UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE SADE COLETIVA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SADE COLETIVA
ERIK ASLEY FERREIRA ABADE
A JUDICIALIZAO DA ASSISTNCIA MDICA SUPLEMENTAR: UM
ESTUDO DE CASO EM PERNAMBUCO
Salvador
2015
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ERIK ASLEY FERREIRA ABADE
A JUDICIALIZAO DA ASSISTNCIA MDICA SUPLEMENTAR: UM
ESTUDO DE CASO EM PERNAMBUCO
Dissertao de mestrado apresentada ao Programa de Ps-
Graduao do Instituto de Sade Coletiva da Universidade
Federal da Bahia como requisito para a obteno do grau de
mestre em Sade Comunitria.
Prof. orientador: Luis Eugnio Portela Fernandes de Souza.
Salvador
2015
3
A todos que lutam por um sistema nico e igualitrio de sade.
4
AGRADECIMENTOS
A Eunice, e ao seu ventre que me gerou, ao seu suor que me sustentou, ao seu corajoso e
enorme corao que tantas flores plantou em meus jardins. Ao seu peito, que de to
grande, fez-me livre. A todo seu amor, que por ser amor, invade e fim.
A Allana, que com suas ccegas acalenta a minha pele e meu esprito. A fora e a doura
com que passaste a caminhar pela vida inspiram-me. Bonito te ver crescer, porque se a
vida por um fio, valeu para quem j viu seu jeito de tocar o corao.
A Adilson, que com seus dias, ensina-me muitas lies sobre a vida e sobre esse tempo de
guerreiros meninos, to fortes, to frgeis.
Aos meus avs, V Z e V Zezinha, pelo incentivo de todos os dias. Pela estranha mania
de ter f na vida. E a todos os meus familiares pelo carinho.
A Matheus, que com o mar nos olhos enche-me de paz, pelos domingos enfeitados, por
segurar em minha mo, pelos abraos e beijos demorados que me diziam a todo tempo
para no me preocupar ter f e ver coragem no amor. Obrigado pela pacincia nesses
dias de escrita, prometo gastar mais horas para te ver dormir.
A Gisella por toda gentileza em movimento com que me acolheu entre o cho e os ares
desta cidade. A Moiss por ajudar a desanuviar a alma das inteis poeiras. E aos dois pela
forma especial com que constroem o cais, para gente que donde veio no tem mar.
A Scrates, Fbio e Franklin, por no deixarem o samba morrer, por no deixarem o
samba acabar. Serei eternamente grato, por todas as vezes que a gente parecia, protegido
de todo mal, vocs deram cor e som aos meus dias, sem vocs, a minha Bahia no seria
nem recncavo, nem reconvexo.
A Michelle, Ana Clara, Poliana e Chandra, que entre tantas leituras e risos, mostraram um
claro futuro de msica, ternura e aventura pro equilibrista em cima do muro. Agora, sem
muros.
Ao professor Luis Eugnio, por todos os ensinamentos. Sempre serei grato pela maneira
generosa e paciente com que acolhestes as loucuras to sbrias, e as viagens to bvias de
um iniciante.
Aos demais professores, aos funcionrios e aos companheiros de mestrado do Instituto de
Sade Coletiva, a cada dia vocs mostravam-me que sonhos no envelhecem em meio a
tantos gases lacrimognios.
Aos trabalhadores do SUS que compartilham comigo a lida na USF Yolanda Pires. Em
especial, as enfermeiras Samantha, Dalila e Giovana, e ao gerente Alexandre. Sem o apoio
de vocs no teria sido possvel construir tijolo com tijolo num desenho mgico esse
trabalho.
Aos amigos de Arapiraca, Jully, Izabela e Felipe que mesmo geograficamente longe,
continuam apoiando e trazendo bons ventos para os meus dias, vocs sempre sero um
bendito encontro.
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Aos professores do curso de enfermagem da Universidade Federal de Alagoas - Campus
Arapiraca, e aos amigos que encontrei por l. Permanecem comigo as lies que aprendi
com todos vocs, isso de Deixa chegar o sonho, prepara uma avenida tem sido muito
gratificante.
Ao povo soteropolitano. Aos cabelos crespos, negritude, fora e sabedoria dessa gente.
Aos mares, s ladeiras e aos sis de Salvador. Aos seus gritos de liberdade e dor, que desde
o primeiro dia questionavam: Eu sou neguinha?
Aos poetas e as poetizas, ao pr-do-sol, a todo carinho de tanta gente que encontrei nessa
trajetria, to bonito quando a gente entende que a gente tanta gente onde quer que a
gente v.
E a Deus, que em cada amanhecer prova para todo mal h cura.
.
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O que foi feito, amigo,
De tudo que a gente sonhou
O que foi feito da vida,
O que foi feito do amor
Quisera encontrar aquele verso menino
Que escrevi h tantos anos atrs
Falo assim sem saudade,
Falo assim por saber
Se muito vale o j feito,
Mais vale o que ser
Mais vale o que ser
E o que foi feito preciso
Conhecer para melhor prosseguir
Falo assim sem tristeza,
Falo por acreditar
Que cobrando o que fomos
Que ns iremos crescer
Ns iremos crescer,
Outros outubros viro
Outras manhs, plenas de sol e de luz
O que foi feito dever Milton Nascimento.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ADI Ao Direita de Inconstitucionalidade
AI Agravo de Instrumento
AMS Assistncia Mdica suplementar
ANS Agncia Nacional de Sade Suplementar
CDC Cdigo de Defesa do Consumidor
CF-88 Constituio Federal de 1988
CID Classificao Internacional de Doenas e Problemas Relacionados Sade
CONITEC Comisso Nacional de Incorporao de Tecnologias no Sistema nico de
Sade
CNJ Conselho Nacional de Justia
CNSP Conselho Nacional de Seguros Privados
CONSU Conselho Nacional de Sade Suplementar
INPS Instituto Nacional de Previdncia Social
INAMPS Assistncia Mdica da Previdncia Social
MP Medida Provisria
MS Ministrio da Sade
OMS Organizao Mundial de Sade
ONG Organizaes no governamentais
RN Resolues Normativas
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justia
SUS Sistema nico Sade
TJPE Tribunal de Justia de Pernambuco
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LISTA DE TABELAS
ARTIGO I
Tabela 01. Caractersticas gerais das aes judiciais relativas assistncia mdica
suplementar e julgadas no TJPE nos anos de 2012 e 2013.
Pernambuco, 2015....................................................................................
29
Tabela 02. Indicador de litigncia de acordo com a modalidade das operadoras
citadas nas aes judiciais relativas assistncia mdica suplementar e
julgadas no TJPE nos de 2012 e 2013. Pernambuco, 2015......................
30
Tabela 03. Empresas citadas nas aes judiciais relativas assistncia mdica
suplementar e julgadas no TJPE nos de 2012 e 2013. Pernambuco,
2015.........................................................................................................
31
Tabela 04. Tema das aes judiciais relativas assistncia mdica suplementar e
julgadas no TJPE nos de 2012 e 2013. Pernambuco, 2015......................
35
ARTIGO II
Tabela 01. Legislao citada nos julgamentos relativos assistncia mdica
suplementar no TJPE nos de 2012 e 2013. Pernambuco, 2015..................
49
Tabela 02. Utilizao do marco regulatrio nas sentenas relativas assistncia
mdica suplementar julgadas no TJPE nos de 2012 e 2013. Pernambuco,
2015...........................................................................................................
56
Tabela 03. Uso das normas da ANS segundo o tema das aes relativas assistncia
mdica suplementar julgadas no TJPE nos anos de 2012 e 2013.
Pernambuco, 2015........................................................................................
63
9
LISTA DE FIGURAS E QUADROS
ARTIGO II
Quadro 01. Smulas citadas nas aes julgadas relativas assistncia mdica
suplementar e no TJPE nos de 2012 e 2013. Pernambuco, 2015...........
55
Quadro 02. Normas da ANS citadas nas aes relativas assistncia mdica
suplementar julgadas no TJPE nos de 2012 e 2013. Pernambuco,
2015...........................................................................................................
60
Quadro 03. Normas anteriores criao da ANS citadas nas aes relativas
assistncia mdica suplementar julgadas no TJPE nos anos de 2012 e
2013. Pernambuco, 2015...........................................................................
66
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SUMRIO
Apresentao ......................................................................................................... 11
1. Introduo ......................................................................................................... 13
2. Objetivos ................................................................................................................ 22
2.1 Objetivo Geral .................................................................................................. 22
2.2 Objetivos Especficos ...................................................................................... 22
3. Artigo I ................................................................................................................... 23
4. Artigo II ................................................................................................................ 45
5. Consideraes Finais ............................................................................................. 72
Referncias .............................................................................................................. 74
Anexos .................................................................................................................... 77
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APRESENTAO
Este trabalho prope estudar a judicializao da assistncia mdica suplementar na
regio Nordeste. A escolha da temtica baseia-se na necessidade de aprofundar a
compreenso sobre a complexa articulao entre o publico-privado no sistema de sade
brasileiro, que em seu processo recente de transformao apresenta dois fenmenos
importantes: o crescimento do segmento da assistncia mdica suplementar e aumento da
judicializao neste subsistema.
A pesquisa acerca das aes judiciais tem se mostrado um importante campo de
investigao na rea da sade coletiva, pois a anlise de seus aspectos polticos, sociais,
ticos, jurdicos e sanitrios, pode trazer elementos para o aprimoramento das polticas de
sade em curso, ou especificamente no caso da assistncia mdica suplementar, para a
melhoria da regulao de um segmento que tem grande impacto na conformao do sistema
de sade brasileiro.
Os principais estudos sobre a judicializao da sade tratam predominantemente da
garantia do acesso a medicamentos e outros insumos pelo Sistema nico de Sade. Ainda
so poucos os trabalhos que se debruam sobre o mercado de planos e seguros privados de
sade. Entre as principais contribuies desses trabalhos, est a anlise das negaes de
coberturas por planos e seguros privados de sade na regio Sudeste do pas, notadamente
nos estados de So Paulo e Rio de Janeiro.
