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63 UBILETRAS O Sítio de Maceira Dão: notas de investigação Mariana Pinto da Rocha Jorge Ferreira (Mestra em Recuperação do Património Arquitetónico e Paisagístico pela Universidade de Évora e arquiteta pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa) RESUMO A importância que a Ordem de Cister a todos os níveis assumiu e que, de certa maneira, continua a assumir é hoje plenamente reconhecida. São várias as inovações que esta Ordem introduziu e desenvolveu em diversas áreas, como a hidráulica ou a agricultura, e é extensa a obra edificada que nos deixou, desde o mais singelo apoio agrícola ou moinho até ao mais complexo conjunto monástico. Neste contexto, é sabida a importância que assume a implantação dos edifícios monásticos, em especial dos cistercienses, e já existem, em termos de investigação, algumas abordagens importantes à temática dos sítios monásticos, tanto a nível nacional como internacional. O mosteiro cisterciense de Santa Maria de Maceira Dão é assumido como caso exemplar no que respeita à sua implantação e é merecedor, sem dúvida, de investigação mais profunda a este nível. Assim, pretendemos lançar as bases de uma investigação sobre o seu sítio de implantação, contribuindo para um maior conhecimento do conjunto monástico e para uma reflexão sobre os sítios cistercienses e a sua conservação. Neste sentido começaremos por abordar a situação de implantação dos mosteiros cistercienses em geral e de Maceira Dão em particular. Depois centrar-nos-emos no seu sítio e nos aspectos que o caracterizam. E, no final, faremos uma pequena reflexão sobre a sua conservação. PALAVRAS-CHAVE Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Maceira Dão, Implantação, Conservação ABSTRACT e importance that the Cistercian Order at all levels took over and that, in a sense, continues to take today is fully recognized. ere are several innovations that this Order introduced and developed in different areas, such as the works of hydraulic and agriculture, and is very extensive the list of installations that left us, from the most simple barn or mill to the most complex set monastic. In this context, it is known the importance
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Nov 10, 2018

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O Sítio de Maceira Dão: notas de investigaçãoMariana Pinto da Rocha Jorge Ferreira(Mestra em Recuperação do Património Arquitetónico e Paisagístico pela Universidade de Évora e arquiteta pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa)

RESUMO

A importância que a Ordem de Cister a todos os níveis assumiu e que, de certa maneira, continua a assumir é hoje plenamente reconhecida. São várias as inovações que esta Ordem introduziu e desenvolveu em diversas áreas, como a hidráulica ou a agricultura, e é extensa a obra edificada que nos deixou, desde o mais singelo apoio agrícola ou moinho até ao mais complexo conjunto monástico. Neste contexto, é sabida a importância que assume a implantação dos edifícios monásticos, em especial dos cistercienses, e já existem, em termos de investigação, algumas abordagens importantes à temática dos sítios monásticos, tanto a nível nacional como internacional. O mosteiro cisterciense de Santa Maria de Maceira Dão é assumido como caso exemplar no que respeita à sua implantação e é merecedor, sem dúvida, de investigação mais profunda a este nível. Assim, pretendemos lançar as bases de uma investigação sobre o seu sítio de implantação, contribuindo para um maior conhecimento do conjunto monástico e para uma reflexão sobre os sítios cistercienses e a sua conservação. Neste sentido começaremos por abordar a situação de implantação dos mosteiros cistercienses em geral e de Maceira Dão em particular. Depois centrar-nos-emos no seu sítio e nos aspectos que o caracterizam. E, no final, faremos uma pequena reflexão sobre a sua conservação.

PALAVRAS-CHAVE

Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Maceira Dão, Implantação, Conservação

ABSTRACT

The importance that the Cistercian Order at all levels took over and that, in a sense, continues to take today is fully recognized. There are several innovations that this Order introduced and developed in different areas, such as the works of hydraulic and agriculture, and is very extensive the list of installations that left us, from the most simple barn or mill to the most complex set monastic. In this context, it is known the importance

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of the implementation of monastic buildings, especially the Cistercians, and there are already, in terms of research, some important approaches to the theme of monastic constructions, both national and international level. The Cistercian monastery of Santa Maria de Maceira Dão is assumed to be an exemplary case with regard to its implementation and is worthy, no doubt, for further research at this level. Thus, we intend to lay the foundations of a research about its local implantation, contributing to a better understanding of the monastery complex and a reflection on the Cistercian sites and their conservation. In this sense, we will start by addressing the deployment of the space of the Cistercian monasteries in general and Maceira Dão in particular. Then we will focus on its space and the aspects that characterize it. And in the end, we will make a brief reflection on their conservation.

