-
1
UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA
FACULDADE DE CIENCIAS SOCIAIS E HUMANAS
DOUTORAMENTO EM SOCIOLOGIA
VERSO PRELIMINAR DO PROJETO DE INVESTIGAO EM DISCUSSO NO
CURSO DE DOUTORAMENTO DE SOCIOLOGIA INTITULADO A
APROPRIAO DO PROGRAMA BOLSA FAMLIA PELOS UTENTES DO SISTEMA
NICO DE ASSISTNCIA SOCIAL NO BRASIL: O CASO DE MONTES CLAROS
MG.
Autores
Vero Franklin Sardinha Pinto
Orientador: Casimiro Marques Balsa
Co-orientadora: Luciene Rodrigues
Lisboa, junho de 2010
-
2
RESUMO
Este artigo refere-se a um projeto de investigao em fase final
de formulao e
discusso no mbito do doutoramento em sociologia da Faculdade de
Cincias Sociais
e Humanas FCSH da Universidade Nova de Lisboa. Pretende
apreender como os
utentes do Programa Bolsa Famlia (PBF), no Brasil, dele se
apropriam, especialmente,
quanto a articulaes com processos scio-cognitivos, procurando
compreend-lo
segundo sua eficcia sociolgica em termos de legitimao e integrao
e uma sua
possvel afinidade e relao com a regulao da modernidade perifrica
brasileira e ou
seu potencial transformador e includente, desde os indivduos e
famlias beneficirias
em suas heterogneas manifestaes.
A pesquisa, com base emprica em Montes Claros (MG), supe
teoricamente uma
articulao transversal entre indivduos e processos
scio-histricos, Estado e mercado,
conforme uma sociologia dos indivduos e sua singularidade
construda sob uma
reflexividade compulsria, em meio a dilemas e calvrios
resultantes da
responsabilizao sobre si mesmos aliada crescente dificuldade de
viver o(s) papel(is)
para o(s) qual(is) foram previamente estruturados, onde o
operador analtico prova tem
papel central. Supe, ainda, que esta articulao, onde as chamadas
polticas sociais
tm importncia fundamental, tem importante especificidade em uma
realidade
perifrica derivada da dinmica prpria dos sucessivos processos de
modernizao
pelo alto e estruturao de classes sociais em suas dimenses
objetivas e subjetivas.
Palavras-chave
Programa Bolsa Famlia; individuao; excluso social; estratificao
social
-
3
INTRODUO
As expresses brasileirizao (BECK), latino-americanizao (Dubet)1,
excluso /
precarizao / desfiliao (Castel 2008,) e europeizao (Jess, 2003),
ainda que,
sempre, esta ltima, incompleta, ou, no caso das primeiras,
temidas possibilidades,
refletem processos paradoxalmente convergentes segundo curvas,
entretanto, opostas2,
vistos segundo os mesmos critrios e sob suportes paradigmticos
relativamente
comuns. Denotam, todas, um desconforto crescente entre os
princpios democrticos da
igualdade e a crescente produo de desigualdade e desintegrao
social, no primeiro
caso, e a persistncia da maior desigualdade do mundo, no
segundo, traduzidos,
especialmente, por uma quantidade importante de indivduos
vivendo em condies
materiais abaixo da pobreza, onde a incerteza e a insegurana e a
precariedade
sobressaem. Em geral, associam-se estas realidades a processos
de reestruturao
produtiva vinculadas menos crise e mais expanso mesma do
capitalismo sob formas
tecnolgicas poupadoras de mo de obra, flexvel e deslocalizadas.
Assim, a Europa, tal
como ocorrera na Amrica Latina, parece viver um perodo no qual o
crescimento
econmico e o ambiente competitivo do capitalismo globalizado
dificultam ou mesmo
produzem aquelas mazelas, fragilizando a coeso social, o que fez
convergir uma
temtica comum e concomitante. Neste contexto, fortalecem-se, nos
dois continentes, os
debates e polticas pblicas que procuram reduzir as tendncias
fragmentao e
1 Criou-se, na maioria das sociedades ocidentais, uma fronteira
mais ou menos visvel opondo os integrados e os excludos. Mesmo se
esta fronteira no est bem definida e se muitos indivduos
circulam
de um mundo para outro, a estrutura social de nossas sociedades
se latinoamericaniza com o
desenvolvimento da pobreza, da incerteza, da economia informal,
da segregao urbana.(DUBET, 2003
:36). La consecuencia involuntaria de la utopa neoliberal del
libre mercado es la brasileizacin de
Occidente.... En um pas semiindustrializado como Brasil, los
trabajadores dependientes com empleo a
tiempo completo representan slo una minoria respecto a la grande
masa de los econmicamente activos.
La mayoria vive en unas condiciones laborales precarias. Abundan
los vendedores ambulantes, los
pequenos comerciantes y los pequeos artesandos, que se ofrecen
como asistentes domsticos de toda
suerte, o los nmadas laborales que se mueven entre los campos de
actividade mas variados. (BECK,
2007 :9) :
2 Segundo dados da PNAD analisados pelo IPEA, entre 2002 e 2008
ocorrera importantes mudana
positivas nos indicadores sociais no Brasil, notadamente
naqueles relacionados ao mercado de trabalho,
com o aumento da renda do trabalho e do contrato formal; a reduo
da desigualdade, da pobreza e do
trabalho em condies informais. (VER IPEAD, 2010)
-
4
fratura social e pretendem atuar articulando dimenses,
territrios, tempos e atores
novos e ou mais ativos que manifestam suas singularidades como
novas
estratificaes, dinmicas e possibilidades de mobilidades
scio-espaciais. Rendimento
Mnimo, polticas para imigrantes, micro-credito, Transferncia
Condicionada de
Renda, discriminao positiva (cotas), expanso da quantidade e
qualidade dos servios
de sade, incluindo combate s drogas, e expanso da oferta da
educao so estratgias
que, em geral, miram distintos alvos em distintos tempos, sob o
princpio de que mais
que garantir a igualdade de oportunidade para a partida dos
indivduos, numa sociedade
democrtica, cabe assegurar as condies de chegada em nveis social
e politicamente
aceitveis.
O presente trabalho procura apreender esta realidade
enfatizando, explorando, duas
dimenses: a radicalizao do processo de individualizao
(Martuccelli, 2007) e a
dificuldade de articular virtuosa e dialeticamente (CEPAL, 2010)
crescimento e
emprego ainda mais diante de um mercado de trabalho
desregulamentado, precarizado e
incongruente com a deficincia de capital humano nas populaes
pobres e a tendncia
inercial de transmisso intergeracional da pobreza e misria
(CEPAL, op cit).
Dentre os esforos do Estado brasileiro para intervir nos
processos de precarizao e
fratura social, evidencia-se quantitativa, poltica e
midiaticamente o PBF - Programa
Bolsa Famlia. Este programa tem sido alvo de inmera e quase
sempre positivas
avaliaes, ainda que com importantes e contraditrias excees. Por
exemplo, com
relao ao desempenho relativamente melhor dos usurios do programa
na escola
formal e como fator de reduo da desigualdade, em cerca de 2,7 %,
(CEPAL,
2010:196) ao lado de outros como o aumento do salrio mnimo e a
expanso do
emprego formal. Se, para uns, as chamadas condicionalidades e
sua focalizao so
um elemento estratgico do programa para a quebra da inrcia
representada pelo circulo
perverso da pobreza, para outros, a prpria existncia delas, como
imposies, ao lado
de limitaes financeiras que obstam o acesso a todos que dele
necessitam e baixo valor
da bolsa, atenta contra os direitos humanos dos cidados a uma
renda mnima e
alimentao (ZIMMERMMANN, 2008), ou induz estigmatizao dos
usurios
(SUPLICY). Alguns dos primeiros, como o economista Marcelo Nery
(2010),
inclusive, desconfiam da possibilidade de incentivo acomodao3
pela bolsa, risco
3 Em geral, esta viso minoritria, mesmo porque, como bem explica
documento da CEPAL, No es el espritu de esta propuesta proponer
subsidios que motiven a las personas a separarse del mercado
laboral.
-
5
menor, entretanto, derivado do seu valor bem abaixo das
necessidades mnimas,
inclusive alimentares4. Assim, v-se que os mesmos que comemoram
os indicadores
indubitavelmente positivos vinculados de alguma forma ao PBF
divergem quanto a
aspectos essenciais de sua configurao.
O PROGRAMA BOLSA FAMILIA
Uma controvrsia povoa o imaginrio, a mdia (editoriais e
colunistas usualmente
questionam a validade de se pressionar o sistema tributrio e os
contribuintes para
alimentar programas assistencialistas), o cotidiano das donas de
casa da classe mdia
(J no se acha faxineira depois desse tal de bolsa famlia: ningum
mais quer
trabalhar!5), dos fazendeiros (a mo de obra dos diaristas sumiu,
os caras agora s
Por el contrario, los ingresos bsicos garantizados son um
mecanismo que favorece la insercin presente
y futura de la poblacin en ese mercado. Entender adecuadamente
las condiciones en que las personas se
orientan al trabajo redunda en um correcto uso de los incentivos
y los pisos mnimos a partir de los que
esa accin y predisposicin es sostenible en el tiempo. (CEPAL,
2010: ). Martuccelli e Borj (2008)
advertem que to importante o que se entrega o como se entrega
para se evitar efeitos perversos ou
contrrios ao que se supostamente busca.
4 [Mais de um tero dos brasileiros declara que no come o
suficiente s vezes ou normalmente. No
total, 35,5% das pessoas se classificam nessa situao de fome. A
situao mais grave (os que
normalmente no comem o suficiente) afeta 9,2% dos brasileiros.
Os que s vezes passam fome
somam 26,3%. Os que sempre comem o suficiente so 64,5%. Os dados
so da Pesquisa de
Oramentos Familiares (POF) 2008/2009, divulgada nesta
quarta-feira pelo IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatstica).
http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/redacao/2010/06/23/um-terco-passa-
fome-as-vezes-ou-normalmente-diz-ibge.jhtm, acessado em
23/06/2010)]
Importa relatar que em recente pesquisa do IBGE, observou-se uma
reduo da proporo de famlias que
comem mal ou pouco, abaixo da necessidade, ainda que ainda
ocorram em nveis muito altos. Segundo
dados do DIEESE, o custo mensal de uma cesta bsica (para famlia
de 4 pessoas) de R$. O maior
valor pago pelo PBF de R$200,00, com mdia de R$ 120,00.
