905.
º José Pinho , ETHNOGRAPH IA AMARANTINA, A Caça, in P o r tu gal i a , I I , p . 95.
Apostilas aos D ici onár ios Por tugues es 28 1
portam o ferido em combate . e que o enterram quando morto,longe do lugar do combate
chana
Esta forma, estranha em português , pois o femenino dechão p l anum e chá
,antigo chaa, é definida como signifi cando
—« planicie ou camp ina alagada, em Africa » num ofício ,assinado por C apelo e Ivens , exped ido da cidade do C abo a
Sociedade de Geografia de Lisboa, com data de 22 de julhod e 1 885 .
É , pois, mais um alótropo para j untar aos mu itos que existemem português . e teem por fonte primord ial o latim p l an um .
Formam diferentes s éries , que seria longuí ssimo coordenar com
todas as formas derivadas e suas variadas acepções . Essas Sériesd istingu em—se pelas iniciais , que aqu i vou apresentar, exempl ificando cada uma com um vocábulo típico
changaço
É a parte do atum menos apreciada para cozinhar, isto é , acabeça e o rabo. O termo é muito conh ecido dos pescadores ,pexeiros e gente que negoceia em atum . 0 changaço vale sempre menos que as outras partes do atum , mais estimadas .
Azevedo Coutinho , A CAMPANHA DO BARUE EM 1902, in « Jornaldas Colonias » , de 1 9 de agosto de 1 905 .
ch ch ão
p r : p rã o, p ramo
p or : p or ão (q. v .)
p l : p lano
lh : thano
p i p iano
282 Aposti las aos D i cionár ios Por tugueses
chapa ; ch apada
Qualquer que seja a or ijem dêste vocábulo, no sentido de« lâmina metál ica, fôlha delgada e chata»
, e cujo étimo mais provável é um lslap , ou p lalc germánico ; com o s ignifi cado especialde « ordenança, perm issão, ordenação, prescrição »
, e termo as iá
tico, devendo ser o indostano êfãp « sêlo, s inete » «A chapas e foi publicando por todo o re ino » C hap ada queria d izerassinaladoC omo termo de calão moderno chap ada, significa « bofetada »
«Vês aquelle gajo ? Já em tempos me deu uma chap ada » —º.
No sentido de « planí cie alta », o vocábulo figura em todos
os d icionários .
chapéu , chapel , chapelada
Qualqu er dos dos primeiros e de orijem francesa, representando O primeiro a forma chap eau , actualmente pronunciada scap ô,
porém na idade méd ia l ida como chap eu ; o segundo, outra formada mesma palavra (cf. beau e bel), provindo ambas do latimc ap e l lu m ,
dem inutivo neutro de c ap p a, como c app el a é deminutivo femenino. A primeira forma é h oj e corrente para designar « cobertura da cabeça, com fôrma e abas » ; a s egunda designavaum « elmo »
, como vemos no Suplemento ao NOVO DICCIONARIOque aponta vagamente abonação.
A noção de que, a par de chap éu , havia a forma chap el
prova- s e com os derivados chup eteira,« caixa para chapéus » ,
chap elinho, « chapéu pequeno », chapeleiro, « fabricante ou ven
dedor de chapéus » , chap elada, « cortes ia com o chapéu ».
Este último derivado é usado frequentemente num sentido
que os d icionários não apontam : « masso de l istas , deitadas frau
A. Francisco Cardim ,BATALHAS DA COMPANHIA DE JESUS , Lisboa,
1894 , p . 104.
º 0 SECULO , de 10 de setembro de 1900.
284 Aposti las aos D i cionár i os Por tugueses
Outro vocábulo francês derivado do mesmo rad ical é chap e
ron , que deu em português chap ei rã o, em castelhano chap i ro'
n
com a s ignifi cação de « capuz » :
Ao ombro um chapeirão ,
Que pasmava todo o povo
charabasco , ch arabasca, charavasca, charabasqueira,
charaviscal ; chavasco, chavascal , ach avascado
Os primeiros quatro destes vocábulos , conforme o NOVOD ICCIONAR IO e Suplemento dêle, designam , como termos transmontanos , « terra de pouco valor ou estéril » . O último estádefi n ido na monografi a de J . S . P icão, ETHNOGRAPH IA DO ALTOALEMTEJ O , no segu inte passo :— «Há h erdades mu ito grandes ,medianas e pequenas . Entre as maiores , algumas conh ecem - sepelo augmentativo de defesa, ou por tal se denom inam quandos e qu erem engrandecer . As pequenas distinguem - se pelo d iminutivo de malate'cas ou charavis cáes , quando por ventura sepretende amesqu inhal
—as —3
Vemos aqu i o vocábulo defesa latim d e fen s a , castelhamo antigo defesa, moderno dehesa, sem o abrandamento dof em v, que se deu na forma geral (levesa, como aconteceu com
ávr ego Afr i c u s (u entu s ), e com Estevã o S te p h anu s .
Ignoro aor ijem da palavra charavas co ; mas Vê- s e que cha
rabasco é nortismo, com mudança de v em b, por não existir v
nos dialectos transmontanos .
á certa analojia de forma entre estes vocábulos e chavasco,chavascal, de que apenas s e diferençam na sílaba ra que teem a
mais , sendo quasi conformes no sentido, v isto que chavasco quere
REVUE HISPANIQUE , x , p . 1 72.
º Bernardim Ribeiro , ECLOGA II .ª in P o r tu gal i a , 1 , p. 275 .
(7) wAposti las aos D icioná rios Por tugueses 2
d izer « tosco »,e chavas cal, « terreno inculto, ch eio de h ervas ,
moitedo ». Em castelhano ex iste o adj ectivo chaba cano, « gros
seiro, achavascado »,e em caló , ou d iale cto cigano de Espanh a,
chacán, com a significação de « h erva »
. Parece haver relaçãoentre todos estes vocábulos ; porém falta explicar por que le is seforam modifi cando até ch egarem a forma mais extensa portugu esa, charavis cal.
charach ina chara C h ina
Esta locução é pecul iar das PEREGRINAÇOES de FernámMéndez Pinto, e ainda não foi, que eu saiba, rejistada em dic io
nários portugueses . Ocorre várias vezes naquela formosíss imaobra, e nomeadamente nos capítulos XLVI I , LXI I , sem expl icação, e no cap . LXXVII por forma,
“
que o seu s ignifi cado fi camanifesto— « abraçandoo então e pedindolh e muitos perdões ao
s eu m od o , que eles chamam de c h ar ac h in a »
Ora, como no cap . CLXV O autor , em vez desta locução, usade uma equ ivalente ,— ao modo da C h ina e no cap . C OI empregou estoutra locução— ã ch ar a J ap ã o segue—se que a vozchara s ignificava « modo »
, ou , como h oj e dir íamos , « moda » ; que
C h ina não é adj ectivo femenino concordando com chara, mas
nome próprio, como J ap ão, e que a construção em portuguê s édefeituosa, pois se el id iu a preposição de que a s intasse pedia,como aconteceu em M'
adr e—D eu s por l ladre—de-D eu s , mas sem
a haplolojia, ou simplifi cação da repetição consecutiva de d, quea justificasse .
Quanto ao substantivo chara, que, como d isse , ainda não foi
admitido nos dic ionários portugueses , é êle simplesmente o malaio tara,
« feição, feitio », sendo a supressão da preposição sin
tasse mal aia.
António Francisco Cardim ,mais culteranamente, di z— « ao modo sí
ni co BATALHAS DA COMPANHIA DE JESUS , Lisboa, 1894, p . 45 .
286 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
0 t palatal malaio, quas i ti (tiara) , foi im itado com 0 eh
portuguê s , geral então, e ainda h oj e beirão, m inh oto e transmontano, quas i tv, como é sabido. Assim representaram os portugueses s empre as consoantes explosivas fortes , palatinas nos vocábulos e nomes as iáticos pertencentes a línguas que as possuíam ,
como as da India, 0 ch inês , ,o japonês , etc .
Exemplos do malaio tara,citados no vocabulário malaio- fran
ces que constitui a parte do C urso de malaio de LeoncioR ich ard são os seguintes : tara rada iam besar , « a modo depr ínc ipe » [l iteralmente , « modo (do) príncipe , que (é)tara iaigr is , « a (moda) inglesa »
,êste último perfeitamente anã
logo ao usado por Méndez Pinto, e por êle aportuguesado.
C amões , nos LUSI'
ADASº, empregou modo no mesmo sentido,
porque moda ainda então não era m od a cá.
Vestido O Gama vem ao modo h ispano ,
Por aqu i se vê que não tem fundamento a conj ectura expressano Glossário de Burnell Yule 3
, (lue relaciona esta locuçãocom a saudação u sual ch inesa bin tin .
charão, acharão, (a)charoar , acharoado
O substantivo charão des igna em português certo verniz daC h ina, e os obj ectos d e madeira com êle revestidos . É própr ioda nossa língua, pois os outros idiomas europeus servem—se devárias formas do vocábulo laca, que designa em portuguê s outroverniz , mais da Ind ia, e certa res ina ou tinta.
1 COURS THÉORIQUE ET PRATIQUE DE LA LANGUE COMMERCIALEDE L
'
ARC H IPEL D '
ASIE, DITE MALAISE, 1872.
º Canto I I , 97 .
ª A GLOSSARY OP ANGLO - IND IAN WORDS AND PHRASES , Londres,l 886, p . 1 54.
288 Aposti las aos D i cionár i os Por tugueses
charola
Além dos dois s ignificados pr incipais dêste vocábulo, j á apontado nos d ic ionár ios portugueses , o de « andor »
, e o de— « corredor s emi—circular entre o corpo da igreja e a fábrica do altar
-mor » — 1, indicarei aqui mais o segu inte , que sem dúvida provém
do primeiro citado.
Na ilha da Madeira denom ina- se charola um cargo ou fôrmaalta guarnecida de frutas , h ortaliças , doces , ovos e garrafinhasde vinho, que fi gura nos arraiais , ou imp é r ios (q.
Bluteau , no Suplemento refere- s e a charola euberta com
« papel,ou papelão, ao modo de arco, ou abobeda com suas
varas atravessadas , em que lh e pegavam os rapazes , e com ellaandavão pela Quaresma cantando cantigas da Paixão, porque levavão na charola imagems inh as de barro da Paixão de C h ristoEra também um arremêdo de andor .
Em Trás- os—Montes é uma espécie d e panela ou tach o, comtampa, baixo e largo. Al i dá- se o nome de p anela a que tem
trê s p és,para s e lh e acender lume por baixo, ao contrário da
chasp a, que ass enta na fornalha e não tem pés .
E palavra ch inesa, e como vemos do trech o seguinte , expressasaudação : d isse a Aqu ileu que queria chao (que é fazer as cortesias de vasalo a rei, que são bem enfadonhas)
1 Bluteau , VOCABULARIO PoRTUGUEz E LATINO .
BATALHAS DA COMPANHIA DE JESUS , p . 45.
Apostilas aos D i ci onár ios Por tugueses 289
ch eiro, ch eiros
Este substantivo, do verbo cheirar fl agr ar e , que é ora
trans itivo no senti do de « tomar o ch eiro », ora intransitivo, no
de « deitar ch eiro », tem duas acepções que os d icionários não
rejistam bem .
As sim o C ONTEMP OR ANEO só no plural dá o vocábulo com a
s ignifi cação de « substáncias aromáticas » , quando em tal sentido,o vemos empregado no singul ar pelo Padre António FranciscoC ard im : que imou ch e iro
No plural signifi ca êle, em Lisboa pelo menos , quatro h er vasaromáticas empregadas como tempero na cozinh a portugu esa,isto é, sa lsa, coentr o, hor telã e segu r elha, e diz- se um r amo de
chei ros .
A e stas plantas parece refer ir- se Gil Vicente no VELHO DAHORTA , ora no plural , ora no singular :
—Vinha ao vosso hortelãoPor cheiros para a panela
a couve e O cheiro
O NOVO D ICCIONARIO dá ao s ingular cheiro a Sign ificaçãode— « sal sa, h ortelan, ou qualquer outra erva aromática, deapplicação culinária » mas , pelo menos em Lisboa, a definiçãoé a que apontei .
Áfr ica Oriental Portuguesa : « fazenda, tecido » 9
1 BATALHAS DA COMPANHIA DE JESUS , p . 236.
º Dio cleciano Fernández das Neves , ITINERARIO DE UMA VIAGEM A
C AÇA DOS ELEPHANTES, L isboa, 1 878 , p . 203 .
1 9
290 Ap osti las aos D ici onár ios Por tugueses
ch em iné, chaminé
A forma popular e mai s exacta cheni in é encontra- se num
documento do XVI século :— « hua antecámara grande que temhua c h em in e . h íía janela grande peguada com ch e m in e »
Antes , no mesmo documento, uma variante , também popular nonorte do reino ;— « hua sala pequena com c h om in e » O o
provém do m que se lh e segue . A forma h oj e corrente chaminéé devida a influéncia da palavra chama ; porém a forma popularchemine
' está mais prossima do seu étimo, o francês chemin e'
e.
ch erelo cherelo)
No M inho dá- se êste nome a um peixe pequeno, que parececorresponder ao que no sul se chama carap au .
ch erundo
Africa Oriental Portuguesa. : cêsto »º
ch icopa
Termo da Africa“
Oriental Portuguesa — « ch icop as— An
gonis armados de azagaia e es cudo de couro ou de palha entrelaçada » —3
.
Auto de posse do castelo de S ines , de 24 de novembro de 1533 , in
O ARCHEOLOGO PORTUGUES , X , p . 101 .
º Diocleciano Fernández das Neves, ITINERARIO DE UMA VIAGEM ACAÇA DOS ELEPHANTES , L isboa, 1878 , p . 26.
ª Azevedo Coutinho , A CAMPANHA DO BARUE EM 1 902 , in « Jornaldas Colonias » , de 30 de julho de 1 904 .
292 Ap osti las aos D i c ionár ios Por tugueses
ch ila (caiota), gila
O NOVO DICCIONARIO apresenta as três formas , que escrevech i ta, ch i lacaiota e g i la, referindo a primeira as outras duas ;não apresenta etimolojia. No perfeití ss imo Diccionario de vozesch ilenas , de Rodolfo Lenz , que s e está publ icando encontramoso termo acagota como u sado no C h ile . Eis o que acerca dêle nosdiz o douto filólogo :— « alcayóta, n . v ulg. de una cucurbitácea
mej icana cuyos frutos sirven para la preparacion de un dulce ;el cidracayote (Dicc . Ac . c idra acayote) de los eSpanoles C u cu rbi ta ficifolia Bou ch é). VARIANTES : acagota en GAY , Bot. VIIIe II 403 . Forma falsa: alcajota GAY Agr . II 1 1 2 ; ortografia falsa :acallota . ETIMOLOJ I
'
A : S egun Ph ilippi, Anales del Museo Nacional , seg. seccion 1 892 , del nahuatl ts i la segunR AMOS 532 , en Méj ico s e d ice ch i lacayote, del azteca ts i la
capotti »
C umpre advertir que nahuatl e az teca são a mesma língua,e ainda, que as palavras mexicanas são idênticas , mas com di
ferente ortografia, sendo o te e o ts iguais a tç , e os dois tt daprimeira denom inação erro tipográfi co em vez de tl da segunda,que em mexicano é sufi cso de unidade , e se profere como um t
lateral , segu ido de l s ibilante surdo, sem vogal interméd ia.
O nome desta casta de abóbora, h oj e completamente acl imatada em Portugal , veio para cá de Espanh a, naturalmentecomo fruto, trazido do Méx ico. Vê- se que devemos escreverch i la- caiata em duas palavras .
Quanto a forma g i la, principalmente u sada em Lisboa, éprovável que seja eufemismo, adoptado para s e evitar o verdadeiro nome chi la, que aí adqu iriu o significado de « excrementoh umano »
, acepção que falta nos dicionários .
D ICCIONARIO ETIMOLOJ IC O DE LAS VOCES CHILENAS DERIVADASDE LINGUAS IND ÍJ ENAS AMERICANAS , Santiago de Chile, 1904—1 905 , Ifase. , n .
º 15 .
Apostilas aos D ic ionár ios Por tugueses 3
Na ilha da Made ira, conforme “
informação do snr . João deFreitas Branco, o nome da abóbora com que se faz o d ito doceé moganga, ou triv ialmente boganga, que tem aspecto afr icano ;aplicando- se a denominaç ão ch i la caiota, ou simplesmente ch i la,
únicamente ao doce .
Em Lisboa também se lh e chama abóbora—ch ita, e abóbor a
moganga .
ch imabanda
Termo da África Oriental Portuguesa :— «Faz ainda partedo mob iliário a ch imabanda (pilão) onde as mulh eres reduzema farinh a a mapira, e a map i ra-manga,
as pedras ch atas e planasem que pelo attricto é polvilhada a mex oeir a, das quais a infer ior e fi xa tem o nome de limbue', e a super ior e movel se ch amamenaeana
"
V . mapira e mexoeira.
ch incha, ch in ch orra
«As bateiras ch in chor ras , ass im chamadas por serem .
as que mais se u sam para o lançamento da ch in cha, teem ,como
os moli cei r os , a particularidade de ser ornamentadas , á proa e áré , de varias p inturas e emblemas «— º
.
C h in cha foi, algumas l inhas antes , explicado como— « redede arrastar pequena »
Azevedo Coutinho , A CAMPANHA DO BARUÉ EM 1902 , in « Jornal dasC OIOHͪ S )
, de 30 de julho de 1 904.
º Lu ís de Magalhães , OS BARCOS DA RIA DE AVEIRO , in P o r tu gal i a , II , p . 60.
294 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
ch incho, ch inch a
Nos Açôres s ignifi cam « menino e menina, pequenos » , e também « cou sa pequena »
.
Em Aveiro ch incha, que deve ser outro vocábulo d iverso, éo nome de uma rede , e também , ao que parece , de certo barcode pesca.
ch ingue
No Bailundo « ch ingues são casas pequenas »
ch ipapala
Quadrúpede da África Oriental Portuguesa, assim descritopor Diocleciano Fernández das Neves : « Qual idade de animaesa que os landins chamam c h i p ap al a . Observados de longe parece[ s ic] um boi, e effectivamente os ch ifres eram exactamente comoos dêste animal . O cabello da pelle era côr de castanha e curtocomo o dos bois e tinha a crina á similhança dos cavallos , porémmais curta. O focinho e as patas eram como os do veado » — ª
ch iqueiro
Esta palavra é definida nos nossos dic ionários como « pocilga,lugar onde se recolh em porcos »Todavia, pelo menos no Alentejo, o Signifi cado é mais res
trito, como se vê da explicação que do termo dá J . da S ilva
O DIA, de 29 de junho de 1903 .
º ITINERARIO DE UMA VIAGEM A CAÇA DOS ELEPHANTES, L isboa,1878 , p . 280- 281 .
296 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
ch oço choço)
É um masculino deduzido. da forma femenina choça latimp l iítea adj ectivo sub stantivado, designando « armação, an
daime , ripado », e cujo ii nos leva a crer que mesmo a forma
femenina se pronunciasse dantes chôça, a não ser que a primitivah aja sido a masculina, derivada do neutro
'
p lu teum , do mesmoadj ectivo, substantivado. C f. p aço, p óça .
C hoça no Alentejo tem significação particular, que se deduzdo segu inte trecho da ETHNOGRAPH IA DO ALTO-ALEMTEJ O , deJ . da S ilva Picão 2— « O ch iqueiro [ g. v .] abrange o espaço deuns vinte metros quadrados , em parte r esguardado por uma
alpendrada ou choço, onde se abrigam os cevaes , nome especificopor que se designam os su ínos ass im sustentados [com sobejosde comida]
ch oramingas , ch oramigas
Parece—me fora de duvida que a pr imeira destas formas é acorrecta, e a mais popular , quer o seu étimo seja charame, comopretende D . C arolina Michaelis de Vasconcelos , quer chora-m in
gas , por chora—on inguas , que me parece mais provável .
ch oupa, ch oupo
Talvez as verdadeiras formas sejam chap a, chap a c l íip ea,
c lfl p eum .
Em três signifi cados dá o NOVO DICCIONARIO a forma feme
REVISTA LUSITANA,I I
, p . 3 7 : J . Leite de Vasconcelos ; mas já antesdado por Freder i co Diez .
REVISTA LUS ITANA , I II , p . 1 35.
Ap ostilas aos D ic ionár ios Por tugueses 297
nina: ri)— « ponta de ferro ou aço ; b) peixe esparoide ; e) árvoresemelhante ao choup o »
A terceira acepção é o latim p Op 'l u s
, por metátese , p l op u s .
Na 2 .
ªacepção é o latim c l u p e a , com o mesmo s ignificado.
Exemplo da forma masculina na 1 .
ªacepção é o segu inte :
«Elvas , 20 . Foi isto o bastante para que lh e cravasse .
peito um choupo que trazia »
ch outar
C onforme J . J . Nunez, do latim t(o) lu ta r eº: ser ia pois o
mesmo vocábulo que tratar
« Onde mora o c h u á ou governador [no Aname]
ch uanga
C hu anga é o preto que apresenta os contendores a qu emresolve as questões , e resume as suas exposições : na Baixa—Zambezia é interprete »
chucharrão, ch ocharrão
Sendo ignorada a orijem d êste vocábulo dialectal, é incerta a
sua escrita:— « Levado pela curiosidade , fui exam inar um montão
O ECONOMISTA , de 22 de outubro de 1892.
REVISTA LUSITANA , I I I , p . 285 .
3 Antoni o Francisco Cardim , BATALHAS DA COMPANHIA DE JESUS ,L isboa, 1894 , p. 68 .
Azevedo Coutinho , A CAMPANHA DO BARUE EM 1 902 , in « Jornaldas Colonias » , de 1 3 de agosto de 1 904.
298 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
de pedregulhos que o pastor me ind icou, e que era escoria (chuchar raes , d izia) havendo indíc ios de ter al i hav ido algum forno
para derreter m iné rio, o que se explica porque a pequena distancia ha um filão, não sei de que m iné rio, dando- s e ao sítio o
nome de Ferrarias »Em castelhano existe o vocábulo ch icharr ón , que parece pela
forma ser aumentativo de ch i char ra, ou ch i charra, « cigarra », e
que o D ic ionário da Academ ia - espanh ola ª defi ne do seguintemodo : imitativa del ruído de freir)Resíduo de las pellasdel cerdo, depues de derretida la manteca. Dícese también dela manteca de otros animales y del sebo. fig. C arne ú otra
vianda requemada. fig. y fam . Persona muy tostada por el
sol » C orresponde nos dois primeiros sentidos ao que chamamos tor r esmos .
Para confirmar o parentesco do vocábulo portuguê s chu
char rão com '
o castelhano ch i char r ón ,vemos que a palavra
p ella, que entra na primeira definição dêste , além do Signi
fi cado natural , que tem , de « banha de porco em rama »,
adqu ire tamb ém, conforme o d icionário citado, os de— « Masade los metales fund idos ó sin labrar— Masa de amálgama deplata que s e obtiene al beneficiar con azogue minerales argentíferos »
O termo d ialectal chu char rao, ao que parece mais usadono plural , corresponde portanto ao termo mais geral escu
malha .
O prim itivo ch i charra designa em Espanha também o ins
trumento que em Portugal se denom ina cega- rega.
Ambos os termos parecem ter or ijem onomatOpaica, isto é ,serão imitação do som .
Joaqu im Manuel Correia, ANTIGUIDADES DO CONCELHO DO SABUGAL , in O Ar cheologo português » , X , p . 201 .
ª Madr id, 1899.
300 Aposti las aos D icionár ios Por tugueses
[ q. e aguentadas por boias de cortiça e c h umb e i r as
« tem pesos de chumbo, chumbei ras — º
No mesmo sentido de « peso de chumbo » é empregado no
dito artigo outro derivado de chumbo . chumbada :— «A tralha
superior tem fiuctuadores de cortiça, e a infer ior pesos de chumbo,chamados chumbadas
churinar
O NOVO D ICCIONAR I O inclu i êste vocábulo como de j iria,com o signifi cado de « esfaquear » . Nunca o ouv i em Portugal , eé possível que seja s imples aportuguesamento do francês chour iner , que na jíria dos malfeitores de lá tem a mesma signifi ca
ção. A ex istir no calão português , é o caló espanh ol chu r inar , derivado de chu r i , « faca »
, e que tem um nome de agente derivadodo verbo, chu r inar o
'
,«matador »
, ao qual corresponde o termode jiria francesa chou r ineu r , alcunh a d e uma das personajens
do afamado romance de Eugénio Sue, LES MYSTERES DE PARIS .
ch upão
— « a chaminé ornamental de fuste pr ismatico e adjunta a
ella, caiada de branco, outra cham iné , de secção quadrada, a quechamam chup ão em todo O Alemtejo e que tem por effeito real isar a tiragem que a cham iné ornamental não effectua convenien
temente .Deve accrescentar- se ainda, que a tiragem por meio dos chu
p aes é activissima e por isso, ao passo que não deixa o fumo,
P. Fernández Tomás, A PESCA EM BUARCOS , in Po r tu g al i a , I ,p . 149.
º ib. p . 15 1 .
Apostilas aos D icionár ios Por tugues es 301
arrasta o calorico de tal modo, que ainda no verão não aquecedemas iadamente o compartimento em que se fogueia »
Tanto o substantivo chup ão , como o verbo foguear são vo
cábulos que merecem ser adoptados na língua comum , com os
sentidos que aqui expressam .
Este advérbio é antigo, do latim p l u s , e vemo- lo, por exemplo, na DEMAN DA DO SANTO GRAAL , —« e era muito leterado,
mas a donzela ch us —º Ainda hoj e é usado na locução n ã o dizerchu s nem m us
, ou bu s .
gQue mu s ou bu s é êste ?Dois étimos se lh e podem atribu ir , conforme se considere
mais antiga a primeira ou a segunda forma. A ace itar—se mus,
poderia ser uma contracção Violenta do latim m inu s , com deslocaçãÍb do acento, e portanto pou co provável , ex istindo na línguaO' verdadeiro correspondente menos , que ainda ass im não podepertencer as orijens dela, atenta a conservação do n med ial :(cf. ceia c en a).
Outra explicação aplicável a bu s s eria que a frase fossemu ito popular , e receb ida em parte dos c iganos de Espanha, emcujo d ialecto bu s quere d izer « mais » . Assim ,
a locução Signifi
caria : « não dizer ma is , nem em português , nem em cigano ».
Fr . Diez 3 dá como étimo, que se pode ver no DICCIONAR IOMANUAL ETYMOLOG I C O de F . Adolfo C oelho, um vocábulo bu s ,bu e, que se encontra em Várias línguas , mas que não concordacom o sentido que tem bu s na locução referida.
Melo de Matos , AS CHAMINÉS ALEMTEJ ANAS , in P o r tu g á l i a , II ,p . 83 .
2 in REVISTA LUSITANA , VI , p . 3 34 .
3 ETYMOL . WORTERBUC H DER ROMAN ISCHEN SPRACHEN , BONN ,1869 .
302 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
Exemplo recente de chu s e bu s é o seguinte :— « Recebeutrezentas varadas . mas outro. levou mil , sem d izer ch usnem bus »
ch usma
Já o D ICCIONARIO C ONTEMPORANEO deu como étimo a êstevocábulo o latim celeusma ; todavia, não explicou o modo comose real izou a evolução. Deu- o J . J . Nunez na REVISTA LUSITANA[III , paj. c e l e u sm a c leu sm a cheu sma chusma .
C amões empregou a forma alatinada celeuma
A medonha celeuma se levanta
Hoj e faz- se diferença entre celeuma e chu sma, v isto que o
primeiro vocábulo quere d izer « grita », e o segundo « multidão »
c ibo, cevo
Do latim c ib um proveio cevo, com e i, e v b medial ,
como é regra na evolução portuguesa do latim vulgar . Ou por
influénc ia literária, ou por d istinção d ialectal que s e propagou,temos formas derivadas do mesmo radical em que figuram i e blatinos ; tais são cibalho, cibato, e c ibo, o último dos quais parece puro latinismo. C ibato foi empregado por C amões na C an
ção XVI :
Aqui Progue, de um ramo em outro ramo,
C om o peito ensanguentado anda voando ,C i b ato para o ninho indo buscando.
GAZETA DAS ALDEIAS , de 25 de março de 1 906.
304 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
dialecto, tem signifi cações mais ou'menos especifi cadas . Para o
indivíduo da Beira—Alta ceceio designa o proferirem—se os ss eos çç , a maneira de Lisboa, e não como lá, onde são pronunciados no ponto em que se profere o r brando, e que lh es dá grandesemelhança com a:
, e , em relação ao e, com j.
Para os ind ivíduos d e Trás—os—Montes , que d iferençam s de ç,e s brando de e, c ec e io é não fazer tal d istinção, pronunciando- os
como em Lisboa.
Para os“
ind ivíduos de Lisboa ceccia é a pronúncia bras ileirade s e e seguidos de consoante , ou finais , com os seus valoresalfabéticos , em vez dos de as, j que se usam no sul de Portugal .O brasileiro em geral diz p aç taç, por p as tas , meemoç por mesmos
O contrário de ceccia, é o que se chama ehabancas , partienlaridade que consiste em pronunciar os s s , como na Beira-Alta,
subcacuminais, no ponto em que r brando se profere , isto é quasicomo se, e o e quas i como j.
C ecc ia se chama também o d e fe i to , porque esta particular idade é individual , de apross imar dos dentes a ponta da línguademasiadamente .
Em Espanh a ceceo é a pronúncia do c ou do e'
,idénticos , e
d iferentes de s , aprossimando a língua dos dentes , como é ne
cessar io para bem articular aquelas letras em castelh ano.
C hamam lá também ceceo, ou eeteceo a pronúncia dos ss edos se como ç português , usada na Andaluzia, e nas naçõesamericanas d e or ijem eSpanh ola.
Em português chama- se ceceoso aquele que pronuncia os '
se
com cecc i a.
cifra, decifrar, zero ; algarismo
O primeiro destes vocábulos foi o de preferencia usado emportuguês, antes da influéncia francesa em toda a nossa l iteratura, mesmo na c ientífica, vai em sessenta anos . O que a maioriadas pessoas não sabe é que são um só e o mesmo vocábulo c ifrae s era, que os franceses escrevem eé ra, pronunc iando ee- r ó .
Apostilas aos D ici onár ios Por tugueses 305
A palavra é arábica, S iFR ,« vazio, oco »
, tradução do ter
mo sanscrítico XuN ia XUN ia, que tem a mesma significação, etambém des ignava a cifra, ou « nulidade , ausência de quantidade » , tendo só valor de posição para se localizarem os outrosalgarismos , no sistema de numeração decimal que os árabesaprenderam dos índ ios . C om êste valor passou o vocábulo ará
b ico para português e castelhano, s endo nestes representada a
consoante inicial por ç (ce, oi), como de regra, na trans crição dequalquer dos dois s s arábicos , o lene e o enfático, ou g utura
l izado, que aqui represento por s . Das duas línguas h ispánicas ,ou da forma alatinada do vocábulo arábico, z ep h i r um ou z é
p h yr um , passou a palavra ao francê s cijÚºre, dêste ao inglê s
cyp her , e ao ital iano cifera, do qual foi transplantado outra vezpara França com a forma ch ig
ºre, arremedo do toscano cifera, pro
nunciado tch ifera, pois no d ialecto veneziano s e escrevia eif(e)ra,
e se proferia tcij(e)ra,o que estava mais conforme com O valor
da inicial arábica e peninsular .
Foi Leonardo de Pisa quem no século XII latinizou êste vocábulo em zep h ir um e os ital ianos abreviaram- no ao depois emz er o, talvez primeiramente pronunciado tce
'
r o,mas actualmente
deer o, que os franceses adoptaram , acomodando à sua pronun
c iação a escrita ital iana. Em portuguê s , como d is se , é provávelque a forma zer o provenha directamente da francesa escrita.
, com
acomodação igualmente a nossa leitura. Os alemães chamam - lh e
n u lle, do latim nu l l a ,« nada »
.
Massimo Planúdio, monj e grego do XIV século, escreveu um
l ivro, que intitulou Psã PªOP
ªORIA
“
EAT”IND OÚS [C álculo entre os
Ind ios], onde diz, a respeito dos algarismos o segu inte : á sónove figuras , e São estas : e teem tambémoutra figura que chamam Tz íP
ªRA, e para os índios esta não vale
Conforme L ibri , H i sto ire des Sci en ces math éma tiques en Ita li c t. II ,p . 29 , citado por F . Woepke , MEMOIRE SUR LA PROPAGATION DES CHIFFRESIND IENS , Par is, 1 863 , do qual é extratado em grande parte êste artigo.
20
306 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
nada, e as nove d itas figuras são ind icas , e a TZíPªRA escreve- se
assim O »
Portanto, desde o XIV Século estava a Europa de posse dosistema de numeração dos índios , com as formas arábicas , mo
difi cação das ind ianas , e das quais com pequenas d iferenças aindau samos . A d iferença maior é que num dos sistemas arábicos, oas iático, o algarismo 5 é figurado por O, ou quas i, e a cifra porum ponto Dos árabes os receberam os gregos , OS quais ospropagaram pela Europa, que adoptou as formas mais cursivasberberiscas , consagradas definitivamente pela imprensa.
Os romanos , como não conh eceram a cifra, que pela sua inserção entre os outros algarismos ind ica o valor dêstes no Sistemadecimal , usavam uma tabela quadriculada, ch amada ab ãc u s ,
ábaeo (em grego ÁBAKS), bastante enjenhosa na realidade , masinferior ao u so da cifra em clareza e facil idade para o cálculo. Era,
pouco mais ou menos como a figura segu inte , que explico :
1000000 100000 10000 1000 100 10
Woepke , op . c i t. , p . 1 93 - 194 . O texto está em grego ; apresento- o aquitradu z ido literalmente : apenas empreguei os algarismos correntes por me faltarem os sinais que nesse texto foram reprodu zidos .
308 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
trellas, auneis , c iganas , c i r cu l é s ou afogadores » O NOVODICCIONARIO já traz o vocábulo neste sentido especial , e define- o —« arrecadas de um só pingente » A definição é poucoclara.
As tribos vagabundas dos ciganos receberam nomes d iversosem cada nação.
Os eSpanh OIS chamam- lh es g itanos , isto é , egi tanos , « do
Ejipto », e nome idéntico lh es dão os ingleses , Gyp s ies . Os fran
ceses denom inaram—nos Bohem iens , naturalmente porque para lávieram , ou disseram que vinh am , da Boém ia. Emalemão emitaliano, em português , z igeuner , z ingar i , ciganos , o nome éétnico dêles próprios , conquanto os de Espanha, por exemplo, onão u sem j á , substituindo- o por c incalles .
É pois absurdo des ignar essas tribos em português com o
nome de boémias ; não 0 sendo menos d isfarçar a palavra c iganoem ts igano, pois o italiano z ingar i, alemão z igeu ner , ou o ro
meno ts igan i , com os sons tç iniciais , nada querem d izer quedifira essencial ou acidentalmente do termo português , o qual ,ao contrário do que acontece em francê s, inglês ou espanh ol , éa denominação lejítima dessas tribos , j á u sada até em francês ,com a forma ts iganes , desde que a palavra bohemiens adquiriua acepção de « tunante , estúrdio »
.
Em portugu ês também se chamou ao cigano egip cio, e eji ta
nato º
cigarro ; cigarrinho
Para cigar ro, que primeiro qu is d izer « charuto » em portu
gues , como no castelhano ainda h oj e , veja—se tabaco.
C igarr inho em Santa C ruz, ilha da Madeira, é o nome de
1 O DIA, de 27 de outubro de 1903 .
º J . Leite de Vasconcelos, TRADIÇõES POPULARES PORTUGUESAS , DOSÉ CULO XVIII, in « Revista Lusitana » , VI , p . 294 , (q.
Apostilas aos D ic ionár ios Por tugueses 309
uma ave, syl v ia c om p i c i l lata , conforme Ernesto Schmitz [DIEVOGEL MADEIRAS].Deve ser deminutivo de c igar ra, e não, de c igarr o .
cimeiro
C omo adj ectivo j á o rejistou o NOVO DICCIONARIONa Sertã p or ta cimeira é a « porta de C ima »
, por Oposiçãoap or ta da r u a .
cipai(o)
Este vocábulo, que designa « milí c ia indíjena » na India, aparece escrito por modos verdadeiramente singulares , entre outrosum estravagante syp aes , com g, s em se saber porquê , por exemplo no seguinte trech o :— « San tobá Ran Runes . cypae da
C ompanh ia do InfanteO vocábulo é persiano SiPAH I , SiPAI , « hoste »
, que pareceprovir de ASP
,« cavalo »
ª. Os ingleses escrevem Sepoy, Seapoy,
e lêem s ip o'
i .
c irata
O NOVO DICC IONAR IO dá a êste vocábulo como significação— « espécie d e xairel » , e declara- o desu sado. No Suplementoao VOCABULAR IO PORTUGUEZ E LATINO de Bluteau vem um artigo
um tanto longo, pelo qual s e pode deduzir , da citação que faz,ser j á obsoleto no seu tempo e mesmo no de Dom Sebastião. No
entanto, vemo- lo ainda empregado no segu inte trech o :— « Estadignidade [de camarista de Sua Santidade], alem das h onras
0 SECULO , de 1 de abr il de 1 902.
“2 Yule Burnell , A GLOSSARY OP ANGLO-IND IAN WORDS , 1886,p . 612-613 .
3 10 Ap osti las aos D i c ionários Por tugueses
prelatícias dá- lhe o d ire ito d e montar uma mula branca com
c i r ata vermelha, e esporas de ouro » Bluteau traduz porP e l l i s ep h i p p iar ia . José Inácio Roquete , que, na sua qualidade de ecles iástico de bastante erudição apropriada, deve ser
cons iderado autor idade , no DICTIONNA IRE PORTUGAIS -FRANÇAIS ºdeclara ser a signifi cação de c irata—« bord d'une selle »
c irieiro, cerieiro ; círio, c irial
A verdadeira escrita é s em dúvida com i na primeira sílaba,pois o vocábulo quere dizer « fabricante de círios » . Todavia, a
escrita com e é mu ito antiga, e a pronúncia naturalmente édevida, pois , como é sab ido, numa série de sílabas cuja vogalseja i , sómente o último tem êste valor ; os das sílabas antecedentes passam a valer e surdo 3
, como por exemplo m i litar , m in istro, que toda a gente , a excepção de um pequeno número depessoas que escolh em para seu uso pronunciação afectada, aí
não profere 0 i da sílaba m i com o seu valor alfab ético. Antiga
mente , mesmo, escrevia- se melitar , como s e escrevia veeinho,
que é a verdadeira ortografi a da palavra. Em cer ieir o, por c i
r ieiro, influíu também a palavra cera, visto que os c í r i o s erame são fabricados desta substáncia— « Sabede que Ioham C oelhoe Luis Mi z e Gill Fi z, e Manoel Gill , cerieiros moradores emessa villa de Santarem » —ª
C ir io tem outra acepção, a de « romaria », que provávelmente
lh e foi dada por motivo de ser levado na procissão algum c í r i ob ento .
O ECONOMISTA , de 24 de setembro de 1892.
º Par is, 1 855 .
3 V. A. R . Gonçálvez Viana, ORTOGRAFIA NAC IONAL , L isboa, 1904,p . 99- 104 .
Carta rej ia de D . Afonso V , in Po r tu ga l i a , I , p . 3 66.
3 12 Ap ostilas aos D icionár ios Por tugueses
dade em castelhano s e reduziu primeiro a c ibdad e depois a
ciudad, o contrário de Pau l u s que deu P ablo ; e ass im comode cividade proveio o actual c idade, assim também de um civi
tán ia resultou c itán ia.
Martinz Sarmento derivou dêste substantivo um adj ectivo« fi rmariam a sua dominação sobre os Ligures c i tan i en
s e sO vocábulo cividade é tamb ém empregado por Alberto Sam
paio, conjuntamente com ci tán ia : — « as ruinas dos opp ida,co
nh ecidas h oje tradicionalmente por c ividades , ci tan ias , cas tros0)
ou crastos
Vê - s e que são sinónimos , os quais heam dêste modo definidos .
civilista
Este neolop smo foi empregado por Duarte Gustavo Roboredode Sampaio e Mello, num proj ecto de lei , apresentado as C ôrtesem 1 de março de 1 900, acerca do divórcio z— « Traduziu elle[o C ODIGO C IVIL] talvez ao tempo da sua publicação a melhorobra da legislação civilista até então »
clamor , cramor, cramação
O DICC IONARIO C ONTEMPORANEO já definiu esta palavra num
sentido especial í ssimo que tem no norte do reino ;— « Procissãode
.
preces em que os h eis vão rezando alto em côro » Eo
p ardon da Bretanha Francesa.
Todavia, a forma, pela qual é conh ecida a d ita procissão, nãoé a l iterária que dá o d ito d icionário, mas s im cramol (cf. frol,do latim fl o r e) e caramat (cf. carap in teiro, por carp inteiro) .
Po r tu ga l i a , I , p . 1 2.
º AS «VILLAS » DO NORTE DE PORTUGAL , in Po r tu g al i a , I , p . 107.
Apostilas aos D ic ionár ios Por tugueses 3
Sõbre estas procissões típicas veja—se P o rtu gá l ia, I , pa] . 624e 664 z— « Mais do que os clamores , cramoes ou caramoes , accusam os cercos . vestigios menos d istantes de rel igios idade
Na ilha da Madeira cramação quere d izer « clamores , grita
Esta palavra escocesa (c lann « fi lh os » ,« projénie » ) muito
usada em Inglaterra, onde a tornaram conh ecida as afamadasnovelas d e Gualtério S cott, passou tamb ém para França, e d e láfoi trazida a Portugal por interméd io da literatura, mesmocientífica, com a pronúnc ia errada clã , sendo que a verdadeira écláne.
S e o vocábulo se aplica a escoceses , tem êle cabimento ; o queé abuso é trasladá- lo a outras tribos de constituição mais ou
menos análoga à dos serranos da Alta-Escócia ighlanders), deorijem e linguajem céltica.
Acêrca desta expressão escrevi eu a nota segu inte na SELECTAINGLESA DE LEITURAS FAC EIS , aprovada para O ensino do inglê snos nossos l iceus , comentando a expressão the c lan of Mac D o
nald do texto :— « da grei de Mac—Donald . O vocábulo c l ancorresponde ao GENS latino e des igna na Alta—Escóc ia, entre as
populações que falam gael , uma « parentela inte ira », um ajunta
mento de familias que obedecem á autoridade de um único ch efe ,e u sam appell ido commum a todas ellas , presumindo- se descenderem de um só avoengo. Ass im , em Mac—Donald , êsse avoengo
chamava- se Donald , e Mac significa « fi lh os » , « progenie ». O vo
cabulo c l an é em inglês applicado a grupos de famílias de constituição análoga em outros povos , e os franceses j á o adoptaram »
Ora, em português podemos d izer « parentela » ou « grei » ,para evitarmos o neolojismo. Em sentido muito semelhante u sou
Li sboa, 1897 , p . 230.
3 14 Aposti las aos D i ci onár ios Por tugueses
Gabriel de Annunzio, com relação a regi ão dos Abruzos , o termo,talvez local , p aren tado
Qualqu er que seja a ortografia que s e adopte , é absurdo es
crever , como é mu ito comum , o vocábulo grei gr e x , gr eg i s ,com y, grey, quando s e escrevem com i lei l ex l eg i s , er ei r ex , r e gi s .
Éste vocábulo, como substantivo, s ignifi ca « intervalo », mas
tem sentido muito especial no trech o seguinte :— «Aos claros ,
que constituem as extremidades das redes , pendem as cordas,cabos de linho, cada um com 30 ou de comprimento » —º
.
E termo de j ir ia e s ignifi ca « olhos » ; daí precede o verboali sar , por « olhar » . E o caló clisé ôlho »
, com deslocação doacento para a L
ª sílaba.
coa- das -pich as
«Alem destas [redes envolventes volantes] usam os pescadores do Mondego uma outra a que ch amam C oa das p i chas — 3
cobrinha
No concelho de Vila Nova de Ourém êste deminutivo decobra apl ica- se como nome ao que chamamos a ljam ca de cobra,isto é , a parietaria.
LA FrG LIA D'
IORIO .
P . F ernandez Tomas, A PESCA EM BUARCOS , in P o r tu gal i a , I ,
3 Po r tu g al i a , I , p . 3 80.
3 16 Ap osti las aos D ic ionár ios Por tugueses
supor como étimo déles uma forma dem inutiva cn lcitn la que
desse coeedra. C om respeito a queda do I, confronte- se doce dedu l c em .
C olchão é simples aumentativo de colcha, que pressupõe umaviolenta absorção da sílaba medial ci do deminutivo, ou outra
forma c u l c i ta igualmente difi cultosa. Kõrting prºpõe tambémque sejam derivados d e c ol l o car e , castelhano colgar
C ox im será , s egundo o parecer do mesmo autor , o latimc u l c i tinum , o que também apresenta d ifi culdades .
colh eira
Esta peça dos arreios das cavalgaduras veio provávelmentede Espanha, onde s e ch ama collera (pron . colhera) cu ello
(pron . cu elho), « colo » ; em portuguê s deveria d izer—se coleira,
tanto a do cavalo, como a do cão.
A pronúncia coelheira é viciosa, pois o vocábulo nada temque ver com coelho, que em castelhano e conejo .
combo
África Oriental Portugu esa : « infel icidade » º
comédias
Na praia da Nazaré ouv i assim denominar a « praça dos
arlequ ins
1 LATEINISCH -ROMANISCHESWURTERBUC H ,Paderborn , 1 890, n .
ºfs 2013
e 281 3 .
2 Dioclec i ano Fernández das Neves, ITINERARIO DE UMA VIAGEM ACAÇA nos ELEPHANTES , Lisboa, 1 878 , pass ion .
Apostilas aos D ic ionár ios Por tugueses 3 1 7
cómodo
« O conjunto de h erdades que constituem uma lavoiradesigna- se por cómmodo 5»
C onfronte—se o emprego do mesmo vocábulo para designaros « repartimentos de uma habitação »
.
companha
«As comp unhas são grupos de pescadores que se reunempara exercerem a industria da pesca, e se compõem
'
de um ch efe ,o ar raes , e dos companh eiros » — º
. C onforme J . Leite de Vasconcelos deriva—se do verbo comp anhar l c um p an iar e c um
p an i s 3 , « pão ».
comparança
Éste substantivo, formado de comp arar , como esp eran ça deesp er ar , não vem nos dicionár ios , e todavia êle concorre popularmente em todo o r eino com o l iterár io comp aração : o mesmoacontece com declareea, a par de dec laração .
compassar
Eis aqui um sentido muito especial dêste verbo :— « Quandoo atirador queria fazer uso do arcabuz, abria a caçoleta, « com
1 J . da S ilva Pi cão , ETHNOGRAPH IA no ALTO-ALEMTEJ O , in P o r
tu gal i a , I , p . 271 .
i b. P. Fernández Tomás , A PESCA EM BUARCOS , p . 154 .
