Britannia: Um resgate das mitologias Cltica Nrdica
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Britannia: Um resgate das mitologias Cltica Nrdica
Gustavo Lauriano de Freitas
Rocha([email protected]
Resgatar as mitologias consiste na prtica em buscar a identidade
folclrica e a essncia literria permanente nas crenas populares e
nos mitos que transcenderam ao passado e chegaram to vivos aos
nossos dias, quanto foram no tempo primordial mtico. Evidencia-se
assim um carter de fascnio dessas mitologias, que foram e que so
perptuas, antes pela transmisso oral de sua narrativa e hoje, em
sua persistncia, por tamanha eloqncia e encanto, sendo este nosso
maior legado ancestral. A necessidade em estudar os celtas e os
nrdicos quanto s suas mitologias representa um carter de total
importncia para compreenso da Literatura Inglesa e o que essas
mitologias representam para a mesma. Ento, busca-se por uma
conscincia folclrica que simbolize uma trajetria histrica e que
identifique o povo Breto, assim como sua cultura, seus valores e
tradies.
Palavras-chave: Mitologias ; Essncia ; Identidade ; Cultura ;
Tradio
ABSTRACT
Rescue the mythologies consist in the practice to search for a
folkloric identity and the literary essence permanent in the
popular beliefs and in the myths that have been transcendenting to
the past and has arrived alive still in our days, such as, they
were in the primordial mythical time. Evidence like that a
fascinating character from these mythologies, whichever they were,
and keep ever perpetual before that orally transmission in the
speeches until actuality, and in its persistence for a large
eloquence and enchants, being like this, grant our ancestral
bequeath. The necessity to study the Celts and Nordics about their
mythologies represent a character into the total importance to
understand the English Literature and what that all mythologies
represent for one. Then, search for a folkloric conscience that
symbolizes a historical trajectory and which identify the Britain
people, aslike their culture, their values and traditions.
Key-words: Mithologies ; Essence ; Identity ; Culture;
Tradition
Introduo
A voz harmoniosa da Criao ... um eco do mundo invisvel.
anonymous
Quando se estuda uma nova lngua e se passa alm das fronteiras
que permeiam a cultura, os costumes e a prpria lngua materna
daquele que a estuda, depara-se com um novo mundo que se apresenta,
prenhe de novos conceitos permanentes pela nova cultura. O estudo
do lxico e o treino da pronncia do novo idioma representam uma
dificuldade inicial a ser superada. Mas, atenta-se para um ponto de
grande relevncia que deve ser tomado como referncia para o estudo
dessa nova lngua: a cultura.
Dentro da cultura pode-se destacar alguns elementos que so de
extrema importncia para o respectivo estudo. Dentre eles, o
folclore com suas lendas, contos e mitos antigos, comemoraes,
costumes e outros. Em contato com esses elementos, pode-se
desvendar a essncia dessa lngua expressa em sua cultura, do que
somente se enfatiza o idioma em si.
H mais de 2.500 anos atrs, aproximadamente, a Bretanha foi palco
de um processo lingstico e cultural que se iniciou, dando origem
hoje ao que diz respeito s tradies culturais e folclricas e prpria
Lngua Inglesa. Entre 1000 e 500 a.C., os Celtas chegaram e se
misturaram com os nativos e, mais frente no tempo, com outros povos
de fundamental importncia. Cada povo contribuiu para formar a
Gr-Bretanha de hoje com seu folclore, tradies e mitos, vindos
desses povos que, por l passaram deixando essa contribuio
ancestral. Especificamente, os Celtas, Teutnicos ou Germnicos e
Escandinavos trouxeram suas mitologias para a Bretanha e, l as
difundiram, sem perderem totalmente o aspecto particular de cada
povo.
A intensidade dessas mitologias era to grande que remete pensar
no conceito de religio e nos mitos e deuses que esses povos
possuam, provindos de seu politesmo; possuam uma relao direta com
seus mitos e deuses que estavam presentes em seus festivais, em
suas cerimnias ritualsticas, na caa, na agricultura, na natureza e
na vida em particular. Os deuses e seus mitos percorreram o tempo e
se apresentam nos costumes e crenas presentes no folclore e a busca
para entender a cultura Inglesa remete-se ao estudo desses mitos,
deuses, contos populares, seres mitolgicos e da relao com os
elementos naturais na qual expressa intensa religiosidade e
manifestaes das divindades veneradas.
Prope-se discutir sobre certos elementos presentes na cultura
Inglesa, como contos populares, mitos e deuses antigos, vindos
desses povos de outrora e personagens lendrios, constituindo um
panorama essencial para o estudo dessa cultura, remetendo-se a uma
transcendncia desses elementos mticos atravs dos tempos e de uma
atemporalidade que circunda estas lendas, mitos, contos e
personagens deificadas.
Portanto, para enaltecer a fortuna crtica desse respectivo
trabalho, prope-se basear em autores como Roland Barthes (1957),
Charles Squire (1909), Mircea Eliade (2006) e outros que
potencializam este estudo, discutindo a importncia dos mitos, da
mitologia e das personagens lendrias, deuses, como tambm, os contos
populares. Busca-se discutir a importncia do retorno aos primrdios,
a essas histrias e personagens fantsticas para se compreender a
riqueza literria e cultural, presente na cultura britnica.
Os Povos e a BritanniaI am wandering worlds,
And I am seeking the Vision of the Artist, the Wisdom of the
Poet and the Music of the Bard along the way.
anonymousA necessidade de retroceder no tempo em um dado perodo
da histria extremamente relevante para se traar uma reta histrica e
imaginria, na qual se apresentam momentos de grande importncia para
a Bretanha ou Britannia, nos quais, destacam-se a abordagem dos
vrios povos quele territrio. Se, movidos na nsia pela busca ou pela
descoberta de novos lugares, por uma caracterstica nmade ou por um
expansionismo particular, esses povos estenderam-se quela regio, a
qual, torna-se palco de vrios eventos histricos inegavelmente
decisivos para a sua formao como pas e a formao de seu povo.
Sero citados os povos que representam serem essenciais para
elucidar esse processo histrico e scio-cultural, desencadeado pelos
mesmos na Bretanha e, ser breve o relato de qualquer outro,
objetivando compreender inicialmente esse processo e a importncia
que representa.
Tal processo inicia-se a partir da Idade do Bronze e, percebendo
a chegada de povos na Britannia entre 1000 e 500 a.C. (Squire, p.
04, 1909), aproximadamente, quando chegaram, inicialmente, os
Goidlicos ou Galicos, um grupo celta falante de uma variante
dialetal provinda de um ramo lingstico do Proto Indo-Europeu,
reconhecendo ento, aquele novo territrio e ocupando-o. Pode-se
deduzir, pelas relquias encontradas ao longo das extensas
fronteiras que, os Goidlicos encontraram ao chegar; uma raa de
estatura baixa, de pele escura, crnios alongados e de um baixo
estgio de civilizao (Squire, p. 03, 1909), a qual possua uma origem
incerta. Identifica-se esse povo como aborgine, no sabendo ao
certo, quando de sua chegada s Ilhas Britnicas.
J os Britnicos (Bretes ou Brites), que tambm so celtas, mas
falantes de outra variante (britonzaeg), chegaram em torno do sculo
III a.C. mesma Britannia (Squire, p. 04, 1909), repetindo o que j
havia feito os Galicos h tempos atrs, estabelecendo-se e ocupando
seu espao territorial. Ambos, Britnicos e Goidlicos (ou mesmo,
Bretes e Galicos) possuam uma diferena na aparncia fsica, como
tambm, na linguagem falada. Apesar dos dois grupos possurem olhos
azuis ou acinzentados, escritores clssicos como Tcitus se referiu
aos caledonianos, pictos ou escotos, povos do norte da Esccia, como
sendo diferentes dos Bretes meridionais, por terem membros mais
compridos e cabelo ruivo e, Strabo que descreveu as tribos no
interior da Britannia, como sendo de estatura mais alta do que os
colonos Gauleses no litoral (provenientes da Glia, provvel Blgica
ou da Bretanha Gaulesa, tambm chamada Armrica, a Frana de hoje),
com cabelos menos amarelos e membros mais curtos (Squire, p. 29,
2005). Em sua chegada, os Goidlicos (ou Gauleses) j se haviam
miscigenado com um grupo tribal liderante da Europa Central e, ao
longo do curso do tempo, modificaram-se novamente pela mistura de
seu povo com aquela civilizao primeva encontrada na ilha. (Squire,
p. 04, 1909)
Os romanos tiveram sua chegada na Britannia entre 55 e 54 a.C.
para uma conquista simblica em dois desembarques (Sena, p. 15).
Segundo Charles Squire (2006), os Romanos teriam aparecido naquela
terra para reconhecer mais de um tipo de habitante, distinguindo em
regies costeiras prximas Frana, nativos que pareciam aos Gauleses,
tipo celta habitante da Glia e da Bretanha Gaulesa ou Armrica e,
nativos do norte de troncos largos e cabelos avermelhados, que
pareciam a eles, semelhantes aos Germnicos. A esses povos, deve-se
acrescentar um grupo do oeste da Britannia, de quem a tez escura e
o cabelo cacheado causaram espanto ao serem considerados como
imigrantes da Hispnia ou Pennsula Ibrica (a atual Espanha),
pertencendo, provavelmente, a outro grande grupo de povos aborgines
(Squire, p. 05, 1909).
Pode-se afirmar que, no momento da dominao romana, os Britnicos
estavam em posse de toda Britannia e o sul de Tweed, enquanto os
Goidlicos tinham a maior parte da Irlanda, Ilha de Mann,
Cumberland, norte e sul de Wales, Cornwall, Devon e o oeste
montanhoso da Esccia e, portanto, percebe-se sua permanncia naquele
territrio (Squire, p. 05, 1909).
A ocupao romana da Bretanha somente se inicia em 43 d.C. No
mesmo perodo da conquista simblica romana da Britannia, os Pictos
(homens pintados) que eram outro grupo de origem celta, j ocupavam
as montanhas da Esccia e os Escotos, tambm celtas, ocupavam partes
dessa, os quais, tribalmente, ocupavam tambm, a Irlanda. Certamente
os trs sculos de ocupao romana da Britannia no incluem a Irlanda e
a Esccia, sendo que, entende-se que pela distncia das fontes
romanas de abastecimento e recrutamento, a Irlanda tornou-se
inacessvel. Uma possvel tentativa dessa dominao romana sucumbiu aos
ataques dos Pictos e dos Escotos vindos do norte e do oeste
Britannia, que as legies romanas abandonavam, mas tambm pela invaso
dos Anglos e dos Saxes, chamados pelos bretes (britnicos ou brites)
romanizados para conterem aqueles.
Como se refere Jorge Sena, pagos de um paganismo germnico eram
esses povos conhecidos como Anglos e Saxes que, junto aos Jutos,
invadem a Britannia romanizada no sculo V d.C. sendo, os Saxes
originrios do Baixo Elba (rio correspondente regio da atual
Alemanha) e os outros da pennsula da Juteland (Dinamarca, parte da
antiga Escandinvia) e sul dessa.
