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Volume 1, Nmero 2, Outubro de 2012
em Portugus
Dossi Primavera rabe
As Linguagens das Revolues rabesAbdou Filali-Ansary
Por que no h Democracias rabes?Larry Diamond
A Transio na Tunsia e a Mtua Tolerncia Alfred Stepan
Dossi Sudeste Asitico
Reforma Econmica e Autoritarismo no Vietn, Laos e Camboja
Martin Gainsborough
Estados Fortes e Democratizao na Malsia e Singapura
Dan Slater
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CONSELHO EDITORIAL
Bernardo SorjSergio Fausto
Diego Abente BrunMirian Kornblith
CONSELHO ASSESSOR
Fernando Henrique CardosoAntonio Mitre
Larry DiamondMarc F. Plattner
Simon Schwartzman
TRADUO
Elis Lavanholi
REVISO TCNICA
Rodrigo Brando
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Apresentao
Este segundo nmero do Journal of Democracy em Portugus traz dois
conjuntos de artigos. O primeiro se refere s visveis mudanas
polticas no convulsionado mundo rabe. O segundo, s praticamente
invisveis perspectivas de mudana poltica em slidos regimes no
democrticos do Sudeste Asitico.
O interesse pela chamada Primavera rabe quase dispensa
justificao. At dois anos atrs, quando protestos pr-democracia
tomaram as praas de Tnis e do Cairo, ningum acreditava que
as
longevas autocracias da Tunsia e do Egito estivessem perto do
fim.
Hoje a pergunta se sero realmente democrticos os regimes que
se esto erguendo naqueles dois pases, bem como na Lbia. E se as
mudanas que se iniciaram no Norte da frica podero alastrar-se
pelo Oriente Mdio.
Essas questes so abordadas, respectivamente, por Alfred Ste-pan,
em A Transio na Tunsia e a Mtua Tolerncia, e por Larry Diamond, em
Por que no h Democracias rabes?. Stepan
professor da Universidade de Columbia, em Nova York, e se
des-tacou no estudo comparativo de transies para a democracia em
pases do Ocidente, entre eles o Brasil. Faz dez anos, suas atenes
se voltaram para o mundo rabe. Desde ento, Stepan sustenta o
argumento de que a infrequncia de democracias no mundo rabe se
explica menos pela existncia de populaes majoritariamente mulumanas
e mais pelas estruturas sociais e polticas associadas ao controle
familiar-estatal sobre fontes abundantes de petrleo.
O autor encontra na Tunsia, pas de maioria mulumana e pobre em
petrleo, mais um exemplo a sustentar sua tese. No artigo aqui
publicado, ele reconstri a tessitura dos acordos que permitiram a
deposio relativamente incruenta de Ben Ali e a transio pacfica
CONSELHO EDITORIAL
Bernardo SorjSergio Fausto
Diego Abente BrunMirian Kornblith
CONSELHO ASSESSOR
Fernando Henrique CardosoAntonio Mitre
Larry DiamondMarc F. Plattner
Simon Schwartzman
TRADUO
Elis Lavanholi
REVISO TCNICA
Rodrigo Brando
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para a democracia. A narrativa pontuada por referncias a
entre-
vistas por ele realizadas com lderes polticos da chamada
Revo-luo de Jasmim ao longo de 2011.
Stepan identifica nos acordos polticos da transio tunisiana
a
formao do que ele chama de uma tolerncia mtua. De um lado, a
aceitao, por parte dos cidados religiosos, de que apenas as leis
constitucionais - e no supostas leis divinas - podem limitar
a liberdade de deciso dos chefes de governo e parlamentos
de-mocraticamente eleitos. De outro, a aceitao, por parte do Estado
laico, de que os cidados religiosos tm o direito de se organizar e
manifestar politicamente com base nos valores de suas crenas
reli-giosas. Para o autor, o desenvolvimento da mtua tolerncia
seria indispensvel consolidao da democracia na Tunsia. Embora ainda
em aberto, Stepan otimista em relao a essa possibilidade.
Otimismo que no se repete em relao ao Egito, por razes que o
leitor encontrar no artigo.
Em Por que no h Democracias rabes?, Larry Diamond se-gue a mesma
trilha de Stepan e se aprofunda nas causas da inexistn-cia de
democracias em pases rabes com grande produo e exporta-o de
petrleo. Embora esse artigo tenha sido escrito em 2010, antes
portanto do incio da Primavera rabe, decidimos inclui-lo porque
os Petroestados rabes continuam inclumes s mudanas
desenca-deadas a partir da Tunsia e do Egito. Os pases da Pennsula
Arbica, com a Arbia Saudita ao centro, constituem ainda uma
fortaleza au-toritria aparentemente inexpugnvel. Se ampliarmos o
mapa, surgi-r o Iraque, onde a ditadura de Saddam Hussein j no mais
existe. Mas ali se tratou de uma transio at gun point, no bojo de
uma ocupao militar estrangeira, cujos desdobramentos polticos,
alis, so ainda muito incertos.
O terceiro artigo do dossi sobre a Primavera rabe na ver-dade, o
primeiro, por ordem de apresentao difere dos anteriores por
trafegar no no mundo das instituies polticas, mas, sim, da
linguagem poltica. Abdou Filali-Ansary o escreveu para a confe-
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rncia The Seymour Martin Lipset Lecture on Democracy in the
World, de 2012, ocasio em que anualmente o National Endowment for
Democracy distingue destacados lderes polticos e intelectuais
comprometidos com a democracia.
Em seu texto, Filali-Ansary faz uma fascinante incurso pelos
sen-
tidos nem sempre nicos de palavras e slogans empregados por
lderes e militantes da Primavera rabe. Para o autor, est em formao
uma nova linguagem da poltica em pases como o Egito e a Tunsia. Ela
se alimentaria de duas vertentes distintas: a apropriao de
concei-tos e palavras da tradio poltica ocidental, como sociedade
civil e di-reitos humanos, e a ressignificao de conceitos e
palavras da tradio
islmica. A depender do contexto, exemplifica, um apelo ao
retorno
da sharia pode significar tanto o desejo de imposio legal
generali-zada de um cdigo de conduta pessoal severo e
discriminatrio contra as mulheres como, alternativamente, a
moralizao da vida pblica contra a corrupo e o abuso do poder.
Filali-Ansary no desconhece
o risco de que as revolues rabes produzam regimes polticos
fun-damentalistas, embora seja otimista quanto s chances de que
acabem por prevalecer fundamentos democrticos de legitimao do poder
po-ltico. Seu artigo , na verdade, um alerta contra um secularismo
de
mente estreita, incapaz, segundo o autor, de perceber a
ressignificao
de parte do lxico religioso por novas prticas e aspiraes
potencial-
mente democrticas nas sociedades rabes.
Passemos ao segundo conjunto de artigos deste nmero, referidos
ao Sudeste Asitico. A regio uma pea cada vez mais importante
do complexo quebra-cabea geopoltico e geoeconmico do mundo
atual. Isso se d pela crescente integrao dos pases da regio ao
sis-tema produtivo organizado em torno da China e pela
contraofensiva econmica e militar dos Estados Unidos para
contrabalanar o peso
do gigante chins naquela parte do mundo. Alm disso, o
Sudeste
Asitico frequenta o debate global sobre modelos de
desenvolvimen-to, com prestgio ascendente depois do colapso do
socialismo e da crise do chamado Consenso de Washington.