Provavelmente, estas famlias so
exatamente as que participam do programa. segundo dados da
Pesquisa Nacional da Cesta Bsica, divulgada pelo Departamento
Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos (Dieese), o
custo da cesta bsica em maio de 2010 foi, em So Paulo, de R$
2.257,52. O salrio mnimo, segundo esta mesma entidade, deveria ser
nesta data de R$ R$ 2.157,88, o que corresponde a 3,92 vezes o piso
vigente (R$ 510,00), para cobrir despesas de um trabalhador e sua
famlia com alimentao, moradia, sade, educao, vesturio, higiene,
transporte, lazer e previdncia. (www.valoronline.com.br, acessado
em 23/06/2010)
5 Entretanto, para desgosto de setores da classe mdia brasileira
que contratavam ou criavam
empregadas domsticas vindas da roa ou dos fazendeiros que
pagavam trabalhadores diaristas
R$ 15,00 (ou cerca de 6,00 euros) por jornada de trabalho,
segundo o pesquisador Ricardo Paes de
Barros, .... Integrantes das famlias beneficiadas com o Programa
Bolsa Famlia, do Ministrio do
Desenvolvimento Social e Combate Fome (MDS), no ficam acomodadas
para o trabalho por receber os
recursos. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domiclio (PNAD) de 2004, aumentou em
http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/redacao/2010/06/23/entenda-como-e-feita-a-pesquisa-de-orcamentos-familiares.jhtmhttp://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/redacao/2010/06/23/entenda-como-e-feita-a-pesquisa-de-orcamentos-familiares.jhtmhttp://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/redacao/2010/06/23/um-terco-passa-fome-as-vezes-ou-normalmente-diz-ibge.jhtmhttp://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/redacao/2010/06/23/um-terco-passa-fome-as-vezes-ou-normalmente-diz-ibge.jhtm
-
6
querem ficar tomando cachaa trabalhar), dos polticos de oposio
(os que
denominam o programa de bolsa esmola, eleitoreiro, sem porta de
sada.) e da
situao (a elite no suporta que se gaste recursos com os pobres;
um direito, est
reduzindo a Bolsa Famlia), dos trabalhadores da reas social e,
claro, dos cientistas
brasileiros6. o chamado Programa Bolsa Famlia PBF, inserido
formalmente no
Sistema nico de Assistncia Social SUAS e no Fome Zero7.
Atualmente, o PBF est
presente praticamente na totalidade dos cerca de 5.500 municpios
do pas com exatas
(em abril) 12.472.510 famlias utentes (MDS, 2010),
aproximadamente 50 milhes de
pessoas. Assim, para alm dessas querelas, tratam de ir ao banco
todos os meses e obter
os recursos com seus cartes eletrnicos entregue pelo programa.
Esses indivduos,
mulheres, quase sempre, e administrativamente, de maneira
preferencial, se inscrevem
nas prefeituras. Seus cadastros so enviados para a Caixa
Econmica Federal que libera,
ou no, o pagamento do benefcio segundo critrios estabelecidos e
a disponibilidade
(meta) de recursos financeiros ou vagas para cada municpio.
2,2 vezes a participao no mercado de trabalho de homens que
integram famlias beneficirias, e em 4,5
vezes o nmero de mulheres.
(http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/noticias/numeros-mostram-que-
bolsa-familia-nao-gera-acomodacao-para-o-trabalho)
6 Inmeros estudos, independentes ou articulados organicamente
aos programas governamentais,
produzem avaliaes sobre o PBF. Recentemente, o cientista poltico
Otvio Dulci , em declarao sobre
os resultados da pesquisa O impacto do Programa Bolsa Famlia:
mudanas e continuidades na condio
social das mulheres, coordenada por ele, afirma: Para mim, o
maior acerto do Bolsa Famlia foi ter
transferido renda s mulheres. Isto possibilitou seu
empoderamento, tanto dentro como fora de casa.
(http://www.ipc-undp.org/mds.do. Este link contm inmeros artigos
e estudos sobre o Programa Bolsa
Famlia realizados por pesquisadores brasileiros ou do exterior).
Em outro estudo, publicado em
15/12/09, constatou-se que A quantidade de crianas e
adolescentes inseridas no mercado de trabalho
caiu cerca de 50% em 15 anos. De acordo com a pesquisa Perfil do
Trabalho Decente no Brasil, publicada
hoje (16) pela Organizao Internacional do Trabalho (OIT) - rgo
ligado Organizao das Naes
Unidas (ONU) -, em 1992, haviam 8,42 milhes de trabalhadores com
idade entre 5 e 17 anos. Um
dcada e meia depois, em 2007, o nmero caiu para 4,85 milhes. O
relatrio destacou o reconhecimento
internacional da experincia brasileira de preveno e eliminao do
trabalho infantil. Segundo a
pesquisa, os resultados alcanados so expressivos. Entre crianas
de 10 e 14 anos, os ndices caram de
20,5% para 8,5% entre 1992 e 2007. (UOL Economia - Da Redao -
16/12/2009
http://www.uol.com.br/).
7 Segundo estudo recente desenvolvido pelos pesquisadores Carlos
Augusto Monteiro e Ana Lucia
Lovadino de Limada, da Universidade de So Paulo -USP, noticiado
pela edio de dezembro da revista
Pesquisa, da Fapesp (Fundao de Amparo Pesquisa de So Paulo), est
havendo uma reduo drstica
e em velocidade indita da desnutrio das crianas no nordeste
brasileiro, regio mais pobre e com maior
proporo de pessoas abaixo da linha da pobreza. Isto decorre,
segundo os pesquisadores, pelo aumento
da escolaridade das mes e s transferncias de renda nos programas
sociais.
(http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=4011&bd=1&pg=2&lg=).
http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/noticias/numeros-mostram-que-bolsa-familia-nao-gera-acomodacao-para-o-trabalhohttp://www.mds.gov.br/bolsafamilia/noticias/numeros-mostram-que-bolsa-familia-nao-gera-acomodacao-para-o-trabalhohttp://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=4011&bd=1&pg=2&lg=
-
7
A gradual institucionalizao da assistncia social no Brasil, como
proteo social no
contributiva, desde a Constituio Federal de 1988, passando pela
promulgao da Lei
Orgnica de Assistncia Social LOAS consolidando direitos
scio-assistenciais, at a
criao, em 2004, do Sistema nico de Assistncia Social (SUAS) e da
expanso dos
programas de transferncia de renda, como o Programa Bolsa
Famlia, parte
integrante do processo de democratizao da sociedade brasileira8
que, dentre suas
caractersticas, construra ento um consenso que pretende
explicitamente incorporar
fortemente em seu contedo aspectos substantivos, de dimenso
social, para alm dos
aspectos meramente formais, na perspectiva da reduo da
persistente desigualdade
social em nveis extremamente altos e da eliminao da misria no
Pas.
Trata de uma relativamente, face urgncia dos problemas, longa
trajetria at chegar
Constituio de 1988, passando pela promulgao, no Governo Itamar
Franco, em 1993,
da Lei Orgnica de Assistncia Social LOAS , pelo chamado
Comunidade Solidria,
incluindo a criao focalizada da transferncia de renda
condicionada (o Bolsa
Escola, Programa de Erradicao do Trabalho Infantil - PETI,
Benefcio de Prestao
Continuada - BPC, Agente Jovem, dentre outros9), nos governos de
Fernando Henrique
Cardoso, at a concepo, em 2004, pela Poltica Nacional de
Assistncia Social, do
Sistema nico de Assistncia Social SUAS , na gesto do ministro
Patrus Ananias,
do Governo Lula. Essa institucionalizao deu-se de forma
articulada com a expanso10
espetacular, neste ltimo governo, do sistema de transferncia de
renda com
condicionalidades, o Programa Bolsa Famlia, sobretudo, e a
organizao sistmica
segundo critrios scio-territoriais e de risco e vulnerabilidade
traduzidos enquanto
8 O PBF constitui um elemento central da poltica social de
terceira gerao (Ver Luciene & Balsa,
2008). Recentemente, o governo brasileiro instituiu um grupo
para formular em dois meses uma proposta
de consolidao dos programas sociais brasileiros. Um pouco antes,
fez um ajuste de forma a evitar que
cerca de 5.000.000 de utentes que no cumpriram as
condicionalidades no perdessem a renda, o que
ocorreria pelas regras ento vigentes.
9 Todos estes programas utilizam como estratgia principal a
transferncia de bolsas (renda) mensais
condicionadas freqncia dos utentes em determinados servios
educacionais, de sade e scio-
assistenciais que, em ltima instncia, poderiam romper o ciclo
vicioso da pobreza.
10 H uma permanente luta eleitoral para saber quem criou de fato
os programas de transferncia de renda
no Brasil. Ainda que a histria possa dar alguma razo aos tucanos
do PSDB, o povo parece no ter
dvida sobre quem o seu responsvel e fiador.
-
8
protees, com a idia de co-financiamento, repasses continuados
fundo a fundo.
(SPOZATI, op cit: 83), conformando um desenho de concentrao de
recursos na Unio
e gesto descentralizada que articula os trs nveis da federao e
trs nveis de
vulnerabilidade, segundo o carter do vnculo scio-comunitrio e
familiar,
instituindo protees focalizadas: bsica, e especiais de alta e
mdia complexidades.
Esta institucionalidade organiza-se territorialmente com
unidades fsicas de atendimento
e referncia (os CRAS) para as famlias, distribudas racionalmente
nos bairros
populares.
Observe-se que esta construo poltica e institucional da
assistncia social
ocorre simultaneamente ao processo planetrio de consolidao do
projeto (neo)
liberal, e de crise mortal de Estados ditos socialistas e
profunda no tipo Providncia.
Processo que ocorreu em ntima relao com a mundializao do comrcio
e produo,
reestruturao para formas flexibilizadas e desterritorializadas
do processo produtivo
(HARVEY, 1996), com crises das relaes sociais (classes sociais)
e de instituies que
as expressam (partidos polticos com claras bases sociais,
sindicatos, famlias nucleares,
Estado-Nao) na sua solidez, e formas de vida e de interiorizao
(articulao scio-
espacial e identidria entre vida e cotidiano tendo o trabalho e
a profisso como
centralidades), como aparentemente slidas, como um consenso
transclassista antes
estabilizados como fordismo (LIPIETZ, 1984) sob uma tica
predominantemente
industrial (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999).
Uma caracterstica essencial. O beneficirio tpico das polticas
sociais anteriores o
era por derivao da condio de trabalhador. Mesmo o fundamento da
previdncia
rural brasileira instituda no regime militar, o chamado
Funrural, estava na prova do
trabalho, ou seja, mesmo que no tenha contribudo diretamente com
o sistema, o utente
potencial teria que provar sua condio pretrita de trabalhador
rural, por meio do
reconhecimento pblico atestado por declaraes formais de
sindicatos.
O PBF no contributivo, mas condicionado11
. Ele foi institucionalizado pela Lei n.