Esta pesquisa busca analisar as aes judiciais relativas assistncia mdica
suplementar em Pernambuco, contribuindo no s para preencher a lacuna que permanece
sobre a judicializao fora do eixo Rio-So Paulo, mas tambm, para avanar na discusso
de questes centrais para o campo da sade coletiva como a segmentao do sistema, a
regulao do mercado, a incorporao tecnolgica e as relaes entre atores polticos como
os tribunais e os operadores do Direito, as empresas de planos e seguros, os profissionais de
sade e a sociedade civil.
Esta dissertao se apresenta sob a forma de dois artigos. No primeiro artigo, o recorte
recai sobre as caractersticas gerais das aes judiciais estudadas, cumprindo a funo de
descrever a realidade da judicializao do segmento suplementar em um estado do Nordeste.
O segundo artigo representa um esforo de apreender e compreender a fundamentao
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jurdica e argumentativa das decises judiciais, buscando identificar o uso do marco
regulatrio da sade suplementar pelos tribunais.
importante destacar, que a discusso aqui empreendida assume que a prtica terica
costurada pelo movimento da Reforma Sanitria Brasileira que remete, em ltima instncia,
estrutura social para compreender o sistema de sade, atual e vlida, com poder
explicativo para tratar das questes aqui levantadas que perpassam diretamente pela relao
entre o mercado e o Estado na conduo da poltica de sade.
Nesse sentido, utilizam-se os termos articulao pblico-privada, assistncia
mdica suplementar, planos e seguros privados de sade e clientes, pois, entende-se
que estas so as palavras mais ajustadas para reduzir as nebulosidades e revelar os ns
crticos de um sistema de sade que tem em sua base material um forte imbricamento entre o
pbico e o privado.
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1. INTRODUO
Nos ltimos anos, tem aumentado significativamente o nmero de demandas judiciais
envolvendo clientes e operadoras de planos e seguros privados de sade. A este fenmeno,
convencionou-se dar o nome de judicializao da assistncia mdica suplementar, referindo-
se busca por acesso a insumos e servios de sade por intermdio da Justia em face, no
do Estado, mas das empresas que comercializam planos e seguros privados de sade.
A judicializao da assistncia mdica suplementar uma das facetas da judicializao
da sade que, por sua vez, se insere no mbito da judicializao da poltica. Santos et alli
(1996) definem a judicializao como fenmeno scio-histrico, caracterizado pela
ampliao da interferncia dos tribunais no mbito das relaes sociais e polticas, dotando o
Poder Judicirio de um maior protagonismo. Verifica-se, assim, um alargamento da rbita
de atuao do Poder Judicirio sobre espaos que deveriam ser ocupados pelas polticas
sociais.
O estudo da judicializao da sade tem abordado prioritariamente as aes que
buscam do Sistema nico de Sade (SUS) o fornecimento de medicamentos, insumos e
procedimentos. crescente, no entanto, o interesse em estudar o fenmeno das aes
judiciais movidas contra as operadoras de planos e seguros privados de sade, que compem
uma parcela importante do sistema de sade brasileiro: a assistncia mdica suplementar
(SCHEFFER, 2013).
O sistema de sade brasileiro formado por trs subsetores: o subsetor pblico, no
qual os servios so financiados e providos pelo Estado, o subsetor privado (com fins
lucrativos ou no), no qual os servios so financiados de diversas maneiras com recursos
pblicos ou privados, e, por ltimo, o subsetor da assistncia mdica suplementar composto
por diversas modalidades de planos e seguros privados de sade (PAIM et al., 2011).
Trata-se, de um sistema de sade visivelmente contraditrio, uma vez que o sistema
pblico, que se prope a garantir o acesso universal e integral como direito de cidadania,
convive com um forte setor privado, sustentado pela compra estatal de servios, e um amplo
segmento de assistncia mdica suplementar subsidiado pelo Estado (SANTOS; UG;
PORTO, 2008; SESTELO; BAHIA, 2014; BAHIA, 2005).
A assistncia mdica suplementar formada pelas empresas de autogesto, as de
medicina de grupo, as seguradoras especializadas em sade, as cooperativas mdicas, as
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administradoras de benefcios e as instituies filantrpicas. No ano de 2014, esse segmento
atingiu a marca de mais 50 milhes de clientes, com uma taxa de crescimento de 2% no
ltimo ano, variando de 5,6% a 2,0% na ltima dcada. As receitas de contraprestaes
somaram, em 2013, 108.271.212.002 milhes de reais, para as mais de 886 operadoras
mdico-hospitalares que atuam no comrcio de planos e seguros privados de sade (ANS,
2014).
A presena de planos e seguros privados de sade na prestao e organizao dos
servios de sade no exclusividade do Brasil, em quase todos os sistemas de proteo
social h convivncia entre o pblico e o privado. Nos EUA, o mercado de planos e seguros
privados cobre os indivduos que so inelegveis ao seguro pblico, na Alemanha oferece
cobertura para os indivduos que optam por retirar-se do programa de seguro pblico
universal, no Reino Unido, caso semelhante ao brasileiro, h uma cobertura suplementar de
servios coexistindo ao sistema pblico universal (SANTOS; UG; PORTO, 2008).
Todavia, destaca-se no caso brasileiro a segmentao do sistema de sade, embora a
universalizao esteja formalmente amparada pela legislao (BAHIA, 2005).
Configurao esta que no fruto do acaso ou algo naturalizado no passvel de
questionamento. Pelo contrrio, compreende-se que o extenso mercado de compra e venda
de planos e seguros privados de sade fruto de um processo histrico, decorrente da
relao estrutural entre o Estado e o mercado, que vem se modificando ao longo do tempo,
na relao dinmica entre a lgica de acumulao capitalista e as relaes polticas entre
classes e grupos heterogneos que disputam a hegemonia na sociedade brasileira (OCK-
REIS, 2015, SESTELO, SOUZA, BAHIA, 2013, ACIOLE, 2003).
O Estado tem sido o grande fomentador da expanso do setor privado, as polticas
estatais praticamente configuraram um capitalismo sem risco, criando um modo de produzir
e consumir os servios de assistncia mdica no Brasil, com forte base mercantil (ACIOLE,
2003). As origens mais remotas desta postura privatizante datam da dcada 30, mas ,
sobretudo, a partir dos anos 60, que as mudanas operadas no contexto da medicina
previdenciria vo promover um largo crescimento da sade privada (OCK-REIS;
ANDREAZZI; SILVEIRA, 2006; MENICUCCI, 2007).
A ampliao da assistncia previdenciria, iniciada com a criao das caixas de
aposentadorias e penses em 1923, passando pelo crescimento da cobertura com os vrios
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Institutos de Aposentadorias e Penses a partir da dcada de 30, no se traduziu em
ampliao correspondente da assistncia sade. Somente com a criao do Instituto
Nacional de Previdncia Social (INPS), quando se concretiza a unificao previdenciria,
que fica explicitada a disposio pblica de tornar a assistncia sade uma poltica
governamental, dentro uma racionalidade claramente privatizante (MENICUCCI, 2007).
A expanso do mercado de servios privados se deu por meio basicamente de duas
estratgias convergentes: a compra de servios privados pelo Estado1 para prestar assistncia
aos segurados do INPS e a transferncia da funo provedora para a iniciativa privada. A
respeito desta segunda estratgia, os chamados convnios-empresa so a concretizao
inicial desse movimento, como forma de transferir do Estado para o mercado a
responsabilidade pela proviso de servios, criando as condies necessrias para o
empresariamento mdico (ALMEIDA, 1998).
Os convnios-empresa representam a gnese do atual mercado de planos e seguros
privados de sade. Tiveram incio com a instalao das indstrias automobilsticas no
perodo do governo Kubistchec (1956-1960), e a introduo de mecanismos de
financiamento desvinculados da previdncia social, em que empresrios e trabalhadores
custeavam a assistncia mdica sob a intermediao das empresas de medicina de grupo ou
dos servios prprios de sade das firmas empregadoras (CORDEIRO, 1984).
O modelo estatal-privatista adotado aps a criao do INPS, a partir de 1967 passou a
adotar convnios entre empregadores e empresas mdicas mediados pelo INPS. Os
convnios eram articulados entre os empregadores e o mercado de planos de sade, mas
previa a restituio pelo INPS empresa, de um valor fixo mensal, por empregado,
correspondente a 5% do maior salrio mnimo vigente e a empresa obrigava-se a dar
atendimento integral aos funcionrios (ANDREAZZI, 1995).
1 O fato de a Previdncia Social assumir a assistncia mdica como uma de suas atribuies no implicou
necessariamente na instalao de uma infraestrutura prpria para a produo de servios de sade. Com a
unificao dos institutos, a existncia de grande demanda reprimida, particularmente dos segurados originados
de institutos menos prdigos, gerou uma presso muito grande sobre as unidades de sade incorporadas pelo
INPS, sem condies de ser atendida de imediato na rede prpria previdenciria. Sem a existncia de uma
poltica de ampliao dos servios prprios, era impossvel o atendimento imediato da demanda por meio da
produo direta, dada a precariedade da rede pblica. A poltica previdenciria de assistncia sade passou a
dar prioridade contratao de servios de terceiros em detrimento da ampliao dos servios prprios. Ao no
se optar pela expanso da rede prpria, a poltica governamental ir favorecer a expanso da rede privada, e
oportunizar a evoluo da assistncia mdica privada, hoje, articulada assistncia mdica suplementar
(MENICUCCI, 2007).
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A expanso de tais convnios intensificou-se com a ampliao dos subsdios tanto
pelo lado da demanda quanto da oferta. Pelo lado da demanda, atravs da renncia de
arrecadao fiscal, uma vez que as normas reformuladas para o custeio e homologao dos
convnios-empresa entre 1974 e 1975 permitiam a deduo de todos os gastos das empresas
com esta finalidade do imposto de renda, e pelo lado da oferta, atravs do financiamento a
juros negativos para construo de hospitais privados e para compra de equipamentos via o
Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social que acabou beneficiando tambm as empresas
mdicas (BAHIA, 1990; WERNECK VIANNA,1998).