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Ali, parece haver-se estruturado uma frmula estvel de
cresci-
mento econmico, progresso social e autoritarismo, em que o
forta-
lecimento do primeiro e segundo termos da equao no resulta em
enfraquecimento do terceiro, contrariando a crena de que o
desenvol-vimento econmico e social acarretaria inevitavelmente a
liberalizao
poltica dos regimes autoritrios. O mesmo se passa na China, em
es-cala ampliada, onde reformas capitalistas graduais desencadearam
um processo de crescimento econmico e mobilidade social
ascendente
sem paralelo na histria, sem que isso tenha colocado em xeque o
re-gime de partido nico. Esse modelo (desenvolvimentista,
autoritrio e eficiente) encontra adeptos em outros lugares no
mundo, em especial
entre governantes africanos que buscam os benefcios do
crescimento sem os riscos sobretudo para eles da liberalizao
poltica e econ-
mica. Mesmo na Amrica Latina h quem veja o modelo com bons
olhos, como contraponto, quando no uma alternativa, aos modelos
ocidentais de capitalismo liberal-democrtico.
As semelhanas entre os pases do Sudeste Asitico escondem, porm,
realidades distintas, mesmo entre os que se desenvolvem sob
regimes no democrticos. dessas realidades distintas que tratam
os artigos de Martin Gainsborough, sobre Vietn, Camboja e Laos, e
de Dan Slater, da Universidade de Chicago, sobre Malsia e
Singapura.
O primeiro grupo de pases foi palco de um dos mais prolongados
conflitos do perodo da Guerra Fria, no qual se envolveram
direta
ou indiretamente Estados Unidos, Unio Sovitica e China.
Desses
conflitos resultou a implantao de regimes comunistas a partir
da
segunda metade da dcada de 1970. J Malsia e Singapura se
man-
tiveram relativamente margem da Guerra Fria porque suas elites
locais, em aliana com os antigos colonizadores ingleses,
consegui-ram fazer frente aos movimentos sociais e sindicais de
esquerda j na primeira etapa da vida poltica ps-colonial.
Criaram-se ali ditaduras
capitalistas amparadas por Estados com grande capacidade no
ape-nas de reprimir opositores, mas tambm de orquestrar o
crescimento
econmico e distribuir a renda.
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Nos ltimos vinte anos, Vietn, Laos e Camboja seguiram os passos
da China, introduzindo reformas econmicas sem alterar o
regime poltico, ao passo que Malsia e Singapura caminharam
len-tamente na direo de uma democracia com eleies mais disputa-das,
embora estejam ainda muito aqum de uma real alternncia no
poder. A existncia de um Estado com alta capacidade de gesto da
economia e da sociedade e de uma classe mdia ampla e
interessada
em conservar os ganhos obtidos sob o autoritarismo faz Slater
prever uma transio estvel de Malsia e Singapura em direo a regimes
mais plenamente democrticos. Eles faro, acredita o autor, percurso
semelhante ao realizado por Taiwan e Coreia do Sul a partir do
final
dos anos 80. J Gainsborough mais ctico em relao a uma
transi-
o democrtica no Vietn, Laos e Camboja, pases no apenas mais
pobres que Malsia e Singapura, mas tambm com classes mdias
mais dependentes do Estado. Nos prximos anos, mudanas polti-cas
mais significativas nesses trs pases s ocorreriam, na viso do
autor, se provocadas por mudanas maiores na China.
Com um dossi sobre a Primavera rabe e outro sobre pases no
democrticos do Sudeste Asitico, este segundo nmero segue as pegadas
do primeiro. Reafirmamos, assim, a linha editorial de ofere-
cer ao pblico de lngua portuguesa informao e anlise de
qualida-de sobre processos polticos que esto moldando o mundo
multipolar e ampliando o leque de desafios prticos e tericos
organizao
democrtica da vida social e poltica.
Bernardo Sorj e Sergio FaustoDiretores de Plataforma
Democrtica
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* Publicado originalmente como Tunisias Transition and the Twin
Tolerations, Journal of Democracy, Volume 23, Nmero 2, Abril de
2012 2012 National Endowment for Democracy and The Johns Hopkins
University Press
Dossi Primavera rabe
A TRANSIO NA TUNSIA E A mTUA TOLERNCIA*
Alfred Stepan
Alfred Stepan Professor de Governo da cadeira Wallace S. Sayre,
da Universidade de Colmbia, e diretor do Centro de Estudos da
Democracia, Tolerncia e Religio na mesma instituio. O presente
artigo baseia-se em seu texto Religion, Democracy, and the Twin
Tolerations (Religio, Democracia e a Mtua Tolerncia, em traduo
livre), publicado na edio de outubro de 2000 do Journal of
Democracy.
Para muitos dos mais influentes tericos do secularismo e da
mo-dernizao, a religio era algo tradicional e irracional uma fora
para o autoritarismo e um obstculo busca da modernidade e
ra-cionalidade que por si s levariam democracia1. Estaria correta
tal percepo? Meu estudo dos esforos atuais de democratizao em
diversos pases, como Brasil, Chile, ndia e Indonsia, passando
por
Senegal, Espanha, Turquia e agora a Tunsia, mostram o contrrio.
As experincias desses pases nas ltimas dcadas sugerem que o
secularismo severo, aos moldes da Terceira Repblica Francesa ou
da Turquia ps-otomana de Mustafa Kemal Atatrk, no necessrio
para a democratizao e pode at criar problemas para ela.
Uma anlise da transio da Tunsia ajuda a ilustrar o ponto. No ano
passado, fiz trs viagens de pesquisa a esse pequeno pas pre-
dominantemente muulmano sunita da frica do Norte, onde teve
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Alfred Stepan 37
Journal of Democracy em Portugus Volume 1, Nmero 2, Outubro de
2012 2012 National Endowment for Democracy and The Johns Hopkins
University Press
incio a Primavera rabe. A histria recente da Tunsia
complexa,
e consigo cobrir apenas parte dela aqui mas uma parte
importante
que observadores, principalmente no Ocidente, devem tomar
cuida-do para no ignorar ou subestimar.
Em 2011, a Tunsia alcanou uma bem sucedida transio demo-crtica,
embora ainda no tenha atingido a consolidao da democra-cia. Isso
foi possvel ao aderir a uma relao entre religio e poltica que segue
o padro do que chamo aqui e em outros artigos de mtua tolerncia. Em
que consiste essa mtua tolerncia? A primeira a de
cidados religiosos para com o Estado. Ela exige que eles
confiram
a funcionrios do Estado eleitos democraticamente a liberdade de
legislar e governar sem ter de enfrentar negaes de sua autoridade
baseadas em afirmaes religiosas como, por exemplo, Apenas
Deus, e no o homem, pode estabelecer leis.
A segunda diz respeito tolerncia do Estado em relao a cida-dos
religiosos. Esse tipo de tolerncia exige que leis e representan-tes
do Estado permitam que cidados religiosos, por uma questo de
direito, expressem livremente suas vises e valores na sociedade
ci-vil, bem como participem livremente da poltica, contanto que
ativis-tas e organizaes religiosas respeitem os direitos
constitucionais e a lei. Em uma democracia, a religio no precisa
estar fora da ordem do dia, e, de fato, forar sua retirada violaria
a segunda tolerncia2. Adotar essa mtua tolerncia dar um passo rumo
democracia li-
beral, pois envolve a rejeio no apenas de uma teocracia, mas
tam-bm do iliberalismo que inseparvel das verses do secularismo
que se pautam na agressividade, na abordagem de cima para baixo,
no controle da religio, como o kemalismo turco ou o lacit avesso
religio associado Terceira Repblica Francesa e sua Lei da Separao
entre a Igreja e o Estado, de 1905.
