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048cadernosihu - Empatia em Edith Stein

Oct 05, 2015

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Fabiano de Lima

Empatia em Edith Stein
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  • A Empatia em Edith Stein

    Empathy according to Edith Stein

    Renaldo Elesbo de AlmeidaISTA

    Resumo

    Nossa pesquisa sobre a empatia como condio constitutiva da pessoa humana em Edith Stein tem por objetivo afirmar o ser humano enquanto pessoa capaz de vivenciar a intersubjetividade no reconhecimento do outro como substrato da formao humana. Para esse escopo, faremos uma anlise fenomenolgica da relao fundamental vivida no encontro entre indivduos que se reconhecem como semelhantes e que apreendem e compreendem as experincias alheias. Em seguida, iniciaremos nos perguntando como a empatia constituda e como se desenvolve, sobre o conhecimento da experincia alheia e se vivemos a mesma experincia originria da apreenso do alter ego. Apresentaremos a empatia como compreenso de pessoas espirituais enquanto sujeito que se constitui pessoa prpria. Torna-se possvel, desse modo, o respeito dignidade peculiar do outro como constituio mtua entre as pessoas humanas. Usaremos, portanto, a primeira obra filosfica de Stein, Zum Problem der Einfuhlung (Sobre o problema da empatia), como base para nossa pesquisa, bem como outras obras da autora e comentadores que tratam da empatia em conformidade com a viso de Stein.

    Palavras-chave: empatia, intersubjetividade, pessoa humana.

    Abstract

    Our research on empathy as a constitutive condition of the human person in Edith Stein, aims to affirm the human being as a person able to experience intersubjectivity in recognition of the other as a substrate of human formation. To this scope will make a phenomenological analysis of the fundamental relationship experienced in the encounter between individuals who recognize how similar and that perceive and understand the experiences of others. Then we started asking us how empathy is constituted and how it develops and the knowledge of the experience of others and live the same original experience of the seizure of the alter ego. And present empathy as understanding of spiritual people as individuals who constitutes himself. It is thus possible to regard the peculiar dignity of the other as mutual constitution of human persons. Therefore, we use the first philosophical work of Stein, Zum Problem der Einfuhlung (On the problem of empathy), based on our research as also other works of the author and commentators dealing empathy in accordance with the vision of Stein.

    Keywords: empathy, intersubjectivity, human person.

  • A Empatia em Edith Stein

    Renaldo Elesbo de AlmeidaInstituto So Toms de Aquino

    Belo Horizonte MG

  • Cadernos IHU uma publicao mensal impressa e digital do Instituto Humanitas Unisinos IHU, apresenta artigos que abordam temas con-cernentes tica, sociedade sustentvel, trabalho, mulheres e novos sujeitos scio-culturais, teologia pblica, que correspondem s reas de trabalho do Instituto. Divulga artigos provenientes de pesquisas produzidas por professores, pesquisadores e alunos de ps-graduao, assim como trabalhos de concluso de cursos de graduao. Seguindo a herana dos Cadernos CEDOPE, esse peridico publica artigos com maior espao de laudas, permitindo assim aos autores mais espao para a exposio de suas teorias.

    UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS UNISINOSReitor: Marcelo Fernandes de Aquino, SJ

    Vice-reitor: Jos Ivo Follmann, SJ

    INSTITUTO HUMANITAS UNISINOSDiretor: Incio Neutzling, SJ

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    www.ihu.unisinos.br

    Cadernos IHUAno XII N 48 2014ISSN 1806-003X (impresso)Editor: Prof. Dr. Incio Neutzling UnisinosConselho editorial: MS Caio Fernando Flores Coelho; Profa. Dra. Cleusa Maria Andreatta; Prof. MS Gilberto Antnio Faggion; Prof. MS Lucas Henri-que da Luz; MS Marcia Rosane Junges; Profa. Dra. Marilene Maia; Dra. Susana Rocca.Conselho cientfico: Prof. Dr. Agemir Bavaresco, PUCRS, doutor em Filosofia; Profa. Dra. Aitziber Mugarra, Universidade Deusto, Espanha, doutora em Cincias Econmicas e Empresariais; Prof. Dr. Andr Filipe Z. Azevedo, Unisinos, doutor em Economia; Prof. Dr. Castor M. M. B. Ruiz, Unisinos, doutor em Filosofia; Prof. Dr. Celso Cndido de Azambuja, Unisinos, doutor em Psicologia; Dr. Daniel Naras Vega, OIT, Itlia, doutor em Cincias Polticas; Prof. Dr. Edi-son Gastaldo, Unisinos, ps-doutor em Multimeios; Profa. Dra. lida Hennington, Fiocruz, doutora em Sade Coletiva; Prof. Dr. Jaime Jos Zitkosky, UFRGS, doutor em Educao; Prof. Dr. Jos Ivo Follmann, Unisinos, doutor em Sociologia; Prof. Dr. Jos Luiz Braga, Unisinos, doutor em Cincias da Informao e da Comunicao; Prof. Dr. Werner Altmann, doutor em Histria Econmica.Responsvel tcnico: MS Caio Fernando Flores Coelho.Reviso: Carla BigliardiArte da capa: tomasinhache (www.solilente.wordpress.com)Editorao eletrnica: Rafael Tarcsio ForneckImpresso: Impressos Porto

    Cadernos IHU / Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Instituto Humanitas Unisinos. [Ano 1, n. 1 (2003)]- . So Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2003- .v. Irregular, 2003-2012 ; Mensal, 2013-.Fuso de: Cadernos CEDOPE : srie cooperativismo e desenvolvimento rural e urbano; com Cadernos CEDOPE : srie populao e famlia;

    com Cadernos CEDOPE : srie movimentos sociais e cultura; e, Cadernos CEDOPE : srie religies e sociedade.Publicado tambm on-line: .Descrio baseada em: [Ano 1, n. 1 (2003)] ; ltima edio consultada: Ano 12, n. 46 (2014). ISSN 1806-003X1.Sociologia. 2.Religio. 3.Trabalho. I.Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Instituto Humanitas Unisinos.

    CDU 316 2

    331

    Bibliotecria responsvel: Carla Maria Goulart de Moraes CRB 10/1252

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    ISSN 1806-003X (impresso)

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  • Sumrio

    Introduo ............................................................................................................................. 4

    1. A fenomenologia da empatia: o mtodo .................................................................. 71.1 A reduo eidtica ..................................................................................................................... 91.2 A reduo transcendental ........................................................................................................ 131.3 O ato da percepo ................................................................................................................... 141.4 O ato da reflexo ....................................................................................................................... 15

    2. O que empatia? ............................................................................................................ 202.1 O conhecimento da experincia alheia .................................................................................. 242.2 As experincias originrias e no originrias ........................................................................ 28

    3. A empatia como compreenso de pessoas espirituais ........................................ 343.1 O sujeito espiritual .................................................................................................................... 403.2 Relevncia da empatia para a constituio da pessoa prpria ............................................ 45

    Consideraes Finais ......................................................................................................... 53

    Referncias Bibliogrficas ................................................................................................ 56

  • 4

    Introduo

    O prximo no aquele que eu amo. todo ser que passa perto de mim.

    Edith Stein

    O ser humano na sua constituio enquanto pessoa espiritual, livre e vive per-meado de vivncias pessoais e interpessoais. Essa relao de fundamental importncia no que tange totalidade da pessoa humana. O homem sendo pessoa no um ser iso-lado das outras pessoas, nem totalmente preso s determinaes da natureza, pois possui a possibilidade de transcendncia para a sua constituio pessoal. Os intercmbios de vivncias podem favorecer, desse modo, a harmonia entre os sujeitos que, por serem vistos como tais, surgem e conferem dignidade e respeito ante o outro e a comunidade. Edith Stein percebe a necessidade de analisar os atos da pessoa numa tentativa de des-crever a gnese das vivncias que o homem vive nas suas experincias intersubjetivas. A abordagem do ser humano num clima positivista das cincias que o concebia como objeto experimental , para Stein, de suma importncia. Ela v na empatia a possibilidade de evidenciar a dimenso espiritual da pessoa humana sem descartar a vida psicofsica do indivduo circundado de outros indivduos e coisas. Nesse sentido, a autora acreditara contribuir, com sua tese de doutorado Zum Problem der Einfuhlung (Sobre o problema da empatia), para uma clarificao na pergunta antropolgica to cara existncia humana, a saber: que o homem?

    A modernidade1 descobriu e exaltou a subjetividade, mas desconheceu a neces-sidade do eu de sair ao encontro do alter ego gerando uma espcie de solipsismo, isto , o eu isolado. O outro, desse modo, aparece, mas permanece ausente, pois o egosmo insipiente transcendncia. Para Stein, somente se pode compreender o homem se o for considerado em unidade entre o reino natural e espiritual. Stein analisa o conceito de liberdade quando aborda o sujeito entre as vivncias no fluxo da conscincia enquanto

    1 Cf. ABBAGNANO, Nicola. Dicionrio de filosofia. 4 ed. So Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 679.

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    indivduo aberto ao outro na empatia. A sada de si mesmo no coisifica nem o mescla de um no eu, mas antes implica uma ntida distino entre os sujeitos, ou seja, pode colabo-rar na aquisio e correo de valores e na confirmao do sujeito na sua individualidade, formando um eu puro (conceito que ser trabalhado adiante) capaz de vivenciar-se como totalidade de sentido. Assim sendo, a pessoa pode apontar para fora, captar e transformar o mundo dos objetos e das pessoas, encontrando o sentido da relao que a objetivao compreensiva da vivncia de reconhecimento mtuo.

    Trata-se, de fato, de uma vivncia sui generis que est na gnese dos outros atos que Stein analisa no quotidiano, como a alegria e a dor. Desse modo, a empatia, enquanto vivncia que reconhece a experincia alheia, possibilita descrever as condies constitu-tivas da pessoa humana? Edith Stein quer, em princpio, evidenciar o que significa tomar conhecimento da experincia alheia na vida hodierna. , por certo, uma descrio feno-menolgica das vivncias, como os sujeitos humanos se reconhecem como semelhantes.

    A implicao dessa investigao pormenorizada e peculiar, por ela realizada, da pes-soa humana, de notvel magnitude na valorizao e compreenso das vivncias alheias na constituio da pessoa prpria e da sua dignidade universal enquanto sujeito espiritual. Concebida, assim, Stein se aproxima da complexidade humana nas suas possibilidades e essas constataes o afirmam como ser nico e, por isso, se afasta da concepo vigente, em seu tempo, da coisificao da esfera espiritual do homem.

    Envolvidos nesse pensamento, podemos analisar, atualmente, o homem a partir da pesquisa steiniana a fim de suscitar uma possvel convivncia tica, numa base universal que une os sujeitos e os formam nas suas relaes empticas, ou seja, com respectivos eus em vivncias partilhadas. Em vista disso, o trabalho ser realizado por meio de pesquisa bibliogrfica da fonte bsica da obra de Edith Stein: Sobre el problema de la empata (Sobre o problema da empatia). No havendo, pois, disponvel uma traduo para o portugus dessa obra, faremos a traduo do espanhol. Usaremos, ainda, outros escritos da autora, e de comentadores, como Angela Ales Bello, Moiss Rocha Farias, Katia Gardnia da Silva Coelho e Juvenal Savian Filho, que tratam da empatia.

