A REPRESENTATIVIDADE DE UM “SANTO” DIANTE DO OLHAR LOCAL:
A TRAJETÓRIA DE PADRE REINALDO WIEST
Ticiane Pinto Garcia Barbosa
Mestranda em História pela UFPEL
Email: [email protected]
Resumo
Este artigo propõe-se a discutir o fenômeno causado nas comunidades de Pelotas e
Piratini no Rio Grande do Sul, diante da figura de Padre Reinaldo Wiest. Reinaldo
Wiest, natural de Dois Irmãos e ordenado Padre pelo Seminário Menor de Dois Irmãos,
inicia o seu trabalho paroquial nas comunidades acima citadas a partir de 1934. Diante
das fontes utilizadas para a confecção deste trabalho, podemos conferir que seu modo
carismático, solidário de agir acaba por atrair os fiéis. Com sua morte em 1967, inicia-se
uma mobilização destas comunidades em prol de uma possível beatificação junto ao
Vaticano. Diversos milagres são imputados a este Padre. Partiremos então de um
questionamento geral: Por quê tais comunidades acreditam que Padre Reinaldo Wiest é
um santo?
Palavras chave: Padre Reinaldo Wiest, Representatividade, religiosidade, memória,
identidade.
O presente artigo visa às especulações iniciais de uma pesquisa de mestrado em
História. Pesquisa esta que pretende verificar a inferência da figura de Padre Reinaldo
Wiest nos municípios onde atuou. Após sua ordenação em 1933, passa a atuar nas
cidades de Pelotas e Piratini, no Estado do Rio Grande do Sul.
Nesse sentido pretende-se apurar sua representatividade na memória dos
habitantes das comunidades onde trabalhou e sua relação para com esses indivíduos.
Padre Reinaldo, nasceu no dia 15 de julho de 1907, em Dois Irmãos. Seus pais Felipe
Wiest e Carolina Kieling Wiest, eram colonos e praticantes do catolicismo. Ele era o
11° de 15 filhos, dos quais três se consagraram ao serviço eclesiástico.
Em 1921, Reinaldo se matriculou no Seminário Menor de São Leopoldo, e no
dia 3 de dezembro de 1933, Dom Joaquim F. de Mello lhe conferiu a Ordenação
Sacerdotal na Matriz de São Miguel em Dois Irmãos.
No início do ano seguinte, foi nomeado coadjutor da Catedral de Pelotas,
iniciando assim sua missão sacerdotal. Dedicava-se particularmente à catequese, à
assistência aos doentes e às visitas as famílias da periferia da Paróquia.
Em maio de 1936, Dom Joaquim lhe conferiu a Paróquia de Piratini,
reconstruindo a Igreja Matriz incendiada e dedicou-se a assistência espiritual, moral e
material dos paroquianos. Segundo relatos, viajava constantemente às escolas e famílias
do interior do vasto município. Padre Reinaldo sempre demonstrava grande interesse
pelas vocações sacerdotais, esmerava-se na formação de seminaristas oriundos da sua
Paróquia. Vivendo na mais absoluta pobreza, repartia os poucos bens e recursos que
possuía com a população mais humilde.
Em 1953, apesar dos protestos do povo de Piratini, Dom Antônio Zattera resolveu
transferi-lo para a Paróquia de Sant’Ana da Colônia Maciel em Pelotas. Como em
Piratini, na nova localidade percorria no lombo do cavalo todo o interior da paróquia
visitando as comunidades, as escolas e as famílias.
Ao receber o aviso de que iria sair de Piratini, a comunidade revoltou-se. Sendo que o
próprio Bispo de Pelotas Dom Antônio Zattera teve de ir buscá-lo. O carro que
transportava o Bispo foi cercado, sendo necessárias várias horas para que fosse possível
levá-lo.
Após a morte de Padre Reinaldo, as comunidades de Piratini e da Colônia
Maciel travaram uma rápida disputa pelo corpo do “filho” querido. Wiest pediu em vida
para ser enterrado em Piratini, onde atuou por mais tempo e ajudou a reconstruir a igreja
incendiada, mas a comunidade da Maciel reclamou seus restos mortais. Coube ao bispo
auxiliar Dom Ângelo Mugnol decidir, depositando os restos mortais do vigário no
cemitério da Paróquia de Sant’Ana na Colônia Maciel, em Pelotas, por ser um costume
enterrar padres na última localidade onde atuou.