Antes de explorar como a mtua tolerncia ganhou espao na Tunsia o
que contribuiu para o promissor incio do pas como uma democracia ,
vale revisar a transio da prpria Tunsia. Em 23 de outubro de 2011,
aps a Revoluo de Jasmim, que em janeiro
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38 Journal of Democracy em Portugus
destituiu do poder o ditador de longa data Zine al-Abidine Ben
Ali,
a Tunsia conduziu sua primeira eleio livre aps tornar-se
inde-
pendente da Frana em 1956. Eleitores formaram uma Assembleia
Constituinte formada por 217 membros, cujo partido com maior
re-
presentatividade (41% dos assentos) o movimento islmico
conhe-
cido como Ennahda (tambm chamado de al-Nahda). Desde ento,
a Assembleia elegeu um primeiro-ministro, o antigo secretrio
geral
do Ennahda, Hamadi Jebali, e um presidente, o ativista de
direitos humanos Moncef Marzouki. Juntamente com os outros membros
do governo, eles tomaram posse e iniciaram seus trabalhos em 23 de
dezembro de 2011, marcando a conquista de uma bem sucedida tran-sio
na Tunsia. Cerca de doze a quinze meses aps a concluso da
constituio, sero realizadas novas eleies para esses cargos.
Em minha opinio, pode-se afirmar que a Tunsia conquistou tal
transio e, agora, enfrentar o desafio mais complexo de
consoli-
dao democrtica por ter atendido aos quatro requisitos que Juan
J. Linz e eu defendemos, com base em nosso estudo envolvendo
di-versos casos, serem cruciais para tal mudana3. O primeiro desses
requisitos acordo suficiente sobre procedimentos para criar um
governo eleito. O segundo um governo que chegue ao poder
como
resultado direto do voto livre e popular. O terceiro a posse de
fac-to pelo governo da autoridade para criar novas polticas, e o
quarto que os poderes executivo, legislativo e judicirio
resultantes da
nova democracia no devem compartilhar poder com outros rgos de
jure (como lderes militares ou religiosos).
claro que nada disso certo. A democracia sempre um mero
governo transitrio, e sempre enfrenta perigos que devem ser
com-batidos por uma constituio com protees contra a tirania da
maioria, um judicirio independente cauteloso, uma sociedade civil
crtica e ro-busta, e uma imprensa livre. Embora a Tunsia precise de
reformas e de consolidao institucional, ela j conta com um nmero
considervel de constrangimentos crveis que devero ajudar a tornar a
democracia mais segura e a oferece-la uma chance de criar razes e
consolidar-se.
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Alfred Stepan 39
Uma limitao importante que o Ennahda perdeu a maioria na
Assembleia Constituinte. Ele ganhou seus 89 assentos ao
conseguir
37% dos votos populares. Portanto, teve de formar uma
coalizo
com dois partidos seculares: o Congresso pela Repblica (CPR),
de
Marzouki, que ganhou 29 assentos, e o Ettakatol, que ganhou 20
assentos. Se o Ennahda sucumbir presso de militantes islmicos em
sua base, seus parceiros seculares podero se afastar neces-
srio um total de 109 assentos para formar e sustentar um
governo
com o objetivo de ameaar seu controle na Assembleia. De fato, de
acordo com os procedimentos parlamentares da Assembleia, o Ennahda
poderia at ser submetido a um voto de desconfiana que
poderia garantir acesso a uma nova maioria dominante naquele
rgo.
Outra limitao sugerida pelo acordo sobre o carter livre e
justo
da votao de outubro de 2011 por praticamente todos os partidos
de oposio e pelos lderes de governo com quem falei principalmente
Ahmed Nejib El Chebbi, do Partido Democrata Progressivo (PDP),
o principal partido secular de oposio, cujo desempenho ficou
abai-
xo das expectativas. Ao mesmo tempo em que afirma a
integridade
da votao, Chebbi exprimiu sua certeza de que outra eleio ser
realizada de um ano a dezoito meses aps a concluso dos trabalhos da
Assembleia Constituinte. Quando perguntei por que seu partido teve
desempenho to insatisfatrio, ele afirmou que falhou ao seguir
os conselhos de consultores eleitorais norte-americanos de
priorizar
anncios de campanha na TV. Ele contou que, da prxima vez, o
Partido Democrata Progressista adotar uma organizao mais
parti-cipativa e estimou que, dados os problemas com a economia
mundial e a presso sobre o Ennahda para alcanar expectativas e
promes-sas materiais, uma coalizo mais ampla de partidos da oposio
ter grandes chances de governar.
Chebbi, assim como praticamente todos os lderes do partido com
quem falei, enxerga a eleio como o nico jogo existente quando se
trata de ganhar poder poltico. Ele e outros elogiaram o trabalho
desenvolvido pela Comisso Eleitoral Independente e pelos
observa-
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40 Journal of Democracy em Portugus
dores internacionais, e querem e esperam que eles tenham um
papel importante na prxima eleio. Atitudes como essas, como Linz e
eu discutimos, so fundamentais para a consolidao da democracia.
Preparando o Caminho para a Transio
Como a Tunsia, no fim de 2011, realizou um processo de
transi-
o que foi aprovado at pelos partidos que surgiram (por
enquanto,
pelo menos) no curto prazo? A resposta est nos acontecimentos
do
incio de 2011, quando um processo de tomada de deciso nacional e
consensual estabeleceu as regras para o que iria acontecer no
fim
daquele ano. Dias aps a partida de Ben Ali rumo ao exlio na
Arbia Saudita em 14 de janeiro, um governo provisrio formado por
pessoas designadas por ele decretou uma nova organizao para
desenvolver os procedimentos para uma rpida eleio presidencial,
supostamen-te para permitir que o primeiro-ministro de longa data
de Ben Ali,
Mohamed Ghannouchi, se tornasse o novo chefe do executivo.
Na sequncia, no entanto, um protesto forte e pacfico da
socieda-
de civil do lado de fora do escritrio do primeiro-ministro e
pedidos
de participao integral na tomada de decises pelos grupos
forte-mente unidos e emergentes da sociedade poltica mudaram o rumo
dos acontecimentos. Constituir-se-ia uma nova entidade composta
no apenas pelos apoiadores de Ben Ali, mas tambm por
represen-
tantes de todos os partidos e pela sociedade civil. Conhecida,
em ge-ral, como Comisso Ben Achour em homenagem a seu presidente, o
advogado Yadh Ben Achour , esta tornou-se um dos mais eficazes
rgos de formao de consenso na histria das transies democr-ticas
elaboradas. Ela contrasta especialmente com a situao do vizinho
Egito, onde o ditador Hosni Mubarak caiu logo aps Ben Ali, mas foi
substitudo no por um rgo civil aberto, mas pelo Conse-lho Supremo
das Foras Armadas (CSFA), que possui a tendncia de
tentar gerenciar mudanas polticas fundamentais por meio de
comu-nicados unilaterais (at agora, mais de 150 comunicados desse
tipo
foram emitidos).
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Alfred Stepan 41
Em novembro de 2011, conversei longamente com o prprio Ben
Achour, dois de seus consultores jurdicos (que no possuem
parti-cipao nos votos) e vrios membros de comisses de partidos
pol-
ticos, bem como da sociedade civil. Tambm recebi cpias de
diver-
sos documentos-chave votados pela Comisso. Seguem os
principais
pontos exaustivamente discutidos e as decises tomadas por
eles:
1. Os membros da Comisso reconheceram que muitas mu-danas foram
importantes para a melhoria da situao da Tun-sia e para a
consolidao da democracia. Entretanto, eles ado-taram uma viso de
processo em primeiro lugar e, como um rgo, concordaram em se
concentrar apenas em decises in-dispensveis para a criao de um
governo democrtico capaz de implementar reformas com legitimidade e
com consenso pblico. Decises-chave, portanto, envolviam questes
como regras de votao e garantias de liberdade eleitoral e
justia.
