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PARA MAPEAR O CONFRONTO POLTICO*Doug McAdamSidney Tarrow
Charles Tilly
* Este texto nossa contribuio conjunta ao incio de um projeto
que visa realizar uma sntese terica e emprica com nossos colegas
Ron Aminzade, Elizabeth Perry, Jack Goldstone e Willian Sewell Jr.,
com o auxlio da Andrew Mellon Foundation, que teve a iniciativa de
fazer os Seminars in Studies of Foreign Areas and Cultu-res. O
projeto ser administrado pelo Center for Advanced Study in the
Behavio-ral Sciences. Agradecemos a Jack Goldstone, Jeff Goodwin,
Roger Gould, Michael Hechter, Hank Johnston, Bert Klandermas,
Hanspeter Kriesi, David Meyer, Jeffrey Wasserstrom, Timothy
Wickham-Crowley e Mayer Zald pelas crticas feitas s verses
anteriores que nos ajudaram a clarificar o texto. Esses comentrios
identificaram alguns pontos em relao aos quais qualquer opo que
fizssemos iria desapontar parte de nosso pblico; porm confirmaram
que o estudo do confronto poltico pre-cisava seriamente de uma
sntese do mbito seno necessariamente do tipo que estamos
defendendo. Citamos a ns mesmos excessivamente neste texto porque
ele coloca muito rapidamente alguns dos argumentos que elaboramos,
documentamos e classificamos nas publicaes citadas. To map
contentious politcs. Mobilization: An International Journal I(1),
1996, pp. 17-34. Traduo de Ana Maria Sallum.
Apesar de Maquiavel e Clausewitz, nem toda poltica envol-ve
confronto. Algumas vezes as pessoas trabalham consen-sualmente,
outras vezes renem-se para celebrar memrias compartilhadas e
frequentemente institucionalizam suas ati-vidades polticas. O
confronto poltico tem incio quando, de forma coletiva, as pessoas
fazem reivindicaes a outras pessoas cujos interesses seriam
afetados se elas fossem aten-didas. As reivindicaes vo desde
splicas humildes at ata-
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ques brutais, passando por peties, reivindicaes atravs de
palavras de ordem e manifestos revolucionrios. O con-fronto,
portanto, depende da mobilizao, da criao de meios e de capacidades
para a interao coletiva. Nos prxi-mos anos, a revista Mobilization
certamente dedicar muitas pginas s questes aqui identificadas, no
porque falamos sobre elas agora, mas porque muitos estudiosos esto
come-ando a consider-las cruciais para o futuro da teoria e da
pesquisa. Com esprito de comemorao e, sem dvida, um pouco de
confronto tambm saudamos aqui a nova revista, estabelecendo um
programa de investigaes sobre confronto poltico.
Adotamos o termo confronto poltico, em vez da conhecida trade
movimentos sociais, revolues e ao coletiva, no apenas por economia
de linguagem, mas por-que cada um desses termos est intimamente
identificado com uma subrea especfica que apenas uma parte do
domnio acadmico que este artigo percorre. Inclumos a interao
coletiva no confronto poltico na medida em que: (1) ela envolve
confronto, ou seja, faz reivindicaes vin-culadas a outros
interesses e (2) pelo menos um grupo da interao (incluindo
terceiros) um governo, isto , uma organizao que controla os
principais meios de coero concentrados num territrio definido.
Movimentos sociais, ciclos de protesto e revolues se encaixam neste
mbito de fenmenos. Nosso enfoque mais amplo ajudar a relacion-los
entre si, poltica institucional e mudana social hist-rica. Este
prlogo prope um esforo sistemtico em favor de uma sntese terica e
emprica que abarque as vrias subreas ligadas ao estudo do confronto
poltico.
Sintetizando a teoria e a pesquisa sobre confronto polticoH dois
aspectos nas cincias sociais contemporneas que militam contra a
sntese acadmica e a acumulao de conhecimento: (1) a natureza do
trabalho acadmico, cada
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vez mais insular e voltado para subreas; e (2) as dificul-dades
inerentes e a falta de recompensas profissionais que encorajem
esforos para fazer um inventrio terico/emp-rico. Juntos, estes
aspectos produzem uma proliferao de conhecimentos especializados
que pode acrescentar linhas ao currculo, mas pouco ao conhecimento
geral.
O estudo do confronto poltico, mais do que a maio-ria das reas
de pesquisa, sofre deste mal. Os ltimos 25 anos viram uma exploso
de trabalhos nesta rea, relativos ao passado ou atualidade. Estes
resultaram em literaturas altamente especializadas em, pelo menos,
quatro discipli-nas sociologia, histria, cincia poltica e economia
com poucas oportunidades para sintetizar a teoria e a pesquisa
atravs destas comunidades acadmicas cada vez mais dis-tintas. Nos
ltimos anos, os estudos culturais um conjun-to emergente de
percepes da antropologia, estudos lite-rrios e histria cultural
tambm entraram no debate. O resultado foi um alto grau de
fragmentao, de estudiosos falando ao mesmo tempo, de linguagens
diferentes sendo usadas em subreas diferentes para descrever
fenmenos bem similares.
Considere-se o estudo da revoluo tal como se desenvol-veu na
sociologia histrica norte-americana nas ltimas duas dcadas. As
grandes revolues foram usualmente estudadas como fenmenos nicos, o
que torna impossvel dizer como elas diferem das no to grandes e das
rebelies, tumultos e confrontos de rotina (Goodwin, 1994; Tilly,
1993). Sua rela-o com os movimentos sociais ou com o processo
poltico raramente foi abordada (Goldstone, Gurr e Moshiri, 1991). O
estudo sistemtico da violncia, iniciada no despertar dos tumultos
de gueto nos anos 1960, frequentemente foi visto isoladamente do
estudo do protesto pacfico. O mes-mo se deu em relao s organizaes
de movimentos: qua-se sempre so estudadas separadamente dos
fenmenos de massa que se acredita produzi-los (ver Oliver, 1989). O
estu-
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do de grandes eventos histricos foram frequentemente realizados
sem levar em conta os avanos significativos fei-tos pelos socilogos
de orientao quantitativa ao estudar histrias de eventos (Olzak,
1989a; Tarrow, 1995). Greves e conflitos industriais produziram sua
prpria rea de espe-cialidade, dando pouca ateno interseco entre a
revol-ta dos trabalhadores e a luta poltica (ver Goldfield, 1987;
Perry, 1993).
Recentemente, ns e nossos colegas descobrimos um veculo ideal
para realizar o tipo de sntese que tem faltado ao estudo do
confronto poltico. Ele envolve uma parceria indita e potencialmente
criativa entre a Mellon Founda-tion e o Center for Advanced Study
in the Behavioral Scien-ces (CASBS). A Fundao incluiu uma srie de
trs anos de seminrios no seu programa de estudos internacionais e
concedeu fundos para a pesquisa e a sntese da literatura
relacionada ao estudo do confronto poltico. De sua parte, o CASBS
concordou em ser o responsvel institucional, sediar tais seminrios
e desenvolver, no mesmo local, um projeto especial sobre o tema
durante o terceiro ano da srie.
Combinados, estes generosos recursos nos permitiro fazer, nos
dois primeiros anos do projeto, uma intensa revi-so do conhecimento
recente nas reas de movimentos sociais, revolues comparadas,
nacionalismo, democrati-zao, ao coletiva e processos polticos
relacionados. O terceiro ano ser dedicado ento redao de projetos
com o objetivo de resumir e sintetizar o que tivermos aprendido com
nossa pesquisa comparativa sobre o conhecimento aca-dmico relevante
e atravs de contatos com colegas e com os que escreveram teses em
cada uma dessas reas.
Mais importante do que o prprio veculo a viso pro-gramtica do
projeto e os objetivos intelectuais que guiaro nosso esforo.
Sentimos desnimo ao constatar a estrutura fragmentada em subreas
que passou a caracterizar o estu-do dos confrontos polticos,
passados e atuais. Este senti-
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mento prejudica os jovens estudiosos, que frequentemente
elaboram teses sem ter contato com outros que trabalham em reas
relacionadas em outras disciplinas ou sob a influ-ncia de
paradigmas concorrentes. Portanto, queremos ava-liar e sintetizar o
que foi feito nas literaturas que tenham relao com o confronto
poltico. Se conseguirmos favore-cer a padronizao conceitual desta
rea como um todo, tanto melhor. Mas visamos principalmente a
identificao de analogias causais a descoberta de que processos
pol-ticos ostensivamente diferentes tm, de fato, propriedades
causais similares. Nossos esforos sero guiados por quatro amplos
objetivos acadmicos.