Seu túmulo hoje é o mais visitado no cemitério da localidade, principalmente aos
domingos, após as celebrações das missas. Frequentemente recebe flores, velas e placas
de agradecimentos por graças alcançadas. O jazigo é ocupado também por outro padre
que atuou na região, Jacob Lorenzet.
A partir das discussões levantadas perante a figura deste indivíduo, se busca não
somente fazer um aparato sobre sua trajetória de vida, mas abordar o contexto social, as
“teias de relações” dessas comunidades, os costumes e o cotidiano (CERTEAU, 1998)
da cidade de Piratini e a região rural de Pelotas, em meados do século XX. Nesse
sentido, esta pesquisa será construída a partir dos relatos orais e análise dos diferentes
acervos referentes à figura, ressaltando as memórias dessas localidades. Esta pesquisa se
propõe a contribuir para que esses indivíduos situados nas duas cidades sintam-se
contemplados pela historiografia. Fazendo uso de suas memórias, promovendo assim a
elevação da auto-estima e as relações de pertencimento. Dialogando assim com a
construção de suas identidades.
Padre Reinaldo, além de pároco, envolvido com a espiritualidade era um homem
envolvido com o lado social, visando atender todo e qualquer anseio de seus
paroquianos. Visa-se então, investigar as diversas faces deste indivíduo, nos diversos
contextos em que atuou.
No início de sua ordenação como coadjutor da Catedral São Francisco de Paula,
Pelotas, auxiliando nas demandas das crianças e doentes. Em Piratini, além de atender a
toda a extensão do município, foi idealizador da Associação de São Joaquim e Santa
Ana, que tinha por objetivo auxiliar na alimentação e vestimentas dos pobres. Ele criou
a Escola Agrícola Santo Isidoro, voltada à educação de crianças carentes.
De volta à Pelotas, atuando na Paróquia de Sant’Ana, na Colônia Maciel, criou a
Sociedade Rural de Assistência Médica, com o intuito de facilitar o atendimento médico
dos colonos. Afim de que estes não precisassem se deslocar para as cidades vizinhas.
Servia ainda como uma espécie de juiz diante das contendas dos colonos.
Muitas são as histórias e relatos de milagres e graças alcançadas atribuídas a este
sujeito dentro dessas comunidades. Isso fez com que a Diocese de Pelotas iniciasse um
movimento pró-beatificação deste indivíduo, surgido em meados dos anos de1980,
porém não passou da fase de recolhimento de documentos devido à falta de um
colaborador com a causa no Vaticano.
Nesse sentido podemos trabalhar a tese de doutorado de Alexandre Karsburg
(2012), da qual demonstra também um “Santo”, não reconhecido pelo Vaticano. Porém
o estudado no trabalho acima, João Maria de Agostini, suscita através das crenças em
seus milagres e as diversas aparições, diversas memórias e ressignificações.
Segundo o artigo de Márcia Espig, podemos inferir que o historiador deve se
preocupar em perceber como as variações conjunturais afetam os vários grupos sociais
bem como essas alterações compromete as relações sociais.
“Ao estudar as diferentes dimensões apresentadas por um mesmo objeto, a
redução da análise acaba por proporcionar uma reconstituição mais completa
e complexa, aproximando-se mesmo – de maneira paradoxal – de uma
história total” (ESPIG, 2006, p.210).
Neste sentido, visamos discutir a vida de um pároco nas regiões de campanha
em Pelotas e Piratini, mas buscar, também, problematizar a existência e ação dos
sujeitos enquanto agentes sociais (HEINZ, 2006).
Diante do carisma que o indivíduo transparece ao povo que o cercara é
necessário tomar imenso cuidado para não apenas narrar estes acontecimentos. Assim se
faz necessário o uso de referencial bibliográfico, para narrar o contexto histórico em que
viremos a trabalhar.
