UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE GEOGRAFIA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA - BACHARELADO
DA RESISTÊNCIA À CONQUISTA DA TERRA: AS FORMAS DE MANIFESTAÇÕES DE LUTA PELA TERRA EM MINAS GERAIS
FABIANA BORGES VICTOR
UBERLÂNDIA-MG 2014
FABIANA BORGES VICTOR
DA RESISTÊNCIA À CONQUISTA DA TERRA: AS FORMAS DE MANIFESTAÇÕES DE LUTA PELA TERRA EM MINAS GERAIS
Monografia apresentada ao Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia como requisito à obtenção do título de Bacharel em Geografia. Orientador: Prof. Dr. João Cleps Junior
UBERLÂNDIA-MG 2014
FABIANA BORGES VICTOR
DA RESISTÊNCIA À CONQUISTA DA TERRA: AS FORMAS DE
MANIFESTAÇÕES DE LUTA PELA TERRA EM MINAS GERAIS
Uberlândia, 29 agosto de 2014.
Banca Examinadora:
____________________________________________________________
Prof. Dr. João Cleps Junior (Orientador) - UFU
____________________________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Cervo Chelotti - UFU
____________________________________________________________
Ms. Natália Lorena Campos - UFU
Aos meus queridos pais Que me deram a vida,
Que me deram colo, abraços, carinho, amor.... E acima de tudo,
Ensinaram-me a viver.
AGRADECIMENTOS
Tudo que construímos ao longo da vida tem a participação de pessoas queridas, que
muito nos ajudam mesmo sem saber. Obrigada a Deus pelo que me é concedido.
Agradeço ao meu orientador João Cleps Jr. A aprendizagem foi e continua sendo
única, fundamental para minha formação profissional e também pessoal, me ajudando nas
escolhas e confiando em nosso trabalho.
Família! Agradeço à minha mãe Sirlene, por estar presente sempre que precisei, e
mesmo quando estava longe, eu sabia que tinha seu apoio, me dando bons conselhos que me
ajudaram a trilhar o caminho. Ao meu pai Sirlaine, que dedicou às filhas todo o seu amor.
Você se foi muito cedo, deixou saudades eternas, mas guardo na lembrança todos os
ensinamentos e os momentos felizes. Agradeço aos meus pais pelo colo, abraços, críticas,
pelo intenso amor e carinho com que cuidaram de nós.
Fernanda, minha querida irmã. Obrigada pelas extensas conversas madrugada adentro,
pelos abraços apertados nos momentos mais difíceis, e nos melhores momentos
principalmente. Você diversas vezes foi meu exemplo, minha inspiração, sendo essa pessoa
forte e decidida a quem admiro tanto. Obrigada por cuidar de mim enquanto crescia. Breno
Victor, você me mostrou que o amor é muito maior do que eu pensava, você é uma criança
incrível, inteligente, engraçado, e sei que vai muito longe. Conte comigo para tudo.
Aos meus tios-padrinhos também agradeço muito. Silma e Célio, vocês são peças
fundamentais em minha vida, pessoal e profissional, fazendo parte de todas as minhas
conquistas. Muito aprendi durante nosso tempo juntos, e ainda tenho a aprender. Respeito e
admiro vocês. Vovós e vovôs, Tia Siméa, Padrinho Nire, Madrinha Guite, Lud, Naia, Neno,
Antônio, Suellen, Madrinha Solange, Padrinho Valdivino, Tia Leisinha, Gisele, Tio Nei, Tio
Neidinho, penso em vocês com o maior carinho que existe dentro de mim, e sou imensamente
feliz em fazer parte dessa família que só tem pessoas ímpares.
Natália Pereira, obrigada! Por ser essa pessoa gentil, educada, solidária, severa quando
precisa e acima de tudo, tão engraçada. Espero que continuemos a falar tantas besteiras,
afinal, os dias ficam bem mais interessantes assim. Você é responsável por muitos
ensinamentos, principalmente nas tentativas e acertos na hora de desenhar o futuro. E nunca
se esqueça, “sempre haverá sanduíche de queijo”. E também ao meu pequeno-grande amigo
Victor Pereira, com quem divido momentos de diversão, e quem ajuda a cuidar dos
bagunceiros Darwin e Scoob. Ao Natanael e Ivanilda, obrigada, sei que construímos uma
relação de amizade e respeito.
Participando do Laboratório de Geografia Agrária, fiz importantes amizades, e os
trabalhos diários se tornaram mais ricos e interessantes com a contribuição de cada um. Em
especial ao Ricardo Luis, querido amigo pra vida toda. As ajudas na graduação foram
fundamentais, e as conversas então nem se fala. Quero continuar essa amizade “até sempre”. Ao
Thiago Rosa, te pergunto onde arranjamos tantas piadinhas que só a gente entende. Espero que
continuemos com essa imaginação, fundamental até mesmo durante as aulas e trabalhos de
campo. Sua amizade faz a diferença em minha vida. Não poderia me esquecer do Geraldo, Daise,
Jéssica, Raquel, Genaro, Ricardo Leite, Márcia, obrigada pelas conversas e estudos.
Aos amigos da graduação, Daniele Araújo, Gilson, Dércio, William, amizades valiosas
que continuaram fora da sala de aula. E também aos amigos de outros momentos, que fazem
parte da minha vida há um tempo, em especial ao Pedro e César, Daniele Borges, Ana e Lara.
Agradeço pelo companheirismo que conquistamos.
Natália Lorena Campos, tenho a agradecer duplamente. Primeiro, pela bela amizade
construída ao longo desses anos, conversando sobre tantas coisas e às vezes sobre coisas sem
sentido. Pelos conselhos trocados, mas que nem sempre foram seguidos. Mesmo assim a vida
nos ensina.
Agradeço aos professores da graduação e em especial do LAGEA, João, Geisa,
Marcelo e Vera.
Ao Prof. Dr. Marcelo Cervo Chelotti, obrigada pela participação na defesa deste
trabalho, e pelas contribuições desde o início da graduação, nas aulas e encontros do
laboratório. À Ms. Natália Campos (segunda vez) por ter gentilmente aceito meu convite em
participar da banca, tenho certeza que dará importantes contribuições, isso justifica a escolha.
Não poderia me esquecer da ajuda das secretárias do Instituto de Geografia, Mizmar e
Cynara. Os alunos às vezes “dão trabalho”, mas vocês sempre nos auxiliam, e nunca deixam
de lado a educação e gentileza no atendimento.
À PROEX (UFU) e CNPq, pelo auxílio às pesquisas que desenvolvemos na academia.
Enfim, agradeço a todos e por tudo!
RESUMO
O trabalho aqui apresentado versa sobre as manifestações de luta pela terra, empreendidas pelos movimentos sociais no estado de Minas Gerais no início do século XXI, tendo como fonte de dados o Banco de Dados da Luta pela Terra - DATALUTA e a Comissão Pastoral da Terra - CPT. O objetivo principal é elaborar uma tipologia a partir das formas de ação, das reivindicações levadas à discussão e ao conhecimento do Estado e da população, e por fim dos espaços apropriados pelos movimentos. Entendida como dimensão da questão agrária atual, a manifestação se configura em fundamental estratégia de ação e reação diante dos problemas enfrentados pela população do campo, que percebe as possibilidades de mudança a partir das contestações ao modelo de desenvolvimento vigente, pautado principalmente no agronegócio e na concentrada estrutura fundiária. Nessa estrutura dominante, por sua vez, são identificados os conflitos no campo, marcados diversas vezes por intensa violência nas disputas territoriais, políticas e econômicas. Por meio do presente estudo, buscamos contribuir para o debate das transformações do campo e da realidade agrária a partir das manifestações no processo de luta pela terra. Palavras-chave: Manifestações. Luta pela terra. DATALUTA. Minas Gerais.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Reportagem Jornal O Tempo 71
Figura 2 - Reportagem Página do MST 74
Figura 3 - Reportagem Página do MAB 75
Figura 4 - Reportagem Radioagência NP 76
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Minas Gerais - Participação dos movimentos sociais em ocupações de terra,
1990-2012 39
Gráfico 2 - Brasil - Assassinatos e julgamentos, 1985-2013 43
Gráfico 3 - Minas Gerais - Número de ocupações de terras por ano, 1990-2012 48
Gráfico 4 - Minas Gerais - Assentamentos rurais criados por ano, 1986-2012 50
Gráfico 5 - Minas Gerais - Relação do número de manifestações e pessoas envolvidas,
2000-2012 53
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 - Minas Gerais, ocupações por município, 1990-2012 47
Mapa 2 - Minas Gerais - Assentamentos rurais por município, 1986-2012 51
Mapa 3 - Minas Gerais - Manifestações por município, 2000-2012 54
Mapa 4 - Minas Gerais - Tipologia das manifestações – Concentração em espaço público,
2000-2012 61
Mapa 5 - Minas Gerais - Tipologia das manifestações – Ocupação de prédio público,
2000-2012 62
Mapa 6 - Minas Gerais - Tipologia das manifestações – Bloqueio de rodovia, 2000-2012 63
Mapa 7 - Minas Gerais - Tipologia das manifestações – Temática, 2000-2012 64
Mapa 8 - Minas Gerais - Tipologia das manifestações – Caminhada, marcha e romaria,
2000-2012 66
Mapa 9 - Minas Gerais - Tipologia das manifestações – Acampamento, 2000-2012 67
Mapa 10 - Minas Gerais - Tipologia das manifestações – Ocupação de agência bancária,
2000-2012 68
Mapa 11 - Minas Gerais - Tipologia das manifestações – Ocupação de prédio privado,
2000-2012 69
LISTA DE ORGANOGRAMA
Organograma 1 - Estrutura do Banco de Dados da Luta pela Terra - DATALUTA 30
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Fontes consultadas DATALUTA-MG – 2014 32
Quadro 2 - Brasil - Assassinatos e julgamentos, 1985-2013 42
Quadro 3 - Minas Gerais - Assentamentos rurais criados por período de Governo 50
Quadro 4 - Tipos de manifestações identificados pela CPT 57
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Minas Gerais - Número de ocupações por mesorregiões, 1990-2012 46
Tabela 2 - Formas de obtenção dos assentamentos rurais, 1986-2012 51
Tabela 3 - Minas Gerais - Manifestações por mesorregião, 2000-2012 52
Tabela 4 - Minas Gerais - Tipos de manifestações, 2000-2012 59
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ALMG – Assembleia Legislativa de Minas Gerais ANOTER – Associação Nacional dos Órgãos Estaduais de Terras CEDEFES – Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura CPT – Comissão Pastoral da Terra DATALUTA – Banco de Dados da Luta pela Terra FHC – Fernando Henrique Cardoso GECA – Grupo de Estudos em Geografia Agrária, Conservação da Biodiversidade e Pantanal GEOLUTAS – Laboratório de Geografia das Lutas no Campo e na Cidade GETEC – Grupo de Estudo sobre Trabalho, Espaço e Campesinato IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária ITER – Instituto de Terras do Estado de Minas Gerais LABERUR – Laboratório de Estudos Rurais e Urbanos LABET – Laboratório de Estudos Territoriais LAGEA – Laboratório de Geografia Agrária LCP – Liga dos Camponeses Pobres LOC – Liga Operária Camponesa MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário MLST – Movimento de Libertação dos Sem Terra MPA – Movimento Dos Pequenos Agricultores MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra NEAG – Núcleo de Estudos Agrários NERA – Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária OCCA – Observatório dos Conflitos no Campo PA – Projeto de Assentamento PE – Projeto de Assentamento Estadual PNRA – Plano Nacional de Reforma Agrária PRB – Projeto de Reassentamento de Atingidos por Barragens PROEX – Pró-Reitora de Extensão, Cultura e Assuntos Estudantis SNCR – Sistema Nacional de Cadastro Rural UDR – União Democrática Ruralista UFU – Universidade Federal de Uberlândia UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 12 1. “A LIBERDADE DA TERRA É ASSUNTO DE TODOS”: atualidades da questão agrária e o contexto das lutas no campo ........................................................................... 16
1.1. A Questão Agrária brasileira: debates e apontamentos ainda necessários .............. 16 1.2. As contradições no campo e as disputas territoriais .............................................. 23 1.3. Banco de Dados da Luta pela Terra: metodologia de pesquisa da questão agrária ............................................................................................................... 28
2. “TERRA NÃO SE GANHA, TERRA SE CONQUISTA”: as estratégias de ação promovidas pelos movimentos sociais ...................................................................... 34
2.1. Dinâmicas e ações dos movimentos sociais: as categorias de análise em debate ... 34 2.2. Os movimentos sociais de luta pela terra .............................................................. 38 2.3. A luta pela terra e os conflitos no campo em Minas Gerais ................................... 40
3. DA RESISTÊNCIA À CONQUISTA DA TERRA: as manifestações e suas variadas formas ................................................................................................................................. 56
3.1. Os tipos de manifestações realizadas pelos movimentos sociais ............................ 56 3.2. O conteúdo das manifestações e as reivindicações materializadas ......................... 71 3.3. O papel da mídia na divulgação e interpretação dos fatos ..................................... 77
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 82 5. REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 85
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INTRODUÇÃO
Uma estrutura agrária menos concentrada, justa distribuição das terras e melhores
condições de vida e trabalho. Esse tem sido historicamente o objetivo e processo das lutas
camponesas no Brasil, que tem como justificativa fundamental da luta a conquista do direito à
terra de trabalho. Por um lado está o camponês, sem o lugar de cultivar e reproduzir seus
modos de vida e trabalho junto à família, e do outro, os grandes proprietários representando o
agronegócio que concentra a terra e controla a produção, fazendo da terra uma mercadoria, e
não a fonte de reprodução da vida humana.
Trata-se de um cenário complexo, que reflete as condições e contradições
socioeconômicas da população, não só do campo, mas sim na sua totalidade, rural e urbana.
Pois é do campo que provém o alimento destinado às casas, escolas, hospitais, instituições etc,
e a produção de alimentos versus produtos para exportação, por exemplo, é uma das
discussões pertinentes na análise da questão agrária. Compreender as dimensões dessa
temática e da luta pela terra permite desvendar os diferentes significados e sujeitos envolvidos
na disputa por dois modelos de desenvolvimento, o modelo hegemônico ditado pelas regras
financeiras de um comércio mundial, e em contrapartida uma proposta que visa destinar as
terras aos que dela necessitam para viver e trabalhar, promovendo assim uma redução das
desigualdades sociais impostas.
Se então essa realidade é colocada, cabe discutir as ações e reações apresentadas,
sejam por aqueles atingidos diretamente pelo problema, trabalhadores rurais, sem-terra,
pequenos produtores, entre outros, inseridos nos movimentos sociais, seja pelos demais que se
identificam e apoiam a causa. Considerando as manifestações de luta pela terra, promovidas
pelos movimentos sociais, uma das formas de ação neste contexto, tornam-se o objeto de
estudo do presente trabalho.
Nesta temática, temos a importante contribuição do Banco de Dados da Luta pela
Terra – DATALUTA1, que pesquisa e fornece os dados referentes à questão agrária brasileira,
servindo de subsídio a pesquisadores e no desenvolvimento de estudos que possibilitam
compreender e até mesmo propor soluções aos problemas inerentes ao campo.
O objetivo principal deste trabalho é o estudo da territorialização e das dinâmicas da
luta pela terra e questão agrária no estado de Minas Gerais, a partir das manifestações e seus
1 O Banco de Dados da Luta pela Terra - DATALUTA é um projeto de pesquisa e extensão com o objetivo de coletar, sistematizar e realizar estudos e pesquisas nas temáticas da questão agrária e da Reforma Agrária no Brasil.
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conteúdos promovidas pelos movimentos sociais, considerando os dados a partir do ano 2000.
Desse modo, busca-se contribuir para o debate e compreensão das transformações ocorridas
no campo a partir do processo de luta pela terra, especificamente segundo as manifestações,
tendo como recorte espacial o estado de Minas Gerais. Compreender a questão agrária no
Brasil atual e como se estruturam os movimentos sociais e suas estratégias de luta é no que se
baseia este estudo.
A modernização da agricultura, a partir de 1950, se configura como fator fundamental
na mudança da estrutura do campo no Brasil, e para Minas Gerais as transformações também
foram acentuadas, principalmente devido às suas características físicas como, por exemplo,
topografia plana que facilita o uso de maquinários. O agronegócio se constitui atualmente
como uma das principais atividades econômicas, recebendo consideráveis incentivos
financeiros, e insere o estado de Minas Gerais na economia nacional e também internacional,
visto que a maior parcela da produção é voltada para exportação. Tais fatores geram a
desigual estrutura fundiária que expropria o camponês.
Do mesmo modo, foi nos anos 1950 e 1960 que as lutas no campo foram
intensificadas com a criação das ligas camponesas e o surgimento dos primeiros movimentos
sociais, fazendo com que a luta pela terra e os conflitos no campo apresentasse um
significativo aumento. O Estado também exerce papel fundamental nesta configuração como
principal articulador pelo desenvolvimento do agronegócio, tornando-se imprescindível
entender as ações dos governos estaduais e federal, tanto no âmbito do agronegócio quanto
para os sujeitos que trabalham na terra.
No contexto da reforma agrária brasileira, Minas Gerais apresenta um significativo
número de movimentos envolvidos nos conflitos e ocupações de terras, compreendendo
atualmente mais de vinte organizações em todo o estado. A partir dos dados do DATALUTA
é possível identificar e espacializar a ação dos movimentos sociais no estado mineiro e, por
outro lado, compreender a problemática agrária e a intensificação dos conflitos no campo.
Decorrente de pesquisas realizadas durante a graduação, o trabalho ora apresentado
discute alguns resultados obtidos a partir de projetos desenvolvidos no Laboratório de
Geografia Agrária - LAGEA, do Instituto de Geografia da Universidade Federal de
Uberlândia - UFU. A partir do ingresso no referido laboratório no início de 2010, a atuação
como colaboradora no projeto Agricultura Familiar como base para o Desenvolvimento
Territorial Local e Sustentável: avaliando experiências de projetos de Reforma Agrária no
Triângulo Mineiro, apoiado pela Pró-Reitoria de Extensão, Cultura e Assuntos Estudantis
(PROEX/UFU), permitiu o contato inicial com as temáticas da reforma agrária e
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assentamentos rurais. O projeto teve como principal objetivo a reflexão sobre as políticas
públicas de desenvolvimento rural e intercâmbio interinstitucional por meio de estudos de
experiências locais sobre as formas de organização dos assentamentos rurais e visando o
fortalecimento da agricultura familiar nos projetos de reforma agrária.
Também em 2010, os estudos foram desenvolvidos na pesquisa Territorialização do
Capital e Luta pela Terra em Minas Gerais: Uma Pesquisa sobre os Movimentos
Socioterritoriais do Triângulo Mineiro, sendo um projeto de extensão financiado também
pela PROEX/UFU, atuando assim como bolsista. Buscou-se de modo geral a elaboração de
banco de dados sobre a Reforma Agrária e desenvolvimento de metodologia de referência
para os estudos da questão agrária e dos movimentos socioterritoriais em Minas Gerais,
articularmente na região do Triângulo Mineiro.
Já em 2011, a continuidade dos estudos e debates se deu a partir do projeto de
Iniciação Científica Geografia dos Conflitos no Campo em Minas Gerais: pesquisas,
metodologias e estudos a partir do Banco de Dados da Luta pela Terra – DATALUTA,
financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico - CNPq, atuando também
como bolsista. Neste projeto, desenvolvemos estudos sobre os conflitos no campo em Minas
Gerais por meio da sistematização e utilização de metodologias para elaboração e análise dos
dados básicos da reforma agrária a partir do DATALUTA, com base nas categorias
ocupações, manifestações, assentamentos rurais, movimentos socioterritoriais e estrutura
fundiária.
E por fim, em 2012 e 2013, foi desenvolvido o projeto de Iniciação Científica Questão
Agrária, Território e Agronegócio em Minas Gerais: as disputas territoriais na produção de
agroenergia no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, por meio de bolsa do CNPq. A pesquisa
objetivou compreender o movimento de expansão do agronegócio voltado para a produção de
agroenergia em Minas Gerais e Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba e suas implicações sobre a
reprodução familiar/camponesa através de pesquisas em áreas e projetos de Reforma Agrária.