KEYWORDS

Cistercian Order, Monastery of Santa Maria de Maceira Dão, Monastic Space Conservation

A IMPLANTAÇÃO DOS MOSTEIROS CISTERCIENSES

Em termos genéricos é sabido que a implantação dos edifícios religiosos, nomeadamente das Ordens Regulares, obedece, normalmente, a preceitos específicos. No caso da Ordem de Cister, a situação de implantação dos seus mosteiros é motivada pelos estatutos da Ordem na busca pelo ideal de retorno ao “deserto” e ao “trabalho físico” que inspirou as primeiras fundações (Cister: os documentos primitivos 1999 e Regra de S. Bento 1992). Assim, o Ora et Labora da Regra de São Bento, que conhecemos dos beneditinos, associado ao trabalho intelectual, é, em Cister, recuperado, no seu sentido original de trabalho manual, como elemento primordial na aplicação e no entendimento da Regra (RODRÍGUEZ 1998: 136-137). Por esta razão, a aproximação a qualquer mosteiro cisterciense, provoca um sentimento ímpar, onde a paisagem trabalhada durante séculos, mesmo que em estado profundamente alterado, reflecte sempre um modo de estar e uma vivência particulares. A importância do mosteiro, entendida como área de influência e de transformação da região de implantação, não reside somente no edifício monástico e na sua envolvente, mais próxima, mas também na teia de relações que se gera em torno do trabalho manual e da actividade agrícola (RODRÍGUEZ 1998: 142-143). Em termos ideais e falando sobre as casas masculinas, o mosteiro deveria estar suficientemente isolado para permitir o necessário recolhimento espiritual dos monges mas, ao mesmo tempo, ter na sua proximidade todos os recursos considerados necessários à auto-suficiência da comunidade, nomeadamente: a presença da água; a existência de condições para a prática agrícola; e os recursos de madeira, pedra e outros materiais na envolvente próxima. Na prática a situação desejada seria a de implantação num terreno de declive pouco acentuado, orientado a sul, com um curso de água em baixo e com os restantes recursos na sua proximidade (ASTON 2009; CARVILLE 1982 e MARQUES 2006: 11-30). Esta situação nem sempre se conseguia alcançar acabando por ser necessário, em certos casos, alterar mesmo a localização dos mosteiros, o que não era, de todo, invulgar, havendo vários exemplos nacionais e internacionais deste acontecimento. Numerosas razões justificavam estas mudanças como, por exemplo, a questão dos abastecimentos de

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água, condições climáticas e agrícolas pouco satisfatórias, acanhamento do sítio de implantação e, até, a ocorrência de inundações do local de implantação (ASTON 2009).

SOBRE A SITUAÇÃO DE IMPLANTAÇÃO DE MACEIRA DÃO

No que respeita a Maceira Dão, a sua origem é, como a de tantos outros mosteiros no nosso país, cheia de dados inconclusivos e, por vezes, até forjados (COCHERIL 1978 e ALVES 1992). É tida como certa a existência de uma primitiva comunidade reunida por D. Soeiro Teodoniz, instalada perto da igreja de Santa Maria de Moimenta. Entretanto, é sabido que D. Soeiro adquire alguns terrenos em Maceira Dão e, oportunamente, transfere para aí o seu mosteiro. As razões desta mudança não são conhecidas mas pelo que se pode ver ainda hoje no local de implantação do mosteiro, de facto, encontram-se ali reunidas todas as condições que anteriormente mencionámos, essenciais à correcta vivência do convento. Em 1188, a comunidade aparece finalmente referenciada à Ordem de Cister, sob filiação de Alcobaça. Frei Claude de Bronseval, no seu relato da visitação do abade de Claraval, D. Edme de Saulieu, a Maceira Dão, em Dezembro de 1532, que traduzimos livremente, refere-nos que o mosteiro tinha “um bom abade e quinze monges que levavam uma vida mais eremítica que monástica, neste deserto, e erravam à sua vontade pois o mosteiro não tinha outra clausura que esta solidão” (BRONSEVAL 1970: 513). Temos, portanto, a imagem de uma casa monástica isolada, conforme se desejava ao necessário recolhimento dos monges. Por seu lado, Frei Hilário das Chagas, monge de Alcobaça, na sua memória de 1575, faz o registo da visitação mandada efectuar pelo Rei D. Manuel I, em 1498, e diz, sobre o mosteiro de Santa Maria de Maceira Dão:

“este mosteiro está situado no concelho de Azurara [...] contra o nascente e serra que vai a redor do rio Dão [...]. Este mosteiro é muito fresco. Tem muita fruta de espinho, i.e., laranjas, limões, cidras. Tem muitas frutas de todas as maneiras. Tem muito azeite, pão, vinho, pescado do rio Dão. Tem ao redor uma mata muito fresca, de toda a maneira de madeira, principalmente muito castanho. Tem muita caça de monte e muita criação de gado miúdo, i.e., cabras, ovelhas. Tem muita água numa horta. Tem duas fontes e outra que vem ao mosteiro por canos e entra na sacristia e na cozinha (MARQUES 2006: 25-26).