10.836, de 09 de janeiro de 200412
com a finalidade explcita de unificar os
11
Son programas de carcter no contributivo con los que se busca,
por una parte, aumentar los niveles de
consumo de las familias por medio de transferencias monetarias y
reducir as la pobreza a corto plazo y,
por otra, fortalecer la capacidad de sus miembros de romper la
reproduccin intergeneracional de la
pobreza. Desde mediados de los aos noventa, cuando en Mxico se
lanz el Programa de Educacin,
Salud y Alimentacin (PROGRESA, actualmente Oportunidades) y en
el Brasil comenzaron a
-
9
procedimentos de gesto e execuo das aes de transferncia do
Governo Federal. A
permanncia no programa depende do cumprimento de
condicionalidades, que so,
basicamente, a garantia da matricula e freqncia escolar mnima
dos filhos menores de
18 anos e a participao sistemtica em programas de preveno na rea
de sade. Os
utentes, ainda, so contemplados eventual e preferencialmente,
com programas
complementares de gerao de trabalho e renda, de segurana
alimentar e de
fortalecimento de vnculos familiares e comunitrios, em geral,
coordenados por
Centros de Referncia de Assistncia Social, os CRAS, que contam
com um quadro
mnimo de profissionais da rea social, psiclogos e assistentes
sociais. Em tese, h uma
acompanhamento das famlias e superviso da sociedade local por
meio de conselhos
paritrios, com representantes do poder pblico e da sociedade
civil, incluindo de
trabalhadores sociais e de usurios.
Os benefcios do programa so repassados, ento, seletivamente,
para as famlias inscritas
conforme a renda per capita, a quantidade de filhos com menos de
18 anos ( ver quadros 1 e 2
abaixo) e o respeito a determinadas condies, vinculadas aos
servios de sade e educao.
Entretanto, ainda que as famlias satisfaam todas as condies o
seu acesso ao programa
depender da disponibilidade de vagas, cuja quantidade definida
antecipadamente pela
Unio, o cumprimento das condicionalidades deve ser comunicado
pelo municpio ao Governo
Federal e as famlias precisam atualizar regularmente seu
cadastro, sob pena de ter seu benefcio
bloqueado preventivamente ou cancelado definitivamente.
Segundo o Ministrio de Desenvolvimento Social e Combate Fome -
MDS, as
condicionalidades foram pensadas como um mecanismo de garantir o
acesso dos brasileiros
aos direitos bsicos, tendo como objetivo responsabilizar de
forma conjunta os beneficirios e o
poder pblico. O Estado, ento, deve fazer o acompanhamento
gerencial para identificar os
motivos do no cumprimento das obrigaes previstas. A partir da,
em tese, so
implementadas aes de acompanhamento das famlias em
descumprimento, consideradas em
situao de maior vulnerabilidade social.13
Elas seriam, segundo o MDS, um compromisso
materializarse programas que compartan la misma poblacin
destinataria (familias con hijos en edad
escolar) y la orientacin hacia la condicionalidad de la entrega
de los beneficios (que luego se
consolidaron en el programa Bolsa Famlia), los programas de
transferencias condicionadas han tenido un
enorme crecimiento3. (CEPAL, 2010 :195)
12 Toda legislao pertinente ao PBF, inclusive a Lei 10.836,
medidas provisrias e leis anteriores e
posteriores sua instituio, est disponvel no site do MDS:
13 MDS.Secretaria Nacional de Renda e Cidadania. <
http://www.mds.gov.br/bolsafamilia>
http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/legislacao
-
10
recproco das famlias e Estado para garantir e ampliar os
direitos sociais bsicos, articulando
demanda e oferta dos servios relacionados.
Detalhadamente, as condicionalidades significam que as famlias
se obrigam a, na rea da
sade, acompanhar o carto de vacinao e o crescimento e
desenvolvimento das crianas
menores de 7 anos. As mulheres na faixa de 14 a 44 devem fazer o
acompanhamento e, no caso
de gestantes ou lactantes, fazer o pr-natal e o acompanhamento
da sua sade e a do filho.
Na rea de educao, as crianas e adolescentes com idade de 6 a 15
anos devem estar
matriculados e freqentar no mnimo 85% das aulas; os estudantes
entre 16 e 17 anos devem
ter no mnimo 75%
(http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/condicionalidades, acessado
em
23/06/2010)
Quadro 1
PBF: Benefcios
Benefcios: Os valores pagos pelo Programa Bolsa Famlia variam de
R$22,00 (vinte e dois reais) a R$200,00 (duzentos reais), de acordo
com a renda mensal por pessoa da famlia e com o nmero de crianas e
adolescentes de at 15 anos e de jovens de 16 e 17 anos. O Programa
Bolsa Famlia tem trs tipos de benefcios: o Bsico, o Varivel e o
Varivel Vinculado ao Adolescente.
O Benefcio Bsico, de R$ 68 (sessenta e oito reais), pago s
famlias consideradas extremamente pobres, aquelas com renda mensal
de at R$ 70 (setenta reais) por pessoa (pago s famlias mesmo que
elas no tenham crianas, adolescentes ou jovens).
O Benefcio Varivel, de R$ 22,00 (vinte e dois reais), pago s
famlias pobres, aquelas com renda mensal de at R$ 140,00 (cento e
quarenta reais) por pessoa, desde que tenham crianas e adolescentes
de at 15 anos. Cada famlia pode receber at trs benefcios variveis,
ou seja, at R$ 66,00 (sessenta e seis reais).
O Benefcio Varivel Vinculado ao Adolescente (BVJ), de R$ 33,00
(trinta e trs reais), pago a todas as famlias do Programa que
tenham adolescentes de 16 e 17 anos freqentando a escola. Cada
famlia pode receber at dois benefcios variveis vinculados ao
adolescente, ou seja, at R$ 66,00 (sessenta e seis reais).
Fonte: Secretaria Nacional de Renda e Cidadania. MDS
http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/condicionalidades
-
11
Quadro 2: Critrios de recebimento do benefcio
Famlias com renda familiar mensal de at R$ 70
Nmero de crianas e
adolescentes de at 15 anos
Nmero de jovens de 16
e 17 anos Tipo de benefcio Valor do benefcio
0 0 Bsico R$ 68,00
1 0 Bsico + 1 varivel R$90,00
2 0 Bsico + 2 variveis R$ 112,00
3 0 Bsico + 3 variveis R$ 134,00
0 1 Bsico + 1 BVJ R$ 101,00
1 1 Bsico + 1 varivel + 1
BVJ R$ 123,00
2 1 Bsico + 2 variveis + 1
BVJ R$ 145,00
3 1 Bsico + 3 variveis + 1
BVJ R$ 167,00
0 2 Bsico + 2 BVJ R$ 134,00
1 2 Bsico + 1 varivel + 2
BVJ R$ 156,00
2 2 Bsico + 2 variveis + 2
BVJ R$ 178,00
3 2 Bsico + 3 variveis + 2
BVJ R$ 200,00
Nmero de crianas e
adolescentes de at 15 anos
Nmero de jovens de 16
e 17 anos Tipo de benefcio Valor do benefcio
0 0 No recebe benefcio
bsico -
1 0 1 varivel R$ 22,00
2 0 2 variveis R$ 44,00
3 0 3 variveis R$ 66,00
0 1 1 BVJ R$ 33,00
1 1 1 varivel + 1 BVJ R$ 55,00
2 1 2 variveis + 1 BVJ R$ 77,00
3 1 3 variveis + 1 BVJ R$ 99,00
0 2 2 BVJ R$ 66,00
1 2 1 varivel + 2 BVJ R$ 88,00
2 2 2 variveis + 2 BVJ R$ 110,00
3 2 3 variveis + 2 BVJ R$ 132,00
-
12
Fonte14
: Secretaria Nacional de Renda e Cidadania. MDS
MONTES CLAROS
Montes Claros, onde se pretende realizar os levantamentos
iniciais de terreno, a
principal cidade que polariza a mesorregio Norte de Minas,
composta por 89
municpios, distribudos em sete microrregies. Segundo o Censo de
2000, cerca de
1.473.367 pessoas viviam, naquele ano, na regio. Segundo
estimativas do IBGE15
, em
2007, 352.384 pessoas residiam no municpio. Do ponto de vista
social (e poltico), o
perfil da regio coloca-se a meio caminho do Nordeste e do
Sudeste, configurando-se,
tambm, nesse mbito, como uma rea de transio.16
Segundo o Censo de 2000 (Tabela 2), a relao entre ocupados em
mercado de trabalho
formal e informal semelhante para os valores para o Brasil, em
geral. Em Montes
Claros, os trabalhadores do setor formal somavam 50.754 (51,65%)
e os informais
47.403 (48,35%), ocupados, sobretudo, no tercirio. A PEA era
composta por 146.061
pessoas.
Tabela 2
OUTROS INDICADORES DE MERCADO DE TRABALHO
Censo/2000
Indicadores Masculino Feminino Total
Populao Residente 148.459 158.488 306.947
Taxa de Analfabetismo (%) (1) 7,88 8,86 8,39
Pop. Economicamente Ativa 83.037 63.024 146.061
PEA Desocupada 12.496 15.167 27.663
PEA Ocupada 70.541 47.857 118.398
Trabalhadores Formais (2) 30.750 20.004 50.754
Trabalhadores Informais (3) 33.710 13.793 47.503
14
http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/o_programa_bolsa_familia/beneficios-e-contrapartidas,
acessado em 18/06/2010
15 IBGE. Contagem da Populao. 2007
(http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/contagem2007/contagem_final/tabela1_1_17.pdf)
16 PEREIRA, Anete Marlia. A urbanizao no serto norte-mineiro:
algumas reflexes. Op. cit., p.
1525 e OLIVEIRA, Marcos Fbio Martins de; RODRIGUES, Luciene
(Orgs.). Formao social e
econmica do norte de Minas. Montes Claros: Unimontes, 2000.
http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/o_programa_bolsa_familia/beneficios-e-contrapartidashttp://www.mds.gov.br/bolsafamilia/o_programa_bolsa_familia/beneficios-e-contrapartidashttp://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/contagem2007/contagem_final/tabela1_1_17.pdf
-
13
Fonte: CENSO/2000 - IBGE. Elaborao MTE
Nota:
(1) Taxa de analfabetismo para pessoas de 10 anos ou mais de
idade
(2) Compreende os empregados com carteira, militares e
estatutrios
(3) Compreende os empregados sem carteira e os conta-prpria
Outro aspecto importante vincula-se relativamente tardia
modernizao e urbanizao
da cidade que recebeu importantes fluxos de migrantes dos
municpios do entorno, o
que importa especialmente para esta investigao, por ser possvel
entrevistar distintas
geraes de migrantes.Talvez seja possvel fazer uma analogia com
as geraes de
imigrantes na Europa, que desenvolveram formas de integrao
diferentes com a
sociedade receptora (DUBET, 2004), a primeira como imigrante
subproletariado com
vnculos morais e culturais fortes com os seus pases de origem, a
segunda integrada
pelos valores do consumo mas expressando-se como gueto.