Diante desta breve apresentação, os projetos desenvolvidos na graduação demonstram os
caminhos trilhados para se chegar à elaboração da presente pesquisa.
O trabalho está estruturado em três fases, delimitando cada um dos capítulos, tendo
como recorte espacial o estado de Minas Gerais. Num primeiro momento, abordamos a
discussão da questão agrária na atualidade, conflitos no campo e disputas territoriais,
debatendo os conceitos na compreensão dos elementos históricos e também das novas
características que delineiam a temática. Ainda neste primeiro tópico, apresentamos a
metodologia da pesquisa DATALUTA, fonte de informações neste trabalho.
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Na fase seguinte, apresentada como o segundo capítulo, a primeira discussão se dá em
torno das categorias de análise utilizadas pelo DATALUTA, a saber, assentamentos,
ocupações, estrutura fundiária, movimentos socioterritoriais e manifestações, entendendo-as
como dimensões da luta pela terra. Para o segundo subitem, são tratados os números dos
conflitos no campo mineiro, a partir das categorias de análise, construindo assim a
espacialização das ações em todo o estado. Seguidamente são apresentados os movimentos
sociais mais atuantes em Minas.
O terceiro momento diz respeito especificamente às manifestações e seus conteúdos,
trabalhando assim os tipos identificados, o teor de cada ação e a quem são direcionadas as
reivindicações. Em corroboração a essa análise, são utilizadas reportagens que exemplificam
as manifestações, permitindo ao mesmo tempo uma discussão quanto ao papel da mídia na
veiculação dos fatos, e como esta cumpre tal função. Posteriormente, e como etapa que
finaliza o trabalho, são pontuadas as considerações finais que visam também dar continuidade
à pesquisa em futuros estudos.
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1. “A LIBERDADE DA TERRA É ASSUNTO DE TODOS”2: atualidades da questão
agrária e o contexto das lutas no campo
O primeiro capítulo pretende situar as discussões acerca da questão agrária no Brasil,
especialmente no estado de Minas Gerais. Claramente se faz fundamental o resgate histórico,
visto que, o que temos hoje são resultados e consequências desse longo processo de
concentração fundiária e desigualdades sociais no campo.
A principal fonte de dados é a pesquisa DATALUTA. Os resultados das pesquisas, por
meio de relatórios, têm sido usados para apresentar e discutir a atuação dos movimentos
sociais, analisando os processos de territorialização e espacialização dos sujeitos que lutam
pela terra em Minas Gerais, assim como o contexto da estrutura fundiária e as ocupações de
terras nos diferentes estados brasileiros. Sendo assim, o DATALUTA e seus produtos
permitem a interpretação da histórica concentração fundiária brasileira, fundamentada nos
interesses políticos elitistas, que levam à miséria milhares de trabalhadores do campo, e
possibilitam um desenvolvimento parcial com base no agronegócio. Contribuem também na
análise das ações governamentais e seus esforços em garantir o acesso à terra.
1.1. A Questão Agrária brasileira: debates e apontamentos ainda necessários
Muito se fala e se discute acerca da questão agrária brasileira. Trata-se de um tema que
desvenda o cenário, passado e presente, do campo no Brasil, revelando suas principais
características e elementos, permitindo assim o debate, que com certeza ainda não se findou.
A questão agrária, como afirmam diversos autores, seria um assunto resolvido se as condições
de trabalho e de vida daqueles que vivem no campo, e da terra tiram seu sustento e de sua
família, atingissem um grau adequado econômica e socialmente, retirando-os da miséria ou
das condições de subsistência, passando a usufruir dos meios de produção e dos lucros do seu
próprio trabalho.
Entretanto, não é esse o cenário com o qual nos deparamos. Temos no Brasil agrário
uma concentração de terras herdada da época da colonização, uma realidade que pouco foi
modificada no decorrer da História, sendo essa estrutura concentrada uma das raízes do Brasil
quanto a ocupação do território.
2 Trecho do poema A fala da terra, de Pedro Tierra, disponível em http://www.mcpbrasil.org.br/o-mcp/poemas/item/189-pedro-tierra-a-fala-da-terra. Acesso em jul. 2014.
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Sendo a questão agrária brasileira a problemática que fundamenta a presente pesquisa
científica, embasamo-nos em importantes concepções. Prado Jr (1979) debate a questão
agrária a partir da perspectiva da “relação de efeito e causa entre a miséria da população rural
brasileira e o tipo da estrutura agrária do País, cujo traço essencial consiste na acentuada
concentração da propriedade fundiária” (p. 18). A valorização humana é colocada em ênfase
para o autor, pela qual se deve pensar a melhor condição social do trabalhador rural e
camponês a partir do acesso à terra, considerando as desigualdades e contradições. Como bem
afirma, os problemas agrários, como qualquer outro problema social e econômico, são antes
de tudo humanos.
Guimarães (1981) aponta uma dualidade em nossa estrutura agrária, dividida
fundamentalmente em dois setores representativos de duas classes antagônicas, cujos conflitos
de interesses definem toda a nossa história. Nesse sentido, apontamos a contradição do
desenvolvimento econômico no Brasil, que atende as necessidades dos grandes proprietários
por um lado, porém não é eficiente para o todo, onde a classe não latifundiária, do trabalhador
rural e pequenos proprietários, acaba prejudicada.
Stédile (2005) traz também contribuições na análise da questão agrária e a concebe
“como o conjunto de interpretações e análises da realidade agrária, que procura explicar
como se organiza a posse, a propriedade, o uso e a utilização das terras na sociedade
brasileira” (p. 16). A partir de Graziano da Silva (1990), a discussão sobre a questão agrária
apresenta-se relevante devido ao fato de ser agravada pela expansão das relações capitalistas
de produção no campo, trazendo impactos negativos para a população rural.
Pela análise crítica da Geografia, a questão agrária é entendida como o conjunto de
problemas quanto ao desenvolvimento da agropecuária e das lutas de resistência dos
trabalhadores, problemas esses que são intrínsecos ao processo desigual e contraditório das
relações capitalistas de produção (FERNANDES, 2001). Trata, desse modo, das
consequências geradas pelo desenvolvimento do capitalismo no campo, que entendemos ser o
responsável pelas expropriações, explorações e subordinações em favor da manutenção da
alta produtividade e da concentração da terra e da renda. São as contradições do campo
brasileiro que definem essa concepção da questão.
Numa perspectiva mais atual sobre o assunto, que engloba novos elementos e desafios
para o debate, Paulino (2006) afirma que a questão agrária não está circunscrita apenas à produção agrícola, mas também aos impactos que se acham inscritos nas diversas dimensões organizativas da sociedade. Ao preconizar um regime de coerção sobre os
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trabalhadores, vinculando suas possibilidades de reprodução às conveniências de um empreendimento instável, primordialmente voltado à satisfação de necessidades externas ao povo brasileiro, o modelo agro-exportador lança seus desagregadores tentáculos às demais esferas produtivas, que o tem reproduzido, seja pelo fato de haver oferta de trabalho em excesso, seja pela cultura espoliativa disseminada no circuito patronal, em muitos casos camuflada por roupagens modernas (PAULINO, 2006, p. 69).
Desse modo, tem-se as consequências do modelo agrícola vigente no Brasil, que
interfere não apenas na economia, mas sim em todas as esferas da sociedade, política, social,
econômica e por que não, cultural. Estes são os resultados do modo de produção capitalista
que visa o desenvolvimento, entretanto, um desenvolvimento desigual. O latifúndio e a
superexploração do trabalho são cristalizados como pilares fundamentais da vida econômica e
social no campo, devido ao predomínio de grandes empresas agrícolas que organizam sua
atividade produtiva com base no controle de vastas extensões de terra e no amplo contingente
de mão de obra barata, produzindo mercadorias em larga escala a partir do regime de
monocultura. Prossegue o autor, Herança não resolvida da economia colonial, tal padrão de organização da agricultura tem revelado surpreendente capacidade de resistir à força do tempo e de opor-se a qualquer iniciativa de democratização do mundo rural. A estabilidade da estrutura fundiária na história brasileira – expressa na inabalável rigidez do índice de Gini – deixa patente a perfeita simbiose entre modernização técnica e latifúndio. A baixa renda do trabalho no campo evidencia a estreita correlação entre agronegócio e superexploração (SAMPAIO JR, 2013, p. 190).
Segundo o Censo Agropecuário 2006 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -
IBGE, a evolução do Índice de Gini, utilizado para medir as desigualdades na distribuição do uso
da terra, registra que em 1985 o Brasil apresentou 0,857; em 1995 praticamente manteve com
0,856 e, em 2006, registrou-se 0,872. Ou seja, no intervalo de 21 anos a concentração da
propriedade de terras praticamente manteve as características, sustentando assim a desigualdade.
Por isso a “inabalável rigidez do índice de Gini”. Mesmo havendo uma expansão das áreas de
culturas e das fronteiras agrícolas, as terras continuaram e continuam nas mãos de poucos.
O estado de Minas Gerais apresenta processo semelhante. O mesmo levantamento do
IBGE, por Unidades da Federação, registra uma variação de 0,77 em 1985; 0,772 em 1995; e
em 2006 o valor é de 0,795, não apresentando alteração nessa estrutura. Em princípio,
destacamos que esse contexto de concentração é um dos principais entraves ao
desenvolvimento econômico e social da população em geral, tanto rural quanto urbana, já que
o campo e a cidade são interdependentes.
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A questão agrária em pleno século XXI não se restringe às disputas políticas, como
parte de um problema social não resolvido, a pobreza rural. Além disso, há nos últimos anos
um expansivo interesse por commodities agrícolas e não agrícolas, ou seja, interesse crescente
por terras (SAUER, 2013). O que o autor destaca como “corrida mundial por terras” recoloca
em pauta temas como a importância do espaço, lugares e territórios. Como especifica o autor,
Seja devido à demanda crescente por alimentos, seja pelas preocupações em torno das mudanças climáticas – e seus impactos sobre a produção agrícola–, a questão agrária voltou à pauta política mundial inclusive nos debates internacionais; por exemplo, no âmbito da FAO (2012) e na recente aprovação das diretrizes voluntárias sobre a terra e os recursos florestais. Certamente, essa reedição não se dá nos mesmos termos do debate clássico, mas há uma preocupação, implícita ou explícita, com a terra e o território, inclusive sobre a importância da produção familiar camponesa em relação não só à segurança, mas também à soberania alimentar (SAUER, 2013, p. 168).
Ressaltam-se os elementos que se inserem ao entendimento da questão agrária. Essas
disputas territoriais, que em princípio revelava os conflitos entre o latifúndio e o agronegócio
versus o camponês, toma novos contornos, com a inserção do debate pela corrida por terras,
em especial as brasileiras. Entendendo que a questão agrária sempre esteve em pauta de
discussão no país, devido ao cenário que se manteve no decorrer dos anos, esse interesse das
empresas estrangeiras intensifica os conflitos e contradições do campo, já que no embate,
soma forças ao agronegócio.
Valendo-nos da leitura de Gomes (2004, p. 51), O meio rural, especificamente, vem passando, nas últimas décadas, por transformações significativas, abrangendo novas dinâmicas que vêm ocorrendo em nível planetário. Isso significa que a agricultura, como parte integrante do processo produtivo, não está imune aos efeitos dessas mudanças; ao contrário, vem sendo altamente atingida, em diversas de suas fases, pela mundialização do capital.
É seguindo tal raciocínio que entendemos a substituição da agricultura, sendo esta
compreendida como a produção de alimentos, pela produção de mercadorias para o mercado
mundial, a qual mantém a predominância de extensas áreas de monocultura voltadas para
exportação. Por sua vez, o monocultivo é mais uma das características do desenvolvimento
capitalista no campo, desigual e contraditório.
Exige-se, com sua devida importância, uma análise da atuação do Estado com vistas a
promover alterações nesse contexto, pela qual a principal ferramenta, defendemos, seria uma
política pública de competência do Estado, a reforma agrária. A partir da leitura de Fernandes
20
(2010), entendemos que quem apropria do poder do Estado é a classe ruralista, e são vários
deles que criam e votam as leis no Congresso Nacional, daí a justificava do Brasil ser um dos
países onde há um elevado índice de concentração de terras. Temos que O Estado tem tratado a questão agrária só com políticas conjunturais, conforme o poder de mobilização dos movimentos camponeses. A razão dessa atitude deve-se ao controle político do Estado pelos ruralistas, que têm impedido o desenvolvimento da agricultura camponesa no Brasil. Esse monopólio político determinou as condições para que a modernização da agricultura mantivesse a estrutura fundiária concentrada (FERNANDES, 2010, p.162).
Para Ribeiro e Cleps Jr (2011),
os agentes propulsores do modelo do agronegócio se aproximam do aparelho de Estado, ou seja, vê-se o peso de sua representação política nos seus poderes constitutivos (Executivo, Legislativo, Judiciário) [...]Nesses termos, a luta política dos movimentos camponeses frente ao modelo de desenvolvimento do agronegócio se traduz, em certo nível, num embate entre atores da sociedade civil organizada versus agentes políticos que controlam o Estado, que direcionam as políticas agrícolas e agrárias por meio dos organismos estatais, que fazem a gestão de recursos públicos e controlam a agenda legislativa sobre temas relativos à agricultura brasileira (RIBEIRO; CLEPS JR, 2011, p. 86-87).
A discussão quanto aos movimentos sociais que atuam contra o monopólio das terras e
a favor da redistribuição dessa riqueza, bem como suas estratégias de ação, será melhor
abordada mais adiante neste trabalho. No entanto, já de início recorremos ao assunto para
mais uma vez compreendermos os principais atores do contexto, e os agentes administrativos
que controlam essa concentração fundiária. Analisando as ações do Estado, temos que é
explícito quem ou qual grupo é beneficiado por políticas públicas, declaradamente o
agronegócio e seus representantes, os latifundiários. Os grandes proprietários detém o poder
político sobre a atuação do Estado, a própria história nos confirma tal afirmativa, em que o
grande capital e as grandes propriedades fundiárias se fizeram vitoriosas.
Exemplo disso foi à época do I Plano Nacional de Reforma Agrária, elaborado na
segunda metade da década de 1980, período da Nova República. Segundo Medeiros (2003), a
direção da proposta do PNRA, ao longo de 1985, revelou a força dos proprietários de terra,
contrariando aqueles que os consideravam fragilizados devido ao crescimento urbano-
industrial, e o que se manifestou com isso foi a complexidade do embate de forças que se
desenvolvia no interior das diferentes instâncias do Estado. Ainda segundo a autora,
21
Entre os que se posicionavam contra a reforma agrária, a mais vigorosa reação à proposta foi a dos representantes dos proprietários de terra, que, um mês após seu anúncio, fizeram um congresso nacional em Brasília para discutir o plano apresentado pelo governo. Desse encontro nasceu uma nova organização de representação de seus interesses: a União Democrática Ruralista (UDR). Esta entidade, centrando seus esforços na crítica à proposta, também estimulava os seus associados a usarem a força no combate às ocupações de terra (MEDEIROS, 2003, p. 36).
Essa nova organização, em pouco tempo, ganhou visibilidade e importância no cenário
nacional, com grande influência nos espaços políticos. Nos tempos atuais, a influência e
representatividade da Bancada Ruralista ainda se mantêm, defendendo fundamentalmente o
princípio da preservação do direito de propriedade, e se necessário com o uso da força. Como
nos disse Oliveira (1994, p. 89), “a UDR nasceu para manter esta estrutura concentrada da
terra, defendendo seus proprietários: os latifundiários”. Em consequência, intensifica-se a
violência no campo, tornando-a uma das ferramentas que mantém a concentração da
propriedade fundiária no país.
Havemos de ressaltar, ainda, que a questão agrária toma mais elementos na
contemporaneidade ao identificarmos a importância que se tem voltada para os aspectos
ambientais. Não só o Brasil como o mundo por completo, se vê diante de situações críticas
causadas pela degradação ao meio ambiente. Dos estudos quanto às condições climáticas
advindas do mau uso proporcionado pela sociedade, aos questionamentos se haverá alimentos
suficientes para a população mundial, que alcançará proporções preocupantes, todos são
temas de debates que visam definir o melhor caminho a seguir. Logo, a discussão em torno da
agricultura se mantém na pauta, já que se deve pensar tanto na produção para o sustento,
quanto no adequado uso dos recursos naturais, e principalmente os cuidados, por exemplo, no
excessivo uso de agrotóxicos. Este último fator está intimamente envolvido com a questão
agrária e faz parte da pauta reivindicatória da luta pela terra, visto que o agronegócio contraria
os ideais da agricultura familiar, é o caso do uso intensivo de agrotóxicos.
A questão agrária caminha hoje junto com a questão ambiental. Tanto no Brasil como em Minas, as regiões de maior concentração de recursos naturais (água, terra, minério e biodiversidade) têm se tornado alvos de disputas políticas, econômicas e territoriais entre o agronegócio e a agricultura camponesa e familiar. (CLEPS JR, 2012, p. 02).
Uma das dimensões dessas disputas é referente à produção de agrocombustíveis,
expressiva no cerrado mineiro onde é identificada a recente expansão das agroindústrias
canavieiras, como é o caso do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba. Essa atividade direcionou o
22
interesse dos investidores, nacionais e estrangeiros, devido aos incentivos do uso do etanol
como combustível, tanto pelo Governo Federal quanto pelos governos estaduais.
Pautado no discurso ambiental, a produção de agrocombustíveis através da cana-de-açúcar é contraditório. Por um lado, temos o “combustível verde”, menos poluente. Porém, seu modo de produção vai totalmente ao avesso do que seria sustentável, baseado na monocultura extensiva. A cultura canavieira necessita de terras férteis e com disponibilidade hídrica para o seu desenvolvimento, principalmente com relação ao desenvolvimento das variedades de cana mais produtivas, com isso, a terra também precisa ser produtiva. Nesse sentido, presenciamos outras disputas territoriais que vão além do acesso à terra e a expropriação camponesa. Estamos diante de uma disputa pelo acesso às melhores terras que contemplem todo o aparato necessário para a cultura canavieira: terras férteis e água (CAMPOS, 2014, p. 103-104).
Por esta razão, a questão agrária atual envolve ao mesmo tempo os critérios que
abrangem a produção e a produtividade, de grande interesse do agronegócio. A disputa é em
torno do acesso e controle da terra, dos recursos naturais disponíveis, das características
físicas adequadas ao plantio e ao uso de maquinário, entre diversos outros fatores que acirram
o embate.
Diante dessa concentração, tem-se como resposta a luta pela terra, a partir dos
movimentos sociais do campo e suas estratégias de luta, iniciada nas décadas passadas. Se
colocamos aqui que a questão agrária é um debate ainda não superado, defendemos que a
solução é a reforma agrária, entendendo-a como uma necessária reforma de base, capaz de
reestruturar a economia brasileira a partir de uma adequada distribuição de terras àqueles que
da terra vivem e dela sustentam a família. Mas não só a economia sofreria alterações, e sim a
população brasileira teria resultados positivos em âmbito social, cultural e político. A reforma
agrária, quando efetiva, é o movimento que contrapõe a concentração de riquezas e visa
melhores condições de vida e trabalho.
Esse contingente que alimenta a luta por terra, traduz seus anseios de uma vida digna
na bandeira reforma agrária, que vem ganhando novos significados ao longo do tempo ao
incorporar novos valores e novos temas, não se tratando mais apenas de uma demanda por
terra. Na atualidade, é o tema da reprodução da vida que se impõe, pela ameaça representada pelo controle de produção de sementes por grandes grupos econômicos. Nesse quadro, a questão agrária se associa ao debate sobre a soberania alimentar, colocando em pauta a preservação de determinados produtos e hábitos alimentares como componentes importantes da cultura dos diferentes grupos sociais, seu direito à produção de sementes etc. e à
23
qualidade dos alimentos colocados à disposição para consumo. Não por acaso, na conjunção desses elementos o tema da reforma agrária tem sido cada vez mais articulado, do debate político, ao das opções em torno de formas de desenvolvimento, tornando-o uma questão relevante não apenas para o vasto contingente dos que demandam terra, mas também para o conjunto da sociedade (MEDEIROS, 2003, p. 94).