A desocupao territorial romana se d h cerca de quatrocentos anos
depois de Cristo por conta do ataque desses outros povos de origem
Teutnica ou Germnica e Escandinava. Ocorre ento, nesse mesmo
perodo, uma migrao para a Bretanha Gaulesa (Armrica), ganhando o
nome de celtismo, sendo simbolizado pelo lendrio Rei Arthur,
personagem marcante para o povo britnico pela sua lendria e mtica
trajetria somada histria da Britannia, sua cultura e
mitologias.
Por volta do sculo IX e sculo X, ocorreram terrveis invases e
devastaes Vikings na Bretanha e na Irlanda, como no norte da
Europa. Pode-se falar que, para a Gr-Bretanha houve uma poca
pr-viking e outra ps-viking, devido a qual, foi marcada pela
violncia expressa nessas devastaes e invases ocorridas. Observa-se
tambm, no sculo XII, aproximadamente, o expansionismo normando, que
empreende a conquista da Irlanda, j muito alterada pelas invases
escandinavas na ilha. (Sena, pp. 15-23)
Embora existissem outros povos que passaram pelo territrio da
Britannia, no necessrio estender-se, relatando outros eventos
histricos que aludem a detalhes histricos de menor importncia,
pois, esse breve panorama elucida a importncia que esse processo
histrico e scio-cultural representa, comportando em si, uma soma de
povos, sua influncia e, mais a frente como ser tratado, sua
mitologia.
Esse emaranhado de intervenes histricas que a Britannia teve,
tornou-a um territrio de grandes trocas scio-culturais e palco de
batalhas decisivas entre povos que exigiam sua posse. Os povos
aborgines que a habitavam no incio desse processo, tambm
participaram desses combates, como tambm, miscigenaram-se com os
povos celtas e os demais. Consideram-se os Anglos, os Jutos e os
Saxes como povos Germnicos e os Vikings, como povos escandinavos,
vivendo como piratas. E quanto aos Normandos (Northman) so homens
do norte, de origem escandinava, como seu nome alude.
Todos esses povos e essa trajetria histrica representam o incio
desse estudo, somado ao legado deixado por eles no decorrer do
tempo. Constituem-se dessa forma, relevantes manifestaes sociais e
culturais, que exemplificam a proposta desse trabalho na constante
busca das origens, na quais se instalam e desenvolvem o carter
lendrio e mtico da Cultura Inglesa.
Os Celtas e sua histriaOua a voz do Bardo! Que Presente, Passado
e Futuro v, de quem os ouvidos tm ouvido a Palavra Sagrada, que
caminhou por entre as antigas rvores.
William BlakeA fascinante trajetria dos povos celtas em suas
migraes pelo territrio europeu, expressa o esprito errante contido
em sua constante movimentao ao longo do continente e alm dele. Seu
interesse e af pelas viagens eram movidos pela idia que sair do
centro, articulava uma viso de vida de que essas viagens ou o seu
relato eram de aspecto to religioso quanto s prprias cerimnias.
Houve emigraes celtas para territrios do sul da Alemanha, Bomia
(regio da atual repblica Tcheca) e Polnia, atravs da Glia e para a
Espanha, tendo chegado aproximadamente antes de 450 a.C.
Enquanto, nesse mesmo perodo, outro grupo viajou pelos Alpes,
ocupou o vale do Po e continuou para o sul at Roma e Siclia.
Aproximadamente 279 a.C., outras tribos celtas moveram-se dali para
o leste atravs da Macednia e invadiram a Grcia. Estima-se que em
torno de vinte mil celtas se introduziram na sia Menor (Turquia) e
se instalaram naquela regio, desde ento conhecida como Galcia. Sem
dvida, a mais importante migrao para o norte do continente europeu
foi a dos Goidlicos ou Galicos, provenientes da antiga Glia (atual
Blgica), os quais se estabeleceram no sul da Britannia e tambm na
Irlanda. (Sharkey, p.18, 1996)
Tem-se acreditado que as relquias celtas mais primitivas da
Europa Central datem de cerca de 800 a 450 a.C. e pertenam cultura
Hallstatt, devido aos objetos de metal encontrados em um cemitrio
do centro mineiro de sal e de cobre de Hallstatt, na ustria. A fase
celta seguinte chama-se La Tne e permaneceu na Europa Continental
at a poca dos romanos.
O estilo ornamental da arte La Tne, manteve-se na caracterstica
das obras em metal, talha de madeira e ilustrao de manuscritos,
estendendo-se para a Gr-Bretanha e para a Irlanda. A arte celta era
rica por possuir um estilo impetuoso e imaginativo. Era precisa,
consciente em motivos florais e smbolos abstratos, alm de padres
geomtricos. (Sharkey, p. 05, 1996)
O nome celta vem do grego keltoi e mais frente os romanos
passaram a utilizar o termo galli para designar os povos que viviam
na Glia, ao norte dos Alpes. O termo celta deve denominar uma
cultura, uma vez que esse povo provm de um grupo racial e dialetal
chamado de Proto Indo-Europeu, a mesma famlia lingstica ancestral
do latim e do grego. Os celtas no eram povos brbaros, como
afirmavam os romanos. Era um povo de grande talento inventivo,
manipulavam o ferro em sua arte, inventaram a cota de malha e o
sabo, foram os primeiros a ferrar cavalos, produziram aros de ferro
sem emendas para rodas de carroas e para as bigas de guerra, sendo
tambm, um dos primeiros povos a utilizar a relha de arado e o
moinho movido a brao. Os celtas eram agricultores e cultivavam
vrias espcies de trigo, aveia e cevada, sendo as safras mais
importantes a de cevada e trigo. Quanto pecuria, os celtas criavam
o gado que era usado para puxar arado e para o suprimento de carne
e leite. Criavam ovelhas, cabras, porcos e tambm cavalos. (Caselli,
pp. 04-06, 1984)
Os celtas mantiveram uma tradio muito forte referente relao
entre mestre e discpulo que pode ser percebida na transmisso e
ensinamento dos mitos sempre atravs da oralidade, visto que no
possuam escrita para registr-los. Portanto, a transmisso oral era a
maneira de reviver as histrias mticas e perpetu-las,
transmitindo-as em um contnuo processo de renovao de sua
religiosidade e mitologia. V-se a confirmao desse relevante
processo no respectivo fragmento: A escrita era considerada
desnecessria, pois as leis, lendas e ensinamentos tribais se
perpetuavam graas a poetas e sacerdotes; eram eles que se
encarregavam de memoriz-las e de transmiti-las oralmente. (Sharkey,
p. 05, 1996)
Para os celtas, ser guerreiro era o ideal que o proporcionava
valor e orgulho e a morte era o momento supremo, como se apresenta
na citao:
Ser guerreiro entre guerreiros era o ideal para os celtas, mas
morrer na batalha rodeado de amigos, poetas e uma centena de
inimigos era a consumao suprema (...), quando morria um lder ou um
rei, a tribo se reunia para um ritual de cremao, no qual, eram
rememoradas as hericas faanhas desse lder e o funeral ocorria como
uma celebrao com entusiasmo. (Sharkey, pp. 10-16, 1996)
Segundo John Sharkey (1996) na obra Mistrios Celtas:
Os sofisticados e civilizados escritores clssicos conheciam a
religio natural dos brbaros, mas sua imaginao parece t-los
abandonado ao pretenderem entender o significado dos grandes
bosques da Europa (...) Julgaram mal o grande amor pela natureza
que influenciava todos os aspectos da vida celta. Alguns dos belos
poemas primordiais refletem a relao entre o homem e os elementos
fsicos que o rodeiam. (Sharkey, p. 14, 1996)
V-se ento, uma maior conservao dessa poesia, assim como os
rituais, lendas, leis e folclore, em especial na Irlanda,
exemplificado com trades contnuas, datando do sculo IX d.C. :
Tenho notcias para ti: o cervo brame,
O inverno neva, o vero passou.
O vento forte e frio, o sol est baixo,
Seu curso curto, o mar est alto.
Os fetos so de um vermelho profundo; perderam sua silhueta.
O ganso selvagem eleva seu habitual grasnido.
O frio prendeu as asas dos pssaros; tempo de Gelo;
estas so minhas notcias. (In. Sharkey, p.14, 1996)
Os celtas possuam em bosques lugares antigos de adorao, nos
quais realizavam celebraes religiosas, festivas e jogos. Tambm
faziam reunies tribais decisrias. Em seus templos sagrados
mantinham o tesouro da tribo que segundo a crena, era protegido
pelo deus local. Continham uma grande quantidade de objetos de ouro
e de prata. Era ento, a razo dos saques romanos aos seus templos.
(Sharkey, p.14, 1996)
A religiosidade celta era intensa e sempre presente na realizao
de seus rituais, na crena e vivncia de sua mitologia, no exerccio
da transmisso oral de seus mitos e lendas e na celebrao de seus
festivais peridicos, tudo exaltava as divindades e o compromisso, a
aproximao e o respeito para com a natureza, que era a representao
viva de seus deuses mticos, onde eles se materializavam. Os celtas
consideravam haver uma influncia entre o sol e a lua, e eles, sendo
estes ligados diretamente aos deuses e eram elementos fundamentais
em seu misticismo, assim, como o fogo, o vento, a gua e a terra.
D-se incio no calendrio ritualstico irlands com o grande festival
chamado de Samhain, celebrado a 1 de Novembro, com uma celebrao
pastoril realizada depois das colheitas. Nesse festival, eram
feitas oferendas aos antepassados para compartilhar a boa sorte. Na
Irlanda, ainda hoje, esse costume permanente, assim como por toda a
Britannia. feita a limpeza das casas e so deixados alimentos para
os antepassados na vspera do dia de Todos os Santos. Nota-se que
nessa mesma vspera comemorado o Halloween que, como uma comemorao
tpica da cultura Inglesa, foi transformado em uma festa cultural
simblica, adaptada a partir de uma lenda celta. Em 1 de Agosto,
tem-se o festival de vero mais importante chamado de Lugnassad ou
Comemorao de Lugh. Percebe-se que esse nome tem ligao direta com o
nome de Lugh, um importante deus celta Gals. Lugudunum cidade de
Lugh, da qual se derivou o nome da capital inglesa Londres, era
celebrado na Glia e Lammas na Irlanda.
