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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PREDICAÇÕES COM O VERBO TORNARE EM ITALIANO SOB UMA ANÁLISE FUNCIONALISTA FABRICIA DE ALMEIDA DE SOUSA 2012
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Oct 01, 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

PREDICAÇÕES COM O VERBO TORNARE EM ITALIANO SOB UMA ANÁLISE FUNCIONALISTA

FABRICIA DE ALMEIDA DE SOUSA

2012

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PREDICAÇÕES COM O VERBO TORNARE EM ITALIANO SOB UMA ANÁLISE FUNCIONALISTA

Por FABRICIA DE ALMEIDA DE SOUSA

Aluna do Curso de Mestrado do Programa de Letras Neolatinas (Estudos Lingüísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana).

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Lingüísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana) Orientadora: Professora Doutora Annita Gullo

Rio de Janeiro Fevereiro de 2012

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FOLHA DE APROVAÇÃO PREDICAÇÕES COM O VERBO TORNARE EM ITALIANO SOB UMA ANÁLISE

FUNCIONALISTA

Fabrícia de Almeida de Sousa

Orientadora: Professora Doutora Annita Gullo

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Lingüísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana). Examinada por: ___________________________________________________________________________ Presidente, Professora Doutora Annita Gullo ___________________________________________________________________________ Professora Doutora Maria Maura Cezario – PPG Lingüística – UFRJ ___________________________________________________________________________ Professor Carlos da Silva Sobral – UFRJ ___________________________________________________________________________ Professora Doutora Maria Franca Zuccarello – UERJ, Suplente ___________________________________________________________________________ Professora Doutora Maria Lizete dos Santos – UFRJ, Suplente

Rio de Janeiro Fevereiro de 2012

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FICHA CATALOGRÁFICA .

Sousa, Fabrícia de Almeida de.

Predicações com o verbo tornare em italiano sob uma análise funcionalista /

Fabrícia de Almeida de Sousa – Rio de Janeiro: UFRJ / Faculdade de Letras, 2012.

135f. : 30 cm

Orientadora: Annita Gullo

Dissertação (mestrado) – Faculdade de Letras , Departamento de Letras

Neolatinas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2012.

Referências Bibliográficas: f. 128-132

Palavras - Chave: Língua Italiana. Funcionalista. Polifuncionalidade verbal.

Verbo tornare. Caracterização da polifuncionalidade morfossintática, semântica e

discursiva do verbo tornare.

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RESUMO

PREDICAÇÕES COM O VERBO TORNARE EM ITALIANO SOB UMA ANÁLISE FUNCIONALISTA

Fabrícia de Almeida de Sousa

Orientadora: Professora Doutora Annita Gullo

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em

Letras Neolatinas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Lingüísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana)

Nesta pesquisa, objetiva-se descrever e analisar as propriedades sintático-semânticas de predicações com verbo tornare em variados textos orais e escritos, de sincronia atual, do italiano standard e, com isso, intenta-se, também, atestar a polifuncionalidade desse verbo no sistema lingüístico. Acredita-se que tornare é usado com configurações distintas da lexical básica, ou seja, a de predicador – com que exprime movimento no espaço geográfico e, então, projeta até dois argumentos internos locativos (ponto de origem/partida e ponto de destino) e argumento externo agente (entidade controladora do mundo biopsicofisicossocial que se desloca no espaço). Com base nos pressupostos, sobretudo do funcionalismo lingüístico, especificamente nos que se referem (i) à formação de predicadores e à configuração de expressões lingüísticas da Teoria da Gramática Funcional (DIK, 1997) e (ii) ao processo de mudança chamado de gramaticalização (HEINE et alii (1993) e HOPPE (1993)), define-se e explica-se o emprego lexical básico de tornare, como verbo predicador, a natureza de suas extensões semânticas de verbo predicador, e alguns de seus usos, de verbo predicador a verbo (semi-) auxiliar. O corpus será constituído a partir de dados orais coletados do programa C-ORAL-ROM e de dados escritos coletados nos jornais Corriere della Sera e La Repubblica. Coletar-se-ão os diversos contextos contendo predicadores simples ou complexos e usos a serem testados quanto à avaliação subjetiva.

Palavras-chave: gramaticalização, polifuncionalidade, auxiliaridade, verbo tornare.

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2012

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ABSTRACT PREDICAÇÕES COM O VERBO TORNARE EM ITALIANO SOB UMA ANÁLISE

FUNCIONALISTA

Fabrícia de Almeida de Sousa

Orientadora: Professora Doutora Annita Gullo

Abstract da dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Lingüísticos Neolatinos, opção: Língua Italiana)

This study aims to describe and analyze the syntactic-semantic properties of the verb predications tornare in various oral and written texts, of current synchrony, Italian standard and, therefore, an attempt is also made to attest the multifunctionality of this verb in the linguistic system. It is believed that tornare is used with different configurations of the basic lexical, in other words, as a predicate - which expresses movement within the geographic space and then protrudes up to two internal locative arguments (point source / departure and destination point) and agent external argument (a controlling entity of the biopsychophysicalsocial world which moves in space). Based on the assumptions, especially the functional language, specifically what refers to (i) predicate formation and configuration of linguistic expressions of the Theory of Functional Grammar (DIK, 1997) and (ii) the process of change called grammaticalization ( HEINE et al (1993) and HOPPE (1993)), sets up and explains the basic lexical tornare usage as a predicate verb, the nature of its semantic extensions as a predicate verb, and some of its uses, as a predicate verb or a (semi-) auxiliary verb. The corpus will be defined in oral data from the C-ORAL-ROM program and written data from the newspapers Corriere della Sera and La Repubblica. It will be collected different contexts containing simple or complex predicates and their usage to be tested according to the subjective evaluation.

Kew-words: grammaticalization, multifunctionality, auxiliary, verb tornare.

Rio de Janeiro Fevereiro de 2012

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Mãe e pai (In memorian)

Dedico este trabalho

àqueles enviados por DEUS

para me ensinar a amar,

a ter esperança

e a lutar pelos meus sonhos.

Ensinaram-me sempre

a transformar as grandes dificuldades

em bênçãos.

Sua querida filha, Fabrícia.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço a Deus e a Jesus Cristo, meu Senhor e Salvador, por me

dar a vida e a verdadeira paz, por me dar amor incondicional e por sempre estar à minha

frente, mesmo quando eu não sei por onde seguir.

Ao meu pai, Joaquim, que fez a grande viagem, mas antes de partir me deixou uma

grande herança que ninguém nunca poderá me tirar, o meu saber. Pai, eu te amo e sinto muito

a sua falta.

À minha mãe, Marylene, por depositar confiança em mim, mesmo em momentos em

que nem eu mesma acreditava que poderia alcançar meus objetivos, por estar sempre ao meu

lado nos fracassos e nos sucessos, por me mostrar que o mundo pode ser muito maior do que

podemos imaginar,

À minha irmã e grande amiga, Fabiane, por me encorajar a continuar a jornada

acadêmica, por me dar seu amor e sua amizade nos momentos mais difíceis e por ser uma

irmã tão especial.

Ao meu noivo, Fábio, que participou de todas as etapas da minha história acadêmica,

desde o processo de seleção para o vestibular até o presente momento, por me amar e me

incentivar, por torcer pelo meu sucesso e por ter paciência comigo nos momentos mais

estressantes dessa caminhada.

Ao meu sogro e minha sogra, tio Círio e tia Lourdinha, por sempre me acolherem em

sua casa com todo carinho do mundo, por me darem atenção, afeto e força nos momentos

difíceis.

A meus avós (In memorian), meus tios e primos pelos momentos de descontração e

alegria.

Ao amigo Jordane, por me fazer rir nos priores momentos e me dizer sempre que a

vida é muito fácil.

A todos os amigos que fiz na sala F-310, que sempre me receberam com carinho e

compartilharam momentos inesquecíveis durante anos. Um carinho especial a Olívia Maia e

Cristina Márcia.

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Aos professores do departamento de neolatinas Sônia Reis, Cláudia Fátima, Maria

Lizete, Andrea Lombardi e, em especial, ao professor Carlos Sobral, por ter contribuído para

a minha formação acadêmica e profissional e enriquecido meu conhecimento.

Aos professores Mario Martelotta (In memorian) e Maria Maura Cezario, pelas

valiosas considerações e orientações sobre funcionalismo e o processo de gramaticalização.

À professora Márcia do Santos Machado Vieira, por ter me ajudado a dar os primeiros

passos em trabalho de pesquisa, ter me orientado na iniciação científica e sido tão solícita em

me ajudar a aprofundar conhecimentos sobre funcionalismo, gramaticalização e auxiliaridade.

Agradeço especialmente à pessoa que possibilitou e contribuiu grandemente para a

realização deste trabalho, Annita Gullo, por ter aberto as portas da pesquisa para mim, por ter

me aconselhado e ajudado em momentos difíceis, pela paciência, pela amizade construída

desde a graduação, por me encorajar e por acreditar em mim. Meus sinceros agradecimentos.

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Esta pesquisa foi financiada pela Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –

CAPES – (2010/03 – 2012/02)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................

15

2. REVISÃO DA LITERATURA ..............................................................................................

20

2.1 Descrição do verbo tornare em algumas gramáticas.................................................

24

2.2. Descrição do verbo tornare em obras lexicográfica..........................................

27

2.3. Observações específicas sobre tornare...............................................................

31

3. REFERÊNCIAL TEORICO........................................................................................

32

3.1. Aspectos relativos ao funcionalismo..................................................................

33

3.2. Enfoque funcionalista sobre predicação............................................................

40

3.3. Processos de gramaticalização.............................................................................

53

3.3.1. Gramaticalização de verbos auxiliares...................................................

61

3.3.1.1. Estágios de gramaticalização de verbos...................................

65

3.4.Enfoque funcionalista de categorização linguística............................................

72

3.5. Polissemia verbal: extensões semânticas por meio de metáfora e metonímia

74

4. ASPECTO METODOLÓGICO.................................................................................

77

4.1. Procedimentos da análise.....................................................................................

80

5. POLIFUNCIONALIDADE DE TORNARE..............................................................

83

5.1. Distribuição dos dados pelas categorias funcionais .........................................

85

5.2. Verbo predicador.................................................................................................

89

5.2.1. Verbo predicador pleno..............................................................................

89

5.2.2. Verbo predicador não-Pleno......................................................................

97

5.2.3. Verbo copulativo.........................................................................................

105

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5.3. Verbo (semi-)auxiliar...........................................................................................

109

5.4. Verbo suporte.......................................................................................................

120

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................

123

7. BIBLIOGRAFIA..........................................................................................................

128

ANEXO - Codificação, nos “corpora”, de aspectos....................................................

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ÍNDICE DE QUADROS, TABELAS, FIGURAS E GRÁFICOS QUADROS

Quadro 1: Tipos de estado de coisas

50

Quadro 2: Parâmetros semânticos do estado de coisas na predicação (Cf. ESTEVES, 2008:67)

51

Quadro 3: Combinações de aspectos para a definição dos estados de coisas

52

Quadro 4 : Distribuição geral dos textos pesquisados e dos dados coletados no corpus oral.

78

Quadro 5 : Distribuição geral dos textos pesquisados e dos dados coletados no corpus escrito.

79

Quadro 6 : caracterização do estado de coisas das predicações básicas com tornare.

93

Quadro 7 : Preposições que podem ser utilizadas com o verbo tornare.

96

Quadro 8 : Parâmetros e propriedades responsáveis pela semi-auxiliaridade de certos emprego de TORNARE.

119

TABELAS

Tabela 1: Os principais esquemas de eventos que funcionam como fontes para as categorias gramaticais de tempo e aspecto, conforme Heine (1993, p. 31).

63

FIGURAS

Figura 1: Modelo de interação verbal da Gramática Funcional de Dik (1997:8-9, v.1)

41

Figura 2: Sistema de regras de expressões

45

Figura 3: Modelo global da Gramática Funcional de DIK (1981, 1997) 47

Figura 4: Formação de going to designador de tempo futuro, através de um continuum configurado pelos pólos source (origem) e target (alvo); (Heine, 1993, p. 49).

65

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Figura 5: Implicações morfossintáticas e fonológicas do processo de mudança verbo > auxiliar.

66

Figura 6: Cadeias de gramaticalização de verbos, segundo Travaglia (2002). 71

GRÁFICOS

Gráfico 1 : Distribuição dos 403 dados de TORNARE pelas categorias funcionais às quais esse item se vincula no corpus do italiano escrito em análise.

86

Gráfico 2 : Distribuição dos 327 dados de TORNARE como verbo predicador.

86

Gráfico 3 : Distribuição dos 257 dados da modalidade escrita nas categorias funcionais encontradas

88

Gráfico 4 : Distribuição dos 146 dados da modalidade ORAL nas categorias funcionais encontradas

88

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1. INTRODUÇÃO

Muitos termos da língua são passíveis de alterações/adequações morfossintáticas ou

semânticas, devido, principalmente, à necessidade do falante em pleno ato comunicativo.

Essas alterações, que consistem em novas funções e/ou novos sentidos, originam-se de

situações em que o emissor, a fim de ser compreendido totalmente, faz uso de alguns

recursos, muitas vezes não estruturais, para estabelecer a comunicação, ou apenas dar mais

relevo ou enfatizar algum elemento pertencente ao discurso.

O verbo tornare, um verbo frequente na língua italiana, pode ser considerado

representante desses itens lexicais flexíveis, pois apresenta características sintático-semânticas

diferentes da considerada primária - verbo predicador pleno com o seu sentido básico de

movimento no espaço geográfico e como verbo “cópula/de ligação” ou “auxiliar (aspectual

incoativo)”. O estudo dos verbos, no que concerne a mudança de categoria de verbo

predicador a verbo auxiliar ou a verbo suporte (quando acompanhado por um nome), assim

como o seu processo de gramaticalização, está despertando o interesse de muitos

pesquisadores. Estudos como os de BRAGANÇA (2008), COELHO (2006) e VIEIRA (2001)

refletem sobre a gramaticalização e a mudança categorial de alguns verbos.

Nesta pesquisa, descreve-se o comportamento semântico-sintático de empregos do

verbo tornare, apresentando-se categorias funcionais em que o mesmo pode ser inserido.

Traçando, assim, o seu comportamento polifuncional, em diferentes contextos de produção

nas modalidades escrita e falada do Italiano standard. Focalizam-se, neste trabalho, aspectos

da gramaticalização de empregos de tornare, em sua trajetória de verbo predicador pleno

(com uma configuração que envolve três argumentos – dois dos quais são locativos – e com o

significado de movimento no espaço geográfico) ou não-pleno (com configurações diferentes

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da anterior que manifestam extensões de sentido) a verbo instrumental, ou melhor, a verbo

semi-auxiliar. Com base na descrição do comportamento multifuncional desse verbo,

pretende-se deslindar sua configuração lexical básica, a natureza de suas extensões semânticas

e definir e explicar a trajetória de alteração categorial de alguns de seus empregos.

Após a descrição das predicações de que tornare participa e a categorização desse

item, a pesquisa centra-se nas predicações em que esse item lexical revela algum grau de

gramaticalização, estudando-se as propriedades que tornare assume ao se comportar como

verbo semi-auxiliar (escrito posteriormente Vsemi-auxiliar), verificando-se os parâmetros

responsáveis pelo processo de transferência desse item linguístico de Vpredicador a Vsemi-

auxiliar e averiguando-se graus de integração entre os componentes que se aliam na

composição de predicadores complexos.

O objetivo geral desta dissertação é descrever os usos de tornare no italiano

contemporâneo, de Vpredicador pleno a Vsemi-auxiliar, investigando a natureza de cada

categoria. Como objetivos específicos, tem-se: (i) apresentar como se configuram

sintaticamente predicações com tornare registradas no corpus que se constituiu com base em

produções escritas da variedade do italiano standard; (ii) evidenciar as categorias funcionais

às quais tal item verbal participa; (iii) mostrar a produtividade dessas categorias em contextos

comunicativos; (iv) explicitar parâmetros de auxiliaridade responsáveis pela transferência do

verbo tornare da categoria de verbo predicador para a categoria de verbo gramatical, que

auxilia a formação de predicadores complexos; e (v) então, identificar as propriedades que

empregos desse verbo têm quando se associam à categoria de semi-auxiliar e o que traduzem

as predicações com predicadores complexos por ele formadas.

Espera-se, em última instância, reunir subsídios para que se possa ajudar a obter uma

descrição criteriosa dos predicadores complexos com o semi-auxiliar tornare em obras

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didáticas e científicas e, assim, se possa oferecer contribuição para o tratamento de temas

como categorização verbal, auxiliaridade.

Um pressuposto teórico que fundamenta este estudo é a concepção de língua como um

sistema de unidades e regularidades linguísticas acionadas em decorrência de propósitos

comunicativos. Consequentemente, este estudo norteia-se por orientações do paradigma

funcionalista. Adere-se a essa perspectiva por entender que cada uso de tornare depende de

fatores comunicativos específicos, já que no processo interacional, a existência de uma

cooperação entre emissor e destinatário acarreta possíveis adaptações linguísticas.

As orientações teórico-metodológicas específicas constituem-se com base em

orientações relativas ao estudo do processo de gramaticalização, à configuração de

predicações e de predicadores complexos e ao conceito de categorização radial (de TAYLOR,

1995) baseado numa rede de semelhanças e dissimilaridades entre as categorias percebidas e

na possibilidade de estas abrangerem elementos exemplares/prototípicos e elementos não-

exemplares. A opção por esse enfoque contribui para a elucidação de fenômenos de mudança

linguística ao propiciar subsídios para a investigação do trânsito de formas/expressões

linguísticas do léxico para o sistema gramatical, por motivações semântico-discursivas. A

gramaticalização é a passagem de palavras lexicais a palavras gramaticais. Para descrever o

processo de gramaticalização, que compreende a transposição categorial do verbo tornare,

num continuum de auxiliarização, de verbo predicador (categoria com comportamento lexical

responsável pela projeção da estrutura argumental de uma predicação) a verbo instrumental,

recorreu-se a parâmetros descritos por Hopper (1991) e por Heine et alii (1993) e ainda a

critérios de auxiliaridade apresentados, entre outros, por Machado Vieira (2004).

A auxiliarização é um processo de gramaticalização que atua em formas verbais e que

implica a transferência dessas formas da categoria lexical (verbo predicador) para uma

categoria gramatical (verbo auxiliar, semi-auxiliar, cópula ou suporte). Então, o termo

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auxiliaridade, segundo Machado Vieira (2004), é utilizado para nomear o comportamento

instrumental que uma unidade verbal pode desempenhar num continuum de sentidos/usos na

língua.

Os auxiliares expressam conceitos gramaticais relacionados com o estado temporal

(tempo), o contorno temporal (aspecto) e o tipo de realidade (modo). Para Heine, os auxiliares

são gramaticalizações de conceitos complexos, que ele chama de esquemas de eventos

(esquemas cognitivos que envolvem uma proposição e dois participantes, em geral). Então, o

termo auxiliaridade, segundo Machado Vieira (2004), é utilizado para nomear o

comportamento instrumental que uma unidade verbal pode desempenhar num continuum de

sentidos/usos na língua.

Para a descrição de aspectos das predicações com tornare e da configuração de

predicadores complexos, recorreu-se a orientações da Teoria da Gramática Funcional de S.

Dik (1997) quanto à estruturação de predicações nucleares e à formação de predicadores

complexos.

Investir na pesquisa da polifuncionalidade e da gramaticalização de tornare sob a

perspectiva funcionalista propiciará subsídios às descrições funcionalistas que lidam com o

trânsito de formas ou expressões linguísticas do léxico para o sistema gramatical Será possível

conhecer como, de fato, se emprega frequentemente tornare no Italiano: suas categorias

funcionais mais produtivas e os sentidos que as predicações com tais recursos traduzem.

Com o conhecimento da realidade de uso do verbo tornare no italiano standard será

possível, entre outras metas, colaborar para que se atualizem descrições lexicográficas e

gramaticais e ajudar os alunos a entenderem como são formadas as predicações verbais com

verbos desse tipo em italiano.

No que se refere ao ensino de língua italiana, tenciona-se que esta investigação ofereça

suporte ao desenvolvimento de materiais pedagógicos que contemplem o caráter

multifuncional de verbos.

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2. REVISÃO DA LITERATURA

Percebe-se que alguns itens da literatura linguística, tanto gramatical quanto

lexicográfica, apenas descrevem tornare como um verbo predicador1, ou seja, único (ou

principal) responsável pela projeção de argumentos e pela configuração semântica e estrutural

destes, conforme afirma Dik (1997) ao dizer que o verbo é o elemento nuclear da predicação,

como se observa no exemplo:

(Exemplo 1 ) “La brigata alpina Julia Mlf è tornata a casa dopo sei mesi.” [Italiano

escrito, jornal “La repubblica”, 10 de janeiro de 2011] – O grupo de amigas Julia Mlf voltou

para casa depois de seis meses.

e também como verbo “cópula/de ligação” ou “auxiliar (aspectual incoativo)”, como

no exemplo:

(Exemplo 2 ) “Il cielo è tornato sereno.” .” [Italiano oral, Corpus de língua italiana

espontânea - C-ORAL-ROW] – O céu ficou/se tornou sereno.

Normalmente, a descrição sobre tornare está em dicionários. Nas obras lexicográficas,

o verbo tornare, além de ser descrito com base em conjuntos de acepções mais ou menos

numerosas (a depender da obra em análise), é frequentemente caracterizado como verbo

predicador: transitivo direto, intransitivo, transitivo direto e indireto e de cópula. Em alguns

dicionários como Zingarelli (2000), encontramos esse verbo descrito como bitransitivo e

1 Nesta dissertação, emprega-se o termo predicador para indicar formas verbais plenas (predicadores simples), que têm função de projetar argumento(s) e atribuir-lhe(s) papel temático.

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transitivo circunstancial. Além dessas, existem outras denominações consideradas pelos

dicionaristas.

Entende-se que as diferentes acepções e configurações sintáticas das predicações com

tornare resultam de empregos distintos desse item, muitos deles rotulados de predicadores

não-plenos e, portanto, distintos dos que se vinculam à categoria de verbo predicador/verbo

pleno (em geral, a única categoria lexical admitida pelos dicionaristas). Em alguns dos

dicionários consultados também há referência à atuação do verbo tornare em perífrases

verbais, nas quais atua como verbo fraseologico2 e não mais com o estatuto de verbo

pleno/predicador. Entretanto, nesses dicionários poucas são as propriedades desse uso

apresentadas.

Já nas gramáticas consultadas, são pouquíssimas as observações sobre o verbo tornare

encontradas. Na maioria das acepções atribuídas a esse item verbal, ele aparece como “verbo

fraseologico aspectual” que indica “repetição de um evento” sem portar a idéia de frequência.

E somente uma gramática, a de Dardano e Trifone (2007), faz alusão ao verbo tornare como

verbo predicador com o preenchimento de dois argumentos internos, um de origem e outro de

destino. A classificação dos termos circunstanciais previstos para o emprego de tornare

indicando movimento no espaço geográfico é outro aspecto de divergências entre os autores:

alguns o consideram verbo intransitivo, outros o consideram verbo transitivo; ainda, nesta

alternativa, identificam-se divergências entre os autores, já que alguns o descrevem como

verbo de dois lugares, e outros, como verbo de três lugares.

Visto que, em geral, o uso de tornare não é citado em outras categorias funcionais e

mesmo quando é abordado como verbo pleno, não se esmiúçam as possibilidades de

configuração semântico-sintática desse item lexical, entende-se que é necessário fazer um

estudo aprofundado do comportamento do mesmo. É importante descrever as configurações 2 verbo fraseologico é aquele que se une a outro verbo, formando um único predicado, em forma de perífrase. Esse verbo se une a outro verbo no infinitivo através de uma preposição. (DARDANO, Mauricio e TRIFONE, terceira edição )

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sintático-semânticas de construções com o verbo tornare e as funções a que esse item pode

servir e, com isso, averiguar o quadro de usos desse verbo. Para tanto, estuda-se a

polifuncionalidade de tornare e sua (semi-) gramaticalização em alguns contextos,

descrevendo-se funcionalmente seus usos, bem como o processo de gramaticalização no qual

esse verbo se envolve.

Em uma das partes desta dissertação, focalizam-se as diferentes funções3 que esse item

lexical assume, a partir do cotejo de seus empregos com o da categoria de verbo predicador

pleno;

(Exemplo 3 ) “Sono uscita lunedì scorso e sono tornata a casa solo questa mattina.”