    Nessa perspectiva, o presente trabalho ficou com o seguinte tema: A empatia como condio constitutiva da pessoa humana. A exposio abordar trs captulos. No primeiro cap-tulo, trataremos do mtodo fenomenolgico como instrumento na descrio das anlises das vivncias, que ser dividido em dois momentos: a reduo eidtica, isto quer dizer ir ao fundo do fato com a finalidade da estrutura factual, a essncia; e a reduo transcendental. Nesse segundo passo, o eu entra em suspenso ante os prejuzos. Verificaremos, nesse momento, a percepo e a reflexo na esfera intencional do sujeito que nota algo. Este mtodo foi criado por Edmund Husserl como via segura de investigao das vivncias. Apresentaremos, tambm, a posio filosfica de Edith Stein sobre o mtodo.

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    No segundo captulo, trabalharemos o conceito de empatia na viso da autora. Esta anlise no uma viso psicolgica, mas filosfica fundada nas apreenses prprias de sujeitos espirituais. Nesse momento, procuraremos evidenciar a empatia como conhe-cimento da experincia alheia, o que significa captar a vivncia alheia e em que consiste essa apreenso, ou seja, na distino entre experincia originria e no originria. Aqui se funda a peculiaridade do alter ego como semelhante ao eu no seu dar-se emptico. Essa anlise da constituio do ser humano encarada em sua totalidade, isto , o indivduo na intersubjetividade mediado pela vivncia objetivada que faz o eu experienciar empa-ticamente a experincia do outro. Implica, assim, uma formao mtua entre os homens constituindo-os como pessoas espirituais.

    No terceiro captulo, desenvolveremos o cerne do trabalho com a anlise da pessoa humana enquanto sujeito espiritual e livre na intersubjetividade e a importncia da em-patia na constituio da pessoa prpria. Isso implica dizer que o propsito da empatia formar o homem enquanto pessoa no nvel espiritual, cuja finalidade a coparticipao entre os sujeitos e em sua totalidade como pessoa prpria gerando comunidade, ou seja, indivduos com sua atividade espiritual, dotados de sentido, fazem a vida comunitria. Ser apresentado, ainda, o sujeito em sua tripartio corpo-alma-esprito no ato emptico lhe conferindo individualidade. Desse modo, a alteridade contribui para formao do corpo prprio na captao e distino recproca entre os sujeitos. O outro no determina o eu, to-davia, pode despertar uma conscincia mais clara ante o mundo circunscrito. Stein afirma, nesse vis, que a conscincia como correlato do mundo dos objetos esprito.

    Esperamos na pertinncia da temtica trabalhada, com o intuito de uma contribui-o na necessidade de compreenso do ser humano. Stein constri sua tese sobre a empa-tia com desejo de compreender a estrutura da pessoa humana na sua peculiar experincia num aspecto antropolgico. Nessa tica, portanto, abordaremos os presentes captulos na pretenso de compreender o homem na sua dignidade e liberdade, j que, segundo Edith Stein, ser pessoa ser livre e espiritual e pleno de possibilidades, relacional em si mesmo enquanto subjetividade e com os outros na intersubjetividade. Nesta ltima, a empatia a vivncia aproximativa, enquanto pessoas espirituais, e formativa da pessoa humana em sua completude. Desejamos, em suma, que a leitura desse trabalho favorea a compreen-so da pessoa humana enquanto sujeito espiritual e motive ao aprofundamento do tema explicitado para uma conscincia desperta filosofia, na esfera antropolgica, a fim de contribuir para a formao da pessoa humana no mundo atual.

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    1 A fenomenologia da empatia: o mtodo

    Emergia, no contexto europeu na metade do sculo XIX, uma viso exata das cin-cias humanas, dando por mtodo a quantificao dos fatos. Tudo deveria ser verificvel e submetido a testes experimentais. Era o apogeu do Positivismo, cujo termo foi adotado por Augusto Comte2 para a sua filosofia. Este modo de proceder no admitia a metafsica, pois s a cincia correspondia ao conhecimento, j que poderia ser verificado, expresso pelas leis naturais, cuja nica realidade fsica possibilita o triunfo do cientificismo. Este reconhece a natureza material como nica explicao do mundo dos valores e do mundo dos fatos. Em consequncia disso, nascia a tendncia sempre crescente de coisificao do homem que o submetia a repeties de testes comportamentais.

    Nesse panorama, outra tendncia, a Psicologia apontava de forma redutiva na sim-plificao dos fatos humanos a meros impulsos psicofsicos, isto , a reduo das aes humanas a fenmenos em nvel de corpo e psique sem considerar a dimenso espiritual do homem enquanto ser aberto transcendncia. Necessitava, ento, de uma filosofia que considerasse a totalidade da pessoa humana. Contudo, a cincia vigente, com seu mtodo, no abarcava a complexidade do homem e do mundo circundado de vicissitudes.

    sabido que o pressuposto de alcanar uma meta um caminho. No entanto, no pode ser um caminho duvidoso nem falso. Deve ser evidente e claro. Da a necessidade de um mtodo eficiente que tenha como via a verdade. Este o escopo da compreenso do sentido das coisas mesmas. Edith Stein3, a exemplo de seu mestre Edmund Husserl,

    2 A. Comte (1789-1857) procurou acabar com o mundo incognoscvel para se dedicar s investigaes do mundo real. Por meio do a posteriori, ou seja, pela observao, estabelecer um mtodo universal para toda a vida humana, privada e pblica. Desse modo, doutrinava que era somente possvel conhecer os fenmenos e as suas relaes, abstendo-se da sua essncia, suas causas ntimas sejam eficientes ou finais. impossvel alcanar noes absolutas, afirmara. Toda sua obra uma tentativa de uma cincia capaz de redescobrir e reavaliar a exigncia humana, dando-lhe significado de valor universal. Cf. ABBAGNANO, Nicola. Dicionrio de filosofia. 2000, p. 776.

    3 Cf. STEIN, Edith. Ser finito y Ser eterno: Ensayo de una ascensin al sentido del ser. Fondo del cultura econmica, 1996, p. 9. Edith Stein nasceu em Breslau em 1891, numa famlia religiosa judaica. Foi judia fervorosa, filsofa, ateia, crist, carmelita e mrtir. Destas significativas experincias, a nica que abandonara foi a de ateia, pois sua converso ao cristianismo e sua consagrao religiosa no a fez parar

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    aderiu fenomenologia4, evidentemente, com afinco e originalidade, numa investigao sobre a constituio da pessoa em uma anlise dos atos dos sujeitos vivendo um mesmo contedo de maneiras diferentes. Com as redues, que sero desenvolvidas posterior-mente, as anlises fenomenolgicas5 abriro uma trilha sobre a estrutura vivencial da pes-soa enquanto capaz de vivncias espirituais.

    A fenomenologia se apresenta como ir s coisas mesmas6 e a partir delas encon-trar a verdade, destarte: O objetivo da fenomenologia a clarificao e, com ela, a fun-damentao ltima de todo conhecimento. Para chegar a este objetivo preciso excluir de sua considerao tudo o que de alguma maneira dubitvel, o que pode ser eliminado7. Este, portanto, um mtodo seguro. Seus passos a seguir nos mostraro a possibilidade de um conhecimento indubitvel e seguro ante o fenmeno homem e suas vivncias segundo o seu fundador. Os fatos so dados e devem ser elucidados autopresentao na esfera das essncias. Desse modo, eles precisam ser colocados sob um puro olhar, por meio da reduo fenomenolgica, que a reduo ideia. A anlise das estruturas ideais do fenmeno se passa pela pergunta pelo sentido dos fatos, a saber:

    Este o ponto muito importante: existem os fatos? Certamente, existem. Mas no nos interessa os fatos enquanto fatos, interessamo-nos pelo sentido deles. Por isso posso tambm colocar

    de produzir filosoficamente, nem deixar de amar sua ascendncia, agora pensa luz da filosofia crist, especialmente a de So Toms de Aquino (1225-1274). Sua vida foi, de fato, uma vida de profunda entrega que culminou no dia 9 de agosto de 1942, na cmara de gs em Auschwitz, na Polnia.

    4 [...] Mas a nica noo hoje viva de F. a anunciada por Husserl em Investigaes lgicas (1900-1901, II, pp.3 ss.), correlativa ao 3 significado de fenmeno e depois desenvolvida por ele mesmo nas obras seguintes. O prprio Husserl preocupou-se em eliminar a confuso entre psicologia e fenomenologia. Esclareceu que psicologia a cincia de dados de fato; os fenmenos que ela considera so acontecimentos reais que, juntamente com os sujeitos a que pertencem, inserem-se no mundo espao-temporal. A F. (que ele chama de pura ou transcendental) uma cincia de essncias (portanto, eidtica) e no de dados de fato, possibilitada apenas pela reduo eidtica, cuja tarefa expurgar os fenmenos psicolgicos de suas caractersticas reais ou empricas e lev-las para o plano da generalidade essencial. ABBAGNANO, Nicola. Dicionrio de filosofia. p. 438. Fenomenologia significa uma reflexo sistemtica do que aparece das coisas mesmas. Noutras palavras: estudo do fenmeno em si mesmo. Essa corrente filosfica nasceu na Alemanha no sculo XX por E. Husserl (1859-1938) e confere a ele o fundador da fenomenologia en-quanto mtodo de investigao filosfica, e como via, pode ser aplicado a vrias reas do conhecimento. O desejo de Husserl era construir um mtodo seguro e universal.

    5 Cf. STEIN, Edith. Sobre el problema de la empata. 2005, p. 65 das Obras Completas Volume II.6 Cf. STEIN, Edith. La estructura de la persona humana. La traduccin por Jos Mardomingo. Madri: Espiri-

    tualidade, 1998, p. 49.7 Objetivo de la fenomenologia es la clarificacin y, com ello, la fundamentacin ltima de todo conoci-

    miento. Para llegar a este objetivo excluye de su consideracin todo lo que es de alguma manera dubi-table, lo que puede ser eliminado. A partir daqui, todos os textos em espanhol sero traduo nossa. STEIN, Edith. Sobre el problema de la empata. p. 79.

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    entre parnteses a existncia dos fatos para compreender sua essncia. Esse um argumento para quem diz que importantes so os fatos. Certo, importantes so os fatos, mas o que so os fatos? este o ponto. E aqui toda uma polmica com outra corrente filosfica contempornea, a Husserl, o positivismo.8

    Nesse sentido, Stein analisa os atos da empatia como ato envolvido de um conhe-cimento da pessoa, numa viso antropolgica. Que o homem? Esta foi a indagao inquietante e, por conseguinte, sua paixo como filsofa, ou seja, amante do saber da estrutura ntica do homem. Assim, a perspectiva fenomenolgica concede a Stein um ca-rter de aprofundamento essncia vivencial alheia. As caractersticas da pessoa fornecem dados, neles mesmos, para a verdade. A experincia emptica contm, nela mesma, o eidos, a essncia dos atos.