Estimulados pela demanda do setor produtivo e legitimados pelo Estado, os grupos
mdicos foram apresentando uma perspectiva empresarial mais slida, incluindo-se aqui
tanto a medicina de grupo quanto as cooperativas mdicas. Simultaneamente, foram
institucionalizadas e definidas as bases do sistema de seguros privados, delimitando as
possibilidades de atuao empresarial dos grupos mdicos, das cooperativas e, mais tarde2,
das seguradoras e da modalidade de autogesto, com a legislao que cria os sistemas
fechados e abertos de previdncia complementar no final dos anos 70 (ALMEIDA, 1998,
BAHIA, 1999).
Nesse sentido, a interferncia estatal foi indispensvel ao fortalecimento do setor
privado, uma vez que, dificilmente, a expanso e a manuteno da rede privada seriam
viveis de forma independente do Estado, tendo em vista os baixos nveis salariais da
populao e o aumento dos custos da assistncia mdica, fatores que inviabilizariam a
compra direta de servios mdicos pela maioria da populao brasileira (MENICUCCI,
2007).
Por outro lado, importante destacar que mesmo estimulando, por meio de polticas
explcitas, as parcerias com o setor privado, numa perspectiva privatizadora, o Estado
abdicou das funes mediadora e reguladora, principalmente pela omisso. Permitiu que as
relaes entre o pblico e o privado vigorassem sem uma robusta interveno, perdendo a
capacidade de regul-las3. Essa ausncia de regras claras para o funcionamento do mercado
e de mecanismos para fiscaliz-lo ainda repercute na atual poltica regulatria que incide
sobre a assistncia mdica suplementar (ALMEIDA, 1998).
2 Quando a SUSEP institui o seguro grupal de assistncia mdico-hospitalar.
3 A regulao dos planos e seguros privados de sade s ocorrer em 1998.
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Os efeitos perversos da lgica privatizante adotada logo comearam a ser sentidos, o
que culminou na deteriorao dos servios previdencirios e na instaurao da crise do setor
sade. Com o esgotamento da capacidade de financiamento da assistncia, e consequente
queda da qualidade dos servios, instaurou-se uma insatisfao generalizada de clientes,
segurados, usurios e prestadores (MENICUCCI, 2007). A chamada crise da sade
previdenciria passou a reclamar por uma soluo nos mais diversos setores da sociedade,
contexto que aliado s presses polticas decorrentes do processo de redemocratizao,
criaria o ambiente propcio ao desenvolvimento de propostas de reforma do sistema de
sade, as quais conduziriam universalizao setor (FARIAS; MALAMED, 2003).
No enfrentamento da crise, o movimento da Reforma Sanitria foi o ator que
conseguiu articular uma proposta coerente para se colocar como alternativa frente
calamitosa situao. A Constituio incorporou a concepo de seguridade social como
expresso dos direitos sociais inerentes cidadania, integrando sade, previdncia e
assistncia e reconheceu o direito sade e o dever do Estado, mediante a garantia de um
conjunto de polticas econmicas e sociais, incluindo a criao do SUS, um sistema
universal, pblico, participativo, descentralizado e integrado (PAIM, 2013).
Contudo, a mudana na orientao privatizante com a conquista da universalizao do
direito sade, na Constituio, no foi suficiente para conter a expanso do mercado de
planos e seguros privados de sade. No incio dos anos 904, momento de implantao do
SUS, o mercado de planos e seguros privados de sade j apresentava sinais de
consolidao, como: o aumento da clientela de planos individuais, a expanso de cobertura
para funcionrios pblicos e a entrada de grandes seguradoras no ramo da sade (BAHIA,
2005).
A conjuntura dos anos 90 em nada contribuiu para reverter a situao. O ajuste da
economia do pas s novas injunes do capitalismo mundial fez com que setores vitais,
4 Ainda no final dos anos 80 a escassez dos recursos estatais no quadro de recesso econmica, faz com que o
setor privado encontre dificuldades para dar continuidade ao seu processo de acumulao, uma vez que
diminua a capacidade de absoro de sua produo por parte do Estado, seu principal comprador. As empresas
mdicas, seguindo uma estratgia de autonomizao, passaram a estabelecer relaes diretas de venda de seus
servios s empresas dos setores mais dinmicos da economia e a consumidores individuais que quisessem e
pudessem contratar seus servios. As empresas mdicas passaram ento a absorver um grande nmero de
profissionais de sade, clnicas e hospitais do setor privado, alterando-se o quadro a que esses prestadores
encontravam-se submetidos, deixando o Estado de ser o comprador quase exclusivo de tais servios (FARIAS;
MALAMED, 2003).
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como a sade e a educao, assistissem a adoo de polticas segmentadas, focais e
compensatrias, que restringiram o escopo de ao do Estado a um mnimo, enquanto se
alargavam as bases de atuao do mercado. Realidade essa que se contrapunha
consolidao de um modelo amplo, eficiente e universal de assistncia sade, ancorado no
Estado e comprometido com a mudana das condies mdico-sanitrias da populao
brasileira (ACIOLE, 2006).
Durante sua implantao, o SUS no foi dotado de capacidade para conter o avano da
assistncia mdica suplementar. O mercado de planos e seguros privados de sade
continuou recebendo apoio do Estado especialmente pela deduo do imposto de renda,
tanto no abatimento no Imposto de Renda sobre Pessoa Fsica dos gastos com planos e
seguros privados de sade, como permitindo que as despesas operacionais das firmas
empregadoras com assistncia mdica sejam reduzidas do montante do lucro lquido,
diminuindo o total sob o qual incide o Imposto de Renda sobre Pessoa Jurdica (OCK-
REIS; ANDREAZZI; SILVEIRA, 2006).
Alm disso, a frouxa regulao, iniciada somente em 1998, ainda no foi capaz de
garantir a comercializao de planos individuais de sade sem clusulas restritivas no
tocante cobertura integral. Em que pese obrigatoriedade da oferta do plano-referncia,
boa parte da ateno s doenas preexistentes, dos servios de alto custo e das cirurgias de
alta complexidade continua sendo prestada pelo setor pblico. Por isso, o no ressarcimento
ao SUS pelos servios prestados aos clientes de planos de sade desde que previstos nos
contratos revela-se como mais um incentivo governamental destinado s operadoras
(OCK-REIS; ANDREAZZI; SILVEIRA, 2006).
O histrico de ressarcimento ao SUS mostra que, desde 1998, dos R$ 1,6 bilho
cobrado das operadoras pela Agncia Nacional de Sade Suplementar (ANS) apenas 37%
(cerca de 621 milhes) foram pagos. Enquanto isso, 19% (mais de R$ 331 milhes) foram
parcelados e 44% (mais de R$ 742 milhes) no foram nem pagos nem cobrados. Isto , um
percentual de 63% das dvidas ainda no foi quitado pelas operadoras. Como possvel
observar, os valores no so baixos. Em 2014, por exemplo, a ANS arrecadou R$ 335,74
milhes, o que corresponde, a quase todo oramento de vigilncia sanitria no mesmo ano
(R$ 370.91 milhes) (BRASIL, 2015; IDEC, 2015; ANS,2015)
19
O que se verifica a sustentao, com recursos pblicos, dos planos e seguros
privados de sade, num contexto onde a flutuao no volume de recursos destinados ao setor
pblico e seu subfinanciamento, presentes desde a institucionalizao da universalizao na
assistncia5, permanecem sendo a regra (ALMEIDA, 1998). Em resumo: o SUS no contou
com financiamento estvel, enquanto os planos de sade contaram com pesados incentivos
governamentais, favorecendo, a um s tempo, o crescimento do mercado e a estratificao
da clientela (OCK-REIS, 2015).
Uma consequncia importante dessa situao foi a limitao do SUS em atingir,
regularmente, o polo dinmico da economia, cujos trabalhadores (setor privado e setor
pblico) teriam, em tese, maior capacidade de vocalizao para lutar pela implantao da
seguridade a exemplo da formao do Estado de bem-estar social europeu no sculo XX.
O sistema brasileiro passou a funcionar claramente de forma duplicada e paralela, num
processo de americanizao perversa 6
da seguridade social (OCK-REIS, 2015).
Se durante o regime militar, eram os anis burocrticos7 que garantiam o
crescimento do setor privado, aps a redemocratizao, a forte influncia do mercado de
planos e seguros privados permaneceu interferindo na definio de polticas e de leis no
setor sade. Ao longo do perodo democrtico ps-regime militar, os grupos empresariais
privados passaram a investir sistematicamente nos espaos de representao poltica para
viabilizar suas demandas particulares. Ao mesmo tempo, permaneceram atentos a iniciativas
de carter normativo emanadas do Poder Executivo. No por acaso, cavaram o front da
disputa pela nomeao de seus representantes diretos em cargos da sade considerados
estratgicos preservao e ampliao de seus negcios (BAHIA; SCHEFFER, 2011).
5 O dispositivo constitucional protecionista (Constituio Federal, Disposies Transitrias, Art. 55), que
vincula 30% do Oramento da Seguridade Social (exceto a parte destinada ao seguro-emprego) ao setor sade
e no ao SUS transitou para o passado. Tal preceito teve vigncia por um ou dois anos, quando muito, pois
estava condicionado promulgao da Lei de Diretrizes Oramentrias (LDO). 6 Termo cunhado por Werneck Vianna (1998) para caracterizar a orientao dada a seguridade social brasileira,
que no avanou no sentido de fortalecer a lgica social, ao contrrio caminhou na direo do fortalecimento
da lgica do contrato. O sistema pblico foi se especializando cada vez mais no (mau) atendimento dos
muito pobres, ao mesmo tempo em que o mercado de servios mdicos, assim como o de previdncia,
conquista adeptos entre a classe mdia e o operariado. 7 Expresso usada para designar durante o regime militar, as relaes entre os grupos econmicos e os
ocupantes de cargos governamentais, que uniram os setores industriais exportadores, contratadores de obras e
extrativo exportadores. O grande capital multinacional e o capital financeiro se articularam aos funcionrios do
Estado (civis e militares) para garantir seus interesses e sustentar a nova etapa da acumulao e do crescimento
econmico.
