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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MATEMÁTICA (Mestrado) ANDRÉ LUIZ MARQUES ESPAÇOS UNIFORMIZÁVEIS: TEORIA, EQUIVALÊNCIAS E ATUALIZAÇÃO. * Maringá - PR 2016 * Este trabalho contou com o apoio financeiro da CAPES.
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Sep 28, 2018

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS

DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MATEMÁTICA

(Mestrado)

ANDRÉ LUIZ MARQUES

ESPAÇOS UNIFORMIZÁVEIS: TEORIA, EQUIVALÊNCIAS E

ATUALIZAÇÃO.∗

Maringá - PR

2016∗Este trabalho contou com o apoio financeiro da CAPES.

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ANDRÉ LUIZ MARQUES

ESPAÇOS UNIFORMIZÁVEIS: TEORIA, EQUIVALÊNCIAS E

ATUALIZAÇÃO.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Matemática do Departamento deMatemática, Centro de Ciências Exatas da Uni-versidade Estadual de Maringá, como parte dosrequisitos necessários para a obtenção do título deMestre em Matemática.Área de concentração: Geometria e Topologia.

Orientador: Prof. Dr. Josiney Alves de Souza.

Maringá - PR

2016

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Biblioteca Setorial BSE-DMA-UEM, Maringá, PR, Brasil)

Marques, André Luiz M357e Espaços uniformizáveis : teoria, equivalências e

atualização / André Luiz Marques. -- Maringá, 2016. 143 f. : il. figs. Orientador: Profº. Drº. Josiney Alves de Souza. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de

Maringá, Centro de Ciências Exatas, Programa de Pós-Graduação em Matemática - Área de Concentração: Geometria e Topologia, 2016.

1. Topologia dos espaços. 2. Espaço uniforme. 2.

Espaço uniformizável. 3. Espaço admissível. 4. Espaço pseudometrizável. 5. Grupos topológicos. 6. Espaço admissível. 7. Topological spaces. Uniformizable space. 8. Admissible space. I. Souza, Josiney Alves de, orient. II. Universidade Estadual de Maringá. Centro de Ciências Exatas. Programa de Pós-Graduação em Matemática - Área de Concentração: Geometria e Topologia. III. Título.

CDD 22.ed. 514.32

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Agradecimentos

Sou grato por tudo o que me foi concedido nesse período de mestrado. Espe-

cialmente pelo aperfeiçoamento profissional e desenvolvimento como pessoa. Espero que

sintam-se homenageados com meus sinceros agradecimentos tudo e todos que fizeram e

ainda fazem parte dessa jornada. Isso inclui o quadro de professores presentes em minha

trajetória acadêmica desde a graduação na UTFPR de Pato Branco até a conclusão do

mestrado no PMA da UEM de Maringá, profissionais estes que foram indispensáveis para

a minha formação. Agradeço à comissão julgadora deste trabalho pelas valiosas sugestões.

Destaco minha gratidão ao Prof. Dr. Josiney Alves de Souza, principalmente pela confi-

ança dedicada em mim, pela postura profissional e pelos ensinamentos que compartilhou

em nossas conversas. Para os familiares, amigos e colegas, todos os quais estiveram pre-

sentes nesse período com algum tipo de ajuda, carinho e motivação, também deixo meu

muito obrigado. Por fim dedico exclusivo reconhecimento à CAPES, a qual patrocinou

mediante verba pública estes dois anos de mestrado para minha carreira.

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Resumo

Este trabalho apresenta um estudo geral sobre espaços uniformes motivado

pela recente comprovação da equivalência entre os espaços admissíveis e os uniformizá-

veis. Abordaremos puramente a teoria sobre uniformidades desenvolvendo os aspectos

teóricos mais relevantes, discutindo propriedades topológicas envolvidas e apresentando

equivalências entre as diferentes formas de defini-las. Também, teremos a oportunidade

de tratar desses conceitos juntamente com a teoria de grupos topológicos, a qual assim

como o caso pseudometrizável, possui papel fundamental desde o início das discussões.

Por fim, faremos esclarecimentos sobre a teoria de espaços admissíveis junto aos espaços

uniformizáveis sob uma nova caracterização desses espaços, mostrando mais uma vez o

quanto suas estruturas coincidentemente combinam.

Palavras-chave: espaço uniforme, espaço uniformizável, espaço pseudometrizável, grupo

topológico, espaço admissível.

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Abstract

This work presents a general study on uniform spaces motivated by recent

confirmation of equivalence between the admissible and the uniformizable spaces. We will

approach purely theory about uniformities by developing the theoretical aspects more re-

levant, discussing topological properties involved and presenting equivalences between the

different ways to set them. Also, we will have the opportunity to deal with these concepts

together with the theory of topological groups, which as well as the pseudometrizable case

have a fundamental role since the beginning of discussions. Finally, we will do clarifica-

tions about the theory of admissible spaces together with uniformizable spaces under a

new characterization of these spaces, by showing once again how much their structures

coincidentally combine.

Keywords: uniform space, uniformizable space, pseudometrizable space, topological

group, admissible space.

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Sumário

Introdução 1

0 Preliminares 6

1 Sistema de Vizinhanças . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

2 Redes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

3 Filtros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

1 Motivações 25

4 Grupos Topológicos: fundamentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

4.1 Definições e exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

4.2 Vizinhanças da identidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

5 Espaços Pseudometrizáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

5.1 Pseudometrização por Aline Huke Frink . . . . . . . . . . . . . . . 42

2 Espaços Uniformes: teoria e suas equivalências 46

6 Uniformidade Diagonal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46

6.1 Exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

6.2 Topologia Uniforme . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

6.3 Uniformidade Diagonal Fraca (Inicial) . . . . . . . . . . . . . . . . 68

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6.4 Uniformidade Diagonal Forte (Final) . . . . . . . . . . . . . . . . . 76

7 Coberturas Uniformes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78

8 Uniformidade de Calibre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

9 Sistema Uniforme de Vizinhanças . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

3 Espaços Uniformizáveis: admissibilidade e conceitos adicionais 105

10 Espaços Admissíveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105

11 Grupos Topológicos: Uniformidades e Admissibilidade . . . . . . . . . . . . 113

12 Caracterização Topológica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121

13 Uniformidade fina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124

14 Completude . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130

Conclusão 140

Referências Bibliográficas 141

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Introdução

A teoria de espaços uniformes foi criada em 1937 pelo matemático francês André

Weil, em seu memorável artigo [23]. Segundo Weil, o fato de que para tratar de

um espaço topológico metrizável fosse necessário supor o 2o axioma de enumerabilidade

(devido a Alexandroff e Urysohn) parecia ser muito restritivo em um contexto topológico

geral. Assim, se propôs a criar um ambiente onde essa exigência não fosse preciso mas que

ainda tivesse disponível uma estrutura comportando-se como a métrica, topologicamente

falando. Pesquisando sobre como poderia fazer para substituir a referida métrica, Weil

voltou sua atenção para os grupos topológicos, isto porque ali, segundo ele, existiam muitas

propriedades parecidas com as existentes em espaços métricos.

Nesse caso, ele visou uma classe de espaços que fosse mais geral do que ambas as

classes de espaços metrizáveis e grupos topológicos e ao mesmo tempo menos geral do que

a de espaços topológicos, mais que isso, ele gostaria que a noção de continuidade uniforme,

do jeito como ocorre em espaços métricos, também fosse possível de ser definida nessa

nova classe (este é o motivo pelo qual ficou assim nomeada). Na sua busca, ele percebeu

que as propriedades mais importantes nestes espaços podiam ser captadas através dos

seus respectivos sistemas de vizinhanças locais, sendo assim precisou criar algum tipo de

sistema local que tivesse, de forma mais geral, essas mesmas informações.

Ao desenvolver suas ideias, Weil conseguiu reunir essas informações em três

diferentes linguagens: através de um sistema uniforme local, por meio de subconjuntos do

cartesiano contendo a diagonal (alguns autores os chamam de entourages ou surroundings)

e com família de pseudométricas (em trabalhos, podendo ser conferido na tradução [6],

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Introdução 2

no famoso grupo com pseudônimo Bourbaki no qual Weil fora um dos fundadores).

No final de seu artigo, Weil propõe uma maneira de discutir alguns aspectos

de uniformidades através de coberturas, mas não chega ao ponto de formalizar uma nova

linguagem para seus espaços uniformes. O responsável por entender essa nova linguagem

e formalizar toda a teoria por este ponto de vista foi o matemático e estatístico estadu-

nidense John Wilder Tukey, o qual em seu trabalho [22] de 1940 cria notações para os

chamados refinamentos estrela e refinamentos baricêntricos para que conseguisse desen-

volver a teoria através de “cálculo” com estes refinamentos, uma abordagem realmente

diferente do que vinha sendo feito.

Assim, ficaram conhecidas as quatro principais formas para tratar de espaços

uniformes e como veremos definidos de formas bastante diferentes. Deste modo, é preciso

ter a mente aberta quando falamos destes espaços e sempre certificar-se de qual linguagem

está sendo empregada. Neste trabalho justificaremos que espaços uniformes definidos

por cada uma destas formas estão em uma correspondência biunívoca e, portanto, será

equivalente tratar com qualquer uma delas.

Cada uma dessas noções tem suas próprias vantagens. Nesta dissertação po-

deremos verificar que o tratamento por uniformidades diagonais vai permitir ver expli-

citamente como espaços uniformes generalizam os grupos topológicos. A abordagem via

sistema uniforme de vizinhanças possibilita enxergar diretamente a diferença perante os

espaços topológicos. Estudar a uniformidade de calibre conduz à percepção de quanto mais

geral estamos falando perante ao caso métrico. Por fim, a uniformidade por coberturas

é a que simplesmente motivou todo esse trabalho, vamos explicar um pouco melhor esta

última abordagem.

Os assim nomeados espaços admissíveis foram criados para servir como fun-

damentação de uma teoria generalizada sobre dinâmica topológica, especificamente no

artigo de Patrão e San Martin [13], que trata de fluxos, recorrência por cadeias e ações de

semigrupos envolvendo esta classe de espaços topológicos. Neste caso, a definição dessa

“nova” classe de espaços topológicos foi realizada com o intuito de desenvolver a teoria que

os citados autores desejavam naquela situação, logo não houve num primeiro momento a

preocupação com algum tipo de reconhecimento sobre qual classe topológica eles estavam

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Introdução 3

tratando. Isso foi pesquisado posteriormente por Souza, o qual percebeu a existência de

alguma relação entre a classe de espaços topológicos admissíveis e os espaços uniformizá-

veis (via coberturas) uma vez que as definições de ambos possuem, como característica

comum, propriedades de refinamentos e coberturas. Neste caso, Souza em seu artigo [20]

começou a formalizar estas discussões e posteriormente no Artigo [2] foi comprovada a

igualdade dessas classes.

Aqui nesta dissertação, especificamente no último capítulo, também vamos

mostrar esta igualdade, mas agora com uma demonstração ainda mais sucinta e indepen-

dente da mencionada. Isso foi possível primeiramente pela investigação das equivalências

entre uniformidades via diagonal e coberturas, mas também pelo fato de termos conse-

guido neste trabalho redefinir os espaços admissíveis com uma axiomatização mais simples

do que o proposto até então.

Dito isto, vejamos como este trabalho está organizado. Nas preliminares fi-

xaremos algumas notações e exploraremos conceitos fundamentais envolvendo espaços

topológicos e convergência. Especificamente trataremos dos conceitos de redes e filtros,

os quais são comprovadamente imprescindíveis ao avançar os estudos com topologia pura.

Uma primeira percepção disto poderia ser vista no estudo sobre o importante conceito

de ultrafiltro. Tal ferramenta permite, por exemplo, dar uma demonstração sucinta, e.g.

Kelley, do Teorema Tychonoff sobre produtos de compactos (Ver Willard [24], Teorema

17.8, pg. 120. Para outras aplicações ver a Tese [16]). No contexto de uniformidades a

linguagem de filtros mostra-se bastante conveniente e o noção de completude (uniforme)

necessita fortemente do tratamento via redes (ou equivalentemente via filtros).

No Capítulo 1 apresentaremos as classes de espaços topológicos que motivaram

a generalização de Weil. Faremos uma breve introdução a grupos topológicos e, ainda mais

rapidamente, falaremos de espaços pseudométricos. Trataremos um pouco mais de grupos

topológicos mostrando as principais definições, construindo alguns exemplos e demons-

trando resultados fundamentais, para que desta forma consigamos obter alguma prática

em demonstrações, já que a abordagem via uniformidade diagonal possui algumas seme-

lhanças no raciocínio de desenvolver a teoria unindo operações algébricas e topológicas.

No final desta dissertação, retomaremos esses espaços para mostrar as propriedades uni-

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Introdução 4

formes e admissíveis inerentes a qualquer grupo topológico. A outra importante classe

propulsora dessa generalização é a dos pseudométricos. Tais espaços também possuem

uma vasta lista de propriedades e resultados extremamente importantes, porém não nos

aprofundaremos sobre eles visando não nos prolongarmos demais para concluir os obje-

tivos desse trabalho. No entanto, sua importância nessa teoria ficará bastante visível,

principalmente na seção dedicada ao resultado de Frink e suas aplicações no decorrer do

trabalho.

Prosseguindo, entramos na parte mais estrutural desta dissertação. No Capí-

tulo 2 será desenvolvido o conceito de cada uma das uniformidades citadas. Por simples

preferência do autor deste trabalho o conceito primordial de espaço uniforme será tratado

via diagonal, mas depois de comprovadas as equivalências entre essas estruturas ficará

claro que poderíamos ter desenvolvido a teoria com qualquer uma dessas linguagens. Isto

é a principal motivação ao se propor a demonstrar tais equivalências, além é claro de

conseguir agregar mais de uma maneira para abordar problemas envolvendo a pesquisa

sobre estes espaços.

O Capítulo 3 encerra o nosso texto apresentando diversos conceitos envolvendo

aspectos topológicos e uniformes. Nesta parte, será o momento mais oportuno para tratar

sobre os já mencionados espaços admissíveis. Sobre este conceito será apresentado o

histórico de seu desenvolvimento culminando na nova, e mais simples, definição para esta

classe. Prosseguindo, será extremamente pertinente discutir aspectos de admissibilidade

e de uniformidades em grupos topológicos, de forma a deixar claro como funcionam bem

os métodos de passar de uma estrutura para outra via os procedimentos construídos

no Capítulo 2 (especificamente envolvendo diagonal e coberturas). Aqui, o trabalho de

Roelcke e Dierolf [15] fornecerá maneiras interessantes de construir famílias admissíveis

em grupos topológicos.

Ainda, teremos a oportunidade de apresentar a importante caracterização to-

pológica dos espaços uniformizáveis como sendo exatamente os completamente regulares,

onde tomamos o cuidado de dar uma demonstração mais simples o possível ao envolver

mais de uma linguagem de uniformidade. Munido deste resultado, será oportuno menci-

onar alguns exemplos realmente interessantes.

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Introdução 5

As duas últimas seções deste último capítulo envolverão as noções de unifor-

midade fina e completude. A primeira tem uma relação bem clara junto aos espaços

paracompactos mediante o desenvolvimento de Kelley [10]. A segunda não poderia fal-

tar num espaço que se propõe a generalizar espaços pseudométricos onde existe o forte

conceito de completude via sequências de Cauchy. Por isso justificaremos como é possível

tratar desta abordagem numa linguagem por uniformidades. Com isto realizado pode-

remos encerrar a dissertação identificando, por um exemplo, mais uma diferença entre

espaços uniformes e pseudométricos contida justamente no conceito de espaços completos.

Por fim, precisamos deixar claro que os resultados básicos e suas demonstra-

ções, a menos de reescrita ou com alguma ideia ligeiramente diferente do original (en-

volvendo a grande maioria do material apresentado aqui) podem ser de alguma forma

encontrados nas referências bibliográficas desta dissertação. Como exceções à essa regra,

temos a apresentação simultânea das quatro definições de uniformidades com suas respec-

tivas equivalências, assim como a discussão envolvendo a reformulada definição de espaços

admissíveis, a qual aparece primeiramente neste trabalho.