    1.1 A reduo eidtica

    possvel compreender o sentido das coisas em si mesmas? Por meio do mtodo fenomenolgico que se apresenta como via de deixar mostrar-se, isto , do objeto autorre-velar-se e, por isso, a compreenso das coisas se d por elas mesmas. As essncias das coisas, assim, no so produzidas pela mente humana, mas o sentido captado pela conscincia. A intuio como um captar ao eidos, revestidos de fenmeno. Nesse direcionamento, o exemplo nos ajuda a entender:

    Faamos uma experincia semelhante s que Husserl prope: algum bate a mo sobre a mesa, identificamos logo que um som. Todos ns identificamos esse som. Como o fazemos? Imedia-tamente, intuitivamente. Escutamos qualquer coisa e dizemos um som. Sempre o fazemos assim, se no pudermos fazer por algum problema, mas no havendo problema, somos capa-zes de intuir, isto , colocar em perspectiva a essncia, o sentido da coisa.9

    8 BELLO, Angela Ales. Introduo fenomenologia. Trad. Ir. Jacinta Turolo Garcia e Miguel Mahfoud. Bauru, So Paulo: Edusc, 2006, p. 23. Com a reduo podemos empreender vrias palavras que indicam a essncia do fenmeno, como, por exemplo: no termo grego podemos usar eidos dos quais derivam eidtica, ideia, j a essncia procede do latim, podendo ser usado outro termo, como sentido. Alm do termo epoch, temos outros modos de significar a mesma atitude, que a suspenso do juzo ou colocar entre parnteses. A existncia aqui no negada, pois elas existem entre parnteses, o que est em questo a apreenso da ideia, ou seja, o mundo que est por trs do factual. O que o fenmeno? Eis a tarefa do caminho das redues. Este primeiro passo do mtodo, reduo essncia, contrape-se ao Positivismo que considerava, unicamente, o fato porque concreto e pode ser til na experimentao.

    9 BELLO, Angela Ales. Introduo fenomenologia. p 22-23.

  • 10

    Nesse perceber o som, algo fsico, nos indica uma conscincia intencional10 coisa mesma, isto , fenomenologia. O som em si mesmo diz conscincia o que ele pela in-tuio imediata. Agora, como saber que esse som que sinto verdadeiro? Por sua anlise. O ponto essencial dado, que o som. Depois desse dado, importante adentrar no seu sentido, a essncia dele. O fenmeno em si diz muito, pois, em sua apario, evidencia o objeto enquanto tal, mas o mtodo em questo tem por finalidade descrever a ideia mesma da coisa manifestada.

    Na descrio acima, fica claro que a fenomenologia a cincia das essncias. Stein, quando adere essa cincia na investigao da estrutura da pessoa, quer fundar seu conhe-cimento pela verdade dinmica do homem. A tendncia do mtodo filosfico Positivista era de simplificar o conhecimento pelos fatos. A pergunta pelo significado dos dados fundamental a uma compreenso justa dos atos empticos.

    A epoch, por conseguinte, que colocar entre parnteses o mundo e os fatos, no se trata de negar o mundo, mas de submet-lo veracidade. o incio do mtodo do juzo e tem a funo objetiva de descrever essncias de vivncias, numa contemplao desinte-ressada, isto quer dizer, desligar do estado natural ou psicolgico das coisas circundantes. O foco a ideao apodtica, e ainda:

    Sobretudo, no faz uso dos resultados de cincia alguma: isto , em si, compreensvel, porque uma cincia que quer ser a clarificao ltima de todo conhecimento cientfico no pode se apoiar, por sua vez, sobre uma cincia j fundamentada, mas deve se fundar em si mesma.11

    Por consequncia, emerge da uma investigao pura ante os atos. Pode-se duvidar de tudo, porm no da dvida. A vivncia da epoch porto seguro a uma base de susten-tao diante do objeto que se apresenta. Nesse sentido, o colocar entre parnteses no indica uma atitude ctica, mas uma dimenso do mtodo rumo ao sentido. Essa caracte-rstica vista como um primeiro passo, de suma importncia, pois usar pressupostos cien-tficos para poder conhecer o homem um processo invlido e positivista que o repousa numa estrutura acabada e no dinmica. E isso requer uma ateno especial s mudanas

    10 Toda conscincia, para a fenomenologia, intencional, e isto corresponde a um ato do eu que se dire-ciona a um objeto diferente dele ou presente no prprio sujeito enquanto representao de uma ideia e, ainda, qualquer coisa pensada ou refletida no eu. Nesse vis, a conscincia orientada a algo abre a possibilidade de sair de sua interioridade fechada a uma dimenso aberta constituio eidtica (a essn-cia) dos fenmenos extrnsecos e intrnsecos. Cf. BELLO, Angela Ales. Fenomenologia e Cincias Humanas: psicologia, histria e religio. Bauru, So Paulo: Edusc, 2004, p. 182.

    11 Ante todo, no hace uso de los resultados de ciencia alguma: esto es de suyo comprensible, porque una ciencia que quiere ser la clarificacin ltima de todo conocimiento cientfico no puede apoyarse a su vez sobre una ciencia ya fundamentada, sino que se debe fundar en s misma. STEIN, Edith. Sobre el problema de la empata. p. 79.

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    que sofrem a aes jamais repetidas. Encontrar a universalidade na particularidade a tarefa da reduo.

    Decerto, o fenmeno que circunda o homem e no homem o confere de vivncias nicas e intrasferveis. A percepo externa alheia, como expresso externa, se reveste de uma postura fenomnica. Esta porta ao sentido vivencial alheio com o fim de vivenciar uma percepo espiritual. Suspender o mundo suspender o juzo com suas vicissitudes. Contudo, no se trata de neg-las, mas submet-las veracidade fixa e universal. Entre-tanto, A fenomenologia da percepo no se conforma com descrio da percepo singular, mas quer indagar o que percepo em geral, segundo sua essncia, e obter deste conhecimento, do caso singular, a abstrao ideal12. A vivncia subjetiva, de fato, formada por duas dimenses: de intensidade, da qual no podemos ter acesso ao conhe-cimento, e a objetiva, ou seja, o contedo vivenciado, da qual temos acesso ao conheci-mento por ser universal.

    Nesse vis, a reduo tende a uma espcie de purificao e captao s essncias. A universalidade remete apodtica demonstrvel do objeto dado, o fenmeno revesti-do de contingncias necessitando de uma clarificao. O mtodo fenomenolgico tem como escopo ir s vivncias puras do sujeito. O eu vive, por meio da pessoa, cercado de experincias fenomnicas carregadas de sentido e, alm do eu com vivncias prprias, h, tambm, outros sujeitos com suas vivncias. O que isso quer dizer? Que o eu vive em meio a outros eus, sendo por eles influenciado. Entretanto, o eu livre e pode decidir seus atos. Trabalharemos melhor sobre o eu livre no terceiro captulo de nossa pesquisa.

    Ademais, a vivncia e a experincia, em si mesmas, no podem ser descritas fiel-mente. Com isso, a reduo remdio a falsos julgamentos e, ainda, juzos acabados. Entretanto, o caminho que se inicia a partir do gesto de suspenso fundamental no que tange pessoa, porque, sendo um ser dotado de um corpo e de uma psique, fica notvel uma individualidade plena de um eu que mais que uma coisa fsica, porm:

    Este no se d como corpo fsico, mas como corpo prprio sentindo que pertence a um eu, um eu que sente, pensa, padece, quer, e cujo corpo prprio no est meramente incorporado a meu mundo fenomenal, mas que o centro mesmo de orientao de semelhante mundo fenomenal: est frente a ele e inicia relao comigo.13

    12 La fenomenologa de la percepcin no se conforma con describir la percepcin singular, sino que quiere indagar lo que es percepcin em general, segn su esencia, y obtiene este conocimiento del caso singular em abstraccin ideante. STEIN, Edith, Sobre el problema de la empata. p. 80.

    13 ste no se da como cuerpo fsico, sino como cuerpo vivo sentiente al que pertenece un yo, un yo que siente, piensa, padece, quiere, cuyo cuerpo vivo no est meramente incorporado a mi mundo fenomena, sino que es el centro mismo de orientacin de semejante mundo fenomenal: est frente a l y entabla relacin conmigo. STEIN, Edith, Sobre el problema de la empata. p. 81. A partir daqui traduziremos a

  • 12

    O que significa um corpo prprio?14 Movimento. Algo assim ininterruptamente vi-vendo quer indicar um eu pleno de possibilidades. A pessoa, nesse conceber, rodeada de situaes externas que influenciam a vivncia. A suspenso do juzo de buscar responder o que a coisa, seu sentido fundamental. No que se refere ao ser humano, a comple-xidade mais ampla, cuja vida anmica corporal difere de todos os seres corpreos, ou seja, o corpo humano sustentado por um centro, cujo interior emana individualidade na sua vivncia, uma particularidade no totalmente dizvel e exprimvel. Por causa disso preciso a epoch a fim de captar o sentido.

    Segue da a pergunta: Posso apreender o sentido da coisa? Percebo vrios sons ao meu redor, dentre esses fenmenos, ouo um som. Inicio a busca do sentido do som e desperto a conscincia para excluir tudo o que no seja o som. A coisa fsica -me dada hic et nunc e na esfera ideal, isto , fisicamente aqui e agora e em eidos. Desse caminho feito, posso captar a sonoridade do sino manifestada. Por meio da reduo, analiso os traos dos sons e suspendo o barulho, excluo o contingente e fico com o necessrio, o som do sino.

    Nessa perspectiva, o processo da fenomenologia descobrir as essncias pela reduo eidtica. Esta consiste em observar o dado expressivo e ver dentro dele seu significado, pela descrio das essncias, partindo dos fenmenos observados. Nesse conceber, Stein diz que, Com efeito, no s o que se expressa em semblantes e gestos, mas o que se oculta atrs. Acaso vejo que algum pe um semblante triste, porm na verdade no est aflito15.

    No caso descrito acima, fica clara a importncia da reduo, pois h o risco de pre-julgamentos, caso se detenha na aparncia sem se perguntar pelo sentido. Isto s se pode conhecer adentrando alm da aparncia sensvel dada. As cincias positivas, no caso do Positivismo, tm a funo de descrever as aparncias dotadas de contingncia e deixar a ideia da coisa. As aparncias so mais fceis de ver, enquanto o sentido exige esforo, pois necessita apreender a ideia.

    expresso corpo vivo por corpo prprio, cujo significado peculiar autora. Ele corpo habitado por um eu consciente.

    14 Cf. STEIN, Edith. Sobre el problema de la empata. p. 81. Na nota de rodap encontramos o esclarecimento do termo alemo Leib ou corpo prprio, animado ou, ainda, vivente, que diferencia de Korper. Este corresponde a coisas materiais e a seres orgnicos enquanto corpos fsicos. Pelo corpo o homem se faz presente no mundo e ocupa o ponto zero, ou seja, somente ele pode estar ocupando um lugar como expressividade de convergncia pontual de comunicao de atos. Sua postura compreende seu modo de ser ante a natureza e o mundo biolgico, tudo numa esfera mundana de espao-tempo, por isso, o corpo prprio ponto de orientao.

    15 En efecto, no slo s lo que se expresa en semblantes y gestos, sino lo que se oculta detrs. Acaso veo que alguien um semblante triste, pero en verdade no est afligido. STEIN, Edith. Sobre el problema de la empata. p. 81-82.

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    H, ainda, vrios modos do dar-se nas relaes existentes, ou melhor, nas mani-festaes. Os atos que o sujeito vive no so todos iguais, nem so todos dizveis, nem desvelados totalmente nos traos expressivos, mas a fenomenologia na sua primeira etapa, a reduo eidtica, tem a funo de escavar e descrever os atos. Todavia, na etapa que segue deve ser clarificada para uma melhor compreenso, na nossa pesquisa, sobre o mtodo em questo. O eu tambm sobre reduo. Nesta nova etapa, seguimos com a seguinte pergunta: Por que a pessoa busca sentido?