20
Dados parciais das eleies de 2014 mostram que R$ 8.382.850,00 foram doados a 30
candidatos, sendo uma candidata a presidente, um candidato a senador, 15 candidatos a
deputado federal e 13 candidatos a deputado estadual. Ao todo, 19 operadoras de planos de
sade fizeram doaes a campanhas (BAHIA; SCHEFFER, 2014). Os resultados
consolidados devem ser ainda maiores, j que, em 2010 o setor foi responsvel pela doao
de R$ 12 milhes para 157 candidatos de 19 partidos, enquanto, em 2006, as empresas
tinham repassado R$ 8,6 milhes; um acrscimo de 37,2%. Em relao s eleies de 2002,
quando essas empresas destinaram R$ 1,3 milho, o aumento foi de 746,5% (BAHIA;
SCHEFFER, 2011).
A peculiar insero do mercado de planos e seguros privados de sade no sistema de
sade brasileiro garante uma assistncia mdica supletiva com cobertura suplementar e
duplicada, que compete com o SUS. O mercado contamina o SUS e ameaa sua base de
sustentao poltica, muitas vezes capturada, seja por estratgia de sobrevivncia, seja por
pragmatismo, ou ainda, por adeso pura e simples ao projeto liberal (PAIM, 2005;
SANTOS; UG; PORTO, 2008).
So diversos os efeitos nocivos dessa relao concorrencial: vo desde a deficiente
regulao, at a reduo do financiamento pblico com a renncia fiscal e o boicote ao
ressarcimento, passando pela dupla militncia dos profissionais de sade e pela presso do
complexo mdico-industrial para a ampliao do consumo de produtos e procedimentos
mdico-hospitalares. Como resultado final, h srios impasses para a igualdade no acesso,
pois o segmento suplementar disponibiliza uma oferta de servios hospitalares e,
principalmente, de equipamentos de alta custo muito superior do SUS (OCK-REIS;
SOPHIA, 2009).
Contudo, mesmo diante de um cenrio onde os nveis de utilizao e de oferta dos
servios de sade, especialmente, internaes e atendimentos, so muito maiores para
populao detentora de planos e seguros privados de sade do que para populao em geral
(SANTOS; UG; PORTO, 2008), os clientes da assistncia mdica suplementar convivem
com uma grande heterogeneidade nos padres de qualidade, alm, da fragmentao e
descontinuidade da ateno, que comprometem a efetividade e a eficincia do sistema como
um todo e so grandes produtores de aes judiciais.
21
Boa parte dos litgios entre clientes e operadoras deve-se ao prprio modo de operar
do mercado de planos e seguros privados de sade, uma vez que segue uma radicalizao da
seleo de risco- especialmente em relao s doenas pr-existentes, aos doentes crnicos
e aos idosos - dada sua tendncia inexorvel de excluso para garantir a reproduo do
capital, num contexto de custos e preos crescentes (OCK-REIS; SOPHIA, 2009).
Nem mesmo a regulao da assistncia mdica suplementar, no final da dcada de 90,
conseguiu resolver as principais tenses e reduzir a ocorrncia de litgios. Ainda que a Lei n
9656 de 1998, que regulamenta os planos e seguros privados de sade, e a Lei n n 9961 de
2000 que cria a ANS, tenham representado importantes avanos democrticos, questes
centrais como a regulamentao dos planos coletivos e antigos e um efetivo ressarcimento
ao SUS permanecem em aberto (BRASIL, 1998; BRASIL, 2000).
Nesse sentido, a anlise das aes judiciais relativas assistncia mdica suplementar
pode contribuir para a compreenso do funcionamento do sistema de sade brasileiro, uma
vez que no s identifica o comportamento do Judicirio e sua conformidade com a
legislao, mas tambm desvela os perfis das demandas e dos problemas de sade, as falhas
da regulao e as disfunes do complexo sistema de sade vigente no Brasil (SCHEFFER,
2013, PEPE, et al., 2011).
22
2. OBJETIVOS
2.1 Objetivo Geral
Analisar as aes judiciais relativas assistncia mdica suplementar julgadas no
Tribunal de Justia de Pernambuco nos anos de 2012 e 2013.
2.2 Objetivos Especficos
Descrever as principais caractersticas das aes judiciais relativas assistncia
mdica suplementar julgadas no Tribunal de Justia de Pernambuco nos anos de 2012 e
2013.
Analisar a fundamentao das sentenas judiciais relativas assistncia mdica
suplementar proferidas no Tribunal de Justia de Pernambuco nos anos de 2012 e 2013.
23
3. ARTIGO I - Caractersticas gerais das sentenas judiciais relativas assistncia mdica
suplementar proferidas no Tribunal de Justia de Pernambuco em 2012 e 2013.
RESUMO
Objetivo: Analisar as caractersticas gerais das sentenas judiciais relativas assistncia
mdica suplementar julgadas no Tribunal de Justia de Pernambuco nos anos de 2012 e
2013.
Estratgia metodolgica: Pesquisa descritiva, que analisa as aes judiciais relativas
assistncia mdica suplementar julgadas no Tribunal de Justia de Pernambuco nos anos de
2012 e 2013. A busca foi realizada no site do tribunal, com os descritores: plano de sade,
seguro-sade e sade suplementar. Os critrios de excluso foram: aes repetidas e que
tratavam bens ou servios odontolgicos. Para a coleta de dados foi utilizado um roteiro
semiestruturado e a anlise foi realizada atravs do clculo de frequncias absolutas e
relativas e da anlise da fundamentao das aes. Como se trata de informaes de acesso
pblico, no foi necessrio submeter o projeto de pesquisa ao Comit de tica em Pesquisa.
Resultados: Das 326 aes judiciais estudadas, a maior parte das aes de autoria
individual (95,71%), as operadoras que mais aparecerem so as medicina de grupo (55,52%)
e as empresas de autogesto (26,69%). Os planos privados de sade coletivos esto
presentes em 41,72% das aes e os planos antigos em 15,95%. O principal tema a
negao de cobertura (55,8%), entre os e bens e servios mais citados esto: os
medicamentos, as prteses e outros materiais, as cirurgias e os servios de homecare.
Seguida pela negao de cobertura, est o reajuste devido faixa etria, a resciso unilateral
de contrato coletivo, os benefcios legais em caso de demisso e o prazo de carncia. Em
91.1% das aes a deciso foi favorvel aos clientes.
Consideraes finais: O perfil das aes encontrado neste estudo demonstra que o
aprimoramento da regulao Estatal, o avano no controle social sobre a assistncia mdica
suplementar e a transparncia dos dados econmicos e financeiros do mercado de planos e
seguros privados de sade so imperativos para a reduo dos litgios entre clientes e
operadoras que chegam ao Poder Judicirio.
Palavras-chaves: sade suplementar, planos de sade, Poder Judicirio.
24
ABSTRACT
Objective: To analyze the general characteristics of court decisions relating to supplemental
health judged in Pernambuco Court of Justice in the years 2012 and 2013.
Methodological strategy: Descriptive research, which analyzes the lawsuits related to the
supplementary health care judged in the Court of Justice of Pernambuco in the years 2012
and 2013. The search for the lawsuits was held at the site of the court, with the descriptors:
health insurance and supplemental health. Exclusion criteria were: repeated actions and
dealing exclusively dental goods or services. For data collection it was used a semi-
structured script. The analysis was performed by calculating absolute and relative
frequencies and analysis of this reasoning in the judgment. Once it is public information, it
was not necessary to submit the research project to the Research Ethics Committee.
Results: Of the 326 judicial actions studied, most of the actions is individual authorship (
95.71 % ) , operators that appear more are the group medicine ( 55.52 % ) and self-
management companies ( 26.69 % ) . The private collective health plans are present in
41.72% of actions and the old plans 15.95%. The main theme is the denial of coverage (55.8
%), among the goods and services most frequently mentioned are: drugs, prosthetics and
other materials, surgeries and homecare services. After denial of coverage, it is the
readjustment due to age, the unilateral termination of collective contract, legal benefits in
the event of dismissal and the grace period. In 91.1% of actions the decision was favorable
to clients.
Final Considerations: The profile of the actions found in this study shows that the
improvement of State regulation, the advancement of social control on additional medical
assistance and transparency of economic and financial data of plans, its market and private
health insurance are imperative to reduce disputes between customers and operators who
come to the courts.
Keyword: supplemental health, prepaid health plans, judiciary.
25
INTRODUO
A judicializao da sade um fenmeno que vem gerando discusses tanto no Poder
Judicirio, como entre tcnicos, pesquisadores e gestores da rea da sade. No crescente
nmero de aes judiciais que versam sobre o direito sade, no apenas o Sistema nico
Sade (SUS) alvo dos litgios, mas tambm so cada vez mais expressivos os processos
que dizem respeito assistncia mdica suplementar (AMS).
A judicializao da sade configura-se como uma consequncia do fenmeno mais
amplo da judicializao das relaes sociais e concretiza-se pelas demandas que chegam ao
Judicirio e requerem a satisfao das necessidades no atendidas, quer seja pelo Estado,
enquanto provedor ou regulador da sade, que seja pela iniciativa privada quando no papel
de prestador de assistncia sade, especialmente no mercado de planos e seguros privados
de sade.
No por acaso8, a AMS tem angariado importante crescimento no cenrio da
assistncia sade no Brasil. Dados da Agncia Nacional de Sade Suplementar (ANS) do
conta que, ao fim do terceiro trimestre de 2014, o mercado de planos e seguros privados de
sade contava com mais de 50 milhes de clientes, o que corresponde a uma cobertura de
26,1% da populao brasileira. No Nordeste, esta cobertura chega a 13,43% da populao,
somando 6.840.133 indivduos vinculados (ANS, 2014).
A expanso de planos e seguros privados de sade convive com um grande nmero de
aes judiciais que buscam a reparao de danos supostamente causados pela m qualidade
ou pela ausncia de atendimento aos clientes. As excluses de coberturas, os aumentos
abusivos, os longos perodos de carncia, as rescises unilaterais de contrato e as limitaes
de internaes so os principais desencadeadores das aes judiciais (SOUZA et al., 2007;
SCHEFFER, 2006; SCHEFFER, 2013; ALVES; BAHIA; BARROSO, 2009; OLIVEIRA;
FORTES, 2013).