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Capıtulo 0PRELIMINARES

Neste capítulo vamos explorar conteúdos topológicos que servirão como base por todo

o trabalho, tais como sistema de vizinhanças e convergência topológica (redes e filtros).

Tais conteúdos são úteis para muitos outros tipos de discussão em topologia, por isso

abranger detalhadamente seus aspectos obtendo uma maior familiaridade e prática com

esses conceitos é importante para a pesquisa em matemática pura.

Segundo Willard [24], adotaremos as seguintes notações dos axiomas de sepa-

ração em um espaço topológico,

• T0: Dados dois pontos distintos, existe uma vizinhança de um desses pontos não

contendo o outro;

• T1: Dados x 6= y, existem vizinhanças U de x e V de y tais que y /∈ U e x /∈ V ;

• T2 (Espaço de Hausdorff): separa dois pontos distintos por vizinhanças disjuntas;

• T3: Espaço T1 e também regular (separa ponto fora de fechado por abertos disjun-

tos);

• T3 12(Espaço Tychonoff ): Espaço T1 e também completamente regular (separa ponto

fora de fechado por uma função contínua);

• T4: Espaço T1 e também normal (separa fechados disjuntos por abertos disjuntos);

Entendendo as notações acima como classes de espaços satisfazendo esses axiomas, é

possível provar que T0 ⊃ T1 ⊃ T2 ⊃ T3 ⊃ T3 12⊃ T4.

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1 Sistema de Vizinhanças 7

O conjunto X, quando não mencionado o contrário, será sempre um conjunto

não vazio. Alertamos desde já que muitas demonstrações desse capítulo serão apenas

referenciadas, principalmente as mais elementares, assim teremos uma maior fluidez em

nossas discussões e poderemos avançar mais rapidamente aos objetivos mais importantes.

1 Sistema de Vizinhanças

De forma geral, existem diversas formas, equivalentes entre si, para descrever um espaço

topológico, algumas delas fazendo uso de conceitos como: base (sub-base) de topologia,

sistema de vizinhanças em pontos, operador fecho de Kuratowski, interior e fronteira

(Para detalhes sobre essas definições e suas equivalências é recomendado a leitura de

Willard [24], Cap. 2, Seção 3, pg. 23). Aqui atenção especial daremos ao procedimento

por sistema de vizinhanças, pois esse conceito tem uma relação direta com uniformidades;

logo um entendimento claro de seus aspectos é de extrema importância.

A nossa definição geral de topologia em um conjunto será, como apresentada

em qualquer curso básico de tal disciplina, a coleção contendo o espaço todo e o vazio

que é fechada para interseções finitas e uniões arbitrárias. Mas é verdade que a primeira

e histórica formalização de espaço topológico, realizado por Felix Hausdorff em 1914, não

foi dessa forma. Em vez disso ele seguiu como princípio o uso dos axiomas envolvendo sis-

temas de vizinhanças que veremos nesta seção. Isto por si já é motivação para impulsionar

o estudo desse objeto.

Nesta seção optamos por definir alguns conceitos de maneira ligeiramente di-

ferente do apresentado em Willard [24], porém as demonstrações referenciadas em cada

resultado se aplicam inteiramente aos respectivos enunciados.

Definição 1.1. Dizemos que em um conjunto X está definido um sistema de vizinhan-

ças1 U(.) para significar que todos os pontos x ∈ X estão simultaneamente associados a

uma respectiva família Ux de subconjuntos de X de modo que sejam válidas as seguintes

propriedades:1A palavra vizinhança ainda não está carregando significado topológico.

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1 Sistema de Vizinhanças 8

(V1) Para todo U ∈ Ux, ocorre que x ∈ U ;

(V2) Para quaisquer U e V em Ux, ocorre que U ∩ V ∈ Ux;

(V3) Se V ⊃ U e U ∈ Ux, então V ∈ Ux;

(V4) Para todo U ∈ Ux, existe V ∈ Ux, tal que para qualquer y ∈ V , ocorre que U ∈ Uy.

No caso anterior, para todo x ∈ X, vamos chamar a família Ux de sistema

de vizinhanças em x (ou no ponto x). É interessante observar que as três primeiras

propriedades são intrínsecas ao próprio sistema num ponto fixado, enquanto a última

exige realmente que tenhamos definido um sistema simultaneamente em todos os pontos

do conjunto. Adiantamos, desde já, que a inspiração para filtros será totalmente baseada

nessas três primeiras propriedades.

Lembrando que em um espaço topológico X, vizinhança de um ponto x é um

conjunto2 U ⊂ X contendo o ponto x em seu interior, ou seja, x ∈ U◦, pode-se mostrar o

teorema seguinte:

Teorema 1.2. Se em um espaço topológico (X, τ) colocamos Ux como a família de todas

as vizinhanças de x, então fica definido um sistema de vizinhanças U(.) para o conjunto

X.

Demonstração. Ver Willard [24], Teorema 4.2, pg. 31. �

Neste trabalho adotaremos o seguinte costume: se estamos tratando de um

espaço topológico (X, τ) já bem definido, então o sistema de vizinhanças U(.) para o

espaçoX será reconhecido apenas como aquele definido pelo teorema anterior (poderíamos

chamar ele de sistema (de vizinhanças) da topologia). Deste modo temos a conveniência

de ser levada em consideração a topologia τ do conjunto X para que assim o sistema faça

jus ao nome vizinhança o qual carrega.

Mas se ainda não está definida uma topologia num conjunto o qual está com

um sistema de vizinhanças U(.), então a palavra vizinhança não correrá risco de ser vaga

no sentido topológico, uma vez que poderemos adotar uma topologia para este conjunto2De qualquer tipo, logo não precisa ser aberto.

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1 Sistema de Vizinhanças 9

de modo que o sistema U(.) seja exatamente o sistema dessa topologia. Comprovare-

mos isso no próximo teorema (sugerido por Willard [24], Exercício 4E, pg. 36), o qual

demonstraremos em vista de sua utilidade em discussões futuras.

Teorema 1.3. Supondo que temos definido no conjunto X um sistema U(.), então con-

seguimos colocar uma topologia τ em X da seguinte forma:

τ = {A ⊂ X; (∀ a ∈ A)(∃ Ua ∈ Ua)Ua ⊂ A}.

Mais que isso, esta é a única topologia capaz de fazer com que Ux seja exatamente a

família de vizinhanças do ponto x (poderíamos chamá-la de topologia do sistema).

Demonstração. Mostremos que τ é uma topologia para o conjunto X. De fato, temos

∅ ∈ τ por vacuidade e X ∈ τ pois, para qualquer x ∈ X e qualquer (em particular,

algum) Ux ∈ Ux satisfaz Ux ⊂ X. Dados A,B ∈ τ segue por (V2) que A ∩ B ∈ τ

e, portanto, um argumento indutivo garante que τ é fechada para interseções finitas.

Prosseguindo, dada qualquer subfamília {Aλ; λ ∈ Λ} ⊂ τ , então para cada x ∈⋃λ∈ΛAλ

temos que x ∈ Aλx para algum λx ∈ Λ. Como Aλx ∈ τ , segue que existe Ux ∈ Ux de forma

que Ux ⊂ Aλx ⊂⋃λ∈ΛAλ, portanto τ também é fechada para a união arbitrária de seus

elementos, como desejado. Continuando, mostremos que a família de vizinhanças coincide

com o sistema. Para isso denote para cada x ∈ X a família de todas as vizinhanças de

x pelo conjunto Vx. Antes de prosseguirmos vamos precisar caracterizar o interior de um

conjunto nesta topologia.

Afirmamos que dado U ⊂ X e denotando A = {y ∈ X; (∃ Uy ∈ Uy) Uy ⊂ U},

então U◦ = A. Com efeito, mostremos primeiramente que U◦ ⊂ A. É verdade que se

z ∈ U◦, então U◦ ∈ Uz (de fato, pela construção desta topologia, se z ∈ U◦ ∈ τ , então deve

existir Uz ∈ Uz com Uz ⊂ U◦, assim a propriedade (V3) garante U◦ ∈ Uz). Como sempre

vale U◦ ⊂ U , teremos U◦ ⊂ A. Reciprocamente, precisamos de A ⊂ U◦. Sabemos que

interior de um conjunto pode ser entendido como o maior (por inclusão) aberto contido

no referido conjunto. Com isso em mente, veja que por (V1) e pela construção de A, já

temos A ⊂ U . Assim, basta mostrarmos que A ∈ τ . De fato, ao considerarmos qualquer

a ∈ A, temos pela construção de A que existe Ua ∈ Ua com Ua ⊂ U . Por (V4) podemos

considerar algum Va ∈ Ua de modo que para todo y ∈ Va acontece Ua ∈ Uy e, como

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1 Sistema de Vizinhanças 10

Ua ⊂ U , temos imediatamente que Va ⊂ A. Assim, mostramos que para todo a ∈ A

existe Va ∈ Ua com Va ⊂ A, por isso A é aberto, como desejávamos.

Agora sim, mostraremos que Ux = Vx seja qual for o x ∈ X. Se V ∈ Vx,

então x ∈ V ◦ e como já mostramos V ◦ ∈ Ux, segue pela propriedade (V3) que V ∈ Ux.

Reciprocamente, se U ∈ Ux, então para mostrar que U ∈ Vx é suficiente concluirmos que

x ∈ U◦. Sabemos que U◦ = A e temos também que x ∈ A pelo fato de U ∈ Ux. Deste

modo x ∈ U◦, como desejado.

Vejamos que essa é a única topologia com essa propriedade. Suponha que τ ′

também tenha a sua família de vizinhanças coincidindo com o sistema. Se U ∈ τ , então,

por construção, para cada x ∈ U , existe Ux ∈ Ux, de modo que Ux ⊂ U . Como Ux é

uma τ ′− vizinhança de x (por hipótese), conseguimos (tomando interior mediante τ ′) um

aberto Vx ∈ τ ′ com x ∈ Vx ⊂ Ux ⊂ U e disto U será igual a união de abertos de τ ′.

Portanto, U ∈ τ ′. Reciprocamente, com V ∈ τ ′, teremos que V será uma τ ′−vizinhança

de cada um de seus pontos, ou seja, para cada x ∈ V vale que V ∈ Ux (por hipótese).

Deste modo segue que V ∈ τ por construção.

Assim, fica claro que falar em um sistema de vizinhanças equivale a falar em

uma topologia e vice versa, além dessa relação ser unívoca.

Considere a seguinte nomenclatura. Dadas F1 e F2 famílias de subconjuntos

de um conjunto arbitrário X, dizemos que F1 recupera F2 para significar que para todo

F2 ∈ F2 existe algum F1 ∈ F1 onde F1 ⊂ F2. Nessa mesma situação, podemos também

dizer que F2 é recuperada por F1.

Prosseguimos com o conceito de base, cuja ideia será usada diversas vezes neste

trabalho.

Definição 1.4. Seja um sistema U(.) para o conjunto X. Dizemos que B(.) é uma base

de vizinhanças (ou sistema básico de vizinhanças) para o sistema U(.) para significar que

todos os pontos x ∈ X podem ser associados simultaneamente a uma subcoleção Bx ⊂ Ux

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1 Sistema de Vizinhanças 11

que recupera Ux por superconjuntos3, isto é, satisfaz a relação

Ux = {U ⊂ X; (∃ V ∈ Bx) V ⊂ U}.

Uma situação um pouco diferente da anterior é dizer, sem partir de um sistema

propriamente dito, diretamente o que se entende por uma base, ou seja, dizemos que em

X está definido uma base de vizinhanças B(.) (veja que não partimos de sistema algum)

para significar que todo ponto x ∈ X está associado a uma coleção Bx de subconjuntos

de X tal que a família de superconjuntos Ux = {U ⊂ X; (∃ V ∈ Bx) V ⊂ U} define um

sistema de vizinhanças U(.) em X.

Nessas condições, deixamos o alerta de que, para todo x ∈ X, vamos designar

a família Bx por base de vizinhanças em x (ou no ponto x) e podemos falar que para

qualquer x ∈ X, Bx é base de Ux. Também, no decorrer do texto podemos eventualmente

ser menos formais e designarmos Ux de sistema de vizinhanças ao invés de U(.), assim

como Bx de base de vizinhanças no lugar de B(.).

Se temos duas famílias contidas em P(X) onde uma recupera e é recuperada

pela outra, então dizemos que elas são equivalentes. Com isso podemos observar quando

uma família é base comparando-a com outra conhecida.

Observação 1.5 (Base a partir de base). Se tivermos, para todo ponto x ∈ X, Bx uma

base de vizinhanças em x e qualquer outra subcoleção Ex ⊂ P(X) equivalente a Bx,

então a família Ex também é uma base de vizinhanças em x. Para ver isso, basta observar

que essa equivalência garante que as famílias de superconjuntos de Bx e Ex coincidem.

Para que consideremos o conceito de base sem mencionarmos o sistema asso-

ciado, usaremos a seguinte caracterização:

Teorema 1.6. Vale que Bx é uma base de vizinhanças se, e somente se, valem as se-

guintes propriedades:

(B1) Para todo V ∈ Bx, ocorre que x ∈ V ;

(B2) Para quaisquer Vα e Vβ em Bx, existe Vγ ∈ Bx, tal que Vγ ⊂ Vα ∩ Vβ;3Quando A ⊂ B dizemos que A é subconjunto de B e que B é superconjunto de A.

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1 Sistema de Vizinhanças 12

(B3) Para todo U ∈ Bx, existe V ∈ Bx tal que para qualquer y ∈ V , existe W ∈ By tal

que W ⊂ U .

Demonstração. Ver [24], Teorema 4.5, pg. 33. �

Observação 1.7. Observe que em qualquer espaço topológico o sistema Ux admite uma

base natural U ◦x = {U◦; U ∈ Ux} de todos os abertos contendo o ponto x.

Pensando da mesma forma que no Teorema 1.3, podemos considerar a topolo-

gia ideal para essa ocasião:

Teorema 1.8. Sendo que em X está definida uma base de vizinhanças B(.), então pode-

mos construir uma topologia τ para X fazendo

τ = {A ⊂ X; (∀ a ∈ A)(∃ Ba ∈ Ba) Ba ⊂ A}.

Ainda mais, esta é a única topologia onde Bx é base para o seu sistema (formada pela

família de vizinhanças).

Demonstração. Basta considerar o sistema Ux associado a Bx, notar que vale a igualdade

{A ⊂ X; (∀ a ∈ A)(∃ Ba ∈ Ba) Ba ⊂ A} = {A ⊂ X; (∀ a ∈ A)(∃ Ua ∈ Ua) Ua ⊂ A} e

usar o Teorema 1.3. �

Observação 1.9. Caracterizações de conceitos como aberto, fechado, interior, fecho e

fronteira em um espaço topológico (X, τ) através da linguagem de bases de vizinhanças

podem ser encontradas em Willard [24]. Elas são bem naturais no contexto topológico,

veja por exemplo a situação com o fecho: DadoX um espaço com uma base de vizinhanças

B(.), então para cada A ⊂ X, ao considerar a topologia τ do sistema obtida no teorema

anterior, teremos A = {x ∈ X; (∀ Bx ∈ Bx) Bx ∩ A 6= ∅}.

Por fim, temos uma forma de comparar diretamente sistemas (básicos) através

de suas respectivas topologias e vice versa.

Proposição 1.10 (Critério de Hausdorff). Sejam (X, τα) e (X, τβ) espaços topológicos

sobre o mesmo conjunto, de modo que em cada x ∈ X temos disponíveis B1x e B2

x bases

de vizinhanças em x com relação a τα e τβ respectivamente. Temos que τα ⊂ τβ se, e

somente se, B2x recupera B1

x. (Intuitivamente isto diz que bases com elementos “meno-

res” fornecem “mais” abertos.)