[Italiano oral, Corpus de língua italiana espontânea - C-ORAL-ROW] – Saí segunda

passada e voltei para casa somente esta manhã.

no entanto pressupõe-se que tornare é produtivamente usado com configurações

distintas da configuração prototípica de predicador pleno – com que exprime movimento no

espaço geografico e, então, projeta um argumento externo (entidade do mundo biossocial que

se desloca no espaço de um ponto a outro) e até dois argumentos internos locativos (ponto de

origem e ponto de destino no espaço). Podendo aparecer também como verbo predicador não-

pleno,

(Exemplo 4 ) “non so bene ... ma penso che subitamente torneremmo tutti all'epoca

della pietra” [Italiano oral, Corpus de língua italiana espontânea - C-ORAL-ROW] – Não sei

bem ... mas acho que rapidamente voltaremos todos a época da pedra

3 As funções mencionadas aqui são analisadas individualmente na seção destinada à funcionalidade de tornare.

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já que é um verbo que designa uma ação muito vaga (deslocamento no espaço); e por

isso seja suscetível a uma mudança semântica, associando-se a contextos discursivos diversos.

E chegando-se até a delimitação de funções com certo valor instrumental, como verbo semi-

auxiliar.

(Exemplo 5 ) “banchieri & divorzi E le strade di Bazoli e Geronzi tornarono a

dividersi All' interno della partita Telecom si è consumata anche una piccola sfida tra due

banchieri.” [Italiano escrito, Jornal “La repubblica”, 10 de dezembro de 2010] – banchieri &

divorzi E le strade di Bazoli e Geronzi voltaram a se dividir no meio da partida Telecon...

Passando pela categoria de cópula/de ligação.

(Exemplo 6 ) “Dopo tinto, l`abito torna nuovo. [Italiano oral, Corpus de língua

italiana espontânea - C-ORAL-ROW] – Depois da tingida, a roupa fica nova.

Com o intuito de formar uma base consistente de análises e descrições sobre tornare e

alguns assuntos relevantes para o tratamento do tema desta pesquisa Pretende-se, neste

capítulo, observar, analisar e resenhar criticamente alguns itens da literatura linguística, para

que, dessa forma, possam se verificar as possíveis lacunas existentes nas obras analisadas e,

então, precisar a investigação. Essa proposta é pertinente na medida em que, na pesquisa

científica, se prevê a redescoberta de um objeto de estudo ou um novo olhar sobre este.

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2.1 Descrição do verbo tornare em algumas gramáticas

Pesquisas em obras gramaticais possibilitam identificar o modo como gramáticos

classificam os verbos. A partir dessa análise, vê-se que a maioria mantém uma visão

tradicional sobre comportamento verbal e raras vezes mencionam o verbo tornare em sua

categorização.

O conceito de verbo nas obras pesquisadas4 difere em função do grau de

aprofundamento do assunto no enfoque dado a aspectos semânticos ou sintáticos que

constituem essa categoria. Em Dardano e Trifone (2007), encontra-se uma definição para

verbo - unidade de significado categorial que se caracteriza por um molde pelo qual organiza

o falar e expressa um fato, um acontecimento: o que se passa com os seres - que, talvez,

ficaria mais clara se, com o auxílio de exemplos, houvesse a explicação do que se entende por

um “significado categorial”. O gramático menciona a existência de verbos que possuem

significado amplo e vago, considerando-os ou verbos de cópula ou verbos auxiliares que

acompanham formas nominais de infinitivo, gerúndio ou particípio e formam com estes

locuções verbais. Além disso, expõe as seguintes categorias que existem de verbos:

predicativi (predicativos), copulativi (de ligação), ausiliari (auxiliares), servili (modais),

fraseologici, causativi (causativos), performativi. Tornare não aparece em qualquer

consideração do autor quanto a verbo, o que faz com que o leitor, tendo em vista as definições

de categorias tratadas nessa obra, considere-o como predicativo, somente como “verbo” em

construções com tornare + origem + destino (por exemplo: Tornare da Milano a Roma.)

Tornare em construções resultativas (Dopo Il lavagio é tornato come nuovo.) e como

“auxiliar” (tornare a discutere).

4 As obras consultadas foram: Flora (1971), Fornaciari (1881), Dardano e Trifone (2007) entre outras.

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Quanto às características do verbo pertencente a um predicado nominal, esse autor

menciona que esse signo léxico passa por esvaziamento semântico, esvaziamento que se

cumpre com o auxílio de um nome (substantivo ou adjetivo). Além disso, esse tipo de

predicado apresenta a particularidade de concordar o predicativo em gênero e número com o

sujeito, como em: “as meninas são belas”. Comenta que o signo linguístico que aparece na

função de núcleo costuma ser um nome – substantivo ou adjetivo – e apresenta como

exemplos apenas de estruturas com verbos de ligação. Apesar de adotar essa ótica, não aborda

outras estruturas às quais se podem associar propriedades semelhantes que também poderiam

ser vinculadas à definição dada, se, com base nesta, se levasse em conta que tais verbos

também são semanticamente esvaziados, ainda que não completamente, e que o nome

adjacente é o centro semântico do predicador complexo (verbo-nominal).

Flora (1971) utiliza, inicialmente, o critério semântico para a definição de verbo:

expressa um fato, um acontecimento: o que se passa com os seres. Comenta que é a parte da

oração mais rica em variações de forma ou acidentes gramaticais; não fornece, contudo,

exemplos para fundamentar essa explicação, o que pode deixar o leitor um tanto confuso ao

analisar frases como, por exemplo, “Compro um tavolinetto ”, em que é possível perceber a

presença de mais acidentes gramaticais de forma no substantivo “tavolinetto”, devido ao

acréscimo do sufixo “etto” do que no verbo “comprare”, composto apenas da desinência

número-pessoal “o”. Ao continuar sua explicação, o autor comenta que o papel dos acidentes

gramaticais é fazer com que o verbo exprima cinco idéias: modo, tempo, número, pessoa e

voz.

O verbo é uma palavra de forma variável que exprime o que se passa, isto é, um

acontecimento representado no tempo, de acordo com Fornaciari (1881). Tal definição pauta-

se no aspecto morfológico e, principalmente, no aspecto semântico. Nem sempre é possível

generalizá-la para todos os casos de frase verbal, pois em orações do tipo “Eu sou brasileira”,

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não pode ser considerado algo “que se passa”, um “acontecimento representado no tempo”,

mas apenas um estado. O autor também recorre ao aspecto sintático ao afirmar que o verbo

possui função obrigatória de predicado e esclarece que nem todo núcleo de predicado é verbo,

pois adjetivos e substantivos também podem desempenhar essa função.

Ao tratar dos verbos plenos, o autor utiliza um aspecto semântico, denominando-os

núcleos semânticos da oração, ou seja, núcleos lexicais plenos, caracterizados por

determinadas propriedades de seleção semântica (número de argumentos e respectivo papel

temático) e sintática (categoria de cada argumento e relação gramatical que assume na

oração). E assim como os outros autores, não menciona o verbo tornare em suas definições.

Serianni (1999) descreve os verbos de forma mais abrangente, além de fornecer um

número maior de exemplos verbais, com verbos distintos. Ele admite mais funções verbais e,

por isso, divide-os em subclasses, a saber: principais, copulativos, impessoais, modais,

fraseológicos e auxiliares (que ratifica a visão geral), além dos exemplos de verbos que

acompanha um nome, dando suporte ao mesmo, como por exemplo “Tornare a galla” .

Entre outros comentários, o autor afirma que é preciso “classificar os verbos com base

nas suas correspondências parafrásticas”, isto é, uma classificação motivada a partir de uma

perspectiva analítica baseada na correspondência de verbos simples com expressões verbais

complexas.

De todas as gramáticas pesquisadas, com certeza, Dardano e Trifone (2007) é a que

mais fornece subclassificações para designar um tipo de verbo. Apesar de os gramáticos

tratarem das categorias verbais “principal”, “auxiliar” e “ligação” (ou “cópula”), os mesmos

não classificam tornare em nenhuma dessas categorias.

Portanto, os gramáticos da língua italiana sinalizam as diferentes funções em que um

verbo pode atuar, porém a maioria não desenvolve profundamente o assunto, o que faz com

que os leitores tenham dúvida no momento em que investigam a natureza categorial de

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determinado verbo. Além disso, o fato de sintetizarem as categorias verbais faz com que os

falantes tenham uma visão errônea (ou incompleta) sobre verbo, imaginando existir somente

as categorias citadas nas gramáticas.

2.2. Descrição do verbo tornare em obras lexicográficas

A presente seção tem como objetivo averiguar as acepções de tornare descritas pelos

lexicógrafos nos dicionários de língua Italiana. As obras lexicográficas constituem uma

importante base de descrição de significados e aplicações de tornare, Por isso, Com essa

consulta, conseguiremos entender melhor as extensões de sentido do nosso verbo.

Para tal pesquisa fizemos uso de verbetes de dicionários, encontrados em: SPINELLI

(1983), SABATINI (2008), DEVOTO (2005), entre outros.

Notamos que os valores de tornare veiculados pelas obras lexicográficas são

semelhantes, apesar de haver algumas complementações superficiais que diferenciam tais

valores. Quanto ao número de acepções encontradas na pesquisa, podemos dizer que há uma

grande variação e um grande número de acepções encontrado nos dicionários. Em relação à

organização dessas acepções nas descrições dos lexicógrafos, percebemos que uns as separam

por aspectos sintáticos, outros por aspectos semânticos. Para explicar as diferentes

significações, os dicionaristas recorrem a verbos sinônimos e/ou frases que exemplificam o

sentido da acepção.

A maioria dos verbetes tem como primeira acepção de tornar no sentido de tornar,

voltar, regressar. Vejamos alguns exemplos:

Ex. 1: Tornare a casa. (SPINELLI,1983)

Ex. 2: Tornare a Roma. (SPINELLI,1983)

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Ex. 3: oggi non tornerò a casa; quando torni in ufficio?; torna presto stasera!; non

torno a cena ( La Reppublica)

Ex. 4: vado qui all’angolo e torno (DEVOTO 2005)

Ex. 5: Torno sul posto. (SABATINI, 2008)

São muitos os significados atribuídos ao verbo tornare, os quais se atualizam a

depender do contexto em que o verbo se encontrar. Seguem abaixo os significados que mais

aparecem registrados nas obras lexicográficas.

1. Riportarsi, dirigersi verso il luogo da cui si era partiti: Oggi non tornerò a casa. 2. Tornare all'antico, ripristinare abitudini, usi del passato 3. Tornare a galla, riemergere; fig. diventare nuovamente d'attualità 4. Tornare al punto di partenza, tornare daccapo, partire nuovamente dall'inizio; fig. non aver fatto alcun progresso 5. Tornare in vita, al mondo, resuscitare; fig. riprendere i sensi 6. Tornare in sé, riprendere i sensi; fig. ravvedersi

7. fam. Tornare a bomba, riprendere l'argomento principale di un discorso dopo una divagazione 8. Andare nuovamente nel luogo dove si è già stati: tornerà presto in ospedale; le

rondini sono tornate

9. Tornare a gola, di cibo non ancora digerito 10. fig. Tornare alla carica, reiterare una richiesta 11. Tornare sui propri passi, desistere dal compiere un'azione, dal perseguire un proposito 12. Venire via da un luogo dopo avervi compiuto un'azione: sono tornato tardi da

scuola; siamo appena tornati da teatro; è tornato da Palermo

13. Ripresentarsi, ricomparire: gli è tornata la tosse; mi sono tornate quelle macchie

sulla faccia

14. Ripetersi: torneranno anche per voi i giorni felici

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15. Tornare in mente, ripresentarsi alla memoria: gli tornò in mente quel suo vecchio

amico 16. fig. Riprendere a fare qualcosa che era stato interrotto: dopo la riparazione, il

motore è tornato a funzionare; dopo quella prova di amicizia tornò ad avere fiducia in

lui; la ruota torna a girare 17. Tornare su qualcosa, rifletterci, riesaminarla di nuovo: vorrei t. su quel problema

irrisolto 18. Essere di nuovo come in precedenza: t. sano, bello; dopo la pulitura i vetri sono

tornati trasparenti; la tovaglia è tornata pulita

19. Risultare, riuscire correttamente, senza errori; quadrare: non mi tornano i conti

20. Corrispondere: tutto torna secondo i nostri desideri

21. Tornare bene, tornare male, ass. tornare, non tornare, di abito, stare bene, stare male: questa gonna ti torna molto bene

22. ass. Non mi torna, non sono persuaso, non sono d'accordo: quello che ha detto non

mi torna

23. non com. Tornare conto, essere di profitto, di vantaggio 24. lett. Volgersi: t. a vantaggio

25. Riuscire: t. opportuno; una pausa mi tornerebbe comoda

26. Risolversi: l'allegria tornò in amarezza

27 tosc. Andare ad abitare, a risiedere: torna in piazza Maggiore; tornerò di casa in

campagna 28. lett. Ricondurre, riportare; restituire: tornami quel vaso intatto 29. lett. Girare, volgere, voltare: tornò il viso, lo sguardo dall'altra parte

A maioria das acepções de tornare relaciona-se à sua atuação como verbo predicador,

seja verbo predicador pleno ou verbo de copula. Alguns dicionaristas listam usos de

construções com o verbo tornare, SABATINI (2008), por exemplo, diz-nos que tornare pode

funcionar como verbo reflexivo (Con valore intensivo, recarsi di nuovo in un luogo o presso

qlcu.: me ne torno a casa; t. dagli amici.), verbo intrasitivo (Detto di soggetti inanimati,

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presentarsi, manifestarsi di nuovo: mi è tornata la fame.), verbo transitivo (Volgere qlco. in

una direzione), verbo cópula (Ridiventare in un certo modo, assumere di nuovo una data

condizione: torna. bambino, torna calmo.)

Vale destacar que, quanto ao uso de “tornare + a + V infinitivo”, SABATINI (2008),

não registra essa possibilidade de construção, do verbo tornare ligado a um verbo no

infinitivo auxiliando-o e atribuindo um estado de reinício de coisa. Diferente do autor

SPINELLI (1983), que cita alguns exemplos desse verbo junto a um verbo no infinitivo,

unidos pela preposição a, porém também não o considera como um verbo auxiliar.

A análise das diversas obras lexicográficas permitiu-nos observar a gama de

significados que tornare possui e as diversas estruturas sintáticas em que pode aparecer.

Como observamos, tornare tem sua função de predicador, mas também pode exercer papel de

verbo auxiliar, e até verbo-suporte, componente de expressões cristalizadas, dentre outros

usos. Por conta das diversas acepções semânticas e usos sintáticos de tornare, notamos que tal

verbo é bastante produtivo na língua italiana, tornando-se o conjunto de predicações com tal

item um campo fértil para investigação, o que nos motiva em nossa pesquisa e análise.

Apesar disso, as obras lexicográficas deixam a desejar quando só citam exemplos do

verbo tornare como (semi)-auxiliar e alguns como possível verbo-suporte, mas não dizem a

que categoria esses exemplos se enquadram, ficam exemplos soltos sem nenhum tipo de

categorização, o que dificulta ao aluno a entender as possíveis categorias a que esse verbo

pertence.

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2.3. Observações específicas sobre tornare

Ao se estudar o verbo tornare, percebe-se que este é um termo polissêmico, visto que

apresenta diferentes possibilidades de significados e funções. Apresentado tradicionalmente

como verbo transitivo e de cópula, vê-se que esse item lexical atua num continuum, podendo

ser categorizado funcionalmente. Essas possibilidades de categorias resultam do fato de

tornare ser um verbo polifuncional, já que é possível encontrar usos vinculados a categorias

como Vpredicador (pleno ou não-pleno), Vcópula, Vsuporte e verbo com valor instrumental

(semi-auxiliar).

As gramáticas que serviram de base para esta pesquisa (cf. bibliografia) não

mencionam o verbo tornare em suas categorizações. A ausência da categorização de tornare

nas gramáticas de língua portuguesa impossibilita o conhecimento de seu comportamento e

função, limitando-o a verbo principal. Logo, esse item verbal carece de uma análise mais

aprofundada, a qual esta dissertação pretende mostrar.

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3. REFERÊNCIAL TEÓRICO

A hipótese fundamental desta dissertação é a de que tornare pode ser usado com

diferentes funções morfossintáticas, semânticas e/ou discursivas, é necessário investigar o que

leva tal verbo a assumir esses possíveis papéis, considerando o fato de que esse elemento

verbal é, originalmente, um VPREDICADOR (significado de “movimento no espaço

geográfico”) ou VCÓPULA (liga o sujeito a uma característica). Tendo em vista essa

hipótese, assume-se que a criatividade humana desencadeada por fatores de natureza

interacional e sócio-comunicativa tenha relevância considerável no que concerne às alterações

de função e sentido sofridas por tornare, além, evidentemente, de fatores internos à língua.

Assim sendo, esta dissertação vincula-se ao paradigma do Funcionalismo Linguístico, com

base em orientações relativas ao processo de gramaticalização, à configuração de predicações

e de predicadores complexos e ao conceito de categorização (de Taylor, 1995) baseado numa

rede de semelhanças e dissimilaridades entre as categorias percebidas e na possibilidade de

estas abrangerem elementos exemplares/prototípicos e elementos não-exemplares. A opção

por esse enfoque contribui para a elucidação de fenômenos de mudança linguística ao

propiciar subsídios para a investigação do trânsito de formas/expressões linguísticas do léxico

para o sistema gramatical, por motivações semântico-discursivas.

O Funcionalismo tem-se mostrado um importante paradigma para estudos que buscam

conhecer os fenômenos linguísticos que ocorrem em situações efetivas de uso da língua,

incluindo aspectos tais como variação, mudança, dentre outros.

Com base em Heine et alii (1991), descreve-se a cadeia de gramaticalização referente

à trajetória de tornare (de verbo-predicador a verbo-suporte) e, com base nos parâmetros de

Hopper (1991) e em considerações de Heine et alii (1991), pesquisa-se o comportamento

sintático-semântico das categorias funcionais pertencentes a essa cadeia. Alem disso, recorre-

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se à Teoria da Gramática Funcional de Dik (1997) para fundamentar a descrição dos estados

de coisas expressos pelas ocorrências com esse verbo.

Trabalhar-se-á, também, com os critérios de auxiliaridade, apresentados por Machado

Vieira (2004), para nomear o comportamento instrumental que uma unidade verbal pode

desempenhar num continuum de sentidos/usos na língua.

3.1. Aspectos relativos ao funcionalismo Na Teoria Funcionalista, concebe-se a linguagem como um fenômeno mental e

primariamente social (sócio-cognitivo)5; uma Entidade não-autônoma (“não existe em si e por

si”; “existe em virtude de seu uso para o propósito de interação social”) – correlacionada

determinada por fatores sócio-comunicativos e/ou (sócio-)cognitivos. Nessa corrente teórica,

importa explicar as regularidades observadas no uso com base no exame das circunstâncias

discursivas em que se dão as estruturas linguísticas e seus contextos prototípicos. Desta

maneira, tudo na língua pode ser explicado basicamente pela referência ao modo como é

usada/funciona.

Nesse enfoque, é importante observar a forma como os usuários da língua interagem

social e comunicativamente em atividades e situações diversas, cabendo aos linguistas essa

tarefa. Esses estudiosos não descartam quaisquer possibilidades de uso, mas, levando em

conta que é por meio de novos usos linguísticos que se podem estudar as possibilidades da

língua, procuram entender o surgimento de novos fenômenos linguísticos. Para tanto, tenta-se

explicar os princípios e regras que regem as expressões utilizadas, com o propósito de se

conseguir analisar a estrutura da sentença em sua totalidade.

5 Apesar de os funcionalistas priorizarem a linguagem como fenômeno social, isso não significa que eles não se preocupam/interessam em construir modelos de uso, ou seja, detectar os universais (trans)lingüísticos.

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Segundo Martelotta & Áreas (2003: 20), “a língua não pode ser analisada como objeto

autônomo, mas como uma estrutura maleável, sujeita a pressões oriundas das diferentes

situações comunicativas, que ajudam a determinar sua estrutura gramatical”.

Dentre as diferentes perspectivas funcionalistas, a adotada nesta dissertação é a de

Simon Dik (1981, 1997), considerada “moderada” pelo fato de analisar a estrutura linguística

no âmbito dos níveis semântico e pragmático, reconhecendo que uma análise da língua não

deve ser realizada somente funcional e formalmente, mas também considerando a forma e a

motivação do falante.

Givón (apud Martellota et alii 2003: 28) apresenta um grupo de premissas que

caracterizam a visão funcionalista da linguagem:

i) A linguagem é uma atividade sociocultural;

ii) A estrutura serve a funções cognitivas e comunicativas;

iii) A estrutura é não-arbitrária, motivada, icônica;

iv) Mudança e variação estão sempre presentes;

v) O sentido é contextualmente dependente e não-atômico;

vi) As categorias não são discretas;

vii) A estrutura é maleável e não-rígida;

viii) As gramáticas são emergentes;

ix) As regras de gramáticas permitem algumas exceções.

Os funcionalistas voltam-se, então, para a multifuncionalidade dos itens linguísticos.

O termo função, recorrente na Escola Linguística de Praga, não é de fácil interpretação.

Segundo Halliday (1973; apud NEVES, 1997), na visão funcionalista:

A noção de função não se refere aos papéis que desempenham as

classes de palavras ou sintagmas dentro da estrutura das unidades

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maiores, mas ao papel que a linguagem desempenha na vida dos

indivíduos, servindo a certos tipos universais de demanda, que são

muitos e variados. (NEVES, 1997, p.8)

Na gramática funcionalista também há interesse na descrição de tendências gerais

identificadas em diferentes línguas, visto que nela se encontram o geral e o específico. A

Gramática Funcional holandesa de Dik (1989), por exemplo, mostra-se preocupada com o

estudo tipológico das línguas, com a descrição de universais de funcionamento das línguas.

Por tal motivo, que a Gramática Funcional pode ser entendida como uma teoria geral da

organização gramatical das línguas.

Segundo Dik (1997), o trabalho de desenvolver a apresentação de uma gramática

funcional é bastante desafiador, já que é necessário lidar com as expressões linguísticas no

contexto de uso e decompor sua complexidade até chegar aos blocos básicos de sua

construção. Os predicadores constituem o bloco de construção mais básico do nível

morfossemântico (em oposição ao fonológico) da organização linguística. Alguns

pressupostos importantes relacionados à formação de predicadores e considerados para um

modelo de gramática funcional são:

- Todos os itens lexicais da língua são analisados como predicadores.

- As frases constroem-se a partir de predicadores.

- A propriedade de ser predicador é uma propriedade adquirida numa

estrutura.

- Todos os predicadores são semanticamente interpretados como

designadores de propriedades e relações. (...)

- Todos os predicadores básicos são listados no léxico. O léxico

contém, então, o conjunto de predicadores básicos da língua.

- Predicadores não são considerados como elementos isolados para

serem inseridos em estruturas geradas independentemente; eles são

considerados como parte de estruturas chamadas predicate frames

(marcos predicativos).

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- Os argumentos são elementos essenciais para a boa-formação da

estrutura em que ocorre um predicado.

- Os marcos predicativos não possuem qualquer ordem linear. A ordem

na qual são apresentados (predicadores primeiro e posições de

argumentos depois) é puramente convencional.

- O critério fundamental para a distinção entre argumentos e

modificadores de um predicado é de ordem semântica com alguma

modificação sintática.

- Os modificadores caracterizam-se, de um ponto de vista sintático, pelo

fato de, ao contrário dos argumentos, poderem ser omitidos de uma

frase sem quaisquer restrições e sem que daí resulte agramaticalidade

(DIK,1997:59 e 61, v.1)

O funcionalismo tem seu interesse primário no uso, no funcionamento efetivo das

formas/expressões linguísticas: na relação sistemática entre as formas/expressões linguísticas

e suas funções em uma língua; nas relações entre a língua e as diversas modalidades de

interação sócio-comunicativa. Para tanto, Dik pauta seus objetivos em dois princípios:

(i) Uma teoria da linguagem não deveria mostrar somente as regras e princípios subjacentes à construção das expressões linguísticas, e sim, deveria tentar, na medida do possível, explicar essas regras e princípios em termos de suas funcionalidades em relação às maneiras como são usadas. (ii) Ainda que em si mesma uma teoria de expressões linguísticas não seja o mesmo que uma teoria de interação verbal, é natural requerer que ela seja elaborada, de modo que possa mais fácil e realisticamente ser incorporada a uma teoria pragmática de interação verbal mais ampla. (Dik, 1997, v.1, p. 4).23

Entre os temas presentes em estudos funcionalistas, vale destacar alguns que

interessam mais especificamente a esta pesquisa. São eles: estruturação de predicações

nucleares e formação de predicadores complexos e processo de gramaticalização.

A corrente funcionalista de estudos conta com muitas vertentes, como sabiamente

mencionou Moura Neves (1997:1):

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“Caracterizar o funcionalismo é uma tarefa difícil, já que os rótulos que se conferem aos estudos ditos “funcionalistas” mais representativos geralmente se ligam diretamente aos nomes dos estudiosos que os desenvolveram, não a características definidoras da corrente teórica em que eles se colocam. Prideaux (1994) afirma que provavelmente existem tantas versões do funcionalismo quantos linguistas que se chamam funcionalistas, denominação que abrange desde os que simplesmente rejeitaram o formalismo até os que criam uma teoria. A verdade é que, dentro do que vem sendo denominado – ou autodenominado – “funcionalismo”, existem modelos muito diferentes”.