De um modo geral, o mercado de planos e seguros privados de sade apresenta
diversas caractersticas que favorecem a ocorrncia litgios, como o fato do consumidor no
8 Historicamente, as polticas de sade sempre estimularam o setor privado no Brasil e promoveram a
privatizao da ateno sade, seja por meio de credenciamento de consultrios mdicos, seja pela
remunerao e criao de clnicas especializadas e hospitais ou, atualmente, pelos incentivos s empresas de
planos e seguros de sade (PAIM et al., 2011). As origens mais remotas desta postura privatizante datam da
dcada 30, mas sobretudo a partir da dcada de 60 que a poltica de sade brasileira favorecer a expanso do
setor privado (MENICUCCI, 2007).
26
ter autonomia para decidir o momento em que consumir o servio comprado/segurado, a
incompletude e a assimetria da informao do consumidor em relao ao prestador de
servio, o risco moral9, a seleo adversa
10 e a seleo de risco
11 por parte das operadoras
(CARVALHO; CECLIO, 2007).
Alm das caractersticas inerentes ao setor, no perodo ps-constituinte, a incerteza
presente nas relaes de mercado passa a conviver com as expectativas de justia social, em
que a sade assume o statu de direito social e de um bem de relevncia pblica. Nesse
contexto, negar atendimento de sade, independentemente da natureza do prestador de
servio, implica em responsabilizao jurdica. A lei no probe obter lucro, atuando na rea
da sade, mas nem por isso os valores por ela protegidos deixam de ser a vida e a dignidade
da pessoa humana (SANTOS, 1997).
A ausncia de interferncia estatal sobre o mercado de assistncia mdica suplementar
por mais de 30 anos, aliada falta de regulao dos planos e seguros privados de sade no
Brasil, restringe, sobremaneira, as informaes sobre as dimenses da assistncia sade, o
funcionamento e os aspectos econmicos e financeiros do segmento mdico supletivo
(SCHEFFER, 2006). Por isso, so indispensveis mais investigaes para elucidar questes
ainda obscuras sobre a sade suplementar no Brasil, inclusive no que diz respeito sua
judicializao.
A quase totalidade dos estudos at ento desenvolvidos diz respeito ao universo de
aes que tramitam nas regies Sudeste e Sul e no Distrito Federal, com uma concentrao
de pesquisas no eixo Rio-So Paulo. O nico de abrangncia nacional est restrito anlise
de aes contra uma operadora de autogesto. Nesse sentido, analisar a judicializao da
assistncia mdica suplementar em um estado do Nordeste brasileiro imprescindvel para
ajudar a preencher uma lacuna do conhecimento cientfico no campo da sade coletiva.
Portanto, este artigo tem os objetivos de descrever e analisar as aes judiciais
relativas assistncia mdica suplementar julgadas no Tribunal de Justia de Pernambuco.
ESTRATGIA METODOLGICA
Trata-se de uma pesquisa descritiva, em que so analisadas todas as aes judiciais, do
tipo Agravo de Instrumento (AI), julgadas em segunda instncia no Tribunal de Justia de
9 Mudana de comportamento do segurado em funo de no ter de suportar o custo total do atendimento.
10 Tendncia do sistema de incorporar indivduos de maior risco.
11 Barreiras impostas pelas seguradoras entrada de segurados no sistema, peneirando os de alto risco.
27
Pernambuco (TJPE) no binio 2012-2013 e que dizem respeito assistncia mdica
suplementar.
O TJPE foi escolhido como locus da pesquisa por ser Pernambuco o estado da regio
Nordeste com a maior taxa de cobertura de planos e seguros de sade. Em 2014, a cobertura
atinge 16,9% da populao do estado. Valores bem superiores so encontrados na regio
metropolitana do Recife (31,9% de cobertura) e, na capital, quase metade da populao est
coberta, alcanando 44,4% do total de habitantes da cidade (ANS, 2014).
O AI um recurso contra uma deciso provisria, que ser julgado em segunda
instncia por trs juzes. Sua utilizao na pesquisa deve-se tanto a disponibilidade na
ntegra das aes julgadas em segunda instncia, como dos tipos de ao utilizados na
judicializao da sade. Por se tratar de questes de sade e vida, h urgncia e o juiz de
primeira instncia, onde o processo iniciado, concede a liminar ou a tutela antecipada
tipos de decises provisrias para assegurar a imediata entrega do bem ou servio,
enquanto o mrito discutido ao longo processo. A operadora , ento, obrigada a atender a
imposio judicial, mas tem o direito de recorrer da deciso. Na hiptese de indeferimento
da liminar ou da antecipao de tutela, o cliente tambm pode recorrer. Em ambos os casos
o recurso utilizado na instncia recursal o AI (SCHEFFER; SALAZAR; GROU, 2005).
A busca das aes foi realizada no perodo de setembro e outubro de 2014 no stio
eletrnico do TJPE. Para tanto, foram eleitas como palavras-chaves: plano de sade,
seguro-sade e sade suplementar e como filtros: o perodo de julgamento (2012-2013)
e a classe da ao AI, o que resultou, no ano de 2013, num montante de 289 aes. Destas
foram excludas: as aes repetidas; as que no tratavam da AMS; as que pleiteiem bens ou
servios exclusivamente odontolgicos; e as que tratavam da assistncia mdica
suplementar, mas que o recurso dizia respeito apenas s questes especficas do Direito,
como o correto uso do Cdigo do Processo Civil ou os valores das multas para danos
morais. Aps as excluses, o ano de 2013 totalizou 230 aes. No ano de 2012, foram
identificadas 168, que, utilizando-se os mesmos critrios de excluso, foram reduzidas a 95
aes. Dessa forma, o corpus final de anlise apresentou 326 aes.
Para a coleta de dados foi utilizado um roteiro semi-estruturado (anexo 01) adaptado
de dois instrumentos j validados por Scheffer (2006) e Alves et alii., (2009), dividido em
03 dimenses: caractersticas da ao judicial (identificao dos acrdos, data do
28
julgamento, titularidade do autor da ao, tema da ao, modalidade da operadora, nome da
operadora, forma e data de contratao do plano/seguro, resultado do processo), base legal
(leis, smulas ou jurisprudncias utilizadas), e aspectos regulatrios (normas da ANS,
normas anteriores criao da ANS publicadas por outros rgos, pareceres ou outras
publicaes de associaes e entidades). Como tambm, foi feito o preenchimento de
planilha (anexo 2) com os grifos da fundamentao dos juzes.
A anlise dos dados foi realizada em duas etapas. Na etapa quantitativa utilizou-se o
programa STATA verso 12 para o clculo de frequncias absolutas e relativas, para a
anlise da distribuio dos tipos de operadoras nas aes judiciais foi calculado o indicador
de litigncia, dividindo a populao litigante pela populao total de clientes de cada
modalidade contabilizada pela ANS no perodo. Na etapa qualitativa empregou-se a Anlise
de Contedo de Bardin (BARDIN, 1977).
Como se trata de informaes de acesso pblico, no foi necessria a submisso do
projeto de pesquisa ao Comit de tica em Pesquisa.
RESULTADOS E DISCUSSO
Das 326 aes analisadas nos anos de 2012 e 2013, 71,1% correspondem ao ano de
2013, enquanto 28,9% datam de 2012, o que demonstra um aumento no nmero de aes ao
longo do binio.
No primeiro quesito analisado, a titularidade das aes, a autoria individual representa
mais de 95% do total, os autores coletivos somam uma pequena parcela, apenas 4,3%, sendo
as organizaes no-governamentais (ONG) as principais representantes deste grupo, como
demonstra a tabela 01.
29
Tabela 01. Caractersticas gerais das aes judiciais relativas assistncia mdica
suplementar e julgadas no TJPE nos anos de 2012 e 2013. Pernambuco, 2015.
Titularidade das aes judiciais (N) (%)
Individual 312 95,7
Coletiva/ONG* 9 2,8
Coletiva /MP* 3 0,9
Coletiva/outros 2 0,6
Tipo de contratao do plano
Planos individuais 190 58.3
Planos coletivos 136 41.7
Data da contrao do plano
Anteriores Lei n 9656/98 52 15.9
Posteriores Lei n 9656/98 274 84,1
Modalidade da operadora
Medicina de grupo 181 55.5
Autogestes 87 26.7
Cooperativa Mdica 37 11,3
Seguradora especializada em sade 21 6.5
Resultado das aes judiciais
Favorvel ao cliente 289 88,7
Favorvel operadora 27 8,3
Parcialmente favorvel ao cliente 8 2,4
Parcialmente favorvel operadora 2 0,6 *ONG: Organizaes no-governamentais.
* MP: Ministrio Pblico.
A residual presena de autores coletivos j havia sido apontada por estudos realizados
nos estados do Rio de Janeiro e de So Paulo, sendo as propores encontradas ainda
menores, variando de 0,2% (SCHEFFER, 2006) a 0,4% (ALVES; BAHIA; BARROSO,
2009) dependendo do perodo analisado. Ainda que apresentando um percentual bastante
reduzido, nota-se uma maior proporo de aes com autores coletivos no tribunal
nordestino.
A explicao para a inexpressiva apario de autores coletivos pode estar ligada aos
aspectos especficos dos processos judiciais sobre sade, em que o litgio geralmente
corresponde a uma situao de urgncia, no limite da necessidade do usurio, que apresente
a possibilidade de uma tramitao mais rpida quando arcada individualmente. Pode
tambm ser devida ao fato da propositura de aes por associaes no ser to conhecida
30
pela populao ou ainda ocasionada pelo reduzido nmero de organizaes que atuam
judicialmente no Brasil (ALVES; BAHIA; BARROSO, 2009).
O maior nmero de aes de autores coletivos, com destaque para as ONG,
encontrado neste trabalho em ano mais recente, pode estar revelando um fortalecimento da
atuao da sociedade civil. Com efeito, as associaes de consumidores esto, aos poucos,
se estruturando e se fortalecendo e so fundamentais, pois permitem contestar a legalidade
de prticas e/ou clusulas contratuais abusivas, bem como ocupar espaos legtimos para a
discusso do tema alm da Justia, trazendo impactos polticos significativos (ALVES;
BAHIA; BARROSO, 2009). Vale a pena destacar que, no incio dos anos 90, a sociedade
civil foi um importante elemento de tenso para a regulao dos planos e seguros privados
de sade.