3 REVISTA LUSITANA , I I, p . 33 .
3 18 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
passava » a mecha, isto é , dava- lhe o comprimento sufii c iente
para ch egar á caçoleta, apertava o gatilho, e O tiro partia »— l
coudessar , conde ssa, condessilh o
No Suplemento ao NOVO DICCIONARIO vemos o verbo c on deç a r ,
nos s egu intes termos : (aut.) guardar , pôr em depósito.
(De condom) »
Santa Rosa de Viterbo traz efectivamente como antigo o verbocondesar : Guardar .
.
Daqui C ondessa, ou C ondess ilho : aqu illo,em que alguma cou sa se guarda.
— C ondess ilho z o mesmo queD ep os ito, segundo Duarte Nunes do Lião »
Na realidade , o filólogo citado por Viterbo inclui na l ista docap . XVII da ORIGEM DA LING OA PORTUGUESA , como antigo, o
indicado condess i lho .
A. A. C ortesão, no Ad itamento aos SUBSÍD IOS PAR A UM D IO
C IONARIO COMPLETO DA LÍNGUA PORTUGUESA , diz- nos z— « C on
dessa ou condessa . [o arch . condesur , do b isp . condesur
(do latim cõruiêr e .—emende- se [na obra] —o arch . condes
sar , do b isp . condesur , do latim condãre . C f. também o
b isp . conden sa (do latim condensa), logar onde se guarda algumacoisa, por exemplo, a despensa, o guarda—roupa, etc .
A parte a preocupação do autor dêste util í ssimo r epositó rioem converter o castelhano numa espécie de crivo pelo qual Olatim , O árabe , 0 germánico, etc . h ão de passar para ch egarem ao
português , teoria evidentemente errónea, pois O português , se nãoé mais antigo, é contemporáneo do castelhano em toda a sua
evolução, que é mais fi el quasi sempre as formas orijinais ; a
parte êste senão, repito, o autor deixou a claro a orijem do
P o r tu g á l i a , I , p . 603 .
2 ELUC IDARIO DOS TERMOS E FRASES QUE ANTIGUAMENTE SE USÁ
RAO L isboa, 1 798 .
3 20 Aposti las aos D i cionár ios Por tugueses
menos contundentes e mais baratos que os verdadeiros confeitositalianos . Vieram para cá os tais d is cos substitu ir os afamadosp ap elinhos nacionais , e , como aos franceses não ch ega a línguapara pronunciarem correctamente o ital iano confetti , estropiaram—no em confeti , parvuíce que tamb ém , por ser francesa
,se
espalh ou em Lisboa, entre a gente que presume de fina.
A s e não querer adoptar o nome muito português e tradicional p ap elinhos , o que temos a fazer , 0 que faz quem quere falarportuguês em Portugal , é d izermos confei tos , des ignando com
êste termo não só os doces , mas a sua imitação, tal qual fazemos italianos ao seu confetto .
E,a prºpósito dêste singular, sempre desejaria saber se,
os
que acentuam confetti , dirão no s ingular confetti , ou confetto'
f
congosta, cangosta
Éste vocábulo, cuja forma mais correcta é cangos ta, poréma mais usual congos ta, é um exemplo mu ito caracterí stico depolissíntese em português . É um composto, por el isão da sílabafinal no primeiro elemento e da sílaba inicial no segundo, pois oseu étimo é can a le e ang o s ta de que resultou canalan
gosta 3 canangos ta cáangos ta cangos ta congos ta, por fim ,
em virtude de assimilação da vogal da primeira sílaba a da segunda. C f. para a última destas formas contracção de ao :
C ondensação das vár ias sílabas de um vocábulo exempl ifi catambém qu elha can a l i cu la canali lha canalelha cãale
lha cã elha caelha qu elha .
consertador
« Para as redes de arrasto ha mesmo um certo numerode indivíduos a que ch amam r edeir os , atadores ou concer tadores ,
J . Leite de Vasconcelos, REVISTA LUSITANA , IV , p . 273 .
Ap osti las aos D ic ionár ios Por tugu es es 3 21
que exclusivamente se ded icam a este serviço na epoca de maisabundancia de peixe »— ª
.
O serviço aqui mencionado é O de « consertar e encascar »
as redes , isto é , de emenda- las e tinji—las .
Sôbre a escr ita dêste verbo conser tar , de c on s er tu s , par
ticípio pretérito passivo de c on s er e r e ,d iferente de concer tar ,
de que deriva concer to, « aj uste , combinação », veja—se ORTO
GR AFIA NACIONAL º, paj. 1 2 1 .
C onsoaI'
—Éste verbo, conforme D . C arolina Michaelis de Vasconcelos ,deriva- s e de c u m s u b u n a r e , e consoada, de c um s ub
u n ata, sendo —ata a terminação femenina do particípiopretérito passivo do d ito verbo 3
. Estanislau Prato propuseraconsonata, ao que se opõe a locução de '
cons um,« em comuni
dade » .— « C onsoámos por ser dia de quaresma e j ejum » — 4
.
C onsoar , como pode ver- s e nos dicionários , quere dizer « tomaruma refeição leve , por preceito rel ijioso
C f. assuada, que, conforme a mesma abalisada romanista,provém de ad s u b u no
5.
conto, conta, contar ia
A uni dade de contajem de cereal em rama usada em Trás—os-Montes é a p ou sada, que se compõe de quatro molhos . O termoé próprio dos arredores de Bragança. 0 cereal em grão tem por
1 F . Fernandez Tomás , A PESCA EM BUARCOS , in Po r tu gal i a , I ,p . 383 .
ª Li sboa, 1 904.
3 REVISTA LUSITANA , I , p . 1 24 , 1 30 ; I II , 3 62 , 3 65 .
4 An tónio Francisco Cardim , BATALHAS DA COMPANHIA DE JESUS ,Lisboa, 1 894 , p . 80.
5 REVISTA LUSITANA , I , p . 130.
322 Ap osti las aos D i c ionár ios Por tugueses
unidade a con ta, que é igual a quarenta alqueires , isto é , uns
s eis h ectolitros .Uma s ingularidade da mesma rej iao é o número 20, tomado
como básico para a contajem , a maneira do vasconço ogu ei, do
francês vingt, do d inamarquês tgve.
Deste modo oi ten ta diz- se qu atro vezes vin te, em francês qu atre—vingts , em d inamarqu ês f i i r s indstgve, « quatro vezes v inte »
;
em vasconço lau rogu ei , « quatro vintes », de lau(r) « quatro »
A expressão conto só h oj e se emprega, com a s ignifi cação de«milh ão »
, com referência a d inh eiro, equivalendo um conto de
r é is a « um m ilh ão de réis » .
Bluteau insiste em que con to não é mais que m i lhã o, e queconto se diz de r é i s , e m i lhão, de c r u zad o s , censurando o
Padre António V ieira, porque os d iferençou .
Fernám Méndez Pinto ª diz- nos z— « São estas feyras ambasfrancas e livres , sem pagarem nenhum direyto, pela qual causaconcorre a ellas tanta gente , que se afirma que passa de trescontos de pessoas »
gQuis o autor d izer « três m ilh ões de pessoas » ?Ass im parece , s e compararmos esta expressão de número com
aque se lh e segue :— «E porque , como disse , os trezentos milh omens que estão em depósito nesta prisão andao todos soltosS e só presos eram trezentos mil , não é de admirar que dez vezesêsse núm ero fos se a gente l ivre que a feira concorria. Passa- seisto na C h ina, o que deve diminuir o espanto que nos causariatamanh a concorrencia.
Acerca do termo con to num sentido especial , trans crevo, porser perfeita a definição e a demonstração da orijem , o seguintetrech o do notável estudo de Alberto Sampaio, intitulado AS« VILLAS » DO NORTE DE PORTUGAL : Os mesmos bens doadosnão eram privilegiados s enão por graça real , pois era o rei quemos con tava ou hon rava, prescindindo dos d ireitos de que fazia
VOCABULARIO PORTUGUEZ E LATINO .
PEREGRINAÇÃO , cap . CVII I.
324 Ap osti las aos D i c ionár ios Por tugueses
uma notavel perfeição, e assi muitas danças e festas em toda a
noite »— ª
Na acepção ordinária cop a, como arrecadação só se aplicaao m ó v e l ou q u ar to onde se põem a resguardo comidas , louçasou trem de mesa.
No Alentejo porém o significado é diferente , como vemosdo trecho segu inte :— « tudo aqu illo está em desordem , assimcomo a c ºp a (vestuário)»— º
copa, copo
Em C aminha, e provávelmente em outros pontos do M inho,o vocábulo cop o corresponde ao vaso que mais para o sul sedenomina caneca, isto é , vaso cilíndrico, de maior altura que
diámetro, munido de asa.
C omo termo de pesca é uma peça da rede , e também nomede uma rede :— « Destes apparelhos o mais usado em Buarcosé O cop o
—que s erve para a pesca do camarão » —3
C op a, pelo que h oje chamamos cop o, taça,'
vêmo- lo em Rui dePina:— < o Infante Dom Fernando, por melhor justador , venceuentão o g rad o , que foi uma rica cºpa, de que fêz logo mercê aDiogo de Mello » —ª .
Hoj e diz- se para aí r ecord, a inglesa, e não grado, que seriauma vantajosa substituição do anglicismo, pronunciado a francesa, r ecór . Então, como actualmente , era uma taça o pr émiogrande .
cap . CXXXI .º José da Silva Pi cão , ETHNOGRAPH IA DO ALTO-ALEMTEJ O , in P o r
tug al i a , I , p . 542.
3 Fernández Tomás, A PESCA EM BUARCOS, in Po r tu g al i a , I , p . 1 52.
4 CRÓNICA DE EL-REI DOM AFONSO V , cap . cxxxr.
Ap ostilas aos D i c ionár ios Por tugueses 325
coração ; coração
É conh ecido em quási todas as suas acepções o primeirodêstes dois vocábulos .Em dois sentidos porém não está colijido, que eu saiba, e de
duzem—se dos trech os seguintes :— « Possu ímos alguns d essespesos , corações como as tecedeiras lh es chamam » São pesosde tear , em forma de coração. Quando P hys i cu s , h á d ias, nosensinou que a forqu ilha tem onze pau s , a tipografia partiu um
delles , e não nomeou o principal ,— o coraçao, em que se implantam os den tes e o cabo ª
.
0 segamdo é um neolojismo, derivado do verbo corar co
rar), que tem de ser d iferençado do primeiro, porque a pronun
ciação do o é d iversa, profer indo- se aberto, entanto que o decoraçao soa como i t :— «Entrevíamos um bacillo que microscópicamente revestia a m o r p h o l og ia do da peste— curto, atar r ac ad o , coração b ipolar , espaço branco interméd io » —º
. Este trecho, em que as palavras tomam acepções desusadas , não é decerto modelo de boa linguajem ; apesar disso, porém , o vocábulocoraçã o, por coloração, está bem derivado do verbo cor ar , emerece rejisto. Quanto a morphologia, que não quere , nem qu isnunca d izer « forma »
, mas sim t e o r ia das fo rm as,ou das fo r
m aç õ e s , não pod e , nem deve figurar em d icionários naquelaacepção . S ingular é também o epíteto atar racado, aplicado a um
organismo só visível por m icroscóp io .
Os d icionários não mencionam que êste nome , não só designao « coral verdadeiro »
, mas tamb ém o fal s o , m esmo sem aposição
1 D IARIO DE NOTIC IAS , de 7 de dezembro de 1 905 .
º R icardo Jorge, A PESTE RUBON IC A NO PORTO , 1 899 , p . 44 .
3 26 Aposti las aos D i cionár ios Por tugueses
dêste epíteto, que é indispensável que acompanh e p erola, quandoela não é verdadeira. Assim , ainda com epíteto que o realça,coral fino denota apenas « imitação do coral verdadeiro »
, comoquando denomina uma contaria, coral-fino Mar ia, que se lianum anúncio publicado no jornal . 0 ECONOMISTA , de 4 de no
vembro de 1 882 .
coriscar, corisco
É conh ecido o étimo dêste verbo, que poderia ser consideradocomo derivado de cor i sco, quando a verdade é que s e deu o casocontrário. C or iscar procede do latim c or u s c ar e , com diss imi
lação da vogal átona da segunda sílaba, com relação ao o da
primeira ; cor i sco é um nome verbal rizotónico, derivado de cor i scar , j á dentro do português .
C or i sco, não só na Bairrada, como diz o NOVO DI C C IONARIO , mas também em outros pontos e no Brasil , é o que emgeral O povo chama p edra- de—raio .
Esta palavra, que actualmente signifi ca apenas , em sentidopejorativo e ofensivo, o mesmo que «matu la »
, (q.« quadri
lha» (espanh ol ismo), « turba », é declarado termo da Índia, com
a significação de v inte no VOCABULARIO PORTUGUEZ E LATINODE BLUTEAU Vê—s e pois que h á dois s éculos ainda não
havia adqu irido o sentido deprimente que ao depois prevaleceu :« S inalon—lh es d ez C orjas de cotonias . São cotonias lenço da
terra, que serve para vestido. A C orja h e numero de vinte3 . part. da Hist. de S . Dom ing. pag. 3 3 7 » V. cotonia.
Era pois corja um dos frequentes nomes numerativos, equivalentes aos nossos duz ia, conto, mão, etc . , tam usados emmuitas das l ínguas asiáticas, e nomeadamente nas do sul da
28 Ap ostilas aos D icionár ios Por tugueses
corneta
C omo termo de j iria, ja antigo, quere d izer « cara »
Venha cá, senhor malhado ,Meta a m ão nesta gaveta,Dê vivas a Dom Miguel ,Senão , parto- lh e a c o r n e ta
— « Todos [os barcos] são de fundo chato— o que é impostopela natureza do leito da ria, de grandes espraiados e ch e ia debancos de areia ou coroas » — ª
E esta uma acepção da palavra c(o)roa que os dicionáriosnão rejistam, e por isso aqui fi ca apontada.
coroça, palh eta, palh oça, capa- de—palh as , capa palh iça
Esta capa, u sada tanto em Portugal , como na Nova C aledónia, como no Japão, donde provávelmente veio para cá no sé
culo XVI ou XVII, j á motivou esta nota a páj. 1 70, do livrode Jouan LES ÍLES DU PACIFIQUE º
z— « Les Japonais et les
paysans du Portugal ont des manteaux tout—ã—fait semblablesVeja—se um artigo que publiquei, sôbre a língua do J apão,
no jornal 0 SECULO , de 8 de agosto de 1 904, no qual me referia êste especialí ssimo abrigo ; v . também a palavra dáimio.
1 Lu ís de Magalhães, OS BARCOS DA RIA DE AVEIRO , in , Po r tug al i a , II , p . 53 .
º vol . LXV da BIBLIOTHÉQUE UTILE.
Ap ostilas aos D icionár i os Por tugueses 3 29
coroplasta
Eum neoloji smo, que Rocha Pe ixoto empregou na sua mo
nografia intitulada As'
OLARIAS DO PRADO , tirando- o imediatamente do francês corOp las te, vocábulo tomado nesta língua dogrego KOROPLÁSTÉ S composto de KÓROS , « moço »
, e PLASTES« fabricante »
. 0 Signifi cado é « imajinário de fi guras de barro ou
cera » quando de louceiro o ceram ista de Prado passa a corop lasta » — º
.
corpo- santo—de - Pedro—Gonçálvez
Este composto pol imérfico encontra—se mencionado por Juriende la Graviere z— « ces lueu rs bleuâtres et sautillantes que lesPortugais appelaient C orp o San to de P edro Gonsalves , et les
Espagnols 8ant-Elmo »— 3.
Não sei s e vem mencionada por enteiro a expressão emqualqu er escritor português , mas designa o C orpo Santo, ou
fogo-Sam—Telmo, a que se refere C amões , nos LUSÍADAS , C anto V,est. 1 8 :
Vi claram ente visto O lume vivo
Que a maritima gente tem por santoEm tempo de tormenta e vento esqu ivo ,De tempestade escura e triste pranto .
corre—caminh o
Na ilha da Madeira é o nome vulgar d e uma ave, An th u str i v i al i s , de Lineu 4
.
1 W .Pape GRIECHISCH -DEUTSCHES WORTERBUC H , Brunsvique, 1 880,
t. 1 , p . 1487 , col . I , t. II , p . 625 , col . II .“2 Po r tu ga l i a , I , p . 250.
3 LES ANGLAIS ET LES HOLLANDAIS DANS LES MERS POLAIRES , ETDANS LA MER DES INDES , Par is , 1 890, t. 1 , p . 144 .
P . Ernesto Schmitz , D IE VÓ GEL MADEIRAS , 1 899.
330 Apostilas aos D icionár ios Por tugueses
corre - costas
—« ch egaram dois corre- costas que andavam ao serviço dasauctoridades na praia » E termo brasileiro e designa barco.
corriqueiro
0s dicionários definem ê ste adj ectivo, que corre ou circulahabitualmente ; vulgar, trivial » Na primeira acepção nem éu sual , nem o vi ou ouvi jamais empregado ; no Minh o, porém ,
chama—se cor r iqu eir a a pessoa que sai de casa frequentemente .
corsa côr sa)
Na ilha da Madeira tem êste nome , ou O de arr asta, o carrode arrastar , - sem rodas » e s eriam termos muito aceitáveis paraexpressar o francês traineau trainer , arrastar »
, que já passoupara cá , com a forma tren ó ; cf. trumo
'
, ou tremó de trumeau .
corso cor so)
É um ital ianismo de introdução muito recente , nome de uma
rua de grande movimento em Roma: as ruas do cor so, comose deliberou chamar—se ao espaço compreh endido entre o largo
de C amões e as ruas do C armo, do Ouro, e Nova de Almada »— º.
Esta deliberação, que s e não diz por quem foi tomada com
tamanh a autoridade e intimativa, por emquanto só teve c u r s o
1 O ECONOMISTA , de 1 de setembro de 1887, « Correspondencia do Riode Janeiro
º 0 SECULO , de 7 de março de 1905.
3 32 Aposti las aos D i ci onár ios Por tugu eses
costume ; costumar
C onforme C arlos Eujénio C orreia da S ilva, em Ajuda designaesta palavra « tributo pago ao rei do Daomé » e festa periódica
C os tumar , como verbo trans itivo, tendo por complementoobj ectivo um nome , foi u sado antigamente , como vemos em Rui
de Pinaz— «Foi algum tanto envolto em carne [o rei], e por en
cuberta d isso custumava s empre vestiduras sôltas »— º
Pr esentemente diz- se costumava u sar .
0 emprego todavia do particíp io pass ivo dêste verbo, comoadj ectivo, na acepção de « u sual » , perdura ainda:— « E deu ao
seus armas além das custumadas —3
O cos tumado, empregado em absoluto, s ignifi ca « o h ab itual »
costume ; trajo, ou traj e
Este vocábulo, que antes se escrev ia castame, signifi ca uso,
u sança, h ábito ». Mu ito modernamente é empregado na acepção
de trajo, ou traje, por gal icismo, não só inútil , mas amb íguo ; eporque é um desacerto, adqu iriu voga imed iatamente . Desta ma
neira, não só serviu de título a uma colecção de traj es portugueses , desenh ados por Bordalo Pinh eiro com a maior exactidão,o ALBUM DE COSTUMES PORTUGUEZES, mas também serve—paraclass ifi car uma colecção de bilh etes postais com a mesma des ignação de C os tumes p or tugu eses . Ora, cos tumes são bons ou mau s ,
morijerados ou devassos ; mas nunca tal palavra serviu para denominar traje, e em parte alguma dos dom ínios portugueses o
povo entende semelh ante nome em tal s entido, nem pessoa que
1 UMA VIAGEM AO ESTABELEC IMENTO PORTUGUEZ D E S . J OÃO
BAPTISTA DE AJUDA, NA COSTA DA M INA EM 1865 , Lisboa, 1866.
CRÓN ICA D E EL-REI DOM AFONSO V , cap . 213 .
3 ib, cap . XXXIII .
Apostilas aos D ic ionár ios Por tugueses 3 3 3
s e preze de escrever na língua pátria o empregará . Quem o usa
inadvertidamente deve ter em atenção que traje, em francês,se
diz costume, mas que c o s tum e é cou tume, e lá portanto não
se pode dar a confusão , que o emprego dêste escu sado galicismoocasiona em português :— « Né poss édons—nou s pas quelques vuesdouant la caractéristiqu e de tele ou tele grande vile , des détailstipiques sur les meurs , les c ou tu m e s et les c o s tum e s dºuneréjion ? » —
1
O termo é dado como transmontano pelo NOVO DICCIONARIOcom a signifi cação de— « lado oposto ao game da ferramentaNão me parece que a l imitação imposta
,quer ao s ignifi cado,
quer a rej iao onde o vocábulo é u sado, seja exacta. Em Lisboa,desde a m inha infancia, ouvi chamar cota à parte oposta ao gume ,ou ; fio » da faca, isto pelo que diz respeito a significação ; e com
relação a d ifusão do termo, vejo que é também empregado emoutros pontos , pelo seguinte passo :— «A espadela é uma espéciede podoa de made ira, em que s e d istingue a cota, o fio ou gume
Oe o punh o
É um termo de j iria cidadã , que talvez provenh a de propos itada corrutela do inglês c ottag e , pron . cot
'idje, e designa. uma
casa que não é a própria h ab itação, mas sim outra, reservadapara actos secretos , às escondidas da família. Eis aqui uma
abonação do termo : 0 cu te dam a da Gloria é num primeiroandar tem duas salas exiguas , mal mobiladas , com
os hanaes decor s destas alfurjas proprias para amores de occasião » —3 .
1 LE RÉFORMISTE , de 15 de novembro de 1 905 .
º B . D . Coelho , INDUSTRIA CASEIRA DE F IAÇÃO , TECELAGEM E TINC IDURA DE SUBSTANC IAS TEXTIS , (s ic), in Po r tu gal i a , I , p . 3 74.
3 O D IA, de 12 de janei ro de 1905 .
3 34 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
cotio (figo)
Quere dizer « de todos os d ias » 2qu o ti d i e , e figuradamente« comum , trivial » — «A arraia miuda é constituída pelo « C otio »
[fi go], que pela quantidade e numero se pode chamar soberano.
Eo figo de embarque que regula por 800 réis a arroba, ao passoque os pr imeiros [ berjaçota sofeno cas telhano e] O bello« Inchario »
, por exemplo, regula por 3000 réis a arroba » —ª.
cotonia
Roupa de algodão. Pronuncia- se coton ia, e não, colónia,
como indica o DICCIONAR IO C ONTEMPORANEO ; em árabe QUTNÍE.
cotovia
C omo termo de calão, quere d izer garrafa »
« Por c ou ç a é aqui [Braga] denominado um morcão [1a
garto grande] que apparece em alguns cortiços e destroe as abe
lhas » —º
001106
Uma peça do arado z— « Noutros typos dºarado em vez dessa
peça inteira, a rab iça, h a duas ou tres ligadas : uma inferior,que s e chama den te ou coi ce, em que assenta a relha »— 3
Nesta acepção não vem nos dicionários .
0 ECONOMISTA , de 5 de novembro de 1 885 , citando o JORNAL DAMANHÃ .
º GAZETA DAS ALDEIAS , de 25 de fevereiro de 1 906.
ª Francisco Adolfo Coelho, ALFAIA AGRICOLA PORTUGUESA , in P o rtu gal i a , I , p . 407 .
336 Aposti las aos D i cionári os Por tugueses
c op h u m se há de atribu ir o substantivo côco, meia—esfera devêrga que s erve de gaiola aos gal inaceos, nos mercados . Quanto
ao substantivo covão, d iferente de covão, aumentativo de coca,
tem or ijem no primitivo c 0p h inu s , como o correspondente castelhano cu ccano (cf. Estevã o, Es teban S te p h anu s) e o italianocbfano, o que já conj ecturara há tantos séculos Isidoro Hispalense , e do qual caban i lho, « cesto alto e cil índrico » é um derivado, em cuja forma influiu a palavra cabana , de que ainda setirou cabano, por via de reversão a um pr imitivo suposto.
Vê—se pois que as formas populares latinas c op h u m , c op h a
não são j á h ipotéticas , mas na realidade ex istiram a par dec 0p h inu s , no latim Vulgar .
Por outra parte a palavra cofre é de orijem imediata francesa e de introdução relativamente moderna e artificial nas
l ínguas peninsulares , como o demonstra a mudança do n latino
em r ; cf. p am p an u s p amp r e.
Não param por ém aqu i os derivados de c op h u m , c op h a ,
pois ex iste , pelo menos , outra palavra que, tendo a mesmaorijem ,
passou a portuguê s por intermédio do árabe ; é alcofa
(AL—QUEE), que tamb ém foi parar a França e Itália, talvez semtal intervenção ; com as formas couf e e cof a, cofa, venezianas .
Temos poisGrego EOP
ªrNOS lat. literal c 0 p h inu s italiano cofano,
cast. cuevano, port. côvão .
Latim vulgar, c 0p h u m , c op h a port. côvo, co'
va, cast.cu eca árabe QUEE ; ital . cof a, cofa, fr . coujfe.
Arabe ALQUFE l português a lcofa.
Português côvão caban i lho, cabano, cova aumentativocovão, ocsítono, e outros mu itos mais derivados , covinha, en covar
, etc . e coveir o, d iferente d e coveiro, (q.
côvodo, covedo, côvado
—á muito tempo que ê ste vocábulo no sentido de cotoveloa
foi por ê ste substituído, conservando apenas a acepção de um,
Ap ostilas aos D ic ionár ios Por tugueses 3 3 7
med ida de trê s palmos, que de ixou de ser u sada, pelo quê passará em breve o termo a ser completamente obsoleto. C ocada,
em castelhano codo, é o latim c u b itum , como é sab ido, e cotoveloum deminutivo, c ub i tel l um , com metátese das sílabas médias .C ávado na sua prim itiva acepção encontra—se , por exemplo, na
DEMANDA DO S ANTO GRAAL, com a forma covodo côvodo :
—«Entom a lançou o mais que pôd e e quando ch egou preto daagua viu h ua mão sair do lago que parecia ates o covodo, mas
do corpo nom v iu nada »
Quer como termo de bordo, qu er como vocábulo própriode teatros é coreia de orijem ital iana, do mesmo modo que outrasmuitas d ições pertencentes a essas duas nomenclaturas . Em tos
cano cors ia, a coacia no teatro, é definida ass im por P . Pe
trocch i ºz— « lo Spazio ch e nella platea dºun teatro e líbero
dalle panch e e piu spezialm[ente] quello di mezzo[ « o do
A forma portuguesa, se não provém d irectamente de qualquerd ialectal ital iana, resultou do concurso de r s antes de i .
cozinha
Este vocábulo e o seu étimo são bem conh ecidos : do latimc o c i n a , por c o qu ina, proveio coz in ha, como de c o c e r e , por
coqu ere, « cozer » , que s e não deve confund ir com coser l c on s u e r e .
Em C aminh a, e outras partes do M inh o naturalmente , a palavra coz inha designa o « fogão da cozinha »
.
1 Oto Klob , in « REVISTA LUSITANA », VI , p . 344.
2 NOVO DIZ IONARIO UN IVERSALE DELLA LINGUA ITALIANA , M ilão ,1 887 .
3 3 3 Ap ostilas aos D i cionár ios Por tugueses
crasto : v . castro
crebar
Esta forma minh ota não é , como poderia supor—se , metáteseda usual quebrar , cuja significa-ção tem ; pelo contrário, na formageral quebrar é que se deu a metátese com relação a crebar ,
mais antiga e mais conforme com o seu étimo latino c r e p ar e ,confi rmando- se a etimolojia que j á se atribu ía a qu ebrar . 0 qu
por e na sílaba inicial foi mero exped iente ortográfi co, para se
evitar a leitura cebrar .
criar, criado, cr iança, etc .
Quasi todos os d icionários portugueses , modernos pelo menos ,escrevem o verbo cr iar com e, isto é , crear , e , em consequênciadesta ortografia, rejistam igualmente creador , creado, creaçao,
creança, etc .
Alguns autores d istinguem duas séries : C r ear , creador ,
creado, creatu ra, creaçao (do mundo), creança por uma parte ;e cr iar , cr ia, cr iador
, cr iaçã o (de gado), cr iaçao (« aves doetc .
Nenh uma razão, h istórica ou outra, ex iste que justifi que , ousequ er explique esta distinção fi ctí c ia : a palavra é uma i
'
mica, econquanto o seu étimo seja o latim c r e ar e , o facto é que em
portuguê s o verbo déle derivado é um só, cr iar , que tem de ser
escrito com i , e não e, visto que nas l inguajens rizotónicas
convém saber , nas que tem o acento no rad ical , a conjugação ésempre com i proferido e não com e : cr i e, cr ias , cr ia, cr iam,
cr ie, cr iem . S eria pois insensato fabricar irregularidades aparentes , que a pronúncia não confi rma, entre estas formas r izotónicase as acentuadas nas des inéncias , escrevendo estas com e valendo i ,crear , crea
-mos , crea is , or cei s , crearão, etc . ; ou fazendo d istin
3 40 Ap osti las aos D i c ionár ios Por tugueses
Recr ear , porém , que s e conj uga r ecr eia, deve escrever—secom e.
cristalino
Este adj ectivo, não como termo poético, mas em prosa, s ignificando « de cr istal »
, foi empregado por António F ranciscoC ard im , no l ivro BATALHAS DA C OMPANHIA DE JESUS 1 C oposcristal inos de Veneza
criveiro
Este substantivo, designando o « fabricante d e crivos e peneiras não está rejistado nos d icionários , mas faz- se dêle mençãono s eguinte passo :— «Estas ratoeiras são feitas pelos c r i v e ir os , que as vendem na praça pelos respectivos preços d e 80e 100 réis » — º
cubí culo
No sentido de « cela »,
« quarto de dormir », conforme o seu
Significado em latim ,vê—se no trech o s eguinte das BATALHAS
DA C OMPANHIA DE JESUS, paj. 222 quatro cub ículos e um
refeitorio »
cubrir, cuberto, descuberto
Este verbo é usado no d istrito de B ragança com uma sin
tasse espe cial , como s e pode ver com os dois ex emplos que vou
dar : cu br i r o chap éu ,« cubrir—se (com o chapéu), pôr o chapéu
na cabeça » ; cubr ir o cap ote, « cubrir- s e com o capote , embru
lhar—se nele » .
4 Lisboa, 1 894, p . 44.
º J . Pinho, ETHNOGRAPH IA AMARANTINA , A Caça, in Po r tu g al i a ,
I I, p . 89.
Ap osti las aos D ici onár ios Por tugueses 341
Nesta última sintasse u sou José Maria da C osta e S ilva o
verbo cubr ir , no último verso do poema 0 ESPECTRO ou A BARONESA DE G A IA , paráfrase do BERNAL FRANCES
Ramiro .cobre O manto , e retirou - se
Do imperativo do verbo cubr i r formaram—se vários substantivos compostos , tipo muito peculiar das línguas românicas ecuja vital idade ainda perdura, como com outros mu itos verbos ,por ex . : gu ardar , que deu gu arda
—p or tão, gu arda
Uma dessas formações , que não foi rejistada, é a segu inte ,u sada no C eará : cobr e-
p eitos , « cou ra de que u sam os camponeses ou matu tos , especialmente os vaqu eiros » É feita decouro.
Em Lisboa faz- se um doce da casca da abóbora branca, cortada em tiras e cozida em calda de açúcar , a que nas confeitar ias se ch ama abóbora eu ber ta,
« de açúcar », entende - se .
O termo cu ber to, neste sentido, parece que se generalizouem vár ias rejiões a outros doces , pois em Aveiro s e chama docedescuber to aquele « que não é polvilhado de açúcar »
, em oposi
ção a cuber to no sentido indicado.
cucu iada: v . cuquiada
cudar
Nos Açores per siste esta antiga forma, alótropo de cu i
dar 2c og i tar e : cf. chu iva e chuva p lu v ia .
culi, cule , coli
C ali ou cu le deve em português ser a escrita desta palavra,mu ito conh ecida na As ia, nomeadamente no Arquipélago Malaio,
Sena Freitas , CATHEDRAL DE BURGOS , 1884 .
3 42 Apostilas aos D icionár ios Por tugueses
na C h ina e na Índia. 0 étimo é incerto, pois uns d izem ser o
tam il kali , « soldado », outros o turco lool ou lcu le, « escravo »
,
ou o nome étnico kali « raça » ou povo, no sul da Índ ia. A es
erita coolie é inglesada, e , pelas indicações da possível orijem do
nome , desarrazoada em outra língua que não s eja a inglesa, naqual 00 tem o valor de u .
cu libeca, curibeca
« Nenh um d 'elles , que saibamos pertence a s eita dos cu li
becas . E sabem os leitores o que são os cu libecas , a respeito dosquaes a ins istencia em os fazer influentes e poderosos no animodos governadores de Angola, se * ia asqu erosa, se não fosse ridicula? Pois são os pacatos e comed idos membros d'uma associaçãoch amada GREM IO LITTERARIO de Loanda
Qual seria o governador . que se julgasse mais s eguro tendo o apoio dos cur ibecas do que as sympath ias d eS . Th omé ?A forma correcta há d e ser cu r ibeca, e não, cu li beca, s e a
palavra é qu imbunda, como parece , pois nesta l íngua só ha lantes de a, e, o u ,
sendo substituído por r brando antes de i .
cumerim
0 NOVO DICCIONARIO define ê ste vocábulo da Ind ia Portuguesa do modo seguinte :— « desbaste e corte de árvores »Parece não ser exacta a definição. Monsenh or S ebastião RodolfoDalgado traduz a palavra concani humer i por « boucha »
, e ê stevocábulo o mesmo NOVO DI C C . declara- o provincial e atribui-lhe
como signifi cado— « mato que se queima para cultivar a terraque elle occupava »
Veja- se Yulo Burnell , A G LOSSARY OF ANG Lo - IND IAN WORDSAND PHRASES , Londres , 1880, sub. v . cooly.
JORNAL DAS COLONIAS , de 22 de j u lho de 1905 .
3 44 Ap osti las aos D ic ionár ios Por tugueses
ouviam . Vozes com que no alto mar se anunciava a approxima
ção da terra. Fig . Gritaria, vozearia » —ª. 0 Novo DICCIONAR I O
repetiu isto mesmo. No Suplemento porém dá como preferível aescrita cu cu iada, e como orijem do vocábulo, que os outros nãomencionaram , O tamil hu hhu ia, que nos não diz o que signifi ca.
Na edição das Décadas da Ásia de João de Barros , feita no
3 .
º quartel do s éculo XVIII (I , Livro VII, cap . e portanto demenos fé que a que foi vista por Bluteau ,
lêmos , não obstante ,a palavra tamb ém escr ita com qu ,
sendo provável que, se a
pronúncia que s e quisesse ind icar fosse com u proferido, ela
h ouvesse sido ortografada com eu ,e não com qu , em qualquer
das edições . A citação é — « acudio tanto por tra
zerem entr e si h uma maneira de se chamar a que elles chamamC u qu iada
Gaspar C orreia, nas LENDAS DA INDIA (II, 2 , escreveucu cuyada, e esta escrita não deixa a menor dúvida acêrca da
pronúncia que s e lh e deva atribu ir cu - cu—ia- da s— « e o C ai
mal . . mandou dar suas gritas , a que chamam cucuyadas »
Se a forma cu cu iada é a certa, a etimolojia proposta porYule Burnell tem todas probabilidades de ser exacta:huhhuga na língua de Malabar , signifi ca « bradar » (to cry out);conquanto o suficso - ada não seja explicável , a falta de um
verbo cu cu iar , que não consta existisse , e sem o qual a com
paração que os abalisados indianistas fazem com or isada, de cr is« punhal » , não convence , pois nesta formação o suficso inclui aidea de « golpe » , como de faca, facada, e pressupõe um étimoportuguê s imediato. Os nossos antigos escritores usaram nestesentido o verbo ap up ar , « bradar chamando »
, denominando êssebrado ap up o s
—« pelo quê, ap u p an d o todos por diversas partes »— 3
S e porém a forma exacta é cuqu iada apesar da afi rm ação
1 DICCIONARIO MANUAL ETYMOLOG IC O DA LINGUA PORTUGUEZA .
º A GLOSSARY OF ANGLO -IND IAN WORDS , Londres , 1886.
3 História trájico-mari tima, in BIBL. DE CLASSICOS PORT . , t. X L , p . 8 1 .
Aposti las aos D icionár ios Por tugueses 3 45
de João de Barros , e da afirmação e escrita de Gaspar C orreia,o vocábulo poderia ser português lejítimo, porque pelo menosem mais uma língua románica êle existe , e para essa não po
deria vir da Ind ia. Em provençal couqu iado, e sabe—se que o
átono é a terminação femenina nos mais dos d ialectos da Provença, cougu iado, d igo, quere d izer « cotov ia »
, em francê s cc
chevis : cf. chamar iz , nome de ave, e de um artifi cio para ch amaras aves , e cuja orijem é sem dúvida o verbo chamar . O vocábulocouqu iado está abonado com um verso da Mirêio de FredericoM istral :
O Vincen , ié fagueMirêio
D'
entr e—m itan li Verdi leio ,Passes ben Vite, que !— Vincenet tout—d'
un- têm
Se revire vers la plantado ,E, su s un amourié quihado
Coume une gayo c o u q u i h adoí
Destousque la chatouno , e ié lande, countent.
0 glorioso poeta provençal numa nota a êste verso acrescenta : cou qu ihado, (coch evis , a lauda cr i s tata,
0 mesmo poeta, no seu monumental d icionário provençal ,intitulado LOU TRESOR D ÓU FELIBRIGE, aduz as s egu intesformas do mesmo vocábulo, conforme os vários d ialectos : cou
gu iado, couqu i lhado, cu cu llado, cu cu iado, cou cou iado, e eu
gu llada (catalão), cogujada (castelhano), e dá—lh e como étimo,que é evidente , cou qu i ha latim cu c u l la, c u c u l l atu s .
C ita Buffon, que empregou em francês coqu i llade, vocábuloque Littré admitiu como termo de caça, correspondente a alou ette
hupp ée sem mais definição, nem etimolojia.
No PICHOT TRESOR , d icionário provençal - francê s , de Xavierde Fourvieres , vem tamb ém couqu iado, com o correspondentefrancês cochevis º
1 Paris, 1882 , Canto I I , 4 .
º Avinhão, 1902 .
3 46 Aposti las aos D icionár ios Por tugueses
Vê - se que estas formas cou qu ihado, cugu llada, e cucu iado,
poderiam ser análogas às duas abonadas portuguesas , cuqu iadae cu cu iada . sem , que estas portanto h ouvessem v indo da Índia.
Por outra parte , a coincidência pode ser casual , como tantasoutras .
cu rbá
Em São João Baptista de Ajudá é uma selha, que serve demed ida para a venda do óleo de palma, e cuja capacidade é va
r iável
curral
C omo termo local, vem perfe itamente definido êste vocábulona monografia AS « VILLAS » D O NORTE DE PORTUGAL , deAlberto Sampaio z— « na serra do Gerez os gados descançam denoite em c ur r aes , glebas cercadas d e paredes , que só produzemcenteio ; cada curral tem uma cabana, geralmente redonda, paraO pastor dormir e cozinham — ºª
. C f. cu r ralor io, em ch iqueiro.
curve iro
Na F igueira-da—Foz dá—s e ê ste nome a um « remoinh o deágua no mar »
.
çaraça
Bluteau , que só no Suplemento incluiu ê ste vocábulo, es
creve- O com s inic ial , saraça, e define—0 ass im :— « Hé hum
Carlos Eujénio Correia da S ilva, UMA VIAGEM AO ESTABELECIMENTOPORTUGUEZ DE S . JOÃO BAPTISTA DE AJUDAEM 1 865 , L isboa, 1866.
º in P o r t u g al i a , I , p . 1 16.
348 Apostilas aos D icionár ios Por tugueses
dacoma
«As raparigas usam uns brincos grandes de m issanga quechamam dacoma — 1
daião, adaião, deão, diao
D ai ao é d irectamente derivado do francês dogen (=dua i êantes , doi ê), o qual procede do latim decanas , que em portuguêsdeveria ter dado degã o . C onseguintemente , a forma modernadeão é encurtamento de outra interméd ia, deiã o, a qual secontraiu em dião
, que dever ia ser a escrita portuguesa, comop ior (q.
0 a de adaiã o é d ifí cil de explicar —« á v ista de todos secelebraram os esposoiros entre Rl—rei e a Rainh a, nas mãos deum Daião de Évora, que servia a El—rei de seu fí s ico » — º
daun io
0 NOVO DICCIONARIO não marca O acento neste vocábulocomposto japonês , o que, segundo o s istema de acentuação gráfica nele usado, qu ere signifi car a acentuação daim io . Esta acentuação porém é errônea. A verdadeira em japonês é dáim io, ouquando muito daimió (da i -m iyau) .
C ompõe—se esta palavra dissílaba de dai , grande » e m igau« excelente »
, e no composto o acento tónico é atraído paraa sílaba mais longa, a qual é a primeira, por conter d itongo 3
.
D áim io era o título que competia a um cabo de guerra,cujo rendimento anual excedesse dez mil cocos (cóleu ) de arroz ,
1 JORNAL DAS COLON IAS , de 18 de julho de 1 903 .
º Ru i de Pina, CRÓNICA DE EL-REI DOM AFONSO V , cap . LXXVI .3 V. ETÚDE PHONÉTIQUE DE LA LANGUE JAPONAISE , L ipsia, 1903 ,
5 144.
Apostilas aos D ic ionár ios Por tugueses 3 49
porque a riqueza de cada um , bem C omo os p roventos , tinhampor unidade a quantidade de arroz a que montavain as suasrendas . Os dez m il cocos de arroz equival iam '
a uns v inte e cincocontos de réis Até mu ito rec entemente os funcionár ios públ icoseram pagos , pelo menos nom inalmente , em arroz, no Japão.
Este vocábulo é de introdu ção recente em port uguês , paraonde veio por via ind irecta, provávelmente francesa, por interméd io dos periód icos .
Os vocábulos japoneses de importação d irecta são poucos ,e entre êles banzé (q. biombo, bonzo, catana, chávena,
qu(e)imão, e poucos mais . Biombo,catana (q.
entraram no tesouro comum da língua ; qu imão, do qual , porinflu ênc ia de queimar , é variante a forma qu e imã o, é aindau sado no oriente , e mesmo na África Or iental Portuguesa ; bonzotem emprego muito restr ito, continuando a des ignar « frade búd ice » ; fune (q.
« navio », só foi empregado com referéncia
ao Japão º.
Objectos que do Japão importámos, mas sem o nome , são
japona », femenino do adj ectivo jap ão, « japonê s » , des ignando
uma especie de jaqu etão » ou « cam isola » ; a cap a—de—chu va,
coroça (q. v), p alhoça, cap a p alh iça, que tantos nomes tem , eque em japonês se denomina hama- kátsup a, pronunciado hama
kapp a ; convindo notar que a palavra kapp a, é portuguesa. Outraspalavras portuguesas , que deixamos no Japão, são p an ,
« pão »,
tabáku ,« tabaco »
, berádu ,« veludo » ; e poucas mais serão.
0 DIOC ION . C ONTEMPORANEO dá duas acepções a êste vocábulo, que parece de orijem germánica, do baixo- al emão, pro
V. Hofmann , J APAANSC HE SPRAAKLEER , 1867 , com uma versãoinglesa.
º António Francisco Cardim , BATALHAS DA COMPANH IA DE JESUS ,L isboa, 1 894, p . 53 e 54.
350 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
vávelmente. C omo termo de bordo, diz ser calha adjacente amuralha do navio, para dar vazão á agua » e com s ignificadomais geral ,— « terreno, caminh o entre montanhas » 0 NOVODI C C . diz, pouco mais ou menos a mesma cousa. Na última acepção é o inglês dale, su eco dal, « vale » ; e não é natural que os
dois s ignifi cados sejam de um só vocábulo germánico or ijinário.
Não é , porém,nenh uma destas significações , j á dadas , a pri
meira das quais fôra apontada por Bluteau que eu vou con
signar aqui, mas sim aquela que tem no Pôrto, convém saber« mesa de cozinha, com tabuleiro d e pedra, ou lousa » . Neste sentido parece ser o francê s dalle, « laje » , a que também se atribuiorijem germânica
º.
q uanto investigação ulter ior não demonstre pertenceremestes três s ignifi cados a um só vocábulo, de que sejam desenvol
vimento ideolójico, devem eles ter inscr ições separadas nos dic iomarios .
danda
Termo da África Oriental Portuguesa, que no Jornal dasC olonias, de 1 8 de julho de 1 903 , vem assim definido :— « pe
qu eno trapo com que [os negros] tapam as partes »
daroez, daroês , daruez, darviz, darvízio, dervixe, dervich e
Qualquer das trê s primeiras formas é lejítimamente portuguesa ; derviche é que nunca o foi na pena dos nossos escritores ,que de perto conh eceram esses frades mocelemanos .
Bluteau ,citando God inh o, VIAGEM DA INDIA , aduz as formas
dar viz , darviz io, com remissão a der viz , onde nos dá mais der
1 VOCABULARIO PORTUGUEZ E LATINO .
º H . Stappers , D ICTIONNAIRE SYNOPTIQUE D'
ETYMOLOG IE FRANC AISE, Par is , n .
º 3062 .
352 Ap osti las aos D ic ionár ios Por tugueses
frequente na nossa antiga lejislação, bem com a sua forma portuguesa p eitar , p e ita que lh e corresponde . A forma p echaportuguesa é tamb ém caste lhanismo, como j á advertiu V iterbo º
,
quer s ignifi qu e « paga », quer « defe ito »
.
O vocábulo data, além da acepção apontada, tem outras , que
também se relacionam com a s ignifi cação pri mord ial de « cousaque se dá como se pode ver no C ONTEMPORANno z— « data deagua, de bofetões , de impropérios » — e ainda porç ão, dose »sendo êste ultimo o vocábulo grego D ÓSIS, que s ignifica dádiva »
.
No sentido de « dádiva » vemos empregado data, nas BATALHAS DA C OMPANH IA DE JESUS , do Padre António FranciscoGard im— « divertiu da data » — 3
,« recusou a dádiva » .
A forma dádiva, a qual Frederico Diez atribui por étimo o
latim datíu a por don at iu a , com mudança de acento da 2 .
ª
para a sílaba, é pelo povo pronunciada davita, ou por in
fluencia de dívida, ou porque seja esta a forma or ijinária da
palavra, que também existe em castelhano, e portanto com outro
étimo, por emquanto d esconh ecido ; ou porqu e na realidade se deuuma metátese das inic iais das sílabas postónicas do esdrúxulo,como acontece na deturpação vulgar diágolo, por diálogo, emrazão de se ouv irem mal as duas sílabas átonas de um vocábulodouto, que o povo não sabe identificar com outro da sua l in
guajem vernácula.
decorar, de cor ; decorar , decoramento, decoração
O verbo decorar tem dois s ignifi cados enteiramente d istintos ,aos quais correspondem étimos diversos , devendo portanto s eparar- se nos d ic ionários em duas verbas d iferentes .