Primeiro, precisamos mapear o mbito do conhecimen-to
contemporneo que seja relevante compreenso do confronto poltico. Em
termos prticos, isso significa iden-tificar o conjunto de subreas
na histria, na sociologia, na cincia poltica e na economia onde
estejam sendo produzi-dos conhecimentos relacionados ao nosso
tema.
Segundo, tendo definido o universo de conhecimento relevante
para o nosso projeto, esperamos produzir uma sntese inicial da
teoria e pesquisa disponveis nas vrias subreas relacionadas s
nossas preocupaes. Neste estgio preliminar do que dever ser um
processo contnuo e cola-borativo, no estamos ainda em situao de
afirmar nada definitivo. Ao invs, daremos simplesmente, mais
adiante neste texto, vrios exemplos ilustrativos dos tipos de
linhas sintticas de pesquisa que esperamos explorar nos prximos
anos com nossos colegas do projeto e tambm de fora.
Terceiro, com a sntese em mos, vamos nos voltar para a questo
das condies de ocorrncia do confronto pol-tico. Isto , quo efetiva
esta sntese considerada como um amplo conjunto de conceitos
analticos em vez de uma teoria em si ao explicar a natureza e a
dinmica do con-fronto poltico em pocas e lugares diferentes.
Suspeitamos que as teorias atuais sobre o confronto poltico se
sustentam
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melhor quando aplicadas aos cenrios que foram estudados mais
intensamente por especialistas em movimentos sociais democracias
contemporneas dos pases centrais , e no se aplicam to bem a outras
eras e regimes. Portanto, refletindo sobre o que pensamos ter
aprendido sobre confronto polti-co, queremos ficar atentos s
variaes no contexto e aos seus efeitos hipotticos sobre a dinmica
da ao coletiva.
Finalmente, tendo avaliado a extenso do estudo sobre confronto
poltico em vrias pocas histricas e distintos con-textos polticos,
queremos refletir seriamente sobre como as formas e a dinmica do
protesto popular esto mudando no contexto do que alguns chamaram de
poca da globaliza-o. No presumimos nada sobre estes processos. De
fato, continuamos cticos em relao s verses mais fortes da teo-ria
da globalizao, especialmente aquelas que descrevem o estado-nao
como fadado a desaparecer a curto prazo. O que nos parece mais
plausvel e mais intrigante o crescimen-to do intercmbio poltico
transnacional e a possvel ascen-so de um tipo de sistema poltico
regional (sendo a Unio Europeia um evidente exemplo atual) em que
as naes com-partilham cada vez mais a soberania com instituies
trans-nacionais e talvez at subnacionais. A questo interessante e
importante : como se apresentar o confronto poltico no contexto de
tal estrutura e como afetar uma herana crucial do Estado
consolidado o movimento social nacional?
Isso j demais para nossos objetivos. Vamos analis-los um de cada
vez, esboando o que pensamos provisoriamen-te sobre cada um deles e
fornecendo exemplos curtos em vez de anlises tericas exaustivas ou
apresentaes empri-cas. Trabalharemos desta forma tanto para
clarificar nosso prprio pensamento sobre tais assuntos como para
solicitar um retorno crtico neste momento inicial de nosso proje-to
colaborativo. Comeamos com uma investida preliminar sobre a tarefa
fundamental de catalogar as pesquisas sobre confronto poltico.
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O estudo do confronto polticoO mapeamento do estudo do confronto
poltico poderia ser feito de forma abstrata ou epistemolgica. Se
tomarmos a ontologia como princpio norteador do mapeamento, por
exemplo, poderamos diferenciar o individualismo metodol-gico, que
reduz a realidade social a aes automotivadas de atores individuais;
o individualismo fenomenolgico, com sua reduo paralela da realidade
social conscincia dos ato-res individual ou coletivo; as teorias
dos sistemas, em que as coletividades incluindo a grande
coletividade chamada sociedade seguem uma lgica autnoma e
coercitiva; e modelos relacionais, em que transaes, interaes ou
laos sociais so o ponto de partida da anlise. Cada uma dessas vises
tem fortes representantes entre os analistas do con-fronto
poltico.
Poderamos tambm usar a epistemologia (da ctica positivista) como
nosso ponto de partida; estrutura causal (de campos de variveis em
interseo tomada de deci-so racional), tradies analticas (exemplo,
marxista ou weberiana), ou at a escala de unidades sociais (de
indi-vduos a civilizaes) poderiam ser nossas bases de
classi-ficao.
Entretanto, preferimos apresentar hipteses relativas a conjuntos
(clusters) produzidos por entendimento mtuo que evidenciariam se
realmente catalogamos todos os estu-dos acadmicos sobre confronto
poltico durante as ltimas dcadas; ento identificamos os conceitos,
argumentos, mtodos, fontes e citaes em comum resultantes.
Preten-demos mapear as literaturas usualmente relacionadas ao nosso
conceito central de confronto poltico.
Um mapa do confronto polticoImaginamos que tal mapa deveria
conter quatro conjuntos principais: (1) um vasto e crescente
conjunto de histrias polticas agrupadas principalmente por tempo e
lugar e
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ligadas por pouca teorizao explcita1; (2) estudos teori-camente
mais autoconscientes sobre mudana social local, regional e/ou de
categoria nos quais o confronto poltico constitui apenas parte de
uma matriz causal mais ampla; (3) anlises de polticas orientadas
para o Estado como tal; e (4) tentativas de selecionar vrias formas
de conflito e vio-lncia para serem explicadas em seus prprios
termos. Em cada um desses conjuntos, eis alguns nomes para
subdivi-ses plausveis:
1) histrias polticas: monografias locais, regionais e nacionais
agrupadas princialmente por tempo, lugar e grupo popu-lacional;
2) mudana social definida pela geografia ou categoria: trabalho,
gnero, grupo domstico e vizinhana; raa, etnicidade e religio;
formao de classes, conflito de classe e ao de clas-se; conflito
industrial;
3) polticas orientadas para o Estado: movimentos sociais; redes
sociais, grupos de interesse, partidos, eleies e influncia
pol-tica; vida pblica e autoridade; identidade poltica, cidadania e
nacionalismo; mudanas de regime, incluindo a democratiza-o e a
formao do Estado; revoluo, rebelio, resistncia e protesto; guerra,
poder militar, imperialismo e relaes inter-nacionais;
4) conflito e violncia em si: banditismo, crime, policiamento e
represso; violncia, poltica e outras; ao coletiva e con-fronto em
geral.
1 Este vasto domnio usualmente pensado como rea exclusiva de
historiadores profissionais, mas a historiografia tem se tornado,
nos ltimos vinte anos, cada vez mais explicitamente terica e as
monografias puramente descritivas, anima-das por uma paixo por
movimentos especficos, continuam a ser produzidas na sociologia e
na cincia poltica. Importantes e recentes crticas histricas e
snte-ses de trabalhos histricos sobre confronto poltico incluem
Appleby e Margaret (1994), Berlanstein (1993), Cooper (1994),
Hanagan (1994), Ranciere (1992) e Sewell (1992).
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Naturalmente tal mapa pareceria mais uma galxia do que um
pequeno sistema solar ordenado: em vez de qua-tro planetas bem
definidos, cada um com sua geografia coerente, encontraramos nuvens
de estrelas com faixas de luz entre elas. Nossa taxonomia afirma
apenas uma relao escalar, no interior e entre os conjuntos: que,
por exemplo, os estudantes de guerras, do poder militar, do
imperialismo e das relaes internacionais compartilham mais
conceitos, argumentos, mtodos, fontes e citaes entre si do que os
estudantes de revolues, das rebelies, da resistncia e do protesto
em relao aos especializados em trabalho, gnero, grupo domstico e
vizinhana que venham a assumir o con-fronto poltico como parte de
seu objeto.
Estas distncias e distines, embora sejam uma parte natural da
diviso do trabalho acadmico, so prejudiciais ao progresso da teoria
social interdisciplinar e geral. Por exemplo, dentro do conjunto
dois, sob o ttulo mudana social local e regional, colocamos raa,
etnicidade e reli-gio, um assunto que tem atrado cada vez mais
estudiosos nos ltimos anos, na medida em que a desagregao dos
imprios encorajou grupos minoritrios a se mobilizarem por autonomia
e, s vezes, pela destruio fsica de seus vizinhos. Mas at mesmo uma
rpida olhada nas categorias do conjunto trs (poltica orientada para
o Estado) indi-ca-nos que h pelo menos trs subcategorias relevantes
ao estudo da etnicidade do conjunto dois: identidade poltica,
cidadania e nacionalismo, mudanas de regime espe-cialmente em relao
democratizao e, de forma mais notvel, movimentos sociais. Contudo,
quando nos volta-mos para a literatura recente sobre conflito tnico
descobri-mos que muito dela no se d conta de sua relao com a teoria
dos movimentos sociais.