Deste testemunho, temos a confirmação de que a envolvente próxima do mosteiro era rica e bastante para a vida do mosteiro. Mais tarde, Frei Joaquim de Santa Rosa de Viterbo diz-nos o seguinte sobre Maceira Dão:

“não eram brenhas quando se fundou o Mosteiro mas antes de um grande número de compras e doações se vê que Maceira era uma vila, ou lugar com muitas herdades cultivadas, rotas e mui povoadas, com casas, vinhas, soutos, hortas, moinhos e tudo o mais que se acha, onde a agricultura se pratica com fervor e arte; de que tudo se convence o pouco fundamento dos que afirmam tantas brenhas neste lugar” (ALVES 1992: 47).

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Apesar de reconhecermos alguma legitimidade neste testemunho e de considerarmos que, de entre as várias propriedades, que viriam a formar o couto de Maceira Dão, deveriam existir, certamente, algumas já cultivadas e que, eventualmente, tinham construções, a realidade é que, ainda hoje, o mosteiro se encontra numa situação ímpar de recolhimento, protegido pelos horizontes limitados do vale onde se encontra. Contrariamente ao que aconteceu noutros conjuntos monásticos, talvez por se ter mantido como edifício principal de uma grande propriedade agrícola, o mosteiro de Maceira Dão não deu origem a um aglomerado populacional e, pelo contrário, alguns lugares vizinhos, aldeias, que faziam parte da sua jurisdição e que, eventualmente, têm a sua origem em lugares ou granjas de Maceira Dão, como Vila Garcia e Fagilde, mostram, hoje, um considerável crescimento (ALVES 1992: 39-41 e TERENO 2006: 48-49). Vila Garcia pertencia ao couto do mosteiro enquanto Fagilde integrava o couto da Granja, também jurisdição de Maceira Dão. Vila Garcia desenvolve-se na encosta nascente do vale onde se localiza o conjunto edificado do mosteiro e é perfeitamente visível para quem está junto do mosteiro. É o aglomerado que mais interfere com o isolamento do sítio, quer pela sua proximidade, quer pela sua crescente dimensão. De qualquer forma, por estas breves descrições e pelo que ainda hoje se verifica relativamente à implantação do mosteiro de Maceira Dão, todas as premissas enunciadas se encontram reunidas na localização do edifício monástico, justificando plenamente a escolha da sua implantação e, deste modo, podemos afirmar que a localização de Maceira Dão corresponde à desejável situação de implantação dos mosteiros cistercienses, sendo, realmente, um caso exemplar (MARQUES 2006: 21 e JORGE 2000-2002).

SOBRE O SÍTIO DE MACEIRA DÃO

O mosteiro de Santa Maria de Maceira Dão localiza-se no distrito de Viseu, sensivelmente a 5 km para oeste da cidade de Mangualde, sede de concelho – Antigo Concelho de Azurara da Beira – e pertence à freguesia de Fornos de Maceira Dão. O edifício monástico está implantado em situação de pequeno declive, orientado a sul, num vale protegido a norte pela Serra de Fagilde e situa-se na

Fig. 1Situação de implantação do mosteiro, vista para nordeste, 1966

Fig. 2Situação de implantação do mosteiro, vista para sudoeste, 2006

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margem direita da chamada ribeira dos Frades, que desagua no rio Dão cerca de 1,5km a jusante do mosteiro. Insere-se, assim, na área da bacia hidrográfica do rio Dão e no vasto planalto da Beira Alta. Em termos genéricos de geologia e geografia física, o mosteiro está integrado na unidade geotectónica denominada Maciço Hespérico (Maciço Antigo), na zona paleogeográfica Centro-Ibérica (AIRES-BARROS 2001: 67-73). De acordo com a informação recolhida por Valentim da Silva sobre o Concelho de Mangualde temos as seguintes referências:

“Apenas, como dispersas, algumas pequenas montanhas de fracos relevos, se notam ainda de relativa extensão, junto de Santo António dos Cabaços, Tabosa, Roda e ao sul as pedreiras de Cubos, sem falar já, a caminho do Dão, da alta serra de Fagilde. Pode-se pois afirmar que é granítica toda a área do concelho cujas formas actuais são consequência da acção erosiva da sua rede hidrográfica. (...)” (SILVA 1978: 154-155).

