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AA cano que hoje persegue os polticos da era da troika nunca foi
pacficapara as pessoas de Grndola - nem para o intrprete Zeca
Afonso, que nuncamais l a cantou depois de uma vez ter sido
impedido de a terminar. Viagemao passado recente de um smbolo.
quilo foi uma espcie de Grndola ao contrrio, mas aconteceu em
Grndola. Ningum foiimpedido de falar por causa da cano como se
tornou costume agora, deu-se o inverso: a cantigafoi interrompida,
o que difcil de entender, os tempos eram to estranhos que hoje
ainda h quem
oia esta histria custando acreditar nela. Parecia tudo s
avessas, o mundo estava revirado pelos forros, e aprova que o
sucedido se passou com Zeca Afonso, a cantar o Grndola Vila Morena
no salo dosBombeiros Voluntrios de Grndola, ali na Praa da
Palmeiras, nome popular, uma vez que o verdadeiro daRepblica, com
esttua de um republicano no meio. Jos Afonso comeou, mas no acabou,
no o deixaramterminar, aconteceu o impensvel: apuparam-no,
assobiaram-no, gritaram-lhe esquerdista, estragaram oespectculo,
estava o caldo entornado, no havia fraternidade, muito menos um
amigo em cada esquina, oZeca meteu a viola no saco, literalmente.
Fez o que fazem hoje alguns ministros, quando pela cano no osdeixam
falar, estes tempos de troika tambm so dos avessos. Ele foi-se
embora, abalou, como dizem osalentejanos.
Os manifestantes no eram fascistas, antes fossem, ai do fascista
que se metesse em trabalhos naquelestempos, levava uma carga de
porrada que nem sabia, aquela malta era danada, e at havia um
bairrochamado Danado no centro da vila a provar que a pancadaria
era fruta da poca quando fosse preciso. Osautores dessa grandolada,
designao moderna que no existia no ps-PREC, eram comunistas, custa
acrer. Eram militantes do PCP, organizados ou voluntariosos, quem
fala disso no o sabe dizer, noperdoavam a Jos Afonso o apoio a
Otelo Saraiva de Carvalho nas presidenciais de 1976 contra o
camarada
19 DE JUNHO DE 2013
Vila Morena, a cano que dividiu GrndolaPOR VTOR MATOS
D.R./ASSOC. JOSE AFONSO
CarrosselMagazine Asvoltas que avida
d.(http://www.carrosselmag.com/)
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Octvio Pato, nem a sua aproximao LUAR, organizao de
extrema-esquerda, que como as outras forasradicais no alinhava com
o Partido Comunista, fora dominante no Alentejo e em Grndola tambm,
pelomenos at 2001.
Podia compreender-se a tristeza da militncia exacerbada, afinal
a revoluo passara, o PREC finara-se emfinais de 1975, mas em
Grndola ainda estava tudo muito quente, muito vivo, as fronteiras
bem traadas, noscdigos da esquerda chamava-se a isto sectarismo,
por isso que o PCP e o Bloco de Esquerda ainda hoje nose entendem.
O boicote foi testemunhado por Jos Horta, que foi prximo da UDP e
hoje presidente daJunta de Freguesia de Santa Margarida da Serra
(independente pelo PS), e confirmado por Dulce Manuel,sobrinha do
clebre Z da Conceio, um dos responsveis pelo convite que
desencadeou a criao do poemado Grndola Vila Morena, mas essa outra
histria, j l vamos. Nem um nem outro se lembram da datacerta do
incidente, talvez em 1976, no mximo ter acontecido em 1978, na fase
em que o adversrio polticose confundia com inimigo, um tempo em que
as atitudes polticas deixavam marcas para uma vida.
Jos Afonso no esqueceria o episdio. No fim do concerto, veio
falar comigo e com os meus pais e estavamuito aborrecido com aquela
situao, recorda Dulce Manuel. Ficou muito magoado com Grndola,
diz.
Segundo se lembra Jos Horta, o Zeca havia de comentar que tinha
sido a nica terraonde no tinha conseguido acabar o Grndola Vila
Morena. No voltou a cantar na vilacujo nome celebrizou, embora nem
para todos essa fosse uma designao de boa fama.
A historiadora Irene Pimentel, que escreveu uma fotobiografia de
Jos Afonso, destaca a sua humildade epudor em relao a homenagens na
vila h ruas e praas com o nome dele mas tambm confirma: Seique ele
estava muito magoado com Grndola. Teria a ver com o referido
episdio, e ao mesmo tempo com atentativa de apropriao por parte do
PCP, no deixava de parecer contraditrio.