Santa Rosa de Viterbo, ELUC IDARIO .
ib, sub voc . pechoso.
ª Lisboa, 1 894 , p . 145 .
4 ETYMOLOGISCHES WÓ RTERBUC H DER ROMANISCHEN SPRACHEN ,Bonn , 1870, II , 6.
Apostilas aos D ic ionári os Por tugues es 353
0 primeiro, na língua antiga único, provém da expressãoap render de côr , qu er ê ste co
'
r seja o latim c o r , c or d i s , « co
ração como até muito recentemente se afi rmava, principalmentepor s e lhe comparar a expressão francesa p ar coeu r , ou a inglesabg hear t, que parece tomada a letra do francês ; quer a locu çãode cor
,castelhana de coro, proceda de se aprender de memória
com ouvir repetir por muitos uma leitura, um preceito qualqu er,como Opina, se não estou enganado. Rufino José C uervo, com
muita probablidade. C onfirmação dêste modo de ver seria 0 seguinte passo :— « y a los que saben escr ivir mando que las escrivan, e sepan de coro »— ª
.
Efectivamente , sendo c o r d e o tema da voz latina e derivando- se dêle acordar , di scordar , note- s e, e r ecordar , que equivalea « passar pela memória »
,é natural que, a provir de c or , c o r d i s
locução de cor , de cor o, ela fosse de corde. Nem obsta ã
etimolojia proposta a perda do o fi nal de cor o em português ,visto que a expressão castelhana de coro, h oj e substituída emgeral por de memor ia, não pode ter orijem di versa da portuguesa ;e por outra parte G il Vicente empregou for por for o, castelhano fu er , por fuera, no formosí ss imo AUTO DA ALMA :
D iabo—Ainda é cedo pera a morte :
Tempo há de arrepender ,E ir ao ceo .
Ponde-vos afor da côrte,Desta sorteViva vosso parecer ,Que tal naeco .
É poss ível mesmo que o francês p ar coeur seja alteraçãoortográfi ca de p ar chceu r , « em côro »
.
Outra h ipótese é igualmente plausível : uma forma latina popular c or
, co r i s , por c o r , c or d i s , daria orijem ao italiano
« Carta do Padre Mestre Francisco Xavier aos Irmãos de Romain MISSõES DOS JESUITAS NO ORIENTE, Lisboa, 1894.
23
354 Ap ostilas aos D i cionár ios Por tugueses
cu ore, ao francês coeu r , ao português co'
r castelhano eu er ,
« coração » ; e a locução de coro castelhana seria outra forma,eorum, como fu er , português fôr , é O latim forum.
0 segundo signifi cado do verbo decorar é « ornar »,e pro
cede do latim d e c o rar e , que j á tinha a mesma significação,como derivado de d e cu s , de cõr i s , « enfeite » . É vocábulo deorijem artifi cial , relativamente moderno na líng ua, visto queBluteau o não ins eriu , conquanto incluí sse no VOCABULARIO o
substantivo decoro, que, d iga—se de passajem , se deve pronunciardeco
'
r o, e não decoro, visto ser vocábulo erudito, e em latim
lermos decórum e não decôrum, o que ja'
adverte O Suplementoao
'
NOVO DI C C IONÁRIO , comparando fôrma, palavra douta, comfôrma, de orijem pºpular ; decór o ac entuam Bluteau ,Boquete, etc .
O substantivo de acção e resultado, derivado dêste verbo, édecoração ; todavia José Leite de Vasconcelos u sou decora
mento :— « O decoramento do palco precede sempre a ch egadado actor » —º
Equ ivale aqu i decoramen to a cenár io, italianismo, e é o
que os franceses chamam decor , palavra cujo emprego em por
tuguês é galicismo escusado e moderní ssimo, só empregado porqu em quere finjir que desconh ece a língua da sua pátria, e naturalmente lh e atribui pobreza, que só existe para quem a não
estuda como deve .
defender ; delivrar
Quem h oj e empregasse êste verbo no sentido do francêsdéfendr e, apodado de galicista ; e todavia nessamesma acepção a palavra é pelo menos tam antiga em por
tuguês , como a C RÓN I C A DE É L—BEI DOM AFONSO v , de Rui dePina — « alguns requereram ao Infante licença para ainda lh es
1 Gil Vi cente, AUTO DA LUSITÁNIA.
PORTUGAL PRE-H ISTORIC O , p . 10.
3 56 Ap osti las aos D i c ionár ios Por tugueses
modo Desfavorecido dos Astros , ou sem favoravel Estrella »
ótimo que repete em desastre z— « D es negativo . A outra pá
lavra é Astro, que quer dizer estr ella, e assi D esastre que
rera dizer sem es tr ella »
Esta etimolojia ainda não foi desdita por etimólogo ou ro
manista algum , e é confirmada por outro adj ectivo derivado deastr o, astr oso, « infel iz » , tanto em castelhano como em português ,e cujo derivado negativo desastroso é comparável a des inqu ieto,desmazelado, desdbado, e ao popular des infeliz , por infeliz , emque O preficso des , com ser pejorativo, não impl ica a ideaoposta a que é eXpressa pelo vocábulo a que se junta.
As abonações m od e r nas de F ilinto e Garrett basta con
trapor a abonação an tiga de Gil Vicente na peça O VELHO DAOm a :
Se os j óvenes amoresOs mais tem âns desastradas
É ela suficiente para provar que a forma deses trado é um
enfraquecimento posterior de sílaba átona, comparável afantes iapor fan tas ia, camera por cámara, popular es tifei to por sati s
fei to, castinheir o por castanheiro, apesar de castanha ser dêstevocábulo inseparável , etc .
S em nenhuma destas razões , porém, em abono de ser desastrado a forma correcta, e derivada de desas tre, ou de as tr o,
como astroso e desastroso, o simples raciocínio está a indicarque de estr o, palavra relativamente recente , grega e ultra—literaria, que jamais desceu ao domínio da linguajem vulgar, onde étotalmente ignorada, s e não poderia ter derivado, antes da sua
adºpção pelos doutos , um adjectivo antigo, de uso trivial e que
1 Em castelhano antigo encontra- se o adjectivo as trosa, ºposto a fermosa, nos seguintes versos dos DENUESTOS DEL AGUA Y EL VINO , de Lopode Moros : antes amariyella y a s tr o sa agora uermeia e ferm o s a [in
REVUE HISPANIQUE, xrrr, p .
Apostilas aos Di cionár ios Por tugueses 357
tºda a gente , pºr mais rude que seja, entendeu e entende , empregou e emprega, acomodando—º, h á certo tempo, a mais fácilenunciação desestrado, im itada pºr F ilinto e Garrett.Astr o fºi vocábulo tam cºnh ecido dº pºvo, prºvávelmente
cºm a fºrma as tre, de importação francesa, tantº em português ,cºmo em castelhano, que operou a transformação de s te l l alatino nº português (e castelhanº) es trela, estr ella, fazendº quea es te la se acrescentasse um r que s t e l l a não tinha.
Mas não fi ca só nisto o improvável do étimº es tro, que seprºpõe . O vºcábulº desas tr e existe ; existiu º verbo desas trar , deque desastrada é o particíp iº passivo, que s e adj ectivou cºmºtantºs ºutrºs , a bem d izer , os mais dêles z
'
estro é O latim ºes
tr u s , vºcábulº tomada dº gregº oísrnos , « moscardo »,
« tavão »,
que ºs gregos , pºr metáfºra, aplicaram a qualquer estímulº
exajerado, e depºis a inspiraç㺠, a v e ia p r ofé ti ca, e daí a v e iap oé tica, no que ºs rºmanos , seu s cºpistas , ºs im itaram . Nestesentido é ºu fºi a palavra cu car acha ,
« bich o—de- cºnta », empre
gada na América Espanh ºla, na quadra s egu inte , que se canta,ou cantava, para expressar que o entusiasmo se apoderara docantadºr :
;Ay que me p ica,ay que me arafra
cºm sus patitas
la cu caracha !
Em lºcuç㺠análoga dizemºs em pºrtuguês de um indivíduºdisparatado, sujeitº a repentes , que pºr V en e ta diz ºu faz umalºucura, es tá com a mosca, deu—lhe a mosca ; e , desculpem-meºs poetas , º estro para os gregos e para os romanºs era um re
pente , uma veneta, a manifestaç㺠de uma faculdade fºra dºnormal , um cºndão de pºucº s e de loucos .
A orijem da lºcução es tá com a mos ca pºde ver—se emBluteau : o caprichoso é pºr metáfºra cºmparadº ao cavalº picado pelº tavãº.
Ora, um indivíduº desastrada, desmaii ado, como dizem ºs
3 58 Aposti las aos D icionár ios Por tugueses
espanh óis , desjeitosa, n㺠tem tal defeitº , pºr ter es tro p oetico,
nem o adj ectivº se aplica pºpularmente a um qualquer ver sadar ,s enão quando êle tem para ver sar pºuquí ss imº jeito.
Exemplo frisante dº verdadeirº valºr da palavra desastradaencºntra- se nº seguinte passº:— « alguns vasos d e barrº , desmaiadº, que d e s as trad am ente se quebraram » istº é , p ordescu ida ºu casu a lidade.
Havia de ser curiosº º querer explicar esta acep ç㺠, que é a
mais comum , pelº gregº es tro « môsca », ºu « veia pºética »
N㺠é pºrtanto desas trada º indivíduº faltº de es tr o, mas
sim aquele a quem falta habi lidade, jeito, ou cujas acções teemmau resultado, que nasceu cºm má estrêla.
D esastrada signifi ca também « desairoso »,
«mal feitº decorpo »
, e nada disto tem que ver cºm es tr o, vºcábulº , repito,que a maiºria das pessºas , mesmº de mediana cultura descºnh ece absºlutamente º, em qualquer acepção que seja.
Disse antes que a forma desastr e revelava inii uéncia francesa,tanto em pºrtuguês, cºmº em castelhano. Efectivamente , comoem italianº se diz disas tra, em que a palavra astro n㺠sºfreumºdifi cação na vºgal final , necessário s e tºrna averiguar porquêessa alteraç㺠se manifestºu nas duas l ínguas h ispánicas , nas
quais aº - um latinº correspºnde —a. C ºmparandº outrºs vº
cábulºs pºrtugueses em que se observa a mesma alteraç㺠,tais cºmo mi lagre 2m i r ac
ºl um , s e gr e (antigo) 2s aec
'l um ,
monje l m ºnach um , vemos que s e produziu modificaç㺠identica, e que, por outra parte , êles patenteiam alteraç㺠de cºn
soantes, '
que n㺠é a nºrmal , vistº que ºs vºcábulºs dºs tipºsg rac u l um , s p e c u l um , s㺠gralha, esp elho, e mºnãc h um deu
primeirº mónago 3 (cf. o castelhanº mon igote, monagu i llo) ; ou ,
s e de segunda fºrmação, bága(o) bacu l um . Hºuve pºis in
1 -0 ECONOMISTA , de 20 de marçº de 1 892.
º V. R. Bluteau , VOCABULARIO PORTUGUEZ E LATINO , Suplementº .
ª D . Carolina Mi chaelis de Vascºncelºs, in REVISTA LUS ITANA , m ,
p . 1 74.
360 Ap ostilas aos D icionár ios Por tugueses
altura de um metrº,poucº mais ºu menºs , e cujº remate su
perior arredºndado se assemelhava a cabeça tonsurada de um
frade . Ainda hºje em dia se vêem alguns em ruas , contºrnandºpraças , adros , ligadºs , ºu não, entre si pºr cºrrentes de ferro.
A palavra maga fºi aº depºis substituída por monje, francesa ºu provençal , cºmº segre, e o adj ectivo dele derivado segral,
ainda usadºs por Gil V icente , cederam o lugar aºs latinismosse
'
cu la, secu lar
desbulhar , debulhar
O pºvº diz desbu lhar , os cultºs debu lhar , fºrma a que j áBluteau deu a preferência, conquantº cite a ºutra, que quas idesapareceu dºs d iciºnáriºs pºrtugueses . Pois é º pºvº quem diz
bem (cºmº quasi sempre acºntece , quandº ºs vocábulos pertencem a sua linguajem habitual), visto que º étimº é º latimd e - exp ºl iar e ºu di s—s pºl iar e com dois s s em vez de um .
A fºrma desbu lhar cºrrespºnde a castelhana desp ojar , que cºmºutro sentidº entrºu em pºrtuguês : cf. as acepções dº verbºfrancê s dép ou i ller , que tem a mesma orijem ,
e O pºrtuguê s fi lhacºm o castelhanº h ijo .
A simplifi caç㺠de desbu lhar em debu lhar é análoga à dedesp ois , fºrma antiga, ainda hoj e a única pºpular, em dep ois,
que é a exclusiva literária. Em castelhano, pºrém , n㺠se cºnh eceºutra que não seja desp ues d e - i p s o - p o s te a 9
.
D . C arolina M ich aelis atribuiu a debu lhar o étimo de p ilea r e , que também me parece prºvável .C ºm desbu lhar é cºnecso esbu lhar expºl iar e .
F . Adolfo Cºelho, D ICCIONARIO MANUAL ETYMOLOG I C O DA LINGUAPORTUGUEZA .
º G. Karting , LATEINISCH—ROMANISCHES WURTERBUC H , Paderborn,1 891 , n
º 2401 .
Ap ostilas aos D icionár ios Por tugueses 3 61
desconfiar , desconii adº
Na linguajem. usual êste adj ectivo quere dizer « que n㺠tem
cºnfi ança »,
« que receia .ser enganadº », pºr uma particulari
dade gramatical peninsular , que atribu i a particípios passivºssignificaç㺠activa, como esquec ido, aquelle que esquece atra i
çoada, « aquele que atraiçºa », etc . Está neste casº o vºcábulo
descanzi ada, nº usº comum de h ºj e , pºis quere d izer , não aquelede quem se descºnfia »
, mas s im ,« quem descºnfia »
, em francê smelian t, particípiº activo de (se) meli er .
No uso antigº , todavia, desconfiada tinha outra acepç㺠,que cºrrespondia aº que h oj e d izemºs desenganada, desesp erançado, e que em castelhanº se expressa com O particípio desahuc iada de—eac - ad -f i du c i a tu m ,
de '
fi d u c ia,« coniiança »
,O
antigº fiuza português :— « ch egou mu itº doente , esteve desconfi ado, recebeu ºs Santos Sacramentos »Hoj e diríamos : « esteve desenganado »
.
Em sentidº análogº u sou- se também desesperada, equ ivalendºa desesp erançada, cºmº se vê neste passo da C RÓNICA DE EL- BEI
DOM AFONSO v , de Rui de Pina ;— «E destas vºltas de fºrtunaque a Rainha D . Lionor viu padecer aºs Infantes seu s irmãos ,foi da esperança que nelles tinha desesperada de todo » — ª
;
e na « Relação do naufrájio da nau Sam Tiagº », de Manuel
Gºd inh º C ardºsº — < assentou o que se mandass eaquella almad ia, pºrque soubesse O que lh e tinh a acºntecidº ,pºrque n㺠desconfiasse de todo » — 3
Ainda h oj e se diz de um doente , que está em es tado desesp e
r ada.
Antºniº Francisco Cardim , BATALHAS DA COMPANHIA DE JESUS ,Lisboa, 1894 , p . 95 .
º cap . LXXXIV.
ª in B IBL. DE CLASSICOS PORTUGUEZES , vºl . XLII I, p . 1 16.
362 Aposti las aos D ic ionár ios Por tugueses
desistória
Éste p itorescº vºcábulº parece ter s ido inventado pºr FreiGaspar da C ruz , não está cºlijida em d icionáriº nenhum , que
eu saiba, e signifi ca « patranhas » , « cºntºs » — « Pºrque, além dºque está dito, tem [os frades budistas na C h ina] mu itas des istorias e m intiras gentílicas de h ºmens que se tornaram cães , edepºis se tºrnaram em h ºmens , e de cºbras que se tºrnaram emh ºmens , e ºutras muitas ignºrancias »
desleixado, desdeixado
A fºrma antiga dº verbo deixar era leixar,de l axar e= lac
sare, latino, com vºcal izaç㺠dº c em i , como em seixo l s axum= sacsum, e palatalização do a em e, e do s em x , por
influência dêsse i , vogal palatal .A partir do séculº XVI prevaleceu a forma deixar . equ iva
lente a castelhana dexar , h ºj e dejar [=deuar que se dizprºvir de d e—l axar e , etimºlºjia que ºferece grandes dificuldadesem castelhano, visto que nesta lingua º l entre vºgais permanece .
Memória das duas formas pºrtuguesas leixar e deixar , s㺺s dois adj ectivºs des leixada e desdeixada, que teem , ambos , as ignifi cação de « neglijente, descuidadº »
deslumbrar
Esta palavra, e seu s derivadºs , assim cºmo vis lumbre, são
de ºrijem castelhana, v istº que é nesta língua, e não em portu
1 Tratadº em que se cºntam mu itº pºr extensº as cºusas da Ch inacap . XXVII . A Lª edição é de 1569 : servi -me da Rºlandiana de 1829, queé a 2 .
ª.
º O símbºlº 71 representa aqui a fr icativa surda p ósterº—palatal , valºrdº j castelhano actual .
3 64 Ap osti las aos D i c ionár ios Por tugueses
O adj ectivo desmaiado, cºm apl icaç㺠a côres , equ ivale adesvaneci da, « pálido » :— «Amarante , 1 5 . Ha d ias , pºr excavação, appareceram em Paschºaes , na margem d ireita dº Tamega,alguns vasos d e barrº d e s m aiad o , que desastradamente sequebraramExemplo de desmaia, « desanimo »
, comº em inglês , vê - s e emRui de Pina ;— «E os seu s que leixºu , comº sºuberam da sua
partida . foram pºstos em grande d e s m ai o , e cada um comopôde se apressºu de o segu ir, n㺠s em grande desmando e ne
Onh um acordo
desmochar , desmoch e
« C hamam—se desmochadas ºu encabeçadas aquellas [árvºres] em que se decotou O trºncº a pequena altura, de ºrdináriºa 3 ºu 4 metros ou no pºntº em que se bifurca, conservando- se depºis só ºs ramos que nascem na sua parte mais alta, ºsquaes são submettidos a córtes periód icºs , vindº º trºnco a for
mar em cima, passadºs anuos , uma cabeça ou grossura bastantevºlumosa . e desta mutilaç㺠[a escamanda
, q. ainda maisdº que dos desm o ch e s , arru inar muitº as árvºres e estragar amadeira 3
desvisgar
«A distancia estão ºccultos o ch efe da armada [ q. r .] eum ou mais ajudantes , encarregadºs de preparar e pôr as varase apanh ar as aves , a que aquella cuidadºsamente de s vi s ga as
azas com terra . é rarº que a ave, ºbedecendº aº chamº q. o .
1 O ECONOMISTA , de 20 de marçº de 1892.
CRÓNICA DE É L-REI DOM AFONSO v , cap . cv .
3 GAZETA DAS ALDEIAS , de 1 1 de março de 1 906.
Apostilas aos D ic ionár ios Por tugueses 3 65
não vá, depois d e dar algumas vºltas , pºusar nº ramº , ondetraidºra vara s e lhe prende ás azas , tºlh endO- lhe o vôo »
V . visgo.
deudo
São ja rarºs os particípios em - uda, que na língua antiga,
eram ºs própriºs da 2 .
ª cºnjugação.
C ºm valor de particípios apenas me ocorrem teuda e man
teúdo, numa frase j á fe ita, antiquada, mas ainda não de todºdesusadaz— « um cã º atravessado, tendo e mantendo Ganymedesde um fi dalgo » —ª
. Em Rui de Pina vemos ainda teudas 3 e deteudos em Fernám Méndez P into r eteudas 5
, comº se vê,tºdºs derivados dº verbº ter . De outrºs verbos , vemºs conhe
çuda numa carta de 1 308 , publicada na REVISTA LUSITANAC onaçuda (a liás , cºnhºçuda) cousa seya » —º
, e no Alentej ºdeúda l debu tu m , por d eb itum 7
, ital iano dOUtttO.
C om valºr de substantivºs subsistem alguns dêsses particípioscºmº provincial ismos : mexuda, « papas de milh º » (Be ira-Baixa),Temudo, cºmº apel idº .
Aº mesmo passº que a terminaç㺠- udo é j á rara, na for
mação de particípios passivos , ºu de adj ectivºs verbais , tem aindavitali dade em adj ectivos derivadºs de substantivos , cºmo p eludo,de p ela, felp uda, de felp a, cabeludo, de cabelo, trambuda, detr omba, etc .
DO particípio debutum derivou - se em castelhanº deuda,actualmente dando, no sentido de « parente »
, pºrtuguês antigº
Jºsé Pinho , ETHNOGRAPH IA AMARANTINA , A Caça, in P o r tu gal i a , II , p . 96.
O SECULO , de 6 de julho de 1 904, Bulhão Patº .
CRÓN ICA DE É L-REI DOM AFONSO V, cap . C xxxr.
ib. cap . XXXVII .PEREGRINAÇÃO , cap . CXCVI .Vol . III , p . 294 .
ib. Vºl . VIII , p . 39.“
G
u
i
ª
"
3 66 Ap osti las aos D i ci onár i os Por tugueses
divida 2d eb i tum ,« parentesco mu itº ch egadº » — « e assi pºr
elle ter cºm a rainha dividº mu i conjunto »— 4
devasso, devassar , devassa
Éste adjectivo, em sentidº material , diz- s e dº que « não
ajusta bem , está sôltº» ; é º cºntrário de p er ro, que significa« presº em demasia, apertado, que se n㺠mºve , ºu n㺠cede » .
Em s entido moral apl ica- se º adj ectivo, j á comº tal , já substantivado, a pessºas , a cºstumes « soltºs , dissolutos » .
Na C RÓNICA DE É L-BEI DOM AFONSO V, de Rui de Pina,êste adj ectivº está empregado na acepç㺠de « abertº , livre ,desembaraçado »
, que perdeu nº u so mºderno z « porque O lugar
em que estava era campo d e vas s o e sem d isposiç㺠de s e poderdefender » — º C f. devassar , « descubrir, examinar »
, devassa,
inquéritº
diabo—a—quatro, diabrura
« Punham antigamente em scena peças sacras em que .
faziam apparecer diabos . intitulavam - se P equ ena diabr u ra
Gr ande diabru ra . na grande-diabru ra . era de rigor
apparecerem sempre quatro d iabºs . Esta informaç㺠queé uma defi nição cºmpleta, lê—se nº j ºrnal O BOCAGE, n .
º 1 3 , ci
tado na « Revista Lusitana », VI , paj. 1 28 .
Hºj e são frequentes as expressões o diabo a quatro, levada
do diabo, que assim fi caram explicadas .A fºrma diabo, correspºnde à antiga diaboa d iabºlum ,
cºm supress㺠dº l intervocál icº; diabr u ra provém de ºutraforma do mesmo vºcábulo diabro d i ab
'
lu m , cºm a mudançade Z em r , normal em português nºs grupºs de cºnsºantes lati
1 Ru i de Pina, CRÓN ICA DE EL-REI DOM AFONSO V , cap . LXX IV.
º cap . CXX .
368 Aposti las aos D i cionár ios Por tugu eses
confi s são e confesso, n㺠ºbstante O castelhano confes i an , anã
lºgº aº portuguê s antigº confessãa, que ainda lemos na PEREGBINAÇÃO de F . Méndez Pinto.
Estas fºrmas segu iram a analºjia de outras , cºmº abali
ção, p eti ção, dem is saa, com i ssao, e tantas mais .Abonar a fºrma discr i çã o cºm autores clássicos fôra inútil ;
º que h avia de ser d ifí cil era encontrar neles O barbarismº di sereção, que deverá quanto antes ser desterrado da escrita portuguesa, pois a adopç㺠de tal fºrma ortográfi ca patenteia a
completa ignºrância da h istória da língua e dº seu desenvºl
vimento.
C omº pºrém tal escrita é um desacêrto, tem—s e propagadona imprensa d iária, ºnde se tornou j á chav㺠impertinente e insensatº , quandº n㺠sºfre ainda maiºr tortura, ale ijadº em des
er eçã o.
Outro vºcábulº , que na pronúncia dº sul , em que º 3 final
de sílaba é palatalizado, se cºnfunde com ê ste , é des cr icao, emºrtografia clássica escr itº cºm p , descr ip ç ãa, dº latim d e s c r iptiºnem des c r ip tum d e s c r i b o .
Neste porém º preficsº é des e não dis V. A. R . Gºn
çálvez Viana, ORTOGRAFIA NACIONAL º
dizºnh o
S ignifica « respondão'
»
dºcíssimº
Na linguajem dºs cultºs o superlativo de doce é du lciss imo,por uma revers㺠artifi cial aº étimº latinº d u l c e . No entantº ,
cap . CCXV.
ª L isbºa, 1904, p . 78 e 80.
Ap ostilas aºs D i cioná r ios Por tugueses 69
vê—se a fºrma doci ss imas laranjas nº BOSQUEJO DE UMA VI AGEMNO IN TERIOR DA PAR AHYBA E DE PERNAMBUCO O povº , entreº qual se foi a poucº a pouco, desde O s éculº XVI , d ifund indº a
fºrma superlativa em —i ss imo, não conh ece essas derivações artifi ciais , e de amiga, p obr e, . por exemplo , forma amigu iss ima, p a
br i ss ima, em vez dºs latinismos ami ci ss ima, p aup ér r imo .
Éste vocábulº, o qual des igna uma espécie de nºviçº nas
cºnfrarias búdicas dos bonzºs nº Japão, n㺠figura em nenh umd iciºnário português , nem tampouco francês , cºm a fºrma dag igue, empregada pelº Padre de C harlevoix É todavia neces
sario dar—lh e neles cab imento, visto encontrar- se em autºres dºss éculºs XVI, XVII e XVI I I , que se lh e referiram , avisadamente
romanizado, tanto numa, como na ºutra língua.
Dºis étimºs se podem atribuir- lh e. 0 primeirº é a palavrajapºnesa transcrita por J . C . epburn
ºcom a fºrma dag i, a
que dá a signifi caç㺠de— « a bºy under 15 years , a ch ildmoço de menos de qu inze anºs
, meninº» O segundo étimºpºssível é pelº mesmº autor transcrito dõgahu ,
e expl icadº dêstemodo :— « learning ºr studying tºgeth er With th e same teach er ,th e same studies , a sch oolmate » isto é : cºndiscípulo, aluno
na mesma d iscipl ina ».
Ainda que à. primeira vista O n㺠pareça, atenta a forma dapalavra, é O segundº étimo que devemºs adm itir como º ver
dadeiro, n㺠só em razão do signifi cadº , mais cºnfºrme cºm a
definiç㺠do vocábulo, mas tamb ém porque , sendo O lc mu itasvezes nulº entre vºgais , em japºnês , nas terminações adverbiaisem J eu
, resulta de dõgahu ,a prºnunciação doga, pºr issº que
1 in O SECULO , de 8 de junho de 1 900.
º A JAPANESE-ENGLISH , AND ENGLISH -JAPANESE D ICTIONARY ,
Tóquiº, 1 887 .
as
3 70 Ap osti las aos D i cionári os 'Por—tugues es
au se prºfere à, fºrma perfeitamente cºncordante cºm º dbgbinserto no vºcabuláriº de 1 603 e de que se derivou para portugues o adj ectivo dójico, cºmo do gregº LÓGOS , se derivºulóji ca.
O sinal (v ), ºu circunflecsº invertido, fºi empregad º“pelºs
j esuítas pºrtugueses que escreveram gramáticas , vºcabulários etc .,
dº japonês , assim cºmo ºutrºs s inais diacríticos com ºutrasaplicações , nas transcriçõe s de vários idiºmas asiáticºs , para indicar O a lºngº abertº , vistº que o circunflecsº designava o a
fechadº em português . Para º u longo usaram pºrém a.
dolmenico
Adj ectivo derivado.
de da' lmen , ºu dólmin cºmo escreveu O
Dr . C ºsta, palavra imediatamente tirada dº francês , que artifi cialmente a derivou de uma língua céltica. 0 cºrrespondente portugues é an ta, que designa uma cºnstruç㺠tumular pre- h istórica.
dºlóriº
Em Sam M iguel (Açôres) qu ere dizer desgôstº» º
dómaa, dóma
Era º antigo nome para designar a semana, do latimh eb dom ãdam , nº acusativº , em gregº “
EBDOMAD A , com º mesmo significado que O latim s e p tim ana, que º substituiu , istº e,« sete dias » ; literalmente : « relativo a s ete » .
1 V. Jºão de Freitas, SUBSID IOS PARA A BIBLIOGRAPHIA PORTUGUEZA , RELATIVA AO ESTUDO DA LINGUA J APONEZA, Coimbra, 1 905, notas .
2 O SECULO , de 5 de julho de 1 901 .
3 72 Ap osti las aos D icionár ios Por tugu eses
qu em diria em português donac inha, e a da dõn inh a em cas
telhano, comadreja, cºmadrinha ».
dºr, dorido, dºlºridº , dolorºso, doroso
Do substantivo dor derivamºs h ºje um adj ectivº dor ida,que tem também uma fºrma dolor ida, mais próssima da latinadol ºr em , da qual tiramºs dolor oso, mas a que na língua antiga
cºrrespºndia darosa, directamente der ivado de dor :— « suas cºntínuas lagrimas e dºrºsas palavras davam claro testemunh º dosentimentº do seu coraç㺻— ª
.
É galicismo êste termo : o pºrtuguês lejítima é mêdaa (deareia) . Infelizmente está j á tam arraigadº na l iteratura geral ,para ºnde incºnscientemente passºu da científi ca incorrecta efalta de vernaculidade, que será j á d ifí cil expunji- lo z— « DeAlgezur aº cabº de S ines apparece
—nos cºrºada de impºnentesdunas » — º
. Eis aqui exemplos de medão : —«Entre Dºurº eNeiva avultam os medões de A- vel - o—mar [ id e. A—vê - lo»mar] 3 ; emais antigº:
— « Vivem estes Reys arabios entre hums medõesde area » — 4
dundum , dumdums
E esta a escrita que cºnvém adºptar , no Singular e no plural ,vistº ser a única cºnfºrme cºm ºs h ábitºs ºrtºgráfi cos portu
Ru i de Pina, CRÓNICA DE EL-REI DOM AFONSO V , cap . XVII .Po r tu g al i a , I , p. 609.
ib. p . 610.
Godinho , VIAGEM DA INDIA , 109, citado por Bluteau, VOC . PORT .IB
N
”
LAT.
Ap ostilas aos D icionár ios Por tugueses 3 73
gueses , em harmºnia cºm ºs quais s e não escreve m antes de d,e 0 m fi nal s e muda em n aº acrescentar- se º s dº plural .Esta palavra designa uma espécie de pelºuro, Ou bala de
eSpingardaz— « O arsenal de Dum Dum , pertº de C alcutta, e »
depºis os da metropole cºmeçaram a fazer grandes provisões decartuch os cºm aquella bala »
0 nºme j á agºra está como está mas aqu ela escrita D um
D um inglesa quere d izer damedame na pºrtuguesa.
durázio
Éste adj ectivo, correspºndente do castelhanº du r azna d u r ae inum , indica, a respeito de frutos , um termº médio entremo le e du ra, estabelecendo- s e assim uma gradação de rij eza:mole
,molar , du ráz io, du r a.
0 que é singular e dizermºs de uma mulh er para cima dosquarenta que é já du ráeia »
,e nesta express㺠a gradaçãº
estabelece—se às avessas, pºis a que passou de du ráz ia se deno
m ina madura, estado de moleza a que s e segu e sarvada e p adre,na fruta. Para prºsseguimento da s ingularidade destes epítetos ,a fr u ta verde n㺠se pºde tragar , e faz mal à. saúde ; O que sequere é fru ta madu ra : exactamente o cºntráriº do que s e apetece na pºrç㺠mais formºsa do gênero h umano : quanto maisverde melh ºr .
Este vocábulo transmontanº 2,de aspectº bastante singular,
pºis que é necessário pronunciar—see em hiatº c ºm o a de augar ,e um derivadº , med iante O preficsº em, do verbº augar 2auga
O SECULO , de 12 de janeirº de 1 900.
2 Augusto Moreno , VOCABULARIO TRANSMONTANO (MOGADOURO E
LAG OAÇA), in Revista. Lu sitana V , p . 45 .
3 74 Aposti las aas D ici onár ios Por tugueses
pºr águ a, pronunciação muitº u sual também em Lisboa, frequentíssima no português faladº até o XVII s éculº , cºnforme a provaa es crita augu(a)a : o d itºngo au
,istº é , º u depºis do a desen
volveu- se por ecº , pºr influência proléptica, assimilaç㺠prºgresSiva aº u lí quido que está depºis dº g, cºmº na forma pºpularse desenvolveu um ditongº di , na palavra sangue, prºferidasã ingu i , em virtude da influência dêsse i , que substituiu o e surdofinal . C ºnfronte- se esta fºrmação cangar com O antigo êader
cºrrespondente dº castelhanº anadir ad i n adde r e , e ºcastelhanº enarenar , com o português arear . Vocábulos de estrutura análoga s㺠bem- aven tu rado, bem- aven tu rança, em- as
p r ear , em- asp ream-en to, nos quais s e deve pôr uma l inh a divisó
ria, para que s e n㺠leiam be—maventu ran ça, e—masp r ear , etc— « vendo que o mastro cºm a grossura e em -aspreamento dos
mares ºs çºçobrava » Mºrais transfºrmºu êste substantivo emensap r eamen ta
º.
A definiç㺠dada, lae. eit. pela REVISTA LUSITANA aº verbºeaugar , é a seguinte : —se : im- au—gar) .
— Apanh arem [as creanças e as bestas : salva s eja a comparança!] molestiaque as faça definh ar , ás creanças por n㺠s e lh es dar de qualquer coisa que nºs vejam cºmer , e ás bestas pºr lh es n㺠darmºstambém um merda a entrada de uma pºrta em que parem , ou
nºutro sitio onde estejam acostumadas a cºmer . Diz- s e de tresmaneiras : enaugar , augar e augar ; e em contraposiç㺠, respectivamente : desenaugar , desaugar e desougar »
Agu ar (prºn. ãguár), desaguar são os vºcábulºs comuns . C omefeitº nada h á peor que fi car agu ado, ºu cºm a água na bôca:
Nº hay desdicha mayºr ,
que una esperanza fallida.
Rui de Pina, C RÓN. DE EL-REI DOM AFONSO V , cap. x xrx e LII .'º V. J . C ºrnu , REVISTA LUSITANA , VI , p . 87 .
3 76 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
só comº termo de nºmenclatura botánica, mas também de no
menclatura zoºlójica, em vez de nascen ça, vai- se d ifund indo a
estravagante palavra:— «Nos d ias immediatºs a eclosão (nascimento) dº insecto [gafanhoto] » — ª
. Quem isto escreveu conven
ceu—se de que eclosão era muitº bºm latim, e como tal , mu itºaptº a substituir pºr termº mais fino o trivial nas cimen to [ºunascen ça] , cºm que O explicou ; pºrque , na real idade , para portugueses , que só saibam português , com ou sem latim , semelhante vocábulo é verdadeiramente uma charada mal feita.
É de sentir que ºs nºssºs prºfessºres e escritºres técnicossejam em geral tam pouco escrupulosos na vernacul idade da lin
guajem , empecendº dêste modº a criação e O desenvºlvimentºde verdadeira literatura científi ca, sem a qual a ºutra literaturaé insufi ciente para congraçar a ciênc ia cºm o id iºma nacional efazer dêle uma língua culta. O factº é que a êste resp eitº quempºde não quere , e quem qu ere não sabe .
0 NOVO DICCIONAR IO diz—nos ser edu uma árvºreda Índ iapºrtuguesa, mas não abona º termo, nem dá maior expl icação.
Não sei que árvºre seja. S ebasti㺠Rºdolfº Dalgadº, nº
DIOOIONARIO KOMKAN í- PORTUGUEZ 9, traz um Vºcábulo, e lu .
com l cacum inal , e dá—lh e a Signifi caç㺠de cardamomo C omºêsse l cacum inal , que n㺠tem cºrrespºndente nas línguas daEurºpa, a não ser um som análogo em alguns d ialectºs escandinavos , costuma também ser expresso por d (e por r), é prºvávelque seja a mesma árvore .
Garcia da Orta não cita êste entre ºs vários termºs indianºspara O cardamomo 3
.
1 0 SECULO,de 8 de junho de 1900.
Bºmbaim , 1893 , p . 69, col . I I : Mé ng germân ico .
3 COLOQUIOS DOS SIMPLES E DROGAS DA INDIA , Lisbºa, 1 , 1 891 ,p . 1 74.
*l
Apostilas aas D ic ionári os Portugueses 3
A ºr ijem dêste vºcábulº é º latim ad i tam
De areala ar eia, pºr serem as ei rós transpºrtadas v ivasnas selhas , envºlv idas em areia molhada. O termº não é geral ;engu ia é o nome dêste peixe na língua cºmum .
Tem dºis s ignifi cados , com étimºs d iferentes : ei ta, « serie ; i c tum ; ei ta « lançamento » iac tum º
.
N㺠sei a qual dºs dºis se h á de subºrdinar a acepç㺠queestá definida nº NOVO DICC IONAR IO , cºmº termº brasileiro, cºma Significaç㺠de— « rºça ºnde trabalhavam escravos » A eti
molºjia ali prºpºsta ac tnm é improvável , vistº que dêste proced eram as formas pºrtuguesas a ita e au to .
Este vºcábulo ºbsoletº procede dº latim aedi fi c ar e , cºm a
supress㺠normal do d intervocálico, e º abrandamentº dº f,igualm ente intervºcálico, em v : cf. devesa d e fen s a .
D . Carolina Mi chaelis de Vascºncelos, in REVISTA LUSITANA , III ,p . 62 .
º D . Carºlina Mi chaelis de Vascºncelºs , in REVISTA LUSITANA , III ,p . 145 - 147.
3 78 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
É esta a forma transmºntana do pronºme ele, cujº plural éeis , por eles . 0 singular el é frequente em dºcumentos antigos,bem como aqu el. Em castelhano diz—se é l i l l e , e no pluralellos 2i l lºs . Em portugu ês , tantº a forma geral, como a especial , êle, el fºrmaram o plural por analojia, eles , eis, j á dentrodº pºrtuguês .
eleiçºeirº
Não direi que êste adj ectivº esteja muitº bem deduzidodº substantivº eleiçaa, pºrque a formação é mais própria desub stantivºs (cf. p r egoeir o de p regão), mas em todo º caso éexpressivo z
— « O gºvernº que dissºlvera, pºr mºtivos el e i çºe ir os , 3 6 camaras municipaes » —1
Do latim an(n)e l l um , forma cºmprovada pelo castelhanºan i lla an iella, r esultou ã ela º, cºntraído depºis em ela; cf. r ela
de rãela r an e l l a, deminutivº de r ana .
embala
Termo dº Bailundº: « a embala (a libata onde vive o
soba) » —3
1 0 SECULO , de 3 de nºvembrº de 1 900.
º D . Carºlina Mi chael is de Vascºncelos, in REVISTA LUSITANA , I ,p . 301 .
3 0 DIA, de 29 de junhº de 1 903 .
380 Apostilas aos D icionár ios Por tugueses
emboutar
Na Beira-Baixa significa ê ste vocábulº « pôr de parte,'
depois
de ter encetado » , abocanhar .
empacassa, empacasseiro
0 NOVO DICCIONARIO inseriu êstes dºis vºcábulos , defi nindoO primeiro vacca silvestre das margens do Ganges ; búfalºe o segundº caçador de búfalos »Tenh º mu itas dúvidas acerca da exactidão destas d efinições .
A palavra emp acassa n㺠tem feitiº índ io, mas antes afr icanºcafrial , e neste casº poderia ter sido pelos pºrtug ueses ºu pºrbanianes levada da África Oriental para a nossa Ind ia, se seapurasse que ela fosse vernácula num e no ºutro dêstes dºispontºs . Ora, na real idade , emp acassa n㺠e termº cºnh ecidº naInd ia, e nem mesmo, aº que parece , em qualquer rej iao da
África Or iental Pºrtuguesa.
C ºm efeitº , na língua de Tete o principal termo cºm que o
búfalº se designa ali é nhati 4.
Disse que o termº tem aspecto cafrial , e na verdade é êlevernáculo, pºrém na Áfr ica Ocidental e n㺠na Oriental : emquimbundo p alcasa é O vºcábulº pelº qual « búfalo » é traduzidopºr Jºaquim da Mata, no plural jip alcasa : « boi selvagem ; búfalo »— º
. A sílaba inicial da fºrma. portuguesa emp acassa in
d ica ser ela tºmada de qualquer d ialecto dº quimbundo, em que
O p seja nasalizado, fenómeno frequente nas consoantes iniciais
1 Vi ctor J ºsé Courtois, D ICC IONARIO PORTUGUEZ -CAFRE TETENSE,
Cºimbra, 1 899 , p . 8 1 .
º ENSAIO DE D ICCIONARIO KlMBÚNDU-PORTUGUEZ , Lisboa, 1693 ,p . 1 27 .
Apostilas aos D ic ionár ios Por tugueses 5 81
de vºcábulos dessa família de línguas , quandº s㺠substantivºsprincipalmente .
C ºmo n㺠é natural que o termº transitass e da costa ociden
tal de África, onde n㺠v㺠ºs banianes , para a Índia Portu
guesa, é prºvável que a v ivenda do bicho não seja, nem nuncafºsse , as maijens dº Ganjes , como nºs diz a definiç㺠do NOVODI C C .
, pelº menºs com semelh ante nome . As espécies africanasmesmo s㺠d iferentes das da Ind ia, e de todas as mais asiáticas .
A. Réville, no l ivrº LES RELIGIONS DES PEUPLES NON- CIVILISES cita ºs vºcábulºs emp acassa e emp acasseir o no segu intepasso, que me fºi apºntado pelº snr . G . de Vascºncelºs Abreu— « 0n parle encore d 'une société qui se serait fºrmée depuisle seizieme Siecle ch ez les Kimbºundas [ s ie] sud- est [ s ie l] delº
Afrique, et dºnt les Pºrtugais appelaient les membres desEmp aeas seiras , parce que chaqu e initié devait sacrifi er un
buffl e , emp acassa» O autor cita R . artmann 9, e refere - se a
dita seita comº adversária da antrºpºfajia, e que dêste mºdºsubstituíra O sacrifíciº humano pelº de uma rês .
É claro que º vocábulº dadº aqu i comº pºrtuguês O n㺠é ,mas quimbundo, segundº vimºs . Por ºutra parte , a vivenda dºspºvos ambundos , propriamente ditºs , a sueste da Africa, s e nãoé êrrº tipográficº, mas do autºr , serai t de sa p ar t u ne s in
gu liere be'
vue, a não ser que parta da h ipótese . perfilhada emcerto modº pºr Henrique de C arvalho 3
, de que os pºvºs ca
friais tivessem vindo do leste para oeste , e que ainda a suestedemoras sem naqu ele século, º que tudº assenta em cºnj ecturas .
Temos porém aqu i um passº , que nºs subministra maisuma acepç㺠do vocábulº emp am sseira, a de membrº de uma
seita rel ijiºsa indíjena, que tinha comº credº a abºliç㺠dos sa
1 Pari s, 1883 , p . 1 13 .
º LES PEUPLES DE L'
AFRIQUE (Bibliotheque scientifi que internatiºnale), Pari s, 1 880, p . 218 (q.
ª EXPEDIC AO PORTUGUEZA AO MUATIANVUA. ETHNOGRAPH IA E
H ISTORIA TRADICIONAL , Lisbºa, 1 890, cap . I , p . 54 e ss .
3 82 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
crifi ciºs h umanos , mediante uma prática cultual menºs cruel ,a substituição da vítima humana por um búfalº , mp alcasa, palavra cafrial que lh e haveria dadº o nome imposto pelºs portugueses residentes em África, entre os quais fosse aquele animalconh ecidº tamb ém pºr ê ste nºme aportuguesado, empacassa.
Parece , pºrtantº , s erem inexactas as definições que dºs doisvocábulºs nos da o NOVO DI C C ., s em as abonar .
Evidente é igualmente que o autºr a quem citei, —artmann,obteve aquela informaç㺠de qualquer escritor pºrtuguês ; masnem êle cita a autoridade em que se fundºu , nem eu a pudepor emquantº encºntrar .
C ºncluirei advertindº que J . I . Roquete , no D icionáriº portugues francês já inscrevera o substantivo (em)p aeas sa, nºs
termºs seguintes — « EMPAC ASSA ou PACASSA , t. h i s t. nat. ern
pacassa ou pacassa, bufile, bubale du C ºngº —Não é prºváveltºdavia que Hastmann fºsse lá desencantar º vocábulo, que nãº
fi gura nem no D iciºnário francês de Littré , nem também nº deLarºuss e . Parece pois que Roquete , sem autor idade , afrancesoua palavra, que vemos deu como denom inaç㺠do animal na ÁfricaOcidental , e n㺠na Ind ia.
empapelar , empapelº
0 NOVO DI C C . dá -nºs cºmº signifi cadº de emp ap êlo, nomeverbal rizotónico de emp ap elar , « embrulhar em papel » , º signifi cado— « invólucro de papel » declarando desusado O vºcá
bulo. Nesta acepção concreta creio que, na real idade , está fºrado u so, se é que em algum tempº foi empregado. Na acepçãº
abstracta, porém , de « acç㺠de empapelar », ex iste abºnação,
cºlh ida provávelmente em flagrante z— «Na Offi cina de empa
pello (s ie), havia 5 magnificas mach inas de cortar papel »—º
1 DI C TIONAIRE PORTUGAIS- FRANÇAIS,Paris, 1 855 .
ª O SECULO , de 25 de abr il de 1 900.
384 Ap ostilas aos D icionár ios Por tugu eses
encalir
No Minh o : « engrºlar, ferver mal , en talar , cºmo se diz emLisbºa, carne ou peixe , para s e não estragar, afim de serem cozinhadºs aº depºis » .
0 NOVO D ICCIONARIO traz ê ste vocábulo, com defi niçãoaprºssimada. Atribu i—lh e um de dois étimºs : latim c al e r e ,que apresenta a d ifi culdade da permanência dº l intervºcálicº(ef. qu en te 2 c al en tem), que nº entantº vemºs em calor ,
provávelmente de orijem semi—erudita. Apºnta como segundoétimo, um h ebraicº, que n㺠cita, remetendo o leitºr paraPereira C aldas .