No que respeita ao clima existe a seguinte informação sobre o Concelho de Mangualde:

“(...) O clima da região apresenta Invernos relativamente frios mas pouco prolongados e Verões quentes e secos. A amplitude térmica e a temperatura média anual são moderadas. As chuvas são bastante irregulares e concentram-se nos meses de Novembro a Março, existindo igualmente um outro período seco e estival, coincidente com os meses quentes do ano, Julho e Agosto. O total anual de precipitação é elevado. Trata-se, pois, de um clima temperado de feição continental muito atenuada. O vento é normalmente do quadrante Oeste. (...) (BIBLIOTECA DE MANGUALDE 2003).

Fig. 3Conjunto edificado e envolvente próxima, vista para nordeste, s.d.

Fig. 4Conjunto edificado e envolvente próxima, vista para sudeste, s.d.

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SOBRE O COUTO DE MACEIRA DÃO E A GRANDE PROPRIEDADE MONÁSTICA

A carta de couto de Maceira Dão é dada por D. Afonso Henriques, em 31 de Outubro de 1173 e, já no século XV, é feita, por ordem do Infante D. Henrique, nova demarcação dos limites do couto, que se mantêm inalterados até essa altura (ALVES 1992: 37-39). Da análise deste último documento, é possível registar dezoito elementos de demarcação distintos, referenciados a marcos, padrões, seixos, pedras, pedras com cruz, elementos físicos ou características particulares do próprio terreno, associados muitas vezes a lugares que ainda hoje existem, como por exemplo as poldras de Vila Meã, o cume do outeiro do Crasto ou o marco entre Tibalde e Maceira Dão. Infelizmente, a grande maioria destes elementos de demarcação não constitui uma indicação precisa e a sua localização concreta é, naturalmente, difícil de determinar. Ainda assim é possível identificar no terreno alguns elementos físicos de delimitação do couto e que aqui genericamente designamos por pedras, pedras com cruz e marcos, agradecendo nós a Maria Emília Amaral que nos levou a conhecer estes elementos e que nos indicou a localização de vários no terreno. As pedras, conforme nos foi testemunhado e pelo que vimos de alguns exemplares, são mais abundantes e são pedras simples, com configurações específicas e que denotam intencionalidade na sua colocação no solo.

As pedras com cruz são, normalmente, integradas em afloramentos rochosos e têm gravadas uma cruz. Foi possível identificar no terreno nove exemplares de pedras com cruz.

Fig. 5Exemplo de pedra de delimitação do couto, 2003

Fig. 6Exemplo de pedra de delimitação do couto, 2003

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Quanto aos marcos, foi possível identificar um exemplar no terreno que pensamos poder corresponder ao referido marco entre Tibalde e Maceira Dão. Tem cerca de 1,10m de altura e secção quadrada com cerca de 0,20m de lado e, no topo do marco e nas laterais encontra-se gravada uma cruz latina.

Em Maio de 1834, o decreto de extinção das Ordens Religiosas veio pôr termo à existência de Maceira Dão enquanto casa monástica. Em Junho desse mesmo ano foram feitos os devidos inventários de bens do mosteiro, cujas actas se encontram nos fundos do Arquivo Histórico do Ministério das Finanças e que constituem um documento essencial à compreensão e à história do sítio de Maceira Dão. Na verdade, esses autos compreendem várias referências aos lugares que compunham a propriedade monástica, às suas ocupações culturais, etc... (ALVES 1992: 83-86). De entre esses lugares podemos referir alguns cuja toponímia ainda hoje se mantém e consta dos registos prediais como é o caso da quinta das Alagoas, da quinta do Gorgulhão, dos moinhos da Silveira, das Quelhas, da Regada da Senhora, da quinta da Granja e dos Vales. Seguindo as referências existentes nos inventários, podemos indicar também outros lugares que mantêm a toponímia mas não se encontram registados formalmente, nomeadamente: a Clausura, o Terreiro do adro da igreja, a Terra da Eira ou da Laje, e ainda a Vinha da Valeira, a Terra da Várzea, o Vale de Santo António, o Vale da Bica, o Vale da Nogueira, a Terra Nova, a Mezura de Santo António, o Olival de Frei Francisco, o Olival da Cova, o Olival do Seixo (também conhecido como

Fig. 7Exemplo de pedra com cruz, 2003

Fig. 8Exemplo de pedra com cruz, 2003

Fig. 9Exemplo de pedra com cruz, 2003

Fig. 10Marco de delimitação do couto, 2003

Fig. 11Pormenor do marco de delimitação do couto, 2003

Fig. 12Pormenor do marco de delimitação do couto, 2003

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Olival Escuro ou Olival Largo), a Mata Mansa, o Chão da Lavoura, o Lameiro do Assentadinho e as Costeiras.