Na obra de Giovanni Levi, em que estuda a trajetória de famílias em Santaena
serve em muitos âmbitos para pensar este cotidiano rural, que até hoje parece aos de
fora não “corromper-se” com influências dos mais diversos gêneros vindos de outros
lugares. Mesmo Levi trabalhando o século XVII e neste trabalho visamos meados do
século XX, regiões de profunda colonização alemã e italiana costumam intitular-se
muitas vezes como um povo “trabalhador”, “ordeiro”. Nesse sentido Levi, faz críticas
sobre a visão de mundo rural no século XVII, válida neste ponto:
“ [...]A opinião corrente é a de que este mundo era imóvel, defensivo,
conservador, fragmentado pela ação de forças totalmente externas, e incapaz
de, por si só engendrar iniciativas autônomas e, portanto, dedicado tão-
somente ao esforço para se adaptar e repropor continuamente uma
racionalidade própria, que se tornava progressivamente anacrônica e falha”
(LEVI, 2000, p.43).
No texto de Ginzburg (1976), o autor utiliza-se da documentação acerca do
indivíduo Menocchio, um moleiro no norte da Itália inserido no contexto do século
XVI. A partir da documentação encontrada referente ao personagem acima citado é
possível desdobrar o contexto da Europa pré-industrial.
Segundo a dissertação de Gehrke (2013), ao analisar as fotografias produzidas
na região da Serra dos Tapes, constata que a população da colônia Maciel era bastante
preocupada em registrar acontecimentos religiosos. Pressupondo-se assim que tal
comunidade era bastante envolvida com as questões espirituais, o que difere de
relatórios de batismo, casamentos e encomendações de corpos.
Além de apontamentos de bispos e párocos atuantes nesta região. Uma vez pode-
se inferir que os paroquianos não eram tão envolvidos com a religião quanto
demonstravam ser.
Mas o que faz esta população pensar Reinaldo como “Santo?
Segundo os depoimentos recolhidos para a confecção da pesquisa até o
momento, e no levantamento das outras tipologias de fontes, podemos perceber que para
as comunidades não é necessário que o processo siga em frente. Podemos sintetizar isso
na frase de Padre Capone, atual pároco da Comunidade Sant`Ana, “ não é necessário
santificar, para nós ele já é um Santo”1.
A indagação acima é o questionamento principal de nossa pesquisa. Por quais
motivos essa população delega ao pároco o titulo de “santo”, lhe imputa milagres, enfim
o faz digno de nota.
Partindo do pressuposto de “excepcional-normal” de que Ginzburg e Poni
relatam não haver sujeitos únicos,com características representativas inigualáveis.
Vemos que Padre Reinaldo, mesmo sendo carismático, solidário é um padre comum.
Comum, no sentido de que não difere nessas características de outros padres.
Pode-se supor que no momento de sua morte, em um momento de “crise” do
social, as identidades que acionadas, necessitam de um aparato para permanecerem
vivas diante da figura. Nessa circunstância há a união dos moradores das comunidades
de Pelotas e Piratini para a formação do processo de recolhimento das provas dos
milagres por ele concedidos.
1 O “homem bom” da campanha. In: Jornal Diário Popular, 31 de março de 2015, p.2-3. Disponível para
consulta na hemeroteca do Instituto Histórico e Geográfico de Pelotas.
De fato não seria suficiente essas características ou provas para elevá-lo a Santo
junto ao Vaticano pelo longo processo com diversas fases. Colocações como servo de
Deus, Beato entre outros estágios a serem percorridos.
Em reportagem ao Diário popular em 27 de janeiro de 20072, na figura do então
Bispo Dom Jaime Chemello, Diocese de Pelotas declara que o processo não teria saído
da fase de recolhimento de materiais devido a falta de um “advogado” da causa no
Vaticano. O que nos faz pensar na possibilidade de a Diocese não querer pormenorizar a
causa diante da população e a figura de Padre Reinaldo. Mas poderia ter desistido
justamente por entender que o Vaticano não levaria adiante tal proposta por não
preencher alguns requisitos.
Mas de fato as comunidades acabam por idealizar a figura, e isso é perceptível
diante dos diversos já trabalhados, a trajetória conduzirá a uma série de condições em
que o pároco viveu com esses indivíduos, atestando a sua identidade e personalidade, de
acordo com Pierre Bourdieu (2006), em seu texto “A ilusão biográfica”.