Não se dê êsse leitor a s emelhante busca, partindº com tºdaa segurança do seguinte princípiº : as etimºlojias h ebraicas dePereira C aldas , a parte aquelas que tºda a gente sabe que o
são, tem apenas uma util idade recºnh ecida, a de servirem deassunto de risº , s e n㺠de lástima ; pºrque de três cousas umaé verdadeira: inventou—as para nºsso d ivertimentº , esteve zom
bando cºmnºsco, ou estava doido quando as publicºu .
encanelar
0 NOVO DICCIONARIO incluiu êste verbo, dandº—lh e cºmodefinição :— « dºbrar em canelas ºu novêlºs ; fazer canelas em ,
acanelar
O vºcábulo novelas e de mais , pºis novelas n㺠são canelas ,
e neles enr ola—s e º fio, n㺠se d ºb ra, comº nas meadas ou madeixas .
Nº trecho seguinte , pºrém, encanelar tem ºutra acepç㺗 « Lamego, 21 . o fi carem as videiras s em rebentar fºi devido a varias influencias atmºsph ericas , e na maior parte geadasque receberam já nº tempº em que a Vide principiava a desen
Ap ostilas aos D icionár ios Por tugueses 385
vºlver para a rebentação, e que ass im ficaram en c ane l ladas ,— termo que n
'este caso usam ºs lavradores » —i
encaraçadº
Nº nºrte do reino usa- se êste adjectivº participial substantivado, derivado de caraça, para signifi car o que nº sul se dizmascarado, e antes se dizia emmascar ada, cºmº vemos nº
rºmance de António de C ampos , LUIS DE C AMOES [Parte I I , 1 4]— « Iam a cavallo, em trage de disfarce , muito garrida, mascarados , ou emmascaradºs , cºmº então se dizia »
encardir , cardir
C ardida, que pressupõe um verbº cardi r , de que é participiº passivo, diz- se da madeira que esteve muito tempº debaixode água, e apodreceu . Esta informaç㺠fºi—me dada pelº snr .
G . de Vas cºncelos Abreu . Do verbº primitivo cardir se derivouen cardir , « çujar »
, h ºj e em dia e desde mu ito tempº empre
gado nº sentidº de « lavar mal » , pºis s e diz roup a encardida
aquela em que, depºis de lavada, transparec e a çujidade anter i ºr .
O verbo cardi r parece ser afim dº adj ectivº eárdea, (q. v .
em avergoar).
endoenças
Tanto O DICCIONAR IO C ONTEMPORANEO , como O MANUALETYMOLOG I C O de F . Adºlfº C ºelh º , cºmº O NOVO D ICCIONARIOde C ândidº de F igueiredº , são concordes em atribu ir a ê stevºcábulo, comº étimº, º latim do l en tia. D . C arol ina Mich ael is
1 0 ECONOMISTA , de 26 de maiº de 1891 .
CDCv
Ap osti las aos D i cionári os Por tugueses
erplica—º pelº latim indu l gen tias C om efe itº , confi ra- se º
passº seguinte :— « Vendo Vasquo da Gama h o que s e passavas esta feira de Indulgencias s e fêz a vela . se infºrmºu da c i
dade de Mel inde , d iante da qual fºi surgir dia de Pascºa deRessurreiç㺠pela menh ã — º
Esta expressão sesta feira de Indu lgencias vºlta a ser empregada pºr Góis nº capítulº V da I II Parte , citadº por Bluteau[Vºcabuláriº, su b v. END OENÇAS], que já aponta êste étimº, o
qual , apesar de certas d ificuldades fºnolójicas , é ind isputável . 0dºutº lecsicógrafº acrescenta a forma popular andoen ças , alteradapela influência dº verbº andar :— « pelo mu itº que naquelle dia
[quinta feira de endºenças] se anda correndo as Igrejas »
endrómina(s)
0 NOVO DI C C . , em duvida, dá comº étimº a ê ste vºcábulº ,que apoda de chula, o vascºnço andram inae, e comº para º cºmprºvar, cita ºutra forma andramina, mais conforme cºm o castelhano andr ómina, que naturalmente passou a Pºrtugal na Sé
culº XVI I . O Dicionário da Academ ia espanh ºla 3 apºnta paraótimo o ital iano andir ivien i— « subterfugio » e francamenten㺠se lh e podem dar parabens pela invenç㺠.
Exam inemos , nº entanto, de relance as d ifi culdades queapresenta º vasconçº indicado, cºnquantº plausível , e que primeiro fºi prºpºsto pelº famoso criadºr da filºlojia vascºnça, ºPadre Manuel de Larramendi, em princípiºs do s éculº XVIII .O vºcábulo diz- se C ºmpostº de andre « mulh er casada »
, e min ,
« dºr, queixa ». Ora, andr é não é andr ó, e O plural andrem inae
teria naturalmente de ser acentuada nº i de m in , andreminae.
REVISTA LUSITANA , I II , p . 1 50.
Dam ião de Gó is, CRÓN ICA DE EL-REI DOM EMMANUEL , I , cap . 3 4 .
Madr id , 1 899.W
09
388 Aposti las aos D i c ionár ios Por tugueses
admitir- se º seu desaparecimentº , postuladº na ºutra etimºlojia
a que me referi .
enguiadº
Não é claro º sentido dêste epíteto, aplicadº a cºrt iça no
trecho seguinte :— « as cºrtiças engu iadas n㺠eram pºr via deregra improprias para rolha; sómente valiam menos , por nãº
poderem ser fabricadas a mach ina de rolha que d ispensa º quadro »—ª
Fica nº entanto reji stadº o vºcábulº , s e não há nele êrrotipográfi cº .
enha=minha
No NOVO DICCIONAR IO vem apºntada esta fºrma, abºnadacºm Gil Vicente . Efectivamente , cºmo proclítica, lê- s e nº «Autºda Lusitânia »
Flºr ida, enha filha
Granadº , enha fi lha
cºmo vemºs ta na « Farsa do C lérigº da Beira »
Que Blhº é s de bºm pai ,
E ta mãe bºa mu lher .
S㺠abreviaturas de m inha, tu a .
É de notar que enha é pelo pºeta empregado num romance ,cºm tºdas as aparências de antigo, tradiciºnal , para ser can
tado, e que os versos s㺠de cincº sílabas até a última acentuada
- Dºnde vindes , filha,Branca e cºlºrida
O SECULO , de 1 9 de julho de 1905 .
Aposti las aos D icionár ios Por tugueses 9
5
0 e de enha tem de ser elidido, cºmo provávelmente o era na
pronúncia, pºrque serv ia apenas de amparo a sílaba nha, que
não é inicial de vºcábulºs pºrtugueses . Éste çnha é pºis a reduç㺠de m inha pºr próclise.
Também no «Auto da barca do Purgatóriº » fi gura 0 femenino enha , na bºca de um lavradºr , que fala linguajem arcaicae vic iºsa:
E de tudº fi z aquesta,C ºmo ºmem di z , avantairo
Leixei ó cura enha bêsta.
Aqui empregºu Gil Vicente , cºmo quasi s empre , a redondi
lha, e O e de enha tem tamb ém de ser elidido.
Nº Suplemento aº mesmº dicionáriº dá - se- lh e, porém , um
masculinº enho, que nunca existiu , nem pod ia ex istir , pºis a
fºrma masculina é meu , e nãº, m inha, e que fºi deduzido infundadamente dº femen ino .
cujendrar , gerar
O verbº enjendrar é , cºmº ar ranjar , um galicismo antigº ,tantº em portuguê s comº em castelhano ; todavia, para O segundºdêstes verbos sómente em pºrtuguê s se dá o galicismo, pºis ºsespanh óis criaram o verbo ar r eg lar , que o substitui em quasitodas as suas acepções . N㺠me ocuparei do segundº dêstes v erbos , porque , a parte escr itºres pou co esmerados , tºdºs evitamo seu emprêgo, a n㺠ser nos sentidos populares de « consertar , compor »
, ou nº translato de « alcançar »,significadºs que
não tem o verbº (ar:)ranger francê s , o qual significa principalmente « arrumar »
, em sentidº natural ºu em sentidº âguradº.
Na acepç㺠de « obter » diz- se em francê s (se)—p r ocu rer .
Que, tantº º verbº arranjar , comº o verbº enjendr ar sãºgalicismo, prova—se com a sua fºrmaç㺠: ar ranger prºvém derang, substantivº a que em pºrtuguês correspºnde o quasi
3 90 Ap osti las aos D icionár ios Por tugu eses
desusado rengu e ; vê- se , pº is , que a ê ste primitivo n㺠corresponde aquele derivado.
0 mesmº acºntece com enjendrar . Dº latim g e nu s , g e n er i s procedia º verbº g en e r ar e , de que em pºrtuguê s prºveiog e rar , cºm perda do n intervocál icº, e que pºr isto se prºnunc iava dantes gerar , que J . I. Rºquete ainda manda profer ir cºme abertº , e de que O pºvo fêz jarar , ºbedecendº a influência queº r exerce na e átonº que o precede : cf. p ara p era) . Aindah ºje a prºnúncia geral e geração, e nãº, gçraçãa.
Em francês , de ing e n(e )r ar e fez- se engendr er , comº deg en e r , g e n e r i s , genro s e fêz gendre, com d intercalar entreo n e o r
, que a supres s㺠do e que os separava pôs em cºn
tactº . Tal d eufónico n㺠pertence a fºnºlojia portuguesa ('cf.genro), e pºrtanto enjendrar n㺠é pºrtuguês, a n㺠ser cºmoplebeísmº, no sentidº de « enjenhar, aldrabar, fabricar mal e sempreceitº»
.
É pºis defeituºsa a seguinte frase :— «As fºrmas nºbres .
que traziam na sua plasticidade evolutiva a pºssibil idade de engendr ar º cavallo, o eleph ante, etc .
» —ª
Onde se empregºu êste verbo afrancesada, deveria ter—s e escrito gerar , que lh e corresponde na s ignificação e ºrijem .
Não é pºrém sem exemplo o emprego de tal verbº , em passºsde autºres antigºs , e Bluteau cita dois , ambos os quais , todavia,cºnteem a idea subsidiária de artifíciº, que tºrna a ºbra imperfeita ºu impºs sível .
enjºgar
Este verbº derivado de jogo vocábulº transmontanoque quere dizer , cºmº fºrma subsidiária de gaga « seixºbolsado pelas águas que o acarrearam »
, significa nº mesmo dialectº « empedrar, calçar as ruas cºm jºgºs » .
1 0 SECULO , de 25 de setembrº de 1905 .
392 Ap ostilas aos D i cionári os Por tugueses
enristar , enriste
O verbo vem em todºs ºs dic iºnáriºs ; não assim º substantivº dêle derivadº , en r i s te, que vemºs no seguinte passo d asBATALHAS . DA C OMPANHIA DE JESUS :— « repetiu O algºz 0 en
riste » — ª Antes disseraz— « enr ista cºm elle »
ODSâ C â
Não é O nºme verbal derivado de en sacar , que falta nºs di
cionáriºs , a par de ensaqu e, neles rejistado, mas um termo daÁfrica Oriental Pºrtuguesa, cuja definiç㺠s e vê nos trech os s egu intes :— «A gente de guerra era d ivid ida em en sacas , cºm
mandadas p elºs maluhu a,ºs quaes tinham como aux il iares º
t'
eh ieango, e o demba, autºridades que correspondem respectivamente aos cazembes , sach ecundas e mucatas da Zamb ezia » — º
Antes , lê- se z— «En sacas agrupamentº de cypaes cºmmandadºs
por um cazembe, cºrrespondente a c om p an h i a »
Na escrita destes vºcábulos , para que fiquem pºrtugueses ,temºs de emendar malu eu a, eh i canga, além do absurdo cgp ae s
em eip ais (q . ou sip ai s .
ODSâDZOI ãY
Nºs bivaques , e quando temem surpreza [ºs cipais], ºu seensaneoram, ou cºnstruem abrigºs ligeiros , com troncºs dearvºres , ºu terra » — 3
É termo da África Oriental Pºrtugu esa.
1 Lisbºa, 1894, p . 1 92.
Azevedo Cºutinhº , A CAMPANHA DO BARUE EM 1 902 , in « J Ornal
das Colonias de 13 de agºstº de 1904.
ª Azevedº Cºutinhº , A CAMPANHA DO BARUE EM 1 902 , in « J ºrnal
das Colonias » , de 19 de agºstº de 1 905 .
Ap osti las aos D icionári os Por tugueses 3 93
ensarranhar
Nº Minho, cºnfºrme informação pessºal , « enfarru scar »
entrev istar
Este neolºji smº pretende substituir o estrambótico in terview
inglês , que para cá passºu pºr interméd io dº francês , ºnde éanglicismº ; mas também n㺠é português , nem cá é precisº .
Muito mais antigºs , e mais expressivos , temos vis i tar alguem,
avis tar—se com alguem .
entrujão
Em j iria castelhana entru eha'
n quere dizer _
« sabido, lad ino ».
Existem também en tru char e entru chada . O verbo e assim dehnidº nº Diciºnariº da Academ ia 1 '— « atraer a una con d isimulº y enganº , u sando de artifi cios para meterle en un negoC i0 »
C onquantº º termº em Pºrtugal tenha grandes ressaibos delinguajem ºrdinária, d irei mesmº chula, a poucº e pºuco fºi entrando nº usº comum ; ainda assim afigura- se—me um l ap s u s c al am i º seu emprêgº em estilº sér io, comº o vejº nº trecho
' seguinte , de escr itor esmerado z— « O vaque iro h ºnestº tem s empre ensejo de mºstrar a sua bºa fé . e O vaque iro in tr uj ã o decºnh ecer O cam inh o da . Bºa Hora [ed ifíciº dos tribunais dejustiça em Lisbºa] » -º
1 Madrid, 1899 .
º D . Lu ís de Castrº , in D IARIO DE NOTIC IAS , de 22 de fevereirº de1 906.
394 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugu eses
E usado nº Minh º , cºm o signifi cadº que nº sul damºs a
avesso adu er s um , cºmº enves inu er s e.
enxada
x
NO excelente estudº de Franciscº Adºlfº C ºelh o intituladºALFA IA AGRICOLA PORTUGUESA , publicado na revista P or tu
gal ia4, vêem - se ºs seguinte s epítetos , que d iferençam outras
tantas qual idades de enxadas : enxada de p ete, enxada de p i
careta, enxada larga, enxada de ganchos .
enxadrez
E o nºme antigo do xadrez , que ainda subsiste nº adj ectivoparticipal enxadrezado
Negrº é O pez ,Negrº é O r ei dº enxadrez—2
Em castelhanº e ajedrez , antigº ax edrez , de ºrijem imediatamente arabica, proveniente dº sanscrito, por interméd io do pers iano, que º recebeu de qualquer língua vernácula dº Indºstão.
Em última anál is e º vocábulº é sanscríticº: RaTuRaM Ga3, as
quatro partes (cºmponentes de um exércitº), infantes , cavaleirºs ,carros e elefantes .
I , p. 3 99.
º Gil Vi cente, AUTO DAS FADAS .
3 O Símbºlº AA vale pelº ng germâni cº, ºu nasal pó sterO-
palatal. O Vº
cábulº sanscrítico prºnuncia- se quasi como se em português escrevêssemºst)ehatorãnga, istº conforme a prosódia cºnvenciºnal , clássica na Europa.
396 Ap ostilas aos D i cionári os Por tugueses
O Elucidáriº de Santa Rosa de Viterbo já traz a palavra:— «Tambem s e chama P alaina. Era a insignia ºprºbriºsa
das alcºviteiras . C ºnsistia n'
huma Beati lha de seda vermelha,
que traziam na cabeça, emquantº não partiam para o desterro » C ita º Livrº V das Ordenações , Título 3 2 , 6 .
º
,
onde na realidade se lê o seguinte :— «Em tºdºs ºs casos emque algiía mulh er for cºndenada, por alcoviteira em algumas daspenas sobre—ditas [nos gg antecedentes], ºnde n ã o haja mºrrer ,ºu h ir degradada para O Bras il , traga sempre polaina, ou en
xaravia vermelha na cabeça, fóra de sua casa, e n㺠a trazendoseja degradada para sempre para º Bras il »
Do texto citadº vê - se que a definição de Santa Rosa de Viterbo tem dºis errºs . Primeiro, prºvável : n㺠se depreende claramente se p alaina é a enx aravia, ou ºutra peça de vestuariº ;segundº , certo : a enxaravia era Obrigatºr ia, quandº n㺠haviamorte ºu degredo, e não, cºmº diz, sempre e precedendº º degrêdº.
C ºnfºrme Eguilaz y Yanguas é o vºcábulº arábicº AL—x aRRiIE« faxa para a cabeça »
,de x anR « linh º delgadº »
. O arabistaespanh ºl acrescenta :— «En la 2 .
ª
[Polaina] es el ár [abe] G aRAR,med ias »
1. Este últimº étimo é inexacto, mas lejítima a
dúvida, de que p alaina equivalha a enxaravia.
No Alentejº e o nºme de uma armadilha de alçap㺠, paraapanh ar perdizes .
0 NOVO DICCIONAR IO , escreve enx ó(s), e diz ser termo daBeira—Baixa, com Signifi caç㺠análºga. É possível que seja uma
acepção especial de enx ó latim as e i ó la , deminutivº de as c ia .
GLOSARIO DE LAS PALABRAS ESPANOLAS DE ORIGEN ORIENTAL ,Granada, 1886.
Ap osti las aos D i c ionár ios Por tugueses 397
enxoval , ajuar
A primeira v ista parecem muitº diferentes êstes vºcábulos ,º primeiro pºrtuguês , o segundº castelhanº pronunciadº actualmente aquar , cºm a fricativa pósterº—palatal surda do castelhanºmºderno, em vez da dorsal x de português .
Nº castelhano antigº a fºrma era pºrém ax u(v)ar , e 0 x
tinha ent㺠º mesmº valor que tem em português .Enxoval, n㺠se deriva, cºmo diz O NOVO DICCIONARIO , de
exu u iae : é o arabe AL—XUAR , dºte quer em dinh eirº , quer emj ºias , quer em “
trem de casa Nº testamentº de Pedrº Rodríguez publi cado na REVUE H ISPANIQUE [X, paj. 230]lê- se : di a leºnºr rrodriguez axuar bien ricº»
O a representa º artigº arábicº AL , cºm ass imilação dº la cºnsºante seguinte x , pºr esta ser º que em terminºlojia técnicase di z letra sºlar , porque pºr ela começa a palavra x aMS , « sºl »
Letras sºlares s㺠nessa terminolºjia as que se proferem cºm a
pºnta da língua, cºmº d, l, n , r , s , t, x ; lunares , as outras .C om relaç㺠a mudança de ax . em da fºrma
portugu e sa, of. a fºrma valenciana enxavar,cºm a aragonesa
axavar9, e ainda º castelhano azufre, azada, cºm O português
enxofre, enxada . C ompare - se também enxame e exame, ambºsdº latim e x am en . Pelº que respeita a inserç㺠dº v, confron
tem - se ig ualmente as formas castelhanas loar , laar cºm as por
tuguesas lou var , louvar , dantes loar , de que prºveiº laa, emlatim l au d ar e , e lau s , l an d i s ; ouvir , pºrtuguês cºm air cas
telhano au d i r e ; goivo gau d ium , etc ; Este v intercalar manifestou- se nas formas d e ºr ijem latina
, depois da queda do d,para se evitar O confl ito das vogais , ou h iato : a esta causa é
1 Veja- se Eguilaz y Yanguas , GLOSARIO DE LAS PALABRAS ESPANOLAS DE ORIGEN ORIENTAL , Granada, 1886.
º Dozy Engelmann , GLOSSAIRE DES MOTS ESPAGNOLS ET PORTUGAIS DERIVES DE L 'ARABE,
Leida, 1869.
3 98 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugu eses
devida a sua inserç㺠em enxoval. C f. ainda viú va, dº latimu i du a,
passando por u i u a, v i u a ,
-v i ua .
Modernamente alguns periºdiqueiros , que s e envergonh am deescrever em pºrtuguês tudo . que querem dizer aºs leitores , cº
meçam a empregar, em vez de enxoval, a palavra francesatrou sseau ,
nas tediosas descrições que fazem de qualquer casamentº ricº , nas quais nunca também omitem º r idículo corbei lle.
« em tºdas as epºcas da pre—h istoria se fabricaram e ol i
th o s , istº e, peças [de pedra lascada] que apresentam um mi
nimo de talha intencional »— í
O termº é moderní ssimo, der ivado artifi cialmente do gregº“EOS , « aurºra e LIT
ªOS,
« pedra », e importa a nºção de « pri
meirºs vestíjios do talh º da pedra feitº pelº h omem »
êrmo, ermar, ermamentº
O substantivo ermo seguiu a acentuação grega ÉBÉMOS, emvez da latina er ê
'm u s , que ao depois passºu a ser é rêm u s .
Deste substantivº derivou- se º verbo ermar , de que por ucolojismo s e fêz ermamen ta, comº de armar , armamento — «mas
que nunca h ºuve ermam ento conh ece- se com toda a clarezados documentºs da epoca »
S ignifi ca despºvoamento º
O ARCHEOLOGO PORTUGUES , vol . X , p . 407 .
2 Albertº Sampaio, AS VILLAS » DO NORTE DE PORTUGAL , in Pºr
tugál ia », I , p . 283 .
400 Ap osti las aos D ic ionár ios Por tugueses
escada, escadaria
A palavra escada não prºvém de s cal a com mudança de Zem d, que seria absurda, pois º s cala latinº daria em pºrtuguêsescá(a), mas sim de es calada, escaada, cºmº j á afirmºu Júl iºC ornu .
A nºç㺠da ºrijem da palavra perdeu - s e pºrém , visto que
s e prºnuncia escadar ia e não eseãdar ia : cf. p ãçãa pal ac ia
num , e fggu eiro ºu fãgu eira, castelhanº halagii enoA fºrma escaada
,não contraída, existiu z— «Et todos desta
cºllatione levavam as tabºlas e a madeira aº C astellº, et faziamo tavºado et as escaadas » — º
. Notem- s e as formas tabolas e
taboado, a primeira com Z, e a segunda s em êle.
escalavrar
C onfºrme D . C arolina Mich aelis de Vascºncelºs 3 , ê ste verbºcorrespºnde a um castelhanº des calaverar calavera c al u ar ia,
com a anaptíctico. Mas cºmº a calavera cºrrespºnde em português cãveir a
,segue- se que escalavrar seria castelhanismº, atenta
a permanência dº Z,e o adjectivº participial escãveirada que
pressupõe um verbº escãvei rar . Maior castelhanismo será aindadescalabr o
,substantivo verbal espanhol descalabrar .
C f. ainda escalvado calva.
O étimº prºpostº pelº C ONTEMPORANEO , s cal p e l l ar e , é imprºvável .
V. A. R . Gonçálvez Viana, É TUDES DE GRAMMAIRE PORTUGAISE,
in «Muséon », 1884.
º PORTUG ALIAE MONUMENTA H ISTORI C A,Inqui rições de D .Afonso III ,
I I, p . 41 6, col . I I .3 REVISTA LUS ITANA , I II , p . 1 78.
Ap ostilas aos D i c ionár ios Portugueses 401
escaleres
C ºmº termº de jiria, quere d izer « olh ºs »
escalfar
Este verbo s igni fica « cºzer em água quente ».
0 étimo parece ser ex - ca l(i du m) cºnfºrmeG . Rõrting
escamalhar
J . Leite de Vasconcelos dá êste verbº cºmº pertencente aº
vºcabuláriº de Trás -os -Mºntes , e cºm a signifi caç㺠de « escan
galhar ». C ºmo ê ste , decompõe- se em es - cam-alhar cama, e
quere propriamente d izer des - a- cam-arº
C f. esbandalhar (q.
escamel
Na língua comum : « banco de espadeirº». Deve ser º latim
s c am nel l um ; mas s c amn um es cano .
C ºmo termo alentejano signifi ca um moçº que avia recadºs ,ºu cºmº lá dizem ,
mandadas 3.
H á de ser ºutrº º étimo. J . Leite de Vascºncelos sujere o
latim c asm i l l u s , com metátese do s , s c am i l lu s , forma paralela a c am i l l u s , cam i l l a ,
« donzel ºu dºnzela, que auxiliava o
Citado pºr G . Rydberg , JAHRESBERI C HT ÚBER DIE FORTSCHRITTEDER ROMAN ISCHEN PHILO LOGIE , VI , I , p . 288.
2 REVISTA LUSITANA , II , p . 1 1 7 .
3 V. REVISTA LUSITANA , II , p . 3 7 .
402 Ap osti las aos D i cionár i os Por tugueses
sacerdºte nºs sacrifí cios » º que parece pºucº provável . No entanto, cf. escam i lla, castelhanº .
escamºndar, escamºnda
« No paí s só tenh o v isto appl icar muito ê ste tratamentº[o desmoche, q . v .] aºs freixos e aos grandes salgueiros , maspºucº aºs
'
chºupºs , os quaes d e ºrd ináriº são escamandados ,
istº é , de s r amadºs aº longº do tronco » —º
eseamudº
Este adjectivo, comparável a p eluda p ela, esp adauda es
p ádua, equivale a es camasa,mas com uma d iferenciação de sen
tido : escamoso qu ere dizer « que tem escamas » , es camuda, « que
tem muitas escamas » S etubal , 26 . Pe i xe maneira e escamudo
, por issº aprºpriadº para conservas » —3 .
Refere - se a sard inh a.
escanc(a)rar , escanc(a)ras , caranguej º
Este verbº signifi ca « abrir enteiramente » .
O DICCIONARIO M ANUAL ETYMOLOG I C O de Franciscº AdolfoC oelh º nada diz a respeitº da sua ºrijem ; O NOVO DICCIONARIOdá esta como incerta. Pºis n㺠é mu itº difícil acertar com ºétimº; basta cºmparar ê ste verbo com º tºscanº sgangherare,que qu ere dizer « tirar uma pºrta dºs lemes » : gangher i c an
c e r ,« caranguejo »
,e também « var㺠de ferrº , grade »
, de cujo
1 ib.
GAZETA DAS ALDEIAS , de 1 1 de marçº de 1 906.
ª O ECONOMISTA , de 28 de abri l de. 1891 .
404 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
ºu teve , em gascãº, cºmo vemºs na coméd ia de Mol iere , LE BOURGROIS GENTILHOMME
Bons boyez qué chacun mé raille,Et jé suis escandal isé
'
Dé bºir es mains de la' canailleC ê qu i m
'
est par bºus r éfusé 1 .
Parece pºrém que mesmº, aº francês literário n㺠fºi estranhº êste signifi cadº , pºis o própriº Moliere empregou nesse sentido º mesmo verbo em textº francês puro
Vºtre paresse enfin mc scandali se,Ma muse, obé issez-moi— 3
escaparate
Este substantivo nenhuma relaç㺠tem com o verbo escap ar .
S ignifica um armário pequenº O que nós chamamºs mostrador ,ou ,
segundo a terminºlojia afrancesada dos caixeiros , mantra fr.
montre, visto que mostrador em castelhano corresponde aº que
em pºrtuguês se denomina ba lcã o.
A orijem dº vocábulo é º h ºlandês s c h ap rade , prºnunciadºçqáp rãde, quasi shapr ade, cºm a vºgal intercalar a, e cujo s i
gnifi cadº é«l armáriº de arrecadação » .
Outros vºcábulos h olandeses passaram as línguas h ispánicas ;e sem citar ºs termºs de marinha, apontare i, entre ºutrºs , ma
n equ im mauken « hºmemzinhº», (queij º) p rato p laat(lcaas),
« queijo chato », pºr ºpºsição aº esféricº, a que chamamos queijo
flamengo, e que os espanh óis denºminam qu esa de bala. ManuelGºdinh º C ardosº chamºu—lhe queijo de framengas 3
.
Acto V , BALLET DES NATIONS .
º REMER C IMENT AU ROI , (Euvres , Pari s, 1 760, t. VIII, p . 168.
3 B IBL . DE CLASSICOS PORTUGUEZES, vol . XLI, p . 3 1 . (Fins da Sé
culo XVI).
Ap ostilas aos D i cionári os Por tugueses 405
A palavra p r ato signifi ca, do mesmº modº « c h atº » ] p latu s , p la ta , p la tu m gregº PLATÚS , PLATEÍA, PLATU; chato é
forma mais antiga, da «mesma orijem.
escar(a)funchar
Verbº muito pºpular, com a signifi cação deDeriva- se de uma fºrma latina
escar(a)mentar
Este verbº e antiquí s simo, pºis ja fºi u sado pelº trºvadorRaimbaldº de Vaqueiros— « Todo '
n sºy escarmentado » — º
A forma cºm a intercalar é cºnsiderada plebeí smo. D . C á
rolina Michaelis de Vasconcelºs atr ibui—lhe cºmº étimº O latimeXp er im entar e 3
, que me parece imprºvável em razão da mudança singular de p em e. Júliº C ornu 4 considerºu pºssível serescarmentar derivado de esearmen ta ºu eseramen ta 5
, e êsteprºcedente de e x c r em en tum , h ipótese inadmissível , a meu ver ,
atenta a significaç㺠. A mim parece-me que a etimºlºjia seráum verbº latino pºpular ex - c a r m i n i ta r e c arm inar e c ar
m en , c arm in i s , « carda » ; cf. , emquantº a signifi caç㺠, escaldada em pºrtuguês , escamada, em castelhanº .
Outrº étimº, que ofereceria iguais , senão maiºres probabilidades , seria C arp ente s , « profetizas , adivinhas » , nºme derivadode c arm en , antigº c asm en , no sentido especial de « vaticínio » ;
1 REVISTA LUSITANA , IV , p . 336.
º Citadº por Mila y Fºntanals , DE LOS TROBADORES EN ESPANA , I ,
3 REVISTA LUSITANA , II I , p . 154 .
4 GRUNDRISS DER ROMAN ISCHEN PHILOLOGIE , I , p . 778 .
5 es eramen tado em Ru i de Pina, CRÓNICA DE É L-REI DOM AFONSO V ,cap . CXLII .
406 Aposti las aºs D icionár ios Por tugueses
e neste casº teríamºs de supor um verbº carmen tar e frequen
tativº de c a rm i n a r e , vaticinar », pºstulado pelº particípio dº
futurº passivº c arm inab u ndu s , empregado cºm valºr de adjectivo. Outrº étimº, que j á em 1 874 foi prºpostº por Sofo Buggena R º m an ia, é ex - c a rp im en tu m ex - ca rp e r e , pºr ex c e r
pe r e , « apartar, escolh er dº mal º menor , aprºve itarEis aqui uma abonaç㺠bastante antiga do verbº escarmen
tar em castelhanºz— «Et otrºss i tenemos por bien que los
de esta puebla [Espinar] que puedan e s c arm entar e peindrar[ p ig n ar a r ç ]
bscar(a)pelar
C onforme J . C ºrnu'
de s cal p e l l ar e , cºm a anaptíctica.
Tºdavia,temºs carp ela dº milho, substantivo, que parece ter
dadº orijem a ê ste verbo.
escarçar ; esgarçar , escar char
C onforme D . C arolina M ichaelis de Vascºncelºs 3 , º primeirºdestes verbºs , que parecem formas d iferentes de um só primitivº,derivar- se- ia de ex - earp ti a r e c ar p er e ,
« carpir , colher »
(cf. caçar de cap ti a r e) , étimo só admissível para um dºs s ignifi cadºs , « tirar a cera das colmeias » ; segundo Kõrting 3
, escar
char proviria de ex—qu a r ti ar e , « esquartejar ». O mais natural
pºis é, congraçando talvez as duas opiniões , s eparar, º primeirºescar çar , dº segundo, equivalente a esgar çar , e dar a êste , bemcºmº a es carchar , º ótimº de Karting.
Júliº Puyol y Alonso , Una puebla en el siglº XIII , in Revue Hispanique Vºl . XI , p . 250. (Era de 1 335 , i . e.
2 REVISTA LUSITANA , III , 1 43 .
3 LATEINISCH-ROMANISCHES WORTERBUC H , Paderborn , 1890, n .
º
408 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
escusa-
galés
Espécie de embarcaçãºz— « e destes [parós] quatro se fi zerame serviram depois de escusa-
galés »— 1
esganar
Este verbo tem º signifi cado comum de « afogar apertandºas goelas » . O particípiº esganada s ignifi ca « sôfrego, avarento » .
Eum derivado de gana, palavra que parece n㺠ser muitoantiga na língua, vistº que Bluteau a n㺠incluiu nº seu VOCABULARIO.
Diz—se estar esganada com fome, e nesta lºcução º particípiºesganada tem a mesma signifi cação virtual que º substantivºgana, « grande apetite , grande vontade » .
A acepç㺠primordial do verbo esganar , « afºgar », pºrém ,
n㺠s e compadece com tal signifi caç ão. Ora, cºmº é tr iv ial estaºutra locuç㺠pºpular « sou cap az de lhe ar r ancar as ganas da
comer fora », e nela inquestionávelmente a palavra gana quere
dizer goela ; é desta acepção que provém o signifi cadº de esganar« apertar as goelas » . Em castelhano desganar significa « tirar a
vºntade ».
A palavra gana é de ºrijem germânica, muitº antiga emcastelhano, ºnde ainda h ºje cºrresponde a ede C astela prºvávelmente fºi trazida a Portugal .De esganar s e derivou esgana « dºença nºs cães » . C f esga
n içar- se, em castelhanº desgani tarse.
1 «Padre Manuel Bernardez «Descr ição da cidade de C ºlumbº [Ceilãº] ,in BIBL . DE CLASSICOS PORTUGUEZES, vºl . XLI , p . 92.
Ap ostilas aos D icionár ios Por tugues es 409
esguíçaro, esguízaro
Estas duas fºrmas cºrrespºndiam antes a s u i ça. Jºsé Leitede Vascºncelºs entende ser em de procedência ital iana e emtoscano se diz realmente svizzera é possível que nalgum dialectº,sgh izzer a. Os suí çºs a si própriºs se ch amam Schwizer , pronunc iando quas i x evi teer .
Su i ça, como certº talh e de barba, é o adj ectivo s u i ça substantivadº, cºm el ipse dº substantivº barba .
esgu ich o
Bateiras de pesca. a tres typos : O da bateira de Aveirºe e os dois typos murtozeirºs : a labrega e a ch in
chor r a (q. v .) a que tambem chamam esgu icho. Estas duasdifferem uma da outra em ser a segunda maiºr e mu itº maisarqueada e levantada de prôa e ré, apprºximandO
- se muito dosbarcºs do mar da Torreira » — º
esmºla, esnoga
étimº de esmo la é sem dúvida o latim e l eem o sf'
na , vocabulo enteiramente gregº, ELEEMOSUNE, cºmpaixão, dó ELEEõ ,
« ter dó ». Os trâmites pºr ºnde passºu tam lºngo vºcábulº para
ch egar aº trissílabo actual foram : e lem as n a , elrnasna, (a lmasna
nº'LIVRO DE ALEXANDRE : cf. cast . limosna), esmalna, esman la
(cf. mo leira monte iro mo linar ium) . Da forma esmalna há
documentº antigo, citadº nº Suplemento aº NOVO DIC C IONAR IO .
1 O ARCHEOLOGO PORTUGUES , V , p . 3 .
ª Luís de Magalhães , OS BARCOS DA RIA DE AVEIRO , in P ºr tu gal i a , II , p . 61 .
410 Aposti las aos D i cionár ios Por tugueses
Transfºrmações análºgas sºfreu s inagoga, para ch egar afºrmamedieval esnaga, ainda h ºje em dia usada pelos judeus portugueses : s inagoga esnaaga esnaga.
espada, espadela, espadelada, espadilha, espadeiro, espadeirar ;
e spádua ; espaldar ; espátula ; espatela
Esp ada é O latim S p ath a , em que 0 th fºi tratadº como s efºsse t 4. Deste vocábulº se derivºu esp adela, que além de des ignar uma espécie de remº , a que os franceses chamam p aga ie,
é o nome de um instrumentº agrícola ;— «A esp adela é uma
espécie de pºdºa de made ira, em que se distingue a cota, º fioou game e O p unha » —º
Esp adelada prºcede de esp adelar , e êste de esp adela. Esp a
di lha,além de ser º nºme do ás de esp adas em váriºs jºgos
de cartas , denºta uma ferramenta própria de tecelão z— « uma
regoa de madeira chamada esp adi lha » — 3. S erve para formar a
urdidura. Deve de ser castelhanismº em ambºs os sentidºs .Não s㺠sómente êstes ºs der ivadºs de esp ada, ºu dºs seu s
derivadºs ; há muitºs mais , que pºdem ver- se nos diciºnáriºs .Um déles é esp adeira, « fabricante de espadas » .
De esp adeir a, pronunciadº esp ª deira, com a surdo na sílaba, declaram ºs mesmos d iciºnáriºs derivar- se esp ádeir ada,
cºm a aberto átºno da d ita sílaba, e que n㺠significa o que a
sua fºrmaç㺠exijiria, a ser verdadeira a derivação, « pancadadada p ela esp adeira, ou com um esp adeira, ou esp adeira, ou
num esp adeira ºu esp adeir a ». (C f. cu ti lada, catanada, p unha
lada), mas pancada dada cºm a esp ada . (D e ºnde veio pºis asílaba intercalar - eir visto não dizermºs esp adada, e º a ser
abertº em esp ádeirar , esp ádeirada, sendº surdº em esp adeira?
OVOCABULARIO PORTUGUEZ E LATINO de Bluteau resºlve esta,
ORTOGRAFIA NAC IONAL , Lisbºa, 1 904, p . 63 .
º 3 Pºr tu gal i a , I , 3 70- 3 73 .
412 Ap osti las aas D icionári os Por tugu eses
espera esperista
Substantivº rizotónico dº verbo esp erar . Tem vários significados , e entre eles , é º nome de uma peça dº tear , esp era da roda
do órgã o do p ano
— « Todas as vezes que entre nós s e caça a e s p e r a e esta ésempre feita a uma determinada especie
,º primeiro cu idadº dº
caçador , para ser bem succedidº, é impedir pºr tºdºs ºs meiºspossíveis que seja notada a sua presença . nesse caso º esp e
r ista, nºme dado ao caçador de e s p e r a, construe . barracas
de ramos , em que se embusca » —º.
O vocábulo esp era fºi tamb ém usado antigamente nº sentidºde « lugar ºnde se espera »
,« prazº dadº »
,« sítio aju stadº para
encontro ».
Nesta acepção fºi impºstº a um cabº na Terra Nºva, pºrocasi㺠da viajem de C ôrte Real . C abo da Esp era, denºminaçãoque os ingleses converteram em C ape Spear, « cabº da lança» .
C umpre advertir que o vºcábulo inglês sp ear , actualmente pronunciadº sp iar , era há três s éculos ainda pronunciadº sp ear .
Outras denominações dadas pelos portugueses a acidentes deterrenº naquelas parajens foram igualmente alteradas , para queformassem sentidº em inglês, tais cºmo C ape Race, pºr C aboRaso
, Ferryland por Farelhão, etc .
3.
esperto, espertar , espertadºr
0 adj ectivº esp er to, que tem mu itas acepções , mais ºu menºsrelacionadas cºm º seu étimo latinº exp er tum , particíp io pas
ª Po r tu g al i a , I , p . 3 74.
º Jºsé Pinhº , ETHNOGRAPH IA AMARANTINA , A Caça, in P o r tu gal i a , I I , p . 95 .
3 V. H . P . Biggar , THE VOYAGES OF THE C AROTS AND OF THE
CORTE REALS TO NORTH AMERICA AND GREENLAND , 1497- 1503 , in «Re
vue H ispanique X , p . 587 , notas.
Ap osti las aos D icionários Por tugueses 413
sado pass ivº de exp er ger e , « acordar », ou cºm o verbo esp er
tar , teve um s ignificadº muitº espec ial , que vemos apºntadº nº
seguinte trechº:— «Em me dando autorisaç㺠para lh es appl icaruns tratos esper tos , eu os farei falamEsp er tadar é º nºme que antes se dava, e º pºvº ainda dá,
aº que os cultos chamam desp er tador « relºjo com carrilh ãºpara acordar as pessoas a h oras certas — « Um relºjio de h ºras,cºm seu espertadºr
— º
espevitar , espevitado
Espevitar uma vela ºu tºrcida é « cºrtar - lh e o murrão ».
E como a luz depºis dessa ºperaç㺠fi ca mais viva, dizemºs queuma pessºa é esp evi tada quando é esperta em demasia, e línguaesp evitada e « l íngua desembaraçada »
. Esta última expressãºn㺠e mºderna, pºis a vemºs em texto dº XVII séculº:— « Respºndeu cºm grande esperteza e líng ua muitº espevitada »— 3
espiar , espear
C ºmo O verbº se conjuga nas fºrmas r izºtónicas com i,e
n㺠ei, n㺠há remédiº senão escreve- lo sempre com i . Todavia,vê- se que houve confusão cºm os verbos em - iar , cºmº acºnteceu cºm cr iar c r e ar e (q.
Deu—se pºrt anto cºnfusão entre estes dºis verbos , de tamdiferente s ignificaçãº, pois º primeirº , de orijem germánica,quere dizer « vijiar »
, e º segundº , confºrme D . C arolina Michae
1 António de Campos, O MARQUEZ DE POMBAL .
º António Franc iscº Cardim , BATALHAS DA COMPANHIA DE JESUS ,Lisbºa, 1894, p . 80.
3 Antºni º Fran cisco Cardim , BATALHAS DA COMPANHIA DE JESUS ,Lisb ºa, 1894 , p . 24.
14 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
l is de Vasconcelos , derivado do latim ex—p a na r e p anumdesigna— « acabar de fiar a estr iga que c injia a roca » s egundo a definição do Nôvo DI C C IONÁRIO .
O latim p anu s , queria d izer— « a canela de íiado, ou armeo
de lã preparada para se li ar — ª. De ex—p an ar e provm a esp ear
e depois esp ear , que deveria conjugar—se esp eia, e não, esp ia.
Todavia, esp iar , neste sentido, poderia também ser esp igar :
cf. liar l igar e .
espiga, espigo, eSpigão, eSpigueiro
O primeiro dêstes vocábulos designa a parte terminal dahaste de certas gramíneas em que se conteem os grãos , as sementes ; as do milho ch amam- se propriamente maçarocas , termoque também se aplica ao linh o que está enrolado na roca. O ter
ceiro vocábulo, forma aumentativa, qu ere d izer uma ponta agu
cada que s e crava em qualquer parte para s egurar a peça a que
pertence . Neste sentido vemos a forma esp igo, não rejistada nos
dicionários , empregada no trecho seguinte : « no centro da [mó]inferior ha um espigo de ferro onde entra a segurelha q. v.] demadeira »
É provável que esp igo não seja propriamente a forma mascul ina, correspondente a femenina esp iga, formação al iás muitou sual (cf.
'
cêsto e ces ta), mas s im , o latim s p i c u l um , deminu
tivo de sp i c u m , s p i ca, que des ignava em latim o ferrão dealguns insectos , do lacrau , etc . As formas intermediárias foramsp ig u lu m , esp igoo : cf. bágo(o), de b ac u l um .
De esp iga s e d erivaram vários vocábulos, tais como esp i
g i ieir o, nome que tamb ém se dá no norte ao canastro (q. o .) ou
oan i ço, mormente se é feito de pedra e cal e não de vêrga ou
canas .
REVISTA LUSITANA, I II , p . 158 .
2 J . António Ramalho , MAGNUM LEXICON LATINUM ET LUSITANUM ,
Lisboa, 1 819.
41 6 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
espreitar
Éste verbo, usado em português sómente , que eu saiba, der iva—o D . C arol ina M ichaelis de Vasconcelos de exp l i c
'
ta r e
por ex p l i c i tar e : C onfronte—se emp reita, « tecido de palma », de
i mp li ci
ta , por imp l íc ita, que confi rma a etimolojia; cf. aindaes tr ei to 2s tr i ctum
espremedicinh o
Este singular deminutivo, de esp r emedi ço 2esp remido 2cc
p r emer , aplica—se a um animal mais pequeno e enfezado que
outros da sua espécie , em meio dos quais vive .
esquartejar , esquartejadouro
Éste verbo quer d izer partir em quatro quartos , « fazer empostas » . S ingularmente o emprega António Francisco C ard im ,
num sentido que é um contra—senso, e é natural que lh e não
ocorresse a orijem da palavra:— « fi cou o imperio esquartejadoem tres partes » — º
.
O substantivo esquar tejadou r o, feito a s emelhança do equarr issage francês , é recente
,mas perfeitamente admissível :
- « O sr . Martinh o Gu imarães , vereador da fazenda munic ipal , propoz aos collegas que o transporte para os esquartejadou
ros , dos animaes que morram na via publica, seja feito em car
roças da camara, que não tenham outra appl icação »— 3.
O termo era já oficial , v isto constar do Decreto de 7 de fe
1 REVISTA LUSITANA , I II , p . 1 46.
BATALHAS DA COMPANHIA DE JESUS , Li sboa, 1894, p . 21 7 .
3 O ECONOMISTA , de 24 de março de 1893 .
Apostilas aos D ic ionár ios Por tugueses 4 1 7
vereiro de 1 887 . Ainda bem que o estrambótico e'
quar r issage
morreu à nascença !
esqu ilo, esquio
O nome dêste formoso animal , que suponh o não ex isteactualmente no nosso paí s , deve ter a mesma orijem que o fran
cês é cur eu i l, isto é , em latim s c u i r u lu s , s c u i r o lu s , deri vadode s c iur u s , que era o seu nome latino do grego SKÍOUROS ; deoutro modo s er ia extraordinário que o s ci latino produzisse es
qu i A forma é em todo o caso s ingular , convmdo advertir queG il Vicente escreveu esqu io, e não, esqu i lo :
Este não é furão ,Nem gineta, nem esquio ,E um bi chinho vadio 1
.
Em castelhano chama—s e—lh e ardi lla, mas também se disseesqu i lo, que pelo Z e mais espanh ol , que portuguê s .
esquina, esqu ineta
C omo nome de jôgo, não colijido nos d icionár ios , é o francêslan squenet alemão lands—lcnech t, « soldado de milí cias , e nomede jôgo V. Júlio More ira, in REV ISTA LUSITANA , IV, paj. 267 ,onde vem a abonação de C am ilo C astelo Branco :— « Arrauchava
c om vadios nas noitadas das tavernas onde s e jogava a esqu ineta
e monte » Parece a J . Moreira ter hav ido a mu i provável influencia da palavra esqu ina .
AUTO DAS FADAS .
4 18 Aposti las aos D icionár i os Por tugueses
esqu inante, esquinote
- « para apertar o fundo das vasilhas ou desengrossa—las
empregam [os oleiros] um pau aguçado, o esqu inote (Baião) ouesqu inan te (Villa S ecca)
essa, eça
J úlio C ornu , nos «Elementos d e Filolojla Românica » º, e não
sei se j á antes déle D . C arol ina M ichaelis de Vasconcelos , indicou a etimoloya dêste vocábulo, modernamente escrito eça,
istoé , errado, como tantos outros . Der iva—s e êle do latim e r s a, fe
menino do particípio passivo e r s um ,de e r ig e r e , e s ignifica
portanto « erguida ». C om efeito, são numerosos os vocábulos em
que a r s latino corresponde s s em portuguê s ; tais são traves sa,p essoa , p ês sego (tamb ém erradamente escrito p ecego), do latimtr an s u e r sa, p e r s ona , (m al um ) p e r s i c um , etc .