Para além disso, são mencionados, nos referidos inventários, o Chão dos Favais, o Pinhal Novo, os Chãos do Larão e o Chão do Lanteiro cuja localização nos é desconhecida. E existem, ainda, outros lugares que não encontramos referenciados em qualquer documento mas cuja toponímia é ainda utilizada localmente, como por exemplo: a Assentada, a Vinha Grande, os Mantões, as Queimadas e a Cerca. Esta Cerca a que aqui nos referimos e que, na realidade, não abrange o conjunto edificado do mosteiro, não parece ter relação directa com a chamada “cerca do mosteiro”, enquanto recinto fechado dentro dos limites couto e de utilização restrita dos monges. Neste aspecto, a chamada Clausura corresponderia mais a essa noção mas, de facto, não conhecemos referências específicas nem limites concretos relativos à cerca do mosteiro.Nos dias de hoje, o mosteiro de Santa Maria de Maceira Dão encontra-se integrado numa propriedade agrícola, já desmembrada relativamente à primitiva propriedade monástica, a que se chama localmente Quinta do Convento e que tem, na sua totalidade, cerca de 180 hectares. Esta propriedade, registada sob diversos artigos prediais, compreende alguns lugares e quintas que pertenciam ao antigo couto monástico e que são acima referidos. Os limites da propriedade coincidem, nalguns sítios, com os limites do primitivo couto, existindo, nas suas estremas, alguns elementos de demarcação que anteriormente referimos. Dentro desses limites existem, também, vários testemunhos do trabalho dos monges na paisagem, nomeadamente: a modelação dos terrenos e a organização da actividade agrícola; os elementos ligados à hidráulica; e as várias construções de apoio ao mosteiro e às suas actividades.

Fig. 13

Extracto da Carta Militar de Por-tugal do Instituto Geográfico do Exército, folha 189 – Mangualde, Edição 3, 1999, com indicação dos lugares de Maceira Dão

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SOBRE A MODELAÇÃO DO TERRENO E A ORGANIZAÇÃO DA ACTIVIDADE

AGRÍCOLA

No que respeita à modelação dos terrenos, temos a indicação de que os actuais proprietários procederam a algumas alterações expressivas relativamente ao que existia aquando da compra da propriedade, em 1965, por razões que se prendem com a exploração agrícola e com a necessidade de adaptar o terreno à mecanização e às novas formas de cultivo como nos informou Maria Emília Amaral. Como exemplo, podemos mencionar a área da Vinha da Valeira e dos Mantões, a sul do mosteiro, e a própria quinta da Granja que hoje apresentam patamares de grande dimensão totalmente ocupados com vinha e que, anteriormente, se apresentavam em socalcos, os chamados Mantões, com diferentes culturas e bordejados com cordões de vinha junto dos muros de suporte. O mesmo acontecia na quinta do Gorgulhão e na quinta das Alagoas, que hoje se encontram cobertas de mato e de pinhal bravo e que anteriormente desciam em socalcos até ao Dão, ocupados com diferentes culturas agrícolas e bordejados com cordões de vinha. As restantes áreas apresentam-se, em termos de morfologia, relativamente idênticas ao que seriam no passado, ressalvando-se as diferenças nas ocupações culturais que na maior parte dos sítios se alteraram.A exploração em socalcos terá sido, com certeza, promovida pela comunidade monástica, como solução adequada para terrenos de acentuado declive, e subsistiu até ao início da segunda metade do século XX, estando presente, ainda, em alguns locais. Podemos, no entanto, afirmar que muitas das culturas que vemos referidas nos documentos sobre o mosteiro, como a vinha, a horta, o olival, os lameiros, o pinhal, as árvores de fruto, etc..., ainda hoje se praticam, embora em condições diversas das de então.