O PBF EM MONTES CLAROS
A Assistncia Social formalmente entendida como direito de
cidadania e dever do
Estado comeou a ser efetivamente realizada no municpio,
principalmente, a partir da
sua habilitao na Gesto Plena do SUAS (Sistema nico de Assistncia
Social),
cumprindo as diretrizes da IV Conferncia Nacional de Assistncia
Social, de dezembro
de 2003, alm da adeso do municpio ao Bolsa Famlia. Montes Claros
foi dos
primeiros municpios do Brasil a cumprir os requisitos para tal,
junto ao Ministrio de
Desenvolvimento Social e Combate Fome (MDS). Segundo dados do
MDS, um
pouco mais de das cerca de 80.000 famlias estimadas, metade,
praticamente,
cadastrada, que l residem recebiam benefcio do PBF, em 2010,
conforme Tabela
abaixo.
Tabela 1
Famlias cadastradas e beneficiadas pelo PBF em Montes Claros -
2010
Populao Total do Municpio 358.271
Estimativa Famlias Pobres - Perfil Bolsa Famlia (PNAD
2006) 17.283
Estimativa Famlias Pobres - Perfil Cadastro nico (PNAD
2006) 34.283
Total de Famlias Cadastradas* 39.752
Total de Famlias Cadastradas - Perfil Bolsa Famlia** 32.389
Nmero de Famlias Beneficirias do Programa Bolsa Famlia
20.917
-
14
Fonte. Secretaria Nacional de Renda e Cidadania. MDS. Governo
Federal.17
A MODERNIZAO PERIFRICA
O carter conservador, controlado, pelo alto (Werneck Vianna),
regulado
(Wanderely G. dos Santos), anmalo (Jos de Souza Martins),
precrio (Jess de
Souza) da modernizao brasileira um elemento importante e
constante na anlise da
nossa histria poltica e social, todos se referindo sobrevivncia
e funcionalidade de
formas arcaicas e profundamente inquas de relaes sociais,
mantendo ou
aprofundando uma relativamente enorme desigualdade.
Caracteriza-se, antes de tudo,
por promover mudanas substantivas nos processos de produo e no
mercado de
trabalho, modernizar a agricultura e promover um grande
crescimento econmico,
mantendo os privilgios de classe e grupos e, mesmo, atualizando
sistemas formalmente
arcaicos, como a escravido18
. Ao Estado, sempre, nestes processos, coube um papel
fundamental, seja regulamentando, cooptando ou abertamente
reprimindo fsica e
culturalmente as potenciais expresses polticas de dissenso ou
representaes de
interesses autnomas, tal como uma acumulao original (Marx) que
teimava em se
atualizar. A coeso social, assim, obtinha-se pela obedincia,
violncia particular ou
estatal, subservincia aos pais dos pobres, ou por concesses
seletivas e controladas,
quando, eventualmente, dava-se os anis mas se garantia os dedos.
O preo social foi
uma profunda desigualdade e a produo e reproduo contnua de uma
massa de
pobres e miserveis que, nos processos relativamente recentes de
urbanizao e
aprofundamento da individuao, vieram a bater nas portas dos
estratos mdios e
superiores de renda. Se antes, havia o quilombo, o meeiro, o
posseiro, h agora o
favelado, incontido, j, nos morros ou nas longnquas periferias,
h os meninos e
meninas nas ruas, vendendo e ou consumindo crack19
, inserindo-se no consumo na
marra, por meios ilcitos ou no, violentos ou no, tais como os
vendedores ambulantes
e milhes de biscateiros do dia a dia, subproletarizados. J,
provavelmente, so cerca de
17
http://www.mds.gov.br/adesao/mib/matrizviewbr.asp?, acessado em
17/06/2010
18 Ainda h hoje, no Brasil, formas similares escravido ou
servido, frequentemente atualizadas.
19 Estima-se que haja hoje no Brasil cerca de um milho e
quinhentos mil consumidores desta droga
fulminante, um subproduto da cocana.
http://www.mds.gov.br/adesao/mib/matrizviewbr.asp?
-
15
500.000 os indivduos encarcerados20
. Milhares de jovens emigraram, exportando sua
precariedade para os Estados Unidos, Japo e Portugal,
principalmente. Ao contrrio
dos precarizados europeus, os perifricos o so h sculos.
A questo que se coloca hoje , diante de persistentes indicadores
sociais positivos
(IPEA, 2010), que mostram crescimentos da renda do trabalho, da
escolaridade, reduo
da desigualdade, da desocupao, h alguma novidade nesta nova
insero do Brasil no
processo de modernizao mundializado? O que o PBF tem a ver com
isso tudo? Se
antes houve, como se disse, as favelas e bairros ilegais, os
emigrantes, a periferizao
das cidades, o que h de novo para alm da formao de um mercado de
trabalho mais
dinmico, espacialmente descentralizado e, talvez, menos exigente
e menos
precarizante? A pobreza da periferia no nova. O que faro os
excludos, para onde
iro?
Trata-se, agora, o que prope esta pesquisa, de compreender como
as tenses da
modernidade (GIDDENS; DUBET; MARTUCCELLI) entre hierarquia e
igualdade,
liberdade e mrito, aspiraes e possibilidades operam na
modernidade perifrica, em
um momento de expanso do capitalismo brasileiro, quando se
vislumbra a integrao
do subproletariado. Para os usurios do Bolsa Famlia, que, quase
sempre, esto nas
franjas ou exilados do mercado de trabalho, o programa significa
caminho consciente
para a autonomia pelo mercado de trabalho, ou mesmo como
atividade no sentido do
quaternrio, pelo consumo ou pela subordinao / humilhao? Como
estas eventuais
tenses se expressam, configuram-se estandardizadas social e
culturalmente? Pretende-
se, ento, compreender as dinmicas sociais e culturais
desencadeadas no processo de
apropriao do PBF, para alm dos aspectos econmicos e de
indicadores objetivos
INDIVIDUAO E APROPRIAO
A modernizao vivida atualmente pela Amrica Latina, em geral, e
pelo Brasil, em
particular, ocorre sob um processo de radicalizao da
individualizao (Borj &
20
A populao carcerria brasileira cresceu 89%, entre os anos de
2000 e 2008, segundo relatrio do
Conselho Nacional de Justia (CNJ), divulgado em sua pgina na
internet. De acordo com o documento, o
total de presos provisrios ou de Justia, confinados em
estabelecimentos prisionais ou em delegacias
policiais saltou de 232.755 para 440.013, nesse
perodo.(http://www.jusbrasil.com.br/noticias/772915/populacao-carceraria-so-cresce-no-brasil).
http://www.jusbrasil.com.br/noticias/772915/populacao-carceraria-so-cresce-no-brasil
-
16
Martuccelli, 2008), que, afinal, caracteriza o Ocidente, j
apontado tendencialmente por
Simmel e Tocqueville, onde igualdade secularizao impe-se
ameaadoramente a
responsabilizao e controle de si, com profundas repercusses na
necessidade de
reconhecimento (Honnet, 2003), autenticidade (Taylor, 2009) e
reflexividade (Giddens,
1994). Na debilitao das instituies socializadoras, a experincia
e escolhas do ator
condensam, em certo sentido, e mais veementemente em momentos,
incidentes e
eventos (Martuccelli, 2008), tempo e espao, diacronia e
sincronia, estrutura e ao, ator
e sistema, classe e indivduo. As biografias, assim, so intersees
dinmicas
determinadas e determinantes, onde papis pr-estruturados so
refeitos ou
abandonados, por insuficientes ou inadequados.
A idia de apropriao vincula-se fortemente de individuao,
refere-se mobilizao
de respostas adaptativas, ajustes, aos desafios e expectativas,
em meio ao incerto e ao
risco que as circunstncias na sua trajetria, as provas, impem
aos indivduos21
, que se
apossam de recursos, ajudas, utilizam amortecedores, estabelecem
estratgias e
atribuem sentidos s aes, constituindo realidades inditas,
figuraes sociais que, por
seu lado, passam tambm a dinamicamente constrang-los. Em geral,
estas relaes e
figuraes se estabelecem tensionadas em meio a sistemas de normas
com os quais o
indivduo comea o jogo, respeitando, transgredindo ou
tangenciando-os. Em contextos
onde a tradio, a repetio, a hierarquia valorativa, os papis
rgidos e pr-
determinados, a obedincia esto presentes e predominam, onde a
expectativas deles
derivadas encontram um ambiente frtil para se satisfazerem, no h
lugar significativo
para a reflexividade nem, portanto, para a apropriao.
A apropriao, assim, nesta pesquisa, a forma concreta e singular
como cada indivduo
se relaciona com os amortecedores que pode mobilizar , pois cada
um de ns no s
tem, como vive uma biografia organizada reflexivamente em termos
de fluxos de
informao social e psicolgica acerca de possveis modos de vida. A
modernizao
uma ordem ps-tradicional, na qual a pergunta como hei de viver?
tem de ser
respondida atravs de decises dirias acerca de como comporta-se,
o que vestir e o que
comer e muitas outras coisas bem como interpretadas no
desenrolar temporal da
auto-identidade. (GIDDENS, 1994: 19).
