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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORÂNEA JANDEIVID LOURENÇO MOURA MICROPOLÍTICAS DA CRIAÇÃO: OS PROCESSOS COMPARTILHADOS DA CONFRARIA DOS ATORES (MT) E DO TEATRO DO CONCRETO (DF) CUIABÁ-MT 2012
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE LINGUAGENS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

EM ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORÂNEA

JANDEIVID LOURENÇO MOURA

MICROPOLÍTICAS DA CRIAÇÃO: OS PROCESSOS COMPARTILHADOS DA

CONFRARIA DOS ATORES (MT) E DO TEATRO DO CONCRETO (DF)

CUIABÁ-MT

2012

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JANDEIVID LOURENÇO MOURA

MICROPOLÍTICAS DA CRIAÇÃO: OS PROCESSOS COMPARTILHADOS DA

CONFRARIA DOS ATORES (MT) E DO TEATRO DO CONCRETO (DF)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos

de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso

como requisito para a obtenção do título de Mestre em Estudos de

Cultura Contemporânea, na Área de Concentração, Linha de Pesquisa:

Poéticas Contemporâneas.

Orientadora: Prof(a). Dr(a). Maria Thereza de Oliveira Azevedo.

CUIABÁ-MT

2012

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AGRADECIMENTOS

Uma caminhada fica muito mais fácil e divertida quando tem algumas pessoas ao lado para

compartilhar.

A Deus e a todas as energias positivas que circulam e habitam este mundo e nos ajudam a

construir nossa jornada.

Agradeço a todas as pessoas que direta ou indiretamente estavam comigo nesta estrada, seja

ao lado ou distantes na torcida.

Aos meus pais que sempre me apoiaram e nunca mediram esforços para compartilhar comigo

os meus sonhos.

Ao Roni, companheiro de vida, que sempre estava do meu lado, me motivando e me cobrando

para que eu fosse mais organizado.

A Maria Thereza Azevedo por me guiar nessa aventura de ser pesquisador.

A Oswaldo Machado e Marcos Bulhões pela generosidade das contribuições.

A Confraria dos Atores: Benone Lopes, Talita Figueiredo, Karina Figueredo, Emanuel Vitor,

que além de objeto de pesquisa sempre foram amigos.

Ao Teatro do Concreto, e em especial ao amigo Francis Wilker, que abriram seus segredos

para que eu pudesse ver e analisar.

A todos meus amigos que sempre torceram por mim e sempre estão presente nas plateias por

onde eu apresento as minhas conquistas.

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RESUMO

Reflexão sobre os modos de realização de um teatro que rompeu com processos tradicionais

de criação, tendo como referência o teatro dos anos 60/70 e seus laboratórios experimentais.

Para este trabalho duas Companhias do Centro Oeste, o teatro Concreto e a Confraria dos

atores foram observadas nos seus processos de criação compartilhada. Michel Foulcaut e a

questão do poder traz elementos para problematizar os modos tradicionais e Gilles Deleuze e

Felix Guattari apoiam na questão das micropolíticas, aqui denominado de micropolíticas da

criação, para a análise das experiências em processos colaborativos das companhias

observadas.

Palavras-chave: Teatro, Criação, Micropolíticas, Poder, Compartilhamento

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ABSTRACT

Reflections on the means of construction of a theater that broke with traditional processes of

creation, taking as reference the ‘80s and '90s theater with its experimental laboratories. For

this work, two theater companies from the Central-West region of Brazil, the Teatro Concreto

and the Confraria dos Atores, were observed on its processes of shared creation. Michel

Foucault and the power issue bring elements to problematize the traditional means and Gilles

Deleuze and Felix Guattari support the matter of the micropolitics, named here as

micropolitics of creation, for the analysis of the experiments in collaborative processes from

the theater companies observed.

Keywords: Theater, Creation, Micropolitical, Power, Sharing

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................... 09

1. MICROPOLÍTICAS: AS RELAÇÕES DE PODER EM

PROCESSOS DE CRIAÇÃO....................................................................

17

1.1 A formação do conceito de encenação............................................ 17

1.2 Micropolíticas da Criação: A encenação como dispositivo de

poder...........................................................................................................

26

1.3 O esmaecimento do centralismo decisório em processos

compartilhados ..........................................................................................

33

2. COMPARTILHAR A CRIAÇÃO: MICROPOLÍTICAS

HORIZONTAIS DA CRIAÇÃO ..............................................................

38

2.1 O processo colaborativo ................................................................. 49

2.2 A criação coletiva contemporânea ................................................. 54

3. EXPERIEÊNCIAS EM PROCESSOS COMPARTILHADOS ............ 63

3.1 O processo colaborativo do Teatro do Concreto (DF) .................. 63

3.2 A criação coletiva contemporânea da Confraria dos Atores (MT) 74

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................... 88

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 93

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INTRODUÇÃO

“As palavras passam pelo exercício criativo do ator: podendo ser

balbuciadas, omitidas, recortadas, elas são matéria, instrumento, e

não mais território”. (TROTTA, 2006, p. 156)

Criar de forma compartilhada no teatro é uma experiência, que apesar de não ser nova, vem

sendo mais utilizada, nos últimos anos, no mundo inteiro. Esse

modelo/filosofia/escolha/posição, experimentado principalmente a partir dos anos 1970 no

Brasil, com as experiências coletivas de diversos grupos alternativos, como o Asdrúbal

Trouxe o Trombone (Brasil), Living Theatre (Estados Unidos), Théâtre du Soleil (França) etc,

se reinventa com os processos colaborativos (Teatro da Vertigem), se reconfigura, com uma

nova criação coletiva (Oi Nós Aqui Traveis), e se espalha pelo país, influenciando as

companhias que pesquiso neste trabalho (Confraria dos Atores e Teatro do Concreto). A

noção de um teatro de grupo, mais democrático e participativo, pode ter surgido em um

momento de extrema repressão política no país, a partir dos anos de 1968, em plena ditadura

militar. O estar, viver, criar e escolher fazer arte juntos pareceu nesse momento uma das

poucas formas de tornar possível um teatro alternativo e politizado. Dessa maneira muitos

artistas, ao contra fluxo do mercado, realizando o que chamaram de contracultura, se reúnem

para fazer uma arte compartilhada e alternativa aos padrões comerciais vigentes na época

(MICHALSKI, 1985, p. 85).

Teatro é basicamente uma arte coletiva, seja em seu processo de criação ou quando da

apresentação para o público, pois para que a experiência teatral aconteça, é preciso que

alguém atue e outro assista, no mesmo tempo e espaço, configurando assim uma relação

(GUENÓN, 2003, p. 15). Requer tanto uma reunião de pessoas para sua produção, como

também, uma reunião de espectadores, que, inclusive, são convocados publicamente. Nesse

sentido, o teatro é uma atividade compartilhada, baseada na relação, e um grupo de teatro

possui suas regras, sua forma de se relacionar, de se estruturar, de se posicionar no mundo, de

interagir com ele, de interferir e ser contaminado pelo entorno, por analogia podemos a

considerar como uma microssociedade, onde são estabelecidas suas próprias micropolíticas.

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A mobilização de diversas pessoas em torno de um objetivo comum, a tentativa de encontrar

um consenso, mesmo que dentro do dissenso, ou apenas de deixar a decisão na mão de uma

pessoa ou de um coletivo, é uma escolha política, mesmo que o coletivo acredite estar fazendo

apenas escolhas estéticas. Teatro é, dessa forma, uma atividade política, não só pelo conteúdo

que apresenta, mas também pelas formas de fazer e construções imagéticas que produz e,

logicamente, pelo seu caráter intrínseco de reunião, assembleia, coletividade (GUENÓN,

2003, p. 15). Ao se estabelecer a estrutura do grupo, dividir papéis, hierarquizar ou não os

processos, decidir quem são os responsáveis pelas áreas e o que cabe para cada um, definir

uma concepção, caminhos, procedimentos etc., estamos dentro de um possível patamar

político, ou de uma micropolitica da criação.

Este trabalho propõe uma reflexão sobre a mudança operada especialmente nas políticas de

constituição e criação dos grupos, trocando o processo dito tradicional, onde o dramaturgo e o

diretor possuem exclusividade na criação, para um teatro feito por diversos colaboradores ou

participantes, ou seja, por múltiplas visões que se compõem ou justapõem, fundamentados

num verbo que para muitos grupos de teatro se tornou palavra de ordem: compartilhar, que

pode carregar dois sentidos básicos, aquele próprio de compartilhar (distribuir) e aquele de

compartilhar de (participar de), onde o foco do grupo passa do espetáculo em si, para o

processo (TROTTA, 2006, 157). Dentre as muitas características intrínsecas ao modelo1 de

criação compartilhada e a ideia de micropolíticas da criação, que resultariam em muitas outras

pesquisas, optei por recortar esta reflexão nessa decisão, nessa tomada de postura, nessa

escolha de estratégia de criação e organização, feitas por muitos grupos, de se colocarem, em

algum determinado momento, contra processos de criação hierarquizados, movimento que

considero como político, não só como estético. Esse caminho rejeita o modo, considerado

tradicional, de criação teatral: onde o dramaturgo escreve um texto e este é direcionado a um

encenador que impõe aos outros envolvidos as suas ideias sobre o espetáculo, concebidas,

muitas vezes, de forma isolada em sua sala de trabalho. As relações de poder, de saber, de

decisão, de treinamento, de correção, de análise, ou seja, de trabalho, se alteram e se

enfraquecem. O que então, essa mudança estrutural na micropolítica da criação de um grupo

de teatro, poderia refletir na estética de um espetáculo e a que possíveis se abrem quando os

perfis ora centralizadores e impositivos se desterritorializam, ampliando a relação, o debate, a

1 Mesmo que não se consiga encontrar um procedimento padrão, muitas características são recorrentes, por

isso o tratamos como um modelo.

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assembleia? Nesse sentido a pesquisa tenta refletir sobre estruturas organizativas de grupos de

teatro, pelo seu viés político, a partir das relações, tendo como exemplo dois modelos

específicos de processos compartilhados de criação (processo colaborativo, nos moldes do

processo colaborativo do Teatro da Vertigem e criação coletiva contemporânea2), que são

experimentados por dois grupos de teatro, do centro-oeste brasileiro: Teatro do Concreto (DF)

e Confraria dos Atores (MT).

Escolhi trabalhar com grupos estáveis de criação, pois apesar de não ser exclusividade do

teatro de grupo, é nesse espaço que se vê mais explicitamente o compartilhamento dos

procedimentos de criação sendo experimentados, se configurando, é claro, de forma particular

em cada coletivo, de acordo com suas pretensões estéticas, políticas e sociais. O que aproxima

os dois modelos de criação é que ambos almejam, mesmo quando há a permanência das

funções especializadas (como no processo colaborativo), decisões horizontalizadas, não

cerceadoras e democráticas, desde as concepções artísticas, administrativas até mesmo o

posicionamento político na sociedade. As preocupações dos artistas que escolheram trabalhar

com teatro de grupo, convergem ainda em alguns pontos, como a busca por propostas de

linguagens ou técnicas cênicas que partam de uma elaboração dramatúrgica própria, ou se não

o são, que tenham sempre um tratamento coletivo, o qual nos possibilita chamá-los como

modelos de criação (FISCHER, 2010, p. 61).

A partir dos anos 1980 o termo teatro de grupo se tornou mais comum e passou a fazer parte

definitivamente do vocabulário teatral brasileiro. De acordo com Carreira (2010), em artigo

publicado nos anais do VI Congresso da Abrace3, essa noção está diretamente vinculada a

modelos alternativos de criação teatral. Em relação à organização e produção dos grupos

teatrais dos dias de hoje, não é possível fazer uma generalização de modelos de configuração

das funções, alguns se estruturam nos moldes das cooperativas criativas dos anos 70, outros se

aproximam mais das empresas teatrais com preocupação maior com a gestão financeira. Os

anos de 1990 foram marcados por uma reformulação da ideia de grupo: não mais um modelo

de prática alternativa muito experimentada nos anos 1960 e 1970, mas agora, prezando pela

relação horizontal, mas não perdendo o foco na sobrevivência financeira dos membros, a

pesquisa e a produção de novas linguagens e estéticas contemporâneas.

2 Detalharei na sequencia do trabalho este procedimento que é particular da Confraria dos Atores (MT)

3 Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas

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A pesquisadora Rosyane Trotta (1995) afirma que vários grupos tomaram como referência da

antropologia a noção de teatro de grupo, pois há nessa escolha um elemento de identidade, um

espaço de permanência, ainda que delimitado, mas não restritivo. Esses grupos modificaram a

realidade imposta pelo mercado dos produtores e pelo capitalismo, criando um novo modo de

produção, autêntica, desierarquizada, transformando as suas concepções e escolhas estéticas

em seu modo de se posicionar na sociedade, contribuindo de certa forma com os

questionamentos políticos que giram em torno da vida social.

Mas por que alguns grupos, como o Asdrúbal Trouxe o Trombone ou o Living Theatre

resolveram romper com a forma mais tradicional de criação? O teatro, na sua história,

caminhou para uma exagerada hierarquização. A criação, atuação e as funções técnicas foram

se tornando funções especializadas e encadeadas, dando a algumas uma importância maior em

detrimento das outras. E para cada função foi feito um reconhecimento social, o que

determinou seu prestígio, poder e a sua remuneração (ROUBINE, 1998, p. 46). Para chegar ao

conceito de encenação, no primeiro capítulo trago algumas referências sobre experiências

realizadas no século XX, tentando encontrar pistas do momento em que o encenador se torna

o pilar e o próprio paradigma da criação teatral, retirando do pedestal o dramaturgo, e

dirigindo para si o direito de decidir sozinho e de colocar em práticas suas escolhas estéticas

concebidas isoladamente.

Foi na busca por técnicas e procedimentos teatrais que pudessem responder com precisão as

indicações do dramaturgo que o teatro moderno se desenvolveu (ROUBINE, 1998, p. 47).

Com base na monofonia criativa do escritor, todas as áreas de produção da obra teatral, desde

a cenografia, que perseguia a construção do espaço ideal para o texto, ao trabalho do ator, cuja

tarefa era “encarnar” melhor um personagem, ou criar uma dicção perfeita, para poder mediar

o texto, se tornaram instrumentos e ferramentas para a construção da obra teatral. O texto ou

dramaturgia acabou se sacralizando e representa então, de acordo com Roubine (1998, p. 45),

um cacife ideológico. Contra essa exclusividade criativa diversos pensadores e artistas teatrais

se rebelaram e lutaram por uma autonomia criativa do dramaturgo, como Antonin Artaud

(1896-1948).

A noção de encenação, diferente da ideia de direção, nasce da contraposição a essa noção de

exclusividade criativa do autor, dando ao diretor a posse da concepção geral do espetáculo.

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Trabalho com a hipótese que essa tomada para si do poder decisão, perpetrada pelo

encenador, revolucionou a teoria e a prática teatral, ao mesmo tempo em que foi responsável

por avanços incríveis na pesquisa teatral, pode ter sido responsável pelo aprofundamento das

relações de hierarquia e o aumento das distâncias criativas entre os envolvidos. O encenador

tornou-se a figura central da criação, com o que Roubine (1998, p. 23) chama de a era dos

encenadores, no inicio do século XX, centralidade essa de onde emanam todas as concepções

estéticas. Sem dúvida, involuntariamente, muita coisa é acrescentada pelos outros envolvidos,

mas tudo passa pelo crivo criterioso do encenador e as subjetividades e vontades dos outros

envolvidos são dispensadas em favor das vontades de uma única pessoa. Por que o encenador

acabou sendo considerado elemento indispensável para a criação teatral, sem o qual nenhum

espetáculo é possível?

O fazer teatral, mais tradicional, a partir da era dos encenadores, ou do teatro moderno, foi

construído com mais rigor, criando regras e modos mais sistematizados de criação,

hierarquizando papéis e centralizando o poder de decisão, com o objetivo de tomar mais

cuidado com o que era falado ou apresentado e de criar uma forma virtuosa de se fazer teatro

(ROUBINE, 1998, p. 42), com a elaboração de procedimentos de preparação, treinamento e

controle, que pode ser considerado como dispositivos (FOUCAULT, 2005, p. 154) capazes de

“capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as

condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes” (AGAMBEM, 2009, p. 40).

Justificada pela busca da unidade cênica criou-se uma séria de interdições que podem garantir

certa qualidade para a obra, mas também podem estar ligadas diretamente com o

fortalecimento de poderes e é claro com separações de quem pode ou não dizer, expressar ou

criar no teatro, garantindo o prestígio exclusivo do encenador, em face da diminuição das

outras atividades.

A figura do encenador/diretor é peça chave para entendermos o que aconteceu com a criação

teatral. Por quais caminhos ela teve que passar para se desenvolver? E porque essa função se

tornou tão importante para o teatro, se configurando como um paradigma? O olhar de fora, o

controle ou a organização da obra aparecem desde a origem da história do teatro que temos

notícias, mas estabelecemos para que fosse possível um levantamento histórico o momento

em que a figura da encenação, como a entendemos hoje, toma corpo, que segundo alguns

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teóricos, como Pavis (2010), se dá com o lançamento das teorias de Émile Zola e André

Antoine, por volta dos anos de 1880.

No século que se segue a essas primeiras esquematizações e críticas teatrais, esta arte passa

por mudanças muito aceleradas. Diversos pensamentos colaboram para afirmar ou relaborar a

função do encenador/diretor. Na esteira de entender e refletir sobre as relações de poder,

principalmente as de cunho hierárquicos, o primeiro capítulo faz uma análise da história da

formação do conceito de encenação, perpetrada ao longo do século XX. Neste capítulo

também desenho os conceitos de poder, dispositivo, rarefação, que colabora aqui para a

reflexão sobre as relações entre os artistas nos grupos teatrais, utilizo para tanto as concepções

de Michel Foucault e Giorgio Agamben.

As relações de poder estão presentes em todas as sociedades, instituições e agrupamentos

sociais, e é claro estaria presente também nas relações artísticas desenvolvidas por atores,

diretores, dramaturgos etc. O fazer teatral em grupo se transforma em um ambiente propício a

manutenção e fortalecimento de poderes. O prestígio e autoria direcionada à apenas algumas

exclusivas pessoas pode carregar um pesado sistema de dispositivos de poder, privilegiando e

reforçando possíveis diferenças entre as funções.

Nesta pesquisa o termo criação compartilhada, enquanto modelo alternativo de produção

teatral remete a processos que tem como características principais: a ideia de

compartilhamento do processo criativo; a formação estrutural dos coletivos de forma

horizontalizada, independente da existência ou não das funções; e obras que são na maioria

das vezes abertas, processuais, complexas e polifônicas, formadas pela interação de conceitos

e expectativas estéticas dos envolvidos. Como conceitua Costa Filho (2009, p. 27), a

dramaturgia construída nesses formatos é elaborada diretamente pelos envolvidos no

processo, com a presença ou não de dramaturgos, ou então sem uma direção fechada em uma

única pessoa, sendo então, divida entre os atores, que criam de forma independente. A criação

nos dois modelos estudados nesta pesquisa4 é partilhada, com estreita participação de todos,

que recebem e dão contribuições uns para os outros, utilizando muitas vezes também

estímulos literários de diversas fontes, dados sociais, históricos, estímulos visuais de imagens

ou outras fontes, que acabam o também misturando a essa rede embaralhada e horizontalizada

4 Processo colaborativo e Criação Coletiva

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de criação (COSTA FILHO, 2009, p. 27). Esta pesquisa se fixou em dois modelos

específicos de criação compartilhada:

Um modelo mais comum recentemente, que inclusive está sendo muito praticado pelo país e

mundo afora, o processo colaborativo (SILVA, 2008), que aqui será analisado junto com o

trabalho do Teatro do Concreto, grupo de teatro criado e residente em Brasília – Distrito

Federal. Este procedimento de criação, muito difundido a partir dos anos 1990, se caracteriza

pela ação e interação direta entre atores, diretor, dramaturgo e demais artistas, baseados numa

relação democrática e horizontal de participação. As funções, dramaturgia, direção, atuação,

iluminação, sonorização etc., são garantidas e assumidas por pessoas diferentes e exclusivas,

mas se flexibilizam e abrem-se para contaminações dos outros envolvidos.

E o outro modelo é o de criação coletiva contemporânea, experienciada pelo grupo Confraria

dos Atores, da cidade de Cuiabá – Mato Grosso, da qual também faço parte, fortemente

inspirada nas criações coletivas dos anos 1970, esse modelo foi reinventado e atualizado para

atender as expectativas do grupo de uma criação mais horizontalizada e democrática. Nesse

modelo não há uma função exclusiva e permanente, a cada novo projeto há uma nova

definição e divisão de tarefas. Em determinado momento as funções são divididas entre os

envolvidos, mas todos são responsáveis, ao mesmo tempo, por boa parte da execução das

tarefas. A participação de todos é indispensável. O grupo se configura, como nos anos 1970,

em uma cooperativa (mesmo não institucionalizada) de trabalho, onde todos têm os mesmos

deveres e dividem os provimentos financeiros de forma igualitária, indiferente da função que

exerça. A diferença principal deste novo modelo, é que os atores se revezam na direção, o

espetáculo é propositalmente multifacetado e dessa forma ganha um diretor para cada

momento ou etapa do processo. Outro item que o distancia dos modelos experimentados pelos

grupos alternativos dos anos 1970, é o fato de haver um planejamento claro e definido de

prazos, metas e funções, garantindo dessa forma a boa execução das tarefas.

Essas duas experiências em processos compartilhados de criação são analisadas no segundo

capítulo. Procuramos entender o que a estrutura organizativa e a escolha pelas funções e suas

responsabilidades influenciaram na construção de duas obras específicas desses grupos:

Rusga, da Confraria dos Atores (MT) e Diário do Maldito, do Teatro do Concreto (DF).

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Como se configuraram então esses processos compartilhados de criação? As hierarquias

foram flexibilizadas ou extintas em nome de uma troca mais intensa entre seus participantes?

Como se deu então a criação? Como as relações de poder, outrora impositivos, se

flexibilizaram e se transformaram? O poder deixou por isso de existir? No terceiro capítulo

refletimos sobre os processos compartilhados apresentando outros exemplos de experiências

realizadas no Brasil e outros países.

Por estar presente em um desses processos tive a oportunidade de experienciar na prática um

processo de criação compartilhada, o que fez surgir diversos questionamentos e reflexões, aos

quais tento compartilhar nesta pesquisa. Ser observador e observado não é tarefa fácil, mas

tento ao longo do trabalho manter uma posição de distanciamento, se é que isso é possível,

principalmente em relação à análise do processo do grupo do qual sou colaborador. De todo

modo, participar deste agrupamento me possibilitou perceber coisas que acredito que somente

estando ali poderia observar. Sentir, durante os longos dias de processo de criação, os

desafios, que não são poucos, que um processo pautado na horizontalidade das vontades

impõe. Perceber a importância do companheiro de trabalho, ouvir sua opinião sem pré-

julgamentos, e estar pronto para colaborar com sua própria visão, é uma difícil tarefa,

principalmente por sermos de uma cultura teatral que se sustentou em cima de um modelo

hierarquizado de criação teatral, onde as separações de quem pode ou não dizer (criar) no

teatro se explicitam.

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CAPITULO I – MICROPOLÍTICAS: AS RELAÇÕES DE PODER EM PROCESSOS

DE CRIAÇÃO

“Trata-se de um encontro de artistas e não de discípulos que orbitam ao redor de

um diretor-guru” (Silva, 2008, p. 193).

