Métodosociológico,metalinguís4caegêneroBAKHTIN,M.M.(2010[1963])Problemasda
Poé-cadeDostoiévski.Trad.P.Bezerra5.ed.RiodeJaneiro:ForenseUniversitária.
ProblemasdacriaçãoarVs4cadeDostoiévski(1929)vsProblemasdapoé4cadeDostoiévski(1963)
• Poé4ca (da palavra grega "ποιητική”) é ateoria da poesia; uma ciência que estuda aa4vidade poé4ca, sua origem, formas esignificado - e mais amplamente, as leis daliteraturaemgeral.
AsreflexõessobreDostoiévskinaRússia
• AsprimeirasdatamdoséculoXIX—apar4rdopontodevistadaesté4ca(Belínsky,Dobroliúbov);
• Aumentonadécadade1920:• TyniánovYu.N.(ométodoformal)—“DostoiévskieGogol(sobreateoria
deparódia).Opoiaz,1921.• B.M.Engelgardt.“NovelaideológicadeDostoiévski”:Ar4go//F.M.
Dostoiévski.Ar4gosemateriais:coletâneaem2vol./org.A.S.Dolínin.—Moscou-Leningrado,Ed.“Misl”,1924.—vol.2.—p.69-105.
• L.P.Grossman“OcaminhodeDostoiévski”.Petrograd,1924.• M.M. BakhBn “Problemas da criação arVs4ca de Dostoiévski”. Priboi,
1929.• V.F.Pereviérziev“AsobrasdeDostoiévski”—Moscou,Sovriemiénnyie
probliémy,1912.3raedição:Moscou,Gosizdát,1928.(estudosliteráriosmarxistas,‘escoladepereviérziev’1920-1930).
• “Dostoiévski é o criador do romance polifônico. Criou um gêneroromanescoessencialmentenovo.Porissosuaobranãocabeemnenhumlimite,nãosesubordinaanenhumdosesquemashistórico-literáriosquecostumamosaplicaràsmanifestaçõesdoromanceeuropeu”(op.cit.,p.5).
• Desse modo, todos os elementos da estrutura do romance sãoprofundamente singulares (únicos, originais-MG) em Dostoiévski; todossãodeterminadospelatarefaquesóelesoubecolocareresolveremtodaa sua amplitude e profundidade: a tarefa de construir um mundopolifônico e destruir as formas já cons4tuídas do romance europeu,principalmentedoromancemonológico(homofônico)(op.cit.,p.6).
• “Consideramos Dostoiévski um dos maiores inovadores no campo daforma arVs4ca. Estamos convencidos de que ele criou um 4pointeiramente novo de pensamento arVs4co, a que chamamosconvencionalmentede4popolifônico. Esse4podepensamentoarVs4coencontrouexpressãonosromancesdostoievskianos,massuaimportânciaultrapassa os limites da criação romanesca e abrange alguns princípiosbásicosdeesté4caeuropeia.PodeseatédizerqueDostoiévskicriouumaespécie de novomodelo arVs4co domundo, no qualmuitosmomentosbasilares da velha forma arVs4ca sofreram transformação radical.Descobriressa inovação fundamentaldeDostoiévskipormeiodaanáliseteórico-literáriaéoquecons4tuiatarefadotrabalhoqueoferecemosaoleitor”(Bakh4n1963,Introdução).
Conceitos-chave• Odialogismocomo formade interaçãoe intercomplementaçãoentreas
personagensliterárias;• O monologismo como pensamento único e por isso autoritário, seu
desdobramentonoprocessodeconstruçãodaspersonagensromanescas;• Apolifoniacomométododiscursivodouniversoabertoemformação;• Oautoresuarelaçãodialógicacomaspersonagens;• Arelaçãoeu—outrocomofenômenosociológico;• O inacabamento/inconclusibilidade das personagens como visão do
mundoemformaçãoedohomememformação;• Oa4vismoespecialdoautornoromancepolifônico(PauloBezerra,Introdução)
Perspec4vahistóricanoromancepolifônico(dialogandocomO�oKaus.DostoewskiundseinSchicksal.Berlin.1923):“AsexplicaçõesdeKaussãocorretasemmuitossen4dos.Defato,oromancepolifônico só pode realizar-se na época capitalista. Além do mais, eleencontrouoterrenomaispropíciojustamentenaRússia,ondeocapitalismoavançarademaneiraquasedesastrosaedeixara incólumeadiversidadedemundos e grupos sociais, que não afrouxaram, como no Ocidente, seuisolamentoindividualnoprocessodeavançogradualdocapitalismo.Aqui,aessência contraditória da vida social em formação, essência essa que nãocabe nos limites da consciência monológica segura e calmamentecontempla4va, devia manifestar-se de modo sobremaneira marcante,enquanto deveria ser especialmente plena e patente a individualidade dosmundosquehaviamrompidooequilíbrioideológicoesechocavamentresi.Criavam-se,comisso,aspremissasobje4vasdamul4planaridadeessencialedamul4plicidadedevozesdoromancepolifônico”(op.cit.,p.21).