21
Martuccelli, 2006
-
17
O conceito de prova um operador analtico que o pesquisador
pretende utilizar para
apreender a complexa dinmica acima introduzida, que, na
modernidade, tendem a
aumentar a singularizao do actor. Segundo o socilogo franco
peruano Danilo
Martuccelli22
, que a introduziu e utilizou em uma pesquisa23
, uma prova tem, enquanto
tal, quatro facetas: ... el actor percibe las pruebas, tiene que
enfrentarlas, en cada una
de ellas es objeto de seleccin ms o menos abierta, y el conjunto
de todas elles define
un sistema estandarizado de pruebas. ; dois nveis: um, o da
percepo consciente do
ator, onde o individuo da conta dos eventos mais ou menos duros
de sua vida, como las
vive y como las puede relatar; outro, ...la manera como la
sociologia pude dar cuenta
de los cambios estruturales bajo la forma de una prueba y ello
ms o menos a distancia
(pro jams em rupturama) com la conciencia del actor. Dos
conjuntos de instituies
que modelam com profundidade os atores sociais, ele reconhece em
quatro maior
significao: a escola, o trabalho, a cidade e a famlia. Um
segundo grupo, que
concerne a provas que remetem a certas dimenses de vnculo
social, ele identificou
outras quatro: a relao com a histria; a relao com os coletivos;
a relao com os
outros; e a relao consigo mesmo. Segundo o autor, estas ochos
pruebas, de ninguna
manera exhaustivas, definen o mnimo comn denominador del sistema
estandarizado
de pruebas em accin em la sociedad francesa actual. Os
indivduos, ainda segundo
Martuccelli, na interseo, combinao, das lgicas do capitalismo e
a da interveno
do Estado, ocupam, no caso da sociedade francesa, posies
estruturais, segundo o
tipo de acesso que tm ao dinheiro: os dirigentes; os
competitivos; os protegidos; os
precrios; e os excludos; e fabricam lugares estados sociais no
interior ou entre
estas posies estruturais. Estes estados sociais, em geral sob o
controle dos atores,
possibilitam aos indivduos uma blindagem, fabricar um ...entorno
que lhes permite
enfrentar em mejores condiciones las pruebas de la individuacin
sin que ello, empero,
modifique la posicin estructural que es la suya. Estes estados
sociais, por seu lado,
22
O resumo simplificado da complexa articulao de noes que
constituem o operador analtico prova
que se segue baseado em um conjunto de palestras do autor feitas
em setembro de 2006, em Lima, Peru,
intitulado Leciones de sociologia del individuo, do qual o
pesquisador tem uma transcrio sem
indicao de editor ou pginas. Entretanto, este texto foi adaptado
e publicado pela editora Lom
Ediciones, de Santiago, Chile, em 2007, sob a forma de livro com
o titulo Cambio de Rumbo: la sociedad
a escala del individu, ao qual o pesquisador ainda no teve
acesso. Os trechos traduzidos so de
responsabilidade exclusiva do autor deste artigo.
23 MARTUCCELLI, Danilo. (2006) Forg par lpreuve: lindividu dan
la France contemporaine. Paris:
Armand Colin.
-
18
so caracterizados segundo os amortizadores e os lugares. Os
amortizadores so de
quatro tipo: infraestrutura (conjuanto de direitos sociais e
politicos); recursos (meios,
capitais econmico, social, cultural - que esto constantemente
sob controle do
individuo); as ajudas (apoio condicionado, no universal, que
decorre da deciso de
outro ou da demonstrao da indigncia, por exemplo); suportes
(familiares, afetivos).
Os lugares reas socioespaciais, transversais s posies
estruturais, e nas quais se
abrigam os indivduos as bolhas, o nichos; o dique, o escudo. As
provas,
finalmente, no aspecto de sua temporalidade, podem ser
reversveis ou irreversveis,
constituir-se como centralidade, hegemnica; produzir mais ou
menso tenso; resultar
em descontrole.
Procurar-se-, ento, compreender e apreender novos espaos de
sociabilidade e de
sentido des-hierarquizados - construdos e ou apropriados pelos
indivduos, face ao
enfraquecimento das formas clssicas de integrao, controle,
socializao24
.
.O PBF, funciona, tambm, eventualmente, como marcador, critrio
de focalizao,
quando a condio de beneficirio obrigatria ou preferencial para a
elegibilidade em
outras polticas pblicas, como habitao, segurana alimentar,
ampliando a sua
capacidade de constituir-se como amortecedor e meio de acesso
recursos e ajudas.
.
OBJETO DA PESQUISA
A pesquisa encontra-se em um momento nascente, onde intuies e
leituras recentes se
fundem experincia como gestor e ao horizonte terico cristalizado
/ tensionado no
pesquisador. Da, o carter necessariamente, digamos, exploratrio
e conjectural das
afirmaes e estratgias tericas e metodolgicas, das reflexes que
seguem. Este
artigo, adverte-se desde j, objetiva a discusso para o seu
aperfeioamento no processo
mesmo de definio de seu enquadramento terico metodolgico.
24 El debilitamiento de los grandes mecanismos sociales,
culturales y polticos de integracin societal invita a efectuar una
apuesta en direccin de las capacidades de accin y de las
iniciativas de los
individuos y su potencial impacto virtuoso sobre las
instituciones. Por paradjico que ello parezca en un
primer momento, el individuo y la bsqueda de su
autonoma, y el nfasis que ello supone en la iniciativa personal
em detrimento de la nocin de
resignacin, es cada vez ms el cemento de la sociedad.
(Martuccelli, 2008, XXV)
-
19
H inmeros e excelentes trabalhos de avaliao25
do PBF que abordam desde a
compreenso sobre sua natureza e a dos Estados e governos que o
patrocinam at,
especialmente, seus impactos objetivos sobre a pobreza e a
extrema pobreza, a
desigualdade, segundo a renda, gnero, emprego, escolarizao
(frequncia e
permanncia), empoderamento feminino, propenso para o trabalho,
regio do Pais,
alimentao das famlias, sobre o PIB etc.
Nesta pesquisa, que pretende ser complementar a estas
abordagens, procurar-se-
compreender como os utentes se apropriam subjetiva e
objetivamente - do programa
(e aqui pensa-se na renda, nas condicionalidades,
acompanhamentos e aes
complementares para as quais a famlia utente elegvel
preferencialmente), qual o seu
significado nas suas vidas face s inmeras provaes s quais devero
ou esperam
enfrentar ou enfrentaram, e como esse desempenho pode
manifestar-se como
mobilidade e ou novas figuraes scio-espaciais, derivadas de
condutas normativas,
contra-normativas ou alternativas (BALSA, 2004), como exit ou
voice (Sorj e
Martuccelli, 2008: XV).
Incialmente, pode-se dizer, grosso modo, que, mesmo entre
aqueles, praticamente todos,
que avaliam positivamente o PBF, o fazem sob pressupostos, s
vezes, antagnicos,
particularmente ao se debruarem sob os efeitos na subjetividade
e suas
consequncias, como estigma ou, por exemplo, acomodao, fortemente
vinculados
idia do programa como mediador para dentro ou para fora do mundo
do trabalho, ou
articulado com a idia da responsabilizao sobre si. A questo, em
geral no explorada
empiricamente em profundidade, situa-se na capacidade de haver
uma reunificao no
capitalismo avanado da produo e renda, entre trabalho e
integrao, que resulte em
coeso social, e na capacidade de o PBF atuar ativa e
positivamente sobre estas
relaes, com nfase na dimenso subjetiva do ator e nos seus
recursos morais e
culturais em confronto com a competitividade da modernidade,
especialmente, no caso
em pauta, perifrica. Nesta perspectiva, os temas da
reversibilidade (obtida e mantida
25
No portal do MDS h mais de 100 artigos sobre o programa, com
acesso livre para o usurio.
Instituies com o IPEA, FGV e CEDEPLAR-UMFG produzem trabalhos de
alta qualidade cujo escopo
o PBF. Por estar em fase intermediria de fichamentos, o autor
prefere no citar trabalhos especficos.
Esta classificao tem carter provisrio e pode mudar no decorrer
da investigao.
-
20
sob condicionalidades26
ou irrestritamente acessada) da renda, seu montante
(suficiente
para uma famlia sobreviver ou deliberadamente apenas
complementar), sua cobertura
(universal ou focalizada), seus critrios de corte (renda
percapita ou outras dimenses
que encerram a pobreza), seu financiamento (obrigatria, como
direito indiscutvel ou
segundo as disponibilidades oramentrias27
), seus objetivos (contra a fome; formao
de capital humano; separao estratgica do trabalho e produo) e
sentido e
funcionalidade sistmica (reativao da economia pelo
fortalecimento do mercado
interno; coeso social; solidariedade), em geral, atravessam as
polmicas. Obviamente,
estes aspectos no so necessariamente, todos, excludentes ou
antagnicos, admitem
inmeras (mas no todas28
) combinaes segundo os efeitos ao longo do tempo, em
curto, mdio e longo prazo.
Em certo sentido, h aqueles, como Ulrich Beck, com sua idia de
trabalho cvico
(2007:176 ), e Jean Marc Ferry (1997) e o setor quaternrio, que
entendem como
fortemente provvel - e propem, simplificando, o aprofundamento
nesta direo a
separao da economia e da coeso social com o trabalho, o emprego
e a renda; e, de
outro, aqueles que vinculam esta separao a capitais humanos
insuficientes ou
inadequados, transmitidos intergeracionalmente, que podem, a
partir de um esforo de
fora, pelo Estado, ser adquiridos ou garantidos especialmente
para a os mais jovens,
para a prxima gerao (Marcelo Nery, 2010; e CEPAL, 2010) . Nesta
perspectiva,
interessa observar um dado muito recente sobre o aumento e a
mudana da composio
relativa da renda dos brasileiros nesta dcada atual. Houve um
importante aumento da
26
...no se pode deixar de levantar a possibilidade de que famlias
sejam punidas em razo da
incapacidade de muitos municpios em manter atualizado o repasse
da informao ao MDS. ...os
municpios brasileiros ainda tm apresentado muitas fragilidades
na ofertra de servios de educao e
sade, comprometendo o processo de implementao das
condicionalidades do PBF.(SENNA, Mnica
et all, 2007:5)
27 O PBF estabelece Segundo critrios de renda per capita e nmero
de crianas e adolescentes quem
elegvel e qual o montante da renda a repassar. Entretanto, o
acesso real ao benefcio depende da
disponibilidade de recursos oramentrio. H inmeros municpios onde
h uma discrepncia entre os
inscritos que reclamam a renda e a meta definida
estatisticamente pelo programa. H ainda a
possibilidade de grupos especficos, segundo outros critrios,
obterem a renda.
28 Claramente, los efectos en la pobreza y la desigualdad
distributiva del ingreso de los programas de
transferencias condicionadas dependen de su grado de
focalizacin, de su cobertura y del monto de las
transferencias monetarias. Frente a recursos limitados, las
opciones no son simples en la medida que hay
que elegir entre el aumento de la cobertura de la poblacin
beneficiaria o del monto de las transferencias
(CEPAL, 2010: 196)
-
21
capacidade de consumo dos estratos de renda inferior29
, e, ao mesmo tempo, um
aumento da participao na renda da famlias das transferncias do
governo.
Uma possvel e eventual subcultura da pobreza (Lewis), ou habitus
precrio incorporado
(Jesse) j no se sustentam em uma sociedade moral e formalmente
profundamente
igual, sendo insustentvel qualquer hierarquizao naturalizada,
onde acredita-se, cada
vez mais, que todos so iguais. A massificao do consumo e a
padronizao de
modelos estticos (DUBET, 2003: 41) como elementos de uma
individuao irresistvel
coloca novas questes tericas, metodolgicas e, tambm,
polticas.