É neste contexto da realidade agrária brasileira, entendida como a questão agrária, que
se apresenta a importância da análise das manifestações de luta pela terra, especificamente no
estado de Minas Gerais. Sendo estas ações políticas que geram diversas reivindicações,
procurando denunciar falhas do governo no assentamento das famílias e na proposta de
políticas públicas destinadas ao campo e sua população, bem como denunciando as inúmeras
faces do capitalismo que expropria e explora o camponês e o trabalhador rural para expansão
do agronegócio. A manifestação se revela como fundamental estratégia que possibilita a
continuidade da luta pela terra e na terra, em favor da reforma agrária e contra a concentração
de terras consequente principalmente pelo agronegócio.
Em pleno século XXI, a sociedade civil tomou coragem para se posicionar frente ao
Estado e às elites dominantes. O que temos hoje no Brasil é uma iniciativa de “basta” para as
desigualdades impostas à maioria da população, parcela esta composta de trabalhadores
urbanos, do campo, estudantes, homens, mulheres, crianças, que se veem diante de estruturas
esmagadoras dos direitos de vida e de trabalho. Se por anos assistimos a uma apatia ou
mesmo lentidão quanto às ações do Estado frente a tais condições, agora, o que o povo quer é
não mais esperar, é não mais se calar e aguardar passivamente. Esse mesmo povo se torna
sujeito ativo, que vai em busca de um outro desenvolvimento, e que ganha maior visibilidade
a cada dia, talvez por representar de fato uma ameaça aos interesses dominantes. Não aqui
negando as importantes ações e organizações sociais das décadas passadas, mas reafirmando o
quão necessária é a participação da sociedade visando mudanças à própria realidade em que
está inserida. É nesta perspectiva que se baseia a importante análise das manifestações de luta
pela terra.
1.2. As contradições no campo e as disputas territoriais
O estado de Minas Gerais é expressivo na compreensão da luta pela terra e na questão
agrária brasileira, visto sua extensão territorial, diversidade geográfica e, sobretudo,
caracterizado como um estado historicamente agrícola e controlado pelos latifundiários. Em
razão destas características, Minas se tornou palco de diversas manifestações, principalmente
24
diante o avanço do agronegócio e das extensas monoculturas. Por concentrar importantes
recursos naturais, o estado mineiro configura um cenário de disputas, não só territoriais, mas
também políticas e econômicas.
Além disso, possui posição geográfica estratégica no território brasileiro, próximo aos
grandes centros políticos e econômicos, como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, bem como
uma importante malha rodoviária, essencial para o escoamento da produção, seja do estado ou
como trajeto de outras regiões. Logo, estes são elementos que configuram e atraem os
interesses das grandes empresas e capitais para instalação e produção na região.
Os geógrafos, bem como pesquisadores de outras ciências humanas, em seus estudos
têm dado a devida importância às disputas territoriais, tornando-as tema de profundos debates.
Isso, entendemos, porque dentre os vários fatores, temos o território como conquista, como
palco e objeto de conflito, e majoritariamente sinônimo de poder. É nesta perspectiva que se
compreende a disputa territorial dentro da questão agrária, na qual de um lado temos o
agronegócio e sua infindável corrida por terras, e do outro a agricultura familiar, camponesa,
do pequeno produtor, que não foram contemplados nesse desenvolvimento do campo.
Sendo uma importante categoria de análise da ciência geográfica, o território é
também um elemento fundamental na pesquisa. Suas concepções, trabalhadas por diferentes
perspectivas, permitem o entendimento quanto aos processos e agentes que se colocam num
embate em defesa de seus interesses, as forças e estratégias, as desigualdades sociais, as
contradições e os desdobramentos da apropriação do espaço, e qual parcela detém de uma
maior atenção do Estado.
Conforme Raffestin (1993), o território é o resultado de uma ação dirigida por um ator,
que estabelece relações ao se apropriar de um espaço e territorializá-lo. O território é uma
produção a partir do espaço, envolvendo relações num campo de poder. Assim, o território é o
espaço contido de produções, modificado, transformado por aqueles que nele estão inseridos,
criando um sistema de relações entre si. Para o autor, o território revela relações marcadas
pelo poder, enfatizando assim o aspecto político-administrativo. Não se pode conceber o
território se não levar em consideração o poder, exercido por um indivíduo ou por um grupo e
presente em todas as relações sociais. Nesta concepção, o território existe a partir das relações
de dominação e subordinação, sem estes elementos não há definição.
Rogério Haesbaert aborda, em sua compreensão, a classificação de três lógicas
principais para conceituar território: jurídico-política, cultural e econômica. O primeiro
aspecto abarca o território como um espaço delimitado sobre o qual se exerce um poder, em
especial do Estado.
25
Território, no nosso ponto de vista, é tido como um espaço geográfico dominado e/ou apropriado, cujas práticas sociais são focalizadas enquanto relações de poder, como se estivéssemos olhando para o espaço focando nosso olhar sobre as relações de poder, mas poder num sentido amplo e que envolve os mais diferentes sujeitos sociais, um poder que vem tanto de cima para baixo quanto de baixo para cima (HAESBAERT, 2012, p. 5).
As relações de poder são identificadas em diferentes níveis, caracterizando, por
exemplo, macroterritórios ou microterritórios, e em distintas dimensões, em sentido político
como no caso do poder estatal, ou econômico no caso da gestão do território pelas grandes
empresas. Já a lógica cultural que compõe a noção de território para o autor, esta privilegia
questões simbólicas e mais subjetivas, sendo o território produzido pela apropriação através
da identidade social sobre o espaço. O terceiro e último aspecto abordado pelo autor, o
econômico, tem o território como produto do choque entre classes e da relação capital-
trabalho (HAESBAERT, 2004).
Conforme Cleps Jr (2010, p. 37), “os interesses conflitantes sobre o uso e a ocupação
de um mesmo território geram as disputas territoriais. Compreender as transformações
territoriais no processo de desenvolvimento da agricultura contemporânea é questão central
das pesquisas”. Uma das dimensões da questão agrária é o processo de disputa territorial, que
se caracteriza no embate entre os dois principais modelos de desenvolvimento no campo, o
agronegócio e o campesinato.
Ariovaldo U. de Oliveira destaca que a lógica contraditória do capital monopolista ao
mesmo tempo constrói e destrói formações territoriais, ou faz com que frações de uma mesma
formação territorial conheçam processos desiguais de valorização. Para o autor, o território é
entendido como produto concreto da luta de classes imposta pela sociedade capitalista, esta
que por sua vez está assentada em três classes sociais fundamentais: proletário, burguesia e
proprietários de terra (OLIVEIRA, 1999). A sociedade, ao produzir e reproduzir sua
existência trava essa incessante luta de classes que traz como produto, segundo essa
concepção, o território.
Uma das características que revelam os interesses conflitantes e as contradições no
campo diz respeito às formas de produção da agricultura empresarial versus a agricultura
camponesa. A agricultura empresarial é intensamente ligada ao capital. Não existe produção
sem um elevado investimento em insumos, como fertilizantes, compra de sementes
selecionadas no caso, por exemplo, da soja e do milho, ou mudas como a cana-de-açúcar,
eucalipto e o pinus, entre outros. É, ainda, um território homogêneo, onde não há diversidade
na produção e a quantidade de pessoas que trabalham no processo produtivo é pequena,
26
comparada à alta produção obtida, visto principalmente que estes não usufruem dos lucros do
próprio trabalho.
Por sua vez, a agricultura camponesa tem como base a reprodução da família. O
território camponês é diversificado não somente em termos de cultivos, como também no
envolvimento de pessoas, pois geralmente toda família é comprometida com o processo
produtivo. Essa distinção entre o padrão camponês e os padrões empresarial e capitalista de produção é essencial para a compreensão das dinâmicas de desenvolvimento rural. Enquanto empresários e capitalistas geram crescimento no plano de suas unidades de produção, mas com estagnação ou decréscimo do volume total de valor agregado em nível local e regional, o progresso construído pelo camponês reverte-se também em progresso para a comunidade e para a região (PLOEG, 2009, p. 21).
A diferenciação entre os modos de apropriação do espaço caracterizam a
territorialização, tanto do agronegócio quanto da agricultura camponesa. Cada um apresenta
uma forma diferente de usar e ocupar o território, e é nesse embate que se enfrentam em busca
de seus interesses. No processo de luta pela terra os sujeitos almejam a terra de trabalho, já na
apropriação pela agricultura capitalista, é a terra de negócio o interesse.
Quando é criado um assentamento, a partir da luta e resistência promovida pelos
movimentos sociais, essa luta pela fração do território capitalista promove a construção de
outro território, de outras possibilidades que abarquem o desenvolvimento do grupo, do
coletivo, econômico e socialmente. Como bem sinaliza Fabrini, No processo de enfrentamento entre agricultura camponesa e capitalista, os assentamentos de reforma agrária destacam-se como importante território camponês (fração do território) em que as novas e antigas sociabilidades são reavivadas e recriadas com a conquista da terra. Nos assentamentos, ergue-se um conjunto de saberes e conhecimentos secularmente acumulados, ou seja, saberes que estavam sendo erodidos e perdidos com a expulsão e expropriação dos camponeses e que são recriados e recuperados como estratégias de existência pela resistência dos camponeses (FABRINI, 2010, p. 82).
Os diferentes graus de desenvolvimento presentes no campo, representados pelo
agronegócio, latifúndio e campesinato, originam as disputas territoriais, marcadas por intensa
conflitividade. Visivelmente o agronegócio possui os recursos e investimentos necessários
para garantir seu domínio e predominância, enquanto que a luta pela terra permanece no
enfrentamento em busca da conquista de seu território.
Nas análises quanto ao território e os tipos identificados por Fernandes (2008),
27
Os territórios do campesinato e os territórios do agronegócio são organizados de formas distintas, a partir de diferentes relações sociais. Um exemplo importante é que, enquanto o agronegócio organiza seu território para produção de mercadorias, o grupo de camponeses organiza seu território, primeiro, para sua existência, precisando desenvolver todas as dimensões de vida. Esta diferença se expressa na paisagem e pode ser observada nas distintas formas de organização dos dois territórios. A paisagem do território do agronegócio é homogênea, enquanto que a paisagem do território camponês é heterogênea. A composição uniforme e geométrica da monocultura se caracteriza pela pouca presença de pessoas no território, porque sua área está ocupada por mercadorias, que predomina na paisagem. A mercadoria é a expressão do território do agronegócio. A diversidade dos elementos que compõem a paisagem do território camponês é caracterizada pela grande presença de pessoas no território, porque é neste e deste espaço que constroem suas existências, produzindo alimentos. Homens, mulheres, jovens, meninos e meninas, moradias, produção de mercadorias, culturas e infra-estrutura social, entre outros, são os componentes da paisagem dos territórios camponeses (FERNANDES, 2008, p. 285-286).
No estado de Minas Gerais, a produção canavieira, expressiva no Cerrado mineiro, se
enquadra como um exemplo do tipo de território do agronegócio, ao lado de outras
monoculturas como soja, café e milho. No cenário econômico, a região se estrutura como uma
das maiores na produção de derivados da cana-de-açúcar do interior do país. Essa paisagem
homogênea representada pela monocultura é caracterizada também pela mecanização do
processo produtivo a partir da modernização da agricultura, revelando mais uma vez as
alterações das relações de trabalho e do uso da terra, que promove consequentemente a
destruição das tradições culturais presentes no meio rural.
Os próprios movimentos sociais esclarecem o que e a quem se deve combater para
uma efetiva democratização da terra. Os movimentos sociais, como aqueles vinculados à Via Campesina, por exemplo, elegeram o agronegócio como o principal “inimigo” da reforma agrária a ser combatido no campo. O agronegócio é entendido pelos movimentos camponeses como a principal expressão das relações capitalistas no campo do século XXI, ou seja, entendem que o latifúndio e a acumulação rentista estão deixando de exercer papel central no campo brasileiro (FABRINI, 2010, p. 65).
Se antes o inimigo da Reforma Agrária era principalmente o latifúndio tradicional,
improdutivo, agora soma-se as grandes empresas multinacionais, que consideram o camponês
como ameaça e atraso ao desenvolvimento do campo e do país. O que na verdade propõem é
um desenvolvimento desigual, característica principal do capitalismo, pelo qual se explora e
viola os direitos dos trabalhadores.
28
Diante desses fatores, os movimentos sociais de luta pela terra promovem o projeto
contrário aos interesses do capital. Resistem por meio das ocupações de terras, acampamentos
e manifestações, reclamando por seus direitos e conquistando, como resultado da luta, os
assentamentos de reforma agrária. É devido às lutas dos movimentos, mais do que às políticas
públicas, que foram e são implantados os milhares de assentamentos de reforma agrária em
todo o país, e no estado de Minas Gerais essa realidade também procede, como veremos nos
capítulos seguintes.
1.3. Projeto Banco de Dados da Luta pela Terra: metodologia de pesquisa da questão
agrária
A pesquisa DATALUTA é um projeto interinstitucional de extensão e pesquisa
(iniciação científica e pós-graduação) implantado pelo Núcleo de Estudos, Pesquisas e
Projetos de Reforma Agrária - NERA da FCT/UNESP, no ano de 1998 com vistas a registrar
os números da questão agrária brasileira e contribuir com a organização dos dados de modo a
compreender melhor o problema e disponibilizá-los para implementação de políticas públicas,
subsidiando cada vez mais os estudos de pesquisadores e interessados pela temática.
Em 2005 foram iniciadas as atividades no LAGEA da Universidade Federal de
Uberlândia, a partir da cooperação com o NERA/UNESP, passando a coletar e sistematizar os
dados da questão agrária em Minas Gerais.
Atualmente (2014), a Rede DATALUTA é constituída, além do NERA de Presidente
Prudente-SP e do LAGEA de Uberlândia-MG, pelos grupos de pesquisas e instituições a
seguir: Laboratório de Geografia das Lutas no Campo e na Cidade - GEOLUTAS da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE (Marechal Cândido Rondon);
Laboratório de Estudos Rurais e Urbanos - LABERUR da Universidade Federal de Sergipe;
Núcleo de Estudos Agrários - NEAG da Universidade Federal do Rio Grande do Sul;
Observatório dos Conflitos no Campo - OCCA da Universidade Federal do Espírito Santo;
Grupo de Estudos em Geografia Agrária, Conservação da Biodiversidade e Pantanal - GECA
da Universidade Federal de Mato Grosso; Grupo de Estudo sobre Trabalho, Espaço e
Campesinato - GETEC da Universidade Federal da Paraíba; e por último e mais recente
ingresso na pesquisa, o Laboratório de Estudos Territoriais - LABET da Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul.
Em Minas Gerais, três instâncias documentam as ações dos movimentos de luta pela
terra, sendo a Comissão Pastoral da Terra – CPT, Ouvidoria Agrária, do Ministério do
29
Desenvolvimento Agrário – MDA e Pesquisa DATALUTA. Estas são as principais
referências para estudiosos e interessados em compreender o movimento da questão agrária
no Brasil. Em nível estadual, apenas o DATALUTA-MG3 trabalha com a sistematização de
dados, consistindo em referência para pesquisadores, governo e entidades vinculadas à luta
pela terra. Desse modo, o desenvolvimento do projeto envolve grande esforço de coleta e
análise de informações que se encontram não apenas dispersas, mas também sob formatos e
estruturas diferenciados (banco de dados, delimitação espacial).
A criação e desenvolvimento de um banco de dados se fizeram necessários diante da
falta de sistematização, dificuldades de acesso e dispersão de informações, principalmente
referentes aos dados sobre as ocupações de terras, assentamentos rurais e movimentos sociais
de luta pela terra em Minas Gerais, o que configurava uma dificuldade para os pesquisadores
da questão agrária. Desse modo, a pesquisa busca facilitar o acesso às informações, as
consultas e as pesquisas.
Além da sistematização dos dados e sua divulgação, o desenvolvimento do projeto
possibilita parcerias e articulações com as instituições ligadas à temática da reforma agrária,
dentre elas o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, que dispõe
dados sobre os PAs – Projetos de Assentamentos no estado de Minas Gerais; a CPT, também
fonte de pesquisa e dados quanto às ações dos movimentos sociais do campo, entre outros. O
objetivo geral do DATALUTA consiste em elaborar um banco de dados sobre a Reforma
Agrária e desenvolver uma metodologia de referência para os estudos da questão agrária e dos
movimentos sociais do campo em Minas Gerais.
Dentre os objetivos específicos do projeto, que é desenvolvido há quase uma década,
destacamos o levantamento diário dos dados referentes às ocupações de terra e manifestações
no estado de Minas Gerais, por meio da mídia nacional, estadual e local, e dos movimentos
socioterritoriais; levantamento anual dos projetos de assentamentos de reforma agrária criados
pelo INCRA e pelo Instituto de Terras do Estado de Minas Gerais - ITER-MG; elaboração e
envio mensal dos registros de ocupações para o NERA, para conferência e envio à CPT
Nacional; recebimento mensal dos registros de manifestações da Rede DATALUTA, que
também são conferidos e encaminhados à CPT Nacional; elaboração do relatório anual de
Minas Gerais para disponibilização ao público por meio das páginas eletrônicas do LAGEA e
do NERA; elaboração de CD’s com os dados de ocupações e manifestações de Minas Gerais e
3 Para fins da organização e apresentação dos dados do Projeto DATALUTA-MG, adotou-se como critério de delimitação regional da pesquisa, a divisão elaborada pelo IBGE (1990), que apresenta o Estado de Minas Gerais dividido em 12 Mesorregiões e 66 Microrregiões Geográficas.
30
as referidas reportagens veiculadas pela mídia; confecção de mapas e representações
cartográficas para a espacialização dos dados obtidos, a fim de compor relatórios e artigos
científicos elaborados pelos pesquisadores.
É também objetivo do projeto a organização de grupos de estudos com docentes e
discentes, a fim de promover debates acerca da questão agrária, discutindo as principais
políticas públicas voltadas para o campo, bem como as ações dos movimentos sociais e seus
desdobramentos em nível estadual e nacional; além da participação em reunião anual da Rede
DATALUTA, envolvendo participantes de cada estado que compõem o projeto, com vistas a
apresentar os resultados dos trabalhos dos pesquisadores, e discutir os avanços no
desenvolvimento das pesquisas.
A metodologia da pesquisa DATALUTA é composta por um conjunto de procedimentos
que compreende as fontes, as escalas e as categorias assentamentos, ocupações, movimentos
socioterritoriais, estrutura fundiária e manifestações, conforme demonstra o organograma a seguir.
Organograma 1: Estrutura do Banco de Dados da Luta pela Terra - DATALUTA
DATALUTA – BANCO DE DADOS DA LUTA PELA TERRA
VERSÕES ASSENTAMENTOS OCUPAÇÕES
ESTRUTURA FUNDIÁRIA
MOVIMENTOS SOCIOTERRITORIAIS MANIFESTAÇÕES
FONTES INCRA - ANOTER CPT -
DATALUTA SNCR CPT - DATALUTA CPT - DATALUTA
Fonte: DATALUTA, 2014.
Na sistematização das informações, os dados são organizados e representados em três
escalas geográficas: nacional, estadual (Minas Gerais) e microrregional (Triângulo Mineiro),
correlacionadas às versões conforme o organograma apresentado. Essa organização dos dados
subsidia uma análise de como a luta pela terra vem se espacializando pelo estado mineiro e
Brasil como um todo. Os resultados são divulgados com a publicação do Relatório
DATALUTA Minas Gerais e Brasil.
A composição dos dados de assentamentos rurais tem como fontes o INCRA e a
Associação Nacional dos Órgãos Estaduais de Terras - ANOTER. Os dados de assentamentos
rurais no Brasil estão sistematizados desde 1985; os de ocupações desde 1988 e de
movimentos socioterritoriais desde 2000. Para a elaboração de mapas, gráficos e tabelas nas
diversas versões, os dados pesquisados são digitados em programas apropriados como, por
exemplo, os aplicativos Excel, Philcarto e Coreldraw.