MétodosociológicoUniversosocialobje4vocomoainspiraçãodeDostoiévski:“A própria época tornou possível o romance polifônico. Dostoiévski foisubje4vamenteumparVcipedessacontraditóriamul4plicidadedeplanosdoseu tempo,mudou de estância, passou de uma a outra e nesse sen4do osplanos que exis4am na vida social obje4va eram para ele etapas da suatrajetória vital e sua formação espiritual. <...> A categoria fundamental davisãoarVs4cadeDostoiévskinãoéade formação,masadecoexistência einteração”(op.cit.,p.30-31).O Mundo de Dostoiévski no espaço e não no tempo. Sincronia. A formadramá4ca.
Métodosociológico• “Ao contrário de Goethe, Dostoiévski procura captar as etapas
propriamente ditas em sua simultaneidade, confrontá-lase contrapô-lasdrama4camente, e não estendê-las numa série de formação. Para ele,interpretar o mundo implica pensar todos os seus conteúdos comosimultâneosea-nar-lheasinter-relaçõesemumcortetemporal”(op.cit.,p.31).
• Vertudocomocoexistente.• Drama4zar no espaço até as contradições do indivíduo (personagens
duplas,encontroscomodiabo,alterego,caricatura).• Cenasdemassa.• Oprincípiodramá4codaunidadedotempo.• Odinamismo,rapidezcatastróficadaação.
Romancepolifônico• Acomplexidadeobje4va,ocarátercontraditórioeapolifoniadasua
época;• Acondiçãoderaznotchinetseperegrinosocial;• Apar4cipaçãobiográficasumamenteprofundaeinternada
mul4planaridadeobje4vadavida;• Odomdeveromundoeminteraçãoecoexistência.
Poé4caepolifonia• “JáaunidadedoromancedeDostoiévskiestáacimadoes4lopessoaleacimado
tom pessoal nos termos em que estes são entendidos pelo romance anterior aDostoiévski.Dopontodevistadaconcepçãomonológicadaunidadedoes4lo (epor enquanto existe apenas essa concepção), o romance de Dostoiévski épolies-lís-coousemes4lo;dopontodevistadaconcepçãomonológicadotom,épolienfá-co e contraditório em termos de valor; as ênfases contraditórias secruzam em cada palavra de suas obras. <...> De fato, os elementos sumamenteincompaVveis da matéria em Dostoiévski são distribuídos entre si por váriosmundoseváriasconsciênciasplenivalentes,sãodadosnãoemuma,masemváriasperspec4vas equivalentes e plenas; não é a matéria diretamente, mas essesmundos,essasconsciênciascomseushorizontesquesecombinamnumaunidadesuperiorde segundaordem,porassimdizer,naunidadedo romancepolifônico.<...>Graçasaessavariedadedemundos,amatériapodedesenvolveratéofimasuaoriginalidadeeespecificidadesemromperaunidadedotodonemmecanizá-la...”(Bakh4ndialogandocomGrossman,op.cit.p.15-16).
Polifonia• (Dialogando com Grossman) “Se Grossman relacionasse o princípio
composicional de Dostoiévski — a unificação das matérias maisheterogêneas e mais incompaVveis — à mul4plicidade de centros-consciênciasnão reduzidosaumdenominador ideológico, chegariabempertodachavearVs4cadosromancesdostoievskianos—apolifonia”(op.cit.,p.17);
• (Dialogando com Komaróvitch) ”A essência da polifonia consistejustamentenofatodequeasvozes,aqui,permanecemindependentese,como tais, combinam-se numa unidade de ordem superior à dahomofonia.Esefalarmosdevontadeindividual,entãoéprecisamentenapolifoniaqueocorreacombinaçãodeváriasvontadesindividuais,realiza-seasaídadeprincípioparaalémdoslimitesdeumavontade.Poder-se-iadizerassim:avontadearVs4cadapolifoniaéavontadedecombinaçãodemuitasvontades,avontadedoacontecimento”(op.cit.,p.23).