Em relao aos rus - as operadoras de planos e seguros privados de sade -, os que
mais aparecerem como alvos de litgios so as medicina de grupo, seguidas pelas empresas
de autogesto, as cooperativas em terceiro lugar e, em menor escala, as seguradoras
especializadas em sade. No estado de Pernambuco, em dezembro de 2013, a medicina de
grupo somava a maior parte dos clientes: 622.302 no total. Seguidas por ela em ordem
descrente, tinha-se: as cooperativas mdicas com 349.421 clientes, as seguradoras
especializadas em sade aglutinando 252.975 clientes, e, por fim, as operadoras de
autogesto com 147.278 de clientes (ANS, 2014).
A anlise comparada demonstra que as operadoras de autogesto possuem o maior
indicador, ao passo que as seguradoras especializadas em sade esto na ltima posio com
um indicador de 0,14.
Tabela 02. Indicador de litigncia de acordo com a modalidade das operadoras
citadas nas aes judiciais relativas assistncia mdica suplementar e julgadas no
TJPE nos de 2012 e 2013. Pernambuco, 2015.
Modalidade (N) (%) Indicador de Litigncia
Medicina de grupo 181 55.5 0,29
Autogestes 87 26.7 0,59
Cooperativa Mdica 37 11,3 0,24
Seguradora especializada em sade 21 6.5 0,14
A maior litigncia para as empresas autogesto apresentada neste estudo merece
destaque, uma vez que, este o segmento com maior gasto e maior padro de cobertura
31
assistencial, logo contraditrio que apresente a maior litigncia. Segundo os dados da ANS
as empresas de autogesto possuem maior taxa de sinistralidade, sendo de 92,7% em 2013,
quase 10% a mais que a segunda colocada - as cooperativas mdicas - com 83,5%, e lideram
a taxa de internao com 14,1%, e a taxa de consulta mdica em pronto-socorro por pessoa
com 1,3 consultas para cada cliente (ANS, 2014).
No estado de So Paulo (SCHEFFER, 2006) a participao proporcional, como rus,
das operadoras de autogesto foi de apenas 1%, valor bem inferior ao do estado de
Pernambuco. Na pesquisa de abrangncia nacional que analisou as coberturas assistenciais
da Caixa de Assistncia dos Funcionrios do Banco do Brasil, um tipo de autogesto, os
estados com maior nmero de litgios foram do Norte-Nordeste: Bahia (1,68), Roraima
(0,94), Rio Grande do Norte (0,91), Maranho (0,88) e Pernambuco (0,86) (OLIVEIRA;
FORTES, 2013).
. Contudo, neste estudo o recorte temporal limitado a dois anos e o fato de uma nica
empresa de autogesto congregar mais 50% das aes relativas a esta modalidade (das 87
aes judiciais impetradas contra empresas de autogesto 44 dizem respeito a Caixa de
Assistncia dos Funcionrios do Banco do Nordeste do Brasil) podem estar superestimando
a litigncia para as operadoras de autogesto em Pernambuco. Novas investigaes que
considerem o perfil de clientes das operadoras, as diferenas dos mercados de assistncia
mdica suplementar entre as regies do Brasil e as caractersticas das aes judiciais so
necessrias para avanar nesta questo.
Ao analisar as operadoras nominalmente, percebe-se que apenas trs empresas
congregam a metade das aes julgadas. Juntas, a Sul Amrica Seguros, a Caixa de
Assistncia dos Funcionrios do Banco do Nordeste do Brasil e a UNIMED totalizaram
50,31% das queixas que chegaram aos tribunais.
32
Com respeito s caractersticas dos planos e seguros privados de sade, dois aspectos
so importantes para o estudo da judicializao: o tipo de contratao do plano - coletivo ou
individual - e data da contratao do plano - antes ou depois da Lei n 9656/98, uma vez que
os planos e seguros privados de sade contratados em data anterior da lei e aqueles
Tabela 03. Empresas citadas nas aes judiciais relativas Assistncia Mdica
Suplementar e julgadas no TJPE nos de 2012 e 2013. Pernambuco, 2015.
Operadora (N) (%)
Sul America S/A 83 25.46
Caixa de Assistncia dos Funcionrios do Banco do Nordeste do
Brasil
44 13.50
UNIMED 37 11.35
Bradesco Sade S/A 23 07.06
Golden Cross 22 06.75
Excelsior Med S/A 16 04.91
OPS Planos de Sade S/A 16 04.91
Caixa de Assistncia dos Funcionrios do Banco do Brasil 14 04.29
Hapvida Assistncia Mdica 12 03.68
Operadora de Sade Amil/Medial 09 02.76
Sistema de Assistncia a Sade dos Servidores de Pernambuco 09 02.76
Operadora Ideal Sade LTDA 05 01.53
Fundao de Seguridade Social GEAP 05 01.53
Fundao Assistencial dos Servidores do Ministrio da Fazenda 04 01.23
Fundao CHESF de Assistncia e Seguridade Social 03 00.92
Caixa de Previdncia e Assistncia dos servidores da fundao
Nacional de Sade
02 00.61
RECIPREV/SADE RECIFE 02 00.61
PAME - Associao de Assistncia Plena em Sade 02 00.61
ASL Assistncia sade 02 00.61
VIVA PLANOS DE SADE 02 00.61
SISTEL Fundao de Seguridade Social 01 00.31
TELOS- Fundao Embratel de Seguridade Social 01 00.31
Caixa de Assisncia dos Magistrados de Pernambuco CAMPE 01 00.31
MMS Plano de Sade LTDA 01 00.31
BB Seguro Sade Brasil Sade Companhia de Seguros 01 00.31
Qualicorp solues em sade 01 00.31
Omint Servios de Sade Ltda 01 00.31
Intermdica sistema de sade S/A 01 00.31
Grupo servios de medicina LTDA 01 00.31
VIP Sade 01 00.31
Caixa de Assistncia Oswaldo Cruz FIOSADE 01 00.31
ITASEG SADE S/A 01 00.31
Fundao Compesa de Previdncia e Assistncia COMPREV 01 00.31
Petrobrs 01 00.31
33
coletivos ainda carecem de legislao capaz de dirimir os conflitos. Neste estudo, possvel
observar que os planos coletivos esto presentes em 41,72% das aes. Os anteriores lei
somam 15,95%.
Os planos coletivos j representavam 78,9% do total de planos privados de sade
ativos no pas (ANS, 2014). Este processo de coletivizao na adeso a planos privados de
sade destacado na literatura como um efeito da regulao. Na medida em que o
crescimento deu-se, basicamente, pela precificao excessiva dos planos individuais novos
por parte das empresas, isso sob o discurso do risco regulatrio (no interrupo
unilateral do contrato, limitao do reajuste por mudana de faixa etria e controle do
reajuste anual), houve um crescimento dos planos privados coletivos por adeso, onde o
risco individual fica diludo num grupo maior de indivduos (SANTOS; MALTA; MERHY,
2008).
Noutras palavras, os planos privados coletivos sofrem menor controle da ANS, que
no atua em situaes de reajustes de preo e cancelamentos de contrato. Por conta disso, h
resciso unilateral de contratos, imposio de aumentos no previstos em contrato, e a
ocorrncia de reajustes por sinistralidade. O argumento da Agncia para no intervir na
resciso unilateral de contratos est no fato de a Lei n 9.656/98 proibir textualmente a
ruptura dos contratos individuais, mas no fazer qualquer meno aos coletivos. J para os
reajustes, a ANS defende que, nos contratos coletivos, ocorre negociao entre duas pessoas
jurdicas, com suposta paridade de foras, no sendo, portanto, necessria a sua atuao
(IDEC, 2015).
Os planos privados anteriores Lei n 9656/98, representaram 15,9% do total, nmero
ainda expressivo, mesmo passada mais de uma dcada desde a regulamentao. A aprovao
do marco regulatrio significou um grande divisor de guas, passando a existir os contratos
regulamentados (planos novos) e contratos no regulamentados (planos antigos). Essa
diviso foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da liminar na
Ao Direta de Inconstitucionalidade n 193112
, no ano de 2004, quando considerou
inconstitucionais os dispositivos da lei dos planos de sade que regulamentavam contratos
em curso, pois violava o direito adquirido e o ato jurdico perfeito (VIANNA, 2013).
12
Ao Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) n 1931. O excelso Supremo Tribunal Federal concedeu
liminar em 21.08.2003 suspendendo a eficcia do art. 35-E e de parte do 2. do art. 10 da Lei 9.656/98 por
ofensa ao inciso XXXVI do art. 5. da Constituio Federal (ato jurdico perfeito), bem como julgou
constitucional os demais dispositivos da citada legislao.
34
Contudo, a presena de planos novos e antigos tem sido um terreno frtil para a
produo de litgios que envolvem a AMS. Especialmente, no que tange s coberturas
mnimas estabelecidas pela ANS. Desde a edio da Lei n 9.656/98, em todas as normas
seguintes da ANS, h previso expressa no sentido de que a respectiva norma aplicar-se-ia
somente aos planos novos. Os planos antigos permaneceram regidos apenas pela legislao
civil vigente poca de sua contratao e pelo Cdigo de Defesa do Consumidor (CDC).
A primeira tentativa de atuar sobre esta problemtica foi a Lei n 10.85013
de 2003,
que criou meios para incentivar a adaptao e a migrao dos planos privados antigos de
maneira que, mantendo o equilbrio contratual, esses consumidores passassem a ser
beneficiados pela nova regulamentao do setor. A ANS editou o Programa de Incentivo
Adaptao de Contratos14
, que pela definio de prazo para que os consumidores
manifestassem sua inteno, no obteve o xito desejado. Desta maneira, a ANS editou a
RN n 254 de 2011 (alterada pela RN n 263 de 201115
), dispondo novamente sobre a
adaptao e a migrao dos planos privados antigos, agora de forma permanente, ou seja,
sem prazo (VIANNA, 2013).
