SALVADOR SÁBADO 29/9/2012 3 2 O topless da duquesa O rei está nu. Esta frase saiu da moda, primeiro porque os reis se multiplicam em todas as ati- vidades; segundo porque a banda podre, de tão habitual, deixa de incomodar o nariz. Mas, se alguém da realeza bri- tânica se deixa surpreender desnudo, e principalmente se é mulher com atrativos, então o escândalo sacode de indigna- ção o reino de Elizabeth II. Kate Middleton, a Duquesa de Cambridge, não chega a ser uma dessas vadias ucranianas fornidas que tiram a roupa em público para protestar contra qualquer bobagem. Foi descan- sar do tédio da vida mansa, com o marido, príncipe William, no sul da França. Deviam pou- pá-los, porque, muito brancos, precisam de um bronzeado que o fog londrino lhes veda. Habituada à discrição que di- zem ser marca registrada ingle- sa, Kate facilitou. Fotos da du- quesa seminua correram mun- do. Claro, quem vai perder um rico flagrante? Escreveram que ela estava “de topless”. Não en- tendi e não entendo. A prepo- sição “de” entra aqui de gaiata. Deveria ser “estava topless” ou fazia topless, isto é, mostra- va-se sem a parte de cima. Sem o sutiã, naturalmente, já que ninguém a decapitara. A corte tratou logo de pro- cessar judicialmente jornais e revistas. Nada, que se saiba, de reprimendas a Kate. Sequer um leve, simbólico puxão de ore- lhas, para que, da próxima vez que se desnude, olhe antes os arredores, se certifique de que somente os olhos ainda fasci- nados do príncipe William lhe seguem o descomprometido ensaio sensual. Bem, o escândalo amainou. Foi mais uma bolha de sabão neste mundo cheio de proble- mas e pendências mortais. O casal real se diverte em ilhas do Pacífico, onde, por sinal, as na- tivas andam topless. Foram conduzidos em liteiras que lembravam os jinriquixás dos contos do colonialista Ru- dyard Kipling, plantaram mu- das de coqueiro, nadaram em águas azuladas, beberam rum com suco de abacaxi e prati- caram outras proezas, entre as quais a de acocorar-se para ou- vir a lenga-lenga intraduzível dos meninos seus súditos. Só não estiveram nas ilhas Mal- vinas, que eles chamam Fal- kland. Deixemos o casal em paz. Que volte revigorado para as duras tarefas da corte. A du- quesa já provou que, apesar de inglesa, e branquela, não é ne- nhuma spinster: o príncipe teve gosto. E façamos votos para que em outras viagens de férias ela não perpetre outro vacilo. Palavra aborrecida, esta. Ain- da não foi dicionarizada, salvo no Houaiss. Mas todos, em es- pecial os divulgadores espor- tivos, enchem a boca: vacilo. Além dos penteados estranhos, dos brincos, da fala estropiada e das dancinhas ridículas em caso de gol, nossos futebolistas cometem tantos vacilos que so- mos inclinados a considerá-los bacilos. O vocábulo pegou: va- cilação ou hesitação ou falha ou deslize estão banidos. Fato semelhante, de resis- tência obstinada à gramática, ocorre na proverbial expressão “não deu em nada”, que sig- nifica pizza. Se nada resultou de concreto, por que o “não”? O que não dá em nada sempre gera um fato concreto. Ou não passo de um cronista caturra? A arte de escrever despenca ladeira a baixo, ou naufraga. Quando escrevia para o sau- doso Jornal do Brasil, Carlos Drummond de Andrade rebe- lou-se contra o uso inadequado da expressão “a nível de”. In- corretíssima até à alma. Quase todos dizem ou escrevem as- sim, e não apenas os analfa- betos funcionais. Em nível de Brasil burro, têm lá suas razões ou justificativas. Chegou o momento do fecho desta crônica, preciso pegar um avião para São Paulo. Se o leitor me acompanhou até aqui, te- nho o dever de escoltá-lo ao final e continuarmos amigos. Quem sabe a duquesa Kate Middleton me salvará? Veja- mos: a nível de vacilos ela por- tou-se com alguma negligên- cia. O casal é jovem, consta que continua apaixonado, ainda vi- vem um para o outro e se bas- tam. O topless é bom termô- metro, sobretudo para quem nasceu e cresceu