Moura Neves (1997) percebe que alguns estudiosos simplesmente consideram seus

trabalhos funcionalistas pelo fato de rejeitarem o formalismo, sem levarem em conta as

contribuições que aquela escola trouxe para a linguagem, como, por exemplo, a integração da

pragmática na teoria gramatical.

Sabendo disso, esclarece-se que, nesta pesquisa, se adota o funcionalismo de

orientação moderada, que entende a língua como um instrumento de interação social entre os

falantes, cujo principal objetivo é a relação comunicativa; ou seja, a partir do momento em

que emissor e interlocutor se comunicam, a língua cumpre seu papel.

Considera-se que a atividade comunicativa não se estabelece ao acaso, mas é regida

por algumas normas, regras, que constituem o sistema linguístico. Para tal estudo, esta

dissertação se fundamenta na conjugação de orientações de enfoques funcionalistas. Pauta-se

na proposta da Gramática Funcional de Simon Dik (1981, 1997), referente à formação e à

expressão de predicados/predicadores complexos e à estruturação de predicações. Para análise

do comportamento sintático-semântico das categorias funcionais de tornare, bem como da

trajetória desse item lexical (de Vpredicador a verbo instrumental) recorre-se aos parâmetros

do processo de gramaticalização de Hopper (1991), Heine et alii (1991) e Heine (1993).

Quanto à delimitação das extensões de sentido/uso de tornare, utiliza-se o conceito de

categorização delineado por Taylor (1995), que estabelece a classificação dos predicados

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complexos (unidade lexical com função predicante que resulta da integração de Vsuporte e

elemento não-verbal) em função da observação do seu comportamento e das propriedades que

os aproximam ou os afastam daquelas que pertencem à categoria considerada “prototípica”, o

que gera o conhecimento de categorias intermediárias, que têm elementos com

comportamento híbrido, isto é, elementos que partilham propriedades com elementos de uma

e outra categoria. No que diz respeito ao papel de frequência de tornare quanto a sua

gramaticalização, recorre-se a Bybee (2003), no que diz respeito à configuração da associação

da frequência de uso para a mudança categorial.

Antes de tratar de alguns pressupostos da linguagem, ressalta-se que o

desenvolvimento de uma Gramática Funcional (doravante escrita GF) está relacionado à

tentativa de se explicar a natureza da linguagem a partir de um critério funcional,

considerando que as noções funcionais têm um papel fundamental nos níveis sintático,

semântico e pragmático. Dessa forma, sabe-se que o objetivo da GF é verificar os meios pelos

quais as línguas naturais se desenvolvem.

A escola funcionalista não admite a idéia de se estudar a língua de modo autônomo,

mas procura investigá-la inserida no discurso, em situações comunicativas. Por isso, por ser,

ao mesmo tempo, dinâmica e funcional, a língua possui uma instabilidade entre forma e

função que faz com que a mesma seja passível de transformação. Por esse motivo, recorre-se

a Nichols (1984:100), no que diz respeito ao conceito de função como “propósito” e

“contexto” (function e context), isto é, a língua serve aos propósitos comunicativos e seleciona

determinadas expressões linguísticas a depender do contexto comunicativo vigente. Sendo

assim, o Funcionalismo interessa-se pelos fenômenos da língua a partir de seu uso na

comunidade linguística. Nesse enfoque, é importante observar a forma como os usuários da

língua interagem social e comunicativamente em atividades e situações diversas, cabendo aos

linguistas essa tarefa. Esses estudiosos não descartam quaisquer possibilidades de uso, mas

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levando em conta que é por meio de novos usos linguísticos que se podem estudar as

possibilidades da língua, procuram entender o surgimento de novos fenômenos linguísticos.

Para tanto, tenta-se explicar os princípios e regras que regem as expressões utilizadas, com o

propósito de se conseguir analisar a estrutura da sentença em sua totalidade.

Dentre as diferentes perspectivas funcionalistas, a adotada nesta dissertação é a de

Simon Dik (1981, 1997), considerada “moderada” pelo fato de analisar a estrutura linguística

no âmbito dos níveis semântico e pragmático, reconhecendo que uma análise da língua não

deve ser realizada somente funcional e formalmente, mas também considerando a forma e a

motivação do falante.

Segundo a corrente funcionalista, o termo “função” corresponde ao papel que a língua

desempenha na vida do homem, ou seja, à finalidade com que este utiliza a linguagem.

Segundo esse modelo teórico, o uso da língua ajuda a entender a estrutura desta, propondo

uma relação entre sociedade e língua.

Ressalta-se que o uso concreto da língua, ou seja, o discurso, não pode ser visto

separadamente da gramática. Esta não é independente, pois é formada de modo convencional,

mais ou menos regular, resultado de uma experiência física e social. A gramática, embora seja

previsível quanto ao seu procedimento convencional, no que diz respeito aos meios pelos

quais utiliza para padronizar e limitar determinadas estruturas, não se estabiliza por completo,

pois está num continuum e se adapta às mudanças linguísticas. Isso significa que, a depender

de variação e mudança linguística, as regras gramaticais também mudarão, adaptando-se à

língua em uso. Dessa forma, a noção de gramática está vinculada ao discurso e a processos

cognitivos, uma vez que considera a motivação do falante quanto à utilização de uma forma

linguística. Assim sendo, entende-se que discurso é organizado a partir da motivação do

falante, no que diz respeito à situação real de comunicação, uma vez que ele o ordena com

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diferentes possibilidades de formas das estruturas linguísticas. O discurso é, portanto, a

funcionalidade da língua.

3.2. Enfoque funcionalista sobre predicação

Dik (1981, 1997) compreende a língua, primeiramente, como instrumento de interação

social entre os indivíduos, tendo como principal objetivo o estabelecimento da comunicação.

Para esse autor, o que mais interessa ao funcionalismo é o êxito com que os falantes

conseguem se comunicar através das expressões linguísticas. Logo, pode-se dizer que a GF

interessa-se pela descrição das línguas naturais, tendo em vista que esta pode ser analisada

funcionalmente, preocupando-se com a organização das regras linguísticas dentro das

estruturas em que aparecem, e considerando em sua análise as diferentes relações funcionais.

As regras da GF se fundamentam em dois itens: função e categoria. Esta concebe as

propriedades internas dos constituintes, já aquela diz respeito às relações entre os constituintes

com relação aos tipos de sentenças em que aparecem. Essas relações funcionais são tratadas

em três níveis distintos: sintaxe, semântica e pragmática (que pretendem dar conta da sentença

por inteiro), explicados mais adiante.

O estudo funcionalista pretende analisar a forma como os falantes utilizam sua língua

materna, o modo como falam e desenvolvem as regras que formam as expressões linguísticas.

Para tanto, aconselha-se a aplicação de dois princípios que têm explicação funcional (cf. DIK,

1997:4, v. 1):

(i) Uma teoria da linguagem não deveria contentar-se em expor as regras e os princípios subjacentes à construção das expressões linguísticas em função delas mesmas, mas deveria tentar, sempre que seja possível, dar uma explicação dessas regras e princípios

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em termos da sua funcionalidade com relação aos meios de utilização pelos quais essas expressões são utilizadas; (ii) Embora, em si mesma, uma teoria do sistema linguístico não seja o mesmo que uma teoria do uso da língua, é natural a exigência de que ela seja concebida de tal forma que possa ser concretamente incorporada mais fácil e realista a uma teoria pragmática de interação verbal de caráter mais abrangente.

Partindo do princípio de que a língua serve à interação comunicativa, diz-se que a

língua natural do falante faz parte de sua competência comunicativa. Dessa forma, os usuários

não apenas transmitem e recebem informações entre si, eventualmente, mas mudam algumas

informações pragmáticas através da interação verbal. Significa dizer que a interação verbal é

uma atividade desenvolvida em conjunto, de forma estruturada e trabalhada entre

interlocutores. Estruturada por ser regida de regras e normas, e trabalhada entre interlocutores

porque se precisa de, pelo menos, dois participantes para haver interação comunicativa. Sendo

assim, os usuários se utilizam da interação verbal para formarem as expressões linguísticas.

Utilizando-se dessa teoria, este trabalho visa a descrever as regras de formação das

expressões linguísticas com tornare.

A seguir, é mostrado o modelo de interação verbal representado por Dik (1997:8-9,

v.1):

Figura 1: Modelo de interação verbal da Gramática Funcional de Dik (1997:8-9, v.1)

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Através do modelo de Dik (1997), nota-se que o emissor e o destinatário possuem

alguma quantidade de informação pragmática. Quando o emissor diz algo ao destinatário,

tenta modificar a PD. Para tanto, é necessário formular uma intenção comunicativa, um plano

mental que modifique a PD no destinatário. O que o emissor deseja é formular sua intenção

comunicativa de forma a alcançar seu objetivo, ou seja, de modo que o destinatário entenda.

Para isso, o emissor tentará antecipar a interpretação que o destinatário atribuirá à expressão

linguística, de forma a reconstruí-la, para, então, alcançar seu propósito.

O destinatário, no entanto, tenta reconstruir a intenção comunicativa do emissor,

através da interpretação da expressão linguística. A depender da interpretação que o

destinatário fizer, poderá haver modificação em sua informação pragmática, correspondendo à

intenção do emissor. Quando este não consegue se fazer claro, há uma interpretação

equivocada por parte do destinatário.

Salienta-se que a intenção do emissor e a interpretação do receptor são mediadas pela

expressão linguística, que é feita em uma “escala de explicitação”, isto é, quando houver

pouca diferença entre a intenção comunicativa e o conteúdo semântico da expressão

linguística é porque a intenção comunicativa foi codificada de modo explícito, já se houver

grande diferença entre a intenção comunicativa e o conteúdo semântico da expressão

linguística, significa que aquela foi codificada de modo implícito. Pelo que foi explanado,

disse que cabe ao destinatário a interpretação da expressão da língua, que se estabelece em

virtude da intenção comunicativa do emissor.

A GF de Dik (1981, 1997) se preocupa com a estrutura interna da oração, levando em

consideração as relações semânticas e sintáticas presentes nas mesmas. Para entender essa

estrutura interna, esse autor desenvolve uma gramática funcional baseada nas expressões

linguísticas em contextos de uso. Mostra-se, por exemplo, que, na organização da língua, em

nível morfossemântico, os predicadores formam o bloco de construção mais básico, de modo

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que, a partir dele, toda a oração possa ser desenvolvida. Por isso, apresentam-se abaixo,

alguns pressupostos relativos à formação de predicadores:

· todos os itens lexicais são analisados como predicados; · diferenciam-se categorias ou subcategorias de predicados, segundo suas propriedades formais e funcionais (muitas línguas possuem, pelo menos, predicados verbais (V), nominais (N) e adjetivais (A), e outros subtipos nessas categorias); · as categorias básicas de predicado “Verbo, Nome e Adjetivo” são definidas em termos de suas funções primárias: V = tem primariamente função predicativa/predicante, é o predicado principal da predicação; N = tem função de designar entidades, é o primeiro elemento com função restritiva/delimitadora (first restrictor) numa estrutura de termo, é o núcleo de um termo; A = tem primariamente função atributiva/modificadora, é o segundo elemento restritivo (second restrictor) numa estrutura de termo; · os predicados podem ser básicos (quando não existe, sincronicamente, regra de formação de predicados produtiva, segundo a qual possam ser formados) ou derivados (resultantes de regras de formação de predicados); · todos os predicados básicos estão contidos no léxico da língua; · os predicados, considerados como partes de estruturas chamadas marcos predicativos (predicate frames), já apresentam uma espécie de informação/indicação do que pode ser associado a eles na estruturação de predicações (uma definição de significado e uma estrutura formal básica);

· cada marco predicativo especifica aspectos básicos do predicado: sua forma lexical, sua categoria sintática (elemento Verbal, Adjetival, Nominal); sua valência, ou seja, o número de argumentos exigidos pelo predicado (x1, x2, xn); as restrições de seleção (as condições necessárias para a inserção dos termos que ocuparão as posições argumentais) que o predicado impõe aos seus argumentos; · cada marco predicativo básico no léxico associa-se a um dado número de postulados semânticos (meaning

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postulates), por meio dos quais o predicado se relaciona semanticamente a outros predicados da língua (se esses “postulados de significado” contribuem para a especificação completa do significado do predicado, podem ser denominados definições semânticas –

“meaning definitions”); · Já os predicados derivados têm seu significado especificado pela regra de formação de predicados; · os predicados derivados também consistirão em marcos predicativos (derivados); · a ordem de apresentação dos marcos predicativos (primeiro, o predicado e, depois, os argumentos) é apenas uma convenção, visto que a ordem real será definida apenas no nível das regras de expressão. (DIK, 1997:59 e 61, v. 1)

As suposições quanto aos termos para o modelo de uma gramática funcional são as seguintes:

· distinguem-se termos básicos, que são os elementos básicos contidos no léxico de uma língua, e termos derivados (derived terms), resultantes de regras de formação de termos; · regras de formação de termos produzem estruturas de termos segundo o esquema (wxi: ji (xi): j2(xi): ... jn (xi)) – em que "w" simboliza um ou mais operadores de termo (determinante, número, quantificador), "xi" representa o referente-alvo e cada "j (xi)" é uma predicação aberta em relação a x1 (j atua como um elemento que restringe x1); · a ordem imposta à estrutura de termos, conforme o esquema anteriormente referido, reflete a ordem “semântica” segundo a qual os vários operadores e especificadores/restritores (restrictors) contribuem para a definição do referente-alvo e não a ordem de realização linguística, já que esta será determinada por regras de expressão; · a forma dos termos varia – há desde itens lexicais simples, como pronomes ou nomes, até sintagmas extremamente complexos; · os termos também podem estabelecer referência a entidades de nível mais alto na hierarquia proposta pelo diagrama citado, tais como “estados de coisas”, “fatos possíveis” ou “atos de fala”, quando constituem ou

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contêm, respectivamente, predicações, proposições ou atos de fala. (DIK, 1997:61, v. 1)

Segundo Dik (1997), é o sistema de regras de expressões (que determina a forma, a

prosódia e a ordem dos constituintes da estrutura profunda) que possibilita a exposição das

expressões linguísticas, que por sua vez se formam através da estrutura subjacente de

cláusula. Para o linguista, toda oração deve ser descrita de acordo com essa estrutura. Veja

abaixo, a referida estrutura feita por Dik (1997:67, v.1):

Figura 2: Sistema de regras de expressões

Sabe-se que os operadores e satélites podem não aparecer. Quando isso ocorre a

oração não apresenta uma estrutura complexa como a descrita acima, logo as posições vazias

devem ser marcadas por “Ø”.

Ao falar em predicação nuclear, imagina-se que determinados termos funcionarão

como argumentos de certos predicados, preenchendo-os. Por termo, entendem-se argumentos

que podem se referir a qualquer entidade no mundo. Já o predicado designa as relações

existentes entre os termos. Dessa forma, a predicação nuclear existirá a partir do momento em

que os termos preencherem as suas casas argumentais.

Os predicados constituem-se como básicos ou derivados. É considerado básico

quando não resulta de um processo sincrônico produtivo, uma vez que seus dados vêm do

léxico e contém todas as informações pertinentes a um predicado. Um exemplo disso são os

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lexemas simples (verbais, adjetivais ou nominais) que têm sentido pleno. Denominam-se

predicados derivados aqueles que resultam de um processo produtivo, que se constituem por

regras de formação.

As expressões linguísticas que têm comportamento sintático-semântico contêm o que

se denomina de “marco predicativo”, que deve proporcionar algumas informações acerca do

predicado, tais como:

(i) sua forma léxica; (ii) a categoria sintática a que pertence; (iii) o número de argumentos que requer; (iv) as restrições de seleção que o predicado estabelece sobre seus argumentos; (v) as funções semânticas que realizam os argumentos. (DIK, 1981:34)

É através da predicação nuclear que são descritas as relações semânticas de certas

expressões linguísticas. A predicação nuclear apresenta propriedades tradicionais definidas

por relações semânticas e sintáticas. Ela pode se ampliar através de satélites (entidades que

possuem o mesmo status informacional dos argumentos, como por exemplo, o tempo, a causa

e a finalidade), apresentando estrutura interna semelhante a dos termos.

As funções pragmáticas contribuem essencialmente para a análise das regras

linguísticas. Sendo assim, é importante entender como elas se diferenciam. Primeiramente, há

na predicação duas funções pragmáticas, tanto internas quanto externas. Como função externa

tem-se o tema, que especifica o universo do discurso com respeito ao qual a predicação

subsequente se apresenta como pertinente; e o apêndice, que apresenta, como uma idéia

adicional da predicação, informação destinada a esclarecê-la. Já como função interna,

destaca-se o tópico, que apresenta a entidade (a respeito de) à qual a predicação predica

algo na localização dada; e o foco, que apresenta o que é, relativamente, a informação mais

importante na localização dada. (DIK, 1981: 38)

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As funções descritas acima marcam o status informacional dos constituintes em uma

situação linguística. Sabe-se que essas funções podem se diferenciar a depender da língua em

que são utilizadas, mas acredita-se que há uma ordem para sua a utilização. As estruturas da

predicação que têm em seus temas os três níveis funcionais constituem a concretização das

regras que permeiam as expressões linguísticas, tendo nas regras de expressão as estruturas

funcionais que se projetam em estruturas sintáticas. Observe a seguir, um esquema com as

diferentes regras de procedimentos da GF (DIK, 1997:60, v.1).

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Figura 3: Modelo global da Gramática Funcional de DIK (1981, 1997)

A construção das predicações é a base para que a gramática funcional descreva as

expressões linguísticas. É preciso entender que na estrutura geral das predicações existe

diferença entre predicação nuclear e predicação expandida. Como predicação nuclear

entende-se determinado número de termos que ocupem as posições dos argumentos de um

predicado qualquer, estabelecendo um conjunto de estado de coisas, ou seja, o conjunto de

estado de coisas no qual a propriedade ou relação que designa o predicado é válida para os

termos específicos ao qual se aplica o predicado (DIK, 1981:45).

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Diante de uma predicação nuclear definindo um estado de coisas é possível construir

uma predicação expandida em que podem existir n satélites. São eles que dão, opcionalmente,

acréscimos de informações à predicação nuclear. Ressalta-se que os argumentos nucleares são

importantes para a definição do estado de coisas, pois é nele que a função semântica define a

Predicação expandida relação que o papel do termo exerce no predicado. Em síntese, a

expansão da predicação se dá com a junção de argumentos, satélites e predicado, formando

termos da predicação nuclear, que juntos tornam a predicação expandida.

A regra de formação dos predicados se dá, conforme GF, através das funções dos

argumentos nucleares que estão presentes nos marcos predicativos. É interessante observar a

perspectiva dessa gramática, pois a mesma acredita que através das funções semânticas, um

maior número de línguas possa ser contemplado, conforme se observa em Dik (1981:52): As

funções semânticas propostas pela Gramática Funcional são as que têm bastante

probabilidade de serem adequadas para a descrição de um grande número de línguas.

É, portanto, por meio do termo função semântica que se pode observar mais

claramente o caráter funcional do objeto de estudo, assim como as semelhanças entre a função

semântica, sintática e pragmática. Estas atuam em níveis linguísticos distintos, formando,

através das expressões linguísticas, uma rede complexa.

Veja como Dik (1997) apresenta as relações funcionais:

(i) Funções semânticas (agente, meta, receptor, etc.): especificam os papéis que os referentes ligados aos termos desempenham no estado de coisas designado pela predicação em que esses termos ocorrem. (ii) Funções sintáticas (sujeito e objeto): especificam a perspectiva segundo a qual o estado de coisas é apresentado na expressão linguística. (iii) Funções pragmáticas (tema, tópico, foco, etc.): especificam o status informacional dos constituintes num conjunto comunicativo mais amplo em que ocorrem (ou

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seja, em relação à informação pragmática do emissor e do destinatário no momento do uso. (DIK, 1997:26, v.1)

As funções descritas acima apresentam as características existentes quanto à forma e

conteúdo das expressões da língua, já que mostram o que há de inerente quanto à semântica e

à forma dessas expressões.

Sabe-se que a predicação nuclear pode variar, uma vez que representa todas as

possibilidades de combinação do predicado, básico ou derivado.

Quadro 1: Tipos de estado de coisas

Uma predicação pode designar situação (estado ou posição) e evento (processo –

dinamismo ou mudança; e ação – atividade ou realização). A fim de se reconhecerem os tipos

de estado de coisas, é preciso examinar alguns parâmetros semânticos, como: [±dinâmico], [±

télico], e [±controle]. Dik (1997) também menciona os parâmetros [± momentâneo]19 e [±

experiência], porém o primeiro não influencia significativamente na organização linguística;

logo, não mostra a mesma relevância que os demais para a diferenciação entre os estados de

coisas, e o último é considerado secundário se comparado aos outros.

Com o intuito de esclarecer os parâmetros semânticos [±dinâmico], [± télico], e

[±controle], esta pesquisa vale-se do quadro elaborado por Esteves (2008)20, com base em

Dik (1997)21, em sua dissertação sobre construções com verbo dar + SN:

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Quadro 2: Parâmetros semânticos do estado de coisas na predicação (Cf. ESTEVES, 2008:67)

Dik (1997:115, v.1) considera o seguinte quadro no que diz respeito à relação entre os

estados de coisas e os parâmetros semânticos descritos por ele:

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Quadro 3: Combinações de aspectos para a definição dos estados de coisas

Dik (1997:120,v.1) comenta a possibilidade de distribuir as funções semânticas em até

três lugares, conforme se observa em sua gramática:

Sobre o esquema acima, Dik (1997:120, v.1) considera:

(a) Nos marcos predicativos nucleares nunca há mais de um exemplo de uma dada função semântica. (b) Em todos os marcos predicativos, o primeiro argumento tem uma das funções de [1].

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(c) Em marcos predicativos de dois lugares, o segundo argumento tem uma das funções de [2a] ou [2b]. (d) Em marcos predicativos de três lugares, o segundo argumento tem alguma função de [2a], e o terceiro argumento uma das funções de [2b]. (e) Estados de coisas [-dinâmicos] são incompatíveis com funções semânticas que pressupõem movimento (Direção e Origem).

Ressalta-se que certas predicações com tornare podem ocupar mais de dois lugares,

portanto, esta pesquisa considera marcos predicativos de até três lugares. O último deles

refere-se ao “destino/ponto de chegada”.

Dik (1997) comenta sobre a possibilidade de inversão entre os argumentos 2 e 3,

explanando que, a depender do enfoque dado, uma ou outra possibilidade alcança melhor o

objetivo comunicativo.

3.3. Processo de gramaticalização

O fenômeno da gramaticalização consiste num processo de transferência de itens

lexicais à categoria gramatical ou de itens menos gramaticais a mais gramaticais, envolvendo,

assim, uma nova categorização de itens linguísticos. Isso ocorre devido a motivações

comunicativas e cognitivas, já que o falante, ao não encontrar no sistema expressões que

melhor exprimam o que pretende ou ao buscar uma alternativa para se manifestar em certas

atividades ou situações de comunicação, vale-se do processo de manipulação

conceitual/reconfiguração de elementos disponíveis no sistema de acordo com o potencial

dessas formas e as possibilidades de codificação previstas no sistema. Logo, o que motiva os

novos usos e funções de formas linguísticas é a comunicação. O estudo da polissemia, por

exemplo, presente nesta dissertação, relaciona-se ao estudo do processo da gramaticalização.

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Retomando o que já foi descrito, predicações nucleares são formadas com base em

termos que designam entidades em algum mundo e de predicados que estabelecem

propriedades de termos ou relações entre estes. Essa interação entre predicado e termo

configura um estado de coisas que é definido por Dik (1997) como qualquer entidade

conceptual, não apenas “alguma coisa que pode ser localizada numa realidade extra-mental ou

ser dita para existir num mundo real” (Dik, 1997, v.1, p. 105)6.

Segundo o autor, para se definir um tipo de estado de coisas, é necessário observar a

natureza composicional das propriedades semânticas do predicado e dos termos. Essa

tipologia de estados de coisas é descrita tendo em vista alguns parâmetros semânticos: ±

dinâmico [±din], ± télico [±tel], ± momentâneo [±mom], ± controle [±con] e ± experiência [±

exp]7.