Apesar da ANS, do Poder Executivo e at do Poder Legislativo reconhecerem a
celeuma que a diviso dos planos em antigos e novos tem gerado, esta ainda uma
questo que permanece em aberto, necessitando de uma resoluo que contribua com a
regulamentao dos planos antigos. No momento, a retroatividade do CDC e, em alguns
casos, do Estatuto do Idoso que tem dado conta de elucidar os conflitos. A retroatividade da
Lei dos planos e seguros privados de sade permanece como um obstculo a ser superado.
Em relao ao tema da ao, o principal motivo que leva os beneficirios aos tribunais
a negao de cobertura. No binio estudado, mais da metade das aes (55,8%) decorre de
13
A Medida Provisria (MP) n 148, de 2003, convertida na Lei n 10.850, de 25 de maro de 2004 [a]tribui
competncias Agncia Nacional de Sade Suplementar - ANS e fixa as diretrizes a serem observadas na
definio de normas para implantao de programas especiais de incentivo adaptao de contratos anteriores
Lei n 9.656/98, de 3 de junho de 1998. 14
RN n 64, de 22 de dezembro de 2003, alterada pela RN n 80, de 1 de setembro de 2004. 15
De acordo com o art. 3 da RN n 254, ao consumidor contratante de plano de sade antigo garantido o
direito de adaptar o seu contrato ao sistema previsto na Lei n 9.656/98, no mesmo tipo de contratao (plano
individual ou coletivo) e na mesma segmentao (ambulatorial e/ou hospitalar, com ou sem obstetrcia), sem
que haja nova contagem de carncias. Fazendo a adaptao, o consumidor estar sujeito a um ajuste no preo
da mensalidade, de no mximo 20,59% (a depender de nota tcnica atuarial apresentada por cada operadora e
aprovada pela ANS), e ter a seu favor, alm das coberturas previstas no contrato antigo, todas as regras da
nova regulamentao dispostas na Lei n 9.656/98 e resolues da ANS.
35
diversos de tipos de coberturas no atendidas pelas operadoras de planos e seguros privados
de sade. Os medicamentos, as prteses e outros materiais, as cirurgias e, por fim, homecare
so os bens e servios que mais produziram conflitos entre empresas e clientes.
Em seguida negao de cobertura, est o reajuste devido faixa etria isso para os
planos contratados anteriormente a Lei n9656/98 , a resciso unilateral de contrato
coletivo, os benefcios legais em caso de demisso e o prazo de carncia, como pode ser
observado na tabela 04.
Tabela 04. Tema das aes judiciais relativas Assistncia Mdica
Suplementar e julgadas no TJPE nos de 2012 e 2013. Pernambuco, 2015.
Tema das aes judiciais (n=326) (N) (%)
Coberturas 182 55,8
Reajuste/Faixa Etria 52 16,0
Resciso unilateral do contrato/coletivo/empresaxoperadora 19 5.9
Benefcio Legal /demisso 17 5.2
Carncia 16 4.9
Reajuste/Sinistralidade 8 2.5
Resciso do contrato por falta de pagamento 5 1.5
Benefcio Legal /aposentadoria 4 1.2
Benefcio Legal/bito 4 1.2
Reajuste/No especificado 2 0.6
Descredenciamento de profissionais 2 0.6
Resciso unilateral do contrato/Individual 1 0.3
Resciso unilateral do contrato/coletivo/empresaxconsumidor 1 0.3
Descredenciamento/outros 1 0.3
Outros 12 3.7
Tipo de cobertura negada (n=182) (N) (%)
Cobertura/medicamento 34 18,6
Cobertura/prteses e outros materiais 31 17,0
Cobertura/cirurgia 24 13,2
Cobertura/homecar 21 11,6
Cobertura/tratamento/hospital e profissionais no credenciados 19 10,4
Cobertura/obesidade mrbida 16 8,8
Cobertura/diversas 10 5,5
Cobertura/cncer 9 4,9
Cobertura/urgncia e emergncia 9 4,9
Cobertura/psiquitrico 7 3,9
Cobertura/dilise 1 0,6
Cobertura/tempo internamento 1 0,6
A negao de cobertura por parte do setor suplementar j sabida, os primeiros
estudos a respeito da judicializao da AMS se debruaram especificamente sobre esta
36
procela. As negativas aparecem em todos os inquritos como o principal objeto das aes,
com porcentagens que variam de 46,2% at 65% do total (SOUZA, et al., 2007, ALVES;
BAHIA; BARROSO, 2009).
Outro tema que vem ganhando espao o reajuste de preos, no estado do Rio de
Janeiro, passou de 3,4% para aes julgadas entre janeiro de 2003 e setembro de 2004, para
29,5% no perodo de setembro de 2004 a agosto de 2005 (ALVES; BAHIA; BARROSO,
2009). A ascenso dos litgios sobre reajuste pode estar associada ao envelhecimento da
populao que possui planos antigos no regidos pela regulao. Com efeito, significativa
a porcentagem de aes, neste estudo, que o Estatuto do Idoso (4,8%) como seu fundamento
o que confirma a hiptese.
Analisando mais detidamente os objetos alvos da negao de cobertura, observa-se, no
TJPE, que os bens de alto custo (medicamentos, prteses, rteses e materiais) somam 35,6%
do total, ao passo que os servios (homecare, cirurgia, dilise), em sua maioria de alta
complexidade, e por isso tambm muito onerosos, totalizam 25,2%. Juntos os
procedimentos de alta complexidade e os insumos de alto custo correspondem a 60,8% de
todas as negativas.
A forte presena de bens e servios especficos deve ser compreendida luz dos
conflitos de interesse que se instauram entre a prtica da medicina e a indstria da sade.
No h como negar, apesar de nem sempre prejudiciais, que a relao entre a indstria
farmacutica e de insumos vem h anos modificando e condicionando a prtica mdica, seja
de forma indireta pela publicidade e financiamento de eventos ou doaes de cortesias,
como tambm, por transaes fraudulentas que no raras vezes se tornam escndalos do
setor (BAHIA, 2015).
O importante a considerar que, entre a cobertura negada e o prognstico, persiste
uma caixa-preta16
que diz respeito s prescries mdicas inadequadas, por vezes, mais
baseadas em incentivos dados aos prescritores do que na melhoria da sade do indivduo.
Essa situao impe regulao e pesquisa em sade uma melhor compreenso das
condutas adotadas, uma discusso sria sobre a autonomia mdica e, acima de tudo, a
16
Toma-se o termo caixa preta baseado em Cohn (2011), onde define Caixa Preta para nomear a
ignorncia que se tem sobre a lgica de acumulao do setor privado do complexo mdico hospitalar, de
natureza filantrpica ou no, e do complexo mdico industrial da sade, e do papel que exerce essa articulao
entre os dois subsistemas nesse processo. Em outras palavras, o grau de conhecimento atual sobre o setor
privado da sade e, consequentemente, sobre sua articulao entre ambos os setores, extremamente escasso.
37
regulao das relaes entre a indstria e a prtica da medicina, que no se restringem
AMS.
A questo da prescrio mdica um tema de preocupao por parte do Judicirio.
Dos 17 enunciados emitidos pelo Conselho Nacional de Justia (CNJ) que tratam da AMS,
seis17
referem-se diretamente a esta questo. Nos enunciados, ntida a preocupao do CNJ
com a insuficincia da prescrio mdica como documento nico a embasar a deciso
judicial, sendo recomendada a consulta a outros documentos de outras instncias, inclusive a
Conitec, rgo responsvel pela incorporao de tecnologias ao SUS. Nesse aspecto, os
Protocolos Clnicos e Diretrizes Teraputicas, podem ser uma importante ferramenta.
imperioso reconhecer que as prescries mdicas podem sofrer influncias externas,
estranhas ao atendimento das necessidades do paciente. A regulao estatal deve assumir o
desafio de reduzir as influncias externas na prescrio de procedimentos e insumos, no no
sentido de limitar a assistncia ou a autonomia mdica, mas sim de garantir estritamente o
interesse do paciente.
Contudo, apesar dos enunciados no CNJ, percebe-se nos argumentos dos juzes nas
aes, que prescrio mdica o nico documento exigido para a tomada de deciso, o que
produz, muitas vezes, uma deciso pouco crtica e, por muitas vezes, automatizada, sem a
considerao, por exemplo, de qualquer tipo de conflito de interesse:
Agravo de instrumento 01: Ressalta-se, contudo, que o tratamento a ser
dispensado ao paciente no depende de juzo a ser exercido pela empresa
administradora do seguro-sade. Em verdade, a competncia para estabelecer o
tratamento de sade adequado para a patologia do paciente do profissional de
sade e, no do plano de sade. notrio que o mdico o sujeito que detm a
formao tcnica imprescindvel ao exerccio da profisso e, dessa forma, o
indivduo apto a promover a elaborao do prognstico, inclusive com relao
quantidade de medicamentos necessrios busca do saneamento da molstia
Agravo de instrumento 02: Cabe operadora do plano de sade autorizar o
procedimento cirrgico indicado, pois ela no livre para escolher o mtodo mais
adequado para o tratamento da doena, por isso compete ao profissional da rea
da sade. cabe ao mdico fazer a indicao de que a modalidade de cirurgia
mais apropriada ao seu paciente e no ao plano de sade
Agravo de instrumento 03: Visto que no cabe a agravante questionar o
tratamento mais adequado ao segurado, pois o profissional apto a tal
recomendao , indiscutivelmente, o mdico especializado escolhido pelo
17
Enunciados: 24, 26, 28, 29, 30, 33.
38
paciente em quem foi depositado o voto de confiana em momento de difcil e
desgastante estado de sade
Agravo de instrumento 04: A gravidade da enfermidade que acomete a
agravada, somada ao conhecimento tcnico do mdico responsvel pelo paciente,
so suficientes para que se confie no tratamento solicitado, mormente sendo ele
uma das poucas possibilidades de manuteno da vida humana. Em que pesem as
alegaes da agravante sobre a inexistncia de registro na ANVISA, deve
prevalecer a confiana do mdico que acompanha a agravada no tratamento
solicitado
No mbito da negao de cobertura ainda se destaca a presena das negativas para o
atendimento de urgncia ou emergncia que aparecem em 4,9% das aes, nmero que deve
ser bem maior no universo da AMS, j que, nem todos os casos chegam justia, pois
demandam para o paciente e seus acompanhantes a prestao de uma assistncia imediata,
com grande possibilidade de ter sido oferecida pelos servios pblicos, sem produzir litgios
que tenham como rus operadoras de planos e seguros privados de sade.