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2 Redes 13

2 Redes

A primeira ideia de generalizar sequências foi desenvolvida em 1922 no trabalho do ma-

temático estadunidense Eliakim Hastings Moore e seu aluno Herman Lyle Smith, mas

ainda não exatamente com a notação e nomenclatura de redes usadas aqui neste traba-

lho. Na verdade muitos matemáticos fizeram uso desses conceitos com nomes diversos,

por exemplo Tukey em [22] com suas ditas phalanxs. A formalização como faremos aqui

surge nos trabalhos do matemático Garrett Birkhoff em 1937 e o nome rede (do inglês

net) é creditado a John Leroy Kelley em 1950.

Uma motivação para conceber o conceito de rede surgiu pelo fato de que

sequências nem sempre conseguem caracterizações (de objetos como interior, fecho e conti-

nuidade) em espaços topológicos arbitrários. Mais precisamente, temos garantido apenas

que sequências conseguem descrever a topologia de um espaço enquanto este for primeiro

enumerável. Deste modo pode acontecer que em algum espaço topológico mais geral nem

todos os aspectos topológicos possam ser caracterizados por sequências, um exemplo disto

é dado por Willard [24] (Exemplo 10.6, pg. 71), o qual repetimos rapidamente aqui,

Exemplo 2.1. Tome X = RR com a topologia fraca induzida pela família de projeções

{πα}α∈R, onde πα(f) = f(α), para todo f ∈ RR e α ∈ R. Nesse caso, considerando um

conjunto finito F ⊂ R e um ε > 0, o conjunto dado por

U(f, F, ε) = {g ∈ RR; |g(x)− f(x)| < ε, ∀x ∈ F}

será uma vizinhança básica de f ∈ RR (conforme Willard [24], Teorema 5.4, pg. 39).

Vamos verificar que neste espaço nem sempre vale a caracterização sequencial de fecho.

Para uma função qualquer f ∈ RR denote o conjunto nulo de f por Zf := f−1({0}).

Agora considere o subconjunto de RR da forma

Z = {f ∈ RR; #(Zf ) <∞ ∧ f({Zf ) = {1}},

ou seja, o conjunto das funções constantes iguais a 1 exceto para uma quantidade finita

de pontos (onde assume valor nulo). Aqui teremos que 0f (função identicamente nula)

satisfaz os seguintes itens:

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2 Redes 14

• 0f ∈ Z : Pois, para quaisquer F ⊂ R finito e ε > 0 conseguimos g ∈ U(0f , F, ε)∩Z,

bastando considerar g ∈ Z de forma que Zg = F ;

• @ fn → 0f , com {fn}n∈N ⊂ Z : De fato, suponha fn → fL (função limite), com

{fn}n∈N ⊂ Z. Denote U :=⋃n∈N

Zfn . Nesse caso, U é enumerável. Também vale

ZfL ⊂ U (para ver isso observe que x /∈ U implica fL(x) = 1 6= 0) e, por isso,

teremos ZfL sendo também enumerável. Ou seja, é impossível ocorrer fL ≡ 0f uma

vez que R = Z0f não é enumerável.

No caso de redes esse problema, felizmente, não vai aparecer. Para mais deta-

lhes de como redes, assim como filtros, caracterizam alguns dos principais conceitos em

topologia basta conferir Willard [24], Capítulo 4, Seções 11 e 12.

Prosseguimos então para tratar do conceito, agora essencial, de redes. O cerne

da ideia consiste em substituir o conjunto totalmente ordenado N por um mais geral, dito

conjunto dirigido. Então começamos por relembrar alguns conceitos envolvendo relações

de ordem.

Definições 2.2 (Sobre ordenação). Considere Λ um conjunto com uma relação binária

� e λ, λ1, λ2 e λ3 em Λ para descrever as seguintes leis:

O-a) (reflexiva) (∀λ) λ � λ;

O-b) (transitiva) (∀λ1)(∀λ2)(∀λ3)(λ1 � λ2 ∧ λ2 � λ3 ⇒ λ1 � λ3);

O-c) (antissimétrica) (∀λ1)(∀λ2)(λ1 � λ2 ∧ λ2 � λ1 ⇒ λ1 = λ2);

O-d) (comparabilidade) (∀λ1)(∀λ2)(λ1 � λ2 ∨ λ2 � λ1);

O-e) (orientação positiva) (∀λ1)(∀λ2)(∃λ3)(λ1 � λ3 ∧ λ2 � λ3) ;

• Quando � satisfaz O-a) e O-b), falamos que � é uma pré-ordem e, com isso, Λ é

pré-ordenado por �;

• Se � é uma pré-ordem com orientação positiva O-e), dizemos que � é uma direção

e, portanto, Λ é dirigido por �;

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2 Redes 15

• Quando � satisfaz de O-a) até O-c), dizemos que � é uma ordem parcial e, assim,

Λ é parcialmente ordenado por �;

• Quando � é uma ordem parcial que satisfaz a comparabilidade O-d), dizemos que

� é uma ordem total e, assim, Λ é totalmente ordenado por �;

• Dado Λ dirigido por � e M ⊂ Λ, dizemos que M é cofinal em Λ significando que,

para qualquer λ ∈ Λ, conseguimos encontrar algum m ∈M de modo que m � λ.4

Exemplo 2.3. Perceba que todo conjunto Λ totalmente ordenado é um conjunto dirigido

pois a comparabilidade garante a orientação (note que N com a ordem usual é um exemplo

o qual tem utilização fundamental nas sequências). A recíproca não é verdadeira. Tome

por exemplo, o conjunto das partes de R, P(R), ordenado pela inclusão.

Exemplo 2.4. É simples verificar que todo subconjunto cofinal de um conjunto dirigido,

é dirigido, pela mesma relação (a menos de restrição).

Exemplo 2.5. Como um fácil exercício, pode-se verificar que quando �1 dirige Λ1 e �2

dirige Λ2, então o produto Λ1×Λ2 é dirigido por � definida coordenada-a-coordenada da

seguinte forma:

(λ1, λ2) � (λ′

1, λ′

2) se, e somente se, λ1 �1 λ′

1 e λ2 �2 λ′

2 .

Definições 2.6. Sendo X um conjunto não vazio5 segue que:

(a) Uma rede em X é uma função,

R : Λ −→ Xλ 7−→ R(λ) := xλ ,

onde Λ é um conjunto dirigido qualquer6. Podemos denotá-la por (xλ)λ∈Λ ou simples-

mente (xλ) quando for conveniente;

(b) Dado um subconjunto Y ⊂ X, dizemos que (xλ) é residual em Y para significar que

existe λ0 ∈ Λ tal que Cλ0 = {xλ}λ�λ0 ⊂ Y (podemos nos referir a Cλ0 como sendo

uma cauda de (xλ));4Como costume, é claro que α � β significa apenas β � α.5Não necessitamos de uma topologia ainda.6Nesse ponto já podemos observar a grande diferença desse objeto com sequências, uma vez que o

domínio pode ser finito ou até mesmo não enumerável, características bem distintas do bem comportadoconjunto N.

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2 Redes 16

(c) Dizemos que (xλ) é cofinal em Y ⊂ X para significar que R−1(Y ) é cofinal em Λ,

ou seja, para todo λ ∈ Λ, conseguimos algum m ∈ Λ com m � λ e xm ∈ Y ;

Para prosseguir, agora sim, vamos precisar X como espaço topológico.

Definição 2.7. Dada uma rede (xλ) no espaço X, dizer que (xλ) converge para um

ponto x ∈ X equivale a (xλ) ser residual em cada vizinhança de x, ou seja, residual em

cada U ∈ Ux. Resumimos isso escrevendo apenas xλ → x.

Exemplo 2.8. Sejam X um espaço topológico, x ∈ X e Bx uma base de vizinhanças7

em x. Ao considerar a relação � em Bx definida como U1 � U2 se, e somente se, U2 ⊂ U1

(inclusão reversa) vamos ter que se verificam os seguintes itens:

• � dirige Bx: De fato, é claro que � é uma pré-ordem. Ainda, � tem orientação

positiva, pois dados U1, U2 ∈ Bx então existe U3 ∈ Bx tal que U3 ⊂ U1 ∩ U2,

logo U1 � U3, U2 � U3 (pode-se pensar intuitivamente que essa direção significa

que quanto mais “perto” de x as vizinhanças se encontram, mais “adiante” a rede se

dirige). Com isso, ao tomar algum xU ∈ U , para todo U ∈ Bx, então (xU)U∈Bx é

rede em X;

• xU → x: Com efeito, dado U ∈ Ux, já que Bx é uma base para o sistema Ux,

temos que deve existir U0 ∈ Bx com U0 ⊂ U . Disto {xV }V�U0 ⊂ U , pois V � U0

implica xV ∈ V ⊂ U0 ⊂ U .

Exemplo 2.9. Dado x no espaço topológico X, a rede constante em x, (x)λ∈Λ, satisfaz

claramente (x)λ∈Λ → x.

Enunciaremos alguns resultados úteis para o decorrer do texto.

Proposição 2.10. Seja X um espaço topológico qualquer e A ⊂ X. Vale que, x ∈ A se,

e somente se, existe (xλ)λ∈Λ tal que {xλ}λ∈Λ ⊂ A e xλ → x

Demonstração. Ver Willard [24], Teorema 11.7, pg. 75. �

7Observe o caso particular em que temos a base trivial Bx = Ux.

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2 Redes 17

Proposição 2.11. Sendo X e Y espaços topológicos quaisquer, f : X → Y uma função

e um ponto x ∈ X, então f é contínua em x se, e somente se, para toda rede (xλ) em X,

com xλ → x, ocorre que f(xλ)→ f(x).

Demonstração. Ver Willard [24], Teorema 11.8, pg 75. �

Agora uma definição que salienta a grande diferença e uma das principais

vantagens de redes sobre sequências.

Definição 2.12. Uma sub-rede de R é uma composição R ◦ φ : M −→ X

Λ R // X

M

φ

OO

R◦φ

>>

onde M é qualquer outro conjunto dirigido e φ : M −→ Λ é uma função que satisfaz as

propriedades:

i) (crescente) Para todos µ1, µ2 ∈M com µ1 �M µ2, ocorre φ(µ1) �Λ φ(µ2);

ii) (cofinal) A imagem φ(M) é cofinal em Λ.

Denotaremos frequentemente o ponto R ◦ φ(µ) por xλµ e a sub-rede R ◦ φ por (xλµ)µ∈M

ou (xλµ).

Observação 2.13. Note que a palavra qualquer na definição acima justifica plenamente

a afirmação de que sub-redes são de alguma forma muito mais ricas e versáteis do que

subsequências. Por exemplo, enquanto subsequências se limitam a possuírem o domínio

sempre em N, sub-redes, por sua vez, podem ter domínios com cardinalidade inclusive

maior que a do domínio da rede inicial.

Proposição 2.14. Seja (xλ) uma rede no espaço topológico X com x ∈ X.

(xλ)→ x se, e somente se, (xλµ)→ x para toda sub-rede (xλµ) de (xλ).

Demonstração. Vejamos a necessidade. Tome qualquer sub-rede (xλµ) := R◦φ : M −→ X

de (xλ) e um arbitrário U ∈ Ux. Por hipótese temos que existe uma cauda {xλ}λ�λU ⊂ U .

Já que φ é cofinal, existe µU ∈M com φ(µU) � λU . Agora basta notar que, {xλµ}µ�µU ⊂

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3 Filtros 18

{xλ}λ�λU ⊂ U , ou seja, (xλµ) é residual em U . Quanto a suficiência, basta observar que a

rede (xλ) := R é uma sub-rede dela mesma, por considerar φ := IdΛ (função identidade),

onde é claro R ◦ φ = R. �

Finalizamos por aqui essa seção. Passamos a tratar de outro conceito de ex-

trema relevância quando se trata do estudo de convergência e, como feito até agora, de

formas alternativas de descrever a topologia de um espaço topológico.

3 Filtros

A ideia da formalização deste conceito é creditada aos matemáticos Garret Birkhoff e

Henri Paul Cartan os quais formalizaram isto na mesma época (1935-1937). Tal conceito,

também surge para se discutir convergência em topologia, porém, diferentemente de redes,

o ponto de vista fica estritamente ligado a subconjuntos e não a pontos, ou seja, é discutido

quando uma família de conjuntos converge. Essa abordagem fornece várias vantagens (por

exemplo ultrafiltros), além de às vezes ser mais conveniente em demonstrações topológicas

lidar apenas com cálculos sobre conjuntos (como inclusões, interseções e uniões) como

veremos nas definições e resultados desta seção.

Observe que a princípio não exigimos topologia para defini-lo.

Definição 3.1. Um filtro F em um conjunto não vazio X é uma coleção ∅ 6= F ⊂P(X)

que satisfaz:

i) Para todo F ∈ F , ocorre que F 6= ∅;

ii) Para quaisquer F e F ′ em F , ocorre que F ∩ F ′ ∈ F ;

iii) Se S ⊃ F e F ∈ F , então S ∈ F .

Observação 3.2.

1) Perceba que a condição ii) da definição acima garante que um filtro F , por um argu-

mento indutivo, é fechado para interseções finitas. Isto, juntamente com a condição

i), garante que F é uma família com a propriedade da interseção finita, a qual diz

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3 Filtros 19

que a interseção de qualquer quantidade finita de elementos de F é diferente do vazio.

Isso nos remete a pensar imediatamente qual seria então sua relação com compacidade

se estivéssemos num ambiente topológico, o que ficará mais claro depois de desenvol-

vermos um pouco mais as ferramentas que os filtros fornecem (uma possível resposta

pode ser conferida em Willard [24], Teorema 17.4);

2) Pela condição iii) um filtro F é fechado para uniões arbitrárias;

3) Como um filtro F em um conjunto X não pode ser vazio, a condição iii) também

garante que X ∈ F .

Como sempre, é conveniente ter uma noção de base aqui também, a qual deve

lembrar bastante o caso de sistema de vizinhanças.

Definições 3.3. Seja X um conjunto.

• Uma coleção B com ∅ 6= B ⊂ P(X) é dita uma base de filtro para o filtro F

para significar que

B ⊂ F e F = {F ⊂ X; (∃B ∈ B) F ⊃ B}

(Com isso, é simples verificar que B satisfaz as condições i) e ii) abaixo).

• Uma coleção B onde ∅ 6= B ⊂ P(X) é dita base de filtro para algum filtro para

expressar que valem:

i) Para todo B ∈ B, ocorre que B 6= ∅;

ii) Para quaisquer B1 e B2 em B, existe B3 ∈ B tal que B3 ⊂ B1 ∩B2.

Nesse caso, facilmente se verifica que a coleção F = {F ⊂ X; (∃B ∈ B) F ⊃ B}

(superconjuntos de B) é um filtro e contém B.

Observação 3.4. Se um filtro F tem uma base B, então B ⊂ F e, portanto,⋂F∈F

F ⊂⋂B∈B

B. Também,⋂B∈B

B ⊂⋂F∈F

F , pois {(⋂F∈F

F ) =⋃F∈F

{F ⊂⋃B∈B

{B = {(⋂B∈B

B)

já que para todo F ∈ F , existe B ∈ B tal que B ⊂ F . Isto nos permite dizer que

⋂F∈F

F =⋂B∈B

B.

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3 Filtros 20

Observação 3.5. Dado um filtro F em um conjunto X de modo que para um sub-

conjunto A ⊂ X seja válido que A ∩ F 6= ∅, para todo F ∈ F , então a coleção

B = {A ∩ F ; F ∈ F} é uma base de filtro em X, cujo filtro G em X gerado por

B é mais fino que F e, ainda, A ∈ G , como facilmente se verifica.

No decorrer do texto podemos dizer que F1 é filtro mais fino do que o filtro

F2 para significar que F2 ⊂ F1; nesse caso também poderíamos dizer que F2 é filtro

menos fino do que o filtro F1. Também falamos que F é um filtro livre significando que⋂F∈F

F = ∅ e, no caso contrário, se⋂F∈F

F 6= ∅, dizemos que F é um filtro fixo.