O ritual de Beltaine (pronuncia-se /Baltina/) era celebrado a 1
de Maio com a grande celebrao da primavera e vero da fertilidade,
simbolizados pelas fogueiras de Maio. Era uma festa do fogo
percebida em ritos como o de Maypole, no qual realizavam danas em
torno de fogueiras nas festividades ao longo do ms, celebrando o
ressurgimento da fora e vinda da primavera. O festival Imbolc era
relacionado estritamente com o fogo sagrado que purifica a terra e
proporcionava a fertilidade e o despertar do sol de seu sono
hibernal. (Sharkey, p. 18, 1996)
Os celtas ainda possuam um tipo de medicina homeoptica que tambm
trazia aspectos de seu misticismo caracterstico. Possuam
conhecimentos para dosar a quantidade exata de razes, folhas e
flores que deveriam ser misturadas para que os ingredientes
produzissem o resultado desejado.Era parte integrante desse
conhecimento natural que enfatizava a importante e essencial
utilizao de ervas para a cultura celta, uma vez que estavam
associadas a um poder mstico particular. A natureza em si
transmitia uma magia natural que era pressentida na relao celta com
os elementos naturais e envolvida diretamente s divindades. Ogham
era uma cincia que revelava as qualidades, os diferentes aspectos e
a utilizao das rvores. Acabou se tornando um idioma secreto que
repetia esse conhecimento em forma de dizeres ou como canes de
ninar. Havia sempre algo a aprender. Existiam oito rvores nobres,
oito rvores plebias e oito arbustos para se conhecer. As rvores
nobres eram: abeto, btula, salgueiro, carvalho, pltano, avelaneira,
macieira e freixo. (Sharkey, p. 15, 1996)
Como se percebe, a proximidade dos celtas com a natureza era
visivelmente forte. No trecho que se segue, v-se a sntese que
expressa a idia da relao celta com seu mundo particular envolto em
uma sacralidade provinda dos elementos naturais que compem sua
religiosidade intrnseca:
O homem primitivo, portanto, vive em um mundo radicalmente
distinto do nosso, do universo moderno prenhe de conceitos, de
tcnica e domnio da natureza. Para o homem religioso, a natureza
viva, ela pode falar-lhe sempre. No se trata de dizer que tais
povos cultuavam as rvores, o sol, a lua; mas sim, que eles eram
interpelados pelos smbolos que esses elementos manifestavam. No so
objetos ou coisas, mas smbolos vivos que se apoderam desses homens,
fato que nos leva a constatar, mesmo que de maneira imperfeita,
aquilo que esses objetos significam para o primitivo, ou seja,
hierofanias. (Fabri, p.33, 1988)
Os elementos da natureza se tornam smbolos que representam a
manifestao das divindades no mundo. Esses smbolos so, por sua vez,
arqutipos divinos materializados, ou o que o texto de Marcelo Fabri
(1988) descreve como hierofanias, sendo representaes do divino ou
do sagrado no mundo.
A mitologia celta estabelece uma ligao do divino com a natureza,
reforando a religiosidade atravs da vivncia dos rituais, da
celebrao, da influncia e interferncia divina em sua vida e da
transmisso das lendas, mitos e cultura para as outras geraes.
Vale lembrar que na Inglaterra da Idade Mdia, poca em que o
Cristianismo havia tomado o lugar da religio celta antiga por
imposio romana, a religiosidade celta por mais fraca e apagada que
estivesse no havia se extinguido. Ela ainda restava em certos
costumes como na prtica da utilizao de ervas e junto a pessoas
naturalistas. Nesse mesmo perodo, ocorre uma perseguio da Igreja
Catlica contra tudo o que representasse heresia, indo contra seus
princpios. Para as mulheres que ainda tentavam resgatar as suas
origens celtas em certas prticas e outras mulheres por motivos
grotescos, criou-se o esteretipo bruxa, tachando-as de hereges,
impedindo a liberdade de escolha quanto crena particular de cada
indivduo, proibindo veementemente as outras religies que no fossem
consideradas crists, punindo essas mulheres e inclusive homens com
torturas absurdas at a queimao em uma fogueira em praa pblica.
Esse processo religioso e histrico chamou-se de A Santa
Inquisio, adotado tambm pelos protestantes da poca que associavam o
canto, a dana, o sexo e toda forma de alegria e prazer ao demnio. A
Santa Inquisio teve durao por seis sculos, estimando um nmero em
torno de cem milhes de mortes. Deixou marcas inestimveis na histria
e imprimiu uma imagem deturpada e preconceituosa nas religies pags
e politestas, como na religio celta e no misticismo em geral.
medida que, mais se conhece sobre os celtas, mais a sua histria
nos instiga a discutir sua maneira de vida como povo aventureiro,
religioso e miscigenado, a trilhar, junto a eles, o mesmo caminho
pelo qual percorreram e vivenciar suas mesmas experincias, sendo um
povo de grande misticismo e que deveras nunca esqueceram sua
cultura, homenageando seus antepassados, mantendo viva as tradies
de seus rituais e celebraes, revivendo e rememorando suas lendas e
mitos, transcorrendo-os no tempo e reverenciando seus deuses. Por
mais que fossem perseguidos, roubados ou marginalizados e que
houvesse povos que se impunham contra sua cultura, considerando-se
superiores, como era o caso dos romanos, os celtas mantiveram sua
imagem de povo guerreiro, os quais realmente foram.
Resta muito a ser relatado referente sua mitologia. Percebe-se a
grande importncia para a cultura celta quanto sua religiosidade,
resgatando nos mitos uma verdade mtica e nica do mundo e da
realidade como construtora desse universo. A verdade que percebida
nos mitos ultrapassa as expectativas quanto a um povo que se
expandiu, miscigenou-se e se difundiu, tornando-os essenciais,
restando o que de extrema relevncia para esse estudo: o carter de
transcendncia da cultura e mitologia.
A realidade celta se definia a partir de suas experincias
religiosas que eram fundamentais para caracterizar sua estrutura
social e o modo como pensavam. Como ressalta Mircea Eliade
(1994):
atravs da experincia do sagrado, do encontro com uma realidade
trans-humana que nasce a idia de que alguma coisa existe realmente,
de que existem valores absolutos, capazes de guiar o homem e de
conferir uma significao existncia humana. (Eliade, p. 123,
1994)
A histria celta se completa no relato de sua Mitologia, a qual
ser apresentada e destacada pela crena em deuses, no poder inegvel
da natureza e seus elementos e, na verdade de seus mitos e vivncia
de seus rituais.
Os Celtas e sua mitologia
O mito considerado uma histria sagrada e, portanto, uma histria
verdadeira.
Mircea Eliade
Os celtas tinham uma verdadeira adorao pela natureza, pois ela
nada mais era para eles, do que a representao fsica das divindades
em que acreditavam. Viver em harmonia com a natureza e respeitar o
seu ciclo da vida era interagir diretamente com esses deuses nela
manifestados, tornando sagrado cada elemento natural e celebrando
essa intensa relao nos rituais realizados e nos mitos
periodicamente rememorados. Havia uma extrema comunho entre os
celtas e o meio natural, uma vez que os deuses se faziam presente
em tudo ao redor. Era de conscincia coletiva de que as deidades
influam no constante processo de renovao da vida, nos processos de
vida e morte e, em tudo que representasse o equilbrio universal
entre o cu e a terra. Os deuses celtas cuidavam para que os
elementos naturais desenvolvessem cada qual o seu papel em uma
relao harmoniosa, tornando a terra mais fecunda, as colheitas mais
generosas e a vida silvestre mais vibrante. Tem-se um exemplo
abaixo quanto importncia do elemento gua para a religiosidade
celta:
A gua era considerada princpio e fonte de toda a vida para
aqueles que habitam a terra e dependem de sua generosidade para
conseguir alimentos e sustento (...). O rio ou o arroio so
expresses vivas da Terra Me, o que os santifica; e o que os dota de
poderes curativos uma combinao de diferentes minerais, vegetais e
propriedades etreas que emanam de alguns mananciais a certas horas
do dia ou em dados momentos da fase lunar. (Sharkey, p. 07,
1996)
A partir deste relato, percebe-se que a religiosidade culmina em
uma extrema sacralidade do mundo, j que esse mundo tomado por
atmosfera sagrada. H rios, no continente europeu, que simbolizam
essa crena celta quanto valorizao dos elementos naturais e sua
ligao com as deidades. Tem-se como exemplo, o rio Marne, que deve
seu nome s Matronas, as trs mes divinas e, o rio Sena, que leva
esse nome por conta de Sequana, a deusa de seu manancial. Pode-se
afirmar que o nome do Reno celta, como tambm, o nome de seus
afluentes do leste: Necjar, Main, Lahn, Ruhr e Lippe. O rio Severn,
na Gr-Bretanha, vem de Sabrina e o rio Clyde, da deusa Clota
(Sharkey, p. 07, 1996). Logo, nota-se que todos os lugares sagrados
tinham seu esprito guardio, que era encarregado de cuidar desses
locais e que vigiava e participava das realizaes dos rituais,
podendo se transformar em gato, pssaro ou peixe, segundo as
preferncias da deusa. Acredita-se que esse esprito podia, at mesmo,
assumir a forma de uma horrenda bruxa, dependendo das intenes,
circunstncias ou atitudes dos visitantes ou intrusos no local
(Sharkey, p. 07, 1996). Os celtas no possuam pantees (monumentos)
para adorarem seus deuses e, sabe-se que adoravam os elementos,
como j fora dito e, o Grande Esprito.
Ainda relatando sobre seres espirituais, pode-se ressaltar que,
os celtas consideravam o ambiente no qual habitavam, dotado de uma
aura de poder sobrenatural, como havendo um mundo paralelo em outro
plano, ao qual davam o nome de Sidh. Era um lugar sagrado, habitado
por seres tambm conhecidos como Sidh, os quais eram dificilmente
visveis aos olhos humanos, devido s impurezas do mundo. Dizia-se
que os Sidh podiam ser de dois tipos: aqueles seres que eram altos
e brilhantes e, aqueles seres baos (sem brilho), iluminados a
partir do interior (Sharkey, p. 07, 1996). Essa crena teve maior
nfase na Irlanda, sendo uma crena provvel, proveniente dos
Goidlicos. Na fala de John Sharkey, tem-se que: Com o advento do
cristianismo, estes seres se degradaram em todos os sentidos,
tornando-se fadas, duendes e representaes malignas do folclore, que
viviam num estado intermdio. (Sharkey, p. 07, 1996)
Os templos sagrados que os celtas possuam, alm de serem
utilizados como centros de reunies para decises, eram tambm,
centros msticos, nos quais os acontecimentos mticos j ocorridos se
tornavam nos ritos e mitos, temas atuais ao longo do tempo, atravs
da histria e da poesia contidas nos mesmos (Sharkey, p. 06,
1996).
As histrias intercalavam temas ligados aos deuses, apresentando
seus mitos, envolvendo aspectos sobrenaturais em um tom de verdade
absoluta. Os mitos eram histrias verdadeiras para os celtas, o que
se v no trecho de Mircea Eliade: (...) o mito considerado uma
histria sagrada e, portanto, uma histria verdadeira, porque sempre
se refere a realidades (Eliade, p. 12, 1994) e ainda, para Augusto
Novaski, Para a razo, o mito (...) no fico, engano e falsidade;
isto sim, um modo de falar, ver e sentir dimenses da realidade,
inatingveis racionalmente, dando-lhes significao e consistncia.