Dentro de Grndola, a Vila Morena era em geral uma cantiga
desconfortvel para quem no fossecomunista. Os grupos de
extrema-esquerda acusavam o PCP de se ter apropriado da obra de
Zeca Afonso ede tentar ocupar a sua memria. Apesar disso, na
Renault 4L que circulava pelas ruas com os megafones doPCP no
tejadilho, o partido emitia dias a fio msicas de Zeca como se ele
fosse um comunista. Para os nocomunistas, que sendo menos ainda
eram alguns, tanto fazia. Aquela cano, bonita como os mais
beloscantares alentejanos, com uma letra poltica subtil, menos
panfletria que muitas outras, a falar de amigos ede fraternidade,
era coisa de comunas, merecia distncia, vade retro brejenvistas,
durante muito tempo seconfundiu a revoluo com o processo
revolucionrio, as cicatrizes eram profundas. A terra tinha
nomeprprio e dois apelidos, Grndola e Vila Morena, motivo
suficiente para um annimo ao longo dos anos ospintar na placa de
entrada na localidade, que a seguir algum riscava, embora ele
voltasse escrever:Grndola Vila Morena e algum tornasse a riscar
A cantiga no era universal como viria a ser. As pessoas no
gostavam de Grndola porque, por causa damsica, ficou com a fama de
ser a causadora da revoluo e depois toda a gente achava que em
Grndola shavia comunistas!, contou um idoso grandolense a Joana
Correia, no mbito de um mestrado daUniversidade Aberta sobre
Identidade e Memria, realizado em 2010. Os depoimentos recolhidos
foramtodos annimos, ainda hoje poucos aceitam dar a cara para falar
destes desconfortos. A proprietria de umamercearia recordava outro
episdio eloquente: A nica vez que disse [ser de Grndola] serviu de
lio:tnhamos ido numa excurso, eu e um grupo de amigas, e estvamos a
almoar numa penso. Calhouestarmos a falar na nossa terra e, de
repente, todas as pessoas que estavam a almoar nossa
voltalevantaram-se e saram, a dizerem que no comiam na mesma sala
em que estivesse gentalha de Grndola.O dono da penso veio ter
connosco e convidou-nos a sair, dizendo que no servia almoos a
comunistas. Eeu que nunca fui comunista
-
As histrias sucedem-se, como a do agricultor que numa feira de
gado teve de ser acudido por um compadrede Alccer do Sal. A verdade
que por causa disso acabei metido numa bonita sem ter feito
nada.
Quando disse que era de Grndola, o homem que estava sua frente
voltou-se,agressivo. E eu s dizia: mas eu no tenho culpa de ser de
Grndola! Ningum tinhaculpa, os smbolos so o que so.
Naquele tempo, em que os carros usavam uma placa a dizer a
localidade de origem, podia ser um problematransportar aquele nome
e viajar para o Norte, onde at h poucos anos se queimavam sedes do
PCP emautos de f polticos. Quando amos passear para fora de
Grndola, tnhamos sempre que tapar essa chapaporque corramos o risco
de sair do carro e quando voltssemos ter o carro todo partido.
Aconteceu a muitagente. Nunca dizia que era de Grndola. As pessoas
no gostavam, achavam que em Grndola ramos todoscomunistas, contou
uma professora reformada mesma investigadora.
Se no Norte e no Centro do Pas os grandolenses eram rotulados de
moscovitas mesmo no o sendo, emGrndola se no o fossem eram pelo
menos reaccionrios. Os piores seriam fascistas, dependia se
tinhamterras ou fbricas de cortia. O mundo era a preto e branco, os
cinzentos e as tonalidades vieram depois como amornar dos fervores
tanto revolucionrios, como da reaco. O centro geomtrico poltico
daquela VilaMorena estava muito deslocado, havia razes sobejas para
isso, tanto sociais como histricas, de modo que adireita comeava
demasiado esquerda, eram sintomas no s dos tempos mas do contexto
de dcadas.Bastava ver o que era a vida dos trabalhadores
rurais.
O tempo fez o seu trabalho. Toda esta histria comeou 10 anos
antes do 25 de Abril.
Era o ano de 1964. O encenador Hlder Costa, natural de Grndola,
estudava em Coimbra, onde vivia numarepblica chamada Pr-Kys-To, e
era amigo de Zeca Afonso, que aparecia de vez em quando a visitar
os queprly-estavam. Apesar da distncia, o alentejano filho da D.