Exemplo 3.6. Dado um subconjunto A, ∅ 6= A ⊂ X, então a família F (A) = {F ⊂

X; F ⊃ A} é um filtro. Nos referimos a este como o filtro gerado por A.

Em geral interseção arbitrária de filtros é ainda um filtro8, mas no caso de

filtros gerados por um conjunto temos condições de dizer um pouco mais.

Proposição 3.7. Dados A e B subconjuntos não vazios de X vale que F (A) ∩F (B) =

F (A ∪B).

Demonstração. Se F ∈ F (A) ∩F (B) então A ⊂ F e B ⊂ F , logo A ∪ B ⊂ F . Disto

F ∈ F (A ∪ B). Reciprocamente, de forma mais geral que nosso caso, vale que se U ⊂

V ambos não vazios em X então, reversamente, F (V ) ⊂ F (U). Assim, é claro que

F (A ∪B) ⊂ F (A) e F (A ∪B) ⊂ F (B), portanto F (A ∪B) ⊂ F (A) ∩F (B). �

Definição 3.8. Dados X e Y conjuntos não vazios quaisquer, f : X −→ Y uma função e

F um filtro em X, a coleção B = {f(F ); F ∈ F} é uma base de filtro (como facilmente

se verifica) gerando um filtro f(F ) em Y , o qual chamaremos de filtro imagem de F

pela função f .

Para prosseguirmos, considere X como um espaço topológico.8Com respeito a união de filtros a chance de dar errado é muito grande. Veja por exemplo F (A) ∪

F ({A), que com muita certeza não pode ser filtro.

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3 Filtros 21

Exemplos 3.9.

a) Dado um subconjunto A com ∅ 6= A ⊂ X, então a família F ◦(A) = {F ⊂ X; F ◦ ⊃

A} é um filtro. Referenciamos F ◦(A) como filtro de vizinhanças de A. Observe que

o caso particular onde A = {x} implica que F ◦({x}) = Ux. Também note que este

tipo de filtro é um exemplo de filtro fixo;

b) Seja B = {(α,∞); α ∈ R}. Observe que ∀ α, β ∈ R temos que (α,∞) 6= ∅ e

∃ γ = max{α, β} + ε (qualquer ε > 0) satisfazendo (γ,∞) ⊂ (α,∞) ∩ (β,∞). Isto

nos diz que B é uma base para um filtro F de R, que é um exemplo de filtro livre

pela Observação 3.4.

É indispensável tratar do conceito de convergência mediante filtros.

Definição 3.10. Em um espaço topológico X dizemos que um filtro F converge para

um ponto x ∈ X para significar que o filtro F é mais fino do que Ux. Resumimos isso

escrevendo F → x. Nesse caso x pode ser referido como limite de F .

Também, dizemos que uma base de filtro B converge para x para significar

que, para todo U ∈ Ux, existe algum B ∈ Bx de modo que B ⊂ U (Isto equivale a afirmar

que o filtro gerado por B converge para x).

A seguir, assim como em redes, enunciaremos alguns resultados úteis para

as nossas discussões. As demonstrações indicadas são extremamente simples de serem

verificadas.

Proposição 3.11. Seja X um espaço topológico qualquer e A ⊂ X. Vale que x ∈ A se,

e somente se, existe um filtro F em X com A ∈ F → x.

Demonstração. Ver Willard [24], Teorema 12.6, pg. 79. �

Proposição 3.12. Sendo X e Y espaços topológicos com f : X → Y uma função. Vale

que f é contínua em x se, e somente se, F → x em X implica f(F )→ f(x) em Y .

Demonstração. Ver Willard [24], Teorema 12.8, pg. 79. �

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3 Filtros 22

Proposição 3.13. Sejam {Xλ}λ∈Λ uma família de espaços topológicos e X =∏

λ∈ΛXλ

o espaço produto 9. Então valem os seguintes itens:

(a) Se F → x ∈ X, então para todo λ ∈ Λ ocorre πλ(F )→ πλ(x);

(b) Se temos que para todo λ ∈ Λ valem as convergências πλ(F ) → xλ ∈ Xλ, então ao

definir x de forma que para todo λ ∈ Λ ocorra πλ(x) = xλ teremos F → x.

Demonstração. O primeiro item é consequência imediata do fato de que toda πλ é contínua

(basta usar a Proposição 3.12). Quanto ao segundo, tome U ∈ Ux uma vizinhança de x

definido como x(λ) = xλ. Nesse caso, pela definição desta topologia fraca, existe n ∈ N

tal que para cada i ∈ {1, · · · , n}, existem Ui ∈ Uxλie uma subcoleção {λ1, · · · , λn} ⊂ Λ

tais que U ⊃n⋂i=1

π−1λi

(Ui). Precisamos mostrar que U ∈ F . Para isso, basta que tenhamos

π−1λi

(Ui) ∈ F , para todo i ∈ {1, · · · , n}, pois na Observação 3.2 já observamos que filtros

são fechados para interseções finitas. Assim, é suficiente comprovarmos de forma mais

geral que para todo λ ∈ Λ ocorre que se V ∈ Uxλ , então π−1λ (V ) ∈ F . Então vamos

verificar essa propriedade. De fato, dado qualquer λ ∈ Λ, pelas hipóteses que possuímos

podemos dizer que V ∈ Uxλ ⊂ πλ(F ); disto segue que existe F ∈ F tal que πλ(F ) ⊂ V .

Agora, note que F ⊂ π−1λ (πλ(F )) ⊂ π−1

λ (V ) e por isso π−1λ (V ) ∈ F . �

É possível caracterizarmos os espaços de Hausdorff com essa ferramenta.

Proposição 3.14. Um espaço topológico X é de Hausdorff se, e somente se, todo filtro

convergente possui único limite.

Demonstração. Procedemos sempre por contrapositiva. Suponha que tenhamos um filtro

F convergindo para os pontos x e y com x 6= y. Nesse caso Ux ⊂ F e Uy ⊂ F . Já que

F é filtro, teremos que para quaisquer abertos U ∈ Ux e V ∈ Uy sempre deve ocorrer

U ∩ V 6= ∅, assim X não pode ser de Hausdorff. Reciprocamente, supondo que X não é

um espaço de Hausdorff, podemos dizer que sejam quais forem U ∈ Ux e V ∈ Uy sempre

ocorrerá U ∩ V 6= ∅. Nesse caso a família F = {U ∩ V ; U ∈ Ux e V ∈ Uy} será uma

base de filtro. Já que X ∈ Ux ∩ Uy, teremos que todo U ∈ Ux é da forma U ∩X ∈ F ,9Espaço topológico com a topologia fraca induzida pelas projeções em coordenadas {πλ}λ∈Λ.

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3 Filtros 23

assim como todo V ∈ Uy é escrito como X ∩ V ∈ F . Disto segue que Ux ∩ Uy ⊂ F e,

portanto, F possui limites distintos x e y.

Redes Vs. Filtros

É verdade que desenvolver a teoria usando redes ou filtros resultam nas mesmas con-

clusões. Isto pode ser formalizado pelas definições que seguem, as quais dizem como é

possível associar uma rede a um filtro e vice versa.

Definições 3.15. Seja X um conjunto não vazio.

(1) Dada (xλ)λ∈Λ uma rede em X, então a “família de caudas” B = {Cλ; λ ∈ λ} é uma

base de filtro (facilmente se verifica). O filtro F gerado por essa base é dito filtro

gerado pela rede (xλ).

(2) Dado um filtro F em X, então o conjunto ΛF = {(x, F ); x ∈ F ∈ F} pode ser

dirigido pela relação (x1, F1) � (x2, F2) se, e somente se, F2 ⊂ F1 (também de fácil

verificação). Nesse caso, conseguimos uma rede da forma

RF : ΛF −→ X(x, F ) 7−→ x .

Esta rede é referida como rede baseada em F .

Para comprovar a funcionalidade dessas “translações” temos o seguinte:

Teorema 3.16. Seja X um espaço topológico.

(1) Um filtro F converge para x ∈ X se, e somente se, a rede baseada em F converge

para x ∈ X;

(2) Uma rede (xλ) converge para x ∈ X se, e somente se, o filtro gerado por (xλ) converge

para x ∈ X.

Demonstração. Vejamos a necessidade do primeiro item. De fato, dada uma vizinhança

U do sistema Ux, como F → x, temos Ux ⊂ F e, nesse caso, U ∈ F . Tome qualquer

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3 Filtros 24

y ∈ U e terá que para todo (x, F ) � (y, U) ocorre RF (x, F ) = x ∈ F ⊂ U . Assim a rede

baseada em F é residual em U . Portanto tal rede converge para x ∈ X. Reciprocamente,

dado U ∈ Ux, temos que RF é residual em U , ou seja, existe um índice (x0, F0) ∈ ΛF

de forma que para todo (x, F ) � (x0, F0) ocorre x = RF (x, F ) ∈ U . Em particular, para

todo x ∈ F0 ocorre (x, F0) � (x0, F0) e, assim, x ∈ U , ou seja, F0 ⊂ U e disto U ∈ F .

Portanto, Ux ⊂ F , como queríamos.

Agora vamos comprovar a necessidade do segundo item. Dado U ∈ Ux, já

que a rede (xλ) converge para x, segue que existe um cauda Cλ0 inteiramente contida em

U . Mas as caudas desta rede são os elementos básicos do filtro gerado pela rede, então

tal filtro contém U . Assim temos o desejado. Para a suficiência, veja que por hipótese

temos o sistema Ux contido no filtro gerado por (xλ). Como este filtro possui como base

as caudas de (xλ), devemos ter para cada U ∈ Ux alguma cauda CλU contida em U . Isto

diz que (xλ) −→ x . �

Usando os Teoremas 17.4 e 11.5 realizados em Willard [24] (e tendo em mente

esses procedimentos de translação entre redes e filtros) demonstra-se o resultado caracte-

rizando (de forma familiar ao caso métrico) a compacidade.

Teorema 3.17. Um espaço topológico X é compacto se, e somente se, toda rede em X

possui uma sub-rede convergente.

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Capıtulo 1MOTIVAÇÕES

Neste capítulo vamos propiciar um contato com as duas classes de espaços topológicos

as quais Weil se propôs a generalizar. Com relação a seção de grupos topológicos, além

da apresentação dessa classe, o objetivo será mostrar como funcionam os fundamentos

de sua teoria. Vamos observar que o seu desenvolvimento é realizado com argumentos

usando propriedades algébricas (do grupo associado) e topológicas (das continuidades

envolvidas) de forma simultânea. Isso servirá como uma preparação para o tratamento de

espaços uniformes via diagonal, uma vez que lá a ideia é essencialmente a mesma, ou seja,

são listadas propriedades algébricas (envolvendo a composição e a inversão de relações

binárias) e propriedades da uniformidade para que a teoria seja desenvolvida sempre com

a junção delas.

Porém, se desenvolvêssemos as nossas discussões com, por exemplo, a unifor-

midade via coberturas, perceberíamos que uma melhor preparação seria obtida com o

tratamento de espaços métricos, já que as estrelas nesse ambiente comprovadamente pro-

piciam resultados muito semelhantes aos conseguidos através de bolas no caso métrico.

Nesse caso, espaços métricos podem também ser considerados fundamentais para entender

como os espaços uniformes funcionam. No entanto, já que nosso tratamento foi priorita-

riamente via diagonal, não precisaremos desenvolver muito dos aspectos métricos, sendo

indispensável o uso de um importante teorema sobre pseudometrização para atender aos

objetivos desse trabalho. Isto já é um sinal do quanto também é forte a relação entre

métrica e uniformidade.

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4 Grupos Topológicos: fundamentação 26

4 Grupos Topológicos: fundamentação

Depois do grande avanço na pesquisa sobre os chamados grupos de Lie (os quais são

estudados sob o ponto de vista diferenciável), uma grande quantidade de pesquisadores

deram atenção ao estudo, mais geral, de grupos abstratos sob o ponto de vista topológico

(inclusive David Hilbert no quinto de sua famosa lista de problemas), dando assim impulso

ao desenvolvimento da teoria dos chamados grupos topológicos.

Tal conceito carrega a importância de seu estudo no próprio nome, uma vez que

este é um dos momentos em que se torna explícito o quanto uma teoria matemática fica

bela quando há uma interseção direta de áreas como, neste caso, Álgebra e Topologia. No

que segue, apresentaremos apenas exemplos e algumas propriedades topológicas básicas

desses tipos de espaços.

4.1 Definições e exemplos

Aqui daremos a definição de grupos topológicos, apresentaremos algumas consequências e

vamos expor também exemplos. É importante dizer que todos os exemplos apresentados

aqui serão também exemplos de espaços uniformes, assim como de espaços admissíveis,

depois que tivermos demonstrado que é possível munir qualquer grupo topológico com

tais estruturas.

Se não mencionado o contrário, consideraremos G sendo um conjunto não

vazio, (G, p) um grupo com a operação “produto”

p : G×G −→ G(g, h) 7−→ p(g, h) = gh

e associada a este produto, a aplicação de inversão

i : G −→ Gg 7−→ i(g) = g−1 ,

assim como um elemento identidade e ∈ G.

Definição 4.1. Seja um grupo (G, p) onde G está munido de uma topologia τ . Dizemos

que (G, p, τ) é um grupo topológico para significar que as aplicações p e i são contínuas

com relação a topologia τ .

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4 Grupos Topológicos: fundamentação 27

Observação 4.2. Com (G, p) sendo um grupo podemos considerar também a aplicação

q : G×G −→ G(g, h) 7−→ p(g, i(h)) = gh−1 .

Ou seja, q = p ◦ r onde

r = Id× i : G×G −→ G×G(g, h) 7−→ (g, i(h)) .

Nesse caso, dizer que (G, p, τ) é um grupo topológico equivale à aplicação q ser contínua

na topologia τ . Claro, se p e i são contínuas a aplicação q também será. Reciprocamente,

com a aplicação q sendo contínua segue que i = q|{e}×G é contínua; disto r = Id × i é

contínua. Note que r = r−1 e assim p = q ◦ r−1 = q ◦ r também é contínua.

Definição 4.3. Em um grupo (G, p), dado um elemento g ∈ G podemos definir:

• Translação à esquerdaEg : G −→ G

h 7−→ gh ;

• Translação à direitaDg : G −→ G

h 7−→ hg ;

• ConjugaçãoCg : G −→ G

h 7−→ ghg−1 .

Observação 4.4. No grupo (G, p) as funções acima são bijeções, pois

(Eg)−1 = Eg−1 ;

(Dg)−1 = Dg−1 ;

(Cg)−1 = Cg−1 .

No grupo topológico (G, p, τ) conseguimos estas aplicações sendo homeomorfismos. Basta

considerar as aplicações contínuas,

βg : G −→ G×G e αg : G −→ G×Gh 7−→ (h, g) h 7−→ (g, h)

e observar queEg = p ◦ αg ;

Dg = p ◦ βg ;

Cg = Eg ◦Dg−1 .

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4 Grupos Topológicos: fundamentação 28

Também, no grupo (G, p) a inversão i é uma bijeção, pois i = i−1. Portanto, no grupo

topológico (G, p, τ) segue também que i é um homeomorfismo.

Observação 4.5. Para quaisquer g e h em um grupo (G, p) valem também as fórmulas

Eg ◦Dh = Dh ◦ Eg ;

Dg ◦ i = i ◦ Eg−1 ;

Eg ◦ i = i ◦Dg−1 .

Agora daremos uma série de exemplos de modo que se forem consideradas

combinações destes itens conseguimos uma classe consideravelmente grande de exemplos.

Exemplos 4.6.