De acordo com Dik (1997), o parâmetro da dinamicidade pode ser descrito em termos

da distinção que o autor faz entre situação [-din] e evento [+din]. Um estado de coisas [-din]

configura-se a partir de uma situação em que não abrange qualquer tipo de mudança das

entidades abarcadas em todos os pontos temporais de tal estado de coisas. Nesse sentido, as

entidades envolvidas nesse tipo de estado de coisas devem permanecer inalteradas, tendo que

ser, necessariamente, as mesmas durante todo o tempo em que o estado de coisas se situa. O

autor apresenta os seguintes exemplos para ilustrar essa ausência de dinamicidade:

(i) a. A substância estava vermelha. b. João estava sentado na cadeira de seu pai.

Um estado de coisa [+din], por outro lado, caracteriza-se como um evento que contém

em si algum tipo de mudança ou dinamismo interno. Tal dinamismo pode consistir em

recorrentes parâmetros de mudança ao longo de toda a duração do estado de coisas ou numa

única mudança gradativa de um ponto inicial até um final

6 (...) something that can be located in extra-mental reality, or be said to exist in the real world. 7 O parâmetro [±exp] é considerado por Dik (1997) menos relevante que os demais no que diz respeito à organização das línguas naturais e, por isso, não deve ser comparado com os outros tipos de estados de coisas.

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A referência mais antiga do uso da palavra gramaticalização foi aparentemente

apresentada por Meillet, que a definiu como “ a atribuição de um caráter gramatical para uma

palavra anteriormente autônoma” (1912:131), e apontou que, em cada situação onde a fonte

histórica de uma forma gramatical fosse conhecida, essa fonte poderia ser demonstrada como

sendo uma palavra léxica comum. Em retrospecto, nos somos tentados a ver nas formulações

de Meillet e em seu uso do termo gramaticalização um sentido de que um tipo especifico de

mudança histórica estava em curso e, analogicamente, ele estava preocupado em explicar em

termos amplos “ a história da gramática”, os antecedentes históricos à estrutura, em uma

língua. Tal interpretação é certamente simpática aqueles que vêem a estrutura gramatical

como um componente contido em si mesmo. Meillet, que se refere frequentemente ao “Le

système grammatical (D’une langue), em teoria concordaria.

Há também indicações em seus escritos que aquilo que é distintivamente gramatical

numa língua não é sua estrutura ampla mas as formas gramaticais individuais que

compreendem esta estrutura. O autor aponta (Meillet, 1925:25) que a identidade específica de

uma língua não é sua gramática no sentido amplo. A língua francesa e a inglesa não são

distintas por mostrar a relação entre dois nomes por meio de uma partícula, mas pela forma e

posição da partícula.

As próprias investigações filológicas de Meillet sempre enfatizaram a história das

formas gramaticais individuais, que são referidas inequivocadamente como “aspectos

singulares” (faits singuliers), “aspectos particulares” (faits particuliers), fatores específicos

(traits spècifiques), e “processos particulares de expressão da morfologia” (procedes

particuliers d’expression de La morphologie) (Meillet,1925:22-25). Vale ressaltar que estes

estudos gramaticais comparativos eram entremeados com estudos etimológicos sobre

vocabulário cultural Indo-Europeu sem qualquer conotação que um ou outro aspecto de

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reconstrução e história fosse mais importante. O estudo de Meillet, em outras palavras,

enfatizavou o particular sobre o geral em praticamente todos os aspectos de mudança.

O ampliação do estudo de gramaticalização como exemplificado no trabalho de Givón

(1971,1979), Heine e Reh (1984), e outros, mostrou que o alcance do fenômeno a ser

estudado não está restrito à morfologia, mas inclui o que Givón chamou sintaticização, a

fixação de ordem de palavras pragmaticamente motivadas em construções sintáticas e

padrões acordados. Meillet apresentou a mudança de ordem livre de palavras em Latim para

ordem fixa de palavras em Francês (1912: 147-8), como um exemplo de gramaticalização

A mais extensiva definição de gramaticalização implícita em Heine (2003) levantou a

seguinte questão: com o avanço do estudo de gramaticalização, haveria, no fim, espaço para a

noção de gramática no sentido de relação estrutural estática (Hooper, 1987;1988a;1988b). Se

gramática não é um discreto conjunto modular de relações, poderia parecer que nenhum

conjunto de mudanças pode ser identificado que distintivamente caracterize a

gramaticalização em oposição a mudanças léxicas ou mudanças fonológicas em geral. A

única maneira de identificar exemplos/estágios de gramaticalização seria em relação a uma

prévia definição de gramática, mas parece não haver modo claro no qual as fronteiras que

separam gramatical de léxico e outros fenômenos possam ser significativas e

consistentemente desenhadas. Consequentemente, parece não haver possibilidade de construir

uma tipologia de gramaticalização, ou de construir princípios que irão discriminar entre

gramaticalização e outros tipos de mudança.

A defesa para essa conclusão vem da pesquisa sobre mudança/alteração semântica,

Traugott (1989) examina os tipos de alteração semântica que acompanham a gramaticalização

assim como as mudanças semânticas em geral, e mostra que a gramaticalização não é distinta

de outras formas de alteração semântica, mas que várias tendências, talvez para serem

incluídas sob um ainda menor número de tendências mais amplas, parecem governar a

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maioria das mudanças semânticas se pensadas como léxicas ou como gramaticais. Dik (1997)

trabalha com a questão da validação final dos princípios aqui apresentados.

1. Gramática: Algumas suposições

Enquanto a definição de gramática, e então de gramaticalização, seja problemática para

uma língua tomada isoladamente, algumas suposições “de trabalho” são possíveis numa

perspectiva linguística cruzada. Essas suposições podem prover um ponto de entrada para

uma investigação das regularidades emergentes que tenham potencial para ser exemplos de

gramaticalização:

a. Categorias que podem ser “morfologizadas” podem seguramente ser

ditas como parte da gramática. Bybee (1985) demonstrou que aspecto, número,

tempo e caso, entre outros, ocorrem frequentemente nas línguas como morfologia

afixal. Mas alguns desses também podem ocorrer em colocações mais frouxas na

forma de advérbios e outros elementos livres. Portanto categorias que são

comumente “morfologizadas” em uma língua podem ser candidatas a construções

gramaticais emergentes em outra; um exemplo está na sugestão de Mulac e

Thompson que o inglês vernacular ‘I think’ (acho) assumiu um status quase

gramatical como evidência .

b. Certos tipos de itens lexicais são conhecidos tipicamente por

desenvolverem-se em clíticos e afixos gramaticalizados. Essas mudanças são

atualmente tão ricamente documentadas que apenas alguns exemplos necessitam

ser mencionados: Pronomes demonstrativos tornam-se artigos e marcadores de

classe; verbos copulares e verbos de ação tornam-se morfemas ‘aspectuais’; nomes

denotando tornam-se ad posições e eventualmente afixos de caso de vários tipos. A

lista detalhada dessas mudanças dada por Heine e Reh (1984: 269-81) para línguas

africanas é de relevância universal. A ocorrência de certos itens lexicais em

colocações frequentes (por exemplo, quando a palavra ‘pé’ ocorre repetidamente

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em frases como ‘ao pé da colina’, etc.) pode ser primeira evidência de

gramaticalização incipiente.

A aplicação dessas generalizações linguísticas cruzadas sobre gramaticalização é uma

técnica padrão, se usualmente tácita, para guiar uma investigação de gramaticalização numa

língua particular. Tais generalizações são especialmente necessárias se dados históricos

diretos não estão disponíveis, uma situação que pode ocorrer não somente em línguas que não

possuem registro histórico, mas mesmo em línguas com história amplamente documentada.

Novamente, a evidência em inglês ‘I think’ (eu acho) analisada por Thompson e Mulac

fornece um bom exemplo: Dados históricos dessa construção são esparsos por que ela

presumivelmente sempre foi restrita à língua falada. Embora muitas línguas possuíssem

evidências “morfologizadas”, e pareceria natural procurar seu início pragmático no inglês

vernacular e focar num verbo epistêmico como ‘think’ como um possível candidato. Mas

existe algum princípio intralíngua pelo qual possamos identificar exemplos de construção que

podem ser ditos como “ser pego em gramaticalização. Podemos discriminar num contexto de

língua simples (i.e. não comparativa, não histórica) entre colocações acidentais e uma que

esteja se movendo em direção a algum tipo de status gramatical.

Uma proposta para essa questão foi sugerida por Lehmann em seu trabalho de 1985, em

que vários concorrentes de gramaticalização são descritos:

- Paradigmatização (a tendência das formas gramaticalizadas se organizarem em

paradigmas);

- Obrigatorificação (a tendência de formas opcionais tornarem-se obrigatórias);

- Condensação (o encurtamento das formas);

- Coalescência (colapso conjunto das formas adjacentes);

- Fixação (ordens lineares livres tornando-se fixas).

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Tais princípios são úteis, em realidade indispensáveis, como guias das mudanças

históricas, e tem repetidamente provado seu valor no estudo da gramaticalização. Eles são,

entretanto, características da gramaticalização que já atingiu um estágio claramente avançado

e é inequivocadamente reconhecido como tal.

Dik (1997) propõe cinco princípios de gramaticalização:

1) Estratificação. “Dentro de um amplo domínio funcional, novas camadas

estão continuamente emergindo. Quando isso acontece, as camadas mais antigas não

são necessariamente descartadas, mas podem permanecer para coexistir e interagir

com as camadas mais novas.”

2) Divergência. “Quando uma forma léxica sofre gramaticalização para

um clítico ou afixo, a forma léxica original pode permanecer como um elemento

autônomo e sofrer as mesmas alterações como itens léxicos comuns.”

3) Especialização. “Dentro de um domínio funcional, em uma etapa uma

variedade de formas com nuances semânticas diferentes pode ser possível; à medida

que a gramaticalização ocorre, essa variedade de escolhas formais se estreita e o

menor número de formas selecionadas assume significados gramaticais mais gerais.”

4) Persistência. “Quando uma forma sofre gramaticalização de uma função

léxica para uma gramatical, contanto que seja gramaticalmente viável alguns traços de

seu significado léxico original tendem a aderir a ele, e detalhes de sua história léxica

podem ser refletidos e perdidos na sua distribuição gramatical.”

5) De-categorialização. “As formas sofrendo processo de gramaticalização

tendem a perder ou neutralizar os marcadores morfológicos e privilégios sintáticos

característicos das categorias ‘cheias” Nome e Verbo, e assumem atributos

característicos de categorias secundárias com Adjetivos, Particípio, Preposição, etc.”

Outro aspecto importante para o fenômeno da gramaticalização é o papel da

frequência de entidades vinculadas às categorias do continuum. Bybee (2003) e Heine et alii

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(1991) mencionam que existe uma relação entre o uso frequente de determinados itens

linguísticos e a gramaticalização.

Entende-se por domínio funcional qualquer área funcional geral como

tempo/aspecto/modalidade, caso, referência, etc. tipos que com frequência se tornam

gramaticalizadas.

Bybee (2003) comenta que a frequência de uso não resulta apenas em

gramaticalização, mas pode motivar o processo, instigar a mudança. O enfraquecimento

semântico ou generalização de elementos linguísticos que passam pelo processo da

gramaticalização são encontrados no uso. Uma vez “enfraquecidos” tornam-se mais gerais,

abstratos, o que faz com que seu uso se torne mais frequente. O mecanismo que está por trás

do esvaziamento semântico é o hábito: “um estímulo perde seu impacto se ocorre muito

frequentemente”. (BYBEE, 2003:605)

Em uma proposta de definir o processo de gramaticalização, Bybee (2003:603)

reconhece o papel crucial da repetição no fenômeno e o caracteriza como “um processo pelo

qual sequências de palavras ou morfemas frequentemente usados se tornam automáticos como

uma única unidade de processamento”. Sobre a frequência observa que:

(i) leva ao enfraquecimento da força semântica pelo hábito: com o hábito o organismo pára de responder o estímulo repetido da mesma forma; (ii) interfere na redução e na fusão fonológica com a repetição, condicionadas pelo uso da construção em sentenças contendo informação velha ou de fundo; (iii) condiciona uma autonomia maior para a construção, ou seja, seus componentes individuais perdem ou enfraquecem suas associações com outros usos dos mesmos itens; (iv) gera a perda de transparência semântica que, por sua vez, leva ao uso da construção em novos contextos, com novas associações, estabelecendo mudança semântica;

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(v) faz com que o sintagma frequente e autônomo passe a ser mais “penetrado” (entrenched) na língua, preservando características morfossintáticas antigas.

(BYBEE, 2003:604)

A autora investiga dois tipos de frequência: a de ocorrência (token frequency) e a de

tipo (type frequence). A primeira corresponde à expressividade da unidade, geralmente,

palavra ou morfema no texto. No caso de tornare, pode-se verificar a quantidade de dados

atuando em diferentes categorias. A segunda refere-se a um tipo de estrutura em particular,

como, por exemplo, determinados aspectos configuracionais envolvidos na atualização de

tornare nas categorias gramaticais aqui detectadas.

3.3.1. Gramaticalização de verbos auxiliares

Tradicionalmente, os autores se indagam sobre o fato de os auxiliares serem uma

classe separada dos verbos ou se é parte da classe dos verbos. Questionam também se é uma

categoria universal ou não, mas a questão se uma língua tem ou não auxiliar depende

crucialmente do tipo de critério adotado para se dizer se um verbo é auxiliar ou não.

Os funcionalistas levantam a hipótese de que, como não há categorias discretas, não

existe um limite separando os auxiliares dos verbos plenos: os dois fazem parte de um

continuum ou graduação.

Os formalistas, a partir da necessidade de classificar uma entidade numa e noutra

classe, passaram a buscar outras subclassificações, com a de verbos quase-auxiliares (verbos

que apresentam funções gramaticais quando seguidos de uma forma nominal de verbo),

verbos catenativos (verbos que expressam noções como atitudes, necessidade, percepção,

futuridade), semi-modais.

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Heine objetiva demonstrar como os auxiliares são formados nas línguas e demonstrar

o continuum de gramaticalização que leva um verbo pleno a ser usado como auxiliar.

Segundo o autor, os auxiliares expressam conceitos gramaticais relacionados ao estado

temporal (tempo), o contorno temporal (aspecto) e o tipo de realidade (modalidade) de

conteúdos proposicionais. Para ele, as expressões linguísticas para esses conceitos são

derivadas de formas de expressão para umas noções gerais que podem ser expressas

linguisticamente por alguns verbos, que são parte de um conceito complexo maior chamado

por Heine de esquemas de eventos.

a. Lugar (onde alguém está): estar em, ficar em, viver em, permanecer em etc.;

b. Movimento (para/de/através de onde alguém se move): ir, vir, mover, passar etc.;

c. Atividade (o que alguém faz): fazer, pegar, continuar, começar, terminar, agarrar,

pôr etc.;

d. Desejo (o que alguém quer): querer, desejar etc.;

e. Postura (a maneira como o corpo de alguém está situado): sentar, estar (em pé),

deitar etc.

f. Relação (o que alguém se parece; a que alguém está associado; alguém pertence

a): ser (como), ser (parte de), estar acompanhado por, estar como etc.

g. Posse (o que alguém possui): conseguir, possuir, ter etc.

Heine (1993) distingue os conceitos de origem, correspondentes a objetos concretos,

processo ou localização, dos esquemas de eventos ou proposições de origem, que se associam

aos conteúdos estereotipados que descrevem situações aparentemente básicas para experiência

e comunicação humanas e são expressas linguisticamente por meio de um predicado (termo

predicante) vinculado a variáveis (termos regidos por ele). Cada elemento desse esquema é

chamado pelo autor de entidade, que apresenta um conceito simples. Uma proposição,

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portanto, como x vê y pode ser compreendida, segundo Heine (1993, p. 31), como um

esquema de evento, já que há uma entidade chamada de predicado (vê) associada a outras

duas entidades chamadas variáveis (x e y). Os principais esquemas de eventos que são

relevantes para a compreensão do comportamento das construções com auxiliares podem ser

observados a seguir:

Tabela 1: Os principais esquemas de eventos que funcionam como fontes para as categorias gramaticais de tempo e aspecto, conforme Heine (1993, p. 31).

De acordo com Heine, esses esquemas não são igualmente básicos. Evidências

históricas sugerem que alguns desses esquemas podem ser derivados de outros e que

localização, movimento e ação são os esquemas mais básicos, pelo motivo de constituírem

esquemas de eventos de conceptualizações humanas mais salientes que outros.

O esquema de localização desenvolve geralmente aspectos progressivos. Foram

analisados em diversas línguas do mundo verbos que indicam posturas como sentar, estar de

pé e deitar, e verbos durativos como viver e ficar + preposições que indicam lugar. Na língua

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celta, por exemplo, a proposição X está depois de Y gerou a noção de aspecto perfeito (cf.

Heine, 1993, p. 34).

O esquema de movimento envolve, sobretudo, os verbos ir e vir como predicados,

mas, a essa lista de dois, podem ser acrescidos outros como mover(- se), andar, passar, chegar

e partir/deixar. Heine exemplifica esse esquema com uma ocorrência do inglês (be going to),

que indica futuro, e do francês (venir de), que indica passado, e, assim, defende a idéia de que

o esquema de movimento é mais comumente associado às categorias de tempo.

O esquema de ação é menos comum nas línguas em geral e envolve normalmente o

verbo acabar: X acabou/terminou Y e é frequentemente empregado para desenvolver o

aspecto perfeito ou terminativo.

O esquema de volição é empregado para desenvolver tempos relativos ao futuro. O

auxiliar Will do inglês é um exemplo típico.

O esquema de mudança de estado, raramente usado, pode desenvolver marcadores de

tempo e aspecto.

Heine (1993) descreve que os conceitos concretos ou esquemas de eventos são

tratados como itens de origem (source items) e os conceitos gramaticais formados a partir

daqueles são tratados como itens alvos (target items). Embora o autor proponha estágios

intermediários, a transição de um conceito de origem para um alvo não é um processo

discreto, e sim, contínuo. Dessa forma, a concepção que se deve ter desses estágios

intermediários é a de posições fluidas e graduais.

Quando uma expressão usada para um conceito de origem lexical é transferida para

designar um conceito alvo gramatical, o resultado é uma ambiguidade, pois a mesma

expressão refere-se simultaneamente a dois conceitos diferentes. Com base em exemplos com

a construção is going to, Heine (1993, p. 48) explica que, até o verbo to go (ir) apresentar

características evidentes de um elemento gramatical, tal verbo passa por diversos estágios,

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inclusive, um ambíguo em que é possível interpretar um evento de movimento ou um de

tempo futuro. Essa ambiguidade é uma etapa necessária na reanálise de verbos como

auxiliares.

Figura 4: Formação de going to designador de tempo futuro, através de um continuum configurado pelos pólos source (origem) e target (alvo); (Heine, 1993, p. 49).

O modelo de transição apresentado na figura anterior pode ser analisado numa

perspectiva diacrônica, entendendo tal processo como um desenvolvimento ao longo do

tempo, ou sincrônica, entendendo que os três usos referentes aos estágios (I, II e III)

convivem numa mesma sincronia. Segundo o princípio de divergência, descrito por Hopper

(1991), usos lexicais e instrumentais (gramaticais) de uma mesma unidade linguística podem

coexistir. Esse argumento ratifica a idéia de que gramaticalização é um processo de mudança

linguística que pode tanto ser observado no eixo diacrônico, como no sincrônico (em

pancronia, nos termos de Saussure, 1977).

Outro aspecto relevante descrito por Heine (1993) sobre esse processo de mudança

pelo qual passam alguns verbos, como to go, são as características morfossintáticas e

fonológicas desses estágios representados pelos conceitos fonte, fonte/alvo (ambíguo) e alvo.

Do ponto de vista morfossintático, o pólo do continuum caracterizado como fonte (estágio I)

reúne os elementos com seu conteúdo semântico-lexical totalmente preenchido, enquanto no

estágio III, ou conceito alvo, encontram-se os elementos de valor gramatical. O estágio II

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pode ser considerado uma categoria híbrida, por comportar aspectos que permitem uma

interpretação lexical ou gramatical. Do ponto de vista fonológico, Heine acredita numa

gradual erosão da forma linguística, acompanhando, proporcionalmente, o processo de

abstratização gradativa observado no modelo de transição de conceito fonte para conceito

alvo.

Figura 5: Implicações morfossintáticas e fonológicas do processo de mudança verbo > auxiliar.

3.3.1.1. Estágios de gramaticalização de verbos

Heine (1993) apresenta o pressuposto de que há sete estágios diferentes de

gramaticalização de itens verbais, pautando-se em quatro fenômenos básicos, que afetam

diferentes planos de estruturação linguística, para a compreensão desse processo de mudança:

dessemantização (semântica), decategorização (morfossintaxe), cliticização (morfofonologia)

e erosão (fonética).

Dessemantização caracteriza-se pela perda de conteúdo semântico. Os elementos

envolvidos no processo de gramaticalização perdem valor representacional, e ao assumir a

nova função gramatical, adquirem funções de natureza pragmático-discursiva. Ocorre que, ao

ser utilizado em novos contextos (extensão), o elemento tende a perder parte de seu sentido

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original ao ser utilizado em novos contextos. Esse desenvolvimento, segundo Heine, pode ser

explicado por meio dos seguintes estágios:

I. O sujeito é tipicamente humano, o verbo expressa um conceito

lexical e o complemento, um objeto concreto ou um lugar.

II. O complemento passa a expressar uma situação dinâmica.

III. O sujeito não é mais associado com referentes humanos, e o

verbo adquire uma função gramatical. (Heine, 1993, p. 54)8.

O processo de decategorização (ou mudança de categoria) envolve a perda de certas

propriedades morfológicas e sintáticas típicas das formas fonte pela qual passam, entre outros

itens, alguns verbos. Quando um elemento verbal, pertencente, originalmente, a uma categoria

lexical se gramaticaliza, ele perde características lexicais primárias para adquirir outras

secundárias de uma categoria gramatical de auxiliar. O processo de decategorização, segundo

Heine, é o resultado da transposição de [sujeito – verbo complemento] para [sujeito –

marcador gramatical (auxiliar) – verbo principal].

Como consequência da decategorização, a unidade linguística em processo de

gramaticalização, ganha propriedades de um marcador gramatical de tempo, aspecto ou

modalidade. Nessa função, esse item verbal passa a ocupar uma posição adjunta ao verbo

principal. Assim como os clíticos pronominais, os auxiliares caracterizam-se por terem a

aparência de um apêndice morfofonológico, formando, junto com o verbo principal, um único

vocábulo fonológico9.

8 I. The subject is typically human, the verb expresses a lexical concept and the complement a concrete object or location. II. The complement comes to express a dynamic situation. III. The subject is no longer associated with willful/human referents and the verb acquires a grammatical function. 9 Para o aprofundamento da noção de vocábulo fonológico, cf. Camara Jr. (1970, p. 62-64).

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A esses processos de mudanças de ordem semântica (dessemantização) e

morfossintática (decategorização e cliticização), junta-se a erosão fonética, que corresponde à

perda de massa fonética da forma linguística. De acordo com Heine, essa erosão da substância

fônica provoca a perda do tom distintivo ou acento. O elemento tende a sofrer coslescência

(fusão de formas adjacentes) e condensação (diminuição de forma).

Com base nesses quatro fenômenos que podem acompanhar um item verbal durante

seu processo de mudança, Heine (1993) elencou sete estágios de gramaticalização, designados

como: Estágio A, Estágio B e assim por diante até o Estágio G. Esses estágios foram

formulados tendo em vista um continuum chamado Verb-to-TAM, que é uma representação

do percurso de mudança pelo qual as unidades linguísticas passam de verbo a marcador de

Tempo, Aspecto e Modalidade (TAM).

O Estágio A é o dos esquemas de origem (objetos concretos, processos ou

localizações). Os verbos apresentam seu significado lexical completo e possuem

complemento que configura algum esquema de eventos, como os já mencionados

anteriormente. Os exemplos apresentados por Heine (1993, p. 59) representam,

respectivamente, localização, movimento, ação e volição:

1. a. Judy está na estação.

b. O trem veio de Hamburgo.

c. Ele pegou o trem.

d. Meu amigo precisa de um ingresso.10

No Estágio B, há os primeiros sinais de auxiliaridade, pois se observa um evento sob a

forma não finita como complemento do verbo e a identidade do sujeito, entre o verbo e o

10 Todos os exemplos foram retirados de Heine (1993).

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complemento, não é um requisito obrigatório. Heine (1993, p. 59) apresenta os seguintes

exemplos:

2. a. Ele evitou pegar o trem.

b. Ele arrependeu-se de ter me magoado.

No Estágio C, o sujeito não está mais restrito a referentes humanos, e o verbo passa a

expressar apenas noções de tempo, aspecto ou modo. A ligação entre verbo e complemento é

tão significativa que ambos representam uma única unidade semântica e fazem referência às

mesmas entidades envolvidas na predicação (os termos projetados pelo predicado).

3. Eu quero voltar.

No Estágio D, estão os verbos que perderam a capacidade de formar imperativos, de

ser nominalizados ou de integrar uma sentença na voz passiva. Seus complementos são

sempre um verbo ou no infinitivo ou no gerúndio.