Fernám Méndez P into 3 escreveu aquela palavra com ee,
eessa= essa :— « hum cadafal so . e no me io delle h úa tribunade doze degraos com h íia eessa quas i ao nosso modo, .
A razão desta escrita está em que era necessário d iferençar o
vocábulo do femenino do pronome êsse, essa, que no seu tempo,como ainda h oj e no norte do re ino, era pronunciado essa . sem a
metafonia do e em e, que s e manifestou ao depois no sul , e nocentro, de onde era natural P into .
O apel ido Eça, porém , tem de certo outra orijem , e na PEREGRINAÇÃO [cap . com ] encontra—se escrito com ç, d iferençado
1 Rocha Peixoto, SOBREVIVENCIA DA PRIMITIVA RODA DE OLEIROEM PORTUGAL , in Po r tu g al i a , I I , p . 76.
GRUNDRISS DER ROMAN ISCHEN PHILOLOGIE, 1 , p . 702 .
3 PEREGRINAÇÃO , L isboa, 1 830, cap . CLXVII .
420 Ap osti las aos D ic ionár ios Por tugueses
estatelado
A êste particíp io adj ectivado de um ve rbo estatelar - s e dá 0
NOVO DI C C IONÁBIO or ijem incerta: C om pouca p robab il idade o
expl ica D . C arol ina Michael is d e Vasconcelos pela forma popularde es tátua, e s tá tu la , de sorte que es tatelado estaria por esta
tu lado . S eria no entanto s ingular que um verbo, cuja signifi cação é « fi car estend ido »
, fosse tirado de um nome que queredizer « figura erecta, erguida, em pé » Mesmo para o povo,que alterou es tátu a em es tátu la,
esta última forma designa sempre « fi gura de pessoa, em pé » e não, « estend ida no ch ão »
A etimolojia, pois , está mu ito lonje de ser e v id e n t e .
estatuário, estatutá rio
Nenh um dêstes adj ectivos é português , como derivado dees tatu to . O prime iro, a que infel izmente deu cabida 0 NOVO DIOC IONARIO no Suplemento, vê—se bem ser um d isparate , não sei
por qu em inventado, pois es tatuá r ia d eriva—se de es tátu a, e nãode es tatu to ; o s egundo é cópia do francês s tatu tair e.
S e se qu ere a v iva fôrça fabricar um adj ectivo correlato a
es tatu to, deve êle ser estatu to 2 s tatu tu s , - a ,- um , latino, ou
estatu cional : cf. con s titu cional : 2 constitu i ção : c on s ti tu tu s .
Passa—se perfeitamente , porém , sem tal adj ectivo, porque nãoé de rigor esta fabricação de adj ectivos , que caracteriza modernamente o estilo artifi cial e aspérrimo de certos escritores , modaque deu orijem ao célebre adjectivo mundial, e ainda ao maiscélebre es tadoal !
1 REVISTA LUSITANA , I II , p . 1 58.
Apostilas aos D ic ionár ios Por tugueses 42 1
este ira, esteiralh o
O étimo mais evidente e o latim s to r c a ; mas não se expl icapor êle o e da palavra portuguesa, a não ser que se suponh a, oque e
' violento , uma or ijem imed iata de um castelhano. es tu era ;
cf. fren te fr u en te fr on tem
J . Leite Vasconcelos supõe s tatar ia, por h aplolojia s tar ia
com certa probabilidade , pois s e ju stificaria o es tera castelh ano,igualmente .
O de rivado es teira lho vem ass im d escrito nas NOTAS ETHNOG RAP H IC AS DO CONCELHO DA F IG UEIRA º
z— «Esteira lhos
Apparelh os empregados para a pesca da tainh a e outros peixessaltadores ; consistem n
º
uma porção d e este iras d e bun ito, l igadas umas às outras » O termo não está col ijido nos dicioná
rios .
Esta palavra é russa e entrou em moda, para designar uma
extensís sima planí cie naquele paí s . Não era necessár ia, mas não
é muito inconveniente . E claro que a foram buscar ao francêss tepp e os escr itores portugu eses que a empregaram ,
com excep
ção de um único que sabe perfeitamente russo e a acomodoua português com a forma es tep a,
como em castelhano ela foi
alterada. C umpre , porém advertir que a palavra ru ssa e STEPi ,
pronunciada quas i s tie'
p i , que é femenina e tem um único p ,
e não os dois com que os franceses a enfeitaram , sem motivonenhum . Assim teremos de d izer em portuguê s ou a estep e, ou a
estep a,se se prefere : pela m inha parte , agrada-me mais a es tep e ;
d e modo nenh um 0 es tepp e, que é um barbarismo.
REVISTA LUSITANA , II I , p . 266 , nota.
º in P o r t u g a l i a , l , p . 382 .
3 Zó íi rno Consiglier i Pedroso .
422 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
estiar
Em Bragança estiar o gado é « pô—lo a sombra »
estojeiro, estojeira
Eum neolop smo muito bem feito, para s ignifi car o fabricanteou a fabricante de es tojos : — « quando falta trabalho para as
ajuntadeiras , estas vão auxiliar as gr avatei r as , luveiras , e e s teje i r as
estou—fraca
«A P in tada, Gallinha da Índia, Ga llinha da Gu iné ,
Gallinha da Numida [al iás Num idia] , Es tou f r a c a ou Me
leagr i s , é uma cur iosa ave originária da África, pertencente àfamília dos gall ináceos _ º
O nome provém- lh e de um grito particular , que é a voz dela.
Estranjeirismos
Em 1 902 publicou ,pela Livraria ed itora Tavares C ardoso
I rmão C andido de F igueiredo um livro intitulado Os ESTRANGEIBISMOS .
Esses estranjeirismos são certos vocábulos e locuções em vá
rias l ínguas , entre elas a latina, que a meúdo se intercalam emtexto portuguê s, elucidados com expl icações que aclaram o sen
tido deles .Não é desses estranjeirismos que aqui vou dar exemplos ,
Asilo-Oficina de Santo António , in O SECULO , de 24 dejulh o de 1900.
º GAZETA DAS ALDEIAS , de 18 de março de 1 906.
42 4 Ap ostilas aos D icionár ios Por tugueses
D . Mar ianna da C onceiçã o D uar te Depreende- se que arrecadou , ou mandou arrecadar o le ito a tal senh ora, e que passoua dorm ir em cama- de - ch ão ; ou então, que fêz um solene d isparate , mandando guardar a cama, quando mais precisava dela.
Eum gal icismo, a todos os aspectos ridículo, pois nem leito e'
em
francês lit, mas boi s de lit, quando é de madeira, nem em tal
sentido se diz em português guardar : o que s e diz é fi cou de cama.
3 .— ]á abandonou 0 leito quere d izer em português , «já
se não serve dêle ». A correcção é zjá se levan ta .
4 .— A falta de toda e qu a lquer informaç ão não p erm itte
ajuntar credito— º. C réd ito não se aj u n ta , o que se aj un ta é
d inh eiro, quando êle sob'eja, o que para quas i todas as pessoas e
'
cou sa rara. C orrecção : n ão p erm ite dar credito . Traduziu—se malo francês ajou ter foi .
E) .— engajadas . as for ças e o francê s engage'
es ; emportuguês diz- se emp enhadas . travadas .
Vou em seguimento apontar uns poucos de anglic ismos , colh idos na mesma folh a periód ica.
, e ano passado, a'
denunc iarem
tradução de inglês .
ti .— os mai s sanguíneos r u ssop h i los s
— em inglês sangu ine,que quere d izer « esperançados »
.
7 .— A França e a I ng laterra tinham arranjado— (inglê s
ar ranged), isto é , combinado .
_
8 .— 0 orgu lho jap ones cons titu e um ph enomeno tão in ten so
ni
aqu elle p ovo, que deix a de ser apenas objecto d'
uma obser va
ção—á aqu i um angl icismo de s intasse, que torna. absoluta
mente inintelijível o conceito.
9 .— e sobre elles [os factos consumados] n egoceie in com o
J ap ã o, ignorando as p retensões da Ru s s ia (inglês ignor ing) :quere d izer « pondo de parte , desatendendo »
. Em portuguêsignorar s ignifi ca « desconh ecer, não saber »
1 ib. de 29 de outubro de 1 902.
º O DIA, de 25 de junho de 1 904.
3 D IARIO DE NOTIC IAS , de 27 de agosto de 1904 .
[NJ
yl
Apostilas aos D ic ionár ios Por tugueses 4“
estregar, esfregar
O NOVO D ICCIONAR IO dá, como inserção própria déle , o
verbo es tregar , com a s ignifi cação de— « transferir para um pa
pel , tábua, etc ., com uma boneca embeb ida em pó de carvão, (um
desenh o p icado) »C omo étimo oferece—nos em dúvida ex tergar , do latim te r
gum ; o er tergar , porém não figura nem no d icionário nem no
Suplemento.
A edição dos LUSÍAD AS da « Biblioth eca Portug ueza »,numa
nota à estança 3 9 do V I C anto do poema, diz—nos o seguinte :— «Es tr egando, 1 .
ª e 2 .
ª ed . Mas h e v i s iv e lm en t e erro deimpressão, porque em nenhum auth or class ico, nem no mesmoC amões [como s e êle não fôra o primeiro classico], fóra dêstelogar , se encontra s imilhante ve rbo ; e quando o poeta o trouxessedo latim ex terger e, ou do castelhano es tergar , por isso mesmoque o introduzia de novo, escreveria es tergar e não es tr egar , a
fim de ser entend ido. Emendamos por tanto e sfregando, como s elê na ed . d e F . d e Sousa »
S empre foram mu ito d ivertidos êstes comentadores , que re
solvem as dúvidas que'
teem por meio de raciocínios seus , eemendam os textos por conta do autor , com a mais supremasem - cer imónia.
Na escrupulosa ed ição de F . Adolfo C oelh o a referida es
tança ve io impressa do seguinte modo
Vencidos vem dO sono e mal despertos ,Bocijando a m iudo , se encostavão
Pellas antenas, todos mal cubertosContra os agudos ares que as sopravão ;
Os Olhos contra seu querer abertos ,Mas esfregando [estregando] , os membros estiravãoRemedi o contra o sono buscar querem ,
Historias contão , casos m il referem .
Do D IARIO DE NOTIC IAS , 1880, distr ibu ição gratui ta.
426 Apostilas aos D i ci onár i os Por tugueses
Teve o douto professor o cuidado de pôr ambos os vocábulos ,mas infel izmente deu a preferência a esjregar , que deveria estarentre o parêntese , e es tr egar , fora déle .
Quem escreveu a nota que c itei, e cuja autor ia não sei a
quem pertence de d ireito, ou de torto, enganou- se no seu cas
telhano, pois estr egar , e não, es tergar , é que se diz e se escrevenesta língua, e e um frequentativo ou d e ex ter g a r e e x t e rg e r e , « apagar , desvanecer »
, ou de e xte r c re, « roçar », isto é ,
e sc l e r i c a r e , mais provávelmente do prime iro, não obstantevárias ºpiniões em contrário Quanto ametátese de r de - ter
é tam frequente , que não vale a p ena j ustifica—la: cf. p r eju izoe p erju ieo, ap retar , castelhano, e ap er tar , português .
(,E quem d isse ao anotador que o vocábulo seria 11 80l 18a ,
s e todos os d ias termos vulgares passam a literários ?português esfregar representa o latim e x—fr i c ar e ,
na
Beira—Baixa r oçar . Em castelhano ex iste jr egar , mas não, es
fregar .
estreloiço
Em S . M iguel dos Açôres s ignifi ca « rumor repentino eforte » — º
estromento
E a forma antiga de in s trumen to, « documento »
E j á da baixa latinidade , s tr u m en tu m 3
V. Korting , LATEINISCH - ROMANISCHES WORTERBUC H , 1891 , n .
ºª
2948, 303 1 e 78 18.
º O SECULO , de 5 de julho de 1 901 .
3 J AHRESBERI C HT ÚBER D IE FORTSCHRITTE DER ROMANISCHENPHILOLOG IE , VI , I , p . 1 19 ; Rui de Pina, CRÓN ICA DE EL-REI DOM AFONSO V ,cap . III.
425 Apostilas aos D i cionár i os Por tugues es
s ignifi ca, não, como diz o mesmo d ic ionário, « vasconço porqueê ste adj ectivo se não apl ica às pessoas , mas a l íngua ou ao que
com ela se relaciona, como l iteratura.
, etc ., em castelhano oas
cu ence ; mas sim « vascongado », aplicável às pessoas , lugares ,
províncias , etc ., como o vascongado castelhano. Os vascongados
chamam—se a si p róprios e(u)s caldunac, no s ingular e(u)s caldu ná,como suj e ito d eterm inado de verbo intransitivo, e(u)sealdu nác,como suj e ito de verbo trans itivo . Ora sendo á, de,
'
no o artigo
defi nido, suprim ido êste , fi ca a forma e(u)scaldun plural euscaldunes
, que são as u suais castelhanas . mais espanh oladas eu sealduno, eu scaldu nos . Devemos , pois , d izer em português escalduno,ou es caldune, ou es caldum
,plural es caldu n s : parece—me prefe
rivel a p rime ira das três . A língua, 0 vas con ço . chamam - lh e eu s
cara, e os nossos antigos escr itores d enom inavam—na bis ca in li o,
e aos vas congados bi scainhos , transferindo o nome de um dia
lecto e o de uma provínc ia a todo o domínio da Eu s caler r ia,
ou terra dos vas congados , as Vas congadas , como d izem os espanh ó is . Os franceses ch amam - lh es respectivamente les Bosques ,le basqu e, le P ays basque
A etimolojia do substantivo eu s cara está por averiguar , eVan Eys tem razão em repel ir a que foi preposta a mêdo
'
por
Guilh erme d e Humboldt 9 , no seu notabilí ss imo escrito intituladoInvestigações acêrca dos h ab itantes pr imitivos das Espanhas »
,
isto é , que provenha de um verbo eu s i , com a significação de« ladrar »
, e por extensão « falar »,pois não é natural que qual
quer povo designasse a sua fala própria com semelhante nome .
As línguas estranjeiras , isto é , a castelhana e a francesa, com as
quais estão em contacto , chamam os euscaldunos erder a, que
conforme Humboldt, signifi ca, « (a língua) da terra », por oposi
ção a própria, a euscara ou vasconça.
1 W . J . van Eys , D ICTIONNAIRE BASQUE- PRANÇAIS, Par is , 1873 .
”2 Wi lhelm von Humboldt, PRÚFUNG D ER UNTERSUCHUNGEN UBERD IE URBEWOHNER SPANIENS , 1821 .
Apostilas aos D ic ionários Por tugu eses 429
extinguidor (extintor)
Eum neoloji smo, que poderia ser substituido por ex tintor :
« No dom ingo às 3 h oras da tarde realisa—s e no Terreiro doPaço a experienc ia dos extinguidore s Leir is [ s ic, aliás , Lewis]do sr . C orloden Roman »
«Apenas subsistiram [os braadõr s], atraves de todo o
p rogresso industrial . as l um i e i ras de colmo que de noitegu iam nos cam inhos e lagares es curos e ainda as fachas com
que, para certa pesca, se desvairam os cardumes (C avado, Tamega,
Fa cha, femenino interessante de facho, que quasi não éu sado pelo povo, equivale aqui ao que tamb ém se ch ama can
deio , masculino de candeia l latim c an d e l a ,« vela »
.
A palavra facha procede do latim fal c(u )l a , e o el latino
produziu ch portuguê s , como se fosse inicial (cf, chave l c l an em ), por estar amparado pelo l (cf. abelha
C umpre d iferençar na escrita, como no norte d iferençam na
pronúncia, esta palavra, do vocábulo fama, « c inta », de fá s c ia :
cf. feix e fas c em .
fach is
E muito conh ecido êste termo em Macau, pois designa as
duas varetas com que os ch inese s comem , e que lh es servem degarfo. E palavra ch inesa de C antão, fá—ch i , que passou ao japo
1 O Eco s om sm , de se de outubro de 1886.
2 Rocha Peixoto , ILLUMINAÇÃO POPULAR , in Po r tu g al i a , I I , p . 3 8
430 Aposti las aos D ic ionár ios Por tugueses
nês, em que se prefere fáp i . Os portugueses costumam u sar o
vocábulo no plural , como é naturalí ssimo, visto nunca se empregar uma só dessas varetas . Fernám M éndez Pinto chama- lh e
pauzinh os z— «Em suas cortesias são [os ch ins] h omens de muito
pr imor : no modo de vestir , ass i homens como mulh eres , muyto
h onestos , e muy bem tratados , per que geralmente se fazemmuytas sedas no reyno ; a terra é mayto fertil e muy abundosa
de mantimentos , fruytas , agoas , mayto singulares jardins muytofrescos , toda maneira de montar ia e caça: não poem mão no
comer , mas todos geralmente , pequenos e grandes , [comem] comdeus pauzinh os por limpeza »— 1
Os malaios denominam O d ito talh er TIKaP (pron . quasi ch icap)
2
Farei aqui uma observação a uma nota, que, com o númerovem na memória de que extratei O passo de Fernám MendezP into, constante da carta, que e nela o documento L.
O texto , que fi elmente transcrevo, como lá está , reza ass im— « Tem mais elRey eyto fidalgos de seu conselho muyto letrados e de grandes prudenc ias , com os quaêes [ s i c] despacha todosos negocios do Reino, tambem estes nunqua saõ fora da terceyra
cerca por nh íim caso ate a morte , a estes chamão vlãos (ª)»
A nota (3)diz :— «Na traducção h espanh ola publ icada em 1 555
vem escripto Ulao : « tendo en esta reputac iõ le manda llamar de qualquiera prou incia de su reyno en que esté y le meteen el cargo de Ulao » . D e v e l e r - s e vlao, porqu e nesse tempose escrevia o per u e u por e »
Informação errada: o que se escrevia era v inicial por u e o,e u med ial por o e u . A emenda, portanto, é temerária. Ulao
ou Ulau deve ser a forma certa, mesmo porque o l seria grupo deletras imposs í vel em ch im .
Cristóvão Aires, FERNÃO MENDES PINTO , Lisboa, 1904, p . 1 18 .
º MELANGES CHARLES DE HARLEz , Leida, 1 896, p . 1 93 .
43 2 Apostilas aos D i c ionár ios Por tugueses
Este termo, do francês fai ence ital . faenza, é mu ito u sadoh oj e , para des ignar uma casta de louça, não transparente , masv id rada, e pintada mu itas vezes , a que dantes se chamava « louçade pó de ped ra »
, a qual se d iferençava da « louça do reino », em
ser m uito mais fi na a pasta :— «Ex istem aqui [C oimbra] duasespecies d e faiança : A ch amada impropriamente de Vandelli(professor da Univers idade , que, quando mu ito, aperfeiçoou o
fabrico desta louça), e a chamada ratinha »— ª.
Num anúncio publ icado no jornal O SECULO , de 1 6 demarço dêste ano, lê
—se o seguinte :— « A louça é toda em pó depedra » A parte a extravagancia, h oj e ridiculamente arreme
dada de francês , de empregar a prepos ição em para designar a
matér ia d e qu e uma cousa é feita (e não em q u e o é), temos aqu ium exemplo, colh ido em flagrante , da denom inação portuguesap o
'
de p edra , correspondente afa iança, por opos ição a p orc elana,
e a lou ça do r ein o , bastante antiga, mas não mencionada no
Less ico de And ré Nemnich 2.
Quanto a louç a em p ó , na l inguajem de toda a gente quefala português , quere d izer « louça desfe ita, mais menda que sefôra em cacos » ; pelo que não adm ira que o anunc iante a desse ,como d izia, quas i d e g r aç a.
Em castelh ano diz—se faena, e e termo de bordo, que s e general izou para s ignifi car « trabalh o, azáfama »
, o francês besogn e,« o que cada um tem a seu cargo fazer »
. A palavra é catalã ,jahena latim fac i en da , plural de fac i end um , particíp io do
1 O SECULO , de 1 7 de maio de 1900.
WAARENLEXIKON IN ZW Ó LF SPRACHEN , Hamburgo , 1 797.
Apostilas aos D i c ionár ios Por tugueses 433
futuro pass ivo de fac e r e , que deu em português fazenda, emc astelhano antigo fac ienda, mod erno hac ienda .
Em catalão nm) resulta de nd latino, ou románico : cf. anar ,portuguê s andar .
Outra forma catalã do'
mesmo vocábulo é fegna, na qual ahes e condensou em d itongo, com deslocação de acento tónico, comos e observa no vocábulo castelhano e no português .
falacha
A verdadeira definição dêste vocábulo contém- se no s eguintepasso :— « Rezende , 28 . Escrevem d e S . C ypriano, deste conce
em quanto que os mais pacatos se entreteem a comerf alachas (bolos d e farinha de castanha pilada)» Em geralomite—se nas definições o epíteto p ilada .
A orijem dêste termo j á foi dada na REV ISTA LUS ITANA 9,
f o l i a s cu la , ou fol i ac ea , mas não me parece bem segura : C; Porque razão de li não resultou lh ? C f. filho fi l i um , filho fol
l i e l a . E, gcomo é que —cea deu —cha no segundo étimo
falar , parolar , parola
Este verbo, como o castelhano hablar , antigo fablar , procededo latim f a bu la r e , que, com p a r a bo la r e , substitu iu na decadência os verbos l oqu i e far i , com o último dos quais a primeira vista se poderia supor que o fa lar teria relação. Paraconvencimento do contrário basta considerar que far i é o infinito,a que corresponde a prime ira pessoa do presente do indicativofateor , « confesso »
, de que procedeu confiteor , « confesso -me »
Dos dois verbos f a bu la r e e p a r a bo lar e provieram os que
1 O ECONOMISTA , de 3 1 de janeiro de 1891 .
vol . IV, p . 267 .
434 Ap ostilas aos D i cionár ios Por tugueses
nas l ínguas románicas , com excepção do romeno, correspondemao l oqu i latino : fab u l ar e j á vimos que produziu fablar e falar ;p ar ab ol are deu o catalão p ar lar , o francê s p ar ler ; em italiano
ex istem ambos , com as formas p ar lare e favellare.
Dêstes verbos se derivaram , respectivamente , a fala, el habla,la p ar ta, la favella ; mas em francês , para s e d esignar a fala,emprega—s e p arole p ar ab ol a , que deu ao português primeirop araooa, e depois p a lavra, ao castelhano p alabra, e ao ital iano
p arola . Deste , ou antes do francês p ar oler , veio o portuguê s p ár olar
, cujo substantivo verbal é p arola (q.
Fa la s e denominava dantes , e ainda não está obsoleto, e queos franceses chamam tirade, que, por gal icismo inútil , h á poucotempo é empregado por es critores que só lêem francês , (e sab eDeus como e sabem), para des ignar um « longo d is curso »
, querna tribuna
, quer principalmente no teatro. Era sistema antigo,
da escola chamada romantica, introduzir o artifí cio dessas grandesf alas
, em todos os principais papé is d e qualqu er coméd ia, supl ício dos actores , e também dos espectadores z
— «A propriaMedeaquer d izer a fa la de tragico desespero »
l )o verbo fa lar se deriva um dos raros particípios activosportugueses que ainda se empregam como tais ; ass im , temente a
D eu s , vos claman te ºpor exemplo. Diz—se que uma pessoa e
bem fa lante, quando tem verbosidade , facilidade em se exprimir .
Em castelhano, ao contrário, diz—se bien hablado, empregamdo—se o particípio passivo com valor de activo, s intasse tambémmuito portuguesa, como vemos em esquecido, « aquele que esquece »
, p r es sentido, « aquele que pressente », etc .
Outro particípio activo e ten te ten en tem « e no mesmoterço ass istia por logo tente Alvaro Pirez de Tavora » — 3
. Hojediz—se lugar—tenen te.
António de Campos, O MARQUEz DE POMBAL , in O Seculo de 14
de março de 1899.
º Gil Vicente, AUTO DA H ISTÓRIA DE DEUS .
3 Jerónimo de Mendoça, JORNADA DE AFRICA , 1 .
º, cap . V .
436 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
l ia. Modernamente , os franceses , que j á tinh am fam i lier , damesma orijem, porque êste adj ectivo adquiriu a acepção de« triv ial » , e também a de « confiado, que não u sa deferênc ia ou
cortesia », inventaram outro adjectivo incorrectíss imo fam i lial,
impossível em latim , v isto haver j á l no vocábulo rad ical (cf. r egu l ar e r e gu l a , com m o r al e m o r e s ), e deram- lhe o sen
tido de « relativo a famíl ia ». C omo era uma incorrecção, um
barbarismo, foi logo sofregamente adoptado em português , porcópia :— « Pondo em presença vasos de egual ondulação l ineare ornamentação com o mesmo ar fam i l i ab —J . Deveria ter—sed ito fam i liar , ou , de fami lia, porqu e não é fôrça que paracada substantivo haja um adj ectivo correspondente , como e
'
uso
moderní ssimo e desnatural .C om maior correcção vemos fam i liar empregado no seguinte
trech o no mesmo sentido — « C omo s e vê claramente , não saioda corrente geral das ideas dos publ icistas sobre a sociedadefam i l iar » —º
. A relação expressa e a mesma.
Se extratarmos dos dois trech os aduzidos os adj ectivos formades com o suficso -ar , ou
—al,veremos a constancia da regra,
que é : o sufi cso lejítimo é -al,
'
0 l muda- se em r, se o vocábulo
radical contém l : igu al, geral linear , e portanto fami liar
fanadouro, fanadoiro
—«E por fim o fanadoiro é a espatula grosseira com que
[os Oleiros] alisam as superficies ou gravam os ornamentos »— 3
i Rocha Peixoto, AS OLARIAS DO PRADO , in Po r tu gal i a , I , p . 202.
º Projecto de lei sôbre o Divórcio , apresentado ás Côrtes em 1 8 de
março de 1 898 , pelo deputado Duarte Sampaio e Melo .
3 Rocha Peixoto , SOBREVIVENC IA DA PRIMITIVA RODA DE OLEIROEM PORTUGAL , in Po r tu gal i a , II , p , 76.
Aposti las aos D i c ionár ios Por tugu eses 43 7
Esta palavra, muito frequente nos nossos escritores do XVIe XVI I “s éculos que se referiram a Índ ia, é , conforme o Glossar io de Yule Burnell 4
, de origem indiana, malabar e tamulp anam sans crito PaNa,
« moeda », mas pr imeiro, « bôlo no jôgo,
parada » 9. Os portugueses receberam o termo dos árabes e mou
ros que faz iam comércio nos mares da Índ ia. Era de ouro, masao depois cunh aram—no também de ouro com mu ita liga, e mesmode prata. Possuo uma destas moedas de ouro baixo ; e circular etem o d iametro de um real de cobre da nossa moeda actual .Nos princíp ios do s éculo passado o seu valor era dem inuto, poisequivalia a dois dinh eiros ingleses , isto é , 40 reis z— « Quatro mil
fanoens de renda cada anno, que valem na nossa moeda 400 cru
zados »— 3
faqu i faquir
São dois vocábulos diferentes , e com diversí ssimas signifi cações : faqu i , em árabe s aem , de FaQE,
« saber teolójico », si
gnifica « jurisconsulto » ; faqu ir , em árabe FaQIR , de FaaaR ,
« pobreza », que quere dizer « frade mend icante »
farinhar ; farinh eiro ; farinh eira
Em Aveiro êste verbo aplica—se aos tabuleiros das marinhas ,quando neles o sal começa a alvejar .
A GLOSSARY OF ANGLO- INDIAN WORDS AND PHRASES , Londres ,
Monnier Wi lli ams, A SANSKRIT—ENGLISH D ICTIONARY , Ocsónia,
ª Lu cena, VIDA DO PADRE FRANCISCO XAVIER, 92, col . I .
438 Ap osti las aos D i cionár i os Por tugueses
A acepção de far inheiro é d iferente :— « Villa Nova deFozcoa, 1 . O estado geral das vinhas é regular . O que tem
apparecido por aqui é a molestia a que dão o nome de far inheiro »
Qualquer dêstes vocábulos deriva de far inha, e indica as
peete parecido com o dela.
Far inheira designa um chouriço feito com gordura de porcoe farinh a ou meolo de pão.
faro, farum , fera, farão, faronejar
Duas orljens se atribuem ao pr imeiro destes vocábulos : a primeira, proposta por Júl io C ornu º
, é dissimilação de frairo, substantivo verbal de frai rar fragr ar e , farar , com perda do i ;cf. rosto r o s tr um . C om relação a êsse i procedente de g , cf.en tei r o i n teg r u m ,
ch eirar ] f lag r a r e fragr ar e .
A segunda é apresentada por D . C arol ina M ichaelis de Vasconcelos , com muito enjenho, mas pouca probabilidade ; faro,« farol » , grego P
ªAROS 3
C om respeito a farum , 0 NOVO DICCI ONAR IO deriva- o defaro ; se considerarmos porém que bodum procede de bode, edes igna o repugnante ch eiro dêste animal , fres cum o ch eiro dacarne fresca »
, é aceitável e atribuirmos a farum ,« ch eiro a
fera », a derivação dêste último substantivo, que a mesma in
signe romancista lhe atribu i ª .
0 e átono de ferum passou a a surdo por infi uéncia de r
cf. amar i cano por amer i cano, a terminação - ar ia, por—er ia,
de cu telar ia, cast. cu ch i ller ia, p ara moderno, a par de p era,
antigo, o qual subsiste no falar desafectado. 0 r em grande
O ECONOMISTA , de 4 de agosto de 1 894 .
GRUNDRISS DER ROMAN ISCHEN PHILOLOGIE , Estrasburgo, 1888 , I ,
3 REVISTA LUS ITANA , I II , p . 160.
4 i b. p . 159.
440 Aposti las aos D ic ionár ios Por tugueses
NABIO escreve catefe, é o que foi defend ido por Dozy isto é,transcrevendo as letras árabes por êle apresentadas , HaTAF . Depois de nos expl icar ser regular a representação do som da 7 .
ª
letra do alfab eto arábico por f nas línguas peninsulares , terminadizendo:— « celui [le changement] du f eu ao ne l
'est pas , maisil faut appl iquer ce que j
'
ai dit dans a savoir,que la derniere consonne , qu
'
on entendait mal , est souvent changee arb itrairement »Declaro que me não dou por convencido : compreendo perfei
tamente a troca entre t, t, r , n ,consoantes h omorgánicas ; não
aceito, a sombra da regra geral que formulou o abal isado ara
bista holandês , que um f fosse tam mal ouvido, que s e representasse por os, a não ser que dêsse estranho fenómeno s e apresentem mu itos mais exemplos .
João de Sousa º não traz o vocábulo ; Eg uílaz y Yanguassujere FaTAXE, que diz s ignificar c r u c ib u l um 3
,isto é , « cad i
nh o ». Se tal palavra ex iste em árabe , não sei ; nos d ic ionários
que pude consultar não a encontro ; mas ainda quando ex ista,a s ignifi cação de modo nenhum convém . Outro tanto d irei deFaTaIXE, a que no Vocabulário á rab e- francês de Belot se dá comocorrespondente o francês fu se
'
e, e que pela sua estrutura mais secompadeceria com a palavra portuguesa.
Deduz- se d e tudo isto que as palavras árab es que fonolójicamente poderiam produzir a portuguesa fateixa, eu falava, são
inaceitáveis em razão dos seus s ignificados ; e que a única, apresentada por Dozy, e cuja s ignifi cação se acomoda as do vocábuloportuguês , tem de ser rej e itada por cau sa da sua incompatibilidade fonética. 0 só pode provir das letras 6 .
ª
, 7 .
ª
, 20.
ª
, ou 26 .
ª
,
o os sómente da 1 3 .
ª
, e não há vocábulo arábico que, com signi
ficação aprop riada, satisfaça a tais cond ições .
1 GLOSSAIRE DES MOTS ESPAGNOLS ET PORTUGAIS DÉRIVÉS DE
L 'ARABE , Leida, 1 869.
º VESTIGIOS DA LÍNGOA ARAB ICA EM PORTUGAL .
9 GLOSARIO DE LAS PALABRAS ESPANOLAS DE ORIGEN ORIENTAL .
Apostilas aos D icionár ios Por tugu eses 441
Sôbre o s ignifi cado do vocábulo aráb ico Fararx a escreve—meo snr . David López que Dozy, no seu Suplemento aos d icionáriosárabes dá a seguinte definição :— « sac de papier dans lequelon met de la poudre et qu'
on attach e a un roseau ; m is en
contact avec le feu ,il vole dans l 'air comme des serpents ar
dents » É pois « foguete ».
fato, fateiro
0
Esta palavra é germânica, conforme F rederico D iez alto
alemão antigo fazza, a que nos outros d ialectos germânicos cor
respondem formas com t em vez da dúpl ice z (= tç) do alto
alemão. Parece que nesses d ialectos s ignifi ca « roupa de vestir ».
Na realidade , o vocábulo fato aplica—se em português a vestidos , com excepção dos que s e chamam r oup a br an ca . Antes ,porém , teve signifi cados muito d iversos , e no de « rebanh o decabras » coincide ainda com o castelh ano ha to, anteriormente
Nos s egu intes trech os , todos extraídos das BATALH AS DAC OMPANH IA DE JESUS , do Padre Antônio F rancisco C ard im ,
pode ver- se a evolução do s ignificado :— « puseram o fato na rua
para o confi scar » isto é , « mobil ia e todo o trem d e_casa »
3
« fazendo mu itas vexações nos ch ristãos , para delles tirareinnfato e d inh eiro » isto é , « fazenda »
4.
—< registam [revistam] as pessoas e o fato »
Em uma acepção particularí ssima é empregado ê ste vocábulopelo Padre Gaspar Afonso, na sua castiça e interessante Relação da viaj em e sucesso da nau Sam Francisco « cande ia e
SUPPLÉMENT AUX D ICTIONNAIRES ARABES , n , 239 b .
ETYMOLOGISCHES WÓ RTERBUC H D ER ROMANISCHEN SPRACHEN,Bonn , 1870, 11 , su b v . hato.
3 L isboa,1694 , p . 104.
ib., i b.
5 ib ., p. 28 1 .
442 Aposti las aos D i cionár ios Por tugu eses
fogo se dá em cada fato, como elles chamam às casas em que
moram os S enh ores [na Ilha Espanhola ou Haiti]Fateir a, adj ectivo, vem no Suplemento ao Novo DIC C IONÁ
R IO , como termo transmontano, por exemplo em a rea fateira,« arca para arrecadar a roupa »
. V . roupa.
faxa, faxina, feixe , feixota
Éste vocábulo representa o latim fá s c i a ,« atado »
, e portanto deve escrever—se com x
,e não, eh . É natural que o seu
étimo im ed iato seja f u c s i a ,com metátese d e s e, em os , como
feix e f a es i s por fas ci s : cf. p exe, p eixe p i c s eni por p i s
c em . Fax ina (e não, j'
u ch iu a) é um derivado, provávelmente deorijem italiana, onde fasc ina, des igna « braçado de lenh a »
.
Acêrca de fax ina , como unidade de lenha, equ ivalente a
60 K. em achas , veja—se o Suplememento ao Novo DI C C IONÁRIO ,onde se encontrarão outras acepções do vocábulo.
Faxa,com o signifi cado de feix e é transmontano z— «A outra
mala tinh a—a em casa no meio de uma faxa de palha » — º
Outro termo da mesma orijem , fas c i s , é feixota :— « O 1a
drilhado ou calçado de piao conserva—se meio occulto pelas fronçase gravetos do p iorno que em fe ixo tas , s e appl ica [s ie] a com
bustivel na lareira » — 3. Não prima por correcção gramatical o
exemplo, mas não tenh o outro para o substitu ir . V . facha.
febra fêvera
F . Adolfo C oelh o denominou em português FORMAS D I VERJ ENTES as d iferentes evoluções que uma forma primordial adquire ,
in BIBL. DE CLASSICOS PORTUGUEZES , vol . XLV , p . 46.
º VILLA-REALENSE, in O Econom ista de 24 de fevereiro de 1 889.
3 J . da S ilva Pi cão , ETHNOGRAPH IA DO ALTO ALEMTEJ O , in Po r tug a l i a , 1 , p . 541 .
444 Apostilas aos D i cionári os Po r tugues es
p aço, os so e ou ço, cozer de c o c e r e por c oqu er e , e coser dec on s(u )er e , e a ortografia usual avisadamente os conserva distintos .
Nenh uma língua europeia mais do que a francesa faladaapresenta desses homónimos ; bastará citar as formas sã (escr itasan s , sang, sen t, cen t), e s e (saiu , sain t, se in
,seing, cein t,
cinq) : dez vocábulos reduzidos a dois .É no sentido de conservar d istintas pela escrita formas uni
fi cadas pela pronúncia, que s e diz serem as ortografi as etimolójicas essencialmente conservadoras das l ínguas l iterár ias ; e éfacto que, pelo menos nas pessoas que possuem conh ecimentosl iterários , essas ortografi as exercem certa influência imped itivade alterações extremas nos vocábulos .
Quando esse critério desaparece , ou quando uma l íngua tevelarga cultura literária antes que êle se manifestass e , o impériodas leis fonéticas determina empobrecimento no vocabulário, pelaprodução de muitos h omónimos , e alterações fundamentais na
gramática pela confusão de formas anteriormente d iversas , derivadas de um mesmo rad ical . No p rimeiro caso temos homoním ia no lécsico, no segundo h omonímia na morfolojia da l íngua,e esta última tende a imprimir—lh e carácter d iferente .
Dá—se a êstes fenómenos de unifi cação o nome de H OMEÓ
TROPOS , FORMAS C ONVEBJ ENTES , chamando as sim aquelas queresultam de duas ou mais orijinárias . Vê - Se que ê ste processo éo contrár io do que primeiro ind iquei— o de FORMAS D IVEBJ EN
TES ou ALÓTROPOS , o qual é um meio eficaz de uma língua seenriquecer , ao passo que o outro determ ina a sua depauperação,como d isse .
Do mesmo modo que dois ou mais vocábulos ou formasd istintas podem , como vimos , pela operação de leis fonéticas ,adquirir n a passajem de uma a outra língua, ou dentro damesma língua, uma forma ún ica, na qual s e resumem os s ignifi cados d e todos eles ; assim também de dois ou mais vocábulos ,procedentes de línguas d iversas , pode resultar um que compreendaas signifi cações daqueles de que provém ,
fi gurando falsamenteessa operação fonética como um p roduto puramente psicolójico,
Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses 445
a evolução do significado prim itivode um dêles , o que se chama« desenvolvimento de s ignificação »
,AOEFÇOES D I VERSAS de um
vocábulo, ou SEMEIOLOJ IA, SEMANTI C A .
Nestas c ircunstancias cre io eu que está o que acima cite ifêvera, fevra ou jebru , ao qual atr ibuo étimos d istintos , con
forme os seus dois principais s ignifi cados .Bluteau dá—lh e a seguinte série de s ignifi cações —« FEVERA
,
Fêvera ou Fevara, ou (como d izem os C ultos) Fibra . AS feveras
são como h uns fi os de carne que s e achao nas extremidades dofígado, dos bofes , etc . F ibra
,ce,Fem . C ie.
Feveras do açafrão . de algumas raizes que tem fibras dizPlinioHomem de fevera: Vid. Alentado. Valente .
Pevera, ou carne de fevera, h e carne sem osso nem gordura.
P u lp a, ce, Fem . P er s »
A falta de melhor, poderia talvez , com grande v iolencia, deduzir—Se do primeiro o último dêstes s ignifi cados , supondo- o uma
ampliação particular de sentido, como o são os interméd ios . Assimteem feito, que eu saiba, todos os etimólogos que dêste vocábulose ocuparam .
F . Ad. C oelh o, no seu D ICC IONAR IO MANUAL ETYMOLOG I C ODA L INGUA PORTUGUEZA , diz o segu inte
« Febra, febra ; a parte musculosa dos vertebrados comestiveis . V . F ibra. Nome d e d iversos filamentos vegetaes . F ilamentotextil . Nervo, força, valor . (Lat. fibra
O D ICCIONAR I O C ONTEMPORANEO DA LINGUA PORTUGUEZ Aque dá , além de fibra, três formas , fêver a, fer ra, febra, referidasa esta última as outras duas , atribu i também a todas a etimolojia latina fib r a .
A última s ignifi cação de Bluteau é aí dada como 2 .
ª
, e porF . Ad. C oelh o como L ª
. Diez [ETYM . WÓRTERBUC H DER ROMA
NISCHEN SPRAC HEN] não traz êste último signifi cado, e dá comoétimo de febra igualmente o latim fib ra . Kõrting [LATEINISOR
ROMANISCHES WÓBTEBBUOH , n.
º faz o mesmo, e é provável que a ambos passasse despercebida a definição especial queBluteau dá como última.
446 Ap osti las aos D i cionári os Por tugueses
João de Sousa om ite o vocábulo febra nos VESTIGIOS DALING OA ARABIC A EM PORTUGAL , e é portanto de presumir quetambém lh e atribuí sse orijem latina.
Outro tanto podemos d izer de Dozy e Engelmann [GLOSSA IREDES MOTS ESPAGNOLS ET PORTUGA IS DÉRIVÉ S DE L
'
ARARE], con
quanto o primeiro dêstes oriental istas fi zesse em outra obra ª
menção do vocábulo aráb ico de que me vou ocupar ; vê - s e porémque O não considerou representado na Península Hispânica.
Eguilaz y Yanguas tamb ém o não menciona no seu G LOSAR I OET IMOLÓG ICO DE PALABRAS ESPA NOLAS . DE OR IGEN OR IENTAL ,
e é mesmo de supor que o arabista espanh ol desconh eça o siguifi cado espec ial do vocábulo em portuguê s , língua que, com as
mais da Península, foi incl uí da no Glos sário.
O latim fib r a ,pois , tem s ido para todos os etimólogos a
or ijem do português febra, em todas as suas acepç ões . A conclusão seria talvez lejítima, apesar de 0 b med ial latino permanecer ,em vez de se mudar em o
,como devera acontecer , v isto o vocá
bulo ser pOpular : ser ia lejítima, repito, até facto pos itivo que a
inval idasse ; agora, porém ,creio poder demonstrar que j á o não é .
C onvenci—me d isto ao ler , com toda a atenção que merece ,um excelente trabalh o apresentado por Hermano Almqvist ao
C ongresso dos Or iental istas , celebrado em Estocolmo e C r istianiano anno de 1 889 . Esse trabalh o foi publicado no 1 fascí culo dosdo referido C ongresso, que contém a S ecção Semítica : intitula- se«Kleine Beitrage zur Lexikograph ie des Vulgã rarabisch en « Pe
quenos subsíd ios para a lecs icografia do árabe vulgar », título em
demasia modesto, s e o compararmos a grande valia desse estudoescrupulosíssimo e minucioso, resultado de Observações d irectasdo seu autor , feitas durante uma residênc ia de trinta meses naS íria, Ejipto, Núbia e Sudão, como no—lo diz em um breve prefácio.
A paj . 3 7 1 e 3 72 do fascí culo mencionado, no qual a ditamemória ocupa de paj. 260 a 469 , veem dois artigos , subordinados
Citada por Almqvist na memó ria a que vou já refer ir—me.
448 Aposti las aos D i cionár i os Por tugueses
por mera aud ição, 0 f é o representante de qualquer desses sons(e também do '
C ' ou j castelhano actual=q), se o vocábulo foiintroduzido no tempo do domínio ou permanência de mouros naPenínsula ; s endo esta uma das caracterí sticas de que qualquerpalavra árabe pertence a essa primeira importação, tanto em Portugal , como em Espanha, onde em castelhano esse f e o proveniente do f árabe seguiram ao depois o F latino inicial na permutação para h , ainda pronunciado na Andaluzia e na EstremaduraEspanh ola, mas nulo h oj e no castelhano do resto da Espanha.
Digo ser essa uma das caracterí sticas dos vocábulos arábicospertencentes ao fundo das l ínguas románicas da Península, a quech amarei de primeira formação, popular ou espontánea.
H á dehaver outras caracterí sticas fonéticas , mas aqu i não procurareidetermina—las , conquanto me pareça ser êste O trabalh o geralque h á a fazer com relação a vocábulos h ispânicos de tal proveniência, os quais podem d ivid ir- se em trê s períodos
1 .
º Popular . Abranje os que o povo, desde o vm até o
X IV Século, aprendeu de os ouv ir a numerosa população mouraque h abitava na Península: êsses constitu em parte essencial dovocabulário peninsular : tais são quási todos os que começam por
a l ou a,representativos do artigo aráb ico, os nomes de terras
e outros próprios .2 .
º L iterário. C ompreende as palavras que os nossos escritores e os espanh ors , que sab iam melh or ou p ior o árabe , introduz iram nas línguas h ispánicas , empregando transcrição consciente ,ou das suas letras , ou dos vocábulos , conforme os ouviam pro
ferir ; tais são xar ife, tu rjimão, etc .
3 .
º Estranjeiro. O árabe é totalmente ignorado, e os vocá
bulos entram por v ias ind ire ctas , com as transcrições estranjei
ras, j á caprich osas , j á científi cas , das l ínguas donde são recebidos
imed iatamente . Nesta última categor ia estão incluídos vocábuloscomo sofá, almeia, forma absurda, tirada do mau francê s almée,etc .
Voltando ao nosso tema, devo ainda d izer que a palavrafebra, com o signifi cado que tem O árabe h ebra, liabru , ou
habar, só existe em português , sendo alh eia aos outros idiomas ro
Ap osti las aos D ic ionári os Por tugu eses 49
mánicos . O castelhano hebra, antigo febra, sómente compreendeas três primeiras acepções dadas por Bluteau , as quais todasp rocedem do latim fib ra ; assim diz- se , por ex emplo, taba co en
h ebra, « tabaco em fio » ; e dêste vocábulo se deriva o verboenhebrar , com a signiâ ca
'
ção de « enfi ar ».
D irei mais que parece ter - se dado confusão entre os dois vo«cábulos -
fe'
ver a, de fib r a e febra de habra ou hebra'
aráb ico ;h omonímia que é naturalmente moderna, e poderia evitar—se ,r eservando—se essa última forma únicamente para o último si
gnifi cado, que coincide com o do vocábulo arábico, morfolójicae ideolójicamente, tanto mais que febra é no sul a pronunciaçãoc orrente , conquanto aí se d iference perfeitamente e com toda a
r egularidade b de v .