1. Dado qualquer grupo (G, p), então (G, p, τd) é um grupo topológico se τd é a topologia

discreta;

2. (R,+, τ) com a soma e a topologia usuais em R é um grupo topológico;

3. (R\{0}, · , τ) com topologia e produto usuais em R também é um grupo topológico;

4. Considere o grupo de matrizes Mn×n(R) com a topologia euclideana τe obtida pela

identificação Mn×n(R) := Rn2 . Os subgrupos lineares e ortogonais de Mn×n(R) com

a topologia induzida serão também espaços topológicos e, assim, com a operação de

produto nesses subgrupos (lembre-se que o produto no espaço inteiro de matrizes não

resulta em grupo, mas nos lineares e ortogonais sim), conseguimos alguns exemplos

fundamentais de grupos topológicos:

Gl(n,R) = {M ∈Mn×n(R); det(M) 6= 0},

Sl(n,R) = {M ∈ Gl(n,R); det(M) = 1},

O(n) = {M ∈ Gl(n,R); MM t = In = M tM} e

SO(n) = Sl(n,R) ∩O(n);

5. E de forma análoga, ao considerar a topologia euclideana em Mn×n(C) := Cn2 ,

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4 Grupos Topológicos: fundamentação 29

novamente com o produto de matrizes temos os exemplos análogos aos anteriores:

Gl(n,C) = {M ∈Mn×n(C); det(M) 6= 0},

Sl(n,C) = {M ∈ Gl(n,C); det(M) = 1},

U(n) = {M ∈ Gl(n,C); MM t = In = M tM} e

SU(n) = Sl(n,C) ∩ U(n);

6. Seja (X, τ) um espaço topológico e (G, p, τ ′) um grupo topológico. O conjunto

C (X,G) = {f : X −→ G; f é contínua} possui estrutura de grupo com o produto

de funções

pC : C (X,G)× C (X,G) −→ C (X,G)(f, g) 7−→ pC (f, g) : G −→ G

x 7−→ p(f(x), g(x))

e, consequentemente, com a inversão dada por

iC : C (X,G) −→ C (X,G)f 7−→ iC (f) : G −→ G

x 7−→ i(f(x)) inversão em G.

O conjunto C (X,G) também possui estrutura de espaço topológico com a topologia

do compacto-aberto τc, a qual possui como sub-base a família de todos os conjun-

tos da forma CK,U onde K ⊂ X é compacto, U ⊂ G é aberto e CK,U = {f ∈

C (X,G); f(K) ⊂ U}.

Afirmamos que, deste modo, (C (X,G), pC , τc) será um grupo topológico.

De fato, para verificar que iC é contínua, perceba que para toda f ∈ C (X,G) temos

iC (f) = i ◦ f . Agora, i−1C (CK,U) = {f ; i ◦ f ∈ CK,U} = {f ; i(f(K)) ⊂ U} =

{f ; f(K) ⊂ i−1(U)} = CK,i−1(U). Assim, a continuidade de iC segue pela conti-

nuidade da i. Agora, para comprovar que o produto pC é uma função contínua

usaremos o seguinte diagrama:

C (X,G)× C (X,G)

µ))

pC // C (X,G)

C (X,G×G)

λ

77

onde

µ : C (X,G)× C (X,G) −→ C (X,G×G)(f, g) 7−→ h = (f ; g) : X −→ G×G

(par ordenado) (Funções coordenadas) x 7→ (f(x), g(x))

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4 Grupos Topológicos: fundamentação 30

eλ : C (X,G×G) −→ C (X,G)

h = (h1;h2) 7−→ p ◦ h .

Repare que assim o diagrama comuta, ou seja, pC = λ ◦ µ, o que se verifica dire-

tamente pela definição de pC . Nesse caso, basta mostrarmos que λ e µ são con-

tínuas com respeito à topologia do compacto-aberto nos espaços envolvidos. Ve-

jamos que λ é contínua. Sabemos que é suficiente lidarmos apenas com os ele-

mentos da sub-base; deste modo tome qualquer aberto do tipo CK,U ⊂ C (X,G)

e veja que λ−1(CK,U) = {h; p ◦ h ∈ CK,U} = {h; p(h(K)) ⊂ U} = {h; h(K) ⊂

p−1(U)} = CK,p−1(U), o qual é um aberto sub-básico da topologia compacto-aberto

em C (X,G × G) pois p é contínua. Isso prova a continuidade de λ. Agora veja-

mos que µ é contínua. Novamente, dado qualquer CK,U×V ⊂ C (X,G × G) temos

µ−1(CK,U×V ) = {(f, g); µ(f, g) ∈ CK,U×V } = {(f, g); (f ; g)(K) ⊂ U × V } =

{(f, g); f(K) ⊂ U e g(K) ⊂ V } = CK,U × CK,V o qual é um aberto sub-básico

na topologia produto em C (X,G) × C (X,G). Logo µ também é contínua, como

desejado. Podemos então concluir que (C (X,G), pC , τc) é um grupo topológico;

7. Seja uma coleção finita {(G1, p1, τ1), · · · , (Gn, pn, τn)} de grupos topológicos. Pode-

mos definir

p :n∏i=1

Gi ×n∏i=1

Gi −→n∏i=1

Gi

((g1, · · · , gn), (h1, · · · , hn)) 7−→ (p1(g1, h1), · · · , pn(gn, hn))

a qual fornece a estrutura de grupo à (n∏i=1

Gi, p). Mais que isso, considerando a

topologia produto, a função p será contínua pois no diagrama comutativo abaixo, f

é um homeomorfismo e p1 × · · · × pn é contínua,

n∏i=1

Gi ×n∏i=1

Gi

f��

p //n∏i=1

Gi

n∏i=1

(Gi ×Gi) .

p1×···×pn

88

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4 Grupos Topológicos: fundamentação 31

Também, claramente a inversão i = i1×· · ·× in, associada ao produto p, é contínua.

Isto permite dizer que (n∏i=1

Gi, p, τ) é um grupo topológico.

A partir daqui falaremos apenas “ o grupo topológico G ” ficando subentendido

que um produto e uma topologia estão bem definidos no conjunto G de modo que este

seja de fato um grupo topológico.

Observações 4.7. Em um grupo topológico G com um elemento g ∈ G e subconjuntos

A,B ⊂ G,

• Considere as seguintes notações:

gA := Eg(A) = {ga; a ∈ A};

Ag := Dg(A) = {ag; a ∈ A};

AB :=⋃a∈A

aB =⋃b∈B

Ab;

A[1] := A;

A[n+1] := AA[n] (∀ n ∈ N);

gAg−1 := Cg(A) = {gag−1; a ∈ A};

A−1 := i(A) = {a−1; a ∈ A}.

Utilizando a última, vamos dizer que A é simétrico para significar que A = A−1.

O colchete no expoente de A[n], talvez como uma precaução excessiva, serve apenas

para não gerar confusão com o produto cartesiano An = A×(n vezes)· · · × A.

• Nesse caso, já que translações, conjugação e inversão são homeomorfismos:

A é aberto (fechado) se, e somente se, gA é aberto (fechado);

A é aberto (fechado) se, e somente se, Ag é aberto (fechado);

A é aberto (fechado) se, e somente se, gAg−1 é aberto (fechado);

A é aberto (fechado) se, e somente se, A−1 é aberto (fechado);

A ou B aberto implica AB aberto.

• Observe que,

A ou B fechado não implica AB fechado.

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4 Grupos Topológicos: fundamentação 32

Por exemplo, no grupo topológico (R2,+, τ) com soma e topologia usuais, tome o

subconjunto A = {(x, 1

x); x > 0} e B = {(−x, 1

x); x > 0}. Observe que tanto A

quanto B são fechados em R2. Mas não podemos concluir que A+B é fechado, uma

vez que (0, 0) ∈ A+B \ (A + B). De fato, é claro (0, 0) /∈ A + B e fazendo, para

todo n ∈ N, zn = (n,1

n) + (−n, 1

n) = (0,

2

n) ocorre zn → (0, 0) e {zn}n∈N ⊂ A + B

que é suficiente para garantir (0, 0) ∈ A+B .

Mas com alguma hipótese a mais temos:

Proposição 4.8. Em um grupo topológico G vale que se K ⊂ G é compacto e F ⊂ G é

fechado, então o produto KF é fechado.

Demonstração. Vamos usar a Proposição 2.10 que caracteriza fechados pela linguagem de

redes. Nesse caso, tome uma rede (gλ) com {gλ}λ∈Λ ⊂ KF e gλ → x para mostrarmos que

x ∈ KF . Observe que podemos dizer gλ = kλfλ com kλ ∈ K e fλ ∈ F , para todo λ ∈ Λ.

Com isso, (kλ) é uma rede em K. Pelo Teorema 3.17, existe uma sub-rede (kλµ) e algum

k ∈ K com kλµ → k. Agora, pelo fato da inversão ser contínua (usando a caracterização

de continuidade via redes vista na Proposição 2.11) teremos, i(kλµ) → i(k). Também,

como o produto é contínuo teremos fλµ = p(i(kλµ), gλµ) → p(i(k), x) = k−1x. Como

{fλµ} ⊂ F e por hipótese F é fechado, temos condições de dizer que k−1x = f ∈ F . Deste

modo x = kf ∈ KF , como precisávamos. �

4.2 Vizinhanças da identidade

Em um grupo topológico, quaisquer dois pontos distintos podem ser “ligados” por um

homeomorfismo. De fato, dados x 6= y em G, se considerar g = yx−1 então o homeomor-

fismo Eg é o procurado, pois Eg(x) = y. Isto pode ser referido como uma propriedade

de homogeneidade de G. Essa propriedade nos permitirá dizer que algumas informações

topológicas que se queira saber sobre o espaço em questão podem ser adquiridas obser-

vando apenas o sistema de vizinhanças no ponto identidade deste grupo, ressaltando a

importância deste sistema para esta teoria.

Além disso, podemos afirmar que a definição de espaços uniformes, a qual

veremos, conseguiu de alguma forma captar informações análogas às existentes no sistema

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4 Grupos Topológicos: fundamentação 33

apresentado abaixo. Dito isto, começamos então a verificar propriedades sobre o sistema

Ue.

Teorema 4.9. Em um grupo topológico G qualquer base Ve do sistema de vizinhanças na

identidade ( Ue obtido da topologia em questão), além de ser uma base de filtro, satisfaz

as seguintes fundamentais propriedades:

(T1) Para todo U ∈ Ve, ocorre que e ∈ U ;

(GT1) Para todo U ∈ Ve, existe V ∈ Ve, tal que V [2] ⊂ U ;

(GT2) Para todo U ∈ Ve, existe V ∈ Ve, tal que V −1 ⊂ U ;

(GT3) Para quaisquer g ∈ G e U ∈ Ve, existe V ∈ Ve, tal que g−1V g ⊂ U .

Demonstração. A propriedade (T1) é evidente, enquanto as demais são propriedades equi-

valentes a continuidade no ponto identidade das aplicações produto, inversão e conjuga-

ção, respectivamente. �

Observe também que por um argumento indutivo é possível dizer que (GT1)

garante que para quaisquer U ∈ Ue e n ∈ N, existe V ∈ Ue, tal que V [n] ⊂ U .

Com relação ao sistema propriamente dito temos algumas leves diferenças:

Observação 4.10. É claro que o sistema Ue é base de si mesmo, assim ele satisfaz todas

as conclusões do teorema anterior. Mas pelo fato dele ser um filtro (lembre que base de

filtro não possui a absorção por superconjuntos), temos que:

(GT2) significa que para todo U ∈ Ue, ocorre U−1 ∈ Ue;

(GT3) significa que para quaisquer g ∈ G e U ∈ Ue , ocorre gUg−1 ∈ Ue.

Nesse sentido, quando estivermos nos referindo ao próprio sistema Ue podemos usar li-

vremente essas caracterizações quando fizermos uso das propriedades (GT2) e (GT3) em

Ue, portanto devemos ter isso em mente para não gerar confusão com bases, onde isso

nem sempre vale.

Exemplo 4.11. Como já sabemos, um exemplo de base para o sistema Ue é dada por

U ◦e , a qual lembramos ser dada pela família de todas as vizinhanças abertas de e, ou seja,

de todos os conjuntos que são abertos contendo a identidade.

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4 Grupos Topológicos: fundamentação 34

Exemplo 4.12. Outro exemplo de base, nesse caso com importância operacional, é dada

pela família de todas as vizinhanças sendo abertos simétricos contendo a identidade. Essa

família é de fato uma base de Ue pois para qualquer U ∈ Ue ao considerar V = U◦∩(U◦)−1

conseguimos V ∈ Ue sendo um aberto simétrico contido em U . Com isso, podemos dizer

que, para todo U ∈ Ue, existe V ∈ Ue tal que V = V ◦, V = V −1 e V [2] ⊂ U .

Como primeira aplicação disto, temos o resultado indicando uma das classes

topológicas onde todos os grupos topológicos se encontram.

Proposição 4.13. Qualquer grupo topológico (G, p, τ) é regular.

Demonstração. Como é de costume, começamos pela identidade. Tome qualquer U ∈ Ue

e vamos procurar algum aberto V tal que V ⊂ U . Considere o V como no Exemplo

4.12 e mostremos que ele satisfaz o desejado. Com efeito, dado qualquer x ∈ V teremos

xV ∩V 6= ∅. Nesse caso, xv1 = v2 para certos v1 e v2 em V , ou seja, x = v2v−11 ∈ V [2] ⊂ U ,

como precisávamos. Essa propriedade também vale para qualquer vizinhança U de um

ponto distinto da identidade devido a homogeneidade de G. �

Mais adiante, ao tratarmos sobre espaços uniformizáveis, poderemos afirmar

um pouco mais. Lá uma consequência será que qualquer grupo topológico é completa-

mente regular.

Agora, partimos para fazer algo análogo ao realizado no Teorema 1.3, mas com

a diferença de agora estarmos lidando num ambiente com alguma estrutura algébrica, ou

seja, daremos uma espécie de recíproca para o Teorema 4.9.

Definição 4.14. Uma família Ve de subconjuntos de um grupo (G, p) (não precisa ter

topologia envolvida) será dita uma base algébrica de vizinhanças na identidade para

significar que tal família é uma base de filtro que cumpre as propriedades (T1), (GT1),

(GT2) e (GT3).

Nesta definição, a palavra vizinhança, a princípio, não está relacionada com

abertos, visto que não mencionamos topologia no grupo em questão. O termo “algé-

brico” na definição anterior foi colocado para que não haja confusão com o objeto já

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4 Grupos Topológicos: fundamentação 35

definido em espaços topológicos base de vizinhanças. Poderíamos omitir este termo confi-

ando na habilidade do leitor em entender o contexto envolvido mas assim as coisas podem

ficar mais claras.

Agora, partirmos para mostrar um jeito de uma base algébrica de vizinhanças

na identidade em um grupo conseguir fornecer uma, e apenas uma, topologia para este

grupo de forma a torná-lo um grupo topológico onde tal família seja base de vizinhanças na

identidade (agora sim topologicamente falando). Mostrado isso, não haverá mais tanta

necessidade do termo “algébrico” na definição acima, bastando sempre considerar essa

topologia associada.

Começamos com um lema. Vamos dizer que uma topologia τ em um grupo

(G, p) é invariante à esquerda (direita) para significar que, dados quaisquer g ∈ G e U ∈ τ

ocorre gU ∈ τ (Ug ∈ τ) , ou seja, que qualquer translação à esquerda (direita) é aplicação

aberta, ou seja, um homeomorfismo1.

Lema 4.15. Seja um grupo (G, p) com uma topologia τ . Então (G, p, τ) é um grupo

topológico se, e somente se, valem os seguintes itens:

• τ é invariante à esquerda e à direita;

• O produto p é contínuo em (e, e);

• A inversão i é contínua em e.