4. Ele costuma reunir sua correspondência diariamente.

No Estágio E, o item não é mais considerado verbo. Ele perde a capacidade de ser

negado e de ser usado em diferentes posições na cláusula. Um item no Estágio E é híbrido,

porque perde propriedades verbais, mas ganha outras. Segundo Heine (1993, p. 63), os

modais do inglês como can, may, should e would estão nesse estágio.

No Estágio F, o verbo perde as características verbais remanescentes. É um elemento

instrumental dentro da gramática e seu complemento passa a ser interpretado como verbo

principal. O item verbal passa a ser um morfema preso, no entanto, os resíduos

morfossintáticos permitem recuperar a estrutura original.

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O Estágio G é o final da gramaticalização: o afixo torna-se uma flexão, não

apresentando tom ou acento diferentes do outro verbo.

Como se pôde observar, a categoria chamada auxiliar compreende diversos estágios de

gramaticalização. Para Heine, o auxiliar é um item linguístico que codifica um conjunto de

usos ao longo do continuum verb-to-TAM (verbo > flexão). O auxiliar não é um elemento

final desse continuum, e sim, uma categoria intermediária, havendo a possibilidade de se

tornar um afixo ou uma flexão. Sendo uma categoria intermediária, exibe características de

estágios intermediários entre o verbo pleno e a flexão: (i) o auxiliar faz parte de um grupo de

entidades usadas para expressar tempo, aspecto, modo etc.; (ii) apresenta morfossintaxe

verbal; (iii) o verbo principal, historicamente complemento, é uma forma invariável, enquanto

o auxiliar é responsável pelas marcas gramaticais de pessoa, número, negação etc., desde que

não haja outro verbo auxiliar no complexo com essas marcas como na perífrase (Vou ter

escrito) em que ter é auxiliar canônico, no entanto, é ir que possui as marcas gramaticais; (iv)

o auxiliar, como resultado do processo de decategorização, ocupa um lugar fixo na cláusula e

exibe um comportamento verbal reduzido, perdendo a capacidade de ser apassivado, de

apresentar-se de forma imperativa etc.; e (v) como resultado da erosão, o auxiliar não

apresenta acento próprio.

Outra cadeia de gramaticalização de verbos utilizada neste estudo é a proposta por

Travaglia (2002 / 2003). Para o autor, os verbos, ao serem afetados pelo processo de

gramaticalização, passam pelas etapas demonstradas na figura a seguir, em que o ponto de

interrogação indica, segundo o autor, a necessidade de se pesquisar se o verbo de ligação

altera para a etapa subsequente.

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Figura 6: Cadeias de gramaticalização de verbos, segundo Travaglia (2002).

Assume-se, juntamente com Travaglia (2002), que a trajetória de gramaticalização que

caracteriza os verbos auxiliares não é a mesma da que caracteriza os verbos de ligação.

Assim, as etapas de gramaticalização seguem duas trajetórias: (i) verbo pleno > forma

perifrástica11 > aglutinação, e (ii) verbo pleno > verbo funcional12 (de ligação) > aglutinação.

De acordo com Travaglia (2003), os verbos gramaticalizados ou em processo de

gramaticalização podem apresentar alguma(s) das seguintes características, conforme seu

valor, uso ou função:

a) Indicadores – verbos que são passíveis de se vincularem a uma categoria mais gramatical

por expressarem uma noção semântica muito geral. Nesse grupo, estão os verbos que

Travaglia (1991, p. 61- 62) chama de auxiliares semânticos em que o grau de

gramaticalização os torna os “mais lexicais” dos três.

11 O autor denomina esse estágio de forma perifrástica, no entanto, neste estudo, entende-se por perífrase a estrutura formada em função de, pelo menos, um verbo (semi-)auxiliar e um auxiliado. 12 Com base em Travaglia (2003), entende-se por verbo funcional aquele elemento que, embora não possua funções lexicais, não é auxiliar ou semi-auxiliar.

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b) Marcadores – verbos que marcam alguma categoria gramatical do verbo ou de outra

classe, ainda que marquem geralmente informações gramaticais de tempo, voz, modo, aspecto

etc. Esse status representa um grau mais avançado de gramaticalização em relação ao

indicador.

c) Funcionais – verbos que não marcam uma categoria gramatical dos verbos nem de outras

classes, mas desempenham, nos textos e outras sequências linguísticas, função para a

organização interna da língua, ou seja, para a gramática. Nesse grupo, Travaglia (2003, p. 99)

inclui marcadores conversacionais, operadores argumentativos, ordenadores textuais, os

marcadores de realce ou relevância.

3.4. Enfoque funcionalista de categorização linguística

Entendendo que a hipótese fundamental desta dissertação é a de que tornare pode ser

usado com diferentes funções morfossintáticas, semânticas e/ou discursivas, é necessário

investigar o que leva tal verbo a assumir esses possíveis papéis, considerando o fato de que

esse elemento verbal é, originalmente, um VPREDICADOR que comporta o significado de

“movimento no espaço concreto”. Tendo em vista essa hipótese, assume-se que a criatividade

humana desencadeada por fatores de natureza interacional e sócio-comunicativa tenha

relevância considerável no que concerne às alterações de função e sentido sofridas por

tornare, além, evidentemente, de fatores internos à língua. Assim sendo, esta dissertação

vincula-se ao paradigma do Funcionalismo Linguístico.

Afirmar, no entanto, que a pesquisa se fundamenta nos pressupostos funcionalistas é

estabelecer um campo de embasamento muito amplo, tendo em vista que há, segundo Nichols

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(1984, p. 102), asserções funcionalistas, análises funcionalistas e teorias funcionalistas. De

acordo com a autora, a distinção entre esses termos é importante, pois é possível que

investigações sobre determinados fenômenos linguísticos possam apenas receber o rótulo de

funcionalistas, sem empreender, de fato, um modelo de análise funcionalista, contrapondo-se

ao modelo formal cujo enfoque se centra basicamente na estrutura linguística. Com efeito, a

autora faz uma advertência no sentido de que o nível de adequação funcionalista de um dado

estudo pode ser gradual, a depender do tratamento empregado dos dados.

A categorização linguística discutida por Taylor (1995) representa uma atividade de

cognição humana, uma vez que esta se desenvolve a partir da atividade linguística, com

estrutura e funcionamento pautados em critérios estabelecidos e que, portanto, tornam

possível/viável uma delimitação num complexo de relações de similaridade/pertinência e

dessemelhança entre formas/elementos.

A estipulação de categorias linguísticas parte de um conjunto de determinados

atributos que constituem uma categoria prototípica. Esses atributos, geralmente, possuem um

alto nível de frequência, destacando-se linguística e cognitivamente. Sabe-se, porém, que

existem categorias cujos atributos são partilhados entre si, da mesma forma que há atributos

que não partilham propriedades semelhantes. Por isso, é imprescindível que se categorizem

elementos linguísticos distintos tendo em vista os protótipos, já que estes constituem o que há

de mais central na entidade. Dessa forma, pode-se dizer que categorizar é separar elementos

diversificados compostos de propriedades semelhantes. Sobre a categoria prototípica, Taylor

(1995:51) escreve que esta (i) maximiza o número de atributos compartilhados pelos

membros da categoria; e (ii) minimiza o número de atributos compartilhados com os

membros de outras categorias. Baseado nisso, podem-se destacar duas características

pertinentes à categoria prototípica: a primeira consiste no fato de os membros da mesma

categoria partilharem um número considerável de propriedades semelhantes entre si, e por

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74

último, consideram-se que outras categorias compartilhem poucos atributos da entidade

central, fazendo com que esta se flexibilize.

Taylor (1995:196) também comenta que o critério semântico tem um papel na

categorização, esclarecendo em que se baseia para delimitar categorias distintas:

Os critérios semânticos certamente desempenham um papel em qualquer definição de classe de palavras (...). Isso não significa afirmar que todos os membros de uma categoria gramatical necessariamente partilham um conteúdo semântico comum. (Mas nem todos os membros de uma categoria gramatical necessariamente partilham as mesmas propriedades sintáticas). (...) As categorias gramaticais possuem uma estrutura prototípica, com membros centrais partilhando uma gama de atributos semânticos e sintáticos. O fato de um item não exibir alguns desses atributos não impossibilita a associação.

Como se vê, a relação entre os membros de uma mesma categoria se pauta na

semelhança de um protótipo, considerando as diferenças entre monossemia e polissemia,

homonímia e polissemia, além de metáfora e metonímia.

3.5. Polissemia verbal: extensões semânticas por meio de metáfora e metonímia

Para compreensão do processo de categorização linguística, é necessário, ainda, o

desenvolvimento de questões acerca da polissemia, metáfora e da metonímia. Um ponto em

comum entre esses termos, e essencial para o presente estudo, é a idéia de que expansões

semânticas de um determinado membro central podem acontecer por meio de metáfora ou

metonímia, podendo acarretar, ou não, uma rede de relações polissêmicas.

Um dos grandes entraves teóricos sobre polissemia é a relação que há entre esse termo

e a homonímia. O problema, frequentemente, reside no tratamento de certas formas

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linguísticas homófonas e homógrafas, isto é, se um item é homônimo a outro ou se é uma

extensão de sentido de outro.

A polissemia verbal constitui um estudo importante para o entendimento das

expansões semânticas depreendidas de tornare, já que, por meio dela, se desenvolve o

processo de categorização linguística. Em virtude disso, compreende-se que as extensões de

significado, oriundas dos processos metafóricos e metonímicos, dão-se a partir de um membro

central.

Os itens lexicais monossêmicos e polissêmicos, geralmente, participam (ou não) da

mesma categoria sintática, mas remetem a domínios distintos. O primeiro estabelece-se por

ter apenas um significado, enquanto o segundo pode ter dois ou mais significados

interrelacionados concernentes à sua forma.

Da mesma forma que a relação entre monossemia e polissemia é tênue, a diferença

entre homonímia e polissemia também o é. A homonímia, segundo Taylor (1995), mostra

elementos não relacionados a partir de um único elemento linguístico pertencente a categorias

sintáticas distintas. Palavras homônimas podem, em algum momento, ter-se inter-relacionado

através de extensões semânticas, porém, com o passar do tempo, talvez por razões fonéticas,

os itens linguísticos antes diferentes quanto à fonologia e à semântica tenham-se tornado

idênticos fonologicamente. Por outro lado, a polissemia configura cadeias de extensões

semânticas entre os membros de uma categoria, gerando, em virtude dessas extensões, as

denominadas categorias de semelhança familiar. Estas se constituem semelhantemente a

categorias radiais, possibilitando a produção de itens com significados periféricos a partir de

itens que tenham significado central dentro da categoria da qual faz parte.

O fenômeno da polissemia pode ser explicado de acordo com as inter-relações

existentes entre os membros de uma categoria. Segundo Taylor (1995), a distinção entre

polissemia e homonímia pode ser respaldada por um critério sintático, ou seja, enquanto a

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homonímia se refere a categorias sintáticas distintas, a polissemia envolve categorias

sintáticas semelhantes.13

Os processos de metáfora e metonímia são fundamentais para o processo de expansão

semântica da cadeia polissêmica. A metáfora estabelece-se quando um elemento de certo

domínio cognitivo através de elementos de um domínio diferente são conceptualizados. Isso

ocorre de um item mais concreto para um mais abstrato. O autor aborda que,

tradicionalmente, a metáfora é concretizada em frases cujas combinações de palavras se

formam sob determinadas restrições de seleções, por isso entende e apresenta a metáfora sob a

perspectiva da cognição:

Metáfora é, então, motivada por uma procura pelo entendimento e é caracterizada, não por uma violação das restrições de seleção, mas pela conceptualização de um domínio cognitivo em termos de componentes mais usualmente associados a outros domínios cognitivos. (TAYLOR, 1995:132-133)

Segundo Taylor (1995:123-124), metonímia e metáfora caracterizam-se, portanto, por

processos de expansão semântica que podem formar uma estrutura de rede polissêmica. Os

membros (periféricos) formados a partir de tal(is) expansão(ões), com base num protótipo,

relacionam-se uns com os outros tendo em vista as partilhas de atributos e similaridades.

Membros centrais (protótipos) e periféricos constituem uma categoria que pode ser de ordem

lexical ou morfossintática.

Dessa forma, além do processo de expansão de significado, metáfora e metonímia

contribuem para o processo de gramaticalização, pois segundo Heine et alii (1991:48) a

metáfora (...) é interpretada como uma estratégia cognitiva que nos ajuda a entender, mas

não a explicar a gramaticalização ou o comportamento gramatical.

13 O autor apresenta a comparação translingüística (entre línguas) como outra explicação para a distinção entre homonímia e polissemia, ou seja, a homonímia tende a acontecer de maneira mais específica em cada língua, já a polissemia, para o autor, parece ser mais universal. Vale ressaltar que independentemente de qualquer explicação, concorda-se com Taylor que a determinação de uma fronteira entre tais fenômenos é complicada, já que a relação de significado envolve uma noção gradual e subjetiva.

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77

4. ASPECTO METODOLÓGICO

Este estudo sobre as predicações com o verbo tornare conta com um total de 432

ocorrências do verbo tornare advindas de textos produzidos na modalidade oral e escrita do

italiano. Os dados orais foram obtidos com base em acervos de monólogos, entrevistas e

diálogos feitos a informantes de diferentes faixas etárias e escolaridades. Os dados escritos

provêm de textos de variados gêneros textuais. A configuração da amostra com base em

corpora múltiplos decorre do intuito de se buscar registrar usos representativos de tornare na

língua italiana empregada nas modalidades falada e escrita.

Os dados de língua oral provêm do programa C - Oral - Rom (Corpora de fala

espontânea em diferentes contextos). Os corpora presentes nesse programa foram elaborados

por diferentes grupos de pesquisas da Universidade de Florença. Este programa conta com um

vasto banco de dados do italiano contemporâneo.

Inicialmente, pretendia-se trabalhar apenas com entrevistas, mas, infelizmente, aqui no

Brasil não se tem muito acesso a programas que transcrevem a fala espontânea de Italianos. O

programa C – Oral – ROM foi o único ao qual se teve acesso. Por isso, viu-se a necessidade

de uma ampliação da coleta em acervos de diálogos e monólogos.

Este programa nos deu acesso a dados retirados de contextos formais e informais.

Dentro desses contextos nos deparamos com variáveis14 que se julgam pertinentes para o

aparecimento de determinadas formas e estruturas linguísticas, já que se releva a hipótese de

que certos usos são muito comuns em dados textos e raros, ou impossíveis de aparecer, em

outros. Nesse sentido, resume-se, no quadro seguinte, a distribuição dos dados do corpus oral

coletados e a distribuição geral dos textos pesquisados.

14 Variável é um termo técnico usado nos trabalhos sociolingüísticos para designar tanto o fenômeno em variação (variável dependente), como o grupo de fatores que co-atuam no processo variável (variável independente). O significado considerado, neste momento da dissertação, equivale ao segundo conceito.

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Fonte dos

dados

Descrição do arquivo Dados

coletados

C – Oral –

ROM

Formal

Contexto

Natural

16

Mídia 2

Telefone

Conversa

privada 13

Conversa com

telefonista 50

Informal

familiar

Monólogo 19

Diálogo 16

Conversa 25

público

Monólogo 2

Diálogo 3

Conversa 0

Total 146

Quadro 4 : Distribuição geral dos textos pesquisados e dos dados coletados no corpus oral.

Os dados da língua escrita advêm de textos jornalísticos retirados de jornais italianos

on-line. Procuraram-se ocorrências desse verbo em diferentes gêneros de texto, como

editoriais, artigos de opinião, notícias-reportagens, cartas de leitores, entrevistas e crônicas.

Os jornais utilizados foram “La repubblica” e “Corriere della sera”, pois se considera que

tais veículos apresentam nuançes consideráveis de graus de formalidade, tendo em vista,

sobretudo, o público-leitor.

Nesta pesquisa, utiliza-se o termo gênero, a partir do reconhecimento de aspectos

sócio-comunicativos e funcionais que estruturam o texto, a fim de ajudar a compreender a que

se deve o emprego de determinadas formas linguísticas. Cada gênero textual apresenta um

formato determinado por seus objetivos comunicativos. Como gênero textual é um fenômeno

histórico relacionado à vida sócio-cultural do falante, o domínio discursivo dá origem a

gêneros que se materializam em diversos suportes (entre os quais, o veículo jornalístico) e,

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então, servem de base para as atividades da língua. São, portanto, mais determinados pelos

objetivos do falante do que propriamente pela forma com que se configuram.

A organização do corpus escrito foi, também, estabelecida sob o critério de um

continuum de formalidade dos textos escritos; isto é, buscou-se apresentar produções que se

caracterizam, ainda que escritas, como distensas e outras regidas sob um grau de

planejamento mais criterioso.

Mesmo com a possibilidade de se submeterem a um processo de revisão textual, os

gêneros textuais jornalísticos coletados podem exibir dados com graus diferentes de

(in)formalidade/uso: supõe-se que os editoriais revelem uma linha que tende ao mais formal

(ou se situa entre o nível neutro e o de formalidade); já nas notícias se adota uma linha menos

formal (ou entre a informalidade e o nível neutro de formalidade). Os textos escritos que ora

compõem o corpus desta pesquisa se distribuem, portanto, em categorias graduais de registros

que vão do menos ao mais formal.

Fonte dos dados Descrição do arquivo Dados

coletados

La repubblica

Cartas de leitor 17

Crônicas 21

Editoriais 26

Notícias-Reportagens 48

Artigos de opinião 24

Corriere della sera

Cartas de leitor 13

Crônicas 16

Editoriais 18

Notícias-Reportagens 42

Artigos de opinião 32

Total 257

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Quadro 5 : Distribuição geral dos textos pesquisados e dos dados coletados no corpus escrito.

Utilizou-se, para o tratamento estatístico dos dados, o programa Goldvarb (2001). Para

tanto, todas as ocorrências obtidas nos corpora foram codificadas, ou seja, cada dado obteve

códigos que representam o seu comportamento. Dessa forma, foi possível abrir o arquivo de

dados codificados no programa executável que, por sua vez, possui as seguintes funções

básicas: (i) criar um arquivo de especificação das variáveis dependentes e independentes; (ii)

detectar algum erro de codificação, com base no arquivo de especificação e gerar arquivos

corrigidos após mudança feita pelo pesquisador; (iii) produzir arquivos de células em função

de arquivos de condições68 organizados pelo pesquisador; (iv) criar um arquivo que

demonstre a relação entre as variáveis independentes e a variável dependente; (v) desenvolver

um arquivo que represente a tabulação cruzada de pares de variáveis independentes

(cruzamento de variáveis); e (vi) gerar pesos relativos.

4.1. Procedimentos de análise

Uma vez coletadas as ocorrências do verbo tornare, submeteram-se os 403 dados

obtidos a um tratamento qualitativo, que se fundamenta na observação/investigação de alguns

parâmetros para o estudo da polifuncionalidade desse verbo, e também quantitativo no que se

refere a alguns aspectos O procedimento qualitativo prevalece sobre o outro, em razão de que,

nesta pesquisa, o objetivo é investigar as propriedades das predicações com tornare.

Com base no procedimento qualitativo, verifica-se a multifuncionalidade do verbo em

questão, além de se observarem os contextos em que ele está mais gramaticalizado e as

propriedades que permitem estabelecer um continuum entre os usos funcionais de tornare.

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Considerando a noção de categorização radial estabelecida por Taylor (1995), observa-se o

comportamento das ocorrências de tornare de modo a verificar similaridades e diferenças que

permitam situar os tipos num continuum de gramaticalização e, então, precisar a distribuição

das ocorrências pelas diferentes funções/categorias identificadas, os contextos em que este é

mais e/ou menos gramatical.

O verbo em questão é estudado à luz da Teoria da Gramática Funcional de Dik (1981,

1997), no que diz respeito aos parâmetros semânticos estipulados pelo autor na descrição de

estados de coisas e à configuração de marcos predicativos das predicações com tornare.

Mediante essa perspectiva, é possível identificar os fatores semântico-sintáticos responsáveis

por sua caracterização como Vpredicador pleno e Vpredicador não-pleno.

Para a descrição do fenômeno de gramaticalização, o verbo em análise é examinado a

partir de parâmetros do processo de gramaticalização descritos em Hopper (1991), Heine et

alii (1991) e Heine (1993), destacando-se os parâmetros de “expansão semântica”,

“dessemantização”, “especialização funcional” e “decategorização”.

Para categorizar tornare como Vpredicador pleno, são considerados como ponto de

partida dois parâmetros basicamente: a primeira acepção mencionada pelos lexicógrafos em

suas obras e características configuracionais prototipicamente relacionadas a essa acepção

(como, por exemplo, a animacidade do constituinte sujeito). O Vpredicador não-pleno é

aquele em que o item lexical se afasta de seu primeiro sentido descrito nas obras

lexicográficas, mostrando um comportamento morfossintático e/ou semântico diferente do

verbo pleno: uma alteração, por exemplo, no estatuto de animacidade do sujeito. Enquanto

Vsuporte, tornare opera sobre um elemento não-verbal formando com este um

predicado/predicador complexo, ou seja, uma unidade semântica, estrutural e funcional.

Caracteriza-se por ser leve semanticamente e por ser responsável pela estruturação

argumental e pela distribuição de papel temático aos argumentos. Já como Vsemiauxiliar, atua

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sobre um verbo principal no infinitivo, com o auxílio da preposição “a”, para marcar a noção

de retomada/reinício e, nesse sentido, formar um complexo verbal.

Para análise quantitativa, foi feita uma codificação dos dados de cada subamostra em

função de propriedades dos fatores detectados. Para proceder à avaliação estatística dessas

características, recorreu-se a uma ferramenta usada em estudos sociolinguísticos, o pacote de

programas GOLDVARB. Vale ressaltar que, embora tenha sido adotado esse programa

computacional, o presente estudo não se pretende variacionista, uma vez que não há um

fenômeno variável a ser estudado e nem hipóteses que justifiquem essa orientação

teóricometodológica. Seguiram-se apenas alguns dos procedimentos de utilização do

GOLDVARB como ferramenta auxiliar na verificação da distribuição de valores e percentuais

das expressões em estudo pelas características examinadas.

A análise quantitativa corresponde à observação do número de dados obtidos na coleta

nas funções em que tornare atua. Esses números/percentuais colaboram para precisar a

recorrência de cada função desempenhada pelo o item verbal em estudo. A necessidade de se

precisar o número de ocorrências está fundamentada em Bybee (2003), pois, segundo ela,

quanto maior a frequência de determinado dado, em certos contextos, maior a possibilidade de

seu significado se tornar mais geral e abstrato, uma vez que o mesmo perde sua plenitude

semântica e, assim, passa a servir a múltiplos/vários contextos de uso.

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5. POLIFUNCIONALIDADE DE TORNARE

De acordo com as bases teóricas descritas, analisam-se, neste capítulo, os dados

referentes às ocorrências de tornare. Esses comprovam que o verbo tornare é um item

polifuncional, já que, a partir do confronto de suas ocorrências ele pode ser empregado como

verbo predicador com o seu sentido básico de “movimento no espaço geográfico” e também

pode ocorrer com outros sentidos, mais ou menos próximos daquele sentido (primário/fonte) e

que mantêm, de modo mais ou menos opaco, o significado geral de “movimento de

retomada”. A gramaticalização desse item lexical ocorre, exatamente, com esse

enfraquecimento do sentido pleno do verbo (idéia de movimento no espaço geográfico),

adquirindo valor/funcionamento semi-gramatical na língua Italiana. Pode ocorrer como verbo

semi-auxiliar em construções do tipo Vsemi-auxiliar + a + Predicador simples ou complexo.

A partir da avaliação do comportamento desses usos de tornare no corpus constituídos, já se

pode delinear uma cadeia de gramaticalização que tem em um de seus extremos a categoria de

verbo predicador pleno, passa pela de verbo predicador não-pleno, e tem no outro extremo a

de verbo semi-auxiliar e possível verbo suporte.

Gramaticalização de TORNARE (“movimento de retomada/retorno”)

Verbo predicador

“espaço geográfico”

Ex 1: “Vado di corsissima, visto che ieri sono tornata dalla Tailandia e oggi già sono a

lavoro, ma volevo lasciarvi un salutino, ... [Italiano escrito, cartas de leitor, Jornal “Corriere della sera”, 20 de

junho de 2010] – Vou rapidíssimo, já que ontem voltei da Tailândia e hoje já estou no

trabalho...