2. A Comisso decidiu que a primeira votao popular a ser
re-alizada seria para eleger membros para uma assembleia
consti-tuinte. Como o nome sugere, a tarefa central desse rgo seria
esboar uma nova constituio para aprovao dos eleitores,
estabelecendo um sistema presidencial, semi-presidencial ou
parlamentar. Essa deciso de deferir a deciso era impor-tante, pois
um rumo alternativo, como uma eleio direta an-tecipada de um
presidente, ofereceria menos incentivos para a formao de partidos,
uma vez que personalidades nacionais proeminentes se preparavam
para concorrer como candidatos apartidrios presidncia (como ocorreu
no Egito), e teria dado a quem quer que fosse eleito presidente
amplos poderes para formular a ainda inacabada constituio.
3. A Comisso concordou que a Assembleia Constituinte, como um
rgo eleito com legitimidade, deveria ser investida de poderes como
um parlamento, no sentido de selecionar um governo responsvel por
ela e estar sujeita (como nas transies ocorridas na ndia e na
Espanha) a seu voto de desconfiana.
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42 Journal of Democracy em Portugus
4. A Comisso concordou que o sistema eleitoral seria ba-seado em
representao proporcional (RP) pura. A deciso foi corretamente
compreendida como contendo cruciais implica-es antimajotrias e a
favor da democracia e da formao de coalizes. Caso tivesse sido
escolhido um sistema de elei-es por maioria simples de votos, ao
estilo Westminster de o vencedor leva tudo, o Ennadha teria
conseguido quase nove de cada dez assentos, ao invs dos pouco mais
de quatro que conseguiu com a RP.
5. Para ajudar a garantir a forte participao das mulheres no
pro-cesso de criao da constituio, ficou acordada a busca pela
pa-ridade homem-mulher entre os candidatos, estabelecendo-se que,
na lista de candidatos, ter-se-ia uma mulher a cada dois nomes4. De
acordo com todos os relatos, o primeiro partido a acatar tal
proviso de paridade de gnero foi o Ennadha, inspirado no Isl.
6. Para garantir que todos os partidos concorrentes confiassem
na validade dos resultados eleitorais, decidiu-se pela criao da
primeira comisso eleitoral independente da Tunsia e pelo convite a
diversos observadores eleitorais internacionais, ofe-recendo-lhes
amplas prerrogativas de superviso. No Egito, em contraste, o CSFA
barrou, a princpio, observadores inter-nacionais, alegando que eles
estariam violando a soberania do pas. Porm, o CSFA acabou
permitindo a entrada de acom-panhadores de eleies (autoridades
insistiram que eles no deveriam ser chamados de observadores) em
menor nmero e com prerrogativas mais fracas do que na Tunsia.
7. Sobre o que fazer em relao ao partido oficial de Ben Ali, a
Comisso decidiu impedir o partido e alguns de seus prin-cipais
lderes de se candidatar primeira eleio. No entanto, para no excluir
a participao de um grande grupo de cida-dos nas primeiras eleies
livres, a Assembleia declarou que antigos membros ou apoiadores do
partido de Ben Ali esta-riam livres para formar novos partidos.
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Alfred Stepan 43
Em 11 de abril de 2011, aproximadamente 155 membros da Co-
misso Ben Achour votaram esse pacote de medidas para a criao de
uma transio democrtica. Dois membros desistiram e outros dois se
abstiveram, mas todos os outros votaram a favor do pacote. Foi
estabelecida a base formal de uma transio para a democracia,
preparando os fundamentos para a eleio de outubro de 2011.
Comparao com o Egito
A literatura acadmica sobre transies democrticas geralmente
distingue as tarefas de resistncia na sociedade civil que ajudam a
desconstruir o autoritarismo e as tarefas da sociedade poltica que
ajudam a construir a democracia. Dentre as funes implcitas da
sociedade poltica est a construo de acordos entre lderes da oposio
sobre planos para um governo provisrio e sobre eleies capazes de
gerar autoridades com legitimidade democrtica para estabelecer uma
constituio. Quando realizar tais eleies e quais regras aplicar so
geralmente as principais questes que lderes ps--autoritarismo devem
resolver.
Para mim, as sociedades civis da Tunsia e do Egito
desenvol-veram alguns dos mais criativos e eficazes movimentos de
resistn-
cia cvica da histria das batalhas pela democratizao. Entretanto,
quando da produo deste texto em maro de 2012, o Egito havia feito
muito pouco no sentido de criar uma sociedade poltica eficaz,
enquanto a Tunsia tinha dado grandes passos a fim de dotar-se
de
uma sociedade poltica relativamente autnoma, democrtica e
efi-
caz. Grande parte das principais conquistas da Tunsia em relao a
isso pode ser creditada a lderes islmicos e seculares que tm
traba-lhado para superar seus medos e desconfianas mtuas por meio
de
acordos e garantias crveis na sociedade poltica. No processo,
eles comearam a construir (ou reconstruir) um tipo de acordo
religio-
-Estado-sociedade compatvel com a mtua tolerncia, que, por
muitos anos, ficou abafada pelo agressivo secularismo de cima
para
baixo dos autocratas modernizadores.
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44 Journal of Democracy em Portugus
Com base nas experincias contrastantes do Egito e da Tunsia, eu
sugiro que, em pases com fortes tendncias ao conflito
religioso,
melhor ser se os principais partidos seculares e religiosos
aceitarem o quanto antes a mtua tolerncia. Na prtica, isso
significa que
partidos com razes religiosas devem se abster de pregar
orientaes especiais, baseadas no acesso ao divino, a fim de exercer
uma au-
toridade capaz de anular ou substituir leis humanas. Isso
significa tambm que partidos seculares no devem negar o direito de
cida-
dos influenciados pela religio de articular seus valores
democrati-
camente na sociedade civil e poltica.
Uma segunda lio que, da perspectiva da democratizao, o
ponto crtico a se estudar no so as foras militares, mas sim o
car-ter das relaes civis-militares. Quanto menos propensos
estiverem
os civis a renunciar a favor dos soldados de seu direito de
governar em uma troca ao estilo 18 Brumrio por proteo militar
contra ameaas percebidas de rivais de classe ou sectaristas
recentemente dotados de poder pela democracia , maiores so as
chances de uma transio democrtica bem sucedida, no limitada pela
influncia ou
privilgios excessivos nas mos dos militares5.
A terceira lio que, quanto mais os atores polticos entrarem
em um acordo consensual acerca das regras da competio
democr-tica por meio de negociaes entre si, melhor.
No ano passado, a Tunsia parecia estar prestando ateno a todas
essas lies, enquanto o Egito parecia estar fazendo o oposto. Isso
pode explicar em grande parte por que a Tunsia cumpriu todos os
quatro requisitos clssicos para uma transio democrtica antes do fim
de 2011, enquanto o Egito no atendeu a nenhum deles6.
Essa afirmao no procura negar que foram desencadeados me-
dos profundos e tentaes brumarianas na Tunsia. Em maro de 2011,
quando entrevistei jornalistas e alguns dos mais importantes
secularistas em Tnis, descobri que muitos estavam assustados pela
ideia de eleies livres e pela esperada influncia dos islamitas.
De
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Alfred Stepan 45
fato, alguns dos entrevistados estavam como seus pares no Egito
jogando com a ideia de trocar um potencial governo democrtico civil
pela segurana que um rgo autoritrio como o exrcito supos-
tamente oferece. No entanto, em um ms, o desejo de bater s
portas dos quartis se no o medo por trs dessa vontade comeou a
recuar na Tunsia. Por qu?