cercado da- quele fog denso que encobria as vilanias de Jack, o Estripador – piores, bem piores que a in- discrição dos fotógrafos. Ainda bem que o episódio não deu em nada; e que a duquesa não teve de ser arrastada pelo asfalto por um grupo de policiais robustos, qual loura ucraniana vadia. Habituada à discrição que dizem ser marca registrada inglesa, Kate Middleton facilitou Hélio Pólvora Escritor, membro da Academia de Letras da Bahia LANÇAMENTO Projeto cultural lança site e CD virtual de Nicinha e grupo Raízes de Santo Amaro MARCOS DIAS Difícil vai ser fazer a sambadeira Nicinha, 63, ficar quieta neste domingo, quando os ataba- ques, pandeiros e maracas do seu grupo de samba-de-roda to- car em Santo Amaro. É que ela se submeteu a uma cirurgia de ponte de safena há dois meses. Ao mesmo tempo, tem muito a comemorar: neste dia, será lan- çado o CD virtual Samba de Ni- cinha: Raízes de Santo Amaro, durante o Caruru de São Cosme e Damião na Casa do Samba. “Isso é uma glória, uma vi- tória, não tenho do que recla- mar porque Deus é sempre ma- ravilhoso para mim”, diz ela, que começou a sambar com 17 anos. “Hoje está tudo numa boa para nós, sambadores antigos, com pé rachado, pé no chão”. Nora do lendário Popó do Ma- culelê, ela também foi casada com o mestre de capoeira Vavá. O grupo Raízes de Santo Amaro foi fundado em 24 de junho de 1978 e, ao lado do maculelê de Vavá, também fazia um afoxé “para chamar a multidão”. Em 1982, Nicinha fez sua pri- meira viagem ao exterior, para Dacar (Senegal), e já se apre- sentou várias vezes na Europa. “Mas ninguém achou nada de mão beijada, não. Naquele tem- po, a gente não tinha nem roupa para vestir. Hoje, tem vários gru- pos. Antigamente, se procurava e não achava, hoje se você to- mar uma topada está em cima de um”. Do sangue Filha de Iansã com Ogum, Maria Eunice Martins Luz acredita que sambar é algo inato: “Vem do eu da pessoa, do sangue, por- que aqui ninguém ensina a nin- guém. Hoje em dia tem aulas e as pessoas aprendem, mas no meu tempo a gente dançava nas Lapinhas, nos carurus de São Cosme, de São Roque, de São Crispim, tudo era samba. Hoje é pagode”. O lançamento é fruto dos es- forços do produtor santo-ama- rense (“nascido, criado, conhe- cido e considerado”) Antônio Uzeda, da Plataforma de Lan- çamento, que inscreveu o pro- jeto no Programa Petrobras Cul- tural de 2010 para gravação di- gital. Amanhã, o disco estará disponível para download em www.sambadenicinha.com. Com o projeto, ele diz que fecha um ciclo. Em 2009, pro- duziu o CD Samba Chula de São Braz, pela Funarte, e ainda pre- tende editar o disco físico de Nicinha, que tem samba corri- do, maculelê e cânticos para Ie- manjá e Oxum. “O samba de Nicinha é mais performático. Ela é apoteótica. Elas fazem uma superprodu- ção”, diz ele. As gravações ocor- reram no estúdio Casa das Má- quinas, em Salvador, com di- reção artística de Cássio Nobre e Katharina Doring. LANÇAMENTO DO CD VIRTUAL SAMBA DE NICINHA: RAÍZES DE SANTO AMARO / AMANHÃ, 16 HORAS/ CASA DO SAMBA (SANTO AMARO) / ENTRADA FRANCA Adenor Godim / Divulgação A sambadeira Nicinha e o grupo Raízes de Santo Amaro numa de suas concorridas performances O samba de roda foi tombado em 2004 como Patrimônio Imaterial da Humanidade “Encontrei essas músicas desde que nasci. Desde que minha tataravó nasceu, encontrou” DONA NICINHA, sambadeira No endereço www. sambadenicinha.com é possível baixar o CD com 13 faixas, fotos e informações adicionais CURTAS Ted Boy Marino morre aos 72 anos O ator e ex-praticante de luta livre Ted Boy Marino morreu na noite de quinta-feira, no Rio, aos 72 anos, vítima de uma parada cardíaca sofrida após uma cirurgia de emergência de- vido a uma trombose. Nascido em Fuscaldo Marina, na Itália, em 1939, aos 12 anos Ted Boy se mudou para a Argentina com os pais e os cinco irmãos. Aos 22 anos já atuava como lutador em eventos de telecatch na Argen- tina e no Uruguai. O