J quanto negao de cobertura para obesidade mrbida e cncer, estes agravos
apresentam porcentagens significativas de negao de tratamento em diversos estudos,
sendo um importante motivo de disputa judicial. O grande nmero de aes motivadas pela
negao de tratamento a estes dois agravos, no se explica apenas pelas altas prevalncias,
mas tambm pela possibilidade de negativa por parte dos planos antigos que limitam a
cobertura das chamadas doenas e leses preexistentes, e alguns at mesmo de doenas
crnico-degenerativas, ou no caso dos planos novos valendo do Rol de Procedimentos da
ANS, j que alguns procedimentos solicitados podem ser considerados estticos.
Diferentemente dos casos da obesidade e do cncer, as coberturas psiquitricas, pela
primeira vez, comparecem com alguma relevncia em estudos sobre a temtica da AMS,
com valores prximos aos das negativas de atendimento de urgncias ou emergncias e de
cncer. Esse fato gera enorme preocupao, pois os transtornos mentais correspondem a
problemas de sade de alta prevalncia, com tendncia de aumento devido s modificaes
na estrutura etria da populao, ao aparecimento de novas tecnologias em sade e ao
processo de urbanizao.
No cerne das excluses de cobertura pelos planos privados de sade dois aspectos
precisam ser destacados. O primeiro a participao do SUS no atendimento daquilo que
no foi coberto. Os dados acima apresentados sugerem que so vultosas as despesas arcadas
pelo sistema pblico, no apenas pelo alto nmero de excluses, mas tambm pelo alto custo
dos procedimentos, bens e servios negados. A quantificao da parcela de procedimentos
39
arcada pelo setor pblico e a ausncia de ressarcimento prevalecem como dois dos
principais impasses da sobreposio entre o pblico e o privado na sade brasileira.
Desde a CPI dos planos de sade em 2002, o ressarcimento ao SUS j colocado
como uma das principais lacunas da regulao. Sendo as negaes de cobertura o principal
objeto das aes, muito provavelmente os servios negados encontram em algum momento,
ou em vrios, amparo do sistema pblico. Os gestores reclamam o ressarcimento desde os
debates para a aprovao da Lei N 9.656, contudo os avanos ainda so pequenos. O
ressarcimento um dos principais temas das disputas entre a regulao e as operadoras,
sendo veementemente questionado por estas, inclusive chegando a ser alvo de uma ao
direta de inconstitucionalidade18
, que no foi acatada pelo STF (SANTOS, 2006).
Uma questo importante que pode contribuir no avano do ressarcimento seu
aprimoramento para torn-lo menos vagaroso. Desde 200519
, todos os procedimentos
previstos nos contratos dos planos privados de sade tornaram-se objeto de ressarcimento.
Contudo, as principais negaes de cobertura so de alto custo e de alta complexidade,
sobretudo eletivas e no-urgentes. Como estas excluses esto previstas em contrato ou no
tm o respaldo da regulamentao inclui-se aqui os planos antigos - no so passveis de
regulamentao nem tampouco essas informaes so registradas (SCHEFFER, 2006).
As limitaes impostas pela lei e a postura das operadoras descrita anteriormente tm
comprometido a efetividade do ressarcimento do ponto de vista financeiro e como
mecanismo de uma maior transparncia na relao pblico-privada. A garantia do
ressarcimento passa pelo conhecimento da totalidade da utilizao do SUS pelos clientes de
planos privados de sade (identificao da utilizao ambulatorial), por uma mudana do
seu marco legal, pelo reconhecimento da imbricao das redes assistenciais do SUS e da
AMS, pelo estabelecimento de um ressarcimento per capita, pelo monitoramento rigoroso
da utilizao da rede do SUS (definio de parmetros aceitveis) e pela punio das
empresas que recorrem a esse expediente (SANTOS, 2006).
O segundo aspecto refere-se aos limites da integralidade no universo da AMS,
determinado principalmente pela estrutura da rede de servios, uma vez que, enquanto o
SUS preconiza a hierarquizao da rede de servios, ordenando-a pela complexidade de suas
aes, o foco dos servios da AMS se d na ateno secundria e terciria sade,
18
ADIN N 1931-98. 19
Atualmente o ressarcimento regido pela Resoluo Normativa RN N 358, de 27 de novembro de 2014.
40
inexistindo, portanto, uma poltica que integre a oferta de servios demanda por cuidados
sade nos trs nveis de ateno (GAMA, et al., 2002).
Por fim, no que diz respeito deciso propriamente dita presente na sentena judicial,
a resoluo da grande maioria dos litgios proferida favoravelmente aos clientes de planos
e seguros privados de sade. Porcentagens semelhantes foram encontradas nos tribunais do
Rio de Janeiro e de So Paulo, demonstrando que o Judicirio tem sido uma importante via
para garantir a assistncia sade nesses casos. Nos tribunais paulistas, para as aes
relativas cobertura assistencial julgadas em segunda instncia, no perodo de 1999 a 2004,
os acrdos favorveis somaram 73,5% do total (SCHEFFER, 2006). Nos anos de 2009 e
2010, esse nmero subiu para 88% (SCHEFFER, 2013). No Rio de Janeiro, nas aes do
tipo tutela antecipada, julgadas entre os anos de 2003 a 2005, os valores variaram, na
segunda instncia, de 72,8% a 78,2% em favor dos beneficirios (ALVES; BAHIA;
BARROSO, 2009). importante destacar a tendncia de aumento de decises favorveis
aos clientes ao longo do tempo.
As altas porcentagens de decises favorveis aos clientes demonstram tanto que o
avano do processo regulatrio permanece sem reduzir os principais conflitos, ao passo que
Poder Judicirio tem se convertido num instrumento para o acesso a bens e servios, sendo
hoje uma importante ferramenta garantidora de direitos para clientes da assistncia mdica
suplementar.
CONSIDERAES FINAIS
Destaca-se, neste estudo, num primeiro plano, a importncia do reconhecimento das
diferenas regionais para a compreenso do sistema de sade brasileiro, no que diz respeito
assistncia mdica suplementar. As distintas coberturas, as variaes na concentrao de
servios e profissionais, o nvel de desenvolvimento social das regies, alm das polticas
locais de sade, tm afetado diretamente o imbricamento entre o pblico e o privado.
Entre as diferenas, vale destacar, em Pernambuco, a grande proporo de empresas
de autogesto citadas nas aes, com valores bem superiores proporo de aes
impetradas nos tribunais do Sudeste que citam empresas de autogesto. Outra diferena a
apario, pela primeira vez com algum destaque, das coberturas psiquitricas como fonte de
litgio na assistncia mdica suplementar.
41
Persiste, neste estudo, a lacuna sobre o perfil dos autores das aes, condio limitante
da anlise. O conhecimento do perfil dos autores de extrema importncia para o
entendimento dos reais efeitos do Poder Judicirio na efetivao da assistncia sade,
como tambm, da distribuio dos grupos sociais nos sub-sistemas (pblico, privado e
suplementar) de sade. Ressalte-se que, em ltima instncia, o perfil dos autores indicar a
capacidade de vocalizao dos interesses dos diversos grupos na organizao sistema de
sade, perpassando pelos tribunais.
Entretanto, no somente as diferenas foram destacadas, os dois grandes ns crticos
da judicializao da assistncia mdica suplementar foram endossados nesta anlise: a
coletivizao dos planos privados e os planos anteriores a Lei n 9656/98. importante
sublinhar que ambos os fenmenos so resultados de respostas polticas, especialmente de
omisso, no processo de disputas e tenses instalado com mais vigor a partir do marco
regulatrio.
Essa omisso em garantir uma regulao mais efetiva sobre os planos privados
coletivos e a no retroatividade da Lei n 9656/98 mantm-se como verdadeiras leiras para
conflitos entre clientes e operadoras, sendo do Judicirio a colheita final. No restam
dvidas que a reduo de conflitos na assistncia mdica suplementar presume a superao
destas duas barreiras. Para tanto, h a necessidade de aproximar a regulao dos planos
privados dos iderios de justia social, o que inclui uma regulao democrtica e que
considere a conformao dual ou segmentada do sistema de sade brasileiro.
A cobertura permanece como a principal fonte de litgio, mas preciso destacar a que
tipo cobertura se refere. Trata-se da cobertura de bens e servios de alto custo e tecnologias
de alta complexidade, para os quais os interesses de restabelecimento da sade disputam
espao com os interesses do mercado, dos profissionais e das operadoras. Isso tudo resulta
numa complexa teia, ainda no elucidada, que no pode ser analisada de modo simplista, a
fim de evitar o uso indevido dos tribunais para a garantia do lucro, em detrimento da sade
da populao.
Por fim, o perfil das aes identificado demonstra que o aprimoramento da regulao
estatal, o avano no controle social sobre a assistncia mdica suplementar e a transparncia
dos dados econmicos e financeiros do mercado de planos e seguros privados de sade so
imperativos para a reduo das arbitrariedades cometidas por parte das operadoras, o que
limitar a ocorrncia dos conflitos que chegam ao Judicirio na forma de aes judiciais, ou
42
ainda, a resoluo dos conflitos em espaos extrajudiciais, como a prpria agncia
reguladora.
Ainda que o Judicirio tenha se mostrado permevel s queixas dos clientes de planos
e seguros privados de sade, o perfil das aes judiciais aqui encontrado luz da
composio dual e competitiva do sistema de sade brasileiro, do aumento progressivo da
cobertura estimulada pelas polticas governamentais, e das fragilidades da regulao,
desenham um cenrio de acirramento da litigiosidade, se no forem adotadas polticas
pblicas que revertam a forte estratificao social inerente assistncia mdica suplementar
constituda no Brasil.
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