PolifoniadeDostoiévskiemcomparaçãoàDante• (dialogandocomEngelgardt,op.cit.,p.28-29)aproximidadecomtragédia:nãohá
formaçãodialé4cadeumespíritodoherói,nãohácrescimento;• “Não ocorre, em cada romance, uma oposição diale4camente superada entre
muitas consciênciasquenãose fundememunidadedoespíritoemprocessodeformação,assimcomonão se fundemespíritosealmasnomundo formalmentepolifônico de Dante. Nomelhor dos casos, como ocorre no universo de Dante,elas, semperder a individualidadenem fundir-semas combinando-se, poderiamformar uma figura está4ca, uma espécie de acontecimento está4co <...> Noslimites do romance não se desenvolve, não se forma tampouco o espírito doautor; este, como no mundo de Dante, contempla ou se torna um dospar4cipantes.
• Mas nem a própria criação arVs4ca de Dostoiévski pode ser compreendidaglobalmentecomoformaçãodialé4cadoespírito,poisocaminhodessacriaçãoéuma evolução arVs4ca do seu romance que, embora esteja relacionada com aevoluçãoideológica,nãosedissolvenesta.
Herói• “...polemiza-se com os heróis, aprende-se com os heróis, tenta-se desenvolver
suas concepções até fazê-las chegar a um sistema acabado. O herói temcompetência (autoridade-MG) ideológicae independência, é interpretado comoautor de sua concepção filosófica própria e plena, e não como objeto da visãoarVs4cafinaldoautor.<...>ovalordiretoeplenodaspalavrasdoheróidesfazoplanomonológicoeprovocarespostaimediata,comoseoheróinãofosseobjetoda palavra (discurso-MG) do autor, mas veículo de sua própria palavra (própriodiscurso-MG),dotadodevalorepoderplenos”(op.cit.,p.3).
• “Suasobrasmarcamo surgimentodeumherói cujavoz seestruturadomesmomodo como se estrutura a voz do próprio autor no romance comum. A voz doherói sobre si mesmo e o mundo é tão plena como a palavra (discurso-MG)comumdoautor;nãoestásubordinadaàimagemobje4ficadadoheróicomoumade suas caraterís4cas, mas tampouco serve de intérprete da voz do autor. Elapossuiindependênciaexcepcionalnaestruturadaobra,écomosesoasseaoladodapalavra(discurso-MG)doautor,coaduando-sedemodoespecialcomelaecomasvozesplenivalentesdeoutrosheróis”(op.cit.,p.5).
Herói–princípiodesimultaneidade• Tudo é simultâneo, tudo coexiste: “as suas personagens também não
recordam nada, não têm biografia no sen4do do ido e do plenamentevivido. Do seu passado recordam apenas aquilo que para elas con4nuasendopresenteeévividocompresente<...>Porissonosseusromancesnãohá causalidade, nãohá gênese, nãohá explicações dopassado, dasinfluênciasdomeio,daeducação,etc.”(op.cit.,p.32-33).
• Dostoiévski“polemizaconstantemente<...>comateoriadomeio<...>elequase nunca apela para a história como tal e trata qualquer problemasocialepolí4conoplanodaatualidade”(op.cit.,p.32-33).
• +amorpelosjornais
Herói–ideia–gênero‘romanceideológico’vspolifônico
• (dialogandocomEngelgardt)definição sociológica e ideológico-cultural do herói em Dostoiévski: “O heróidostoievskiano,intelectualraznotchínietz(intelectualquenãopertenciaànobrezanaRússiadosséculosXVIIIeXIX)quesedesligoudatradiçãocultural,dosoloedaterra,éoporta-vozdeum ‘povo fortuito’.Elecontrai relaçõesespeciaiscomuma ideia:éindefesodiantedelaeanteoseupoder,poisnãocriouraízesnaexistênciaecarecede tradição cultural. Converte-se em ‘homem de ideia’, obsedado (obcecado -MG)pela ideia. Nele a ideia se converte em ideia-força, que prepotentemente lhedeterminae lhedeformaaconsciênciaeavida.A ideia levaumavidaautônomanaconsciênciadoherói:nãoépropriamenteelequevive,masela,aideia,eoromancistanãoapresentaumabiografiadoherói,masumabiografiadaideianeste;ohistoriadordo‘povofortuito’setorna‘historiógrafodaideia’.Porissoacaraterís4cametafóricadominantedoheróiéaideiaqueodominaaoinvésdodominantebiográficode4pocomum(comoemTolstóieTurguiéniev,porexemplo).Daíadefinição,pelogênero,doromancedeDostoiévskicomo‘romanceideológico”.(op.cit.,p.24)*Nãotema‘ideiaemsi’nosen4doplatônico,eleencontra‘ohomemnohomem’enãoideiasnohomem.Simultaneidade,interaçãocomoutrasconsciências(op.cit.,p.35).