31
Por sua vez, os dados de ocupações, famílias e movimentos socioterritoriais são
organizados a partir das fontes CPT e DATALUTA. Como fontes utilizamos dados extraídos
de diários nacionais e regionais que compõem os acervos dos grupos de pesquisa. Os registros
das ocupações no DATALUTA seguem uma ordem específica, na qual são utilizadas fontes
primárias e secundárias. A CPT registra as informações colhidas em jornais de circulação
local, estadual e nacional, boletins e publicações de diversas instituições: movimentos sociais,
sindicatos, partidos, órgãos governamentais, igrejas, declarações e cartas assinadas, boletins
de ocorrência, além das informações pesquisadas pelas regionais da CPT.
Conforme a metodologia, os dados das fontes distintas são organizados em uma única
tabela, possibilitando a conferência e confrontação dos dados apresentados por cada uma. Estas,
muitas vezes, fornecem a mesma informação, ou seja, existem diversos casos onde se registra
determinada ocupação, que também é registrada pelo agente pastoral da CPT, ficando assim
assinalada a mesma ocupação em duas fontes distintas. Como o DATALUTA é composto da
conexão das diversas fontes, a mesma informação poderá aparecer em duplicidade, por isso é
imprescindível a confrontação dos dados. Os dados das respectivas fontes, reunidos nas
chamadas bases gerais que englobam os dados de todos os estados envolvidos, são armazenados
para elaboração de diferentes tipos de relatórios e artigos científicos.
A versão estrutura fundiária do DATALUTA é um banco de dados formado a partir
das áreas cadastradas no SNCR (Sistema Nacional de Cadastro Rural/INCRA) reunindo
informações dos imóveis rurais e áreas de posse do Brasil dos anos 1992, 1998, 2003, 2010,
2011 e 2012.
Os dados referentes às manifestações sociais, objeto do presente estudo, estão sendo
registrados no banco de dados a partir do ano de 2009. Manifestação é definida como atos
públicos em um ou vários locais com a participação de organizações sociais, camponesas e do
agronegócio que explicitem as conflitualidades da questão agrária. Como exemplos, são
registrados em planilhas, juntamente com o arquivamento da matéria de origem (fontes) os
seguintes tipos de manifestações: ocupações em prédio público, marcha, romaria, Grito dos
Excluídos, formação de acampamento, ocupação de prédio privado, bloqueio de rodovia,
eventos, greve, protestos, destruição de acampamento, reintegração de posse, expulsão, entre
outras.
A partir dessa nova categoria, os pesquisadores perceberam o quão importante se faz a
análise das formas de manifestações dos movimentos sociais do campo. Assim, presenciamos
constantemente, à medida que são divulgados pelos meios de comunicação, os diversos
movimentos mobilizando milhares de pessoas rumo à luta pela reforma agrária, pela educação
32
no campo, por melhorias nos assentamentos, por apoio àqueles que conquistaram uma fração
do território, pelos direitos do trabalhador rural, e consequentemente tomando a visibilidade
necessária à causa. Todos esses elementos caracterizam a dinâmica da luta pela terra e seus
desdobramentos.
O quadro a seguir relaciona os jornais e informes online por meio dos quais a pesquisa
é realizada.
Quadro 1: Fontes consultadas DATALUTA-MG – 2014
FONTE LOCAL/ ABRANGÊNCIA ENDEREÇO/ LINK
1 A Gazeta News Muriaé http://www.agazetanews.com.br 2 Agência Brasil de Fato Nacional http://www.brasildefato.com.br/
3 Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva – CEDEFES Nacional http://www.cedefes.org.br/
4 Clica Brasília Nacional http://www.clicabrasilia.com.br
5 Confederação dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG Nacional http://www.contag.org.br/
6 Coordenação Nacional de Lutas - CONLUTAS Nacional http://www.conlutas.org.br/ 7 Correio Cidadania Nacional http://www.correiocidadania.com.br/ 8 Estado de Minas Estadual http://www.em.com.br/
9 Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de Minas Gerais - FETAEMG Estadual http://www.fetaemg.org.br/
10 Folha de São Paulo on line Nacional http://www.folha.uol.com.br/ 11 G1 Nacional http://g1.globo.com/ 12 Jornal Correio de Uberlândia Uberlândia http://www.jornalcorreio.com.br/ 13 Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB Nacional http://www.mabnacional.org.br/
14 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST Nacional http://www.mst.org.br/
15 O Norte de Minas Montes Claros http://www.onorte.net/ 16 O Tempo Nacional http://www.otempo.com.br/ 17 Radioagência NP Nacional http://www.radioagencianp.com.br/ 18 Resistência Camponesa Nacional http://www.resistenciacamponesa.com/ FONTE: DATALUTA, 2014.
Diariamente, os pesquisadores envolvidos no projeto fazem o levantamento dos dados
em jornais nacionais (Folha de São Paulo, Clica Brasília, Estado de Minas e Correio
Cidadania) e regionais (Norte Net, O Tempo, Jornal Correio e A Gazeta News). O principal
propósito é realizar uma pesquisa que possa abranger todo o estado mineiro, e para tanto,
utilizamos a divisão mesorregional de Minas Gerais. Para cada mesorregião estabelecemos
um jornal como fonte de pesquisa. Entretanto, por vezes encontramos dificuldades em definir
a fonte, uma vez que a questão agrária nem sempre está em pauta de discussão pela mídia.
Torna-se necessário periodicamente realizar uma conferência, e se preciso substituir por outra
33
fonte que veicula mais informações. Essa constante análise deve ser feita, permitindo uma
pesquisa de confiança e qualidade.
O Relatório DATALUTA MG e o Relatório DATALUTA BRASIL, enquanto
produtos do projeto, são construídos com base em todos os dados obtidos pelos pesquisadores
durante o ano de trabalho, composto de tabelas, gráficos e mapas. No final de cada ano, são
elaborados tabelas, gráficos e mapas que possam melhor representar a espacialização da luta
pela terra, bem como as transformações conquistadas referentes às questões do campo.
34
2. “TERRA NÃO SE GANHA, TERRA SE CONQUISTA”4: as estratégias de ação
promovidas pelos movimentos sociais
Nesta segunda abordagem discutimos o cenário do campo mineiro, a partir da
atuação dos movimentos sociais de luta pela terra e pela reforma agrária, considerando
principalmente a metodologia do Projeto DATALUTA e suas categorias de pesquisa que
subsidiam a análise, bem como os dados abordados pela CPT. Nesse processo, a fração
do território é conquistada por meio das diversas estratégias de luta, representadas pelas
ocupações, manifestações e também pelas organizações sociais envolvidas.
2.1. Dinâmicas e ações dos movimentos sociais: as categorias de análise em debate
Como exposto anteriormente, a pesquisa DATALUTA aborda cinco categorias de
análise na compreensão da luta pela terra, a saber, assentamentos, ocupações, estrutura
fundiária, movimentos socioterritoriais e manifestações. Cada uma é discutida considerando a
relevância para o estudo, entendendo-as como dimensões da questão agrária, tanto em Minas
Gerais como nos demais estados brasileiros que compõem a rede de pesquisa.
O assentamento rural é o principal instrumento legal que possibilita o acesso e
permanência na terra, seja pelos diferentes tipos de assentamentos que se tem no Brasil.
Conforme a Portaria nº 080, de 24/4/2002 do MDA, o assentamento é definido como
Unidade Territorial obtida pelo Programa de Reforma Agrária do governo federal ou, em parceria com estados ou com municípios, mediante desapropriação; arrecadação de terras públicas; aquisição direta; doação; reversão ao patrimônio público, ou por financiamento de créditos fundiários, para receber, em suas várias etapas, indivíduos selecionados pelos programas de acesso à terra (BRASIL, 2002, s/p).
Além da concepção de unidade territorial, o assentamento possui significados mais
complexos. É nesta fração do território, conquistada na luta pela reforma agrária, que se
recriam as relações sociais do campo, onde também há o desafio de se manter na terra e dela
tirar o próprio sustento. Com a criação do assentamento, é concretizado o processo de
territorialização daqueles que lutam pela redistribuição de terra. No entendimento aqui
defendido, o assentamento se configura como instrumento de combate ao desenvolvimento 4 Retirado do livro A geografia das lutas no campo, de Ariovaldo U. de Oliveira, 1994, ao discutir sobre a formação e atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra na luta pela terra.
35
desigual até agora imposto no campo, e que está em permanente disputa contra o capital,
especificamente contra o agronegócio.
Para além da conquista da terra, com a criação do assentamento rural a luta não se
finda. Pelo contrário, outra batalha se inicia pela permanência e manutenção do assentamento,
evitando que o capital avance nesse território.
Deve-se salientar que com a conquista do assentamento rural inicia-se uma nova luta, agora não mais para ter o acesso a terra, mas pela permanência nela. Os camponeses buscam a partir de então, fazer do assentamento um território que garante a reprodução do seu modo de vida e trabalho. Essa conscientização tem guiado as táticas de vários movimentos socioterritoriais, tem-se entendido que a luta não pode parar na conquista do assentamento rural, mas prosseguir na busca pela reprodução do campesinato enquanto classe social. Devem ser buscadas melhores condições de vida (educação, saúde, lazer, saneamento básico, energia elétrica) e trabalho (estradas para escoamento da produção, preços mínimos para os produtos, créditos produtivos etc.). Os assentados não podem ser alheios aos efeitos causados pelas políticas que têm sido implantadas no campo, mas ao contrário, devem conhecê-las para se posicionarem enquanto classe social que quer permanecer na terra (COCA, 2011, p. 21).
Desse modo, se compreende que a luta pela terra e pela reforma agrária é um processo
contínuo, permanente, sendo o acesso à fração do território a primeira conquista, devendo os
assentados dar continuidade ao processo. Para a reprodução social dos agora assentados, é
necessário, além da terra, outras medidas fundamentais, como recursos para a produção,
escolas no campo, segurança, entre outros fatores indispensáveis no cotidiano.
Cabe salientar que os tipos de assentamentos criados no estado de Minas Gerais a
partir de 1986, segundo dados do INCRA e DATALUTA, são o Projeto de Assentamento
Federal (PA), Projeto de Assentamento Estadual (PE) e Projeto de Reassentamento de
atingidos por Barragens (PRB). O PA é o principal tipo com o maior número de
assentamentos no estado mineiro.
Quanto à categoria analítica ocupações no DATALUTA, estas são obtidas a partir do
levantamento da CPT e dos grupos de pesquisa estaduais que integram o respectivo projeto. É
entendida como a principal estratégia de luta pelos movimentos no combate ao latifúndio e ao
agronegócio. Os assentamentos, logo, são obtidos principalmente como consequência das
ocupações de terras.
Primeiro, é preciso dizer que a ocupação é uma ação decorrente de necessidades e expectativas, que inaugura questões, cria fatos e descortina situações. Evidente que esse conjunto de elementos modifica a realidade,
36
aumentando o fluxo das relações sociais. São os trabalhadores desafiando o Estado, que sempre representou os interesses da burguesia agrária e dos capitalistas em geral. Por essa razão, o Estado só apresenta políticas para atenuar os processos de expropriação e exploração, sob intensa pressão dos trabalhadores. A ocupação é, então, parte de um movimento de resistência a esses processos, na defesa dos interesses dos trabalhadores, que é a desapropriação do latifúndio, o assentamento das famílias, a produção e reprodução do trabalho familiar, a cooperação, a criação de políticas agrícolas voltadas para o desenvolvimento da agricultura camponesa, a geração de políticas públicas destinadas aos direitos básicos da cidadania (FERNANDES, p. 61-62).
Logo verificamos o quão importante é a ocupação de terra como dimensão da questão
agrária. Tida como uma ação antes de tudo política, a ocupação acontece a partir da necessidade
dos trabalhadores, que se reúnem e constroem coletivamente o propósito. Nessa construção são
fundamentais diversos fatores, como por exemplo, a definição da área, devendo ser enquadrada
nos critérios de propriedade improdutiva que não cumpre a função social da terra. Ainda
segundo o autor, a lógica da ocupação é constituída pela indignação e revolta, necessidade e
interesse, consciência e identidade, experiência e resistência, concepção de terra de trabalho
contra a terra de negócio, movimento e superação (FERNANDES, 2000).
A categoria de pesquisa estrutura fundiária tem como fonte o SNCR, um sistema de
gestão federal vinculado ao INCRA, que dispõe de informações sobre os imóveis rurais do
Brasil e de seus proprietários. Esse sistema possui o levantamento da classificação dos
imóveis rurais por tamanho, conformando assim a estrutura fundiária, que por sua vez revela
o contexto da distribuição de terras e permite calcular o Índice de Gini. É por meio dessa
categoria que se analisa a evolução das propriedades rurais, classificadas por tamanho em
hectares, sendo agrupadas pelo DATALUTA em pequenas, médias e grandes. Se os dados
apresentam que a estrutura fundiária não se alterou nos decorrer dos anos, isso confirma a
noção de manutenção da concentração da terra.
Já para a categoria movimentos socioterritoriais, os dados também são sistematizados
pela CPT e DATALUTA e abordam sobre as organizações sociais que atuam na luta pela
terra. O conceito de movimento socioterritorial foi cunhado por Fernandes (2000), em debate
também com Jean-Yves Martin, buscando construir a ideia de movimento social como
categoria geográfica, entendendo que o conceito carece de teorias dentro da Geografia, visto
que para estudá-los nos debruçamos em referências de historiadores, sociólogos e cientistas
políticos, entre outros. Para o autor, a Geografia tem se preocupado, nos últimos anos, com
estudos sobre os movimentos sociais, e então precisa conceitualizá-los fundamentado nos
processos geográficos, nos espaços e territórios que constroem.
37
Assim, são denominados movimentos socioterritoriais aqueles que têm o território
como trunfo, que se organizam e dimensionam-se a partir desse referencial. Segundo o autor,
Um movimento socioterritorial como o MST tem como um de seus principais objetivos a conquista da terra de trabalho. E os realiza por meio de uma ação denominada ocupação da terra. A ocupação é um processo socioespacial e político complexo que precisa ser entendido como forma de luta popular de resistência do campesinato, para sua recriação e criação. A ocupação desenvolve-se nos processos de espacialização e territorialização, quando são criadas e recriadas as experiências de resistência dos sem-terra (FERNANDES, 2000, p. 61).
Os movimentos de luta pela terra, compreendidos como socioterritorial, almejam uma
fração do território, que é dominado pelo capital por meio do agronegócio e dos latifúndios.
Assim, na ação propriamente dita com a formação do acampamento na área ocupada, ocorre o
processo de espacialização do movimento que a promove. Com a conquista do território
efetivada em assentamento, tem-se a territorialização. Lembrando que o período entre uma
ocupação e a criação do assentamento se arrasta por anos, não é um processo rápido. Por isso,
nas estratégias de ação tão importante quanto ocupar, é também resistir para assim
territorializar.
E por último, tão relevante quanto as demais dimensões até aqui apresentadas, é a
categoria manifestações, objeto deste estudo. É conceituada como as “ações coletivas dos
trabalhadores e trabalhadoras que reivindicam diferentes políticas públicas e ou repudiam
políticas governamentais ou exigem o cumprimento de acordos e promessas” (CPT, 2013).
As ações políticas se constituem na reivindicação dos direitos de homens, mulheres e
crianças do campo, sendo este complexo e repleto de contradições no âmbito do
desenvolvimento capitalista.
Manifestação também é apreendida como atos públicos em um ou vários locais com a
participação de organizações sociais, camponesas e do agronegócio. São caracterizadas por
passeatas, ocupações de prédios públicos e privados, bloqueio de rodovias, formação de
acampamentos em praças, protestos, entre outros.
É necessária uma diversidade de estratégias que possibilitam a continuidade do
processo, e as várias formas de luta
[...] acontecem em separado ou simultaneamente com ocupações de terra. São as marchas ou caminhadas, as ocupações de prédios públicos e as manifestações defronte as agências bancárias. Esses atos intensificam as lutas e aumentam o poder de pressão dos trabalhadores nas negociações com
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os diferentes órgãos do governo. Igualmente, expõem suas realidades, recebendo apoio e críticas da opinião pública e de diversos setores da sociedade. As caminhadas e marchas são formas de manifestação política produzidas na espacialização e produtoras de espacialidades (FERNANDES, 2000, p.73).
A manifestação é construída como um ato político, que denuncia interesses
particulares e privilegia questões coletivas. Diante distintas formas de desigualdades
explícitas na realidade brasileira, seja no campo, ou mesmo em outras instâncias, como nas
periferias das cidades ou nas questões trabalhistas, cabe ao indivíduo, numa construção
coletiva, buscar estratégias de luta e embate de forças, e a manifestação se constitui
exatamente nessa estratégia.
Por meio destas ações dos trabalhadores podemos compreender as formas de resistência aos processos de expropriação, expulsão e exclusão. Pode-se analisar, igualmente, a disputa política por projetos de desenvolvimento rural. A amplitude dessa luta é conhecida pelas diversas manifestações cotidianas dos sem-terra, desde o trabalho de base às ocupações de terra; do enfrentamento aos latifundiários às diversas formas de violência contra os sem-terra; dos acampamentos e dos protestos com ocupações de prédios públicos às intermináveis negociações com o governo; do assentamento à demanda por política agrícola, na formação da consciência de outros direitos básicos, como educação, saúde etc. (FERNANDES, 2001, p. 37).
As demandas constituintes das reivindicações são, em geral, por crédito,
incentivos à pequena produção, assistência técnica, renegociação de dívidas, ou são
denúncias contra o agronegócio e as violências sofridas, entre outros. Enfim, por
diversos objetivos é que os integrantes das organizações e movimentos saem às ruas e se
mostram à sociedade.
2.2. Os movimentos sociais de luta pela terra
O debate quanto às organizações sociais, que contestam a ordem territorial imposta,
exige importante discussão para a compreensão da luta pela terra. Com base nos dados
sistematizados pelo DATALUTA, são registradas as atuações dos principais movimentos
sociais no estado mineiro.
Considerando as ocupações de terra, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra - MST é a organização mais expressiva no estado, atuando em todas as mesorregiões
mineiras, com o maior número de ações, registrando 47% do total. Apenas na mesorregião
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Central Mineira não foram identificadas ações do referido movimento, segundo a fonte
DATALUTA. A segunda principal organização responsável pelas ocupações de terra é a
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG, sem atuação apenas
nas mesorregiões Oeste de Minas e Zona da Mata.
O Movimento de Libertação do Sem Terra - MLST, uma organização nacional, tem
atuação significativa na região do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, tão expressivo quanto o
MST. Segundo Freitas (2013), problemas entre as lideranças fizeram com que o MLST se
dividisse, surgindo então outros movimentos. No final do ano 2000, o MLST regional Triângulo Mineiro rompe com a direção nacional, passando a ser denominado de MLST de Luta. [...] Já no ano de 2002, o MLST de Luta se une a outros dois movimentos, o Movimento de Luta Socialista - MLS e o Movimento de Trabalhadores - MT, e passa a constituir o Movimento Terra, Trabalho e Liberdade – MTL, tendo uma atuação expressiva na região do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba (FREITAS, 2013, p. 46-47).
No Norte de Minas Gerais, além do MST e da CONTAG, as organizações Liga
Operária Camponesa - LOC e Liga dos Camponeses Pobres - LCP também se destacam.
Freitas (2013) ainda sinaliza que a LCP tem caráter mais combativo, defendendo a revolução
agrária, e não a reforma agrária. Esse movimento também atua no Triângulo Mineiro, porém
menos significativo. O gráfico 1 sintetiza uma melhor visualização quanto a atuação dos
referidos movimentos identificados pelo DATALUTA e CPT.
Gráfico 1: Minas Gerais - Participação dos movimentos sociais em ocupações de terra,
1990-2012
MST47%
CONTAG20%
MLST8%
LCP4%
LOC4%
MTL3%
OUTROS14%
FONTE: DATALUTA, 2013. Org.: VICTOR, F. B., 2014.
40
O que é apresentado como outros no gráfico corresponde aos movimentos com poucas
atuações no estado, muitas vezes representando apenas uma região. Dentre eles citamos os
Quilombolas no Noroeste e Norte de Minas, em territórios de populações tradicionais.