1.1 A formação do conceito de encenação

Antes de discutirmos as questões de poder nas relações de criação, faço aqui um pequeno

histórico do surgimento da encenação moderna. Esta ideia mais ampla de direção, surgiu no

inicio do século XX, ampliando a função do diretor, dando a ele a responsabilidade pela

concepção e composição geral do espetáculo, responsável também por criar uma unidade

entre os elementos signícos que compõe o espetáculo teatral. Para Roubine (1998), a função

do diretor/encenador pode ser entendida como a tarefa de organizar e gestar, analisar e balizar

o processo criativo coletivo, concatenando os esforços individuais e produzindo o sentido de

uma obra. “Muitas vezes considerada como a ‘dona da criação’, mais que um motor que

impulsiona, a função direção foi definida como um lugar de poder que teria a supremacia de

controlar os atores em prol do projeto do espetáculo” (ROUBINE, 1998, p. 40).

Há uma mudança conceitual de diretor para encenador, devido principalmente às diversas

reivindicações de pensadores teatrais pelo mundo, que discutiam e solicitavam para si uma

autonomia frente às indicações e imposições do dramaturgo (ROUBINE, 1998, p. 40).

Mudando de uma tarefa básica de colocar em prática as concepções do dramaturgo para um

interpretar a palavra do autor, implicando dessa forma um gesto que está além do simples ato

de colocar em cena as indicações prescritas no texto. Busca-se, então, muito mais que isso, o

encenador deve se esforçar para formular artisticamente o melhor instrumento cênico, para

que, além de dar uma maior eficácia e amplitude as ideias do dramaturgo, consiga uma obra

de arte autônoma, coerente, coesa e única. O espetáculo não é mais, a partir de então, o texto

representado em cena, mas sim, uma obra que reúne muito mais do que o texto como

elemento significador, mas as múltiplas inserções de elementos significantes (luz, cenário,

atuação, música, etc.) pensados pelo encenador. Transformando a obra de arte em um

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conjunto complexo de significados e possibilidades poéticas que devem ser desvendados pelo

público. Para Roubine (1998):

A direção não é mais (ou não é mais apenas) a arte de fazer com que o texto

admirável (que é preciso admirar) emita coloridos reflexos, como uma pedra

preciosa; mas é a arte de colocar esse texto numa determinada perspectiva; dizer a

respeito dele algo que ele não diz, pelo menos explicitamente; de expô-lo não mais

apenas à admiração, mas também à reflexão do espectador. (ROUBINE, 1998,

pág. 41)

Esse novo olhar sobre a obra feito pelo encenador é o que o diferencia do régisseur, função

anterior responsável apenas por “marcar” o espetáculo e a disposição no espaço. A função de

encenar constrói uma obra, que é outra coisa, muito maior, que a o simples ato de distribuir

falas, marcar as entradas e saídas ou determinar as inflexões e gestos dos intérpretes, ela é

responsável por dar um sentido global, ordenando, concebendo, unificando, os diversos

elementos componentes da montagem: o espaço cênico (palco, plateia e suas relações), o texto

que se transforma, o espectador, o ator, iluminador, músicos etc. O encenador é o responsável,

a partir de então, pela unidade cênica, coesão interna e pela totalidade da realização cênica,

determinando, criando ou mostrando os possíveis laços que ligam os elementos da

composição teatral (ROUBINE, 1998, p. 77). Pavis (2010) resume a definição de encenação

como:

(...) uma representação feita sob a perspectiva de um sistema de sentido, controlado

por um encenador ou por um coletivo. É uma noção abstrata e teórica, não concreta

e empírica. É a regulagem do teatro para as necessidades do palco e do público. A

encenação coloca o teatro em prática, porém de acordo com um sistema implícito

de organização de sentido. (PAVIS, 2010, p. 03)

Encenar ou dirigir é certamente a função que concentra as decisões, determinando dessa

forma a criação e as relações de poder com os outros envolvidos. Mas, ao mesmo tempo em

que o encenador concentra e individualiza a posse da decisão, ele é dependente do coletivo e

das performances individuais, para que o produto ou obra resultante e seus planos simbólicos

possam ser construídos (ROUBINE, 1998, p. 25). O encenador e o ato em si de encenar

podem estar diretamente ligados a um rígido sistema de procedimentos de controle, correção e

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concentração de poderes exclusivos de concepção artística, pois a partir do momento que ele

reivindica para si a exclusividade tira dos outros a sua própria autonomia criativa e estes

passam, então, de executadores das concepções do dramaturgo para agora servirem os ideais

estéticos do encenador, mudando apenas de chefe ou tutor.

Segundo Roubine (1998), até o final do século retrasado existia uma fronteira geográfica

muito grande, estabelecida pelas distâncias, separando os pensamentos teatrais construídos

dentro da Europa, em países diferentes, hierarquizando, até mesmo de forma preconceituosa,

o bom gosto, que era o gosto francês, da estética de Shakespeare, por exemplo. A partir de

1860 as teorias e práticas teatrais não poderiam mais ficar fixadas e separadas por limites

geográficos. Diversas obras teatrais são inauguradas quase simultaneamente em diversos

países e há uma profunda circulação de espetáculos. Isso transforma profundamente o teatro,

consequência de uma grande divulgação de teorias, conceitos e práticas teatrais (ROUBINE,

1998, p. 25).

As experimentações simbolistas, que recusam sobremaneira as amarras da representação

naturalista, exploradas a priori por pesquisadores teatrais como Appia na Suíça, Craig em

Londres, Behrens e Max Reinhardt na Alemanha, Meyehold em Moscou, ultrapassam os

limites geográficos e influenciam as pesquisas desenvolvidas em diversos lugares do mundo,

afirmando-se nos principais centros europeus, com poucas diferenças de datas. A condenação

das práticas dominantes estabelecidas por estes pensadores não teriam sido expressivas e nem

marcantes para o teatro moderno, se não tivessem sido divulgadas e espalhadas por diversos

locais da Europa de forma tão rápida.

Entre os vários pensadores, Pavis (2010, p. 09) cita, como um possível marco inicial da

“invenção” da encenação, as críticas de Émile Zola (1840-1902) através de suas crônicas, que

posteriormente foram reunidas na obra Le Naturalisme au Théâtre (O Naturalismo no Teatro),

traduzido para o Brasil somente em 1982. Seus textos reclamavam e faziam eco a uma

profunda insatisfação geral com a ausência de novos autores e a profunda mediocridade das

condições de representação que reinavam até então. Sua crítica explicitava as deficiências dos

comediantes da época, que estavam servindo a convenções ridículas, como as ideias

equivocadas sobre as entradas e saídas dos personagens e a forma como se colocavam em

cena. Para Zola se os atores se preocupassem menos com a busca pelo sucesso pessoal e se

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atentassem mais ao conjunto, conseguiriam outro teatro, muito melhor. Para ele, que buscava

a teatralidade da verdade ou naturalismo, a encenação deveria reconstituir a vida, para tanto

todos os elementos da cena, inclusive os atores, deveriam estar dirigidos para isso e coerentes

com esta estética (PAVIS, 2010, p. 10). Aprofunda-se então a partir daí a criação de

dispositivos de correção, controle e treinamento dos atores.

Já Roubine (1998, p. 23), considera o teórico francês André Antoine (1858-1943) como o

primeiro encenador, no sentido moderno. Essa afirmação, de acordo com o pesquisador se

justifica pelo fato de ser o nome dele a primeira assinatura registrada na história do teatro. Ao

mesmo tempo, surgia junto com o encenador um aprofundamento no debate das questões

relacionadas a essa arte. As críticas passaram tratar menos das questões de definição de

gênero teatral para começar a elaborar conceitos, metodologias e propostas de melhorar a

representação: equipamentos, cenografia, iluminação, música, posicionamentos de palco e

claro, formas de corrigir e treinar a interpretação dos atores. Antoine pode ter sido o primeiro

a criar uma sistematização mais formal para seus pensamentos sobre a encenação. Ele faz uma

separação mais clara, do papel daquela direção que apenas marcava as disposições da cena, as

entradas e saídas, ou determinava as inflexões ou gestos dos atuantes, o regisseur, para a do

encenador que produz uma obra totalmente impregnada por suas concepções estéticas, que

carrega muito mais do que o texto do dramaturgo e disposições espaciais, sendo responsável

pela ideia de conjunto, uma visão global da obra, da coesão dos elementos, da unidade cênica

(ROUBINE, 1998, p. 23-24). Pavis (2010, p. 17) destaca que o encenador, ainda no início

dessa nova concepção de direção, tinha ainda a ingrata tarefa de estar a serviço dos autores, o

texto escrito primeiramente por um dramaturgo ainda tinha um papel importante, não sendo

questionado nos primeiros anos da encenação. Antoine faz uma distinção clara, criando

algumas regras e métodos de direção, uma que era totalmente ligada às questões materiais da

cena, disposição de objetos, cenários, deslocamentos, que servem para a ação, e outra mais

imaterial ligada a interpretação dos atores, o movimento do diálogo.

Antoine se especializou e criou diversas teorias que fortaleceram os ideais do naturalismo no

teatro. Ele focou suas buscas e pesquisas no desejo de encontrar um teatro verdadeiro, uma

reprodução autentica da realidade, colocando-se duramente contra a representação figurativa,

exagerada e declamatória que figurava no teatro até então. A obra de Antoine almejou a

conquista do mundo real. O teórico estabeleceu diversas teorias que influenciaram muitos

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artistas e pesquisadores que viriam depois dele. Seus pensamentos inauguraram conceitos que

se tornaram paradigmas perpetuados pelas escolas teatrais: construiu e estabeleceu a figura do

encenador, que se tornar pilar fundamental e indispensável do fazer teatral. De mero

organizador da cena, a figura do diretor passou a ser autor e responsável exclusivo pelo fazer

teatral. Se confirmando como o dono da criação (PAVIS, 2010, p. 10).

Sobre a interpretação, Pavis (2010, p. 11) pontua que Antoine convidava os atores a não

exprimirem unicamente os sentimentos dos personagens pelo semblante ou pela voz, mas sim

utilizando todo o corpo, a “viver” o seu papel, sem improvisar ou se dirigir diretamente à

plateia. Para Antoine o ambiente determina a identidade e os movimentos do ator e não o

contrário. Tudo que ia para cena, a materialidade ou a interpretação dos atores eram

submetidas ao julgamento do encenador.

Na Rússia, com Constatin Stanislavisk (1863-1938), a partir do lançamento do seu trabalho

teórico e prático, na década de 1920, o teatro entrou de uma vez por todas no que os

pesquisadores chamam de a Era dos Encenadores. Stanislavisk criou algumas das obras mais

importantes do teatro mundial. Colaborando para a ideia que temos hoje de encenação. As

vanguardas russas, de acordo com Pavis (2010, p. 17), particularmente a de Stanisláviski,

Vakhtângov e Chekhov, interessam-se também pela formação sistemática do ator, pela sua

técnica interior, dando ao ato de encenar mais uma função que até então ele não tinha: a de

ensinar e formar o ator.

Stanislavisk exigia que os atores buscassem uma verdade singular, uma autenticidade, contra

qualquer tipo de estereótipo expressivo (PAVIS, 2010, p. 17). Propõe a experimentação de

exercícios que partiam da própria visão e vivência dos atores, tudo para que se chegasse a

uma precisão perfeita, com sinceridade e autenticidade na interpretação. Mas esse pouco

espaço que sobra para a criação do ator, ainda passava pelo crivo criterioso da direção, que

determinava inclusive o que ia ou não para o palco, muitas vezes sem um diálogo

aprofundado com os envolvidos no processo. O encenador polonês criou técnicas de direção,

de composição, de ensaios e treinamento do ator, e se tornou bibliografia básica para qualquer

pesquisa teatral, em especial as pautadas nos processos tradicionais5 de criação.

5 Refiro-me aqui ao processo mais conhecido de criação teatral: o dramaturgo escreve um texto, o

encenador interpreta esse texto e cria sua obra de arte, utilizando a força de trabalho físico dos atores e

dos outros envolvidos.

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Esses pensadores do teatro foram os primeiros a tratar desses assuntos e inauguraram a figura

do encenador, que é o ponto chave da nossa análise. A encenação fixou a criação em si

mesmo. O dramaturgo, que até então era o destaque da criação, se tornou secundário. O nome

que passou a ocupar local de destaque nas fichas técnicas dos espetáculos foi o do encenador

(ROUBINE, 1998, p. 42). Ele se tornou responsável pela geração da unidade cênica, da

coesão interna e da dinâmica da realização cênica. É importante lembrar que mesmo em

processos totalmente centralizados, há sempre uma troca. Há a contribuição dos atores e dos

outros técnicos, mesmo que não incentivada. As vontades estéticas do encenador passam, de

qualquer forma, pelas limitações do ator, e isso se configura como um filtro natural, que acaba

por contaminar a obra. Mesmo assim, a autoria é sempre creditada ao encenador, justificada

pelo fato de ser ele quem determina e mostra ao resto dos envolvidos os elementos que se

conectam, buscando a unidade cênica6.

Como fazer, então, para que o espetáculo alcance essa unidade estética, mas de forma

orgânica? A arte teatral é composta pela justaposição ou imbricação de diversos elementos

heterogêneos, orgânicos ou inorgânicos, como a música, a luz, o cenário e o trabalho do ator.

Como dar a esses elementos artísticos diferentes uma unidade? A heterogeneidade é inerente

ao teatro, mas justificada pela mediocridade e a decadência dos espetáculos no fim do século

XIX, sentiu-se a necessidade de realizar uma integração forçada desses elementos.

Acreditava-se que somente com a vontade de um sobressaindo-se a vontade dos outros

poderia ressuscitar o teatro (ROUBINE, 1998, p. 42). A encenação de fato possibilitou ao

teatro a unidade orgânica e estética que almejava, mas o que foi deixado para trás com isso?

Com a inauguração da encenação, em especial a partir de Stanislávisk, na década de 1920, as

pesquisas teatrais se focalizaram em metodologias que pudessem corrigir e evitar a

contaminação involuntária perpetrada pelos atores, buscando encontrar formas de naturalizar

a atuação, torná-la mais verdadeira. Essa busca acabou esbarrando nas deficiências e

limitações artísticas, físicas e ideológicas dos atores.

6 Essa estruturação estética baseada na coerência e unidade de pensamento será uma das cobranças

essenciais que os coletivos de criação compartilhada terão que responder, exatamente por não estarem

baseados em processos centralizadores, havendo então, dificuldade e às vezes nem interesse de chegar

nessa construção com sentido unificado.

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A tentativa de resolver as “imperfeições” dos atores não se resumiu a linguagem naturalista,

até mesmo o teatro simbolista de Craig exigia um artista liberto de seus defeitos. Contrários

aos ideais naturalistas, o simbolismo desmonta diversas concepções estéticas do realismo,

mas reforçam ainda mais a hierarquização dos processos criativos, e explicitam os “riscos” do

espetáculo ser contaminado pelos atores (PAVIS, 2010, p. 13). A corrente simbolista, de acordo

com Pavis (2010, p 13), desconfia do palco somente concebido como um acúmulo de

materiais, objetos ou signos miméticos. Para um espetáculo simbolista mais vale um espaço

vazio ou uma sensação pictórica. Qualquer presença física no palco é incômoda, inclusive a

do ator:

A presença, nunca totalmente controlável, do ator impede a aparição do símbolo,

da ideia e da harmonia do conjunto. Fato que conduzirá um autor como Maeterlink

ou um encenador como Craig a querer substituir os atores por marionetes. (PAVIS,

2010, p. 13)

É muito importante a contribuição do teatro simbolista para as rupturas e a libertação das

amarras do teatro naturalista. Mas esta linguagem desconfia de sua própria materialidade: o

ator, pois acaba por concentrar-se no vazio e no silêncio, evocando o mundo de maneira

alusiva, concentrada e poética. O simbolismo foi responsável por colocar no palco materiais

que não estavam ligados à ideia naturalista do teatro, introduzindo o pintor e seus cenários

compostos por painéis e outros objetos que forçavam o público a imaginar e dialogar com as

propostas cênicas, tendendo muitas vezes para a abstração (PAVIS, 2010, p. 14).

Craig acreditava que o ator que se entregava aos seus impulsos não poderia ser considerado

como um instrumento confiável para o espetáculo, o encenador precisaria ser rigoroso,

buscando a perfeição formal e uma total coerência, e a participação de atores com suas

imperfeições poderia atrapalhar esse processo. Para o pensador a arte era a antítese do caos,

da confusão. E o ator contaminado por suas emoções, poderia destruir aquilo que o

pensamento racional queria criar. A criação pautada pela emoção dos envolvidos estaria

totalmente sujeita a riscos, o que seria destrutivo para arte, pois, para eles, esta não admite

acidentes. Considera também que aquilo que o ator apresenta como proposta não passa de

uma série de confissões pessoais involuntárias e que não servem para o teatro. Craig também

criticava o papel do autor, e conclamava a autonomia do encenador, para uma prática cênica

que fosse emancipada da literatura (ROUBINE, 1998, p. 177).

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O que resulta do embate do naturalismo e do simbolismo é, na verdade, a questão essencial de

toda a pesquisa teórica da encenação: o que é um espetáculo teatral? Essa pergunta se tornou

chave para toda construção conceitual do teatro. Vale lembrar que antes mesmo de Antoine,

tal pergunta não se apresentava. As perguntas que moveram o teatro foram: Século XVI – O

que é uma peça de teatro? Século XVIII – Como fazer para que o palco dê a ilusão da

realidade? Os românticos – Como traduzir através da escrita dramática, a diversidade do real?

Pavis (2010) faz uma análise e comparação das contribuições do naturalismo e do

simbolismo:

De um lado, a representação naturalista procura imitar o mundo dos objetos e do

meio social, mas consegue apenas ao introduzir outras convenções de

representação, outros tipos de codificação, de mecanismos semiológicos mais

dissimulados, que organizam, à revelia do espectador; o real em redes de signos.

Por outro lado, a representação simbolista, fazendo em vão alusões distantes à

realidade, não teria como isolar-se completamente do mundo: os corpos vivos e

incontroláveis, os efeitos do real reencontram sempre o caminho do palco, por mais

isolado que ele seja. Esta dialética da abertura e fechamento ao mundo é

constitutiva de qualquer encenação. (PAVIS, 2010, p. 14)

A encenação surge então como resultado desses dois pensamentos distintos, o da encenação

naturalista e a da simbolista. Seja qual for o estilo, a figura da encenação apareceu para

desafiar o autor, tomando um lugar de destaque, com a justificativa de auxiliar o espectador a

ver, ouvir ou compreender melhor a peça apresentada, propondo uma visão própria e

pessoalizada do espetáculo.

A ideia de um encenador enquanto criador autônomo, liberto das amarras do texto, se

fortaleceu com os pensamentos de Antonin Artaud (1896-1948). Radical em suas teorias, ele

reivindicou uma cena mais independente, que não se interessava mais pela tarefa de transpor o

texto para o palco. Todo acontecimento teatral deveria, para ele, partir do palco, da cena, do

corpo. Ele não renova a técnica da encenação, mas a reforça, na busca por um teatro

metafísico. Rejeita também a ideia de espetáculo, e tudo o que essa denominação carrega de

pejorativo, acessórico ou efêmero. Para Pavis (2010, p. 17), com Artaud a encenação muda

radicalmente, ela não é mais só a realização cênica de um texto qualquer, torna-se uma prática

autônoma. Ele apresenta uma utopia poética que provoca o teatro a repensar sua função e seu

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modo de fazer. Já na década de 1920, Artaud insurge contra as imposições do texto. Segundo

ele, para que o teatro se transformasse e alcançasse o “teatro da crueldade” que propunha, o

encenador teria que ter total liberdade de ações. “É preciso ignorar a mise em scéne, o

teatro. Todos os grandes dramaturgos, os dramaturgos-modelo, pensaram fora do teatro

(ARTAUD, 1970, p. 25)”.

O teatro pensado por Artaud propõe uma inversão radical de valores e importâncias: Para se

tornar uma arte específica e autônoma o teatro deveria contar apenas com as ferramentas que

são teatrais por essência, o texto escrito, para ele, não pertence ao teatro e sim à literatura.

Para Artaud o teatro não é um veículo intelectual, mas sim um espaço para comoção catártica

do espectador, e a sua intelectualização, remetendo se ao psicologismo exagerado o

desvitalizou, o fez tornar-se anêmico, responsável pela morte, na sua visão, do teatro

ocidental.

Ele não renega o uso do verbo, mas dá a ele outras funções, conserva as palavras, pois elas

podem servir de suporte para uma prática, que de acordo com Roubine (1998, p. 62), andou

esquecida pelo teatro moderno, usada nos rituais e nas cerimônias mágicas, a prática

encantatória, que a linguagem poética se empenha mais em reencontrar.

Para Artaud (1970, p. 72), o teatro feito no ocidente perdeu a noção de suas próprias

possibilidades, uma concepção de um teatro que chegou até a se confundir com o texto, onde

tudo está centrado exclusivamente no diálogo, considerado ponto de partida e chegada da

encenação. Ao contrário disso, o pensador, propõe um teatro que esteja totalmente baseado

nas possibilidades de uma expressão, que seja puramente cênica, onde todos os meios e

ferramentas, utilizáveis em cena, interajam-se e estejam constantemente em jogo. Ele

contrapõe também a ideia de que tudo o que está na encenação: luz, cenário, movimento,

música etc. são apenas auxiliares, ou até decorativo do texto, para ele a encenação tem que ser

orgânica e profunda, onde o teatro tornasse-se uma linguagem particular:

Podemos assim concluir que o teatro só será devolvido a ele mesmo no dia em que

toda a representação dramática se desenvolver diretamente a partir do palco, e não

como uma segunda versão de um texto definitivamente escrito, suficiente a si

mesmo e limitado às suas próprias possibilidades. (ARTAUD, 1970, p. 73)

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Outro pensador importante para a libertação do encenador de imposições do texto foi Bertold

Brecht (1898-1956), suas pesquisas colocaram outras problemáticas para a questão da

dramaturgia ao longo dos anos de 1930 a 1940. Em seu teatro não se tratava mais em saber

qual seria a importância do texto. O encenador questiona a função do verbo, assim como

questiona a função dos outros elementos, buscando as possibilidades que cada um oferece

para levar, até a obra final, diversos significados (ROUBINE, 1998, p. 66). Ele não valoriza a

encenação em si e nem desvaloriza o texto, para ele, o ensaio, a pesquisa e o processo são

apenas locais de confronto entre a prática cênica e o material textual. Pavis (2010, p. 17)

pontua que Brecht concebia que o encenador deveria aprender reconhecer as contradições do

mundo que o cerca e dessa forma saber escolher um ponto de vista crítico. Brecht acreditava

numa encenação que reconhecesse a dramaturgia e encontrasse então os meios cênicos que

pudessem ilustrar e acessoriamente descobrindo-a, dessa forma colocando uma nova leitura

da obra. Para tanto, o encenador deveria saber extrair do texto a fábula da peça para contar

claramente uma história (PAVIS, 2010, p. 18).

1.2 Micropolíticas da Criação: A encenação como dispositivo de poder

A encenação moderna, realizada ao longo do século XX, seus dispositivos de controle,

treinamento e criação se configuraram como um forte paradigma teatral. No desenvolvimento

das teorias e práticas teatrais essa função se tornou figura central da criação, peça chave e

indispensável para a criação de obras teatrais (FISCHER, 2010, p. 150). As outras tarefas

(atuação, cenografia, iluminação, música) que outrora eram pautadas apenas pelas indicações

do texto, passam, então, a ter que atender também as concepções do encenador, que passa a

ser considerado como o mais indicado e com capacidade de fazer com que a obra de arte

encontre uma unidade cênica de qualidade, coesa, sem excessos ou erros.

No momento em que, justificada pela coesão e unidade cênica, o encenador se afirma no topo

da hierarquia da criação teatral, outras vontades e envolvidos se transformam em receptáculos

de suas necessidades estéticas, determinando também o prestigio, remuneração e a nova posse

da autoria da obra. Em favor de um melhor desempenho cênico, há um fortalecimento e

centralização do poder da decisão, controle dos processos de criação, elaboração de

procedimentos de treinamento e controle, etc. O encenador pode utilizar de procedimentos de

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poder e controle que agem sobre os corpos dos atores, formatando-os, corrigindo-os,

treinando-os, como máquinas, deixando-os maleáveis para que consiga trabalhar.

O poder do diretor acabou sendo determinante na formatação dos coletivos e na forma de

treinamento e formação dos outros envolvidos. É esta figura, e dificilmente outra, que vira

tutor, mestre, guia e chefe (FISCHER, 2010, p. 150). Se o fazer artístico teatral é

essencialmente um fazer compartilhado, coletivo (GUÉNON, 2003, p. 12), porque a

necessidade de concentrar em uma figura a responsabilidade que poderia ser de todos? Não

seria a função de direção mais uma entre tantas existentes? Por que se encadeou dessa forma,

colocando-a no topo, e reservando às outras funções a tarefa de levar para o palco suas

indicações? Somente haveria unidade cênica por esse caminho?

Para Michel Foucault (1979, p. 12), os poderes não estão localizados em nenhum ponto

específico da estrutura social, eles funcionam como uma rede de dispositivos ou mecanismos

a que nada ou a ninguém escapa, não existindo exterior possível, limites ou fronteiras. O

poder é um exercício e não um objeto que se possui. Ele é construído nas relações. Em uma

determinada fase da história do teatro, mas especificadamente no momento que se despontam

as primeiras práticas que se aproximavam do conceito de encenação, no fim do século XIX, a

criação teatral começou a ser conduzida, de forma mais intensa e racional, justificada pelo

objetivo de transformar a arte teatral em uma arte mais estruturada (ROUBINE, 1998, p. 23).

O que Foucault (1979) chama de microfísica do poder, que tem como objeto a investigação

dos procedimentos técnicos de poder que fazem um controle profundo, detalhado e minucioso

do corpo, gestos, atitudes, comportamentos, hábitos e discursos, nos ajuda a refletir sobre essa

formação hierárquica construída no teatro.

Há inúmeros formatos de mobilização de pessoas para a criação teatral, algumas temporárias

e outras mais continuadas, sem prazo fixo, como os grupos de teatro. A escolha por uma

estrutura hierarquizada pode ser um caminho para privilegiar algumas funções, em especial a

do encenador, em detrimento das outras. Com o aumento da visibilidade desta função, a partir

do século XX, ela passou a ser responsável por gerir não só criação, como a administração do

grupo, a pesquisa e formação, o treinamento físico etc., com o fim de potencializar,

homogeneizar e controlar a sua atuação, como forma de viabilizar a prática teatral

(ROUBINE, 1998, p. 23-24). Em um grupo de teatro que trabalha de forma hierarquizada, a

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figura do encenador é o centro decisor e aglutinador dos múltiplos envolvidos, que entram no

esquema de trabalho que por ele é definido, regido e fiscalizado.

De posse do direito de decisão, em todas as áreas da criação e administração de uma equipe

teatral, o encenador pode se utilizar de inúmeros procedimentos para controlar, ajustar,

corrigir, treinar e moldar os integrantes para um corpo que seja dócil (FOUCAULT, 2005, p.

117), analogamente ao conceito de Foucault, adequado à aplicação de suas concepções

artísticas, sem interferências ou questionamentos. A utilização do poder e os procedimentos

utilizados pelo encenador podem ser comparados ao que Foucault (2005, p. 154) chama de

dispositivo. O filósofo Giogio Agamben (2009), faz uma leitura do conceito de dispositivo de

Foucault e o resume da seguinte forma: “chamarei literalmente de dispositivo qualquer coisa

que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar,

modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres

viventes” (AGAMBEN, 2009, p. 40). Entendo que os dispositivos estão presentes no teatro

através dos procedimentos de treinamento que tem por objetivo esquadrinhar e formatar o ator

para que possa estar apto a atender as demandas das concepções do encenador.

Considero nesta pesquisa como dispositivos os exercícios de correção e preparação física,

exercícios de dicção, impostação e projeção da voz, criação de regras e procedimentos de

ensaio, dinâmicas e jogos teatrais, etc., realizados de forma hierarquizada e impositiva, sem

um objetivo compartilhado, ou seja, quando não é uma escolha do grupo, do todo, decidida de

forma horizontal, diferente dos treinamentos que emergem do coletivo, e não são pautados por

uma decisão exclusiva. Com a utilização de treinamentos e procedimentos de preparação

física, o encenador tem a possibilidade de construir uma equipe que seja adequada as suas

concepções estéticas. Penso nesses procedimentos como ferramentas e metodologias mais

tradicionais e conservadoras, por carregar em seu cerne uma ideia de potencialização do

trabalho do ator, como máquina, que deveria produzir em larga escala, que obedece e

disponibiliza seu corpo para atender uma demanda externa. Esses dispositivos, então, buscam

tornar o corpo do ator potente, expressivo, sem vícios corporais, um ator atlético e preparado.

Como estes procedimentos de criação focam-se nas vontades estéticas do encenador ou do

dramaturgo, o ator que mais se enquadra é o ator que se “deixa dirigir”. Pensando então, a

partir de Foucault (2005), esses procedimentos atuariam então como forma de tornar este

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corpo dócil, moldável, objetivando anular ao máximo a própria subjetividade deste ator,

deixando espaço para que o encenador atue de forma mais rápida e eficiente.

Como pensava Gordon Craig, a ideia era diminuir os perigos criativos que os atores

emanavam, os inconvenientes, e os riscos de deixar a obra artística nas mãos de seres

impulsivos, viciados em suas vidas diárias, totalmente emotivos e egoístas. Esse pensamento

pode estar intimamente ligado à produção de saberes e conhecimentos construídos por uma

grande parte dos pensadores teatrais: ou seja, a ideia de buscar ferramentas que pudessem

corrigir os erros que eram trazidos pelos atores, através de um regime de disciplina e

treinamento, como o pensavam Antoine, Craig, Stanislavisk, Copeau, Meyerhold, entre outros

(ROUBINE, 1998, p. 177).

Para Foucault (2005, p. 160), disciplina é a modalidade de aplicação do poder. O regime de

disciplinar estaria diretamente ligado a técnicas de coerção que exercem um

esquadrinhamento sistemático do tempo, do espaço e do movimento dos indivíduos e que

atingem em especial as atitudes, os gestos, os corpos, a estética, a voz, o conhecimento. O

fator prejudicial desse sistema de imposição estaria ligado ao fato de tirar ou dificultar a

autonomia criativa dos envolvidos, além de criar um regime de produção teatral quase que

industrializado e mecanizado. A criação teatral realizada por alguns encenadores, como

Stanislavisk ou Meyerhold, está ligada a procedimentos de potencialização do trabalho do

ator, com o objetivo de aumentar seu rendimento e diminuir o tempo de produção, ligado

diretamente ao modus operandi capitalista: “Técnicas de individualização do poder. Como

vigiar alguém, como controlar sua conduta, seu comportamento, suas atitudes, como

intensificar sua performance, multiplicar suas capacidades, como colocá-lo no lugar onde ele

será mais útil” (FOUCAULT in Les mailles du pouvoir apud REVEL, 2005, p. 35).

O corpo, na visão de Foucault (2005, p. 26), só é útil para o regime capitalista e industrial se,

ao mesmo tempo, seja submisso e produza com eficiência. O artista que interessa ao

encenador tradicional é aquele ao qual ele tem a possibilidade de moldar a sua maneira, aberto

e atento às suas indicações, não ter objeções e ter um corpo preparado para os desafios que a

sua imaginação estética poderá determinar. Essa sujeição às ideias do encenador não

necessariamente se dá de forma direta, “pode ser sutil, não fazer uso de armas nem do terror,

e, no entanto, continuar a ser de ordem física” (FOUCAULT, 2005, p. 26). Ou seja, sem

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mesmo aplicar a violência, o encenador pode, utilizando a força de poder que a sua posição

carrega controlar as ações dos atores, que o seguem, sem que o questionem. Toda posição de

liderança carrega uma força de poder e influência. O encenador faz uso desse poder para que a

sua concepção artística consiga se materializar. O estudo da microfísica do poder, proposto

por Foucault (1979), supõe que o poder não é uma propriedade privada, mas como uma

estratégia para algum fim, e seus efeitos estão diretamente relacionados a disposições,

manobras, táticas, técnicas, a regulamentação de procedimentos:

Temos em suma que admitir que esse poder se exerce mais que se possui, que não

é o “privilégio” adquirido ou conservado da classe dominante, mas o efeito de um

conjunto de suas posições estratégicas – efeito manifestado e às vezes reconduzido

pela posição dos que são dominados. Esse poder, por outro lado, não se aplica pura

e simplesmente como uma obrigação ou uma proibição, aos que “não tem”; ele os

investe, passa por eles e através deles; apoia-se neles, do mesmo modo que eles,

em sua luta contra esse poder, apoiam-se por sua vez nos pontos em que ele os

alcança. (FOUCAULT, 2005, p. 26)

A disciplina e os procedimentos de treinamento trabalham com os corpos dos atores, no fazer

teatral mais tradicional, manipulando seus elementos, produzindo seu comportamento, enfim,

construindo o artista virtuoso necessário para o teatro sonhado pelos encenadores modernos,

através principalmente de técnicas corretivas. Técnicas essas que estão relacionadas com o

aperfeiçoamento dos indivíduos através do treinamento repetitivo de exercícios físicos,

classificando-os e combinando-os de forma a encontrar o grupo ideal para cada ideia proposta

pelo dramaturgo, ou pelas concepções estéticas do encenador. A disciplina, na sociedade

disciplinar, assujeita o corpo ao tempo, buscando produzir o máximo de rapidez e o máximo

de eficácia, ela fabrica corpos submissos e exercitados, ou seja, corpos dóceis:

O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo

humano, que visa não unicamente o aumento de suas habilidades, nem tampouco

aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo

mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é mais útil, e inversamente. Forma-

se então uma política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma

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manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos

(FOUCAULT, 2005, p. 119).

O poder está também diretamente relacionado com a produção de saberes. A disciplina, o

controle e os procedimentos de treinamento realizados por diversos encenadores, durante o

século XX, possibilitaram a constituição de uma profunda pesquisa teatral. Ao se estabelecer

procedimentos de treinamento e correção das imperfeições dos atores, criou-se um conjunto

de exercícios que colaboraram para a construção do ator perfeito ao teatro daquele tempo. É

preciso, é claro, admitir que o poder do encenador produz saberes, e “que poder e saber estão

diretamente implicados; que não há relação de poder sem constituição correlata de um

campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de

poder” (FOUCAULT, 2005, p. 27).

A encenação moderna foi responsável pelo período de maior desenvolvimento das teorias e

técnicas teatrais até aquela época. No decorrer do século XX foram desenvolvidos reflexões,

pensamentos e conceitos muito importantes para o conhecimento teatral. As relações de

poder/saber, no teatro moderno, foram importantes para construir o teatro que temos hoje. O

poder centralizado no encenador, é claro, não é somente negativo, essa relação de criação

produziu obras muito importantes, fortaleceu o teatro, criou instituições de ensino, diversas

metodologias de criação, treinamento, produção e concepção artística. Mas o fato de estar

baseado na sujeição de muitos por uma rede privilegiada de poucos, excluindo a participação

da maioria, pela manutenção da exclusividade criativa, pode ter privado o teatro moderno de

toda a potencialidade que o encontro e confronto de ideias possibilitariam.

A ação e pensamento sobre a atuação do ator e da construção do teatro, o adestramento do

gesto estético, a regulação do que vai ser ou não apresentando ao público, a normatização das

funções, sua remuneração e status social, a interpretação do discurso do dramaturgo, tudo com

o objetivo de separar, comparar, distribuir, avaliar, hierarquizar, fizeram com que aparecesse e

fortalecesse a figura singular e individualizada do encenador teatral, como o produtor do

saber, balizador da arte, e ser único, detentor de todas as glórias da criação teatral.

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Junto ao encenador moderno construiu-se uma fortaleza de conhecimento teatral, academia e

instituições de ensino, fortalecendo o discurso que o coloca no topo da escala de importâncias.

A produção do conhecimento, seja ele científico ou ideológico, de acordo com Foucault

(1979, p. XXI), só pode existir a partir de condições políticas, que são as condições para que

se formem tanto o sujeito quanto os domínios do saber. Não há para ele um saber neutro, todo

saber é político. O saber serve como instrumento de dominação, e tem sua gênese nas relações

de poder. E o saber construído ao longo do século XX, engendrou nessa camada artística a

ideia que o teatro não poderia existir sem a figura do encenador, com o risco de se tornar ruim

ou sem coesão. Trabalho com a ideia de que a direção, enquanto elemento indispensável na

criação teatral se tornou uma estratégia de poder, de forma capilar, e está presente ainda hoje

em muitos discursos sobre o teatro.

O teatro, ao longo do século XX, caminhou construindo e impondo certos paradigmas,

principalmente em relação à criação. Com o pretexto de tomar cuidado com o que é falado, ou

de criar uma forma mais “correta” de se fazer teatro, cria-se uma séria de interdições que

podem estar ligadas diretamente com o fortalecimento de poderes e é claro com separações de

quem pode ou não dizer, expressar ou criar no teatro. Fundando dessa forma diversas

instituições de ensino que perpetuam essa ideia, desenhando verdades absolutas, e uma

incessante busca do virtuosismo. Isso nos remete a um conjunto de procedimentos de controle

que Foucault (1996, p. 36) chama de rarefação, ou seja, impor aos indivíduos certo número

de regras e assim de não permitir que todo mundo tenha acesso ao fazer:

Rarefação, desta vez, dos sujeitos que falam; ninguém entrará na ordem do

discurso se não satisfazer a certas exigências ou se não for, de início, qualificado

para fazê-lo. Mas precisamente: nem todas as regiões do discurso são igualmente

abertas e penetráveis; algumas são altamente proibidas (diferenciadas e

diferenciantes), enquanto outras parecem quase abertas a todos os ventos e postas,

sem restrições prévia, à disposição de cada sujeito que fala. (FOUCAULT, 1996, p.

36-37)

Para Foucault (1996, p. 08-09), o controle do discurso é fundamental para manutenção do

poder. A produção desse discurso deverá ser controlada, selecionada, organizada e por

algumas exclusivas pessoas, objetivando a manutenção de seus poderes. O discurso do

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encenador, como peça-chave para a criação, alterou profundamente as relações artísticas e

organizacionais de trabalho. A sua presença, nos processos de criação, tornou-se

imprescindível, alternando entre funções de técnico, guia, coordenador, administrador,

ideólogo, pedagogo, teorizador, etc. Segundo Fischer (2010):

A devoção faz o deus. A consagração do diretor teatral é resultado do poder a ele

delegado. O diretor firmou-se na história do teatro como uma necessidade. Afinal,

diversas são as exigências que recaíram sobre o seu campo de ação. Tornou-se

inevitável aderir a alguém para unificar o complexo criador. Foi o marco da

hierarquização da organização teatral, em que se tem o diretor assumindo-se, em

alguns casos, como tirano, por menor que seja a sua propensão. Sua abrangência

foi ainda maior quando a ele competiu a formação do ator, a criação de novas

diretrizes, metodologias e a elaboração de reflexões e teorias teatrais. Emancipado

das imposições formas da dramaturgia e do autor teatral, o diretor passou a ocupar

o lugar de mentor iconoclasta, mestre, intelectual, “senhor absoluto”, líder,

autoridade e autor da encenação. (FISCHER, 2010, p. 151)

1.3 O esmaecimento do centralismo decisório em processos compartilhados

Analogamente as relações de poder exercidas sobre os atores, assim como na sociedade, de

acordo com Foucault (2005, p. X), não obedecem a uma forma homogênea de características.

Os exercícios, oficinas, laboratórios, os processos de treinamento que funcionam como

dispositivos, que objetivam moldar, corrigir ou formar o ator necessário para a concepção do

encenador são concebidos de acordo com suas próprias necessidades. A cada equipe de

trabalho essas relações e estratégias de poder se manifestam em formas diferentes. O poder,

mesmo em processos compartilhados não deixa de existir. O que muda são seus modos de

agir e suas estratégias de ação. A figura da direção passa ser mais flexível nos processos

colaborativos, e nos processos de criação coletivas ela pode nem existir. O que sobra então é

uma possível relação de poder flutuante ou compartilhada. A decisão e a escolha dos

caminhos a serem traçados são feitos coletivamente, em reunião, ao formato de assembleias

horizontais. O poder pode vir à tona ou estar mais forte quando há a necessidade, por

inúmeras questões, como o prazo de execução, por exemplo, dos processos serem

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encaminhados de forma mais rápida, ou quando há uma percepção coletiva que o processo

está caminhando para um lado que não interessa a todos. Dessa forma o poder pode num

momento ser exercido por algum integrante que sentiu a necessidade de tomar a frente do

processo, e assim conduzir os outros, e em outro momento, ainda no mesmo projeto, por outro

integrante que tem mais domínio sobre determinado assunto. O poder, então, não se fixa, ele

percorre e flutua, para todos ou a uma parte do grupo, de acordo com as necessidades

coletivas e não mais individuais.

A encenação moderna foi sendo fortalecida ao longo dos anos, construiu-se uma forte

estrutura de conhecimento baseado em regras, leis e normas para criação teatral. A encenação

chegou ao seu auge, com a chamada era dos encenadores, até as rupturas e as reações

políticas dos anos de 1970-1980. Esse período coincide com as lutas políticas de maio de

1968, onde uma onda de insatisfação contaminou todas as áreas sociais e artísticas.

Estudantes, jovens, artistas, intelectuais saíram às ruas, armados com o seu inconformismo,

desejosos por mudanças em todas as áreas. No Brasil também, desde o golpe de 1964, o

movimento estudantil brasileiro não se trancou no seu casulo. Essa onda de repressão política

pode ter influenciado os movimentos culturais, que corriam na contramão, a realizar projetos

de criação teatral ditos “alternativos”. Experiências de criação coletiva do Living Theatre e do

Théâtre du Soleil, realizados nessa época, se tornaram referência e influenciaram diversos

outros grupos pelo mundo.

Muitos artistas utilizaram de sua própria arte como instrumento de resistência política, e para

estes não fazia sentido que ela própria estivesse submetida a regras formais, metodologias

duras e fechadas, manuais técnicos de produção, conceitos maniqueístas de certo e errado,

bom ou ruim, teatro ou não-teatro etc. A partir do momento que os artistas se sentiram

sufocados, emergiu inevitavelmente a reivindicação de tomar para si a responsabilidade de

sua expressão artística, alterando inclusive suas próprias micropolíticas de organização e

criação. A resistência de acordo com Foucault (1979, p. 232) é um processo natural que

acontece em todas as relações de poder da sociedade: seja o homem contra poder fascista, o

prazer contra as normas morais da sexualidade, da mulher que quer ter domínio sobre seu

próprio corpo etc. A criação nesse momento reivindicou um campo liberto para se manifestar

em sua potencialidade. O fazer teatral, principalmente o feito por grupos que estavam

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contaminados pela esquerda, se transformou em arma política de resistência (MICHALSKI,

1985, p. 07).

Todas as relações de poder suscitam possíveis processos de resistência, e é porque há essa

possibilidade de resistir e lutar que o poder do dominador tenta se manter a todo custo, com

maior astúcia quanto maior for a resistência (FOUCAULT, 2005, p 108). Tanto é que os

processos de criação compartilhados ainda hoje, precisam se afirmar a cada instante como

processos válidos e tão potenciais quanto qualquer um. Processos coletivos foram sendo ao

longo da história estigmatizados pela ideia de amadorismo e pela famosa frase “todo mundo

faz tudo, e ninguém faz nada”:

Criou-se um estigma de uma arte composta por uma juventude que a tomava não

apenas como um compromisso estritamente profissional, mas como veículo de

expressão pessoal, em um universo que se vertia pelos procedimentos anárquicos

de organização, “afinados com as tendências mais ou menos místicas dos

respectivos coletivos”, de acordo com a visão pessimista de Anatol Rosenfeld

(1993, p. 253). Essas condições envolveram a criação coletiva em uma esfera de

semiprofissionalismo. (FISCHER, 2010, p. 37)

Existem diversas razões levantadas por Silva (2008, p. 193) para que alguns grupos

resolvessem mudar suas escolhas de criação e realizar um trabalho de cunho coletivo. As

conjunturas políticas e sociais, o desejo de mudanças em todos os setores da sociedade, o

movimento hippie e seu projeto comunitário, a contracultura ou movimentações políticas etc.,

tudo isso junto poderia ter provocado uma vontade de mudanças urgentes. Ou talvez a questão

da falta de uma dramaturgia que servisse perfeitamente às inquietudes sociais da época, ou

então uma relação mais participativa com os membros dos grupos de teatro. Tudo isso poderia

ser invocado para explicar o surgimento de uma nova micropolítica da criação, pautada pelo

compartilhamento. Tão cansados de repressões por todos os lados, esses artistas encontraram

na arte um refugio, e não seria ali que reproduziriam o mundo repressivo que enfrentavam. O

teatro compartilhado foi uma resposta aos seus anseios e também se tornou ferramenta ideal

para a divulgação de ideologias alternativas de organização social, como os ideais socialistas

ou anarquistas (SILVA, 2008, p. 193-194).

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A partir dos anos 1960, relacionados com o contexto cultural da época, diversas companhias

experimentaram trabalhos alternativos ao mercado cultural capitalista vigente (MICHALSKI,

1985, p. 07). Como suas vidas estavam marcadas por inconstâncias políticas, contradições e

abusos de poder, diversos coletivos artísticos apostaram em um teatro feito de forma

anárquica e libertadora. Pavis (2010, p. 207) aponta algumas semelhanças entre os trabalhos

realizados nessa época: espetáculos que não são assinados por uma única pessoa; dramaturgia

construída a partir de improvisações em sala de ensaio; e principalmente o embate contra as

especializações das funções.

É nesse período também o que Brasil passa por um dos mais tenebrosos anos de sua vida

política. O inicio, o ápice e o fim da ditadura marcaram fortemente a história da arte

brasileira. De acordo com Yan Michalski (1985), as condições anormais pelas quais o teatro

passou nesse período forçaram o surgimento de tendências novas, experiências alternativas,

texto e encenações diferentes de tudo o que já havia sido visto anteriormente. Rotulado como

mais um inimigo público da ditadura, perseguido e reprimido de forma violenta, o teatro

constitui-se numa importante frente de resistência, explicitando dessa forma o seu cunho

político. A micropolítica da criação, as políticas do grupo, seus pensamentos e modos de

trabalhar foram sendo contaminados pelo meio, e o contrário também, o meio sofria com as

interferências do teatro.

A censura pode ter sido responsável por uma mudança radical na forma de produção artística

brasileira. Se por um lado ela foi cruel e fez com que grupos, coletivos, produtores

independentes, artistas de modo geral penassem a procura de alternativas para sobrevivência,

de outra forma os obrigou a reverem a sua própria estética (MICHALSKI, 1985, p. 07-08).

Fazer teatro dessa forma, optar por uma nova micropolítica de criação, se posicionar contra,

configuraram seu fazer como uma atitude política, agora de forma intencionada. Na busca por

uma liberdade artística, diversas companhias começam a romper com qualquer tipo de

linguagem impositiva e com o modus operandi tradicional, propondo uma revisão de

linguagem e uma nova formatação da estrutura organizativa e criativa do grupo, quebrando as

hierarquias e relativizando as relações de poder. De acordo com Michalski (1985):

Por um lado, os jovens responsáveis pela revolução da linguagem cênica que

tomaria corpo a partir de 1966 sentem-se inconformados e impotentes diante do

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sistema repressivo que controla cada vez mais radicalmente a vida do país,

riscando do mapa qualquer noção de consulta popular, instalando um cada vez

mais rígido sistema de censura, impondo como obrigatória uma escala de valores

morais alheios aos anseios espontâneos da juventude. Uma válvula de escape para

esse inconformismo, no campo teatral, consiste em contestar os códigos

expressivos tradicionais aceitos como corretos e bem comportados, substituindo-os

por alternativas nas quais os fatores de novidade e de provocação atuem como

molas propulsoras. (MICHALSKI, 1985, pág. 24)

Nessa perspectiva, Fischer (2000, p. 38), observa que o campo de atuação e interferências do

ator ampliou-se, ele apropria agora de uma rede de atividades que antes era incumbência

apenas de profissionais especializados. Com essa modificação no processo de criação, o ator

passou a exercer outras atividades, aprendeu a adaptar ou criar textos coletivamente, imaginar,

conceber, fazer cenários, figurinos, organizar marcações, compor trilhas sonoras, etc. Modos

de criação mais democráticos colaboram também para a formação autônoma do ator, que

extrapola até mesmo os horizontes da sua profissão para participar de outras. A troca

estabelecida com os companheiros é uma forma de colaborar com a aprendizagem, troca-se

muito mais, e com essa interação os envolvidos podem se desenvolver. Outra característica

importante, falando do rompimento com a forma padrão de produção do teatro profissional,

acontece também com a forma de produção dos espetáculos. As relações internas, em grupos

de criação compartilhada, não se pautam, necessariamente, pela hierarquia e nem pela divisão

específica das funções, passam a ter o modo coletivo de produção como caminho a seguir.

Todos tentam participar, na medida do possível, de todas as etapas do processo de criação.

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CAPÍTULO II – COMPARTILHAR A CRIAÇÃO: MICROPOLÍTICAS HORIZONTAIS DA

CRIAÇÃO

“A criação em processo coletivo contestaria a própria noção de linguagem,

libertando o teatro da concepção totalitária por meio da qual o encenador

estabelecera um outro “palco teológico”, em que o conceito antecede a

experiência” (TROTTA, 2011, s/p).

Apesar das experiências em processo coletivo dos anos 1970-1980 terem se tornado uma forte

tendência, nos anos seguintes há uma retomada da encenação mais tradicionalista, que para

Pavis (2010, p. 21) se explica particularmente pelo alto custo dos espetáculos, a crise dos

incentivos públicos de cultura, a possível queda da qualidade da escrita textual, além da

possível dificuldade de se manter um coletivo criador sem as rédeas de um bom líder. “Tudo

isso conduziu à reconsideração do poder total dos encenadores e à pesquisa de meios mais

simples e minimalistas de encenar textos que não exigissem mais um dilúvio de imagens e

efeitos” (PAVIS, 2010, p. 21).

Mas a ideia de encenação dos dias de hoje, a partir dessas experiências coletivas, sofreu

inevitavelmente sua influência, pelo menos por uma de suas características: a colaboração

entre os envolvidos. O desafio, como vimos no trabalho da Confraria dos Atores, parece ser

agora o de pegar o que de melhor se conseguiu experimentar na criação coletiva e adaptar às

novas urgências da nossa época. Abriram-se espaços para experiências como o processo

colaborativo do Teatro do Concreto, que considero estar no meio termo entre a criação

coletiva e o processo de criação tradicional. O que se percebe é que muitas propostas de

encenação, principalmente a partir dos anos 1990, não estão mais preocupadas em saber ou

afirmar quem é o dono da criação, se autor ou encenador, e sim de potencializar os processos

de partilha criativa. Alguns grupos de teatro, com trabalho continuado e com pesquisa de

linguagem, direcionam seu foco para tentar entender como a representação e a

experimentação cênica ajudam o ator, na sequencia o espectador, a compreender e criar o

significado do espetáculo à sua própria maneira, como é o caso do Teatro da Vertigem (SP),

Oi Nós Aqui Travéis (RS), Teatro Oficina (SP), Confraria dos Atores (MT) ou o Teatro do

Concreto (DF). Desembocando dessa forma no conceito de encenação contemporânea, onde

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se encontra espaço para todo tipo de construção cênica. Há o que Silva (2008, p. 181) chama

de desterritorialização do conceito de encenação, uma mudança de paradigmas teatrais,

verificada na prática. Para Trotta (2006):

A função do encenador sobre uma transformação paradigmática, uma vez que já

não se trata da competência de realização de uma ideia, da fiscalização de uma

linguagem, mas da fundação das formas e das relações de criação. Ele não pode

mais ser comparado ao pintor que assina o quadro: ele está diante do espaço vazio

e da necessidade de conceber a gênese da autoria, de promover a apropriação dos

meios de produção da subjetividade, individual e coletivamente. Sua concepção se

refere, antes de tudo, à função que ele confere a si próprio e aos demais: como

configura o coletivo, como coloca em relação os diversos autores, através de que

caminhos deflagra a autoralidade. (TROTTA, 2006, s/p)

O modo de produção compartilhada, como já dissemos, está muito vinculado ao formato

teatro de grupo. Essa característica fica mais clara quando nos perguntamos: por que um

grupo de pessoas se juntam em um determinado período de tempo para fazerem seu trabalho e

sua expressão artística de forma contínua e partilhada? Partilhar esse sensível7, pode ser uma

resposta a tantas lutas por emancipação e liberdade política. Praticar ali um mundo de

possibilidades, onde a relação direta e horizontal entre os envolvidos abra caminho para

muitas outras visões estéticas. Como bem frisa Stela Fischer (2010, p. 27), o movimento de

teatro de grupo, que teve sua maior expressão a partir dos anos 60, foram responsáveis pelo

desenvolvimento de teorias e metodologias de criação, reavivando também a dramaturgia e a

encenação nacional. Esse movimento levava consigo uma orientação ideológica e política que

ansiava por mudanças, em um momento que o Brasil passou por difíceis tempos de agitação e

tensão política. Para Ferracini (2006):

Estar em grupo é ser singular e plural, homogêneo e heterogêneo ao mesmo tempo.

É viver essa postura de trabalho no cotidiano e no extracotidiano, na sala do

escritório e na sala de trabalho. Viver e criar em grupo é saber e assumir sem medo

que, enquanto no plano artístico buscamos uma desarticulação e um

redimensionamento de nossos corpos e da obra teatral, no plano cotidiano

percebemos que nossas relações internas, enquanto seres humanos, podem ser

7 RANCIÉRE, 2005

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agenciadas, articuladas, programadas, viciadas, artificializadas pela nossa história

pessoal, social e do próprio grupo. (FERRACINI, 2006, p. 20)

Como vimos, os processos compartilhados de criação da Confraria dos Atores e do Teatro do

Concreto, assim como diversos grupos do país, se caracterizam pela busca de uma

horizontalização em seus processos criativos. Nesses ambientes as hierarquias são

flexibilizadas ou extintas em nome de uma troca mais intensa entre seus participantes. Para

Costa Filho (2009, p. 27), os processos de criação compartilhadas seguem outra metodologia

de criação, contrários à ideia clássica de sequenciamento, ou seja dramaturgo – texto –

direção – atuação, muito comum desde a modernidade teatral ou a era da encenação, no

percurso do século XX até as décadas de 1960, onde começam a ser experimentados

processos que, muitas vezes, correram na contramão dessas quase metodologias lineares de

criação.

O teatro de grupo é uma estrutura política de organização, não só estética, e é caracterizado

pelo agenciamento de algumas pessoas que se unem para gerar uma nova forma de fazer,

pensar e viver o teatro. Essa grupalidade mantém-se além da montagem do espetáculo e leva

esses integrantes a posicionarem-se de forma contrária às questões da produção capitalista,

indústria cultural, ideologias e sobre suas próprias vidas. Esses agenciamentos tornam-se

espaços onde esses artistas encontram abrigo, proximidade por gostos estéticos, modos de

vida, compartilhamento de conhecimento, deixando de ficar somente a mercê de um produtor

de mercado, ou limitados criativamente, ou serem submetidos apenas as ideias estéticas de

uma única e exclusiva pessoa (TROTTA, 1995, p. 54). Criam dessa forma suas próprias

lógicas de organização, suas próprias referências e suas políticas.

A expressão “teatro de grupo” aparece, enquanto modelo de gestão artística do teatro, mais

fortemente a partir dos anos 1980 (CARREIRA, 2010, s/p), vinculada a modelos alternativos

de criação. Sendo ao longo dos anos modelado de acordo com os interesses mais em voga na

época. Nesse sentido não há a possibilidade de traçar uma cartografia fixa do modelo de

organização de um grupo de teatro, cada um se estrutura segundo os princípios que melhor lhe

convierem, seja como cooperativa de trabalho ou de uma empresa comercial de teatro. Nesse

sentido, não necessariamente um grupo de teatro se pauta por um caminho alternativo de

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construção. Os anos 1990 foram marcados por uma reformulação no conceito e na prática do

teatro de grupo, abandonando um pouco as questões políticas e a militância, para direcionar

suas forças para uma administração que possibilitasse a sobrevivência dos membros e a

pesquisa de novas estéticas:

Como representantes dessa nova geração de grupos que, aparentemente carecia de

modelos de trabalho atorial, os coletivos dirigiram sua atenção para a

experimentação. Os processos de pesquisa de linguagem foram acompanhados pela

reivindicação do lugar do coletivo como espaço de criação. Antes que âmbito de

mobilização, o grupo foi percebido como instrumento que impulsionaria um tipo

específico de processo criativo. (CARREIRA, 2010, p. 02)

Com a mudança do foco, antes da militância política aguerrida, para um processo de pesquisa

em torno do ator enquanto gerador de estéticas, os grupos se aprofundam na construção de

processos autênticos de criação e treinamento. Indiferente das escolhas que fizeram, se

processo colaborativo ou a criação coletiva, os grupos criam seus próprios processos,

tornando-os mais democráticos e participativos. O ato de compartilhar a criação e o foco no

trabalho do ator são as características principais que aproximam esses dois modelos. A cena

teatral sofreu mudanças decorrentes dessa “necessidade de pesquisar o trabalho do ator, e de

se fazer disso o elemento de impulso da organização coletiva. A instalação de procedimentos

de aprendizagem de novas técnicas abriu espaço para a instalação de práticas de

treinamento” (CARREIRA, 2010, p. 02).

Para alguns grupos de teatro, como a Confraria dos Atores, o modelo experimentado nos anos

1970-1980 de criação coletiva, não servia, principalmente pelo seu caráter alternativo demais

e muitas vezes pejorativamente considerado como amador. Mesmo os que ainda o praticam,

realizam uma grande atualização em seus principais fundamentos. A correção de algumas

características desse modelo, que o tornava frágil, principalmente relacionado à organização

administrativa e financeira, culmina, como vimos, na criação coletiva contemporânea.

Nos anos de 1990 o teatro de grupo tornou-se destaque na vida cultural do país, por ser uma

alternativa mais saudável e menos capitalista de produção teatral, e também pelo fato de

produzirem conhecimento e pesquisa sobre o trabalho do ator (CARREIRA, 2010, p. 02). A

criação compartilhada gera, entre várias possibilidades, a oportunidade de construção de

conhecimentos em conjunto. A troca, potencializada por um ambiente democrático, acaba se

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tornando ação comum e incentivada. Entre os participantes se estabelece, dessa forma, uma

solidariedade criativa. Juntos constroem muito mais que um espetáculo formado pelas

múltiplas vozes, mas também o processo se torna exercício de desenvolvimento dos próprios

sujeitos atuantes. A busca por entender e colaborar com o trabalho do outro acaba gerando

outras capacidades. O conhecimento construído na relação se junta aos conhecimentos que o

atuador já trás para a sala de ensaio. A construção pela confrontação de concepções estéticas é

uma ferramenta que gera outras linhas criativas, que se cruzam, que se conectam, que

percorrem inúmeras direções.

Um novo teatro é possível? O ato de compartilhar pode abrir a cena para infinitas

possibilidades. O século XX assistiu a diversos momentos de limitações de liberdade,

incertezas e repressões, inconstâncias políticas e econômicas, movimentos sociais,

manifestações de toda a ordem, a luta pelos direitos, a afirmação, enfim a luta e resistência

pela liberdade, que a toda hora era posta em risco. As mudanças, é claro, não se resumiram

apenas ao teatro, diversas experimentações de toda ordem pulularam pelo mundo, deixando

claro que “não suportamos mais aquilo que suportávamos antes, ‘a distribuição dos desejos

mudou’ dentro da alma (LAZZARATO, 2006, p. 11)”.

As experiências alternativas e coletivas desse período deixaram um legado muito importante

para o teatro que viria a seguir: é possível fazer arte compartilhada e livre de imposições, é

possível uma nova política da criação.

Lazzarato (2006, p. 12) chama a atenção para a palavra de ordem que foi estampada nos

cartazes dos jovens manifestantes pelo mundo, em especial aos manifestantes de maio de

1968, que desejavam mudanças em todas as áreas da política: “Um outro mundo é possível”.

Para o autor essa frase é emblemática e representativa das transformações no pensamento e

nos desejo da sociedade:

Essa palavra de ordem não remete mais, por exemplo, à luta de classes e à

necessidade de tomar o poder. Não nomeia o sujeito da história (a classe

trabalhadora), seu inimigo (o capital) e a luta mortal que os opõe. Limita-se a

anunciar que o possível foi criado, que novas possibilidades de vida estão se

expressando e que se trata de efetuá-las. A possibilidade de um outro mundo

surgiu, mas precisa ser efetuada. Entramos assim em uma nova atmosfera

intelectual, em uma outra constelação conceitual. (LAZZARATO, 2006, p. 12)

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E sim, um outro teatro também é possível. As experiências mais radicais que antecedem os

processos compartilhados de nosso tempo foram acontecimentos que mexeram com lógicas e

paradigmas enraizados do teatro. O acontecimento para Lazzarato (2006, p. 13) é o que nos

faz ver aquilo que uma época, algo, ou processo tem de intolerável, além disso faz emergir

novas possibilidades. As rupturas nos processos de criação, organização e no pensamento do

teatro foram responsáveis pela articulação de novas possibilidades e de novos desejos, abrindo

espaço para processos de experimentação e de criação. Houve uma mudança na subjetividade

coletiva, a imposição, o limite, as regras que não são nossas, a hierarquia criativa já não são

aceitas, pelo menos não mais tão facilmente.

Escolher trabalhar de forma compartilhada é tentar mudar o foco do espetáculo para o

processo. Abrir os poros para as inúmeras possibilidades que a criação compartilhada faz

emergir, é experimentar o imprevisível, o arriscado, o não antecipado. Para Silva (2008):

O teatro contemporâneo, ampliando seu campo de formalização e experiência vem

colocando enorme ênfase no aspecto processual, deixando de se pautar apenas pela

obra acabada e pela produção de resultados. Tal perspectiva, por consequência,

também alarga os sentidos e os procedimentos da encenação. (SILVA, 2008, p.

188)

A criação de forma compartilhada não segue os parâmetros tradicionais, a concepção inicial

do diretor/encenador não tem a necessidade de acontecer antes dos primeiros ensaios. Ela não

é definida ou concebida de forma isolada e separada do coletivo. A indeterminação e o campo

aberto à variáveis processuais fazem com o que o diretor se coloque em igualdade de posição

com os outros criadores. Para Lazzarato:

(...) o possível não mais orienta o pensamento e a ação de acordo com alternativas

preconcebidas, do tipo ou/ou: capitalistas ou trabalhadores; homem ou mulher;

trabalho ou lazer etc.; trata-se de um possível que ainda precisa ser criado. E esse

novo “campo de possíveis”, que traz consigo uma nova distribuição de

potencialidades desloca as oposições binárias e expressa novas possibilidades de

vida. (LAZZARATO, 2006, p. 18)

Nesse sentido não há como fixar o processo de criação compartilhada como uma metodologia

de criação, pois ao se estabelecer uma metodologia, se padroniza, se concebe o caminho, só a

experimentação conduzirá o processo. O possível, que a criação compartilhada traz, é a

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produção do novo. Esta escolha traz consigo a aceitação da emergência de uma

descontinuidade, o encontro com o outro pode proporcionar um novo agenciamento, um

agenciamento que é livre e imprevisível.

A criação compartilhada amplia as possibilidades criativas, pois está pautada pela

confrontação e troca de ideias diferentes. Os participantes abrem-se para o inesperado, para

um processo de criação livre. Há não só uma desterritorialização da direção, como pensada

por Silva (2008), mas uma renovação de todos os papeis. É preciso se deixar subjetivar pelo

coletivo. É preciso se recriar. Nos processos compartilhados de criação há um duplo, triplo ou

infinitos processos de subjetivação, processos de múltiplas criações, múltiplas invenções, que

deslocam totalmente a ideia anterior de criação teatral tradicional. O agenciamento coletivo é

baseado na “mistura dos corpos (com suas ações e paixões), composta de singularidades

individuais e coletivas (...) que praticam relações específicas de ‘confuncionamento’ corporal

(diversas maneiras de estar juntos) (...)” (LAZZARATO, 2006, p. 21).

Em processos compartilhados de criação todos procuram participar intensamente da criação

da obra, o novo dramaturgo e o encenador tornam-se regentes e/ou provocadores dessas

criações, e contribuem também com suas visões, que não se encontram no topo da hierarquia

mais, pois esta não existe, deixam que as múltiplas intenções apareçam, interajam e se

misturem. Como há uma busca pela flexibilização das hierarquias esses novos perfis não

estão, necessariamente, em posição secundária, pois não renunciam seu ponto de vista, e sua

função não é apenas montar um novo espetáculo com as visões dos outros, todos os

envolvidos apresentam um perfil dialógico, pois interrogam, provocam, contribuem,

respondem, concordam, brigam, discordam, argumentam ou negociam:

(...) uma nova mistura de corpos (um novo tipo de relação que se torna possível no

estar junto, que se expressa em novas formas de tomada de decisão, de definição de

objetivos e metas) e também novas formas de expressão, em que o enunciado “um

outro mundo possível” é apenas um dentro muitos resultados (LAZZARATO,

2006, p. 21)

Este novo teatro é construído a partir da conjugação dessas múltiplas subjetividades

(DELEUZE E GUATTARI, 1995) que se negociam, que se contradizem, que se enfrentam,

para construir uma obra complexa e totalmente atravessada pelos desejos, histórias e

intenções individuais. Não há mais espaço para artistas, seja dos atores a cenografia, que

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executem apenas as indicações dramatúrgicas, exige-se um novo perfil, propositivo e

opinativo. Que traga para a criação compartilhada sua história pessoal, seu corpo, verdadeiro

e poroso, aberto a contaminações subjetivas. Esse é o perfil que é buscado pela equipe das

duas companhias pesquisadas neste trabalho. Há a todo o momento discussões e um ato

solidário de colaborar com o trabalho do outro.

Cada integrante de um grupo traz para o coletivo suas próprias concepções de mundo e de

vida, que são construídas na relação com outros sujeitos, e com o meio em que estão

inseridos, contribuindo assim para a formação da grande rede intricada e emaranhada que é

um grupo de criação. Cada um, múltiplo em si, são atravessados pelas multiplicidades dos

outros. O grupo então é a composição das subjetividades de cada integrante, agenciadas em

torno de objetivos comuns. Essas ideias, muitas vezes diferentes, são negociadas, compostas,

justapostas, entram choque, e formam uma multiplicidade ainda mais complexa, formada

pelas tramas que cada um leva consigo, uma nova micropolítica da criação baseada na

partilha:

O coletivo é delineado por uma constelação de individualidades que se

complementam. Para tanto, é necessário integralização, solidariedade e troca, para

que o coletivo se realize em uma pletora criativa. As inter-relações propiciam

diferentes fluxos criativos e forças geradoras para a produção em grupo

(FISCHER, 2010, p. 125)

O coletivo de criação horizontal é também rizomático (DELEUZE E GUATARRI, 1995, p.

14). O conceito de rizoma nos interessa por dar conta da descrição estrutural desses coletivos.

Ser rizoma é ser múltiplo, conectado em diversos filamentos que se entrelaçam, ser

heterogêneo, sujeito a rupturas e reformulações, estar horizontalmente dispostos e não ter uma

cartografia fixa, gerativa.

Em processos compartilhados de criação as ideias dos envolvidos percorrem múltiplas

direções afetando e sendo afetados pelas ideias dos outros. A direção é partilhada, feita a

partir da conjugação desses múltiplos filamentos que se cruzam. Em processos onde não há a

presença de um diretor, centrada em uma única pessoa, como no processo de criação da

Confraria dos Atores, a função direção continua existindo, mas ela é partilhada, e a função ou

ato de dirigir acontece exatamente nessas diversas conexões que se estabelecem no entre, um

emaranhado de visões que se cruzam, se embaralham. Ora algum filamento é mais forte, ora

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outro. É essa multiplicidade de forças e desejos, que se confrontam, que se chocam, que

garantem a regulação, ou seja, a direção ou o poder flutuante. Ele não se fixa em nenhum

envolvido. Perpassa cada um, em determinados momentos, em função das tarefas que deverão

ser realizadas ou por causa daquelas que não foram feitas. Devido a alguma necessidade,

mesmo que temporária, a liderança nos processos compartilhados pode emergir mais forte em

um ou em outro integrante. Não há, portanto uma ideia centralizada mais forte ou que sempre

prevaleça. A política é baseada no convencimento, no debate e na troca. O fato de todos

estarem buscando um objetivo comum não garante que os caminhos sejam os mesmos. É em

momentos como esse que surgem as lideranças flutuantes ou temporárias, em especial na

criação coletiva contemporânea que não possui delimitação fixa de funções. Em determinados

momentos, devido às necessidades de produção, ou quando o tempo também se torna um

empecilho, algum componente, ou uma associação dirigente, temporária, toma a frente, dando

um norte, ou encaminhando as decisões.

Uma equipe de criação é formada por integrantes que possuem idades diferentes, oriundos de

comunidades diversas, cada um com seu histórico de vida particular, como é o caso do Teatro

do Concreto. O encontro dessas experiências dá ao coletivo o principio de multiplicidade,

uma das características do conceito de rizoma (DELEUZE E GUATTARI, 1995, p. 14). É

exatamente a junção dessas diferenças, e a possibilidade delas se confrontarem de maneira

horizontalizada, que dá ao grupo de teatro a característica de ser múltiplo. E essa formação

complexa está longe de ser una ou coesa. E é exatamente contra as formações arborecentes ou

hierarquizadas que muitos grupos se posicionam. A formação teatral coletiva e

horizontalizada quer ser múltipla, ela aposta exatamente nas diferenças. Segundo Deleuze e

Guatarri (1995, p. 16):

(...) é somente quando o múltiplo é efetivamente tratado como substantivo,

multiplicidade, que ele não tem mais nenhuma relação com o uno como sujeito ou

como objeto, como realidade natural ou espiritual, como imagem e mundo. As

multiplicidades são rizomáticas e denunciam as pseudomultiplicidades

arborecentes (DELEUZE E GUATARRI, 1995, p. 16).

Essa forma de trabalho é rizomática, pois um grupo de teatro é uma “matilha”, local de

habitat, de provisão, de deslocamento, de evasão e de ruptura. O fator que diferencia esses

processos compartilhados dos processos tradicionais de criação é exatamente a

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heterogeneidade incentivada. As diferenças de opinião, formação, gostos e repertórios

pessoais são o que garantem a complexidade. Todas essas informações trazidas para a roda de

criação podem ou não serem conectadas. Esses filamentos que se originam em cada

colaborador pode se conectar a outros filamentos criativos originados em um outrem:

(...) qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo.

É muito diferente da árvore ou da raiz que fixam um ponto, uma ordem. (...) Num

rizoma, ao contrário, cada traço não remete necessariamente a um traço linguístico:

cadeias semióticas de toda natureza são aí conectadas a modos de codificação

muito diversos, cadeias biológicas, políticas, econômicas, etc., colocando em jogo

não somente regimes de signos diferentes, mas também estatutos de estados de

coisas. (DELEUZE E GUATTARI, 1995, p. 15)

Como vimos, um grupo de teatro se configura como uma microssociedade em rede, com as

suas próprias políticas. Os componentes estabelecem ali, muitas vezes, suas concepções

políticas, e vivem nessa pequena sociedade que criaram a forma que gostariam de viver no

mundo exterior. Sendo assim essas sociedades, podem e vão encontrar em suas trajetórias,

algumas problemáticas costumeiras das sociedades maiores. Estão fadados, por exemplo, a

encontrar corpos estranhos, ou integrantes que não se ajustam as concepções do coletivo. A

própria Confraria dos Atores, começou com 12 integrantes, atualmente possui 05. Como

estamos nos referindo a um coletivo como uma microssociedade, podemos fazer diversas

associações com os agenciamentos coletivos, que acontecem na sociedade maior que

vivemos. Um coletivo é um reflexo de todo o contexto que o envolve. O fato de colocar em

confronto duas ou mais personalidades diferentes acaba sendo um dispositivo para geração de

múltiplas ideias, mas também pode ser o estopim para rupturas. Toda sociedade produz seus

estranhos, assim como um coletivo de criação compartilhada ou não. Esses “corpos

estranhos” dificultam o andamento do processo de criação, tornam-se barreiras quase

intransponíveis. Ultrapassá-la acaba sendo tão mais negativo do que a sua retirada. Segundo

Fischer (2010):

Uma outra dificuldade da política interna e organizacional da maioria dos grupos

teatrais é o fluxo de saída de integrantes, seja por disparidades em relação à

dinâmica de criação, ou problemas de inter-relação entre os criadores, por razões

econômicas, ou até mesmo por outros motivos pessoais. (FISCHER, 2010, p. 81)

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Por ser heterogêneo por essência o coletivo de criação teatral pode se organizar de inúmeras

formas, com ou sem diretor, com ou sem dramaturgo, com duas ou vinte pessoas. Cada grupo

constrói uma forma específica a sua estrutura de organização. Não há, portanto, um modelo

estrutural, características comuns são encontradas, mas não podemos traçar um formato

gerativo fixo. É uma organização orgânica e pulsante, formada por artistas que são totalmente

passíveis de serem afetados pelos processos que os circundam. Um coletivo de teatro é um

organismo vivo, que se movimenta, que adapta, que sofre. São decalques da sociedade. A

partir desse pensamento podemos traçar mais uma característica do rizoma que é o princípio

de cartografia: “O rizoma não pode ser justificado por nenhum modelo estrutural ou gerativo.

Ele é estranho a qualquer ideia de eixo genérico ou de estrutura profunda” (DELEUZE E

GUATARRI, 2005, p. 21).

O teatro de grupo pode ser também uma fonte de construção de conhecimentos e contribui

para a força dos novos discursos cênicos da contemporaneidade. Esse teatro feito

coletivamente contribui de forma significativa para as ideias contemporâneas sobre a arte. Os

coletivos formam celeiros de criação, armazenando modos de construção de conhecimento e

treinamento, criando um organismo pulsante para novas ideias e procedimentos. Se juntam

em matilhas, como lobos, para sobreviver, trocar e crescer. Crescem juntos, mesmo em

direção diferentes, mas estão ligados, são conectáveis e não possuem forma fixa. É movida

pelo desejo de ser rizoma, de estar horizontalmente dispostos:

Ser rizomorfo é produzir hastes e filamentos que parecem raízes, ou, melhor ainda,

que se conectam com elas penetrando no tronco, podendo fazê-las servir a novos e

estranhos usos. Estamos cansados da árvore. Não devemos mais acreditar em

árvores, em raízes ou radículas, já sofremos muito. Toda cultura arborescente é

fundada sobre elas, da biologia à linguística. (DELEUZE E GUATTARI, 1995, p.

25).

A criação coletiva contemporânea da Confraria dos Atores (MT) e o processo colaborativo do

Teatro do Concreto (DF) são, como vimos, modelos heterogêneos de criação compartilhada,

os quais, separadas suas diferenças e especificidades, se aproximam pela busca de uma

igualdade de importância nas contribuições e proposições, criação em processo,

horizontalização dos procedimentos de produção, valorização da contribuição e a partilha da

criação. As relações de poder nesses processos são revistos, cada uma a seu jeito.

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3.1 O processo colaborativo

Este modelo de criação, muito difundida nos anos de 1990, praticado principalmente por

grupos formais e estáveis de criação teatral, e pelo Teatro do Concreto (DF), se caracteriza

pela participação de todos os integrantes do espetáculo, cada um com suas funções específicas

(direção, atual, sonorização, iluminação, cenografia etc), de forma horizontalmente

organizada, com o objetivo de enfraquecer as hierarquias e poderes decisórios centralizados,

produzindo uma obra que tem autoria coletiva, mesmo com as papeis e funções especializadas

(SILVA, 2008, p. 30).

Este processo se diferencia da criação coletiva, muito praticada nos anos de 1960 e 1970, pelo

fato de manter e incentivar a continuidade das funções específicas. Mas o que elas podem ter

em comum é o desejo de colocar todos os integrantes executando todas as funções, diluindo

dessa forma as funções específicas, ou pelo menos, flexibilizando-as:

Ou seja, havia um acúmulo de atributos ou uma transitoriedade mais fluida entre

eles. Portanto, no limite, não tínhamos mais um único dramaturgo, mas uma

dramaturgia coletiva, nem apenas um encenador, mas uma encenação coletiva, e

nem mesmo um figurinista ou cenógrafo ou iluminador, mas uma criação de

cenário, luz e figurinos, realizada conjuntamente por todos os integrantes daquele

grupo (SILVA, 2008, p.32)

O que se tornou mais comum como processo de criação teatral é aquela na qual o dramaturgo

e o encenador criam, pensam e decidem a criação, enquanto atores e os outros envolvidos

executam, ou no máximo contribuem com um pouco de reflexão, mas que será sempre

balizada pelo encenador. O processo colaborativo, mesmo não apagando as diferenças entre

as funções, procura desmistificar que a ausência de hierarquias só é possível com a ausência

de funções especializadas (SILVA, 2008, p. 35). Muito influenciado pela criação coletiva das

décadas de 1970-1980, que levou ao extremo o desfazimento das funções, este processo tenta

corrigir muitas de suas distorções, fazendo um exercício de livre diálogo, onde encontre

espaço para que o ator possa provocar a direção, assim como o iluminador possa colaborar

com a interpretação do ator. A integração e o pensamento de cada um são importantes para

todos os envolvidos. Para Silva (2008, p. 37), nos processos colaborativos, o ator, iluminador,

cenógrafo ou os outros envolvidos não criam e se responsabilizam apenas por suas tarefas,

pensam o espetáculo como um todo, se preocupam, sugerem e até interferem no trabalho do

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outro, fazendo com que a criação, mesmo com a permanência das funções, seja de fato

colaborativa:

Esse modelo de um ator que mergulha cegamente em uma personagem, se

alheando ou pouco se interessando pelo discurso geral da peça, nos parecia

obsoleto e limitador. O mesmo podendo ser dito em relação aos outros

colaboradores artísticos, ou seja, cenógrafo, iluminador, figurinista e diretor

musical. Todos eles, apesar de comprometidos com determinado aspecto da

criação, precisariam integrar-se numa discussão de caráter mais generalizante.

(SILVA, 2008, p. 103)

Como vimos, nos processos colaborativos, em especial na abordagem metodológica defendida

por Silva (2008), a dramaturgia é criada de forma compartilhada, mas há a presença de uma

pessoa que responde por essa parte, mas este se difere do dramaturgo que costumamos

conhecer, aquele que cria sozinho em sua sala de trabalho. Neste caso ele recebe muito

material dos atores, que normalmente criam a partir de improvisações. Há até uma mudança

de nomenclatura de dramaturgo para dramaturgista, por este estar presente em todos, ou pelo

menos na maioria dos ensaios e poder junto com o grupo criar em colaboração, ele organiza o

material criado pelos atores, potencializa algumas coisas, corrige outras e pode acrescentar a

sua própria visão. Há uma discussão conjunta para decisão do corpo do texto, escolha das

palavras, a estruturação cênica e a sua edição. Não há um processo primário de criação

textual, para que depois seja feita a sua execução, a dramaturgia é em processo e acontece

concomitantemente com o trabalho da encenação, atuação, iluminação, sonorização,

cenografia etc.

A dramaturgia em processo pressupõe uma constate revisão e improvisação dramatúrgica. Ao

romper com o texto fixado, que impede a entrada das sugestões advindas do ensaio, o

dramaturgista deve estar atento e aberto para perceber por onde a criação está caminhando,

para que possa poder também sugerir, provocar e trazer informações para que o diálogo se

estabeleça. Ao longo do processo deverão ser feitas escolhas, e o texto acaba ganhado um

corpo mais rígido, principalmente pelo fato da necessidade de apresentar para o público, em

algum momento, o resultado da pesquisa (SILVA, 2008, p. 153).

Os envolvidos buscam estar abertos para receber as proposições dos outros. Toda opinião, na

criação compartilhada, deve ser válida até ser testada ou discutida. Dessa mesma forma o

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dramaturgo pode colaborar com a interpretação, assim como a interpretação tenta conhecer o

papel da dramaturgia. Isso se aplica a todas as funções. Claro que o detentor da função, aquele

que responde, ganha o poder de decisão final, e a sua opinião carrega um peso maior. As

relações de poder continuam existindo nos processos colaborativos, mas de outra forma, nem

sempre impositiva. Mesmo carregando um peso maior a fala da direção não se posiciona

como a mais importante.

A direção, então, sofre uma revisão nos processos colaborativos. Aqui o seu papel, que nas

metodologias mais conservadoras era o de dirigir, decidir e criar, passa para o de colaborar,

provocar, coordenar, emitir uma opinião sobre o que vê, mas não o de tomar a decisão

sozinho e por sua conta. Silva (2008), falando sobre o processo de criação dos espetáculos do

grupo paulista Teatro da Vertigem, onde assumiu o papel de direção, nos dá um pouco a

noção desse novo perfil de direção:

Se como diretor sou capaz de, ao observar a improvisação de um ator, selecionar

algum mínimo elemento que seja ou perceber os rumos que não devem ser

seguidos, também eu poderia me relacionar com um exercício textual de forma

igualmente aberta. Encarar uma proposta de texto, não como definitiva, mas, sim,

fonte de sugestões, de pistas para caminhos possíveis ou, ao contrário, de estradas

que não levarão a lugar algum. O meu trabalho poderia funcionar – e o dos atores

também – como uma espécie de “antena” ou “radar” de pontos teatralmente

potentes, presentes naquele material. (SILVA, 2008, p. 104)

Essa revisão da função do diretor está na base da pesquisa do Teatro da Vertigem, grupo de

teatro residente na cidade São Paulo (SP), fundado em 1991, por iniciativa do diretor Antônio

Araújo. A maioria dos seus integrantes é egressa da Escola de Comunicação e Artes ou da

Escola de Artes Dramáticas da Universidade de São Paulo. O objetivo principal do grupo é

investigar processos de criação cênica. Outra característica importante sobre sua investigação

estética é o a utilização de espaços não convencionais para as suas apresentações.

Por causa do seu aprofundamento na pesquisa sobre o processo colaborativo, o Vertigem

acabou se tornando principal referência da área. A companhia inaugura essa terminologia e

passa a difundi-la em grupos de estudo, teses e ensaios sobre o tema. Fischer (2010, p. 43)

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ressalta que não é objetivo do grupo desenvolver um método fixo ou uma sistematização de

procedimentos que se possa reproduzir, a cada novo trabalho há uma nova escolha do processo

que melhor se adéqua as concepções estéticas. Muitas companhias, surgidas ao longo da última

década e da atual, tomaram como aporte teórico os trabalhos desenvolvidos pelo Vertigem,

entre eles o Teatro do Concreto (DF).

A estrutura administrativa do Teatro da Vertigem configura-se no formato cooperativista. Há

um núcleo central permanente de integrantes, outros colaboradores foram se agrupando ou

participam esporadicamente de acordo com as necessidades do grupo. Em relação a

dramaturgia não existe um integrante que responda por essa área, a cada projeto são convidados

dramaturgos que possam colaborar junto com a companhia. O responsável de cada área da

produção de um espetáculo tem a liberdade de desenvolver sua criação individualmente, desde

que mantenha um diálogo permanente com os outros integrantes e com os princípios

estabelecidos pelo coletivo (FISCHER, 2010, p. 45).

O Teatro da Vertigem mantém um trabalho artístico experimental, com a proposta de sempre

apresentar em espaços não convencionais, onde há a necessidade de um número reduzido de

espectadores, a pesquisa para os espetáculos demandam um tempo bem grande, em relação ao

tempo de uma montagem tradicional, tudo isso faz com que o trabalho desenvolvido pelo grupo

se afaste dos modelos comerciais de produção teatral.

Em relação ao processo colaborativo praticado pelo grupo, Fischer (2010, p. 47) pontua três

principais etapas constituintes: a primeira é a da livre exploração e investigação, através da

discussão com o coletivo , a segunda é a estruturação da dramaturgia e a última etapa é a

estruturação do espetáculo e de aprofundamento interpretativo. Depois traçados os possíveis

caminhos que a pesquisa percorrerá, e de se decidir quem será convidado para realizar a

dramaturgia e as outras funções que não estão contempladas por algum integrante do grupo, o

encenador-colaborador, termo que o grupo utiliza para fazer referencia a nova postura do

diretor do grupo, provoca os atores a improvisarem, a pesquisarem e propõe sempre um diálogo

entre os integrantes. Com os materiais que vão surgindo a partir das experimentações cênicas, o

dramaturgo vai coletando e fazendo as suas próprias observações enquanto se consolida a

dramaturgia. O encenador no Teatro da Vertigem se coloca em pé de igualdade com todos e sua

autoridade se flexibiliza em nome da livre colaboração.

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Outro exemplo de grupo que trabalha com o processo colaborativo é a paulista Companhia do

Latão, criado em 1996 é atualmente dirigido por Sérgio Carvalho. O grupo tem como base de

pesquisa a experimentação em torno dos princípios do teatro dialético e épico brechtiano,

propondo sempre em seus trabalhos uma reflexão critica sobre as questões relacionadas a

realidade social, política e cultural da sociedade. É o Latão que inaugura a terminologia

Dramaturgia em Processo, procedimento de escritura teatral coletiva, que é elaborada durante

os encontros para a construção do espetáculo, ou seja, o texto não antecede a encenação. Essa

dramaturgia é construída pela equipe que integra o projeto, incluindo os papeis definidos e

especializados do diretor, dramaturgo, atores etc.

O grupo ao longo da pesquisa vai adaptando, alterando, recriando o texto de acordo com as

novas necessidades que vão surgindo durante o processo. “Desde a sua criação, a Companhia

do Latão percebeu a necessidade de pensar um modo de trabalho coletivo, um exercício de

autonomia criativa em que se propusesse o apaziguamento das formas autoritárias de

organização teatral” (FISCHER, 2010, p. 198). Nessa perspectiva o grupo se propôs a

pesquisar uma forma própria de criar coletivamente, a formação estrutural de criação

colaborativa proposta pela companhia, requer uma interação criativa entre os integrantes,

principalmente o ator, que não é mais apenas um executor de tarefas, mas como mais um autor

da criação compartilhada do grupo.

Em relação a direção, apesar de personalizada na figura de Sérgio Carvalho, eles tentam diluir

essa função, todos acabam tendo que ser diretores em algum momento da condução das

pesquisas. No trabalho do Latão a concepção também não é feita antecipadamente por um

diretor ou dramaturgo, ela surge nos encontros do grupo.

Por ser um processo compartilhado, em princípio, a ação criativa da Companhia do

Latão que antecede a formatação de um espetáculo, configura-se a partir uma

intensa pesquisa e investigação temática. São utilizados variados materiais como

ponto de partida para discussões e estudos do grupo: leituras, seminários,

entrevistas, observações. (FISCHER, 2010, p. 199)

Logo após definido o projeto e feita as pesquisas iniciais, ou até mesmo concomitante a isso,

partem para uma experimentação prática, onde os atores são provocados a desenvolver cenas

com o material que já conseguiram e têm em mãos. Como é comum nos processos

colaborativos, junto com os encontros e improvisos, o dramaturgo vai coletando e

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reescrevendo a dramaturgia, colaborando também com suas próprias visões. A partir daí vão

se cristalizando algumas cenas, outras continuam sendo trabalhadas. A pesquisa de

dramaturgia não acaba com a estreia, é comum que o trabalho seja sempre retrabalhado,

refletido, sofrendo constantes revisões.

Não há na Companhia do Latão, uma preocupação com o desenvolvimento de uma técnica

específica de preparação do ator. Esta trabalho é feita a cada projeto de acordo com as

necessidades que vão aparecendo ao longo da pesquisa. Esse treinamento que é demando pelo

projeto, pode ser executado por algum integrante da própria companhia ou um convidado

externo. De acordo com Fischer (2010, p. 199), em suas últimas experiências foi dado aos

atores a responsabilidades a orientarem os ensaios, propondo exercícios e jogos seguindo a

concepção coletiva do trabalho e com base nos temas levantados.

3.2 A Criação Coletiva Contemporânea

A criação coletiva é uma metodologia que também não apresenta uma característica padrão.

Dentre as várias especificidades que se encontra nas experiências de companhias de diversas

épocas, verifica-se como ideia comum o compartilhamento total da criação, sem funções

específicas e sem hierarquias de qualquer espécie. Que tem como embrião principal as ações

artísticas, com alto teor político, dos coletivos teatrais criados a partir dos anos de 1960, essa

forma de criação foi sendo revista e atualizada nos anos seguintes. O teatro feito em grupo

que temos visto hoje tem muita influência nessas experiências. Esse teatro que tinha um alto

teor ideológico buscava correr na contramão do que se praticava e pensava sobre o teatro,

configurando muitas vezes como uma metodologia que tentava dar conta dos anseios e

expectativas de jovens que se sentiam pressionado pela política repressiva em voga naquele

momento. Segundo Fischer (2010, p. 26), a orientação ideológica desses grupos e artistas

dessa época, muito marcada pela contestação sociopolítica propôs um diálogo entre a arte que

se praticava e um Brasil que passava por um período de tensão política. No panorama da

ditadura militar foram criados o Teatro de Arena (1953), o Teatro Oficina (1958), o Centro

Popular de Cultura (1961) e o Opinião (1964), entre tantas outras companhias importantes

pelo Brasil afora, para a pesquisadora, essas companhias:

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Difundiram uma série de revisões no trato cênico, na dramaturgia e na organização

interna das equipes e, principalmente, na postura ideológica do teatro de grupo

brasileiro. A partir desse impulso inovador, desprendeu-se uma arte teatral vigorosa

no sentido criativo e urgente às inquietações sociais de uma época em que se

iniciava o regime militar, no qual apenas o fato de reunir pessoas era em si um ato

de resistência. (FISCHER, 2010, p. 27)

Infelizmente essas experiências enfrentaram um inimigo muito forte: a ditadura militar,

dificultando e até extinguindo a chama criativa e a força política desses grupos. Essa atitude

por parte do estado foi um grande abafador dessas vozes e a isso seguiu um período de

manifestações artísticas com existência efêmera e de instabilidade artística e profissional. A

ausência de liberdade e a perseguição aos artistas, por conta da sua arte, que entendiam como

subversiva, causaram um forte enfraquecimento da produção e a dramaturgia que vinha se

fortalecendo acaba por ser pressionada a frear. Com a censura diminui-se a produção de textos

dramáticos inéditos e a maioria dos grupos, que ainda permaneceram, apresentavam ao

público peças com uma clara letargia diante do que estava acontecendo naquele momento,

mantendo-se com muita dificuldade. O Brasil vê nesse momento os seus mais importantes

nomes do teatro nacional se refugiarem em asilos políticos fora do país. Nesse cenário de

incertezas é que alguns coletivos se enveredam por práticas alternativas e não

institucionalizadas de criação, numa perspectiva coletiva, numa tentativa de contornar as

dificuldades de expressão, realização cênica e também como uma possível resposta a tantas

forças cerceadoras.

Foi na década de 1970 que a criação coletiva brasileira teve sua maior expressão. Nessa

mesma época passaram pelo país companhias importantes que trouxeram na bagagem essa

metodologia que se construía e fortalecia. No mundo inteiro pululavam experiências baseadas

na horizontalidade da criação. A pesquisadora Stela Fischer (2010) cita alguns grupos com

essa característica nas suas escolhas de criação, muitos deles ainda em atividade até hoje, são

eles:

(...) os nortes-americanos Living Theatre (1968), Bread and Puppet Theatre (1962),

Performance Group (1962), Open Theatre (1963), La Mama Experimental Theatre

Club (1961), o francês Théâtre du Soleil (1963), e ainda os colombianos Teatro

Experimental de Cali (1962) e La Candelaria (1966), o cubano Teatro Escambray

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(1968), o argentino Libre Teatro Livre (1969), o peruano Yuyachkani (1971), o

uruguaio El Galpón (1949). (FISCHER, 2010, p. 32)

Essas e outras companhias, com as suas especificidades e ideologias irradiaram suas ideias e

influenciaram diversas companhias brasileiras que já existiam e as que surgiram em plena

ditadura militar em voga no país. Muitos dos coletivos surgidos nessa época tentavam

difundir suas críticas e contestações ao líderes políticos, fazendo um teatro criativo a partir de

uma metodologia sem hierarquias, mas a grande maioria deixa de lado uma atitude política

mais aberta para fazer um teatro com experimentação mais vanguarditas, numa possível

tentativa de não ser censurado e como forma de sobrevivência (FISCHER, 2010, p. 29).

Com essa perspectiva e nesse contexto sociopolítico, diversas companhias apresentaram-se

como grupos de criação coletiva: em São Paulo os grupos Teatro União e Olho Vivo (1969),

Grupo Pão e Circo (1970), Royal Bexiga’s Company (1972), Pod Minoga (1972), Vento-forte

(1974), Pessoal do Victor (1975), Mambembe (1976), Ornitorrinco (1977); no Rio de Janeiro

os grupos Asdrúbal Trouxe o Trombone (1972), Dzi Croquettes (1972), Tá na Rua (1974); no

nordeste os grupos Gruo de Teatro Vivencial (1974), Imbuaça (1977); no Sul o grupo Ói Nóis

Aqui Traveiz (1978), entre tantos outras companhias que por algum motivo não vieram a ter

uma visibilidade nacional.

De acordo com Fischer (2010, p. 29), a formação em cooperativas de trabalho era uma

alternativa de sobrevivência da maioria desses grupos. A escolha por essa forma de trabalho

tinha como característica uma política organizacional participativa e horizontalizada. A

cooperativa de produção favorecia a escolha pela criação coletiva e uma possível democracia

na repartição das tarefas necessárias para a realização de uma obra teatral.

A característica principal dos processos de criação coletiva praticados nessa época era a total

revisão das funções, longe das tarefas específicas e exclusivas à pessoas únicas, em especial a

direção, que em muitos casos nem existia. Outro ponto comum é a revisão da organização

estrutural tanto da criação como da administração do grupo, horizontalizando a importância

das funções, “resultando em uma descentralização das demandas do ato cênico muitas vezes

restrita a estruturas de poder representadas pelo diretor e autor” (FISCHER, 2010, p. 34).

Todos os envolvidos da criação passam a ser responsáveis por todas as tarefas e funções.

Amplia-se, por exemplo, a participação do ator, que passa a não só responder por sua atuação,

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mas acumula também funções de produção, administração, direção entre outras. Exigindo

assim que todos ampliem sua área de atuação, fazendo com que tenham que aprender, por

exemplo, a criar ou adaptar textos coletivamente. O que é característica principal desse

modelo de criação acaba por se tornar o seu maior estigma, o “todo mundo faz tudo”, ou o

acúmulo de funções, se transformou numa barreira, principalmente pelo fato de não haver

ninguém que se responsabilizasse individualmente por nenhuma função, ao mesmo tempo em

que isso se tornou uma barreira, muitas companhias conseguiram superá-la convertendo-a

como a sua principal qualidade. Quando todos verdadeiramente se responsabilizam por todas

as áreas a construção de conhecimentos e competências se ampliam, e as trocas que existem

nesses processos se consolidam e transforma os processos em ricas experiências de

aprendizagem.

A criação coletiva é, de maneira geral, baseada na improvisação, mesmo quando partindo de

um texto preexistente ou de um dramaturgo em sala de ensaio. A edição, ordenamento e

modulação do material cênico que surge a partir dessas experimentações são feitas de forma

coletiva, em reuniões de discussões. Não fica a cargo de ninguém em específico. O

encenador, quando presente nesses processos, ganha novo atributo, mas a concepção do

trabalho não fica mais a seu cargo, é responsabilidade do coletivo. A obra é fruto da

contribuição de cada envolvido. Cabe a ele agora dispor, da melhor forma possível, todas as

contribuições dos criadores (FERNANDES, 2000, p. 54). Alguns grupos brasileiros de

criação coletiva acabaram por minimizar ou outras vezes até extinguir a figura da direção.

Criar coletivamente não é uma tarefa fácil e nem um pouco rápida ou prática. Há muitas

coisas para se decidir, o consenso deve ser buscado sempre. Muitas companhias não

conseguiram alcançar o êxito que almejavam. Outras se perderam no caminho. Algumas

experiências que não deram certo acabou dando ao processo de criação coletiva um estigma

de amadorismo e sem qualidade. Por esse motivo, esse procedimento de criação foi

desacreditado por muitos artistas e especialistas da área. Levando a uma generalização

errônea de descrédito, deixando de lado experiências positivas e que até hoje continuam

avançando na estruturação deste modelo de criação (FISCHER, 2010, p. 198). O que pode ter

colaborado para essa estigmatização é que esse processo caminha na contramão dos modelos

tidos como profissionais e empresariais. Ele busca a experimentação, o laboratório, o teste e a

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discussão, que exige uma demanda de tempo maior, gerando mais custos e uma maior

dedicação por parte de todos os envolvidos.

As criações compartilhadas de maneira geral voltam sua atenção para o ator. Este toma o

centro da cena, é a partir dele que se cria e se experimenta o que foi criado. Mas essa nova

centralização está longe de ser impositiva, como os processos tradicionais de criação, o ator é

provocado pelos outros envolvidos. Ele improvisa, mas troca, refaz e recebe o tempo todo a

colaboração dos outros. O que a acontece normalmente é que o grupo, de forma coletiva,

estabelece as diretrizes, premissas, conceitos e estéticas sobre as quais o ator trabalhará no

jogo cênico. Para Fischer (2010):

Mesmo em práticas teatrais que delimitam e responsabilizam os campos de

atividades aos seus respectivos criadores, não se pressupõe que o ator não possa, de

maneira integrada, construir os princípios da criação. Isso requer um ator

propositivo, ativo e crítico diante das tomadas de decisão. (FISCHER,, 2010, p.

198)

Entre os grupos que atualizaram a criação coletiva e a adaptaram a partir dos anos 1990 no

Brasil, está o Lume – Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da UNICAMP. Este

grupo focou nos últimos anos seu trabalho em cima da pesquisa e do aprimoramento do ator

criador, criando metodologias de atuação, treinamento e composição cênica, onde o ator

constitui-se como o centro nervoso da criação e não só diretor ou dramaturgo, este atua e

articula todos os aspectos da criação teatral, sem recorrer necessariamente à especialização de

campos e lideranças. O ator ganha a partir dessas experiências de criação coletivas

contemporâneas o status de artista autônomo (FISCHER, 2010, p. 197).

O Lume foi criado em 1985, como resultado do esforço de Luís Otávio Burnier, que desejava

constituir um núcleo de experimentações cênicas. Está sediado na cidade de Campinas (SP) e

a Universidade Estadual de Campinas mantém os custos de sua sede e os demais encargos de

manutenção do espaço, parceria que assegura tranquilidade e potencializa a pesquisa sobre a

autonomia criativa do ator. Com o falecimento de Burnier, o núcleo acabou ficando composto

apenas por atores. O Núcleo adota, na maioria das vezes, os procedimentos de criação e

direção coletivas para a realização dos seus trabalhos. Mas para alguns trabalhos eles realizam

um intercâmbio com outras companhias parceiras ou diretores convidados. O ator do Lume se

ocupa de sua própria formação, expressão e da atuação em diferentes tarefas administrativas e

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de produção. Eles são constituídos como uma cooperativa teatral, onde todos dividem as

responsabilidades e todos recebem de maneira igual:

Nessa perspectiva, a dinâmica cooperativista também possibilita a ampliação e

polivalência do trabalho do ator. Não é intenção do grupo o envolvimento com

atividades que não estejam relacionadas com a pesquisa do núcleo. Os atores-

pesquisadores desenvolvem suas pesquisas particulares, atividades acadêmicas,

docência e consultorias, que dão continuidade ao processo de reflexão e teorização

da prática pesquisada em sala de trabalho. (FISCHER, 2010, p. 116)

A pesquisa do Lume, então, se fixa em criar processos, técnicas e metodologias que

possibilitem ao ator adquirir uma autonomia criativa. Buscando para isso, exercícios que

ampliem seu conhecimento, impulsos criativos e consciência de seu corpo e expressão. Além

disso, há uma ampla pesquisa sobre os processos de gestão e organização teatral. O núcleo

pretende chegar a um ator que seja polivalente, a pesquisa do ator deve ser “polissêmica,

aberta e integrada, e deve conduzir à autonomia do ator em manipular seu processo de

descoberta com segurança” (FISCHER, 2010, p. 118). Eles tem uma forte influência das

pesquisas de Jerzy Grotowiski e Eugênio Barba, mas realizam uma atualização e um

alargamento desses pensamentos, traduzindo-os para as suas próprias necessidades e

questionamentos, traçando a partir dos conceitos desses teóricos pontos de convergência e

divergência, criando então uma pesquisa autêntica, apesar das fortes referências. Para

Ferracini (2001)

O mais importante é o ator, como entidade artística autônoma, descobrir-se em seu

trabalho, pesquisando individualmente, os caminhos para se chegar ao foco entre a

técnica e a vida, descobrindo uma maneira própria de doar-se plena e

organicamente. (FERRACINI, 2001, p. 188)

Consideramos como autonomia criativa, a partir do pensamento de Fischer (2010, p. 197), o

livre exercício da liberdade, onde os indivíduos podem exercer seu próprio poder de decisão e

adotar seu próprio sistema de regas, sem imposições e objeções que as relações hierárquicas

impõem. Nas companhias que decidiram pela partilha da criação, as hierarquias devem ceder

lugar para às formas participativas e descentralizadas, constituindo novos paradigmas

libertários e de cooperação em relação a organização administrativa e criativa dos grupos de

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teatro. Para que seja um processo de criação com base na autonomia criativa do ator, este

deve propor procedimentos de criação, soluções para autoria dramática e cênica,

administrativa para uma autossustentabilidade. A autonomia só é possível ao ator que tenha

consciência e entendimento de seu espaço ampliado de atuação, que seja capaz de realizar

relações, alianças e estratégias de ação para que consiga conviver e atender as demandas do

coletivo (FISCHER, 2010, p. 198). Esse principio está base da pesquisa do Lume, sendo

desenvolvida desde o seu início.

A criação coletiva não pode ser considerada uma metodologia pois não se encerra em um

formato padronizado de criação. Admite-se no processo uma diversidade muito grande de

arranjos e parâmetros teóricos e práticos, aos quais se institui o sistema de criação. A criação

coletiva não é somente o processo que extingue as funções especializadas, porque essas

podem existir, mas a sua principal diferença, em relação ao processo colaborativo, pode estar

então na sua força decisória e na sua não fixação de papeis. O ponto comum então estaria no

coletivo como principal matriz da criação, manutenção e administração do grupo.

Outro grupo, que surgiu em 1978, em plena efervescência da criação coletiva, pioneiro por

estabelecer propostas de vanguarda artística em Porto Alegre (RS), continuando ainda hoje

com esta metodologia e com a sua força de resistência política: é grupo gaúcho Tribo de

Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz. Considerados na época, como um grupo subversivo pela

sociedade gaúcha, formada por jovens contestadores, influenciados pelos movimentos de

contracultura que inauguraram uma profunda revisão nas formas da arte contemporânea:

Sobrevive no grupo brasileiro a ideia de comunidade em que vida e arte estão

fundidas, ungidas pelos ideais coletivos de produção e manutenção de suas

atividades artísticas, tomando o grupo e suas inter-relações pessoais como um

modo de vida. Nessa perspectiva, o grupo passou a se nomear por Tribo, ao sugerir

um tipo de organização sem hierarquias (...) (FISCHER, 2010, p. 86).

Ao longo dos anos a Tribo foi se especializando em procedimentos coletivos de criação e

administração do coletivo, atualizando, adaptando e melhorando as relações horizontais de

criação. Nos processos criativos do grupo não há especializações das funções, apenas

responsabilidades temporárias, empreendidas pelos próprios atores e de comum acordo. A

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divisão de tarefas se estabelece então de forma espontânea ou sugerida pelo coletivo, ou

determinado conforme as necessidades que surgem durante o processo. Há no coletivo a ideia

de poder flutuante, apesar da figura do idealizador e ator mais antigo do grupo Paulo Flores,

ser muito forte, eles tentam manter uma relação de horizontalidade e solidariedade criativa. O

grupo deve-se guiar por uma filosofia ética bem definida e compartilhada por todos. É

imprescindível que estabeleçam um código de atribuições, responsabilidades e regras

compartilhadas, para que seja possível e viável a criação coletiva, e esta se realize com

concretude e produtividade. “Para não haver disparidades e conflitos internos, a estrutura

deve ser instituída e regulamentada pelo coletivo, que modera e determina a divisão de

trabalho” (FISCHER, 2010, p. 83).

Eles têm uma base de criação coletiva muito bem definida, que foi sofrendo modificações ao

longo da sua trajetória, com isso o grupo consegue desenvolver com precisão a produção de

seus trabalhos e pesquisas. Fomenta-se na Tribo, o exercício das negociações individuais, sem

a necessidade de impor regras coercitivas de expressão individual. O grupo prefere encontrar

as formas processuais e as metodologias de trabalho a cada novo trabalho, prevalecendo

sempre o seu ideal originário que é a ideologia coletivista. O maior impasse do coletivismo da

criação está exatamente em como selecionar, sintetizar e decidir, de forma coletiva, a melhor

ou as melhoras contribuições, ideias e colaborações individuais. O grupo, ao longo dos seus

mais de trinta anos de existência, já passou por diferentes formações, mantendo atualmente

um núcleo mais estável, embora que, por alguma necessidade por conta da demanda de

produções, recrutam colaboradores mediante as ações pedagógicas que ofertam no seu espaço

cultura: a Terreira da Tribo (FISCHER, 2010, 84).

As relações de trabalho na Tribo não se pautam, então, pelas especializações de funções e

nem por regras imperativas de administração, criação ou conduta, o que não se liga a uma

liberdade indisciplinar ou solta, exige-se e há um controle coletivo, o comprometimento

efetivo de cada atuador, que se responsabiliza pelas tarefas a ele dirigidas e por contribuir

com o processo como um todo. Para Fischer (2010, p. 94) isso acaba por formar um grupo

vigoroso e solidário de artistas com o objetivo focado na montagem e na manutenção do

grupo:

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A divisão das mais distintas tarefas entre os próprios atuadores oportuniza a sua

atuação em outras áreas. Assim, a Terreira passa a ser um espaço de aprendizado e

estímulo ao desenvolvimento de habilidades dos atuadores, nos mais variados

setores da criação. Existe um certo direcionamento na possível delegação de

determinadas funções, de acordo com a habilidade de cada artista empreendedor

(FISCHER, 2010, p. 95).

A Tribo pratica direção coletiva, como uma meta de política interna. Esse procedimento ainda é visto

nos dias de hoje com um pouco de descrédito, principalmente nos que defendem a criação tradicional

como único caminho para a construção de obras teatrais de qualidade. Para que realmente aconteça, a

direção deve estar distribuída e transitar entre os integrantes. Paulo Flores, uma das figuras mais

influenciadoras do coletivo, compartilha com todos do núcleo estável do grupo, a tarefa de estimular a

todos a manter e buscar uma autogestão do desenvolvimento das próprias faculdades criativas. Como

uma verdadeira tribo orgânica e viva, o grupo deixa transparecer que o sonho coletivista nascido há

alguns anos atrás ainda permanece.

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CAPÍTULO II - EXPERIÊNCIAS EM PROCESSOS COMPARTILHADOS DE

CRIAÇÃO

1.2.1 O processo do Diário do Maldito do Teatro do Concreto

(Cena do espetáculo Diário do Maldito – Teatro do Concreto-DF)

O Teatro do Concreto é uma companhia que surgiu e reside na cidade de Brasília, Distrito

Federal. Formada em 2003 pela reunião de algumas pessoas de diversas origens de formação,

tanto cultural quanto de nível de conhecimento em teatro. Uma grande parte da equipe é

egressa do curso de artes cênicas da Universidade de Brasília. Outra marca forte, destacada

pela pesquisadora Aline Seabra (2009, p. 24), atriz da companhia, em um artigo publicado em

Entrelinhas e Concreto – Teatro Brasiliense Contemporâneo, é o fato de o grupo agregar uma

grande diversidade, cultural, social, econômica e gostos estéticos. Segundo a autora, o foco do

trabalho e da pesquisa do Concreto são os temas que afligem o homem contemporâneo e

principalmente a investigação de novos processos de composição e criação teatrais.

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A heterogeneidade é uma característica de qualquer equipe de trabalho. A reunião em um

mesmo projeto ou objetivo transforma a relação. A contribuição de cada individuo criador,

como no Teatro do Concreto, com a conjugação e atravessamentos das diversas

subjetividades, que são já múltiplas em si mesmo, ao se encontrarem com outras sofrem

processos contínuos de revisão. No caso da companhia em questão houve de imediato uma

característica aglutinadora, a maior parte do grupo teve uma formação parecida em teatro.

Todos foram formados pelo mesmo curso superior em teatro, na Universidade de Brasília-

UnB. Essa vivência na universidade colaborou para que resolvessem trabalhar em um grupo.

A companhia estabeleceu como modelo de criação um teatro baseado na pesquisa conjugada

entre atores, dramaturgo, cenógrafo e encenador, onde as funções são garantidas e

sustentadas, praticam então o processo colaborativo, que é uma abordagem metodológica de

criação que pode ser considerada dentro do eixo conceitual da criação compartilhada. A

criação no grupo se dá principalmente através de improvisações, depoimentos pessoais,

criação de imagens poéticas, elementos ritualísticos, dramaturgia em processo, investigação

de elementos de contexto reais, diálogo com espaços urbanos e com o público.

Seu primeiro trabalho profissional já nasceu de um processo que foi pautado pelas

subjetividades de cada envolvido. Através do que a companhia chamou de dança pessoal8.

Foram investigadas as possibilidades de composição a partir de movimentos improvisados

com referência nas vivências pessoas e outros estímulos. Esse trabalho resultou no espetáculo

Sala de Espera, cuja base criativa foi o romance A Doença Uma Experiência, de Jean-Claude

Bernardet, recebeu indicações a prêmios e participou também de alguns festivais pelo país.

É com a pesquisa do espetáculo Altar das Sentinelas, a partir de 2004, que a companhia se

consolida como uma equipe de criação compartilhada. O trabalho se concentra sobre uma

abordagem cênica da vida e obra do dramaturgo Plínio Marcos, composto por sete

performances, as quais integrou o evento Êxodos de Performances, do projeto intitulado Tubo

de Ensaios, da Universidade de Brasília. A pesquisa deste espetáculo durou aproximadamente

dois anos e o aprofundamento do tema resultou em outro trabalho, Diário do Maldito, do qual

o processo de criação será objeto de nossa análise.

8 Espécie de jogo, onde os atores improvisam, a partir das necessidades particulares, movimentos com o corpo,

que remetem ao tema proposto, mas que também busca uma leitura particular, misturando experiências pessoais anteriores e a afetação da experiência proposta.

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(Cena do espetáculo Diário do Maldito – Teatro do Concreto-DF)

A maior influência pela escolha do processo colaborativo, como eixo principal das

metodologias de criação da companhia, veio da sua participação, em 2006, de uma vivência

em processo colaborativo, realizada em Brasília pelo Galpão Cine Horto (Grupo Galpão-

BH/MG) tendo como orientadores o dramaturgo Luís Alberto de Abreu, a diretora e atriz

Tiche Vianna, o diretor Chico Medeiros e o ator Júlio Maciel. Em uma entrevista, concedida

ao site Cena Candanga de Brasília9, a companhia também explicita a influência que o Teatro

da Vertigem (SP), principal referência em teatro colaborativo no país, teve em seus processos

criativos.

O Diário do Maldito é um trabalho resultante de um processo de um pouco mais de dois anos

de pesquisa sobre a vida e obra do dramaturgo Plínio Marcos. Conta a história da personagem

chamada Mira, dona de um bar, que recebe o público, que se transforma em seus clientes,

conversando com eles, ela relembra histórias do passado, relata a trajetória divertida de um

amigo seu, o poeta Plínio Marcos, que devido a problemas financeiros, emocionais e criativos

resolve parar de escrever. Nesses devaneios de Mira, os personagens criados pelo Poeta, se

9 Esta entrevista está disponível na internet através do link: http://www.youtube.com/watch?v=PRFkS8kTVfI.

Acesso em: 28/12/2011

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revoltam e inconformados com a situação, invadem a cena para cobrá-lo. Segundo Seabra

(2009, p. 25), o interesse da companhia sobre este autor está principalmente no fato de sua

obra permear assuntos que são muito próximos dos que interessam à companhia, como

problemas sociais da ordem da pobreza, da marginalidade, drogas, prisões, e outros tantos

considerados como escória e postos sempre a margem da sociedade:

O que move jovens atores da capital brasileira no desafio de representar a trajetória

dos personagens plinianos é a possibilidade de fazer, na prática, um teatro no qual

acreditam, uma investigação estética pautada na possibilidade de provocar o

público, de colocá-lo frente a frente com o reflexo de um país desigual. (SEABRA,

2009, p. 26)

Toda temática abordada pelo autor nos interessava. Além de falar sobre assuntos

que nos tocavam, percebemos que o contexto pliniano permanecia atual. Plinio

parecia falar do submundo de forma poética e foi essa poesia um dos principais

atrativos que motivaram o grupo. (SEABRA, 2009, p. 27)

A ideia de trabalhar com Plínio Marcos foi trazida pelo diretor Francis Wilker, que já tinha

uma vontade anterior de realizar um trabalho sobre o autor. Mas a concepção estética do

espetáculo não veio junto com essa ideia antecessora. E o que podemos observar, através dos

depoimentos e conversas com os atores, é que o diretor realmente não impôs seu pensamento

sobre as outras ideias que foram surgindo, provenientes dos outros colaboradores. O diálogo

na companhia é ferramenta de uso diário. Tal atitude de partilha da decisão por parte do

encenador exige que ele acredite na capacidade que o outro tem de criar, deixar o controle

total do processo, para se arriscar nas múltiplas proposições, é preciso que saiba as qualidades

e habilidades dos companheiros de criação para que possa provocar a criação, desenvolver o

que cada um tem de melhor, tranquilizar quando as inseguranças surgem, ser um colega de

trabalho, muito mais que líder, longe das relações empregados/chefes. Ou seja, a escolha por

uma micropolítica de criação participativa e compartilhada exige que os perfis se alterem,

flexibilizando a posse do poder de decisão. Há uma alteração paradigmática no que

entendíamos e se esperava da função de direção.

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(Cena do espetáculo Diário do Maldito – Teatro do Concreto-DF)

O grupo decidiu pela afirmação e continuação das funções personalizadas e exclusivas

(direção, atuação, dramaturgo, iluminador etc.), por entender que com elas garantidas e

fortalecidas há uma construção mais qualificada, sem perder de vista o compartilhamento da

criação, indo dessa forma, em um caminho diferente da criação coletiva. Para eles, o “olhar

externo” praticado especialmente pelo encenador é indispensável. Mas, apesar de Wilker

trazer muitas colaborações para o grupo, todos os outros envolvidos também se

responsabilizam pela criação, utilizando inclusive das suas próprias vivências, através do

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exercício de criação intitulado “depoimento pessoal”. O Teatro do Concreto já tinha em suas

políticas de criação a busca por um partilhamento das decisões, mesmo antes de se

aprofundarem no processo colaborativo. Mesmo que o encenador tenha a responsabilidade de

tentar conectar a heterogeneidade resultante do processo de criação partilhada, ele o faz a

partir das múltiplas colaborações e ideias:

A maneira como o processo colaborativo foi aplicado ao espetáculo Diário do

Maldito, no que se refere à direção, foi decisivo para a execução do projeto. A

iniciativa de falar sobre Plínio partiu do diretor e ele foi o responsável pela

orientação das pesquisas do grupo. Ele coordenou nossas atividades, tanto criativas

quanto de produção. Orientou nossas improvisações, indicou bibliografia,

estabeleceu a conexão entre os núcleos e direcionou nossas atividades. (SEABRA,

2009, p. 40)

Como podemos perceber a permanência e a influência da direção foi muito importante para o

processo. Mas embora ela tenha se estabelecido quase que centralizada, de onde as

provocações emanavam, a contribuição dos outros envolvidos foram aproveitadas e

incentivadas, diferentemente de uma relação hierarquizada de trabalho. Nesse caso, apesar do

poder de decisão ter sido compartilhado, a força e as relações de poder foram relativizadas,

mas continuaram ainda presentes. Principalmente por que houve ainda a presença do

encenador, e, mesmo contra a sua vontade, sua opinião carrega uma importância história. A

sua opinião ganha mais força que as outras por causa da sua posição. Esse talvez seja um dos

paradoxos que o processo colaborativo ainda não conseguiu resolver (TROTTA, 2006, s/p),

ao mesmo tempo em que a criação colaborativa é formulada com base na criação

compartilhada, valoriza a presença da direção, e esta em muitos casos pode carregar uma forte

importância simbólica. Mesmo lutando contra, o coletivo pode, caso não haja um diálogo

constante, acabar por ser “dirigido”. Na construção do “Diário do Maldito” tentou-se levar em

consideração todas as opiniões, buscava-se testar e experimentar todas, na medida do

possível. Mas a decisão final e a edição, quando havia conflito de opiniões, foi feita pelo

encenador, o que é prática comum desse modelo de criação.

Além da direção, o processo de criação do Diário do Maldito contou também com um

assistente de direção, que também contribuiu com suas ideias. Muitas das provocações

originadas no núcleo da direção foram discutidas entre essas duas figuras, direção e assistente,

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antes de serem compartilhadas para os atores e outros envolvidos. Segundo Seabra (2009),

com a contribuição da assistente, os atores criaram cenas, discutiam e melhoraram o texto,

experimentaram outros canovaccios e produziram diversos outros materiais que foram

posteriormente avaliados pelo diretor. Como uma segunda opinião, a assistência provocou

outras reflexões, possibilitando dessa forma que a visão coletiva não se acostumasse à apenas

uma opinião externa, forçando que sempre houvesse uma revisão de tudo que era feito,

produzido ou pensado.

No processo colaborativo a contribuição da direção, além é claro de ser um olhar mais

criterioso sobre a criação dos envolvidos, tem a função de provocar a criatividade dos atores.

Neste caso, Wilker se posicionou principalmente na função de questionar o coletivo o tempo

todo a reverem seus pensamentos, suas crenças e seu conhecimento tanto em teatro ou sobre o

Plínio Marcos. Como o processo se estabeleceu na confrontação e mistura permanente de

histórias pessoais e a história do Plínio e de seus personagens, a encenação optou pelo

caminho de provocar a sensibilidade dos atores para que fossem contaminados e influenciados

pela obra e vida do dramaturgo pesquisado.

Francis Wilker, que exerce a função de encenador do trabalho, como é o mais experiente da

companhia e está ocupando um local que a história do teatro acabou por sacralizar, o

exercício do poder continua. Mesmo que não queira, sua opinião ganha um peso maior que as

outras. O que diferencia essa relação de poder, da tradicional que conhecemos e fixamos

como modelo mais comum de criação teatral, é que nesse caso ela não se baseia em uma

relação que limita ou baliza o trabalho do outro. Essa nova relação de poder mais flexibilizada

possibilita que as subjetividades dos envolvidos se relacionem livremente. No caso da

construção da obra Diário do Maldito, os atores puderam trazer para cena muito mais que

suas opiniões, utilizaram como instrumento criativo suas próprias histórias. Essa característica

também dá um tom multifacetado para o espetáculo, cada personagem, que foi construído na

relação ator/direção/dramaturgista é múltiplo em si, por ser fruto dessas diferentes visões. O

espetáculo, mesmo que tenha tido uma tentativa de costura desses personagens, se apresenta

em formato de cenas distintas, deixando claro que foi resultado de um processo múltiplo e

complexo de criação. A cada personagem, que entra em cena para contar a sua história

pessoal, deixa explícito a conjugação realizada entre o ator, a direção que provocou, e a

dramaturgista que fez a lapidação das ideias.

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A dramaturgia do espetáculo nasceu a partir das improvisações dos atores. Antes

que se estabelecesse um roteiro do espetáculo mais concreto, descrito no

canovaccio que surgiu depois, os atores experimentavam livremente, partindo de

provocações do diretor, Francis Wilker. Essas indicações de temas e

questionamentos para a criação partia principalmente dele, mas os outros

envolvidos também se responsabilizavam pela pesquisa de outros temas principais

ou transversais. (SEABRA, 2009, p. 30)

As principais referências consultadas para a criação da obra, que apesar de ficcional está

pautada em parte pela vida real do autor Plínio Marcos, foram, de acordo com a companhia,

as suas próprias obras, além de imagens, lugares, músicas, entrevistas com amigos e parentes

do Plínio, além de outros estímulos provenientes de diferentes fontes. Durante o processo de

criação, diversos temas transversais foram surgindo, e estes foram pesquisados pelos atores.

Muitos outros temas e discussões foram provocadas pelo diretor do espetáculo, Francis

Wilker, que se pautou muito pelas sensações e relatos trazidos pelos outros envolvidos no

processo de trabalho:

Embora não tenhamos lido todas as obras ao mesmo tempo, porque fazíamos um

revezamento dos livros, estávamos sempre descrevendo nossas impressões e

trocando informações. Propusemos também alguns seminários internos, em que

discutíamos temas levantados pelas obras do dramaturgo como, por exemplo, a

violência e o sistema carcerário. Nossas memórias também eram motivo de

improvisações. Sempre estávamos associando a bibliografia ao nosso

posicionamento pessoal. (SEABRA, 2009, p. 28)

Nesse processo de improvisação menos direcionada e livre surgiram diversas imagens

cênicas, materiais textuais. As cenas, textos e ideias produzidos foram organizados em

canovaccios10

e as cenas surgidas foram apresentadas para um grupo de artistas e amigos

convidados, em um evento que a companhia batizou de cenas concretas. Nesse momento o

processo ganhava mais alguns colaboradores: o público. Esse olhar externo influenciou muito

o processo de construção, pois a partir deles, foram revistas algumas cenas, surgiram outras

10

Espécie de rascunho, uma estrutura teatral simples, que indica somente os personagens e uma pequena descrição da situação, os diálogos são apenas esboçados, cabendo ao ator através da improvisação, completar e desenvolver a dramaturgia.

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ideias e outros questionamentos. “As influências vinham de todos os setores da criação e nos

provocava a mudar de ideia e criar novamente” (SEABRA, 2009, p. 30)

(Cena do espetáculo Diário do Maldito – Teatro do Concreto-DF)

Outra colaboração externa a companhia, foi a visão da atriz Tiche Viana, convidada pelo

grupo a dar uma assessoria na dramaturgia do espetáculo. Com mais essa visão, a companhia

acabou revendo mais alguns pontos que a atriz acreditou serem críticos para o texto do

espetáculo. Mesmo em processos hierarquizados e com as decisões totalmente centralizadas

em uma única pessoa, esta estará sempre envolvida demais com o processo. Esse olhar

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externo abre a visão dos envolvidos para detalhes que, por estarem tão saturados pelo

processo, acabam despercebidos. Em processos compartilhados muitas vezes se torna muito

importante, pois todos os envolvidos estão definitivamente mergulhados no processo criativo,

inclusive o encenador e isso pode causar um ofuscamento de certos pontos.

O Diário do Maldito contou com uma dramaturgia em processo, pois durante toda a

construção da obra foram feitas revisões, reflexões e reformulações do material textual criado.

Claro que, depois de certo tempo, elas se tornam menos frequentes, mas como se trata de um

processo aberto a contaminações de diversas origens, elas atingem constantemente as visões

dos envolvidos. O público também se torna um colaborador constante, a cada apresentação a

relação obra/espectador provoca mudanças na dramaturgia, que podem surgir de forma

espontânea através de improvisações que reverberam de forma positiva e acabam ficando, ou

provocações provenientes de comentários que são feitos após as apresentações, ou nos canais

de comunicação que a companhia abre na internet ou nos livros de impressão. Como a

dramaturgia é própria, característica comum nos grupos de criação compartilhada, essa não

fixação em um texto fechado e formatado, garante um permanente retrabalho. A dramaturgia

é fluída e movediça e gerada concomitantemente à tessitura da encenação. O procedimento de

criação do Teatro do Concreto, então, não parte de uma dramaturgia pronta antesd inicio do

processo de construção do espetáculo, e ela não acaba com o seu fim. Vem daí o significado

da ideia de dramaturgia em processo.

Para a companhia a escolha desse modelo de criação compartilhada se deu por essa ressaltar,

inevitavelmente, a contribuição individual de cada integrante do coletivo e dos outros

colaboradores eventuais. Essas particularidades justapostas podem ora se conectarem de

forma tranquila, mas em outros momentos o conflito e o choque, que são inevitáveis, acabam

por ser ferramenta para outras criações, pois provocam o grupo a rever os passos que já deram

e refazer tudo novamente, e no processo de refazer novas possibilidades se abrem.

Observo que no Diário do Maldito, a heterogeneidade da criação fica clara quando, apesar da

tentativa de conexão entre as partes, as cenas se mostram independentes, cada personagem

conta sua própria história, que não necessariamente se liga às outras. A conexão é criada com

a personagem Mira, que liga as cenas através de suas lembranças, mas cada cena deixa

transparecer que foi gerada por um ou grupo de colaboradores diferentes, elas são

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independentes e recheadas de tudo aquilo que o próprio ator concebeu, cada cena possui,

dessa forma, sua própria micro história.

Para que seja um ator-criador (SILVA, 2008, p. 139) os artistas questionam o tempo todo,

estudam, pesquisam e experimentam. O Teatro do Concreto, que tem a sua formação

construída basicamente na faculdade de teatro, enfrentou dificuldades em criar de forma

compartilhada. De acordo com atriz do grupo, Aline Seabra (2009, p. 28) o desafio foi grande,

pois os atores se acostumaram a receber tudo pronto e a apenas buscar responder de forma

quase mecânica as indicações de uma direção como aprendida na faculdade, e a

desautomatização é difícil e trabalhosa. Os processos compartilhados de criação exigem

artistas preparados para contribuir. O diretor deve aprender a ouvir e partilhar suas ideias, pois

nos processos colaborativos, se torna um coordenador e o promotor da conjugação das partes

envolvidas. Além disso, ele provoca a criação, contribui, mas não faz isso sozinho. Deve

haver sempre um retorno, um diálogo, uma constante troca. Trabalho com a ideia de que o

Diário do Maldito só tomou esse corpo, multifacetado, complexo e rizomático por ter sido

resultado de um processo de conjugação de subjetividades. Dessa forma a escolha por um

processo compartilhado de certa forma pode favorecer a construção de obras que não

perseguem uma unidade cênica, mas ao contrário propõem novas composições e arranjos que

não necessariamente passam por uma unidade.

O relacionamento entre os envolvidos, de forma incentivada, com a presença das funções

centralizadas em profissionais específicos, aconteceu por se tratar de um processo baseado em

uma micropolítica da criação pautada pelo compartilhamento da criação. Por ser um processo

que tende a horizontalidade, onde as contribuições de todos são ouvidas e respeitadas de

maneira equiparadas.

Mesmo que o poder de decisão final continue sendo objeto de posse de uma única pessoa,

essa só faz uso desse recurso em último caso, quando as experimentações estejam

caminhando para algo que não seja desejo do coletivo. A diferença deste processo para os

modelos tradicionais de criação teatral encontra-se exatamente neste ponto, o poder

centralizado é flexibilizado em nome da relação, da participação e da conjugação 1das

vontades. De acordo com a atriz Aline Seabra (2009, p. 28), por um ideal estético, mas

também por um ideal político o Teatro do Concreto optou por essa metodologia, entendendo

que esta poderia ser um caminho para um teatro mais democrático, onde a potencialidade

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estética não se encontra somente na unidade cênica, mas na complexidade e multiplicidade,

que um processo compartilhado possibilita.

Resumidamente o Teatro do Concreto realiza um processo colaborativo, fora as suas

especificidades, apresenta algumas características que são comuns em experiência baseadas

nesse modelo: o texto não existe antes do processo; os atores participam da construção do

espetáculo; insere-se o escritor no processo de criação; o ponto de partida para a

experimentação cênica e para a criação do texto é o projeto apresentado pelo encenador; o

texto é construído em diálogo com a cena; as escolhas ligadas ao texto cabem ao escritor; e é

função do diretor e do escritor estabelecer a forma como se opera o diálogo entre texto e cena;

1.3.1 O processo da Rusga da Confraria dos Atores (MT)

A Confraria dos Atores surgiu em 2004 e reside na cidade de Cuiabá, estado de Mato Grosso.

Atualmente o grupo conta com 05 integrantes que possuem formações acadêmicas diferentes

um do outro. Seus integrantes já trabalhavam juntos há pelo menos 10 anos, desde quando

pertenciam a outro coletivo teatral, chamado Pessoal do Ânima, núcleo de teatro pertencente à

antiga Escola Técnica Federal, hoje Instituto Federal de Ensino de Mato Grosso – IFMT, onde

estudaram. A ideia inicial da companhia era encontrar um caminho próprio de construção

teatral, de preferência com uma linguagem particular, nova e experimental, proposta que não

encontrava espaço no grupo anterior devido ao perfil conservador e impositivo do diretor do

núcleo. Separados desse tutor, 12 atores saíram em busca de algo que conseguisse de alguma

forma apaziguar a vontade de experimentar algo que fosse diferente do já vivenciado no

grupo anterior, onde havia uma pesquisa mais tradicional e conservadora de teatro, muito

influenciado pelo que pejorativamente chamamos de “teatrão”.

O Pessoal do Ânima era basicamente formado por adolescentes que estudavam na escola e

faziam arte, como disciplina regular do ensino médio. Como até hoje ainda não há cursos de

formação superior e nem de nível técnico em teatro, o Ânima acabou sendo um dos únicos

locais de aprendizagem teatral do estado. Não havia ali uma metodologia estruturada de

ensino teatral, basicamente os ensinamentos saiam do professor de teatro, Gilberto Nasser,

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que apesar de ter muita experiência na área, também não possui uma formação superior

específica em teatro. A relação ensino/aprendizagem se baseava nos moldes dos mestres

populares de cultura, que passam seus conhecimentos para seus pupilos, quase sempre através

da oralidade. Logo após uma viagem, que o grupo fez para o Rio de Janeiro, onde aconteceu

diversos desentendimentos, o Pessoal do Ânima se desestruturou. Houve ali um rompimento

com o mestre/tutor. Alguns integrantes se desentenderam com ele e resolveram deixar o grupo

e montar a sua própria companhia.

(Cena “Damiana Vai a Igreja” do espetáculo Rusga –– Confraria dos Atores – 2011)

Acho importante citar essa passagem por ser referência para entendermos os anseios da

Confraria dos Atores. Com o afastamento do Pessoal do Ânima esses atores saíram em busca

de algo que pudesse fazer sentido para seus novos objetivos no teatro: pesquisar novos

formatos, testar novas estéticas, experimentar novas linguagens. Por terem sempre estado sob

a tutela permanente de um mestre, preferiram agora romper e criar uma nova forma de se

estruturar, não só também por uma questão estética, mas principalmente por uma questão

política de afirmação, queriam uma nova política da criação, mais democrática e horizontal. O primeiro trabalho da companhia, que contou com uma pesquisa própria de linguagem, foi o

Re-trato Boca de Ouro, espetáculo construído através de uma abordagem metodológica do

processo colaborativo, diferente dos moldes do processo esquematizado por Silva (2008), pois

partiu-se de um texto concebido previamente, o diretor do espetáculo Jonatas Rodrigues,

mantinha um perfil de provocador, enquanto os atores improvisavam em cima do texto do

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dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues, criando uma nova dramaturgia, que era inspirada na

obra original, mas que acabou tendo uma nova roupagem. Nesse trabalho o grupo

experimentou pela primeira vez uma relação criativa mais horizontalizada, onde, apesar da

direção existir, todos os integrantes foram diretamente responsáveis por todas as áreas

criativas da obra. Apesar da presença de um diretor, houve durante a construção a colaboração

de todos os envolvidos. Enquanto todos propunham ideias e improvisavam, acompanhava o

trabalho um dramaturgista, Leandro Brito, que anotava as proposições e ia colaborando

também com o texto. O elenco inicial era formado pelos atores: Benone Lopes, Marcos

Leque, Luciano Paulo, Talita Figueiredo e Karina Figueredo.

Re-trato Boca de Ouro foi apresentado em diversos espaços, todos alternativos, desde um

salão com a plateia em forma de meia-arena, até uma casa, onde o público passeava pelos

cômodos junto com os atores. Com base no texto Boca de Ouro, de Nelson Rodrigues, a

companhia desenvolveu uma linha de pesquisa centrada no jogo cênico, desconstrução do

texto e das sensações por ele causadas. Os personagens, que cada ator interpretava, eram

definidos no início do espetáculo pelo público. Cada personagem caracterizava-se por um

elemento cênico simples, o que contribuía com a limpeza visual e dinamicidade do

espetáculo. O elenco possuía um vasto repertório de improvisações e o jogo cênico na hora da

apresentação possibilitava sempre um novo espetáculo. A improvisação então foi usada como

instrumento de formação dos atores, criação do espetáculo e como linguagem da obra

resultante.

Após esse trabalho, a companhia entrou em outro processo de criação colaborativa.

Construído com base em poesias e textos de Mario Quintana, surgiu o espetáculo: Outros

Quintanas. Trabalho que misturava poesia, dança e teatro. A partir das ideias contidas no

texto do poeta, a companhia improvisava na sala de ensaio. A encenação do trabalho ficou a

cargo de Benone Lopes, que também atuava no espetáculo. Nesse processo a companhia já

ensaiava o que viria a acontecer com os próximos trabalhos, neste processo a figura da

direção flexibilizou-se ainda mais. Muito do que foi para cena foi construído pelos atores e

pouco se alterava. A função de direção, que a partir desse trabalho começamos a nomear de

“cuidador”, era apenas o emanador de provocações para as improvisações. Ele se

responsabilizava por fazer um ordenamento dos ensaios e propor experimentações. Mas a

edição do espetáculo se dava através de reuniões, em formato de assembleia coletiva, onde se

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discutiam o que aconteceu durante o dia, os resultados das improvisações, as imagens

surgidas nos exercícios e jogos cênicos, e se decidia na maioria das vezes através do

consenso, e quando este não era possível utilizava-se de votação, com maioria simples.

(Cena “Joana Sonha” do espetáculo Rusga – Confraria dos Atores – 2011)

O fato de estabelecer o termo cuidador, a revelia do termo diretor, pode representar um

posicionamento, até mesmo ideológica e política, de entendimento da importância da

horizontalização em seus processos. Para essa nova função de direção, muito mais provocador

que direcionador, determinada pelo coletivo não cabia mais o termo diretor. O modelo de

criação decidida pelo grupo foi a de uma criação coletiva, muito inspirado nas

experimentações alternativas dos anos 1970-1980, mas adaptada ao nosso tempo, nossas

necessidades e nossos anseios. A Confraria dos Atores, assim como diversas companhias que

ainda praticam a criação coletiva, como, por exemplo, a Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui

Travéis (RS) ou o Grupo Pedras (RJ), provam que esse modelo não se restringiu ao passado

ou ao contexto histórico daquela época. Na Confraria dos Atores, como nos grupos citados, as

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questões cênicas e as extra-cênicas, como produção, divulgação, administração do grupo etc.,

são tarefas compartilhadas por todos, numa espécie revisitada de cooperativa teatral. Trotta

(2011) pontua que a qualidade do engajamento, a continuidade desse tipo de organização e

política de criação exigem uma relação mais próxima entre o teatro que praticam e os valores

que orientam a própria vida de cada artista envolvido. Para a pesquisadora, este seria o

principal motivo da presença esparsa desse modelo de criação na cena teatral mundial:

Entrevistas com diretores e atores de grupos mostram duas variações de resposta

para a origem desta ausência: de um lado, os atores apontam a tendência de

centralização do diretor em relação a todas as opções que dizem respeito à obra,

informando que a função do diálogo não abrigaria de fato uma instância decisória,

mas apenas uma espécie de ouvidoria; de outro lado, os diretores apontam a

tendência de alienação do ator em relação a todas as instâncias que fogem ao

âmbito do personagem e de seu espaço na obra. (TROTTA, 2011, s/p)

O termo diretor, aquele que dirige, que decide, que cria sozinho já não serve mais para a

Confraria. Há, então, um desfazimento da centralização da decisão. Não há, no grupo, aquele

profissional, que mesmo recebendo a colaboração de todos os envolvidos, é responsável pela

decisão final. A grande parte das decisões, a partir do processo de Outros Quintanas, são

decididas através de assembleias, todos são responsáveis pela edição. O poder de decisão

centralizado, quando ainda é praticado, passou a ser flutuante, não há um cuidador fixo,

apesar da função de direção existir ela passa a ser compartilhada, assim como todos os outros

processos criativos, muitas vezes alguns acabam recebendo um poder maior que os outros

temporariamente, por diversas razões, mudando depois de um tempo para outra pessoa. A

decisão não é, portanto, exclusividade de ninguém. A cada dia, ou a cada projeto, ou de

acordo com as escolhas coletivas daquele momento, algum integrante assume a função do

cuidador.

A vontade de horizontalizar o processo, na Confraria dos Atores, está diretamente relacionada

com a saída do grupo Pessoal do Ânima, onde a figura do professor/mestre de teatro era muito

forte. A relação ator/direção acabou se fragilizando, se desgastando. Após essa saída, os

atores da Confraria dos Atores realizaram apenas mais um espetáculo que contava com essa

estrutura hierarquizada, que foi o espetáculo O Incrível Caso do Homem que Queria Ser Um

Abajur. Nesse espetáculo, que inclusive tinha a minha direção e dramaturgia, foi

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experimentado ainda um processo mais tradicional de criação. Apesar de haver em

determinados momentos a colaboração dos outros envolvidos, a concepção central da criação

era da direção.

A companhia, por estar distante do grande eixo (Rio – São Paulo), quase isolada em Mato

Grosso, tinha pouco contato com o que se discutia no país sobre Processo Colaborativo, dessa

forma acabou construindo a partir do espetáculo Re-trato Boca de Ouro sua própria

metodologia de criação, pautada na horizontalidade das decisões e criações. Até hoje a cidade

de Cuiabá e o Estado de Mato Grosso sofrem por uma carência de pesquisas e instituições de

ensino na área do teatro. Não há cursos superiores, nem de nível técnico. Também se sente

muito a falta de espaços especializados na linguagem, que possam promover a troca e a

formação continuada. A dificuldade de se estabelecer um contato com outros processos de

criação, experimentados em outros estados do país, pode também ter colaborado com o fato

da companhia buscar um modelo próprio de criação compartilhada. Outra razão pode ter sido

a busca por uma dramaturgia própria, que mesmo que estivesse ligada na essência a uma obra

original, pudesse passar por um tratamento particular e autêntico.

O próximo trabalho mais elaborado da companhia, que é objeto de nossa análise principal, é o

espetáculo Rusga. Para a construção dessa obra (eternamente aberta), a companhia já contava

com apenas cinco integrantes: Benone Lopes, Karina Figueredo, Jan Moura, Talita Figueiredo

e Emanuel Vitor, responsável pela parte musical e iluminotécnica, único com uma função

definida e um pouco mais exclusiva.

A ideia desse experimento surgiu quando a companhia estava se apresentando em um festival

nacional, na cidade de Curitiba, onde percebemos que diversas companhias apresentavam

obras que diziam respeito as suas origens. Enquanto isso, apresentávamos o espetáculo Outros

Quintanas, uma leitura nossa sobre um poeta gaúcho. Víamos estampados nos outros

trabalhos todos os regionalismos, sotaques, texturas e particularidades de seus estados de

origem. Parecia para nós, naquele momento, que eles estavam valorizando a sua própria

história, enquanto nós valorizávamos uma cultura que não estava diretamente ligada a nossa.

Esse estranhamento acabou revivendo uma ideia que já tínhamos há muito tempo: fazer uma

leitura sobre o episódio histórico da cidade de Cuiabá, chamado Rusga.

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No principio tínhamos pouco material sobre o episodio. Em muitas reuniões foram debatidas

possíveis metodologias de criação. A única coisa que tínhamos certeza era o que queríamos

um processo horizontal. Decidimos que não teríamos um dramaturgo e nem um diretor fixo.

Começamos por pesquisar os fatos históricos relacionados à Rusga. Para esta tarefa a

colaboração de um dos atores foi muito importante: Benone Lopes, que tem formação

superior em história e conseguiu fazer um levantamento mais aprofundado sobre os reais fatos

daquele fatídico episódio da história de Mato Grosso.

(Cena “Joana encontra os mortos” do espetáculo Rusga – Confraria dos Atores – 2011)

O tema surgiu a partir de estudos referentes à história de Cuiabá, nessa trama encontramos um

evento que foi de extrema importância para o contexto político e social da cidade: a Rusga,

ocorrido em 1834, na cidade de Cuiabá-MT, conflito que é parte das movimentações e

revoltas contra os portugueses no Brasil, durante o Período Regencial, onde dois partidos

políticos, os Liberais e os Conservadores brigavam pelo poder. Levante esse que pregava uma

bandeira de defesa dos interesses dos brasileiros, mas que pesquisando mais a fundo, longe do

que contam os livros de história, descobrimos ser uma briga de puro interesse privado.

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Todavia esse movimento ocasionou confusão no pensamento local, poucos sabiam o que

estava acontecendo, uma parte da população foi levada a matar por um ideal alheio. A cidade

ficou, naquela noite em estado de sitio, ideal que nem sequer compartilhavam: a posse do

poder.

Com algumas ideias sobre possíveis cenas, que surgiram nas reuniões e a provocação dos

dados que descobrimos da história, resolvemos dividir o processo em cinco cuidadores. Cada

dia um dos envolvidos foi responsável por provocar as experimentações. Nesses encontros

improvisávamos a partir das indicações do responsável por aquele dia. Tínhamos como

desafio trazer para a arena imagens, cenas, sons e texturas cênicas. Essas improvisações eram

livres, não tinham um assunto ou história definida. Experimentou-se a partir de sensações

como: guerra, medo, morte, raiva etc. Ganhamos uma série de arquivos e memórias cênicas.

Ao final de todos os encontros fazíamos reuniões de avaliações. Algumas ideias foram

anotadas, também foi feito um registro audiovisual, com o objetivo de manter um histórico

para futuras consultas.

Uma das ferramentas mais utilizadas pela Confraria dos Atores é o jogo cênico, alguns

criados por nós mesmos e outros inspirados em preparadores como Augusto Boal, Viola

Spolin, Jerzi Grotowiski, Eugenio Barba, entre outros. Sua prática tem por objetivo o

treinamento dos atores bem como a própria criação teatral. Para Fernandes (2010):

As diversas categorias de jogos usadas para o desenvolvimento de áreas específicas

levam o jogador a adquirir habilidades que não se restringem ao trabalho com o

discurso verbal. Ao contrário de um processo de criação intelectual e psicológico, o

jogo teatral procura estimular no atuador a corporificação – aquilo que Viola

Spolin chama de physicalization. Em lugar de comunicar um objeto imaginário

através da mímica tradicional, por exemplo, o jogador corporifica-o a partir de uma

ação física (FERNANDES, 2010, p. 227).

Essas improvisações e jogos cênicos livres duraram uma média de três a quatro meses. Alguns

personagens começaram a ser recorrentes nas improvisações. Decidimos a partir de então

escolher um novo caminho. Fixamos, através de consenso coletivo, quatro personagens, que

apresentariam para o público as suas próprias visões do conflito de 1834. Os cuidadores, que

se revezavam nas provocações dos ensaios de experimentação livre, passaram a ser

responsáveis, cada um, por uma personagem.

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Essa espécie de direção dividida, que dá a essa abordagem de criação coletiva, características

diferentes do processo colaborativo e do coletivo, como praticado nos anos 1970-1980, por

esse motivo chamamos de criação coletiva contemporânea, pois se apresenta como um misto

entre o processo colaborativo e a criação coletiva, pois não há uma direção centralizada, e

nem ausente, e sim uma direção compartilhada. Cada cuidador dava ao seu processo de

criação um olhar que não necessariamente era compartilhado pelos os outros. Ficou assim

dividido: Karina Figueredo cuidava da personagem Joana, de Talita Figueiredo; Jan Moura

cuidava do personagem Poupino Caldas, do ator Benone Lopes; Talita Figueiredo cuidava do

personagem Antônio, do ator Jan Moura; e Benone Lopes cuidava da personagem Damiana,

da atriz Karina Figueredo.

A peculiaridade desse processo acabou por definir uma das características da obra, seu caráter

multifacetado. Cada personagem caminhou numa direção criativa independente. A

provocação dos cuidadores possibilitou improvisações dos atores em direções diversas. Os

personagens foram ganhando corpo e uma forma mais fixa. As experimentações a partir desse

momento caminharam para definições mais claras. Criava-se a partir do que se ia concebendo

para cada personagem principal. Depois de diversas cenas rascunhadas, refeitas e

transformadas se decidiu estabelecer algumas cenas fixas.

Tínhamos depois de um pouco mais de três meses um grande repertório de cenas. Era o

momento da edição, de escolher entre tantas possibilidades as que iam para a cena. De cada

personagem foram escolhidas, de forma coletiva e consensual, seis cenas. Que não

necessariamente tinham uma relação causa efeito, mas que pudesse dar um panorama geral da

sua trajetória até a culminância do episódio de 1834.

Escolhida as cenas que entrariam na versão que seria apresentada ao público passamos para a

fase do aprimoramento. As cenas receberam inúmeras modificações em sua encenação e no

texto que era verbalizado. Por causa do tempo de duração que o trabalho acabou acumulando,

decidimos nessa etapa, excluir uma cena de cada personagem, ficando então cinco cenas para

cada um. Os cuidadores começaram a aprofundar os temas, e a cada final de ensaio eram

feitas reuniões para discussões sobre os resultados. Essas conversas, realizadas no final dos

ensaios, serviam principalmente para que as ideias de cada um fossem se aproximando. Esse

compartilhamento da direção afasta de certa forma dos moldes coletivos muito praticados

principalmente nos anos 1960-1980. A diferença encontra-se principalmente no fato de haver

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o cuidado, a direção, olhar de uma pessoa externa a cena. Mas continua sendo coletiva pela

característica primordial de assembleia decisória que se estabelece.

Em determinada fase da pesquisa, tivemos que decidir o momento em que aquelas cenas

seriam compartilhadas com o público. Sabíamos que mesmo depois de apresentada, o

processo de treino, revisão e experimentação não pararia. Mas era preciso abrir para que

outras pessoas pudessem colaborar com a peça. A dificuldade agora era como estabelecer uma

ordem para as cenas. Era um total de 20 cenas que não tinham, necessariamente, uma relação

direta.

Essas cenas foram então, literalmente, encadeadas de forma aleatória, levando apenas em

consideração o fato da entrada e saída dos atores, troca de figurinos e mudança de objetos de

cena. A escolha e a forma como as cenas foram colocadas é uma das coisas que mais se

alteraram com as apresentações. Hoje temos uma sequencia totalmente diferente da primeira

apresentação. As mudanças, tanto da ordem das cenas, como sua intensidade e leitura, foram

acontecendo provocadas principalmente pelo retorno que o público nos deu. Essa

característica de obra aberta e em processo é muito caro para a companhia, pois acreditamos

num teatro que nunca está totalmente pronto e dessa forma garante que a cada apresentação se

mantenha ainda um pouco da energia da estreia. Além disso, teatro, por ser da ordem da

relação, depende de quem se relaciona em cada apresentação, a variação do público a cada

noite abre o espetáculo para outras possibilidades.

Todos os seus trabalhos acabam por ter essa característica. O grupo aposta muito no processo

e isso reflete no resultado final. Não fechar a pesquisa do espetáculo acaba por ser uma

experiência para os próprios atores, pois estes a cada encontro são provocados a reverem seus

trabalhos.

Podemos resumir o processo de construção do espetáculo Rusga, que se deu de forma

coletiva, da seguinte forma:

Pesquisa do Tema => Improvisações Aleatórias => Definição dos personagens => Definição

das Cenas => Encadeamento das Cenas escolhidas => Aprofundamento da pesquisa =>

Apresentação ao público.

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Em processos compartilhados de criação, seja coletivo ou colaborativo, por estarem baseados

em uma micropolítica de partilha e participação a formação dos atores e suas experiências

contam muito para o que será construído. O fato da Confraria dos Atores ter entre seus

membros um historiador pode ter fortalecido ainda mais a sua vontade de falar de um episódio

histórico. O grupo conta com membros de outras formações que possibilitam que se trabalhe

de forma mais tranquila: temos um estudante de administração (Emanuel Vitor), dois

comunicólogos (Jan Moura e Karina Figueredo) e uma formada em Letras (Talita Figueiredo).

Cada um pôde então colaborar com seus conhecimentos para a produção do espetáculo, não

só na parte criativa, mas nos desafios de se produzir teatro no Brasil. Essa característica, de

múltiplas formações, do coletivo foi fundamental para a sua manutenção. Além, é claro, que a

heterogeneidade, tanto das formações quanto dos interesses, ampliam a pertinência de um

processo de compartilhamento. O que é interessante perceber é como essas múltiplas forças se

conjugam para que algo se realize. Claro que a diferença também pode causar embates e

discussões calorosas. Mas, ao mesmo tempo em que fragiliza o processo, as discussões

também fortalecem, na medida em que conseguimos entender o outro e superar essas

diferenças.

(Cena “Joana conhece Joaquim” do espetáculo Rusga – Confraria dos Atores – 2011)

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Na criação coletiva, nem todos os integrantes podem desempenhar as mesmas funções e nem

sempre na mesma proporção. Cada oferece o que tem, o que conhece melhor e o tempo que

tem disponível. A perspectiva da criação coletiva exige que se assuma que nem todos os

integrantes são iguais e que cada um trabalhará de forma diferente, ou seja, alguns integrantes

podem acumular mais trabalho em relação a outro integrante.

Para cada área ou tarefa, há um colaborador responsável que responde. Para cada área há

então um poder de decisão, que mesmo compartilhado, pode se fixar. O poder de decisão,

nesse caso, também se torna flutuante, a cada momento o poder pode estar na mão de um

colaborador diferente, que em determinado momento assume a dianteira do grupo,

principalmente quando há a eminência de um prazo que se acaba ou alguma tarefa que ainda

não foi feita. Mesmo disfarçado, ou não incentivado, os poderes continuam a existir no corpo

do coletivo. Esse tipo de processo exige então uma maturidade muito maior. Faz-se necessário

aprender a lidar com as diferenças e aceitar que em determinado momento algum colega

possa de certa forma liderar. Da mesma forma que esse líder temporário também busca ter

consciência que a relação não se cristalizará dessa forma. Por isso que flutua, hoje um estará

assumindo o papel de líder, mas amanhã tudo pode e deve mudar.

Não existe, na criação coletiva contemporânea, o “todo mundo faz tudo”, há uma

sistematização de tarefas, uma divisão de quem faz o que e quando, diferente do processo

colaborativo essas funções não se fixam. A cada trabalho, ou a cada etapa do projeto as

funções podem se alterar.

Para Silva (2002), a criação coletiva dos anos 1970-1980, poderia esconder traços de

manipulação. Em sua opinião, muitos dramaturgos ou diretores defendem um discurso

coletivizante com o objetivo de camuflar um desejo de autoridade, para que, dessa forma,

evitasse conflitos entre os integrantes do grupo. “Negar o poder pode ser uma forma de

reafirmá-lo ou de exercê-lo, ainda que sub-repticiamente. Ditaduras ou tiranias podem

também se instaurar de maneira difusa, escamoteadas atrás de um discurso de participação e

liberdade”. (SILVA, 2002, p. 102)

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(Cena “Damiana é amarrada pelo marido” do espetáculo Rusga – Confraria dos Atores –

2011)

Cada integrante da Confraria dos Atores assume funções temporárias. Ou seja, a cada trabalho

alguns tomam para si a responsabilidade da produção, outros da música, figurino etc. Na

criação coletiva contemporânea, praticada pela Confraria dos Atores, não há um poder

camuflado, por não haver um diretor anterior ou um líder, há poderes temporários que são

assumidos e incentivados. Esse poder que flutua, pois há uma divisão de liderança por dia de

trabalho ou por personagem trabalhado, é encarado de forma positiva. A diferença, como

também acontece no processo colaborativo, é que este poder não deve limitar a criação do

outro. Mas no caso dos processos compartilhados de criação as relações de poder se

transformam, mesmo continuando a existir, são relações de incentivo à colaboração do outro.

A criação coletiva dos anos 1970-1980 acabou sendo inspiradora e de vanguarda, mesmo que

sua prática revele uma série de contradições e equívocos. Pensava-se naquele tempo que todo

mundo deveria executar todas as funções da mesma forma, e que todos deveriam possuir as

mesmas habilidades, interesses e a mesma intensidade de vontade de assumir as tarefas

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(SILVA, 2008, p. 27). Enquanto pregavam a coletividade como uma polivalência de funções,

conhecimentos e vontades, na prática percebia-se que isso não acontecia. As pessoas são

diferentes e possuem seus pontos fortes e pontos fracos, não vão exercer as funções da mesma

forma. Enquanto na criação coletiva muitos assumiam veladamente determinadas funções em

nome de um objetivo maior, na criação coletiva contemporânea essa diferença é aceita e

incentivada, e as funções são divididas de acordo com a capacidade e a vontade de cada um,

mesmo que naquele momento não tenha conhecimento da área, encara-se o desafio. Claro que

isso não impedirá que desavenças ou conflitos aconteçam, mas há um certo apaziguamento

das cobranças no momento que essa divisão é feita coletivamente, de comum acordo, pois não

há o chefe que faz a divisão. As relações de poder então se transformam em nome de um

objetivo comum. O poder que nas micropolíticas tradicionais da criação teatral emanava de

um ser exclusivo, pautando o trabalho do outro, se transforma no poder do coletivo, pela

junção, conjugação e confrontação das múltiplas vontades.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A criação compartilhada é uma prática que pode ter surgido, em especial com mais força, nas

experimentações mais alternativas do teatro nos anos 1970. A partir de lá muita coisa mudou,

inclusive as necessidades e ansiedades dos artistas. Criar com o outro se tornou mais que um

método, modelo ou metodologia de criação, virou uma filosofia de vida. Apostar nesse

caminho é acreditar que a partilha da sensibilidade criativa é importante enquanto política, ou

uma micropolítica, para um grupo de teatro por ser ferramenta para intensificar a troca,

mudando o foco da construção do espetáculo, que se finalizava com a estreia, para uma obra

em processo, em constante revisão e mudanças. O ato de compartilhar é experimentado com

mais intensidade em grupos de teatro, pois estes procuram viver outro sistema, muitas vezes

correndo a contracorrente da indústria cultural, formal e focada na relação patrão-empregado.

Como podemos perceber, ao longo do trabalho, há uma alteração de um processo tradicional

de criação, centrado no diretor ou dramaturgo, onde os outros envolvidos cumprem e atendem

as suas necessidades, para uma forma mais democrática de estabelecer as relações, onde todos

colaboram e são corresponsáveis. A palavra compartilhar pode significar o ato de distribuir e

o de participar de, e os dois fazem sentido para esse tipo de criação. Ao mesmo tempo em que

se dividem as tarefas todos participam da prática delas, de forma intensa ou sugerindo e

compartilhando suas visões particulares.

Dentre as muitas características da criação compartilhada que foram relatadas, uma das

principais se caracteriza pelo esmaecimento dos processos decisórios. Não há criadores

exclusivos, e dessa forma há uma alteração significativa nas relações de trabalho.

A criação de forma centralizada, que se tornou o principal modelo de criação teatral, foi

justificada ao longo dos anos como a melhor forma de fazer teatro e que garantiria a unidade

cênica e coesão do espetáculo, características que se acreditava serem as ideais para uma obra

ser considerada como boa. E somente o encenador teria a capacidade de, ao olhar de fora,

perceber as deficiências dos atores e corrigi-las, conceber o espetáculo, distribuir os papéis

etc.

A função de encenação, dessa forma, acabou ganhando uma diferenciação das outras, em

níveis de importância e de poder. Ele vira tutor, chefe, mestre, guia, responsável por todas as

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decisões do grupo e é inclusive quem assume, geralmente, a função de líder administrativo do

grupo, não só na parte estética mas em todas as outras áreas.

Aquele que observa de fora e contribui com sua opinião é importante em qualquer trabalho

desenvolvido, não só na área teatral. Mas a função de direção se tornou um paradigma para a

criação teatral. Se o teatro é, em essência uma arte coletiva, feita sempre por mais de uma

pessoa, porque então a criação se estabelecer de forma verticalizada?

O poder exercido pelo diretor acabou então se justificando pela necessidade de qualidade na

cena teatral, reforçando que somente processos verticalizados eram capazes de chegar ao nível

que a sociedade esperava dos espetáculos de teatro. Utilizamos os conceitos de Michel

Foucault para refletir sobre o que chamamos de micropolíticas da criação, que nesta pesquisa

faz referência às escolhas feitas pelos integrantes de grupos de teatro sobre todos os assuntos

que envolvam suas relações, comportamentos e criação. Para o filósofo o poder não é algo

que se possui, como objeto, ele é relação. A encenação surge no final do século XIX, e ao

longo do seu desenvolvimento, cria uma série de procedimentos que estão diretamente ligados

com o fortalecimento das diferenças e privilégios. O que se conclui é que a criação teatral

pode se configurar de inúmeras formas, mas essas escolhas não determinam se o produto

resultante tem qualidade ou não. Apesar de refletir na estética do trabalho, todos os caminhos

possibilitam a construção de espetáculos de teatro de excelência.

A encenação privilegiou a criação do diretor em detrimento das outras funções. A

hierarquização das funções estabeleceu o prestigio e a remuneração das funções, elas foram

sendo encadeadas colocando a função do encenador no topo e as outras abaixo. O diretor

acabou tomando conta não só da criação, mas de todos os processos do grupo ou companhia,

inclusive os procedimentos administrativos.

Para trabalhar, o diretor utiliza diversos procedimentos de controle, que Foucault conceitua

como dispositivos, que está relacionada às técnicas, estratégias e as formas de assujeitamento

utilizados pelo poder. Os dispositivos, no teatro, podem ser os exercícios de treinamento, as

correções e todas as outras regras impostas, ou seja, não decididas coletivamente. De posse

desses artifícios de controle, o diretor pode então construir ou formatar aquele grupo de

trabalhadores que sua concepção necessita. Os dispositivos moldam e criam corpos dóceis,

maleáveis e enquadrados nas ideias do encenador, ou seja, constrói o artista ideal que caiba

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nas concepções dele, e os outros então deixam suas próprias ideias de lado para perseguirem

as ideias do outro.

Disciplina, exercícios, regras, dispositivos de controle são ferramentas utilizadas pelo diretor,

nas criações mais tradicionais, para realizar o seu trabalho. Diferentemente de processos

compartilhados que de forma coletiva e compartilhada decidem quais ferramentas e

procedimentos utilizarão para treinar, refiro aqui, dessa forma, a processos onde as decisões,

sobre os caminhos a seguir, são de propriedade de uma única ou poucas pessoas. Ao

estabelecer este tipo de procedimento, os outros envolvidos se transformam em mãos de obra

para levar para o palco o teatro concebido com exclusividade. Todas essas ferramentas então

se apropriam do corpo do ator, de sua energia, do seu conhecimento, adestrando-o para que

esteja apto para realizar as tarefas impostas. Nesse caso trata-se mais de uma relação

patrão/empregado do que de uma obra de arte coletiva.

Apesar de ter sido um período de intensa prática teatral, resultando em diversas obras-primas

do teatro mundial, o teatro hierarquizado criou um problema relacionado à total dependência

que o ator acabou adquirindo desse tipo de relação. Construir um ator-criador não é tarefa

fácil. Pois estes foram aprendendo a se automatizar com esse tipo de procedimento, criam

muito pouco e esperam as ordens da direção.

A criação compartilhada, em especial o processo colaborativo, está se tornando um modelo de

prática teatral comum hoje em dia. Mesmo os processos mais tradicionais se contaminam com

essa filosofia mais participativa. Vivemos em um tempo em que o ato de compartilhar é

experimentado em todos os setores da vida do homem. Compartilha-se no trabalho, na

internet, na escola ou no supermercado. Vivemos um tempo de troca, de partilha, de

construção colaborativa.

Há uma profunda revisão de todas as funções relacionadas à criação teatral. O perfil do

criador colaborativo é aberto, propositivo, organizado, poroso, aberto a contaminações. Não

se sente à vontade com imposições e centralismos decisórios. E os resultados deixam

transparecer essa revisão. As obras resultantes dos processos de criação da Confraria dos

Atores e do Teatro do Concreto, resultantes de processos de criação compartilhada, são

processuais, multifacetadas e complexas. Os trabalhos não prezam mais pela unidade cênica,

muito pelo contrario, interessa-se muito mais pela complexidade do que a unidade. As obras

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pautam-se pela confrontação e justaposição das ideias dos envolvidos, dando a cena uma

característica heterogênea ou hibrida. A autoria é então coletiva. Não há um criador exclusivo.

Enquanto os atores trazem o conteúdo, criam, improvisam, o diretor ou o dramaturgo editam,

selecionam, conectam, melhoram, colocam suas visões, misturando tudo.

A estrutura da dramaturgia resultante denuncia sua origem, como são provenientes de

contribuições individuais, surgidas de jogos cênicos ou improvisações, são realizadas

colagens, muitas vezes de pedaços independentes, para a composição dramática, sendo então

fruto da soma de diversos elementos trazidos pelos criadores. Normalmente há também a

construção de um fio conector, que ligue as cenas, que possa fazer uma espécie de costura.

No espetáculo do Teatro do Concreto (DF), Diário do Maldito, essa conexão é feita pela

personagem Mira, que toma como lembranças suas as cenas que são diferentes entre si. Na

Rusga, da Confraria dos Atores, esse procedimento aparece no momento que os atores

indicam que cada personagem apresenta sua própria visão da obra, isso acaba por aproximar

as cenas, pois essa versão pessoal de cada personagem sobre a rusga faz com que as cenas

ganhem características em comum.

Outra característica é a dramaturgia em processo e o inacabamento, o trabalho da criação não

acaba com o inicio da temporada. A cada contato com o público ou quando se percebe um

detalhe mal trabalhado, há uma revisão, uma nova experimentação. A criação compartilha é o

agenciamento do desejo de pessoas diferentes, que ora partilham de um objetivo comum.

Pessoas, pensamentos e objetivos diferentes, resultam em processos complexos.

Apresentamos como exemplo duas experiências de criação compartilhada, o do Teatro do

Concreto (DF) e da Confraria dos Atores (MT) que apesar de trabalharem com duas

abordagens metodológicas de criação compartilhada diferentes, não podem ser tomadas como

metodologias de criação. Cada equipe de trabalho construiu sua própria política de criação.

Como afirma Fernandes (2000) cada agrupamento, cada reunião de indivíduos, que são

singulares, manifesta-se ao seu próprio modo, e o resultado dessa reunião será sempre único.

Compartilhar a criação é então uma forma de agregar contradições e multiplicidades. Cada

integrante desse grupo traz para o coletivo suas próprias concepções de mundo e de vida,

contribuindo assim para a formação da grande rede intricada e emaranhada que é um grupo de

criação. O grupo então é a composição das multiplicidades de cada integrante, agenciadas em

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torno de objetivos comuns. Essas diferenças são negociadas, compostas, justapostas, entram

choque, e formam uma multiplicidade ainda mais complexa, formada pelas tramas que cada

um leva consigo.

Essa forma de trabalho, como vimos, é rizomatica, estão horizontalmente dispostos, todas as

ideias podem ser conectáveis, não há hierarquias, enquanto grupo, esse espaço se torna um

local de habitat, de provisão, de deslocamento, de evasão e de ruptura, (Deleuze e Guattari,

2005). Em um grupo todos os componentes devem ter o direito e o dever de contribuir para o

processo, todas as ideias deverão ser ouvidas e se possível testadas.

O teatro feito de forma compartilhada torna-se uma fonte de compartilhamento e construção

de conhecimentos e contribui para a força dos novos discursos cênicos da contemporaneidade.

Os coletivos formam celeiros de criação, armazenando modos de transmissão, criando um

organismo pulsante para novas ideias e procedimentos. São pessoas que se juntam não só por

afinidades ou em busca de um modo de ganhar dinheiro, se juntam em matilhas, para

sobreviver, trocar e crescer. São rizomas, crescem juntos, mesmo em direção diferentes, mas

estão ligados, são conectáveis e não possuem forma fixa. São movidos pelo desejo de trocar,

compartilhar, de estarem horizontalmente dispostos.

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