Autoreapolifoniadasvozes• “AotomarmosconhecimentodavastaliteraturasobreDostoiévski,temos
aimpressãodetratar-senãodeumautorear4sta,queescreviaromancesenovelas,masdetodaumasériedediscursosfilosóficosdeváriosautorese pensadores: Raskólnikov, Míchkin, Stavróguin, Ivan Karamázov, oGrandeInquisidoreoutros.Paraopensamentocrí4co-literário,aobradeDostoiévski se decompôs em várias teorias filosóficas autônomasmutuamente contraditórias, que são defendidas pelos heróisdostoievskianos. Entre elas, as concepções filosóficas do próprio autornemdelongefiguramemprimeirolugar.Paraalgunspesquisadores,avozde Dostoiévski se confunde com a voz desses e daqueles heróis, paraoutros, é uma síntese peculiar de todas essas vozes ideológicas, paraterceiros,aquelaésimplesmenteabafadaporestas”(op.cit.p.3,iníciodeCapitulo1).
Autoreapolifoniadasvozes• “AoriginalidadedeDostoiévskinãoresidenofatodetereleproclamado
monologicamente o valor da individualidade (outros já o haviam feitoantes), mas em ter sido capaz de vê-lo em termos obje4vo-arVs4cos emostrá-lo comoo outro, como a individualidade do outro, sem torná-lalírica, sem fundir comela a sua voz e aomesmo tempo sem reduzi-la auma realidade psíquica obje4ficada. A alta apreciação do indivíduo nãoaparecepelaprimeira vezna cosmovisãodeDostoiévski,masa imagemarVs4ca da individualidade do outro (se adotarmos esse termo deAskóldov)emuitasindividualidadesimiscíveis,reunidasnaunidadedeumcerto acontecimento espiritual, foram plenamente realizadas pelaprimeira vez em seus romances.” (ponto de vista de Bakh4n +Askoldov,op.cit.p.12)
Dialogismo• “...o romancedeDostoiévskiédialógico.Nãoseconsróicomootodo (a
unidade-MG) de uma consciência que assumiu, em forma obje4ficada,outrasconsciências,mascomootodo(aunidade-MG)dainteraçãoentrevárias consciências, dentre as quais nenhuma se converteudefini4vamente em objeto da outra. Essa interação não dá aocontemplador a base para a obje4vação de todo um evento segundo o4pomonológicocomum(emtermosdeenredo,líricosoucogni4vos),masfazdeleumpar4cipante.<...>Comissoconquista-seumanovaposiçãodoautor,queestáacimadaposiçãomonológica”(op.cit.,p.18-19).
• “Asrelaçõesdialógicas—fenômenobemmaisamplodoqueasrelaçõesentre as réplicas do diálogo expresso composicionalmente — são umfenômenoquaseuniversal,quepenetratodaalinguagemhumanaetodasas relaçõesemanifestaçõesdavidahumana,emsuma, tudooque temsen4doeimportância”(op.cit.,p.47).
Dialogismo• “Dostoiévski tevea capacidadedeauscultar relaçõesdialógicasem toda
parte,emtodasasmanifestaçõesdavidahumanaconscienteeracional;paraele,ondecomeçaaconsciênciacomeçaodiálogo.Apenasasrelaçõespuramente mecânicas não são dialógicas, e Dostoiévski negava-lhescategoricamente importância para a compreensão e a interpretação davidaedosatosdohomem(sualutacontraomaterialismomecanicista,ofisiologismoemmodaeClaudeBernard,contraateoriadomeio,etc.)Porissotodasasrelaçõesentreaspartesexternaseinternaseoselementosdo romance têmnele caráterdialógico; ele construiuo todo romanescocomo um ‘grande diálogo’. No interior desse ‘grande diálogo’ ecoam,iluminando-o e condensando-o, os diálogos composicionalmenteexpressosdaspersonagens;porúl4mo,odiálogoadentraointerior,cadapalavradoromance, tornando-obivocal,penetrandoemcadagesto,emcada movimento mímico da face do herói, tornando-o intermitente econvulso;issojáéo‘microdiálogo’,quedeterminaaspar4cularidadesdoes4loliteráriodeDostoiévski”(op.cit.,p.47).
Dialogismo• “Aotranspordalinguagemdateoriamusicalparaalinguagemdapoé4ca
a tese de Glinka, segundo a qual tudo na vida é contraponto, pode-sedizerque,paraDostoiévski,tudonavidaédiálogo,ouseja,contraposiçãodialógica.Defato,depontodevistadeumaesté4cafilosófica,asrelaçõesde contraponto na música são mera variedade musical das relaçõesdialógicasentendidasemtermosamplos”(op.cit.,p.49).