(Morais apud Novaski, p. 25, 1988)
Os celtas adoravam os bosques de carvalho, pois esses e certos
monlitos de pedra se relacionavam como a uma crena animista, atravs
da qual, os reconheciam como reencarnaes dos espritos de seus
antepassados mortos, em uma ligao direta com a natureza. (Sharkey,
p. 12, 1996)
A teoria animista afirma que a crena em outro eu com
propriedades espirituais, sendo que, firma a idia de que alm dos
homens, os vegetais e as coisas inanimadas tambm possuam uma alma
(Lacatos, p. 182, 1999). O carvalho era considerado sagrado para os
celtas e era o rei das rvores. Est ligado diretamente s prticas
rituais, junto ao visco que se desenvolvia em seu tronco (Squire,
p. 37, 2005). A figura da rvore tem um grande valor para a cultura
celta por ser um elemento natural que simboliza a vida que brota
diretamente da terra me. Logo, tem-se a seguinte afirmao:
O mundo no mais uma massa opaca de objetos arbitrariamente
reunidos, mas um Cosmo vivente, articulado e significativo (...) o
mundo se revela enquanto linguagem. Ele fala ao homem atravs de seu
prprio modo de ser, de suas estruturas e de seus ritmos. (Eliade,
p. 125, 1994)
Esse mundo dotado de elementos simblicos que interagem entre si,
em uma relao harmoniosa definida pelos deuses, transmitindo certa
sacralidade e verdade, atravs de seus ritos, mitos e interao com a
natureza. Compreende-se ento, a relao mtua entre homem e seu meio,
tendo por intermdio, a crena que estabelece os conceitos para cada
atitude humana em seus costumes referentes sua mitologia e seus
ritos. Mircea Eliade (1994) apresenta um trecho ressaltando a idia
de relao mtua entre o homem e seu meio:
Se o mundo transparente para o homem arcaico, este sente que
tambm olhado e compreendido pelo Mundo. O animal da caa olha-o e o
compreende (o animal, muitas vezes, deixa-se capturar porque sabe
que o homem est faminto), mas tambm, o rochedo ou a rvore ou o rio.
Cada qual tem sua histria a lhe contar, um conselho a lhe dar.
(Eliade, p. 127, 1994)
Os celtas possuam uma hierarquia entre seus lderes que definia
suas funes. Quando Csar descreve o clero da Glia, ele o divide em
trs grupos: os bardos, os vates e os druidas. Cada qual deveria
atuar naquilo que lhe era particular: os bardos relatavam em verso
as grandes faanhas dos deuses; os vates praticavam a adivinhao e
estudavam filosofia natural; os druidas, por sua vez, ocupavam-se
da adorao divina, da correta celebrao dos sacrifcios, da
interpretao de questes rituais (Sharkey, p. 16, 1996) e da realizao
dos ritos. Todos os druidas eram bardos, mas nem todos os bardos
podiam aspirar a serem druidas. Pode-se afirmar que os druidas
ocupavam funes de destaque na comunidade celta. O druida era um
xam, um sacerdote, um poeta, um filsofo, um mdico, um juiz e um
profeta (Sharkey, p. 16, 1996), alm de ser, segundo Charles Squire
(2005), um mgico, um telogo, um adivinho e um historiador (Squire,
p. 39, 2005).
O processo que levava um celta a se tornar um druida era longo e
trabalhoso, incluindo vrias etapas:
Os estudos de um bardo irlands, o fili, constavam de verso,
composio e recitao de histrias, gramtica, Ogham, filosofia e leis.
Os sete primeiros anos seguintes eram dedicados a estudos mais
especializados e incluam a linguagem secreta dos poetas e, o fili
se transformava em ollamh. Podia ento, receber instruo em
genealogia, direo de acontecimentos e aplicao de leis em forma
potica. Assim, chegava a ser doutor em leis. Por fim, o homem
instrudo estava preparado para estudar encantamentos, adivinhao e
magia. (Sharkey, p. 16, 1996)
O druidismo era uma prtica que fazia parte integrante na cultura
celta e era essencial para os mesmos, como os ritos e as
comemoraes. A transmisso oral do conhecimento era uma caracterstica
de relevncia para essa cultura, percebendo-se que no havia escrita.
Os bardos tornaram esse mtodo de transmisso de conhecimento, um
mtodo ameno que propagava tanto seus mitos e lendas, quanto
acontecimentos importantes, referentes vida da comunidade. As
adivinhaes feitas atravs de trades, veiculando trs informaes ao
mesmo tempo, facilitavam a transmisso de conhecimento para as
crianas; era tambm, uma forma de memorizar aquilo que fora
aprendido.
Os druidas, os vates e os bardos transmitiam o conhecimento,
perpetuando a cultura celta e transcendendo sua mitologia atravs de
suas tradies. Os druidas, os protetores da clarividncia, juntamente
com os outros membros de sua casta, relatavam com freqncia em seus
contos, a transformao em natureza animal, como a de touro, cervo,
cavalo, javali, gato, pssaro ou peixe. Havia certo interesse nas
tentativas de explorar poderes ocultos e ampliar o alcance da
mente, mediante rituais. Essas tentativas eram feitas por aqueles
que possuam dons especiais. Eles entravam em um estado de transe
coletivo, no qual as realidades presente e passada, fsica e
psquica, se confundiam para formar uma ponte entre o aspecto divino
e animal do homem (Sharkey, pp. 12-16, 1996). Pode-se concluir que,
esses indivduos, em todas as comunidades nmades, das quais se tem
conhecimento, so os xams.
Quando se evidencia em certos povos ancestrais, prticas como
essa citada, h uma dificuldade por muitos, em aceitar suas
realizaes e entender que so provindas da tradio cultural daquele
povo. Lidar com uma metafisicidade contida em prticas comuns, em
certas culturas causa espanto e estranhamento para com o
desconhecido, ocasionando at, certos pr-conceitos, erroneamente
concebidos pela falta de conhecimento ou pela falta de um
posicionamento neutro quanto a essas prticas, j enfatizando que so
representaes culturais. Entretanto, foi discutido um exemplo
semelhante no captulo anterior, que apresenta uma idia equivocada
quanto s prticas, um estilo de vida livre ou a opo de outra crena,
havendo uma discriminao acentuada pela criao do jargo taxativo e
estereotipada bruxa, salientando um ntido preconceito, chegando a
atitudes desumanas referentes aos politestas e pagos.
Sabe-se que existiu para os celtas um deus com chifres (ou
cornos) denominado Cernunnos e considerado, segundo antroplogos, o
Senhor dos Animais. Era o deus da caa e a presa estava sob o seu
controle. Cernunnos apareceu no folclore britnico (ou breto) como
Herne, o Caador. Percebe-se, ento, que a representao animalesca do
deus que possui chifres remete a uma idia de que caador e caado so
um s e, portanto, exemplificam desta forma, a relao harmonia e
dependncia entre o homem e a natureza. A animalidade presente na
aparncia do deus justifica-se pela ambigidade do mesmo (como caa e
caador) e, tambm, por ser a representao do meio silvestre e
selvagem (o meio natural), atestando assim, a extrema importncia e
respeito dos celtas para com a natureza, que era to fecunda e to
produtiva, portanto, to sagrada. As pinturas rupestres nas paredes
das cavernas comprovam a ambigidade da inter-relao de homem e
animal, reproduzindo um homem trajado com pele de animal selvagem.
(Sharkey, p. 12, 1996)
O radical DR no nome druida significa uma rvore que , sem dvida,
o carvalho (Squire, p. 37, 2005). O druida, portanto, era aquele
que possua a sabedoria do carvalho e estava envolvido em um
universo religioso (mstico pela crena celta) e mtico, por envolver
um ambiente de sacralidade e hierofanias, por conta das deidades
que se faziam presentes:
(...) para o universo mtico, no h o que poderamos chamar de uma
dicotomia radical entre real e vivido (...) O vivido o real, tal
como esses homens o experienciavam. (Morais apud Fabri, p. 32,
1988)
Na Mitologia Celta, cada deidade possua suas caractersticas
prprias e seus atributos, como tambm existia um mundo espiritual
mtico (um mundo atemporal) uma guerra que agrupava, de um lado, os
deuses do dia, da luz, da vida, da fertilidade, da sabedoria e do
bem; do outro lado, agrupavam-se os demnios da noite, da escurido,
da morte, da aridez e do mal. O primeiro grupo de divindades
formava uma famlia divina em torno de uma deusa chamada Dana, por
isso, o nome desse grupo ser Tuatha D Danann; ou seja, Tribo ou
Povo da Deusa Dana. O outro grupo era conhecido como deuses de
Domnu, fiis da Deusa Domnu, conhecida tambm, por Fomorianos. Esse
mito de procedncia galica (ou godlica). (Squire, p. 51, 2005)
Uma das deidades mais importantes na mitologia celta o Deus
Lugh, o deus do Sol. Ele est relacionado aos nomes de alguns
festivais como Lugnasadh e Lugdunum. Lugh possua uma lana mgica que
disparava fogo e rugia. Na batalha de Moytura, libertou os Tuatha D
Danann e seu lder, o rei Nuada, os quais estavam merc dos
Fomorianos. Lugh tambm resgata de uma batalham o grande e herico
guerreiro Cuchulainn ferido. Ele limpa suas feridas, entoa a cano
dos homens para que Cuchulainn adormea e desafia a todos os
inimigos. Dagda era o bom deus. Possua um caldeiro chamado O
Insecvel, o caldeiro da abundncia que saciava a todos e possua uma
harpa viva que enquanto tocava, as estaes do ano seguiam sua ordem
(Squire, p. 55, 2005). Era conhecido como o Senhor da Sabedoria
Perfeita (Sharkey, pp. 08-10, 1996). O deus Ogmios armava-se com um
porrete e possua uma pele de leo. Era considerado o expoente da
fala persuasiva. Ogmios era enrugado e caldo; por sua vasta
experincia fez suas palavras serem de grande valor, para serem
ouvidas. (Squire, p. 12, 1009)
Os celtas possuam o deus Llyr (correspondente breto) (ou
Lear/Liar correspondente galico), o deus do mar, que era mais
conhecido por seus filhos do que por suas faanhas (Squire, p. 16,
2005) como, por exemplo, seu filho, o deus Manannn, que era o
padroeiro dos marinheiros. Seus refgios preferidos eram a ilha de
Arran, no estrito de Clyde e a ilha de Man, qual deu seu nome
(Squire, p. 60, 2005). A prpria deusa Dana representava a terra e a
sua fertilidade. O deus Nuada era o deus da guerra, rei dos Tuatha
D Danann (Squire, p.53, 2005), Brigit, a deusa do fogo, da terra e
da poesia, foi adotada pelos primeiros cristianizadores que a
canonizaram como Santa Brgida ou Bride (Squire, p. 57, 2005);
Morrigan era a grande rainha, a deusa suprema da guerra, podendo
ter simbolizado a lua e os rituais mgicos referentes a ela.
representada plenamente armada e carregando duas lanas na mo
(Squire, p. 54, 2005). Angus era o deus eternamente jovem do amor e
da beleza, um Eros galico. Possua uma harpa de ouro que, ao ser
tocada, produzia uma msica to doce que, quem a escutasse a seguia
(Squire, p. 57, 2005).
O deus Camulus era dono de uma espada invencvel, que era um dos
tesouros dos Tuatha D Danann (Squire, p. 54, 2005). Diancecht era o
deus da medicina; previu o perigo que representava um filho que a
deusa Morrigan havia tido, pois era de um aspecto terrvel.