Fig.14

Fig.15

Fig.16

Fig.17

Fig.18

Fig.19

Fig. 14 - Vista do mosteiro para nascente, 1982Fig. 15 - Vista do mosteiro para sudoeste, 1982Fig. 16 - Vista para nordeste, 1982Fig. 17 - Vista do mosteiro para nascente, 2000Fig. 18 - Vista do mosteiro para sudoeste, 2000Fig. 19 - Vista para norte, 2000

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SOBRE A HIDRÁULICA

Em Maceira Dão, como nos restantes conjuntos monásticos cistercienses, são evidentes os recursos de hidráulica utilizados. Sem aprofundar o complexo sistema hidráulico deste mosteiro, que carece também de investigação, iremos apontar, de forma sumária, os elementos que nos parecem mais relevantes no contexto do sítio (Hidráulica Monástica Medieval e Moderna 1996). A nível da regularização fluvial, não possuímos qualquer indicação sobre uma efectiva alteração ao curso da ribeira dos Frades ou sequer do rio Dão mas verificamos que a ribeira dos Frades se encontra murada a montante do mosteiro até ao limite da quinta do Convento e a jusante do mosteiro até ao rio Dão, numa extensão de cerca de 1,8km. Os muros não existem, necessariamente, em ambas as margens e o acesso ao leito da ribeira é feito directamente, caso o terreno o permita, ou resolvido na conformação dos próprios muros através de escadas ou balcões. Na área imediatamente em frente do mosteiro, entre as duas pontes de pedra aparelhada que ligam à margem esquerda, a ribeira encontra-se hoje murada em ambas as margens mas esta situação só existe desde a segunda metade do século XX, já por responsabilidade dos actuais proprietários. Ao longo de toda a extensão murada, existem vários pequenos açudes, para retenção de água e encontram-se também, nos próprios muros, diversas saídas de escoamento de águas. Para além disso, existem também quatro barrocas, muradas em parte da sua extensão, que atravessam a propriedade. Todas estas situações permitem atestar que os cursos de água eram e são controlados na área que atravessa a propriedade do mosteiro.

Fig. 20Ribeira dos Frades, vista para jusante, 2010

Fig. 21Ribeira dos Frades, vista para montante, 2010

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Relativamente ao abastecimento de água, sem especificarmos a distinção entre água para rega e água para consumo, são diversos os elementos que encontramos na proximidade do edifício monástico, desde nascentes, fontes, poços, minas e tanques. De entre estes destacamos em particular a fonte da Clausura que é o único elemento de hidráulica que denota cuidado especial na sua composição e que seria o elemento mais importante do abastecimento do mosteiro. Foi-nos referido por Maria Emília Amaral que esta fonte, que hoje se encontra obstruída, era alimentada por um tanque em alvenaria de pedra localizado na Clausura, que por sua vez teria ligação a um outro elemento localizado já na quinta da Vigia, a caminho de Vila Garcia. Para além disso, referiu-nos, também, que o principal abastecimento de água ao mosteiro era feito por um tanque em alvenaria de pedra situado na margem esquerda da ribeira e que hoje funciona apenas para rega. O encaminhamento da água a partir desse tanque seria feito por um aqueduto, do qual ainda restam os arranques nos muros da ribeira dos Frades, que levava a água directamente à cozinha do mosteiro. Este aqueduto terá sido completamente destruído na primeira metade do século XX.

Fig. 22Barroca da Clausura, vista para montante, 2010

Fig. 23Barroca da Clausura, vista para jusante, 2010

Fig. 24Barroca da Clausura, vista para jusante, 2010

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Sobre o abastecimento de água potável ao mosteiro, a análise dos espaços interiores apenas permite concluir que a adução ao lavabo do claustro era feita manualmente. Quanto ao escoamento das águas, são também parcas as informações de que dispomos. No interior do mosteiro o claustro é pavimentado, apresentando uma saída de escoamento no seu canto sudoeste, e o refeitório tem uma caleira no pavimento, a meio da largura da sala e estendendo-se em todo o seu comprimento, entrando, depois, pela cozinha. Esta informação foi-nos prestada por Leonel Barosa que acompanhou uma limpeza geral do mosteiro feita em 1999. A caleira, por questões de segurança, não se encontra à vista. Outro aspecto importante prende-se com os recursos à força motriz hidráulica. No caso de Maceira Dão esses recursos foram aproveitados e disso são testemunho os vários moinhos que se encontram na propriedade. Na ribeira dos Frades e a cerca de 400m a jusante do mosteiro existe um pequeno moinho, o moinho das Quelhas, de duas mós, que está desactivado e arruinado; já a chegar ao rio Dão existe um outro moinho com as mesmas características que é chamado moinho do Regato; e no rio Dão propriamente dito, encontram-se os chamados Moinhos da Silveira que são dois moinhos geminados, ambos com três mós e que estiveram até há poucos anos em pleno funcionamento. Estes moinhos são alimentados por um açude de onde parte um pequeno canal que alimenta o primeiro moinho e cuja descarga, por sua vez, alimenta o segundo.