Também o Vazanteiros em Movimento e os Geraizeiros no Vale do Rio Doce e Norte de
Minas Gerais, na batalha para manter seus territórios.
Nas análises da atuação dos movimentos nas manifestações de luta pela terra, também
são identificados importantes organizações. O MST mais uma vez se destaca com maior
atuação nas mesorregiões Metropolitana de Belo Horizonte, Jequitinhonha, Noroeste de
Minas, Norte de Minas, Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba e Vale do Rio Doce. Já o
Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB tem maior expressão na região metropolitana
mineira, Norte de Minas e Zona da Mata. O destaque para o Triângulo Mineiro/Alto
Paranaíba se configura nas ações do MLST, que anteriormente foi sinalizado também nas
ocupações de terras.
Mais uma vez ressalta-se a concentração das ações na capital mineira, também entre
outros movimentos, como por exemplo, CONTAG, CPT, Via Campesina. As reivindicações
dos sujeitos do campo são discutidas principalmente onde se concentram importantes órgãos
públicos, pois é por meio das políticas públicas que se pretendem os resultados.
2.3. A luta pela terra e os conflitos no campo em Minas Gerais
Por meio das ações coletivas, os movimentos sociais do campo criam atos políticos.
Não é apenas o movimento que se envolve pelo desejo de realização da reforma agrária, mas
também a sociedade civil é inserida no contexto, mesmo que de um modo passivo, por
exemplo, por meio da mídia quando noticia a situação dessas famílias em processo de
resistência e conquista da terra. Quanto às ações do Estado, por sua vez, observamos a
lentidão com que são conduzidos os procedimentos de desapropriação de uma área e a
burocracia enfrentada na criação dos assentamentos.
Assim, torna-se importante as ações dos movimentos sociais, que é a representação
concreta destes atores para a realização da democratização do acesso à terra. Como bem
observado, a pressão promovida por estes que lutam no campo pelo seu desenvolvimento
econômico e social, impulsiona a efetivação dos assentamentos.
Se até aqui afirmamos a histórica concentração de terras no desenvolvimento
brasileiro, em consonância se destacam os conflitos sociais no campo, que não são exclusivos
da contemporaneidade, mas sim marcas do processo de uso e ocupação do território. A luta
41
pela terra, que se intensificou na década de 1950 e no regime militar, teve sua voz abafada
pela política ditatorial, ressurge na redemocratização do país pós 1985 e vem desenhando
novos contornos de estratégias e resistências. Acampamentos e assentamentos são novas formas de luta de quem já lutou ou de quem resolveu lutar pelo direito à terra livre e ao trabalho liberto. A terra que permite aos trabalhadores - donos do tempo que o capital roubou e construtores do território coletivo que o espaço do capital não conseguiu reter à bala ou por pressão - reporem-se/reproduzirem-se, no seio do território da reprodução geral capitalista (OLIVEIRA, 1994, p. 18).
Essa luta sempre foi marcada por intensa violência que até hoje não apresenta solução.
O número de mortos no campo vem crescendo, e hoje se tem registrado notícias sobre
assassinatos de trabalhadores rurais, assentados, líderes sindicais ou de movimentos sociais,
índios, agentes pastorais, entre outros. Por um pedaço de terra e por um outro
desenvolvimento, muitos brasileiros perderam a vida.
No estado de Minas Gerais, dois episódios de repercussão nacional ilustram os casos
de violência no campo. O primeiro ocorreu em 28 de janeiro de 2004, conhecido como
Chacina de Unaí, município localizado no Noroeste de Minas Gerais, em que quatro
funcionários do Ministério do Trabalho, sendo três auditores fiscais e um motorista, foram
assassinados a tiros quando fiscalizavam as condições de trabalho e moradia de colhedores de
feijão em fazendas da região. “Em função da tragédia, a data 28 de janeiro tornou-se o Dia
Nacional de Combate ao Trabalho Escravo” (CLEPS JR, 2012, p. 7). As propriedades rurais,
principalmente dos fazendeiros considerados mandantes do crime, frequentemente eram alvos
de fiscalização, e os auditores sofriam ameaças constantes. Somente nove anos após o fato é
que houve o julgamento, levados a júri e condenados apenas os executores do crime
(AFONSO, 2013).
A Chacina de Felisburgo é outro caso de violência que se enquadra nos conflitos no
campo. No município mineiro de Felisburgo, mesorregião do Jequitinhonha, em 20 de
novembro de 2004 cinco trabalhadores rurais sem-terra, militantes do MST, foram
assassinados. O crime aconteceu no acampamento Terra Prometida, Fazenda Nova Alegria.
“O réu confesso do massacre, além de participar diretamente da ação, contratou 16 pistoleiros
para atacar as 230 famílias do acampamento” (CLEPS JR, 2012, p. 7). Além dos assassinatos,
outros sem-terra ficaram feridos pelos tiros; barracos e pertences foram perdidos no incêndio
causado pelos acusados. Segundo o movimento, parte das terras da fazenda é devoluta e
grilada pela família do mandante do crime, o que justifica a ocupação da área.
42
Dos acusados do crime de Felisburgo, quatro foram condenados no final de 2013,
entre eles o fazendeiro e mandante do crime, que recorre em liberdade, o que demonstra que a
condenação não é certeza de punição. A condenação atinge um número muito pequeno de
mandantes dos crimes em relação ao total de assassinatos no campo, contudo, a maioria
desses condenados nunca cumprirá as penas atrás das grades. Não importa o tamanho da pena recebida. A Lei lhes garante o direito de recorrer das condenações em liberdade. O fazendeiro Adriano Chafik, por exemplo, condenado a 115 anos de prisão, por ser o mandante da chacina de Felisburgo, vai continuar em liberdade até o STF julgar seu último recurso. [...]É importante observar que, a grande maioria dos poucos julgamentos realizados em que um mandante de crime sentou no banco dos réus, ocorreu naqueles casos em que o assassinato provocou uma grande repercussão nacional e até internacional. Nas centenas de casos em que não se conseguiu dar visibilidade para o fato e provocar pressão sobre o Judiciário e o próprio Estado, os processos permanecem nas gavetas dos fóruns e os crimes acabam prescrevendo, acobertados pelo manto da impunidade (AFONSO, 2013, p. 117).
Do mesmo modo que o primeiro, este segundo caso constata a lentidão e impunidade
dos crimes cometidos no campo em desfavor das famílias que se colocam no embate contra as
forças latifundiárias. Constata-se, em diversos casos, que os interesses daqueles que chefiam
os crimes no campo, fazendeiros ou empresários do agronegócio, são determinantes nas
decisões judiciais, graças ao poder econômico e influência política que mantêm. Esse cenário
faz com que a sociedade desacredite nas competências do poder judiciário brasileiro, e se
torna mais um fator que leva os movimentos sociais às ruas e à mídia para pressionar e exigir
do Estado a devida justiça e punição.
Por meio do Caderno Conflitos no Campo Brasil 2013 (CPT), publicação anual que
traz o balanço dos conflitos, foram divulgados os números dos assassinatos e julgamentos
advindos dos crimes no campo em todo Brasil, praticados por pistoleiros e fazendeiros,
responsáveis por este cenário de violência. Fica evidente que a impunidade ainda se mantém
em praticamente todos os estados brasileiros, conforme indica o quadro a seguir.
Quadro 2: Brasil - Assassinatos e julgamentos, 1985-2013
REGIÃO CASOS VÍTIMAS CASOS JULGADOS
MANDANTES CONDENADOS
MANDANTES ABSOLVIDOS
EXECUTORES CONDENADOS
EXECUTORES ABSOLVIDOS
NORTE 564 839 32 19 5 26 22 NORDESTE 385 424 21 1 1 14 12 CENTRO-OESTE 128 181 12 1 2 12 3 SUDESTE 125 157 33 2 5 28 18 SUL 66 77 8 3 1 5 3 TOTAL 1.268 1.678 106 26 14 85 58
Fonte: Cadernos Conflitos no Campo 2013 (CPT). Org.: VICTOR, F. B., 2014.
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Segundo os dados, as regiões Norte e Nordeste apresentam os maiores registros de
crimes cometidos no campo, como também o maior número de vítimas, envolvendo conflitos
por terra, água e conflitos trabalhistas. Em contrapartida, apenas 8% dos casos foram levados
a júri. Essa porcentagem dos casos julgados permanece aproximada para as demais regiões,
com exceção apenas da região Sudeste, que nesse período teve 26% dos seus casos julgados.
No total de casos de assassinatos no Brasil, englobando todos os estados, apenas 8% foram
resolvidos. O gráfico 2 traz de modo ilustrativo essa quantificação.
Gráfico 2: Brasil - Assassinatos e julgamentos, 1985-2013
Fonte: Cadernos Conflitos no Campo 2013 (CPT). Org.: VICTOR, F. B., 2014.
O gráfico corrobora na compreensão da discrepância entre o número de casos
registrados e o número de casos julgados. Muitos crimes cometidos ficaram e ainda ficam não
solucionados, sem investigação e consequente punição. Essa impunidade, mais uma vez, é
fator preponderante na continuidade da violência do campo, pois de certo modo oferece
“livre-arbítrio” para os pistoleiros, latifundiários e o agronegócio continuarem a “eliminar” o
que consideram empecilho aos seus interesses financeiros e ao desenvolvimento capitalista
que propõem ao campo. Numa ocupação de terra promovida pelo movimento social, de uma
fazenda improdutiva, é comum que o fazendeiro rebata com violência contra os ocupantes,
caracterizando assim o quão conflituosa é tal realidade.
Segundo os dados da CPT, no estado de Minas Gerais foram registrados 68 casos de
assassinatos no período 1985-2013, com 89 vítimas e 25 casos levados a júri, 37% do total.
Entre os mandantes julgados, 2 foram condenados e 3 absolvidos, e dentre os executores, 24
44
foram condenados e 15 absolvidos. Sendo que, para a região Sudeste, o estado mineiro é o
que mais registrou casos de assassinatos no campo, representando 54% do total regional, e foi
o único dos quatro estados a ter mandantes de crimes condenados.
Os movimentos sociais, atuando na luta pela terra, promovem como estratégia de ação
ocupações de terras, acampamentos, marchas, caminhadas, ocupações de prédios públicos,
eventos estes que tendem a reunir a atenção da sociedade para a causa. São estes dados que
oferecem a noção da atualidade da luta pela terra.
O processo de modernização da agricultura implementada no campo, por meio dos
planos de desenvolvimento, por exemplo na ocupação do cerrado mineiro, é marcado por uma
intensa exclusão social e subordinação daqueles que vivem da terra, sejam camponeses ou
trabalhadores rurais, desenhando assim um cenário que exigiu desses sujeitos a inserção na
luta para a conquista e retomada da terra através das ações coletivas.
Esse cenário do campo e sua tomada por grandes empresas e pelo agronegócio é
expresso nos estudos recentes de Campos (2014), ao discutir a expansão da produção
canavieira no Cerrado mineiro. Segundo o estudo, foi a partir da década de 1990 e durante a
década de 2000 que o número de usinas de cana-de-açúcar aumentou rapidamente. Em 2013,
o estado de Minas Gerais concentrava 49 agroindústrias canavieiras em operação, sendo que
28 delas se localizam na mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba.
Valendo-nos do exemplo dessa mesorregião,
O processo de expansão da monocultura canavieira no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba envolve uma série de questões relacionadas aos impactos sociais, políticos, econômicos e ambientais. A expansão dos cultivos e da indústria da cana-de-açúcar gera consequências negativas, como a expulsão dos trabalhadores do campo, migrações, concentração fundiária, impactos ambientais dentre outras questões. O avanço dessa cultura promove também uma concentração da produção e uma concentração de terras nas mãos de usinas e grandes fornecedores, o que pode ocasionar prejuízos à agricultura camponesa. Além das questões citadas, temos a questão trabalhista, como a condição dos trabalhadores no plantio e colheita da cana, trabalho precário e ainda ameaçado frente à mecanização das colheitas, o que acarretará em possíveis ausências de postos de trabalho (CAMPOS, 2014, p. 19).
No estado mineiro, a produção canavieira é uma das mais destacadas atividades
econômicas, que insere o estado no cenário nacional. Essa é a agricultura que vem sofrendo
modificações no decorrer dos anos, territorializando-se com novas técnicas e processos de
produção, e cada vez mais utiliza maiores extensões de terras para a monocultura,
45
desterritorializa o camponês e o agricultor familiar, transforma os modos de vida e
homogeneíza a paisagem.
Dentre as principais frentes de atuação dos movimentos que lutam pela reforma
agrária, no estado de Minas Gerais as ocupações de terras se mantêm como estratégia mais
comum de ação e pressão contra as grandes propriedades e a exclusão. Aliado às ocupações,
as manifestações da luta pela terra também adquiriram fundamental importância no processo.
Dentre os principais movimentos sociais atuantes na luta pelo acesso à terra, o MST
expressa claramente o contexto de confronto e resistência. O MST usa as mais diferentes formas de luta, que vão desde caminhadas, passeatas, longas marchas, manifestações na cidade, audiências coletivas, ocupações de terra e de prédios públicos. Não temos uma única forma de luta, pois desde que sejam massivas podem ter eficácia. O que temos notado é que as formas mais eficazes têm sido as ocupações de latifúndios e dos prédios do Incra, quando a burocracia interna do órgão emperra as desapropriações ou a liberação de dinheiro. Tanto que só vem a público que eles não estão liberando o dinheiro, ou que tal desapropriação está parada, quando ocupamos o Incra. [...] Acontece que tratamos com problemas reais, pois o pessoal precisa de dinheiro para fazer a plantação. Então, temos que utilizar todas as formas de pressão para garantir que o governo de fato acelere essas medidas (STÉDILE, 1997, p. 88).
São as estratégias de ação dos movimentos sociais do campo que mantêm a reforma
agrária em pauta de discussão. As ocupações de terras e manifestações apontam os principais
problemas que exigem imediatas soluções, como por exemplo a demora da assistência técnica
e o assentamento de famílias.
Em suas análises da luta pela terra promovida pelo MST, Fernandes destaca que A ocupação, como forma de luta e acesso à terra, não é um fato novo, é um contínuo na história do campesinato brasileiro. Desde o princípio de sua formação, os camponeses em seu processo de criação e recriação ocuparam terra. A ocupação tem sido historicamente seu principal meio de acesso à terra. Estima-se que perto de 85% dos assentamentos no Brasil foram criados a partir de ocupações de terra. Nas últimas duas décadas ocorreram ocupações em quase todos os estados do Brasil (FERNANDES, 2010, p. 174).
A ocupação é a forma mais importante de luta contra a concentração fundiária e de
acesso à terra, além de pressionar o governo para que efetive a distribuição de terras, tornando
viável a reforma agrária. Estas estratégias demonstram que o desenvolvimento do capitalismo
não conseguiu extinguir o campesinato, mas sim deu força para os movimentos sociais se
fortalecerem e se organizarem contra o sistema a partir de suas fragilidades. São essas ações
que fazem compreender as formas de resistência frente aos processos de expropriação e
46
exclusão. Como bem afirma o autor, é visível a disputa política por projetos de
desenvolvimento rural.
E quanto à segunda forma de atuação, tão importante quanto a ocupação,
Além das ocupações de terra, o MST tem organizado marchas, ocupações de prédios públicos, greves de fome, passeatas e manifestações em frente às agências públicas e bancárias. Esses atos intensificam as lutas e aumentam o poder de pressão dos trabalhadores nas negociações com os diferentes órgãos do governo. Para o MST, a mobilização pela terra é uma luta popular heterogênea, construída na práxis (FERNANDES, 2010, p. 180).
O modo de atuação na luta pela terra se baseia, então, nessas principais frentes. A
ocupação da terra concretiza a territorialização do movimento quando resulta no
assentamento. As manifestações buscam agilizar o processo, seja na desapropriação da terra
ocupada, seja no atendimento às demandas dos assentados, que necessitam do apoio técnico
para sua produção e reprodução.
Tabela 1: Minas Gerais - Número de ocupações por mesorregiões, 1990-2012
MESORREGIÕES Nº DE OCUPAÇÕES N° DE FAMÍLIAS Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba 231 22.970
Norte de Minas 184 16.558 Noroeste de Minas 109 10.254 Vale do Rio Doce 51 7.231
Jequitinhonha 31 3.412 Metropolitana de Belo Horizonte 30 3.866
Sul/Sudoeste de Minas 16 1.361 Vale do Mucuri 7 1.003 Oeste de Minas 6 455 Central Mineira 4 160 Zona da Mata 3 117
N.I. 1 40 * Não identificado o município da ocupação. Fonte: DATALUTA, 2013. Org.: VICTOR, F. B., 2014.
Conforme a tabela, as mesorregiões Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, Norte de
Minas e Noroeste de Minas concentram o maior número de ocupações no estado, totalizando
524 ações com a participação de 49.782 famílias, ou seja, 78% das ações em todo o estado
nesse período da pesquisa. Isso se explica devido à estrutura fundiária dessas regiões, com a
terra concentrada para o agronegócio, em contraposição à agricultura familiar. O mapa 1
representa a espacialização das ocupações de terra no estado mineiro.
47
Mapa 1: Minas Gerais, ocupações por município, 1990-2012
Fonte: Relatório DATALUTA 2012. Org. FREITAS, R. L., 2013.
Conforme observado no mapa, o número de ocupações de terras é diretamente
proporcional ao índice de concentração da estrutura fundiária, neste caso considerando a
escala da mesorregião. Segundo os estudos de Freitas (2013),
As mesorregiões que apresentam maiores concentrações de terras são: Norte de Minas (microrregiões de Januária, Janaúba, Pirapora, Grão Mogol, Salinas e Bocaiuva); Noroeste de Minas (a concentração da propriedade é forte na microrregião de Paracatu); Vale do Jequitinhonha (microrregiões de Diamantina e Capelinha); região Metropolitana de Belo Horizonte (Sete Lagoas e Belo Horizonte); Vale do Mucuri (Teófilo Otoni) e Central Mineira (Curvelo) (FREITAS, 2013, p. 60).
Segundo o autor, o Índice de Gini5 nessas microrregiões apresentam concentrações
que variam entre 0,701 a 0,900, revelando então altos valores. Entendendo que os
5 Índice de Gini é um indicador utilizado para medir os níveis de desigualdade na distribuição de terras, consistindo em um número de 0 a 1, quanto mais próximo de 1, mais concentrada é a terra.
48
movimentos promovem as ocupações em regiões que possuem terras concentradas, justifica-
se dessa maneira o destaque das referidas mesorregiões. O Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba,
possui a economia fortemente influenciada pelo agronegócio, por exemplo, na produção da
cana-de-açúcar, como indicado acima, conformada então como palco de luta por meio das
ocupações de terras. O contexto das ocupações de terras também pode ser analisado a partir
dos registros anuais, conforme o Gráfico 3, o que permite do mesmo modo entender a atuação
dos movimentos de luta pela terra por período de governo.
Gráfico 3: Minas Gerais - Número de ocupações de terras por ano, 1990-2012
20
24 4
8
31
17
65
58
19
58
39
61
55
49
57
47
17
2723
1614
0
10
20
30
40
50
60
70
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Fonte: DATALUTA, 2013. Org. VICTOR, F. B., 2013.
O gráfico revela que a luta pela terra no estado mineiro, representada aqui pelas
ocupações de terras, foi intensificada a partir de 1996, no início do Governo Fernando
Henrique Cardoso, permanecendo num patamar elevado diante os demais anos até 2007, e
perfez nesse período 556 ações e 81% do total de 688 ocupações de terras no estado. Destaca-
se os municípios de Uberlândia, mesorregião Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, e Unaí,
Noroeste de Minas, com os maiores registros de ocupações de terras no estado, 53 e 32,
respectivamente, no total do período pesquisado. Dentre os movimentos atuantes, o MST é o
de maior representatividade no estado mineiro. Com essas ocupações referentes ao período de
FHC e a pressão dos movimentos sociais, foi efetivado considerável número de
assentamentos rurais, o que será mais detalhado nas páginas seguintes.