Isso significa que o conflito tnico no tem a ver com movimentos
sociais? Que a teoria dos movimentos sociais tem pouco a dizer
sobre o conflito tnico? Ou (como suspei-
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tamos) que a especializao acadmica deixou muitos estu-diosos dos
conflitos tnicos sem informao sobre os avan-os recentes na teoria
dos movimentos sociais2? Por outro lado, os tericos dos movimentos
sociais do Ocidente esco-lheram geralmente movimentos mais
delimitados, menos volteis para estudar do que os baseados na
etnicidade e na religio. A falta de proximidade no desculpa;
definies usadas pelos estudiosos dos movimentos sociais incluem
claramente o conflito tnico, ainda que poucos tericos de movimentos
(se que algum) tenham aplicado suas teorias para analis-los (a raa,
nos moldes do movimento america-no pelos direitos civis, a maior
exceo). A conexo entre os conjuntos teria um grande potencial tanto
para impedir os estudiosos de etnicidade e de movimentos sociais de
fala-rem sem dialogar como para construir uma cincia social dos
movimentos tnicos teoricamente mais integrada.
A longo prazo, queremos conformar ideias que per-meiem esses
diversos conjuntos e literaturas; a curto pra-zo entretanto,
buscamos oportunidades para relacionar duas ou trs literaturas
menores de cada vez na esperana de somar mais princpios gerais
neste processo. No pode-mos saber antecipadamente todas as linhas
de pesquisa que sero adotadas em nosso projeto colaborativo, mas j
pro-pusemos alguns tpicos que queremos explorar conjunta-mente. Nas
prximas trs sees esboamos trs pares de ligaes no interior dos
conjuntos para ilustrar os tipos de sntese que esperamos produzir
por meio das muitas litera-turas relacionadas com algum aspecto do
confronto polti-co: (1) conectando movimentos sociais, ciclos e
revolues; (2) relacionando identidades coletivas e redes sociais;
(3) ligando poltica institucional e ao coletiva.
2 Mesmo Roger Brubaker, um hbil analista do nacionalismo,
pesquisa o nacio-nalismo recente na Europa ps-1989 sem tocar em
movimento social (ver, por exemplo, Brubaker, 1995).
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Movimentos sociais, ciclos e revoluesUm movimento social uma
interao sustentada entre pessoas poderosas e outras que no tm
poder: um desafio contnuo aos detentores de poder em nome da
populao cujos interlocutores afirmam estar ela sendo injustamente
prejudicada ou ameaada por isso. Precisamente porque o confronto
poltico constitui um terreno analtico contnuo com nada mais do que
fronteiras fluidas, qualquer defini-o de movimento social provocar
objees imediatas de estudiosos de reas adjacentes que se concentram
nas suas semelhanas; esta definio especfica exclui as reivindica-es
coletivas de poderosos em relao a poderosos, esforos coletivos para
se evadir ou se autorrenovar e alguns outros fenmenos prximos que,
de fato, compartilham caracte-rsticas importantes com as interaes
que esto dentro das fronteiras. Ns nos concentramos nas relaes
dominantes-subordinados baseados na hiptese de que o confronto que
envolve uma desigualdade substancial entre os protagonis-tas tem
caractersticas gerais distintivas que ligam movimen-tos sociais a
revolues, rebelies e nacionalismos de base popular (bottom-up).
As aes pblicas no interior de um movimento com-binam as demandas
coletivas dirigidas s autoridades com demonstraes que asseguram que
a populao em ques-to e/ou seus representantes mobilizados so
merecedores, unificados, numerosos e comprometidos. At certo ponto,
o nmero e o comprometimento se intercambiam; demons-traes de
disposio de morrer ou matar por uma causa, por exemplo, podem
funcionar para uns poucos esta a razo de fases terroristas de
ciclos de protesto surgirem usu-almente no fim do ciclo, quando o
comprometimento das massas j diminuiu (Della Porta e Tarrow,
1986).
Nesses termos amplos, os movimentos sociais j existiam pelo
menos desde o tempo milnios atrs em que os cultos religiosos
dissidentes e rebeldes tribais se ergueram
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contra igrejas estabelecidas e imprios. Quando surgiram os
regimes parlamentares ocidentais no sculo XIX, formou-se um tipo
especial de movimento social o movimento social nacional que se
generalizou e rapidamente se tornou um padro fixo de lutas polticas
nacionais. Comeando na Gr--Bretanha no sculo dezoito e
espalhando-se inicialmente para a Amrica do Norte e para o
continente europeu e, depois, atravs da imprensa, do trabalho
missionrio e do colonialismo, para o Terceiro Mundo, o movimento
social nacional chegou a envolver associaes, exibies simbli-cas,
publicaes, reunies, passeatas, demonstraes, peti-es, grupos de
presso e ameaas de interveno direta na vida poltica formal (Tilly,
1995b; Tarrow, 1994). Isso acon-tece ainda hoje.
Os participantes de movimentos nacionais fazem rei-vindicaes s
autoridades, mas tambm afirmam suas pr-prias identidades ou as das
populaes em nome das quais dizem falar como atores dignos,
significativos e solidrios. De fato, a efetividade dos movimentos
sociais em demons-trar a presena de e formar identidades coletivas
para atores sociais negligenciados ajuda a compensar sua notria
ineficincia como maneira de promover programas e reivin-dicaes
especficas. Afinal, historicamente, matar o coletor de impostos
acaba com a coleta de um imposto odiado de forma mais imediata e
definitiva do que escrever peties com o mesmo objetivo. A confiana
nas estratgias de um movimento social implica confiar que a ao
basicamente no-violenta e cumulativa far afinal diferena
poltica.
De fato, tal tipo de ao s faz uma diferena na medida em que ela:
a) forja alianas de conscincias ou de interes-ses com membros
existentes no sistema poltico; b) repre-senta uma ameaa plausvel de
interromper processos pol-ticos rotineiros; c) coloca outra ameaa
plausvel ou influ-ncia direta na arena eleitoral; e/ou d) provoca
presso de detentores de poder externos sobre as autoridades.
Assim,
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as estratgias dos movimentos sociais prometem mais onde j
existem poltica parlamentar, instituies democrticas e competio
poltica duradoura.
Ao contrrio da oposio entre identidade e interes-se, salientada
por muitos intrpretes da poltica popular durante os anos 1970 e
1980, os participantes dos movimen-tos sociais nacionais sempre
afirmaram algum tipo de sn-tese entre identidade e interesse. Por
exemplo, a partir da teoria do valor do trabalho, no auge do sculo
dezenove, os trabalhadores organizados sempre afirmaram que sua
con-tribuio coletiva produo nacional no apenas justifica-va
direitos a um tratamento adequado e pagamento justo por sua produo,
mas tambm estabelecia suas identida-des prprias e dignas. Enquanto
alguns movimentos por exemplo, o movimento das mulheres e o
movimento pelos direitos dos homossexuais fazem um trabalho de
enqua-dramento interpretativo (framing) (Snow et al., 1986) para o
reconhecimento ou mudana de identidades coletivas, isto no uma
inveno dos novos movimentos sociais dos anos 1980; ao contrrio,
vemos um trabalho de cria-o de identidade acontecendo entre muitos
dos grupos mais orientados por interesses no incio do sculo
dezenove (Calhoun, 1994; DAnieri, Ernst e Kier, 1990).
Ciclos e repertriosEm vez de ocorrerem separadamente, um de cada
vez, os movimentos sociais nacionais frequentemente vm em ciclos de
reivindicaes. Logo que os primeiros insurgen-tes do incio ao ciclo,
cada vez mais demandantes dispu-tam reconhecimento e resposta. Isto
continua at um ponto de intensidade mxima, depois seguido por um
declnio na frequncia, no sucesso e na civilidade das reivindicaes e
dos demandantes (Koopmans, 1993; Tarrow, 1989 e 1995). Mltiplos
reivindicantes incluem representantes legais dos mesmos interesses,
defensores dos interesses estabelecidos
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ameaados por novas reivindicaes, defensores de interes-ses
adjacentes e grupos ligados a interesses no relacionados que
aproveitam oportunidades de alianas ou de presses sobre as
autoridades assediadas. Como resultado, os ativis-tas se empenham
muito para criar coalizes e tentar formar identidades coletivas
mais amplas em torno delas, disputan-do o controle de organizaes,
eliminando agendas rivais, criando expresses de apoio unificado
para seus prprios programas e negociando com as autoridades.