CONSTRUÇÕES DE APOIO AO MOSTEIRO E ÀS SUAS ACTIVIDADES

As actividades realizadas pela comunidade monástica centravam-se, maioritariamente, no próprio edifício do mosteiro ou na sua relativa proximidade mas, considerando que os coutos atingiam, por vezes, considerável dimensão, existiam naturalmente, dentro dos seus limites, outras estruturas de suporte, construções complementares ao edifício monástico e essenciais ao funcionamento das diversas actividades do mosteiro, que caracterizam, também o sítio de implantação. No caso de Maceira Dão, encontramos, dentro dos limites do couto, diversas estruturas de apoio à actividade

Fig. 25Fonte da Clausura, 2010

Fig. 26Fonte da Clausura, 2010

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do mosteiro.Começando por referir a actividade religiosa e a par com o que sucede com outros mosteiros cistercienses portugueses, o mosteiro de Santa Maria de Maceira Dão tinha, na sua proximidade, duas pequenas capelas: a capela de Nossa Senhora da Cabeça e a capela de Santo António da Mata. Desta última já nada resta e apenas podemos indicar a sua localização aproximada, no Vale de Santo António. De acordo com a informação recolhida por Alexandre Alves, a capela de Santo António: “teria sido construída pelo mesmo arquitecto biscainho ( João de Castilho?...) que fez as abóbadas da Sé de Viseu e reconstruiu a Ponte de Alcafache” (ALVES 1992: 104 nota 11). A capela de Nossa Senhora da Cabeça, localizada a cerca de 200m a nascente do edifício monástico, a meio caminho da encosta para Vila Garcia, é uma reconstrução do século XVIII, de linguagem dominantemente rococó e apresenta planta de nave centralizada, octogonal, e capela rectangular (ALVES 1992: 47, nota 3). Tem uma romaria importante que se realiza na Quinta-Feira da Ascensão e que traz todos os anos ao local centenas de romeiros.

No que respeita à actividade agrícola, podemos mencionar dois grupos distintos de construções: as construções de uso específico e as casas associadas a cada quinta ou lugar. Dentro das construções de uso específico incluímos os moinhos, já mencionados anteriormente, o pombal, a eira e o lagar. No já mencionado inventário dos bens do mosteiro, vêm referidas outras construções exteriores ao mosteiro – forno, lagar de alambique, currais, cavalariça, lagar de vinho, currais de ovelhas, palheiras, etc… – das quais desconhecemos a localização, admitindo que tenham sido destruídas. O pombal localiza-se a cerca de 25m a noroeste do mosteiro e apresenta planta quadrada – não tem cobertura e o seu canto sudoeste encontra-se arruinado. A eira localiza-se a cerca de 90m a noroeste do mosteiro, na Terra da Eira ou da Laje – é construída em grandes lajes de granito e apresenta planta rectangular. O lagar de azeite, conhecido como Lagar da Regada, situa-se a cerca de 80m a sudeste do mosteiro,

Fig. 27Escadaria de acesso à Capela, 2010

Fig. 28Vista geral da Capela de Nossa Senhora da Cabeça, 2010

Fig. 29Pormenor do alçado principal da Capela, 2010

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já na outra margem da ribeira dos Frades. No seu interior não encontrámos nenhum vestígio da sua primitiva função e, actualmente, funciona como armazém. Maria Emília Amaral disse-nos que este era um lagar de varas em que a primeira etapa da produção do azeite era feita através de força motriz hidráulica, alimentada por uma levada canalizada que vinha da barroca que vem de Fornos.

No que respeita às casas associadas a cada quinta ou lugar, podemos referir que todas as grandes quintas atrás mencionadas apresentam casas em alvenaria de pedra aparelhada, a maioria das quais se encontra em ruínas, sendo de destacar a casa da quinta das Alagoas que é a única de dois pisos. A casa dos Mantões, junto às hortas, é, actualmente, a morada dos caseiros da quinta do Convento. Segundo informação de Madalena Cardoso †, esta casa formava um pequeno pátio junto com outras casas entretanto destruídas. Localmente, chama-seà casa da quinta da Granja “a cadeia dos monges” e, na realidade, nos inventários dos bens do mosteiro realizados em 1834 esta casa é descrita como “Casa da Quinta da Granja, incluindo a da Câmara e Cadeia” (ALVES, 1992: 84).