H, pode haver, j, mesmo, na adoo de uma bolsa, um reconhecimento
tcito da
incapacidade, como causa da condio, de o indivduo pobre superar
normalmente sua
posio, e os constrangimentos que a mantm, as condies e
rotulagem, serem vividos
como humilhao30
e ou clientelismo31
. H, por outro lado, ainda, um reconhecimento
29
Segundo publicava o Jornal Estado de Minas, em sua edio de
07/04/2012, referindo-se a pesquisa da
Cetelem do Brasil , Entre 2005 e 2009, as classes D/E, que
representavam 51% da populao brasileira,
caram para 35%. Alm disso, a renda familiar mdia dessa classe
subiu de R$ 650 para R$ 733, entre
2008 e 2009. Em 2009, 8,9 milhes de brasileiros fizeram as malas
e migraram da classe D para a C, que
soma agora um pblico de 92,8 milhes de pessoas, ampliando sua
participao para 49% da populao.
Os dados so da Cetelem, financeira do grupo francs BNP Paribas.
O estudo revela que, juntas as classes
C, D e E, alavancaram um recorde na renda mdia das famlias, que
alcanou a maior cifra da histria, de
R$ 1.285. O conceito da pesquisa da Cetelem leva em considerao
itens como a posse de
eletrodomsticos, carro de passeio e grau de instruo do chefe da
famlia. O IBGE publicou sua
Pesquisa de Oramentos Familiares que houve um aumento importante
da participao de recursos
oriundos de trasnferncias governamentais na renda do brasileiro,
que comparativamente ao perodo
2002-2003, aumentaram de 15% para 18,5%. Certamente, este
crescimento ocorre pelo aumento real do
salrio mnimo, que indexa boa parte dos aposentadorias e
benefcios, como o BPC, e da expanso do
Bolsa Famlia. No perdo em que a renda do trabalho cresceu 9,0 %,
as transferncias cresceram 36%. A
participao da renda do trabalho viu reduzida sua participao de
62% para 61,1 %.
(IBGE POF 2008-2009, disponvel em
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1648&id_pagina=1)
30 as desigualdades de estatuto so determinadas pelas formas
desiguais de troca e que a igualdade
pressupe a reciprocidade. Tudo se passa como se, no esprito dos
revolucionrios, assomo como nos dos
nossos contemporneos, a assistncia no fosse verdadeiramente
concebida como o pagamento da dvida
da sociedade, mas como um dom. Os homens esgotam-se ento na
exigncia de uma contrapartida e
esmagam o beneficirio com todo o poder do seu dom. Esta atitude
ainda menos suportvel do que a
caridade ou a beneficincia que , no passado, introduzia ummotivo
religioso, um terceiro ausente que
mediatiza a fora da destruio presente no dom. Numa sociedade
laicizada, o dom revela-se ainda mais
perigoso. eles pensam insuflar o civismo mas de facto
arruinam-no, visto que o beneficirio s tem a
escolha entre duas atitudes: seja a humilhao do dom sem
contrapartida (...); seja a manha dos maus
pobres, dos malandros... (MADEC; MURARD, 1995:100)
31 A cidadania a qualidade dos homens que pensam ser governados
por si prprios, que dependem deles
mesmos. por isso, ao inverso, que a cidadania perde o seu
sentido e a democracia a sua fora, se a
sociedade reduzida ao social, se, por exemplo, alguns so to
dependentes de outros que esto prontos a
alienar-lhes o voto, ou, se no votam, a alienar-se as decises.
Isto chama-se clientelismo e desenvolve-se
de modo clandestino, ao mesmo tempo que a economia paralela
ousubterrnea. ... O clientelismo , por
excelncia, a reduo do poltico ao social. (MADEC; MURARD,
1995:95)
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1648&id_pagina=1
-
22
de que o sistema naturalmente no produz a incluso, que deve ser
produzido pelo
Estado, desde fora. O excludo integrado pelo consumo que se
descola do trabalho,
da atividade, do trabalho cvico (Beck), do trabalho mecnico
(Ferry). H aqui de
quebrar a inevitabilidade de rotulao, ou seja, do efeito
perverso32
no plano da
subjetivao e identidade, por estigmatizante que a prpria
concesso da bolsa implica,
simmelianamente: pobre aquele que assistido, que pode ser visto
como humilhado,
subornado no interior de sistemas de favores e reciprocidades,
cooptado, como elemento
de uma nova regulao, agora pos-fordista, mediada pelo consumo,
incorporando pelo
dinheiro ao sistema. O excludo, assim, se transforma no outro,
no habitante de Sirius
na conscincia burguesa (Simmel, 2004: 134), para alm da
distancia e da proximidade.
METODOLOGIA
Ainda que se saiba que sempre se estar de um lado (BECKER,
)33
, a
objetividade, no fundo, depende da liberdade, apenas o
estrangeiro est livre para
ser plenamente objetivo. H, desta forma, que se tornar
estrangeiro do prprio
tema, paradoxalmente, para compreend-lo. (Simmel, 2004: 136). No
cabe, assim,
amesquinhar o debate em termos de bolsa esmola ou contra s quem
nunca passou
fome, nem reduzir a crtica a avaliaes segundo critrios
administrativamente
definidos. No se pretende, ento, demonstrar teoricamente o
engajamento apologtico
e acrtico, ainda que o autor declare, desde j, uma posio poltica
de defesa e
aprofundamento do programa e a indignao face desigualdade e
injustia que
caracterizam secular e seletivamente a sociedade brasileira. Em
uma pesquisa em que
se combinaro tcnicas qualitativas e quantitativas, mtodos
indutivos e dedutivos,
pretende-se, sobretudo, compreender honestamente, segundo os
critrios da cincia, os
processos sociais que possivelmente so desencadeados e de alguma
forma vinculados
a esta relao especfica entre o Estado, o mercado e a sociedade,
que o PBF expressa.
32
... ao mesmo tempo que incentiva os sujeitos precrios a
autonomizarem-se, o Estado infantiliza-os,
controlando-os, provocando um efeito contrrio ao pretendido.
(Bajoit, 2006 :65)
33 De que lado estamos? o ttulo do captulo 7 do livro de Howard
S. Becker, Uma Teoria da Ao Coletiva. (BECKER, 1977). Nele, o autor
reflete sobre implicaes terica e metodolgicas desse bias,dessa
parcialidade constitutiva da investigao sociolgica.
-
23
Feita esta advertncia inicial, esclarece-se que a pesquisa, em
carter obviamente inicial,
ainda que considerando a vivncia espontnea intensa do
pesquisador com o tema e o
programa, pretende combinar recolhas estatsticas, documentais,
observaes diretas e
entrevistas em profundidade, em um processo cronolgico e lgico
de recortes e
aproximaes orientados e sucessivos. A contextualizao da cidade
de Montes Claros e
a tentativa inicial de esclarecimento de uma relao que julgo
especial do governo e do
personagem Lula com o PBF e o povo objetivam estabelecer um
parmetro inicial
para uma avaliao da validade de um esforo comparativo que poder
ser levado a
cabo, em um momento posterior, entre Lisboa e Montes Claros.
Essa jornada emprica,
entretanto, se subordinar ao necessrio aprofundamento terico e
metodolgico prvio
que, por seu lado, deve ser ancorado em sistemticas observaes
exploratrias, como
algumas j expostas neste documento.
Por ser a famlia, com precedncia para a figura da me, o sujeito
por excelncia do
programa, uma dificuldade tcnica adicional se impe, pela
complexificao desta
configurao social e da dimenso de gnero. Os papis sociais esto
em crise, os
indivduos obrigados a reconstruirem / reiventarem-nos constante
e sucessivamente.
Provavelmente, haver uma relao recproca entre uma coisa - o fato
de ser utente do
PBF e outra o tensionamento entre o papel previamente
estruturado (como o de pai
provedor, por exemplo). H mesmo, como j cito no corpo do
pr-projeto atual, uma
pesquisa que conclui pelo empoderamento das mulheres enquanto
tal como um das
implicaes do PBF.
O processo de investigao sociolgica faz-se cronolgica e
dinamicamente no dilogo
tenso entre polaridades (teoria, epistemologia, tcnicas e
desenho do projeto) a
desenrolar-se no de forma linear, com etapas lgicas cumulativas
e sucessivas, mas de
forma espiralada onde cada plo pode (e deve) realimentar os
outros, obrigando o
pesquisador a recuos e retornos que, eventualmente, podem
redefinir parcial ou
totalmente seu projeto . De certa forma, isto reproduz na
dimenso epistemolgica o
dilema sociolgico do ator da modernidade apontado por
Bajoit34
, obrigando a
34
Comment les individus contemporains grent-ils la tension entre
leur conditionnement socioculturel et leur dsir de libert ?
(Bajoit, 2010)
-
24
operaes delicadas no manejo das polaridades acima referidas, na
perspectiva da
cienticificidade. Bourdieu, ao opor teoria terica e teoria
cientfica, afirma que esta
apresenta-se como um programa de percepo e de aco s revelado
no
trabalho emprico em que se realiza. Construo provisria elaborada
para o
trabalho emprico e por meio dele, ganha menos com a polmica
terica do que
com a defrontao com novos objectos. Por esta razo, tomar
verdadeiramente
partido da cincia optar, asceticamente, por dedicar mais tempo e
mais
esforos a pr em aco os conhecimentos tericos adquiridos
investindo-os em
pesquisas novas, em vez de os acondicionar, de certo modo, para
a venda,
metendo-os num embrulho de metadiscurso, destinado menos a
controlar o
pensamento do que a mostrar e a valorizar a sua prpria
importncia ou a dele
retirar directamente benefcios fazendo-o circular nas inmeras
ocasies que a
idade do jacto e do colquio oferece ao narcisismo do
pesquisador.
(BOURDIEU, 2004:59)
certa diluio horizontal (saberes) e vertical (disciplinas) antes
defendida pelo autor,
ope-se, agora, a admisso de uma tenso a exigir, ao contrrio de
um negligenciamento
dos fatos, um esforo terico e tcnico brutal para sua apreenso,
mesmo considerando
que no existe um dado puro, ingnuo, pois sua recolha pressupe
situaes e noes,
mesmo no mais matematizado e quantitativo dos procedimentos,
pois recortam o real e
ocultam / revelam escolhas ou valores e prioridades polticas e
ou tericas ou
sucumbem a constrangimentos casuais ou convenincias. Este
esforo, o autor o
apreende analogicamente como a criao de uma obra de arte35
, uma escultura, por
exemplo, cuja matria bruta, sua matria-prima / mundo deve ser
cuidadosamente
recortada com instrumentos e gestos cada vez mais delicados que,
medida que avana
o processo prtico, recortando camadas, na construo da obra,
exige mais cuidado e
refinamento36
. No h aqui, como separar teoria e tcnica, mediaes entre as
intenes
35
Neste caso, para deixar bem claro, uma obra de um artista
iniciante, ainda que j em fase adiantada da
vida. A circunstncia de mudana do perfil demogrfico atual (re)
anima o autor.