Assim , parece—me que nos nossos dicionários h á a fazer as
seguintes correcçõesfebra (V . fêvera): carne l impa de osso e gordura. para
al imento [árabe habra ou hebra, ainda h oj e de uso j eral nos
paí ses de l íngua arábica, e que deve ter passado a português nostempos da dominação maometana, como 0 ind ica a mudança deh para f . (C f. r efém com h
fêvera (ou febra, com o qual s e confundiu , e de que deved iferençar - se): nome de diversos fi lamentos vejetais ; fi lamentotêxtil , etc . C f. o castelh ano antigo febra,
moderno h ebra, « fi o
Do latim fib r a , por mudança de i em e (cf. cedo c i to),de b em v . (C f. _
livro l ib rum ), e intercalação de e átonodesunindo as duas consoantes consecutivas (cf. fevereiro 2 feb r uar i um )
Este vocábulo sujere ainda outra acepção de fêvera f fib r a,
que se deduz do prolóquio lá vem 0 fever ei ro com as s uas fe
veras todas , no qual feveras equivale a « friajem », e é palavra
inventada, com influência necessária de feverei ro .
1 Este artigo fo i já publicado na REVISTA LUSITANA , de onde o ex
trato , com pequenas alterações na redacção .
29
450 Ap osti las aos D i cionár i os Por tugueses
fecho, fechar
Fecho é o latim p es tu lu m por p e s s u l um , com mudançada inicial p em f, bastante rara ; a de s tl
, p e s t'
lu in , em eh , e'
perfe itamente normal [cf. macho f Esta etimolojia, apresentada não me recorda por quem pr imeiro, está admitida, e para confi rmação dela basta citar o galego p echar , cor
respondente ao portuguê s fechar , e o castelhano pesti llo, « fech ode correr »
, que é o latim p es ti l lu m , outra forma deminutiva,paralela ao p e s s u l um citado.
C f. ainda fescoço= p escoço, e v . data.
Este vocábulo português representa o latim p h as eó l um , com
mudança de sufi cso, isto é , —ou por- c l : cf. esp aii o
'
n e es
p anol.
De um artigo, publicado em tempo no jornal de Lisboa 0 REPORTER 4
, extrato para aqui a copiosa nomenclatura portuguesadêste legume , abreviando as definiçõesF e iga o br an c o : ou é de v e i a, ou sem v e i a no casulo.
O feij ão de veia é só bom para saco (para secar); o feij ão paracomer em v e r d e não tem veia. Há tamb ém feijão de vara, que
é o que se enrosca pela rodeiga, e o feijão cap ão, que é o quefica rasteiro ; também se lh e chama car rap ato, por ficar ass impequena a planta.
No feij ão branco h á também um que é muito graúdo, chamado calço de p anela, pois cada feij ão entende—se que podecalçar uma panela, que é sempre de ferro, e tem três pés ; a debarro e sem pés ch ama- s e chasp a (q.
1 1 7 de junho de 1897.
452 Apostilas aos D icionár ios Por tugueses
Feirao, feirae, meus nobres senhoresSão lindas armas
Feiremos d'
amores ,
Que mai s lindos são
Em primeiro lugar cumpre advertir que esta palavra foi, emportuguês , adj ectivo, quer provenha de fac t i c ium fac tum fa
c e r e , « fazer », quer de fi c tíc ium f fi c tum fin g e r e — « os
bonzos não ousaram a se determ inar no que entre Si trazião fulminado, que era, segundo depois soubemos , ordenarem h um arruidofe i ti ç o [finjido], em que matass em o padre e a nós todos comelle » -º
.
Fei tiço, como substantivo, tem três signifi caçõesA primeira é « bruxaria » « com receio de que lhe fi zesse
fe i ti ç o » — 3; e em texto mais antigo :
Se vossa alteza qu iserVer os feitiços que eu faço
A s egunda significação é « obj ecto com que se faz a bruxaria » — «A lagartixa que certo feiticeiro poz na couceira da portade hum lavrador , a qual em todo o tempo, que ali esteve
,nem a
molh er , nem animal algum de casa por ia, era fe i t i ç o »— 5
A terceira é mu ito especial : feitiço é o armazem ondese fazem os pagamentos aos indígenas [no Zaire]. É uma especie
Acto I I.Fernám Méndez Pinto, PEREGRINAÇÃO , cap . CCXI .Azevedo Coutinho , CAMPANHA Do BARUE EM 1902.
G il Vicente, AUTO DAS FADAS .
Bluteau , VOCABULARIO PORTUGUEZ E LATINO .m
u
co
sa
,-n
Apostilas aos D ici onár ios Por tugueses 3
de taberna, com um pequeno balcão junto da porta e toda a ca
pacidade interior tomada por fazendas —1
C omo í d ol o , sentido em que se diz, mas se não prova, ters ido derivado de português O termo francê s feti che, não há abo
nação verdadeiramente vernácula ; em tal acepção o termo usadoem portuguê s é man ip anso . Neste pressuposto, parece—me êrrodenominar fe itic isni o o período de concepções relijiosas a que os
franceses ch amam fe'
tich is rne.
De fei ti ço procede fei ti ceir o, fei ti çar ia, enfeiti çar , etc .
Sobre O vocábulo fei tiço é d igno de leitura o que P . A. deAzevedo escreveu com O título de SUFERSTIç õES PORTUGUESASNO SEOULO x v , servindo de ã claração a vários documentos quepub licou 9
; veja—se também Bluteau (VOCABULAR IO , loc .
Sentido particular , isto e' , o de « fabricante » adqui riu êstevocábulo no norte do reino z— « Para a obra de encommenda os
colh e feitores porque os ha especial istas » — 3. É um bom
termo para expressar o que OS romanos denominavam fab e r ,« artífice »
.
fel ipina, fil ipina
Designa êste termo uma mistura de água, aguardente brancae açúcar . A or ijem dêste nome j á d e relance foi indicada no
Suplemento ao NOVO D ICCIONAR IO , e é a seguinte :No largo do Pelourinh o, aí pelo primeiro até segundo quar
tel do século passado, existiu uma aguardentaria pertencente a
1 Relatór io do jui z Francisco António Pinto , in O ECONOMISTA , de 1 9de março de 1885 .
º in REVISTA LUSITANA , IV , p . 1 97 e 198 .
3 Rocha Peixoto , AS OLARIAS DO PRADO , in P o r tu g á l i a , I , p . 267.
54 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
Marcos Fel ipe , que tamb ém tinha por sua conta o botequ im da
Praça do C omércio, que ao depois passou para as mãos do Mar
tinho, que lh e transmitiu o nome , bem como ao do largo deC amões ; também se lh e chamou O botequ im da neve. Parece ters ido o Fel ipe quem deu nome à felip ina, a que se refere Garrettno prefácio a LYRI C A DE JOÃO MINIMO — « com o charuto na
bôcca e o ponch e ou a p h il i p p ina na mão »
S egundo se declara em nota, foi isto escrito em 1 825, épocaem que estaria em voga o tal botequ im .
fenasco
Na Índ ia portuguesa fenasco é O nome que s e dá a u raca,
ou aguardente , em concani fen i , nos caracteres devanágricostransliterados P
ªeN i.
féndi, eféndi(m)
Esta palavra é uma forma abreviada, talvez berber isca, dovocábulo turco efe
'
ná'i , que é o tratamento u sual que empregamos turcos , como termo de cortesia, equ ivalendo a « s enh or »
. Foi
u sado por João C arvalho Mascarenhas , na « Memorável relaçãoda perda da nao C onceição — « Fendi, eu é verdade que tambemsou dos que queriam fugir » — ª
A acentuação, que no texto não está marcada, e na penúl
tima s ílaba.
É preferível dizer efenoli . C om o sufi cso —rn, efendim equ ivale a «meu s enhor »
.
feno, feneiro
Em castelhano ex iste um vocábulo que nomeia o local ondese arrecada o fe no , h eno, isto é , hen i l. Em portuguê s chama
1 in B IBL. DE CLASSICOS PORTUGUEZES , vol . XLVII , p . 109.
456 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
ferrar , ferrão, ferreta
Fer reta é o nome que se dá no Minh o ao bico de metal dofuso, do peão, etc o terço restante , chamadoferreta, é de metal »— 1
Denomina- se ferrao, em geral , a ch oupa ou ponta de ferrodos p au s fer rados , e por analojia O aguilh ão dos insectos , s e éque, neste último sentido, a analojia não foi estabelecida peloverbo fer rar , que no norte Signifi ca « picar, morder »
ferrejo, forrejo, ferrejial , ferrajial
Ferr ejo ou for r ejo, no Riba—Tejo, é « milho em verde , não
sach ado » ; e no Algarve parece ter o mesmo significado :— « Os
ferrejos estão excelentes — º
«As terras que cercam o « monte » chama—se- lh es ferra3
ferroba
Esta forma, por alfar roba, que é a usual , não vem nos di
cionários . Encontrei- a na « Relação do naufrájio da nau SantoAlberto »
, de João Baptista Lavanha — « arvoredo com fruta mui
amargosa da feição de fer r ob as » —ª
É o mesmo vocábulo, isto é o árabe AL- RaRUB 5, mas sem o
1 Po r tu g al i a , I , p . 3 71 .
º 0 ECONOMISTA , de 1 7 de maio de 1883 .
3 J . da S ilvaPicão , ETHNOGRAPH IA DO ALTO ALEMTEJ O , in Po r tug a l i a , I , p . 274.
4 in B IBL . DE CLASSICOS PORTUGUEZES, vol . XLIV , p . 52.
5 João de Sousa, VESTIGIOS D A LINGOA ARARICA EM PORTUGAL ,L isboa, 1 830.
Aposti las aos D ic ionár ios Por tug ues es 57
artigo AL , e com enfraquecimento do a pretónico em ç : cf. rezao,forma popular em vez de razão .
Outra palavra aráb ica, que esporadicamente aparece sem o
artigo AL , que em geral a acompanh a, é comon ia, por alcomo
n ia, na « Memorável relação da perda na nao C onceição », de
João C arvalh o Mascarenhas (1 627)
No Alentejo diz—se fescoço porp es coço . É uma mudança dialectal idêntica àquela que d e p e s tu l um produziu fecho (q. v .)na língua comum . V . pescoço.
fiambre
Éste vocábulo é castelhano , e não português [ v . des lumbrar].0 que é português é a sua especial ização, ao aplicar- se ao
p resu n to . A forma portuguesa era fr iame, derivada, como a cas
telhana, de f r ig i dam en, f r ig i dam i n i s
º
fidalgo, fidalga, fi dalgu inh o
C omo é há muito tempo sabido, fidalgo é uma polissíntese
de filho- de—algo, cujo signifi cado próprio se perdeu , a ponto dese d izer fidalga e ]ida lgu inho, em fez de ]i lha- d—algo, filh inho—d—algo .
F idalgu inho dos jardin s3 é o nome que dão. no norte a
1 vol . XLVII , p . 44 , da BIBL. DE CLASSICOS PORTUGUEZES .
2 D . Carolina Michaelis de Vascon celos, in REVISTA LUSITANA . II I ,p . 1 66.
3 D . Carolina Michaeli s de Vasconcelos, in REVISTA LUSITANA , III ,p . 1 70.
458 Ap osti las aos D ic ionár ios Por tugueses
flor que também se ch ama lai o (q. o bleu et, ou blu et, fran
cês , uma das raras flôres , verdadeiramente azuis , côr muito rara
no reino vejetal .
Numa acepção mu ito especial é êste dem inutivo empregado,como vemos do trech o seguinte : Estes macacos são oriundosda America do Sul e conh ecidos no B razil por macaco p rego ou
m ico chorão . Entre nós , s em que saibamos porquê , tem O nomeVulgar de F idalgu inho — 1
Dissera antes , ser o d ito quadrúmano do género C eb u s(C . fatu el u s ). 0 NOVO DICCIONAR IO já rejistou ' esta denomi
nação como sendo de Lisboa, não porém com tamanha individuação, e sem a abonar , conquanto a marque como inéd ita.
Eo nome deum instrumento de vento, feito de metal . 0 étimoe,,o francês op h icleide, artifi cialmente formado de dois vocábulos
gregos , ÓP 'IS « s erpente » , KLEÍS, KLEIDÓS « chave ». Pela forma
ção parece que o nome caberia melh or ao chamado serp en tão .
A forma mais antiga, e menos corruta, que apareceu em escritoportuguês , foi provávelmente figlid, transcrita de um cartaz ou
programa de 1 847 , por João de Freitas Branco, em uma das
erud itas e sub stanciosas notí cias teatrais que em tempos publicava no jornal A VANGUARDA :— «Executar—s e- h ão umas variações de Figl id (fig le, d izemos nós) —º
.
fi go, figueira
A nomenclatura desta apreciadíssima fruta, da qual direi quenada gosto, é principalmente algarvia, pois é nesse extremo sul
O SECULO , de 5 de novembro de 1 905 .
º 1 1 de dezembro de 1 899.
460 Apostilas aos D icionár ios Por tugueses
que fi lho- do- olmo em certa aldeia Signifi ca « enjeitado z— « Dequem é fi lho este rapaz ?— Efi l h o do O lm o .
—0 pae das creanças sem p ac é aquela árvore enorme , que ali vês , é o olmo.
Quando a vergonha ou a m iser ia pode mais que o amor maternal , as creanças São depositadas n
'aquellas pedras que circum
dam O olmo, e lá ch oram ingam até que pass e 0 pr imeiro lavrador , que as agasalh o em casa e as endire ite na vida »
—« The father les s ar e the care of God »— º:— Deu s é o
pai dos órfãos p at e r o r p h an or um [Salmo XLVII, V.
FILHO DA C ASA , designa o ind ivíduo estranh o, nela criado, asvezes nascido z— « via- se que ambas [as reclusas do Aljube , emLisboa] se achavam satisfeitas com a reclusão . radiantes porserem fi lhas da casa — 3
Em j iria fi lhos do mosqu eir o são uma especialidade entreos larápios z
— «Fi lhos do mosquei r o São pois os gatunos quese introdu zem no inter ior das casas , a occultas dos seu s locatários —ª
.
No NOVO DICCIONAR I O (S uplemento) vemos o verbo filhastrar , como transmontano, com o s ignifi cado, a meu ver duvidoso,« compreend er » ; a não ser que se ampliasse arb itrár iamente o
verbo filhar , « colh êr »
Na mesma verba relaciona- se,em dúvida, êste verbo com a
palavra castelhana h ijas tro, que quero dizer « enteado Não vejoa mínima relação de signifi cado entre os dois vocábulos ; ex isterelação, mas e formal . H ijastro, dantes fijas tr o, é o latim f il i a s tr u m , citado por Isidoro Hispalense, der ivado de fi l ium ,
com um sufi cso que se tornou pejorativo. Sôbre tal suficso diz—nos
Miguel Bréal : 0 lugar de orijem está no grego, em que haviaverbos em -Azõ , s em s ignifi cação depreciativa . déles se de
1 António Chaves , in 0 ALBERGUE DAS C REANÇAS ABANDONADAS ,número único , junho de 1 903 .
Bulwer Lytton , ZANON I , cap . ú ltimo .
'º
O SECULO , de 28 de abr il de 1 902.
ª O SECULO , de 3 de junho de 1902 .
Apostilas aos D icionár ios Por tugueses 461
rivavam substantivos em - A STER , como ERG ASTÉR , trabalhadorEntre tais substantivos alguns há que parecem conter noçãodepreciativa : PATRASTER ,
« o que faz d e pai » , MÉ TRÁSTEIBA,« a
que faz de mãe » , ELAIASTER ,« a [árvore] que faz de ol iveira, 0
zambuj eiro ». Aos romanos agradaram palavras destas . Em geral ,
podemos notar , o que é malévolo passa fá cilmente de um a outro
povo. A língua latina, portanto, possuiu as palavras p atr as ter ,fi l i as te r »
C omo étimo para êste vocábu lo, que, como se sabe des ignaum bôlo de farinha de trigo e ovo, frito em azeite e polvilh adodepois com açúcar , propus o latim f o l l i o
'
la º, com assim ilação
do o a palatal lh , isto é , a sua mudança em i átono. D . C arol ina
M ichaelis de Vasconcelos propõe f o l i ó lu m 3, Baist f o l i o la .
O que me parece demonstrado é que fi lho, com o aberto e o
género femenino, h á de provir de um vocábulo latino com a ter
minação —ola, quer femenino, quer plural neutro.
Ora essa forma h ipotética tanto pode ser f o l l i o la plural def o l li o lu m , deminutivo de fol l i s , « fole »
, como foliola folium ,
« fôlha ». A
Este vocábulo é h oj e , na língua literária, e mesmo na comumda conversação, masculino, como o era em latim . Todavia, provincialmente, mantém ainda nalguns pontos O antigo género femenino que tinha.
ESSAI DE SÉMANTIQUE , Paris , 1899 , p . 46 e 47
3 REVISTA LUSITANA , I , p . 2 1 1 .
3 i b. III , p . 138 .
o
462 Ap ostilas aos D i cionár i os Por tugueses
Aqui seguem dois ex emplos , um antigo, literário, e o outro
moderno, popular
Se os jóvenes amoresOs mais tem fins desastradas
« É a fim do mundo ! Deus nos acuda ! » ª [Freguesiad e Pedroso, concelho de Vila—Nova—de—Gaia] .
Este vocábulo, no plural , designa « pano de linho usado, desfiado »
, e em muitos dicioná rios falta esta acepção : é o que os
franceses chamam charp ie.
Outra acepção especial de fios vê - se no t rech o seguinte , etambém não consta dos dicionários :— «Fi os— Embora verdadeiros laços , differençam—se , dos por este nome conh ecidos , emserem feitos de um só fio de arame amarello, destemperado, epresos , cada um de per s i, a uma vara de urze , chamada p e,alguns centímetros cravada no ch ão » —3
S ervem de armadilha, para apanh ar pássaros .
fi rmal
Era uma joia, feita de metal precioso, ouro ou prata, e adornada com gemas , a qual servia para prender os vestidos
Um firmal dõa senhoraC
'
um rub i
Pera o colo de marfi » —4
1 Gil Vi cente, 0 VELHO DA ORTA .
ª O DIA, de 24 de maio de 1 902.
3 José Pinho, ETHNOGRAPH IA AMARANTINA , A Caça, in P o r tugal i a , II , p . 92 .
4 Gil Vi cente, 0 VELHO DA OR TA .
464 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
Andar a ftaino corresponde ao francês flauer , e esta locução está abonada em um soneto atribuído a Bocaje
—< Quando hás de consentir , cruel fortuna,Ao magro , de Olho azul , de côr morena,
O bem de an dar a fla i n o e de ir á tuna? »
E suspeita a atribu ição : êste terceto é apenas a repetição,nem mesmo a paráfrase , do começo de outro soneto bocajiano
«Magro , de olhos azu is, carão moreno ,
Bem servido de pés , meão na altu ra »
Banco
Este vocábulo, de que h oj e se está por galic ismo abusando,apenas é português como termo de táctica militar . Em todosos outros sentidos cumpre , conforme as circunstanc ias , empregarlado, ladeira, encos ta, costado, i lharga, i lhal, etc .
A forma portuguesa é franta
E não de agreste avena ou franta ruda » —º
A forma flau ta atribui P. Marchot, como étimo f lautar e fa u t la 3
1 O ECONOMISTA , de 28 de julho de 1882.
º LUS ÍADAS , I , 5 .
3 JAHRESRERIOHT UBER D IE FORTSCHRITTE DER ROMANISCHENPHILOLOG IE , 6 , I , p . 289 .
Apostilas aos D i cionár ios Por tugueses 465
florada
O NOVO DICCIONAR IO defi ne esta palavra como sendo o nomede um doce de flores de laranj eira » Deve ter muito poueo que comer .
No convento de Santa Anna, de Leiria, dá- se êste nome a
um doce de ovos que tem a forma de flores . Eportanto estaque lh e deu o nome , e não a substáncia de que o doce é feito.
florosa
Na Madeira (Ribeira Brava) é a mesma ave que em outrospontos da ilha se denomina p ap o- roix o
E uma interjeição que expressa repugnância, mu ito usual nailha da Madeira, e a qual no continente corresponde p hu h , comp aspirado.
No Minh o, principalmente na marjem portuguesa do rio,
s ignifi ca « buraco ».
Feio verbo ! E neolop smo, e ' qu em d izer « pôr em foco »
« Pede- lh e um instante de paragem , para o focar » —º
Ernesto Schmitz , DIE VOGEL MADEIRAS , 1 899.
º 0 SECULO , de 29 de março de 1901 .
466 Ap ostilas aos D i ci onár ios Portugueses
foicinha, foicinho, foicinh ão
Estão ja col ijidos em d icionários modernos os dois primeirosderivados de foi ce, ou fou ce fal c em , mas não o está fou cinhão, que é o nome de uma fou ce equivalente a gadunha, e
com a qual se ceifa a palhaz— « C OIta a palha o foicinh ão »
fole - das—migas
Em jiria de malandrins signifi ca « a barriga ». A razão da
locução é mu ito evidente , para que precise d e ser explicada.
folgazão, folgazões
Hoje em dia toma—se na acepção de « d ivertido, ind ivíduoque folga, d ivertindo- se »
. Antigamente , porém , o sentido era
« mandrião, desocupado », exactamente o do francês faine
'
ant,
com fundamento na signifi cação própr ia do verbo folgar , « não
trabalhar » « dah i a tres dias alguns h omens folgazões , quesão os que ordinariamente davam no mar todo o bom conselh o » — º
.
Ainda h oj e o correspondente castelhano holgaeán, holgaea
nes quere dizer— « persona vagabunda y ociosa, que no quieretrabajar » como defi ne O Dicionário da Academia Espanh ola,sendo pois o que h oj e chamamos vadio .
fôlha, folh edo
A palavra fôlha escrevo- a com circunflecso para a diferen
çar de jblha=fó lha, do verbo folhar , como desfolha=desfó lha,
0 ECONOMISTA , de 15 de outubro de 1 887 .
B IBL. DE CLASSICOS PORTUGUEZES , vol. VII , p . 69.
468 Aposti las ao s D ic ionár ios Por tugueses
Forçu ra é a pronúnc ia popular de fres su ra f r i x u r a f r ix u m por fr i c tum fr ige r e ,
« frijir » : of. o castelhano asa
du ra asar,
« assar » 4
foreiro
Este substantivo significa « que paga foro » ; mas no trechoseguinte apl ica- se aquele que de d ire ito o recebe , não sei porémse com propriedade :— «Restello, o nobre , o rico foreiro »— º
Temos aqui um caso como o de caseir o . (V . no vocábulo casa).
forjoco, furjoco
—« do lado do norte uns buracos ou « forjocos », por baixo
de enormes fragas — 3
C omo ignoro a orijem da palavra, h esito na escrita. S e é umaumentativo de fu rja, por alfu rja árabe FURGE,
« fenda », é
claro que se deve escrever com u , 0 que, em todo o caso, seriamais seguro. Note- se que a lfu rja é vocábulo d iferente de alforge,que em árabe se diz AL—H uRG
forma, fôrma
0 primeiro destes vocábulos é o mais moderno, cºpiado do
d icionár io latino, proferido com o aberto, como costumamos pronunciar o o ao lermos latim ao nosso modo ; correSponde- lh e emcastelhano o vocábulo forma de orijem também artifi cial . 0 se
1 S . Bugge, in R om an i a , IV.
º O SECULO , de 30 de maio de 1 900.
ª Albino dos Santos Pereira Lopo , BRAGANÇA E BEMQUERENÇA,in
«Boletim da Sociedade de Geograph ia de Lisboa» , Série 1 898—99, p . 1 68 .
4u representa a letra do alfabeto arábico, equi valente ao j caste
lbano actual .
Aposti las aos D ic ionári os Por tugueses 469
gundo, forma, é de orijem popular, evolutiva, com o fechado,como era de esperar,atendendo—se a que é longo no latim forma,e fechado se cons erva no italiano forma, em mu itas das acepçõesque correspondem aos dois vocábulos portugueses . O segundo eraem castelhano forma
, que ao depois se alterou em horma, d iferençando
- se h oje forma, « fôrma » de hor ina, « fôrma ».
No NOVO DICC IONAR IO (Suplemento) menciona- se a locução—« fórma torta, de mau caracter , ru im » Não é exacta : a locução é de forma tor ta,
e explica—se perfe itamente . Os çapatei
ros , para o calçado, usam de um mold e com a configuração depé , a que s e ch ama f or m a
,e não, fôrma . Há uns sessenta
anos , as fôrmas para os dois pés eram iguais , como ainda o São
nos çapatos de onrêlo, ou de trança, nas ch inelas mouriscas , nosçap atos chamados de mou ro, emfim , em todo O calçado barato,de fancaria.
Quando se começaram a u sar as fôrmas desiguais , as pessoashabituadas aos çapatos parelhos , com menor inclinação paradentro, e que pod iam , ind iferentemente calçar—se num ou no
outro pé , consideravam - nos mais incómodos (e parece-me que tinham razão, e digo isto por experiencia, pois em criança calceimuitos çapatos de fôrma direita): daqui proveio o d izer—se que« uma pessoa é fôrma torta »
, convém saber : custa a ajeitar—se anossa vontade , não nos entendemos com ela, ora está do direito,ora do avêsso
Em S . Miguel dos Açôres a palavra fôrma apl ica- se ao « bo
tão de calça »
Forma p erdida assaz rud imentares eram os moldes parataes reproducções [de braceletes de ouro pre- romanos , na Península HiSpánica], fôrmas que eram perd idas em seguida á fundiçãoda peça, á maneira do systema ainda actualmente usado, assimchamado : de fôrma p erdida »—º
1 O SECULO , de 5 de julho de 1 901 .
º Ricardo Severo , OS BRACELETES D 'OURO DE ARNOZELLA, in P o r
t u g al i a , II , p . 65 .
470 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
E esta uma acepção do vocábulo fôrma (e não, fôrma) acompanhado de epíteto, que julgo não estar rejistada nos d icionários ,e me parece locução técnica.
formálío
« o formálío é uma placa com pinhas de prata, que se põeno peito do celebrante »— ª
formão, fi rmão
Estas duas formas , com preferência manifesta dada à primeira, designa, nos autores portugueses que escreveram na línguade Portugal , o que os autores portugueses que modernamenteescrevem numa linguajem crioula, misto de muif-os id iomas , eortografias exóticas , querem que se chame firmam — « d izem quetinha fo rm ã o do Gram Turco para poder ir por terra para o
reino » —º
O vocábulo é persiano, FiRMAN ,« ordem »
, e os portuguesesadoptaram—no por intermédio do árabe , no sentido especial de« carta de recomendação »
, ou « salvo—conduto », concedido por
autoridades soberanas mouriscas .
fôrno, furna
No Gerez tem êste vocábulo, do latim fu rnum , acepção os
pecial , como vemos do seguinte passo : Os « fornos » do Gerez ,abrigos de pastores onde só muito «baixado s e penetra » — 3
1 O DIA, de de março de 1902.
ª D iogo do Couto , DÉCADA 8 .
ª, cap . XV .
3 Hermenejíldo C apêlo e Leonardo Tôrres , VIAGENS A SERRA DOGEREZ E SUAS CALDAS EM SETEMBRO DE 1 882, in Boletim da Sociedadede Geograph ia »
, sér ie, p . 53 3 .
472 Aposti las aos D icionár ios Por tugu eses
aí, em qualqu er adro de igreja, ou algures . 0 nome foi- lh es dadoindubitavelmente em razão do remate , que se parecia muito com
uma cabeça tonsurada.
P eões lh es chamavam no Pôrto, e não sei se ainda cha
mam .
Fr ade, na jiria dos ladrões , no Porto, quere dizer « indivíduoda pol í cia » talvez em atenção ao capote que u sam , comprido,a tocar no ch ão, como o h ábito do frade , ou porque está parado,imóvel , como o p eão, ou « frade de pedra» .
É conh ecida a denominação que s e aplica a uma casta defeijão, isto é , feijão frade, ou fradinho .
Não é porém sómente ao feij ão que se dá semelhante alcunha; é também ao m ilho, em certas circunstáncias , como vamosver .
Frade (Leiria) e o grão de milh o que, quando se deita no
braseiro, para s e comer assado, não estoura.
Fr eir a,ou fr eir inha : chama—se—lh e ass im quando elle estou
ra, tomando forma que lembra uma fiôr miuda e branca 3
É evidente a razão destes epítetos : o de fr eir a é devido a
s emelhança que se supôs h aver com a cabeça toucada de uma
freira ; a de frade está em oposição a esta.
C onclui—se que tais denominações são antigas , pois há setentaanos que não h á frades .A par de frade fratr em , temos frair e, comparável ao
frai le castelhano, com vocalização do t latino em r , mas sem a
d issim ilação do r da 2ª sílaba para 1, e freire, com a forma
proclítíca abreviada frei, castelhana fr ag, e o femenino freira,que, parece , não foi nunca usado em Espanh a.
Fr eira na Ilha da Madeira é o nome de uma ave, Os tr el atam ol l i s , Gould 3
.
1 O ECONOMISTA , de 28 de fevereiro de 1885 .
2 Informação dos surs. Acácio de Paiva e V. Abreu .
3 Ernesto S chmitz , DIE VOGEL MADEIRA'S .
CO
Ap ostilas aos D i cionár ios Por tugueses 47
fragária
Em C oimbra é o nome do morango bravo, mu ito ácido, a
fresa espanhola, pois ao morango ch amam fr eso'
n .
Hugo S chuchardt dá- nos como termo portugu ê s fresa Nas
C anár ias , ao contrário, u sou- se morángana, ou mor iánganaº,
sem dúvida uma forma derivada da que em português deu morango, isto é , m o r an i cum m o ra ,
« amora ».
Temos de explicar necessáriamente por influência portuguesatanto êste vocábulo, como coruja
3, ali u sado, e que em caste
lhano se diz lechu ea.
fragulho
Termo açoriano : é o nome que dão nas ilhas dos Açôres ascouves .
fralda, falda, fraldiqueira, fraldiqueiro, faltriqueira
Bluteau no seu Vocabulário diz- nos que a segunda destasformas é— «mais épica » a outra mais u sada. Na linguajem
actual distingue s e em geral falda de mon te=aba, ver tente de
monte, de fr alda de vesti do, de cami sa, etc .
Tenh o dúvida sôbre se são duas formas do mesmo vocábuloorijinário. Os etimolojistas d izem—nos que falda, palavra que s eencontra em várias línguas románicas , e voz germánica, fa lda,« dobra, prega »
ª,
“e a ela subordinam tanto falda, como fr alda,
KREOLISCHE STUDIEN , Ix , p . 143 .
º João Marquess of Bute, ON THE ANCIENT LANGUAGE OF TENERIFE,
Londres, 1891 , p . 28 .
ª i b. p . 22.
4 V. Kertíng , LATEINISCH -ROMAN ISCHES WõRTERBUC H , Paderborn ,
1 891 , nº 3 1 14, e Kluge, ETYMOLOGISCHESWORTERBUC H DER DEUTSCHEN
SPRACHE, Estrasburgo , 1889, sub voc . falt e falten.
474 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
sem nos explicarem como s e introduziu aquele r, que se repete
ainda que em outra situação, no castelhano faltr iqu era, formaadj ectiva de um deminutivo faltr i ca, ou faldr i ca faldra,
fr alda . Faltr iq'
uera em castelhano qu ere d izer « aljibeíra que setraz na saia, ou aba do vestido »
, e ê ste mesmo sentido tinha o
portuguê s fraldiqu eir o , como vemos , por exemplo, no C LERIGODA BEIRA
,de G il Vicente :
Duarte , tendes vó s h iD inheiro na fraldiqueira?
Não há portanto motivo para a interpretação « h ábito, talar »,
proposta em dúvida para este vocábulo no NOVO DI C C IONARIO , ao aboná—lo com ê ste passo de Francisco Manoel do Nascimento —« contas na mão, punh al na fr aldiqu eira , falandoem D eus
Fr aldiqueiro, como adjectivo, que no femenino s e substan
tivon naqu ele sentido especial , quere d izer « o que pertence afraldi ca, a fr alda, e assim cao fraldiqu eiro »
,é o « totó pe
queno, que está sempre no regaço, ou agarrado as saias » .
Martinh o Brederode , na colecção de formosas poesias intitulada SUL 4
, u sou a forma faltr iqueira
Cartas d'amor na faltr iqueira suja,Ramos de flores nas suadas mãos
Esta palavra, que designa um galo novo considera- a D . C a
rolina Michaeli s de Vasconcelos como derivada de franco, « fran
cês » , e compara esta formação à de galo, que também quere di
1 Lisboa, 1905 , p . 3 7 .
476 Aposti las aos D icionár ios Por tugu eses
mar—lh es- h ão seu s fi lhos , filies ecc les ie, filígreses , fregueses , recente denominação religiosa— popular »
Fora da relijião cristã foi o termo fr egu ês usado por Antonio Francisco C ardim , com referênc ia aos sectários do bud ismo—« Tornou outra vez , acompanh ado de outro bonzo e de algunsseus d is cípulos e fregueses — º
O termo fr eguês tem um sinónimo, p ar oqu iano, como fr egu es ta o tem em p ar óqu ia, ou , não sei por quê, p ar r o
'
qu ia, dep ároco, ou p ár r oco . 0 que é estranho é que, emquanto em por
tuguês o termo p aroqu iano se não aplica jamais ao ind ivíduoque compra por h ábito na mesma loja de venda, mas Sim fr egu ês ,acontece em Espanha exactamente o contrário, pois lá o freguêsda loja denomina—s e p ar roqu iano, mas o fregu ês , o p aroqu iano
da mesma igreja diz- s e feligr é s .
frol , frolido
Na REVISTA LUSITANA 3 dá—s e como metátese a formafrolido,por flor ido, num texto anterior ao s éculo x v . Não há metátese ,visto, que frolido é Simplesmente o particípio passivo de um
verbo froli r , derivado de fr ol, que era a forma contemporânea,e ainda posterior , do vocábulo que actualmente se diz flor .
frouxel
Bluteau,no VOCABULAR IO PORTUGUEZ E LATINO define dêste
modo a palavra :— «A penna das aves , mais pequena, e maismolle » 0 D icionário francê s de Emíl io L ittré dá—nos de edredon a definição seguinte : 1 .
º Petites plumes a tige grêle , abarbules longues et fines , appelées aussi duvet [penujem], fournies
Alberto Sampaio, AS «VILLAS DO NORTE DE PORTUGAL , in P o rtu gal i a , I , p . 583 .
º BATALHAS DA COMPANHIA DE JESUS , L isboa, 1894, p . 226.
3 vol . VIII , p . 242, A VISÃO DE TUNDALO .
Aposti las aos D ic ionár ios Por tugueses 477
par des Oiseaux palmípêdes et su r tou t par l'eider , anas mo llis
s ima, qu i vit princ ipal ement en l slande 2 .
º Un edredon ,em
couvre- p ieds fait d'édredon . ETYM . du suédois e ider , espêce
d '
oie du Nord, et du n ,petite plume , duvet »
C otejadas as duas defi nições entre s i e com a tradução latinaque da palavra portuguesa faz Bluteau , m ol l i o r an iam p l um a ,
parece que com f rouxel nos poderíamos contentar , ou com p enu
jem , presc ind indo do francês edr edon , que para França é ao
menos afrancesado,e para cá nem aportuguesado foi .
fumei ro
C omo se sabe , designa fumeiro a carne d e porco ensacada,de ench ido, e d epois fumada.
Eis aqui uma transcrição que d eixa clar í ss imo o significado«DISPENSA . Vasto compartimento abarrotado de comestíveis .
Al i se armazena o fumeiro dos su ínos , isto é O producto da ma
tança de doze a vinte cabeças graúdas , as melh ores que sah iram
do montado . 0 fumeiro compreh ende : grossas mantas de touc inh o empilhado em salmouras prOprías , ou em potes de barro ecaixotes ; as varas de ench ido, como paíos , ch ouriças , l inguiças,morcellas , cach oleiras e farinh eiras , cada qual em separado, etodas suspensas por cordas presas ao tecto, formando por estemodo a p ar r eira ou latada de carne ch eia, previamente defumadanos vãos da chaminé . Em vasilhas Observa—s e egualmente a
manteiga e os pésunhos e lacões » —1
fumó fumo
Esta palavra abona—s e com a « Relação do naufrájio da nau
Sam Tiago », de Manu el Godinh o C ardoso :— «Após estes negros
1 J . da SilvaPi cão, ETHNOGRAPH IA DO ALTO ALEMTEJ O , in P o r tu
g al i a , I , p . 53 7 .
478 Ap osti las aos D ic ionár ios Por tugueses
acudiram outros com um Fumó seu , que assim chamam [os cáfres] aos [ s i c] que os governa »
C onquanto mais adeante a palavra s e repita, h esito em con
s iderar certa a acentuação marcada, pois a edição é de pou ca ou
nenhuma fé , não só porque os erros tipográficos pululam nela,mas principalmente em razão de a ortografi a adoptada ser ,
quanto pode , arbitrár ia e incongruente .
funai agio
Assim nos apresenta o NOVO D ICCIONAR IO êste vocábulo,com a nota de comp ilado pela pr imeira vez, e uma abonação deLatino C oelho— « o lenh o de um funaragío » No Suplementoao mesmo d icionár io declara- se que, por informação obtida, o
vocábulo novo e' apenas um êrro de caixa por naufr ágio, mas
que Latino O deixou passar, autenticando—o portanto. É pois o
que os franceses denom inam coqu i lle lex iologique, « gralha leesicográfi ca »
, que j á figurou duas vezes , e será bom não figurar
terceira.
No Suplemento ch ama- se—lh e suppôsto d isparate gPoís
ainda resta dúvida? O facto de Latino C oelh o O h aver deixadopassar também não está provado, visto que as quatro
.
prime irasletras de naufr ágio trocadas em funa—ragio o podiam ter sidodepois de feita por êle a rev isão.
Esta palavra é japonesa e quere dizer embarcação «uma
ponte feita de barcos que [os japões] chamam funés »
in B IBL . DE CLASSICOS PORTUGUEZES , vol . XLI II , p . 64.
º António Francisco Cardim ,BATALHAS DA COMPANHIA DE JESUS ,
I , p . 54.
480 Ap ostilas aos D icionár ios Por tugueses
i nf u n d i le 4, por infu n d ib u l um . De fu n i l se derivam fu n i
leir o e fun i lar ia, que quere d izer não só « loja de funileiro »
mas também « obra de funileiro », como se vê do trecho seguinte
« a concorrencia de outras loiças , porventura a obra de funilaria em minima parte »
º
Fu n i lar ia des igna tamb ém a « colecção enteira de condecorações com que um indivíduo se adorna »
, correspondendo nestecaso ao que em francê s , também em tom de mofa, s e chamaferblan ter i e;
Fun i leiro, não é únicamente o « fabricante de funis » , masem geral o que técnicamente se denomina latoeiro de folha
branca, por opos ição ao latoeir o, s em mais nada, que trabalhaem latão, e não em folha—de—Flandr es , como o fun i leiro, que
o povo mudou em f'
u linei ro, por influ ência de folha.
Furada
Este nome de várias terras costuma escrever—s e as vezes , senão mu ito frequentemente , Afu rada, o que é um êrro, v isto queo a é o artigo, êrro s emelhante ao que os franceses e inglesescometem quando escrevem Op or to, por o P or to . É regra conh e
cida que, quando um nome comum passa a especializar- se comonome de terra, costuma acompanhar—se do artigo, s e por outro
modo não está particularizado. Ass im , temos a Abr igada,a
Granja, o Tr amagal, o G injal ; mas P ena-fiel, ou modernamente P enafiel, P aço-d
'
Ar cos , P or to—de—Más , etc .
Quando o nome comum deixou de estar presente à memóriado povo, por s e haver tornado obsoleto, o artigo muitas vezeselimina—se : assim , temos C ascai s , e não os C as cais , Azoia, emvez de a Azoia (árabe AL—ZaUI iE, « a Valadares . etc.
4 Jú lio Cornu , GRUNDRISS DER ROMANISCHEN PHILOLOG IE, Bonn,1 888 , I , p . 770.
º Po r tu g al i a , I , p . 266.
Apostilas aos D ic ionár ios Por tugueses 48 1
Ora fu rada é um nome comum , o qual s ignifi ca uma « ca
verna artifi cial » , como há, por exemplo, na Galiza a chamadaFu rada dos C a(n)s , citada por Vilamíl y C astro, como sendouma importante gruta pre- h istór ica.
fura—mar
Aos sete vocábulos der ivados do verbo fu rar , no imperativo,como substantivos , col ijidos no NOVO D ICCIONARIO e seu Suplem ento, tenh o a acrescentar os seguintes nomes de aves :fu ra—bardo Madeira, gavião »
.
fu ra—mar : Madeira, « boe iro »
fusolo
E um deminutivo de fu so . Eis aqu i uma definição m inuciosaduas chapas de madeira . presas uma á outra por sete ou
oito paus inhos redondos de um palmo de comprido . são os
f u sellos » — º
fu seola, fu seolo
Este neOIOji smo é feito a imitação do francês fu sa i ole, termod e arqueolojia pre—h istórica, derivado do italiano fu sa iolo, « gas
tão do fuso », isto é , o pedaço de ch umbo ou outra substância
pesada que mantém verticalmente o fio e o ajuda a torcer , postona ponta, ou ferreta do fuso z— «As fuseolas que aparecem emgrande abundancía nas ruínas das citanias, ídenticas ás usadasdomesticamente na actualidade — 3
. Ora, como ninguém dá seme
1 Ernesto Schmi tz , D IE VOGEL MADEIRA'S .
º Po r tu g á l i a , I , p . 686.
ª Po r t u g al i a , I , p . 3 1 7.
482 Ap ostilas aos D i cionár ios Por tugu eses
lh ante nome as u s ad as na ac tu al i d ad e , melhor fôra dar- lh eso que teem em português .
V . gastao.
No RELATORIO DA C AMPANHA DO BARUE EM 1 902 de
João de Azevedo C outinho, encontra—se a seguinte expressão,usada na África Oriental Portuguesa — « na esperança de tocarfu ti (fazer fogo) » Em nota acrescenta- se z— «Fu ti, espingarda »
gadanha, gadanh o, gadanhar , agadanhar, engadanh ar ,esgadanhar, agatanhar, esgatanhar
Dois étimos tem s ido propostos para a palavra gadanha,
forma h oj e mais usual , ou guadanha, a que Bluteau deu a pre
feréncia, e que é a castelhana ; e d igo dois , ambos germân icos ,porque 0 arábico, pelo Dicionário da Academ ia Espanh ola proposto, não merece confiança, pois nem Dozy nem Eguilaz Yan
guas o admitiram,visto que ambos om item o vocábulo gu adana
entre os muitos de or ijem arábica a que os seus glossários deramcabimento.
Ambos os d itos étimos germânicos s e podem ver em Kõrting º.
O primeiro dêles , que F . Adolfo C oelho parece preferir 3, rela
ciona gadanha com o verbo ganhar , e é aquele que a êste verbodeu orijem nas línguas románicas , com excepção do romeno, emque o elemento germáníco é , a bem dizer, nulo : wa idanyan ,
pascer, pastorear que subsiste no alto alemão moderno weiden .
in Gazeta das Colonias » , de 1 5 de maio de 1905 .
º LATEINISCH -ROMAN ISCHES WORTERBUC H , 4062 e 8845 .
3 in P o r tu g a l i a , p , 63G c nota.
484 Apostilas aos D icionár ios Por tugu eses
ranh ir , e querem dizer entorpecidos , tolh idos os dedos com o
frio » e o étimo imed iato déles é com certeza gadanha
gade , gade
0 NOVO DICCIONARIO reji sta a segunda destas formas comotermo de j iria, com a signifi cação de « d inh eiro »
.
A abonação de que tenho nota é da primeira, na mesmaacepção ; é possível , porém , que h aja nela êrro tipográfiç o, o
que não posso decidir porque nunca ouvi nem uma nem a outra:
« Quando não havia gade para vinh o, meu pae batia- lh e »—º
gadelha, guedelha
0 DICCIONARIO C ONTEMPORANEO reji sta sómente a segundadestas formas, o NOVO DICCIONARIO ambas , dando, como Bluteau , a preferência a primeira, que é a mais usual no povo, etambém a galega. 0 que nenh um dos dois faz é consignar a sig
nificação de «ma-deixa de fios » , a que Bluteau se referíra na
inscrição gadelhas de lã , e Roqu ete 3 traduzirá para francês domodo seguinte :— « flocon de laine . Gu edelhas de seda, étoffe desoie peluch ée » Esta última locução foi empregada pelo cro
nista Rui de Pina na C RONICA DE EL—REI DOM AFONSO V , descrevendo as festas celebradas por ocasião do casamento da irmãde El- rei com o Imperador Frederico em fins do ano de 1 449 :
«El—rei . desafiou os cavaleiros para as j ustas reaes , que
manteve na rua Nova com condições mu i excelentes e de grandegentileza, e assi [foram] propostos grados e empresas mu i ricas
1 Na REVISTA LUSITANA, I , p . 212 tratei dêste vocábulo, bem comode p adiola, par ihuela, p . 215 .
ª O D IA, de 25 de setembro de 1 902.
3 D ICTIONNAIRE PORTUGAIS-FRANÇAIS , Paris , 1855 .
Aposti las aos D ic ioná r ios Por tugueses 485
para quem mais galante viesse a tea, e assi melhor justasse.
A que o infante Dom Fernando veio com s eus ventureiros vestidos d e gu e d e l h as d e s e d a fina como salvages , em cima debons cavalos envestídos e cubertos de Bguras e côres de al imar ias conh ecidas , e outros diformes »— 4
Vê - se que foi O que hoj e se ch amaria mas carada . Meio sé
culo antes houvera outra em França, também por ocasiãode umcasamento entre pessoas da côrte de C arlos VI , na qual ê ste reie mais cinco senh ores se vestiram de selvajens , cobertos de guedelha de linh o, a feição de pêlo, e assim apareceram na sala dobaile , onde por ordem do rei se apagaram os brandões , com
receio de algum desastre . 0 caso porém foi desastroso, e a planesda comédia converteu- se em pavorosa trajédía, breve , maseloquentemente descrita pelo cronista Froissart. Apesar da re
comendação do rei, o duque de Orleãs entrou na sala acompa
nhado de seis h omens com brandões ; tirou um das mãos de umdêles par ver se conh ecia os mascarados , que v inham presos unsaos outros , com excepção do rei, que, sendo o primeiro da fi leira,se soltara para falar a duquesa de Berri . A luz da tocha pegoufogo na guedelha de linho de um dêsses mascarados , guedelhaque estava colada com pez a uma túnica, e assim pereceram doislogo al i, outros dois ao cabo de dois d ias , no maior tormento,escapando o quinto, porque se lembrou d e lançar sôbre si a águaque estava em uma dorna, para nela se lavarem C opos .
O que é mais h orroroso neste triste caso é que Froissart dáa entender que não foi só lev iandade , mas acaso malvadez daparte do duque , o que O levou a ch egar a toch a a um dos mas
carados , quando nos diz, que O duque foi O culpado, posto que a
pouca idade e tal v e z a ignorância o levassem a semelhante actode loucura º
Vê - Se pois que a palavra gu edelha ou gadelha, não signifi caún icamente « cabelo »
, mas também toda a imitação de cabelo ou
1 cap. CXXX I .CHRONIQUES DE FROISSART , l ivro , Iv , cap . 7 .