SOBRE A CONSERVAÇÃO DO SÍTIO DE MACEIRA DÃO

De uma forma geral, a extinção das ordens religiosas em 1834 trouxe, para além das consequências que se conhecem ao nível do edificado monástico, outras consequências para os seus coutos e, numa escala mais próxima à do edificado, para as suas cercas. A grande propriedade que constituía o couto

Fig. 30Pombal, 2010

Fig. 31Eira, 2007

Fig. 32Lagar da Regada, 2010

Fig. 33Conjunto da casa dos Mantões, 2010

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monástico e que funcionava de uma forma coerente passa a ser, muitas vezes, fragmentada, dividida ou arrendada. No caso de Maceira Dão, depois da extinção das Ordens Religiosas, os edifícios do mosteiro, incluindo a igreja, o seu recheio, e as propriedades anexas foram vendidos a particulares (ALVES 1992: 98-101) e, neste período de tempo, cremos que o couto monástico pertencia todo ou quase todo à mesma família que explorava a propriedade num sistema de rendeiros e de sub-rendeiros. Segundo testemunho de Maria Emília Amaral, as famílias de sub-rendeiros habitavam no edifício do mosteiro, que se encontrava dividido em pequenas fracções habitacionais, ou nas casas espalhadas pela propriedade e a cada família era reservado um lugar para cultivar. A família dos actuais caseiros da quinta do Convento era uma família de sub-rendeiros que habitavam numa divisão do primeiro piso da ala Sul do edifício monástico e a parte de terreno que lhes cabia era o Olival da Cova. O arrendamento era pago por produtos agrícolas e as famílias viviam da terra. A propriedade foi dividida e, depois da compra da Quinta do Convento pelos actuais proprietários, em 1965, o sistema de arrendamentos terminou e a propriedade passou novamente a ser gerida de forma global. Os sub-rendeiros foram deixando as terras que arrendavam e as suas habitações até, sensivelmente, ao início da década de 80 do século XX, altura em o edifício monástico ficou completamente “devoluto” de inquilinos.Entendemos que o que existe hoje no sítio de implantação do mosteiro de Santa Maria de Maceira Dão terá pouco a ver com a ocupação cisterciense e com o seu entendimento do trabalho e da actividade agrícola: as vicissitudes pelas quais passou e, enfim, as alterações verificadas na própria actividade agrícola assim o determinaram. Ainda assim, todos os elementos que atrás descrevemos nos parecem expressivos na caracterização do sítio de Maceira Dão e, na realidade, verificamos que a generalidade da paisagem está, apesar de tudo, relativamente preservada. De entre os mosteiros nacionais que conhecemos, podemos afirmar que Maceira Dão, para além de ser um caso exemplar no que respeita à sua implantação, se mantém, pelo menos, numa envolvente rural e bucólica, próxima da que imaginamos que poderia ter sido enquanto casa monástica.Em conclusão, enfatizamos que a influência do mosteiro se estende muito para além das suas paredes e que a integração no sítio contribui inequivocamente para a compreensão abrangente do conjunto monástico. Neste sentido, acreditamos, por um lado, que a investigação sobre os sítios monásticos é essencial à compreensão dos próprios mosteiros e, por outro lado, entendemos que a conservação do sítio deve acompanhar, na medida do possível, a conservação dos próprios conjuntos monásticos.No que respeita a Maceira Dão defendemos, então, para o conjunto monástico, incluindo o seu sítio, a realização de uma intervenção estratégica baseada na conservação e na valorização dos espaços (FERREIRA 2010: 82-110). Esta intervenção tem como objectivo primeiro a consolidação do monumento, garantindo a sua integridade e autenticidade, e como objectivo segundo, sempre dentro dos princípios enunciados pelas recomendações nacionais e internacionais, a criação das condições mínimas necessárias para que o monumento e a sua envolvente sejam devidamente fruídos e permitindo que possam acolher acontecimentos culturais dinamizadores. O enquadramento sumário que fizemos sobre a situação e sítio de implantação do mosteiro de Maceira Dão permite perceber que muitas das estruturas de apoio à actividade do mosteiro – como por exemplo: a capela de Nossa Senhora

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da Cabeça, a fonte da Clausura, o pombal, a eira, o edifício do lagar, os moinhos, os elementos de hidráulica e, enfim, a própria modelação dos terrenos, entre outros – estão relativamente preservadas e são fundamentais e potencialmente interessantes à valorização do edifício. Assim, qualquer acção de valorização sobre o conjunto edificado deve obrigatoriamente incluir a valorização da envolvente.

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