Mariana continuava activo como membro daMsica Velha, o nome
simplificado que o povo d SMFOG Sociedade Musical Fraternidade
OperriaGrandolense onde o j referido Z da Conceio desenvolvia um
trabalho de dinamizao cultural decontornos polticos. Nesse ano, no
mbito do 52 aniversrio da Msica Velha, Z da Conceio convidouZeca
Afonso atravs de Hlder Costa para actuar no dia 17 de Maio em
Grndola. Era um luxo. CarlosParedes tinha acabado de compor os
Verdes Anos. Actuaram os dois no mesmo dia. Conheceram-se ali.
Foiextraordinrio, recorda Hlder Costa, durante a noite o Zeca
estreou canes que ningum conhecia. Arelao foi to afectiva que dias
depois mandou para a direco da colectividade um poema de homenagem
aGrndola, que no era uma cano, recorda o encenador. O poema foi
lido publicamente na sociedade a 31de Maio.
A carta enviada tinha sido escrita a tinta verde, no sei o que
lhe passou pela cabea, recorda-se HlderCosta, e o original foi
guardado por Z da Conceio. Desgraado, perdeu-a, ou est escondida ou
muitobem guardada, diz o encenador, a verdade que a letra comeou a
ser cantada com a msica do Baleizo,Baleizo, lembra-se Dulce Manuel,
a sobrinha de Z da Conceio. A cano definitiva do autor s
apareceucom a edio do lbum Cantigas do Maio, em 1971, depois de
pelo menos quatro verses diferentes e aps ede ter perdido uma
estrofe pelo caminho: Capital da cortesia / No se teme de oferecer
/ Quem for aGrndola um dia / Muita coisa h-de trazer.
Como o destino feito de acasos, a cano nunca teria esta
importncia poltica se a ComissoCoordenadora do Movimento das Foras
Armadas (MFA) no se tivesse lembrado de escolher a Grndolacomo
contra-senha para a operao que desencadeou o golpe militar, no dia
25 de Abril de 1974.
-
Carlos Beato, ex-presidente da Cmara de Grndola (2001-2013),
alferes na coluna deSalgueiro Maia que tomou o poder a Marcello
Caetano, diz que a Vila Morena foiescolhida porque no estava na
lista da censura e podia ser passada na rdio semlevantar suspeitas.
Foi emitida na Renascena meia noite e vinte. Tornou-se um hino.
No entanto, a relao do autor com a sua capital da cortesia nunca
mais seria a mesma depois daqueleconcerto no salo dos bombeiros.
Jos Afonso chegaria a ter uma casa em S. Francisco da Serra, perto
deGrndola, e so vrios os relatos, exagerados ou no, de que entrava
no caf Pica-Pau, onde se juntavam ossimpatizantes e militantes
comunistas, e que no lhe falavam ou saam para a rua para no lhe
falarem. Pelomenos no era recebido de forma calorosa. Em cada
esquina um amigo.
E em cada rosto igualdade. Em meados dos anos 80, um grupo que
no estava ligado directamente ao PCPorganizou-lhe uma homenagem, j
Jos Afonso estava doente. Aceitou, mas estava muito triste
porquetinha sido mal recebido na terra, conta Isabel Revez, quadro
superior da cmara de Grndola, uma dasorganizadoras do evento. O
autor falou com amigos para participarem, colaborou mas no esteve
presente, epediu, quase como condio, que se falasse de Timor, o que
a organizao cumpriu, convidandoos refugiados timorenses em
Portugal. Apesar de tudo, fez-se o espectculo debaixo de alguma
tenso, dizIsabel Revez.
As comemoraes tinham dois dias, mas no passaram do primeiro,
quando Francisco Fanhais se sentiuvisado por um funcionrio da
autarquia, quando ao dedicar uma msica a Otelo, preso no mbito
doprocesso das FP25, o animador cultural da cmara o tentou apressar
ou calar. Caiu mal. Fanhais ter ditoque se no o calavam antes do 25
de Abril no seria agora censurado, houve alguma confuso. No
diaseguinte a homenagem foi um fiasco, com o cartaz cancelado, de
Fausto a Jos Mrio Branco, tudo ausente.Quando houve uma petio na
Assembleia Municipal para reunir fundos e apoiar tratamentos para o
cantorno estrangeiro, a proposta no passou, com os votos contra do
PCP, recorda Graa Nunes, actual presidenteda cmara, do PS.