Diancecht ento, destruiu aquela criatura ao abrir seu peito,
encontrou dentro, trs serpentes, que em seu tamanho adulto,
poderiam despovoar a Irlanda. Diancecht as queimou at as cinzas,
evitando que seus corpos, mesmo mortos, pudessem fazer mal. Jogou
as cinzas no rio, pensando que pudessem ser perigosas e, dessa
forma, impediu o desastre. Elas eram to venenosas que o rio ferveu
e retorceu cada criatura viva nele, portanto, recebeu o nome de
Barrow, ou seja, fervente. (Squire, p. 60, 2005)
Esse mito conta o porqu do nome do rio, envolvendo uma relao
divina aos acontecimentos, sendo eles mticos. Balor era um deus
fomoriano (um demnio) que possua dois olhos, sendo que, um deles
era extremamente venenoso, quando fixado em algum. A lembrana de
Balor e seu olho ainda perdura na Irlanda (Squire, p. 52, 2005). A
expresso o olho de Balor um substituto para mau olhado na cultura
irlandesa.
Ao se referir mitologia dos bretes ou britnicos, encontram-se
duas famlias dos deuses que so os filhos de Dn" e os filhos de
Llyr. Havia uma constante guerra entre os deuses da luz, da vida e
dos das trevas, da morte, igualmente aos deuses galicos. Pode-se
afirmar que, o Lear, deus do mar galico o mesmo Llyr Breto. Nudd ou
Lludd tambm era um grande deus breto, mas seu filho Gwyn possua
mais destaque. Era um deus caador; caava humanos e se disfarava
como um deus da guerra (Squire, p. 207, 2005). Era tambm, o deus da
morte e do submundo. Gwyn mantm uma luta com Gwyrthur que se
estender at o fim dos tempos. Gwyrthur uma divindade solar e, junto
a Gwyn, representam a competio entre o paradoxo luz e trevas e, as
diferenas entre inverno e vero. Gwydion, um dos filhos de Dn
tornou-se o druida dos deuses. Era o mestre da iluso e da fantasia
e professor de tudo o que til e bom; o amigo e ajudante da
humanidade e combatente eterno contra os deuses do submundo que se
recusavam a liberar as ddivas boas que estavam presas em sua
guarda. (Squire, p. 212, 2005)
Amaethon, o deus da agricultura e Govannan, o deus ferreiro eram
irmos de Gwydion. Este possua uma irm chamada Arianrod, que tambm,
alm de irm, era sua mulher. Dylan era um dos filhos de Gwydion. Era
chamado de Dylan, filho da onda, pois foi ligado s trevas do mar
pelos celtas. Nadava to bem quanto os melhores peixes. Embaixo
dele, nenhuma onda estourava. Acabou sendo morto por uma lana de
seu tio Govannan. Segundo o mito, as ondas da Britannia, da Irlanda
e da Esccia e, a Ilha de Man, choraram por ele. Gwydion e Arianrod
ainda tiveram um filho que se tornou o deus breto do sol, Lugh, no
qual teve um crescimento rpido, como todas as divindades solares.
Branwen e Brn eram ambos, filhos de Llyr. Branwen era a deusa do
amor, a filha do mar e, Brn um deus de tamanho gigantesco. (Squire,
p. 213, 2005)
Enfim, havia muitos outros deuses de importncias to grande como
esses citados. Alguns deuses ainda no citados eram divindades
trazidas pelos romanos que, embora no-clticos, acabaram por ser
associados aos deuses celtas, pela aparncia de suas caractersticas
e, gradualmente, foram inseridos na crena celta. Embora deuses
no-clticos, no foram difceis para o povo celta aceit-los, pois seu
politesmo permitiu essa aquisio. Segundo relatos do prprio
imperador Julius Caesar, os celtas veneravam deuses como Mercrio,
Apolo, Minerva, Jpiter e Marte (Squire, p. 09, 2005), mas h
controvrsias quanto a essa afirmao. Percebe-se isso, atravs dos
relatos abaixo, que provam a associao do deus romano Mercrio ao
deus gauls Lug (ou Lugh), evidenciando uma inteno romana
pr-estabelecida:
Sabemos que os gauleses no adoravam deuses como Mercrio, Apolo
ou Minerva. (...) Uma das questes que se coloca identificar o nome
do deus celta que foi identificado a Mercrio. A quase totalidade
dos historiadores concorda em que se trata de Lug ou Lugus. Este
deus tem uma posio destacada na mitologia irlandesa, sendo o mais
importante dos deuses. (Olivieri, p. 103, 2004)
E ainda:
A propagada imperial buscou sobrepor o culto de Mercrio ao de
Lug, ligando-o ao culto imperial. Para tanto, acreditamos que os
druidas romanizados tenham sido escolhidos para o ministrio desse
culto. Dessa forma, o deus celta Lug que teria preponderncia sobre
os sacerdotes, a guerra, as colheitas e uma ntima relao com os
druidas, deveria ser reverenciado sob a forma de Mercrio, mas
tambm, direcionado para o culto imperial, confundindo-se com o
prprio imperador. (Olivieri, p. 107, 2004)
Esses relatos se referem, exclusivamente, ao perodo histrico em
que a dominao romana absolutamente visvel. Nada ao acaso e
inicia-se, portanto, nesse momento, uma represso aos druidas, que
so forados a optar pelos cultos romanos, j que estavam condenados,
se mantivessem a tradio e, desenganados pela implacvel imposio
romana. No se deve deixar de mencionar um personagem simblico que
representa a cultura celta e sua mitologia com grande expresso, por
se tratar de um homem lendrio e mtico ao mesmo tempo: o rei Arthur.
Lendrio porque sua histria, ao longo do tempo, ganhou marcas de
realidade to grandes, por estar diretamente associada cultura
celta, que se confunde com a prpria histria celta, uma vez que
digam que, supostamente, pde ter existido um chefe tribal com esse
mesmo nome e, mtico, porque existe o mito de um rei Arthur que
lutou, junto a seus cavaleiros, em um ambiente propriamente mtico.
Cavaleiros esses, sendo os prprios deuses e, Arthur, um
extraordinrio rei dos deuses ao qual as famlias divinas de Dn, de
Llyr e de Pwyll rendiam homenagem inquestionada (Squire, p. 250,
2005). O carter ambguo como heri lendrio e mtico apresentado no
trecho: muito possvel que Arthur fosse um lder militar do sculo VI.
No obstante, sua importncia deve-se sua imagem de heri mtico, como
guerreiro do Sol (Squire, p. 10, 2005). O Arthur mtico era uma
divindade solar como o deus Gwyrthur e o deus Lugh; portanto,
tem-se a sua inegvel importncia em uma imagem de destaque, que a
mitologia celta apresenta.
Outra figura mtica e lendria de grande imponncia Merlin, um
druida com plenos poderes msticos, descrito com mestre de todo
conhecimento, possuidor da riqueza e senhor do reino das fadas ou,
propriamente, um mago, como sua imagem representa (Squire, p. 30,
1909). Merlin possui o nome de Myrddin, sua imagem como deus mtico,
do mesmo perodo de Arthur. Acredita-se que Myrddin, o deus supremo
da luz e do cu foi venerado no templo Stonehenges, na Britannia
(Squire, p. 260, 2005). Merlin um grande representante do
misticismo celta, tanto quanto de sua mitologia, carregando
caractersticas de personagem mtico, como de um sacerdote druida.
Era to importante, que se misturava ao mito de Arthur, como um mago
protetor e conselheiro ou, como um grande deus sbio. Junto ao mito
de Merlin e ao de Arthur, deve-se relatar outro smbolo mtico de
grande importncia, que surge de maneira enigmtica na histria e se
mistura lenda Arthuriana, causando fascnio aos europeus do sculo
XII: o Santo Graal. Segundo seu mito, um cavaleiro mtico, sdito do
rei Arthur, v um recipiente que lhe chama a ateno, ser carregado
por uma menina no salo de um castelo. O que impressionava era que o
objeto era belssimo: reluzente, de ouro puro e incrustado por
pedras preciosas. Desde ento, esse cavaleiro decide desvendar seu
mistrio (Super Interessante, p. 36, 2005). A crena nesse objeto
durante a Idade Mdia foi to intensa, que a histria se tornou lenda,
ocasionando numa obsesso por muitos, em encontrar tal objeto.
Surgiram vrias verses da lenda e o objeto sagrado foi retratado de
diferentes maneiras: como uma pedra, possuindo grandes poderes
msticos desconhecidos; como uma substncia mstica que os alquimistas
medievais consideravam capaz de prolongar a vida e transformar
qualquer metal em ouro, denominada lpis elixir ou pedra filosofal e
ainda, como sendo um prato ou vaso, com o qual Jesus partiu o po da
ltima ceia e, no qual, o discpulo Jos de Arimatia recolheu o sangue
de Jesus na cruz. (Super Interessante, p.40-41, 2005)
Nota-se que o mito do Santo Graal atravessa a Idade Mdia e se
transforma em uma lenda que apresenta, no s caractersticas celtas,
como tambm, caractersticas visveis do Cristianismo intenso da poca.
Vale ressaltar que, com o advento do Cristianismo, os mitos
comearam a perder fora pela imposio implacvel da Igreja Crist. A
perseguio crena politesta e a caa s bruxas na Idade Mdia
comprometeu a crena celta em seus mitos e deuses, impedindo-a
duramente de co-existir com a crena crist. Mas o misticismo celta
no foi consumido, ele foi disfarado, modificando-se, dando a
entender que a crena antiga estava sendo deixada para trs e, assim,
perpetuou-se at os dias de hoje, como objeto dessa discusso:
Ainda assim, o tempo todo, as idias e ideais ingleses vinham
sendo secretamente abandonados, porque se disfaravam sob formas que
podiam ser prontamente apreciadas. A fantasia popular tinha
reabilitado os velhos deuses, havia muitos banidos pelo sino, pelo
livro e pela vela dos padres, sob vrios disfarces. Eles ainda
viviam na lenda como reis da antiga Britannia, reinando em um
passado fabuloso, anterior a Jlio Csar tais como o rei Lud,
fundador de Londres; o rei Lear, cuja lenda foi imortalizada por
Shakespeare; o rei Brennius, que conquistou a Roma; bem como muitos
outros que sero encontrados, assumindo papis no velho drama. Eles
ainda viviam como santos h muito tempo, mortos, desde as primeiras
igrejas da Irlanda e da Britannia, cujos maravilhosos atributos e
aventuras so, em muitos casos, apenas aqueles dos homnimos
originais, os velhos deuses, contados de novo. (Squire, p. 17,
2005)
No se deve deixar de citar o deus Brn, que sobreviveu como Rei
Brandegore (Squire, p. 221, 2005), comprovando em ltimo relato que,
a mitologia celta no desapareceu, mas ela se mascarou, como ltimo
recurso para a sua proteo e sobrevivncia. A realizao dos ritos e
contao" dos mitos eram para os celtas, essenciais para manter a sua
cultura sempre viva, atravs de sua tradio. O que os bardos e os
vates realizavam era nada mais do que perpetuar, oralmente, as
histrias mticas e seus deuses, que eram verdadeiros e vivos. V-se,
ento, a importncia do mito e do ritual, nos trechos abaixo:
Por ocasio da reatualizao dos mitos, a comunidade inteira
renovada; ela reencontra as suas fontes, revive as suas origens.
(Eliade, p. 37,1994)
Todos os ritos celebrados nessas sociedades so a prpria condio
de perpetuao do mito, pois que, atravs dele, o mito ganha vida e, o
homem, objetivando emoes profundas, vive em presena dos deuses, em
perfeita comunho com o divino. (Fabri, p. 32, 1988)
A Mitologia Celta fascinante, pois expressa sua intensa
religiosidade e seu misticismo presente nos ritos e mitos, nas
celebraes peridicas, nos deuses de outrora, to vivos como sempre,
em sua ligao com os elementos naturais e, na perpetuao de usa
cultura, to bem conduzida pelos vates e bardos, como tambm, pelos
druidas. A Gr-Bretanha no seria a mesma se tivesse se apagado os
vestgios de seu passado. Vestgios esses, de um povo que conseguiu
transcender seus deuses e mitos, lendas e rituais, festivais e modo
de vida, contribuindo para a formao de um povo altamente
miscigenado, o qual o povo britnico; povo esse, que permanece sob
uma terra de incrveis antepassados, que guardam uma mitologia e
religiosidade espantosa, indo alm daquilo que pode ser
compreendido, revivendo um tempo mitolgico e encontrando as
origens, embora envoltas por nvoa. O enigma celta referente verdade
mtica claramente interpretado, quando vemos o mito da maneira que
ele realmente : O mito portador de um sentido exclusivamente mtico
do mundo (...) S se compreende o mito pelo prprio mito. (Morais
apud Moura, p. 50, 1988)
Os Nrdicos e sua mitologia
Of the theme that I have declared to you, I will know that you
make together a Great Music.
And I since I have kindled you with the Flame Imperishable,
Ye shall show forth your powers in adorning this theme,
Each with his own thoughts and devices, if he will,
But I will sit and hearken and be glad that through you
great beauty has been wakened into song.
J.R.R. Tolkien
Os povos germnicos ou teutnicos (anglos e saxes) e os povos
escandinavos (vikings e jutos) possuam algo em comum, o qual
compartilhavam inevitavelmente: sua mitologia. Mitologia essa,
denominada Mitologia Nrdica, por conta da localizao dos pases que a
detm. Ainda que a Germnia (Alemanha) no esteja situada to ao norte,
mas junto a Juteland (Dinamarca) e a Escandinvia (parte norte da
Dinamarca somada Noruega e Sucia) constitui uma regio geogrfica que
est mais projetada para o norte e, por essa razo, denomina-se a
mitologia desses povos afins, de nrdica, ainda conhecida fracionada
como Mitologia Germnica (ou Teutnica) e como Mitologia
Escandinava.
Ao longo dessas regies, essa mitologia floresceu, arrebatando
seus povos com um conhecimento mtico ancestral, caracterizado pela
existncia de um universo mitolgico fantstico, habitado no s por
deuses, mas tambm, por mortais e por seres de outras naturezas,
universo esse, sustentado unicamente por uma rvore mtica, que
ligava todos os mundos e era a provedora da vida.
Esse imenso universo contido na mitologia nrdica formado por
nove mundos diferentes uns dos outros, que co-existem em um mesmo
nvel dimensional, mas separados pelos oceanos ou por um rio. Uns se
encontram mais acima e outros mais abaixo; cada qual possua seus
prprios habitantes. No centro estava Yggdrasil, a rvore sustentculo
desses mundos. Asgardr (ou Asgard) era o principal dos nove mundos;
a morada dos deuses, mundo dos Aesir. Asgardr era ligada ao mundo
dos mortais pela ponte em forma de arco-ris, chamada Bifrst.
Heimdall era o guardio da ponte entre Asgardr e Midgardr; possua
uma trombeta que podia ser ouvida nos Nove Mundos. Em Asgardr havia
muitos palcios, sendo que, cada deus possua um. Odin, o deus mais
importante, possua trs: Gladsheim, no qual estava a sala de
conselho dos deuses, Valaskjalf, no qual estava seu trono e, o mais
famoso, para onde iam todos os guerreiros mortos em batalha, o
suntuoso Valhalla. De seu trono, Odin assistia a tudo o que
acontecia nos nove mundos.
Odin era o deus supremo, o Pai de Tudo, o deus das batalhas e o
deus dos deuses; pagou com um de seus olhos para beber da gua pura
da fonte do destino e, assim, obter percepo e conhecimento dessa
fonte. Mais foi de Yggdrasil que Odin obteve o segredo das runas,
oferecendo-se como sacrifcio. Ficou pendurado na rvore, vasado por
um lana durante nove longas noites. Ao final, soltou um enorme
grito e se libertou. Sabia como curar os doentes, como cegar a
espada de seus inimigos e como agarrar uma flecha em pleno vo
(Neil, p. 62, 1996). Thor o deus dos troves, tambm vivia em
Asgardr; possua dois touros e uma carruagem puxada por dois bodes,
um cinto que dobrava sua fora e um par de luvas de ferro, que ele
vestia para poder usar seu terrvel martelo, Mjllnir. Seu pai era
Odin e sua me era a terra (Neil, p. 118, 1996). Midgardr (ou
Midgard) era o mundo dos mortais, o mundo dos homens. Era a
terra-mdia que ficava entre o mundo dos deuses e o mundo dos
mortos.
Ao seu redor havia um grande oceano que foi dado a Askr e a
Embla, o primeiro casal humano. Nesse oceano est a serpente
gigante, chamada Jrmungandr, que d a volta em torno de Midgardr
(Neil, p. 66, 1996). Vanaheimr (ou Vanaheim) era a morada dos
deuses Vanir, uma famlia de deuses antigos que eram ex-inimigos dos
habitantes de Asgardr, mas que acabaram vivendo em paz. Seus
moradores so Njord, o deus do mar; Freya (ou Freyja), sua filha e
Freyr, ambos, deuses da fertilidade e do amor. Jtunheimr (ou
Jotunheim) era o mundo dos gigantes do gelo, inimigos dos deuses e
mortais. Alflheimr (ou Alfheim) o mundo dos elfos da luz, os elfos
brancos. Svatalfaheimr (ou Svartalfheim) era o mundo habitado pelos
elfos da noite, s vezes, confundidos com os anes de Nidavellir. A
terra dos anes Nidavellir, outro mundo criado pelos deuses (Super
Interessante, p. 24, 2005). Muspellheimr (ou Muspell) era um dos
mundos mais antigos; um mundo quente e chamejante, morada dos
gigantes do fogo e de Surt, o eterno companheiro do fogo e guardio
de Muspellheimr. Niflheimr (ou Niflheim) o mundo dos mortos, do
gelo e das trevas. uma terra de escurido e neblina, cercada tambm,
por ventos e chuvas geladas. Hel a deusa e rainha que habita nessa
terra. Filha de Loki, o trapaceiro e mago das mentiras que foi
expulso de sgardr por Odin, Hel tornou-se a senhora dos mortos. Ela
se alegra com a fome e a doena daqueles que morreram, Hel originou
o que hoje a palavra Hell, significando inferno em Ingls. Nas
profundezas de Niflheimr vive Nidhug (ou Ndhggr), um drago (ou em
outras verses, como serpente) que se alimenta de cadveres e ri a
raiz de Yggdrasil.
Os povos nrdicos acreditavam, inclusive, em um fim do mundo,
chamado Ragnarok que seria a luta final dos deuses e humanos contra
Loki e seu exrcito de mortos, o guardio de Muspellheimr, Surt, a
serpente gigante Jrmungandr, filha de Loki e, seu outro filho que
fora aprisionado embaixo de Midgardr, o feroz Fenris-lobo. A
batalha somente se iniciar quando o drago Ndhggr conseguir partir o
tronco de Yggdrasil. Logo depois da destruio de todos e de tudo, um
novo mundo surgir das cinzas. Lif e Lifthrasir, um casal humano
escolhido por Yggdrassil, sobreviver catstrofe e habitar o novo
mundo; seus filhos encontraro o tabuleiro de ouro com o qual os
deuses jogavam seus jogos e se lembraro de Odin e seus filhos em
sua glria nos palcios dourados de Asgardr. Balder e Holder, filhos
de Odin, voltaro a viver novamente.V-se ento que, na mitologia
nrdica existe uma regenerao universal contida no mito de Ragnarok.
A cosmogonia presente nessa mitologia liga-se existncia de
Yggdrasil. A criao desse universo um processo regenerativo dessa
mitologia que se d a partir da cosmogonia presente e, no h dvidas
de sua verdade: o mito , novamente, uma verdade aparente. V-se no
trecho abaixo:
O mito cosmognico verdadeiro porque a existncia do Mundo a est
para prov-lo; o mito da origem da morte igualmente verdadeiro
porque provado pela mortalidade do homem e, assim por diante.
(Eliade, p. 12, 1994)
Freyja (ou Freya), a deusa do amor e da fertilidade, liderava as
Valqurias, mulheres guerreiras nas batalhas. A imagem das Valqurias
e muito da mitologia nrdica chegou Britannia com a passagem dos
povos escandinavos e povos teutnicos naquela regio e, tambm, por
conta de suas invenes histricas como invases e, com a prpria
miscigenao com povos celtas e romanos ali presentes. Como diz Noemi
Paz: O mito a expresso de um conhecimento primordial (Paz, p. 27,
1995).
Portanto, o mito e a mitologia devem ser desprovidos de qualquer
pr-conceito que deforme sua importncia cultural. Segue-se um trecho
que relata uma imagem deturpada sobre essa mitologia, no perodo da
Idade Mdia, momento histrico em que a crena politesta estava sendo
fortemente reprimida e discriminada:
Das mitologias saxs pouco resta. Como se sabe, na Escandinvia
adoravam as valqurias, divindades guerreiras que voavam e levavam a
alma dos guerreiros mortos para o paraso; e sabemos que tambm foram
veneradas na Inglaterra, graas a um processo do sculo IX, em que
uma velhas foi acusada de ser uma valquria. Quer dizer que essas
mulheres guerreiras foram transformadas pelo cristianismo, em
bruxas. Assim, no conceito comum, os velhos deuses foram
interpretados como demnios. (Borges, p. 04, 2002)
Sabe-se tambm que, a maioria dos nomes dos dias da semana, em
Lngua Inglesa, so originados dos nomes dos deuses da mitologia
nrdica. Tuesday (Twesdaeg) vem de Thyr, o deus nrdico da guerra e
da glria; Wednesday (Wdnesdaeg) vem de Odin (Woden ou Wotan forma
germnica), o deus dos deuses; Thursday (Thunresdaeg) vem de Thor
(ou Thunor), o deus do trovo; Friday (Frgedaeg) vem da deusa Frija
(Freyja ou Frig), deusa do amor e da fertilidade; Sunday e Monday
so os respectivos dia do sol e dia da lua. Ambos vem da mitologia
celta, estando associados adorao celta ao sol e lua; Saturday
(Sater(n)esdaeg ou Saturni dies, do latin) o dia de Saturno pela
influncia romana. (Borges, p. 03, 2002)
Os povos germnicos produziram um tipo de poesia, que se tornou
particular de sua cultura. Os poetas sempre falavam das mesmas
coisas, como da lana, do rei, da espada, da terra, do sol. Era
sempre uma poesia pica; ento comearam a formar palavras compostas
para essa poesia, palavras essas que eram utilizadas como metforas.
Dessa forma, chamavam o mar de caminho da baleia, caminho das velas
ou banho de peixe, chamavam a nau de potro do mar, ou cervo do mar,
ou ainda, javali das ondas. Tem-se ainda, outros exemplos como o
guardio do vento que era o pssaro e a lua dos piratas que era o
escudo de batalha. Todos utilizavam essa linguagem e a entendiam,
mas ao longo do tempo, elas se tornaram obscuras e verdadeiros
enigmas, pois se faziam metforas de metforas, como no trecho
abaixo:
Uma bastante simples, como esta: o cisne da cerveja dos mortos,
quando nos apresentada, no sabemos interpret-la. De modo que, se a
decompomos e vemos que a cerveja dos mortos significa o sangue e
que o cisne do sangue, isto , a ave da morte, o corvo, temos que o
cisne da cerveja dos mortos significa, simplesmente, corvo.
(Borges, pp. 09-10, 2002)
Essas metforas descritivas cristalizadas so chamadas de Kennings
e eram utilizadas em poemas recitados ou cantados como era de
tradio dos povos germnicos, semelhante dos celtas.
Como se v, a importncia dessa cultura mitolgica germnica e
escandinava, abarca tambm, uma linguagem nica, que estabelece uma
ligao dos povos nrdicos com um mundo propriamente mtico, mostrando
tambm que, a essas crenas, elaboram uma atmosfera religiosa que
constantemente exercitada, ao passo que, a mitologia lembrada e, os
deuses so venerados, por serem elementos essenciais dessa atmosfera
que expressa o grande valor daquilo que sagrado.
O universo mtico tambm simboliza um equilbrio perfeito entre o
bem e o mal, a morte e vida e, Yggdrasil transcende a simbologia
das deidades, ficando em primeiro plano, por se tratar de um
elemento que gera vida e a mantm at mesmo depois de uma destruio
final, quando tudo parece desaparecer diante da imensido do vazio.
Ragnarok retoma uma condio de perpetuao daquele mundo, como tambm,
determina a destruio do mesmo. Ainda que suas razes avanassem por
nove mundos, chegaria um dia em que a rvore da Vida (Neil, p. 62,
1996) cederia, partindo-se ao meio. Ento, a cosmogonia estaria
presente novamente, para reconstruir o fabuloso universo mtico e,
com ele, restaurar a ordem e a harmonia perptua.
Um grandioso exemplo que simboliza a poderosa influncia germnica
e escandinava o mais antigo poema pico que se conhece da Literatura
Inglesa, que conta a histria de um valente heri contra a ameaa de
terrveis criaturas que aterrorizavam um reino da Dinamarca. O heri
era um prncipe da Sucia, chamado Beowulf; seu nome uma metfora que
quer dizer lobo das abelhas; ou seja, urso. Beowulf, inicialmente,
luta contra uma criatura, provavelmente uma serpente ou drago que,
durante tempos, forava as portas do palcio Heorot do rei Hrothgar,
chamado Grendel e se incomodara com o som de uma harpa, que era
tocada toda noite pelo jogral que alegrava as reunies. Aps lutar
com Grendel e vencer, Beowulf vai atrs de sua me, uma horrvel bruxa
que ainda, mais forte que a criatura. Ao final, Beowulf vence e
agradecido com presentes do palcio; a histria continua no prprio
reino de Beowulf, cinqenta anos depois, quando sua terra ameaada
por um terrvel drago. O heri novamente luta e vence, mas sabendo
que a morte era certa. Na narrativa, Beowulf ordena como deve ser
seu funeral. A histria termina com a narrativa do ritual funerrio
do valente heri e rei, Beowulf.
Acredita-se que essa epopia, que contm mais de trs mil e
duzentos versos, foi escrita por um monge, que se baseou em uma
antiga lenda germnica e, a partir desta, criou um experimento
erudito e barroco com uma linguagem obscura e confusa, contendo
inclusive, trechos da obra Eneida. O texto provm de autor annimo, e
os indcios pertinentes na obra indicam ser um monge que o
escrevera, porque os sacerdotes eram os nicos a ter acesso aos
textos gregos e latinos, o autor seguiu as normas sintticas latinas
para escrever sua obra. Percebe-se ainda, um vnculo tradio crist,
quando o autor diz que a criatura descende de Caim e, quanto
personagem Beowulf, ao saber de sua provvel morte, diz entregar sua
alma ao Senhor, afirmando ir ao cu, pois teve uma vida justa.
O poema pico Beowulf tambm foi construdo, todo ele, pela
aliterao expressa na repetio dos fonemas, tal qual, o costume
germnico. A presena de personagens como o ogro, a bruxa e o drago
era esperada pelo pblico que ouvia a histria, porque so smbolos das
foras do mal e representantes do folclore germnico e escandinavo,
sendo prprios de sua mitologia. Encontra-se no personagem Beowulf,
as virtudes apreciadas na Idade Mdia, como a lealdade e a coragem
(Borges, pp. 13-14, 2005), que vai apresentar ao longo da
histria.
Entende-se, portanto, que a vida dos povos germnicos e
escandinavos estava entrelaada com suas histrias, culturas,
enquanto povos destemidos, navegantes e conquistadores e mitologia,
que os fundamentavam a respeito de um mundo mtico e verdadeiro que
se mostrava presente na memria popular desde os tempos ancestrais.
Apresenta-se a seguir, um trecho que retrata a sensao referente ao
mito, ou ao universo mtico, como elementos que transcendem a razo,
expressando uma verdade, unicamente mtica, de sua existncia:
O mito simboliza, pois, o divino, a partir da realidade que
expressa, para a conscincia humana, a transcendncia num momento
dado. Enfatizando, sucessivamente, o vegetal, o animal e o homem, o
mito revela o sagrado. No nunca o vegetal em si, o animal ou o
homem que so sacralizados. Mas atravs dos diferentes reinos, algo
meta-humano, uma realidade de metafsica que se expe conscincia, a
invade e a possui. No se trata tambm, de mera apresentao do divino,
mas de uma participao da conscincia no misterium tremendum. o Outro
que ultrapassa a conscincia e, perante o qual, esta se admira. Mas
tambm, a alegria, o sentir-se parte desta Vida poderosa, na qual a
conscincia se move e tem o ser. o estar invadida pelos deuses.
(Morais apud Csar, p. 85, 1988)
Ronald Reuel Tolkien, um gnio da Literatura Inglesa, escreveu a
trilogia do clssico O Senhor dos Anis (1954-1955), baseando-se no
universo mtico da mitologia nrdica. Tolkien quis expressar em sua
obra, a sua averso que tinha tecnologia provinda do cientificismo
de sua poca, retratando em um anel, como smbolo mximo de poder que
poderia manipular o homem, domin-lo e lhe causar sofrimentos. Por
conta de seu grande conhecimento sobre o anglo-saxo, acabou
reproduzindo nessa obra, o universo mtico da mitologia nrdica.
Sendo professor de anglo-saxo, Filologia, Lngua e Literatura
Inglesa, Tolkien soube expressar essa mitologia de maneira
brilhante em sua trilogia. Tolkien foi professor em Universidades
Inglesas como Leeds, Pembroke, Oxford e Merton. Era ainda, um
grande fillogo, conhecedor de dezesseis lnguas. Um outro, no menos
importante escritor ingls foi Clive S. Lewis, professor
universitrio, amigo de Tolkien, criador de As crnicas de Nrnia
(1949-1954), obra importantssima que traz paisagens, cenrios e
personagens caractersticos da mitologia dos povos germnicos e
escandinavos e, personagens de seu folclore.
Portanto, a Literatura Inglesa no est indiferente mitologia
nrdica. Essa se apresenta nos textos citados, propondo uma
evidenciao sua existncia, como um legado rico e antiqssimo, que
desafia o leitor ou o estudioso de mitologias a mergulhar em seu
ambiente fabuloso que se coloca como verdade, remetendo aos povos
ancestrais que consideravam os mitos como sendo histrias
verdadeiras, mas tambm, como um evento que deve ser lembrado e, de
certa forma, revivido, para que a memria de um povo seja renovada e
os mitos transcenderem os tempos. A crena ancestral na verdade dos
mitos relatada no trecho abaixo:
Acrescentemos que, nas sociedades em que o mito ainda est vivo,
os indgenas distinguem cuidadosamente os mitos histrias verdadeiras
das fbulas ou contos, que chamam de histrias falsas. (Eliade, p.
13, 1994)
Quando os povos germnicos e os povos escandinavos chegaram na
Britannia, encontraram um territrio desprotegido, no qual poderiam
se instalar. O Cristianismo, contudo, prevalecia como religio e foi
questo de tempo para que esses povos tambm se convertessem, ainda
que de uma maneira indireta, porque Cristo foi somado por eles como
mais um deus, no mais ou menos importante. Ao longo de um processo
histrico, tambm se miscigenaram.
Os trechos que se seguem, de Jorge Lus Borges, relatam como foi
a aceitao dos germanos a Cristo e sua converso, como tambm,
expressam a influncia das deidades que ainda estavam fortemente
presentes e sua insistncia em permanecer na memria coletiva:
Quanto converso dos germanos, cabe dizer que no foi difcil, para
os germanos politestas, aceitar mais ou outro deus: um a mais no
nada. () A princpio, Cristo no foi mais que um deus novo. O
problema da converso no era, como seria atualmente, individual, mas
convertendo o rei, convertia-se todo o povo. (Borges, p. 11,
2002)
Sobre a conquista espiritual h vrios detalhes a salientar,
primeiramente, a maneira pela qual os pagos receberam Cristo. Conta
Beda, o Venervel, de um rei que tinha dois altares: um dedicado a
Cristo e outro aos demnios. Esses demnios so, sem dvida nenhuma, os
deuses germnicos. (Borges, p. 05, 2002)
Para completar a argumentao quanto valorizao e resgate dessa
mitologia, vale relembrar a imponncia do smbolo mtico de Yggdrasil,
que , sem dvida alguma, o arqutipo da vida, de sua constante
movimentao e de seus ciclos naturais. Ela est no centro do universo
mtico porque um smbolo da realidade absoluta (Eliade, p. 27, 1992)
e, atravs de suas razes, firma os mundos e os fertilizam com vida e
continuidade, garantindo sua existncia. A cosmogonia expressa na
rvores mtica e, por meio dessa, d uma impresso de nobreza. R. B.