    1.2 A reduo transcendental

    Do fato essncia. A reduo, agora, ao sujeito. Essa a segunda caracterstica primordial do mtodo fenomenolgico. Eu coloco entre parnteses o prprio eu. O eu, as-sim, deve libertar-se do apego de toda vivncia passada para no interferir nesse vivenciar. Isso no significa anular as experincias passadas. O meio dessa relao intersubjetiva, ou seja, relaes de subjetividades, precisa ser baseado na participao livre e consciente de uma experincia nica e irrepetvel. Os olhos do eu ao alter ego devem estar livres de pr- juzos. O sentido da coisa o que est em questo, no podendo ser aceito um sentido que no seja fruto de um mtodo rigoroso para salvaguardar a verdade do fenmeno, no relativo produo espontnea de sentido, mas encontrar o sentido em si mesmo.

    Para isso, faz-se mister analisar o sujeito humano como ponto de partida de todo conhecimento. Na fenomenologia, o mtodo de reduo de suma importncia. Pois, nesse percorrer a essncia, o eu deve estar cnscio de que sujeito refletindo sobre suas vivncias. Purificar a conscincia sumamente importante a uma evidenciao da coisa em si. O exemplo a seguir ajuda a entender essa estrutura do ser sujeito, a saber:

    Vemos, sobre a mesa, o copo que antes j estava l, podamos v-lo, mas no tnhamos presta-do ateno nele. Esta uma coisa interessante que apresenta dois nveis. Antes vamos o copo, mas no fazamos uma reflexo, talvez porque no estivssemos com sede. Agora, tenho sede e comeo a prestar ateno. [...] Porm, no momento em que tivemos uma experincia perceptiva do copo, ele estava tambm dentro de ns. De que modo estava dentro? Ns sabamos que o copo existia, portanto estar dentro significa saber que o copo existe. Enquanto estvamos viven-do o ato perceptivo (o ato de ver o copo), poderamos perguntar do que esse ato era formado. Sabemos que esse ato perceptivo era formado pelo ver o copo e tambm pelo copo, ali, diante dos olhos. Enquanto coisa fsica, enquanto visto, onde estava? Dentro. Temos a o ato de ver, e enquanto vivemos o ato, estamos vivendo o copo-visto dentro de ns.16

    16 BELLO, Angela, Ales. Introduo fenomenologia. p. 27.

  • 14

    O exemplo acima indica um sujeito com conscincia ante o fenmeno, contudo, a intencionalidade se apresenta a partir do momento da sede. Ver o copo passa a significar para o sujeito quando ele reflete sobre ele. A reflexo aqui tem funo essencial no pro-cesso cognoscitivo. A coisa cognoscvel atingida pelo ato gnosiolgico do eu. Este se dirige intencionalmente ao objeto e, com isso, d-se conta do copo dentro da conscincia. Mesmo sem fazer nele reflexo.

    Este ato, de ver o copo que est fora e dentro, a esfera da percepo como um ato de entrar na coisa e at t-la em si mesmo. Da se segue a reflexo do objeto que est dentro. O copo, assim, passa a ser objeto de reflexo. A coisa que vista e apreendida, co-mo exemplo: vejo uma caneta na minha mesa17 e preciso dela para escrever. Pego-a. Aqui temos dois atos, um ver e o outro tocar. A percepo da caneta me faz ter conscincia dela e ir, intencionalmente, at ela e peg-la. Enquanto toco, vivencio dentro de mim a caneta que intencionalmente desejo possuir. O ser humano possui essa magnfica estrutura de possibilidade de perceber e apreender o sentido das coisas.

    1.3 O ato da percepo

    O ato perceptivo o ato que d acesso ao sujeito na sua vivncia pessoal. Sua interioridade, dessa forma, passa a ser objeto de reflexo, formando assim outra vivn-cia reflexiva. Este ato concebe uma conscincia sabedora de algo capaz de entender e apreender o dado perceptivo no seu sentido eidtico.

    A anlise fenomenolgica do perceber supera o plano da percepo e atua no nvel de uma vi-vncia que a reflexo. Trata-se da vivncia da reflexo, diversa da percepo e importantssima para o ser humano. Podemos dizer tambm que refletir significa ter conscincia: nesse caso, a conscincia correspondente a um primeiro saber algo, no a uma reflexo sobre algo.18

    E, ainda, toda vivncia intencional tem duas dimenses: a subjetiva, do sujeito transcendental do ato de perceber, a nosis; e do objeto cognoscvel na conscincia, a coisa percebida, a noma19. O mundo fsico percebido: A percepo uma porta, uma forma de ingresso, uma passagem para entrar no sujeito, ou seja, para compreender como que o ser humano feito20. Ato de perceber a caneta sobre a mesa aqui e agora, isto , dentro do espao e do tempo em que estamos vivendo. A caneta aparece revestida de

    17 H um exemplo semelhante a este no livro Introduo fenomenologia de Angela Ales Bello. p. 28.18 BELLO, Angela Ales. Fenomenologia e Cincias Humanas: psicologia, histria e religio. p. 90.19 Cf. BELLO, Angela Ales. A Fenomenologia do ser humano: traos de uma filosofia no feminino. Trad.

    de Antonio Angonese. Bauru, So Paulo: Edusc, 2000, p. 44.20 BELLO, Angela Ales. Introduo fenomenologia. p. 30.

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    contingncias e, por isso, carece da pergunta: o que a caneta? E o que o sentido dela para o homem?

    Assim sendo, a dimenso que trata da ltima indagao remete conscincia, pois A conscincia uma luz interior que acompanha todos os atos21. A transladao dos atos perceptivos conscincia se desenvolve por meio da viso e do tato, no caso do exemplo da caneta sobre a mesa. A capacidade inerente ao homem de dar-se conta de algo prprio da conscincia. A intencionalidade parte do eu para algo. Nessa tica, o eu se abre intersubje-tividade de maneira intencional e consciente. Ver e tocar so atos e, ainda, perceber que ver e que toca so atos vivenciados pelo sujeito cognoscente. O registro feito da res sucedido pela conscincia que ilumina e acompanha todos os passos da vivncia. Nesse conceber:

    Conscincia, neste caso, no quer dizer que a cada momento ns temos que dizer agora esta-mos vendo, agora estamos tocando. Conscincia significa que, enquanto ns olhamos, nos da-mos conta de que estamos vendo, ou que enquanto tocamos nos damos conta de tocar. Depois podemos fazer uma reflexo sobre essa conscincia, como estamos fazendo agora.22

    1.4 Oatodareflexo

    Nesse processo de reduo transcendental, entramos em um novo ato, o ato refle-xivo. O que isso quer dizer? Num grau de conhecimento superior. A caneta percebida elevada at a conscincia: Assim, temos o primeiro nvel de conscincia que o nvel dos atos perceptivos, e um segundo nvel de conscincia que o nvel dos atos reflexivos23.

    S ao homem so reservadas essas vivncias. Ele um ser potencialmente dotado de capacidade de reflexo, isto , de dar-se conta do que est fazendo. Um ser que percebe e que percebe-se. Por exemplo, percebo que meu amigo percebeu a caneta caindo. Em ou-tras palavras: vejo a caneta caindo da mesa e vejo meu amigo vendo-a. H aqui dois atos: o de perceber a caneta e de perceber meu amigo percebendo. Tambm posso perceber a caneta caindo e perceber que estou percebendo.

    Da deriva a necessidade da reflexo ao homem como parte constitutiva da subje-tividade, junto a si mesmo. Isso implica uma fenomenologia encarregada de investigar o que a coisa que aparece segundo sua essncia. Pois, o mtodo filosfico, assim, procura ser fiel descrio eidtica. Sem dvida, a fenomenologia cincia da conscincia pura, e esta tende a procurar a estrutura ltima de cada vivncia. Assim:

    21 STEIN, apud BELLO. Introduo fenomenologia. p. 97.22 BELLO, Angela Ales. Introduo fenomenologia. p. 32-33.23 BELLO, Angela Ales. Introduo fenomenologia. p. 33.

  • 16

    Concebida numa perfeio ideal, a fenomenologia deve acolher em si os resultados de todas as ontologias, e por sua vez, elucidando em todas suas formas de relao existentes entre a cons-cincia e os objetos, deve resolver os problemas relativos teoria do conhecimento ou crtica da razo.24

    Isso que dizer que uma filosofia radicada em um mtodo seguro deve se fundamen-tar no na experincia nem na cincia experimental, mas, como Edith acredita, na absoluta certeza. Por isso, as investigaes filosficas devem iniciar seu caminho com instrumento seguro e indubitvel ante o que se mostra conscincia e penetrar nas suas estruturas de sentido ou em si mesmas, isto , em seu eidos ou sua essncia. Stein observa que:

    A percepo mais clara e distinta, em que uma coisa se apresenta palpavelmente diante dos nos-sos olhos, pode se mostrar como um sonho ou uma alucinao. Por conseguinte, se a filosofia deseja ser um mbito de conhecimento indubitvel, ento no s temos de descartar os resulta-dos das cincias particulares, mas tambm temos de pr entre parnteses tudo o que sabemos por experincia.25

    Se Stein no tivesse esse propsito claro e distinto ante sua pesquisa antropolgica, no poderia avanar ao fenmeno, reduzindo o homem coisa acabada em si mesmo. A citao feita acima uma crtica s cincias do seu tempo que usavam o experimento para conhecer o homem. O homem o nico ser estruturalmente revestido de corpo, alma e esprito e, por isso, dinmico na sua formao como pessoa. O ser pessoa se concretiza de forma unitria, numa relao harmoniosa, entre corpo, alma e esprito. Como identificar essas dimenses que, sendo diferentes, podem agir em conformidade? O exemplo a seguir nos ajuda a clarear essa ideia, a saber:

    Porque temos sede. Que tipo de ato a sede? um impulso. Ns sentimos alguma coisa inte-riormente, que nos impulsiona a pegar o copo e a beber [...]. Pode ser que algum prximo do mesmo copo dgua tenha o mesmo impulso de beber, mas no chega a pegar o copo sobre a mesa. Por qu? Existe um controle semelhante ao ato da reflexo ( justo no poder pegar). Podemos dizer que existe uma regra social ligada a um controle, trata-se de um ato que no o do ver ou o de tocar, nem o do impulso que mais se assemelha ao ato de refletir.26

    24 Concebida em una perfeccin ideal, la fenomenologa debe acoger en s los resultados de todas las ontologas, y a la vez, dilucidando en todas sus formas la relacin existente entre la conciencia y los ob-jetos, debe resolver los problemas relativos a la teora del conocimiento o a la crtica de la razn. STEIN, Edith. Introduccin a la filosofa: Los problemas de la subjetividade. Vol. II, 2005, p. 687.

    25 La percepcin ms clara y distinta, en la que una cosa se presenta palpablemente ante nuestros ojos, puede mostrarse como um sueo o una alucinacin. Por consiguiente, si la filosofa h de ser un mbito de conocimiento indubitable, entonces no slo hemos de descartar los resultados de las ciencias particu-lares, sino que adems hemos de poner entre parntesis todo lo que sabemos por experincia. STEIN, Edith. Introduccin a la filosofa. p. 681.