Quando se organizou o concerto no Coliseu em 1983, o ltimo do
cantor, Ivone Chinita, uma grandolenseque trabalhava na produtora
Era Nova, ter enviado convites para a cmara municipal, que ficaram
por usar.Dilar Chinita, irm de Ivone, j falecida, recorda: A minha
irm ofereceu um envelope com 40 bilhetes paraa cmara organizar um
autocarro, mas ningum foi. Disseram-lhe na cmara que as pessoas no
estavaminteressadas. Mais sectarismo.
-
Portugal esqueceu-se de Grndola Vila Morena?, D.R. / Associao
Jos Afonso
Figueira Mendes, presidente da cmara de Grndola de 1976 a 1989,
no se recorda dessa questo com osbilhetes, mas lembra-se de ter ido
ao concerto em Lisboa com a mulher, bilhetes pagos por si, garante.
Vinteanos afastado da luta poltica, regressou agora como candidato
do Partido Comunista s autrquicas desteano. Admite que durante
algum tempo quis associar-se a cano ao PCP, mas reconhece que o
Zeca eraum independente e at crtico do Partido. Diz mais: Quem no
sectrio como eu, considera a cano umhino com fora
internacional.
Carlos Beato talvez no discordasse. Foi o primeiro presidente no
comunista da cmara de Grndola do ps-25 de Abril, eleito nas listas
do PS, antigo deputado do Partido Renovador Democrtico (PRD), e
prximo doex-Presidente Ramalho Eanes. Embora tambm seja acusado
pelos crticos de ter usado o valor simblico doGrndola Vila Morena
em proveito prprio, retirou a cano do reduto quase exclusivo do
PCP, e pssectores prximos do PS ao PSD a cantar o Grndola Vila
Morena sem a conotao antiga do PREC. Era-lhemais fcil, ajudava o
facto de no ser natural da vila, embora fosse casado com uma
nativa: recuperava acano pela aura que cultivava por ter vivido o
dia 25 de Abril na coluna de Salgueiro Maia. Saiu do quartelde
Santarm depois de Grndola passar na rdio e havia de presidir aos
destinos da mesma autarquia. Eu
-
no via com muito bons olhos que as pessoas no se sentissem
vontade a cantar o Grndola Vila Morena,explica. Tentou dar-lhe o
significado mais puro e inicial, de senha para o golpe que acabou
com a ditadura.No princpio, as pessoas que apoiaram o novo ciclo
autrquico no acharam muita graa.
A seguir tornou-se normal, talvez banal, mas de duvidar que Zeca
Afonso achasse piada, a no ser porironia, a ouvir Anbal Cavaco
Silva cantar o Grndola Vila Morena, em Grndola, na campanha para
aspresidenciais de 2006, ao lado de Carlos Beato, seu mandatrio no
distrito de Setbal. Aquilo era ritual decomunas, agora estavam ali
os ppds com poiso no caf Covas, a cantar como os pcps do caf
Pica-Pau,era gente que no se misturava nem para pedir uma bica ou
uma imperial, agora, coisas da poltica, tinham sua frente o Cavaco
fazer uma cena daquelas, s faltava levantar o punho direito, pelo
menos no aparecianingum a chamar-lhes esquerdistas. A poltica tem
destas hipocrisias, do outro lado estava Mrio Soarese Manuel
Alegre, era preciso fazer alguma coisa de esquerda para ganhar
espao ao centro.
Numa entrevista revista Sbado antes dessas eleies e depois da
cantoria, o prprio Cavaco justificariaque, antes do 25 de Abril,
comprava os discos de Zeca Afonso e conhecia as msicas, sendo
assim, talvez nofizesse a figura de Miguel Relvas no caso de querer
acompanhar a Grndola numa das manifestaesespontneas de contestao
que agora o movimento Que se Lixe a Troika organiza. Talvez Cavaco
nosasse to grandolado como o antigo ministro.
AUTOR
(http://www.carrosselmag.com/author/vitor-matos/)Vtor Matos
nasceu em Grndola em 1973. jornalista da Sbado, passou pela Focus,
pelo DirioEconmico e por outras publicaes. Escreveu a biografia
"Marcelo Rebelo de Sousa". Outros artigos deVtor Matos.
(http://www.carrosselmag.com/author/vitor-matos/)
www.esferadoslivros.pt/livros.php?id_li=334
(http://www.esferadoslivros.pt/livros.php?id_li=334)
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A histria Vila Morena, a cano que dividiu Grndola
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foi publicada pela primeira vez no Carrossel Magazine
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Poltica(http://www.carrosselmag.com/tag/politica/)
Publicado em 19 de Junho de 2013
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