ator se mudou para o Brasil em 1965 e foi contratado pela TV Excelsior para atuar como lutador. Arquivo / Ag. A TARDE Ted ficou famoso nos anos 1960 e 1970 como astro de telecatch DANÇA Apesar de serem indissociados da música, são os passos e movimentos que atraem mais interesse entre os soteropolitanos Presença de músicos de tango ainda é tímida no cenário artístico baiano VERENA PARANHOS No tango, embora dança e mú- sica sejam indissociáveis, a dan- ça ainda é o que desperta maior interesse, de modo que poucos artistas se dedicam a tocar o gênero na cidade. Em Salvador, não existe nenhuma orquestra especializada no ritmo que Car- los Gardel tornou conhecido, nem músico que toque o ban- doneón, principal instrumento da orquestra de tango. “O interesse maior é na dan- ça, que tem uma coisa muito corporal, de sedução. Mas a dança não existe sem a música, é um diálogo. Para a gente, é ótimo fazer o som ao vivo nos bailes, porque é como se fosse um espelho: há uma interação entre os músicos e os dança- rinos”, defende Inácio Azpeitia, argentino que toca violão e can- ta na Milonga do Bem. Do clássico ao novo Nos bailes e milongas locais, Inácio toca um pouco de tudo: desde os clássicos de Carlos Gar- del, preferido do grande públi- co, a Ástor Piazzolla, compositor de tango mais importante da segunda metade do século 20 e precursor do nuevo tango, mais marcado e dançante, que traz influências do jazz e inovações nos quesitos ritmo, timbre e har- monia. Os apreciadores do gê- nero que nasceu instrumental na região do Rio da Prata (Ar- gentina e Uruguai) e só depois ganhou as famosas letras tristes geralmente se dividem entre es- tas duas correntes e travam dis- cussões sobre a preservação do ritmo mais tradicional e a in- corporação de novas tendên- cias, como o tango eletrônico do grupo Gotan Project. Para Inácio Azpeitia, o cres- cimento do interesse pelo tango é consequência das viagens de brasileiros para Buenos Aires. “Muita gente gosta do que vê lá e quando volta quer encontrar alguma coisa similar, por isso começa a fazer aulas e apreciar a música”, justifica o portenho. Esse é o caso de Alexandre Ribeiro, que praticava outras CAJA /Divulgação Ástor Piazzolla foi o principal inovador do tango, na segunda metade do século 20 danças de salão, mas só se in- teressou pelo tango depois de uma viagem de férias à capital argentina, há quatro anos. “Cos- tumo dizer que o vírus do tango entrou na minha veia, me apai- xonei. E olhe que sou engenhei- ro, cartesiano”, brinca. Nos três anos seguintes, Ale- xandre e a esposa retornaram à cidade para aperfeiçoar a téc- nica em aulas e milongas. “O tango não é só uma questão de dança. Envolve toda uma cultura e uma história”. “Antes, quando você falava de tango, as pessoas só pensavam na Argentina. Agora você já tem espaço para dançar e ouvir aqui”, destaca a praticante da dança Joseli Nunes. Alexandre também se diz apaixonado pelo tango enquanto música: “Já te- nho uma discografia e uma vi- deoteca boa sobre o assunto”. Programação especial Para celebrar os três anos do reconhecimento do tango como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, a Abatango rea- liza neste fim de semana uma programação especial. Hoje, às 19 horas, a associação promove um curso com o professor Paulo Araújo, fundador do Instituto Brasileiro do Tango (IBT), e ama- nhã, às 18h30, o primeiro Tango na Praça. O projeto, que visa a divulgar e despertar a cultura do tango nas comunidades de Sal- vador, vai reunir 15 casais para dançar o ritmo na Praça Segre- dos de Itapuã, em Piatã. QUEM ESCUTAR CARLOS GARDEL Dá voz aos famosos tangos Mi Buenos Aires Querido, El Dia Que Me Quieras e Mi Noche Triste JUAN D’ARIENZO Resgatou o primitivo 2x4 do tango. Conhecido por Milonga Brava, Chirusa e El Vino Triste ÁSTOR PIAZZOLLA Conhecido pelo nuevo tango, com inovações no timbre e na harmonia. Vale ouvir Libertango e Adiós Nonino