º, Paris , 1 88 1 .
486 Aposti las aos D icionár ios Por tugueses
pêlo, feita com qualquer substância ti lamentosa, lã , l inho, ou
s eda, por exemplo.
gadi (gaddy)
Na interessante monografia escrita por F . X. Ernesto Fernandez, intitulada O REGIMEN DO SAL , ABKARY E ALFANDEGAS NAIND IA PORTUGUEZA , define- s e ass im êste termo : Gad/dy era
um estabelecimento em que se arrecadava [ s i c] direitos sobre osal que d
'
uma provincia fosse exportado para outra. Era situadana passagem dos rios » — ª
Todavia, o termo tem outra acepção, e significa o próprio imposto, no passo seguinte :— «Em antiquíss imas pautas aduaneiras , conh ecidas sob a denominação de C anu sap ato, ou tabellade direitos do tempo do dominante mouro, que vigorou nas alfan
degas de Salcete e Bardez até o anno d e 1 8 1 1 , apparece um
imposto que incide sobre o sal sob o nome de Gaddy » — º.
O vocábulo esta es crito amaneira tradicional da Índ ia Portuguesa, u sada na transcrição das palavras indíjenas, isto é , ypara i acentuado, e dd, para o d cacuminal , convém saber , proferido no ponto em que proferimos o r de cara. 0 y indicava 0
i acentuado, equivalendo a dois i i , como o a, e, o, accentuados
se escreviam aa, ee, oo.
gado criado
Eis a definição autorizada desta expressão z quando é certoque na linguagem agrí cola gado cr iado quer dizer que é da lavoura de seu dono e não comprado para simples negócio de marchante ou contratador — ª
ª in « Boletim da Sociedade de Geograph ia de Lisboa », 23 .
ª série,p . 223 , nota.
º ib. p . 223 , texto .
ª GAZETA DAS ALDEIAS , de 27 de agosto de 1903 .
488 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
lhado,contorcido do rad ical QaFaoa, « encolh er , encarquilhar »
correspondente ao h ebraico citado, Kar an (hajaf) vergar , dobrar »
9, e é possível que do árabe proviesse O vocábulo. Gafar
em galego signifi ca « arrepanhar , esgadanhar , como fazem os
gatosF . Adolfo C oelho 3
relaciona gafo e um copioso material dederivados com gafa, « garra » : o nome seria aos leprosos apl icado, em razão do fenómeno caracter í stico de tam h orrorosa doença,a mão recurva, revôlta, adunca, como garra de ave de rap ina.
Atribu i Kõrting orijem germânica, e não arábica, ao vocá
bulo gafa,tanto castelhano, « garra, ganch o »
, como portuguêsnas suas vár ias acepções , e diz que procede do baixo—alemão gaffel, correspondente ao alto- alemão gabel, « garfo». Efectivamente ,o baixo alemão possui a palav ra gaf el, que, conforme João C arlos Dãhnert 5 , qu ere dizer —« espécie de ganch o ou croqu e paraiçar e arrear cou sas que estão pendentes de uma vara » C om
estes vocábulos pareceria relacionar- se não só 0 garfo portuguêse o garfio castelh ano, ancinh o mas também O castelhano garfear , «agarrar com ancinh o gar/ina, garra » e garfiri ar , rou
bar », e talvez O português engalfinhar—se, galfar ro, etc .
, con
quanto a introdução de r e 1 antes do f s eja d ifícil de explicarnestas últimas fórmas , tanto portuguesas como castelhanas . Gafa,como adj ectivo, aplica- s e a uma doença da azeitona, que Bluteaudescreve assim z «Aze itona gafa. e a que com as nevoasse engela na Oliveira, e apodrecendo nella, cah e sem ser varejada »
Os vocábulos gafa, gafar , gafen to, gafado, . etc . aplicam—sea outras moléstias , al ém da lepra do h omem , da sarna do cão ou
da cabra, e do pêco das azeitonas , como se vê do trech o s eguin
Belot, VO C ABULAIRE ARABE- FRANÇAIS , Beirute, 1893 , p . 606, col . I I.HEBREW-ENGLISH LEXICON, Londres, p . 1 28 , col .
D ICC IONARIO MANUAL ETYMOLOG I C O DA LINGUA PORTUGUEZA .
LATENIS C H -ROMAN ISCHES WõRe RBUC H , 1896, n .
ºs 3546, 3559.
PLATT-DEUTSCHES WÓ RTER-BUCH , Stralsund, 1 781 .CR
Q—03
h?
»
Apostilas aos D i cionár ios Por tugueses
te « Aparecem quasi todos [os gafanhotos] gafados (destruídosou affectados de qualquer doença) »A propósito do nome gafanhoto, dado ao saltao
, d irei queme parece ainda um ramo da mesma estirpe , e que lh e foi dadoem razão da forma ganch osa das patas deanteiras . Ora, gafanhoto
é um deminutivo (cf. p erdigoto do radical de p erdiz , p e r d i oe tanto, que há um aumentativo gafanhão, que qu ere d izer gafanhoto grande. Um e O outro pressupõem um prim itivo gafanho ou gafanha, que não está colijido, nem posso abonar , mas
que naturalmente ex iste , v isto que o vemos , no onomástico local ,em Gafanha ,
aldeia do Douro, com derivados , como Gafanhao,na Beira-Alta, e Gafanhoeir a, no Alentejo ; e João Maria Bap
tista rejista mais Gafanhoto e Gafanhotos P inh o Lealconta-nos umas h istór ias a respeito de Gafanha , das quais a
mais verosím il é que antes h ouvesse al i uma gafar ia . Assimserá . A. A. C ortesão aduz mais O substantivo gafe
'
m ,« lepra »
,
abonando—o z— « Que O faças seer saaom d e gafeem 3. Gafejar ,
na Madeira e na Estremadura s ignifi ca, « fervilhar , pulular ».
C f. Bluteau , s up ra . Tudo isto parece prov ir de gaja,« garra »
.
É de notar que s al tã o se diz em castelhano langos ta, palavra que também denom ina a lagos ta,
l o cu s ta . A semelh ançade forma.
, especialmente com referência as patas e as turqueses ,determ inou a identidade do nome .
A êste respeito me ocorre a notí cia dada por um periód ico,de uma chuva de lagos tas que em Espanh a tinha devastado um
campo. Eram gafanh otos . Parec ida com esta bernardice publicououtro jornal uma tradução de um conto castelhano, e O tradutordava- nos esta novidade estranha : O d iabo é surdo porque tinhaentalado a mão d ireita ! O castelhano d izia su rdo, « canh oto »
porque s u r d o se diz lá sordo. Outro ainda participava aos seu s
C HOROGRAPH IA MODERNA DO REINO DE PORTUGAL, v r, Lisboa,
PORTUGAL ANTIGO E MODERNO , Lisboa, vol . III , 1874.
SUBSÍDIOS PARA UM D ICCIONARIO COMPLETO,Coimbra, 1900.
490 Ap osti las aos D ic ionár ios Por tugueses
leitores que certas tropas estavam acampadas nas or e l h as doDanúbio ! O texto espanhol d izia or i llas , « marjens »
, vocábuloque morfolójicamente corresponde ao português ou reta porqueorelha 2 au r i c(u )la é em castelhano or eja. São freqúentíssi
mos estes primores d e tradução !Em castelh ano gafa teve maior desenvolvimento no seu sen
tido natural de ganch o que O correspondente português : gafasquere lá d izer não só as hastes dos óculos ficsos , que os seguram nas orelhas , mas , como termo faceto, os próprios óculos ;como nós lh e chamamos , também por graça, cangalhas , alud indoa armação geminada de ferro ou madeira que se coloca sôbre Olombo das azêmolas, para s e lh e meter carga. O deminutivo ga
fete quere em castelhano d izer « colch ete », que também se diz
cor chete.
O verbo gafar , « agarrar », é pouco usado actualmente em
portuguê s , e creio obsoleta a acepção em que s e emprega em ga
lego de agadanhar , esgadanhar , vulgarmente esgatanhar , comodisse , por influência da palavra gato, que é O animal mais useiroe vezeiro em alimpar e afi ar as unhas , seja em que fôr , mesmona nossa pele .
Podemos estabelecer O desenvolvimento do sentido da palavra gafa em português do modo seguinte
Gafa, garra » : gafar , (gafanho), gafanhao, gafanhoto, ga
« lepra » : gafo, gafado, gafe'
m, gafeiro, gafeiren to,
gafeiroso, gafar ia, engajec ido« sarna » : gafen to« doenças nas ol iveiras » : gafo, gafar , gajadaDuvidosos : gatfar r o, engalfinhar
gar o, e seus derivados .
Outros nomes próprios de povoações , derivados de gafo são
Gafes , no concelho de C abeceiras de Basto, Gafar im, no dePonte de Lima, Gafete, no do C rato.
492 Aposti las aos D icionár ios Por tugu eses
pássaros : «Nassa, gaiolo ou gar imp a— Tem a forma de uma
pyram ide regular de base quadrada e é feita de varas encruzadasumas sobre as outras , s eguras por me io de quatro vergas a um
caixilho, tambem de varas , atadas ou'
pregadas nas extremida
desGar impa é talvez gr impa, com a vogal a, anaptíctica ou in
tercalar .
gaita(s), gaitada, gaiteiro
Em Sam M iguel dos Açôres gaitada quere dizer « garga
lhada », naturalmente pelo estridor que faz .
Em Lisboa significa « repreensão acerba ».
E um derivado de gai ta, « instrumento de vento » de timbremu ito agudo, e e
' esta circunstancia O fundamento dos dois sentidos figurados acima referidos .
Gai tas se chamam os orifíc ios que as lampreias teem por
baixo da bôca. A suposta expl icação de Bluteau , a que alud iuJos é Mar ia Adrião, TRADIç õES POPULARES COLH ID AS NO CONCELHO DO C ADAVAL 2
, com relação ao d ito sabe que n em gai tas ,
é fantas iosaz— «p orgue as lamp reias são ex cellen tes , e'
como
teern'
u ns b raç o s assemelhando as gaitas , d*
ah i o ditado »
É natural que em razão daqueles orifí cios as lampreias se chamasse gaitas , concorrendo para a apl icação do nome a forma ro
liça do afamado peixe . Sabe que n em ga itas quererá pois d izer :« sabe que nem lampreias » , « tem mu ito bom sabor »
, para quemo tiver , que pela m inha parte d ispenso o petisco.
Para crédito de Bluteau , a c itação está errada toda ; o que 0doutí ssimo frade escreveu e vem no seu Vocabulário é O seguinte :
« Gaitas se chamam uns buracos a modo de Fagote , que a
Lampreia tem pelo pescoço, e por serem aquellas partes saboro
1 José de Pinho , ETHNOGRAPH IA AMARANTINA , A Caça, in P o r tug al i a , I I , p . 88.
º in « Revista Lusitana » , VI , p . 1 29 .
Apostilas aos D i cionár ios Por tugueses 493
sas , derão oceas ião ao adágio, Sabe como gai tas » —Até os bura
cos foram transformados em braços , atribuindo- se falsamente ao
nosso melh or lecs icógrafo a rara invenção de peixes com b r aç o se braços com b u r aco s ! Muita razão tinha Augusto S ch leich erem recomendar que jamais
' se fizesse uma citação sem se ter o
cuidado de escrupulosamente a conferir .
Erre cada um a vontade por sua conta, mas não «atribua a
outrem os d isparates que lh e veem. a cabeça.
Ga iteiro é O mús ico que toca principalmente a gaita de foles .
C omo adj ectivo quere d izer « alegre » , « garrido », como quando
dizemos de um velho, ou de uma velha, que são gai teiras . C om
efeito, tanto a gaita ordinaria, como a de foles , são instrumentosalegres , e gratos ao Ouvido, se nos campos soam ; nas c idades ,são mais um guinch o e um ronco importunos , a juntar aos mu itosrumores e sussurros que nos ensurdecem e desafinam os nervos .
sn0 , gna ; gué
São termos de calão conh ecidos , derivados do caló , ou dialecto cigano de Espanha, gach ó , gache
'
, pl . gache'
s . S e ace itarmos, porém , como completamente averiguado que 0 eh al i tem o
mesmo valor que nos d ialectos castelhanos , nomeadamente 0 an
daluz , v isto que é da Andaluzia que para Portugal veem em ge
ral os ciganos , temos de admitir que a forma passou ao portugués por intermédio de ciganos orientais , pois é aí que nós a
encontramos , por exemplo no dialecto dos da MOldO—Váláquia,com uma consoante medial análoga a portuguesa de gajo (pron .
« labrego » ; É provável , porém , que a ortografia castelha
na, adºptada para a escrita do caló , haja confundido, no mesmosímbolo ch , a forte tch (ch beirão ou castelhano) e a brandacorrespondente (lj. É sabido que na transcrição, mesmo metód icae científi ca moderna, os arabistas espanh óis transliteram por ch
a 5 .
ª letra do alfabeto arábico, que s e prefere dj na Ás ia e jvulgarmente nos paí ses barbarescos . Dêste modo, a forma portuguesa d iferençar- se- ia apenas na mudança do acento para a L
ª
494 Aposti las aos D icionár ios Por tugueses
sílaba, o que se Observa em outros vocábulos da mesma orijem
(v . parne).
Quanto ao substantivo abstracto gaje, de calão igualmente ,poderia êle representar um singular deduzido do plural caló gache
'
s,de gache
'
,forma de singular que alterna com gacho
'
n , no
andaluz aciganado, como se vê , por exemplo, na cantiga da C ontrabandista da Fer ia de Ma irena
Si el resguardo le prendieraatiros le resgatara,que los Ojos e m i carason los Ojos e m i gach é >
Emais natural , porém , que a palavra gaje seja s implesmentedeturpação do francês de'gage
'
,« desempenado, airoso ; donaire ,
desembaraçoO s ignifi cado próprio de gaeh ó, femenino gach i , em caló é
« rapaz , rapariga, adultos , não c iganos » ; e em português a degajo é qualqu er suj eito a qu em o fad ista se refere com malevolencia » — gVês aquelle gajo ?
O DICCIONARIO C ONTEMPORANEO dá como quarta acepçãodêste vocábulo gole , cada um dos saltos que dá o líqu ido ao
sair de um gargalo ou bocca de vasilha » e como qu inta acepção— « corcovo, salto que O cavallo dá erguendo as mãos e en
novelando- se » Esta última definição vem por outras palavrasno VOOABULARIO de Bluteau ,
e é com ê ste s ignificado que s erelaciona o modo adverb ial , u sado em Sam Miguel dos Açôres ,de galã o, « de salto, de chofre »
.
O SECULO , de 10 de setembro de 1900.
496 Ap osti las aos D icionár i os Por tugueses
galh eta
O NOVO DICCIONARIO traz duas ins crições desta formacertas garrafinhas como as u sadas na mesa para azeite e
vinagre , e no serviço da missa, para v inh o e água e a estasubord ina o termo de j iria, com a Signifi cação de « bofetada »
A forma diz- nos ser o nome de uma— « trombeta deguerra, entre os prêtos de Lourenço Marques , feita de ch ifre decabrito. (De galho)»Que O vocábulo não é indíjena vê - s e pelo lh .
Ora O termo de j iria acima apontado não pode subord inar- sea galheta, garrafa » ; é prec iso abrir para êle terceira ins crição,pois é s implesmente O castelhano galleta (pr . galheta), « bola
cha », derivado do francês galette, com a mesma signifi cação, e
que se diz prov ir de galet, « seixo grosso e chato, boleado pelaságuas » , que seria palavra bretã , mas parece deminutivo de gal,que no francês antigo significava « calhau »
1.
C onfronte—s e bi scou to (q. Assim , como bola cha s ignificatambém , como termo de jiria, « bofetada »
, do mesmo modo seempregou a palavra eSpanh Ola, neste sentido figurado.
— « O isque iro ter—se—h ia vulgarisado principalmente com os
progressos do uso do tabaco ; e não obstante as actuaes d ispos ições proh ib itivas , ainda a s ua util ização subs iste occultamente : ocorn ip o no planalto barrosão e no Soajo (galh ipo em Lindoso) éum tom de
“
ch ifre de bode , vedado com d is cos de cortiça e incluindo farrapos d e linh o chamuscado ou medulla de sabugo ;com um fragmento de quartzo l eitoso regional Obteem a faí sca elogo o fogo necessario para o fumo —º
1 E. Littré , D ICTIONNAIRE DE LA LANGUE FRANÇAISE , Paris , 1 881 .
“2 Rocha Peixoto , ILLUMINAÇÃO POPULAR , in P o r t u g á l i a , I I , p . 3 7.
Apostilas aos D icionár ios Por tugueses 497
É longa a transcrição ; contém ela, porém , tam perfeita desc rição do obj ecto designado com O nome de corn ip o ou galh ip o,
que entendi não dever suprim ir—lh e nem uma palavra, e com
tanto maior razão, quanto é certo ser omisso nos d icionários Oterm o galh ip o .
galinha; galinh eiro ; engal inhar
Galinha eraunidade monetária de Ajudá que valia rei sportugueses do continente , isto é , duzentos bú z ios (q .
Apontarei aqu i os nomes de algumas castas de galinhas ,transcrevendo- os do jornal O SECULO , de 23 de fevereiro de 1 902 :
brigadorade asa de patode peito negro
- paduana ou polacapedrês
de poupa.
O derivado ga linhei ro significa « a capoeira das galinh as edo galo »
, e O « indivíduo que vende galinh as » .
No Alentejo o termo ga linheiro tem signifi cação menos restrita, como vemos do trech o seguinte :— Uma casa qualquer emque pernoitam e põem as aves domesticas do monte [casal], comexcepção dos pavões e patos reaes (gansos), que dormem e nid ificam fora ou ao ar livre e á solta »—º
.
J . J . Nunez 3 cita a forma galh inha, que diz arcaica e quese expl ica por assimilação do l a palatal nh da sílaba segu inte .
Modernamente introduziu—s e o castelhanismo galinheir o (gallin ero), para denotar nos teatros o que antigamente era denom i
Carlos Eujénio Correia da Sil va, UMA VIAGEM AO ESTABELEC IMENTO PORTUGUEZ DE S . J 0 3 0 BAPTISTA DE AJUDAEM 1865 , Lisboa, 1 866.
º J . da Silva Picão , ETHNOG RAPH IA DO ALTO ALEMTEJ O, in Po r t ug á l i a , I , p . 545 .
3 REVISTA LUSITANA , III , p . 302.
498 Ap osti las aos D ic ionár ios Por tugu eses
nado varandas , isto é , « bancos corridos na última ordem », con
vém saber , ao p é do teto, lugares mais baratos que nenhum .
O verbo engatinhar é faceto e quere dizer « tomar enguiço,agastar- se
ganadeiro ; ganáncia ; ganhar, ganh ão, ganharia, ganhança
Ganadei ro é castelhanismo muito usado, como outros , no
Alentejo, e tem a signifi cação de guardador . de gado, em cas
telhano ganader o, de ganado, que é O mesmo vocábulo que O
gado português , conecso com ganar , ganhar ; conquanto não seexplique fác ilmente a el iminação do nh dêste último verbo, a nãoser porque proviesse directamente , em tempos antigos , do verbocastelhano, de que 0 substantivo ganado é apenas O particípiopassivo, substantivado como tantos outros — « um terrível lobo,que h a annos trazia inqu ietos os lavradores e ganadeiros »
Importação directa de castelhano é ganâ ncia, que O povor ústico em Portugal diz, com maior vernacul idade, ganhan ça .
Ganhao e O trabalhador adventí cio a jornal : C ASINHA DOSdormitorio e casa de descanço dos « ganh ões ou
moços de lavoira, que cons tituem a ganhar ia »— º
Aqu i, ganhão tem sentido especial , como se Vê da definiçãoclarí ssima. Antes , J . da S ilva P icão abona O termo ganhar iaaqui empregado : ,
—«A cosinh a, em certas partes , tambem servede refeitorio da ganharia e restante pessoal , como carpinteiro,ferrador , etc . »
gandula, gandum
O NOVO DICCIONARIO , no Suplemento, mcluíu ambos êstesvocábulos, o primeiro como de uso actual em Gaia, na acepção
SECULO , de 6 dezembro de 1900 : correspondência de Avis.º ETHNOGRAPH IA DO ALTO ALEMTEJ O , in « Portugália » , I , p . 541
e 538 .
500 Apostilas aos D ic ionár ios Por tugueses
com água ou com vinho, porque a garrafa de engarrafar vi
nbes e licores se denomina respectivamente botella, bou tei lle.
Dozy diz—nos ser vocábulo de orijem arábica, YaBAFE,
forma que, segundo afi rma, não vem nos d icionár ios com tal si
gnifi cado, mas com o de um enjenh o para tirar água de poços .O rad ical e YaRaFa, « tirar água »
, de que proveem os substan
tivos YuRuF , « com», e YuRF, « púcaro »
.
De garrafa se deriva o adj ectivo gar rafa l, que quere dizer« avultado, grande »
, tanto aplicado a le tr a , letra garrafal,como a ginja, ginja gar r afal. Este último epíteto, tambem usadoem castelhano, gu inda gar rafal, é mu ito antigo, pois Bluteaufaz dêle menção, descrevendo esta del iciosa fruta do modo seguinte :— «He maior que as outras [ginjas], e mais doce ,» tem o
pé curto, e a cor tira a negro. Bahuino, na Historia universaldas plantas , part. I , p . 220 e 22 1 , h e de parecer que h e a que
Plinio chama C erasu s [ c er ãs u s ] Macedon ica
O epíteto castelhano (gu inda gar rafal) encontra- se ja mencionado por Navagiero (XVI século), que na Descrição de Granada
, ou como os nossos escritores antigos lh e chamaram Grada,
diz ser excelente a casta denominada gu indas garrafales ºA ginja mais meúda e acre designa—se vulgarmente com O
nome de ginja galega. (V . galego).
Ciarrett
O apelido inglês do maior poeta nacional depois de Lu í s deC amões , João Baptista de Almeida Garrett, está recentemente a
GLOSSAIRE DES MOTS ESPAGNOLS ET PORTUGAIS DERIVES DE
L 'ARABE,Leida, 1 869. Represente por Y a 1 9 .
ª letra dO alfabeto arábico , aqual é uma fri cativa sonora, correspondente a surda, jota castelhano actual .
º Escrita em italiano : ap ud Francisco Xavier S imonet, DESCRIPCIÓNDEL REINO DE GRANADA , Granada, 1872 , p . 245 , (Apêndi ce VI). O título daobra de Navagiero é , conforme R . Fonlch é—Delbosc , (BIBLIOGRAPHIE DES
VOYAGES EN ESPAGNE ET EN PORTUGAL , in « Revue Hispanique » , I II ,p . 22, IL VIAGGIO FATTO IN SPAGNA ET IN FRANC IA DAL MAGN IF ICO M. Andrea Navagiero , Vinegia, 1563 .
Aposti las aos D ici onári os Por tugueses 501
ser pronunciado de um modo pretencioso e que nenhum fundamento racional póde abonar . Diz- se para aí entre gente que presume de instruída, e muitas vezes O é na real idade , gár re. O que
lh es ser ia difícil fôra dizerem em que s e estribam e com que seescudam para tam anômala pronunciação. apelido é inglês , ese a r isca se quisess e preferi - lo como nesta língua, haver ia de pronunc iar—se gár et, com O acento na 1 .
ª sílaba, e um t proferido
na segunda.
Se O nome fôsse francês , que não é , nenhum francês , ao vê - lo
escrito com dois tt fi nais , deixaria de pronunciá—lo garete. A extravagante pronunciação gar re é que não pertence a língua ne
nhum a conh ecida, e só prima pelo r idícula que é .
O facto, porém , é que o próprio poeta sempre pronunciou o
seu apelido como se em português se escrevesse gar rete, com a
surdo na pr imeira sílaba, O acento tónico na 2 .
ª
, e 0 t perfeitamente proferido . Assim lho ouvi eu Várias vezes , assim o pronun
ciavam todos os seus contemporâneos , e entre êles O seu fidelís
simo amigo, d iscípulo, e poeta notável da escola romántica Francisco Gomes de Amorim , em casa de qu em tive a glór ia de encentrar a Garrett , sendo eu uma cr iança de treze anos .
Não é de admirar êste aportugu esamento de nomes estranh os : também, por exemplo, Stockler , Mayer e Van Zeller , seaportuguesaram na pronúncia em es tocler , ma ier e vaneeler ;
também nunca ninguém pronunciou cá O nome do conh ecido espingãi deiro francês Ini ber ton de Outro modo que não fosse imber tom ; e assim tantos outros . É h oj e em dia que h á a preocupação de se arremedarem as pronúncias estranjeiras dos nomes , eas vezes com tanto acerto, como O do glorioso poeta, tam esquecido j á , que até lh e mascaram o nome , que era bem dêle, e comoêle O pronunc iava e queria que lhe pronunciassem , bem a portuguesa, e não com disfarces que O transtornam e afeiam .
garroteia, jarreteira
A ordem militar a que h oj e ch amamos a francesa da J arr eieir a
,foi denom inada Gar roteia um sé culo depois da sua insti
502 Apostilas aos D i cionár ios Por tugu eses
tuição em Inglaterra, em 1 341 . Eimitação provável d o nome inglês Gar ter , queW . Skeat 1 deriva do galês gar , « pernil » , « canelada perna »
, étimo céltico da palavra h ispániea, de significado um
tanto d iferente , gar ra, de que provém gar r ote. A palavra gar ter ,como a francesa jarr etiere jarr et, « curva da perna »
, queredizer O que actualmente chamamos liga, « a fi ta com que se seguram as meias » , e que por aquele tempo as prend ia as calças ,ou calções que vinham da cintura até O joelho. A forma francesaantiga, jar tier , está para a inglesa gar ter , como jardin paragarden ,
e é sabido que em francês 0 g orijinário antes de a dája, como o c na mesma situação, chá. (V . jardim). A palavragar , mais ou menos modifi cada, em todas as línguas célticasmodernas conserva s ignificação análoga, embretão gar r , em ersecas
,perna »
, etc .
Eis aqu i a abonação do vocábulo gar r oteia em português« em França por sua ardideza e bondades foi [Alvaro Vaz deAlmada] feito conde de Abranxes , e em Inglaterra por sua va
lentia foi receb ido por companh eiro da ordem da Garrote -
a, d eque principes cristãos e pessoas de grande merecimento são con
frades » U
O NOVO D ICCIONARIO dá êste vocábulo como termo de j iria,com a signifi cação de— « perua » C reio ser gralha lecsicográ
fi ca, dev ida a êrro de apontamento, em que se leu u por n , poisa êste vocábulo sempre ouvi dar O signifi cado de « perna »
.
Vestimenta rica. V . REVISTA LUS ITANA III , p . 142 .
1 A CONC ISE ETYMOLOGICAL D ICTIONARY OF THE ENGLISH LANGUAGE, Ocsónia, 1 887 .
º Rui de Pina, CRÓNICA DE EL-REI DOM AFONSO V , cap . xxx r.
504 Aposti las aos D icionár ios Portugu eses
desta língua, com O s ignifi cado que tem gasp i ller em francês ,não faltam , e j á aqu i, sem refi ectir um segundo, me saltam dos
bicos da pena três : desp erdiçar , ex travaganciar e esbanjar .
há de o p o vo entender por aquele gasp i lhar , que não usa,
nem encontra em d icionário algum português ? (E essoutro estrambótico adj ectivo volup tuar ias
? Alguém mais curioso, que Obusque nos vocabulários , capacitar—se há sinceramente de que Oominoso govêrno vai com os d inh eiros públ icos estabelecer lupanares para recreio e deleite dos m inistros .
Ningu ém poderá saber a razão por que esta palavra tam portuguesa foi eliminada em dois d icionários modernos bastante copiosos , o C ONTEMP ORANEO , e 0 NOVO .
As defi nições dadas por Bluteau são como se segue : GAS
TAM de Bastão, ou Bordão. O remate redondo de Latão, Prataou pao, em que descança a mão de quem o traz » .
Gastão de fuso . O bocad inho de chumbo, ou latão, que cobrea pontinh a do fuso,
'
e ajuda a torcer o fi o . Na sua prosod iadeclarando a signifi cação de Vertic illum diz Bento PereiraMau ça
ou ] fl ain ça do fu so, em algumas partes do Re ino s e ch amaráassim o ditto gastão » Isto está parafraseado : o que BentoPereira diz é o seguinte : Verticillum . a ni au ça ou matuca
do fu so
J . Inácio Boquete, no D ICTIONNA IRE PORTUGAIS - FRANÇ AI Sinscreveu z— « GAse , s . m . pomme d 'une canne ,— do fu so »
.
V . Maun ça .— «MAUN C A,
s . f. poignée ; botte d'
aulx secs ,— do
fu so, rainure en spirale pratiquée au bout le plus m ince d'unfuseau ã fi ler »
Vê - se de tudo isto que mainça ou ni au ça (g. v .) e gastão dofuso são duas cousas d istintas . Os dois d icionários citados , se nãotrazem gas tã o, incluíram ambos cas tão, forma que, pelo menoscom relação a bengala, é a mais usual h oj e em dia ; mas a res
peito de cas táo do fu so, deixaram -no fi car no tinteiro, e O NOVO
01
Ǫ
UI
Ap osti lasínos D icioná rios Por tugueses
DICCIONARIO em mainga declara—nos que é remate de fusos em nos dizer de que lado fi ca o tal remate , pois na bengala,por exemplo, o remate de c ima é o cas tã o, e o de baixo a p en
ieira .
Em italiano há dois vocábulos mu ito parecidos : um é fusai ola ou fu sarola, O qual s ignifi ca « pedaço de madeira, ou 'depano, com um buraco a meio, onde as fiandeiras segu ram os fu
sos » ; o outro fu saiolo ou fu sarolo— « rosca pesada que se enfi ana ponta ou ferreta [se é de ferro] do fuso, para que gire com
maior regularidade » Qualquer dos dois vocábulos deriva—sede fu so, pronunciado fuga, e não fu s o, pois fu so, com esta pronuncia é particípio passivo do verbofo
'
ndere « derreter » ª. O cas
tão ou gas tão do fu so será entã o O fu saiolo, de que os francesesfizeram O seu fu sa
'
i'
ole, que já passou artifi cialmente a portuguê scom a forma errônea fuseola (q.
gata, gate ira
Não é a fêmea do gato que vou mencionar aqui : é o termode Sam M iguel dos Açôres gata, que corresponde ao gateira deLisboa, isto é , bebedeira º
. É extraordinária a quantidade de pálavras que ex istem em portuguê s para designar , mais ou menos ,graciosamente , êste ví cio, e a manifestação dêle : formariam sópor s i um curioso glossário, se se pudessem anal isar todos porforma, que fi casse patente a orijem de cada. um . Tesouro detantos nomes pertence cem certeza a terra de muitos bêbados .
geio, geada : v . geo
P . Petrócchi , NOVO D IZ IONARIO UNIVERSALE DELLA LINGUA ITALIANA , Milão , 1 887- 1892.
º O SECULO , de 5 de julho de 1 901 .
506 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
Esta palavra, ja definida nos dicionários portugueses , é , comos e sabe , o l atim d iar ia ,
« que se vence num dia ». Rejistarei
apenas aqu i a locução. transmontana i r á geira « ir para Otrabalho d iário a qual confi rma o étimo.
gemónias
O NOVO DICCIONARIO acentuou gemon ias , e corrijiu no Suplemento para gemón ias , mas com certa h esitação. Não h á motivopara h esitar : gemón ias acentuou J . Inácio Roquete º, Francis coAdolfo C oelh o 3
, etc ., e admira que O DICCIONARIO C ONTEMPOBANEO , o qual passou pelas mãos de um perito latinista, SantosValente , deixa-sse passar o êrro crasso gemon ias , devido únicamente a qualquer escrevedor ignorante, que não sabendo nem ao
menos ler latim , remedou em portuguê s O francês gemon ies , cujoacento tónico está no i , o que é de regra nesta língua. C omo eradesacêrto divulgou—se , segundo o costume .
Em Roma ch amavam—se G em on i ae s c al ae , ou simplesmenteG em oni ae , umas escadarias pelas quais eram com um ganchoarrastados os suplic iados , para serem arrojados ao Tibre. Figuradamente, usa—se esta expressão para indicar « extremo desacato,vituperlo, castigo, justo ou injusto infi ijido a qualquer , principalmente em Oposição a triunfo, ovação que antes se lh e tivessefeito, ou se lhe h ou v esse de fazer.
generear
E verbo que não vem apontado em nenh um d icionário, e cujasignifi cação, como s e depreende do seguinte trecho, é « gerar »
1 REVISTA LUSITANA , IV , 268 .
º D ICTIONNAIRE PORTUGAIS-FRANÇ AIS , Paris, 1885.
ª D ICC IONARIO MANUAL ETYMOLOG I C O DA LINGUA PORTUGUEZA .
CnO0
0
Apostilas aos D icionári os Por tugueses
geo, geio, geese, gear, geada, gêlo
Do latim g e l u proveio por evolução portuguesa geo, geio,postulado pelo verbo gear , substantivo participial geada, e adjectivo geoso, abonado no trech o seguinte :— « Dizem de Portalegreque continua rasoavel o aspecto geral do campo. Durante o mezde fevereiro correu o tempo extremamente frio e ge e s e »
O substantivo gelo e os seus afins e derivados devem ter orijem
l iterária, atenta a permanência de l latino intervocálico.
Há outro vocábulo geio, « socalco », o qual nenh uma relação
par ece ter com O da minha h ipótes e .
Não é arcaismo em todo o reino esta forma, que em quas itoda a parte foi substituída por joelho. Em C am inh a, por exemploé a fôrma usual e corresponde ao castelh ano h inojo, ital iano g in ócch io, francê s genou , do latim g en u c (u )l um . A forma mederna joelho ou provém de outro deminutivo de g enu , g en i
c(u) lu m ,como cuido, ou foi refeita pela metátese de ajoelhar
por ageolhar geolho, como é O parecer de quasi todos os etimoloj istas .
Gerez , gereziano
Do nome próprio Gerez formou Alberto Sampaio 0 adj ectivoger ez iano :
º — « como h oj e no macisso gereziano » Melhorfôra, a meu ver ger ez ino, ou ger eeano, ou ger eeão, não obstanteO adjectivo galiz iano Galiza, que tamb ém empregou :— « O ea
1 O ECONOMISTA , de 26 de março de 1883 .
º As VILLAS » DO NORTE DE PORTUGAL , in P o r tu g á l i a , I , p . 1 16.
Ap osti las aos D ic ionár ios Por tugue ses 509
valle gabado por Plinio . pelo trote dªandadura, pertence ao
type gallie iano »
Este último termo está já consagrado em publicação Oficialvernácula e de bastante autoridade º
.
Disse que preferiria outra forma de derivação a que o dente
escritor empregou , gerez iano ; é possível , porém , que a nossanomenclatura convencional geelójica, em que infelizmente a ver
naculidade da língua tem sido tam pouco respeitada, e obrigasseàquela terminação com sabor tam afrancesado, como O do substantivo mac isso, francês mass if .
»
ginete gineto, gineta
C onforme Bluteau 3,a acepção primordial de primeiro destes
vocábulos é « caval lo de casta fina » sendo secundárias asde cavall eiro, com lança e adarga, e estribos curtos h omema cavallo
Seguem êste parecer O DICCIONARIO C ONTEMPORANEO , 0 MA
NUAL ETYMOLOG I C O , o NOVO DICCIONARIO , como j á tinh a feitoentre outros O PORTUGUES- FRANCES de Boquete. Todavia, o próprio Bluteau , no Suplemento, referindo- se a C ap i tã o d e g in etes , define esta locução com as segu intes palavras :— « respondeeste Officio a General de C avallaria do Reyne » Vê—se poisque a acepção, que deu como secundária de cavaleiro armado »
e a primária, sendo a de « caval o » deduz ida desta; e com efeitoassim é em castelhano z— « A esta necesidad obedeció que losmusulmanes tomaran á sueldo caballeros cristianos y que les cristianos h icieran lo mismo con gin e t e s mores ; estes últimos alcanzaron gran celebridad en la península, tanto eu Granada,donde los zenete s constituyeron uno de los partidos mas fuertes , como en los reinos cristianos , entre los cuales la palabra
i b. p . 1 1 1 .
º RECENSEAMENTO GERAL DOS GADOS DO CONTINENTE DO REINODE PORTUGAL
,L isboa, 1870, p . 30,
61 , 62 , 72 , 108, 1 10, e pass im .
3 VOCABULARIO PORTUGUEZ E LATINO .
510 Ap ostilas aos D ici onár ios Por tugu eses
z en e te , nombre de su tribu ligeramente modifi cado h a quedadocomo apelativo de h ombre á caballo, g in e t e , y s e llamabang in e te s en la edad med ia 103 caballos de paseo y carrera,en C astilla la palabra z enete h a pasado a su lengua con ligeramodificación ortográfi ca para designar un h ombre á caballo su
modo de cabalgar , á la j ineta, ha quedado como escuela ó eSpe
c ie de equ itación ; g in e t e s se llamaban en la edad media loscaballos de carrera y pas eo en C ataluna ; aqui se usaban tambiénespu elas , estribos y p itrales ginetes en los aparejos de caballos yh asta las b anderitas que coronaban las lanzas por debajo de losh ierrosExemplo português de ginete com a signifi cação de « cava
leiro » é o s eguinte : dou s mil e trezentos de cavalo, a fora os
corredores , que agora chamam g in e te s »— º
O vocábulo arábico tem e como inicial , e foi mudado na
Península Hispánica em j, como O foi semelhantemente em g irafa,de m au . É sabido que o A (a longo) valia mu itas vezes por e
no d ialecto arábico das Espanh as .
O termo ginete vemo- lo modernamente empregado como designação de uma casta de sela : « e o ginete ou bastarda, comodenominam as s ellas ordinárias » — 3
.
A palavra ginete, ginete, gineta, s egundo as localidadesnome de um animal carnívoro, é outra, tamb ém arábica, G aBNaIT,conforme Dozy
O termo gi nete, como sinónimo de cavalo fino », e h oj e de
susado em português , e tido por artifi cioso ; não assim porém emcastelhano, no seu sentido primordial , de « cavale iro » .
André Gimenez Soler , AFRICANOS EN ESPANA , in « Revue Hispani
que » , XI I, p . 301 e 349 .
º Duarte Galvão , CRÓNICA DE EL-REI DOM AFONSO HENRÍQUEZ,cap . LII .
3 BOSQUEJO DE UMA VIAGEM NO INTERIOR DA PARAHYBA E DE
PERNAMBUCO , in 0 SECULO », de 8 de junho de 1 900.
4 GLOSSAIRE DES MOTS ESPAGNOLS ET PORTUGAIS DERIVES DE
L 'ARABE, Leida, 1 869.
5 12 Ap ostilas aos D i ci onár ios Por tugueses
sil . Há engano manifesto : nem a palavra tem o menor vizlumbre
de pertencer a línguas americanas , nem é natural que designequalquer bebida indíjena. É s implesmente a italianização, e porela o aportuguesamento do inglês g i ngerbeer , « cerveja de genjibre »
, bebida refrijerante muito conh ecida. Bir ra em italiano,
como beer em inglês quere dizer « cerveja », e nesta língua g in
ger significa gengibre
gôdo, godo gôdo)
O NOVO D ICCIONARIO dá - nos o vocábulo godo, com e aberto,gôdo, como s inónimo de gogo, « seixo boleado pelas águas » , ediz- nos ser termo m inhoto. Em Arcozelo, conforme nota que dalime foi remetida, a palavra godos , com e fechado, aplica—se a uns
rôles de madeira, que se metem em canudos de lata term inadosem borda na parte superior , para neles se assentarem móve is ,acima dos quais se quere assim evitar que subam os ratos . Edigno de menção o termo.
golilh a, goela
O primeiro destes vocábulos é castelhanismo, goli lla, cujaforma antiga era goliella, de g ii le l la , dem inutivo de gula ; deque tamb ém procedeu O portuguê s goela, que lh e correspondena forma, não porém no signifi cado, e que, como s e Vê, se deveescrever goela com o, como antes sempre se fêz, e não guela
com u,como agora s e está ortografando erradamente , e com O
grave equívoco de poder ser lida a primeira sílaba como a deguerra,
isto é , s em se preferir o u . Efectivamente, é sabido quea u breve latino corresponde, tanto em castelhano como emportuguês , o ,
conquanto neste se pronuncie há muito como u ,
quando é átono. No B ras il , porém , conserva—se a d istinção en
tre o e u antes da sílaba predom inante .
Apostilas aos D i c ionár ios Por tugues es 5 13
golpelha, gorpelha, corbelha
O NOVO DICCIONARIO dá- nos golp elha como alterado de corbelha, e outro golp elha u u l p êc u la, « raposa »
O lobO mais a golpelha
Fizeram uma conselha
Nenhuma dúvida h á com relação a esta segunda golp elha,
como procedente da forma latina apontada. Examinemos a outra.
Golp elha, gorp elha,« alcofã o »
, parece terem—se confund idocom a outra golp elha, e é talvez essa a razão porque o latimc o rb i c u l a , deminutivo de c o rb i s , « cêsto »
, que deu a formaantiga corbetha, perfeitamente regular , produz iu O alótropo gor
p elha, com a singular mudança de c em g , e a mais s ingularainda de b em p ; permutação rar íssima, que nem mesmo é comparável a súp i to s u b i tum , pois aqu i as duas surdas s e tass imilaram ao mesmo gênero a sonora b
,concorrendo mais para
esta assimilação eufónica O ser O vocábulo esdrúxulo,e e b per
tencer , como o t,a sílaba átona.
Emoda, com referência ao enxoval da noiva, u sar—se a palavra francesa corbei lle ; e quando d igo moda quero dar a entender que o é na l inguajem avariada dos anúncios de mod istas emod istos , e na dos notic iaristas que Os arremedam , por galanta
ria, ou por ignorância.
Ora, corbei lle quere dizer em geral « açafate, cesta bastantelarga com pé »
, e não me consta que as noivas , para aparar as
prendas , ponham uma cesta a d ispos ição das pessoas suas co
nh ecidas .
Assim parece -me que p rendas , ou m imos ou enx ova l são
termos bastante fi nos para não causar vergonh a usá- los ; e se a
todo O custo querem falar num ap ar ad o r qualquer , chamem—lh eaçafate, para que toda a gente os entenda. É verdad e que Ofrancê s faz parte do curso d e instrução secundária ; mas Obrigat ório para todos por lei é sómente saber ler, escrever e contar
as
5 14 Ap osti las aos D ici onár ios Por tugueses
em português , visto ser esta, por emquanto, a língua da nossaterra.
Espécie de tambor ou batogue [ g. v.] na África OrientalPortuguesa :— « O goma e o cinzete são feitos de madeira, deforma cyl indro
—conica, e com tres pés , cobertos só de um ladocom pelle de bufalo, veado ou lagarto, e afinados por meio depequ enas pelas de borracha, que s e fazem adh erir á pelle ondesejam precisas . São tocados com as mãos e transportados ao pescoço do tocador » —1
CzEm que s e d iferençam então um do outro?
Arvore de Timor— « O regule bom . e' como a árvore degondão, que dá sombra e frescura » — º
gonzar
. Este verbo, derivado de goneo, ouvi- O a um oficial de ourives ,a qu em dei a consertar o fusilão de uma cadeia de relójio. Pre
guntando- lh e eu se teria de ser substituído por outro, respon
deu-me : « Vou ver se o posso gonear » : E na realidade gonzou—o,isto é , prendeu ou soldou uma parte do fusilão, junto a rosca, eque se tinha quebrado.
1 Azevedo Coutinho , A CAMPANHA DO BARUE EM 1 902, in « Jornaldas—Colonias » , de 19 de agosto de 1 905.
º J . Pereira Jardim , NOTAS ETHNOG RAPH IC AS SOBRE OS POVOS DET IMOR. in Portugál ia I , p . 356.
5 1 6 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
Se não é informação errada, por cop eyar , s ignifi ca aqueleverbo « lançar 0 arpen ao atum »
.
É termo algarvio, como quasi todos os referentes aquelapesca.
governado, governista
O primeiro dêstes vocábulos em j ir ia quere d izer armado »
« O Menezes , que não estava governado, isto é , que não tra
zia arma alguma comsigo
O segundo é u sado no Brasil com a signifi cação de « partidá
rio do govêrno » « Requerimentos envolvendo censuras passavam sem o menor protesto da parte dos governistas » —º
gozar, gôzo ; gôzo(s)
Parece averiguado, que a palavra gozar castelhana provémde ga u d i ar e gau d i um , sendo goce, antigo goee, um substan
tive verbal rizotónico. O português gozar é provável que procedade castelh ano, visto que ao au latino corresponde em portuguêsou
,oi (cf. cou sa, coisa c au s a), e O vocábulo nunca assim se
escreveu . O plural é góeos .
Quanto a gôeo, « raça de cães » , e étimo é go ti c um (c an em ),de que também se derivaram o castelhano goegu e, com O mesmosign ifi cado, e o catalão gos , cão » em geral . O plural de gozo,« cão »
, é gozos , e não, gozos .
1 O SECULO , de 10 de setembro de 1 900.
ª O ECONOMISTA , de 13 de junho de 1 883 , Correspondência particulardo Bio-de-Janeiro .
Ap osti las aos D i cionár ios Por tugu eses 5 1 7
gradura
Termo própr io da província de Trás- os-Montes , e qual seapl ica genericamente a toda a casta de feijão z— «Boa h orta'
Muita soma de feijão para verde , . e inda por cima mu ita gradura »
gramilh o, gramilo
Em C aminha e o « fech o da porta ». 0 NOVO D ICCIONARIO
rejista o vocábulo com a forma gr ami lo .
grané , grani
O NOVO D ICCIONARIO dá os dois vocábulos como tendo a
mesma signifi cação— « cavallo, égua » e diz- nos ser termo dej iria. E propriamente calão de c iganos alquiles , e O pr imeirodêles é o que quere dizer « cavalo » ; 0 s egundo é o femenino,« égua » : em caló gras te, pl . gr as te
'
s , fem . grasn i , pl . grasn ias .
É provável que O primeiro foss e mod ificado pelo segundo emportuguê s , e em caló ou d ialecto dos ciganos espanh ó is h á também o femenino de gras te, que é g rasti . O s mal se ouve , comono d ialecto andaluz do castelhano. No d ialecto dos ciganos romenos grasnel quer e d izer « poldro »
,e —u i é um sufi cso, com O
qual de nomes mascul inos se derivam outros femeninos . O pri
mitivo é gra, que quere d izer « bêsta »
gravanh a
Em C am inha e O nome que s e dá a « rama sêca dos pinh ei
ros ».
O REPORTER , de 1 7 de junho de 1 897 .