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Vpredicador não-pleno

“tempo”, “estado (psico-)social”, “situação social”

Ex.2: “Sono tornato alle mie radici". Il dj salernitano Alex Gaudino conquista la vetta delle

classifiche dance in Inghilterra - a cura di pfls. [Italiano escrito, noticia sócio-política, Jornal “La repubblica”, 25

de junho de 2010] – voltei as minhas raízes

Verbo semi-auxiliar

“estado de coisas/evento”

Ex.3: Un'idea, quella di vendere ai commercianti dei ticket dei parcheggi a prezzi agevolati,

che loro poi regaleranno ai loro clienti per incentivarli a tornare a spendere nei negozi del

borgo, che potrebbe essere estesa ai negozianti e ai titolari di attività commerciali anche nelle

vie limitrofe. [Italiano escrito, noticia sócio-política, Jornal “Corriere della sera”, 18 de junho de 2010] – aos clientes

para incentivá-los a voltar a gastar nas lojas da vila

Verbo suporte

... l’italiano vuole rispecchiarsi in un passato tragico e remoto in chiave moderna, tornando a

galla alcune storie di politica, antiche tradizioni e storiche memorie... [Italiano orale, dialogo, C-Oral-

Rom, 22 de janeiro de 2011] – O italiano quer espelhar-se num passado trágico e remoto no sistema

moderno, trazendo à tona algumas histórias de política...

Na primeira parte deste capítulo, apresenta-se a distribuição dos dados por categoria

identificada e, depois, passa-se a expor aspectos de cada uma destas.

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Primeiramente, investiga-se o comportamento básico do verbo tornare como verbo

predicador, analisam-se suas restrições de seleção e suas extensões semânticas – verbo não-

pleno (± concretas e ± abstratas). Essa primeira análise viabiliza o estudo acerca da expansão

sintático-semântica de tornare, já que o uso desse elemento como verbo predicador se

caracteriza como uma construção central, a partir da qual se derivam outras não centrais.

Em seguida, interpretam-se os dados em que tornare é verbo de ligação ou copulativo.

Nessa seção, define-se o fenômeno da cópula verbal, isto é, examina-se qual o papel de

verbos desse tipo na sentença e quais suas propriedades sintático semânticas. Ademais, avalia-

se o nível de gramaticalização de tornare no tipo de predicação em que ocorre esse emprego.

Após isso, discutem-se as ocorrências de tornare como verbo (semi-) auxiliar.

Comenta-se a produtividade desse verbo em tal função, os diferentes graus de vinculação

entre tornare + infinitivo, assim como o grau de gramaticalização de tornare nessa construção

perifrástica e as possíveis motivações para a alteração categorial desse verbo.

Posteriormente, comparam-se os empregos de tornare descritos, no que se refere ao

processo de gramaticalização, com o objetivo de demonstrar as relações de similaridade e

dessemelhança entre os usos, de modo a determinar, na análise de empregos mais ou menos

gramaticais que outros, a cadeia de gramaticalização em que se inserem as extensões de uso e

sentido de tornare.

5.1. Distribuição dos dados pelas categorias funcionais

Dos 403 dados da amostra em análise, 327 vinculam-se à categoria de verbo

predicador, 75, à de verbo semi-auxiliar, e 1, à de verbo suporte. Das 327 ocorrências de

verbo predicador, 154 manifestam predicação correspondente à projetada pelo emprego de

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tornare como verbo predicador pleno; 92 revelam uma predicação diferente desta e o

emprego de tornare como predicador não-pleno, ou seja, em uma de suas possibilidades de

extensão de sentido; e 81 ocorrências são de tornare como verbo copulativo.

Gráfico 1 : Distribuição dos 403 dados de TORNARE pelas categorias funcionais às quais esse item se vincula no corpus do italiano escrito em análise.

Distribuição dos dados pelas categorias funcionais

81,1%

18,4% 0,3%

Verbo Predicador

Verbo Auxiliar

Verbo Suporte

Distribuição dos dados dentro dacategoria de Verbo Predicador

47%

28%

25%

Verbo predicador pleno

Verbo predicador não-pleno

Verbo copulativo

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Gráfico 2 : Distribuição dos 327 dados de TORNARE como verbo predicador.

Tornare é mais empregado como Vpredicador, envolvendo 80% dos dados (um total

de 327 ocorrências das 403 analisadas) se se considerarem os casos de uso pleno, não-pleno

ou copulativo desse item lexical. Em segundo lugar, em termos de produtividade, está a

categoria de V(semi)-auxiliar, representada em 19 % da amostra. Esses percentuais se

ampliariam se não tivessem sido separados os casos de comportamento híbrido. E, ainda, com

0,3% das ocorrências, tornare ocorre como Vsuporte.

A distribuição dos dados por essas categorias revela, segundo a hipótese de Bybee

(2003), que há expressiva frequência de ocorrência desses verbos, que tendem a

polifuncionalidade, na categoria de Vpredicador não-pleno, a qual resulta de um processo de

extensão semântica e, assim, propicia a expansão de seus usos.

Os dados foram coletados tanto na modalidade oral quanto na modalidade escrita.

Percebeu-se que o verbo tornare é mais utilizado na categoria de verbo predicador, seja na

modalidade oral ou escrita. Porém na modalidade escrita os dados são bem distribuídos dentro

das categorias funcionais encontradas, salvo a de verbo suporte. Já na modalidade oral a

categoria de verbo predicador pleno se destaca dentre as demais, como mostram os gráficos

abaixo:

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MODALIDADE ESCRITA

0

5

10

15

20

25

30 Verbo predicador pleno

Verbo predicador não pleno

Verbo copulativo

Verbo (semi)-auxiliar

Verbo suporte

Gráfico 3 : Distribuição dos 257 dados da modalidade escrita nas categorias funcionais encontradas

MODALIDADE ORAL

0

10

20

30

40

50

60 Verbo predicador pleno

Verbo predicador não pleno

Verbo copulativo

Verbo (semi)-auxiliar

Verbo suporte

Gráfico 4 : Distribuição dos 146 dados da modalidade ORAL nas categorias funcionais encontradas

Na modalidade escrita em contextos formais e (mais ou menos) informais (cartas de

leitor, entrevistas). Observa-se que, tanto em contextos formais quanto em contextos (mais ou

menos) informais, o número mais expressivo de ocorrências é de verbo predicador. A

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diferença está no fato de que, na modalidade escrita formal, as ocorrências de emprego semi-

auxiliar são bem mais frequentes do que na modalidade escrita (mais ou menos) informal.

5.2. Verbo predicador

O verbo predicador tem comportamento de núcleo da predicação, já que é o

responsável pela projeção de sua configuração semântica e sintática básica.

5.2.1 Verbo predicador pleno

A categoria de Vpredicador pleno, em que se enquadra o uso primário do verbo em

estudo, tem como significado básico a com noção de movimento no espaço geográfico (com

emprego semântico semelhante ao de regressar e volver) e requer três argumentos nucleares,

um argumento externo sujeito e dois argumentos internos locativos, origem e destino; porém,

pode manifestar-se em enunciados com um, dois ou três argumentos.

No corpus, diferente do esperado, percebe-se que a predicação com tornare

configurada com base em três argumentos não é usual na língua italiana, já que o argumento

que designa a origem do deslocamento, quase não é expresso no cômputo geral dos dados

(foram encontradas apenas dois dados, um escrito e outro oral), Encontramos mais exemplos

com um dos dois argumentos internos preenchidos e exemplos sem argumento interno

preenchido. Acredita-se que o apagamento desse argumento com função de origem (cf. Dik,

1997, v.1, p. 121) ocorre por conta de implicações discursivas, visto que, em termos de

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importância comunicativa, a direção, ou seja, o lugar para onde o agente se desloca, se

apresenta como a informação argumental mais saliente. Trabalha-se com a hipótese de que tal

saliência decorre do fato de o argumento origem, em quaisquer situações comunicativas, ser

inferido pelo interlocutor, enquanto, por outro lado, o argumento direção não é,

caracterizando-se, assim, como uma informação nova. Vilela (1999) argumenta a favor da

idéia de que a informação semântica de origem está incorporada ao lexema de verbos como

esse que indicam movimento, sendo, assim, um traço intrínseco de tais verbos. Para o autor, o

contexto é o responsável para ativação de tal informação. A configuração com três

argumentos pode ser conferida no marco predicativo a seguir:

MARCO PREDICATIVO

Tornare [V] (x1: <animado>)agente (x2: <inanimado>)origem (x3: <inanimado>)destino

= arg. 1 – sujeito que se desloca ; arg. 2 – lugar de onde se desloca ; arg. 3 lugar para onde se desloca)

(Exemplo 1 ): “Ho sempre creduto nella tua santità e sono felice che adesso sei

tornata dal suo appartamento alla casa del Padre. Porto nel cuore il ricordo della

tua umiltà e della tua ricchezza interiore ...” [Italiano escrito, cartas de leitor, Jornal “La repubblica”,

25 de junho de 2010] – Sempre acreditei na sua sanidade e estou feliz porque agora

voltou do seu apartamento para casa do seu pai

(Exemplos 2 ): “Los Angeles... Washington... e alla fine sono andata a Los...ãh.... a

Washington... Chicago... a New York e da New York io sono tornata a Roma [Italiano

oral, conversa, C-Oral-Rom, 14 de janeiro de 2011] – de Nova Iorque eu voltei para Roma

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Da mesma forma que o apagamento do argumento origem acontece em razão de

implicaturas discursivas, seu preenchimento também. Quando a especificação do lugar fonte é

necessária ou para a interpretação satisfatória do destinatário ou apenas para um reforço

pragmático do falante com o intuito de tornar tal argumento o foco da informação, o

preenchimento do argumento origem é realizado.

A predicação mais recorrente de que tornare participa, com apenas dois argumentos -

um externo e outro interno –, pode ser representada pelo seguinte marco predicativo:

MARCO PREDICATIVO

Tornare [V] (x1: <animado>)agente (x2: <inanimado>)origem ou (x3: <inanimado>)destino

arg. 1 – sujeito que se desloca ; arg. 2 – lugar para onde se desloca ; ou arg.3 - Lugar de onde se desloca

(Exemplo 3 ): All'ingresso nel centro sportivo di Milanello Berlusconi ha trovato un

polemico striscione di benvenuto: «Silvio, da invincibile a invisibile. E’ un anno che

non ti fai vedere. Torni a casa e ti presenti a mani vuote, che coraggio». [Italiano escrito,

noticia sócio-poliítica, Jornal “Corriere della sera”, 21 de junho de 2010] – volta pra casa

(Exemplo 4 ) : “Catturato il reggente del clan Gionta quando tornava dalla Grecia su

un traghetto [Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “Corriere della sera”, 21 de junho de 2010] –

capturado o regente da clan Gionta quando voltava da Grécia de barca

(Exemplo 5 ): ... non potendo aspettare la signora Tomasoni, torno alla stanza e

chiamo Tomasoni Clemente ... fratello di Tomasoni Valentino. [Italiano oral, monologo, C-Oral-

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Rom, 14 de janeiro de 2011] - não podendo esperar a senhora Tomasoni, volto a sala e

chamo Tomasoni

(Exemplo 6 ): Secondo quanto riferito da alcuni residenti, la vittima (della quale non

sono state ancora rese note le generalità) era tornata ieri dall'ospedale per una

frattura. Dalla posizione in cui è stato trovato non si esclude che sia caduto da una sedia

a rotelle sulla quale si trovava momentaneamente a causa dell'infortunio. [Italiano escrito,

noticia sócio-poliítica, Jornal “La reppublica”, 3 de junho de 2010] – segundo o que foi referido por

alguns residentes, a vítima (...) tinha voltado ontem do hospital por causa de uma

fratura

Embora esse emprego como verbo predicador pleno seja frequente no corpus

consultado, em comparação aos outros três usos analisados nesta dissertação, admite-se que

tal predicação retrata o núcleo conceptual mais básico, a partir do qual se derivam outros

possíveis usos (cf. Taylor, 1995). Além do fato de tal configuração ser a primeira acepção

registrada nos dicionários consultados.

Como se pode perceber nesses exemplos, predicações básicas com o verbo predicador

tornare caracterizam-se por evidenciarem um estado de coisa dinâmico, que pode também ser

chamado de evento, e controlado. Dinâmico, porque, ao longo da duração do estado de coisas

– desde o ponto de origem até o destino – percebe-se que há uma mudança de parâmetro

gradativa, mais precisamente, uma mudança espaço-referencial do agente num espaço.

Construções com tornare predicador pleno expressam, comumente, mudança gradativa do

agente. Os exemplos citados evidenciam essa característica, já que é possível estabelecer

pontos locativos intermediários.

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Como propõe Dik (1997), para que se identifique a dinamicidade de um estado de

coisas, inserem-se satélites que designam velocidade. Em todos os exemplos, esse critério é

viável para se constatar que tais predicações constituem estados de coisas [+ dinâmicos]. A

seguir, alguns dados foram manipulados de modo a demonstrar a eficácia do critério

estabelecido por Dik.

(Exemplo 3a ): ... «Silvio, da invincibile a invisibile. E’ un anno che non ti fai vedere.

Torni lentamente a casa e ti presenti a mani vuote, che coraggio.

(Exemplo 4a ): “Catturato il reggente del clan Gionta quando tornava velocemente

dalla Grecia su un traghetto

(Exemplo 5a ): ... non potendo aspettare la signora Tomasoni, torno presto alla stanza

e chiamo Tomasoni Clemente ... fratello di Tomasoni Valentino.

(Exemplo 6a ): Secondo quanto riferito da alcuni residenti, la vittima (della quale non

sono state ancora rese note le generalità) era tornata presto dall'ospedale per una

frattura. Dalla posizione in cui è stato trovato non si esclude che sia caduto da una sedia

a rotelle sulla quale si trovava momentaneamente a causa dell'infortunio.

Tendo em vista o fato de que o agente controla o estado de coisas, construções com

predicador tornare manifestam também um estado de coisas [+controlado]. Observando-se os

exemplos, constata-se que o agente possui controle sobre o movimento a que se submete e,

consequentemente, sobre o lugar de onde e para onde se movimenta.

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Conforme a combinação de traços dos estados de coisas, a marcação positiva para o

parâmetro de dinamismo e para o de controle constitui um tipo de estado de coisas

denominado ação. Essa interação de parâmetros está esquematizada no quadro a seguir:

ESTADO DE COISAS TIPO DE ESTADO DE COISAS

Predicador tornare [+ Dinâmico] [+ Controlado] Ação

Quadro 6 : caracterização do estado de coisas das predicações básicas com tornare.

Outros verbos que possuem traços semânticos relacionados a movimento, como

andare, nuotare, correre, uscire etc., podem ser reduzidos a um denominador comum. Nesse

sentido, em frases como Marco è andato fino alla entrata del bosco. / I bambini hanno nuotato

fino l`arriva del mare / le ragazze sonno uscite dalla piscina15, os predicadores podem, sem

problema, ser substituídos por tornare, embora tal substituição acarrete perda de certos

matizes semânticos particulares. Nadar, por exemplo, significa “movimentar-se pela água”.

Como todos os verbos supracitados se configuram a partir de dois traços, isto é, o de

movimento mais algum outro, e tornare, a partir de apenas um, o de movimento.

Vale salientar que, embora, em alguns casos, seja possível substituir um verbo de

movimento por tornare, postula-se que, mesmo assim, tais casos não se configuram como

extensão semântica do verbo predicador pleno. Essa postulação baseia-se no fato de tornare

em enunciados como “La ragazza é tornata a casa” manter sua sintaxe e semântica básicas –

verbo predicador que significa movimento no espaço geográfico –, e os constituintes

guardarem as propriedades das predicações básicas com tornare – agente controlador e um

locativo caracterizado como a direção para onde esse agente se desloca.

Portanto, esse verbo caracteriza-se como um verbo de valor semântico de movimento;

entretanto, uma simples troca pode, em alguns casos, descaracterizar as propriedades

15 Exemplos criados

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semânticas dos argumentos. No exemplo L`aereo ha volato per Madrid , observa-se mais um

caso em que o predicador pode ser substituído por tornare, no entanto, o item avião não é

uma entidade controladora, e sim controlada. Analisando-se todas as peculiaridades

semânticas que envolvem tal sentença, conclui-se que o piloto do avião controla sua ação e,

assim, é um agente, enquanto os passageiros funcionam tematicamente como meta. A

paráfrase que melhor traduz essa explicação é O piloto, por meio do avião, levou os

passageiros para Paris. É possível estender tal explicação, em vista de outros tipos de

predicadores que possuem o traço [+ movimento] e são controlados por agente, tais como

ônibus, carro, bicicleta, navio etc.

Cumpre enfatizar que existe um alto grau de subjetividade envolvendo as

interpretações de casos como os exemplificados no último parágrafo. Uma informação de

valor circunstancial como o meio de deslocamento pode, por razões metonímicas, sem

problemas, ocupar a posição de sujeito. No entanto, esta descrição procura tornar evidente

todas as propriedades sintáticas e semânticas das predicações mais básicas com tornare e,

dessa forma, neste momento da descrição, salienta-se o processo pelo qual esses predicadores

com significado de algum movimento específico são associados a tornare.

Esse verbo como predicador pleno também ocorre frequentemente sem nenhum dos

argumentos externos preenchidos. Na maioria dos dados com essa construção, percebe-se uma

circunstância de finalidade, como pode ser visto nos exemplos abaixo:

MARCO PREDICATIVO

Tornare [V] (x1: <animado>) agente

arg. 1 – sujeito que se desloca

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(Exemplo 7 ): “Non siamo tornati insieme per soldi. Ci siamo rimessi insieme per

gusto musicale e umano'. E' la spiegazione dei Litfiba sulla loro riunione.” [Italiano escrito,

noticia sócio-poliítica, Jornal “Corriere della sera”, 21 de junho de 2010] – voltamos juntos por dinheiro

(Exemplo 8 ): Maggiore. «Torni domani per formalizzare la denuncia», gli hanno detto.

Al Pra l'auto risulta intestata a «Nuova tassistica 2001 società cooperativa». La targa, a

beneficio dei prossimi malcapitati, inizia con le lettere «DA» e prosegue con «16...».

Fine della storia. [Italiano escrito, carta de leitor, Jornal “Corriere della sera”, 1 de setembro de 2010] – volte

amanhã para formalizar a denúncia

(Exemplo 9 ): “...dove era diventato indispensabile , per andare all'Anzhi Makhachkala,

nel Daghestan. Avrebbe voglia di tornare soltanto per un paio di mesi, ma tutto è

diventato complicato. [Italiano oral, intrevista, C-Oral-Rom, 5 de dezembro de 2010] – teria vontade de

voltar somente por alguns meses

De um modo geral, não se encontram, usualmente, todos os argumentos mencionados

anteriormente manifestados, na mesma oração, talvez pelo fato de que o usuário da língua não

precise ou não deseje dar todas as informações relativas à configuração de um estado de

movimento em evidência, já que, num contexto comunicativo, a atividade de interação entre o

emissor e o destinatário dispensa a atualização de alguns argumentos nos enunciados

produzidos, pois estes ficam subentendidos. É recorrente encontrarem-se os argumentos

“sujeito” e “destino” ou “origem”, visto que eles são os argumentos que evidenciam a idéia de

movimento básica na predicação.

No que diz respeito à variação da preposição que antecede aos argumentos externos

destino ou origem, salienta-se que a preposição a e in são as mais encontradas dentro das

ocorrência analisadas. Todos os exemplos de Vpredicador utilizam as preposições conforme

prescreve a gramática normativa.

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Verbo Preposições Exemplos

Tornare

da Tornare da scuola.

a Tornare a casa.

in Tornare in ufficio.

su Tornare sulla montagna.16

Quadro 7 : Preposições que podem ser utilizadas com o verbo tornare.

5.2.2. Verbo predicador não pleno

Existem casos em que o verbo tornare mantém sua característica sintática de predicador

com significação plena de movimento, mas relaciona entidades que não condizem com as

restrições de seleção básicas observadas anteriormente. Nesse sentido, tornare já sinaliza

outras nuances de sentido diferentes de sua primeira acepção lexicográfica (mais ou menos

afastadas do sentido-fonte). Nesses casos, o argumento interno não se configura como um

termo [+ animado] e [+controlador] e/ou o argumento externo não traduz um locativo

concreto, ocasionando a necessidade de interpretar tais tipos de sentença por meio de alguma

estratégia especial. Os exemplos seguintes ilustram esses casos:

MARCO PREDICATIVO

Tornare [V] (x1: <animado>)agente (x2: <inanimado>)destino (x3: <inanimado> origem

arg. 1 – sujeito que se desloca ; arg. 2 ou arg 3 – evento acontecido em um dado lugar

16 Os exemplos foram retirados da gramática normativa de Dardano e Trifone

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(Exemplo 1): “Robinho é tornato al gioco ed ha subito timbrato il cartellino contro il

Palermo: lui vuole riniziare dove aveva concluso, vale a dire segnare il più possibile

con la maglia del Milan. [Italiano escrito, noticia espotiva, Jornal “Il Corriere della sera”, 9 de outuro de 2010]

– Robinho voltou ao jogo e rapidamente marcou gol contra o Palermo

(Exemplo 2): “Successivamente il fastidio sembrava diminuito, ma dopo è tornato

perciò dal medico curante, questo mi prescrive macladin per 7 giorni. Al termine

anche di questa terapia (fine settembre-inizio ottobre) il fastidio sembrava sparito, ma

purtroppo è ritornato.” [Italiano oral, intrevista, C-Oral-Rom, 19 de janeiro de 2011] – mas depois

voltou ao médico....

(Exemplo 3): “Dopo 21 giorni di “squalifica” padre Domenico Manuli è tornato a

messa. Era stato “punito” per avere partecipato ad uno show di canale 5. Ma come

tutti coloro che hanno la fede nel cuore non serba risentimento.” [Italiano escrito, Crônica,

Jornal “Il Corriere della sera”, 15 de outuro de 2010] – Depois de 21 dias de punição padre

Domenico Manuli voltou à missa.

(Exemplo 4 ): Vada nella sua stanza e si metta una cravatta decente! Poi torni alla

festa e si comporti come un gentiluomo! [Italiano oral, intrevista, C-Oral-Rom, 9 de janeiro de 2011] –

va ao seu quarto e coloque uma gravata decente! Depois volte à festa e se comporte

como um homem gentil

MARCO PREDICATIVO

Tornare [V] (x1: <inanimado>)agente

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arg. 1 – sujeito que se desloca

(Exemplo 5 ): “Torna il problema del più grande ospedale d’Europa, l’Umberto I di

Roma. Dopo le denunce degli anni passati, la questione riemerge con forza. I

sotterranei pieni di sporcizia, escrementi e umidità sono stati sistemati spendendo 18

milioni...” [Italiano escrito, Noticia sócio-política, Jornal “Il Corriere della sera”, 15 de outuro de 2010] - Volta o

problema do maior hospital da Europa

(Exemplo 6 ): Il fuoco, nel tardo pomeriggio, sembra sconfitto. Così inizia

l'operazione di bonifica e i grandi aerei e gli elicotteri tornano negli hangar.

Ma un Canadair è destinato a un focolaio che sta prendendo forza a Genova Voltri: un

nuovo incendio, ancora una notte di lavoro. [Italiano escrito, Noticia sócio-política, Jornal “La

reppulica”, 15 de outuro de 2010] - aeronaves de grande porte e helicópteros voltam para o

hangar

Os exemplos supracitados apresentam argumentos que não satisfazem às restrições de

seleção de tornare. No exemplo (2), observa-se que o constituinte ao médico não compartilha

características com um locativo autêntico como ao hospital em que se verificam traços como

[- animado] e [- humano]. Os exemplos (1), (3) e (4) exibem, respectivamente, os itens jogo,

missa e festa em posição de um locativo; no entanto, esses termos apresentam características

de eventos17 que ocorrem em determinado lugar, ou seja, festa é um evento que pode

acontecer em casa, num clube, num salão, numa discoteca etc., missa, numa igreja, capela e

17 É importante ressaltar que o sentido de evento apresentado (um determinado acontecimento) é diferente daquele proposto por Dik (1997) que corresponde a um estado de coisas dinâmico.

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jogo, em um campo, num estádio. Nos exemplos (5) e (6), notam-se termos que não possuem

a capacidade de controlar uma ação (problema / helicóptero) na posição de sujeito.

Admite-se que, nos exemplos (1), (2), (3) e (4), o fenômeno atuante nas predicações

dos exemplos em questão em que se constatam violações de restrições de seleção é o da

metonímia, pois os termos que ocupam a posição de locativo se caracterizam como partes

integrantes da área semântica de atuação de seus locativos correspondentes (festa – clube,

salão, discoteca etc., missa – igreja e jogo – campo, estádio). A substituição que ocorre é a

de lugar pelo evento. De acordo com Heine et alii (1991), o uso de elementos mais abstratos

(eventos) no lugar de mais concretos (locativos) caracterizam-se como um processo cognitivo

de expansão semântica que serve de gatilho para o fenômeno da gramaticalização.

No que concerne aos exemplos (5) e (6), em relação à posição de sujeito, constata-se

que o domínio conceptual de um agente controlador é transferido a uma entidade [- agente] e

[- controladora].

Em algumas estruturas, captam-se extensões de sentido um pouco mais afastadas do

sentido básico do verbo predicador tornare. Trata-se de uma categoria que contempla usos de

tornare que, embora continuem a constituir o núcleo predicante da sentença e a apresentar

comportamento lexical na estruturação semântica e sintática da predicação, não mantêm,

necessariamente, a estrutura argumental prevista na configuração de Vpredicador pleno, nem

o sentido de “movimento no espaço geográfico”, como podemos ver nos exemplos abaixo:

(Exemplo 7) : “La sfilata di Ferrè - spiega la Frisa - ci ha ricordato come a Milano si

venga veramente per vedere vestiti. Il sistema della moda italiana ha bisogno di

tornare alle origini, come ha fatto Miuccia Prada che come sempre ha sparigliato le

carte e ha proposto una donna anni Cinquanta che si guarda alle spalle col gusto della

conteporaneità. .” [Italiano escrito, noticia moda, Jornal “Corriere della sera”, 21 de

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junho de 2010] – O sistema da moda italiana precisa voltar às origens, como fez

Miuccia Prada

(Exemplo 8 ): “Alla cerimonia del Ventaglio, Fini è anche tornato sulla questione,

assai spinosa, delle intercettazioni, alla luce del recente dietrofront dell'esecutivo. Una

svolta che dimostra, a detta del leader della Camera.” [Italiano escrito, noticia sócio-

poliítica, Jornal “Corriere della sera”, 18 de junho de 2010] – Fini também voltou à

questão, muito espinhosa...

(Exemplo 9 ): “«Mi auguro che il tema delle riforme torni in agenda da settembre,

anche se è al momento difficile sperare che riparta uno spirito costituente» ha chiarito

il leader di Montecitorio, riferendosi alla situazione determinata dalla mancata

elezione dei membri laici del Csm.” [Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal

“Corriere della sera”, 20 de junho de 2010] – espero que o tema das reformas volte à

agenda de setembro (volte a ser comentado em setembro)...

(Exemplo 10 ): Ne discussero i filosofi dell'antichità greca, e diedero al dire-tutto il

nome di parresia: un vocabolo che torna negli Atti degli apostoli (Pietro e Giovanni

rischiano la morte, pur di testimoniare il vero e la libera coscienza del cristiano). [Italiano

escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “La reppublica”, 3 de junho de 2010] – um vocábulo que volta aos

atos dos apóstolos

(Exemplo 11 ): Guglielmo Epifani, segretario generale della Cgil, ha appena

partecipato all'incontro con tutte le parti sociali promosso dal Pd di Walter Veltroni.

La sua Cgil è tornata al centro della scena politica, soprattutto di quella della sinistra.

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[Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “Corriere della sera”, 20 de junho de

2010] – A sua Cgil voltou ao centro da cena política

(Exemplo 12 ): “Noi dobbiamo avere una posizione nazionale, siamo pronti a fare

riforme, andremo avanti nel cambiamento, ma noi manovre non ne facciamo più

perchè non si può chiedere di più a un paese che raggiunge il 5 per cento di avanzo

primario l'anno". Bersani, infine, torna sulle polemiche sollevate dalla dichiarazioni di

Beppe Grillo su Equitalia...” [Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “Corriere

della sera”, 1 de junho de 2010]- Bersani ... volta as polêmicas levantadas nas

declarações de Beppe Grillo...

(Exemplo 13 ): E oggi? «Il lavoro è calato, ma la colpa è della crisi, non dell'euro».

Tornare alla lira? «Scherziamo? Un disastro». [Italiano oral, diálogo, C-Oral-Rom, 10

de dezembro de 2011] – Voltar à lira?

(Exemplo 14 ): Visto che a fine febbraio i ristoranti, con i prezzi raddoppiati erano

semivuoti, hanno fatto marcia indietro ed hanno escogitato il sistema "mangiano in

due e si paga per uno". Morale, ad aprile i prezzi erano tornati a quelli di prima dell'

euro. Quì dove vivo, in Germania.... [Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal

“La reppublica”, 3 de julho de 2010] – Os preços tinham voltado àqueles de antes do

euro

No exemplo (7) o verbo tornare não indica um movimento no espaço geográfico e,

sim, um movimento no tempo e o retorno a uma condição/situação social anterior, que nesse

caso está relacionado a origem da moda, como era no tempo anterior. Em (8), tornare revela

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o sentido de movimento no espaço psico-social, retomada de um argumento já citado

anteriormente. Além disso, (9) revela uma inserção, no caso de forma metafórica, passa a

fazer parte das coisas que serão comentadas em setembro. No exemplo (10), temos o

movimento metafórico de um evento no espaço psico-social, já esteve ali e é retomado. Já no

(11), temos a retomada de um argumento dentro do campo político, um movimento no tempo.

Enquanto no (12), temos também a retomada de um argumento, mas nesse caso essa retomada

é feita por um ser animado. No (13), temos um movimento metafórico no tempo, retorno a

uma condição já experimentada anteriormente. E por fim, no exemplo (14), percebe-se o

movimento no tempo de um ser inanimado, marcando noção de anterioridade.

O exemplo a seguir, no entanto, estrutura-se com base num verbo predicador tornare

que não mantém, completamente, seus traços semânticos básicos. Nesse caso, por estabelecer

uma espécie de “unidade composicional” com outro constituinte, é possível estabelecer

substituição por outra unidade semântica18 correspondente.

(Exemplo 15 ): Con la moglie Dominique al fianco, ricorda: «Solo qualche anziano

continua a tradurre in lire. Tornare indietro? No. Stanno arrivando i polacchi, sulle

nostre montagne, ci sono già gli ungheresi, i francesi e i tedeschi... [Italiano oral, intervista, C-

Oral-Rom, 14 de janeiro de 2011] – Voltar atrás?

Na predicação exemplificada acima, tornare, ainda que mantenha traços de sua

semântica básica – “movimento no espaço” –, forma com outro elemento uma unidade

composicional. Alguns dicionaristas avaliam tal caso como “expressão idiomática” ou

“expressão cristalizada”, pelo motivo de veicularem um sentido global.

18 Entende-se por unidade semântica uma palavra ou uma estrutura que suscite um único sentido.

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Vale salientar que, no exemplo, há a possibilidade de um marco predicativo diferente,

já que o sentido global do enunciado não depende somente do comportamento semântico

individual do predicado e dos argumentos, como até o momento se verificou, e sim de um

sentido global gerado a partir da combinação entre tornare e o argumento em posição que

seria primeiramente de um locativo. Marcos predicativos apresentam informações sintático-

semânticas dos predicados e, dessa forma, eles não dão conta de sentidos que são construídos

no nível discursivo. Se uma pessoa não entende que tornare indietro (voltar atrás) possui o

sentido de se arrepender ou rever conceitos anteriores, o que seria muito difícil para um

falante nativo do Italiano, sua interpretação basear-se-á na configuração semântica básica do

predicado tornare e do constituinte indietro (atrás).

É possível cogitar a similaridade dessa estrutura verificada no exemplo com perífrases

com verbo-suporte, visto que se percebe a atuação de um elemento verbal sobre outro não

verbal, cuja fusão sintático-semântica denota um sentido global.

Nessa unidade compósita, tornare revela comportamento que se situa entre as

categorias de verbo predicador e verbo-suporte. Nesse tipo de construção, percebe-se uma

articulação entre elementos que possuem seus atributos semânticos enfraquecidos, uma vez

que eles deixam de possuir um significado isolado para, juntos, constituírem um sentido

global, um complexo verbal. Nesse sentido, vale ressaltar que um estudo específico que

contemple a natureza composicional de formas verbais como as exemplificadas,

comprovando, ou descartando, a possibilidade de estar havendo algum grau de lexicalização,

delimitaria com êxito as propriedades dessas construções e de seus componentes.

Uma das premissas básicas dos estudos sobre gramaticalização (cf. Heine ET alii,

1991 e Heine, 1993) é a de que categorias que marcam algum tipo de aspecto espacial tendem

a ampliar seu escopo a aspectos relacionados a tempo. Ao se observarem os dados em função

dessa premissa, detectaram-se, no corpus pesquisado, usos de tornare em que o deslocamento

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acontece no espaço temporal e não mais no espaço geográfico como pôde ser verificado nos

exemplos anteriores.

Portanto, o verbo predicador tornare pode exprimir extensões de sentidos mais ou

menos relacionadas ao núcleo semântico básico, além de seu significado básico de

“movimento no espaço geográfico”. Comprova-se que a sintaxe lexical prototípica desse

verbo permanece, geralmente, inalterada em todas as extensões semânticas observadas,

mesmo que se verifiquem na estrutura compósita indícios de uma fusão sintáticosemântica.

Todavia, a atribuição sintática de predicar não se perde nem em extensões de sentidos mais

destoantes da semântica básica. Observar-se-ão, nas próximas seções, contudo, casos em que

se perceberá, além de alteração semântica, mudança morfossintática.

5.2.3. Verbo copulativo

Acredita-se que é necessária uma breve descrição da natureza categorial dos verbos

copulativos e das sentenças de que participam, antes das análises de tornare como verbo

copulativo19.

Verbos de ligação são, normalmente, associados a elementos que “relacionam”

categorias – sujeito e predicativo – e/ou que “suportam” propriedades gramaticais de tempo,

pessoa e modo. Tal afirmação sugere que verbos copulativos possuem apenas função interna

ao sistema linguístico, ou seja, não fazem qualquer tipo de referência ao mundo

biopsicofisicossocial, como é o caso dos verbos predicadores.

19 Verbo copulativo entende-se verbo de ligação.

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Os exemplos que seguem apresentam alguns casos de verbo de ligação equativos –

pois os constituintes relacionados, posicionados à direita e à esquerda do verbo, estão numa

relação de igualdade, já que há a possibilidade de troca entre tais termos.

(a) O menino parece o grande mostro. (b) A casa é o doce lar. Em (a), se o constituinte o grande mostro passasse a ocupar a posição à esquerda da

forma verbal parece, aquele passaria a ser o sujeito, já que, por estarem em posição de

igualdade, não há outro critério, além da ordem, para se definir estruturalmente qual

constituinte é sujeito e qual é o predicativo. Essa possibilidade de mobilidade, ou seja, de

qualquer um dos termos ocupar a posição de sujeito ou de predicativo demonstra o estado

equativo que esse subtipo de verbos de ligação proporciona aos constituintes. Em (b), por

exemplo, poder-se-ia ter o doce lar é a casa , em que o doce lar é o sujeito, ou a casa é o doce

lar, em que a casa é o sujeito. Cabe ressaltar que, em termos discursivo pragmáticos, inversão

pode provocar uma mudança de sentido. Em (b), por exemplo, a inversão poderia caracterizar

uma mudança de foco.

Existem alguns casos, entretanto, em que não se percebe essa posição de equilíbrio

entre os constituintes à esquerda e à direita do verbo de ligação, pois um termo funciona como

modificador ou delimitador do outro e uma mudança de posição caracterizaria uma inversão

entre sujeito e predicativo. A esse tipo de verbo de ligação que seleciona uma descrição e/ou

característica do sujeito, confere-se o nome de verbos atributivos ou descritivos, conforme

está ilustrado a seguir:

(c) Maria está triste.

(d) Maria é triste.

(e) Maria continua triste.

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Se, em qualquer desses enunciados, o termo doente passasse a ocupar a posição à

esquerda do verbo, aquele continuaria sendo um predicativo (doente, está João / Doente, é

João / Doente, continua João). Novamente, percebe-se que essa inversão pode acontecer em

razão de necessidades discursivo-pragmáticas, como a focalização.

Esses exemplos demonstram, ainda, o quanto os verbos de ligação podem interferir na

semântica da frase. As diferenças entre tais enunciados pautam-se, basicamente, na duração

de estado a que cada constituinte sujeito se vincula. Em (c), percebe-se uma duração de estado

mais curta, em (d), uma duração permanente e, em (e), uma duração longa, mas que não

transparece uma permanência tal qual se capta em (d).

Em síntese, há dois subtipos de verbos de ligação: (i) um que proporciona um

equilíbrio sintático entre os constituintes – verbos equativos – e (ii) outro em que o

predicativo descreve e/ou delimita alguma propriedade do sujeito – verbos atributivos ou

descritivos. Para fins de análises, comparar-se-á tornare ao verbo transformar-se, por

participarem de predicações com configurações sintáticas e semânticas semelhantes.

O emprego do verbo tornare como verbo copulativo é muito produtivo no corpus

investigado. Tal função encontra-se descrita em todos os materiais examinados (cf. capítulo

1), aparece em quase todas as obras examinadas como segunda opção de descrição. A seguir,

encontram-se algumas das ocorrências de tornare.

(Exemplo 1 ): Il suo negozio è rimasto chiuso: a distanza di due anni, non lo vuole

nessuno. I clienti però non mancano e, non essendoci più le spese del negozio, i

margini di guadagno sono tornati accettabili. [Italiano escrito, editorial, Jornal “La

reppublica”, 11 de agosto de 2010] – as margens de lucro são aceitáveis

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(Exemplo 2 ): Ora ad Assisi dicono che se il cavallo di San Francesco è tornato

grande anche l'ippica può guarire. Ma forse ci vuole un altro miracolo. [Italiano

escrito, noticia-reportagem, Jornal “La reppublica”, 9 de julho de 2010] – se o cavalo

de São Francisco se tornou grande...

(Exemplo 3 ): Dopo lo scandalo che nel giugno 2010 provocò polemiche in tutta

Europa, torna l'allarme mozzarelle blu. Una nuova partita di formaggi contraffatti e

prodotti con materie prime vietate è stata scoperta a Frosinone da agenti della

Questura ... [Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “Corriere della sera”, 11 de

agosto de 2010] – ...volta a soar o alarme para mozzarelle blu

(Exemplo 4 ): Ma il giorno in cui dall'FBI la chiamano perché il killer ha ripreso a

colpire, capisce che quell'incubo è tornato realtà. Anche Harry Bosch è alle prese con

un'indagine: quella sulla morte del suo amico Terry McCaleb, il cui cuore trapiantato

ha ceduto per sempre. [Italiano escrito, crônica, Jornal “La reppublica”, 1 de junho de

2010] – entende que aquele pesadelo se tornou realidade

Construções com tornare copulativo não apresentam regularidade no que se refere à

natureza do predicativo, visto que é possível preencher tal posição com substantivos e

adjetivos ou com expressões semanticamente equivalentes.

Tornare nesse tipo de construção define-se como um verbo atributivo, pois o

predicativo caracteriza e/ou delimita propriedades do constituinte sujeito, informando, mais

precisamente, um estado do sujeito. Entende-se, também, que tornare não apresenta conteúdo

semântico tão esvaziado assim, já que sua troca por outro verbo de ligação, como essere, por

exemplo, acarreta uma mudança semântica na sentença.

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(Exemplo 1a ): Il suo negozio è rimasto chiuso: a distanza di due anni, non lo vuole

nessuno. I clienti però non mancano e, non essendoci più le spese del negozio, i

margini di guadagno sono tornati / sono stati accettabili. [Italiano escrito, editorial,

Jornal “La reppublica”, 11 de agosto de 2010]

(Exemplo 2a ): Ora ad Assisi dicono che se il cavallo di San Francesco è tornato / é

stato grande anche l'ippica può guarire. Ma forse ci vuole un altro miracolo. [Italiano

escrito, noticia-reportagem, Jornal “La reppublica”, 9 de julho de 2010]

(Exemplo 3a ): Dopo lo scandalo che nel giugno 2010 provocò polemiche in tutta

Europa, torna / é l'allarme mozzarelle blu. Una nuova partita di formaggi contraffatti e

prodotti con materie prime vietate è stata scoperta a Frosinone da agenti della

Questura ... [Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “Corriere della sera”, 11 de

agosto de 2010]

(Exemplo 4a ): Ma il giorno in cui dall'FBI la chiamano perché il killer ha ripreso a

colpire, capisce che quell'incubo è tornato / é stato realtà. Anche Harry Bosch è alle

prese con un'indagine: quella sulla morte del suo amico Terry McCaleb, il cui cuore

trapiantato ha ceduto per sempre. [Italiano escrito, crônica, Jornal “La reppublica”, 1

de junho de 2010]

Nas ocorrências de tornare como verbo de ligação, percebe-se a manutenção da noção

de movimento, porém, nesse caso, o movimento não é no espaço geográfico, nem no tempo.

O processo é de movimento interior, no sentido de transformação.

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5.3. Verbo (semi-) auxiliar

Um dos usos mais frequentes de tornare, no corpus consultado, é o que suscita uma

categorização mais próxima da dos verbos auxiliares, já que, basicamente, tais ocorrências

possuem atribuições de ordem instrumental, como tempo, pessoa e aspecto, por exemplo.

Segundo VIEIRA & BRANDÃO (2004), entende-se auxiliarização como um processo

de gramaticalização que atua sobre formas verbais e que implica a transferência de extensão

de sentido/uso dessas formas da categoria lexical (verbo predicador) para uma categoria

gramatical ( verbo auxiliar, semi-auxiliar, cópula, suporte), sob certas condições semânticas

ou morfossintáticas. Em sentido lato, toma-se, então, o termo auxiliaridade para nomear o

comportamento instrumental que uma unidade verbal pode desempenhar num continuum de

usos/sentidos da língua.

O verbo (semi-)auxiliar liga-se a um predicador (simples ou complexo) ou um verbo

principal que, por sua vez, é o responsável pela predicação (já que determina o esquema

predicativo e designa propriedade de um participante ou relação entre entidades) e ocorre

numa forma nominal (infinitivo, no corpus em análise). Com este, constitui uma perífrase

verbal. Sabe-se que, quanto mais depende de um constituinte adjacente (“predicante”), tanto

mais um verbo se afasta de seu caráter lexical e assume algum grau de gramaticalização

considerado semi-auxiliar, pelo fato de não atender a todos os parâmetros de

auxiliaridade/gramaticalização verbal, responsáveis pela configuração prototípica de verbos

auxiliares.

O emprego de construção com verbo (semi-)auxiliar é um dos recursos da língua para

marcar noções de tempo, modo/modalidade e aspecto verbal. A esse respeito, Déniz (1999:25)

comenta: A perífrase verbal é uma unidade semântico-funcional que constitui um único

núcleo verbal indivisível, no qual é importante tanto o verbo principal quanto o verbo

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auxiliar, já que o resultado final da perífrase resulta da união dos significados dessas formas

verbais.

A categoria de Vsemi-auxiliar justifica-se em razão de certos verbos, que comumente

são classificados como verbos auxiliares em abordagens mais superficiais do assunto, não se

comportarem como outro conjunto de verbos instrumentais que se submetem a todos os

critérios de auxiliaridade (cf. MATEUS et alii, 2003, por exemplo). A esse respeito, essa

autora diz:

Os verbos semiauxiliares são verbos esvaziados de significado lexical, sem grelha argumental,

que respondem afirmativamente a alguns mas não a todos os critérios de auxiliaridade (os

quais, recorde-se, são: impossibilidade de completiva finita, um só advérbio de tempo de cada

tipo, uma só negação frásica (precedendo) o auxiliar, atracção obrigatória do clítico pelo verbo

auxiliar). (MATEUS et alii, 2003:15)

Em função dessas breves considerações, entende-se que há um conjunto de

ocorrências de tornare que pode ser melhor descrito se se estipular uma categoria com algum

grau de gramaticalidade e, assim, se lhe conferir estatuto semi-auxiliar. Por exemplo:

(Exemplo 1 ) “Che fare allora? L’obiettivo numero uno è tornare ad avere la fiducia

dei mercati. E l’unica strada – quella il governo Monti sta provando a battere – è

rimettere in carreggiata i conti dello stato tentando (se possibile) di stimolare nello

stesso tempo la crescita ...” [Italiano escrito, editorial, Jornal “Corriere della sera”, 7 de agosto de 2010] – o

objetivo número um é voltar a ter a confiança dos mercados

Observa-se que tornare se especializa, em tais extensões de uso, na atribuição de

aspecto de reinício de um estado de coisa, que ocorre em estruturas que podem ser

interpretadas como perífrases verbais, ainda que tenham uma configuração que não atenda a

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todos os critérios de auxiliaridade. Esse verbo se associa a um predicador (simples ou

complexo) no infinitivo que é antecedido pela preposição “a”.

[tornare + a + (verbo no infinitivo)]Predicado Verbal

(Exemplo 2 ) : “... ne esce un'intervista memorabile, amarissima, rivelatrice

dell'isolamento che avrebbe portato al suo assassinio soltanto un mese dopo. E ancora

Bocca torna a raccontare l'Italia che cambia, la rivincita delle campagne piemontesi

ed emiliane in chiave industriale.” [Italiano escrito, noticia-reportagem, Jornal “La reppublica”, 3 de junho

de 2010] – e ainda Bocca volta a contar a Itália que muda...

As estruturas perifrásticas dos exemplos desta seção apresentam tornare flexionado,

mais um elemento verbal no infinitivo responsável pela predicação, ou seja, pela projeção de

argumentos e atribuição de papéis temáticos, caracterizando-se, assim, como o núcleo léxico-

semântico daquelas. Tornare, nesses casos, participa das predicações veiculando informações

de ordem gramatical.

A partir de agora, explicitam-se propriedades sintático-semânticas das perífrases

verbais com tornare, tendo em vista os critérios de auxiliaridade descritos em Mateus et alii

(2003) e Machado Vieira (2004).

� As formas verbais da unidade complexa relacionam-se ao

mesmo referente-sujeito

(Exemplo 3 ) : “Un incubo che sembrava scongiurato e che invece torna a rimbalzare

sulla cronaca. E' arrivata nell'ospedale livornese venerdì scorso con una diagnosi che

non lascia speranze, un caso raro, anzi rarissimo per il nostro Paese...” [Italiano escrito, noticia

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sócio-poliítica, Jornal “La repubblica”, 18 de junho de 2010] – Um pesadelo que parecia esconjurado e

que ao invés volta a ricochetear na crônica

O verbo tornare + a + o verbo essere no infinitivo formam uma perífrase verbal em

que o verbo tornare (semi-)auxiliar se une, com auxilio da preposição a, ao verbo principal

essere. Os dois verbo do complexo apresentam o mesmo referente-sujeito. O verbo predicador

(no infinitivo) expressa o evento ativo praticado pelo sujeito e o verbo que o precede e se liga

ao mesmo referente-sujeito determina apenas a modalidade – de aspecto – da ação expressa

pelo predicador, conferindo-lhe a nuance de reinício/retomada.

� Atuam sobre outro(s) verbo(s) num só domínio de predicação – fusão semântico-funcional

(Exemplo 4 ) : C’era molta libertà, anche rispetto a oggi che nella stanza dei bottoni ci

sono ancora gli uomini. In quante dirigono un teatro stabile? Per fortuna ultimamente ci

risvegliamo e torniamo a scendere in piazza».[Italiano oral, monologo, C-Oral-Rom, 14 de janeiro de

2011] – Por sorte, ultimamente acordamos e voltamos (a descer para) a praça

Esse exemplo revela que o emprego de tornare em destaque opera sobre outro verbo

(predicador) num só domínio predicativo (num período simples). Esta estruturação torna-se

mais evidente quando se opera com o critério de auxiliaridade segundo o qual é impossível,

em verdadeiras locuções verbais, substituir a estrutura sintagmática introduzida pelo verbo

predicador por oração completiva finita ou por uma forma pronominal demonstrativa (como

“isso”). É o que se percebe nos dados com semi-auxiliar tornare.. O verbo predicador no

infinitivo (scendere) é o responsável por estabelecer o número de argumentos da predicação.

Juntos, compõem uma “unidade de sentido” (um complexo verbal, uma perífrase/locução

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verbal) em que: (a) o primeiro elemento (Vsemi-auxiliar) desempenha (principalmente)

função gramatical, a de marcar as categorias gramaticais do verbo (tempo, modo, pessoa,

número e/ou voz), indicar aspecto e, assim, matizar o verbo sobre o qual opera; e o segundo

elemento (Vauxiliado) exerce função lexical, a de estabelecer o estado de coisas em que se

encontra(m) o(s) participante(s) no mundo biossocial ou referencial.