    26 BELLO, Angela Ales. Introduo fenomenologia. p. 33-34.

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    No que se refere ao dito acima, ficam claras as trs dimenses com caractersticas diversas: o impulso ao beber a gua da esfera psquica; o ato de controle da esfera espiritual, da reflexo. E a esfera corporal? a dimenso ligada objetivao dos atos posteriores. Ningum tem sede sem um aviso da necessidade corporal (a no ser que crie necessidades), e ningum consegue pegar intencionalmente num copo para beber gua se no usar o corpo como instrumento. O tato oferece a sensao do corpo, assim como os demais membros existentes. Pois, as coisas fsicas so conhecidas atravs da corporeidade. Esta a forma exteriorizada. As dimenses esto intimamente ligadas entre si:

    O esprito poderia viver sozinho? No, o esprito habita a base psquica e corprea. O corpo pode viver sozinho, sabemos de casos em que o elemento psquico e o elemento espiritual no so ativados, porm, o ser humano potencialmente tem essas trs caractersticas. Numa situao de coma, pensamos que no existem impulsos de carter psquico ou espiritual ativos, porm, nesses casos, procura-se fazer com que aquele ser humano torne a ser o que .27

    De fato, a pessoa unidade. Por isso, no processo gnosiolgico da intersubjetivida-de, o eu precisa identificar a diferena dos atos para uma clareza ante o alter ego. No exem-plo acima, a reflexo foi de suma importncia, pois possibilitou o controle do impulso de beber. Com isso, o ato de controle um ato social pelo qual todos podem viver como homens e no como animais. Avaliar, refletir, controlar e decidir so atos espirituais, cujo sujeito vivente pode exercer nas relaes intersubjetivas. O sujeito da vivncia que irradia a si mesmo:

    O denominamos Eu puro. No um fragmento do mundo real como o indivduo psquico, seno que se encontra contraposto ao mundo [...]. O que fica da vivncia, quando efetuada a reduo, o contedo encerrado na vivncia, independente de todas as condies reais e que se capta por si mesmo.28

    A investigao psicolgica29 est condicionada natureza, diz Edith Stein, por isso, ela no tem nada a ver com a vivncia pura porque a Psicologia trata acerca do indivduo psicofsico e suas funes psquicas. Assim, ela pode ser uma cincia experimental. A fenomenologia, afirma Stein, a cincia da conscincia pura, a qual no membro, mas

    27 BELLO, Angela Ales. Introduo fenomenologia. p. 41.28 Lo denominamos Yo puro. No es un fragmento del mundo real como el individuo psquico, sino que

    se halla contrapuesto al mundo [...]. Lo que queda de la vivencia, cuando se ha efectuado la reduccin, es el contenido encerrado em la vivencia, independiente de todas las condiciones reales y que se capta por s mismo. STEIN, Edith. Introduccin a la filosofa. p. 685.

    29 Cf. STEIN, Edith. Introduccin a la filosofa. p. 686. A psicologia se interessava pelas manifestaes psqui-cas e, para a autora, ela deve estar sob a epoch, ou seja, sobre parnteses. Evidentemente, no se trata de negar os impulsos psquicos, mas de uma livre vivncia do eu enquanto eu-em-si-mesmo.

  • 18

    sim correlato do mundo, ou seja, do material de vivncia que obtm no mundo emprico. Consiste, enfim, de um eu construtor de mundo espiritual extrado da natureza. Stein, assim, emancipa o eu como condio de conhecimento seguro, por meio da abertura a outrem ou s coisas, e o terreno no qual se pode obter conhecimento absoluto com pura e fiel descrio. Dessa maneira, o ego se torna Dasein (existente), ou um ser-a. sujeito envolvido com conscincia intencional interior e exterior. um sujeito existente.

    A reduo, portanto, tem a caracterstica de interromper o cogito para uma elucidao eidtica do correlato vivido. Isso significa uma passagem da epoch ao ego transcendental, ou seja, o eu colocado em suspenso enquanto eu entranhado no mundo natural, submetido tudo a certeza do cogito. Contudo, o mundo circundante manifesta-se cheio de sentido, cuja atividade constituidora da ideia funo do sujeito consciente. fundamental que:

    Temos bem presente que, de maneira geral e inevitvel, a cada nosis corresponde a um noma, mas concretamente: que cada percepo pertence necessariamente a uma coisa percebida; a todo querer, uma coisa querida; e, em termos totalmente gerais, que a conscincia se contrape necessariamente ao mundo, ento entenderemos que uma descrio essencial da conscincia somente pode efetuar-se, quando se realiza conjuntamente a descrio da estrutura do mundo, da constituio essencial de todas as classes de objetos.30

    Aqui temos a posio implcita, de uma diferenciao entre Husserl e Stein, da posio filosfica de Edith Stein31, de uma unidade ideal-realista32, ou melhor, de uma filosofia de correspondncia entre a ideia e o objeto. Essa era a posio escolstica de verdade. Adere esse critrio de verdade a fim de equilibrar os excessos do racionalismo

    30 Si tenemos bien presente que, de manera general e inevitable, a cada nosis le corresponde un no-ma, ms concretamente: que a cada percepcin le pertenece necesariamente una cosa percibida; a todo querer, una cosa querida; y, en trminos totalmente generales, que a la conciencia se le contrapone necesariamente un mundo, entonces entenderemos que una descripcin esencial de la conciencia sola-mente puede efectuarse, cuando se realice conjuntamente la descripcin de la estrutura del mundo, de la constitucin esencial de todas las clases de objetos. STEIN, Edith. Introduccin a la filosofa. p. 686-687.

    31 Husserl descreve a reduo como uma suspenso do juzo de existncia sobre a realidade e diz que ela deve realmente ser levada em conta para eliminar possveis preconceitos. Contudo, segundo Stein, de todo vlido e lgico que devo levar igualmente em considerao este eu que suspende o juzo. Dito de outra forma, no se pode separar o processo da epoch de quem o efetiva, no existe assim um processo de conhecimento com a ciso de algum que o faa. Isso no campo fenomenolgico tem uma con-sequncia lgica, que Edith Stein evidencia: considero o mundo e a minha pessoa como fenmenos, razo pela qual no possvel que sejam apagados ou colocados em dvida tanto eu como tampouco a prpria existncia. [...] Se v nos escritos steinianos um vivo interesse antropolgico, uma percepo da totalidade do ser humano e esta a base de todas as suas investigaes: a pessoa enquanto ser, em sua inteireza. FARIAS, Moiss Rocha. A empatia como condio de possibilidade para o agir tico. Dissertao de mestrado em filosofia. Universidade Estadual do Cear, Fortaleza, 2013, p. 24-26.

    32 Cf. BELLO, Angela Ales. A Fenomenologia do ser humano: traos de uma filosofia do feminino. p. 90.

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    e do empirismo e chega a dizer que a conscincia como correlato do mundo de objetos no natureza, mas esprito33. Nesse sentido, Se pode apreciar em Stein a concepo da adequao da escolstica: a verdade adaequatio intellectus ad rem, isto , a corres-pondncia do esprito com a coisa. Este aspecto da teoria do conhecimento corresponde ontologia34.

    Por conseguinte, no caso dos sujeitos nas relaes empticas, a conscincia tem papel fundante a uma frutuosa relao intersubjetiva. O mundo fenomnico se apresenta mascarado de sentido. Cabe pessoa captar seu eidos do fenmeno-mundo depois da epoch da posio do mundo. No caso da pessoa, todos os seus atos so objetos da fe-nomenologia. Penetrar na complexidade da pessoa humana s possvel por meio das vivncias dos atos prprios da estrutura entre os sujeitos. Ademais, estamos tratando de entender o que empatia, cuja vivncia possibilita conhecimento da pessoa alheia. Tendo, portanto, desenvolvido o mtodo fenomenolgico a partir de Edith Stein, abordaremos, ento, o problema da empatia. Como ela constituda e como se desenvolve.

    33 La conciencia como correlato del mundo de objetos no es naturaleza, sino espritu. STEIN, Edith. Sobre el problema de la empata: Nota introductoria. p. 66.

    34 Se puede apreciar en Edith la acepcin de la adaequatio de la escolstica: la verdad es adaequatio intellectus ad rem, Este aspecto de la teora del conocimiento corresponde a la ontologia. Extrado da nota de rodap de STEIN, Edith. Introduccin a la filosofa: Los problemas de la filosofa de la natu-raleza. p. 766.

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    2 O que empatia?

    Devemos agora investigar o que a empatia35 segundo sua essncia36. Podemos ana-lisar a vivncia emptica em conformidade com o mtodo fenomenolgico concebido por Edith Stein. de fundamental importncia, na compreenso da estrutura do homem, identificar seus atos como seu mostrar-se ante o mundo. de fato uma investigao por-menorizada da vivncia emptica na esfera da intersubjetividade.

    Empatia em sentido restrito participar da qualia dos atos alheios de um indiv-duo absoluto, ou seja, em esfera cerrada em si mesma, carter mondico, que entropatica-mente dar-se a outro eu por meio da vivncia que inicia a intersubjetividade, ou seja, a totalidade do ser-em-si-mesmo (subjetividade) em um-no-eu (intersubjetividade) por via da empatia37. A reduo fenomenolgica, assim, pode nos conduzir estrutura hu-

    35 A palavra alem utilizada por Husserl (Einfuhlung) composta por trs partes, o ncleo fuhl significa sentir. H na lngua grega uma palavra que poderia corresponder a fuhl (e a feeling, derivada da lngua latina): pathos, que significa sofrer e estar perto. A palavra empatia uma tentativa de traduo desse sentir em termos lingusticos espontneos do ser humano, para sentir o outro. Uma outra traduo po-deria ser entropatia. [...] Usamos entropatia para dizer que, imediatamente, captamos que estamos diante de seres viventes como ns. BELLO, Angela Ales. Introduo fenomenologia. p. 64-65.

    36 A investigao da essncia da empatia levada a cabo por Edith Stein no se limita descrio operada na Segunda Parte de sua tese doutoral, pois, na Terceira Parte, ao tratar da constituio do indivduo psicofsico, e na Quarta Parte, tratando das pessoas espirituais, Edith vai raiz dos atos e identifica um dinamismo emptico como condio de possibilidade de todos eles. No se trata de dizer que todos os atos reduzem-se empatia, mas de constatar um dinamismo de presentificao de carter emptico na raiz deles. FILHO, Juvenal Savian. Em torno da empatia segundo Edith Stein: pode-se empatizar a vivncia de algum que est dormindo? 2012, p. 12. Este artigo foi o resultado de uma questo colocada durante o I Congresso Internacional de Edith Stein na Faculdade Catlica de Fortaleza em 2011. A palestra da questo que motivou o artigo foi conduzida pelo Prof. Cristiano Barreira, e o artigo foi exposto por Ju-venal, na Conferncia de abertura do II Colquio Brasileiro de Estudos Fenomenolgicos em So Joo Del Rei, 18/09/2012.

    37 Cf. COELHO, Ktia Gardnia da Silva. A liberdade na relao indivduo e comunidade segundo Edith Stein. Dissertao de mestrado em Filosofia. Universidade Estadual do Cear, Fortaleza, 2012, p. 96. Eviden-temente, a empatia no a nica vivncia que possibilita o conhecimento da experincia da alteridade, contudo, a autora v na empatia o ato mais apodtico de verdade em relao ao reconhecimento de si mesmo ante o outro. Pois, no problema da empatia, Stein procura demonstrar a distino pela contra-

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    mana no seu mais profundo significado vivencial que, consequentemente, o significado sempre universal38.