49
Lembrando que os anos de 1995 e 1996 são emblemáticos na luta pela terra, em que
ocorreram o Massacre de Corumbiara6 (Rondônia) e o Massacre de Eldorado dos Carajás7 (sul
do Pará), respectivamente, e resultou no assassinato de dezenas de camponeses e
trabalhadores sem-terra que lutavam nessas regiões. Esses dois atos violentos foram fatores
decisivos que levaram os movimentos sociais a permanecerem e intensificarem as
mobilizações pela reforma agrária em todo território nacional, inclusive em Minas Gerais. Em
contrapartida, o Governo continuou respondendo com violência.
Outra medida da gestão federal nas mãos do Governo FHC foi a criação da Reforma
Agrária de Mercado, apoiado financeiramente pelo Banco Mundial, uma estratégia para
controlar as pressões e os movimentos sociais, que tornou a terra produto a ser comercializado
através de financiamentos, aprofundando ainda mais o modelo neoliberal e reduzindo o papel
do Estado. Esse modelo de reforma agrária é regido pelas regras do mercado8.
Nos mandatos seguintes, do Governo Lula (2003-2010), as ocupações foram mantidas
na estratégia da luta, acompanhando o índice em nível nacional. O governo sustentou os
incentivos ao agronegócio perante vultosos financiamentos, e à contramão do
desenvolvimento social, foram pouco significativas as políticas voltadas para atender as
demandas dos sujeitos do campo.
Entendendo que o assentamento rural é a territorialização da luta pela terra e dos
movimentos sociais, é analisado o contexto dos assentamentos rurais em Minas Gerais. No
período 1986-2012 estudado pelo DATALUTA, foram criados 391 assentamentos, conforme
ilustra o gráfico a seguir.
6 Mesquita (2002) traz estudos aprofundados quanto ao crime de Corumbiara. 7 Ver Eric Nepomuceno (2007). 8 Sobre a Reforma Agrária de Mercado em Minas Gerais, ver SILVA (2011) e FREITAS (2013).
50
Gráfico 4: Minas Gerais - Assentamentos rurais criados por ano, 1986-2012
4 3 3 30
48
0 1
9
26
3431 30
27
13 13
7
15
71
13
23
5
22
12
6 8
0
10
20
30
40
50
60
70
80
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Fonte: INCRA/DATALUTA, 2013. Org. VICTOR, F. B., 2013.
Desse total, é possível compreender a criação dos assentamentos rurais por gestão
federal, a partir do Governo Sarney até o presente, elaborando assim um comparativo das
ações do Estado frente à pressão política promovida na luta pela reforma agrária, conforme
apresento no quadro abaixo.
Quadro 3: Minas Gerais - Assentamentos rurais criados por período de Governo
GOVERNOS PROJETOS CRIADOS FAMÍLIAS ASSENTADAS ÁREA (ha) SARNEY (1986-1989) 13 1.075 77.462
COLLOR-ITAMAR (1990-1994) 13 729 33.599 FHC-1 (1995-1998) 100 5.739 272.586 FHC-2 (1999-2002) 83 4.319 267.349
LULA-1 (2003-2006) 106 4.679 221.398 LULA-2 (2007-2010) 62 2.412 105.159 DILMA (2011-2012) 14 623 43.510
TOTAL 391 19.576 1.021.063 Fonte: INCRA/DATALUTA, 2013. Org. VICTOR, F. B., 2013.
Dentre as formas de obtenção de terras, em Minas são identificadas a desapropriação
(78%), reconhecimento (14%), compra (6%), doação (1,5%) e transferência (0,5%). A
desapropriação é a principal forma defendida pelos movimentos que atuam na luta em todo
território nacional, entendendo-a como instrumento que de fato altera a estrutura de
concentração da terra. A tabela a seguir ilustra as formas de obtenção registradas no estado.
51
Tabela 2: Minas Gerais - Formas de obtenção dos assentamentos rurais, 1986-2012
Políticas de obtenção Assentamentos Famílias Área Desapropriação 305 15.615 807.271 Reconhecimento 54 1.952 147.221
Compra 24 1.174 38.887 Doação 6 800 27.240
Transferência 2 35 444 FONTE: INCRA/DATALUTA, 2013. Org.: VICTOR, F. B., 2014.
O reconhecimento como a segunda forma de obtenção de terras em Minas Gerais se
refere principalmente ao tipo PRB, registrados nas mesorregiões Jequitinhonha, Norte de
Minas e Vale do Rio Doce. Resultam principalmente da construção de hidrelétricas que
alagam extensas áreas e expulsam populações de suas propriedades, e um exemplo são as
áreas de remanescentes quilombolas. Entretanto, essa forma de obtenção não altera a estrutura
fundiária, pois essas populações desalojadas são realocadas em outras áreas de domínio da
União (FREITAS, 2013). O mapa 2 traz a espacialização da luta pela terra representada pelos
assentamentos rurais.
Mapa 2: Minas Gerais - Assentamentos rurais por município, 1986-2012
Fonte: Relatório DATALUTA 2012. Org. FREITAS, R. L., 2013.
52
Nota-se que nas mesorregiões que concentram as ocupações de terras, conforme o
primeiro mapa aqui apresentado, é também onde foram criados o maior número de
assentamentos rurais, conformando assim a ideia de que a ocupação é de fato uma eficaz
estratégia na luta pela reforma agrária. Com base nos dados do INCRA, em números as
mesorregiões Noroeste de Minas, Norte de Minas e Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba somam
306 (78%) do total de assentamentos rurais mineiros, com 16.615 (84%) famílias assentadas e
uma área de 887.129 ha (86%), corroborando assim com a representação cartográfica.
Já para os registros das manifestações em Minas Gerais, apresentamos a Tabela 5 e o
Gráfico 4.
Tabela 3: Minas Gerais - Manifestações por mesorregião, 2000-2012
MESORREGIÕES N° DE MANIFESTAÇÕES Nº DE PESSOAS Metropolitana de Belo Horizonte 208 81.977
Norte de Minas 83 81.569 Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba 74 41.239
Zona da Mata 59 42.460 Vale do Rio Doce 42 26.125
Jequitinhonha 29 15.410 Noroeste de Minas 26 8.350
Vale do Mucuri 8 25.470 Sul/Sudoeste de Minas 7 2.344
Central Mineira 3 1.130 Oeste de Minas 3 3.280
N.I.* 3 720 Campo das Vertentes 2 300
* Não identificado o município de ocorrência. Fonte: DATALUTA, 2013. Org.: VICTOR, F. B., 2014.
No período em análise no estado de Minas Gerais foram registradas 547
manifestações, com a participação de 330.374 pessoas que vivenciam a realidade do campo.
Como bem demonstrado, a mesorregião Metropolitana de Belo Horizonte concentra 38% do
total de ações do período, registrando 208 manifestações. As regiões Norte de Minas e
Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba também apresentam número expressivo no registro de
ações, destacando-as assim como na análise das ocupações de terras, demonstrando desse
modo a atuação dos movimentos sociais. O gráfico seguinte ilustra o registro de
manifestações e o número de pessoas participantes.
53
Gráfico 5: Minas Gerais - Relação do número de manifestações e pessoas envolvidas,
2000-2012
7.249
31.160
24.78027.880
35.190
16.506 16.963
33.270
19.550 19.033
24.983
45.165
28.645
20
34
1622
55
34
25
44
20
33
64
80
100
0
5.000
10.000
15.000
20.000
25.000
30.000
35.000
40.000
45.000
50.000
0
20
40
60
80
100
120
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Nº d
e pe
ssoa
s
Nº d
e m
anife
staç
ões
Nº DE FAMÍLIAS Nº DE MANIFESTAÇÕES
Fonte: DATALUTA, 2013. Org.: VICTOR, F. B. 2014.
A principal justificativa para a concentração de ações na região Metropolitana de Belo
Horizonte é quanto à localização dos órgãos públicos com sedes na capital mineira, como por
exemplo, INCRA-MG, Governo Estadual e Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Estes
órgãos oficiais e seus representantes são os principais envolvidos nas negociações e
audiências reivindicadas pelos movimentos, que ocorrem na capital do Estado. A luta pela
terra representada pelas manifestações é espacializada no seguinte mapa.
54
Mapa 3: Minas Gerais - Manifestações por município, 2000-2012
Fonte: Relatório DATALUTA 2012. Org. FREITAS, R. L., 2013.
Tendo a ocupação de terras como a principal estratégia de luta, soma-se mais um
elemento fundamental que são as manifestações. Além de reivindicar a terra de trabalho, os
movimentos e seus integrantes, ao saírem às ruas em marchas, passeatas, bloqueios, buscam a
visibilidade da sociedade, exigem seus direitos na assistência aos assentamentos, nos incentivos
governamentais voltados para a agricultura familiar e produção de alimentos à população,
denunciam as violências cometidas contra os que se engendram na luta pela reforma agrária.
Se a capital mineira é o principal palco de ações, as regiões controladas
territorialmente pelo agronegócio, como o Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, também são
expressivas. No conflito contra o modelo agrícola vigente, as estratégias são a ocupação e a
manifestação, tendo a mídia como principal veículo de informações. Essas ações são
promovidas nas cidades, visto como espaço dinâmico onde praticamente todas as atividades
acontecem, sejam econômicas, políticas e culturais, e é nesse espaço que se obtém a
visibilidade necessária.
55
Além disso, o que se tem atualmente é a união dos diferentes movimentos que lutam
por seus direitos, sejam eles urbanos ou do campo. O ano de 2013 é emblemático no
entendimento, relembrando os diversos atos promovidos em todo território nacional. As ações
envolveram movimentos que lutam por reformas urbana, agrária e políticas, em atos que
unificaram a voz dos que desejam e lutam por melhores condições de trabalho e vida. O que
repercutiu foram reivindicações por moradias, salários, educação, saúde, segurança, e isso
demonstrou que a responsabilidade da população é significativa em busca de mudanças
sociais, e a força política e de mobilização desses grupos não deve ser desconsiderada.
56
3. DA RESISTÊNCIA À CONQUISTA DA TERRA: as manifestações e suas variadas
formas
Neste capítulo, procuramos desenvolver uma análise das manifestações a partir da
tipologia elaborada pelas pesquisas DATALUTA e CPT. Primeiramente, abordamos os
principais tipos de estratégias de ação no estado de Minas Gerais, baseados também na
espacialização de cada tipo por meio das representações cartográficas.
Os conteúdos materializados pelos movimentos dizem respeito ao teor de cada
manifestação, trazendo as reivindicações que pautam as ações e a quem são direcionadas. E
finalizando esta abordagem, é debatido o modo como os fatos são divulgados à sociedade pela
mídia e como esta influencia a opinião pública.
3.1. Os tipos de manifestações promovidas pelos movimentos sociais
Além da análise das manifestações como importante dimensão da luta pela terra no
estado de Minas Gerais, torna-se fundamental então o estudo dos tipos de manifestação,
buscando construir uma tipologia. A pretensão aqui é qualificar essas ações, com vistas a
entender o onde, como e o quê envolve o fenômeno.
Um trabalho de referência foi elaborado por Pereira (2012), que também compôs a
Rede DATALUTA, e teve como proposta o Estudo sobre os tipos de manifestações no campo
paulista no período 2000-2011. A partir de sua pesquisa, o autor empreendeu uma análise dos
tipos de manifestações do campo na luta pela e na terra, com base nos registros da CPT para o
estado de São Paulo, considerando a importância das manifestações como um elemento da
luta pela terra no bojo da questão agrária brasileira.
Em Minas Gerais, segundo a metodologia DATALUTA, são identificados os seguintes
tipos de manifestações: ocupação de prédio público, marcha, romaria, grito dos excluídos,
formação de acampamento, ocupação de prédio privado, bloqueio de rodovia, eventos, greve,
protestos, destruição de acampamento, reintegração de posse, expulsão e caminhada. Tais
definições foram atribuídas no início da sistematização dos dados referentes às manifestações,
e que ao longo do tempo foram percebidos outros tipos, tais como audiência pública e
bloqueio de avenida.
Isso se dá diante os fatores encontrados pelos próprios movimentos, que notam a
necessidade de incorporar novas estratégias de ação. Se anteriormente promoviam bloqueios
de rodovias, principalmente devido ao acampamento se encontrar nas margens dessa
57
localização, agora também as vias urbanas são interditadas, visando assim uma maior
visibilidade.
De acordo com a metodologia da CPT, além das ações que envolvem propriamente a
questão da terra, a instituição considera os atos em favor da questão da água, do meio
ambiente ou assuntos específicos a alguma empresa ou questões trabalhistas (Quadro 4).
Desse modo, o levantamento da pastoral contempla as distintas dimensões da questão agrária,
e por isso neste trabalho, como já afirmado anteriormente, é fonte de dados.
Quadro 4: Tipos de manifestações identificados pela CPT
TIPOS DE MANIFESTAÇÕES ABRAÇO MANIFESTO
ACAMPAMENTO MARCHA AUDIÊNCIA MUTIRÃO BLOQUEIO OCUPAÇÃO DE AGÊNCIA BANCÁRIA
BLOQUEIO DE RODOVIA OCUPAÇÃO DE PRÉDIO PRIVADO CAMINHADA OCUPAÇÃO DE PRÉDIO PÚBLICO
CELEBRAÇÃO RELIGIOSA PANFLETAGEM CERCO A CONSTRUÇÕES PEDIDO DE DEMISSÃO
CONCENTRAÇÃO EM ESPAÇO PÚBLICO RETENÇÃO DE VEÍCULO ENCONTRO ROMARIA
GREVE DE FOME TEMÁTICA GREVE DE SEDE VIGÍLIA
FONTE: Base de dados CPT, 2013. Org.: VICTOR, F. B., 2014.
Conforme o quadro, no período de 2000 a 2012 em Minas Gerais foi identificado 24
tipos de manifestações envolvendo movimentos sociais que tem o campo como moradia e
trabalho. Uns mais expressivos, outros referentes a determinado evento, mas todos utilizados
para contestar e questionar o modelo de desenvolvimento até agora imposto à população,
buscando assim a possível e necessária mudança social.
Ao analisar as práticas contestadoras dos movimentos agrários no início do século
XXI, entendidas como manifestações questionadoras com potencialidade transformadora,
Feliciano (2009) afirma que
As formas encontradas pelos movimentos agrários para externalizar à sociedade suas reivindicações são diversas e criativas. O tipo de reivindicação pode definir de antemão qual a melhor maneira de contestar e sensibilizar tanto a população, como a mídia e o Estado (FELICIANO, 2009, p. 133).
58
Nos casos em que ocorrem ocupações de agências bancárias, dentre os tipos
identificados pela CPT, as principais reivindicações são, por exemplo, por créditos aos
assentados ou renegociação de dívidas, e assim o banco é o principal alvo de interesse das
manifestações. Isso demonstra que o que é reivindicado determina como será realizada a ação.
Uma manifestação é uma ação antes de tudo pensada e organizada, com fins bem
determinados.
Prossegue o autor, ao exemplificar com tipos de manifestações mais originais e
emblemáticos, estratégicos para escapar de artifícios jurídicos ou administrativos capazes de
impedir os efeitos desejados.
Por exemplo, greve de fome, vigílias, jejum, celebrações religiosas, cerco/abraço a órgãos públicos, etc. Ou seja, ocupar em uma perspectiva simbólica de sensibilizar uma luta, que, muitas vezes, é interpretada como passível de ações radicais e desordeiras (FELICIANO, 2009, p. 133).
É nessa diversidade de ações que entendemos, do mesmo modo, a diversidade de
exigências e contestações que se colocam em pauta política pelos movimentos sociais. Os
diferentes tipos de manifestações revelam a realidade social que exige profundas
transformações, com vistas a tomar a maior visibilidade e sensibilidade possível da sociedade.
Em Minas Gerais, a partir do banco de dados DATALUTA, são sistematizados os
tipos de manifestações a fim de estabelecer as principais ações promovidas no estado, bem
como as regiões ou municípios em que são realizadas.
59
Tabela 4: Minas Gerais - Tipos de manifestações, 2000-2012
Tipo Nº de Manifestações Nº de Pessoas Concentração em espaço público 150 38.265
Ocupação de prédio público 65 23.854 Bloqueio de rodovia 63 20.202
Temática 47 31.410 Caminhada 40 16.295
Marcha 34 16.250 Acampamento 23 8.267
Romaria 16 151.050 Ocupação de prédio privado 10 2.510
Ocupação de agência bancária 9 1.440 Cerco a construções 8 1.760
Audiência 7 815 Encontro 7 2.060
Celebração religiosa 5 1.300 Manifesto 5 2.380
Vigília 4 3.250 Abraço 2 3.600
Greve de fome 2 38 Greve de sede 1 2
Mutirão 1 150 Panfletagem 1 NI
Pedido de demissão 1 2 Retenção de veículos 1 250
Saque 1 50 Outros 44 5.174
Nota: O tipo Outros indica ações em que não foram identificados o local ou o tipo da manifestação. Fonte: Base de dados CPT, 2013. Org.: VICTOR, F. B. 2014.
São apresentados na tabela todos os tipos de manifestações identificados no estado de
Minas Gerais, com a quantidade e o número de participantes. Serão tratados neste trabalho
especificamente os dez tipos mais frequentes segundo a classificação elaborada acima, sendo
estas as estratégias mais utilizadas pelos movimentos sociais.
As manifestações identificadas como concentração em espaço público, ocupação de
prédio público e bloqueio de rodovia, juntas, somam 51% do total de ações promovidas no
estado mineiro, conforme o levantamento da CPT. Destes, 27% se trata de concentração em
espaço público, sendo desse modo o tipo mais utilizado pelos movimentos sociais na tentativa
de levar o problema ao conhecimento da população e pressionar o Estado.
60
Feliciano (2009) aponta que no início do século XXI, as principais formas de
manifestação dos movimentos agrários brasileiros foram as concentrações e manifestações em
espaços públicos, a partir de
atos, paradas, gritos, levantes, protestos, comemorações, os quais tiveram a finalidade de agregar, sobretudo em espaços públicos, uma concentração de pessoas para debates, esclarecer, reivindicar e conscientizar outras, que estão de passagem, sobre questões que direta ou indiretamente afetam ou podem afetar a vida de grande parte da população (FELICIANO, 2009, p. 138-139).
Pressão e mobilização são dois elementos chave para os movimentos sociais
continuarem a luta pelos seus ideais, aliás, fundamentais nas conquistas e mudanças. A
pressão se dá pelas constantes ações promovidas dia a dia, no campo e na cidade, e demonstra
a força política das organizações mantendo o assunto em discussão, fazendo do Estado o
principal alvo. A mobilização é compreendida por meio da participação significativa de
pessoas com um objetivo comum que se engendram nos atos públicos e no embate contra a
desigualdade, e fazem principalmente a população participar desse contexto. À medida que a
sociedade percebe a existência dos problemas colocados a partir desses atos públicos, de um
grupo que decidiu lutar e resistir, espera-se a disseminação de uma conscientização coletiva.
Seguindo a ordem colocada, primeiramente explicaremos o tipo de ação envolvendo a
concentração em espaço público. Esta se refere a ações promovidas em diferentes e variadas
localidades contidas também de reivindicações distintas, na pretensão de reunir expressivo
número de pessoas com vistas ao objetivo comum. Acontecem em frente a órgãos
governamentais, empresas públicas ou particulares, praças e avenidas, não apresentando desse
modo um local específico. São exemplos dessa forma de ação no estado mineiro, conforme a
base de dados, ato contra a impunidade na Chacina de Unaí (2004, 2006, 2007, 2008 e 2010),
pela desapropriação da Fazenda Tangará (Uberlândia-MG, 2001); ato contra a poluição do
Rio São Francisco (2009), e em oposição ao agronegócio (2010); protesto por segurança e
reforma agrária (2009), protesto contra o Massacre de Felisburgo (2004 e 2012), entre outros.
É no espaço público que se obtém maior notoriedade da sociedade, e da mídia especialmente,
sendo que nele ocorre maior circulação de pessoas e bens com uma dinâmica que, se alterada,
atinge a todos. O Mapa 4 representa a espacialização das concentrações em espaço público.
61
Mapa 4: Minas Gerais - Tipologia das manifestações – Concentração em espaço público,
2000-2012
Fonte: DATALUTA/CPT, 2013. Org.: FREITAS, R. L.; VICTOR, F. B., 2014.