Demonstração. A implicação é evidente. Reciprocamente, precisamos mostrar que a in-

versão e o produto são contínuos em todos os pontos de G. Vamos usar a seguinte

propriedade topológica: dados uma função f : X → Y e um homeomorfismo h : X → X,

então f ◦ h contínua em x implica f contínua em h(x) (tal fato é resultado da igual-

dade, f = (f ◦ h) ◦ h−1). Sejam g e h elementos quaisquer em G, vamos mostrar que

i é contínua no ponto g. Observe que Eg−1 ◦ i é contínua na identidade e; logo i ◦ Dg

é contínua em e, pois essas composições são idênticas. Sendo Dg um homeomorfismo,

podemos dizer que i é contínua em Dg(e) = g. Agora vamos comprovar que p contínua

em (g, h). Observe que as translações no grupo produto G×G satisfazem as igualdades1Esse fato muitas vezes serve para dizer também que o grupo (G, p) com a topologia τ é grupo

semitopológico.

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4 Grupos Topológicos: fundamentação 36

E(g,h) = Eg × Eh e D(g,h) = Dg × Dh. Assim, se as translações em G são homeomorfis-

mos teremos as translações em G × G sendo homeomorfismos. Agora, observe que vale

também a igualdade Eg ◦Dh ◦ p = p ◦E(g,e) ◦D(e,h). Deste modo, a continuidade de p em

(e, e) implica a continuidade de Eg ◦Dh ◦ p em (e, e) e, consequentemente, a continuidade

de p ◦ E(g,e) ◦ D(e,h) em (e, e). Como E(g,e) ◦ D(e,h) é um homeomorfismo, segue que p é

contínua em (E(g,e) ◦D(e,h))(e, e) = (g, h). �

Teorema 4.16. Seja (G, p) um grupo munido de uma base algébrica de vizinhanças na

identidade Ve. Então existe uma única topologia τ de forma que (G, p, τ) é um grupo

topológico e que o filtro We, gerado por Ve, seja exatamente o sistema Ue de vizinhanças

na identidade em relação à topologia τ .

Demonstração. Vamos verificar a existência. É simples verificar que para todo g ∈ G a

família gVe := {gV ; V ∈ Ve} é uma base de filtro. Nesse caso, considere em cada elemento

g ∈ G o filtro Wg gerado por gVe. Mostremos que a correspondência W(.) define um sistema

de vizinhanças em G, ou seja, satisfaz as propriedades (V1) até (V4) da Definição 1.1. De

(V1) até (V3) as demonstrações são triviais. Vejamos que vale (V4). Com efeito, dado

U ′ ∈ Wg, por definição de base de filtro existe U ∈ Ve com gU ⊂ U ′. Usando (GT1) de

Ve, existe V ∈ Ve com V [2] ⊂ U . Agora note que gV ∈ Vg ⊂ Wg e para qualquer gv ∈ gV

ocorre gvV ⊂ gV [2] ⊂ gU ⊂ U ′. Como gvV ∈ Vgv, podemos dizer que U ′ ∈ Wgv, como

queríamos. Assim, W(.) é um sistema de vizinhanças em G. Nesse caso o Teorema 1.3

garante que ao definirmos

τE := {A ⊂ X; (∀ a ∈ A)(∃ Wa ∈ Wa)Wa ⊂ A}

temos imediatamente que τE é uma topologia em G. Mais que isso, esse resultado garante

também que o sistema We é exatamente o sistema Ue de vizinhanças da identidade em

relação a τE. Precisamos provar que (G, p, τE) é um grupo topológico. Para isso vamos

usar o lema anterior. Note que τE é claramente invariante à esquerda, ou seja, toda

translação à esquerda é uma aplicação aberta, pois com A ∈ τE, temos que para todo

a ∈ A existe Wa ∈ Wa com Wa ⊂ A. Então para qualquer ga ∈ gA, já que gWa = Wga,

segue gWa ∈ Wga e gWa ⊂ gA, logo gA ∈ τE. Vejamos que translações à direita também

são aplicações abertas. De fato, dado A ∈ τE, mostremos que Ah ∈ τE, onde h ∈ G. Tome

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4 Grupos Topológicos: fundamentação 37

qualquer ah ∈ Ah. Podemos dizer, diretamente, que existe V ∈ Ve com aV ⊂ A. Então,

ah(h−1V h) = (aV )h ⊂ Ah. Observe que por (GT3), existe U ∈ Ve onde hUh−1 ⊂ V ,

ou seja, h−1V h está no filtro We; logo ah(h−1V h) ∈ ahWe = Wah e assim Ah ∈ τE, como

queríamos. Ainda, o produto é contínuo em (e, e) por (GT1), e a inversão é contínua em

e por (GT2). Assim o lema garante o desejado.

Agora vamos verificar a unicidade desta topologia. Suponha que tenhamos uma

outra topologia τ ′ (e seu sistema U(.)) que também faça (G, p, τ ′) ser grupo topológico, com

Ue = We. Vamos argumentar de forma análoga às considerações da introdução desta Seção

4.2. Basta concluirmos que os sistemas coincidem pontualmente, pois disto as topologias

deverão ser iguais. Escolhendo arbitrariamente um g ∈ G queremos mostrar que Ug = Wg.

Se U ∈ Ug, já que τ ′ faz de G um grupo topológico (translações são homeomorfismos),

teremos g−1U ∈ Ue = We; logo U = gg−1U ∈ gWe = Wg. Reciprocamente, com W ∈

Wg, por construção existe V ∈ Ve com gV ⊂ W . Como Ve = Ue e (G, p, τ ′) é um

grupo topológico, segue que gV ∈ Ug e como Ug é filtro (propriedade (V3)), teremos

imediatamente W ∈ Ug, como queríamos. �

É claro que poderíamos ter demonstrado o teorema acima usando a topologia a

direita τD. Nesse caso a unicidade garante que τE = τD. Ainda, se estamos com um grupo

topológico (G, p, τ), é claro que o sistema de vizinhanças em Ue desta topologia é uma base

algébrica de vizinhanças em e. Neste caso considerando as topologias τE e τD associadas

a este sistema algébrico, como nas construções anteriores, podemos afirmar devido a

unicidade que τE = τ = τD, ou seja, os abertos em um grupo topológico qualquer sempre

podem ser caracterizados através de translações, à esquerda ou à direita, de vizinhanças

da identidade.

Observação 4.17. Lembremos aqui que um espaço topológico T0 e regular é de Haus-

dorff. Com efeito, dados dois pontos distintos x 6= y em X, então pelo axioma T0 deve

existir uma vizinhança, por exemplo, de x que não contém y, ou seja, existe U ∈ Ux com

y /∈ U . Deste modo x /∈ {y}. Como o espaço é regular, devem existir abertos disjuntos V

e W com x ∈ V e y ∈ {y} ⊂ W . Logo o espaço é de Hausdorff.

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4 Grupos Topológicos: fundamentação 38

Proposição 4.18. Se (G, p, τ) é um grupo topológico, então são equivalentes:

(a) (G, τ) é T0;

(b) (G, τ) é Hausdorff;

(c) {e} é fechado;

(d)⋂U∈Ue

U = {e}.

Demonstração. A implicação “(a) ⇒ (b)” segue pela Proposição 4.13 juntamente com a

observação anterior e “(b)⇒ (c)” segue pelo fato de T2 implicar T1. Agora “(c)⇒ (a)” é

devido a homogeneidade de G, pois isso garantirá que o espaço é T1 e, portanto, T0. Resta

apenas “(c)⇔ (d)”. Vejamos “(c)⇒ (d)”. A hipótese equivale a dizer que todo conjunto

unitário será fechado. Assim vale a inclusão {{{x}; x 6= e} ⊂ Ue e por consequência,⋂U∈Ue

U ⊂⋂x 6=e

{{x}. Como trivialmente vale a igualdade⋂x 6=e {{x} = {e}, teremos {e} ⊂⋂

U∈Ue

U ⊂ {e}, como desejado. Para verificar “(d) ⇒ (c)” veja que a hipótese permite

dizer que⋂U∈Ue

U◦ = {e}. Nesse caso, se considerar qualquer ponto x 6= e então x ∈ {V ◦

para algum V ∈ Ue, ou seja, x /∈ {e} e, por isso, temos a demonstração procurada. �

Agora, conforme Arhangel’skii e Tkachenko [3], pg. 69, inseriremos uma in-

teressante nomenclatura que nos será útil ao discutir alguns aspectos de admissibilidade

em grupos topológicos. Dizemos que um subconjunto V de um grupo (G, p) é invariante

para significar que para todo g ∈ G, ocorre gV g−1 = V . Sabendo disto definimos:

Definição 4.19. Um grupo topológico será dito equilibrado para expressar que o sistema

Ue possui uma base de vizinhanças invariantes.

Proposição 4.20. Se um grupo G é equilibrado, então ele possui uma base de vizinhanças

abertas invariantes na identidade.

Demonstração. Para isso basta considerar o interior dos elementos da base de vizinhanças

invariantes, as quais continuarão sendo invariantes uma vez que conjugações são homeo-

morfismos, logo preservam interior. �

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4 Grupos Topológicos: fundamentação 39

Vale até um resultado mais forte, que acaba por preencher os detalhes do

resultado anterior.

Proposição 4.21. Um grupo G é equilibrado se, e somente se, ele possui uma base de

vizinhanças abertas simétricas invariantes na identidade.

Demonstração. De fato, a suficiência é clara. Quanto a necessidade, temos por hipótese

uma base We de vizinhanças invariantes na identidade. Nesse caso, para todo U ∈ Ue,

existe W ∈ We onde W ⊂ U e gWg−1 = W seja qual for o g ∈ G. Defina V =

W ◦∩(W ◦)−1. É claro que V é simétrico e V ⊂ U . Pela inversão ser um homeomorfismo V

é aberto. Vejamos que ele é invariante. Com efeito, por conjugações serem homomorfismos

e também homeomorfismos segue, para todo g ∈ G, as igualdades gV g−1 = gW ◦g−1 ∩

g(W ◦)−1g−1 = (gWg−1)◦ ∩ ((gWg−1)◦)−1 = W ◦ ∩ (W ◦)−1 = V , como desejado. Assim, a

família W ′e = {W ◦∩(W ◦)−1; W ∈ We} é base de vizinhanças abertas simétricas invariantes

na identidade. �

Começamos a ver relação entre compacidade e invariância no seguinte resul-

tado. Neste, denote por Ve a base constituída apenas das vizinhanças abertas da identi-

dade (pelo Exemplo 4.11).

Proposição 4.22. Seja C compacto em um grupo topológico G. Então, para todo U ∈ Ue,

existe U ∈ Ve, tal que para todo g ∈ C, ocorre gUg−1 ⊂ U .

Demonstração. Seja qualquer U ∈ Ue. Observe que para qualquer vizinhança aberta

W ∈ Ve podemos cobrir o compacto C por translações à direita fazendo C ⊂⋃f∈F

Wf , com

F ⊂ C sendo apenas um conjunto finito. Nesse caso, todo g ∈ C seria da forma g = wf

com w ∈ W e f ∈ F . Assim, o problema se resume em encontrarmos um U e umW em Ve

onde w fUf−1 w−1 ⊂ U , para todo f ∈ F e todo w ∈ W . Note que se fosse possível dizer

que vale a inclusão⋂f∈F

f U f−1 ⊂ W , que equivale a U ⊂⋂f∈F

f−1Wf (denote por (*)

esta última inclusão), valeria que se f ∈ F e w ∈ W , então wf U f−1w−1 ⊂ wWw−1 ⊂

W [2] ◦ W−1. Nesse caso, finalizaríamos o resultado se também for possível encontrar

W ∈ Ve com W [2] ◦W−1 ⊂ U . Para essa última afirmação, veja que por (GT1) podemos

considerar W1 ∈ Ve tal que W [2]1 ⊂ U e em seguida W2 ∈ Ve tal que W [2]

2 ⊂ W1. Por

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5 Espaços Pseudometrizáveis 40

(GT2), conseguimosW3 ∈ Ve tal queW−13 ⊂ W1. Por fim, sendo base de filtro, escolhemos

W ∈ Ve tal que W ⊂ W2 ∩W3 e teremos W [2] ◦W−1 ⊂ W[2]2 ◦W−1

3 ⊂ W1 ◦W1 ⊂ U , como

desejado. Assim, resta apenas encontrar algum U ∈ Ve que respeite a inclusão (*). Mas

como já temos W ∈ Ve ⊂ Ue, então⋂f∈F

f−1Wf pertence ao sistema Ue (devido a (GT3)

e por Ue ser fechado para interseções finitas), assim conseguimos, por definição de base,

um U ∈ Ve satisfazendo o desejado e, portanto, finalizamos o resultado. �

Com isto em mente, podemos imediatamente afirmar que:

Teorema 4.23. Grupos topológicos abelianos ou compactos são equilibrados.

Demonstração. O caso abeliano é evidente. No caso compacto, para todo U ∈ Ue con-

sidere, pela proposição anterior, o aberto U ∈ Ve onde gUg−1 ⊂ U para todo g ∈ G.

Agora, para todo U ∈ Ue, faça WU =⋃g∈G

gUg−1. É simples ver que WU é uma vi-

zinhança aberta da identidade, invariante e está contida em U . Deste modo a família

We = {WU ; U ∈ Ue} ⊂ Ue é uma base que garante o grupo ser equilibrado. �

Poderíamos continuar explorando muitas outras propriedades em grupos topo-

lógicos para ressaltar a harmonia existente no desenvolvimento de uma teoria envolvendo

conceitos algébricos (como subgrupos, homomorfismos, etc) e topológicos (continuidade,

conexidade, etc). Mas encerramos aqui nossas argumentações sobre isso. Existem muitas

bibliografias tratando deste assunto de modo que se o leitor tiver interesse em estudar

mais resultados desta parte é tarefa simples encontrar boas referências.

5 Espaços Pseudometrizáveis

O conceito de métrica foi criado pelo matemático francês Maurice Fréchet em 1906, forne-

cendo uma imensa contribuição para a matemática de sua época, a qual permitiu o avanço

de grande parte da matemática dos dias de hoje, servindo inclusive de propulsão para a

criação dos espaços topológicos. Afinal, foi pesquisando sobre esse conceito que Hausdorff

formalizou sua noção de Topologia (já discutida na Seção 1). Além disto, podemos exaus-

tivamente estudar todas as suas propriedades intrínsecas e avançar nas questões de suas

consequências e aplicações envolvidas. Nesse caso, é claro que esses são entes merecedores

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5 Espaços Pseudometrizáveis 41

de toda a atenção possível, no entanto trataremos rapidamente sobre eles (acreditando que

já tivemos contato o suficiente com essa teoria e seus diversos exemplos em estudos básicos

de matemática pura) pois aqui o objetivo é apenas ter conhecimento, assim como feito com

grupos topológicos, da outra importante classe de espaços que Weil generalizou. Além

disso, será extremamente oportuno dedicar uma seção a um dos importantes e históricos

teoremas sobre pseudometrização, o qual desempenhará papel de protagonista ao tratar

da equivalência entre as linguagens de uniformidades via coberturas e pseudométricas.

Começamos pelo objeto que será mais usado nesse trabalho, o qual é uma

ligeira generalização de uma métrica.

Definição 5.1. Dado um conjunto não vazio X, dizemos que nele está definida uma

pseudométrica ρ para significar que ρ : X × X → R é uma função que satisfaz, para

qualquer {x, y, z} ⊂ X, os seguintes axiomas:

(M0) ρ(x, y) ≥ 0;

(M1) ρ(x, x) = 0;

(M2) ρ(x, z) + ρ(z, y) ≥ ρ(x, y);

(M3) ρ(x, y) = ρ(y, x).

Umamétrica ρ é uma pseudométrica onde vale também a recíproca do axioma

(M1), ou seja, se temos {x, y} ⊂ X com ρ(x, y) = 0, então x = y. No caso anterior

dizemos que o par (X, ρ) é um espaço pseudométrico (métrico).

Como dissemos, poderíamos explorar muitos aspectos em torno desse conceito.