    Nesse direcionamento, fica necessrio evidenciar39 o ato emptico na sua pecu-liaridade. Entramos, desse modo, na estrutura que confere o homem universalmente. A conscincia aqui se apresenta como algo de suma importncia ante o eidos emptico. Nesse sentido: Tomemos um exemplo para ilustrar a essncia do ato emptico. Um amigo vem at mim e me conta que perdeu seu irmo, e eu noto sua dor. Que este notar?40. Nessa descrio, podemos perceber um encontro entre duas pessoas com suas subjetividades e vivncias particulares. O relato da dor do amigo que chega e exprime sua vivncia vista fisicamente e apreendida empaticamente pelo eu que noto a dor. Esta vivncia tende a ver o outro como outro eu, como sujeito, e no como objeto. O eu diante do outro eu, na empatia, no diminui a dignidade, pelo contrrio, ratifica. Aqui, o sujeito mais sujeito e nunca objeto.

    A experincia de outrem pode ser vista fisicamente e idealmente41 atravs do ato emptico. Mas [...] a vivncia inquestionvel do objeto vivido pelo outro, presente na

    posio a outros atos da conscincia pura. Em outras palavras, isso significa que ela diz primeiro o que a empatia no , para dizer, apenas por contraposio, o que ela . Cf. FILHO, Juvenal Savian. Em torno da empatia segundo Edith Stein: pode-se empatizar a vivncia de algum que est dormindo? p. 2. Juvenal menciona aspectos analisados por Edith de distino que a empatia no imitao, no percepo in-terna, e no um ato de vontade. Assim, a investigao emptica, em questo, no por via psicolgica no sentido de transmisso de sentimentos, mas filosfica, ou seja, se trata de contedo ideal, cuja esfera no pode haver engano.

    38 Cf. STEIN, Edith. Sobre el problema de la empata. p. 164.39 Pois, o eu pertence a toda conscincia e, por isso, podemos verificar vivencialmente o objeto da vivn-

    cia universalmente na estrutura constitutiva da pessoa humana como uma possibilidade de abertura ao mundo externo. O eu mesmidade se direciona ao tu gerando o ns (relao), assim ratifica e clareia a si mesmo. A evidncia do ato emptico de notvel importncia a uma diferenciao do eu (empatizante) ante o alter ego (empatizado). Cf. FARIAS, Rocha Moiss. A empatia como condio de possibli-dade para o agir tico. p. 33-35.

    40 Tomemos un ejemplo para ilustrar la esencia de lacto emptico. Un amigo viene hacia m y me cuenta que ha perdido a su hermano, y yo noto su dolor, Qu es este notar? STEIN, Edith. Sobre el problema de la empata. p. 82. Para uma melhor compreenso do problema instigado, usaremos as palavras dor e alegria para designar a vivncia da empatia como apreenso universal. Como tambm a palavra objeto, que tem sentido aqui de contedo colhido ou captado da experincia alheia. Contudo, po-deramos usar outras vivncias, tais como: amor, dio, medo, coragem, etc. Pois, a vida anmica densa de possibilidade em relao vivncia.

    41 Em termos tcnicos, Edith explica que a percepo externa o ttulo que damos a atos em que o ser espaciotemporal tpico de uma coisa e o seu dar-se ocorrem em carne e osso e hic et nunc, aqui e agora. Na empatia, o objeto tambm se d hic et nunc, aqui e agora, mas no em carne e osso, isto , no com

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    palavra, mas anterior a ela muitas vezes independente dela42. O eu reconhece no alter ego, isto , outro ego semelhante, independente das expresses fsicas. Essa a estrutura univer-sal do homem: a possibilidade de vivncia do reconhecimento. Essa abertura ao outro na sua vivncia vista no dar-se, e, nesse revelar-se, posso apreender a dor do meu amigo na sua essncia enquanto tal, ou seja, a dor em si mesma. Posso tambm vivenciar o mesmo contedo conferindo significado (a dor) no ato especfico desse apreender imediato.

    O outro eu que vejo diante de mim e a apreenso da dor me fazem experienciar a conscincia alheia numa percepo interna. Devemos, pois, entender que empatia vai alm deste termo percepo interior. A empatia outra vivncia, a da apreenso do objeto percebido interiormente. A percepo externa pode ser meio de aproximao ao interior alheio, mas a vivncia da empatia no est condicionada, somente, vivncia per-ceptiva. A empatia tem carter imediato de um dar-se conta da essncia vivencial. Pode, mas no necessariamente, o eu captar a dor envolvido de percepo externa: Qui est sua cara plida e assustada, sua voz afnica e comprimida, qui tambm da expresso sua dor com palavras43. Nesse notar sensivelmente, por via perceptiva, verificamos por parte do eu cognoscvel um indivduo possuidor de capacidade retentiva das impresses sensveis da alteridade.

    A empatia, contudo, livre e, desse modo, no percepo externa, pois ela con-siste na vivncia da experincia interior alheia. Portanto, a empatia no tem o carter de percepo externa, porm certamente tem algo em comum com ela, a saber: que para ela existe o objeto mesmo aqui e agora44. O objeto em questo a dor, como exemplo, e essa dor universal enquanto contedo. A vivncia alheia objeto para mim com tendncias implcitas, isto , o sentido do ato me transfere para o interior alheio e recolho o contedo vivencial da dor. Nesse sentido precisamos clarear, indicando:

    Outra distino que devemos fazer entre a percepo interna e a empatia, pois, comumente, sua aproximao vivencial favorece um engano, igualando seus conceitos de maneira errnea. J vimos como se d a vivncia da percepo externa do outro, contudo tambm existe a percepo interna que Edith Stein achou por bem denominar intuio interna.45

    um ser espaciotemporal tpico de uma coisa, com seu dar-se tambm tpico. FILHO, Juvenal Savian. Em torno da empatia segundo Edith Stein: pode-se empatizar a vivncia de algum que est dormindo? p. 4.

    42 FILHO, Juvenal Savian. Em torno da empatia segundo Edith Stein: pode-se empatizar a vivncia de algum que est dormindo? p. 14.

    43 Quiz est su cara plida y asustada, su voz afnica y comprimida, quiz tambin da expresin a su dolor con palavras. STEIN, Edith. Sobre el problema de la empata. p. 82.

    44 Por tanto, la empata no tiene el carter de percepcin externa, pero desde luego que tiene algo en comn con ella, a saber: que para ella existe el objeto mismo aqu y ahora. STEIN, Edith. Sobre el proble-ma de la empata. p. 83.

    45 FARIAS, Moiss Rocha. A empatia como condio de possibilidade para o agir tico. p. 32.

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    A interioridade alheia se manifesta envolvida de sentido eidtico mesmo quando a pessoa reprime suas vivncias. Ela, atravs do fenmeno, se mostra como um todo numa sintonia estrutural, porque posso reprimir a minha vivncia de medo, por exemplo, mas o prprio medo se diz fenomenologicamente a mim. Controlar o medo j mostr-lo, pois o corpo como instrumento de objetivao interior fica rgido e desconexo com os mo-vimentos livres e, assim, revela o objeto vivencial como que preso interiormente. Nesse dar-se, a empatia favorece uma apreenso da interioridade alheia. A vida exterior e interior captada empaticamente:

    Desse modo verifica-se que a percepo interna uma sntese de atos que implicam na peculia-ridade individual vivenciada originariamente em traos particulares do carter que radicam em profundidades diferentes. Tal percepo capta a base das qualidades pessoais. A manifestao das vivncias que se atribuem pessoa permite reconhecer atravs da percepo interna e apre-ender o carter como um todo.46

    Para um melhor entendimento, Stein descreve trs modalidades de atuao da apre-enso emptica enquanto presentificao de vivncias. So graus que conferem processo a uma vivncia concreta, a saber: 1, a apario da vivncia; 2, a explicitao plena; 3, a objetivao compreensiva da vivncia explicitada47. O contedo da vivncia do alter ego ante o ego se relaciona fenomenologicamente numa evidenciao ideal, ou seja, o fenme-no do ato aparece, d-se explicitamente, e a vivncia torna-se objeto captado eideticamente ou compreensivamente. Nesse vis, a vivncia emptica se apresenta a mim em fenmeno denso de sentido e:

    No primeiro grau, a vivncia emerge diante de mim. No segundo, colho o sentido que essa vi-vncia me oferece, ou seja, colho o seu objeto (contedo). somente no terceiro grau que essa vivncia torna-se objeto para mim, por meio da clareza que me d a compreenso. Dada essa dinmica, no primeiro e terceiro graus a presentificao corresponde de modo no originrio percepo no originria, pois a vivncia emerge para mim e eu a tomo como objeto assim como quando percebo a mesma percepo de algum: no tenho sua percepo, mas percebo o mesmo que ele percebe e ainda percebo que ele percebe. No segundo grau, a presentificao corresponde de modo no originrio atuao da vivncia, pois se trata da vivncia do objeto da vivncia do outro, que no minha, embora eu a torne presente para mim.48

    No que se refere ao dito acima, podemos definir a empatia como coparticipao da vivncia alheia. A dor do meu amigo vivida por ele e por mim. Entretanto, o que

    46 COELHO, Ktia Gardnia da Silva. A liberdade na relao indivduo e comunidade segundo Edith Stein. p.42.47 1, la aparicin de la vivencia; 2, la explicitacin plenaria; 3, la objetivacin compreensiva de la viven-

    cia explicitada. STEIN, Edith. Sobre el problema de la empata. p. 87.48 FILHO, Juvenal Savian. Em torno da empatia segundo Edith Stein: pode-se empatizar a vivncia de algum

    que est dormindo? p. 6.

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    denominar vivncia emptica a apreenso da dor enquanto contedo, correspondente abertura universal, de possiblidade de uma convergncia nas conscincias humanas de identificar um semelhante com conscincia. Em outras palavras: o ego reconhece o outrem como um alter ego nas suas vivncias. Este ato do dar-se conta da conscincia alheia. Relaes intersubjetivas que comportam o conhecimento universal da experincia alheia. Devemos, portanto, evidenciar o conhecimento mesmo da apreenso do outro. Que co-nhecimento consiste nessa experincia?

    2.1 Oconhecimentodaexperinciaalheia

    Quando vejo um outro eu perante mim, o reconheo subitamente como um ser vivente com uma estrutura igual a minha, mas, evidentemente, com suas vivncias subje-tivas prprias que, por meio do ato notar, capto seu contedo vivencial numa adeso hic et nunc (aqui e agora) do vivido alheio, assim, [...] a expresso procede da vivncia e se ajusta ao material expressado49. Esse perceber idealmente no interior do semelhante vis-to concebido como um conhecimento imediato do objeto presentificado conscincia do eu empatizante.

    Com isso, podemos conhecer o contedo da experincia alheia50 na medida em que a vivncia entroptica nos revela a experincia subjetiva alheia favorecendo a intersubjeti-vidade numa relao de proximidade entre os sujeitos. Todavia, nesse ir ao outro, mesmo que na empatia seja um ato meditico, fica implicando uma abertura alheia: Para aproxi-mar-se da interioridade do alheio na medida necessria para os seus objetivos, ele deve ser capaz de abrir-se. No se pode tornar em objeto o sujeito51. Assim, a conscincia alheia se passa pelo crivo da anlise fenomenolgica52 porque a dor no objeto da percepo

    49 [...] la expresin procede de la vivencia y se ajusta al material expressado. STEIN, Edith. Sobre el proble-ma de la empata. p. 164.