O segundo tipo mais utilizado nas manifestações é a ocupação de prédio público. De
acordo com Comerford (1999), é nas capitais dos estados que a maioria das ocupações é
realizada. Há também ocupações em centros regionais de regiões marcadas por lutas de trabalhadores rurais, ou nas sedes dos municípios onde há assentamentos ou acampamentos. De qualquer forma, as ocupações de órgãos públicos, situados na capital do Estado ou na sede dos municípios, envolvem sempre o deslocamento de um grupo relativamente grande de trabalhadores da zona rural para a cidade (COMERFORD, 1999, p. 131).
Em Minas Gerais, foram registradas ocupações em prédios do INCRA (2000, 2001,
2006, 2011), prefeituras municipais (2002, 2005, 2010), Assembleia Legislativa (2011),
Ministério Público (2012), Universidade Federal (Viçosa-MG, 2007), prédio da Receita
Federal (2005), entre outros. Esta ação se caracteriza pela ocupação, que normalmente dura
62
um ou poucos dias, de órgãos representativos quanto ao assunto reivindicado, por exemplo, o
INCRA, responsável pelo assentamento das famílias e a assistência aos assentados, e pela
desapropriação de áreas; prefeitura municipal, comumente responsável pela aquisição de
alimentos da agricultura familiar em parceria com o Governo Federal9; câmara legislativa,
uma vez que vereadores e deputados devem ser também os representantes da população e de
seus interesses, para os quais são reivindicadas as políticas públicas. Nestas ocupações,
representadas pelo Mapa 5, muitas vezes o objetivo dos manifestantes é promover uma
reunião com os representantes dos órgãos públicos, a fim de definir soluções aos problemas
colocados num processo de negociação, e neste caso com a reunião realizada ou agendada,
finaliza-se a manifestação.
Mapa 5: Minas Gerais - Tipologia das manifestações – Ocupação de prédio público,
2000-2012
Fonte: DATALUTA/CPT, 2013. Org.: FREITAS, R. L.; VICTOR, F. B., 2014.
9 Como acontece no município de Uberlândia, Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, em que a prefeitura fornece alimentos às instituições filantrópicas e escolas de educação básica do município, a partir dos programas de Aquisição de Alimentos - PAA e de Alimentação Escolar - PMAE. Disponível em <http://www.uberlandia.mg.gov.br/?pagina=secretariasOrgaos&s=30&pg=2070>. Acesso em jul. 2014.
63
Representando 12% do total de ações no estado mineiro, o bloqueio de rodovia se
configura como fundamental estratégia. Trata-se de uma forma de protesto com intuito de
interditar a passagem de pessoas e veículos, seja em rodovias estaduais ou federais,
especialmente nas vias de maior fluxo. É um importante modo de adquirir visibilidade,
sobretudo pela mídia, uma vez que modifica a dinâmica do local onde se realiza a ação, como
por exemplo, impedindo a passagem de pessoas, produtos e serviços. Os movimentos não
objetivam, com isso, causar problemas à população, por isso observamos que estas ações
duram poucas horas. Há de se destacar que dentre este tipo configura-se também os bloqueios
de avenida, que têm o mesmo objetivo, porém concentram-se nas cidades, em especial nos
locais de intenso movimento. Normalmente nestes bloqueios os manifestantes esclarecem por
meio de panfletos quais as causas e reivindicações que motivam a determinada ação.
O Mapa 6 representa os locais onde se concentram os bloqueios de rodovia, indicados
principalmente nas mesorregiões Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, com destaque para o
município de Uberlândia, interligado por importantes rodovias estaduais e federais; Norte de
Minas Gerais, Metropolitana de Belo Horizonte e Vale do Mucuri.
Mapa 6: Minas Gerais - Tipologia das manifestações – Bloqueio de rodovia, 2000-2012
Fonte: DATALUTA/CPT, 2013. Org.: FREITAS, R. L.; VICTOR, F. B., 2014.
64
A manifestação do tipo temática, representada do Mapa 7, totaliza 47 ações no estado,
sendo o terceiro tipo mais expressivo no número de pessoas, com 31.410 participantes. Trata-
se de ações correspondentes à pauta dos movimentos definida previamente, tais como o Dia
do Trabalhador Rural, Grito da Terra Brasil, Dia Internacional dos Atingidos por Barragem,
Jornada Nacional de Luta, Dia Internacional da Mulher, entre outros. Conforme Pereira
(2011, p. 60), o objetivo dessas ações é mostrar à sociedade e ao governo a pauta nacional do
movimento.
Mapa 7: Minas Gerais - Tipologia das manifestações – Temática, 2000-2012
Fonte: DATALUTA/CPT, 2013. Org.: FREITAS, R. L.; VICTOR, F. B., 2014.
Podemos agrupar os tipos caminhada, marcha e romaria por se constituírem de
manifestações em movimento que percorrem distâncias predeterminadas, seja dentro de um
município ou entre municípios, num processo que busca o diálogo com a população por onde
o movimento percorre. Conforme a pesquisa DATALUTA, a marcha difere da caminhada
65
segundo a distância percorrida, sendo aquela definida para percursos mais longos. Exemplo
recente, registramos uma marcha com a participação de dez mil pessoas pelas ruas de Brasília
que marcou o encerramento do Encontro Nacional Unitário dos Trabalhadores e
Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas10. Para Fernandes,
A marcha é uma necessidade para expandir as possibilidades de negociação, para gerar novos fatos. Em seus ensinamentos e aprendizados, por meio de suas experiências, os sem-terra tiveram diversas referências históricas. Alguns exemplos utilizados na mística do Movimento são: a caminhada do Povo Hebreu rumo à terra prometida, na luta contra a escravidão no Egito; a caminhada de Gandhi e dos hindus rumo ao mar, na luta contra o imperialismo inglês; as marchas das revoluções mexicana e chinesa entre outras (FERNANDES, 2000, p. 79).
O processo de caminhada ou marcha sempre esteve presente na história dos diferentes
povos, que lutaram por seus direitos e pelo que acreditavam, e são nestes exemplos que os
movimentos se inspiram para criar as estratégias de ação, instituindo espaços políticos de
diálogos, denúncias e reivindicações.
A romaria diz respeito a ações mais específicas, como a Romaria das Águas e da
Terra e Romaria da Juventude, de cunho mais religioso. Quanto a este tipo, Comerford (1999)
afirma que A Igreja Católica vem promovendo, há anos, em vários Estados, caminhadas envolvendo grande número de trabalhadores rurais representando comunidades rurais do Estado em que se realiza o evento, chamadas “Romarias da Terra”, que terminam em concentrações e celebrações religiosas em locais estrategicamente escolhidos, que são marcados como locais especialmente significativos para a “luta pela terra”. Por outro lado, organizações como o MST têm promovido caminhadas de grupos de trabalhadores rurais, geralmente representando assentados e acampados, vindos de algum ponto de concentração no interior dos Estados, rumo às capitais. Geralmente essas caminhadas alcançam considerável visibilidade, ganhando destaque na imprensa (COMERFORD, 1999, p. 128).
Não por acaso que o maior número de pessoas envolvidas é registrado para o tipo
romaria, representando significativa participação e organização dos movimentos sociais e
pastorais da igreja ligadas à luta pela terra, mesmo que esta classificação não seja expressiva
na quantidade de ações no estado mineiro. Por meio do Mapa 8, evidenciamos a
espacialização desse tipo de manifestação. 10 Dados retirados da Declaração do Encontro Nacional Unitário dos Trabalhadores e Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas, disponível em < http://terradedireitos.org.br/2012/08/24/declaracao-do-encontro-nacional-unitario-dos-trabalhadores-e-trabalhadoras-e-povos-do-campo-das-aguas-e-das-florestas/>. Acesso em jul. 2014.
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Mapa 8: Minas Gerais - Tipologia das manifestações – Caminhada, marcha e romaria,
2000-2012
Fonte: DATALUTA/CPT, 2013. Org.: FREITAS, R. L.; VICTOR, F. B., 2014.
O tipo acampamento, que representa 23 registros com a participação de 8.267 pessoas,
difere do acampamento formado após uma ocupação de terra, onde as famílias resistem para
conquistar o assentamento. Este tipo de manifestação, representado pelo Mapa 9, consiste na
formação de acampamento em espaços públicos ou em frente a órgãos governamentais e
empresas privadas nas cidades, por um curto período determinado pelo movimento, a fim de
pressionar as instituições e o poder público. Conforme o mapa, o município de Belo
Horizonte concentra o maior número de ações.
Um exemplo de acampamento foi registrado em 2012 pela equipe DATALUTA-MG,
no município de Uberaba, em que devido a uma reintegração de posse, 100 pessoas do MST
ficaram acampadas na Praça Pio XXII aguardando um posicionamento do INCRA.
67
Mapa 9: Minas Gerais - Tipologia das manifestações – Acampamento, 2000-2012
Fonte: DATALUTA/CPT, 2013. Org.: FREITAS, R. L.; VICTOR, F. B., 2014.
Outro exemplo de formação de acampamento foi tratado pelo MAB, noticiando em
2011 que Cerca de 50 famílias atingidas pelas barragens de Emboque e Granada, construídas na cidade de Abre Campo na Zona da Mata de Minas Gerais, começaram nesta terça-feira (20) um acampamento para denunciar a violação de direitos humanos na construção de barragens e reivindicar da empresa e do governo os direitos violados. As famílias acampadas reivindicam da empresa canadense Brookfield, responsável pelas duas barragens, o reassentamento das famílias prejudicadas e reativação econômica, social, ambiental e cultural, com projetos estruturantes, principalmente no distrito de Bicuíba, na área ribeirinha de Raul Soares, nas localidades de São Lourenço, Valão e no distrito de Granada. O MAB enviou ofício à empresa solicitando uma reunião e a Brookfield se comprometeu a estar no acampamento na quinta-feira (22) debatendo com os atingidos (MAB, 21/09/2011).
68
Os atingidos pelas grandes construções da referida empresa privada se uniram num
protesto pelos seus direitos, violados aos serem expropriados. Além de reivindicar terra e o
reassentamento das famílias, exigem também que seja de responsabilidade da empresa a
reestruturação social, econômica, ambiental e cultural dos atingidos a partir de projetos.
Os últimos tipos de manifestação tratados aqui são a ocupação de prédio privado e
ocupação de agência bancária (Mapa 10). Esta classificação tem princípios comuns com o
primeiro tipo, ocupação de prédio público, porém difere quanto ao espaço, se tratando de
empresas privadas e especificamente de agências bancárias. Estas, por sua vez, são as
instituições financiadoras nos processos de créditos para produção aos assentados, e
comumente são alvos de manifestações que visam o refinanciamento de dívidas ou a liberação
de recursos para construção de casas nos assentamentos. Como afirma Pereira (2012, p. 67),
“as ações em agências bancárias são específicas para resolução de problemas financeiros e
tiveram como alvos os bancos estatais: Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal na
grande maioria das vezes”.
Mapa 10: Minas Gerais - Tipologia das manifestações – Ocupação de agência bancária,
2000-2012
Fonte: DATALUTA/CPT, 2013. Org.: FREITAS, R. L.; VICTOR, F. B., 2014.
69
Quanto à ocupação de prédio privado (Mapa 11), estes espaços representam os
interesses capitalistas contra os quais os movimentos declaradamente se posicionam. São
corporações que em diversos casos possuem extensas áreas de monoculturas para exportação;
construtoras de grandes projetos nas áreas rurais; ou empresas que causam a degradação
ambiental sem a devida preocupação com os recursos naturais ou com a população local,
configurando-se logo em agentes que compõem o conflito entre os dois modelos de
desenvolvimento.
Mapa 11: Minas Gerais - Tipologia das manifestações – Ocupação de prédio privado,
2000-2012
Fonte: DATALUTA/CPT, 2013. Org.: FREITAS, R. L.; VICTOR, F. B., 2014.
Desse modo, os movimentos definem variadas formas de materializar suas
reivindicações, em diferentes espaços políticos. Conforme Feliciano,
70
Ao final, pode-se verificar que as reivindicações dos movimentos agrários brasileiros, no início do século XXI, estão direcionadas a duas perspectivas. Uma, para a adoção de políticas de desenvolvimento do campo, baseadas na justiça para a maioria da população: política de combate à pobreza e à fome, política de desenvolvimento do campo, política de reforma agrária, política de regularização de posse, políticas ambientais, políticas aos povos tradicionais, políticas de respeito aos direitos humanos; e outra, contra a adoção de um modelo de desenvolvimento que privilegia interesses de uma restrita parte da população e, em muitos casos, apenas de empresas transnacionais: contra a implantação de barragens, a transposição do rio São Francisco, a privatização das águas, plantio com organismos geneticamente modificados etc. (FELICIANO, 2009, p. 132-133).
As manifestações revelam então os diferentes fatores que inserem os sujeitos no
embate de forças. Fica esclarecido que não se trata apenas de terra, da conquista de uma
fração do território onde será possível a reprodução do modo de vida do campo, mas também
de melhorias sociais, econômicas e culturais. Não é possível à população viver no campo sem
as condições adequadas de moradia e trabalho, e assim percebem que é a partir da ação e da
reação, principalmente coletiva, que a mudança pode acontecer.
Estas manifestações representam importantes instrumentos estratégicos de luta, capacidade de articulação e organização dos movimentos sociais, despertando na população e nos órgãos públicos as discussões sobre o contexto social brasileiro e em especial os problemas e dificuldades no campo. A concentração fundiária, falta de políticas públicas para o meio rural, direitos não atendidos, enfim, um conjunto de fatores que exigem dos movimentos sociais a exposição de suas forças de mobilização por meio das manifestações no processo de luta pela terra. [...] Essas manifestações são oriundas da continuidade das relações conflitantes entre os camponeses, os agentes do agronegócio, antigos latifundiários e capitalistas agrários. E é justamente tornar o conflito público o objetivo central dessas ações (CLEPS JR, et al, 2014, p. 6-7).
As formas pelas quais os movimentos sociais concretizam suas práticas estão
agrupadas em uma ocupação estritamente ligada à luta por um espaço político: ocupar para
parar, nas ocupações de prédios, bancos e em frente a instituições; parar para ocupar, nos
bloqueios de rodovias e avenidas, e andar para parar e ocupar, nas marchas e caminhadas
(FELICIANO, 2009, p. 135). Os espaços para cada tipo de ação não são definidos
aleatoriamente, mas sim pensados a partir de objetivos comuns. Públicos, privados, empresas,
praças, avenidas, rodovias, cada local representa um significado específico ao ser
externalizado nestes o descontentamento com a atenção do Estado a partir das políticas
públicas e com os interesses dominantes.
71
3.2. Os conteúdos das manifestações e as reivindicações materializadas
Uma das principais formas de visualizarmos os acontecimentos no campo e na cidade
é a partir da veiculação de notícias. Os fatos são divulgados por meio de jornais impressos,
televisivos, internet e outros mais veículos de comunicação, principalmente na
contemporaneidade em que a informação é tão rapidamente disseminada. Assim, cabe
também à investigação acadêmica utilizar desses meios no desenvolvimento das pesquisas,
utilizando-os como fonte de dados.
Dito isso, o banco de dados do Projeto DATALUTA, como já apresentado
anteriormente, reúne um conjunto de meios de comunicação, especialmente online, para
captar os registros referentes à luta pela terra no estado de Minas Gerais, e assim compreender
os conteúdos das ações promovidas por aqueles que estão envolvidos nesse contexto,
principalmente os movimentos sociais.
Uma primeira ilustração quanto às ações pode ser percebida a partir da reportagem do
Jornal O Tempo, versão online, que divulga uma ocupação do prédio do INCRA pelo MST na
capital Belo Horizonte, conforme figura a seguir.
Figura 1: Reportagem Jornal O Tempo
Fonte: Acervo DATALUTA 2012.
72
Na referida ação, os manifestantes realizaram uma ocupação de prédio público no
município de Belo Horizonte. O protesto integrou uma articulação nacional, denominada de
Abril Vermelho, em que é lembrado o Massacre de Eldorado dos Carajás ocorrido no Pará em
17 de abril de 1996. A mesma reportagem divulga uma liberação de pedágio na Rodovia
Fernão Dias, além do bloqueio de rodovia em São Paulo. Ou seja, são noticiadas as diversas
ações promovidas pelo MST em diferentes estados simultaneamente, em protesto pelo
massacre ocorrido há 16 anos, fato esse que marcou a história da luta pela terra no Brasil.
Outra divulgação da mesma informação foi registrada pelo Portal Centro de
Documentação Eloy Ferreira da Silva - CEDEFES, que apresenta ainda um manifesto dos
trabalhadores rurais do Sul de Minas.
Nós, trabalhadores rurais Sem Terra de Minas Gerais, nesta manhã de 17 de abril, 16 anos após o covarde Massacre em Eldorado dos Carajás, ainda hoje impune, estamos mobilizados em Minas Gerais para garantir os avanços emergenciais de nossa pauta da Reforma Agrária. Em Minas Gerais, sofremos com a violência no campo, a exemplo do Massacre de Felisburgo, que vitimou cinco companheiros, sofremos com a falta de uma política de desenvolvimento dos assentamentos, não temos assistência técnica adequada, moradia, escola saúde etc. Estamos indignados, pois desde 2009 nenhuma família foi assentada em nosso estado. Temos diversos acordos não cumpridos por parte dos governos, como o convênio que permite a imediata desapropriação da antiga usina Ariadnópolis, há 14 anos ocupada por um latifúndio que simboliza o atraso do país e a vergonha de termos uma burguesia agrária que enriqueceu sem pagar os trabalhadores, destruindo a natureza e acumulando dívidas impagáveis com o Estado. Exigimos a imediata posse das fazendas decretadas improdutivas e não cumpridoras da função social, a exemplo da fazenda Fortaleza de Santana, no município de Goiana, Zona da Mata mineira. O MST não vai arredar um passo da decisão de obter conquistas para nosso povo e para sociedade. Sabemos que o estudo e a qualidade de nossa organização são extremamente importantes. Sabemos que a qualidade e a legitimidade de nossas pautas nas negociações são imprescindíveis. Diante da irresponsabilidade dos governos em garantir nosso direitos, nós trabalhadores estamos em luta, pois essa é nossa tarefa nesse momento. O conflito só se encerra com Reforma Agrária!!!! (CEDEFES, 17/04/2012).
Os trabalhadores se mostram organizados e decididos no enfrentamento contra o
latifúndio improdutivo, a violência no campo e a falta de políticas e assistências destinadas
aos assentamentos, determinados em continuar a luta e somente parar quando conquistarem
efetivamente a justa distribuição de terras.
Em outra reportagem da Página do MST, de 06 de setembro de 2011, é divulgada uma
manifestação no município de Montes Claros,
73
Cerca de 600 pessoas da Via Campesina, juntamente com sindicatos, professores, juventude e Pastorais Sociais, ocuparam a frente da prefeitura de Montes Claros, em Minas Gerais, às 6h, desta segunda-feira (5/9). Com isso, para este mesmo dia conseguiram uma audiência com o prefeito do município de Montes Claros, Tadeu Leite, e o superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Carlos Calazans. Dois pontos centrais nortearam a audiência: a questão das políticas públicas para os assentamentos, principalmente no que se refere à infraestrutura, e a obtenção de novas terras na região (MST, 06/09/2011).
Atenta-se que a ocupação do espaço em frente à prefeitura foi decisiva para a posterior
realização de audiência com o prefeito do município e o representante do INCRA. Mais uma
vez, a questão da assistência aos assentados e a aquisição de terras na região foi a pauta de
discussão. Outro motivo de preocupação dos manifestantes foi a instalação de grandes
empresas de mineração no Norte de Minas, sendo realizada no mesmo dia uma audiência
pública na câmara dos vereadores para debater o assunto. Destacam-se dois pontos
importantes neste exemplo: a ação se caracteriza como conjunta, uma vez que participam
diferentes organizações que almejam objetivos comuns (Via Campesina, sindicatos,
professores), e as conquistas imediatas a partir da manifestação, dentre elas principalmente o
diálogo com as instituições (prefeitura e INCRA) envolvidas no contexto.
A partir de uma ocupação de agência bancária no município de Governador Valadares,
os manifestantes materializam suas reivindicações numa ação articulada na jornada nacional
de lutas que aconteceu em todo território nacional.