518 Ap osti las aos D icionár i os Por tugueses
graxa ; engraxar, engraxado
Em Lisboa signifi ca uma tinta preparada com que se dálustro ao calçado por meio de fricção com escôva. No norte queredizer « banha »
. Num sentido relacionado com êste último vemosO particípio engraxado, empregado por Antônio Francisco C ardim z— « trouxe o say uns [ livros] mu ito engraxados , parece estiveram ao fumo » isto é , « denegridos , çujos »
grejó : v . grijó
grelha, grelheiro
NOVO D ICCIONARIO marca a pronúnc ia grelha, que decerto é a normal , v isto aquele e proceder de i latino, c r atic u l a ; assim em L isboa deveríamos pronunciar grelha, isto é , gralha. O facto porém é que na capital toda a gente diz grelha, eJ . 1 . Boquete ass im O acentuou também º
. Deu- se pois a mesmaalteração de e em e, que se observa em enve
'
ja, antes , enveja .
A l íngua románica que possui palavra mais parecida com a
portuguesa, e da mesma orijem , e'
a catalã , onde se diz g raetlla(pron . grae
'
lh - lha) ; os castelhanos chamam- lh e p arr i llas .
Grelheir o é o Operário que tem a seu cargo as grelhas
« C ontinuam em greve os Operários grelh eiros » — 3
grêmio, grem ial
A palavra grem io, do latim gr em ium ,« regaço »
, não é já
u sada senão no sentido figurado de « corporação, reunião » e ,como hoj e se diz, clu be ou cas ino. O derivado gremial, em latim
BATALHAS DA COMPANHIA DE JESUS , Lisboa, 1894, p . 74.
º D ICTIONNAIRE PORTUGAIS -FRANÇAIS , Par is , 1855 .
ª O SECULO , de 28 de fevereiro de 1905 .
520 : Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
A palavra tem aspecto de germánica : em alemão gr imm, s ig
niti ca « sanha, raiva », em inglês gr im ,
«medonho ».
Ach illes h imself was not more grim and gory
E única esta forma em —ou para substantivos . J . Leite deVasconcelos eXplica
-a muito razoávelmente como orijinada'
numaforma latina g run s , masculino de g r ita , por gru(i)s , que tem a
mesma s ignifi cação, e compara- lhe dou s , do is ditos º
guadanh a: V. gadanha
gualdido, galdido, galder , galdir
Em castelhano existe um antigo adj ectivo particip ial ga ldudo,que tem a mesma signifi cação que O português g(u)aldido, Oqual deveria ter tido também a forma ga ldudo, e cuja term inação, própr ia dos particípios passivos da 2 .
ª conjugação, se mudou na língua moderna para —i (lo, que pertencia aos da 3
ª
cf. tido, dantes tendo, mex ido, dantes mex udo, etc .
Esta consideração leva—nos a supor que O verbo seria galder ,e não galdi r , derivado do vaSCOnço galdu ,
« perd ido » « Sar
d inha que O gato leva, galdida vai ela » — 3.
É possí vel também que o verbo em portuguê s pertencessesempre a 3 .
ª conj ugação, e em castelhano ã 2 .
ª
, como acontece ,por exemplo, com cai r , em castelhano caer .
Duarte Nunez de Leão adverte que é palavra grosse ira,
Lord Byron , DON JUAN .
REVISTA LUSITANA , I II , p . 265 .
Rifão .
ORIGEM DA LINGOA PORTUGUESA , cap . XVIII .
Aposti las aos D ici onár ios Por tugueses 521
que s e não deve empregar , e Bluteau , citando—a, repete a recomendação.
Se alguma vez foi u sado O verbo em outra l inguajem , ignoro—O
h oj e em dia o seu uso está l imitado ao particíp io.
guardanapo
No uso actual s ignifi ca uma « toalha pequ ena, que s e põe a
cada comensal , para êle se l impar ». Antes , porém , esta palavra
designava o que h oj e s e denom inalen ço de assoar , como se podever na rubrica da fala do pr ime iro frade , no « Auto das Fadas »(« sortes , fados » ) de G il Vicente :— «Assoa—se com o seu guar
danapo »
Anteriormente , no mesmo auto, na fala da Feiticeira, vemosO mesmo vocábulo, igualmente no sentido de lenço, ou pano
Isto é fers ura de sapoQue está neste guardanapo .
Bluteau dá desta palavra a etimolojia mais provável , guardae O francês napp e, que val e O mesmo que Toa lha, porqu e o guardanapo serve de guardar— « não só o vestido de quem come , mastambem a Toalha da mesa em que se come » e acrescenta— « Os Antigos , quando erão convidados a comer fora de suascasas , levava cada h um com s igo o seu guardanapo »
O que parecerá extraordinário e que ê ste vocábulo só sejau sado em Portugal , onde nunca a toalha da mesa se chamounap o ; e que, pelo contrário, os franceses lh e chamem ser viette,
s ignificando napp e na sua língua essa toalha. A noção, porém ,
de segundo componente está de todo perd ida, v isto que, comoexcepção aos substantivos compostos com o verbo gu arda,
no
imperativo, êste perdeu a acentuação própria no seu primeiroelemento. (V . guarda
-
peitos.
VOCABULARIO PORTUGUEZ E LATINO .
522 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
Pelas citações que fiz de Gil Vicente , e pela definição deBluteau , fi ca perfeitamente “ claro o modo de d izer assoe—se a esse
guardanap o, em que esta palavra tem a s ignificação de « lenço ».
Todavia, guardanap o j á tinha a mesma s ignifi cação especialque tem h oj e , por meados do s éculo XVI , Visto que o Padre jesuita Gaspar Barzeu , numa carta datada de 1 551 , referindo—s eàs refeições de rei da Etiópia, escreveu :— «Rl- rei em seu comernão tem nenh
'
ú modo de estado, está assentado em hu catre ouem b iia cadeira ras a de ferro euberta com hum couro, ou emc ima d e h íia alcatifa ; não tem m e s a nem cepa, Só mente húatrempem no ch ão e em çima b iia gamela de pao que terá 1 5ou 20 palmos de roda, e no meo tem b iia maneira d escudelas
do mesmo pao sem nenh fIa toalha nem guardanapo. Alimpão
hua mão com a outra » — 1
guarda—peito
É cons iderável e número dos nomes compostos com o imperative do verbo guardar , gu arda, e um substantivo aposto comoseu complemento obj ectivo. Nos nomes desta formação. tam fre
quente e ainda tam vivaz nas línguas románicas, cada um dos
elementos cons erva a sua acentuação própria, estando, porém ,
como é de regra nelas , o acento predom inante na sí laba tónicado s egundo componente . Excepções a esta regra, raras , comov imos em guardanap o, explicam—se pelo facto de se h aver perd ido a noção do signifi cado do segundo elemento. No prime irocaso devem escrever- se com l inh a d ivisória a mostrar a indepen
dencia manifesta dos componentes ; no segundo cumpre reunir os
dois elem entos , s em a linha, em uma só palavra, com um único
4 in MISSõEs DOS JESUITAS NO ORIENTE , L isboa, 1894, p . 106.
Completei as abreviaturas, desuni as palavras, e fi z duas correcções evidentes, raza e meza para r as a e m e sa.
Os textos transcritos foram visivelmente mal copiados.
524 Ap osti las aos D icionár ios Por tugueses
« no gueiro (casa onde os rapazes e assicanas [raparigas], sereúnem para dorm ir)» ª
.
Etermo da África Oriental Poruguesa ; na citação refere- sea Marromeu.
guilhoch e, gu i lhote, guilhoche, guilhoch i
O NOVO DICCIONAR IO incluiu O vocábulo francê s gu i lloche,ortografado a portuguesa, e no Suplemento declarou preferí velgu i lhoche. Eesta, na real idade , a forma usada pelos lavrantes eourives , e designa um desenho formado pelo cruzamento de linhas paralelas , com outras igualmente paralelas , espécie de en
xadrezamento z— « Ouro gravado a gu i l h o c h e, prata gravada a
gu i l h o c h é » — º
Este substantivo não é mais que o particípio passivo do verbogu illocher , a que se atribu i or ijem h istórica, o nome de certosuj e ito, de apelido Gu i llot, que parece ter s ido inventado paraO caso 3
O desenh o ass im formado não se chama em francês gu i lloche,mas sim , gu i lloch is .
guinda : v . ginja
Na Índ ia Portuguesa bacia de lavar a caraO termo, segundo Monsenhor Rodolfo Dalgado é marata, e
1 JORNAL DAS COLON IAS , de 30 de maio de 1903 .
”2 PROGRAMA DA EXPOS IÇÃO DE OURIVEz ARIA DO PORTO , in C om
mercio do Porto de 7 de março de 1883 .
3 Henr ique Stappers , D ICTIONNAIRE SYNOPTIQUE D'
ETYMOLOG IE
FRANÇAISE, Paris, ed. , n .
º 4938 .
4 REVISTA LUSITANA , VI , p . 8 1 .
Aposti las aos D ic ionár ios Por tugueses 52 5
também dravid ico, canarim ou tulo. No D icionário Marata—portugués de Suriají Ananda Rau, a palavra G iND í, em devanágrico,
sem transl iteração, e que transcrevo para aqu i, tem a seguinte
defi nição, que pouco se coaduna com O d ito emprego do vocábulo :—« Vazo da agoa, uzado para trazer agoa sagrada. E vazo deb ar r i ga grossa, e p e s c o ç o e boca estreita e pequena. 2 . Assimse chama tambem a um vazo da fi gura de bule » Estranhadefinição ! Há d e ser caso d ificultoso o lavar- se alguém num bule ,ou numa garrafa, aparelho só comparável aos lavatórios usadosnas h ospedarias russas , e que são excelente fábrica de galeirõesna testa, quando não de quebrar cabeças . Não teem válvula na
bacia, que está munida de um orifíc io, O qual , posto um pé emum pedal , na base do lavatório, despeja continuamente a águaque dentro lhe cai de uma bica, a altura do nariz de uma pessoaque esteja de pé : C urvada a pessoa, basta—lh e levantar a cabeçapara apanhar na testa um beijo da bica, que lh e pode deixarmemória perdurável do esqu is ito invento. Agradável surpresa,que ali espera o v iandante !
guirlanda, grinalda
A forma prim itiva dêste vocábulo deve ter s ido a pr imeira,que, como vamos ver , ainda subsiste ; a s egunda é resultado deduas metáteses acumuladas , gu i r para gr i e —lan para —nalO vocábulo parece ter vindo para as outras línguas románicasda forma italiana gu ir landa,
de or ijem germánica, ainda não
perfeitamente explicada.
Tem esta palavra, já numa, ja noutra das formas apontadas ,
várias acepções .
Eis aqui uma, que não está res tadaz— « Nas gu i r lan d as
Sur iagy Ananda Rau , D ICCIONARIO MARATHA- PORTUGUEZ , coordenado conforme O D i ccionario maratha—inglez de J . I. Molesworth , t. 1 [e único] ,Nova Goa, 1 879, p . 3 14 , col . I II .
526 Aposti las aos D icionár ios Por tugu eses
[cabides e estanh eiras] lá s e veem [vêem] os s erviços d e cobre ,arame , estanh o, ferro e barro »— 1
guisa, guisinh o
O primeiro dêstes dois nomes de aves e na Madeira (PôrtoMonis), aplicado ao regu inho (g. o segundo ao abibe, (tr ingau an el l u s ,
habitat
Este termo, que do francês adoptámos , é o latim h ab i tat ,
3 .
ª pessoa do presente do indicativo do verbo h ab i tar e , e sig
niti ca,portanto, « habita »
.
É u sado moderníssimamente para designar a vivenda habi
tual de uma espécie , vejetal ou animal :— « O cavallo, gabadopor Plinio . pertence ao type galliziano, cujo h ab i tat com
preb ende todo o noroeste da península [Hispánica] — º
C om vantajem seria substituído por vivenda êste extrava
gante nome , que só tem em portuguê s outro análogo, tamb émforasteiro, d e fi c it , e não menos arrevesado.
hag i , axi, hagiaco, aa co, axiaco
C onquanto, sem dúvida nenh uma, 0 h seja redundante , e a
segunda escrita, que aqui dou, s eja a única certa, como maisadeante indico, trato da palavra nesta altura das APOSTILAS ,porque ass im a vejo escr ita no texto com que a abono, a « Rela
José da SilvaPic ão , ETHNOGRAPH IA DO ALTO ALEMTEJ O , in P o r
tu g al i a , I , p . 538 .
º Alberto Sampaio , As « VI LLAS » DO NORTE DE PORTUGAL , in P o rtu g á l i a , I , p . 1 1 7 , n .
1.
528 Ap ostilas aos D icionár ios Por tugueses
de Aníbal Ech everria i Reyes , VOCES USADAS EN C HILE talvezporém se
'
guiasse pela falta da acentuação devida, no enorme car
tapácio de Mascarenhas Valdez 9. O que não tem justifi cação
possível é a extravagante pronúncia do a: como cs , . que lh e prescreve , sem mais razões , e como s e a palavra fosse latina ou grega,O C ONTEMPORANEO , com a mesma competênc ia e autoridade comque nos diz que gu ta
-
p er cha (g. v . em cauchu) se p ronunciagu tap errca ou an te s gu ta- p e rk a
DO vocábulo aji derivaram os americanos ajiaco, que Ech everria no mesmo vocabulár io define como gu isado popular
O Padre Gaspar, na sua curiosí ss ima « Relação », acima c i
tada, já dá a palavra, algumas l inh as depois , a forma escritahag iaco :
—« antes nas ceas se carrega tanto mais a mão emalgumas partes , que O ordinário guisado que nellas fazem , pele
muito h ag i que leva, tomou delle o nome , e se chamaH ag iac o ;
e então se de itam a dorm ir mu i consolados em suas camas , quas idebaixo da Linha Equinocial , como se h ouvessem de dormir aosereno debaixo dos Polos »
Este vocábulo francê s, a ser necessário cá , deve escrever- secom e h inicial , emquanto s e conservar esta letra etimolójica,nula para a pronúnc iaz
— « Deu entrada no m inister io das obraspublicas o proj ecto e respectivo orçamento para a construcçãode um augar , para recolh er as mach inas e alfaias de lavoura a
vapor »— 3. Poderia d izer—s e bar ra cã o, trap i che .
Quanto a acentuação augar , dada pelo NOVO DICCIONARIO , óerrónea, pois os vocábulos franceses teem tod o s O acento tónicosôbre a última sílaba pronunciada. A orijem germánica do vocá
bulo francês é já muito desviada, h an g e n , pender », em alemão.
Santiago de Chile , 1 900.
º D ICC IONARIO ESPANOL- PORTUGUES , Lisboa, 18643 O ECONOMISTA , de 10 de feverei ro de 1889.
Apostilas aos D icionár ios Por tugues es 529
haplolojia
Este termo, artifi cialmente formado de dois vocábulos gregos ,“APLOS « s imples » e LOG OS « doutrina »
, quere dizer « s impl ifi cação »
. Dá- se ê ste nome ao fenómeno que se produz nas palavrasque teem duas sílabas de idéntica estrutura, as quais s e reduzema uma só , por brevidade na elocução. São exemplos dêste fenómeno em latim nu tr ix por n u tr i tr ix , e em portuguê s idolatr a por idolo latra bondoso por bondadoso, d e bondade mais Osuficso —oso, etc .
harém
Esta palavra é de orijem imediatamente francesa,como O
prova a acentuação que lh e damos ; se proviesse d irectamente doárabe HaRaM, seria farme, ou fáráo ; ou , s e de introdução secumdária, (h)ár em ,
ou (h)áráo.
Os vocábulos arábicos ex istentes em português foram neleintroduzidos em três épocas diferentes , e obedecem por isso a
l eis d iversas de trans crição :1 .
º Período, p r im á r i o s : foram recebidos aurrcularmente eencorporaram
- se na l íngua, acomodando- se- lh e na pronúncia, a
qual é representada como a das'
outras palavras portug uesas .
Séculos'IX—XV .
2 .
º Período, s e c u n d á r i o s : introduzidos pelos escritores , emais ou menos metód icamente transcritos , ou mesmo transli
terados , conforme O valor das letras no alfabeto português .S éculos XV—X IX .
3 .
º Período, t e r c i á r io s : cop iados de transcrições ou transliterações estranjeiras , s em consciência dos valores das letras , eflutuantes na sua escrita. Século XI X , e continua ! 1 .
1 V. do autor : DEUX PAITS D E PHONOLOGIE HISTORIQUE PORTUG AISE , Lisboa, 1892 , p . 10 e 1 1 .
3 5
530 Ap ostilas aos D icionár ios Por tugueses
have res
Este infinito substantivado no plural , além de significar « pos
s es , bens » , tem o sentido especial , popular , de « tesouros ocultos » « O povo acreditava que procurávamos haver es escon
d idos » — 1
h axixe
Eesta a forma portuguesa, ou se quiserem an ime, da palavraarábica HaXIX, que quere d izer uma casta de cánave, que os pre
tos da África Oc idental Portuguesa ch amados ambundos denominam liamba, e que é inebriante , quando fumada. Os francesesescrevem hach i che, os ingleses hasheesh , e os alemães hasch isch .
V . em harem.
Assim s e deve acentuar esta palavra, que também se escreveh eg ir a, e poderia ortografar
- se e'
jira ; em árabe é EGRE,com /i
sonoro inicial , que aqui transcrevo por E : quere d izer « fuga ».
A pronúncia ejira, é francesa. Mármol , Rebelión de los Mor is
cos , escreveu h ixara z h ixara 9.
Este vocábulo pertence aos fi ns do 2 .
º per íodo a que me ré
feri em harém.
h erdade
Assim é definido ê ste termo, com relação ao Alentejo z— « Os
campos do Alemtejo, áparte os arredores das povoações , são, na.
1 P o r t u g á l i a , I , p . 1 3 .
º V. Dozy y Engelmann ,GLOSSAIRE DES MOTS ESPAGNOLS ET POR
TUGAIS DERIVES DE L 'ARABE, Leida, 1869.
53 2 Aposti las aos D i czonár tos Por tugueses
corrigir o êrro ; e se qu isessem obra mais autorizada, ao lançaremuma vista de olh os para o D icionário Geográfico
'
de V ivien deSaint—Martin que não é nenhuma obra rara, desfar
—se—ia o en
gano com muita facilidade . Aqui fi ca emendado.
Quem tiver curiosidade de se informar mais a prece ito dalíngua que falam os h ereros , e que não é castelhano de Ávila, podever com mu ito proveito um volum ito da colecção Hartleben º
,
escrito por A. S e idel , onde encontrará gramáticas das línguasoch iherer ó e ox indonga, ambas cafriais .
h etera
É u so escrever êste vocábulo heta 'ir a,e hetazm , de que re
sultam as pronúncias , errôneas ambas , etáim e etaz'
m .
O vocábulo é grego “ETAÍRA, profer ido hetáim , presumível
mente , no grego antigo, ete'
m,no moderno . Em latim seria
h e tae r a, pronunciado ete'
m , s e existisse ; mas o que ex iste éum derivado h e tae r ia , pron. etár ia, correspondente ao grego“ETAIRÍA,
« confraria relijiosa ». Ora, assim como do latim
Sph aer a l grego SPªAÍRA, se formou em português esfera e em
francê s Sp her e, é evidente que em português de h etae ra resulta(h)etém , e em francês deveria ter resultado hetaz
'
re, sem ápicesno i , ou kete
'
re, e nunca h etaír e, que é um barbarismo . Pa
r ece—me loucura rematada im itar , por caprich o, o barbarismofrancês .
H eter o quere d izer actualmente cortesã , prostituta de altocoturno com sua côrte de basbaques, os quais lh e rendem culto,ou lhe pagam o estadão, conforme as suas posses .
D I C TIONNAIRE DE GÉ OGRAPH IE UN IVERSELLE , 1879- 1899, I I,p . 672, col . II I .
º Lipsia-Viena—Pest.
Ap ostila s aos D i cionár ios Por tugueses 533
h omem
No calão dos lad rõ es do Pôrto esta palavra, seguida de umepíteto, , classifi ca os am igos dos haveres do prossimo, pela s eguinte mane ira : homem de cardenho, gatuno de casas homem
de golp e, « gatuno d e algibe iras » ; homem de sa lto, « ladrão deestrada
h omeótrOpo
É um neolojismo, d erivado artili c i'
al do gregoºomoíos , « se
melhante », e TRÓPOS , « maneira »
.
Serve o termo para designar o que eu denom inei fo rm asc on ve rjentes , isto é , uma só forma resultante , em v irtude deleis fonéticas , de dois ou mais étimos d iferentes , como p en ade p e nna e p o e n a,
latinos , v indo ,das formas antigas vi lão e
c uªndo
, a pr ime ira particíp io pass ivo, a segunda gerúnd io do
verbo vi r, antigo v i zir . O fenómeno contrár io denom ina- se al ó
t r Opos , ou form as d iv e rjen t e s ,quando d e um só étimo re
sultam vocábulos d ive rsos , d iferençados , ou não, no sentido, emv irtude de leis d iferentes de acomodação, ou porqu e entraramna língua em períodos d istintos ; por exemplo , ma lha ,
man cha,
mágoa , mácu la, todos quatro proced entes do latim m acul a .
V . a palavra moleiro .
bompim
« Nova Goa, 29 de setembro [d e Os parias ou
h onp insj s ic] , que fazem os despejos e outros m isteres identicos ,casta completamente separada de todas » — ª
O ECONOMISTA , de 28 de fevereiro de 188 -5.
ª O SECULO , de 2 1 de outubro de 1897 .
534 Ap osti las aos D ici onár i os Por tugueses
h orda
Esta palavra ve io para português do francês , que a recebeu ,
segundo se afi rma, do mongol , ou l íngua tartárica dos mogores .
Marcelo Devic diz—nos ser tártara, e que em turco é ordu , O quenão explica por que razão se ha de escrever com h inicial ; êsseh em francês serve só para evitar a l igação com a palav ra precedente , pois s e diz la horde. e não Phorde.
Deminutivo de h ôr to.— « NO h ortejo que cerca a casa um
terreno diminuto—« Quando O h ortejo s e redu z a proporções m inimas , toma
o nome de qu in choso » — º
buch a: v . ichão e ucha
h óspede , hospeda
C ontra a regra geral dos adj e c ti v o s em —e, que são uni
formes , os sub stantivos estão suj eitos a muitas excepções ; assima palavra h ósp ede forma o femenino em —a s —«Esta conta era
feita sem óspeda » — 3. Os ed itores aclararam êste passo do R0
TEIRO DA VIAGEM DE VASCO DA GAMA com a nota seguinte— « d eterm inar uma cou sa que depende do consentimento ou
vontade de outrem »
Po r t u g a l i a ,I, p . 206 : As OLARIAS DO PRADO .
ih .,p . 547 : ETHNOG RAPH IA DO ALTO ALEMTEJ O .
ª L isboa, 1 861 , p . 100.
536 Ap osti las aos D ic ionár ios Por tugueses
« O fim das h u l h e i r as [minas de carvão de pedra] »Os jazigos h u l h ei r os reconh ecidos neste paí s » —º
C omo ja advertiu Dozy 3com respeito ao castelhano, esta
palavra passou as línguas da Península H ispánica por intermédio do francês hou r i , e assim muitos a escrevem cá, supondoinjénuamente ser pur í ssimo árabe . O facto é que, em conformidade com O que nos d izem O mesmo Dozy e Marcelo Devic 4
, o
árab e HaURA, que dar ia em portuguê s hau rá, ou melh or fou rá,
é O nome que dão a uma das m ulh eres do paraí so de Mafoma ;O plural é HUB . Dêste plural fi zeram os persas HURI , acresceutando—lhe O sufi cso de unidade , e assim aumentado passou O vo
cabulo ao turco, r egres sando ao depois ao árabe , que lh e ajuntouo
.
seu sufi cso própr io de unidade E, formando HURIE, pronunc iado
h u r ia, que é j á a forma empregada nas MIL E UMA NOUTES.
Em português podemos pois escrever hu r i, ou hu r ia .
h urrá
Esta interj eição veio do francês hou rr a, para O português dagente fina, porque O povo a não conh ece . Está muito em modanas saudações e
'
saúdes , em que é repetida com uma sensaboriacosmopolita, que produz téd io. Não creio que jamais venha a
vulgarizar—se.
Os franceses d izem que ela lh es veio da Rússia, não com Oenjoativo caviar , mas provávelmente por intermédio das tropas
º ECONOMISTA , de 1 8 de ju lho de 1 885 .
3 GLOSSAIRE DES MOTS ESPAGNOLS ET PORTUGAIS D'ERIVES DE
L 'ARABE, Leida, 1869.
4 op . ci t.
Aposti las aos D ici onár ios Por tugueses 5 3 7
moscovitas que com os aliados entraram em F rança e ch egaramaté Paris , após O destronamento de Napoleão 1 .
Existe de facto em russo a interj eição u rá,a que se dá como
orijem a expressão exclamativa u r a i,
« no paraí so », étimo im
provável , v isto “
que, exijindo a preposição u genetivo no nomeque rej e , a exclamação deveria ser u ra ia, e não, u ra i no
acusativo.
C omo na palavra horda (q não é fácil de expl icar a ini
c ial h , que os franceses lh e acrescentaram e não soa, mas que os
ingleses na realidade proferem .
É claro que esta interje ição nada tem que ver com 0 substantivo u r r o, dO verbo u r r ar 2 u l (u )l ar e (u r la r e u r lar),
u r rar, por assim ilação . DO verbo latino u l u lar e talvez também
proviesse , como forma diverjente, u ivar , em castelhano au llar ;
cf. O francês hur ler , que tem esta orijem.
540 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
alcançar
C onforme R . Menéndez Fidal 1 , é a comb inação, ou como lh echama, fu s ã o de i n c a lc ea r e , por a d ca lc ea r e , de que resultou p rimeiro an calçar , e depois a lcan çar , em vi rtude de metatese entre 0 Z e O n . Da forma i n ca lc ea r e proveio O substan
tivo rizotónico encalço, como o vemos na locução portuguesai r no en ca lço de a lgu ém ,
substantivo que pressupõe a'
existénma
de um verbo encalçar , j á rejistado por J . 1 . Boqueteº em por
tugues , mas que do mesmo modo ex istia em castelh ano.
alcorão, alm inar , almenara
Eis aqu i uma abonação bem caracterí stica da palavra alcorã'
o
no sentido de « tôrre » « para O sul da barra princ ipal , quech amam do Alcorão, por razão d e uma tôrre ou piramide alta
que parece serve de d ivisa para conh ecimento da barra » —3.
Os espanh óis ch amam a lm inar,em português almenar a, ã
tôrre da mezqu ita. V . ORTOGRAF I A NACIONAL 4, a propós ito de
minarete e a lmenara (q.
V . também dois artigos publicados na fôlha l iterária do jornal SECULO pelo snr . David López , e um
”
por m im ,nos d ias
26 d e março e 9 e 23 de abril dêste ano.
João C arvalh o de Mascarenhas , na NOVA DESCRIÇÃO DA CIDADE DE ARGEL ch ama- lh e s implesmente tôrr e :— « Ha
verá dentro nesta c idade mais d e cento e dez mezquitas bemlavradas , limpas , com suas alampadas e este iras . Entre as quaesh á oito grandes que tem suas tôr r e s mu i altas »
MANUAL ELEMENTAL DE GRAMÁTICA HISTÓRICA ESPANOLA ,
2 .
ªedi ção , Madr id, 1 905 , p . 123 .
º D ICTIONNAIRE PORTUGAIS- FRANÇAIS , Par is , 1855 .
ª Antônio Franc isco Cardim , BATALHAS DA COMPANHIA DE JESUS,
L isboa, 1894 , p . 158 .
4 L isboa, 1 904 , p . 224 e 3 3 4.
Apostilas aos' D ic ionár ios Por tugueses 541
alia, álea, aléa
O Padre Manuel Bernard ez na « Descr ição da cidad e de C Olumbo » (C eilão) usa a forma a lea — «Em lugar de
'
azemolas seservem de al e as . Alea é todo O elefante sem dentes , quer sejamach o, quer s eja femea »
Mas , gdeve ler—se alea, ou alea ?
alquilar
J . C ornu deriva a lqu i lar de e lo c a r e ,med iante prolepse , ou
resonancia antecipada do l. De e lo ca r e veio com certeza alu
gar , com mudança do e inicial em a e sôbre esta preferênciad e a como inicial veja—se também do mesmo romanista a uti
líssima Gramática h istórica portuguesa (GRAMMAT IK DER PORTUG IESÍSC HEN SPEAC HE, i n « Grundriss der romanisch en Ph ilolo
gie p , I , Strasburgo, 1 906 , paj. 980 e
Dá—se êste nome a uma extensão grande de areal , poeirenta,no distrito de Leiria, Alva d e Pataias . Esta fregu esia é notávelpela quantidade enorme de fornos de cal que al i trabalh am ª
bailadeira
Eis aqu i uma abonação clássica do vocábulo — « não poucasbailadeiras que os Pagodes para êste effeito [d e solenidad es rel ijiosas] sustentam — 3
1 in B IBL. DE CLASSICOS PORTUGUEZES , vol . XLI , p . 79.
ª Informação do snr . Acácio de Paiva, natural de Leir ia.
3 Padre Manuel Bernardez , Descr ição da cidade de Columbo in BIBL .
DE CLASSICOS PORTUGUEZES , vol . XLI , p . 107 .
542 Aposti las aos D i cionár i os Por tugu eses
bisalh o (biselho)
A pájinas 1 51 apontei o vocábulo biselho, com a resp ectivaabonação. Parece—me , porém , que há êrro tipográfi co, e que a
forma verdadeira é bisa lho, que Bluteau , no seu VOCABULARIO,
definiu do modo segu inte :— «He um atado, em que vem da
Ind ia partida de d iamantes brutos » A palavra figura emquasi todos os d icionários portugueses , ora escrita com s, ora
com z , e e stá autorizada por mu itos escritores nossos , entre osquais citarei aqui Bernardo Gómez de Br ito, « Memorável relação da nao C onceição »
, p ass im , e nomeadamente a pájinas 3 9
(vol . XLVI I da BIBL IOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES): por
que naquella nao vinh am infinitos diamantes , e todos mu ito bons ,e os mais delles de r o c a v e l h a . E por ê ste r espeito de h avermuitos . empregaram os me rcadores quanto d inh e iro tinh amnelles , mandando- os naquella nao, os quaes vinh am entreguesaos Ofli c iaes : elles os coseram cons igo cuidando de os es capar , edesta mane i ra deram os mouros com elles , tomando ao p ilotogrande quantia de b isalhos mais que a todos »
bruxa
Em abono da h ipótese que formule i de que haja relação entreO vocábulo bru xa e O verbo br ux u lear , como d enominações vulgares dos fogos fátuos e do seu aspecto, aduzirei aqu i um passointeressante da ETIÓPIA OR IENTAL de fre i João dos Santos :—«AO longo do rio de Çofala e d e C uama se cr iam inti nitos bi
ch os como escaravelhos pequenos , cujo rabo lh e luz de noitecomo brasa viva, dos quaes tambem h á neste reino. Estes , tantoque vem a noite , se levantam em bandos pelos ares , e são tantos ,que alumiam quasi todo o ar , e fazem espanto a quem não tem
notí cia do que isto é , como eu sei que ti zeram a certas pessoasestrangei ras nestas terras , uma noite escura que dorm iram ao
5 44 Ap osti las â tos D icionár ios Por tugueses
cuadas en boca de gente vieja ó aldeana. YO desde mi infanciasiempre oi como formas corriente s las con n »
Á definição dadano texto cumpre acrescentar : « de ouro, deprata » ; aos canudinh os de v idro dá—se de preferência O nome dev idr i lhos .
Em ESpana a palavra canu ti llo ab ranjo todos ê sses signifi cados , segundo também me informa O mesmo douto romanista.
ch upão'
O NOVO DI C C IONÁRIO h av ia já reji stado ê ste nome da cha
m iné no Alentejo, como também próprio de Trás—os—Montes .Não resta a menor dúvida de que é igualmente conh ecido O
te rmo com tal s ignifi cação no norte do reino, visto que essaacepção serve lá para metafóricamente designar O ramo do cas
tanh eiro que cresce verticalmente , como s e vê do seguinte passo— « uma poda que [aos castanh eiros] lh es tira tôdas as vergouteas nascidas no pé e ao longo do tronco, assim como os ramosmal s ituados e os que crescem a prumo (chup ôes), que absor
vem mu ita nutrição » (GA ZETA DAS ALDEIAS , de 20 de maiode
cigano, cigana
As formas portuguesas dêste nome étnico teem , sôbre as
demais u sadas por outras nações , mesmo em relação a sua escrita, a vantajem d e ser as latinizadas , empregadas por autoresque escreveram
”
em l atim , como vemos dos trechos seguintes« populos Egyptiacos ut vulgariter appellantur C igan o s« multa al ia Sim il ia officia et servitutis m inisteria Obeunt C in
1 Matias Corvino c itado por P . Hunfalvy, na sua memór iaETWAS ÚBER D IE UNGARISCHEN Z IGEUNER , in Actos du h uitieme congresinternational des Orientalistes I I Partie, p . 1 13 .
Ut
Apostilas aos D i ci onám'
ow rPor tugueses
gani et C inganae » O segundo trech o é extraído da relaçãode um m issionário italiano (1 679)A forma espanh ola gi tano, foi u sada em um texto castelh ano
do século XV II z— « si pecó Moysen en matar a un G itano » — º.
É evidente que neste passo g i tano quere dizer « ejípcio », e
não, « cigano
corpo- santo
É interessante esta referência ao fenómeno « no meio destaagonia e aflição nos apareceram umas candeinh as que todas foramvistas pelas vergas e mastros , e bordos da nao ; ao que, segundoos marcantes , chamam o C o r p o—S anto » — 3
Neste artigo interpretei a denom inação tOponímica, ord ináriamente escrita Avel—o—mar
,como sendo A—vê—lo—mar , o que já ti
zera na ORTOGRAF I A NACIONAL 4. O snr . Alberto da C unh a
Sampaio, na sua erudita monografia AS POVOAS MARÍTIM AS DONORTE D E PORTUGAL , desfaz a minha conj ectura, que se fundara naquella escrita u sual , declarando Na ortografia
de «Abre—mar » O erud ito autor [José Fortes], abandonando a
dos letrados « A- ver—O—mar », ou «Avê—lo-mar »
, preferiu a l içãodo povo, que pronunc ia do primeiro modo com o sentido clarode « Abra- do—mar »
, angra ou barra » — õ
F ica ass im feita a correcção, que não contende com a dou
trina do artigo.
i h .
, p . 99 .
º REVISTA LUSITANA ,vm , p . 264.
3 Henrique D íaz , « Relação da v iagem e naufrágio da nao Sam Pauloin B IBLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES , vol . X LII , p . 65 .
ª L isboa, 1904 , p . 2 10.
5 in P o r t u g a l i a , 214 , nota3
5 46 Aposti las aos D ic ionár ios Por tugueses
Al ém de mealáo, pode também usar—se medo comofêz Jerónimo de Mendoça, na sua Jornada de Africa » e deixando mui depressa a cova, s e subiu por uns medos de areia
Um amigo da Estremadura eSpanhOla, província de Badajoz,diz-me que é ali vulgar o vocábulo canafote, em vez do cas
telhano comum langos ta ou saltamontes,para designar O ga
fanhoto ou saltão . NO'
Vocábulo estremenh o deu - se pois ali a
metátese das consoantes das duas primeiras sílabas , ganafote,por gajanote, e ao d epois a contaminação da palavra cana,
cana », em virtude da qual O g inicial passou a c .
Neolojismos individuais são com certeza gafei r ar e gafeiraçã o no trech o seguinte :— « Póde vaccinar o resto do rebanho,[de gado laníjero] mas a vaccinação, ou, antes gafe i r aç ã o temquasi tanto perigo como a doença natural [bexigas]. Ha todaviavantagem em gafe i r ar » —º
É natural que a forma gajo seja derivada, por induçãoerrada, dess ªoutra forma gajáo, que parece , mas não é , aumentativa, e está mais próssima de gach o
'
n ; visto que no Brasil , conforme O D ICCIONAR IO DE V OC ABULOS BRAZILEIROS, do Vizcondede Beaurepaire—Rohan ,
de onde passou para O NOVO DI C C . a
explicação, ela é— « titulo obs equioso de que u sam os C iganospara com pessoas extranh as á sua raça.
'
Vl eu gagao equ ivale a
meu senh or , ou cousa semelh ante »
in B IBL . DE CLASSICOS PORTUGUEZES , vol . XXX IX , p . 1 7.
º GAZETA DAS ALDEIAS , de 3 de dezembro de 1 905 .
alforje : forjocoalfurja : forjoco
algoz : carrascoalguergue : arnó(s)
algu idar : aljofainaalicer ce : alfeçaalmatrixa : almandra
almazém : armazémalmeia : febraalmeice : atabefe
almeice : atabefe
almotolia : aljofainaalótropo h omeótrOpo
altesa : artesaaluguer : alqu iléalum iar : deslumbraralva : cam isaamasilho : artesaami císsimo : doci ssimo
amortiguado : apaniguadoan cho : cachoandoenças : endoenças
aneiro : cadaanjinho : alma—negraanta : dólmem
anuduva z adua
apanhador : chiscaapara : fitaaparador : apararapertar : entregar
Apocalipse : genesiapoquentar : boboapupo : cuqu iadaaquecer : caídaáqu ila : calambá
aquista : agui sta
5 48 Ap osti las aos,D i cionár ios Por tugu eses
-aria : faro
areado assorearareia : areísco
arenito : areisco
argola : armazémarma : armazémarmazenar : armazémarquinh a : ar cainha
arraia : achada ; arr ió(s)arraial , arraialeiro : arrió(s)
arranjar enjendr arArriaga : arrió(s)
asa—de—môsca : cágadoaspar : cabideassentodor : arrastoassuada : consoadaassueto : arrenegaastro , astroso : desastradoataCador : arrastoatambor : beteleatar : ápeto
atenazar : atazanaráugua : êaugar
au to : eito
avalanche : aludeaver iguar : apan iguadoavesso : envésavisso : ab ism o [Emendas]avistar : entrevistaavito : ancestralavó , avô : arr ió(s)axi , axiaco : haj iaxor ca : atabefe
amuar : enxovalazar cão : atabefe
azeirado campa
Ap osti las aos D ici onár i os Por tugueses
azevo , Azevedo : azevinhoazinho : azinh agaal ongar : avelar
azougue : açougueAzoia : Fu rada
bacalaiba : bacalhaubacharel : bacalhaubaço : bubelabácu lo : bagoBadajoz , Bodalh ou ce : aragoêsbadejo : bacalhaubo
_
go : desastrado ; espigabajular : baboujarbalde (de) : balãobangue : chambobaobab : embondeirobarata : carochabarba(s) : b igode ; cani cinh obaroque bar rocobarraca : esperabarranco : barro cobarreirento : bombobarr il : canecobastarda : ginetebastos : sacobatata : sem ilha
batota : b ilhafre
bebedouro : arrastaBelcou ce : alcoucebeli che : cámarabem -aventurança : êaugarberjaçote coti o
berrão : bilhafrebesco : bescatebêvebra : baforeira
bi belot : br in coBié : baru ista
bilro : espirrobiombo : bonzo , cágado , dáim iob iscainho : euscaldunacb isco : biscatobiscouto : galhetabispo : bubelabobeche : aparadeiraboccarra : cangarra
bodega : adegabodum : faro
bogalh o : b ogach o
boêmio : ciganobofetada : galh etabotanga : chi labolacha : galhetabolota : bejogabondoso : haplOl Ia
bonzo : dáim iobordão : burroborracha : cau ch u , cernebote : batelbotequim : adegabovina : chacinabraga : cal ceta , cani cinh o
buçal : buçobuena arrenega
buhoner o fofarinh eir o
buj io : burrobul e : chábus : chusbuz br uços
550 Aposti las ao ; D i cionár ios Por tugueses
cabaça : afogarcabana : covacabano : covacabeludo : deúdocabi llau bacalhaucabo : caudelcachimbo : cachimbacacho : cau chucachorro : burro , cachocaco : cachocaçoula : caçocadaneiro : aneiro , cadacadeia : calcetacaiota : ch ilacaipora : bruxacaixote : assobioçalamaleque : çambu ço
calambuco : calambácalão : bastecalças : bragascaló : calãocambas : cantadouracamvê : azeitecanastro : espiga, esp igueirocancela : escancararcancro : escancararcandeia : fachocandeeiro : castiçalcanela : bacia ; cadelo ; escancararcangalhas : gafecangosta : congos taCango -Ximá : bonzocanhamaço : belh ó
cánhamo cánave
caniço : canastro , espigacanivete : crabelinacanoa : banheirocantaria : arei scacão : burro
caou tchou c : cauch ucapa : coroça ; dáimio
çapata : bragacapitel : apanha ; caudelcara : carrancacaramol : clamorcarap inteir o : algaravia, carabel ina
carcaça : canastrocaranguejo : escan cararcarapau : ch erelocarcunda : calombocarda : aselajemcardeal : bacalhaucárdeo : avergoar , encardircardir : encardircargo : charolacar idoso : bondosocar imbo : calombocarmear : carrapiço
carpela : escar(a)pelarcarrejar : acarrejar
Cascais : Furadacassungo : almandrilhacastanha : azinhagacastanhola : batatacast-ão : gastãocastelh ano : aragoês
caudelcastro : citaniacatana :" cágadocátaro abafador
552 Ap osti las aos D i cionár ios Por tugueses
cor : decorarcorbelh a : golpelha
cordão : carreirãocordeira : carapuçacordoeiro bacalhaucornicho : cabaçacornipo : galh ipo
coroça : bedemcoser : besouro , cozinhacotovelo : côvadocotovia : corjacondel : caudelcova : côvo , dõninhacôvodo : c ôvadocozedra : colchãocozer : besouro , cózinhacramação : clamorcramol : clamorcravina : carabelinacr isada : cuqu iada
cristão : abafadorcr ível : novelcuberto : cubrircucu iada : cuqu iada
cu idoso bondosocuradi llo avergoar , bacalhau
dádiva : datadebruçar - se : bruçosdeclareza : comparança
decoro : decorardedal : besouro, bondosodefesa : charabasco
êader éaugar
eagle-wood calambá
deitar alonje : aleixardeixar : desdeixadodente , dentista : absentistader vich e : daroêsdesabar : abadesaguar : êaugardescaída : caídadescarregar : carregardescr ição : discr içãodesenganado : desconfiadodesengonçar : escan carardesesperado : desconfiadodesesperançado desconfiadodesinfcli z : desastradodesinquieto : desastradodesmazelado : desastradodespojar : desbu lhardesvanécido : desmaiodeteúdo : deudodiálogo : datadi aria : geiradiscordar : decorardívida : datadivido : daúdodoçar ia : confeitodoce : colchãodois : groudonzela : doninhadose : datadugá avergoar
Apostilas aos D icionár io s Por tugues es
Eça essacguar iça : asneiraeiró(s) : arri ó(s)eixo : apanhaeji p c io : ciganoejitanato : ciganoem : faiançaem—ader : éaugarem—asprar : êaugarembor car : borcoembuçar : buçoemp ipa : embondeiroempreita : espreitarencabeçadas : desmocharencarriçado : carriçoencher : achar ; cachoencinzeirado : acinzeirado
encrave : en claveengadanh ar : gadanhaengalfinhar : gafaengalinhar : galinhaengaranh ado , engaranhi do : gadanh aengelhar : avelarengonço : escancararengraxar : graxaensogadura : cabeçaenteiro : faro
entrevado : arredarenveja : bõjo ; grelhaenxó : enxovalenxame : enxovalenxofr e : enxovalenxoval : golpelhaesbulhar : desbulhar
escam ecer : caçoescangalhar canga
fábr ica : cantigafabrico : escancararfacada : cuqui adafacho : facha
escano : escamel
escoítar : ascoitar
escumalha : ch ucharrâoesfera : h eteraesfregar : estregaresgadanhar : gadanhaesgu içar : es carçar
esgatanh ar : gadanhaesgram inhar : ancinhoesnoga : esm ola
espái ua : espadaespalda : espadaespatela : espadaes
'
pear : esp'
ar
'
espelho : desastradoespera : apanha, arrastaespeteira : estanh eira
esp igueiro : canastro , feno
esquecido : falaresquerdo : arr io(s)estadoal estatutár ioestanh eira : casaestantígua : bruxaestatu ra : estateladoestrêla : desastradoestro : desastradoexam e : enxovalexér cito enxoval
554 Ap osti las aos D i ci onár i os Por tugueses
fada : cabaça, fadofagueiro : afagar , escadafaia : fadofaiante : fado
falaises : arribasfalda : espada ; fraldafalante : falar a
faltriqueira : fraldafangueiro : fungueiro
farinha : cabeçafavaca : alfavaca
faxa : facha
fecha, fecho : data
feér i co ancestralfeijao : fradefeixe : faxafelpudo : deúdofêmea : deslumbrarfera : faro
ferreiro : hereroferro : campafevera : febra
feverei ro : febra
fiar : febrafibra : febrafidalgo : apani guado ; bondosofilho(s) : belh ó(s)fístico : alfôstigo
fi uza : desconfiadoflamengo : escaparatefogo
- fatuo : bruxafoguear : chupãofó l(e)go : carregarfolgar : carregarfor : decorarfrade : desastrado
fragueiro : fangueiro
framengo : escaparatefranganote : assobiofrecheiro : brejofreixeal : azinhagafrente : esteirafresa : fragar iafressura : forçura
fome: daim io
funil : candeiafurna : forno
fuseola : gastãofuso gastão
gaboná bacalhaugado : ganadeiro
gafanhoto : gafa
gafas : gafa
gafeira : gafa
galdi do : gualdido
galfurro gafa
gal inha : estou -fraca
galiziano : galego , gereziano
galo : frango
gana : esganar
ganhar : gadanha, ganadeiro
garimpa : gaiolo
garra : garroteia
garrote : garroteia
gastar : ei bo
gato ; burro ; carapuça ; gadanhagatum carapuça
ERRAT A S . ES SEN C IA IS
Erro Corr ec ç ãovocabulo
notabilíss imaex istenciainclu iudaquella
fron
trompetavin tem
longear renegada,
e p as s im, torquês
fruto evêmos
trouxemo—la
peoresseDI C TIONAIRE
quai scoxaarabicaTangere
vocábulonotab ilí ssi'maex istênciaincluiudaquelafromtrombetav inte
'
m
loh j earrenegada
turquês
fruto, _
e
vemostroussemo—la
p iorês seDICTIONNA IREquaiscoixa
aráb icaTánjere
Corr ec ç ã o
comopalabraC osic ap p e l l aquerevergaÉ termo
galináceoscotovelo,
de umaa u im e 11 porartifi cialcontraídoHartmannD ICTIONNAIREIgnoro
esp à ldeiráda
particularizarqu erelatino,
tam il