36 Em uma entrevista recente, o cineasta Eryk Rocha, falando de
Pachamama, seu filme de viagem pela
Amaznia brasileira, como traduz o reprter, comenta sobre seu
processo de produo onde deixou os
personagens, todos acidentais, falarem, para, apenas ao final,
com mais de 48 horas gravadas, montar o
-
25
do autor e o mundo / material que se lhe apresenta. E,
certamente, toda obra ser
indelevelmente impregnada pela singularidade do autor,
claramente reconhecidas nas
artes, tensionadas, esta singularidade, pelas fases, que, de
alguma forma, so
incorporaes mais ou menos radicais e diludas de novas
experincias, valores,
tcnicas, temas e suporte que a vida e cada vez mais as escolhas
inescapveis (em um
ambiente de intensa pluralidade programtica) impem ao sujeito.
Nesta perspectiva,
grosso modo, a cincia est para a arte assim como o senso comum
est para o
artesanato: neste, a beleza exprime-se na repetio orientada pela
tradio, onde os
objetos produzidos primam pela semelhana quase absoluta,
reproduzidos anos a fio, de
geraes em geraes; no primeiro, h o tensionamento permanente pelo
ineditismo e
singularidade, pela criao individualizada e individualizante, a
falsificao ou imitao
(plgio) o cmulo da negatividade. Tradio e modernidade, indstria
e projeto,
instituio e indivduo, comunidade e sociedade. O indivduo da
modernidade - o
cientista (e artista) como modelo supremo-, tensionado no
interior da ordem e
desordem, construo e desconstruo, previsibilidade e risco,
comunidade e
autenticidade, condicionamento e liberdade.
Claro, o terico e o emprico (entendido este como um esforo
persistente para
apreender a realidade em seu fluxo complexo e constante
conferindo ao social uma
fluidez multideterminada de difcil cristalizao espaao-temporal
em qualquer esquema
totalizante ou simplicador unidimensional. De qualquer forma, ao
emprico quase
sempre antecede o enunciado.) se determinam reciprocamente,
indicando ao
investigador que no negligencie nenhuma das dimenses
constitutivas do fazer
cientfico, muitas vezes identificadas como dimenses terica e
metodolgica,
inseparveis, de fato.
Outro aspecto, ainda, que se considera importante enfatizar,
especialmente quando se
analisa polticas pblicas, como o PBF, refere-se aplicabilidade
do conhecimento
sociolgico, e nos riscos que h em uma naturalizao das noes
administrativas como
fatos ou operadores analticos, principalmente quando o
pesquisador tambm gestor,
filme, traduzi-las em cerca de duas horas. Mas ainda que queira
deixar falar o Brasil e Amrica Latina
profundos, ele escolheu o roteiro e o calendrio da viagem, ele
operou a cmera, orientando o foco. E a
ele caber, incontornavelmente, editar, inventar sua histria,
reinventando a realidade. (O Estado de So
Paulo, edio de 25 de fevereiro de 2010). Tal como na arte, a
cincia deve condensar tempo e espao em
algumas pginas ou, ate com mais eficincia, em uma frmula ou lei
geral.
-
26
ou tem intimidade com o tema, como ator (aqui, relembramos a
objetividade como
liberdade, a do estrangeiro de Simmel). importante superar
desconfianas de parte a
parte, entre a academia e o restante da sociedade, que supere a
percepo de uma
suposta inutilidade do desenvolvimento cientifico na rea das
cincias sociais (poesia,
filosofia), especificamente a sociologia. Ainda que no se
subordine imediatamente
ao mercado (entendido aqui como toda e qualquer demanda mais ou
menos imediata
por conhecimentos dos fenmenos sociais), h que superar
preconceitos e vislumbrar
que ainda que no seja usado diretamente, a sociologia, desde
sempre, objetiva seus
valores e noes na prtica social, constituio de um imaginrio e de
um mito que
conformam muito da identidade nacional de um povo. Ou seja, no
existe uma cincia
acima do bem e do mal que paire alm ou aqum dos interesses
mundanos. Importa,
assim, ter explcita relevncia poltica e social a um projeto de
investigao, com todo
os riscos que comportam os critrios de estabelecimento destas
condies.
Entretanto, h que ter prudncia. preciso, sempre, tensionar as
noes e padres
jurdicos, institucionais, administrativos e sociolgicos: os
critrios e meios de
validao de uns e outros so, em geral, distintos. A investigao
sociolgica no pode
se confundir com a consultoria, ainda que uma consultoria possa
se valer de uma
investigao sociolgica e uma investigao sociolgica de uma
consultoria.
De certa forma, esta discusso remete a outras dimenses, de
implicao
epistemolgica, mais culturais e polticas da
super(ps)modernidade, tais como a
idia de multiculturalismo, pluralismo e direito ao
reconhecimento, face presumvel
validade universal dos principios ocidentais sistematizados pelo
ilumismo cartesiano
e concretizados em inmeras instituies, noes e direitos,
naturalizados, tais como a
igualdade e dignidade de todos os seres humanos, o
desenvolvimento, o individualismo
etc. Estas noes e figuraes sociais apresentam uma srie de
contradies e desafios
ao pensamento sociolgico, ao pensar e operar sistematicamente
com conceitos tais
como identidade, desenvolvimento, desigualdade, pobrezas
relativa e absoluta, etc, pois,
como estabelecer critrios comuns entre povos e culturas
distintas? So os valores e
formas ocidentais, dentre elas a prpria cincia, as sociais, em
especial, universais ou
expressam apenas um determinado particularismo de validade
contingente? Como
articular identidades que confiram dignidade comum com base em
estatutos diferentes?
Esta questo obriga o pensamento sociolgico a se (re)posicionar
diante desta
-
27
emergncia do outro na discusso terica reivindicando validade. A
prpria noo de
processos tardios, perifricos, se, por um lado, ajuda a
estabelecer relaes de
interdependncias entre lugares distintos, corre, por outro, o
risco de validar hieraquias
evoluconistas onde um Ocidente situa-se como referncia ideal,
restando ao Outro se
definir pela ausncia ou incompletude, atraso.
Esquematicamente, esta pesquisa seguir a seguinte estratgia:
Combinao de trs
tipos de recolha de dados, alm da anlise documental: a) anlise
de dados secundrios
(Censo, PNAD, POF, Cadastro nico); b) Recolha de dados atravs de
questionrio
estruturado com amostra relativa aos utentes do PBF em Montes
Claros; b) realizao
de cerca de 100 entrevistas em profundidade e semi-estruturadas
com unidades-tipos de
utentes identificados na anlise dos questionrios.
O questionrio (tipologias) ser feito com cerca de 3000 famlias,
aplicado a
indivduos que sejam chefe, em um universo de 20.000 utentes do
PBF,
aproximadamente.
Os seguintes veios ou questes esto a inspirar a pesquisa e a
anlise:
O PBF como elemento de construo de previsibilidade, de sensao
relativa de
estabilidade, de instaurao de alguma rotina em meio misria e
riscos, e,
portanto, de confiana, estruturando as posies dos atores, ainda
que
hierarquizante e fundadora de, paradoxalmente, desautonomia,
diante da
mediao da poltica.
obsolescncia da exclusividade e centralidade do corte analtico
de classe
corresponde uma fragmentao da classe operria, de suas expresses
polticas e
culturais, e de sua capacidade em referenciar preponderantemente
processos de
identidades. A este estilhaamento do mundo na representao social
e no
cotidiano, radicalizado na modernidade perifrica, outras esferas
da vida passam
a estruturar processos de socializaes, subjetivao e
individuao.
A internalizao de significados e percepes dos utentes e de
processos
identidrios com base em relaes hierrquicas e assimtricas no
salariais, a
identidade de um sub-proletariado perifrico est calcada na
precariedade e
instabilidade. Ao invs de mltiplas identidades, identidade com
base na
multiplicidade e plasticidade, no contrap da vocao (Weber) e
disciplina
-
28
(Durkheim), ncoras morais da autonomizao e individuao modernas.
No se
trataria mais, ento, da vivncia de identidades polissmicas, mas
de uma
identidade flexvel, forjada, no caso dos precarizados
perifricos, em uma
experincia com frouxa ancoragem no mundo do trabalho.
A expanso do empreendedorismo como porta de sada do PBF, valor
e
subjetivao para a incluso o bom ser empregvel e o ruim o
empregado -
o micro-crdito ( Banco do Povo, CEFE etc a vida como negcio)
como um
elemento para a disseminao do ethos contidos na cit por projetos
para todos
os excludos. O catador de lixo como empreendedor cooperativo. O
ps-
fordismo perifrico no , agora, sanguinrio, mas cnico. Como os
atores agem
na conformao desta institucionalidade, que, a rigor, resulta,
ela mesma, dessa
ao, como parte do processo de construo de laos de confiana como
base de
um regime de justificao operando em um novo regime de
acumulao.
O carter derivado de uma identidade com base em confiana e
estabilidade e
no vinculado ao trabalho ou ao trabalho secundrio contm um
paradoxo: a
condio da estabilidade (estabilidade da relao) a prpria
precariedade. Ou
seja, o usurio do programa deixa de s-lo se tiver renda. Como o
utente (re)
age sobre as condicionalidades e portas de sadas do PBF. Como
isso opera na
dinmica da reproduo da pobreza segundo a auto-estima,
subjetivao,
provas e percepes?
Existe alguma relao que configure especificidades entre as
formas de
apropriaes do PBF segundo tipos, por exemplo, que combinem
gnero, idade,
tamanho do municpio, profisso, ocupao, tempo de permanncia
etc.?
possvel conjecturar sobre distintas mobilidades relacionadas a
diferenas
eventuais nas formas de apropriao segundo distintos atores
sociais (tipos
diferenciados no interior de um subproletariado) no interior
das
multideterminaes que marcam o processo de individuao. Por ser a
famlia,
com precedncia para a figura da me, o sujeito por definio do
programa, uma
dificuldade adicional se impe, pela complexificao desta
configurao social e
da dimenso de gnero. Os papis sociais que a constituem esto
tensionados,
os indivduos, postos a prova, obrigados a os reconstruirem /
reinventarem
-
29
constante e sucessivamente. Haver uma relao recproca entre uma
coisa - o
fato de ser utente do PBF e outra o tensionamento entre papis
previamente
estruturados (como o de pai- provedor e a mulher-me, por
exemplo)?