Tal como o confronto coletivo em geral, as aes dos movimentos
sociais assumem a forma de repertrios: nme-ros limitados de
desempenhos alternativos historicamente estabelecidos ligando
reivindicadores a objetos de reivindi-cao (Tilly, 1978 e McAdam,
1983). Grandes desempenhos incluram a criao de associaes ou
partidos de interesse especial, reunies pblicas, demonstraes,
passeatas, cam-panhas eleitorais, empenho para fazer peties,
presso, ocu-pao forada de terras e edificaes, programas de
publica-es, formao de instituies de servio pblico e constru-o de
barricadas (Traugott, 1995). Atualmente, os ativistas de movimentos
sociais podem criar tambm hotlines, apare-cer em programas de
televiso e organizar fruns de cor-reio eletrnico frequentemente
ultrapassando fronteiras nacionais.
Os repertrios no so simplesmente uma proprieda-de dos atores do
movimento; so uma expresso da intera-o histrica e atual entre eles
e seus opositores. Assim, a demonstrao pblica reprimida por ser uma
ameaa ordem at 1848 na Gr-Bretanha foi aceita e regulariza-da pela
prtica policial nos fins do sculo dezenove. Mais recentemente, as
tticas empregadas pelo movimento ame-ricano pelos direitos civis
nos anos 1950 e 1960 refletiram a disputa entre a represso e a
facilitao, assim como a fora do movimento e suas vises estratgica e
ttica. As autorida-des reagem difuso de um novo repertrio com
represso,
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facilitao e, em muitos casos, desenvolvendo estratgias de
controle social que transformam uma nova ttica em par-te do
repertrio convencional (McCarthy, Britt e Wolfson, 1991; Della
Porta, 1995).
Os repertrios existentes corporificam uma tenso criativa entre
inovao e persistncia, refletindo suas lgi-cas instrumental e
expressiva muito diferentes. A eficcia instrumental de um repertrio
deriva basicamente de sua novidade, de sua habilidade de,
temporariamente, pegar desprevenidos oponentes ou autoridades e de
criar exem-plos de desordem pblica que so custosos aos interesses
estabelecidos. O uso repetido do mesmo repertrio diminui sua
eficcia instrumental e, desta forma, encoraja a inova-o ttica. Esta
a maior razo para a escalada e a radica-lizao das tticas em muitas
campanhas de movimentos, e leva os movimentos a fazerem concesses s
suas faces mais radicais, condenando-os a serem descritos com
sucesso como extremistas por seus oponentes e pela mdia.
No entanto, os repertrios tm tambm uma funo expressiva cuja
lgica encoraja a persistncia em vez da mudana. A lgica expressiva
do repertrio raramente foi reconhecida, mas ajuda a explicar por
que os repertrios convencionais persistem apesar das vantagens
instrumen-tais da inovao. Especialmente durante os estgios iniciais
de um ciclo de protesto, as escolhas tticas feitas por grupos
desafiantes expressam sua identificao com os primeiros insurgentes
e sinalizam uma definio mais ampla e inclu-siva da luta que surge.
Retrospectivamente, os estudiosos podem ver um ciclo especialmente
um ciclo de reforma como um conjunto de 6, 7, 8... n movimentos
distintos , mas esta viso quase sempre distorce a perspectiva dos
parti-cipantes na poca. Eles se consideram apenas uma parte de uma
ampla comunidade poltico-cultural que se expande rapidamente
lutando a mesma luta em algumas frentes relacionadas. E uma parte
significativa do que une e defi-
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ne esses vrios grupos como uma comunidade coerente sua
dependncia persistente das mesmas formas modulares (Tarrow, 1994,
cap. 2; Tilly, 1995c).
Os ciclos de movimentos e os repertrios relacionam-se tambm de
outras maneiras. Primeiro, dentro de um mes-mo ciclo, temas,
smbolos e inovaes tticas de aes indi-viduais e grupais influenciam
uns aos outros, como ocorreu quando os estudantes americanos se
apropriaram da ttica de sentar-se passivamente (sit-in) e de outros
quadros de ao coletiva usados pelos ativistas pelos direitos civis
nos anos 1960 (McAdam, 1988). Segundo, a interao intensa de um
ciclo gera oportunidades e incentivos para inova-es que so muito
mais raras e mais arriscadas fora destes ciclos. Terceiro, o prprio
movimento de um ciclo que vai de uma fase expansiva para uma retrao
altera as situaes estratgicas de todos os participantes, mudando
com isso a atratividade relativa de formas diferentes de interao,
sem mencionar a proeminncia relativa de outros atores como modelos,
inimigos, rivais ou aliados. Quarto, as formas de ao associadas a
reunies de apoio, a obteno de publici-dade ou a presso de
reivindicaes tendem a generalizar-se e tornar-se acrscimos de longo
prazo aos repertrios de ao coletiva. Aquelas que so associadas de
forma repetida e visvel a fracassos tendem a desaparecer.
Os movimentos sociais se desenvolvem dentro de limi-tes
colocados por estruturas prevalecentes de oportunidade poltica: as
organizaes formais de governo e de polticas pblicas; a facilitao e
a represso das reivindicaes dos grupos desafiantes por parte das
autoridades e a presena de aliados potenciais, rivais ou inimigos
afetam, de forma significativa, qualquer padro de confronto do
sistema pol-tico. As organizaes de movimentos sociais, por exemplo,
comumente criam estruturas paralelas quelas dos deten-tores do
poder aos quais dirigem suas demandas; em geral, um Estado
altamente centralizado gera organizaes de
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movimentos mais centralizadas do que um Estado federal
fragmentado (Kriesi et al., 1995). Contudo, num prazo mais longo, a
ao do movimento social tambm altera as estru-turas de oportunidade,
principalmente ao contribuir para mudanas nos modos conhecidos de
reivindicar, nas formas de represso e facilitao por parte das
autoridades e nas identidades polticas estabelecidas.
De movimentos a revoluesEssas regularidades nos movimentos
sociais sugerem para-lelos surpreendentes com as revolues. Uma
revoluo uma alterao rpida, violenta e durvel do controle social
sobre um Estado, o que inclui uma fase de soberania aber-tamente
contestada. Podemos facilmente distinguir entre situaes
revolucionrias (momentos de profunda frag-mentao do poder do
Estado) e resultados revolucionrios (transferncia do poder do
Estado para novos atores), con-siderando como uma revoluo
completamente desenvolvi-da qualquer combinao extensiva dos dois
(Tilly, 1993). As formas e temas da revoluo variam
significativamente com as estruturas de oportunidade poltica: a)
apresentando pretendentes dinsticos onde a dinastia tem normalmente
uma sucesso definida de novos governantes e b) assumin-do formas
nacionalistas onde o sistema de governo j traba-lha com populaes
que demandam identidades nacionais distintas.
As situaes revolucionrias se parecem com casos extremos de
ciclos de movimentos sociais: quando aumenta a diviso no interior
de um sistema poltico, todos os direi-tos e identidades passam a
ser contestados, a possibilidade de permanecer neutro desaparece e
a vulnerabilidade do Estado torna-se mais visvel para todos os
envolvidos. Assim como a mobilizao bem-sucedida de um dos
contendores do movimento social estimula as reivindicaes tanto
entre os rivais como entre os aliados, os revolucionrios que
rei-
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vindicam o poder do Estado incitam mobilizaes ofensi-vas ou
defensivas de grupos anteriormente inativos. Alm disso, a tomada de
fato de parte do poder do Estado por um grupo altera imediatamente
as perspectivas de atores retardatrios que precisam escolher entre
aliana, ataque, autodefesa, fuga e desmobilizao. Consequentemente,
as rivalidades, coalizes, reivindicaes e aes defensivas aumentam
rapidamente. Os estudiosos do confronto, devi-do sua propenso de
ver movimentos sociais e revolues como gneros separados, cada um
deles com suas prprias leis imutveis, ainda no comearam a explorar
esses para-lelos e interseces entre os movimentos, ciclos de
protesto e revolues (ver Goldstone, 1994).
Identidades coletivas e redes sociaisOutro segmento de nosso
mapa inicial ilustrar o problema de conexes que no foram realizadas
e a urgncia de reu-nir duas perspectivas diferentes sobre o
confronto poltico, identidades coletivas e redes sociais. O papel
da formao da identidade coletiva nos movimentos sociais, enfatizado
pelas abordagens construtivista e cultural, tornou-se recen-temente
um aspecto importante na teorizao sobre o con-fronto poltico3. Esta
nfase logo foi ultrapassada, dado o carter distintivo da vida
moderna identificado por inme-ros analistas sociais (ver, por
exemplo, Berger e Luckmann, 1967, p. 64). Na sociedade pr-moderna,
afirmam esses dois autores, a vida social era estritamente
circunscrita devido evidente falta de mobilidade geogrfica e
social. O efei-to prtico destas restries era criar uma forte
equivalncia
3 Os trabalhos de Alberto Melucci (1988 e 1989) so fontes de
muitas pesquisas re-centes. Para uma excelente compilao de
trabalhos sobre identidade poltica, ver Calhoun et al. (1994). De
fato, esta teorizao volta at a explicao de Pizzorno e tem mais
razes estruturalistas do que os defensores da recente abordagem
cultural reconhecem sobre a vitalidade e espontaneidade da revolta
dos traba-lhadores italianos nos anos 1960. Ver Pizzorno (1978) e o
trabalho inspirado por ele em Crouch e Pizzorno (1978).
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estrutural entre o indivduo e o grupo. De fato, na maior parte
dos lugares e pocas, o indivduo vivia toda sua vida numa nica tribo
ou em grupo isolado similar. Moderna-mente, sem dvida estremecemos
s de pensar numa vida como essa. Os limites empricos desta vida
seriam para ns um antema. Contudo, apesar de todas as bvias
carncias associadas a tal existncia, no se veria entre elas uma
falta de sentido e de identidade.
Tudo isso, afirmam Berger e Luckmann, comeou a mudar com a rpida
ruptura da forte equivalncia estrutural entre o indivduo e o
coletivo que caracterizava a sociedade pr-moderna. Alimentada por
trs tendncias a expanso do capitalismo industrial, a urbanizao e o
surgimento do moderno Estado-nao esta transformao comeou no incio
da Europa moderna e se acelerou nos sculos dezoito e dezenove. Os
analistas j tinham notado h muito tempo o significado e o momento
em que ocorreram estas tendn-cias e o papel que desempenharam na
transformao da vida poltica e econmica. Entretanto, o que no se
notou to frequentemente foi o que se pode denominar mudanas
ontolgicas ocasionadas por elas. De modo bem simples, a
modernidade, o conjunto de tendncias que libera-ram o indivduo do
isolamento da sociedade pr-moderna, alterou fundamentalmente a
estrutura ontolgica e a din-mica da vida social. Significado e
identidade passaram a ser menos caractersticos de algum mundo da
vida estvel e mais uma realizao social colaborativa.
O que isso tem a ver com confronto poltico? A trans-formao da
vida, de pr-moderna a moderna, tornou a poltica popular uma das
fontes principais da construo de sentido e de identidade na vida
social. Consideramos que isso uma lio duradoura de The making of
the English working class, de E. P. Thompson (1964). Com isso,
Thomp-son liberou a anlise de classe de sua priso produtivista, mas
deixou de lado modos no classistas de formao da
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identidade coletiva e a relao especfica entre a ao cole-tiva e a
identidade coletiva.
Mas que aes criam novas identidades? Como estudio-sos de
movimentos sociais, ao coletiva e revolues ainda temos de criar uma
verdadeira microbase relacional para explicar a formao de
identidades coletivas novas e trans-formadas. Alguns estudiosos
analisaram a interao face a face de pequenos grupos para
identificar este processo, que Melucci (1988) chama de negociao de
identidades cole-tivas. Mas esta microperspectiva isola o grupo
face a face do movimento maior do qual parte e de suas relaes com
outros significativos: antagonistas, aliados e agentes cultu-rais
mais amplos que restringem e incentivam a ao cole-tiva (Snow e
Benford, 1992; Snow et al., 1986). No decorrer de nosso projeto
esperamos fazer da formao relacional de identidades coletivas um
dos principais objetivos da sntese conceptual. Duas abordagens
atuais nos do alguns indcios.
Escolha racional e anlise de redesOs que propem a perspectiva da
escolha racional esto cor-retos em salientar a importncia do estudo
do ativismo indi-vidual. Enganam-se, a nosso ver, na sua concepo
extrema-mente estreita e geralmente materialista de incentivos e no
seu retrato do indivduo quase sempre anmico. Tem-se a imagem de um
outsider isolado decidindo se vai ou no ade-rir a uma certa ao
coletiva oferecida por algum tipo de empreendedor. O que falta a
esta viso o grau de insero e investimento ontolgico dos indivduos
em vrios tipos de estruturas e prticas sociais.
A falha das primeiras teorias de escolha racional em reconhecer
e investigar esta insero da ao coletiva dis-torceu o processo de
recrutamento e agregao e deixou os estudiosos insensveis a toda uma
classe de incentivos que parecem ser decisivos na maioria dos
casos. Tericos mais recentes reconheceram que h diferentes
problemas e solu-
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es relativas ao coletiva. O dilema do rebelde, salien-ta Mark
Irving Lichbach, tem uma variedade de solues diferentes (Lichbach,
1995, p. xii). Lichbach aproxima um pouco mais a teoria da escolha
racional da insero social que vemos nos processos de mobilizao.
Entre as solues que ele vislumbra para o dilema do rebelde esto os
mer-cados, as comunidades, os contratos e as hierarquias.
Por seu lado, os analistas de rede do confronto poltico
salientaram a insero social e organizaram evidncias
impres-sionantes do seu papel na mediao do recrutamento e agre-gao
para o ativismo (Gould, 1991 e 1993; McAdam, 1986). Mas em geral
calaram-se sobre a dinmica sociolgica bsica que d origem aos
achados relatados... na maioria dos casos, no se oferece nenhuma
teoria para explicar os efeitos obser-vados (McAdam e Dieter, 1993,
p. 641). Fica-se com uma ima-gem inquietante do indivduo como um
autmato estrutural, forado a agir pela fora desta ou daquela insero
social.
Os analistas de rede dos movimentos sociais nunca explicaro
completamente os efeitos marcantes que seus modelos prognosticam
sem abordar explicitamente a ques-to dos incentivos, motivaes e
identidades coletivas.
Podem-se fazer progressos com essas linhas. Nossa caracterizao
inicial de pessoas inseridas e ontologicamen-te comprometidas em
vrios tipos de estruturas e prticas sociais sugere a direo que
pretendemos tomar. Supe-se que a maioria das pessoas participe da
ao coletiva que est baseada nas comunidades das quais derivam os
signifi-cados e identidades importantes para sua vida e bem-estar.
Ao oferecer esta proposio no supomos nenhum clculo consciente da
parte do indivduo. Mesmo sem avaliar cons-cientemente custos e
benefcios, as pessoas agem para con-firmar ou salvaguardar as
fontes centrais de significado e identidade em suas vidas,
especialmente quando h mode-los disponveis na forma de repertrios e
reivindicaes inseridas na histria do grupo.
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So comuns os exemplos na literatura histrica recen-te sobre o
confronto poltico: na Amrica do Norte, seria difcil explicar a
rpida mobilizao e difuso do movimen-to pelos direitos civis sem
reconhecer que se tornou firme-mente inserido em duas instituies as
igrejas negras e as faculdades centrais para a vida e identidade
dos sulistas negros (McAdam, 1982, pp. 12-31). Na Frana, os achados
de Roger Gould (1991, 1993 e 1995) sobre a grande partici-pao da
vizinhana na Comuna de Paris podem ser inter-pretados da mesma
maneira. Aproveitando-se das fontes estruturais de sentido e
identidade na vida das pessoas, os lderes da insurreio que produziu
a Comuna conseguiram assegurar apoio para sua causa.
Alm disso (e aqui nos voltamos para o potencial de construo de
identidade do confronto poltico), os dois con-juntos de eventos
acima descritos mudaram as identidades de forma duradoura. Quando o
movimento americano pelos direitos civis declinou no fim dos anos
1960, ele fun-damentalmente mudou o significado de ser
afro-america-no. De modo semelhante, embora a Comuna de Paris tenha
sido implacavelmente destruda, ela deixou atrs de si um significado
novo e mais coletivista do termo republicano, gerando uma insero
mais profunda dessas ideias nas clas-ses mais baixas de Paris. E
quando os bolcheviques de Lenin adotaram o nome Comunistas, a
herana da Comuna tor-nou-se internacional.
Esses exemplos contradizem a imagem tradicional da escolha
racional de indivduos isolados optando pela ao coletiva ou
abandonando-a, e ajudam a explicar por que o alardeado problema do
carona (free-rider) pode no ser to problemtico no final das contas.
A maior parte dos movimentos no surge porque os outsiders so
induzidos a se juntar luta; ao invs, eles so agregados a partir da
soli-dariedade e dos compromissos ontolgicos das estruturas
primrias de mobilizao do movimento que esto, por sua
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vez, ligadas s comunidades de identidade comunicadas por meio de
redes sociais.
Movimentos sociais e poltica institucionalNossa insistncia
anterior nas continuidades entre os movi-mentos, ciclos e revolues
e, na ltima seo, sobre a inser-o da ao coletiva nas comunidades e
redes sociais ressal-ta uma afirmao mais bsica: a de que no h
nenhuma descontinuidade fundamental entre os movimentos sociais e a
poltica institucional. No apenas rejeitamos o argu-mento de que a
atividade do movimento social irracional; afirmamos que tal
atividade uma escolha estratgica entre outras feitas pelos atores
quando a resposta mais apropria-da aos seus recursos, oportunidades
e restries. A ativida-de do movimento social escolhida como uma
alternativa determinada pela situao a uma variedade de outras
formas de comportamento, que vo desde aes coletivas no
estruturadas, organizaes de grupos de interesse at ativismo no
interior de partidos polticos e instituies.
Embora no seja controversa em si, esta afirmao con-duz a vrias
outras:
Primeiro, de que no h atores ou grupos inerente-mente orientados
para movimentos sociais, mas apenas situ-aes, capacidades e
restries que fazem surgir atividades de movimento social.
Segundo, medida que essas situaes, capacidades e restries se
desenvolvem, os mesmos grupos que agem nas ruas e montam barricadas
podem ser encontrados em grupos de presso, escritrios de jornais e
em partidos polticos.
Terceiro, esses vrios tipos de atividades podem ser combinados
no repertrio dos mesmos grupos e podem at ser empregados
simultaneamente.
Quarto, os movimentos podem cooperar com os parti-dos e grupos
de interesse, competir com eles por apoio ou tentar ocupar o mesmo
espao poltico.
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Para acrescentar detalhes empricos nossa perspecti-va, considere
um fenmeno como o movimento anti-imi-grao, a Frente Nacional
Francesa (French National Front). Certamente, ela um partido
poltico que disputa eleies, apresenta propostas polticas e busca
obter cargos pblicos. Mas reflete tambm a presena difusa de milhes
de france-ses que no se sentem representados e cuja identidade em
formao como um movimento anti-imigrao muito evi-dente, tanto devido
aos frequentes ataques fsicos a imigran-tes como pelo apoio
crescente, registrado em pesquisas, a polticas anti-imigratrias. Se
conceituarmos os movimentos apenas como formas alternativas e
mutuamente exclusivas de partidos, seramos forados a escolher uma
identidade para a Frente Nacional que ignorasse sua dupla face de
par-tido e movimento e tambm a focalizar apenas um nvel de
atividade e ignorar outros que no combinassem com nos-sa opo.
Note as implicaes para os pesquisadores: os estudos que
focalizam apenas movimentos, ignorando seu lugar na luta poltica
como um todo, tornam difcil captar as suas mudanas relativas a
apoios, tticas e objetivos porque so profundamente afetados por
seus recursos, oportunidades e restries assim como por outros
atores na luta poltica (Kriesi et al., 1995).
Pode-se objetar que alguns movimentos no so instru-mentalmente
orientados, como partidos e grupos de inte-resse, mas so
expressivos e visam a elaborao de objetivos internos, como a formao
de identidades coletivas (Cohen, 1985; Melucci, 1988). Respondemos,
em primeiro lugar, que os partidos e grupos de interesse tambm tm
como tarefa fundamental o enquadramento interpretativo (framing) de
identidades coletivas; segundo, que as atividades expressivas dos
movimentos envolvem a manifestao tanto da identi-dade como do
interesse; e que, diante de estados ativos e influentes, at os
movimentos autorreferidos encontram o
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poder do Estado em alguns pontos e ajustam suas estrat-gias em
resposta a isto. As identidades precisam ser reco-nhecidas para
serem validadas e os estados e seus anexos so as agncias mais
simbolicamente poderosas para tal reconhecimento (Calhoun, 1994, p.
21).
Se pensssemos que os movimentos sociais so simples agregados de
identidades e interesses, estaramos incli-nados a estud-los por
meio de seus documentos, de suas declaraes pblicas e de sua
negociao interna de identi-dades coletivas. Mas os movimentos tambm
combinam as reivindicaes coletivas s autoridades com demonstraes de
que a populao merecedora, unificada, numerosa e comprometida. E
isso dirige nossa ateno para as aes pblicas as performances que os
movimentos apresentam, tanto para marcar suas demandas s
autoridades como para criar e manter seus adeptos. Em outras
palavras, nossa con-cepo de movimentos dirige o foco metodolgico
para o estudo sistemtico e historicamente estruturado da ao
coletiva de confronto4.
O uso de fontes pblicas disponveis sobre reivindica-es e ao
coletiva permite tratar das relaes complexas e variveis entre
movimentos sociais e poltica institucional das seguintes maneiras:
primeiro, pode revelar os tipos de atores sociais que tendem a
interagir de forma contencio-sa com estados, elites e outros
atores; segundo, pode mos-trar se e como esses atores combinam
formas contenciosas de ao coletiva com comportamentos mais
convencionais dentro e no entorno das instituies; terceiro, pode
indicar mudanas de recursos, oportunidades e restries associadas s
alternncias entre formas mais ou menos contenciosas de ao coletiva;
quarto, pode indicar relaes entre as aes desses atores e as de
outros durante os mesmos perodos de
4 Ver McAdam (1982), Olzak (1989a), Tarrow (1989) e Tilly
(1995b) sobre discus-ses metodolgicas representativas.
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tempo para averiguar a hiptese acima de que ciclos de pro-testo
produzem quadros interpretativos de ao coletiva e uma acelerao da
inovao da ao coletiva atravs de um amplo espectro de grupos
sociais; quinto, pode revelar as mudanas nos padres de ao coletiva
que produzem situ-aes revolucionrias e interaes entre pessoas
poderosas e desafiantes que convertem essas situaes em resultados
revolucionrios.
Algumas questes esto na agenda de pesquisa relativa s relaes
entre movimentos sociais e instituies polticas: Os movimentos
sociais esto se assemelhando aos grupos de interesse pblico? O
protesto pblico tornou-se to difundi-do no mundo ocidental que sua
aceitao geral rouba sua qualidade disruptiva e, portanto, sua
capacidade de estimu-lar respostas? Os processos de globalizao
criaram uma aldeia global de movimentos sociais possibilitando que
as teorias criadas no Ocidente possam ser aplicadas a pases no
ocidentais e nos quais os movimentos sociais transna-cionais se
formam e escapam s fronteiras do Estado nacio-nal? Essas questes
nos levam a dois enigmas finais.
Dois enigmas finaisPode ter ocorrido ao leitor (ocorreu aos
autores h algum tempo!) que muito do que se pensou ao escrever este
texto baseou-se at agora nas experincias das democracias
parla-mentares ocidentais na era do movimento social nacional. Isso
significa que os conceitos aqui usados dizem respeito ape-nas s
democracias industriais avanadas do Ocidente? Ou apenas que no
foram sistematicamente especificados e ope-racionalizados para
tratar outros perodos ou tipos de regime ou ainda movimentos que
transcendem o Estado nacional? Infelizmente, tal a fragmentao do
campo do confronto poltico que ainda no estamos em condies de
propor nem mesmo respostas provisrias a esta indagao, mas
gostara-mos de colocar essas questes de forma mais completa.
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Condies de ocorrncia do confronto polticoSeguindo intuies
razoveis sobre as condies que desen-cadeiam diferentes tipos de
confronto poltico, os estudiosos de coups dtat concentraram sua
ateno em pases em que as organizaes militares gozam de considervel
autonomia poltica; os que estudam revolues o fizeram em relao s
regies agrrias em vias de se tornar industrializadas e
capitalistas; estudiosos de movimentos sociais focalizaram as
democracias parlamentares ocidentais; e assim por diante, atravs de
uma variedade de conexes entre temas e casos. Alm de tudo, a
disponibilidade de evidncias e a localiza-o dos estudiosos
introduziram um forte vis nos trabalhos existentes sobre confronto
poltico na Europa Ocidental e na Amrica do Norte contemporneas.
Essas ligaes entre localizao e temas podem ser ape-nas acidentes
que se relacionam a lugares onde os recursos esto concentrados ou
os problemas de pesquisa so obser-vados, mas em princpio, fenmenos
como revolues ou movimentos sociais podem variar de forma to
significati-va em sua realizao em diferentes tempos e lugares que
nenhuma regularidade emprica mereceria extrapolao. Duas questes
tornam problemticas estas condies de ocorrncia: (1) em que medida
as regularidades no con-fronto poltico variam no tempo e no espao e
(2) em que medida a ateno desproporcional da literatura Europa
ocidental e Amrica do Norte produz generalizaes enga-nadoras sobre
vrias formas de confronto? Os especialistas na Somlia, Bsnia, China
ou Afeganisto, por exemplo, devem avaliar que generalizaes de
trabalhos anteriores podem ser transpostas com segurana para suas
prprias regies. Quais as concluses que dependem tanto das
cultu-ras, histrias e reformas polticas peculiares das democracias
capitalistas contemporneas que no seriam vlidas fora de suas zonas
de origem?
Esta pergunta nos leva a trs respostas.
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Primeiro, no conhecemos as condies de ocorrncia que deram base s
generalizaes mais correntes sobre o con-fronto poltico, e s podemos
descobri-las por meio de uma comparao deliberada e cuidadosa no
tempo e no espao. (Mas certamente no as descobriremos assumindo a
priori que os pases no ocidentais so inerentemente e sempre
diferentes do Ocidente, resolvendo com uma proclamao culturalista a
questo das condies de ocorrncia.) Pode-ramos supor que modelos de
movimentos sociais e de con-flitos de classe, baseados na
experincia europeia ocidental e suas extenses, falhariam se
aplicados fora do mbito dos estados relativamente centralizados,
burocratizados e par-lamentarizados, mas s podemos descobrir isso
testando-os comparativamente em relao a modelos que tenham surgi-do
da experincia no ocidental (Boudreau, 1995).
Segundo, anlises causais slidas do confronto poltico oferecem a
possibilidade de se descobrir princpios no de uniformidade, mas de
variao que uma das razes de fazermos trabalho comparativo (Tilly,
1984b). Se, por exem-plo, descobrirmos que tanto os fatores
desencadeadores como as formas de guerra dependem da organizao
pre-dominante do poder militar em cada Estado e das relaes entre as
classes dominantes de Estados potencialmente beli-gerantes, este
achado nos desafiaria a estipular quo dife-rentes teriam de ser as
organizaes militares predominan-tes e as relaes internacionais de
classe das que observa-mos para que afetassem os desencadeadores e
as formas da guerra. Achados relativos ao impacto da estrutura
varivel de oportunidades polticas sobre o carter dos movimentos
sociais convidam extrapolao e testagem fora das demo-cracias
parlamentares nas quais geralmente esto fundados (Brockett, 1991).
Em suma, os contrafactuais que inevita-velmente utilizamos ao
explorar fenmenos cuja variao observamos sugerem, sem sombra de
dvida, explicaes cujo mbito poderiam facilmente ultrapassar os
limites de
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nossas observaes correntes. Mais uma vez, podemos ape-nas
tentar.
Terceiro, tanto as condies de ocorrncia quanto nos-so
conhecimento atual sobre elas variam seguramente para tipos
diferentes de fenmeno. Grupos de interesse, partidos, eleies e
venda de influncia poltica quase certamente ope-ram de forma
diferente no Camboja ou no Zaire do que o fazem no Canad ou no
Reino Unido. Por esta razo, expor-tar para algum outro lugar
concluses baseadas na experin-cia anglo-canadense implica duplo
risco. Mas, quando se trata de identidade poltica, cidadania e
nacionalismo, ao menos possvel que esses fenmenos dependam
suficientemente de condies mundiais para permitir uma generalizao
cautelo-sa pelos continentes, ou por pocas histricas. E isso conduz
ao nosso enigma final a globalizao dos movimentos.
O mundo em processo de globalizao e movimentos
transnacionais?Muito do nosso conhecimento sobre confronto poltico
vem no s do Ocidente industrializado como tambm se refere aos
ltimos duzentos anos o auge do que chamamos movi-mento social
nacional. Reconhecemos (e escrevemos sobre isso) as diferenas entre
este conjunto de fenmenos e o que o precedeu na histria ocidental
(Tilly, 1983, 1984a, 1995b; Tarrow, 1994), mas apenas comeamos a
considerar, com outros especialistas, as implicaes para o confronto
poltico do que est sendo chamado de globalizao da poltica.
Este no o lugar para detalhar as vrias verses e pro-priedades da
tese da globalizao. As suas formas fortes5 fazem cinco
afirmaes:
5 As verses mais fortes da teoria so apresentadas pelo cientista
poltico James Ro-senau (1900), que v uma nova fase de crescimento
da turbulncia global desde o fim da Segunda Guerra Mundial, e tambm
pelas comunicaes do especialista Michael ONeill (1993), para quem
uma nova era de poder transnacional das pes-soas foi promovida pela
televiso global, fax e mdia eletrnica privada.
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Primeiro, as tendncias econmicas dominantes no final do sculo
vinte caminharam para uma interdependn-cia econmica
internacional.
Segundo, o crescimento econmico dos anos 1970 e 1980 aproximaram
os cidados do norte e do oeste daque-les do leste e do sul,
tornando os ltimos mais conscientes de sua desigualdade.
Terceiro, a interdependncia econmica global e a rela-tiva
pobreza internacional contriburam para estimular movi-mentos
massivos da populao do sul e oeste para o norte e leste. Como os
imigrantes no perdem mais o contato com seus pases de origem e no
podem ter esperanas de obter cidadania, permanecem estrangeiros
para sempre.
Quarto, as comunicaes globais podem estreitar os laos entre o
centro e a periferia do sistema mundial. As tecnologias de
comunicao descentralizadas e privadas, como os computadores
conectados em rede, aceleraram o crescimento das comunicaes
interdependentes globais.
Quinto, essas mudanas estruturais possuem um con-comitante
cultural: o de que vivemos num universo cultu-ralmente mais
unificado, em que os jovens se vestem da mesma forma, andam nos
mesmos skates, jogam os mesmos jogos de computador e ouvem o mesmo
rock.
Essas mudanas resultam na verso mais forte da tese do movimento
social transnacional que tem as seguintes caractersticas
gerais:
Primeiro, as estruturas nacionais de oportunidade poltica que
costumavam estruturar apenas a ao cole-tiva e reprimi-la podem
estar diminuindo. O Estado nacional, incubador e centro de
movimentos sociais no passado, pode no ser mais o nico a restringir
ou esti-mular movimentos. Isso especialmente verdadeiro nos lugares
em que os sistemas polticos nacionais concorda-ram em compartilhar
a soberania como na Comunidade Europeia com instituies
transnacionais (e, s vezes,
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subnacionais) polticas e econmicas emergentes (Marks e McAdam,
1996).
O segundo efeito suposto o declnio da capacidade dos governos de
exercer controle sobre o sistema poltico nacional.
A crescente fluidez do capital, do trabalho, das mercadorias, do
dinheiro e das prticas culturais enfraquece a capacidade de
qualquer Estado particular de controlar os acontecimentos dentro de
suas fronteiras (Tilly, 1995a, p. 1).
Terceiro, a capacidade de apresentar novas formas de ao coletiva
tambm deve estar provavelmente crescendo. Onde a comunicao
eletrnica se torna um meio para pro-pagar informaes de movimentos,
h uma maior capacida-de de as pessoas em todo o mundo ganharem mais
poder com pouco risco o que pode ser denominado de navega-o livre
na internet (Tarrow, 1995).
Formas de ao coletiva transnacionais pacficas e virtual-mente
institucionalizadas acompanharam esta mudana: do movimento
estudantil dos anos 1960 (McAdam e Dieter, 1993) s campanhas
pacficas que se espalharam pela Europa e Amrica do Norte nos anos
1980 (Rochon, 1988), ao movimen-to ambiental global, que liga os
partidos verdes e movimentos que ultrapassam fronteiras nacionais
(Dalton, 1994), at as associaes no-governamentais que oferecem
recursos para proteger os direitos e dar publicidade s injustias
contra os povos nativos da Austrlia Amrica Latina (Brysk, 1993;
Yashar, no prelo). Esses grupos transnacionais so cada vez mais
relevantes para a poltica externa e para a poltica inter-nacional
(Keck e Sikkink, 1994; Pagnuco e Smith, 1993).
No entanto, a rpida difuso da informao, a imigra-o e at a
militncia podem no ser suficientes para produ-zir movimentos
globais. A histria e a teoria do movimento social sugerem alguma
cautela. As razes histricas para tal
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cuidado com a verso forte da tese transnacional podem ser
resumidas em dois pontos: em primeiro lugar, a integrao da economia
mundial no exatamente nova6. E, em segun-do, a expanso do
capitalismo, as comunicaes e as ondas de imigrao resultantes
difundiram os movimentos de forma muito similar e com objetivos
semelhantes por todo o mun-do. Basta pensar nas razes
europeia-orientais do movimento dos trabalhadores em vesturio
criado nas oficinas opressivas (sweatshops) no Lower East Side de
Manhattan nos anos 1890; ou nos movimentos socialista e anarquista
que foram criados por imigrantes italianos no Chile e na
Argentina.
Isso nos leva aos achados da teoria do movimento social. Se
aprendemos alguma coisa nos ltimos 25 anos de pesquisa sobre
movimentos sociais que eles no dependem apenas do interesse ou da
oportunidade, mas se formam atravs de redes sociais nativas nas
sociedades domsticas. Afirmamos anteriormente que as pessoas aderem
ao coletiva muito mais devido s redes de pessoas ligadas umas as
outras por um lao interpessoal especfico do que organizao formal ou
incentivos individuais. Os que defendem a tese forte da globalizao
tero de mostrar que as redes transnacionais (e inevitavelmente
distantes) de ativistas tm os mesmos efeitos que as redes face a
face e as identidades coletivas resultantes que tinham sido as
bases do movimento social nacional.
Nem todos os movimentos prospectivos tm recursos para reagir s
foras transnacionais com ativismo proporcio-nal. Vejamos, p.ex., o
movimento trabalhista: no fosse por mais nada, pelo simples fato de
o capital ter maior mobili-dade que o trabalho, os movimentos dos
trabalhadores tm sido incapazes de reagir efetivamente
interdependncia econmica global que reestruturou o trabalho em todo
o mundo (Tilly, 1995a). At na Europa, onde a Unio Euro-
6 s dar uma olhada em Age of Empire, de Hobsbawm, para concordar
com ele que, no centenrio das revolues francesa e americana, o
mundo tinha se torna-do genuinamente global (1987, p. 13).
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peia parecia encorajar a cooperao transnacional, o traba-lho
organizado no conseguiu combinar a taxa de cresci-mento dos negcios
multinacionais com a cooperao atra-vs das fronteiras nacionais
(Marks e McAdam, 1996)7.
por isso que a verso mais fraca do movimento social
transnacional pode ser mais plausvel do que a forte: ela no afirma
que as instituies transnacionais emergentes ou uma expanso da
capacidade de comunicao criaro automatica-mente movimentos
transnacionais, mas que fornecero novas oportunidades e maiores
recursos que podem transformar as redes sociais nativas em
movimentos sociais nacionais. De fato, os exemplos mais relevantes
no dizem respeito a movi-mentos globais com captulos nacionais, mas
ao intercmbio poltico entre atores aliados cujo contato foi
facilitado pela integrao econmica global e pela comunicao. Em suma,
no sabemos se, no final, a globalizao tornar anacrnicos os
movimentos sociais nacionais. Se o fizer, suspeitamos que a poltica
institucionalizada, a interao poltica contnua e as redes sociais
nativas continuaro a estruturar a dinmica do confronto poltico.
ConclusoEsses so nossos pensamentos preliminares sobre os quatro
tpicos que delineamos no incio deste texto e que ocupa-ro nossa
ateno nos prximos anos. Eles deixam questes urgentes em aberto. A
guerra civil, o genocdio e o conflito entre Estados pertencem ao
mesmo universo terico que os movimentos sociais e as revolues? A
evaso, a fuga e o que James Scott chama de formas dirias de
resistncia obe-
7 Alm disso, depender das organizaes de movimentos de pases
industriais avan-ados no o melhor caminho para os ativistas dos
pases do Terceiro Mundo or-ganizarem movimentos nativos. De um
lado, porque seus laos com ambientalistas internacionais so
frequentemente frgeis ou intermitentes (MacDonald, s.d.). De outro,
porque as relaes entre dois atores quase sempre favorecem os que tm
per-cia e acesso ao poder em detrimento dos que vm para ajudar.
Quando os primeiros se vo, seus aliados locais podem se dispersar
ou ficar mais vulnerveis represso.
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decem s mesmas leis que o confronto coletivo manifesto? Quanto e
como o confronto coletivo altera as identidades por intermdio das
quais as pessoas lidam com suas rela-es sociais no dia a dia?
Trabalhos recentes tornaram tais questes mais urgentes do que
nunca, mas as evitamos na esperana de identificar problemas com os
quais o conheci-mento atual possa lidar mais facilmente.
Ento, como convm topografia atual do terreno inte-lectual que
buscamos atravessar, nossos pensamentos so necessariamente
fragmentados, parciais e, esperamos, pro-vocativos. Quisemos
compartilh-los esperando estimular um dilogo contnuo, tanto com
nossos colegas do projeto como, de forma mais difusa, com todos que
buscam uma compre-enso mais profunda da dinmica do confronto
poltico.
Solicitamos seus comentrios e esperamos um inter-cmbio
prolongado e produtivo. Que comece a conversa!
Doug McAdam Professor of Sociology na University of
ArizonaSidney Tarrow Professor of Government na Cornell
UniversityCharles Tillyera University Distinguished Professor na
New School for Social Research (falecido em 2008)
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Resumos / Abstracts
PArA mAPeAr o CoNFroNTo PoLTICo
Doug McADAM, SiDney TARRow e chARleS Tilly Diferentes formas de
confronto poltico, como movimentos sociais, revolues, mobilizaes
tnicas e ciclos de protesto compartilham algumas propriedades
causais, mas tais simi-laridades foram obscurecidas pela fragmentao
disciplinar. Trabalhos recentes e esta nova revista Mobilization
ofere-cem oportunidades para comparao e sntese. Uma rede de
pesquisadores vem realizando uma ampla pesquisa sobre confronto
poltico e espera produzir um mapa inteligvel do campo, uma sntese
das pesquisas recentes, uma especi-ficao das condies de ocorrncia
dos fenmenos para a validao das teorias disponveis e uma investigao
sobre as mudanas nas caractersticas do confronto em todo o mundo.
Discusses sobre 1) movimentos sociais, ciclos e revolu-es; 2)
identidades coletivas e redes sociais; 3) movimentos sociais e
poltica institucional e 4) globalizao e confronto transacional
ilustram a promessa e os perigos do empreendimentoPalavras-chave:
Confronto poltico; Movimento social; Ao cole-tiva; Rede social;
Movimento transnacional.
tO MaP cONtENtIOUs POLItIcsDifferent forms of contentious
politics such as social movements, revolutions, ethnic
mobilizations, and cycles of protest share a number of causal
properties, but disciplinary fragmentation has obscured their
similarities. Recent works and this new journal Mobilization
provide opportunities for comparison and synthesis. A network of
researchers is undertaking a broad survey of contentious politics
in hopes of producing an intelligible map of the field, a synthesis
of recent inquiries, a specification of scope conditions for the
validity of available theories, and an exploration of worldwide
changes in the character of contention. Discussions of
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232
Resumos / Abstracts
1) social movements, cycles and revolutions; 2) collective
identities and social networks; 3) social movements and
institutional politics; and 4) globalization and transnational
contention illustrate the promise and perils of the enterprise.
Keywords: Political contention; Social movement; Collective
action; Social network; Transnational movement.
As TeorIAs Dos moVImeNTos soCIAIs: um BALANo Do DeBATe
AngelA AlonSoEste artigo apresenta as trs principais teorias de
explica-o dos movimentos sociais, constitudas nos anos 1970; a
Teoria de Mobilizao de Recursos, a Teoria do Processo Poltico e a
Teoria dos Novos Movimentos Sociais. Em segui-da, mapeiam-se as
reformulaes de que essas teorias foram objeto, seja em reao s
crticas recebidas, seja para fazer face s mudanas empricas das
ltimas dcadas, que acen-tuaram as dimenses cultural e transnacional
do ativismo.Palavras-chave: Teorias dos movimentos sociais;
Mobilizaes coletivas; Ativismo transnacional; Cultura e ao
poltica.
thE thEOrIEs Of sOcIaL MOvEMENts: a rEvIEw Of thE dEbatEThis
article presents the main theories on social movements raised in
the 70s: the Resource Mobilization Theory, the Political Process
Theory and the Theory of the New Social Movements. Then, the
article discusses how those theories had to reshape themselves to
face the criticisms they received as well as the empirical
transformations the activism went through during the last decades,
which stressed its cultural and transnational dimensions.
Keywords: Social movements theories; Collective mobilizations;
Trans national activism; Culture and political action.
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