Como exemplo é essencial saber que todo espaço pseudométrico tem inerentemente uma

topologia induzida pela métrica em questão, tal topologia pode ser obtida por construir

uma base de vizinhanças em cada ponto dado pela família de bolas abertas (um outro

sistema básico seria pelas bolas fechadas) centradas no respectivo ponto. Mas o fato

mais interessante é o procedimento recíproco, ou seja, quando estamos a princípio com

um espaço topológico (de qualquer natureza) e nos perguntamos se é possível encontrar

uma pseudométrica que possua topologia idêntica à primordialmente considerada. O caso

afirmativo é o que chamamos de pseudometrização de um espaço topológico. Ainda, é

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5 Espaços Pseudometrizáveis 42

fato que feita qualquer pesquisa sobre esse assunto encontramos rapidamente diversos

fatos históricos interessantes e resultados surpreendentes (pelo menos do ponto de vista

da matemática pura).

Poderíamos desenvolver toda a base introdutória referente às propriedades to-

pológicas desse caso, assim como foi feito na seção anterior, conseguindo muitos resultados

fortes e importantes, como por exemplo o famoso Lema da cobertura de Lebesgue. Mas

como já alertamos, não nos aprofundaremos nesses quesitos e partimos para o resultado

que será útil diretamente para nossas discussões.

5.1 Pseudometrização por Aline Huke Frink

A investigação sobre critérios que garantissem a metrização de um espaço topológico foi

extremamente movimentada logo depois de criados esses conceitos. Nesse caso, muitos

matemáticos aparecem como nomes importantes nessa questão como, por exemplo, Ury-

sohn, Alexandroff, Stone, Bing, Nagata, Smirnov, entre outros. Nesse caso, devemos dizer

que os resultados obtidos por esses matemáticos são todos importantes e cada um possui

suas próprias vantagens. Nesta dissertação, seguindo o modelo usado por Tukey [22],

optamos como base de construção o memorável resultado de Frink [7] devido à maior

simplicidade e utilidade para nossos objetivos. Sendo assim, tal resultado, além da im-

portância histórica para a Topologia Geral, também será crucial para as discussões dessa

dissertação, por isso o estudo detalhado dele é mais que necessário.

Teorema 5.2 (Frink). Se em um conjunto não vazio X temos uma função não negativa

σ : X ×X → [0,+∞) que satisfaz, para qualquer {a, b, c} ⊂ X, os seguintes axiomas:

(F1) σ(a, a) = 0;

(F2) σ(a, b) = σ(b, a);

(F3) σ(a, b) ≤ 2 max{σ(a, c), σ(c, b)},

então, dada qualquer quantidade n ∈ N e qualquer coleção {a, x1, · · · , xn, b} de n + 2

pontos em X, a função em questão satisfaz a seguinte desigualdade:

σ(a, b) ≤ 2σ(a, x1) + 4σ(x1, x2) + · · ·+ 4σ(xn−1, xn) + 2σ(xn, b). (5.1)

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5 Espaços Pseudometrizáveis 43

Demonstração. A demonstração será realizada por contradição. Suponha que exista uma

quantidade k em N de modo que alguma coleção {a, x1, · · · , xk, b} ⊂ X com k+2 elementos

não satisfaça a desigualdade (5.1). Nesse caso, a boa ordenação em N garante que podemos

fixar um menor valor N ∈ N e alguma coleção {a, x1, · · · , xN , b} ⊂ X que verifica a

desigualdade:

σ(a, b) > 2σ(a, x1) + 4σ(x1, x2) + · · ·+ 4σ(xN−1, xN) + 2σ(xN , b). (5.2)

Assim, podemos dizer que se m ∈ N e m < N , então qualquer coleção

{c, y1, · · · , ym, d} ⊂ X satisfaz (5.1)(Denote essa situação por (*)). Observe também

que N ≥ 2, pois para N = 1 a desigualdade (5.1) é válida diretamente por (F3) (já que

max{σ(a, c), σ(c, b)} ≤ σ(a, c) + σ(c, b)).

É verdade que não pode existir k ∈ N com 1 ≤ k ≤ N de modo que sejam

válidas, simultaneamente, as desigualdades σ(a, b) > 2σ(a, xk) e σ(a, b) > 2σ(xk, b) devido

à propriedade (F3) da hipótese. Assim, podemos admitir que para qualquer índice k ∈ N

com 1 ≤ k ≤ N deve valer:

σ(a, b) ≤ 2σ(a, xk) (5.3)

ou então,

σ(a, b) ≤ 2σ(xk, b). (5.4)

Mas pela desigualdade (5.2), se k = 1, então não vale (5.3) (logo precisa valer (5.4)),

assim como, se k = N , então não pode valer (5.4).

Neste caso, novamente pela boa ordenação, entre os índices {1, · · · , N}, pode-

mos fixar o maior L para o qual vale (5.4). Deste modo, teremos 1 ≤ L < N . Assim, con-

seguimos σ(a, b) ≤ 2σ(xL, b) e σ(a, b) > 2σ(xL+1, b). Como já sabemos, a propriedade (P3)

impede que também ocorra σ(a, b) > 2σ(a, xL+1), por isso deve valer σ(a, b) ≤ 2σ(a, xL+1).

Assim, σ(a, b) ≤ 2 min{σ(a, xL+1), σ(xL, b)} e consequentemente temos

σ(a, b) ≤ σ(a, xL+1) + σ(xL, b). (5.5)

Agora, a condição (*) obtida inicialmente diz que para as coleções

{a, x1, · · · , xL, xL+1} ⊂ X e {xL, xL+1, · · · , xN , b} ⊂ X vale a desigualdade (5.1), ou

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5 Espaços Pseudometrizáveis 44

seja,

σ(a, xL+1) ≤ 2σ(a, x1) + 4σ(x1, x2) + · · ·+ 4σ(xL−1, xL) + 2σ(xL, xL+1) (5.6)

σ(xL, b) ≤ 2σ(xL, xL+1) + 4σ(xL+1, xL+2) + · · ·+ 4σ(xN−1, xN) + 2σ(xN , b). (5.7)

Portanto, ao somar as expressões de (5.6) e (5.7) e comparar com (5.5) encontramos a

negação de (5.2). Isso é uma contradição que conclui o desejado.

Agora, dada σ nas condições do teorema acima, temos em mãos um meio

de considerar uma pseudométrica p através da função σ. O procedimento é o seguinte:

dado {a, b} ⊂ X, defina p(a, b) como sendo o ínfimo sobre o conjunto de todas as somas

σ(a, x1) + σ(x1, x2) + · · · + σ(xn−1, xn) + σ(xn, b) obtidas por qualquer sequência finita

de pontos {x1, · · · , xn} ⊂ X (tal ínfimo existe pelo fato dessas somas serem sempre não-

negativas). Esse procedimento pode ser referido como abordagem via cadeias.

É simples verificar que p é uma pseudométrica. De fato, (M0) é óbvia pois σ

é não-negativa e as propriedades (F1) e (F2) vão valer também para p. Vejamos a desigual-

dade triangular. Supondo, por contradição, que para certos três pontos

{a, b, c} ⊂ X tivéssemos p(a, b) > p(a, c) + p(c, b), então p(a, b) − p(a, c) > p(c, b).

Disto poderíamos encontrar alguma soma do tipo Σ(c, b) = σ(c, x1) + σ(x1, x2) + · · · +

σ(xn−1, xn) + σ(xn, b) onde p(a, b) − p(a, c) > Σ(c, b). Agora, p(a, b) − Σ(c, b) > p(a, c) e

teríamos alguma soma Σ(a, c) = σ(a, y1) + σ(y1, y2) + · · · + σ(ym−1, ym) + σ(ym, c) onde

p(a, b) − Σ(c, b) > Σ(a, c). Logo p(a, b) > Σ(a, c) + Σ(c, b). Mas a definição de p diz que

p(a, b) ≤ Σ(a, c) + Σ(c, b), uma contradição.

Além disto, para todo (a, b) ∈ X × X, a definição de p permite dizer que

p(a, b) ≤ σ(a, b). Usando o Teorema 5.2, já que é claro 2σ(a, x1) + 4σ(x1, x2) + · · · +

4σ(xn−1, xn) + 2σ(xn, b) ≤ 4( σ(a, x1) +σ(x1, x2) + · · ·+σ(xn−1, xn) +σ(xn, b) ), teremos1

4σ(a, b) ≤ p(a, b). Assim, poderemos dizer que σ e p são equivalentes mediante as relações:

1

4σ ≤ p ≤ σ. (5.8)

Entender como esse resultado está relacionado com a questão de pseudometri-

zação ficará mais claro quando o usarmos na Seção 8. Mais especificamente no Teorema

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5 Espaços Pseudometrizáveis 45

8.3, o qual fornece o Corolário 8.4 que de alguma maneira2 garante, e.g. Urysohn, que

todo espaço regular satisfazendo o 2o axioma de enumerabilidade é pseudometrizável.

2Dadas as notações da seção mencionada, é possível provar que todo espaço regular com base enume-rável admite um desenvolvimento regular.

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Capıtulo 2ESPAÇOS UNIFORMES

teoria e suas equivalências

Neste capítulo vamos apresentar as diferentes formas de se definir uma estru-

tura uniforme em um conjunto e mostrar que existe uma certa bijeção entre a classe desses

tipos de uniformidades. Aqui mostraremos o seguinte esquema de equivalências:

Uniformidade Diagonal Coberturas Uniformes+3ks

Sistema Uniforme��

KS

Uniformidade de Calibre��

KS

Mas não será difícil perceber que esquemas de equivalências diferentes são

simples de realizar, visto que as demonstrações envolvidas serão feitas de forma construtiva

num contexto de matemática pura.

6 Uniformidade Diagonal

Esta é a forma clássica e primordial do que se entende por espaço uniforme. Weil em

seu artigo [23] afirma que seus espaços uniformes deveriam ser generalizações tanto de

espaços métricos quanto de grupos topológicos. O leitor vai perceber que a definição de

uniformidade diagonal tem na verdade muita semelhança com o sistema de vizinhanças

da identidade de um grupo topológico, enfatizando assim a generalização proposta.

Em um conjunto arbitrário X não necessariamente possuímos uma operação,

no entanto com os elementos de P(X ×X), conhecidos como relações (ou correspondên-

cias) binárias em X, sempre é possível operar através da composição e inversão no sentido

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6 Uniformidade Diagonal 47

que vem a seguir.

Definições 6.1. Para um conjunto arbitrário X e para quaisquer U, V ⊂ X ×X defini-

mos:

• U ◦ V = {(x, y); (∃ z ∈ X) (x, z) ∈ U, (z, y) ∈ V } (composição de U com V );

• U−1 = {(x, y); (y, x) ∈ U} (relação inversa de U);

• ∆(X) = {(x, x); x ∈ X} (diagonal sobre X);

• U [x] = {y ∈ X; (x, y) ∈ U} (imagem do ponto x por U);

• U [A] =⋃a∈A

U [a] para A ⊂ X (imagem do conjunto A por U).

Observação 6.2. No decorrer do texto vamos dizer que uma relação U em X é simétrica

para significar que U = U−1. Também, se não houver confusão quanto ao conjunto

envolvido podemos escrever ∆ ao invés de ∆(X).

A seguir, listamos algumas propriedades bastante úteis envolvendo essas ope-

rações definidas no cartesiano.

Proposição 6.3. Para quaisquer U, V e W sendo relações binárias em X e A,B ⊂ X,

valem as seguintes propriedades:

1. U ◦ (V ◦W ) = (U ◦ V ) ◦W ;

2. U ◦∆ = U = ∆ ◦ U ;

3. (U−1)−1 = U ;

4. (U ◦ V )−1 = V −1 ◦ U−1;

5. U ⊂ V ⇒ (U−1 ⊂ V −1, U ◦W ⊂ V ◦W e W ◦ U ⊂ W ◦ V );

6. ∆ ⊂ U ⇒ U = ∆ ◦ U ⊂ U ◦ U ;

7. (U ◦ V )[A] = U [V [A]] .

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6 Uniformidade Diagonal 48

As demonstrações dos resultados acima serão omitidas devido à simplicidade

de suas verificações. Ao longo desta dissertação usaremos estas propriedades livremente,

podendo ocorrer que não seja referenciada qual propriedade específica destas está sendo

usada, isso porque o comportamento dessas propriedades é extremamente parecido com

o de operações algébricas em grupos não comutativos.

Observação 6.4. Indutivamente é fácil verificar que U [n+1] = U [n] ◦ U , (U [n])−1 =

(U−1)[n], ∆ ⊂ U ⇒ U [n] ⊂ U [n+m] para U ∈P(X ×X) e m,n ∈ N.

Uma propriedade interessante sobre a composição é a distributiva em relação

a união:

Proposição 6.5. Se {A,B,C,D} ⊂P(X ×X), então

(A ∪B) ◦ (C ∪D) = (A ◦ C) ∪ (A ◦D) ∪ (B ◦ C) ∪ (B ◦D).

Demonstração. Temos (x, y) ∈ (A ∪ B) ◦ (C ∪ D) se, e somente se, existe z ∈ X com

(x, z) ∈ A ∪B e (z, y) ∈ C ∪D se, e somente se, ocorre algum dos casos:

(x, z) ∈ A e (z, y) ∈ C ou (x, z) ∈ A e (z, y) ∈ D

(x, z) ∈ B e (z, y) ∈ C ou (x, z) ∈ B e (z, y) ∈ D.

E isso equivale a dizer que (x, y) ∈ (A ◦C)∪ (A ◦D)∪ (B ◦C)∪ (B ◦D), como desejado

(observe que esta demonstração inclui (A ∪B) ◦ (C ∪D) = ∅). �

As seguintes propriedades são bastante simples de verificar, por isso omitiremos

suas demonstrações.

Observação 6.6. Dada qualquer coleção {Aλ; λ ∈ Λ} de subconjuntos de X×X valem:

(⋃λ∈Λ

Aλ)−1 =

⋃λ∈Λ

A−1λ , (

⋂λ∈Λ

Aλ)−1 =

⋂λ∈Λ

A−1λ ,

(⋃λ∈Λ

Aλ)[x] =⋃λ∈Λ

Aλ[x] , (⋂λ∈Λ

Aλ)[x] =⋂λ∈Λ

Aλ[x] ,

(⋂λ∈Λ

Aλ)[2] ⊂

⋂λ∈Λ

A[2]λ e

⋃λ∈Λ

A[2]λ ⊂ (

⋃λ∈Λ

Aλ)[2] .

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6 Uniformidade Diagonal 49

Temos uma propriedade interessante referente às relações de equivalência no

conjunto X, a qual diz que relações desse tipo sempre contém o neutro, são simétricas e

idempotentes.

Proposição 6.7. Dada uma relação binária H em X vale que:

H é uma relação de equivalência se, e somente se, ∆ ⊂ H e H−1 = H = H [2].

Demonstração. É simples ver que a reflexividade equivale a ∆ ⊂ H, a simetria significa

exatamente H−1 = H e a transitividade é o mesmo que H [2] ⊂ H. Resta verificar que

H ⊂ H [2]. Mas isso segue diretamente pelo item 6 da Proposição 6.3. �

Devemos notar que essas propriedades justificam a afirmação de que as ope-

rações de composição e inversão de relações binárias fornecem uma boa estrutura no

cartesiano. Na realidade, podemos afirmar que (P(X × X), ◦) é um semi-grupo1 com

identidade ∆, ou seja, um monóide. Logo, faltou apenas uma inversão bem definida para

que tal estrutura fosse um grupo, mas a operação de inversão dada anteriormente é sufi-

ciente para o nosso desenvolvimento teórico, mesmo ela não sendo uma inversão para a

operação de composição ◦.

Com isso podemos prosseguir e esclarecer o que se entende por uma uniformi-

dade diagonal. Note que a princípio não vamos precisar de estrutura topológica envolvida

para tratarmos de uniformidades, ou seja, estrutura uniforme é sempre empregada em um

conjunto (apenas).