A grande diversidade de realidades socioculturais oferece
distintos recursos
materiais, simblicos e morais para os indivduos, derivando,
tambm da,
distintas formas de apropriao;
As capacidades institucionais e seus aparatos organizacionais e
tcnicos so
tambm distribudos desigualmente, ocasionando uma diferena
importante na
oferta de servios de proteo bsica e complementares, e de
controle social.
Estas especificidades sugerem diferentes modos de apropriao que
podem ser
apreendidas para alm de seus efeitos macroeconmicos e imediatos
na famlia.
Estas formas distintas, por seu lado, podem estar a conformar
distintos sistemas de
estratificao social. Quais estratgias, sentidos e formas de
solidariedade, que
mecanismos produzem os indivduos diante da condio de
assistido?
Na dimenso propriamente metodolgica, sob inspirao em uma
sociologia da
individuao, tenciona-se construir um caminho interpretativo das
entrevistas que
articule aspectos sistmicos com biografias, em uma perspectiva
de apropriao,
ascendente, fora dos padres de personagens sociais, que implcita
ou explicitamente
trazem uma relao de causalidade desde a estrutura social,
segundo uma lgica
descendente.
REFERNCIAS
BAJOIT, Guy. (2006). O papel da Confiana na Formao da Identidade
e do
Vnculo Social. In: BALSA, Casimiro (Org.) Confiana e Lao Social.
Lisboa:
Edies Colibri/CEOS.
BAJOIT, Guy. (2010). Conditionnement socioculturel et libert.
Mimeo
BALSA, Casimiro. (2006). Relaes de Confiana e Modalidades de
Lao
Social". In: BALSA, Casimiro (Org.) Confiana e Lao Social.
Edies
Colibrei/CEOS: Lisboa.
-
30
BALSA, Casimiro. Historicit, dure et temporalits des poitiques
et de
lintervention sociales. In: CHTEL, Vivianne (d). Les temps des
politiques
sociales. Pp. 185-198.
BAUDRILLARD, Jean. (2007). A sociedade de consumo. Lisboa: Edies
70.
BECK, Ulrich. (2007).Um nuevo mundo feliz: la precariedad del
trabajo em la
era de la globalzacin.Barcelona: Paids
BECKER, Howard S. De Que Lados Estamos ? In: Uma teoria da
ao
coletiva. Rio de Janeiro: Zahar, 1977, pp. 122-136.
BERETTTA, Regina C. S. & MARTINS, Lilia C. O. (2004)
Estado,
municipalizao e gesto social. In Servio Social e Sociedade.
N.77, Ano
XXV, Cortez Editora: Maro de 2004.
BOLTANSKI, L; CHIAPELLO, E. (1999). Le nouvel esprit Du
capitalisme.
Paris: Gallimard.
BOURDIEU, Pierre. (2004). O poder simblico. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil.
BRASIL . MPAS/SEAS. Lei Orgnica de Assistncia Social. Lei 8742
de 13 de
dez. 1993.
Brasil. (2004). Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate a
fome.
Secretaria Nacional de Assistncia Social. Poltica Nacional de
Assistncia
Social. Braslia, DF.
BRASIL. Constituio (1988). Constituio brasileira. Edio
administrativa do
texto constitucional promulgado em outubro de 1988, com alteraes
adotadas
pelas Emendas Constitucionais n. 1/92 a 31/2000, e pelas
Emendas
Constitucionais de Reviso n. 1 a 6/94. Braslia: [Senado
Federal], 2001.
BRASL. (2005). Ministrio de Desenvolvimento Social e Combate
Fome.
Norma Operacional Bsica. 01/2005. Braslia, DF.
CAMELO, Rafael de Souza et al. Alimentao, nutrio e sade em
programas
de transferncia e renda: evidncia para o Programa Bolsa Famlia.
Disponvel
em
www.anpec.org.br/.../000-0abcbf543b56b2e85c1c21898845e79b.pdf,
acessado em 18/06/2010.
CARVALHO, Maria do Carmo Brant de. (2005). Assistncia Social:
reflexes
sobre a poltica e sua regulao. V Conferncia Nacional de
Assistncia Social.
Braslia: CNAS.
http://www.anpec.org.br/.../000-0abcbf543b56b2e85c1c21898845e79b.pdf
-
31
CASTEL, Robert (2008). As metamoforses da questo social: uma
crnica do
salrio. Petrpolis: Vozes.
CASTEL, Robert (2006). Classes Sociais, Desigualdades Sociais,
Excluso
Social. In: BALSA, C; BONETI, L. W.;SOULET, M. (Org.) Conceitos
e
Dimenses da Pobreza e Excluso social. Uma abordagem
transnacional.
Lisboa /Ijui: Editora Unijui/CEOS
DIOGO, Fernando. (2007) Pobreza, Trabalho, Identidade. Lisboa:
Celta
Editora.
DUBET, Francoise. (2006). Integrao: quando a sociedade nos
abandona. In:
BALSA, C; BONETI, L. W.;SOULET, M. (Org.) Conceitos e Dimenses
da
Pobreza e Excluso social. Uma abordagem transnacional. Lisboa
/Ijui: Editora
Unijui/CEOS.
DUBET, Franois. (2003). As desigualdades multiplicadas. Ijui:
Ed, Unijui.
DURKHEIM, mile. (2008) A Educao Moral. Petrpolis RJ:
EditoraVozes.
FERRY, Jean-Marc. (1997) Pour une autre valorisation du
travail.Dfense et illustration du secteur quaternaire . Entretien
avec Jean-Marc Ferry par Olivier
Mongin dans la. In: revue Esprit, juillet 1997, n 234, p.
5-17
GIDDENS, Anthony. (1994) Modernidade e identidade pessoal.
Oeiras: Editora
Celta.
HARVEY, David. (1996). A condio ps-moderna: uma pesquisa sobre
as
origens da mudana cultural. So Paulo: Loyola.
IPEA.(2010) COMUNICADO IMPRENSA N. 31. PNAD2008: Primeiras
anlises: demografia, trabalho, previdncia.
IVO, Anete B. L. (2008). Georg Simmel e a sociologia da pobreza
. In:
CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 52, p. 171-180, Jan./Abr.
LAPA, Tiago. (2006). Quadros e trabalhadores no capitalismo
flexvel: uma
abordagem cultural e scio-cognitiva. CIES e-WORKING PAPER N
15/2006.
LIPIETZ, A. (1984). As transformaes na diviso internacional do
trabalho:
consideraes metodolgicas e esboo de teorizao. Espao e Debate.
Ano
IV, n. 12. So Paulo: Canopus Editora, p.66-93
MADEC, Annick; MURARD, Numa. (1995). Cidadania e Polticas
Sociais.
Lisboa: Instituto Piaget.
-
32
MARTUCCELLI, Danilo (2006), Forg par lpreuve. Lindividu dans
la
France contemporaine, Paris, Armand Colin (Individu et
socit).
MARTUCCELLI, Danilo. (2006). Forj par lpreuve: lndividu dans la
France
contemporaine. Paris: Armand Colin.
PAUGAM,Serge. 2003. A Desqualificao Social : Ensaio sobre a
Nova
Pobreza. Porto: Porto Editora.
PEREIRA, Anete Marlia. (2000). A urbanizao no serto
norte-mineiro:
algumas reflexes. In OLIVEIRA, Marcos Fbio Martins de;
RODRIGUES,
Luciene (Orgs.). pp 15-25. Formao social e econmica do norte de
Minas.
Montes Claros: Editora Unimontes.
PEREIRA, Anete Marlia. A urbanizao no serto norte-mineiro:
algumas
reflexes. Op. cit., p. 1525 e OLIVEIRA, Marcos Fbio Martins
de;
RODRIGUES, Luciene (Orgs.). Formao social e econmica do norte
de
Minas. Montes Claros: Unimontes.
PEREIRA, Laurindo Mkie. 2007. Em nome da regio, a servio do
capital: o
regionalismo poltico norte-mineiro. Tese (Doutorado em
Histria),
Universidade de So Paulo, FFLCH, So Paulo.
Perfil dos Municpios brasileiros. Assistncia social 2005 / IBGE,
Coordenao
de Populao e Indicadores sociais. Rio de Janeiro: IBGE,
2006.
RODRIGUES, L. & BALSA, C. M. (2008). Estado de bem-estar
social e
territorializao das polticas de combate pobreza no Brasil e
Portugal. In:
Revista Caminhos da Histria,v. 13, n. 1. Montes Claros:
Unimontes, pp. 67-82.
SCHNAPPER, Dominique. (1998). Contra o fim do trabalho. Lisboa:
Terramar.
SCHWARTZMAN, Simon. Bolsa Famlia : mitos e realidades . In :
Interesse
Nacional, ano 2. N. 7, Dezembro de 2009, Pp. 20-28.
SIMMEL, G. (2004). Fidelidade e gratido e outros textos. Lisboa:
Relgio
Dgua Editores
SINGER, Andr. (2009). Razes sociais e ideolgicas do lulismo. In.
Revista
Novos Estudos Cebrap, n. 06, novembro de 2009, pp 82 a103.
SORJ, Bernardo; MARTUCCELLI, Danilo. 2008. El desafio
latinoamericano:
cohesin social y democracia. Buenos Aires: Siglo XXI Editora
Iberoamericana.
-
33
SOULET, Marc-Henry (2006). Confiana e capacidade de aco. Agir
em
conexto de in-quietude. In: BALSA, Casimiro (Org.) Confiana e
Lao Social.
Edies Colibrei/CEOS: Lisboa.
SOULET, Marc-Henry (2006a).Para Alm da Excluso: A integralidade
como
Nova Expresso da Questo Social. In: BALSA, C; BONETI, L.
W.;SOULET,
M. (Org.) Conceitos e Dimenses da Pobreza e Excluso social.
Uma
abordagem transnacional. Lisboa /Ijui: Editora Unijui/CEOS
SOUZA, Jesse. (2006). A gramtica social da desigualdade
brasileira. In.
SOUZA, Jess (Org.). A invisibilidade da desigualdade brasileira.
Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2006.
SPOSATI, Aldaza. O primeiro ano do Sistema nico de Assistncia
Social.
In
SPOSATI, Aldaza. Modelo Brasileiro de Proteo Social no
contributiva:
concepes fundantes. In ENAP: Curso de Formao de
Multiplicadores.
Volume I. Braslia, 2007, PP 2-31.
WEBER, Max. (2001). A tica protestante e o esprito do
capitalismo. So
Paulo: Centauro.
ZIMMERMMANN, Clvis Roberto. O programa bolsa famlia sob a tica
dos direitos humanos.
ZIMMERMMANN, Clvis Roberto. (2008) Desafios implantao do direito
alimentao no Brasil. In: Democracia Viva, n. 39. Junho de 2008.