No levantamento dessas fontes foi possível já inferir a notoriedade da
propriedade com que os moradores da localidade se posicionam quanto à santidade do
referido Padre. Esses sentimentos geraram nos moradores além da religiosidade também
noções de pertencimento a sua cultura, de sua localidade através do catolicismo.
Os sinais da representação e do poder simbólico diante da figura do Padre são
muito perceptíveis dentro das comunidades a serem estudadas. Uma vez que nas casas
da maioria das famílias existem quadros com a imagem do Padre, como forma de
devoção. Além disso, foi distribuído, e são muito comuns entre a população os folhetos
que contém a oração em favor da beatificação do Padre. Esta oração e pede a
colaboração para que sejam enviadas a Diocese de Pelotas relatos das graças recebidas
por intermédio do referido vigário.
“[...]as práticas que visam a fazer reconhecer uma identidade social, a exibir
uma maneira própria de ser no mundo, a significar simbolicamente construída
pelos diferentes grupos que compõem uma sociedade; em seguida as práticas
que visam a fazer reconhecer uma identidade social a exibir uma maneira
própria de ser no mundo, a significar simbolicamente um estatuto e uma
2 A busca por um santo.In: Jornal Diário Popular, 27 de janeiro de 2007, p.3. Disponível para consulta na
Bibliotheca Pública Pelotense.
posição; enfim, as formas institucionalizadas e objetivadas em virtude das
quais “representantes” (instâncias coletivas ou indivíduos singulares)
marcam de modo visível e perpétuo a existência do grupo, da comunidade ou
da classe(CHARTIER, 1991, p.183).
A carência de pesquisas acadêmicas associadas à figura do pároco, leva ao
esquecimento de tal historicidade que a figura carrega. A afirmação da identidade
ocorre através de diferentes ações que estimulem a construção coletiva do
conhecimento, o diálogo entre os agentes sociais e a participação efetiva da
comunidade, sendo um instrumento para a afirmação da cidadania. Dando assim voz aos
sujeitos, através das fontes.
“O poder simbólico como poder de constituir um dado pela enunciação, de
fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão de mundo e,
deste modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico
que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou
econômica)”. (BOURDIEU, 2010, p.14)
A constituição de uma pesquisa acadêmica diante da figura visa a exaltação de
uma historicidade local, a preservação dos relatos e da memória dos habitantes das
localidades em que o padre atuou. Esse mecanismo tornar-se-á possível principalmente
diante da promoção de entrevistas com os personagens desta trajetória, já que
proporciona o exercício da memória local.
Perante as fontes impressas, jornalísticas, é necessário ainda pensar que as
publicações podem também servem de incentivo a movimentação do processo.
É provável que no momento em que elas são feitas são encetados dentro das
comunidades não só o desejo da canonização, mas sentimentos de memória, identidade
e autoestima. Chartier desenvolve em seu artigo, textos, impressão e leituras, a ideia de
que os impressos têm o poder de disseminar ideários, suscitam memórias. A ida do
jornalista que produz o material para o periódico, que busca esse indivíduo que
transmitirá seu testemunho para a publicação traz a sensação de importância,
notoriedade.
“[...] fixam ou transmitem a fala, o que equivale a dizer que consolidam
sociabilidades e determinam comportamentos, atravessam tanto a esfera
pública quanto privada e dão origem à crença, à imaginação e a ação.
Subvertem toda a cultura, chegando a um acordo com as formas tradicionais
de comunicação e estabelecendo novas diferenciações”. (CHARTIER, 1992,
p. 237)
Podemos inferir que através do mecanismo da apropriação, do reconhecimento
do padre pela comunidade reforça tanto os sentimentos de identidade, ressaltando assim
os saberes, fazeres, costumes regionais de uma determinada época.
Segundo Candau, as identidades surgem através das circunstâncias, onde
emergem os sentimentos de pertencimento, de “visões de mundo” identitárias ou
étnicas. (CANDAU,2011).