Definição 6.8. Uma família ∅ 6= D ⊂P(X ×X) é dita uma uniformidade diagonal

em X para significar que D é um filtro em X ×X que satisfaz as seguintes propriedades:

(D1) Para todo D ∈ D , ocorre que ∆ ⊂ D;

(D2) Para todo D ∈ D , existe C ∈ D tal que C ◦ C ⊂ D;

(D3) Para todo D ∈ D , existe C ∈ D tal que C−1 ⊂ D.

1Conjunto não vazio com uma operação bem definida e associativa.

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6 Uniformidade Diagonal 50

Pedimos para que o leitor, nesse momento, faça uma comparação com o Te-

orema 4.9. As semelhanças nesse caso não são mera coincidência, como havíamos dito.

Nesse sentido, como sugerido por Weil, o trabalho com uniformidades pode ficar mais

confortável se pensarmos nos elementos da uniformidade como sendo um análogo ao que

são as vizinhanças da identidade para grupos topológicos. Também é possível perceber

como essa estrutura se assemelha com espaços métricos, bastando fazer um comparativo

com a Definição 5.1. Mais adiante teremos um exemplo de uniformidade dada por uma

pseudométrica mostrando diretamente onde cada propriedade tem sua utilidade.

A condição (D1) significa que a operação binária é reflexiva, mas como dito na

introdução muitos autores preferem os termos, do inglês, entourage ou surrounding para

significar que os elementos da uniformidade estão no entorno ou no ambiente (próximo)

da diagonal.

O conceito de base possui importância fundamental por todo este trabalho.

Definição 6.9. Dada uma uniformidade diagonal D em X, uma subcoleção ∅ 6= B ⊂ D

será dita base de uniformidade diagonal para D para significar que ela recupera D

por superconjuntos, isto é,

D = {D ∈ X ×X; (∃ B ∈ B) B ⊂ D}

Analogamente ao caso de sistema na primeira seção deste trabalho, podemos

falar em base sem primordialmente termos uma uniformidade propriamente dita, isto é,

uma coleção ∅ 6= B ⊂ X × X será dita base de uniformidade diagonal em X (observe

que não temos até aqui mencionada uma uniformidade) para significar que a família

D = {D ∈ X ×X; (∃ B ∈ B) B ⊂ D} é uniformidade diagonal.

Por consequência imediata destes fatos temos um resultado análogo ao visto

na Observação 1.5.

Observação 6.10 (Base a partir de base). Se tivermos que B é uma base de uniformidade

diagonal para D em X e qualquer outra subcoleção E ⊂ P(X × X) que recupera e é

recuperada por B, ou seja, equivalente a B (noção de recuperar dada antes da Observação

1.5), então a família E também é base para D .

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6 Uniformidade Diagonal 51

Muitas vezes usaremos a seguinte caracterização, cuja demonstração é elemen-

tar.

Proposição 6.11. Uma família ∅ 6= B ⊂ P(X × X) é base de uniformidade diagonal

em X se, e somente se, B é uma base de filtro em X ×X que satisfaz as propriedades:

(D1) Para todo B ∈ B, ocorre ∆ ⊂ B ;

(D2) Para todo B ∈ B, existe C ∈ B tal que C ◦ C ⊂ B;

(D3) Para todo B ∈ B, existe C ∈ B tal que C−1 ⊂ B.

Claro que o conceito de sub-base segue como estamos acostumados.

Definição 6.12. Uma família ∅ 6= E ⊂P(X×X) será dita sub-base de uniformidade

diagonal em X para exprimir que o conjunto das interseções finitas de elementos de E

é base de uniformidade diagonal.

Conforme Kelley [10], uma condição para que uma família seja sub-base (sem

precisar recorrer a definição de base) é dada a seguir:

Proposição 6.13. Se uma família ∅ 6= E ⊂P(X×X) satisfaz as propriedades (D1), (D2)

e (D3) em relação a E , então E é uma sub-base de uniformidade diagonal.

Demonstração. Precisamos mostrar que a família B de todas as interseções finitas de

elementos de E é uma base de uniformidade diagonal. Primeiramente note que E 6= ∅

implica B 6= ∅. Temos também ∅ /∈ B pois todo elemento de E tem em comum o conjunto

não vazio ∆. E é mais simples ainda ver que a família B é fechada para interseções finitas.

Com isso, B é uma base de filtro. Vejamos as propriedades de uniformidade. Tome um

elemento qualquer em B, digamos B =k⋂i=1

Ei onde (∀ i)Ei ∈ E . Por hipótese, temos que

para todo índice i ocorre ∆ ⊂ Ei logo ∆ ⊂ B, por isso vale (D1) em B. Prosseguindo, a

hipótese garante subcoleções {C1, · · · , Ck} ⊂ E e {D1, · · · , Dk} ⊂ E tais que para todo

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6 Uniformidade Diagonal 52

índice i ocorre C [2]i ⊂ Ei e D−1

i ⊂ Ei. Nesse caso, a Observação 6.6 garante que se fizermos

G =k⋂i=1

Ci e H =k⋂i=1

Di, teremos {G,H} ⊂ B, G[2] ⊂ B e H−1 ⊂ B. Portanto, valem

também (D2) e (D3) em B.

∴ B é uma base de uniformidade diagonal.

Observações 6.14.

(i) É claro que toda uniformidade diagonal é base de si mesma;

(ii) Deixamos reservadas as letras B para bases de uniformidade e D para as uniformi-

dades;

(iii) O par (X,B) (ou (X,D)) será dito espaço B-uniforme (espaço D-uniforme).

Sobre as propriedades da definição temos algumas consequências simples:

(iv) Dada uma uniformidade diagonal D vale que: Se D ∈ D , então D−1 ∈ D ;

Com efeito, temos que existe E ∈ D tal que E−1 ⊂ D, logo E = (E−1)−1 ⊂ D−1

e, pela propriedade de filtro, D−1 ∈ D (veja que para uma base de uniformidade

diagonal talvez isso não seja verdade).

(v) Na Proposição 6.11, a qual caracteriza uma base de uniformidade diagonal, as con-

dições (D2) e (D3) podem ser substituídas por

(D4) Para todo B ∈ B, existe D ∈ B, tal que D−1 ◦D ⊂ B.

(ou, não exclusivamente, por D ◦D−1 ⊂ B).

Para comprovar isso, observe que inicialmente estamos supondo as demais condições

da definição também sendo válidas. Ao considerar qualquer B ∈ B sabemos que

existem E e F em B tais que E ◦ E ⊂ B e F−1 ⊂ E, então tomando D ⊂

E ∩ F na base de filtro B, teremos D−1 ◦ D ⊂ F−1 ◦ E ⊂ E ◦ E ⊂ B (e também

D ◦D−1 ⊂ E ◦ F−1 ⊂ E ◦ E ⊂ B). Para a recíproca, dado B ∈ B tome E em B

tal que (por exemplo) E−1 ◦ E ⊂ B. Assim é fácil verificar (D3), pois como vale

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6 Uniformidade Diagonal 53

∆ ⊂ E, teremos E−1 = E−1 ◦ ∆ ⊂ E−1 ◦ E ⊂ B, como desejado. Continuando,

para verificar (D2) basta considerar outro D ∈ B com D−1 ◦ D ⊂ E. Logo,

D−1 ◦D = (D−1 ◦D)−1 ⊂ E−1 e ∆ ⊂ D−1; deste modo D ◦D = (∆◦D)◦ (∆◦D) ⊂

(D−1 ◦D) ◦ (D−1 ◦D) ⊂ E−1 ◦ E ⊂ B, como desejado.

(vi) É fácil ver que a condição (D2) permite dizer, de forma indutiva, que para quaisquer

D ∈ B e n ∈ N, existe C ∈ B, tal que C [n] ⊂ D.

6.1 Exemplos

Com o intuito de dar mais fundamentação e prática com esses espaços, apresentaremos

desde já alguns exemplos relevantes de espaços uniformes.

Proposição 6.15 (Gerada (Lembrar Exemplo 3.6) por uma relação de equivalência (ver

Proposição 6.7)). Dada uma relação H ⊂ X ×X então o filtro D = F (H) gerado por H

é uma uniformidade diagonal em X se, e somente se, H é uma relação de equivalência

em X.

Demonstração. Vejamos a necessidade. Se F (H) é uniformidade diagonal, então como

H ∈ F (H), (D1) diz que ∆ ⊂ H, com isso já teremos H ⊂ H [2]. Prosseguindo (D2)

garante que existe D ∈ F (H) de modo que D[2] ⊂ H; logo H [2] ⊂ D[2] ⊂ H ⊂ H [2]

e, portanto, H = H [2]. Agora (D3) garante que existe D ∈ F (H) com D−1 ⊂ H,

disto H−1 ⊂ D−1 ⊂ H. Por outro lado, como H ∈ F (H) e F (H) é uma uniformidade

diagonal, podemos dizer que H−1 ∈ F (H). Deste modo H ⊂ H−1. Assim, H = H−1.

Então a Proposição 6.7 garante que H é uma relação de equivalência.

Para a suficiência, mostremos que F (H) é uma uniformidade diagonal se H

satisfaz as condições da caracterização da Proposição 6.7. Já sabemos que F (H) é um

filtro em X × X. Temos que a propriedade (D1) se verifica devido à inclusão ∆ ⊂ H.

Vejamos (D2) e (D3). Dado qualquer D ∈ F (H), então H ∈ F (H) satisfaz H [2] = H ⊂

D e H−1 = H ⊂ D. Assim, F (H) é uma uniformidade diagonal. �

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6 Uniformidade Diagonal 54

Como caso particular deste, seguem mais os seguintes exemplos:

Exemplos 6.16.

• (Discreta e Trivial) X sempre pode ser munido de duas uniformidades. Uma dada

pelo filtro gerado pela diagonal F (∆), chamada uniformidade diagonal discreta. A

outra sendo o filtro gerado pelo espaço todo F (X ×X) dita uniformidade trivial.

• SeH = ∆∪∇ ⊂ R×R onde∇ = {(x,−x); x ∈ R} é a diagonal oposta, então F (H)

é uniformidade diagonal em R. De fato, temos H−1 = (∆ ∪ ∇)−1 = ∆−1 ∪ ∇−1,

e como é fácil perceber ∇−1 = ∇, assim H−1 = H. Agora resta apenas mostrar

H = H [2]. Note primeiramente que ∇[2] = ∆, pois nesse caso ∆ = ∇◦∇−1 = ∇◦∇.

Com isso e a Proposição 6.5 podemos escrever

H [2] = (∆ ∪∇)[2] = ∆[2] ∪ (∆ ◦ ∇) ∪ (∇ ◦∆) ∪∇[2] = ∆ ∪∇ = H,

como precisávamos.

Exemplo 6.17. Para todo α ∈ R, considere os conjuntos da forma

Qα = {(x, y); x ≥ α e y ≥ α} e Dα = ∆ ∪Qα.

Nesse caso, afirmamos que a família B∨ = {Dα; α ∈ R} é base de uniformidade diagonal

(ver figura adiante). De fato, vejamos que ela é uma base de filtro. Tudo aqui é diferente

do vazio, então basta ver a interseção. Observe que para quaisquer α e β em R, existe

γ = max{α, β}, tal que Dγ ⊂ Dα ∩Dβ (vale igualdade inclusive). Agora vamos verificar

as propriedades da definição. Temos (D1) verificada por construção. Para comprovar

(D2) tome qualquer α ∈ R e vejamos que Q[2]α = Qα. De fato, (x, y) ∈ Q

[2]α equivale

a existir z ∈ R de forma que {(x, z), (z, y)} ⊂ Qα. Isso significa que existe z ∈ R com

x ≥ α, z ≥ α e y ≥ α, ou seja x ≥ α e y ≥ α. Isso é equivalente a dizer (x, y) ∈ Qα,

assim ficou mostrado Q[2]α ⊂ Qα ⊂ Q

[2]α , como queríamos. Com isto em mente, veja que

pela Proposição 6.5,

D[2]α = (∆ ∪Qα)[2] = ∆[2] ∪ (∆ ◦Qα) ∪ (Qα ◦∆) ∪Q[2]

α = ∆ ∪Qα = Dα.

Isto é suficiente para mostrar (D2). Por fim veremos (D3). Para qualquer α ∈ R, é muito

simples ver que Q−1α = Qα. Deste modo, D−1

α = (∆∪Qα)−1 = ∆−1∪Q−1α = ∆∪Qα = Dα,

como queríamos.

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6 Uniformidade Diagonal 55

Exemplo 6.18. Procedendo de forma inteiramente análoga ao realizado anteriormente,

considerando agora para todo β ∈ R os conjuntos do tipo

Pβ = {(x, y); x ≤ β e y ≤ β} e Eβ = Pβ ∪∆

podemos dizer que B∧ = {Eβ; β ∈ R} também é uma base de uniformidade diagonal em

R (ver figura adiante).

Os elementos dessas uniformidades podem ser visualizados no seguinte esboço:

Poderíamos cogitar a possibilidade de interseções e uniões de uniformidades

resultarem em novas uniformidades. Mas isso não ocorre em geral, como vemos abaixo,

nos contraexemplos sobre a reta.

Exemplo 6.19 (Contraexemplo para a interseção). É simples ver que para todo x ∈

I = [0, 1] a relação binária em I dada por Hx = ∆ ∪ {(0, x), (x, 0)} é uma relação de

equivalência. Portanto, temos uma uniformidade diagonal Dx dada pelo filtro F (Hx),

conforme já sabemos pela Proposição 6.15. Mas observe que para x 6= y em I\{0} a família

D = Dx ∩Dy não é uma uniformidade diagonal. De fato, caso contrário teríamos, devido

à Proposição 3.7, D = F (Hx ∪ Hy). Mas deste modo, deveríamos ter necessariamente

que H = Hx ∪Hy fosse uma relação de equivalência em I. Mas isso é impossível, já que

H não é idempotente. Com efeito, temos {(x, 0), (0, y)} ⊂ H, logo (x, y) ∈ H [2], mas é

claro que (x, y) /∈ H, com x 6= y em I \ {0}.

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6 Uniformidade Diagonal 56

Exemplo 6.20 (Contraexemplo para a união). Para ver que a união também não se

comporta bem, tome as uniformidades diagonais D∨ e D∧ dos Exemplos 6.17 e 6.18.

Vejamos que D∨ ∪ D∧ nem ao menos pode ser base de filtro. Para isso, consideramos

α > β. Assim temos Dα ∈ D∨∪D∧ e Eβ ∈ D∨∪D∧, mas Dα∩Eβ = (Qα∪∆)∩(Pβ∪∆) =

(Qα ∩Pβ)∪ (Qα ∩∆)∪ (∆∩Pβ)∪ (∆∩∆) = ∆, pois Qα ∩Pβ = ∅ (com efeito, se α > β,

então Qα ⊂ {Pβ) e (Qα ∩ ∆) ⊂ ∆ assim como (∆ ∩ Pβ) ⊂ ∆. No entanto, não existe

nenhum elemento de D∨, assim como nenhum de D∧, que esteja contido em ∆.

A interseção de duas uniformidades é sempre uma família de conjuntos menos

fina que ambas as uniformidades. A união de duas uniformidades é uma família de con-

juntos mais fina simultaneamente que as uniformidades consideradas. Mas, como vimos,

a princípio não podemos afirmar nada além disto. Para obter, agora sim, uniformidades

diagonais com uma propriedade inclusive mais forte do que esses refinamentos, precisa-

mos tratar de supremo e ínfimo de uniformidades diagonais, conceitos que serão vistos em

subseções posteriores.

Proposição 6.21 (Uniformidade Diagonal (Pseudo)Métrica). Dado um conjunto X e

qualquer pseudométrica ρ neste conjunto, então denotando por Dερ = {(x, y); ρ(x, y) < ε}

teremos que a família Bρ = {Dερ; ε > 0} é uma base de uniformidade diagonal.

Demonstração. Quanto a base de filtro, temos Bρ 6= ∅ e dados ε1, ε2 > 0 então ε =

min{ε1, ε2} satisfaz Dερ ⊂ Dε1

ρ ∩ Dε2ρ . A propriedade (D1) é verificada pois já que para

todo x ