MINISTÉRIO DA JUSTIÇA CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA Rui Penha (Juiz Formador CFJ) 1 Direito Civil I Introdução ao direito Capítulo I – Introdução 1.1. Noção de Direito Direito consiste no ordenamento jurídico da sociedade. Direito é o sistema normativo de conduta social, coactivamente protegido porque mobilizado à realização da justiça. 1 O objecto material do direito, a matéria a que ele se reporta, é a vida social, são as relações dos homens entre si, as relações inter-humanas. Dai que o direito não seja uma mera realidade abstracta, visando antes a solução de casos concretos da vida em sociedade. 2 Ou seja, o Direito não regula o ser humano isolado, mas os homens na sua relação uns com os outros, procurando solucionar nessas relações os interesses conflituantes entre eles, disciplina que, por vezes, é conseguida dando-se preferência a um dos interesses em prejuízo de outros. 3 O Direito integra-se na sociedade como ordem normativa, que tem por base a que é a ordem natural ao homem: a ordem social. 4 A ordem jurídica traduz-se no complexo normativo que ordena os aspetos mais relevantes da sua vivência social, exprimindo-se através de regras 1 Pereira, Introdução ao Estudo do Direito e às Obrigações, 2001, pág. 11. 2 Ascensão, O Direito. Introdução e Teoria Geral, 2005, pág. 14. 3 Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1999, pág. 21. 4 Diogo e Januário, Noções e Conceitos Fundamentais de Direito, 2007, pág. 74.
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
1
Direito Civil I
Introdução ao direito
Capítulo I – Introdução
1.1. Noção de Direito
Direito consiste no ordenamento jurídico da sociedade. Direito é o sistema normativo de conduta
social, coactivamente protegido porque mobilizado à realização da justiça.1
O objecto material do direito, a matéria a que ele se reporta, é a vida social, são as relações dos
homens entre si, as relações inter-humanas. Dai que o direito não seja uma mera realidade
abstracta, visando antes a solução de casos concretos da vida em sociedade.2
Ou seja, o Direito não regula o ser humano isolado, mas os homens na sua relação uns com os
outros, procurando solucionar nessas relações os interesses conflituantes entre eles, disciplina
que, por vezes, é conseguida dando-se preferência a um dos interesses em prejuízo de outros.3
O Direito integra-se na sociedade como ordem normativa, que tem por base a que é a ordem
natural ao homem: a ordem social.4 A ordem jurídica traduz-se no complexo normativo que
ordena os aspetos mais relevantes da sua vivência social, exprimindo-se através de regras
1 Pereira, Introdução ao Estudo do Direito e às Obrigações, 2001, pág. 11.
2 Ascensão, O Direito. Introdução e Teoria Geral, 2005, pág. 14.
3 Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1999, pág. 21.
4 Diogo e Januário, Noções e Conceitos Fundamentais de Direito, 2007, pág. 74.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
2
jurídicas prosseguindo como valores fundamentais, a justiça, a segurança e o bem-estar social,
económico e cultural.5
O que distingue o direito de outras normas reguladoras do comportamento humano, como as
normas éticas ou morais e religiosas é, desde logo, aquela finalidade de regular as relações entre
diversas pessoas (há normas morais ou religiosas que se aplicam ao indivíduo individualmente,
independentemente da interacção com outros), e é essencialmente a imperatividade da norma
jurídica.6
As regras jurídicas emanam da autoridade social que as promulga e têm por fim a tutela dos
interesses individuais e colectivos, segundo um critério de justiça.
As normas jurídicas têm que ser gerais e abstractas, no sentido de serem iguais para todos e
aplicarem-se igualmente a todas as pessoas perante iguais situações que se apresentem na vida
social.
E, como se viu, gozam da característica da coercibilidade, ou seja, podem ser impostas pela força
a quem não as cumpra.
1.2. Direito Público e Direito Privado
5 Diogo e Januário, Noções e Conceitos Fundamentais de Direito, 2007, pág. 83. Veja-se ainda Pinto, Teoria Geral
do Direito Civil, 1999, pág. 18. 6 Ascensão, O Direito. Introdução e Teoria Geral, 2005, pág. 43.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
3
Embora a ordem jurídica seja uma só, a mesma decompõe-se tecnicamente em diversos ramos
(os Ramos de Direito), em função dos princípios gerais que lhe são próprios.7
Tradicionalmente divide-se o ordenamento jurídico em dois grandes sectores, em dois ramos
fundamentais: direito público e direito privado.
O critério que hoje prevalece na distinção destes dois ramos de direito é o da chamada teoria dos
sujeitos, que assenta na qualidade dos sujeitos das relações jurídicas disciplinadas pelas normas a
qualificar como de direito público ou de direito privado.8
Ou seja, o critério de distinção resulta da circunstância de, nas relações sociais a que se reporta o
direito positivo, intervir como um dos sujeitos a autoridade pública, o Estado na sua missão de
soberania (como se costuma dizer, dotado de ius imperii). Significa isto que não basta que o
estado seja um dos sujeitos da relação jurídica, é necessário que nessa relação intervenha dotado
da soberania que lhe é própria, e não, como pode acontecer, no mesmo plano de um comum
cidadão.
Nestes termos, deve exigir-se que a relação para ser de Direito Público deva ser travada entre
entidades dotadas de autoridade política (pública) e que intervenham nessa mesma relação
munidas dessa mesma autoridade (Ius Imperii), reservando para o campo das relações de
Direito Privado não só aquelas que se estabeleçam entre os particulares (não dotados de
autonomia política), mas também as relações de que sejam sujeitos entidades dotadas de
7 Sobre esta questão veja-se Luís da Costa Diogo e Rui Januário, ob. cit., pág. 99, e Oliveira Ascensão, ob. cit., pág.
333. 8 Mota Pinto, ob. cit., pág. 28. No mesmo sentido, Luís da Costa Diogo e Rui Januário, ob. cit., pág. 101-102, e
Oliveira Ascensão, ob. cit., pág. 335.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
4
autoridade política mas intervenham desprovidos dessa mesma autoridade; isto é, no mesmo
plano que os particulares.9
Quer o direito público, quer o direito privado, podem ainda dividir-se em vários outros ramos de
direito.
1.3. Direito objectivo e direito subjectivo
A definição que se apresentou de direito reporta-se ao direito objectivo. Assim, direito objectivo
é o conjunto de normas que ordenam a vida social.
Este, como também já se viu, pode ser dividido em vários ramos, consoante as relações ou
situações sociais que concretamente se pretendem regular.
O direito subjectivo é o direito concedido pelo ordenamento jurídico (o direito objectivo) a um
sujeito determinado, ou indeterminado, mas sempre determinável, como igualmente já se referiu
supra.10
Por exemplo, quando se fala de direito das sucessões, estamos a falar de direito objectivo, mais
concretamente do ramo do direito que regula a forma como se determinam os herdeiros de uma
pessoa falecida, e a forma como se procede à distribuição dos bens do falecido entre estes.
9 Diogo e Januário, Noções e Conceitos Fundamentais de Direito, 2007, pág. 102.
10 Sobre esta materia veja-se Ascensão, O Direito. Introdução e Teoria Geral, 2005, pág. 46.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
5
Mas quando falamos do direito de um herdeiro determinado à herança, já estamos a referir-nos
ao direito subjectivo que esta pessoa em concreto tem, nos termos daquelas regras que
constituem o direito objectivo.
1.3. Direito material e direito processual
Direito material, ou substantivo, é o conjunto de regras que directamente regulam a matéria da
vida social que se pretende ordenar e dirigir.
São as normas que basicamente regulam a vida em sociedade e determinam a forma de resolução
de conflitos entre as pessoas, nos termos que se têm vindo a expor.
O direito processual, ou adjectivo, é constituído por regras que estabelecem, ou regulam o modo
como se pode obter o cumprimento das disposições de direito substantivo. São regras meramente
instrumentais relativamente à realização dos fins que as primeiras se propõem11
. O direito
adjectivo é direito público.
Numa formulação mais simplista dir-se-á que o direito substantivo define ou atribui os direitos
subjectivos das pessoas, e o direito adjectivo regula a forma como esses direitos podem ser
exercidos através dos órgãos do Estado especialmente vocacionados para o efeito, os Tribunais.
11
Luís da Costa Diogo e Rui Januário, ob. cit., pág. 137, e Oliveira Ascensão, ob. cit., pág. 355-357.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
6
2. Fontes de direito
2.1. Noção
Fontes de direito são modos de formação e revelação de regras jurídicas.12
Traduz o processo de
criação e de exteriorização das normas jurídicas.13
São fontes directas ou imediatas do direito a lei e o costume e fontes mediatas a jurisprudência e
a doutrina.
2.2. A Lei
Lei é a norma jurídica decidida e imposta por uma autoridade com poder para a exarar, e
determinar na sociedade política.14
“Lei é um texto ou fórmula significativo de uma ou mais
regras emanadas, com observância das formas estabelecidas, de uma autoridade competente para
pautar critérios jurídicos de solução de situações concretas”.15
Trata-se pois de uma fonte intencional do Direito. Para o art. 2º, nº 2, da Lei nº 10/2003, de 10 de
Dezembro (Interpretação do artigo 1º da Lei nº 2/2002, de 7 de Agosto e Fontes do Direito), leis
são as disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes.16
12
Oliveira Ascensão, ob. cit., pág. 256. 13
Luís da Costa Diogo e Rui Januário, ob. cit., pág. 141. 14
Luís da Costa Diogo e Rui Januário, ob. cit., pág. 142. 15
Oliveira Ascensão, ob. cit., pág. 284. 16
Segundo o Dicionário Universal da Língua Portuguesa, a palavra Lei provém do Latim lege, que significa uma
norma de carácter imperativo, imposta ao homem, que governa a sua acção e que implica obrigação de obediência
e sanção da transgressão (lei positiva); preceito ou conjunto de preceitos obrigatórios que emanam da autoridade
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
7
No mesmo sentido, nos termos do art. 1º, nº 2, do Código Civil, em sentido material, leis são
todas as disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes. Ou seja, é toda a
regra jurídica escrita, emanada dos órgãos do Estado que tenham competência para tal fim.
Em sentido formal, leis serão somente as disposições genéricas provindas do órgão legislativo
normal.
Também o art. 2º, nº 3, da Lei nº 10/2003, de 10 de Dezembro, enumera as fontes de direito
nacionais nos seguintes termos:
a) A Constituição da República;
b) As leis emanadas do Parlamento Nacional e do Governo da República;
c) Supletivamente os regulamentos e demais diplomas legais da UNTAET enquanto não forem
revogados, assim como a legislação indonésia nos termos do artigo 1º da presente lei.
Órgãos legislativos, ou órgãos do Estado com a função de legislar são somente órgãos do Poder
Central: o Parlamento Nacional e o Governo. Vejam-se os arts. 92º e 95º a 98º da Constituição
da RDTL, relativamente ao Parlamento, bem como os arts. 115º a 117º, relativamente ao
Governo.
Sobre este aspecto assume ainda particular relevância a Lei nº 1/2002, de 7 de Agosto, ainda no
mesmo sentido já exposto (arts. 9º, 10º, 12º, 13º e 20º).
soberana de uma sociedade, do poder legislativo; conjunto das regras jurídicas estabelecidas pelo legislador;
(entre outras definições) (acórdão do Tribunal de Recurso de 27-10-2008, proferido no âmbito do processo nº
4/2008, relator Ivo Rosa, publicado no Jornal da República nº 44, Série I, de 26-11-200).
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
8
Conforme referido no aludido acórdão do Tribunal de Recurso de 27-10-2008 (nota 16), “Apesar
disso, no que concerne à identificação das fontes, o texto constitucional faz, em vários
momentos, referência a leis e demais actos do Estado e poder local (art. 2 n. 2); direito
internacional (art. 9); leis constitucionais - Leis de revisão constitucional ( art. 154). Estabelece,
também, a relação hierárquica entre vários tipos de actos legislativos: leis que autorizam o
governo a legislar sobre matéria da competência de reserva relativa do parlamento, definindo o
objecto o sentido e a extensão da autorização (art. 96); leis de bases- leis que estabelecem as
bases gerais dos regimes jurídicos (art. 95 n. 2 al l) e m) bases gerais do sistema de ensino, da
saúde e da segurança social, Por sua vez, o legislador ordinário, através da Lei 1/2002, de 7 de
Agosto, veio dizer, de forma expressa, quais eram os actos legislativos e actos normativos”.
2.3. A Constituição da RDTL
A Constituição ainda se integra na categoria de lei,17
no sentido amplo analisado (lei
constitucional), conforme resulta expressamente do disposto no art. 9º, nº 2, da Lei nº 1/2002, de
7 de Agosto.
Importa, não ignorar, contudo, a especial natureza da lei constitucional.
A Constituição é uma lei específica, com prevalência sobre todas as outras leis. A Constituição
constitui a lei fundamental da sociedade, da colectividade política. Trata-se da lei-quadro
fundamental da República.18
17
Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, vol. I, Coimbra Editora, 4ª
(novação objetiva), ou, ainda, substituir o credor ou o devedor por terceiro estranho a relação
(novação subjetiva).130
4.1.5. Compensação:
Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da
sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor (art. 781º do Código
Civil e art. 1425º do CCI). É indispensável, porém, que as obrigações recíprocas sejam ambas
exigíveis judicialmente, isto é, sejam válidas e vencidas, e ainda que se trate de obrigações que
tenham por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.131
Par que se extingam total
ou parcialmente as obrigações basta que o devedor declare à outra parte querer a compensação.
A compensação terá sobretudo lugar em obrigações pecuniárias.132
4.1.6. Confusão:
Ocorre a confusão quando se reúnem na mesma pessoa as qualidades de credor e devedor da
mesma obrigação. Nessa altura extinguem-se o crédito e a dívida133
(art. 802º do Código Civil e
o art. 1436º do CCI).134
4.1.7. Remissão:
Entende-se por remissão a possibilidade de o credor abdicar do seu crédito a favor do devedor. O
credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor. A remissão resulta de um contrato
130
Sílvio Rodrigues, in “Direito Civil: Parte Geral das Obrigações”, 28ª ed., Ed. Saraiva, São Paulo, 2000, pág. 199. 131
Arts. 781º, nº 1, al. b), do Código Civil e 1427º do CCI. 132
Art. 782º, nº 1, do Código Civil. Já para o CCI (art. 1426º) a compensação é automática, não carecendo da
declaração nesse sentido de qualquer das partes. 133
O credor não pode ser credor de si próprio. 134
Pablo Stolze Gagliano, ob. cit., pág. 261.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
89
oneroso ou gratuito entre as partes. É ainda o corolário do domínio da vontade das partes sobre a
obrigação (art. 797º do Código Civil e art. 1438º do CCI).
As restantes formas de extinção das obrigações já foram anteriormente analisadas.
4.2. Objecto e prova do pagamento
O pagamento é um meio de extinguir a obrigação que há entre credor e devedor, pressupondo a
existência de um vínculo obrigacional devendo ser cumprida a sua prestação.
Como já se referiu, o pagamento significa o desempenho voluntário por parte do devedor.135
Porém, o adimplemento ou cumprimento é a realização, pelo devedor, da prestação
concretamente devida, satisfatoriamente, ambas as partes tendo observado os deveres derivados
da boa fé que se fizeram instrumentalmente necessários para o atendimento do escopo da
relação, em acordo ao seu fim e as suas circunstâncias.136
A sub-rogação é um instituto autónomo. Pode não extinguir a obrigação. Se quem cumpre a
obrigação é um terceiro, como vimos, a obrigação subsiste na pessoa do terceiro. Em vez de se
extinguir o crédito, este transfere-se para o terceiro por vontade das partes ou por força da lei. A
135
Sílvio Rodrigues, ob. cit., pág. 199. 136
Judith Martins Costa, in “Comentários ao novo Código Civil, volume V, tomo I: do direito das obrigações, do
adimplemento e da extinção das obrigações”, 2ª ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2005, pág. 113.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
90
própria relação jurídica sobrevive com a mudança do sujeito ativo. Tratando-se de uma forma de
facilitar o adimplemento, é incentivada pela lei.137
No pagamento com sub-rogação, um terceiro, e não o primitivo devedor, efetua o pagamento.
Esse terceiro substitui o credor originário da obrigação, de forma que passa a dispor de todos os
direitos, ações e garantias que tinha o primeiro.
O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa
(art. 1389º do CCI).
O pagamento deve compreender, como objeto, aquilo que foi acordado. Nem mais, nem menos.
Recebendo o credor o objeto da prestação, seu pagamento, estará a obrigação extinta. Já vimos
que o credor não pode ser obrigado a receber outra coisa, ainda que mais valiosa.138
E ainda que a prestação seja divisível, não pode ser o credor obrigado a receber por partes, se
assim não foi convencionado. Só existira solução da divida com a entrega do objeto da prestação.
Se a prestação é complexa, constante de vários itens, não se cumprirá a obrigação enquanto não
atendidos todos (art. 1390º do CCI).
A prova de pagamento é a demonstração material, palpável de um fato, ato ou negocio jurídico.
É a manifestação externa de um acontecimento. A prova do pagamento é a quitação, consistindo
em um escrito no qual o credor, reconhecendo ter recebido o que lhe era devido, libera o
devedor, do que foi pago.139
O objeto do pagamento deverá ser aquele que foi proposto no
137
Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil: Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, 6ª ed., Ed. Atlas,
São Paulo, 2006, págs. 248-249. 138
Sílvio de Salvo Venosa, ob. cit., pág. 188. 139
A entrega voluntária, feita pelo credor ao devedor, do título original do crédito faz presumir a liberação do
devedor (art. 720º, nº 3, do Código Civil).
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
91
contrato, nem mais, nem menos, mas poderá o credor aceitá-lo se for de seu agrado. Em regra se
paga com a prestação, mas é possível que o credor aceite receber outra coisa no lugar (dação em
pagamento), tratando-se de uma substituição de uma coisa para outra.
5.1. Inadimplemento absoluto e mora
Verifica-se o não cumprimento (incumprimento) da obrigação quando esta deixou de ser
cumprida fielmente, isto é, nos termos em que o devia ser, ou quando é realizada em termos que
não correspondam à adequada satisfação do interesse do credor.
O não cumprimento pode ter carácter definitivo ou consistir no retardamento da prestação. Na
primeira hipótese trata-se do caso de não cumprimento em sentido estrito, e no segundo caso do
não cumprimento que recebe a denominação de “mora” no cumprimento da obrigação. O
devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação,
ainda possível, não foi efectuada no tempo devido (art. 738º, nº 2, do Código Civil).140
E pode ainda verificar-se, por motivo diverso da mora no cumprimento, um cumprimento
imperfeito ou defeituoso.
Em todos estes casos, à falta de cumprimento, o cumprimento imperfeito, a mora no
cumprimento da obrigação, podem ser ou não ser imputáveis ao devedor. É imputável o não
cumprimento da obrigação quando o devedor falta culposamente a esse cumprimento. A
inexecução da obrigação é um facto ilícito, que quando deriva da culpa do devedor acarreta a sua
140
Para ocorrer uma situação de mora, é necessário que ainda seja possível realizar a prestação em data futura. Por
esse motivo, em certo tipo de obrigações não se admite a ocorrência de mora, levando a violação do vínculo
obrigacional directamente ao incumprimento definitivo.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
92
responsabilidade pelos prejuízos que causa. Trata-se da forma da responsabilidade civil
denominada responsabilidade obrigacional (art. 732º do Código Civil e art. 1243º do CCI).
A falta de cumprimento não acarreta responsabilidade, quer nos casos em que se verificam
causas legítimas de não cumprimento, isto é, em que é lícito não cumprir, quer nos casos em que
não deva legalmente atribuir-se ao devedor culpa pelo não cumprimento.141
Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for
realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os
efeitos não cumprida a obrigação (art. 742º, nº 1, do Código Civil).142
Excepção de não cumprimento e direito de retenção:
A excepção do não cumprimento do contrato e direito de retenção consistem na possibilidade de
uma das partes, nos contratos de que resultam obrigações negociais para ambas as partes, não
cumprir a sua obrigação correlativa enquanto a outra parte não cumprir a sua.143
Também o devedor não é responsável pelo não cumprimento quando goza do direito de retenção,
que consiste precisamente em recusar a entrega de uma coisa, que em princípio devia entregar, e
que a lei autoriza que fique na sua posse, a garantir o cumprimento dessa obrigação do credor
para com o devedor a quem é concedida essa garantia especial.
5.2. Mora (espécies)
141
Veja-se os arts. 1244º e 1245º do CCI. 142
a perda de interesse no negócio tem de ser apreciada objectivamente, não bastando a mera afirmação por quem o
invoca de que já não está interessado no cumprimento da obrigação por parte do outro contraente (art. 742º, nº 1, do
Código Civil). 143
Por exemplo, o comprador não é obrigado a pagar o preço se não lhe tiver sido entregue a coisa vendida pelo
vendedor.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
93
5.2.1. Mora do devedor:
A mora do devedor depende, por outro lado, de a prestação não ter sido realizada a tempo
devido. Teremos, assim, que recorrer às normas de determinação do tempo do cumprimento,
para averiguar se o devedor esta ou não em situação de mora.
A regra é a de que as obrigações são puras, ou seja, que não têm prazo certo estipulado. Nesse
tipo de obrigações, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou
extrajudicialmente interpelado para cumprir (art. 739º, nº 1, do Código Civil e art. 1243º do
CCI).
A interpelação consiste precisamente na comunicação pelo credor ao devedor da sua decisão de
lhe exigir o cumprimento da obrigação a qual, de acordo com as regras gerais, pode ser expressa
ou tácita. A lei admite que essa comunicação possa ser feita por via judicial ou extrajudicial,
tendo como efeito constituir o devedor em mora, a partir da sua recepção.
Há, porém, casos em que a mora do devedor depende apenas de factores objectivos, tornando-se
irrelevante a existência ou não de interpelação pelo credor.144
As consequências da mora do devedor são as seguintes: obrigação de indemnizar os danos
causados pelo credor e a inversão do risco pela perda ou deterioração da coisa devida.145
Tem
que haver um nexo de causalidade entre a mora e os danos sofridos. A concessão de uma
144
Art. 739º, nº 1, do Código Civil. 145
Arts. 738º, nº 1, e 741º, nº 1, do Código Civil e 1243º do CCI.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
94
indemnização moratória depende da demonstração de que a não realização da prestação no
tempo devido causou prejuízos ao credor.146
Tratando-se de obrigações pecuniárias, a lei fixa legalmente uma indemnização por considerar o
dano como necessariamente equivalente à perda da renumeração habitual do capital durante esse
período, ou seja, o juro (art. 740º, nº 1, do Código Civil e art. 1250º do CCI). A indemnização
corresponde aos juros desde a data da constituição em mora (juros moratórios), não se
permitindo ao credor a exigência de qualquer outra indemnização, e dispensando-o da prova dos
requisitos do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano.147
5.2.2. Mora do credor
O credor incorre em mora, sempre que, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é
oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação
(art. 747º do Código Civil e art. 1404º do CCI). A mora tem assim os seguintes pressupostos: a
recusa ou a não realização pelo credor da colaboração necessária para o cumprimento e a
ausência de motivo justificado para essa recusa ou omissão.
A mora do credor tem os seguintes efeitos: obrigação de indemnização por parte do credor,
atenuação da responsabilidade do devedor e inversão do risco pela perda ou deterioração da coisa
(art. 748º do Código Civil).
146
Estes danos poderão consistir, por exemplo, em despesas, que o credor teve que suportar durante o período da
mora para satisfazer as suas utilidades que lhe seriam proporcionadas pela prestação. 147
Veja-se o § 2º do art. 1250º do CCI.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
95
Capítulo IV – Responsabilidade Civil
1.1. Conceito de responsabilidade civil.
A responsabilidade civil corresponde ao dever de determinado sujeito de reparar o prejuízo
sofrido por outrem, em razão de um acordo anteriormente firmado, ou por imposição de lei148
.
A responsabilidade civil consiste na necessidade imposta pela lei a quem causa prejuízos a
outrem de colocar o ofendido na situação em que estaria sem a lesão149
.
1.2. Responsabilidade civil contratual e responsabilidade civil extracontratual
Basicamente, a sé divide em duas grandes espécies: a responsabilidade e a extracontratual.
A responsabilidade civil contratual corresponde à imposição da reparação dos danos resultantes
da violação de um acordo prévio entre as partes. Não tem necessariamente que se tratar de um
contrato, podendo resultar de um acto jurídico unilateral. Por exemplo, no caso de gestão de
negócios150
, o gestor pode ser obrigado a indemnizar a pessoa em nome da qual negociou se a
148
O CCI integrou a responsabilidade civil extracontratual precisamente num capítulo que mereceu a tradução para
inglês de “contratos resultantes da lei” (capítulo III do Livro III, Contracts arising by force of law. Ou seja, relações
geradoras de obrigações emergentes da própria lei, por contraposição às que resultam de contratos. 149
Carlos Alberto da Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª ed. Actualizada, Coimbra Editora, 1999, pág.
114. 150
A gestão de negócios consiste na direcção de negócio alheio no interesse e por conta do respectivo dono, sem que
tenha existido qualquer mandato nesse sentido (art. 339º do projecto e art. 1357º do CCI). Ou seja, uma pessoa
celebra um negócio em nome de outra, ou administra os bens de outra, como se fosse representante desta, mas sem
que tenha recebido dela poderes para o efeito, por entender que este seria o que a mesma pretenderia. Por exemplo,
se um amigo meu tem um imóvel desocupado e eu sei que o mesmo pretende arrendar o mesmo, quando este está do
estrangeiro, em férias, surgindo um interessado em tomar o imóvel de arrendamento, por uma valor de renda que
acho muito bom, embora não tenha procuração para o efeito, procedo ao arrendamento em nome do proprietário,
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
96
gestão causou prejuízos a esta e o gestor agiu com negligência, ou se interrompeu a gestão sem
causa justificativa (arts. 401º, nº 1, do projecto e 1356º do CCI)151
.
No entanto, a situação mais comum de responsabilidade civil contratual é da violação de um
contrato. Por exemplo, numa contrato de compra e venda o comprador recebe o bem mas não
paga o preço. Ou o comprador recebe o preço da mercadoria mas não entrega esta. Num contrato
de arrendamento o arrendatário (inquilino) não paga a renda, ou o senhorio Não faz as obras
necessárias à reparação do imóvel por forma a que o inquilino possa usufruir do imóvel.
No caso de incumprimento contratual, a parte inadimplete (a parte que deixa de cumprir o
contrato, fica obrigada a indemnizar a outra parte pelos prejuízos resultantes do seu
incumprimento (arts. 732º do projecto e 1241º do CCI). O contrato passa a valer como
verdadeira lei entre as partes e o seu incumprimento por qualquer delas faz surgir o direito a
indemnização por aquele que se tornou lesado ante este inadimplemento. É nisto que consiste a
responsabilidade civil contratual, conforme a definição expressa supra (a necessidade/obrigação
imposta pela lei de o causador dos prejuízos reparar os mesmos).
A responsabilidade civil extracontratual, também chamada de responsabilidade aquiliana, tem
origem num acto ilícito não contratual, causador de prejuízo. Enquanto na responsabilidade
contratual há um vínculo anterior entre o credor e o devedor, na responsabilidade delitual (ou
extracontratual) tal vínculo poderá não existir.
ficando depois obrigado a transmitir a este a posição contratual e prestar-lhe contas (arts. 400º e 404º do projecto e
arts. 1354º a 1357º do CCI). 151
Daí que Mota Pinto, ob. cit., pág. 123, questione a definição de responsabilidade civil contratual. Esta é, porém, a
definição mais comum.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
97
Assim, no caso mais comum do acidente de viação, nenhum vínculo existia antes de tal evento
entre as partes envolvidas. A relação jurídica é constituida (nasce) com o facto ilícito.
1.3. Responsabilidade civil extracontratual e responsabilidade penal
Na responsabilidade penal o delinquente infringe uma norma de direito público, ocorrendo uma
reação do ordenamento jurídico, pois o interesse lesado é da sociedade. E o delinquente responde
pela privação da liberdade.
Na responsabilidade civil o interesse diretamente lesado é do interesse privado, a
responsabilidade civil é patrimonial, o património do devedor é quem responde por suas
obrigações. O interesse é da vítima, se esta permanecer inerte ou resignar a seu direito nenhuma
consequência haverá para o causador do dano.
A responsabilidade penal consiste na obrigação do seu autor se submeter a certas penas que são a
reparação do dano causado na ordem moral da sociedade. É de natureza extritamente pessoal e é
intransmissível152
, contratriamente à responsabilidade civil, que pode passar para os herdeiros do
responsável153
. É indiferente que exista um particular ou uma entidade colectiva lesada.
A responsabilidade civil tem carácter essencialmente patrimonial e por isso a obrigação de
indemnização que é seu conteúdo transmite-se aos herdeiros e pode igualmente ser cumprida por
terceiros que não o infractor. Não tem assim natureza estritamente pessoal; o que importa é
assegurar a reparação do dano causado
152
Art. 32º, nº 3, da Constituição e art. 12º, nº 1, do CP. 153
Veja-se o art. 1379º do CCI, para os casos de injúrias ou difamação e o art. 68º do Código Civil.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
98
Embora a responsabilidade civil possa existir sem responsabilidade penal, uma vez que nem
todos os factos ilícitos são puníveis criminalmente (princípio da intervenção subsidiária, como
ultima ratio, do direito penal), os ilícitos criminais que tenham um lesado particular (por vezes o
próprio Estado), geram igualmente responsabilidade civil extracontratual.
Nos termos dos arts. 72º e 284º do CPP e 104º do CP, o responsável por ilícito criminal deverá
ser igualmente condenado pela inerente civil, ainda que se conclua que apenas esta se verifica,
inexistindo qualquer responsabilidade criminal154
.
O art. 104º do CP estipula expressamente no seu nº 2 que a indemnização civil resultante dos
danos causados por ilícito criminal é apurada nos termos da responsabilidade civil
extracontratual.
2. Elementos da responsabilidade civil extracontratual
Nos termos do art. 417º, nº 1, do CCI, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o
direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica
obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Disposição semelhante
encontramos no art. 1365º do CCI155
, o qual se aplica apenas aos actos dolosos, ou voluntários,
154
Importa aqui referir que a responsabilidade civil pode existir sem culpa (como se verá infra), contrariamente à
responsabilidade criminal que pressupõe sempre a existência de culpa. Mais, por vezes a responsabilidade criminal
exige o dolo, ao passo que a responsabilidade civil se conforma com a mera culpa (ou negligência). Veja-se o crime
de dano, que tem que ser doloso (art. 258º, nº 1, do CP), enquanto o dano negligente é sempre gerador de
responsabilidade civil extracontratual. 155
Na versão em inglês “A party who commits an illegal act which causes damage to another party shall be obliged
to compensate therefor”.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
99
mas que é extensivo os actos cometidos por negligência pelo art. 1366º156
. Apenas pode haver
responsabilidade pelo risco, ou seja, independentemente de culpa, quando a lei expressamente o
determinar157
.
A responsabilidade civil extra contratual, radica em quatro pressupostos essenciais: o facto
ilícito, o nexo de imputação subjectiva, o dano e o nexo de causalidade.
O facto ilícito traduz-se no evento, na acção ou omissão, enquanto ocorrência resultante da acção
humana lesiva de bens jurídicos pessoais e patrimoniais.
O nexo de imputação subjectiva exprime a ligação psicológica do agente com a produção do
acidente e traduz o grau de censurabilidade que a conduta merece.
O dano representa o desvalor infligido aos bens alheios por acção do facto ilícito.
Finalmente o nexo de causalidade revela-se no juízo de imputação objectiva do dano ao facto
que o produz.
O facto ilícito:
O primeiro requisito para que se verifique responsabilidade é a existência de um facto humano
voluntário. Assim, não será facto relevante para este efeito o evento natural onde não intervenha
156
Na versão em inglês “An individual shall be responsible, not only for the damage which he has caused by his act,
but also for that which was caused by his negligence or carelessness”. 157
Art. 417º, nº 2, do Código Civil, e 1367º a 1369º do CCI.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
100
a vontade humana minimamente determinante158
. Por exemplo, uma inundação que cause danos
na habitação de uma pessoa não é facto para efeitos de responsabilidade civil extracontratual.
Para além de um facto humano tem que ser um facto do lesante, podendo consistir numa acção
ou numa omissão159
.
O facto tem ainda que ser ilícito.
A ilicitude pode resultar da violação de um direito subjectivo absoluto ou da violação de normas
que visam a protecção de interesses alheios.
A violação de um direito subjectivo absoluto verifica-se, por exemplo o caso injúrias e
difamação previsto nos arts. 1372º a 1380º do CCI160
. Trata-se de um direito de personalidade
com consagração constitucional (art. 36º da Constituição), também previsto nos arts. 67º e 418º
do projecto.
Os direitos reais também são direitos absolutos, pelo que a sua violação confere direito a
indemnização, conforme se pode verificar, por exemplo, pelos arts. 563º do CCI (para o caso de
esbulho violento da posse) e 1204º do projecto.
A segunda situação referida engloba a violação de qualquer norma que vise a protecção de
interesses alheios. O caso mais comum de responsabilidade civil extracontratual por violação de
158
Manuel Neves Pereira, in “Introdução ao Estudo do Direito e às Obrigações”, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2001,
pág. 264. 159
A acção lesiva será por exemplo uma agressão (ofensa corporal) praticada pelo lesante no corpo do lesado, e a
omissão será, por exemplo, a conduta do médico que, estando obrigado a tratar o lesado se recusa a fazê-lo. 160
A injúria e difamação, são factos ilícitos expressamente previstos e regulados de forma exaustiva no CCI como
geradores de responsabilidade civil extracontratual, embora com a aprovação do novo CP tenham deixado de
integrar o elenco dos ilícitos penais.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
101
normas que visam a protecção de interesses alheios são os acidentes de viação. No caso de um
acidente de viação existirá, em princípio161
, a violação de uma norma do Código da Estrada162
pelo menos por parte de um dos intervenientes. Efectivamente, ao regular a forma como os
condutores se devem comportar ao conduzirem na via pública, pretende-se assegurar o interesse
de todos os cidadãos (e de cada um em particular) a que possam circular em segurança, seja em
veículos seja a pé, nas vias públicas nacionais.
Os requisitos para que se preencha este segundo tipo de ilicitude são: (a) que a lesão os interesses
do particular se verifique através da violação de uma norma legal; (b) que a norma violada tutele
directamente interesses particulares e não que os interesses particulares sejam protegidos porque
tal resulta da protecção de interesses colectivos; e (c) que o dano verificado seja daqueles que a
norma visa ao tutelar interesses privados163
.
Constituem ilícitos especialmente previstos na lei:
No projecto, (a) a ofensa do crédito ou do bom nome (art. 418º); (b) prestação de conselhos,
recomendações ou informações (art. 419º); e (c) simples omissões (art. 420º).
No CCI, (a) homicídio doloso ou negligente (art. 1370º); (b) ofensas à integridade física dolosa
ou negligente (art. 1371º); e (c) a injúria ou difamação (arts. 1372º a 1380º).
161
Se não existir, não existirá igualmente responsabilidade civil extracontratual subjectiva, embora possa existir
responsabilidade civil extracontratual objectiva ou pelo risco (o CCI, não prevê, contudo, este tipo de
responsabilidade para os acidentes de viação). 162
O Código da Estrada foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 6/2003, de 3 de Abril. 163
Manuel Neves Pereira, in “Introdução ao Estudo do Direito e às Obrigações”, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2001,
pág. 265.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
102
São causas de exclusão da ilicitude164
: (a) o exercício de um direito ou cumprimento de um dever
(prevalece o interesse mais relevante) (art. 326º do projecto); (b) a acção directa (art. 327º do
projecto); (c) a legítima defesa (art. 328º do projecto); (d) o estado de necessidade (art. 330º do
projecto); e (e) o consentimento do lesado (art. 331º do projecto).
O nexo de imputação subjectiva (culpa):
Culpa em sentido lato é a imputação de um acto ilícito ao seu autor, traduzido num juízo segundo
o qual este devia ter-se abstido desse acto165
. A culpa, para a responsabilização civil, é entendida
no sentido lato, abrangendo tanto o dolo como a negligência, ou seja, todas as espécies de
comportamentos contrários ao direito, sejam intencionais ou não, mas sempre imputáveis ao
causador do dano.
Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou
censura do direito: o lesante, pela capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação,
podia e devia ter agido de outro modo166
.
O comportamento causador do prejuízo é ilícito objectivamente desde que viole a diligência
objectiva que, relativamente aos interesses de terceiros, tutelados pela ordem jurídica, se impõe.
A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em
face das circunstâncias de cada caso (art. 421º, nº 2, do projecto).
164
O CCI não prevê expressamente esta matéria. 165
Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, 7ª ed., Coimbra Editora, 1997, pág. 324. 166
Pires de Lima e Antunes Varela, no “C. Civil Anotado”, 4ª ed., vol. 1º, Coimbra Editora, 2010, pág. 474.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
103
Ou seja, a culpa é apreciada em abstracto, em face das circunstâncias de cada caso, pela
diligência de um homem médio em abstracto167
.
Nos termos do art. 421º, nº 1, do projecto, é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da
lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.
Porém, a jurisprudência portuguesa, para norma semelhante168
vem entendendo que a culpa será
de presumir quando houver inobservância de normas jurídicas, dispensando-se a sua prova em
concreto, desde que, o evento causador da lesão seja um daqueles que a lei pretende evitar
quando impôs a disciplina traduzida na norma regra violada.
Como já se referiu, a culpa pode consistir numa acção dolosa, em qualquer das suas
modalidades: dolo directo, necessário ou eventual, ou em mera culpa (culpa stricto sensu ou
negligência).
O dano
Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se
tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 497º do projecto)169
. O cálculo efectua-se,
assim, pela chamada teoria da diferença.
Tal reconstituição é possível de alcançar através de reconstituição natural ou mediante o
pagamento de uma indemnização em dinheiro, quando aquela não é possível (art. 501º do
projecto).
167
Almeida e Costa, “Direito das Obrigações”, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 1979, pág. 388. 168
Art. 487º do Código Civil Português de 1966. 169
Não existe norma semelhante no CCI.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
104
No entanto na responsabilidade civil, a indemnização nunca poderá exceder o montante dos
prejuízos que é a regra comum ou critério geral para fixação do montante da indemnização, quer
seja fundada em dolo como em culpa.
O dano ou prejuízo é sempre a ofensa ou lesão dum interesse. Consoante a natureza patrimonial
ou moral do interesse lesado, assim o dano poderá ser um dano patrimonial (avaliável em
dinheiro) ou moral (não avaliável em dinheiro).
Tanto os danos patrimoniais como os danos morais beneficiam de tutela legal; e a sua ofensa
pode acarretar sanções jurídicas civis (os danos morais são também ressarcíveis, como determina
o art. 430º, nº 1, do projecto)170
.
Os danos causados pelo acto ilícito podem, em outra perspectiva, distinguir-se em danos
emergentes, se determinam uma diminuição efectiva do património preexistente, e lucros
cessantes, quando consistam na frustração de um ganho, duma expectativa legítima de aumento
de património (art. 499º do projecto).
O dano emergente compreende a redução do património do lesado, o que existia à data da lesão.
O lucro cessante compreende o acréscimo patrimonial que em virtude do dano deixará de
ocorrer171172
.
170
O CCI não contém norma semelhante a esta mas é óbvio que a obrigação de indemnização abrange tanto os
danos patrimoniais como os danos morais. Este entendimento extrai-se com segurança da análise dos arts. 1365º a
1367º do CCI, que claramente incluem entre os danos indemnizáveis danos que não têm natureza patrimonial, como
sejam a “mutilação” resultante de ofensas à integridade física (art. 1371º) e a ofensa à honra ou bom nome de uma
pessoa (arts. 1372º e 1377º). 171
Manuel Neves Pereira, in “Introdução ao Estudo do Direito e às Obrigações”, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2001,
pág. 265. 172
Por exemplo, é indemnizável a expectativa que o lesado tinha de vir a auferir um determinado salário como
mecânico numa plataforma de exploração petrolífera, trabalho para o qual tinha já sido contratado, se, em virtude
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
105
O art. 499º, nº 2, do projecto, prevê ainda a indemnização por danos futuros. Os danos futuros
são aqueles que no momento é previsível que venham a verificar-se173
.
Nexo de causalidade
Nos termos do art. 498º do projecto, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos
que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Consagra-se a chamada teoria da causalidade adequada. O facto tem que ser causal do dano.
É a relação necessária entre o evento danoso e ação que o produziu. Não pode existir
responsabilidade civil sem a relação de causalidade entre o dano e a ação que o provocou.
3. Responsabilidade civil extracontratual pelo risco (ou objectiva)
A responsabilidade civil pelo risco consiste na reparação do dano, de modo a reconstituir a
situação alterada pela verificação do mesmo dano, a lesão de um interesse legítimo baseada não
na culpa mas no risco resultante de certas situações ou actividades, e que outrem vai assumir.
Trata-se de domínios em que o homem tira partido de actividades que, potenciando as suas
possibilidades de lucro, importam um aumento de risco para os outros174
.
acidente de viação da responsabilidade do lesante, ou de agressão corporal, vier a perder um braço e, por esse
motivo, não poder mais ser contratado para tal trabalho. 173
O melhor exemplo é o da vítima de acidente de viação, que ainda precisa de realizar intervenções cirúrgicas para
recuperar dos danos corporais sofridos. 174
Carlos Alberto da Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª ed. Actualizada, Coimbra Editora, 1999, pág.
119.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
106
Dum ponto de vista positivo, a obrigação de indemnizar, na responsabilidade por risco, baseia-se
na justiça da imputação da obrigação de indemnizar o lesado àquele que beneficia da actividade
que produziu o dano.
Isso tanto pode suceder quando o dano seja produzido por facto ilícito e por culpa de terceiros
cuja actividade esteja directamente ao serviço daquele a quem a lei impõe também o dever de
indemnizar, como quando o risco de lesão de interesses de outrem resulta de actividades do
próprio agente, que com essas actividades lucra, ou que as organiza, embora não exista culpa na
sua forma de actuação.
O princípio da responsabilidade pelo risco tem vindo a sofrer grande incremento, como forma de
responsabilização dos promotores de certas actividades lucrativas, com especial incidências nas
novas áreas de intervenção dos direitos subjectivos, como sejam o direito do ambiente e o direito
do consumidor.
No que respeita à legislação vigente temos essencialmente:
A responsabilidade do comitente, prevista no art. 434º do Código Civil e no art. 1367º do CCI.
Para que se verifique a responsabilidade do comitente é necessário que exista uma relação de
comissão, ou seja, uma relação que tenha por conteúdo uma prestação realizada por conta e sob a
direcção do comitente175
. Mais é necessária a culpa do comissário, ou seja, que o comissário
tenha actuado de tal forma que se tenha preenchido os referidos elementos da responsabilidade
civil subjectiva. O projecto prevê uma situação especial de responsabilidade do comitente para o
caso do uso de veículos, no art. 437º. Assim, se o acidente resultar de culpa do comissário (por
175
A situação mais comum será a da relação de trabalho.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
107
exemplo o condutor do veículo pertencente a uma sociedade comercial), o comitente (no
exemplo dado a própria sociedade comercial) também responde pelos danos causados.
Responsabilidade por danos causados por animais, prevista no art. 436º do projecto e no art.
1368º do CCI. A responsabilidade por danos causados por animais pode resultar de culpa do
dono ou da pessoa que usa o animal (pode mesmo haver dolo, e inerente responsabilidade
criminal, se o dono do animal ou quem o utiliza o incitar a atacar outra pessoa). Será o caso de o
dono do animal ou a pessoa que o utiliza não cuidar de o prender176
. A responsabilidade pelo
risco existirá, pois, apenas para os casos em que o dono do animal ou a pessoa que tem a
obrigação de o guardar não age com culpa177
. Ainda assim, existe obrigação de indemnização.
Responsabilidade por acidentes causados por veículos, prevista no art. 440º do projecto178
. O
projecto parte do princípio que a circulação de veículos automóveis constitui uma actividade
perigosa, para concluir pela existência de responsabilidade objectiva pelos danos que de tal
circulação possam resultar, ainda que não se prove culpa de nenhum dos condutores dos
mesmos179
. Mais, pode acontecer que apenas um veículo automóvel esteja envolvido e não se
176
O dono do animal ou quem o utiliza tem a obrigação de garantir que o mesmo não cause danos a terceiro. Por
exemplo, se o dono de um cão sabe que este é um animal perigoso e que habitualmente ataca as pessoas com quem
se cruza, se sair com o cão à rua, tem obrigação de açaimar o mesmo e prendê-lo, como forma de garantir que tal
não se verifica. Se não tomar esse cuidado age com culpa. 177
Por exemplo, pode acontecer que o animal fique solto por causa não imputável ao seu dono (uma derrocada que
faça desmoronar o muro do local onde o animal estava preso). 178
O CCI não prevê este tipo de responsabilidade. 179
Por exemplo, normalmente considera-se que a responsabilidade objectiva pela circulação é maior num veículo
pesado que num veículo ligeiro. Assim, se ocorrer um acidente entre um veículo pesado e um ligeiro, a medida da
obrigação de indemnizar será maior para o veículo pesado (importa, porém, considerar que, nos termos do nº 2 do
art. 440º se presume igual a medida da contribuição dos veículos na produção do acidente).
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
108
prove a culpa do seu condutor180
. Ainda aqui o mesmo estará obrigado a indemnizar nos termos
da responsabilidade objectiva prevista no art. 440º, nº 1.
Responsabilidade pelos danos causados por instalações de energia eléctrica ou gás (art. 443º do
projecto). Neste caso, porém, a responsabilidade objectiva é delimitada, não só pelos casos de
força maior, como ainda quando a instalação se encontrar em boas condições técnicas ao tempo
do acidente. É sempre objectiva a responsabilidade se o dano foi causado na condução ou entrega
de electricidade ou gás.
A responsabilidade pelo risco tem limites fixados nos arts. 442º e 444º do projecto181
. A
responsabilidade pelo risco, porque não se baseia na culpa do responsável, tem limites que
podem ser inferiores e até muito inferiores ao montante dos prejuízos.
4. Responsabilidade civil do Estado e outras pessoas colectivas de Direito Público
O art. 157º do projecto, refere-se às pessoas colectivas de Direito Privado, o art. 435º do
projecto, aplica o mesmo regime ao Estado e às pessoas colectivas de Direito Público, pelos
actos dos seus órgãos, agentes ou representantes no exercício de actividades de “gestão privada”.
A responsabilidade de Estado ou pessoas colectivas de Direito Público por actos ou funções
públicas dos seus órgãos ou funcionários rege-se por princípios diversos não contidos no Código
180
Por exemplo, se uma indivíduo tem um carro novo, que legitimamente supõe que está em perfeito estado de
funcionamento, e atropela uma pessoa que se encontrava na berma da estrada porque os travões deixaram de
funcionar por defeito de fabrico do veículo, ele não cometeu nenhum facto culposo, mas não deixa de se considerar
objectivamente responsável por indemnizar a vítima do acidente pelas lesões por esta sofridas. 181
Não existem no CCI.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
109
Civil. É que então a responsabilidade do Estado ou outras pessoas colectivas de Direito Público
(na gestão pública) é mais ampla; não se limitando aos casos em que o funcionário tenha agido
ilicitamente e por culpa. Esta responsabilidade deve, pois, ser regulada por legislação especifica,
conforme previsto no art. 137º, nº 3, da Constituição.
Sucede, porém, que não existe ainda legislação emanada dos órgãos legislativos nacionais que
determine a medida da responsabilidade civil do Estado182
. Nesta área encontra-se, por exemplo,
a responsabilidade decorrente da de condenação injusta em processo penal (art. 31º, nº 6, da
Constituição).
Os princípios da responsabilidade administrativa do Estado são mais amplos. Não importa
averiguar da culpa do agente, ou da culpa do próprio serviço. Não se questiona se houve um mau
funcionamento da atividade administrativa. Basta estabelecer a relação de causalidade entre o
dano sofrido pelo particular e a acção do agente ou do órgão público. Se o funcionamento do
serviço público (bom ou mau não importa) causou um dano, este deve ser reparado.
Analisa-se agora a responsabilidade civil do Estado, decorrente de actos de gestão privada.
Em relação a esta a situação é a mesma da responsabilidade do comitente. Havendo
responsabilidade subjectiva dos agentes do Estado, administrativos ou políticos, haverá sempre
responsabilidade objectiva do Estado (arts. 435º do projecto e 1367º do CCI).
182
Desconhece-se legislação sobre o assunto que vigorasse no território nacional à data de 25 de Outubro de 1999
(art. 1º da Lei nº 10/2003, de 10 de Dezembro) e que, portanto, ainda vigore em Timor-Leste. Em último caso deverá
aplicar-se o regime previsto para a responsabilidade civil por actos de gestão privada, por analogia.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
110
Em concreto pode ver-se o disposto no art. 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 8/2003, de 18 de Junho
(Regulamento de Atribuição e Uso dos Carros do Estado)183
. Porém, no nº 2 do mesmo preceito
estipulou-se que “são excluídos do parágrafo anterior os casos em que o acidente resulte, directa
ou indirectamente, de uma contraordenação grave ou muito grave cometida pelo agente do
Estado envolvido, nos termos dos artigos 140.º e 141.º do Código da Estrada”. Esta norma só
pode ser interpretada no sentido de o Estado poder exercer o direito de regresso contra o seu
funcionário (ou agente), o que significa que não o poderá exercer nos restantes casos.
Efectivamente, não poderá o Estado eximir-se à responsabilidade civil objectiva presviata no
CCI. Ou no projecto.
No mais deve considerar-se o que se expôs supra relativamente à responsabilidade civil do
comitente.
183
O Estado assume a responsabilidade dos seus agentes pelos danos pessoais e/ou materiais resultantes acidentes ou
incidentes que envolvam veículo do Estado, quando o respectivo condutor esteja a utilizar o veículo de forma
legítima.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
111
CAPÍTULO V – Noções Gerais de Contratos
1. O contrato
Contrato é um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios
da função social e da boa-fé objectiva, auto-disciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem
atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades184
.
O contrato pressupõe necessariamente intervenção de duas ou mais pessoas que se põem de
acordo a respeito de determinada coisa. Sem o concurso de duas pessoas, pelo menos, impossível
surgir o contrato, não se podendo admitir que alguém seja ao mesmo tempo, credor e devedor de
si mesmo, o que viria a constituir verdadeiro contradictio in adjectis. Vejam-se os arts. 1233º e
1313º do CCI.
Elementos dos contratos:
a) A capacidade dos contratantes é o primeiro requisito para a validade dos contratos. Qualquer
pessoa pode contratar, desde que não seja absolutamente incapaz (arts. 1329º e 1330º do CCI e
64º e 248º do projecto).
b) Objeto lícito é o segundo elemento, como sendo a operação que os contraentes visaram a
realizar, o interesse que o ato jurídico tem por fim regular (arts. 271º do projecto e 1320º do
CCI).
184
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, in “Novo curso de direito civil - Obrigações”, vol. IV, Saraiva,
São Paulo, 2005, pág. 12.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
112
c) O objeto do contrato, como o da obrigação, tem de ser possível, lícito e suscetível de operação
económica. Além disso, não só as coisas presentes como igualmente as futuras podem ser usadas
pelos contraentes. O objeto do contrato deve ser certo, ou, no mínimo, determinável.
d) O último requisito para a validade dos contratos é respeitante à sua forma, que deve ser legal:
a forma dá ser às coisas.
Principais princípios dos contratos:
a) Autonomia da vontade.
O contrato nasce de uma liberdade de contratar, liberdade esta que é denominada autonomia de
vontade, ou autonomia privada185
.
É no princípio da autonomia da vontade que se funda o princípio da liberdade contratual, e este
consiste no poder de estipular livremente mediante acordo de vontades, a disciplina de seus
interesses, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica186
.
A autonomia de vontade e consequente liberdade contratual devem ser vistas sob dois aspectos, o
da liberdade de contratar propriamente dita, onde as partes de comum acordo estabelecem o
conteúdo do contrato e a liberdade de contratar, que é a faculdade de realizar ou não determinado
contrato, esta, mais utilizada ao se referir aos contratos de adesão.
185
Fernando Noronha, in “O direito do contrato e seus princípios fundamentais”, Saraiva, São Paulo, 1994, pág. 113. 186
Maria Helena Diniz, in “Curso de direito civil brasileiro.Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais”,
vol. 3, Saraiva, São Paulo, 2002, pág 32.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
113
A regra geral é que, dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o
conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes
as cláusulas que lhes aprouver (art. 340º do projecto).
b) Consensualismo. Basta o acordo de duas ou mais vontades para gerar um contrato válido.
c) Obrigatoriedade da convenção.
O princípio da obrigatoriedade da convenção ou do contrato consagra a ideia de que o contrato,
uma vez cumpridos os requisitos legais, torna-se obrigatório entre as partes, que dele não se
podem desligar senão por outro acordo187
. O contrato constitui uma espécie de lei entre as partes,
pacta sunt servanda188
.
Este princípio não é, porém, absoluto, podendo o tribunal modificar as cláusulas contratuais em
certas circunstâncias, por forma a equilibrar situações de manifesto desequilíbrio das posição
contratual das partes (princípio da equivalência das prestações).
d) Relatividade dos efeitos do contrato.
O contrato vincula apenas as partes que o celebram, não podendo ser oposto a pessoa que nele
não teve participação.
Pelo princípio da relatividade dos efeitos do negócio jurídico, o contrato não prejudica e nem
aproveita a terceiros, vinculando exclusivamente as partes que nele intervieram, pois o ato
negocial deriva do acordo de vontade das partes, sendo lógico que apenas as vincule, não tendo
187
Neste sentido o art. 341º, nº 1, do projecto e o art. 1338º do CCI. 188
Silvio Rodrigues, in “Direito civil - Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade”, vol. 3, Saraiva, São
Paulo, 2002, pág. 15.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
114
normalmente eficácia em relação a terceiros189
.
Veja-se o art. 1315º do CCI, que claramente expressa este princípio. No mesmo sentido o art.
341º, nº 2, do projecto.
e) Princípio da boa-fé.
Em sentido objectivo, que é aquele que aqui interessa, a boa-fé constitui um princípio geral de
direito, um princípio normativo que implica a valoração da conduta das partes como honesta,
correcta e leal; é um princípio norteador de conduta, um padrão objectivo de comportamento, um
critério normativo de valoração190
.
A boa-fé objectiva é o dever de agir de acordo com determinados padrões em função da situação
das contrapartes, uma vez que é necessário ponderar, casuisticamente, se estão reunidas as
condições suficientes para criar na contraparte um estado de confiança no negócio celebrado,
para poder a expectativa ser tutelada191
.
A boa-fé é princípio fundamental dos contratos, quer na sua génese, ou seja, na fase de
celebração, quer na sua execução. Vejam-se os arts. 1338º do CCI e 218º e 696º, nº 2, do
projecto.
f) Ordem pública.
189
Maria Helena Diniz, ob. cit., pág 39. 190
Stela Marcos de Almeida Neves Barbas, in “Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do STJ”, ano II, tomo 2º,
Casa do Juiz, Coimbra, 1994, pág. 13 191
Fernando Noronha, ob. cit., pág. 138.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
115
A ordem pública e os bons costumes, prevalece sobre o princípio da liberdade contratual,
cedendo esta quando as cláusulas contratuais contrariem aqueles princípios (arts. 271º do
projecto e 1339º do CCI).
A ideia de ordem publica e constituída por aquele conjunto de interesses jurídicos e morais que
incumbe a sociedade preservar, os quais não podem ser alterados por convenção entre
particulares.
2. Formação do contrato
Para sua formação, os contratos requerem a convergência de, no mínimo, duas vontades
coincidentes; ou consentimento; proposta (declaração que parte do proponente) e aceitação (que
parte do aceitante).
Negociações preliminares são prévias à formação dos contratos.Oo contrato não é obrigatório,
até porque ainda não existe enquanto tal. No entanto, pode surgir responsabilidade para os
participantes dessas negociações: responsabilidade pré-contratual (art. 218º do projecto)192
.
Proposta é a firme declaração receptícia de vontade dirigida à pessoa com a qual pretendem
alguém celebrar um contrato, ou ao público (arts. 215º e 216º do projecto).
A proposta há de ser séria, inequívoca, precisa e completa. O conteúdo da proposta deve denotar
a intenção de celebrar o contrato.
192
O CCI não regula expressamente esta matéria.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
116
Uma vez formulada (ressalvadas as exceções previstas em Lei), a proposta vincula o proponente
e, portanto, obriga a realização do contrato, caso haja aceitação eficaz (isto é, tempestiva,
incondicional e não seguida de retratação)193
.
Aceitação é a concordância com a proposta (como o próprio nome indica, a aceitação). Pode
exteriorizar-se por declaração ou pela prática de actos (p. ex., pelo início do cumprimento ou por
actos de apropriação, como quem recebe um livro que não encomendou e inicia sua leitura ou se
comporta como seu dono), ou, até mesmo, pelo silêncio (silêncio conclusivo)194
.
Se a aceitação contém modificações, restrições ou adições em relação ao que foi proposto, é de
se entender que houve contraproposta195
.
O contrato não fica concluído enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas
sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo196
.
3. Forma e prova dos contratos
A regra é a forma livre. Esta é constituida por qualquer meio de manifestação da vontade no
negócio jurídico, desde que não previsto em lei (art. 210º do projecto).
Porém, quando a lei exige forma especial, esta tem que ser observada, sob pena de nulidade do
contrato (art. 211º do projecto)197
.
193
Art. 221º do projecto. 194
Art. 209º do projecto. 195
Art. 224º do projecto. 196
Art. 223º do projecto.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
117
Quando a lei não exigir forma especial para o contrato, este pode ser provado por qualquer meio
legalmente admissível (art. 502º do CPC).
Mas, quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado
ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que
não seja de força probatória superior (art. 578º, nº 1, do CPC).
Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da
declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contando que,
neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório (art.
578º, nº 1, do CPC).
No primeiro caso trata-se daquilo a que se chama formalidade ad substantiam e no segundo
formalidade ad probationem.
Está-se em presença de uma formalidade ad substantiam, quando a lei se limita a exigir certo
documento como forma de declaração negocial, sem dizer mais nada198
.
4. Interpretação dos contratos
Os artigos 227º a 229º do projecto do Código Civil se determinam as regras de interpretação das
declarações negociais, no artigo 230º do mesmo projecto prevê-se a ocorrência de questões
197
Embora não exista norma semelhante no CCI, as normas que prevêm formalidades especiais para os contratos
sancionam com a nulidade a sua inobservância. 198
Pinto Furtado, in “Manuel de Arrendamento Urbano”, vol. I, 4ª ed. actualizada, Almedina, Coimbra, 2007, págs.
450-455.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
118
relacionadas com o objecto do contrato, que poderiam ter sido, mas não foram, regulamentadas
pelos contraentes e, consequentemente, os meios de integração da declaração negocial.
Tais meios integrativos são, em primeira linha, o recurso às normas supletivas, na medida em
que o normativo legal a que recorremos começa por referir que a sua doutrina só se aplica na
falta de disposição especial.
Em segundo lugar, apelar-se-á à vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto
omisso, ou seja, à sua vontade hipotética ou conjectural.
Por fim, se este critério integrativo se não mostrar operativo, por não haver coincidência entre as
vontades hipotéticas dos contraentes ou, havendo tal coincidência, o resultado apurado ser
injusto, adoptar-se-á a solução mais compatível com os ditames da boa fé.
Sobre esta matéria regulam os artigos 1347º, 1350º e 1351º.
Assim, para integrar os casos de omissão, prevê-se, para além do recurso aos costumes, será
considerado o elemento sistemático, as estipulações expressamente previstas e finalmente as
estipulações da lei.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
119
DIREITOS REAIS
CAPÍTULO I – DEFINIÇÕES E CARACTERÍSTICAS
I. Definição
Direito real é o poder que se exerce sobre uma coisa e que se traduz na possibilidade de exigir de
todos os outros indivíduos o respeito do exercício desses poderes sobre a coisa199
.
No plano interno o direito real caracteriza-se pelo tipo de poderes que podem ser exercidos sobre
a coisa. Por exemplo, direitos reais de gozo ou de garantia.
No plano externo o direito real caracteriza-se pelo poder de exigir dos outros a obrigação passiva
universal, o respeito pelo direito em concreto. Nomeadamente, os direitos de propriedade, de
usufruto, de servidão, de aforamento. Os direitos reais têm eficácia erga omnes. Ou seja, os
direitos reais individuais são impostos a todos os indivíduos, que têm que os respeitar200
.
199
José de Oliveira Ascensão, in “Direito Civil – Reais”, Coimbra Editora (Coimbra), 5ª ed. (2000), pág. 15, a propósito da origem histórica da expressão refere que a mesma deriva da figura actio in rem que se dirigia contra uma coisa, por contraposição à actio in persona que se dirigia contra uma pessoa. 200
Dispenso-me da análise das várias teorias sobre a natureza dos direitos reais (nomeadamente as teorias clássica ou realista e moderna ou personalista) e recomendo sobre o assunto a leitura da monografia de Diana Gomes Carvalhinho, “Direitos Reais: Noções Gerais”, in “Revista Jus Navigandi”, ano 10, nº 739, Teresina (Brasil), 14 Julho 2005 (igualmente acessível em www.juspodivm.com.br). “Existem, pelo menos, duas formas radicalmente opostas de conceber os direitos reais e de contrapô-los aos direitos pessoais: a teoria clássica ou realista e a teoria moderna ou personalista. Em síntese, para a teoria clássica ou realista, os direitos reais devem ser vistos como um poder direto e imediato sobre a coisa, enquanto os direitos pessoais traduzem uma relação entre pessoas, tendo por objeto uma prestação. Por outro lado, os defensores da teoria moderna ou personalista sustentam, basicamente, que o direito real não reflete relação entre uma pessoa e uma coisa, mas, sim, relação entre uma pessoa e todas as demais”.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
120
II. Princípios característicos dos direitos reais
São características fundamentais dos direitos reais: eficácia absoluta, inerência, sequela,
preferência, tipicidade, transmissibilidade, elasticidade, publicidade, e consensualidade.
a) Princípio da eficácia absoluta
Como resulta da própria definição do direito de propriedade, a principal característica dos
direitos reais é a sua eficácia absoluta201
.
Quer isto dizer que os direitos reais são oponíveis erga omnes, atribuindo a seu titular o poder de
exercê-los em face de quem quer que seja e, em contrapartida, impondo a todas as pessoas,
indistintamente consideradas, o dever de respeitar o seu exercício202
.
Os direitos reais são absolutos não porque não sofram quaisquer restrições, mas porque obrigam
toda a sociedade a um dever de abstenção, o dever de não perturbar o seu exercício por parte do
sujeito activo (o titular do direito).
Sobre esta matéria estabelece o art. 572º do CCI que presume-se que a propriedade está livre de
qualquer reclamação. Um indivíduo que reclame algum direito sobre os bens de outro indivíduo,
será obrigado a provar o direito que invoca203
.
201
Este não é contudo entendimento unânime, conforme Menezes Cordeiro, in “Direitos Reais”, Lisboa: Lex Edições Jurídicas, 1993, págs. 302 a 311. 202
Álvaro Moreira e Carlos Fraga, in “Direitos Reais: segundo as prelecções do Prof. Doutor C.A. da Mota Pinto ao 4º ano jurídico de 1970-71”, Almedina (Coimbra), 1971, pág. 44.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
121
Por sua vez, estabelece o art. 1227º do projecto do Código Civil de TL que “O proprietário goza
de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe
pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”.
b) Princípio da inerência
A inerência é uma consequência da eficácia absoluta dos direitos reais, e traduz-se na aderência
do direito real à coisa que constitui seu objecto, justificando, em última análise, a oponibilidade
erga omnes. Ou seja, a coisa continua a ser objecto do mesmo direito real, ainda que se verifique
a transmissão da mesma, independentemente do número que vezes que ocorra.
Por exemplo, o titular do direito de superfície sobre um imóvel, mantém o seu direito inalterado,
mesmo que se verifiquem várias transmissões do direito de propriedade sobre o imóvel objecto
do seu direito.
c) Princípio da sequela (Direito de sequela ou de seguimento)
A sequela é uma prerrogativa, característica ou faculdade dos direitos reais, igualmente
resultante do seu carácter absoluto.
203 Da versão em inglês, “Article 572. Each property shall be presumed to be free of any claim. An individual who
claims any right to another individual's assets, shall be obliged to prove that right”.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
122
O direito segue a coisa, persegue-a, acompanha-a, podendo fazer-se valer seja qual for a situação
em que a coisa se encontre. Ou seja, ainda que outra pessoa se aproprie da coisa, o titular do
direito real pode sempre exercer sobre a coisa os poderes correspondentes ao seu direito204
.
d) Princípio da preferência (Direito de preferência ou de prevalência)
Traduz-se na circunstância de os direitos reais constituídos sobre uma coisa prevalecerem sobre
os direitos de crédito incidentes sobre essa coisa e sobre os direitos reais posteriormente
constituídos sobre a mesma coisa, que se revelem total ou parcialmente incompatíveis com o
inicial205
. Trata-se igualmente de característica resultante do carácter absoluto dos direitos reais.
e) Princípio da tipicidade
Os direitos reais estão sujeitos ao princípio da tipicidade ou do “numerus clausus”. Ou seja, não
podem existir outros direitos reais para além daqueles que estão tipificados na lei, nem podem
ser criados pelos particulares direitos reais com conteúdo diferente dos que estão legalmente
regulados.
Dessa forma, percebemos que um direito real é um direito tipificado normativamente, isto é, para
que um direito se qualifique como real, antes de tudo ele tem que estar elencado na lei,
delimitado legalmente.
204
A este propósito veja-se o art. 621º do CCI (na versão em ingles “Any individual may have his property title to
immovable assets, which he owns, acknowledged by the court of justice, within whose legal jurisdiction the assets
are located”). Veja-se igualmente o art. 1234º, nº 1, do projecto “O proprietário pode exigir judicialmente de
qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade”.
205 Álvaro Moreira e Carlos Fraga, ob. cit., pág. 62.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
123
O princípio da tipicidade está expressamente consagrado no artigo 1228º do projecto do novo C.
Civil206
.
Já o CCI207208
, à semelhança da generalidade dos sistemas jurídicos da altura não consagra
expressamente este princípio, sendo seguro, porém, que se regula de forma expressa todos os
direitos reais que considera admissíveis pelo ordenamento jurídico209
. Esta preocupação é ainda
mais evidente na Lei Agrária de 1960210
, conforme se pode ver da redacção dada ao artigo 16º, nº
1211
.
f) Princípio da especialidade
206
Artigo 1228º («Numerus clausus») 1. Não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional. 207
Forma como se referirá sempre o Código Civil Indonésio recebido como legislação nacional timorense nos
termos das disposições conjugadas dos arts. 165º da Constituição da RDTL, 3º, nº 1, do Regulamento da Untaet nº
1/1999, e 1º da Lei nº 2/2002, este com a interpretação expressa pelo art. 1º da Lei nº 10/2003, de 10 de
Dezembro. O regime jurídico indonésio iniciou a sua vigência no território nacional como consequência natural da
integração naquele país, operada por declaração do Presidente da República da Indonésia de 17-7-1976.
208 Toda a restante legislação indonésia a que se faça referência neste texto é legislação recebida internamente nos
termos das disposições legais referidas na nota anterior. 209
Veja-se o art. 528º do CCI. 210
Lei nº 5 de 1960 (UUPA) (Undang Undang No. 5 Tahun 1960 Tentang: Peraturan Dasar Pokok-pokok Agraria)
211 Hak-hak atas tanah sebagai yang dimaksud dalam pasal 4 ayat (1) ialah … (Na versão inglesa “The rights on land
as meant in paragraph (1) of Article 4 are as follows …”).
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
124
Os direitos reais devem ter por objecto coisas individualizadas, coisas certas e determinadas.
Acrescenta o artigo 1224º do projecto do novo Código Civil, que só as coisas corpóreas, móveis
ou imóveis, podem ser objecto do direito de propriedade regulado neste código212
.
Por outro lado, o direito real que incide sobre uma coisa é diferente do direito real, ainda que
porventura igual, que incida sobre outra coisa.
O facto de o direito dever incidir sobre uma coisa determinada não impede que, por exemplo,
possa incidir sobre uma universalidade213214
.
g) Princípio da transmissibilidade
Como qualquer direito patrimonial o direito real é transmissível. Significa isto que a ligação
entre o direito e o seu titular é cindível, pode ser quebrada por vontade do titular ou por outra
causa. Esta característica traduz no fundo a alienabilidade e a hereditabilidade dos direitos
reais215
.
Esta característica encontra-se particularmente acentuada no CCI que inclui as normas relativas
às sucessões por morte no seu Livro Dois216
, que tem por título “Coisas”, e que regula apenas a
matéria respeitante aos direitos reais e as sucessões217
.
212
No mesmo sentido o artigo 519º do CCI. 213
A definição das coisas compostas será efectuada infra a propósito da distinção das coisas. 214
“Está visto que as coisas colectivas, revistam elas a fisionomia de coisas compostas ou de universalidade de facto, são compatíveis como objecto de direitos reais, com a ideia de que estes têm de ter como objecto uma coisa certa e determinada. Isto, porque a universalidade ou a coisa composta são – elas próprias – uma forma de determinação ou de individualização” (Álvaro Moreira e Carlos Fraga, ob. cit., pág. 100). 215
Álvaro Moreira e Carlos Fraga, ob. cit., págs. 103 e 104. 216
Capítulos XII a XVIII, arts. 830º a 1130º.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
125
c) Princípio da elasticidade
No caso dos direitos reais onerados ou limitados (por exemplo por usufruto, servidão, hipoteca),
a extinção do direito real menor faz expandir o direito real principal, reconstituindo-se a
propriedade plena do direito. “Sempre que estamos perante um direito real limitado, concorrem
dois direitos sobre o mesmo objecto: o direito de propriedade e o direito real limitado a certas
utilidades da coisa”, há uma concorrência de direitos. Assim, se o direito real menor se extinguir,
há uma imediata restauração da propriedade plena do direito de propriedade218219
.
h) Princípio da publicidade
A constituição ou transferência de um direito real deve ser efectuada de forma pública, de modo
a ser conhecida de todas as pessoas220
.
Esta necessidade de publicidade implica a obrigação do uso de forma especial (a escritura
pública) para a celebração dos contratos que impliquem a constituição ou disposição de direitos
217
A este propósito veja-se ainda o art. 20º, nº 2, da Lei Agrária Indonésia (UUPA) (“Hak milik dapat beralih dan dialihkan kepada pihak lain”, na versão em inglês “A Hak milik can change hands and be transferred to other
parties”). 218
Álvaro Moreira e Carlos Fraga, ob. cit., págs. 113 e 114. 219 Veja-se o art. 20º, nº 1, da Lei Agrária Indonésia (UUPA) (“Hak milik adalah hak turun-menurun, terkuat dan
terpenuh yang dapat dipunyai orang atas tanah”, na versão em inglês “A Hak milik (right of ownership) is the
inheritable right, the strongest and fullest right on land which one can hold”.
220 Embora a questão dos registos das situação jurídica e das transmissões dos bens se tenha colocado
essencialmente relativamente aos bens imóveis, existem bens móveis, nomeadamente, ou por ora essencialmente, os veículos automóveis, relativamente aos quais a questão da necessidade do registo se tem colocado.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
126
sobre imóveis, nomeadamente a sua alienação (art. 617º do CCI221
e art. 808º do projecto do
novo Código Civil222
).
Relativamente ao registo dos actos de oneração ou disposição sobre bens imóveis o projecto do
novo Código Civil não lhe atribui efeito constitutivo, pelo que os actos efectuados com
observância do formalismo legal produzem imediatamente efeitos jurídicos223
. Ou seja, o
adquirente passa a ser proprietário do imóvel, independentemente da entrega do imóvel ou do
registo224
.
O CCI impõe um regime de efeito constitutivo do registo ao determinar que a transferência do
direito efectuada por escritura pública só se efectiva com o registo da mesma225
.
Mais exige que a prova da venda só possa ser efectuada mediante certidão do registo226
, assim se
reforçando o princípio da publicidade do acto227
.
221
Na versão em ingles “All deeds, by virtue of which immovable assets are disposed of, bequeathed, distributed,
encumbered, or transferred, shall be rendered invalid unless drawn up in an authentic form”.
222 “O contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública”.
223 Importa contudo ter presente que, normalmente, a precedência do registo pode ter consequências jurídicas
importantes, devido ao princípio da protecção de terceiros de boa fé, no caso de nova alienação de imóvel por quem já havia alienado o mesmo alienado anteriormente a outrem. 224
Princípio da consensualidade (a constituição e transmissão dos direitos reais resultam do contrato, não sendo exigida a tradição da coisa). 225 Art. 616º (“The delivery or order of immovable assets shall be effected by publication of the deed, in the
manner stipulated in article 620”).
226 “Evidence of the sale of the assets shall be in the form of excerpts from the roll or registers of the auction
department in the customary format effected with the assistance of the aforementioned department” (art. 617º);
“the public notification shall take place:- by submitting to the office of the registrar of the mortgages within whose
area the immovable assets to be delivered or ordered are located, an authentic and complete copy of the
authentic deed or of the judgment, and by the recording of the copy in the register designated thereto” (art. 620º).
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
127
A mesma preocupação de publicidade resulta ainda do disposto no art. 19º da Lei Agrária
Indonésia228
. Porém, por se tratar de uma norma programática dirigida ao próprio Governo da
República da Indonésia, não se afigura que a mesma tenha aplicação na RDTL.
Já a nova proposta de lei de Regime Especial Para a Definição da Titularidade dos Bens Imóveis
(mais conhecida como Nova Lei das Terras), manifesta iguais preocupações de publicidade
(além da própria atribuição de direitos)229
.
III. O registo
O registo predial é forma de expressão máxima do princípio da publicidade supra referido.
O registo permite conhecer a situação exacta dos bens imóveis, nomeadamente a titularidade do
direito e propriedade e encargos que possam onerar o direito, por forma a que o potencial
adquirente do bem tenha conhecimento exacto de todos. Ou seja, o fim do registo é manifestar o
estado jurídico da propriedade230
.
Relativamente ao registo, o problema que se tem colocado em Timor-Leste consiste em
determinar a solução a dar aos casos das transacções jurídicas tendo por objecto bens imóveis
227
O mesmo se aplica aos casos previstos nos arts. 617º a 619º ainda do CCI. 228 “Untuk menjamin kepastian hukum oleh Pemerintah diadakan pendaftaran tanah diseluruh wilayah”, na versão
em inglês “To guarantee legal certainty, the Government is to implement land registration throughout the whole
territory …”.
229 “A presente lei estabelece o regime especial para a definição da titularidade imobiliária por meio do
reconhecimento e da atribuição de primeiros direitos de propriedade de bens imóveis da República Democrática de Timor-Leste” (art. 1º, nº 1). 230
José Dias Ferreira, in “Codigo Civil Portuguez Anotado”, vol. II, Lisboa, 1870, pág. 442.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
128
durante o período em que não havia notários nacionais e tendo em consideração a inexistência de
registo predial.
Uma das soluções mais frequente foi a celebração de contratos escritos com a chancela de um ou
mais advogados, que assim procuravam dar alguma certeza jurídica ao acto de transmissão do
direito sobre bens imóveis. Mas também se verificaram muitas transmissões de imóveis por mero
escrito particular ou por acordo verbal.
Com respeito por entendimento diverso, afigura-se não se poder atribuir a tais actos a eficácia
jurídica pretendida, ou seja, a virtualidade de operarem a transmissão do direito sobre o bem
imóvel, ou a constituição de qualquer ónus sobre o mesmo. De facto, não se afigura que a
situação excepcional própria da construção, ou reconstrução das infra-estruturas jurídicas
nacionais possa permitir a omissão de formalidades consideradas essenciais pela generalidade
dos ordenamentos jurídicos.
Por outro lado, não se pode ignorar a reafirmação da obrigação da celebração mediante escritura
pública dos actos que importem reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão
ou extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, enfiteuse, superfície ou de
servidão sobre coisas imóveis, consagrada no art. 37º, nº 2, al. a), do Regime Jurídico do
Notariado (Decreto-Lei nº 3/2004, de 4 de Fevereiro)231
, que está em vigor em todo o território
nacional. Ou seja, o próprio legislador entendeu não atribuir relevância jurídica à aludida
situação.
231
Este diploma entrou em vigor no dia 7 de Março de 2004 (art. 79º).
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
129
O que não quer dizer que tais contratos não possam produzir efeitos jurídicos, seja como meio de
transmissão da posse sobre os imóveis, nos termos do art. 543º do CCI232233
, seja como facto
gerador de obrigações entre as partes contratantes.
Relativamente aos actos praticados no período da colonização portuguesa ou ocupação indonésia
a questão não se coloca, sendo obrigatória a formalidade da escritura pública234
.
Quanto ao registo, nos termos do art. 949º do Código Civil Português de 1867, entre outros,
estavam sujeitos a registo “as transmissões de propriedade immovel, por titulo gratuito ou
oneroso” (§ 4º)235
.
O registo, tal como se veio a manter posteriormente (enquanto vigorou a legislação portuguesa),
visava apenas dar publicidade ao acto e não tinha natureza constitutiva. Assim, se António
adquirisse por contrato de compra e venda um prédio a Bernardo, ainda que não registasse tal
aquisição do direito, podia sempre impor o mesmo contrato ao Bernardo, uma vez que este se
encontrava vinculado pelo contrato celebrado, não podendo opor-se o Bernardo invocando o
facto de no registo estar ainda inscrito como titular do direito de propriedade.
232
Situação que se analisará infra aquando do estudo da posse. No projecto veja-se o art. 1178º (“Aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte pode juntar à sua a posse do antecessor”). 233
Veja-se o acórdão do TR de 8 de Junho de 2010, processo nº 05/Agravo/Cível/2009/TR, relator Rui Penha. 234
Art. 875º do Código Civil Português de 1966, e o art. 617º do CCI. No âmbito do Código Civil Português de 1867, a compra e venda e a doação de bens imóveis teria que ser realizada mediante escritura pública, ou, pelo menos, mediante escrito particular, no caso de imóveis com valor inferior a cinquenta mil réis (para a compra e venda o art. 1590º e para as coações o art. 1459). 235
O Código Civil Português de 1867 (conhecido por Código Civil de Seabra) vigorava em todo o território de Portugal, incluindo as chamadas províncias ultramarinas, onde se incluía Timor-Leste, desde 18 de Novembro de 1869, conforme o art. 1º do Decreto de 18 de Novembro de 1869, que determinou a sua aplicação imediata a todo o território ultramarino, independentemente da sua publicação nos Boletins Oficiais dos diversos territórios (art. 2º).
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
130
Porém, se o Bernardo vendesse de novo o mesmo o mesmo prédio a Carlos, procedendo este ao
registo da sua aquisição, sem que o António o fizesse antes, então o Carlos poderia opor ao
António o registo para ficar ele com o prédio. É que, quando adquiriu o prédio, por imposição do
princípio da publicidade, tudo se passou como se o Bernardo fosse o dono do mesmo. Resta a
António exigir uma indemnização a Bernardo por ter alienado o prédio que lhe havia vendido a
ele.
Ou seja, relativamente a terceiros os títulos sujeitos a registo só produzem efeitos desde que são
efectivamente registados (art. 951º do Código Civil de Seabra)236
.
Este regime manteve-se inalterado após a entrada em vigor do Código Civil Português de 1966237
(que veio substituir o Código de Seabra), conforme resulta dos arts. 2º. 7º, nº 1, e 9º, nº 1, do
Código de Registo Predial Português de 1967, aprovado pelo Decreto-Lei nº 47.611, de 28-3-
1967238
.
Os terceiros de boa fé, com o título de aquisição do seu direito devidamente registado,
beneficiavam ainda de protecção no caso de declaração de nulidade ou anulação do negócio
jurídico respeitante ao bem imóvel por si adquirido e registado, celebrado antes da sua aquisição,
nos termos do art. 291º, nº 1, do Código Civil Português de 1966239
. Por exemplo, se Bernardo
236
Veja-se José Dias Ferreira, in “Codigo Civil Portuguez Anotado”, vol. II, Lisboa, 1870, pág. 388. O art. 1549º do mesmo Código Civil de Seabra determinava igualmente, a propósito da compra e venda, que “em relação a terceiro, a venda, sendo de bens immobiliarios, só produzirá effeito, desde que for registada”. 237
Aprovado pelo Decreto-Lei nº 47 344, de 25 de Novembro de 1966, e tornado aplicável nas então províncias ultramarinas (designadamente em Timor-Leste), a partir de 1 de Janeiro de 1968, conforme o art. 2º, nº 1, da Portaria do Ministério do Ultramar nº 22.869, de 4-9-1967. 238
Alterado pelo Decreto-Lei nº 49.053, de 12-6-1969. 239
Artigo 291º (Inoponibilidade da nulidade e da anulação) “1. A declaração de nulidade ou a anulação do negócio
jurídico que respeite a bens imóveis, ou a bens móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre
os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
131
viesse invocar a nulidade de contrato, ou anulação de contrato de compra e venda que celebrara
com António, se este já tivesse vendido a Carlos, que desconhecia o alegado vício, tendo
adquirido o bem com case no que constava do registo, a declaração de nulidade ou a anulação do
primeiro negócio não prejudicaria o seu direito, sem prejuízo do disposto no nº 2 do referido
artigo.
Nos termos do art. 8º do aludido Código de Registo Predial Português de 1967, o registo
definitivo constituía presunção de que o direito definitivamente registado pertencia à pessoa em
nome da qual estava registado.
O CCI, como já se viu, vai ainda mais longe, impondo o efeito constitutivo do registo e exigindo
certidão do registo da venda ou outro tipo de transmissão ou constituição de ónus ou encargos
sobre imóveis, para prova dos mesmos (art. 617º)240
.
Conforme disposto do art. 23º, nº 1, da Lei Agrária Indonésia, o direito de propriedade (hak
milik), toda e qualquer transferência afectando tal direito, a anulação (ou declaração de nulidade)
do mesmo a constituição de ónus sobre o direito tem que ser registado241
.
de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio. 2. Os direitos de
terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à
conclusão do negócio. 3. É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição
desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável”.
240 Nos termos do art. 578º, nº 1, do CPC, “Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento
autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro
documento que não seja de força probatória superior”.
241 “Hak milik, demikian pula setiap peralihan, hapusnya dan pembebanannya dengan hak-hak lain harus
didaftarkan menurut ketentuan-ketentuan yang dimaksud dalam pasal 19” (na versão em ingles, “A hak milik,
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
132
A Lei Agrária Indonésia sem referir a presunção, vem dizer que o registo serve como “forte meio
(ou ‘instrument’) de prova” (art. 23º, nº 2)242
.
De acordo com o estabelecido no art. 2º, als. g) e h), do Decreto Lei nº 12/2008, de 30 de Abril
(Estatuto Orgânico do Ministério da Justiça), são atribuições do Ministério da Justiça: organizar
e prestar serviços de administração e cadastro de bens imóveis em todo o território nacional e
promover as medidas de implementação necessárias à gestão do património imobiliano do
Estado e estabelecer e garantir os serviços de registo e de notariado243
.
IV. Função social (questão da nacionalidade)
Nos termos do art. 54º, nº 2, da Constituição da RDTL, a propriedade privada não deve ser usada
em prejuízo da sua função social.
A este propósito refere-se no preâmbulo da Lei nº 1/2003, de 10 de Março (Regime Jurídico dos
Bens Imóveis) “a Constituição da República Democrática de Timor-Leste estabelece, no seu
every transfer affecting a hak milik, the nullification of a hak milik, and the encumbering of a hak milik with other
rights must be registered in accordance with the provisions referred to in Article 19”).
242 “Pendaftaran termaksud dalam ayat (1) merupakan alat pembuktian yang kuat mengenai hapusnya hak milik
serta sahnya peralihan dan pembebanan hak tersebut” (na versão em ingles, “The registration referred to in
paragraph (1) shall serve as a strong instrument of evidence concerning the nullification of a hak milik and
concerning the validity of the transfers and encumbrances affecting the said right”).
243 Sobre a situação actual veja-se o Relatório da missão de trabalho em timor-leste de equipa técnica do Instituto
dos Registos e do Notariado do Ministério da Justiça de Portugal, elaborado no âmbito do Acordo Bilateral de
cooperacão entre os Ministérios da Justiça de Timor-Leste e de Portugal.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
133
artigo 54°, os princípios gerais relativos à propriedade privada, reconhecendo inequivocamente
esse direito e referindo que ela deve ter uma função social e que só cidadãos nacionais têm
direito à propriedade privada da terra.
Embora no CCI não se encontre igualmente norma expressando claramente a função social dos
direitos reais, esta encontra-se fortemente vincada na Lei Agrária Indonésia de 1960, que lhe
atribui carácter verdadeiramente “sagrado”244
. Assim, encontra-se expressamente consagrado no
art. 6º da Lei a função social dos direitos sobre a terra245
.
Manifestação desta função social do direito de propriedade encontra-se no nº 4 do mencionado
art. 54º da Constituição, ao preceituar que só os cidadãos nacionais têm direito à propriedade
privada da terra.
A questão da exigência da nacionalidade para a titularidade do direito de propriedade plena
vigorava já no território nacional, por aplicação dos arts. 9º, nº 1, e 21º, nº 1, da Lei Agrária
Indonésia, devidamente adaptada à RDTL246247248
.
244
Art. 1º, nº 2 (“Seluruh bumi, air dan ruang angkasa, termasuk kekayaan alam yang terkandung didalamnya
dalam wilayah Republik Indonesia, sebagai karunia Tuhan Yang Maha Esa adalah bumi, air dan ruang angkasa
bangsa Indonesia dan merupakan kekayaan nasional”, ou, na versão em ingles, “All the earth, water, and airspace,
including the natural resources contained therein, which exist within the territory of the Republic of Indonesia as
gifts from the Only One God, are the Indonesian nation’s earth, water, and airspace and constitute the nation’s
wealth”).
245 “Semua hak atas tanah mempunyai fungsi social” (“All land rights have a social function”).
246 Os expatriados podem apenas ser titulares do direito de uso, conforme Elucidation of Act No. 5 of 1960 Re
Basic Provisions Concerning The Fundamentals of Agrarian Affairs, ponto II (5) (Orang-orang asing dapat
mempunyai tanah dengan hak pakai yang luasnya terbatas) (“Expatriates can only have a hak pakai (right of use) to
land of limited dimensions”).
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
134
Como consequência, encontram-se os Tribunais impedidos de julgar acções judiciais no sentido
de ser reconhecido o direito de propriedade a um cidadão estrangeiro.
O Tribunal de Recurso tem entendido que não se trata de saber se quem invoca o direito de
propriedade possui ou não documento de identificação emitido pelas autoridades de Timor-Leste,
o que apenas será necessário para a nacionalidade adquirida, mas apenas se preenche os
requisitos legais para poder invocar a nacionalidade originária, conforme disposto nos arts. 3º, nº
2 e nº 3, da Constituição, e no art. 8º, nº 1 e 2, da Lei da Nacionalidade (Lei nº 9/2002)249
.
A questão da nacionalidade de quem invoca o direito de propriedade é considerada condição para
a procedência da pretensão, e não um pressuposto processual250251
.
No acórdão de 2-2-2010, processo nº 07/2009, o Tribunal de Recurso concluiu ser possível a
titularidade do direito de propriedade sobre um imóvel a cidadãos estrangeiros desde que casados
com um nacional timorense, na condição de tal imóvel estar abrangido pela comunhão de bens
resultante do casamento252253
.
247
Assim, a questão coloca-se hoje relativamente aos cidadãos indonésios (os quais podiam ser proprietários de bens imóveis no território de Timor-Leste antes da independência nacional e deixaram agora de ter tal possibilidade). 248 Com relevância sobre este assunto veja-se ainda o Regulamento da UNATET nº 2000/27, sobre a proibição
temporária de transacções de terras em Timor-Leste por cidadãos indonésios não habitualmente residentes em
Timor-Leste e por empresas indonésias.
249 Acórdãos do TR de 10-3-2010, processo nº 23/2001, e processo nº 12/2009, relator José Luís da Goia.
250 Acórdãos do TR de 10-3-2010, processo nº 23/2001, e processo nº 12/2009, relator José Luís da Goia.
251 Tratando-se de condição para a procedência da pretensão, e não mero facto impeditivo do direito, o respectivo
ónus de prova impende sobre quem invoca o direito e não sobre a parte contrária (art. 510º, nº 1, do CPC). 252
Escreveu-se em tal acórdão (relator José Luís da Goia) “embora o autor não possa ele mesmo ser titular do direito de propriedade sobre o terreno dos autos, nada obsta a que se considere o direito adquirido pela sua mulher através do casamento com o autor. É certo que o autor beneficia indirectamente de tal direito da cidadã
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
135
No acórdão de 16-6-2009, processo nº 06/2003254
, o Tribunal de Recurso decidiu que “o art. 54º,
nº 4, da CRDTL (…) dispõe sobre a propriedade privada da terra e não quanto à posse ou
propriedade do prédio nela incorporado”, o que permite a conclusão que a aludida proibição não
tem aplicação aos casos de prédios urbanos. Com todo o respeito discordo de tal posição, embora
possa parecer ser esse o entendimento que resulta ainda da Lei Agrária Indonésia.
Efectivamente, a construção ligada materialmente ao prédio com carácter de permanência
constitui parte integrante do imóvel255
.
Sendo assim, quer a construção, quer o solo onde a mesma é implantada perdem a sua
individualidade e passa a ser coisa única. Daí que se conclua que o prédio ainda está abrangido
pela proibição da norma constitucional, uma vez que ele inclui o terreno onde foi implantado.
Por outro lado, como se verá, se os cidadãos estrangeiros não podem ser titulares do direito de
superfície, sobre prédios urbanos, ou seja edifícios256
, por maioria da razão, não podem ser
titulares do direito de propriedade sobre o mesmo tipo de bens.
Relativamente às pessoas colectivas, nomeadamente sociedades comerciais, resulta do art. 21º, nº
2, que a possibilidade de aquisição do direito de propriedade, ainda que para sociedades
constituídas exclusivamente por pessoas singulares nacionais, está dependente de
nacional sua mulher, por força do mesmo regime. Porém, o direito passa a pertencer a esta, pelo que nunca o autor poderá beneficiar do direito de propriedade, por exemplo, em caso de divórcio”. 253
Contrariamente ao que se escreveu, por manifesto lapso, em tal acórdão, nos termos do art. 35º da Lei Indonésia nº 1/74, o regime supletivo de bens no casamento é o regime de comunhão de adquiridos, pelo que, salvo convenção antenupcial que estabeleça outro regime, só pode haver comunhão (e a doutrina exposta no acórdão só é válida) para os casos em que os bens são adquiridos durante o casamento. 254
Relator José Luís da Goia. 255
Vejam-se os arts. 195º, nº 3, do projecto do novo C. Civil e 500º do CCI. 256
Art. 36º, nº 1, da Lei Agrária de 1960 (UUPA).
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
136
regulamentação governamental, de determinação do governo ou de acto administrativo (art. 22º,
nº 2)257258
.
Importa ainda considerar que, nos termos do art, 1º, al a), do Regulamento nº 2000/27 da
UNTAET, qualquer contrato ou acordo celebrado por um cidadão da Indonésia que
habitualmente não resida em Timor Leste para vender qualquer interesse ou direito relativo a
terra no território de Timor Leste, não produz qualquer efeito.
“A ‘ratio legis’ do Regulamento em questão afigura-se evidente. Tratava-se então de impedir que
257
Conforme Elucidation of Act No. 5 of 1960 Re Basic Provisions Concerning The Fundamentals of Agrarian Affairs,
ponto II (5) (Demikian juga pada dasarnya badan-badan hukum tidak dapat mempunyai hak milik (pasal 21 ayat 2).
Adapun pertimbangan untuk (pada dasarnya) melarang badan-badan hukum mempunyai hak milik atas tanah,
ialah karena badan-badan hukum tidak perlu mempunyai hak milik tetapi cukup hak-hak lainnya, asal saja ada
jaminan-jaminan yang cukup bagi keperluan-keperluannya yang khusus (hak guna-usaha, hak gunabangunan, hak
pakai menurut pasal 28, 35 dan 41) (“corporate bodies basically cannot have a right of ownership [Article 21(2)] on
the consideration that that corporate bodies do not need to have a right of ownership but another right will do for
them as long as it is equipped with an adequate guarantee for the fulfillment of their specific requirements (e.g.
hak guna-usaha, hak guna-bangunan, or hak pakai according to Articles 28, 35, and 41)”).
258 Contra parece pronunciar-se o Relatório Sobre os Resultados de Pesquisa, Recomendações Políticas
para a Lei Sobre os Direitos de Terra e Restituição de Título, Programa de Legislação de Terras Apoiado pelo USAID, Julho 2004, embora entenda ser desejável clarificação legislativa, nos termos do qual “o artigo 54, parágrafo 4 do Constituição não excluiria pessoas jurídicas ou sociedades comerciais de Timor-Leste. Este ponto de vista é compartilhado por aqueles oficiais seniores do governo e membros do parlamento que foram consultados pelo LLP, assim como os participantes na mesa redonda do dia 30 de Junho de 2004 sobre direitos de terras. Praticamente todos os grupos de trabalho na mesa redonda concordaram que as entidades legais de Timor-Leste devem ser intituladas a propriedade perfeita. As seguintes sugestões foram feitas nesta consideração: As sociedades comerciais Timorenses e outras pessoas jurídicas devem ter direito a possuir terra. A Lei deve esclarecer a definição de `nacionais´ e `cidadãos´. A nacionalidade de Timor-Leste numa sociedade comercial deve ser determinada por um capital mínimo (de 50-60%) empreendido por pessoas de Timor-Leste. Isto permitiria a participação de investidores estrangeiros em sociedades comerciais de Timor-Leste. Se uma sociedade comercial declara falência, toda a terra que for possuída por ela deve reverter para o estado”. Afigura-se, porém, como vem sendo comum, que este entendimento ignora o sistema jurídico existente no momento em Timor-Leste, como seja a aludida Lei Agrária (que é legislação nacional timorense), e que regula de forma que se afigura clara esta matéria.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
137
nacionais indonésios, sem qualquer ligação a Timor Leste, pudessem beneficiar da situação de
ocupação do território que se verificava antes da independência. A referência a cidadãos da
Indonésia não habitualmente residentes em Timor Leste tem precisamente esse significado.
Assim, a venda de imóveis por cidadãos da Indonésia que habitualmente residissem em Timor
Leste já não se encontra abrangida pela cominação prevista no referido art. 1º do Regulamento
em causa” (acórdão do Tribunal de Recurso de 10-3-2010, processo nº 12/2009, relator José Luís
da Goia)259
.
A Lei Agrária Indonésia (UUPA), como já se viu, vai ainda mais longe, ao impedir a aquisição
(ou titularidade) do direito de superfície, quer sobre terreno agrícola, quer sobre prédio urbano a
pessoas singulares que não sejam nacionais, ou mesmo a pessoas colectivas (nomeadamente
sociedades comerciais) que não estejam reconhecidas segundo a legislação nacional, ou
domiciliadas em território nacional260
.
A questão que se coloca consiste em saber se esta condição também terá aplicação na RDTL,
face à redacção menos restritiva da própria Constituição. Ou seja, se a legislação ordinária
indonésia, recebida no sistema jurídico nacional, pode estabelecer restrições à titularidade de
direitos ainda mais amplas que aquela que resulta do texto constitucional.
259
Decidiu-se ainda no mesmo acórdão que “tratando-se de facto impeditivo do direito invocado pelo autor, impende sobre o réu o ónus de prova da verificação dos requisitos constantes do referido Regulamento, nos termos do art. 510º, nº 2, do CPC”. 260 Arts. 30º, nº 1, (Yang dapat mempunyai hak guna-usaha ialah. a. warga-negara Indonesia; b. badan hukum yang
didirikan menurut hukum Indonesia dan berkedudukan di Indonesia) e 36º, nº 1 (Yang dapat mempunyai hak guna-
bangunan ialah a. warga-negara Indonesia; b. badan hukum yang didirikan menurut hukum Indonesia dan
berkedudukan di Indonesia) (na versão em inglês “Those eligible for a hak guna … are as follows: a. Indonesian
citizens, and b. bodies corporate incorporated under Indonesian law and domiciled in Indonesia”).
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
138
Afigura-se que a resposta terá que ser positiva. Efectivamente, a Constituição estabelece
expressamente que “Todo o indivíduo tem direito a propriedade privada, podendo transmiti-la
em vida e por morte, nos termos da lei”261
. Sendo assim, a Lei Fundamental acolhe as restrições
constantes da Lei ordinária relativas à limitação da titularidade do direito de propriedade,
nomeadamente da lei que já existia anteriormente e que a Constituição acolheu262
, como a
aludida Lei Agrária Indonésia (UUPA).
Ora, se o titular do direito de propriedade só pode dele dispor nos termos da lei, então a
disposição dos direitos reais menores sobre os imóveis, como seja o direito de superfície,
também não podem ser constituídos contra a disposição legal supra referida, pelo que os
cidadãos estrangeiros e as pessoas colectivas (nomeadamente sociedades comerciais) que não
estejam reconhecidas segundo a legislação nacional, ou domiciliadas em território nacional não
podem sequer ser titulares daquele direito263264
.
Com esta questão está ainda relacionada a do direito de propriedade, uso e posse útil das terras,
que, nos termos do art. 141º da Constituição serão regulados por lei.
261
Art. 54º, nº 1. 262
Art. 165º. 263
O que pode ter sérias reprecurssões ao nível do investimento estrangeiro, tão necessário no estado actual de construção do novo país da RDTL. Efectivamente, fica vedado o uso do mecanismo legal mais adequado para a hipótese de alguém construir nomeadamente infraestruturas turisticas ou de outra natureza, uma vez que os restantes mecanismos jurídicos não asseguram de forma tão eficaz a possibilildade de uso das mesmas pelo período mínimo necessário à recuperação do investimento feito. 264
Porém, o art. 55º, nº 2, da Lei Agrária (UUPA), prevê a possibilidade de, excepcionalmente, o Estado poder conceder o direito de superfície sobre bens do seu domínio a empresas estrangeiras, que não preencham os requisitos dos aludisos arts. 30º, nº 1, e 36º, nº 1, desde que tal seja considerado necessário no acto que o autoriza (Hak guna-usaha dan hak guna-bangunan hanya terbuka kemungkinannya untuk diberikan kepada badan-badan hukum yang untuk sebagian atau seluruhnya bermodal asing, jika hal itu diperlukan oleh Undang-undang yang mengatur pembangunan nasional semesta berencana) (na versão em inglês, “The possibility for the granting of a hak guna-usaha and hak guna-bangunan to corporate bodies whose capital is partly or wholly foreign is open only in the case where it is deemed necessary to grant such rights to such corporate bodies in the light of an act which regulates pembangunan nasional semesta berencana (well-planned total, national development)”).
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
139
V. As coisas
Diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas265
.
Consideram-se fora do comércio jurídico todas as coisas que não podem ser objecto de direitos
privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que são, por sua natureza,
insusceptíveis de apropriação individual (art. 193º, nº 2, do projecto do novo Código Civil).
Vejam-se os arts. 519º a 526º do CCI.
As coisas são imóveis ou móveis, simples ou compostas, fungíveis ou não fungíveis,
consumíveis ou não consumíveis, divisíveis ou indivisíveis, principais ou acessórias, presentes
ou futuras (art. 194º do projecto do novo Código Civil)266
.
São coisas imóveis os prédios rústicos e urbanos, as águas, as árvores, os arbustos e os frutos
naturais, enquanto estiverem ligados ao solo, os direitos inerentes aos imóveis e as partes
integrantes dos prédios rústicos e urbanos (art. 195º, nº 1, do projecto do novo Código Civil)267
.
265
Art. 193º, nº 1, do projecto do novo C. Civil. Para o CCI são coisas os bens ou direitos que podem ser objecto de propriedade (art. 499º). Vejam-se igualmente os arts. 527º e 528º do CCI. 266
Para o CCI as coisas são tangíveis ou não tangíveis (art. 503º) e móveis ou imóveis (art. 504º). Os bens móveis podem ainda dividir-se em consumíveis e não consumíveis, definindo-se os consumíveis como aqueles que desaparecem devido ao uso (art. 505º). 267
Vejam-se os arts. 500º e 506º a 508º do CCI. Particularmente significativa é a descrição constante dos arts. 506º e 507º do CCI, da qual resulta evidente, por um lado, o princípio da ligação ao solo como distintivo da classificação do bem como imóvel, por outro lado, o princípio da universalidade de certas coisas, como sejam as fábricas, que, por serem imóveis (devido ao facto de estarem instaladas em construções permanentemente fixadas no solo) transmitem tal qualidade de bem imóvel aos bens móveis que as equipam.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
140
Entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que
não tenham autonomia económica268269
.
São partes componentes dos prédios rústicos as construções que não tenham autonomia
económica, tais como as adegas, os celeiros, as construções destinadas às alfaias agrícolas.
O prédio rústico abrange também o espaço aéreo e o subsolo correspondentes. Nos termos do art
1266º, nº 1, do projecto do novo Código Civil, a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo
correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja
desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico. Igual é a redacção do art. 571º do CCI e, de
forma ainda mais impressiva, o art. 4º, nº 2, da Lei Agrária Indonésia270
.
Entende-se por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo com os terrenos que lhe
sirvam de logradouro (art. 195º, nº 2, do projecto do novo Código Civil). Edifício incorporado é
aquele que se encontra unido ou ligado ao solo, fixado nele com carácter de permanência por
alicerces, colunas, estacas ou qualquer outro meio271
. Uma casa desmontável não é prédio
urbano.
268
Art. 195º, nº 2, do projecto do novo Código Civil. 269
O CCI não estabelece a distinção entre prédios rústicos e prédios urbanos. 270 “Hak-hak atas tanah yang dimaksud dalam ayat (1) pasal ini member wewenang untuk mempergunakan tanah
yang bersangkutan, demikian pula tubuh bumi dan air serta ruang yang ada diatasnya, sekedar diperlukan untuk
kepentingan yang langsung berhubungan dengan penggunaan tanah itu dalam batas-batas menurut Undang-
undang ini dan peraturan-peraturan hukum lain yang lebih tinggi” (na versão em inglês, “The land rights referred
to in paragraph (1) of this article confers authority to use the land in question as well as the mass of the earth and
the water existing under its surface and the space above it to a point which is essentially required to allow for the
fulfillment of the interests that are directly related to the use of the land in question, such a point being within the
limits imposed by this Act and by other legislation of higher levels”.
271 Henrique Mesquita, in “Direitos Reais”, Coimbra, 1984, pág. 23.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
141
Integram o prédio urbano os pátios ou os quintais dos edifícios272
.
É parte integrante toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com carácter de
permanência273
. São partes integrantes dos prédios rústicos os muros de vedação ou os engenhos
para tirar água. São partes integrantes dos prédios urbanos as instalações eléctricas ou os pára-
raios e os elevadores.
Para o projecto do novo Código Civil (art. 196º, nº 1) são móveis todas as restantes coisas, ou
seja, a definição de coisa móvel acha-se por exclusão de partes. Serão móveis as coisas que não
sejam caracterizadas pela lei como imóveis. Por exemplo, a energia eléctrica é coisa móvel e,
como tal, a sua subtracção fraudulenta integra o crime de furto.
Nos termos do CCI, são coisas móveis aquelas que são movíveis ou podem ser movidas (art.
509º CCI)274
. A base da distinção entre coisas móveis e imóveis é a circunstância de poderem ou
não ser transportadas de um para outro lugar sem se deteriorarem.
Importa aqui fazer uma breve referência às benfeitorias, incluídas no mesmo subtítulo II do
anteprojecto do novo Código Civil, que trata “das coisas” e que aqui temos estado a analisar.
O CCI não contém uma definição legal de benfeitorias, nem as caracteriza, sendo certo, porém,
que se refere às mesmas em várias situações relativas aos direitos reais sobre imóveis. Assim, o
direito do possuidor, quer se encontre de boa-fé ou de má-fé, a indemnização por benfeitorias
272
Pires de Lima e Antunes Varela, ob. e vol. cit., pág. 131. 273
Art. 195º, nº 3, do projecto do novo Código Civil e 500º do CCI. 274
Nos arts. 509º a 518º do CCI encontramos depois a descrição de várias coisas concretas que o Código considera como móveis. Esta descrição não deve, porém, ser considerada taxativa, podendo obviamente existir inúmeras outras coisas móveis, para além das descritas nas referidas disposições legais.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
142
necessárias realizadas no imóvel que possuía no caso de ter de o entregar ao seu proprietário
(arts. 575º e 579º do CCI)275276
.
Para o do projecto do novo Código Civil consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para
conservar ou melhorar a coisa (art. 207º, nº 1). Assim, constituem benfeitorias não só as obras
necessárias à conservação da coisa, como pintar, substituir telhado danificado, substituir janelas
quebradas, mas também todas as obras que melhorem o prédio, como a construção de casas de
banho em casas onde não existiam, ou a construção de uma piscina.
As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias (art. 207º, nº 2, do projecto do novo Código
Civil).
São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da
coisa (art. 207º, nº 3, do projecto do novo C. Civil). Assim, por exemplo: a substituição de um
telhado que tenha as telhas partidas (se o telhado não for substituído não só não se pode usar
devidamente a casa, como a entrada da água das chuvas vai estragar todo o imóvel); a
substituição de janelas com a madeira apodrecida ou vidros partidos, a reconstrução de uma
parede que, pela acção do tempo ameaça ruir.
São benfeitorias úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam,
todavia, o valor (art. 207º, nº 3, do projecto do novo Código Civil). Assim, por exemplo: a
construção de casa de banho numa casa que não tinha (trata-se de um melhoramento que
beneficia o uso da casa e, consequentemente, aumenta o seu valor); a colocação de um sistema
central de ar condicionado; etc.. Já se podem colocar dúvidas relativamente à construção de uma
275
Na versão em inglês “expenditures necessary for the maintenance and benefit of the assets”. 276
O CCI apenas exclui o direito a indemnização por benfeitorias necessárias ao possuidor que tenha adquirido a posse por meios violentos (art. 580º).
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
143
piscina (porém, se da mesma resultar um aumento considerável do valor do imóvel pode a
mesma considerar-se benfeitoria útil).
São benfeitorias voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe
aumentando o valor, servem apenas para o recreio do benfeitoriante (art. 207º, nº 3, do projecto
do novo Código Civil). Será o caso de alguém que gosta de ter peixes em casa e constrói um lago
para ter peixes no logradouro da casa, da colocação de estátuas dispendiosas num jardim, etc..
Como já se referiu o CCI não contém o mesmo tipo de definição expresso de benfeitorias.
Porém, pode surpreender-se claramente a distinção entre as reparações necessárias à manutenção
do imóvel277
(benfeitorias necessárias) (art. 578º), reparações no interesse do imóvel278
(art.
578º) e reparações para utilidade e melhoramento da aparência do imóvel279
(art. 581º do
CCI)280
.
Por outro lado o CCI estabelece ainda uma distinção entre reparações para o fim de manutenção
e as reparações maiores no art. 793º e estas últimas estão exemplificadas no art. 794º, ambos do
CCI281
.
277
Na versão em inglês “expenses for the maintenance of the assets”. 278
Na versão em inglês “expenses for the interest of the assets”. 279
Na versão em inglês “expenses in respect of utility and improvement in appearance”. 280
Importa considerar, contudo, que as reparações para melhorar a utilidade do imóvel podem integrar o conceito de benfeitorias úteis do projecto do novo Código Civil. 281
Na versão em inglês “Major repairs include the following: repairs to big walls and arched roofs; repairs to beams and entire roofs; the total repair of dikes, wharf's, plastered waterworks, including supporting and boundary walls. All other repairs shall be regarded as regular maintenance”.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
144
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
145
CAPÍTULO II – POSSE
I. Definição
Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do
direito de propriedade ou de outro direito real (art. 1171º do projecto do novo Código Civil)282283
,
ou seja, a posse é interpretada como a detenção ou uso de bens que um indivíduo, por si ou
através de outra pessoa, tem em seu poder, como se tivesse o correspondente direito (art. 529º do
CCI)284285
.
A posse pode coincidir com o direito respectivo (posse causal). Por exemplo, o proprietário de
uma casa que nela reside é simultaneamente possuidor e proprietário. Igualmente no caso de o
proprietário ter a casa arrendada e receber as rendas correspondentes, é proprietário e possuidor,
uma vez que o arrendatário é mero detentor, o proprietário exerce a posse por intermédio deste.
Porém, a posse pode não coincidir com o direito respectivo (posse formal). Por exemplo, um
lavrador que começa a cultivar o terreno vizinho, fazendo-o de forma reiterada, sem qualquer
autorização do respectivo proprietário, afirmando a sua intenção e se comportar como dono do
282
Trata-se de redacção identica há do art. 1251º do C. Civil Português de 1966, que vigorou em Timor Leste até à implementação do regime jurídico indonésio. 283
No mesmo sentido o art. 6º, nº 2, da Lei nº 1/2003, de 10 de Março (posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de qualquer outro direito real). 284
“Yang dimaksudkan kedudukan Berkuasa ialah, kedudukan seseorang suatu kebendaan, baik dengan diri sendiri, maupun dengan perantaraan orang lain, dan yang mempertahankan atau menikmatinya selaku orang yang memiliki kebendaan itu” (na versão em inglês, “Possession is interpreted as the holding or enjoyment of assets, which an individual, either in person or through another person, has within his power, as if he has actual title thereto”). 285
Já o Código Civil de Seabra continha uma concepção mais abrangente, incluindo na sua definição aqueles que se passaram a considerar-se meros detentores, conforme art. 474º (“diz-se posse a retenção ou fruição de qualquer cousa ou direito”). Porém, logo acrescenta no seu § 1º que “os actos facultativos ou de mera tolerância não constituem posse”. Também o CCI parace refletir a possibilidade de definição da mera detenção como posse (posse imediata), no seu art. 1959º.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
146
terreno, colhendo os frutos, o direito de propriedade continua a ser do dono, mas a posse passou
a ser exercida pelo aludido vizinho. Da mesma forma, alguém que tenha furtado ou achado um
objecto que pertença a outra pessoa passa a exercer a posse sobre tal objecto, que continua a
pertencer a outro. Ainda no caso de alguém adquirir por contrato um prédio de uma pessoa que
não é seu proprietário e passa a ocupar o mesmo, em consequência de tal contrato, passa a
exercer a posse, mas o prédio continua a pertencer a outra pessoa.
Os bens de domínio público não podem ser objecto de posse, uma vez que se encontram
excluídos do comércio jurídico (art. 193º, nº 2, do projecto de C. Civil)286
. Vejam-se os arts. 537º
e 520º a 525º do CCI.
II. Elementos da posse
a) Considerações gerais
A posse é caracterizada por dois elementos, o “corpus” ou domínio de facto sobre a coisa,
traduzido no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela ou a possibilidade física desse
exercício, e o “animus”, consubstanciado na intenção de exercer sobre a coisa, como seu titular,
o direito real correspondente àquele domínio287
.
Elemento material – “corpus” – que se traduz nos actos materiais praticados sobre a coisa, com o
exercício de certos poderes sobre a coisa (art. 529º do CCI).
286
Contra, para as situações em que “um sujeito exerce uma actuação correspondente a um direito que englobe poderes de facto sobre uma coisa e a lei não exclua essa consequência”, José de Oliveira Ascensão, ob. cit., págs. 70-71. 287
Art. 1173º do projecto do novo C. Civil.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
147
Elemento psicológico – “animus” – que se traduz na intenção de o exercente se comportar como
titular do direito real correspondente aos actos que pratica (art. 538º do CCI)288
.
A relação possessória é relação material permanente e duradoura e daí que os factos que a
integram tenham que ser exercidos de forma a poder concluir-se que aquele que os pratica
pretende exercer sobre a coisa um poder permanente.
Porém, a posse mantém-se enquanto haja a possibilidade de continuar a actuação correspondente
ao exercício do direito, a relação da pessoa com a coisa legalmente exigida para o efeito não
implica necessariamente que ela se traduza em actos materiais (art. 1179º, nº 1, do projecto de C.
Civil e art. 542º do CCI).
b) Posse pessoal ou por intermédio de outrem
A posse tanto pode ser exercida pessoalmente como por intermédio de outrem (art. 1172º, nº 1,
do projecto do novo C. Civil e arts. 529º e 540º do CCI)289
.
Em caso de dúvida presume-se que a posse é daquele que exerce o poder de facto (art. 1172º, nº
2, do projecto do novo C. Civil e art. 534º do CCI).
A “presunção” do art. 1172º, nº 2, do projecto do novo C. Civil só funciona em caso de dúvida e
não quando se trate de uma situação definida, que exclui a titularidade do direito invocado. Já o
art. 534º do CCI contém uma verdadeira presunção que deve ser afastada por prova do contrário
288
José de Oliveira Ascensão, ob. cit., págs. 84 e 85. 289
Ainda no mesmo sentido o art. 6º, nº 2, da Lei nº 1/2003, de 10 de Março (posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de qualquer outro direito real, podendo a posse ser exercida pelo titular do direito ou por intermédio de outrem).
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
148
(art. 518º, nº 1 e 2, do CPC)290
.
A posse mantém-se enquanto durar a actuação correspondente ao direito ou a possibilidade de a
continuar (art. 1177º, nº 1, do projecto do novo C. Civil e art. 1957º do CCI).
Presume-se que a posse continua em nome de quem a começou (art. 1177º, nº 2, do projecto do
novo C. Civil e art. 535º do CCI). Ou seja, no caso de um possuidor consentir o uso da coisa por
outra pessoa, ainda se entende que é o primeiro o possuidor da coisa.
Para além de se presumir que a posse continua em nome de quem a começou, ela mantém-se
enquanto durar a actuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a
continuar.
c) Sucessão e acessão na posse
Por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores desde o momento da morte,
independentemente da apreensão material da coisa (art. 1176º do projecto do novo C. Civil e art.
541º do CCI).
O projecto do novo C. Civil, não enquadra a sucessão da posse nos meios de aquisição de posse
(art. 1183º do projecto do novo C. Civil). Estamos perante uma demonstração do princípio de
que a posse não depende da apreensão material da coisa. “Os herdeiros têm posse
independentemente do conhecimento da morte do “de cujus”, ou do facto designativo, ou até da
existência do bem. Quer dizer que aqui, mesmo sem “corpus” nem “animus”, a lei atribui aos
290
Veja-se ainda o disposto no art. 1174º do projecto do novo C. Civil (arts. 529º e 540º do CCI).
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
149
herdeiros a protecção possessória”291
.
A posse do sucessor forma um todo com a do “de cujus”, havendo só alteração subjectiva292
.
Aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte pode
juntar à sua a posse do antecessor (art. 1177º, nº 1, do projecto do novo C. Civil e arts. 543º e
1958º do CCI).
Se, porém, a posse do antecessor for de natureza diferente da posse do sucessor, a acessão só se
dará dentro dos limites daquela que tem menor âmbito (art. 1177º, nº 2, do projecto do novo C.
Civil). Assim, por exemplo, se a posse do antecessor for de má fé, o sucessor só poderá invocar a
acessão da posse, ou seja, a posse desde o início por parte daquele, com as mesmas
características de má fé. Se o sucessor passou a usufruir o bem de boa fé, então só poderá invocar
tal característica da posse a partir do momento em que suceder na mesma.
Ao distinguir a sucessão por morte da acessão na posse por transmissão entre vivos,
considerando que na primeira o sucessor passa a ocupar o lugar do de cujus mantendo a posse
exactamente as mesmas características, o legislador terá querido retirar esta possibilidade ao
sucessor. Ou seja, se a posse do de cujus era de má fé, esta característica mantém-se após a
transmissão, não podendo o sucessor invocar a sua ignorância de violação do direito de outrem (a
boa fé)293
.
d) Posse precária
291
José de Oliveira Ascensão, ob. cit., pág. 78. 292
Henrique Mesquita, in “Direitos Reais”, Coimbra, 1984, pág. 103. 293
Aliás, como se viu, a sucessão opera automaticamente, não precisando o sucessor sequer de invocar a posse do de cujus que se mantém na mesma.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
150
São havidos como meros detentores ou possuidores precários:
- os que exercem o poder de facto sobre a coisa, mas sem intenção de agir como beneficiários do
direito;
- os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito;
- os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em
nome de outrem (art. 1173º do projecto do novo C. Civil e art. 1959º do CCI). Veja-se ainda o
art. 556º do CCI.
Na simples detenção ou posse precária, o sujeito exerce os poderes correspondentes ao direito
(“corpus”) mas não os exerce como se fora titular dele (“animus”) e, por isso, este estado de
coisas, por mais tempo que dure, não pode conduzir à aquisição do direito, de que o interessado
não se apresenta como beneficiário294
.
Actos de mera tolerância: trata-se de actos praticados com o consentimento, expresso ou tácito,
do titular do direito real mas sem que este pretenda atribuir um direito ao beneficiário. Com a sua
tolerância o titular do direito apenas quer significar que não fará oposição, que não reagirá contra
os actos incompatíveis ou contrastantes do seu direito. Mas não quer limitar este: o seu direito
conserva toda a licitude de onde deriva que o autor da tolerância se reserva a faculdade de, em
qualquer momento, pôr fim à actividade tolerada295
.
294
Galvão Telles, in “O Direito”, ano 121, Coimbra, 1989 (Janeiro-Março), pág. 650. 295
Henrique Mesquita, ob. cit., pág. 70.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
151
III. Caracteres da posse
A posse pode ser titulada ou não titulada, de boa ou de má fé, pacífica ou violenta, pública ou
oculta – art. 1178º do projecto do novo C. Civil. A posse pode ser de boa fé ou de má fé (art.
541º do CCI).
a) Posse titulada e posse não titulada
Diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer
do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico (art. 1179º, nº 1, do
projecto do novo C. Civil e art. 1964º do CCI). A existência do título pressupõe a transmissão da
posse, pelo que só pode ocorrer posse titulada nos casos de aquisição derivada da mesma.
O título não se presume, devendo a sua existência ser provada por aquele que o invoca (art.
1179º, nº 2, do projecto do novo C. Civil)296
.
Contrariamente ao que acontece com os vícios de natureza substantiva, nomeadamente a falta do
direito de quem declarou transmitir o mesmo, ou vícios substanciais do negócio, os vícios
formais, nomeadamente a falta de escritura pública, quando a mesma é exigida, conduzem à falta
de título297
.
O número um do artigo 1179º do projecto do novo C. Civil esclarece que nem a falta do direito
do transmitente, nem a falta de validade substancial do negócio jurídico excluem o título. “A
contrario”, temos de admitir que a falta de validade formal impede que se fale de título298
. Isto é
296
Art. 510º, nº 1, do CPC. 297
Art. 1964º do CCI. 298
Oliveira Ascensão, ob. cit., pág. 96.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
152
o que resulta expressamente do disposto no art. 1964º do CCI.
Assim, a posse titulada relativa ao direito de propriedade, ou qualquer outro direito enunciado no
617º do CCI, só pode ser provada mediante a apresentação de certidão de escritura pública da
qual resulte a mesma, uma vez que só por esta forma o direito se poderia adquirir299
. Se a posse
só é titulada se for adquirida mediante título formalmente válido, quem não apresentar certidão
da escritura pública não pode invocar a posse titulada.
Ou seja, a posse relativa a um direito de propriedade resultante da “aquisição” por mero escrito
particular (que não escritura pública), é posse não titulada.
Mas a posse resultante da “aquisição” por escritura pública, ainda que possa ser anulada por
incapacidade, erro, dolo, ou coação, ou mesmo por a coisa pertencer a outra pessoa diversa do
“vendedor”, é posse titulada300
.
b) Posse de boa fé e posse de má fé
A posse diz-se de boa fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de
outrem (art. 1180º, nº 1, do projecto do novo C. Civil e art. 531º do CCI).
A posse titulada presume-se de boa fé, e a não titulada, de má fé (art. 1180º, nº 2, do projecto do
novo C. Civil).
Já para o CCI a posse presume-se sempre de boa fé, impendendo o ónus de prova da má fé sobre
299
Art. 578º, nº 1, do CPC. 300
Álvaro Moreira e Carlos Fraga, ob. cit., pág. 199.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
153
quem a alega (arts. 533º e 1965º)301
. Será suficiente se a boa fé existir aquando da aquisição da
posse (art. 1966º do CCI).
A posse adquirida por violência é sempre considerada de má fé, mesmo quando seja titulada (art.
1180º, nº 3, do projecto do novo C. Civil)302
.
A posse é de má fé se o possuidor estava consciente que os bens na sua posse pertenciam a
outrem (art. 532º do CCI).
c) Posse pacífica e posse violenta
Posse pacífica é a que foi adquirida sem violência (art. 1181º, nº 1, do projecto do novo C. Civil).
Considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física, ou de
coacção moral nos termos do artigo 246º (art. 1181º, nº 2, do projecto do novo C. Civil)303
.
A violência tanto pode ser exercida sobre as pessoas como sobre a própria coisa, nomeadamente
quando adquirida por meio de arrombamento.
A posse que começou violenta será violenta para sempre, mas já não é violenta a posse que
começou sem coacção (física ou moral), muito embora a sua subsistência resulte de violência
301
Conforme os arts. 512º, nº 1, e 518º, nº 1 e 2, do CPC. 302
Embora o CCI não o diga expressamente, é evidente que também considera tal posse como de má fé, sendo certo que penalisa severamente o possuidor que tenha obtido a posse com violência, não lhe reconhecendo sequer os direitos que reconheceu ao possuidor de má fé, conforme resulta dos arts. 557º, 563º, 568º e 580º do CCI. 303
Como já se referiu, o CCI não define a posse violenta, mas refere-se a ela em vários dos seus preceitos, retirando ao possuir todos os eventuais direitos resultantes da posse. Afigura-se que têm plena aplicação as considerações doutrinárias expostas a própsito do regime no âmbito do projecto do novo C. Civil.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
154
repetida (veja-se o art. 536º do CCI)304
. Ou seja, se o possuidor começou a usufruir da coisa de
forma pacífica, sem usar de violência contra ninguém, mas depois se opõe de forma “violenta” a
que o anterior possuidor reassuma os poderes sobre a coisa, a posse não é violenta. Pelo
contrário, se o possuidor ocupou o imóvel de forma violenta, conforme definido supra, mas
depois passa a fruir o bem sem oposição do anterior possuidor, ainda assim a posse é violenta.
d) Posse pública e posse oculta
Posse pública é a que se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados (art. 1182º do
projecto do novo C. Civil).
A publicidade derivada da posse limita-se a noticiar, a dar a conhecer ao público, a existência de
um direito real305
.
Posse oculta é definida tendo em atenção, não o momento constitutivo, mas os próprio exercício.
A posse oculta é verdadeira posse, mas é preterida pela melhor posse do possuidor esbulhado306
.
Isto é, aquele que esconde a posse não pode opor a mesma ao possuidor esbulhado ou ao
proprietário, mas já a pode opor a outra pessoa que pretenda impedir a sua posse.
IV. Aquisição da posse
A posse adquire-se:
304
Oliveira Ascensão, ob. cit., pág. 100. 305
Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 406. 306
Oliveira Ascensão, ob. cit., pág. 101.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
155
a) Pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do
direito (art. 1183º, al. a), do projecto do novo C. Civil e art. 538º do CCI);
b) Pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor (art. 1183º, al.
b), do projecto do novo C. Civil e art. 543º do CCI);
c) Por constituto possessório (art. 1183º, al. c), do projecto do novo C. Civil e art. 574º do CCI);
d) Por inversão do título da posse (art. 1183º, al. d), do projecto do novo C. Civil e art. 535º do
CCI).
a) Empossamento
Entre outros meios, a posse adquire-se pela prática reiterada, com publicidade dos actos
materiais correspondentes ao exercício do direito. Por outro lado, a aquisição da posse pode ser
originária ou derivada, no primeiro caso por apossamento ou inversão do título e, no segundo,
por tradição, sucessão ou constituto possessório. O apossamento traduz-se na aquisição unilateral
da posse por via do exercício de um poder de facto, ou seja, pela prática reiterada, com
publicidade, de actos materiais correspondentes ao exercício do direito, conforme o referido art.
1183º, al. a), do projecto do C. Civil. Trata-se de uma forma de aquisição originária da posse,
porquanto a mesma não deriva da posse anterior de outra pessoa.
b) Tradição da coisa
A “traditio” consubstancia-se, por seu turno, na transferência voluntária da posse entre vivos, em
regra quando a transmissão da situação jurídica e da situação de facto coincidem, o que ocorre
quando há entrega da coisa. Trata-se da forma específica de transferência voluntária da posse
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
156
entre vivos307
.
c) Constituto possessório
Se o titular do direito real, que está na posse da coisa, transmitir esse direito a outrem, não deixa
de considerar-se transferida a posse para o adquirente, ainda que, por qualquer causa, aquele
continue a deter a coisa (art. 1184º, nº 1, do projecto do novo C. Civil e arts. 543º e 574º do
CCI).
Se o detentor da coisa, à data do negócio translativo do direito, for um terceiro, não deixa de
considerar-se igualmente transferida a posse, ainda que essa detenção haja de continuar (art.
1184º, nº 2, do projecto do novo C. Civil). Por exemplo, no caso de o proprietário de um prédio
arrendado o transmitir por contrato de compra e venda a outra pessoa, esta não deixa de passar a
ser possuidora do mesmo, se bem que se mantenha o contrato de arrendamento e
consequentemente a detenção do imóvel pelo arrendatário308
.
d) Inversão do título de posse
A inversão do título da posse pode dar-se por oposição do detentor do direito contra aquele em
cujo nome possuía ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse (art. 1185º do projecto do
novo C. Civil e arts. 1960º e 1961º do CCI). Vejam-se ainda os arts. 535º, 536º e 1959º do CCI.
Qualquer detentor pode adquirir a posse opondo-se ao titular do direito sobre a coisa detida, seja
307
José de Oliveira Ascensão, ob. cit., pág. 114 (“Aí, a transmissão da situação jurídica acompanha a transferência da situação de facto: o antigo possuidor demite-se da sua situação, em que ingressa o novo possuidor. Há então uma entrega”). 308
Conforme art. 988º do projecto do novo C. Civil e art. do CCI.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
157
qual for a razão da existência da mera detenção309
. A detenção da coisa está condicionada pelo
título que lhe deu origem. Daí a necessidade de inversão do título.
V. Perda da posse
O possuidor perde a posse:
a) Pelo abandono (art. 1187º, nº 1, al. a) do projecto do novo C. Civil e art. 544º do CCI);
b) Pela perda ou destruição material da coisa ou por esta ser posta fora do comércio (art. 1187º,
nº 1, al. b), do projecto do novo C. Civil e art. 545º, nº 2, e 546º do CCI);
c) Pela cedência (art. 1187º, nº 1, al. c), do projecto do novo C. Civil e art. 543º do CCI);
d) Pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo possuidor, se a nova posse houver
durado por mais de um ano (art. 1187º, nº 1, al. d), do projecto do novo C. Civil e arts. 545º, nº 1,
e 1978º do CCI).
VI. Efeitos da posse
a) Presunção da titularidade do direito
O possuidor goza da presunção da titularidade do direito excepto se existir, a favor de outrem,
309
Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 667.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
158
presunção fundada em registo anterior ao início da posse (art. 1188º, nº 1, do projecto do novo C.
Civil e arts. 548º, nº 1, e 549º, nº 1, do CCI).
Esta presunção vale igualmente para a posse de boa fé como para a posse de má fé (arts. 548º, nº
1, e 549º, nº 1, do CCI). Importa aqui lembrar que a posse não titulada se presume de má fé (art.
1180º, nº 2, do projecto de C. Civil).
b) Responsabilidade do possuidor
O possuidor de boa fé só responde pela perda ou deterioração da coisa se tiver procedido com
culpa (art. 1189º do projecto do novo C. Civil e art. 574º do CCI).
O possuidor de má fé responde pela perda ou deterioração da coisa nos termos da
responsabilidade pelo risco por mora do devedor (art. 741º do projecto do novo C. Civil)310
. Ou
seja, o possuidor de má fé é responsável pela perda ou deterioração da coisa, mesmo que estes
factos lhe não sejam imputáveis, a menos que demonstre que os danos sempre teriam ocorrido se
não existisse a sua posse (art. 579º, nº 2, do CCI).
c) Frutos
O possuidor de boa fé faz seus os frutos naturais percebidos até ao dia em que souber que está a
lesar com a sua posse o direito de outrem, e os frutos civis correspondentes ao mesmo período
(art. 1190º, nº 1, do projecto do novo C. Civil e art. 548º, nº 3, do CCI). Veja-se ainda o art. 575º
do CCI.
310
1. Pelo facto de estar em mora, o devedor torna-se responsável pelo prejuízo que o credor tiver em consequência da perda ou deterioração daquilo que deveria entregar, mesmo que estes factos lhe não sejam imputáveis. 2. Fica, porém, salva ao devedor a possibilidade de provar que o credor teria sofrido igualmente os danos se a obrigação tivesse sido cumprida em tempo.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
159
Se ao tempo em que cessa a boa fé estiverem pendentes frutos naturais, é o titular obrigado a
indemnizar o possuidor das despesas de cultura, sementes ou matérias-primas e, em geral, de
todas as despesas de produção, desde que não sejam superiores ao valor dos frutos que vierem a
ser colhidos (art. 1190º, nº 2, do projecto do novo C. Civil e art. 576º do CCI)311
. Uma vez que o
possuidor de boa fé tem que restituir os frutos após cessar a boa fé, tendo ele pago as despesas
relativas às plantações ou obras, das quais resultam os aludidos frutos, seja com sementes, obras
(que não sejam enquadráveis na definição de benfeitorias), aquisição de água para rega, etc., e
estando na altura de tal investimento de boa fé, deve deduzir tais encargos na restituição dos
frutos resultantes do investimento feito. Caso este seja superior ao valor dos frutos, não pode,
porém, exigir a diferença, mas nada terá que pagar.
Se o possuidor tiver alienado frutos antes da colheita e antes de cessar a boa fé, a alienação
subsiste mas o produto da colheita pertence ao titular do direito, deduzida a indemnização a que
o número anterior se refere (art. 1190º, nº 3, do projecto do novo C. Civil)312
. A justificação do
preceito resulta do facto de a alienação dos frutos ser anterior à verificação dos mesmos.
O possuidor de má fé deve restituir os frutos que a coisa produziu até ao termo da posse e
responde, além disso, pelo valor daqueles que um proprietário diligente poderia ter obtido (art.
1191º do projecto do novo C. Civil e art. 549º, nº 2, do CCI). Vejam-se ainda os arts. 559º e
579º, nº 1, do CCI. O possuidor de má fé comete um acto ilícito que obriga a indemnizar,
designadamente a restituir os frutos que a coisa produziu, ou podia produzir.
311
Cessa a boa fé com a citação do possuidor em acção de restituição de posse ou de reivindicação contra o possuidor actual, conforme art. 361º, al. a), do CPC (no mesmo sentido o art. 532º do CCI e o art. 1190º, nº 2, do projecto do novo C. Civil). Como se viu, a posse é de boa fé quando quem a exerce ignora que lesa o direito de outra pessoa. Assim, se o autor vem invocar algum direito sobre o bem possuído, após a citação o possuidor não pode mais ignorar que outra pessoa se arroga direitos sobre o mesmo bem. Daí que cesse a boa fé do possuidor. 312
O mesmo resulta do disposto no art. 576º do CCI.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
160
d) Encargos
Os encargos com a coisa são pagos pelo titular do direito e pelo possuidor, na medida dos
direitos de cada um deles sobre os frutos no período a que respeitam os encargos (art. 1192º do
projecto do novo C. Civil e arts. 575º e 579º, nº 1, do CCI)313
. Daqui resulta que os encargos
serão suportados pelo possuidor, até à interposição da acção por quem pede a entrega do imóvel.
Aliás, o pagamento dos encargos constitui manifestação da posse, do uso do imóvel como titular
do direito.
e) Benfeitorias
Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias
necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa,
desde que o possam fazer sem detrimento dela (art. 1193º, nº 1, do projecto do novo C. Civil e
arts. 575º e 579º, nº 1, do CCI). Exceptua-se no CCI o caso da posse adquirida por violência (art.
580º).
Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias,
satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do
enriquecimento sem causa (art. 1193º, nº 2, do projecto do novo C. Civil).
O possuidor goza do direito de retenção sobre a coisa pelo valor das benfeitorias necessárias
efectuadas (art. 688º do projecto do novo C. Civil e art. 575º, 2ª parte, do CCI)314
.
O direito de indemnização por benfeitorias pressupõe e exige a posse em nome próprio.
313
Conforme referido no ponto anterior. 314
Porém, o CCI refere apenas o possuidor de boa fé.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
161
O possuidor de boa fé tem direito a levantar as benfeitorias voluptuárias, não se dando
detrimento da coisa; no caso contrário, não pode levantá-las nem haver o valor delas (art. 1195º,
nº 1, do projecto do novo C. Civil e art. 581º do CCI). Para José de Oliveira Ascensão parece
dever entender-se que o possuidor de boa fé poderá sempre levantar as benfeitorias voluptuárias,
desde que repare as deteriorações causadas na coisa315
.
O possuidor de má fé perde, em qualquer caso, as benfeitorias voluptuárias que haja feito (art.
1195º, nº 2, do projecto do novo C. Civil).
A obrigação de indemnização por benfeitorias é susceptível de compensação com a
responsabilidade do possuidor por deteriorações (art. 1194º do projecto do novo C. Civil).
f) Usucapião
A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de
tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo
exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião, ou prescrição aquisitiva (art.
1207º do projecto do novo C. Civil e arts. 548º, nº 2, 1946º e 1955º do CCI).
Conforme já se referiu, a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo,
mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a
aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião, ou
prescrição aquisitiva ou positiva (art. 1207º do projecto do novo C. Civil316
e arts. 548º, nº 2,
315
Ob. cit., pág. 109. 316
Igual o art. 1287º do C. Civil Português de 1966.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
162
1946º e 1955º do CCI) 317318319320
.
A verificação da usucapião depende de dois elementos: da posse e do decurso de certo período
de tempo variável, conforme a natureza móvel ou imóvel da coisa, ou a característica da posse,
ou consoante o regime jurídico aplicável. Para conduzir à usucapião a posse tem de revestir
sempre duas características: pública e pacífica. Os restantes caracteres (boa ou má-fé, titulada,
etc.) influem apenas no prazo.
Importa salientar, contudo, que no CCI a posse de má fé não confere direito à aquisição por
usucapião ou, como se diz naquele código, por prescrição aquisitiva. Assim, no âmbito do CCI,
para além de pública e pacífica, a posse tem de ser de boa fé.
Invocada a usucapião, os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse (art. 1208º do
projecto do novo C. Civil e art. 1957º do CCI)321
. É como se o direito existisse desde o início da
posse. Como se houvesse coincidência inicial.
A usucapião aproveita a todos os que podem adquirir (art. 1209º, nº 1, do projecto do novo C.
Civil e arts. 538º do CCI)322
. Assim, os incapazes podem adquirir por usucapião, tanto por si
como por intermédio das pessoas que legalmente os representam (art. 1209º, nº 2, do projecto do
317
O CCI denomina este instituto como de prescrição aquisitiva (designação frequente na doutrina internacional) e regula o mesmo precisamente no capítulo relativo à prescrição (Capítulo VII, do Livro IV, Secção 2), embora também se lhe refira no capítulo que aborda a posse (Capítulo II, do Livro II). 318
No mesmo sentido o C. Civil Portguês de 1867, que designa a situação de prescrição positiva no seu art. 505º. 319
Por contraponto à precrição extintiva, ou negativa, que extingue o direito do credor, aqui a prescrição cria, ou faz nascer um direito novo na esfera do seu beneficiário. 320
Henrique Mesquita, ob. cit., pág. 112. 321
Art. 1288º do C. Civil Português de 1966. 322
Art. 1289º do C. Civil Português de 1966 e art. 510º do C. Civil Português de 1867.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
163
novo C. Civil e arts. 539º do CCI)323
.
Os detentores ou possuidores precários não podem adquirir para si, por usucapião, o direito
possuído, excepto achando-se invertido o título da posse; mas, neste caso, o tempo necessário
para a usucapião só começa a correr desde a inversão do título, conforme referido supra (art.
1210º do projecto do novo C. Civil e art. 1959º do CCI)324
. Vejam-se os arts. 1173º, 1183º, al. d),
e 1185º do projecto do novo C. Civil e o arts. 535º, 536º e 556º do CCI.
A usucapião por um compossuidor relativamente ao objecto da posse comum aproveita
igualmente aos demais compossuidores (art. 1211º do projecto do novo C. Civil).
São aplicáveis à usucapião, com as necessárias adaptações, as disposições relativas à suspensão e
interrupção da prescrição, bem como o preceituado nos artigos 291º, 293º, 294º e 296º do
projecto (art. 1212º do projecto do novo C. Civil e art. 1946º do CCI). Como já se referiu,
estamos no âmbito da prescrição aquisitiva, que não deixa de ser uma caso de prescrição.
g) Usucapião de imóveis
Não podem adquirir-se por usucapião: a) As servidões prediais não aparentes; b) Os direitos de
uso e de habitação (art. 1213º do projecto do novo C. Civil e arts. 552º e 556º do CCI)325
.
Conforme se viu supra, a posse para poder conduzir à aquisição do direito por usucapião tem de
323
Porém, só podem adquirir por si os bens susceptíveis de aquisição por ocupação, isto é, bens móveis. “Em vista da letra do Codigo póde sustentar-se que para adquirir a posse são competentes até os menores, comtanto que tenha uso de rasão, ao passo que para adquiri a propriedade pela prescripção são incompetentes os menores, ainda que tenham uso de rasão” (José Dias Ferreira, ob. e vol. cit., pág. 15), mas podem adquirir por intermédios dos seus representantes legais (art. 507º do C. Civil Português de 1867. 324
Art. 1290º do C. Civil Português de 1966 e art. 480º do C. Civil Português de 1867. 325
Não existe disposição expressa de propibição da aquisição por usucapião do direito de uso e ocupação, mas ela parece resultar evidente do regime prevsito nos seus arts. 818º a 829º, em especial do art. 827º.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
164
ser pública e pacífica, pelo que as servidões não aparente estão excluídas, desconhecendo-se o
exercício dos actos materiais de posse não se pode atribuir relevância jurídica aos mesmos (veja-
se igualmente o art. 1438º, nº 1, do projecto de C. Civil e o art. 699º do CCI)326327
. Quanto ao
direito de uso e habitação esta impossibilidade está relacionada com a sua natureza. O direito de
habitação tem a natureza de afectação de satisfação de necessidades pessoais. O direito de
habitação abrange o “usus” e o “fructus”, mas apenas na medida das necessidades pessoais do
seu titular e da sua família. Este direito tem de se entender somente como abrangendo o morador
usuário, tem de se pautar pelas suas necessidades pessoais, contrariamente ao usufruto em que a
fruição e o uso são ilimitados328
.
A usucapião, como qualquer outra situação de prescrição, não é de conhecimento oficioso, pelo
que tem necessariamente que ser invocada pela pessoa a quem aproveita (art. 294º do projecto do
novo C. Civil329
, aqui aplicável por remissão do art. 1212º, e art. 1950º do CCI330
).
A questão que se coloca neste caso é a de saber se o direito de propriedade, adquirido por
usucapião, pode ser invocado por quem já não é possuidor, mas foi possuidor do imóvel durante
o prazo necessário para a sua verificação, tendo entretando sido esbulhado pelo possuidor actual.
Afigura-se que não, salvo o caso do esbulho violento.
326 Art. 678º do CCI (na versão em ingles “Visible servitudes are those that are physically apparent such as a door, a
window, a water pipe and other such similar objects. Invisible servitudes are those whose existence is
imperceptible, such as the prohibition against building on a plot of land, or against building above a certain height,
the right to graze cattle and other matters that require human involvement”).
327 Art. 1438º, nº 2, do projecto do novo C. Civil, “Consideram-se não aparentes as servidões que não se revelam
por sinais visíveis e permanentes”. 328
Álvaro Moreira e Carlos Fraga, ob. cit., pág. 420. 329
O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público. 330
Na versão em inglês, “The judge may not, officially, apply the means of prescription”.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
165
Isto é o que resulta expressamente dos arts. 1955º e 1978º do CCI331
. Mas é também o que resulta
do art. 1207º do projecto do novo C. Civil.
Para o projecto do novo C. Civil, se a posse tiver sido constituída com violência ou tomada
ocultamente, os prazos da usucapião só começam a contar-se desde que cesse a violência ou a
posse se torne pública (art. 1217º do projecto). O que significa que o possuidor esbulhado ainda
pode invocar a usucapião (judicial ou extrajudicialmente) até um ano após ter cessado a
violência, ainda que não exerça poder de facto sobre o imóvel332
.
No âmbito do CCI, porém, no caso de o possuidor ter sido esbulhado com violência a sua posse
mantém-se sem limite de prazo, ainda que cesse a violência, pelo que pode a todo o tempo
invocar a prescrição, enquanto se mentiver a posse do esbulhador com violência333
.
A prescrição pode ser invocada mesmo em sede de recurso (art. 1951º do CCI). Importa, porém,
ter presente que a citação do réu possuidor para acção de reivindicação da propriedade do imóvel
que ele possui interrompe o prazo prescricional (art. 314º, nº 1, do projecto do novo C. Civil e
arts. 1980º do CCI).
h) Prazos de usucapião
331
Na versão em inglês, “To acquire ownership of property by means of prescription, an individual must have
continuous, uninterrupted, open and unequivocal possession” (art. 1955º) e “Prescription shall be precluded if the
owner, within a period of more than one year, has been denied the enjoyment of a matter, either by the previous
owner, or by a third party” (art. 1978º). Lembre-se que a posse se perde através da posse de outrem por período
superior a um ano (art. 545º, nº 1, do CCI).
332 Conforme o art. 1187º, nº 1, al. d), do projecto.
333 Arts. 568º e 536º do CCI.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
166
No CCI o possuidor de má fé não pode adquirir por usucapião (art. 549º do CCI)334
. Por maioria
de razão, não se permite a aquisição do direito no caso da posse constituída com violência, ainda
que a mesma violência venha a cessar (arts. 536º e 568º do CCI).
Os prazos de prescrição são os seguintes (art. 1963º do CCI):
Vinte anos para o possuidor e boa fé que tenha um título legítimo de aquisição;
Trinta anos para os restantes possuidores de boa fé.
Também será de trinta anos o prazo de prescrição para a posse titulada, no caso de o título ser
formalmente inválido (art. 1964º do CCI).
Como já se referiu, presume-se a existência de boa fé na posse (art. 1965º do CCI), sendo ainda
suficiente que a boa fé exista aquando da aquisição da posse (art. 1966º do CCI), pelo que pode
haver má fé posterior (no sentido de se vir a tomar conhecimento da violação do direito de
outrem) sem que seja afectado o direito de prescrição.
O CCI não prevê a hipótese de registo da mera posse. Mas, como é óbvio, pode haver registo do
título que confere a posse. Como já se referiu, sendo o título formalmente válido, em princípio,
salvo ocorrendo violação do trato sucessivo do registo335
, nada obstará a que se proceda ao
registo do mesmo.
O CCI, porém, não dá qualquer tipo de privilégio ao registo desta posse titulada, mantendo-se o
prazo de vinte anos, independentemente do registo.
334
A a boa fé se traduz na ignorância de violar direito de outra pessoa (art. 531º do CCI) 335
Por exemplo a pessoa que consta como vendedora na escritura píbulica de compra e venda não ser a que consta como titular do direito de propriedade no registo.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
167
Para o projecto do novo C. Civil, havendo título de aquisição e registo deste, a usucapião tem
lugar: a) Quando a posse, sendo de boa fé, tiver durado por dez anos, contados desde a data do
registo; b) Quando a posse, ainda que de má fé, houver durado quinze anos, contados da mesma
data (art. 1214º do projecto do novo C. Civil)336
. O título, relembra-se, tem que ser formalmente
válido (ou seja, no caso dos imóveis, tem de se tratar de uma escritura pública), embora possa ser
substancialmente inválido (art. 1181º do projecto).
Não havendo registo do título de aquisição, mas registo da mera posse, a usucapião tem lugar: a)
Se a posse tiver continuado por cinco anos, contados desde a data do registo, e for de boa fé; b)
Se a posse tiver continuado por dez anos, a contar da mesma data, ainda que não seja de boa fé
(art. 1215º, nº 1, do projecto do novo C. Civil). Conforme se referiu para os outros casos em que
se previa o registo da mera posse, esta só pode ocorrer em vista de sentença passada em julgado,
na qual se reconheça que o possuidor tem possuído pacífica e publicamente por tempo não
inferior a cinco anos (art. 1215º, nº 2, do projecto do novo C. Civil)337
.
Não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze
anos, se a posse for de boa fé, e de vinte anos, se for de má fé (art. 1216º do projecto do novo C.
Civil).
Se a posse tiver sido constituída com violência ou tomada ocultamente, os prazos da usucapião
só começam a contar-se desde que cesse a violência ou a posse se torne pública (art. 1217º do
projecto do novo C. Civil).
336
Também aqui a boa fé se traduz na ignorância de violar direito de outra pessoa (art. 1182º, nº 1). 337
Valem aqui as considerações tecidas anteriormente sobre a matéria.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
168
VII. Defesa da posse
a) Acções possessórias
Existem os seguintes meios de defesa judicial da posse, previstos nos arts. 1196º a 1206º do
projecto: acção de prevenção, acção de manutenção, acção de restituição, acção de restituição no
caso de esbulho violento e embargos de terceiro. Para além destes meios, existem ainda os meios
de defesa da posse de carácter extrajudicial, como sejam a acção directa e a legítima defesa,
previstos nos arts. 327º e 328º do projecto do novo C. Civil.
b) Acção de manutenção da posse
Se o possuidor tiver justo receio de ser perturbado ou esbulhado por outrem, será o autor da
ameaça, a requerimento do ameaçado, intimado para se abster de lhe fazer agravo, sob pena de
multa e responsabilidade pelo prejuízo que causar (art. 1196º do projecto do novo Código
Civil)338
.
Para a aplicação da acção de prevenção é necessário, além de uma situação de posse, que esta
não tenha sido lesada e que tenham ocorrido factos de que seja legítimo inferir estar o possuidor
sob ameaça séria de ser perturbado ou esbulhado (trata-se pois de uma acção antecipatória). A
expressão “justo receio” destina-se a inculcar a ideia de que não basta um receio mais ou menos
vago, os actos atribuídos ao réu hão-de ter o carácter de ameaças positivas e capazes de se
traduzir em vias de facto339
.
O meio adequado para a acção de prevenção será a providência cautelar não especificada dos
338
Não existe disposição semelhante no CCI. 339
Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 835.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
169
arts. 305º a 316º do CPC. Efectivamente, se a ameaça é séria, como exige o artigo, então o
recurso ao processo declarativo comum não acautela o direito do possuidor ameaçado, devido à
natural demora do mesmo. Isto não invalida, obviamente, que o possuidor tenha que intentar
posteriormente acção declarativa, nos termos dos arts. 307º, nº 1, e 313º, nº 1, al. a), do CPC.
c) Restituição de posse
O possuidor que for perturbado ou esbulhado pode manter-se ou restituir-se por sua própria força
e autoridade, nos termos do artigo 327º, ou recorrer ao tribunal para que este lhe mantenha ou
restitua a posse (art. 1197º do projecto do novo C. Civil e arts. 550º, 551º e 566º do CCI).
O recuso à acção directa e à legítima defesa (arts. 327º e 328º do projecto) pressupõe a
verificação dos seguintes requisitos: a) impossibilidade de recurso, em tempo útil, aos meios
coersivos normais, nomeadamente aos tribunais; b) violação efectiva ou eminente do direito; c)
racionalidade dos meios utilizados.
Se o possuidor recorrer ao tribunal, não se verificando nenhuma situação de esbulho violento,
pode recorrer à providência cautelar de embargo de obra nova, se, por exemplo, o esbulhador
construir um muro que impeça a posse, ou usar dos meios cautelares comuns ou da acção
declarativa comum.
No caso de recorrer ao tribunal, o possuidor perturbado ou esbulhado será mantido ou restituído
enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito (art. 1198º, nº 1, do projecto
do novo C. Civil e arts. 561º e 562º do CCI).
d) Restituição provisória de posse
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
170
O possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à
sua posse, sem audiência do esbulhador (art. 1199º do projecto do novo C. Civil). Veja-se o art.
563º do CCI.
No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua
posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência (art. 317º do CPC e art.
563º do CCI). Providência cautelar de restituição provisória de posse.
Os requisitos desta providência cautelar são (gerais):
- a séria probabilidade de existência do direito;
- o fundado receio de que outrem, antes de proferida decisão de mérito, cause lesão grave ou
dificilmente reparável;
- que não seja manifestamente inferior ao prejuízo dela derivado para o requerido.
E, para além destes requisitos gerais, são ainda requisitos específicos da providência:
Esbulho - retirada total ou parcial da posse de um bem;
Violência - Com utilização de força, isto é, o acto de retirar a posse ao requerente é não
consentido. A violência poderá ser contra a pessoa ou contra a coisa. Exemplo de violência
contra a coisa: arrombar a porta, a fechadura, substituir a fechadura, destruição de obstáculos etc.
d) A acção de manutenção ou de restituição da posse
A acção de manutenção da posse pode ser intentada pelo perturbado ou pelos seus herdeiros, mas
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
171
apenas contra o perturbador, salva a acção de indemnização contra os herdeiros deste (art. 1201º,
nº 1, do projecto do novo C. Civil).
A acção de restituição de posse pode ser intentada pelo esbulhado ou pelos seus herdeiros, não só
contra o esbulhador ou seus herdeiros, mas ainda contra quem esteja na posse da coisa e tenha
conhecimento do esbulho (art. 1201º, nº 2, do projecto do novo C. Civil).
O que ressalta deste artigo é que a acção de restituição não pode ser intentada contra quem esteja
na posse da coisa de boa fé.
A acção de manutenção, bem como as de restituição da posse, caducam, se não forem intentadas
dentro do ano subsequente ao facto da turbação ou do esbulho, ou ao conhecimento dele quando
tenha sido praticado a ocultas (art. 1202º do projecto do novo C. Civil e arts. 558º e 565º do
CCI).
Trata-se de um prazo de caducidade.
É havido como nunca perturbado ou esbulhado o que foi mantido na sua posse ou a ela foi
restituído judicialmente (art. 1203º do projecto do novo C. Civil e art. 560º do CCI).
É assim indiferente a posse do esbulhador, uma vez que sobre a mesma coisa não podem haver
duas posses plenas.
O possuidor mantido ou restituído tem direito a ser indemnizado do prejuízo que haja sofrido em
consequência da turbação ou do esbulho (art. 1204º, nº 1, do projecto do novo C. Civil e arts.
568º e 576º a 581º do CCI).
A restituição da posse é feita à custa do esbulhador e no lugar do esbulho (art. 1204º, nº 2, do
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
172
projecto do novo C. Civil).
Só depois de mantido ou restituído pode o possuidor exigir ao turbador ou esbulhador que o
indemnize.
e) Embargos de terceiro
O possuidor cuja posse for ofendida por diligência ordenada judicialmente pode defender a sua
posse mediante embargos de terceiro, nos termos definidos na lei de processo (art. 1205º do
projecto do novo C. Civil).
Nos termos do disposto no artigo 286º do CPC, se qualquer acto judicialmente ordenado de
apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização
ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo
valer, deduzindo embargos de terceiro.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
173
CAPÍTULO III – DIREITO DE PROPRIEDADE
I. Definição e conteúdo
Propriedade é o direito de ter livre aproveitamento da coisa e dispor dela de modo absoluto,
desde que um indivíduo não viole as leis e ordens públicas emanadas das autoridades, no uso de
tais bens, e desde que não interfira com os direitos dos outros indivíduos (art. 570º do CCI)340
.
O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das
coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela
impostas (art. 1225º do anteprojecto do novo C. Civil).
Por seu lado a Constituição da RDTL estipula que todo o indivíduo tem direito à propriedade
privada, podendo transmiti-la em vida e por morte, nos termos da lei, embora só os cidadãos
nacionais tenham direito à propriedade privada da terra (art. 54º, nº 1 e 4, da Constituição).
O direito de propriedade é um direito absoluto do qual resulta a exclusividade reconhecida ao
proprietário341
. A propriedade é comummente qualificada como o direito real máximo, o modelo
de todos os outros direitos reais342
.
340
Na versão em inglês “Ownership is the right to have free enjoyment of property and to dispose thereof
absolutely, provided that an individual does not violate the laws of the public ordinances stipulated by those who
have been granted authority to do so, in the course of using such assets, and provided that an individual does not
interfere with other individuals rights”.
341 Esta é a definição resultante do art. 20º, nº 1, da Lei Agrária Indonésia de 1960 (na versão em inglês “A Hak
milik (right of ownership) is the inheritable right, the strongest and fullest right on land which one can hold”).
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
174
Dá-se o nome de fruição ao aproveitamento dos frutos e produtos de uma coisa, seja dos frutos
materiais, seja dos frutos jurídicos (rendas ou juros ou outro tipo de rendimento).
Entende-se por disposição a forma de exercício dum direito que implica a sua alteração ou perda,
absoluta ou relativa.
Há duas classificações possíveis do conceito de disposição: disposição total e disposição parcial;
disposição material e disposição jurídica343
.
Para José de Oliveira Ascensão “a propriedade é o direito real que outorga a universalidade dos
poderes que à coisa se podem referir344
.
A propriedade tem, porém, igualmente uma função social, que frequentemente determina a
limitação daquele direito absoluto (art. 54º, nº 2, da Constituição da RDTL). Vejam-se os citados
arts. 570º do CCI, 1225º do anteprojecto do novo C. Civil.
O direito de propriedade deve ser exercido dentro dos limites impostos, por um lado, pela boa fé,
pelos bons costumes e pelo fim social e económico e, por outro lado, pelas restrições, quer de
interesse privado, quer de interesse público que a lei expressamente consagra345346
.
Não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de
figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei (art. 1226º do anteprojecto do
novo C. Civil). Trata-se de um dos princípios gerais dos direitos reais (o “numerus clausus”, ou
342
Oliveira Ascensão, ob. cit., pág. 441. “O direito de propriedade é o molde jurídico onde se vaza o poder humano de usar, de gozar, ou de dispor dos bens de forma plena” (Álvaro Moreira e Carlos Fraga, ob. cit., pág. 217). 343
Castro Mendes, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Lisboa, 1978, vol. II, pág. 40 344
Ob. cit., pág. 448. 345
José Osvaldo Gomes, “Comentário ao Novo Regime de Licenciamento de Obras”, Lisboa, 1971, pág. 22. 346
Sobre a função social do direito de propriedade veja-se o escrito supra (Título I, Capítulo IV).
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
175
princípio da tipicidade). A lei não permite que sejam constituídos direitos reais que ela própria
não preveja347
.
Ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos
fixados na lei, sendo sempre devida indemnização adequada ao proprietário ou aos titulares dos
outros direitos reais afectados (arts. 1229º e 1231º do projecto do novo C. Civil). No mesmo
sentido o art. 570º do CCI e art. 54º da Constituição da RDTL348
. O que se prevê aqui é a
possibilidade de intervenção do Estado no direito de propriedade privada, por meio de privação
forçada da propriedade, nomeadamente por expropriação por utilidade pública349
. Veja-se o art.
18º da Lei Agrária Indonésia de 1960350
.
II. Conteúdo do direito de propriedade (propriedade de imóveis)
A propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o
subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio
jurídico (art. 1264º, nº 1, do projecto do novo C. Civil). Veja-se o art. 571º do CCI.
O proprietário não pode, todavia, proibir os actos de terceiro que, pela altura ou profundidade a
que têm lugar, não haja interesse em impedir (art. 1264º, nº 2, do projecto). Sobre o assunto os
347
Veja-se o Título I, Capítulo II, e). 348
Sobre a vertente constitucional do direito de propriedade veja-se Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, vol. I, Coimbra Editora, 4ª ed. Revista, 2007, págs. 799-805. 349
Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., págs. 805-810. 350
Na versão em inglês “In the interests of the public as well as of the nation and of the state and in the collective
interests of the people, land rights can be revoked by providing appropriate compensation and in accordance with
the procedure which is to be stipulated by way of an Act”.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
176
arts. 1º, nº 4 a 6, e 2º da Lei Agrária Indonésia de 1960.
2.1. Limitações ao direito de propriedade:
O fundamento das limitações encontra-se no primado do interesse coletivo ou público sobre o
individual e na função social da propriedade, visando proteger o interesse público social e o
interesse privado, considerado em relação à necessidade social de coexistência pacífica; sua
natureza é de obrigação propter rem, porque tanto o devedor como o credor são titulares de um
direito real, pois ambos os direitos incidem sobre a mesma coisa, só que não são oponíveis erga
omnes nem interessam a terceiros351
.
As obrigações de direito público são normalmente encontradas em legislação autónoma (não no
Código Civil) e visam salvaguardar essencialmente o interesse público352
. Estes limites são
gerais porque são comuns a todos os imóveis, todos estão sujeitos a suportar os limites imposto
pela administração em defesa do interesse público.
As limitações ao domínio baseadas no interesse privado inspiram-se no propósito de coexistência
harmónica e pacífica de direitos, fundando-se no próprio interesse do titular do bem ou de
terceiro, a quem este pretende beneficiar, não afetando, dessa forma, a extensão do exercício do
direito de propriedade; caracteriza-se por sua bilateralidade ante o vínculo recíproco que
351
Veja-se supra o Capítulo IV do Título I. 352
Contam-se entre estas as restrições à construção constantes de planos directores (ordenamento do território), que visam harmonizar a possibilidade de construção pelos privados, por forma a evitar a ocupação irracional e irreversível da terra, designadamente criando zonas habitacionais e zonas de serviços ou industriais diferenciadas, estipulando limites de construção, por exemplo em altura, bem como as chamadas servidões públicas (ou servidões administrativas), como seja a proibição de se poder construir demasiado perto da estrada, por forma a poder no futuro proceder ao alargamento da mesma. Trata-se de restrições ainda não existente na legislação nacional e que urge implementar, sob pena de se tornar irreversível a ocupação caótica e indisciplinada do território.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
177
estabelece.
Aqui se inclui o direito de vizinhança, limitações impostas por normas jurídicas às propriedades
individuais com o escopo de conciliar interesses de proprietários vizinhos, reduzindo os poderes
inerentes ao domínio e de modo a regular a convivência social (art. 625º do CCI). Por haver
contiguidade entre prédios, o proprietário não é livre de fazer tudo aquilo que se compreenderia
num ilimitado ‘jus utendi, abutendi e fruendi’, têm de estabelecer-se restrições rerivadas da
necessidade de coexistência353
.
Assim:
a) O proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros,
calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes,
provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o
uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam (art. 1266º do
projecto do novo C. Civil). No mesmo sentido, veja-se o art. 655º do CCI354
.
A Constituição concede maior protecção aos direitos, liberdades e garantias de que aos direitos
económicas, sociais e culturais e há uma ordem decrescente de consistência, de protecção
353
Álvaro Moreira e Carlos Fraga, ob. cit., pág. 204. 354
Na versão em inglês, “An individual, who, within the area surrounding a communal or non-communal wall, has had a well, sewer, or outhouse dug, intends to install a chimney, a fireplace, an oven or furnace, intends to build a stable or fertilizer container, or build a salt storehouse or warehouse, or install a storage place of corrosive material, or intends to build other harmful or dangerous constructions, shall be required to leave or create space in the manner described in the special ordinances or customs in that regard, or to carry out constructions as required by the regulations and customs, in order to prevent any damage which may be caused to the neighboring plots of land”.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
178
jurídica, de densidade subjectiva daqueles para estes355
. Assim, no caso de colisão ou conflito de
direitos fundamentais devem prevalecer os direitos de personalidade (art. 326º do projecto C.
Civil).
O direito de oposição subsiste mesmo que a actividade de onde resultam as emissões haja sido
autorizada por entidade pública356
.
No entender de Álvaro Moreira e Carlos Fraga, este preceito aplica-se a quaisquer vizinhos e não
apenas ao vizinho contíguo357
.
b) O proprietário não pode construir nem manter no seu prédio quaisquer obras, instalações ou
depósitos de substâncias corrosivas ou perigosas, se for de recear que possam ter sobre o
prédio vizinho efeitos nocivos não permitidos por lei (art. 1267º, nº 1, do projecto do novo C.
Civil)358
. Veja-se de novo o art. 655º do CCI.
Se as obras, instalações ou depósitos tiverem sido autorizados por entidade pública competente,
ou tiverem sido observadas as condições especiais prescritas na lei para a construção ou
manutenção deles, a sua inutilização só é admitida a partir do momento em que o prejuízo se
torne efectivo (art. 1267º, nº 2, do anteprojecto do novo C. Civil). É devida, em qualquer dos
355
Veja-se os J.J. Canotilho, in “Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano 125º, Coimbra Editora, 1992, pág. 293, Jorge Miranda, in “Manual de Direito Constitucional”, vol. IV, Coimbra Editora, 1996, pág. 135, Vaz Serra, in “Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano 103º, Coimbra Editora, 1970, pág. 378, Fernando Augusto Cunha Sá, in “Abuso do Direito”, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 528, e Fernando Pessoa Jorge, “Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, Almedina, Coimbra, 1999, pág. 201. 356
Hernrique Mesquita, ob. cit., pág. 142. 357
Ob. cit., pág. 244, nota 53. 358
Trata-se de norma preventiva. Não tem que se já verificar um dano efectivo, mas apenas a sua possibilidade (Menezes Cordeiro, in “Direitos Reais, Lex Editora, Lisboa, 1993, pág. 597).
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
179
casos, indemnização pelo prejuízo sofrido (art. 1267º, nº 3, do anteprojecto do novo C. Civil)359
.
c) O proprietário tem a faculdade de abrir no seu prédio minas ou poços e fazer escavações,
desde que não prive os prédios vizinhos do apoio necessário para evitar desmoronamentos
ou deslocações de terra (art. 1268º, nº 1, do anteprojecto do novo C. Civil).
O direito de construir constitui prerrogativa inerente da propriedade o direito que possui o seu
titular de construir em seu terreno o que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os
regulamentos administrativos360
.
Logo que venham a padecer danos com as obras feitas, os proprietários vizinhos serão
indemnizados pelo autor delas, mesmo que tenham sido tomadas as precauções julgadas
necessárias (art. 1268º, nº 2, do anteprojecto do novo C. Civil e art. 1369º do CCI)361
.
Se qualquer edifício ou outra obra oferecer perigo de ruir, no todo ou em parte, e do
desmoronamento puderem resultar danos para o prédio vizinho, é lícito ao dono deste exigir da
pessoa responsável362
pelos danos as providências necessárias para eliminar o perigo (art. 1270º
do anteprojecto do novo C. Civil e art. 654º do CCI)363
.
d) Passagem forçada momentânea:
Se, para reparar algum edifício ou construção, for indispensável levantar andaime, colocar
359
Trata-se de uma hipótese de responsabilidade pelo risco, pelo que a obrigação de indemnização se verifica independentemente de culpa do proprietário (arts. 433º a 444º do projecto). 360
Talvez por isso o CCI não o refira expressamente. 361
Mais uma vez, a obrigação de indemnizar existe independentemente de culpa (nota 296). 362
A pessoa responsável é o proprietário ou possuidor do edifício (art. 426º do projecto). 363
Se o perigo de ruína ou desmoronamento resultar de obra nova pode-se recorrer ao procedimento cautelar de embargo de obra nova, dos arts. 334º a 339º do CPC.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
180
objectos sobre prédio alheio, fazer passar por ele os materiais para a obra ou praticar outros actos
análogos, é o dono do prédio obrigado a consentir nesses actos (art. 1269º, nº 1, do anteprojecto
do novo C. Civil, igual o art. 651º do CCI)364
.
No caso de recursa, o direito pode ser exercido através da providência cautelar não especificada
prevista nos arts. 305º a 316º do CPC. Ou seja, se o titular do direito for impedido de aceder ao
prédio vizinho, pode intentar procedimento cautelar não especificado por forma a poder exercer
o mesmo. Trata-se de um caso em que o procedimento cautelar não é dependente de uma acção
judicial posterior, uma vez garantido o acesso, o seu interesse encontra-se satisfeito, pelo que não
terá o titular do direito interesse em intentar a acção correspondente.
É igualmente permitido o acesso a prédio alheio a quem pretenda apoderar-se de coisas suas que
acidentalmente nele se encontrem; o proprietário pode impedir o acesso, entregando a coisa ao
seu dono (art. 1269º, nº 2, do anteprojecto do novo C. Civil)365
.
Em qualquer dos casos previstos neste artigo, o proprietário tem direito a ser indemnizado do
prejuízo sofrido (art. 1269º, nº 3, do anteprojecto do novo C. Civil).
e) Os prédios inferiores estão sujeitos a receber as águas que, naturalmente e sem obra do
homem, decorrem dos prédios superiores, assim como a terra e entulhos que elas arrastam na
sua corrente (art. 1271º, nº 1, do anteprojecto do novo C. Civil, conforme também o art. 626º do
CCI).
364
Note-se que não se está aqui perante qualquer servidão. Não é uma servidão que se constitui, mas somente uma passagem momentânea, embora forçada (Álvaro Moreira e Carlos Fraga, ob. cit., pág. 245). 365
Por exemplo, o proprietário tem que tolerar a passagem momentânea de alguém que precise ir buscar uma coisa sua que acidentalmente se encontre na propriedade daquele, como um animal que para lá fugiu, ou uma coisa que para lá caiu (Álvaro Moreira e Carlos Fraga, ob. cit., pág. 245).
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
181
Quando exista um terreno inclinado, o proprietário da parte inferior não pode instalar um dique
contra o qual a água de torrente natural ou da chuva fique retida, uma vez que isso prejudicaria o
proprietário do terreno superior e constituiria assim uma limitação do direito deste366
.
Nem o dono do prédio inferior pode fazer obras que estorvem o escoamento, nem o dono do
prédio superior obras capazes de o agravar, sem prejuízo da possibilidade de constituição da
servidão legal de escoamento, nos casos em que é admitida (art. 1271º, nº 2, do anteprojecto do
novo C. Civil. e o art. 626º do CCI). Deve permitir-se que os terrenos recebam ou escoem as
águas naturalmente, sem que as mesmas sejam retidas. Porém, pode o proprietário do terreno
fazer obra que dirija as águas de forma menos prejudicial para o seu terreno367
.
O dono do prédio onde existam obras defensivas para conter as águas, ou onde, pela variação do
curso das águas, seja necessário construir novas obras, é obrigado a fazer reparos precisos, ou a
tolerar que os façam, sem prejuízo dele, os donos dos prédios que padeçam danos ou estejam
expostos a danos iminentes (art. 1272º, nº 1, do anteprojecto do novo C. Civil)368
. O disposto no
número anterior é aplicável, sempre que seja necessário despojar algum prédio de materiais cuja
acumulação ou queda estorve o curso das águas com prejuízo ou risco de terceiro (art. 1272º, nº
2, do anteprojecto do novo C. Civil). Todos os proprietários que participam do benefício das
obras são obrigados a contribuir para as despesas delas, em proporção do seu interesse, sem
prejuízo da responsabilidade que recaia sobre o autor dos danos (art. 1272º, nº 3, do anteprojecto
do novo C. Civil).
366
Álvaro Moreira e Carlos Fraga, ob. cit., pág. 246. 367
Acórdão da Relação de Lisboa de 9-11-1979, in “Colectânea de Jurisprudência”, ano IV, tomo 5º, Casa do Juiz, Coimbra, 1979, pág. 1597, citado por Abílio Neto, ob. cit., pág. 897. 368
O proprietário só está obrigado a tolerar que os proprietários dos prédio vizinhos façam as obras na sua propriedade se não as fizer ele mesmo.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
182
2.2. Direito de demarcação
O proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação
das estremas entre o seu prédio e os deles – art. 1273º do anteprojecto do novo C. Civil. Veja-se
o art. 630º-A do CCI.
O direito de demarcação é imprescritível, sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião –
art. 1275º do anteprojecto do novo C. Civil.
2.3. Direito da tapagem
A todo o tempo o proprietário pode murar, valar, rodear de sebes o seu prédio, ou tapá-lo de
qualquer modo – art. 1276º do anteprojecto do novo C. Civil. Veja-se o art. 631º do CCI.
No que se refere ao direito de tapagem, o proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar
de qualquer modo o seu prédio urbano ou rural, para que possa proteger, dentro dos seus limites,
a exclusividade de seu domínio, desde que observe as disposições regulamentares e não cause
dano ao vizinho.
2.4. Construções e edificações
O proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção não pode abrir nela janelas
ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das
obras o intervalo de metro e meio – art. 1280º, nº 1, do anteprojecto do novo C. Civil. Vejam-se
os arts. 647º a 650º do CCI.
Igual restrição é aplicável às varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, quando sejam
servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela –
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
183
art. 1280º, nº 2, do anteprojecto do novo C. Civil. Veja-se o art. 647º do CCI.
Se os dois prédios forem oblíquos entre si, a distância de metro e meio conta-se
perpendicularmente do prédio para onde deitam as vistas até à construção ou edifício novamente
levantado; mas, se a obliquidade for além de quarenta e cinco graus, não tem aplicação a
restrição imposta ao proprietário – art. 1280º, nº 3, do anteprojecto do novo C. Civil.
As restrições do artigo precedente não são aplicáveis a prédios separados entre si por estrada,
caminho, rua, travessa ou outra passagem por terreno do domínio público – art. 1281º do
anteprojecto do novo C. Civil.
Janelas são as aberturas que, não sendo portas e estando niveladas com as paredes
(contrariamente às varandas que se projectam para a frente delas), tem em qualquer das suas
dimensões mais de quinze centímetros e por função, além de assegurar a entrada de luz e ar,
facultar vistas.
A existência de janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, em
contravenção do disposto na lei, pode importar, nos termos gerais, a constituição da servidão de
vistas por usucapião – art. 1282º, nº 1, do anteprojecto do novo C. Civil.
Constituída a servidão de vistas, por usucapião ou outro título, ao proprietário vizinho só é
permitido levantar edifício ou outra construção no seu prédio desde que deixe entre o novo
edifício ou construção e as obras mencionadas no nº 1 o espaço mínimo de metro e meio,
correspondente à extensão destas obras – art. 1282º, nº 2, do anteprojecto do novo C. Civil.
Não se consideram abrangidos pelas restrições da lei as frestas, seteiras ou óculos para luz e ar,
podendo o vizinho levantar a todo o tempo a sua casa ou contramuro, ainda que vede tais
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
184
aberturas – art. 1283º, nº 1, do anteprojecto do novo C. Civil. Veja-se o art. 645º do CCI.
As frestas, seteiras ou óculos para luz e ar devem, todavia, situar-se pelo menos a um metro e
oitenta centímetros de altura, a contar do solo ou do sobrado, e não devem ter, numa das suas
dimensões, mais de quinze centímetros; a altura de um metro e oitenta centímetros respeita a
ambos os lados da parede ou muro onde essas aberturas se encontram – art. 1283º, nº 2, do
anteprojecto do novo C. Civil. Veja-se o art. 646º do CCI.
O proprietário deve edificar de modo que a beira do telhado ou outra cobertura não goteje sobre
o prédio vizinho, deixando um intervalo mínimo de cinco decímetros entre o prédio e a beira, se
de outro modo não puder evitá-lo – art. 1285º, nº 1, do anteprojecto do novo C. Civil. Veja-se o
art. 652º do CCI.
Constituída por qualquer título a servidão de estilicídio, o proprietário do prédio serviente não
pode levantar edifício ou construção que impeça o escoamento das águas, devendo realizar as
obras necessárias para que o escoamento se faça sobre o seu prédio, sem prejuízo para o prédio
dominante – art. 1285º, nº 2, do anteprojecto do novo C. Civil.
2.5. Plantação de árvores e arbustos
É lícita a plantação de árvores e arbustos até à linha divisória dos prédios; mas ao dono do prédio
vizinho é permitido arrancar e cortar as raízes que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou
ramos que sobre ele propenderem, se o dono da árvore, sendo rogado judicialmente ou
extrajudicialmente, o não fizer dentro de três dias – art. 1286º, nº 1, do anteprojecto do novo C.
Civil. Veja-se o art. 666º do CCI.
Não é adquirível por prescrição (usucapião) o direito de deitar ramos, tronco ou raízes sobre o
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
185
prédio vizinho.
O proprietário de árvore ou arbusto contíguo a prédio de outrem ou com ele confinante pode
exigir que o dono do prédio lhe permita fazer a apanha dos frutos, que não seja possível fazer do
seu lado; mas é responsável pelo prejuízo que com a apanha vier a causar – art. 1287º do
anteprojecto do novo C. Civil.
2.6. Paredes e muros de meação
O proprietário de prédio confinante com parede ou muro alheio pode adquirir nele comunhão, no
todo ou em parte, quer quanto à sua extensão, quer quanto à sua altura, pagando metade do seu
valor e metade do valor do solo sobre que estiver construído – art. 1290º, nº 1, do anteprojecto do
novo C. Civil. O CCI prevê, em contrário, que nenhum muro se possa tornar comum sem o
consentimento do seu proprietário – art. 640º do CCI.
A parede ou muro divisório entre dois edifícios presume-se comum em toda a sua altura, sendo
os edifícios iguais, e até à altura do inferior, se o não forem – art. 1291º, nº 1, do anteprojecto do
novo C. Civil. Veja-se o art. 633º do CCI.
Os muros entre prédios rústicos, ou entre pátios e quintais de prédios urbanos, presumem-se
igualmente comuns, não havendo sinal em contrário – art. 1291º, nº 2, do anteprojecto do novo
C. Civil.
São sinais que excluem a presunção de comunhão:
a) A existência de espigão em ladeira só para um lado;
b) Haver no muro, só de um lado, cachorros de pedra salientes encravados em toda a largura
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
186
dele;
c) Não estar o prédio contíguo igualmente murado pelos outros lados – art. 1291º, nº 3, do
anteprojecto do novo C. Civil. Veja-se o art. 634º do CCI.
No caso da alínea a) do número anterior, presume-se que o muro pertence ao prédio para cujo
lado se inclina a ladeira; nos outros casos, àquele de cujo lado se encontrem as construções ou
sinais mencionados – art. 1291º, nº 4, do anteprojecto do novo C. Civil.
Se o muro sustentar em toda a sua largura qualquer construção que esteja só de um dos lados,
presume-se do mesmo modo que ele pertence exclusivamente ao dono da construção – art.
1291º, nº 5, do anteprojecto do novo C. Civil.
O proprietário a quem pertença em comum alguma parede ou muro não pode abrir nele janelas
ou frestas, nem fazer outra alteração, sem consentimento do seu consorte – art. 1286º, nº 1, do
anteprojecto do novo C. Civil. Veja-se o art. 644º do CCI.
Qualquer dos consortes tem, no entanto, a faculdade de edificar sobre a parede ou muro comum e
de introduzir nele traves ou barrotes, contanto que não ultrapasse o meio da parede ou do muro –
art. 1293º, nº 1, do anteprojecto do novo C. Civil. No mesmo sentido o art. 636º do CCI.
Veja-se ainda o art. 641º do CCI – nenhum consorte pode abrir buracos ou construir contra o
muro comum, sem consentimento do outro.
Tendo a parede ou muro espessura inferior a cinco decímetros, não tem lugar a restrição do art.
1293º, nº 1, do projecto – art. 1286º, nº 1, do anteprojecto do novo C. Civil.
A qualquer dos consortes é permitido alterar a parede ou muro comum, contanto que o faça à sua
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
187
custa, ficando a seu cargo todas as despesas de conservação da parte alterada – art. 1294º, nº 1,
do anteprojecto do novo C. Civil (art. 637º, primeira parte, do CCI).
Se a parede ou muro não estiver em estado de aguentar o alçamento, o consorte que pretender
levantá-lo tem de reconstruí-lo por inteiro à sua custa e, se quiser aumentar-lhe a espessura, é o
espaço para isso necessário tomado do seu lado – art. 1294º, nº 2, do anteprojecto do novo C.
Civil (art. 637º, segunda parte, do CCI).
O consorte que não tiver contribuído para o alçamento pode adquirir comunhão na parte
aumentada, pagando metade do valor dessa parte e, no caso de aumento de espessura, também
metade do valor do solo correspondente a esse aumento – art. 1294º, nº 3, do anteprojecto do
novo C. Civil (art. 639º do CCI).
A reparação ou reconstrução da parede ou muro comum é feita por conta dos consortes, em
proporção das suas partes – art. 1295º, nº 1, do anteprojecto do novo C. Civil (art. 635º do CCI).
Se o muro for simplesmente de vedação, a despesa é dividida pelos consortes em partes iguais –
art. 1295º, nº 2, do anteprojecto do novo C. Civil.
Se, além da vedação, um dos consortes tirar do muro proveito que não seja comum ao outro, a
despesa é rateada entre eles em proporção do proveito que cada um tirar – art. 1295º, nº 3, do
anteprojecto do novo C. Civil.
Se a ruína do muro provier de facto do qual só um dos consortes tire proveito, só o beneficiário é
obrigado a reconstruí-lo ou repará-lo – art. 1295º, nº 4, do anteprojecto do novo C. Civil (art.
641º do CCI).
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
188
É sempre facultado ao consorte eximir-se dos encargos de reparação ou reconstrução da parede
ou muro, renunciando ao seu direito nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 1331º – art. 1295º, nº 5,
do anteprojecto do novo C. Civil (art. 635º do CCI).
III. Defesa da propriedade
O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o
reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence –
art. 1232º, nº 1, do anteprojecto do novo C. Civil (art. 574º do CCI).
Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos
previstos na lei – art. 1232º, nº 2, do anteprojecto do novo C. Civil.
«A causa de pedir nas acções de reivindicação, ou seja, o facto jurídico de que deriva o direito
real só pode ser constituído pela alegação de uma das formas de adquirir» - acórdão da Relação
de Lisboa de 19 de Março de 1975, sumariado no B.M.J. nº 244, Liaboa, 1975, pág. 177.
Sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião, a acção de reivindicação não prescreve pelo
decurso do tempo – art. 1234º do anteprojecto do novo C. Civil.
É admitida a defesa da propriedade por meio de acção directa, nos termos do artigo 327º – art.
1235º do anteprojecto do novo C. Civil.
O recuso à acção directa e à legítima defesa (arts. 327º e 328º do anteprojecto) pressupõe a
verificação dos seguintes requisitos: a) impossibilidade de recurso, em tempo útil, aos meios
coersivos normais, nomeadamente aos tribunais; b) violação efectiva ou eminente do direito; c)
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
189
racionalidade dos meios utilizados.
Quanto ao segundo requisito, há acção directa quando existe uma agressão do interesse do titular
já finda ou consumada e existe legítima defesa quando essa agressão é actual, portanto já iniciada
mas ainda não consumada.
IV. Aquisição da propriedade
O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação,
acessão e demais modos previstos na lei – art. 1237º, nº 1, do anteprojecto do novo C. Civil (art.
584º do CCI).
Não se trata de enumeração taxativa, pelo que podem existir outros meio de aquisição da
propriedade.
a) Ocupação
Podem ser adquiridos por ocupação os animais e outras coisas móveis que nunca tiveram dono,
ou foram abandonados, perdidos ou escondidos pelos seus proprietários, salvas as restrições dos
artigos seguintes – art. 1239º do anteprojecto do novo C. Civil (art. 574º do CCI). Vejam-se os
arts. 1240º a 1244º do anteprojecto e 585º a 587º do CCI.
Os bens móveis do domínio privado do Estado, que forem abandonados, podem ser adquiridos
por ocupação.
b) Acessão
Dá-se a acessão, quando com a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
190
que lhe não pertencia – art. 1245º do anteprojecto do novo C. Civil (art. 588º do CCI).
A acessão diz-se natural, quando resulta exclusivamente das forças da natureza; dá-se a acessão
industrial, quando, por facto do homem, se confundem objectos pertencentes a diversos donos,
ou quando alguém aplica o trabalho próprio a matéria pertencente a outrem, confundindo o
resultado desse trabalho com propriedade alheia – art. 1246º, nº 1, do anteprojecto do novo C.
Civil.
A acessão industrial é mobiliária ou imobiliária, conforme a natureza das coisas – art. 1246º, nº
2, do anteprojecto do novo C. Civil.
Constitui benfeitoria o melhoramento de obra ou plantação já existente e acessão a obra ou
plantação nova, incluindo a acrescentada.
Se num terreno existe alguma construção, ela pode ser objecto de benfeitoria. Porém, se não
existia lá qualquer edifício, o que se construir constitui acessão e não benfeitoria.
A acessão dá-se pela mera união das coisas. Assim, o momento de aquisição por acessão é o da
união das coisas.
Porém, a aquisição por acessão não é automática, dependendo da manifestação de vontade do
beneficiário nesse sentido.
c) Acessão natural
Pertence ao dono da coisa tudo o que a esta acrescer por efeito da natureza – art. 1247º do
anteprojecto do novo C. Civil. Veja-se no mesmo sentido o art. 588º do CCI.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
191
Pertence aos donos dos prédios confinantes com quaisquer correntes de água tudo o que, por
acção das águas, se lhes unir ou neles for depositado, sucessiva e imperceptivelmente – art.
1248º, nº 1, do anteprojecto do novo C. Civil.
É aplicável o disposto no número anterior ao terreno que insensivelmente se for deslocando, por
acção das águas, de uma das margens para outra, ou de um prédio superior para outro inferior,
sem que o proprietário do terreno perdido possa invocar direitos sobre ele – art. 1248º, nº 2, do
anteprojecto do novo C. Civil. Vejam-se os arts. 595º a 598º do CCI, que precisamente diversas
situações de aluvião.
Se, por acção natural e violenta, a corrente arrancar quaisquer plantas ou levar qualquer objecto
ou porção conhecida de terreno, e arrojar essas coisas sobre prédio alheio, o dono delas tem o
direito de exigir que lhe sejam entregues, contanto que o faça dentro de seis meses, se antes não
foi notificado para fazer a remoção no prazo judicialmente assinado – art. 1249º, nº 1, do
anteprojecto do novo C. Civil. Veja-se o art. 599º do CCI que para a situação de avulsão
estabelece o mesmo regime, mas fixa o prazo de três anos para que o dono das terras, plantas ou
outros objectos deslocados os exija do dono do terreno que os recebeu.
Não se fazendo a remoção nos prazos designados, é aplicável o disposto no artigo anterior (ou
seja, no art. 1249º, nº 1, do anteprojecto) – art. 1249º, nº 2, do anteprojecto do novo C. Civil. No
mesmo sentido a segunda parte do art. 599º do CCI.
Se a corrente mudar de direcção, abandonando o leito antigo, os proprietários deste conservam o
direito que tinham sobre ele, e o dono do prédio invadido conserva igualmente a propriedade do
terreno ocupado de novo pela corrente – art. 1250º, nº 1, do anteprojecto do novo C. Civil.
Contrariamente, nos termos do art. 592º do CCI, os donos dos terrenos que passaram a ser
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
192
ocupados pelo leito do rio têm direito a ocupar os terrenos deixados pelo mesmo, na mesma
proporção dos terrenos que tinham, como forma de indemnização. Porém, a inundação
temporária não confere quaisquer direitos – art. 593º do CCI. Veja-se ainda o art. 594º do CCI.
Se a corrente se dividir em dois ramos ou braços, sem que o leito antigo seja abandonado, é ainda
aplicável o disposto no número anterior – art. 1250º, nº 2, do anteprojecto do novo C. Civil.
As ilhas ou mouchões que se formem nas correntes de água pertencem ao dono da parte do leito
ocupado – art. 1251º, nº 1, do anteprojecto do novo C. Civil. Veja-se o art. 590º do CCI.
Se, porém, as ilhas ou mouchões se formarem por avulsão, o proprietário do terreno onde a
diminuição haja ocorrido goza do direito de remoção nas condições prescritas pelo artigo 1249º –
art. 1251º, nº 2, do anteprojecto do novo C. Civil.
As disposições dos artigos antecedentes são aplicáveis aos lagos e lagoas, quando aí ocorrerem
factos análogos – art. 1252º do anteprojecto do novo C. Civil.
d) Acessão industrial mobiliária
Se alguém, de boa fé, unir ou confundir objecto seu com objecto alheio, de modo que a
separação deles não seja possível ou, sendo-o, dela resulte prejuízo para alguma das partes, faz
seu o objecto adjunto o dono daquele que for de maior valor, contanto que indemnize o dono do
outro ou lhe entregue coisa equivalente – art. 1253º, nº 1, do anteprojecto do novo C. Civil.
Se ambas as coisas forem de igual valor e os donos não acordarem sobre qual haja de ficar com
ela, abrir-se-á entre eles licitação, adjudicando-se o objecto licitado àquele que maior valor
oferecer por ele; verificada a soma que no valor oferecido deve pertencer ao outro, é o
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
193
adjudicatário obrigado a pagar-lha – art. 1253º, nº 2, do anteprojecto do novo C. Civil.
Se os interessados não quiserem licitar, será vendida a coisa e cada um deles haverá no produto
da venda a parte que deva tocar-lhe – art. 1253º, nº 3, do anteprojecto do novo C. Civil.
Em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, o autor da confusão é obrigado a ficar
com a coisa adjunta, ainda que seja de maior valor, se o dono dela preferir a respectiva
indemnização – art. 1253º, nº 4, do anteprojecto do novo C. Civil.
O autor da união fica sempre com o resultado da adjunção, independentemente do valor das
coisas, se a outra parte preferir a indemnização.
O CCI prevê a acessão industrial mobiliária no art. 606º, estipulando que a coisa passa a
pertencer a quem procede à incorporação, independentemente do valor, desde que pague os
materiais utilizados e indemnize o primitivo dono da coisa. Veja-se ainda o art. 608º do CCI.
Se a união ou confusão tiver sido feita de má fé e a coisa alheia puder ser separada sem padecer
detrimento, será esta restituída a seu dono, sem prejuízo do direito que este tem de ser
indemnizado do dano sofrido – art. 1254º, nº 1, do anteprojecto do novo C. Civil. Veja-se o art.
609º do CCI, o qual tem aplicação também nos casos de acessão de boa fé.
Se, porém, a coisa não puder ser separada sem padecer detrimento, deve o autor da união ou
confusão restituir o valor da coisa e indemnizar o seu dono, quando este não prefira ficar com
ambas as coisas adjuntas e pagar ao autor da união ou confusão o valor que for calculado
segundo as regras do enriquecimento sem causa – art. 1254º, nº 2, do anteprojecto do novo C.
Civil.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
194
Se a adjunção ou confusão se operar casualmente e as coisas adjuntas ou confundidas não
puderem separar-se sem detrimento de alguma delas, ficam pertencendo ao dono da mais valiosa,
que pagará o justo valor da outra; se, porém, este não quiser fazê-lo, assiste idêntico direito ao
dono da menos valiosa – art. 1255º, nº 1, do anteprojecto do novo C. Civil.
Se nenhum deles quiser ficar com a coisa, será esta vendida, e cada um deles haverá a parte do
preço que lhe pertencer – art. 1255º, nº 2, do anteprojecto do novo C. Civil.
Se ambas as coisas forem de igual valor, observar-se-á o disposto nos números 2 e 3 do artigo
1253º – art. 1255º, nº 3, do anteprojecto do novo C. Civil.
Nos termos do disposto no art. 607º do CCI, se a adjunção ou confusão se operar casualmente e
as coisas adjuntas ou confundidas não puderem separar-se sem detrimento de alguma delas, fica
o novo objecto pertencendo em conjunto a todos os donos dos materiais, na proporção do valor
do material de cada um.
Quem de boa fé der nova forma, por seu trabalho, a coisa móvel pertencente a outrem faz sua a
coisa transformada, se ela não puder ser restituída à primitiva forma ou não puder sê-lo sem
perda do valor criado pela especificação; neste último caso, porém, tem o dono da matéria o
direito de ficar com a coisa, se o valor da especificação não exceder o da matéria – art. 1256º, nº
1, do anteprojecto do novo C. Civil.
Em ambos os casos previstos no número anterior, o que ficar com a coisa é obrigado a
indemnizar o outro do valor que lhe pertencer – art. 1256º, nº 2, do anteprojecto do novo C.
Civil.
Dá-se especificação quando alguém, pelo seu trabalho, dá nova forma a coisa móvel pertencente
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
195
a outrem, de tal modo que ela não poderá ser restituída à forma primitiva, ou não o pode ser sem
perda do seu valor pela especificação – Prof. Oliveira Ascensão, “Direitos Reais”, pág. 435.
Se a especificação tiver sido feita de má fé, será a coisa especificada restituída a seu dono no
estado em que se encontrar, com indemnização dos danos, sem que o dono seja obrigado a
indemnizar o especificador, se o valor da especificação não tiver aumentado em mais de um
terço o valor da coisa especificada; se o aumento for superior, deve o dono da coisa repor o que
exceder o dito terço – art. 1257º do anteprojecto do novo C. Civil.
Constituem casos de especificação a escrita, a pintura, o desenho, a fotografia, a impressão, a
gravura e outros actos semelhantes, feitos com utilização de materiais alheios – art. 1258º do
anteprojecto do novo C. Civil.
e) Acessão industrial imobiliária
Aquele que em terreno seu construir obra ou fizer sementeira ou plantação com materiais,
sementes ou plantas alheias adquire os materiais, sementes ou plantas que utilizou, pagando o
respectivo valor, além da indemnização a que haja lugar – art. 1259º do anteprojecto do novo C.
Civil. Disposição semelhante à do art. 602º do CCI, o qual acrescenta que o dono dos materiais
utilizados pelo dono do terreno não pode pedir a remoção dos materiais.
A acessão industrial imobiliária constitui uma forma de aquisição da propriedade sobre um
imóvel.
São elementos constitutivos da acessão: a construção de uma obra, a sua implantação em terreno
alheio, a formação de um todo único entre o terreno e a obra, o valor de um e outro e a boa fé na
conduta do autor da obra.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
196
Há acessão quando se altera substancialmente a coisa, quando há uma transformação, e
benfeitoria quando se verifica um simples melhoramento de uma edificação já existente.
Se alguém, de boa fé, construir obra em terreno alheio, ou nele fizer sementeira ou plantação, e o
valor que as obras, sementeiras ou plantações tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do
que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o
valor que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou plantações – art. 1260º, nº 1, do
anteprojecto do novo C. Civil.
Se o valor acrescentado for igual, haverá licitação entre o antigo dono e o autor da incorporação,
pela forma estabelecida no nº 2 do artigo 1253º – art. 1260º, nº 2, do anteprojecto do novo C.
Civil.
Se o valor acrescentado for menor, as obras, sementeiras ou plantações pertencem ao dono do
terreno, com obrigação de indemnizar o autor delas do valor que tinham ao tempo da
incorporação – art. 1260º, nº 3, do anteprojecto do novo C. Civil.
Entende-se que houve boa fé, se o autor da obra, sementeira ou plantação desconhecia que o
terreno era alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno – art. 1260º, nº 4, do
anteprojecto do novo C. Civil.
Se alguém erigir construção usando os seus próprios materiais em terreno pertencente a outro
indivíduo o dono do terreno pode ficar com a construção para si – art. 603º do CCI.
Ou seja, só há acessão se houver boa fé.
Se quem erigiu a construção estava de boa fé o dono do terreno pode optar entre reembolsar
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
197
quem construiu o valor dos materiais de construção e salários pagos, ou pagar uma soma
monetária equivalente ao acréscimo do valor introduzido pela construção no terreno – art. 604º
do CCI.
Conforme resulta evidente do disposto nestes artigos e nos arts. 600º e 601º do CCI, quem
procede à implantação de imóveis ou culturas em terreno alheio nunca pode por essa via adquirir
o direito de propriedade sobre o terreno.
Se a obra, sementeira ou plantação for feita de má fé, tem o dono do terreno o direito de exigir
que seja desfeita e que o terreno seja restituído ao seu primitivo estado à custa do autor dela, ou,
se o preferir, o direito de ficar com a obra, sementeira ou plantação pelo valor que for fixado
segundo as regras do enriquecimento sem causa – art. 1261º do anteprojecto do novo C. Civil.
Se alguém erigir construção usando os seus próprios materiais em terreno pertencente a outro
indivíduo, agindo de má fé, o dono do terreno pode ficar com a construção para si, ou exigir que
esta seja removida por quem procedeu à construção, a expensas deste, o qual ainda terá que
indemnizar o dono do terreno por eventuais outros prejuízos resultantes da construção – art. 603º
do CCI.
Se o dono do terreno optar por ficar com a construção ou as culturas, terá que compensar os
custos dos materiais empregues e dos salários pagos, sem poder optar pelo valor acrestado do
terreno – art. 603º do CCI.
Quando as obras, sementeiras ou plantações sejam feitas em terreno alheio com materiais,
sementes ou plantas alheias, ao dono dos materiais, sementes ou plantas cabem os direitos
conferidos no artigo 1260º ao autor da incorporação, quer este esteja de boa, quer de má fé – art.
1262º, nº 1, do anteprojecto do novo C. Civil.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
198
Se, porém, o dono dos materiais, sementes ou plantas tiver culpa, é-lhe aplicável o disposto no
artigo antecedente em relação ao autor da incorporação; neste caso, se o autor da incorporação
estiver de má fé, é solidária a responsabilidade de ambos, e a divisão do enriquecimento é feita
em proporção do valor dos materiais, sementes ou plantas e da mão-de-obra – art. 1262º, nº 2, do
anteprojecto do novo C. Civil.
Quando na construção de um edifício em terreno próprio se ocupe, de boa fé, uma parcela de
terreno alheio, o construtor pode adquirir a propriedade do terreno ocupado, se tiverem decorrido
três meses a contar do início da ocupação, sem oposição do proprietário, pagando o valor do
terreno e reparando o prejuízo causado, designadamente o resultante da depreciação eventual do
terreno restante – art. 1263º, nº 1, do anteprojecto do novo C. Civil.
É aplicável o disposto no número anterior relativamente a qualquer direito real de terceiro sobre
o terreno ocupado – art. 1263º, nº 2, do anteprojecto do novo C. Civil.
IV. Transmissão do direito de propriedade sobre imóveis
A transmissão do direito de propriedade sobre imóveis, bem como a constituição, transmissão ou
alteração de qualquer outro direito real sobre imóveis, tem que ser efectuada por escritura
pública – arts. 617º e 613º do CCI e art. 809º do anteprojecto do novo C. Civil.
A falta de observância da forma determina a nulidade do contrato – art. 617º do CCI e art. 211º
do anteprojecto do novo C. Civil.
Contrariamente ao que ocorre no projecto, o CCI precreve a natureza constitutiva do registo dos
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
CENTRO DE FORMAÇÃO JURÍDICA
Rui Penha (Juiz Formador CFJ)
199
actos de transmissão, constituição ou alteração de direitos reais – arts. 616º, 618º e 620º do CCI.