Em 1997, entrevistei em Londres e em Oxford o lder exilado do
Ennahda, Rachid Ghannouchi. Em maro de 2011, aps Ghan-nouchi
retornar a Tnis, nos encontramos novamente imediata-mente aps
minhas entrevistas com os trs principais representan-tes da
Irmandade Muulmana (IM) no Egito. Eu logo perguntei
a Ghannouchi sua opinio sobre a ainda no repudiada base da
plataforma de 2007 da Irmandade Egpcia segundo a qual nenhu-
ma mulher ou cristo poderia ser um presidente aceitvel do
Egi-to. Ele no hesitou: Democracia significa igualdade de todos
os
cidados. Essa plataforma exclui 60% de todos os cidados e
inaceitvel7. Ele se intitula um defensor da igualdade absoluta
entre homens e mulheres8.
Ghannouchi afirmou haver fechado acordos (o que foi
confirmado
por diversas entrevistas e documentos) com muitos partidos
polticos
logo em 2003, prometendo que o Ennahda no tentaria reverter o
c-digo de famlia. Tambm discutimos o proposto Conselho da
Sharia,
que aparece na plataforma de 2007 da IM do Egito como um
frum
para reviso das decises parlamentares a fim de garantir a
confor-
midade delas com a lei islmica. Ghannouchi deixou claro que
en-xergava isso como uma invaso injustificada da autoridade
religiosa
na esfera da autoridade poltica constituda democraticamente uma
violao da mtua tolerncia. Ele insistiu que nem ele nem seu parti-do
apoiariam tal rgo.
Em maio, reencontrei Ghannouchi. Dessa vez, tambm participou
de nossa conversa Hamadi Jebali, que servia como secretrio-geral
e
que, mais tarde, seria eleito primeiro-ministro pela Assembleia
Cons-
tituinte. Quando perguntei se o Ennahda se considerava mais
perto
-
46 Journal of Democracy em Portugus
da IM egpcia ou do Partido da Justia e Desenvolvimento (AKP)
da
Turquia, Jebali respondeu:
Somos muito mais prximos do AKP do que da Irmandade Muul-
mana. Somos um partido cvico que emana da realidade da Tunsia, e
no um partido religioso. Um partido religioso acredita ter
legiti-midade no das pessoas, mas de Deus. Um partido religioso
acredita ser dono da verdade e que, portanto, ningum pode se opor a
ele.
Ghannouchi concordou, e acrescentou que o objetivo era tornar a
Tunsia um Estado cvico, no um Estado religioso9. Durante a
cam-panha, Ghannouchi e Jebali continuaram tentando acalmar temores
em relao ao fundamentalismo islmico. Muitos secularistas, se no a
maioria, no se convenceram disso, mas pelo menos o Ennahda no teve
uma plataforma (como a da IM do Egito) claramente hostil m-
tua tolerncia e aberta a denncias secularistas.
Ao contrrio do Egito, onde militares permaneceram na presidn-cia
desde que os Oficiais Livres tomaram o poder em 22 de julho de
1952, a Tunsia nunca teve um homem-militar forte. O
presidente
fundador, Habib Bourguiba e, mais tarde, Ben Ali deliberadamente
mantiveram o exrcito reduzido, e preferiram governar por meio
de
uma polcia dispersa e odiada e recorrendo tambm a servios de
inteligncia que ofuscavam o minsculo exrcito. No entanto, um
soldado snior, o General Rachid Ammar, desempenhou um
papel--chave ao enfrentar a polcia e expulsar Ben Ali do pas.
Poderia ter
havido um movimento para convenc-lo de alguma forma a
assumir
a presidncia, mas no houve. Em menos de um ms da partida de Ben
Ali, civis da sociedade poltica exigiram e receberam
respon-sabilidades para estabelecer as regras-chave necessrias para
assegu-
rar o sucesso da transio democrtica.
Um Passado til
Se necessrio compreender o xito das deliberaes da Comis-
so Ben Achour para compreender o xito das eleies de outubro,
-
Alfred Stepan 47
a compreenso dos dois fenmenos em conjunto exige uma viso
ainda mais ampla, a qual abrange eventos ocorridos h uma
dcada,
em junho de 2003. Na Frana, naquele ms, representantes de
qua-tro dos principais partidos extra-regime da Tunsia (Ennahda,
CPR,
Ettakatol e PDP os quais tm assento na Assembleia
Constituinte)
se reuniram para negociar e assinar um Chamado de Tnis10. Esse
documento aprovou os dois princpios fundamentais da mtua
tole-rncia: 1) qualquer governo futuramente eleito teria de ser
basea-
do na soberania do povo como nica fonte de legitimidade; e 2)
o
Estado, ao mostrar respeito pela identidade do povo e seus
valores rabes-muulmanos, ofereceria a garantia da liberdade de
todas as
crenas a todos e a neutralizao poltica de templos de adorao. O
Ennahda aceitou ambos os acordos fundamentais. O Chamado exigiu
tambm total igualdade entre homens e mulheres.
A partir de 2005, esses quatro partidos polticos, juntamente
com
representantes de partidos menores, se reuniram para reafirmar e
at
mesmo aprofundar seu compromisso com os princpios do Chama-do.
Produzido por eles, o documento A Coalizo de 18 de Outu-bro pelos
Direitos e Liberdades na Tunsia enfatizou que, aps um dilogo de trs
meses entre lderes dos partidos, foram construdos consensos sobre
diversos temas crticos. Todos os partidos, inclusive o Ennadha,
apoiaram o liberal cdigo de famlia existente11. Alm disso, afirmava
o documento, qualquer Estado democrtico futuro
teria de ser um Estado cvico [...] baseando sua legitimidade na
vontade do povo, pois a prtica poltica uma disciplina humana
[sem] qualquer forma de santidade. Por fim, o manifesto
afirmava
que no pode haver compulso na religio. Isso inclui o direito de
adotar, ou no, uma religio ou doutrina12.
Na construo do futuro, geralmente til olhar para o passado.
H provas histricas de que a Tunsia estaria se tornando o que
po-demos chamar de compatvel com a mtua tolerncia j no sculo
XIX (e at antes disso, se pesquisarmos razes culturais de
tolerncia
e abertura nas eras Otomana e medieval). Recentemente,
democratas
-
48 Journal of Democracy em Portugus
tunisianos evocaram de modo explcito tal legado para explicar
seu ponto de vista e esperanas para o pas.
Importantes aspectos do legado cultural da Tunsia so de fato
compatveis com a mtua tolerncia. A Tunsia tem uma tradio
educacional e intelectual que combina elementos seculares e
espi-rituais relevantes. Alm disso, a Tunsia do sculo XIX
desempe-
nhou um papel pioneiro na construo de estruturas constitucionais
e de Estado que eram religiosamente neutras e que promoviam os
direitos, alm de ter acolhido pensadores islmicos que defendiam
uma interpretao do Isl baseada nos direitos, principalmente na
rea de direitos da mulher.
Talvez a figura icnica na histria cultural da Tunsia seja Ibn
Khaldun (13321406), um autor nativo do pas, visto por muitos
como o pensador que fundou as reas de sociologia, historiografia
e
economia devido a seus mtodos racionais e sistemticos de
estudar
imprios e culturas e compar-los uns aos outros. Hoje, sua
esttua
a nica que adorna a grande praa situada ao longo da Avenida
Habib Bourguiba, o centro da vida pblica, social e
gastronmica
da capital da Tunsia. Mas o que fez de Ibn Khaldun um grande
pensador, acadmico e heri da cultura tunisiana? Muitos analistas
no mencionam seu apreo pela contemplao religiosa por si s e tambm
como uma forma de apoiar o pensamento racional. De fato,
muitos afirmam que a forma de pensar de Khaldun tinha pouco a
ver
com o Isl. Eles tendem a ignorar sua grande ateno intelectual e
espiritual no apenas anlise racional, mas tambm ao estudo do
sufismo, de santos e do misticismo.