    50 Esse acolhimento alheio favorece a incluso do interior do outro em meu interior. O eu acolhe e inclui em si o objeto experiencial da alteridade. Com isso, esse ato confere unidade e certa harmonia entre os egos semelhantes e diferentes. Semelhantes enquanto estrutura e diferente enquanto indivduo peculiar com seus modos multiformes de vivenciar subjetivamente cada experincia. O conhecimento da experi-ncia alheia em que Edith trata se refere ao objeto vivenciado enquanto tal e no a intensidade vivencial particular. Cf. FARIAS, Moiss rocha. A empatia como condio de possibilidade para o agir tico. p. 84.

    51 STEIN, apud FARIAS. A empatia como condio de possibilidade para o agir tico. p. 53.52 No nosso caso, a que estamos tratando nesse trabalho, a expresso conscincia alheia se refere inves-

    tigao fenomenolgica de tal dimenso do homem na sua subjetividade transcendental. No podemos perder de vista o problema que estamos tratando que a do problema da empatia cuja investigao o mtodo fenomenolgico, que equivale, a uma anlise da vivncia emptica no vis filosfico. sabido, pois, que no chegaremos a compreender que o homem sem primeiro entender a funo cognitiva da

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    externa, isto , em carne e osso, algo objetal, mas idealmente53 e, por isso, a empatia adentramento ao ato em si mesmo. Sua essncia vista noeticamente conscincia por meio da epoch fenomenolgica a um desvelamento do ego puro, a vivncia mesma. Desse modo: A dor no uma coisa e no me est dado desta maneira, nem sequer quando a noto no semblante doloroso que percebo externamente54.

    Nesse conceber, fica evidenciada a empatia como conhecimento da vivncia en-quanto contedo do outrem. Esse contedo se faz objeto aps explicitao do terceiro grau do material colhido no instante do aparecer. Aqui temos a plenificao da empatia. preciso, pois, pontuar que no podemos medir os graus, mas vivenci-los, isto , no algo que digo agora no quero ter empatia, ou agora quero ter, mas uma atividade prpria da pessoa humana quando se encontra em relao. Contudo, podemos nos educar para um processo de aes empticas. Ela no se d nos trs graus de forma automtica. Eu preciso determinar-me, por exemplo, em ver que o outro um ser semelhante a mim.

    E, ainda, no podemos conhecer as experincias subjetivas do alter ego, sua inten-sidade. Esta experincia, em si mesma, manifestada a mim pelo alter ego que hic et nunc experimenta a alegria, posso tambm apreender e sentir com. O conhecimento consiste

    relao em questo. Procedendo assim, pretensiosamente nos aproximaremos do fenmeno ontolgico, relativo ao ser do homem, numa viso realista metafsica do homem inserido no contexto vivente. Ou seja, a Stein acredita ser valioso saber do homem na sua relao consigo mesmo (subjetividade), com os outros (intersubjetividade) e com o mundo das coisas. Essa concepo profunda e horizontal do sujeito se d pelos fenmenos vivenciados no qual estamos a elucidar a empatia em si mesma a uma compreen-so do homem em sua abertura imanente e transcendente. Este resultado no mero cogito, mas denso de sentido no que tange a pessoa na sua procura existencial de conhecimento de si mesmo e realizao. Este saber de si-para-si material de elucidao da essncia humana. O outro medeia esse desvelamento intrnseco-pessoal, centro interior mais ntimo da vida. Portanto, na nossa presente pesquisa, entre a subjetividade e a intersubjetividade existe uma possibilidade de nexo e unidade: a empatia. O nexo remete ligao de vivncias e a unidade quer indicar no uma mera mesmidade, mas uma diferena na dife-rena gerando tal unidade. Esta unidade o objeto da vivncia. Neste ponto podemos concluir que a empatia unidade, mas diferena na individualidade pessoal.

    53 Esta expresso idealmente no quer significar o sentido rigoroso do termo, mas de ato espiritual prprio da pessoa humana, racional. Stein no negava, mesmo o submetendo a epoch, o mundo circun-dado de coisas, mas o considerava nas suas anlises fenomenolgicas de forma mais atenciosa do que seu mestre Husserl. Husserl no negava o mundo, mas se concentrava mais no eu puro. O hic et nunc que usara para indicar momento vivencial aqui e agora parece mostrar no uma apreenso sujeita ao passado, mas ao presente da vivncia com seus correlatos, isto , o percebido ou imanente do objeto dado, por exemplo, a caneta vista e tocada na esfera subjetiva do eu vivente.

    54 El dolor no es una cosa y no me est dado de esta manera, ni siquiera cuando lo noto en el semblante doloroso que percibo externamente. STEIN, Edith. Sobre el problema de la empata. p. 83.

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    no objeto e no nas experincias decorrentes da vivncia em si mesma55. Agora, se essa vivncia originria ou no, de ser devidamente examinada posteriormente; contudo, nesse momento, cabe a ns entendermos essa intersubjetividade entroptica. Desse mo-do, o ato cognoscitivo se desenrola da seguinte maneira:

    Eu posso encontrar uma pessoa e ter um reconhecimento sbito de que um ser humano, ime-diatamente o vejo como indivduo e identifico como algum semelhante a mim. Assim, enquanto eu o vejo, tenho, ao mesmo tempo, percepo e entropatia, ou seja, percepo e apreenso de que um ser humano. Porm, o que me acontece no nvel psquico? Existe uma reao de atra-o e repulso, a simpatia ou a antipatia. verdade que sempre ativamos a antipatia ou a sim-patia, porm, o primeiro movimento no nem de antipatia e nem de simpatia, mas de captar que se trata de um ser humano. A entropatia um ato especfico, no pode ser confundido com a reao psquica da simpatia.56

    Segue-se, ento, que a empatia conhecimento imediato ante o outro vivente como eu com vida corprea, psquica e espiritual57. E, ainda, seu dar-se acontece no somente por partes, mas por inteiro. Stein, em conformidade com isso, diz: Que algum pro-nuncie as palavras forma parte de seu dar-se, porm a pessoa falante no apreendida nas palavras, mas com elas ao mesmo tempo58. um ato sendo anterior e posterior simpatia e antipatia, um ato ativado a captar no somente um corpo fsico (korper), mas um corpo prprio (leib), um vivente.

    O sujeito alheio59 se apresenta como ser aberto entropaticamnte da seguinte forma: algum vem ao meu encontro, pela manh, e apreendo a alegria irradiada de seu interior.

    55 Com a distino que podemos fazer entre o contedo da vivncia, que no caso a dor e o vivenciar o seu contedo, que no caso seria o sentimento de dor, podemos transformar a vivncia em objeto de anlise. Enquanto objeto sentido pode ser o mesmo, a mesma dor, a perda do ente querido, contudo cada in-divduo viver sua experincia, que produz uma dor particular, no caso uma vivncia individual. , pois, objeto comum, munido das diversas experincias, que teremos uma ideia da forma como a comunidade passa pela experincia da dor. FARIAS, Moiss Rocha. A empatia como condio de possibilidade para o agir tico. p. 56.

    56 BELLO, Angela Ales. Introduo fenomenologia. p. 65.57 Cf. BELLO, Angela Ales. Introduo fenomenologia. p. 66. Aqui h um aspecto importante na compre-

    enso do indivduo alheio, pois o movimento realizado de forma prpria, isso quer dizer que teve sua origem no ser alheio, por mim percebido e compreendido no como meu movimento prprio. Isso me pe frente ao movimento do outro indivduo e me permite afirmar, segundo Stein, que este capaz de, como eu, realizar movimentos livres, ao esta que um dos elementos constitutivos do indivduo psicofsicos. FARIAS, Moiss Rocha. A empatia como condio de possibilidade para o agir tico. p. 43.

    58 Que alguien pronuncie las palabras forma parte de su darse, pero la persona hablante no es aprehendi-da en las palabras, sino com ellas al mismo tempo. STEIN, Edith. Sobre el problema de la empata. p. 162.

    59 evidente que esse alheio que tratamos aqui indica a um alter ego fundante do eu. O tu transcendente a mim, porm em certa medida, quando o apreendo, passa a existir em minha subjetividade enquanto

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    Tive nesse instante a vivncia da entropatia antes mesmo de ele falar, dei-me conta de sua vivncia. Tal contedo, a alegria, me foi dada subitamente e compreendi o ato em si mesmo, a alegria. Em relao com essa descrio, Stein diz que:

    Assim como eu no posso jamais ouvir nem ver o impulso interior do outro ser vivo, assim tampouco posso eu realizar esse impulso mesmo, nem ter conscincia dele. Porm eu posso intuir esse processo vital, capt-lo de maneira vazia, em uma conscincia representante. A esta cons-cincia representante (em conformidade com a expresso tradicional, porm sem basear-me em nenhuma das teorias existentes acerca da experincia da vida da alma alheia) posso denomin-la empatia [...].60

    Dentro, pois, dessa esfera vivencial, no pude imediatamente conhecer suas particu-laridades subjetivas, mas captei sua experincia e entendi a alegria que vivera, que tambm pude viver61. Com isso, a alegria empatizada objeto universal entre o alter ego e o eu, e essa relao captada advinda da estrutura universal que medeia os sujeitos nas relaes inter-subjetivas, assim:

    O outro se manifesta como outro semelhante a mim: semelhante, no idntico. Eu, atravs da corporeidade dele, posso descobrir tambm sua vida psquica e espiritual e reconhecer assim que est vivendo as coisas que eu posso viver. Por exemplo: se nesse momento ns vemos algum que chora, mas ns no choramos, ns compreendemos que ele est chorando (sendo o choro sinal de tristeza por algo negativo que aconteceu); nesse momento, ns podemos estar muito felizes, porm compreendemos que o outro no est feliz, porque o no estar feliz uma possibi-lidade que tambm ns poderamos vivenciar e expressar pelo pranto. Esse um fator importan-tssimo para compreender os outros: a possibilidade de eu sentir que o outro est vivendo aquilo

    percebido e apreendido. A imanncia do eu nesse nexo relacional adquire uma vivncia conjunta de um eu alheio, ou seja, um eu fora de mim. A transladao da vivncia da alteridade inicia quando comea a verificao instantnea do semelhante.

    60 As como yo no puedo jams or ni ver el impulso interior del otro ser vivo, as tampoco puedo yo realizar ese proceso vital, captado de manera vaca, en una conciencia representante. A esta conciencia re-presentante (de conformidad con la expresin tradicional, pero sin basarme en ninguna de las teoras existente acerca de la experiencia de la vida del alma ajena) puedo denominarla empata, [...]. STEIN, Edith. Introduccin a la filosofa: Los problemas de la subjetividad. p. 825.

    61 Ainda a autora diz na nota do rodap nmero 126: Em minha tese doutoral Zum Problem der Einfuhlung (Sobre o problema da empatia), utilizei o termo empatia num sentido mais amplo, a saber, no s para referi-me percepo concreta da pessoa, mas tambm representao que apresenta intuitivamente o que no propriamente perceptvel. (En mi tesis doctoral Zum Problem der Einfuhlung (Sobre el proble-ma de la empata), utilic el trmino empata en un sentido ms amplo, a saber, no slo para referirme a la percepcin concreta de la persona sino tambin a la representacin que presenta intuitivamente lo que no es propiamente perceptible). STEIN, Edith. Introduccin a la filosofa: Los problemas de la subje-tividad. p. 825.