Este mecanismo, apresentado anteriormente para conclusão de curso, em 2014/2
“Possibilidades da Educação Patrimonial para o ensino de História: Relato de experiência no
Museu Etnográfico da Colônia Maciel”, onde na localidade os alunos das escolas da
localidade entrevistaram seus familiares em busca de reconhecer suas raízes identitárias.
O envolvimento desses indivíduos influenciou em um novo olhar não somente
das crianças e adolescentes que na época participaram da interferência, mas uma
retomada de posse da História de suas famílias recontada no Museu Etnográfico da
Colônia Maciel.
Portanto visamos a partir da utilização dos relatos orais como fonte principal
para a pesquisa, o envolvimento do indivíduo na construção da escrita acadêmica sobre
sua historicidade. Segundo Thonson, Frisch e Hamilton:
“[...]o relacionamento da história oral facilita a rememoração dinâmica e a
interação de “historiadores” e “comunidade”, de “discurso histórico” e
“memória coletiva”, que os historiadores orais podem desempenhar um papel
ímpar, central nas questões atinentes a memória”. (THONSON, FRISCH e
HAMITON, 2006, p.91).
Mas e o que Padre Reinaldo pensava sobre ser Santo?
A primeira vez que podemos constatar a inferência de nosso pesquisado nas
páginas do Diário Popular se dá no dia 21 de setembro de 1977, em um conto publicado
por Barbosa Lessa. O conto demonstra uma relação próxima entre o autor e o Padre,
perceptível principalmente pela riqueza em detalhes com que se refere. O conto narra
uma espécie de reunião informal entre diversos moradores da cidade de Piratini, para
organizar uma petição ao Papa, para tornar Reinaldo santo. Mesmo que seja um texto
em gênero literário, fictício, o autor demonstra certa proximidade para com o Padre, no
trecho a seguir é possível fazer tal análise:
[...]Padre Reinaldo, em vida, cometera tantas faltas! Em vez de
enfeitar com rosas e volta a igreja, plantara couve para dar aos pobres.
Fora avarento: tinha uma batina só, só, a ponto de, para secar ao sol,
ter de ficar nu - pelado, sim senhor! - em plena sacristia. E certa feita
em plena Quinta-feira Santa, varado de fome que ele andava, tinha
cometido o sacrilégio de churrasquear quase inteira uma paleta, que,
herege, um fazendeiro lhe alcançara. Fez-se silêncio profundo. A
dúvida inicial se tornara um acachapamento. Até que o Osvaldo,
realista, suspirou ponto final ao sonho: - Não vai dar, mesmo, pra
gente fazer nada. Mas veio um vento calmo e, com o vento, uma voz
doce sussurrou - todos ouviram: “Não se preocupem mais, meus
filhos... Acho que desta vez Deus errou, pois não mereço: um dia
desses me chamou para prosear e já disse que eu sou santo”. (DIÁRIO
POPULAR,21/09/1977, p.12)
Diversos relatos confirmam que algumas dessas práticas acima citadas tenham
sido praticadas por Padre Reinado. Pode-se supor também que houvesse algum tipo de
diálogo entre Barbosa Lessa e o Padre sobre a possibilidade do pároco tornar-se um dia
Santo e o mesmo proferir que este não seria seu desejo, ou não se reconhece-se como tal
diante de suas obras e/ou feitos.
Em seu texto “A memória coletiva”, Maurice Halbwachs comenta sobre homens
que após sua morte tornaram-se santos perante as recordações conservadas mediante a
fé dos que o rodearam. Se obtivessem o direito de retornara vida provavelmente não
concordariam com o título recebido. Sendo válida a opinião do autor neste ponto:
Neste caso, é provável que muitos dos acontecimentos recolhidos, e
que talvez não tivessem impressionado porque concentrava sua
atenção na imagem interior de Deus, impressionaram aqueles que o
rodeavam porque a atenção deles se fixava, sobretudo nele.
(HALBWACHS,1968p.31)
Considerações Finais
O objetivo desta pesquisa é construir ao final da dissertação uma história
pautada no método biográfico de escrita, enfatizando a trajetória eclesiástica a partir da
ordenação em 1933 de Padre Reinaldo Wiest.
Deste modo, procuramos visualizar as relações deste Padre e as formas que ele
utiliza para se legitimar enquanto pároco nas localidades em que atuou. Vislumbrando
o modo como agia, falava e mantinha sua posição no social, como atingiu tal
representatividade.
É preciso ter claro que, um dos principais desafios os quais recaem sobre os
historiadores que propõe-se a analisar a trajetória de um indivíduo consiste na aptidão
de articulação entre a história-narrativa e a história-problema. Bem como, esquivar-se
do que Pierre Bourdieu (2006) denominou de “ilusão biográfica”.
Porém acreditamos que a constituição de uma pesquisa acadêmica diante da
figura visa a exaltação de uma historicidade local, a preservação dos relatos e da
memória dos habitantes das localidades em que o padre atuou.
Esse mecanismo tornar-se-á possível principalmente diante da promoção de
entrevistas com os personagens desta trajetória, já que proporciona o exercício da
memória local.
Referencial Bibliográfico
AMADO, Janaina; FERREIRA, Marieta de Moraes. Usos & abusos da História Oral. Rio
de Janeiro: FGV, 2006.
ANJOS, Marcos Hallal dos. Estrangeiros e Modernização: a cidade de Pelotas no último
quartel do Século XIX. Pelotas: Ed. Universitária/ UFPel, 2000.
BARROS, José D’Assunção. O campo da história: especialidades e abordagens. Rio de
Janeiro: Vozes, 2008.
BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In.: AMADO, Janaina; FERREIRA, Marieta
de Moraes. Usos & abusos da História Oral. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 183-191.
BOURDIEU, P. Sobre o poder simbólico. In: __________. O poder simbólico. – 14º
Ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. pp.7-15.
BURKE, P. Testemunha Ocular. Bauru, São Paulo: EDUSC. 2004.
CANDAU, Joël. Memória e Identidade. São Paulo: Contexto, 2011.
CHARTIER, R.. À Beira da Falésia. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002.
CHARTIER, In. Lynn Hunt, A nova história cultural. Textos, impressão, leitura,São
Paulo, 1992. Pág 211.
ESPIG, Márcia Janete. O uso da fonte jornalística no trabalho historiográfico: o caso do
Contestado. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre: EDIPUCRS, v. 24, n. 2, 1998.
GARCIA, Ticiane Pinto. Possibilidades da Educação Patrimonial para o ensino de
História: Relato de experiência no Museu Etnográfico da Colônia Maciel. Pelotas:
Trabalho de conclusão do curso em História pela UFPEL, 2014.
GINZBURG, C. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro
perseguido pela inquisição. São Paulo: Companhia de Letras, 1987.
HALBWACHS, Maurice. A memória Coletiva. São Paulo: Centauro 2004.
HOBSBAWN, Eric. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1997.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós modernidade. Rio de Janeiro: DP&A,
2003.
JOHANNES, Carlos. O Vigário da Campanha. Pelotas: Educat,1994.
KARSBURG, Alexandre.O eremita das Américas : a odisséia de um peregrino italiano
no século XIX: Ed. da UFSM, 2013.
LEVI, Giovanni. A Herança Imaterial: a trajetória de um exorcista no Piemonte no século
XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
POLLAK, Michel. Memória, esquecimento e silêncio. Rev. Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p. 3-15.
POLLAK, M. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, Vol. 5,
n.10, 1992, pp.200-212.
RICOEUR, P. A memória, a história e o esquecimento. Campinas: UNICAMP, 2007.
SCHMIDT, Benito Bisso. Biografia e regimes de historicidade. Métis: história &
cultura. – Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, v.2, n. 3, pp. 57-72. jan./jun.
de 2003A.
SCHMIDT, Benito Bisso. Entrevista com Sabina Loriga: a história biográfica. Métis:
história & cultura. – Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, v.2, n. 3, pp. 11-
22, jan./jun. de 2003B.
STEPHANOU, Alexandre Ayub. Censura no Regime Militar e militarização das artes.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad,
1999.
THOMSON, Alistair, FRISCH, Michael,Paula HAMILTON, Os debates sobre memória e
história. In.: AMADO, Janaina; FERREIRA, Marieta de Moraes. Usos & abusos da
História Oral. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.65-91.