Entre os aspectos mais importantes da histria cultural da
Tunsia, esto as ligaes do pas ao antigo reino muulmano da Andaluzia
no sul da Espanha e ao Imprio Otomano, do qual a Tunsia foi uma
regio autnoma de facto de 1580 at a imposio do Protetorado
Francs em 188113. Ibn Khaldun, descendente de uma famlia anda-luz,
enfatiza em seu monumental Muquaddimah que, em sua poca, Tnis havia
se tornado o principal destino para emigrantes muulma-
-
Alfred Stepan 49
nos e judeus. Ele estimava que a maior parte dos habitantes da
Tnis do sculo XIII compreendia famlias da Andaluzia que emigraram
do
Levante Espanhol14. Esses emigrantes muulmanos e judeus
trou-xeram da Espanha vasta experincia de governo e administrao em
cargos de alto nvel, o que os possibilitou deter altos cargos
durante sculos na Dinastia Hafsid (12291574)15.
Algumas das mais prestigiosas instituies da Tunsia eram
reli-giosas, enquanto outras eram seculares. A Universidade da
Mesquita de Zeitouna, baseada no islamismo, foi fundada em Tnis em
737,
dois sculos antes da fundao da Universidade Al-Azhar, no
Cairo.
A Faculdade Sadiki foi fundada como uma instituio secular em
1875, tendo rapidamente se tornado a faculdade mais prestigiosa
e
competitiva da Tunsia. Sadiki era conhecida pela diversidade
reli-giosa de seus estudantes: no fim da dcada de 1950, cerca de
um
tero de seus quase quatro mil alunos eram judeus tunisianos.
Uma parte importante do passado relevante da Tunsia ao qual
gostam de fazer aluso ativistas democrticos tanto seculares, quanto
religiosos a metade do sculo XIX, uma poca que testemunhou
uma importante reforma constitucional e passos rumo construo de
um Estado religiosamente neutro.
O alto nvel de autonomia de facto que a Tunsia e o Egito
goza-vam como provncias do decadente Imprio Otomano permitiu
que
ambos principalmente a Tunsia se tornassem as regies mais
li-berais e defensoras dos direitos no mundo rabe. Em 1846, dois
anos
antes de a Frana abolir a escravido em suas colnias, a Tunsia
o
fez por meio de uma campanha de presso e argumentos motivada por
grupos religiosos e seculares. A abolio foi indita no mundo
muulmano, tendo ocorrido 19 anos antes do que nos Estados
Uni-
dos (1865), 42 anos antes do que no Brasil (1888) e 116 anos
antes
do que na Arbia Saudita (1962)16.
Em 1861, a Tunsia adotou a primeira constituio escrita da
histria rabe. O cientista social francs Jean-Pierre Filiu, que
mo-
-
50 Journal of Democracy em Portugus
rou quatro anos na Tunsia, defende em um livro escrito
recente-mente que essa constituio santificou um poder politico
distinto
da religio: o Isl raramente era mencionado, apenas para
enfatizar que seu texto no contradizia seus princpios, e nem era
explcito que o Bey [o governante] deveria ser muulmano17. Os
artigos 86 a 104 da Constituio de 1861, escritos sob a influncia do
estadista
e terico poltico Khayr al-Din (que mais tarde serviu
brevemente
como gro-vizir do Imprio Otomano), declaravam que todos no
reino, independentemente de sua religio, tinha(m) o(s)
direito(s)
de serem julgados por tribunais que inclussem seus
correligion-rios, de gozar de total segurana fsica e de praticar
qualquer forma de comrcio. Filiu observa que essa lei bsica foi
precedida por
um Pacto de Paz Social, o qual enfatizava o interesse pblico, a
igualdade perante a lei e a liberdade religiosa18.
O Pacto e a constituio nunca entraram completamente em vi-gor,
mas ao menos introduziram no discurso tunisiano a ideia de que
povos de todas as religies deveriam gozar dos mesmos direitos. Como
observa Albert Hourani:
[Essa experincia da Tunsia] em governo constitucional [...]
deixou sua marca: ela ajudou a criar uma nova conscincia poltica em
Tnis e a dar visibilidade a um grupo de estadistas, representantes
e escrito-res que defendiam a reforma [...] at serem dispersos pela
ocupao
francesa em 1881. Esse grupo teve duas origens: uma foi a
[Univer-sidade] da Mesquita de Zaytuna, onde se fez sentir a
influncia de
Shaykh Muhammad Qabadu, um professor que defendia a reforma; a
outra foi a nova Faculdade de Cincias Militares19.
Zeitouna e Sadiki, juntamente com a nova Faculdade de Cin-cias
Militares, originaram os principais pensadores polticos que
defendiam, do ponto de vista islmico, a expanso dos direitos,
inclusive os direitos da mulher. O trabalho mais importante nesse
sentido foi escrito por Tahar Haddad (18991935), que, em 1924,
foi o co-fundador do maior sindicato livre da Tunsia. Haddad
de-
fendeu em sua obra Notre femme dans la Lgislation Musulmane
et
-
Alfred Stepan 51
dans la Socit que a leitura correta do Alcoro levaria igualda-de
da mulher. A capa desse livro, publicado pela primeira vez em 1930,
mostra, no primeiro plano, uma mulher parada e totalmente
coberta por um vu, e, atrs dela, uma jovem de cabelos
encaraco-
lados, jogadora de basquete, em traje esportivo20. Haddad se
base-ava no trabalho de Khayr al-Din, que, segundo Nathan
J.Brown,
lana um argumento poderoso para uma poltica constitucionalis-ta,
e aplica o constitucionalismo no apenas prtica europeia, mas tambm
tradio islmica21. No Chamado de Tnis, de 2003, que mostrou que
opositores seculares e islmicos estavam prontos para cooperar,
al-Din e Haddad so elogiados como defensores do
constitucionalismo e dos direitos da mulher.
Portanto, sem seguir um caminho rumo ao humanismo exclu-sivo ou
ao lacit severo e avesso religio, a Tunsia, durante a independncia,
em 1956, era um pas onde o pensamento e as
percepes racionais e religiosas tinham espao na discusso p-blica
em um ambiente relativamente compatvel com a mtua to-lerncia. O que
aconteceu na independncia para prejudicar esse processo por um
tempo?
As Dcadas Perdidas, 1956-2011
Como lder do movimento de independncia, Bourguiba recor-reu aos
sentimentos muulmanos. Como presidente, ele seguiu uma poltica
severa de modernizao conduzida pelo Estado ao estilo francs e
turco, acompanhada de rigorosas denncias da chamada crena
religiosa22. Ele fechou a Universidade de Zeitouna, apesar de seu
amplo currculo, e a substituiu pela secular Universidade de Tnis,
inspirada na tradio francesa. Como parte de seu agressivo programa
de reforma agrria, ele nacionalizou o pious trusts (na prtica,
fundaes fundirias cujas rendas pagaram a construo de mesquitas e
alguns programas sociais muulmanos). Ele reduziu o
estudo de religio em escolas pblicas para uma hora semanal e
exi-giu que os professores fossem capazes de ensinar em francs e
rabe
-
52 Journal of Democracy em Portugus
(a grande maioria dos ims sabia apenas o ltimo). Escolas
privadas
voltadas ao Alcoro praticamente desapareceram23.
Ao mesmo tempo que muitos religiosos saram perdendo com
Bourguiba, muitos secularistas saram ganhando, principalmente as
mulheres, que no apenas passaram a gozar de maior proteo sob o novo
cdigo de famlia de Bourguiba, como comearam a se matri-cular em
grande nmero em cursos de educao superior.
Em seus 31 anos no poder, Bourguiba nunca permitiu uma eleio
livre. Parte da razo de seu distrito eleitoral urbano de classe
mdia,
entre mulheres e homens, no ter exigido eleies foi o fato de,
im-plicitamente, estar posta a questo: Depois de mim, o qu?. Todos
sabiam que suas reformas modernizadoras e secularizadoras haviam
sido impostas pelo poder do Estado de ignorar as apreenses dos
mu-ulmanos tradicionais. O que aconteceria em eleies livres e qual
seria o destino das mudanas promovidas por Bourguiba?
Em 1987, Ben Ali expulsou Bourguiba do poder por meio de um
golpe de mdicos (alegava-se que Bourguiba sofria de demn-
cia), ao que se seguiu um breve alvio. Os principais
dissidentes
voltaram do exlio, e eleies legislativas um pouco mais
competi-tivas foram realizadas em 1989. No contexto da Revoluo
Irania-
na de 1979, do crescimento da Frente Islmica de Salvao na
vi-
zinha Arglia, da revolta contida entre muulmanos tunisianos
por
sua excluso da poltica e da emergncia de Rachid Ghannouchi
graduado em Zeitouna e Sadiki, como lder de um grupo polti-co, o
Ennahda, que poderia mobilizar essa oposio, muulmanos mais
agressivos desafiaram Ben Ali. O Ennahda no foi legalizado
e, portanto, no poderia competir como partido, mas ele nomeava
candidatos independentes.
Em uma eleio que certamente no foi justa, at mesmo repre-
sentantes do governo de Ben Ali reconheceram que os candidatos
do Ennahda receberam 15% dos votos totais do pas (e 30% na regio
me-
tropolitana de Tnis). Em um ambiente polarizado, duas pessoas
mor-
-
Alfred Stepan 53
reram em exploses. Ainda no se sabe quem foram os responsveis
por elas, mas Ben Ali acusou o Ennahda. De acordo com estimativas
de um grupo de direitos humanos tunisiano, da Anistia Internacional
e do Ennahda, nos anos seguintes pelo menos vinte mil membros do
Ennahda foram julgados por subverso e presos, e cerca de dez mil
foram exilados, muitos aps passar pela Arglia, como Ghannouchi24 .
O degelo das amarras polticas virara gelo.
A nova polarizao ajudou Ben Ali a prolongar seu domnio
auto-ritrio por mais duas dcadas. Ao aviso de Bourguiba de que os
isla-
mitas reverteriam os ganhos do secularismo, Ben Ali com a ajuda
do espetculo da sangrenta guerra civil entre islmicos e o
exrcito
que se desenrolou ao longo da dcada de 1990 na vizinha
Arglia
trouxe tona o medo da violncia islmica, que, segundo ele, apenas
poderia ser evitada por ele prprio e seu regime25.
Porm, na Tunsia ps-Ben Ali, tal violncia no se materializou.
Na verdade, os partidos seculares do pas e os islamitas tm a
chan-ce de contribuir para o repertrio mundial de relaes
democrticas possveis entre religio, sociedade e Estado. Analistas
geralmente ig-noram a importncia da Tunsia, que ocultada pelo
vizinho Egito,
que possui maiores dimenses e estrategicamente mais
relevante.
Contudo, dado que a Tunsia , at agora, o nico pas rabe que
atendeu aos quatro requisitos de uma transio democrtica,
analis-tas e ativistas deveriam dar-lhe mais ateno, principalmente
devido
a seu exemplo de como atores seculares e religiosos podem
negociar novas regras e formar coalizes.
Ao considerar pases muulmanos, muitos analistas focam nos
fatores faltantes que julgam necessrios para a democracia nesses
pases. Muito do que consideram faltar, no entanto, baseia-se no
repertrio do que esses observadores acreditam, com razo ou no,
ter existido nesse ou naquele pas ocidental quando se tornou
demo-crtico. Uma abordagem melhor e mais criativa pode ser analisar
aes e acontecimentos deliberados ou fortuitos que promovam o
surgimento de prticas compatveis com a mtua tolerncia. E
-
54 Journal of Democracy em Portugus
importante estar ciente de que tais prticas no pressupem a
neces-sidade de um humanismo exclusivo e de um secularismo
agressivo para triunfar, ou de menor participao religiosa, ou de
uma variante do mundo muulmano da Reforma Protestante (e suas
consequentes guerras religiosas?) para se revelar, ou de
autoritrios uniformizados
que imponham o secularismo como na Turquia Kemalista.
Durante cerca de um sculo antes da independncia em 1956,
a Tunsia mostrou sinais de estar caminhando rumo ao modelo da
mtua tolerncia, o que foi arruinado pelo autocrata moderniza-dor
Bourguiba ao impor o secularismo autoritrio. Pior que isso: ele
criou um distrito eleitoral objetivamente pr-autoritrio de
secularis-
tas assustados, o qual serviu como fonte de apoio para seu
governo e tambm para o de seu sucessor.
O mais surpreendente que, j em 2003, ativistas de oposio
tanto seculares, quanto religiosos estavam entrando em acordo
sobre um programa em comum para o primeiro dia aps Ben Ali. De
certa forma, eles se basearam em seus passados comuns para
construir um futuro democrtico. Com secularistas concordando que
islamitas poderiam participar da poltica democrtica e islami-tas
concordando que a soberania popular a nica fonte de legiti-
midade, a Tunsia, surpreendentemente, mostrou-se bem
preparada
para realizar uma transio democrtica quando a oportunidade de
faz-lo apresentou-se.
NOTAS
1. Alfred Stepan, Multiple Secularisms of Modern Democratic and
Non--Democratic Regimes, em Craig Calhoun, Mark Juergensmeyer, e
Jonathan VanAntwerpen, eds., Rethinking Secularism (New York:
Oxford University Press, 2011), 11444.
John Rawls chegou ao ponto de afirmar que, em nome da construo
da sobre-posio de consensos, argumentos religiosos deveriam ser
retirados da agenda de discusso pblica. Consulte sua obra Political
Liberalism (New York: Columbia Uni-versity Press, 1993), 15154.
Charles Taylor, em seu livro A Secular Age (Cambrid-ge: Harvard
University Press, 2007), explicou os processos complexos que
levaram o mundo do Atlntico Norte a acatar a ideia de que um
humanismo exclusivo, prati-
-
Alfred Stepan 55
camente livre de religio, a nica base sobre a qual polticas
pblicas podem ser de-senvolvidas e defendidas. Veja especificamente
as pginas 1921, 2628, 642, e 674.
2. Consulte Alfred Stepan, The Worlds Religious Systems and
Democracy: Crafting the Twin Tolerations, em Arguing Comparative
Politics (Oxford: Oxford University Press, 2001), 21353. Uma verso
mais breve e com menos comentrios desse artigo foi publicada sob o
ttulo Religion, Democracy, and the Twin Tolera-tions, Journal of
Democracy 11 (outubro de 2000): 3757.
3. Juan J. Linz e Alfred Stepan, Problems of Democratic
Transition and Conso-lidation: Southern Europe, South America, and
Post-Communist Europe (Baltimore: Johns Hopkins University Press,
1996), 1.
4. O resultado real das eleies infelizmente no gerou a paridade
esperada. Embora 50% dos candidatos de todos os partidos tenham
sido mulheres, a maioria deles (com a exceo notvel do Ennahda) no
colocou o nome de nenhuma mulher em primeiro lugar. Em diversos
distritos eleitorais, apenas um candidato do partido ganhou, e
portanto muito mais homens do que mulheres ganharam assentos. No
entanto, cerca de um quarto dos membros da Assembleia Constituinte
so mulheres.
5. Meu uso do termo Dezoito Brumrio que ficou famoso com a obra
de Karl Marx de 1852 O 18 Brumrio de Luis Bonaparte uma referencia
data do calendrio da Revoluo Francesa (9 de novembro de 1799),
quando Napoleo deu um golpe no Diretrio, estabelecendo-se ditador
militar. As tenses entre distintas faces revolucionrias levaram
algumas delas a entrar em acordo com Napoleo (na esperana de us-lo
para seus prprios interesses), dando abertura para que ele ganhasse
o poder.
6. Por motivos de espao, esse artigo foca na Tunsia, mas
apresento provas substanciais acerca de minhas afirmaes sobre o
Egito no artigo The Recurrent Temptation to Abdicate to the
Military in Egypt, datado de 13 de janeiro de 2012, disponvel em
http://blog.freedomhouse.org/weblog/2012/01/
two-perspectives-on--egypts-transition.html.
7. Entrevista do autor com Rachid Ghannouchi, Tunes, 26 de maro
de 2011.
8. Desde cerca de 1980, Ghannouchi (nascido em 1941) tem
enfatizado a neces-sidade de maior igualdade entre homens e
mulheres no Isl. Veja Azzam S. Tamimi, Rachid Ghannouchi: A
Democrat Within Islamism (Oxford: Oxford University Press,
2001).
9. Entrevista do autor com Rachid Ghannouchi e Hamadi Jebali,
Tunes, 30 de maio de 2011.
10. Recebi uma cpia do Appel de Tunis de 17 juin 2003, com os
nomes dos signatrios e suas afiliaes, de vrios daqueles que
participaram das reunies onde foi produzido. Uma verso em francs
est disponvel em www.cprtunisie.net/spip.php?article30. Entre os
participantes esto os atuais presidentes do CPR, do Ettaka-tol e do
PDP. Os dois principais lderes do Ennahda foram, respectivamente,
preso e incapaz de obter um visto francs, portanto o movimento
islmico foi representado pelo chefe de sua Central Poltica.
-
56 Journal of Democracy em Portugus
11. O cdigo de famlia da Tunsia, amplamente reconhecido por ser
o cdigo mais progressista do mundo rabe, foi decretado pelo
Presidente Habib Bourguiba em 1956. Ele abole a poligamia; exige
acordo mtuo antes do casamento; permite que mulheres entrem com
pedidos de divrcio e tenham direito igual diviso de bens aps o
divrcio; probe maridos de acabar com o casamento de forma
uni-lateral; e estabelece uma idade mnima para meninas poderem
casar. Em 1966, o governo de Bourguiba lanou um programa de
planejamento familiar que incluiu a distribuio de plulas
anticoncepcionais e aborto permitido por lei.
12. Recebi uma cpia desse documento em 11 de novembro de 2011,
durante uma visita sede em Tnis do partido mais secular da atual
coalizo, o Ettakatol, doado por um de seus organizadores, Zied
Dooulotli. O documento foi traduzido do rabe para o ingls por
Mostofa Henfy.
13. Como exemplo, veja Maria Rose Menocal, The Ornament of the
World: How Muslims, Jews, and Christians Created a Culture of
Tolerance in Medieval Spain (New York: Little, Brown, 2002). Sobre
a tolerncia religiosa no Imprio Otomano, veja Karen Barkey, An
Empire of Difference: The Ottomans in Comparative Pers-pective
(Cambridge: Cambridge University Press, 2008).
14. Para essa estimativa de Khaldun, veja John D. Latham,
Towards a Study of Andalusian Immigration and Its Place in Tunisian
History, Les Cahiers de Tunisie (1957): 20352.
15. Para consultar os nomes de funcionrios judeus que ocupavam
altos cargos do governo e quais eram os cargos que detinham na
Tunsia, veja Latham, Towards a Study of Andalusian Immigration,
21620.
16. Sobre motivos religiosos e seculares por trs da abolio
antecipada na Tunsia, veja Roger Botte, Esclavages et abolitions en
terres dIslam (Brussels: Andr Versaille, 2010), 5992.
17. Veja Jean-Pierre Filiu, The Arab Revolution: Ten Lessons
from the Democra-tic Uprising (London: C. Hurst, 2011), 142.
18. Filiu, Arab Revolution.
19. Albert Hourani, Arabic Thought in the Liberal Age: 17981939
(New York: Cambridge University Press, 1983), 65.
20. Para ver uma foto da capa, consulte Penses de Tahar Haddad
(Tunis: Snipe, 1993), 38. J em 1904, o influente Xeique Thaalibi
defendeu em The Liberal Spirit of the Koran que uma leitura
verdadeira do Alcoro levaria a reformas polticas e sociais
ultrapassadas.
21. Nathan J. Brown, Constitutions in a Nonconstitutional World:
Arab Basic Laws and the Prospects for Accountable Government
(Albany: State University of New York Press, 2002), 19.
22. Esse e outros discursos so citados em Mark A. Tessler,
Political Chan-ge and the Religious Revival in Tunisia, Maghreb
Review 5 (janeiro-fevereiro de
-
Alfred Stepan 57
1980): 819. Veja tambm Lotfi Hajji, Bourguiba et llslam: Le
politique et le reli-gieux, trans. Shiem Bouzgarou Ben Ghachem
(Tunes: Sud Editions, 2011).
23. Tessler, Political Change and the Religious Revival in
Tunisia, 10.
24. Entrevista do autor com Samir Ben Amor, advogado de defesa e
secretrio geral da Associao de ex-prisioneiros, Tnis, 29 de maio de
2011. Veja tambm Anistia Internacional, Tunisia: Prolonged
Incommunicado Detention and Torture, maro de 1992, MDE
30/004/1992.
25. Esse duplo medo orquestrado pelo regime beneficiou Ben Ali.
Um relato dizia: Muitos democratas seculares foram cmplices a
contragosto do autoritarismo de Ben Ali [...] [considerando isso] o
menor entre dois males. Christopher Alexander, Tunisia: Stability
and Reform in the Modern Maghreb (London: Routledge, 2010), 66.
-
Plataforma Democrtica (www.plataformademocratica.org) uma
iniciativa da Fundao iFHC e do Centro Edelstein de Pesquisas
Sociais dedicada a fortalecer a cultura e as instituies democrticas
na Amrica Latina, atravs da produo de conhecimento e do debate
pluralista de ideias sobre as transformaes da sociedade e da
poltica na regio e no mundo.
Oferece uma infraestrutura virtual com um banco de dados e uma
biblioteca on-line que facilita o acesso a instituies de pesquisa
que trabalham temas relacionados democracia na Amrica Latina e sua
produo intelectual. Por sua vez, desenvolve pesquisas em reas-chave
para a consolidao da democracia na regio, que poste-riormente so
discutidas com intelectuais pblicos latino-americanos e
transformadas em textos amplamente difundidos. Conjuntamente com 21
centros de pesquisas associados, localizados em 11 pases da Amrica
Latina, realiza fruns para promover o dilogo entre os produtores de
conhecimento e os diferentes atores sociais e polticos.
As principais reas de trabalho da Plataforma Democrtica so:
Transformaes Geopolticas Globais e instituies democrticas:
http://www.plataformademocratica.org/Portugues/
PublicacoesAmericaLatina.aspx
http://www.plataformademocratica.org/Portugues/
PublicacoesBrasilAmericaSul.aspx
Meios de comunicao e Democracia:
http://www.plataformademocratica.org/Portugues/PublicacoesPlataforma.
aspx#MediosComunicacion
http://www.plataformademocratica.org/Arquivos/Poder_politico_e_meios.pdf
Sociedade civil e democracia:
http://www.plataformademocratica.org/Arquivos/Usos_abusos_e_
desafios_da_sociedade_civil_na_America_Latina.pdf
Biblioteca virtual:
http://www.plataformademocratica.org/Portugues/BuscaPublicacoes.aspx
Journal of Democracy em Portugus Volume 1, Nmero 2, Outubro de
2012 2012 National Endowment for Democracy and The Johns Hopkins
University Press