Andersen expressa essa idia muito bem, ao escrever:
O freixo de Yggdrasil uma das mais nobres concepes, jamais
introduzidas num sistema de cosmogonia ou de existncia humana. , de
fato, a grande rvore da vida, maravilhosamente elaborada e
estendendo-se por todo o sistema do universo. Ela fornece corpos ao
gnero humano por seus ramos, estende suas razes atravs de todos os
mudos e dispersa, nos cus, seus braos que do vida. por ela que se
mantm todo tipo de vida, mesmo a das serpentes que devoram suas
razes e tentam destru-la ()
() e, segundo sua vida, compreenderamos que se possa sonhar que
os animais saem do vegetal, que a rvore , verdadeiramente, sua
rvore genealgica; os animais se movem nela e em torno dela; cada
espcie de animal tem a, seu lugar e seu destino. A guia, o falco, o
esquilo, no so os nicos a receber o seu benefcio; quatro potros se
alimentam de seus rebentos () (Andersen apud Bachelard, pp. 34-54,
1990)
Tem-se ainda, um trecho que expressa uma idia conclusiva quanto
importncia da rvore mtica:
O carter particular do mito de Yggdrasil a sua brevidade
expressiva. Como belo o espetculo de uma grande rvore! Seus ramos
estendendo-se ao longe, seu caule coberto de musgo, suas profundas
razes nos lembram a infinidade do tempo; ela viu escoarem os sculos
antes que tivssemos nascido () preciso nada menos que uma alma
infinita para compreend-la; nenhum pincel pode pint-la, nenhuma cor
represent-la. No tranqilo, nada est em repouso; tudo atividade. o
mundo inteiro e, ele s pode ser compreendido pelo esprito do homem,
pela alma do poeta e, ser simbolizado pelo fluxo incessante da
linguagem. (Andersen apud Bachelard, pp. 53-55, 1990)
A Mitologia Nrdica apresenta e relata um processo histrico
referente propagao de sua cultura e permanncia da mesma, mesmo
enquanto os germanos e os escandinavos se miscigenavam com outros
povos, difundindo-se. Como se v, sua passagem pela Britannia deixa
marcas inegveis de sua mitologia vibrante; mitologia essa, que
contribui para a formao cultural de um povo, utilizando-se de suas
crenas e essncia para retratar nas histrias antigas, o seu
misticismo fundamental.
Consideraes FinaisA Mitologia Celta e a Mitologia Nrdica
representam no somente a religiosidade e cultura de seus povos, mas
tambm, a sua incessante necessidade de perpetuar sua crena e suas
tradies. Simbolizam ainda, a participao histrica desses povos no
processo de miscigenao e formao tnica da Gr-Bretanha, revelando
muito do que se liga a ela atravs do folclore britnico.
As caractersticas restantes dessas mitologias no folclore
britnico so um argumento muito forte, no qual baseou-se ao dizer
que, no foram somente resqucios que permaneceram, mas sim,
elementos comprobatrios da legtima influncia da cultura e crena dos
povos ancestrais. Essas mitologias no foram descaracterizadas e
desgastadas com o tempo, mas tiradas de foco, evidenciando ento,
uma deficincia na propagao de suas histrias.
A Literatura Inglesa, no processo de aprendizagem da Lngua
Inglesa conhecendo o seu lxico e cultura, deve-se abordar a histria
desses povos e sua mitologia como caracteres essenciais para a
discusso e compreenso da cultura britnica, como tambm, a cultura
particular veiculada pela Lngua Inglesa, descobrindo que essa tem
razes nas lnguas celtas e anglo-saxnica. Afirma-se abaixo, a
importncia do mito como narrativa ancestral:
Sua origem perde-se no princpio dos tempos. So narrativas to
antigas quanto o prprio homem; e nos falam de deuses, duendes,
heris fabulosos ou de situaes onde o sobrenatural domina. Os mitos
esto sempre ligados a fenmenos inaugurais: a genealogia dos deuses,
a criao do mundo e do homem, a explicao mgica das foras da
natureza, etc. (Coelho, p.80, 1982)
E ainda, refora-se aqui, o carter de necessidade da presena do
mito nas comunidades primevas no seguinte trecho:
(...) ao rememorar os mitos e reatualiz-los, ele capaz de
repetir o que os deuses, os Heris ou os Ancestrais fizeram ab
origine. Conhecer os mitos aprender o segredo da origem das coisas.
Em outros termos, aprende-se no somente como as coisas vieram
existncia, mas tambm, onde encontr-las e como fazer com que
reapaream quando desaparecem. (Eliade, p.18, 1994)
Ainda que no aprendizado da Lngua Inglesa seja priorizado, em
primeira instncia, o processo de aquisio do lxico, deve-se voltar
um olhar para a cultura da lngua, descobrindo ento, uma herana
cultural arcaica que se faz presente nas mitologias dos celtas e
dos nrdicos. Buscar textos e contos que resgatam essas mitologias,
como sem dvida seus mitos, voltar na histria desses povos e
penetrar em sua essncia.
Os mitos detm uma narrativa de encanto e eloqncia, como a
mitologia propriamente dita, reservando um especial aspecto de
misticismo e sacralidade s histrias, aguando a necessidade de um
envolvimento maior com essas narrativas, evidenciando o importante
veculo da leitura para a compreenso dessas culturas ali presentes.
O ensino da Lngua Inglesa deve abarcar essas mitologias,
preocupando-se no somente com a aquisio de vocbulos e da pronncia
dos mesmos, mas comportando em si, a histria da Britannia junto aos
povos celtas e nrdicos e sua cultura, representando mais um
elemento a ser descoberto pelo estudante, voltando seu estudo para
discusses ligadas a questes culturais, enfatizando a cultura antiga
desses povos que habitavam a Europa, e questes histricas,
ressaltando a movimentao desses povos e suas intervenes no
continente europeu e, particularmente, na Britannia.
Por razo do Ingls Arcaico ser considerado e nomeado de
anglo-saxo, considera-se como a mais velha narrativa pica da
Literatura Inglesa, a epopia Beowulf. H outro exemplo nas Eddas (as
duas antologias de mitologia e lendas escandinavas da antiga
literatura Islandesa) que so as correspondncias dos deuses entre os
povos, como Odin para os escandinavos, Wotan para os germnicos e
Woden na verso bret (Borges, p. 03, 2002) e, por essa razo, o nome
desse deus modificado para formar a palavra Wednesday, quarta-feira
em ingls. O mesmo evento aconteceu com outros nomes de deuses nos
nomes dos dias da semana, em Lngua Inglesa, conferindo uma certa
permanncia da mitologia antiga. O aluno poder, ainda, discutir a
idia do esteretipo bruxa e priv-lo de seu sentido carregado de
preconceito, privando tambm, as crenas desses povos politestas de
qualquer imagem errada, desencadeada a partir da Idade Mdia, ou
mesmo antes, pelos relatos de Jlio Csar. imagem da Grande Me est
provavelmente ligada aos diferentes contos e relatos de bruxas e de
madrastas que, igualmente carregam, muitas vezes, os traos de
feitiaria.
Denota-se, dessa forma, uma imagem negativa da Grande Me (ou
Grande Deusa), evidenciando o preconceito, aqui j discutido, com a
associao dos deuses dos politestas com o demnio do Cristianismo.
Entretanto, como me no verdadeiro sentido da palavra, como genitora
de um deus ou de um heri, ou at mesmo, como madona, ela adquire uma
luz profundamente positiva. (Meletnski, p. 109, 1998)
impressionante como a Mitologia Celta e a Mitologia Nrdica
apresentam elementos que adquirem aspectos iguais, como a valorizao
e adoraes celtas quanto natureza e ao carvalho e, a adorao nrdica
rvore mtica, a rvore da vida, Yggdrasil; ou mesmo, objetos de
grande fora e fascnio, como o caldeiro de Dagda, a lana mgica de
Lugh, a espada Excalibur de Arthur da mitologia celta e a luva e o
cinturo de poder de Thor e, a espada e a lana de Odin. V-se ainda,
a eterna luta celta entre a luz e as trevas e o conflito final
nrdico Ragnarok. Sustenta-se, dessa forma, a idia de renovao
constante dessas mitologias expressas nas tradies desses povos.
Toda criao repete o ato cosmognico pr-eminente, a criao do mundo.
(Eliade, p. 27, 1992)
Os trechos que se seguem, apresentam tambm essa idia:
Todos os ritos celebrados nessas sociedades so a prpria condio
de perpetuao do mito, pois que, atravs deles, o mito ganha vida e,
o homem, objetivando emoes profundas, vive em presena dos deuses,
em perfeita comunho com o divino. (Morais apud Fabri, p. 32,
1988)
O mundo mtico , primordialmente, o mundo da ao. Todas as aes so
verdadeiros ritos, assim como os ritos so verdadeiras aes. Atravs
dos gestos e atitudes, os ritos realizam o que a ao executa
diretamente. As aes so gestos sagrados, uma vez que elas so
realizadas pelas potncias sagradas. Estas agem diretamente, pois
esto imediatamente presentes no mundo. Esta presena imediata de
tudo em tudo, caracteriza todo o mundo primitivo. Todo o tempo est,
por exemplo, presente no mesmo e sempre nico instante. No h distino
entre as dimenses temporais: presente, passado, futuro. H sempre um
presente eterno. Tudo ocorre hoje, como ocorreu nos primrdios. A
festa religiosa procura manifestar claramente isto. Ele comemora e
no vai nisto uma pura lembrana. Ela uma liturgia que representa, de
maneira idntica, o que aconteceu no princpio dos tempos. Esta
repetio tambm acontece em relao ao espao. Cada lugar a repetio do
outro que, de fato, no considerado como sendo outro. No existe, por
isso, uma seqncia espacial, logicamente organizada. Assim tambm,
toda pessoa a outra, que a ela no se ope, mas se identifica. Da, no
difcil conceber como cada personagem do mundo a repetio da prpria
divindade. (Morais apud Moura, p. 55, 1988)
Para Roland Barthes, o mito uma fala porque se utiliza de uma
lngua para se propagar, sedo essa lngua, a matria-prima da fala
mtica (Barthes, p. 205, 2003). Barthes considera o mito como um
sistema semiolgico pelo uso dessa lngua e o define como sistema
semiolgico segundo, contendo significantes e significados, formando
assim, os signos que resultam no prprio mito, aludindo ento, teoria
semiolgica de Saussure (Barthes, p. 205, 2003). Logo, Constana
Marcondes Csar (1988), define o carter de inegvel importncia do
mito:
[O mito] no uma narrao fabulosa, mas um pensamento simblico,
mais rico e mais amplo que qualquer saber discursivo. o contedo
religioso determinante de uma cultura; uma filosofia
meta-conscienciolgica, no sentido de que sua totalidade apreensvel
apenas pelo ser. (Csar apud Morais, p. 83, 1988)
Vem-se novamente afirmar, a importncia dessas mitologias, tanto
para se compreender o valor cultural da Lngua Inglesa e de sua
literatura ao longo do processo histrico de sua formao, como tambm,
a formao tnica de seu povo. Referindo-se ao tempo da queda do
imprio romano e sua retirada, Anthony Burgess (2004) refere-se ao
povo breto quando diz: um povo domesticado pela civilizao e pelo
domnio colonial ficou entregue a si mesmo e a qualquer invasor
brutal que quisesse vir da Europa (Burgess, p. 23, 2004).
Contudo, por mais que os romanos quisessem romanizar os povos da
Britannia, no conseguiram de fato, apagar totalmente a mitologia
celta que, junto mitologia nrdica, compem a essncia cultural bret,
na qual deve ser buscada e compreendida. Ao resgatar essas
mitologias, rememore-as pela sua eloqncia e fascnio, pois os Mitos
representam o legado dos ancestrais.
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( Trabalho de Concluso de Curso apresentado Faculdade de
Birigui, Graduado em Letras: Licenciatura Plena em Portugus e
Ingls, sob orientao da Prof. Ms Edileide A. Brito