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    que eu mesmo posso viver. [...] H uma intencionalidade, um sermos orientados que conduz ao eu alheio. o chamado Einfuhlung, empatia, ou entropatia.62

    Essa relao intersubjetiva emptica confere a captao da experincia alheia a mim63. Empatia , assim, uma compreenso da experincia alheia. De certa forma eu pos-so entrar na vivncia dele e fazer a experincia mesma do contedo vivido. Ainda nesse conceber: [...] o conhecimento de uma pessoa alheia possvel unicamente quando um reproduz em si mesmo as vivncias dela [...]64. Uma vivncia que parte do sujeito (em-patizado) e vai ao encontro dos outros sujeitos (empatizantes). Noutras palavras, quando parte do outrem a mim ou quando parte de mim a outro. Entretanto,

    Havamos dito que o eu est direcionado no convivenciar ao objeto da vivncia alheia, que ao mesmo tempo tem presente empaticamente a vivncia alheia e que o ato empatizante e consen-tido no necessita coincidir segundo seu contedo. [...] Sinto minha alegria e empaticamente apreendo a dos demais e vejo que a mesma.65

    Segue da o cerne da empatia como vivncia universal. A alegria vivenciada pelo eu e a alegria apreendida empaticamente no instante da vivncia de outro no impede da efetivao receptiva de um novo ato entroptico. Posso distinguir minha alegria subjetiva, peculiar a mim, da alegria da pessoa alheia, ambos os sujeitos podem viver noeticamente a mesma essncia da alegria. Dessas nossas anlises, fica implicando a seguinte pergunta: a experincia apreendida pelo eu empatizante originria? A transferncia da vivncia alheia ao eu conduz uma mesma vivncia da experincia?

    2.2Asexperinciasoriginriasenooriginrias

    A vivncia alheia sempre alheia, ou seja, a experincia empatizada no emana do interior do empatizante, mas do empatizado. A vivncia notada por mim advinda do

    62 BELLO, Angela Ales. Fenomenologia e cincias humanas: psicologia, histria e religio. p. 119.63 Exemplificando: Posso apreender a distancia a vivncia de uma pessoa por telefone, por meio de sua voz

    abatida exprimindo cansao. O cansao como ato vivencial passa a mim quando subitamente capto sua voz trmula ou fraca. Posso tambm reconhecer que pessoa est no telefone no momento em que digo al, quem fala?. Antes mesmo de terminar a fala-resposta adquiro empaticamente a pessoa junto com as palavras e seu estado de nimo ou tristeza. Reconheo um alter ego que vive como eu.

    64 [...] el conocimiento de una persona ajena es posible nicamente cuando uno reproduce en s mismo las vivencias de ella [...]. STEIN, Edith. Introduccin a la filosofa: Los problemas de la subjetividad. p. 905.

    65 Habamos dicho que el yo est dirigido en covivenciar al objeto de la vivencia ajena, que al mismo tiempo tiene presente empticamente la vivencia ajena y que acto empatizante y cosintiente no necesitan coincidir segn su contenido. [...] Siento mi alegra y empticamente aprehendo la de los dems y veo que es la misma. STEIN, Edith. Sobre el problema de la empata. p. 94-95.

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    outro sujeito como possuidor da vivncia primeira. O que captado por mim seu con-tedo de forma no originria. Empatia sempre apreenso alheia, isto , no originria66. O que significa experincia originria? Stein afirma que: Originria so todas as vivncias prprias presentes como tais que poderia ser mais originrio seno a vivncia mesma?67. A originariedade da vivncia se d na pessoa que experimenta no agora a alegria. E se passa como uma apreenso das relaes essenciais. Ento, todo ato emptico no origi-nrio, isto , provm do alter ego ao eu ou do eu ao alter ego68. Ou seja, o ato emptico tem direo recproca. Isso acontece quando eu vivencio algo que apreendido por outro, a mim originrio, e ao alter no originrio. Dessa maneira:

    [...] todas as nossas vivncias so originariamente doadoras de sentido, mesmo no caso da re-cordao, da expectativa e da fantasia, pois a recordao traz para o presente algo considerado passado; a esperana, algo futuro; e a fantasia, algo formado com base em experincias havidas. Todavia, no caso da experincia emptica, a vivncia do sujeito que empatiza no a mesma do sujeito empatizado, diferentemente do frio que posso ver em meu amigo e que outra pessoa tambm pode ver. No caso da dor, no vejo a dor de meu amigo, e, se uma terceira pessoa empatiza conosco essa experincia de dor, tambm no a ver, ainda que se d conta dela tanto como eu. Portanto, a originariedade de um ato emptico no do mesmo tipo que aquela que caracteriza a percepo do frio, a intuio de uma essncia ou a percepo de um valor. Para marcar essa diferena, Edith Stein preferir dizer que a empatia co-originria por seu contedo, no por seu ato.69

    A vivncia originria presente enquanto vivida pelo alter ego, mas na vivncia dessa experincia apreendida empaticamente se presentifica de forma no originria, conforme seu contedo. Este transmitido como ato universal. Contudo, as experincias da alegria so vividas no centro da pessoa mesma70. Cada pessoa vivencia a alegria de maneira pe-

    66 Na empatia o prprio indivduo que vivencia o contedo vivenciado pelo outro. [...] Para Stein a empatia a tomada de conscincia do outro como semelhante a mim bem como de suas vivncias interiores, contudo fica impossibilitado de efetivar-se uma completa coincidncia entre o eu emptico e o sentimento alheio que se reduzir em objeto empatizado. Com essa afirmao ela quer resguardar a unicidade do indivduo, que de todo importante para sua realizao como pessoa humana e, para evitar possveis enganos, faz uma definio rigorosa sobre o conceito de empatia. FARIAS, Moiss Rocha. A empatia como condio de possibilidade para o agir tico. p. 29-30.

    67 Originarias son todas las vivencias propias presentes como tales qu podra ser ms originrio sino la vivencia misma? STEIN, Edith, Sobre el problema de la empata. p. 84.

    68 Cf. BELLO, Angela Ales. A Fenomenologia do ser humano: traos de uma filosofia no feminino. Trad. de Antonio Angonese. Bauru, SP: Edusc, 2000, p. 162.

    69 FILHO, Juvenal Savian. Em torno da empatia segundo Edith Stein: pode-se empatizar a vivncia de algum que est dormindo? p. 5.

    70 irrefutvel que diante da existncia humana tenhamos uma srie de vivncias idnticas como, por exemplo, o nascimento de um filho, a morte de um ente querido, entre tantas e tantas outras, que no

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    culiar, subjetiva. O que translada ao outro alegria mesma. Esta pode ser concebida por todos os homens numa diferenciao e coparticipao no interior da pessoa alheia. Stein afirma que:

    [...] aquele outro sujeito tem originariedade, ainda que eu no vivencie essa originariedade; a alegria que brota dele alegria originria, ainda que eu no a vivencie como originria. Em meu vivenciar no originrio me sinto, de certo modo, conduzido por um originrio que no viven-ciado por mim e que, no entanto, est a, se manifesta em meu vivenciar no originrio. Assim temos, na empatia, um tipo sui generis de atos experienciais.71

    uma experincia pessoal e originria do empatizado. O sujeito que tem a expe-rincia possui em si mesmo o eidos originrio. O sujeito que empatiza possui tambm o eidos no originrio do vivenciar. A objetivao da vivncia emptica, a alegria, entretanto, viva, ou seja, me dada hic et nunc. O vivido assim presentificado no instante sempre presente dos atos vivenciados e passa a ser denominado vivncia.

    O fenmeno vivencial, porm, no est condicionado s experincias comuns por-que a no originariedade indica a personalidade de cada indivduo como mnoda72 entro-ptica73, no sentido de possibilidade de um vivenciar nico e no repetvel, mesmo sendo ser aberto, acolhe a essencialidade da alegria na interioridade de sua alma.

    s o meu eu isolado que teve essa vivncia, mas de certa forma ela compartilhada por inmeras pessoas, e mesmo que ela no esteja acontecendo este momento que quando denominamos vivncia atual, ela est presentificada em minha recordao. FARIAS, Moiss Rocha. A empatia como condio de possibilidade para o agir tico. p. 35.

    71 [...] aquel outro sujeto tiene originariedad, aunque yo no vivencio es originariedad; la alegra que brota de l es alegra originaria, aunque yo no la vivencio como originaria. En mi vivenciar no originrio me siento, en cierto modo, conducido por uno originrio que no es vivenciado por m y que empero est ah, se manifiesta en mi vivenciar no originrio. As tenemos, em la empata, un tipo sui gneris de actos experienciales. STEIN, Edith. Sobre el problema de la empata. p. 88.

    72 Por ter significado diferente de Unidade (v.), esse termo designa uma unidade real inextensa, portanto, espiritual. Giordano Bruno foi o primeiro a empregar esse termo nesse sentido, concebendo a M. como o minimum, como unidade indivisvel que constitui o elemento de todas as coisas [...] A partir de 1696, Leibniz lana mo desse termo para designar a substncia espiritual enquanto componentes simples do universo [...] Atende-se para o sabor leibniziano do seguinte trecho de Husserl: A constituio do mundo objetivo comporta essencialmente uma harmonia de M., mais precisamente uma constituio harmoniosa particular em cada M. e, por conseguinte, uma gnese que se realiza harmoniosamente nas M. particulares. ABBAGNANO, Nicola. Dicionrio de filosofia. p. 680-681.

    73 Que o homem possui uma dupla experincia de si mesmo, uma interna e outra externa, e que ambas se resumem em uma experincia unitria que engloba as duas, algo que pertence essncia do homem mesmo. (Que el hombre posee una doble experiencia de s mismo, uma interna y otra externa, y que ambas se subsumem a su vez en una experiencia unitaria que engloba a las, es algo que pertenece a la

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    As vivncias emanadas intrinsecamente ou refletidas extrinsecamente do prprio interior compenetram e so vividas individualmente, pois Os grandes sofrimentos e as grandes alegrias se experimentam nas profundidades da alma; algo que nos comove e nos faz vibrar em nosso interior74. O indivduo possui um centro interior e nico que extrai vivncias objetivando o vivido, e aberto intersubjetividade e, assim, abre vrias formas de relao dentro dessa possibilidade inerente pessoa humana. Edith Stein acres-centa que:

    A empatia compartilha essa propriedade com muitos tipos de atos: no h s uma reflexo, mas tambm uma reflexo sobre a reflexo, e assim sucessivamente como possibilidade ideal in infinitum; um mesmo querer do querer, um agradar do agradar etc. [...] E assim posso tambm empatizar empatia, a saber, entre os atos do outro que apreendo empaticamente pode haver tam-bm atos de empatia no que o outro apreende atos de outro. Este outro pode ser um terceiro ou eu mesmo.75

    Essa relao mtua entre indivduos no tem limites. Por meio da empatia, abre-se possibilidade nas relaes com as pessoas ininterruptamente. O fechamento da pessoa na subjetividade como mnoda cerrada em si mesma no plenifica, pois o homem sendo mnoda entroptica passa a ser pessoa, polo egolgico, que converge todo vivenciar prprio e alheio. Nesse conceber, na vivncia emptica, podemos ter um