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Figura 2: Reportagem Página do MST
Fonte: Acervo DATALUTA 2011.
Não há reivindicação por si mesma, mas sim acompanhada da denúncia. Ao se
reivindicar algo, é preciso indicar as causas dos problemas aos quais os manifestantes
demandam soluções. Neste ato, os movimentos reivindicam a renegociação das dívidas da
agricultura familiar, e ao mesmo tempo expõem os privilégios destinados ao sistema agrícola
capitalista representado pelo agronegócio, que recebe diversos recursos financeiros e também
causa a degradação dos recursos naturais, fazendo com que os trabalhadores e camponeses
sintam-se prejudicados. Ressalta-se o espaço definido para o ato, uma agência bancária, por
ser este o órgão financiador de créditos aos pequenos agricultores que se manifestaram.
Exemplo de ocupação de prédio privado, um registro de 2012 relata a ação no
município de Ouro Preto, região Metropolitana de Belo Horizonte.
75
Figura 3: Reportagem Página do MAB
Fonte: Acervo DATALUTA 2009.
Em ação conjunta entre MAB, MST e Assembleia Popular, os manifestantes
promoveram a ocupação de prédio da empresa privada responsável por usinas hidrelétricas na
região, empreendimento esse que, segundo os movimentos, expropriam centenas de famílias e
causam severos prejuízos ambientais e sociais. Conforme o registro, elencamos quais
reivindicações são colocadas em pauta: indenização para as famílias atingidas pela construção
da usina, título da terra para os que foram reassentados em decorrência de outro
empreendimento, protesto contra projetos previstos para a região da Zona da Mata Mineira.
Juntamente com as reivindicações, são pontuadas denúncias, tais como a geração de energia
para suprir a necessidade de empresas privadas voltadas para exportação, e os indícios de
doenças causadas por resíduos de indústrias da região.
Relembrando oito anos do Massacre de Felisburgo, em Minas Gerais, o site
Radioagencia NP registrou uma manifestação na capital mineira, onde os manifestantes
cobraram a punição dos acusados.
76
Figura 4: Reportagem Radioagencia NP
Fonte: Acervo DATALUTA 2012.
Neste registro, foi identificado dois atos a partir de um mesmo tema, o Massacre de
Felisburgo. Primeiro, a realização de uma audiência pública na ALMG com a participação de
representantes dos movimentos sociais e de órgãos envolvidos, como a Secretaria de
Regularização Fundiária. Ao tempo que, na Praça Sete em Belo Horizonte, um espaço
público, manifestantes se concentraram exigindo a punição do fazendeiro suspeito de
mandante do crime de Felisburgo, responsável juntamente com outros acusados pelo
assassinato dos trabalhadores rurais. Desse modo, os dois atos denunciam e relembram a
impunidade do crime mesmo passado quase uma década do ocorrido, destacando assim a
lentidão na resolução dos conflitos.
Promovido por mulheres ligadas à Via Campesina, MST, MAB e Movimento dos
Pequenos Agricultores - MPA, foi registrado um bloqueio de rodovia na BR-050 entre os
municípios de Uberlândia e Uberaba, no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba.
A pista ficou bloqueada nos dois sentidos por mais de duas horas, o que provocou um congestionamento de veículos de cerca de seis quilômetros. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) acompanhou o protesto. De acordo com Ana Maria de Lima, uma das integrantes da manifestação, o objetivo da ação é alertar para o uso de agrotóxicos na região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba e também comemorar o Dia Internacional da Mulher (Jornal Correio de Uberlândia, 03/03/2011).
77
A manifestação foi realizada após o Seminário Estadual da Via Campesina que
ocorreu durante a semana (março/2011), em que as mulheres participaram de palestras sobre a
utilização de agrotóxicos. Uma das manifestantes entrevistadas declara que “após estudar
sobre o agrotóxico, que ainda é muito utilizado na região do Triângulo Mineiro e do Alto
Paranaíba, estamos manifestando em defesa da agricultura, da terra e do meio ambiente”. A
denúncia dos riscos decorrentes da intensiva utilização de defensivos agrícolas também faz
parte das pautas de discussão pelos movimentos sociais. Neste caso são identificados dois
tipos de manifestação, um bloqueio de rodovia e ao mesmo tempo o teor temático do ato, em
comemoração ao Dia Internacional da Mulher, destacando assim a participação ativa das
trabalhadoras e camponesas na luta pela terra.
3.3. O papel da mídia na elaboração e divulgação das informações
Outro ponto de extremo interesse para a presente pesquisa é o conteúdo das
reportagens, e como estas são elaboradas e divulgadas à população. Em diversos meios de
comunicação utilizados como fonte de dados do DATALUTA é percebida a grande
parcialidade do discurso, e em alguns casos até mesmo distorcendo ou ocultando fatos.
“Grande parte das distorções propagandeadas sobre o caráter radical e subversivo das ações
dos movimentos agrários é difundida pela grande mídia. A mídia quando cobre tais
acontecimentos, mantém uma posição muito distante da imparcialidade” (FELICIANO,
2009, p. 136).
Conforme as análises de Gohn (2000), a mídia está articulada a uma rede de relações,
e esta por sua vez define os parâmetros político-ideológicos pelos quais a mídia deve retratar
os movimentos agrários. São os interesses políticos e econômicos que determinam as
considerações e as análises que configuram a apresentação das informações, num processo em
que, ao invés de informar o público sobre o acontecimento, a notícia é construída como
mensagem para formar uma opinião pública.
Colocamos como exemplo dessa posição parcial um registro ocorrido na madrugada
de 13 de outubro de 2009, no município de Prata, região do Triângulo Mineiro/Alto
Paranaíba, em que houve o conflito armado entre fazendeiro, seus empregados e integrantes
do MLST. A primeira reportagem foi divulgada em 14 de outubro pelo Portal Megaminas11,
com a manchete “Conflito entre fazendeiro e sem terra será investigado: dono de terra no 11 Extinto portal de notícias da TV Integração, afiliada Rede Globo com sede no município de Uberlândia-MG. Atualmente, as notícias regionais da emissora são veiculadas no site G1.
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município de Prata relatou momentos de terror vividos nas mãos dos sem-terra”, e assim
prossegue com a informação,
Fotos, tiradas na delegacia da cidade de Prata, no Triângulo Mineiro, mostram os donos e funcionários da fazenda São José Buracão. Em depoimento eles contaram que foram rendidos por cerca de 80 integrantes do Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST), na madrugada da última segunda-feira (12). Só foram libertados, depois que um dos homens conseguiu fugir e chamar a polícia. [...] Um dia depois da ocupação, [...] neto do dono da propriedade, não esquece os momentos de terror. Levou coronhadas na cabeça e tiros de chumbinho no braço e na perna. Funcionários também afirmam que foram covardemente agredidos (Portal Megaminas, 14/10/2009).
Estes são trechos retirados da reportagem veiculada um dia depois do ocorrido na
fazenda. A ênfase da informação é a violência cometida contra o fazendeiro e aos empregados
da fazenda pelos integrantes do movimento, e pouco demonstra que os trabalhadores sem-
terra foram vitimados neste conflito, sendo que um deles também foi baleado na troca de tiros.
Nota-se que cada termo utilizado é determinado para causar uma impressão e sensação ao
leitor, neste caso ao inserir as expressões “momentos de terror” e “covardemente agredidos”,
ligando o MLST a ações criminosas e de violência.
A mesma notícia foi relatada pelo site CEDEFES12 no dia seguinte, que por sua vez
tratou do tema por meio do título “Trabalhador sem terra é baleado por jagunços em
acampamento no município do Prata-MG”,
Na madrugada de 13 de outubro, as famílias de sem-terra do MLST, acampadas há dois anos, na fazenda Buracão, no município do Prata, em Minas Gerias, foram atacadas com tiros por um grupo de jagunços. Os jagunços alojados na sede da fazenda cumpriram as ameaças que vinham fazendo e atiraram em direção às famílias, atingindo um pai de família com três balas. Levado pelo movimento para o Pronto Socorro do Hospital Municipal da Cidade do Prata (PAM ), ao invés de socorro, este trabalhador baleado foi violentamente agredido pelo médico [...] irmão do mandante que contratou os jagunços. O MLST ao perceber que o trabalhador ferido a bala, com tiros nas pernas corria risco de novas agressões, conduziu o mesmo para outro Pronto Socorro do Hospital Escola de Uberlândia, onde recebeu atendimento e alta (CEDEFES, 15/10/2009).
12 O Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva - CEDEFES é uma organização não governamental de caráter científico, cultural e comunitário, do estado de Minas Gerais, e busca promover a informação e formação cultural, e publicar temas do interesse do povo. Disponível em <http://www.cedefes.org.br/index.php?p=inst_apresentacao>. Acesso em jul. 2014.
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Fato não exposto na informação do outro jornal anteriormente citado, a violência dos
acontecimentos prosseguiu até mesmo no hospital, ao exporem a conduta inadequada do
médico agindo de modo agressivo contra a vítima baleada, e mais uma vez os integrantes
expressaram sua indignação com o ocorrido. O que fica claro neste exemplo é a tentativa de
criminalizar o movimento, fator contra o qual as mesmas organizações lutam incessantemente
ainda hoje. A mídia tem o papel fundamental neste contexto, e pode ser utilizada em benefício
ou até mesmo como uma “arma” contra os que lutam e são a favor da reforma agrária. Os
meios de comunicação social exercem forte poder de convencimento sobre a população,
influenciando até mesmo na determinação dos assuntos públicos, e por isso não basta apenas
tomar conhecimento do que é veiculado, mas sim entender os fatores reais que muitas vezes
são mascarados, sem se deixar levar pelo discurso jornalístico.
Segundo Feliciano (2009),
Atitudes de violência, repressão, coercitivas e/ou criminalizantes são as respostas dadas por uma estrutura conservadora e mantenedora de um modo dominante, o qual procura criar mitos e ordens com a finalidade de banir manifestações diferentes e/ou opostas a um outro conceito de justiça, de produção, de ocupação do território e de relações sociais, que não seja apenas pela reprodução de grupos de poder (FELICIANO, 2009, p. 135).
Não apenas a violência física e repressão servem como intimidadores às organizações
do campo. Essa estrutura dominante se utiliza também da mídia para criminalizar os
movimentos. É a reação diante das ações coletivas que questionam o modelo hegemônico, e
obviamente, a parcela dos que detêm o poder entendem tais contestações como uma ameaça à
ordem vigente, utilizando-se de diversas práticas capazes de limitar a atuação dos
movimentos.
Dissertando sobre a abordagem da questão agrária pela grande imprensa brasileira, a
partir da investigação de como os fatos são reproduzidos nos discursos jornalísticos, Seixas
(1999) afirma que
[...] a imprensa desempenha um papel duplo na abordagem da questão agrária. Ao mesmo tempo que cumpre a “função social” do jornalismo ao publicar matérias sobre o assunto, participa, em boa medida, da manutenção do sistema dominante no país, com sua estrutura política, econômica e social, pela maneira como apresenta sua abordagem. Daí, a nossa segunda hipótese é a de que os textos jornalísticos sobre a questão agrária são mais desfavoráveis aos trabalhadores e ao MST que aos proprietários rurais, tanto pela maneira como suas declarações são introduzidas, como pela forma como são denominados (SEIXAS, 1999, p. 2-3).
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Assim, a imprensa que tem dentre os mais expressivos veículos informativos o jornal
Folha de São Paulo e a Revista Veja, com forte repercussão nacional, não mantém a
neutralidade como princípio jornalístico, e sim expõe suas impressões e opiniões a fim de
formar à população uma opinião pública. Isso se vê, por exemplo, ao colocar o termo invasão
de terras em detrimento de ocupação de terras, sendo o primeiro tratado pela mídia
dominante e o segundo considerado pelos movimentos sociais, pesquisadores e jornais
militantes que se colocam a favor da causa.
Numerosas vezes, a imagem de uma manifestação, uma marcha ou bloqueio de estrada é transmitida como uma ação perturbadora da ordem, atrapalhando o desenvolvimento daqueles que têm que trabalhar e não podem ser prejudicados com tal ação. É recorrente o discurso de que “ninguém é contra as manifestações, desde que não atrapalhe a rotina daqueles que tem o direito de trabalhar” (FELICIANO, 2009, p. 135).
Esse discurso é reproduzido a partir de como as notícias são levadas à sociedade,
quando a mídia veicula tais acontecimentos e deixa evidente sua parcialidade,
propagandeando reações negativas. A tentativa dos movimentos sociais por sua vez, ao
promoverem as ações coletivas, é exatamente dialogar e demonstrar que a população em
geral, e não somente os que vivem e trabalham na terra, estão envolvidos neste contexto.
Passos (2008) elaborou um importante estudo ao investigar especificamente sobre a
forma como a Revista Veja construiu no decorrer dos anos uma imagem negativa do MST,
tratando-o como uma organização terrorista e materializando o discurso de crítica e combate
aos sem-terra. A autora destaca que no discurso jornalístico proferido pela revista, os sem-
terra passam de brasileiros humildes e vítimas de um Estado omisso, e
[...] são transformados em representantes da “sub-raça brasileira” que, à margem da ordem e do progresso da civilização letrada, constituem a imagem do Brasil baderneiro e atrasado, combatido pelas forças hegemônicas que, desde a implantação da República, dizem querer um país moderno e civilizado, mesmo que apenas para uma parcela ínfima da população (PASSOS, 2008, p. 112).
Trata-se de um estudo específico a um determinado veículo de informação, de
repercussão nacional, mas serve-nos como base para compreender até onde a grande imprensa
é manipulada e manipuladora objetivando manter a ordem e o domínio da sociedade a partir
da opinião pública. Como afirma a autora do referido estudo, ao pregar a ideia de organização
baderneira, a revista se torna responsável em construir a crença na população de que o
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movimento popular só serve para causar danos e violência, sendo que na verdade, e os
próprios números são indicativos, as principais vítimas nos conflitos agrários são exatamente
aqueles que lutam pela redistribuição de terras.
O modelo hegemônico utiliza-se então da mídia como instrumento de manipulação de
massas. Chega a ponto de criar rivalidade entre sujeitos do mesmo grupo social, uma vez que
as dificuldades enfrentadas pela população do campo atingem, direta ou indiretamente, toda a
população, rural e urbana, entretanto, o discurso midiático mascara essa importante
característica.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma primeira afirmação que podemos definir ao fim deste trabalho é que a questão
agrária ainda é assunto a ser discutido no âmbito político e acadêmico, uma vez que o Brasil
mantém terras concentradas, desenhando o cenário de “muita terra pra pouca gente” ou
“muita gente pra pouca terra”. A primeira expressão indica que uma minoria detentora de
poder econômico e político mantém sob seu domínio extensas áreas, utilizadas para atender o
mercado mundial ou como reserva de valor. Se tratarmos da segunda expressão, dizemos que
uma considerável parcela da população almeja o acesso à terra de trabalho e se engendra na
luta, entretanto ainda não conquistou tal intento devido à citada manutenção dessa
concentração.
O estado de Minas Gerais configura um cenário de disputas, não só territoriais, mas
também políticas e econômicas, concentrando importantes recursos naturais, tais como água e
minério, fatores que atraem os interesses das grandes empresas. De um lado está o
agronegócio e o avanço das extensas monoculturas ou instalação de grandes projetos, e do
outro a agricultura camponesa.
Entendemos a luta pela terra como uma forma de mudança social, que atinge não
somente a população do campo, mas sim na sua totalidade, rural e urbana. Envolve desse
modo a produção de alimentos, as adequadas condições de vida e trabalho, os apropriados
usos dos recursos disponíveis na natureza, a diminuição dos conflitos no campo e
consequentemente da violência cometida contra trabalhadores, dentre outros diversos fatores
que caracterizam essa luta.
Destacamos a importância do levantamento de dados desenvolvido pelo Projeto
DATALUTA, referentes às ocupações de terras, manifestações, assentamentos, estrutura
fundiária e movimentos socioterritoriais, bem como pela CPT, disponibilizando os elementos
necessários para a análise, discussão e compreensão do contexto estudado, que ao mesmo
tempo complementam e exemplificam o debate teórico aplicado.
A proposta de análise das variadas formas de manifestações de luta pela terra em
Minas Gerais, tendo como recorte temporal o início do século XXI, teve por objetivo elaborar
uma tipologia das manifestações. Para tanto, foram debatidos cada tipo de estratégia realizada
pelos movimentos, buscando entender do mesmo modo as reivindicações colocadas em pauta,
a quem são direcionadas essas exigências, e por fim os espaços apropriados por cada tipo de
ação. Dito isso, é possível compreender que os principais tipos de manifestações se
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configuram nas concentrações em espaços públicos, ocupação de prédio público e bloqueio
de rodovia, perfazendo em números metade das ações em todo o estado mineiro.
Por sua vez, a capital mineira é identificada como palco principal das manifestações de
luta pela terra, a partir de dois fatores fundamentais: sedia os órgãos estaduais e federais
envolvidos na questão, ou mesmo responsáveis por políticas públicas; e exerce forte
influência política por se tratar de uma capital estadual, tomando a visibilidade necessária e
esperada pelos movimentos sociais, que buscam constantemente o diálogo com a sociedade.
Quando não realizadas na capital Belo Horizonte, as ações são direcionadas aos territórios
controlados pelo agronegócio, como é o caso da mesorregião Triângulo Mineiro/Alto
Paranaíba, ou por fim quando trata de um tema específico a uma reivindicação ou protesto,
como é o caso, por exemplo, dos atos contra a impunidade na Chacina de Unaí, exemplificado
no capítulo anterior.
Os espaços definidos para cada tipo de ação são carregados de significados, não se
tratando então de decisões aleatórias. Uma praça, entendida como espaço público, bem como
rodovias e avenidas aos serem bloqueadas, apresentam uma dinâmica capaz de oferecer maior
notoriedade à ação. Já uma instituição como o INCRA é responsável em sanar os problemas
específicos dos assentamentos rurais, sendo necessário o diálogo principalmente com seus
representantes. A agência bancária, por sua vez, representa as possibilidades de renegociação
de dívidas ou obtenção de créditos, fatores fundamentais para a produção agrícola do
assentado. E assim entendemos os distintos significados de cada espaço apropriado.
Por sua vez, o papel da mídia é fundamental neste contexto, sendo a principal fonte de
pesquisa dos registros abordados. Os meios de comunicação, especialmente os de repercussão
nacional, exercem forte influência na formação da opinião pública, e por isso são utilizados
diversas vezes pela chamada grande imprensa de modo a criminalizar os movimentos socais.
Por outro lado, cada vez mais as próprias organizações sociais percebem a necessidade de
socializar seus atos e opiniões por meio da mídia, devido também à rapidez na difusão das
informações, especialmente em jornais ou sites militantes ou apoiadores da causa.
O tipo de manifestação define a melhor maneira de questionar e contestar,
direcionando a luta. Nota-se que as ações não se restringem ao campo, mesmo que as
reivindicações sejam voltadas para este. Quanto maior a visibilidade, da mídia e do Estado, e
conscientização da sociedade para a causa da questão agrária e conflitos no campo, maiores as
possibilidades de soluções e diminuição das desigualdades impostas. Os próprios
manifestantes, por sua vez com base nos registros aqui exemplificados, relatam que ainda
falta o devido apoio técnico público aos assentamentos, na garantia dos meios de produção e
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de trabalho que permitam a permanência na terra. E assim, é por meio das manifestações que
os direitos são reivindicados. Entendendo que há um planejamento elaborado pelos
movimentos de luta pela terra nas estratégias de ações, compreendemos então que não é
apenas por uma fração do território que se manifestam. Existe, além disso, e que se faz muito
mais complexo, um processo de luta pela sobrevivência e permanência da terra conquistada.
Por fim, não cabe neste estudo esgotar a temática abordada. Pelo contrário, trata-se de
um desenvolvimento inicial pelo qual se pretende a continuidade do trabalho, com vistas a
aprofundar a discussão até aqui exposta, revelando novos elementos ou até mesmo a partir de
outras abordagens que se mostrarem necessárias, possibilitando assim o contínuo processo de
pesquisa e debate.
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