� Revelam alteração semântica em relação ao uso que têm como Vpredicador pleno

Ao se Submeter à gramaticalização, um verbo tem sua acepção primária de

Vpredicador alterada e, em decorrência de um processo de dessemantização, sua área de

atuação sintático-semântica amplia-se quando passa a desempenhar papel instrumental na

língua. É o caso do verbo tornare:

(Exemplo 5 ) : “Mancino, sempre ai microfoni di Sky, è poi tornato a ribadire la

propria autonomia nella scelta di votare a favore di Alfonso Marra per la presidenza

della Corte d’Appello di Milano e ha sottolineato di «non aver potuto immaginare che

esistesse una loggia P3” [Italiano escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “La repubblica”,

18 de junho de 2010] – Mancino, sempre aos microfones da Sky, voltou então a

reafirmar a própria autonomia na escolha de votar a favor de Alfonso Marra

Empregos desse tipo revelam sentido distinto do primário (movimento no espaço

geográfico). Tornare, nesses exemplos, passou a indicar “movimento, no tempo (um tempo

“interno” ao estado de coisas/evento; não-dêitico, porque se refere ao evento em si e não à

situação de enunciação), de retorno/reinício de um estado de coisas”, cumprindo o papel de

indicar a repetição, a retomada e continuação de um estado de coisas/evento de outro recorte

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no eixo temporal e de denotar a fase do desenrolar do estado de coisas, ou seja, o ponto inicial

no segmento tempo: “aspecto incoativo/inceptivo” 20. Também revela sua fase de realização

(noção aspectual): estado de coisas começado e não-acabado.

Em geral, caracteriza-se Vauxiliar típico como uma unidade da língua que não possui

valor lexical no mundo biossocial (valor referencial), mas gramatical/instrumental no sistema.

É a extensão de sentido/uso que se especializa na indicação/marcação de categorias

gramaticais: pessoa, número, tempo, modo, voz e aspecto.

� Não impõem restrições de seleção semântica ao preenchimento do sujeito gramatical

Um Vauxiliar típico não seleciona o termo que ocupará a posição sintática de sujeito

na predicação. Não lhe atribuí papel semântico/temática, nem lhe impões restrições de seleção

semântica. É o Vpredicador (verbo principal) que determina as condições semânticas para

preenchimento do lugar sintático de sujeito. Isso pode ser notado no exemplo a seguir:

(Exemplo 6 ) : “Da qualche tempo avevo deciso che era ora di tornare a studiare e

farlo finalmente con costanza così dopo un pò di ricerche ho trovato quello che è

attualmente il mio maestro d chitarra (jazz-blues)” [Italiano escrito, noticia-reportagem, Jornal “La

repubblica”, 18 de junho de 2010] – A algum tempo havia decidido que era hora de voltar a

estudar e fazê-lo finalmente com assiduidade...

Nesses usos, tornare tem sua área de atuação sintático-semântica ampliada, uma vez

que não há restrições quanto à natureza do estado de coisas que caracteriza o predicador sobre

o qual atua. E sabe-se que, quanto maior a possibilidade de um item verbal se combinar com

20 Aquele que indica uma ação começada, o início de uma ação, ou melhor, seu recomeço (nesse semi-auxiliar), já que pressupõe repetição de estado de coisas sem idéia de freqüência ou de hábito.

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elementos auxiliados diversos (que expressem qualquer tipo de evento – ação, processo,

estado, posição – ou com qualquer tipo de transitividade), mais nítido seu estatuto

instrumental. É o que se verifica com relação a tornare, já que tanto pode ocorrer em eventos

([+ ou - controlados] e [+ dinâmicos]), quanto pode ocorrer em estados e processos (estados

de coisas [- controlados] e [+ ou – dinâmicos]).

O emprego semi-auxiliar de tornare não é responsável pela seleção semântica do

termo que ocupa a posição de sujeito na predicação. Não lhe atribui, assim, papel

semântico/sintático. Nos dados encontrados, é o verbo predicador que impõe restrições

semânticas para o preenchimento do lugar sintático de sujeito. Isso pode ser confirmado a

partir do confronto de exemplos, como os que se listam abaixo:

(Exemplo 7 ): In nessun paese democratico questo sarebbe successo”. Nel merito della

manovra, infine, il segretario della Cgil torna a bocciare l'impostazione della

correzione dei conti: “Non colpisce i ricchi. È una manovra di classe, intesa al

contrario”. [Italiano escrito, noticia poliítica, Jornal “La repubblica”, 23 de junho de 2010] – o secretário da

Cgil volta a reprovar o preparo da correção das contas...

(Exemplo 8 ): “un’economia mondiale e la debolezza delle istituzioni internazionali o

l’inadeguatezza dei vecchi stati. Il tema della democrazia torna ad essere centrale nella

visione dei progressisti ed anche fondamentale per ristabilire un rapporto forte con le

opinioni pubbliche dei nostri paesi. (…)”[Italiano escrito, noticia econômia, Jornal “La repubblica”, 20 de

junho de 2010] – o tema da democracia volta a ser central na visão dos progressistas

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Os exemplos citados mostram que perífrases verbais formadas pelo semi-auxiliar

tornare podem ocorrer com sujeitos que desempenham diferentes funções semânticas: em (7)

agente, em (8) tema.

� Ocorrem numa construção que só admite um advérbio de negação, (preferencialmente posicionado à esquerda da sequência em auxiliação para que a negação possa modificar toda a predicação)

(Exemplo 9 ) : “Una pausa di riflessione, dopo aver vinto tutto nel 2010. Eppure la

sensazione è che se ci fosse l'uomo giusto da prendere, Moratti tornerebbe ad essere

un presidente meno rigoroso.” [Italiano escrito, noticia-reportagem, Jornal “La reppublica”, 21 de agosto de

2010] – Moratti voltaria a ser um presidente menos rigoroso...

Outro indício de sua semi-auxiliaridade é o fato de o advérbio de negação poder atuar

sobre o verbo predicador no infinitivo, nesse tipo de complexo verbal. Essa perífrase até

aceita dois advérbios de negação, um incidindo sobre o semi-auxiliar tornare, e o outro, sobre

o predicador no infinitivo, como no exemplo:

• “Una pausa di riflessione, dopo aver vinto tutto nel 2010. Eppure la sensazione è che se

ci fosse l'uomo giusto da prendere, Moratti non tornerebbe ad essere un presidente

meno rigoroso.”

• “Una pausa di riflessione, dopo aver vinto tutto nel 2010. Eppure la sensazione è che se

ci fosse l'uomo giusto da prendere, Moratti tornerebbe a non essere un presidente

meno rigoroso.”

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• “Una pausa di riflessione, dopo aver vinto tutto nel 2010. Eppure la sensazione è che

se ci fosse l'uomo giusto da prendere, Moratti non tornerebbe a non essere un

presidente meno rigoroso.”

Um auxiliar típico ocorrerá numa construção que só admita um advérbio de negação,

preferencialmente posicionado à esquerda da sequência em auxiliarização para que a negação

possa modificar toda a predicação.

� Com o verbo auxiliado, comportam-se “em bloco” diante de certas transformações sintáticas (da afirmativa para a interrogativa, por exemplo)

(Exemplo 10 ) : “Dal ritiro del Milan di Dubai, Alexandre Pato è tornato a parlare,

correggendo almeno in parte il tiro dopo l'intervista di qualche giorno fa che aveva

alzato un vero e proprio polverone, tanto da far pensare ad um nuovo uomo ...” [Italiano

escrito, noticia sócio-poliítica, Jornal “Corriere della sera”, 29 de agosto de 2010] – Alexandre Pato voltou a

falar...

Vale destacar o comportamento em bloco diante da transformação de uma asserção

com o semi-auxiliar tornare em uma interrogação. Nesse tipo de transformação sintática, o

domínio do verbo principal (no infinitivo) não pode ocorrer como resposta a uma pergunta

que apenas tenha o semi-auxiliar tornare, como, no exemplo 10 “Dal ritiro del Milan di

Dubai, Alexandre Pato è tornato a parlare, correggendo almeno in parte il tiro dopo

l'intervista di qualche giorno ...”

• *Cosa Alexandre Pato è tornato? a parlare, correggendo almeno in parte il tiro

dopo l'intervista di qualche giorno

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• Porém: Cosa Alexandre Pato è tornato a fare? a parlare, correggendo almeno in

parte il tiro dopo l'intervista di qualche giorno

Esse teste também contribui para mostrar que os dois verbos funcionam como uma

unidade sintática.

Considerando-se os seis critérios presentes em VIEIRA (2004), percebe-se que

tornare tende ao rol dos auxiliares, mas, tendo em vista que tal elemento não apresenta

consonância com todos os critérios, optou-se por chamá-lo de semi-auxiliar. Abaixo,

resumem-se os critérios com os quais se trabalhou e a possível adequação de tornare.

Verbos (tipicamente) auxiliares Verbo semi-auxiliar TORNARE

Parâmetros de auxiliaridade Parâmetros Propriedades em evidência

1) As formas verbais da unidade

complexa relacionam-se ao mesmo

referente-sujeito

+ TORNARE + A + Predicadori no INF

(identidade de sujeito > um só posição

de sujeito)

2) Atuam sobre outro(s) verbo(s)

num só domínio de predicação

+ TORNARE + A + Predicador no INF =

unidade de predicação e unidade de

sentido

3) Revelam alteração semântica em

relação ao uso que têm como

Vpredicador pleno

+ Sentido: “retomada/reinício de um

estado de coisas”

4) Não impõem restrições de seleção

semântica ao preenchimento do

+ Liga-se a diversos predicadores

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sujeito gramatical

5) Ocorrem numa construção que só

admite um advérbio de negação,

(preferencialmente posicionado à

esquerda da sequência em auxiliação

para que a negação possa modificar

toda a predicação)

−−−− Admite diferentes possibilidades de

inserção de advérbio de negação:

NÃO TORNARE + A + Predicador no

INF

TORNARE + A + NÃO Predicador no

INF

NÃO TORNARE + A + NÃO

Predicador no INF

6) Com o verbo auxiliado,

comportam-se “em bloco” diante de

certas transformações sintáticas (da

afirmativa para a interrogativa, por

exemplo)

+ O que Arg1 TORNARE + A +

Predicador no INF?

E não: *O que Arg1 TORNARE?

Quadro 8 : Parâmetros e propriedades responsáveis pela semi-auxiliaridade de certos emprego de TORNARE.

O emprego instrumental de tornare não se submete a todos esses critérios de

auxiliaridade. Por isso, é categorizado como semi-auxiliar.

5.4. Verbo suporte

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Além de tornare atuar como verbo predicador e verbo semi-auxiliar também pode se

caracterizar como verbo-suporte21, apesar de não ter um uso expressivo na língua Italiana.

Dos dados coletas, tem-se apenas uma ocorrência do verbo tornare como verbo suporte.

(Exemplo 1 ) : “... l’italiano vuole rispecchiarsi in un passato tragico e remoto in

chiave moderna, tornando a galla alcune storie di politica, antiche tradizioni e

storiche memorie...” [Italiano orale, dialogo, C-Oral-Rom, 22 de janeiro de 2011] – O italiano quer

espelhar-se num passado trágico e remoto no sistema moderno, voltando à tona

algumas histórias de política....

Percebe-se que esse dado pode ser examinado de duas formas distintas: ou como

Vpredicador (não-pleno) ou como Vsuporte. Isso se deve ao fato de certos empregos do item

em estudo apresentarem características referentes a mais de uma função exercida por ele.

Entende-se que, se tornare atua como predicador, é considerado o núcleo semântico-sintático

da predicação sendo passível de substituição por outro Vpredicador (quase) sinônimo e

mantendo a responsabilidade de atribuir papel temático na predicação. Já se age como

Vsuporte, entende-se uma extensão de sentido de um Vpredicador esvaziada semanticamente

e com comportamento léxico-gramatical, que se associa a um elemento não verbal,

partilhando com este a função de atribuir papel temático. Esse verbo tem caráter instrumental

porque serve de “suporte” para marcar noções de categorias verbais, tais como tempo, modo,

aspecto, número e pessoa, tal como atuam os verbos auxiliares. Os dois elementos formadores

do predicador complexo colaboram para a projeção de argumentos na oração e, em muitos

casos, formam uma construção que pode ter um Vpredicador correspondente.

21 Os verbos-suporte também são nomeados de verbos leves, verbos funcionais, verbalizadores, verbóides e verbos de apoio.

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Preferiu-se situar esse dado dentro da categoria de verbo suporte, pois no exemplo

anteriormente citado o verbo tornare se une a um elemento não verbal (galla), formando um

predicador complexo. Esse predicador complexo pode ser substituído pelo predicador simples

galleggiare.

Salienta-se, entretanto, que a identificação da categoria de Vsuporte não se limita a

casos em que haja possibilidade de alternância entre predicadores complexos e predicadores

simples correspondentes. A esse respeito Neves (1997) comenta: “Verbos-suporte são verbos

semanticamente vazios, que permitem construir um SV com Vn em relação de paráfrase com

um SV.”

Machado Vieira22 (2001) denomina essa categoria de “operandum auxiliar de

‘verbalização’ de elemento não-verbal” e acredita que “um verbo-suporte contribui para a

formação semântica do predicado verbo-nominal, apesar de o item nominal ser o principal

responsável pelas propriedades semânticas da predicação nuclear”.

Em síntese, o verbo tornare nesse exemplo se comporta de modo híbrido por

apresentar extensão semântica “voltar à superfície”, própria da categoria de Vpredicador não-

pleno, bem como pode se comportar como uma construção complexa, (tornare a galla =

galleggiare (emergir)) responsável pela distribuição de papel temático aos argumentos.

22 Marcia dos Santos Machado Vieira analisou o verbo fazer em sua tese de doutorado. Dentre outros aspectos, abordou a função de verbo-suporte (cf. bibliografia)

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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa, propôs-se investigar o comportamento polifuncional de tornare e, para

tanto, analisaram-se as propriedades sintáticas, semânticas e discursivas de predicações com

esse verbo. Com efeito, analisaram-se (i) textos da modalidade oral tirados do Coral-Row e da

modalidade escrita correspondentes aos gêneros jornalísticos, artigos de opinião, cartas de

leitores, crônicas, editoriais, notícias-reportagens.

Tendo em vista as análises e descrições empreendidas, esta dissertação oferece

contribuições em três níveis: (a) teórico-metodológico, (b) descritivo e (b) pedagógico. Tendo

em vista as análises e descrições empreendidas, esta dissertação procurou oferecer

contribuições acerca de aplicação teórica, uma vez que se desenvolveram investigações com

base na conjugação de aparatos teóricos e do comportamento polifuncional de tornare em

diferentes tipos e gêneros textuais.

Acredita-se, também, que este trabalho possa colaborar para questões relacionadas ao

ensino de Língua Italiana para estrangeiro. Assim sendo, as contribuições alcançam três

níveis: (a) teóricometodológico, (b) descritivo e (b) pedagógico.

Em nível teórico-metodológico, nesta pesquisa, articularam-se, proficuamente,

arcabouços teórico-metodológicos de enfoques diferentes, para dar conta do comportamento

polifuncional de tornare. Essa articulação de pressupostos teóricometodológicos, que se

mostrou compatível nesta dissertação, consiste, basicamente, na Teoria da Gramática

Funcional do Discurso, corrente de orientação holandesa cujo precursor é o linguista Simon

Dik, vinculada aos pressupostos sobre gramaticalização, especialmente àqueles advindos da

Escola Norte-Americana.

Em nível descritivo, a pesquisa revelou a flexibilidade sintático-semântica e discursiva

dos usos do item linguístico tornare. A descrição qualitativa demonstrou os contextos em que

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esse elemento pode apresentar características lexicais básicas e características mais

instrumentais, funcionando como um “suporte”, nos empregos como verbo copulativo e semi-

auxiliar, para marcas morfológicas de tempo, modo, pessoa e aspecto. Não se deve perder de

vista que se determinou, também, a eficácia de tornare para servir de instrumento discursivo

pragmático, uma vez que tal item contribui para aspectos de progressão textual e para marcar

foco de uma predicação.

Sua maleabilidade semântica, também, foi comprovada, de modo que seus sentidos

variaram bastante em cada função trabalhada. Como verbo copulativo, resgatou-se pouco

conteúdo semântico que suscitasse a noção de “movimento”; como verbo semi-auxiliar,

percebeu-se, mais expressivamente, a idéia de “movimento pelo tempo”, embora, em alguns

casos, houvesse certa ambiguidade entre verbo predicador pleno e verbo semi-auxiliar; e

como instrumento discursivo pragmático, pôde-se, também, apurar dados em que o

significado básico de “movimento concreto”, configurando-se, assim, como uma predicação

coordenada a outra forma verbal (Andrea é tornato [al ristorante] e ha mangiato).

No que tange ao comportamento lexical básico, a pesquisa demonstrou sua natureza

semântica concreta cuja função é a de expressar “um movimento de um agente controlador até

um destino”. Sua sintaxe lexical prototípica caracteriza-se por exigir um argumento interno,

com a função semântica de direção, um argumento interno default, com função semântica de

origem, e um argumento externo, com a função semântica de sujeito.

Em determinados empregos como verbo predicador, detectaram-se extensões de

sentidos da predicação básica de tornare. Uma em que se captou a expansão do item tornare,

de modo a se tornar equivalente semanticamente a outro predicador. E outra em que, da união

entre tornare mais o argumento interno, infere-se um sentido global.

Na qualidade de verbo semi-auxiliar, tanto nas construções com infinitivo, como nas

como gerúndio, as análises estabelecidas determinaram o caráter semigramatical de tornare,

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já que esse item verbal não correspondeu a todas as características que fazem, de um verbo,

auxiliar. Sua categorização híbrida comprova que o processo de mudança pelo qual passa esse

emprego ainda está em andamento e que, a depender do contexto discursivo-pragmático em

que se encontra, esse elemento verbal adquire propriedades que o enquadram em graus

distintos de gramaticalização.

Funcionando como instrumento discursivo-pragmático, constatou-se que tornare atua

no domínio textual, colaborando para a progressão de idéias, especialmente em textos orais

narrativos, e no domínio da pragmática, em que sinaliza focalidade. Observe-se que esses

domínios pertencem a um mesmo nível de análise, o discursivo-pragmático, que é o plano da

construção/interpretação dos sentidos.

Nesta pesquisa, empreendeu-se um tratamento quantitativo, com base na distribuição

dessas extensões de uso e sentido no corpus e de aspectos relativos à caracterização de

algumas delas. Com isso, pode-se apreender com que frequência o falante recorreu a cada

uma, tendo em vista propriedades do corpus constituído e parâmetros considerados na

caracterização de cada uma.

No que se refere aos empregos gramaticalizados de tornare, verificou-se que cada uso

participa de um continuum de gramaticalização diferente. Há, por sua vez, entre os extremos

desses continua detectados, empregos de comportamento híbrido em graus diferentes de

gramaticalização. Determinou-se, também, que as relações entre esses empregos

instrumentalizados não são nítidas, entre si, mas somente entre os empregos semi-

gramaticalizados e o núcleo conceptual básico – tornare na condição de verbo predicador

pleno.

Em termos pedagógicos, esta pesquisa proporciona o desenvolvimento e/ou

aprimoramento de materiais em que se descreva o comportamento sintáticosemântico e

discursivo de tornare Julga-se como importante a apresentação para os alunos, a depender,

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evidentemente, do nível de escolaridade, de noções acerca da reação peculiar de verbos –

diferenciados comportamentos – em função do contexto discursivo em que está atuando.

Com a descrição e as análises das construções em que tornare constitui um

instrumento discursivo, aproveita-se, para o ensino, a idéia de que determinados itens

apresentam função que extrapolam o nível da estrutura e servem para enfatizar ou dramatizar

outros elementos. Sublinha-se, ainda, a importância da situação comunicativa para o uso dessa

construção.

Comparando-se a literatura consultada e as análises empreendidas, compreende-se que

o tratamento do comportamento de tornare existente nas obras pesquisadas oferece descrições

dos seus usos, especialmente as lexicográficas; entretanto os aspectos de mudança são pouco

debatidos pelos autores nessa revisão bibliográfica que serviu de base. Quando se trata de

mudança, o foco das análises observadas em tais obras recai, em quase na totalidade dos

casos, sobre o uso como verbo semi-auxiliar.

Alguns aspectos podem, ainda, ser revistos ou estudados para que se aprofunde a

descrição da polifuncionalidade de tornare.

(1) Uma ampliação do corpus investigado, de modo a contemplar outras variedades da língua

italiana e gêneros textuais diversos;

(2) Uma pesquisa específica sobre o caráter multifuncional de perífrases com certos verbos de

movimento (“foi / saiu / veio / andou pesquisando”; “saiu / veio / passou / andou a pesquisar”;

“vai / vem pesquisar ”);

(3) Uma investigação acerca do fenômeno da lexicalização que parece atuar em certas

construções com tornare mais elemento não verbal;

(4) Apresentação da possível interferência da preposição para o processo de gramaticalização

de tornare, pois, ao que parece, há diferenças sintáticosemânticas entre as estruturas tornare

a, tornare in e tornare su;

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(5) Uma descrição de outros usos desse item verbal como expressões de tempo decorrido (não

se encontrou dado algum dessa natureza no corpus considerado).

(6) Um estudo dos empregos de tornare como verbo copulativo e em unidades compósitas à

luz da teoria da Gramática das Construções.

Para finalizar, destaca-se que tornare tem uso frequente no italiano em diferentes

contextos comunicativos. Em diferentes gêneros ou fontes de texto, revela seus empregos de

Vpredicador (com sentido pleno ou não-pleno) e Vsemi-auxiliar. Assim, uma mesma forma

verbal relaciona-se a categorias funcionais divergentes, cuja identificação dependerá do

contexto. Nessas categorias, persiste a noção de “movimento de retomada/retorno”. A

gramaticalização de tornare decorre de um conjunto de propriedades distintas das que tem

como Vpredicador: entre as quais, a alteração semântica de seu sentido-fonte com sua

especialização semântica na indicação gramatical de “aspecto” - retomada de um estado de

coisas –, e com a perda da autonomia que tem como verbo predicador em virtude de seu

desgaste semântico e de sua recorrência numa determinada estrutura morfossintática (

“TORNARE + A + Predicador no INF”) com o propósito de sinalizar uma informação

gramatical, não-dêitica. Sua semi-auxiliaridade advém, principalmente, do fato de não se

aplicar à estrutura formada por esse emprego do parâmetro que colabora para pôr em

evidência uma locução verbal (uma unidade semântica, sintática e funcional): (i) uma só

instância de negação atuando sobre todo o complexo verbal.

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ANEXO

Codificação, nos “corpora”, de aspectos como:

(I) CATEGORIA VERBAL (função de cada ocorrência de TORNARE)

M - Verbo predicador – movimento no espaço

E - Verbo predicador – extensão de sentido (valores diferentes do de movimento)

A - Verbo semi-auxiliar (TORNARE A Vinfinitivo)

S - Verbo suporte

(II) MODALIDADE EXPRESSIVA

e - escrita

o - oral

(III) FONTE

G Jornal La reppublica

E Jornal Corriere della Sera

C Coral - Row

(IV) FORMA DE “TORNARE”

f finita

n não-finita (nominal – particípio, gerúndio ou infinitivo)

(V) ESTRUTURAÇÃO DAS PREDICAÇÕES NUCLEARES COM TORNARE

Se for Vpredicador,

3 Argumento1Agente [+ controlador do evento] TORNARE Argumento2ORIGEM

Argumento3DESTINO/ALVO

0 Argumento1Agente [+ controlador] TORNARE Argumento2ORIGEM

2 Argumento1Agente [+ controlador] TORNARE Argumento2DESTINO / META

5 Argumento1 Agente [+controlador] TORNARE Argumento 2 (Vazio)

8 Argumento1Agente [+controlador] TORNARE Argumanto2TEMA

Argumento3DESTINO / META

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6 Argumento1Tema/Paciente/Força [- controlador] TORNARE Argumento2ORIGEM

Argumento3DESTINO

4 Argumento1Tema/Paciente/Força [- controlador] TORNARE Argumento2ORIGEM

1 Argumento1Tema/Paciente/Força [- controlador] TORNARE Argumento2DESTINO / META

7 Argumento1Tema/Paciente/Força [-controlador] TORNARE Argumento2 (Vazio)

9 Argumento Tema/Paciente/Força[-controlador] TORNARE Argumanto2TEMA

Argumento3DESTINO / META

Se for Vsemi-auxiliar,

@ Argumento1Agente [+ controlador do evento] TORNARE a PREDICADOR SIMPLES

# Argumento1Tema/Paciente/Força [- controlador] TORNARE a PREDICADOR SIMPLES

$ Argumento1Agente [+ controlador do evento] TORNARE a PREDICADOR COMPLEXO

(locução verbal, com outro verbo (semi-)auxiliar, perífrase verbo-nominal, com verbo

suporte)

% Argumento1Tema/Paciente/Força [- controlador] TORNARE a PREDICADOR

COMPLEXO

Se for Vsuporte,

& Argumento1Agente/experienciador [TORNARE + Elemento N/V] Predicador complexo

> Argumento1Tema/Paciente/Força [TORNARE + Elemento N/V] Predicador complexo

(VI) VALORES SEMÂNTICOS DE TORNARE

0 movimento no espaço geográfico

1 movimento no espaço psico-social (- concreto)

2 movimento no tempo: retorno a um lugar no tempo

3 movimento no tempo: retorno a um estado de coisas / evento

4 movimento no tempo: retorno a uma condição/situação social (+ concreto)

5 mudança na condição/situação social de uma meta/tema.

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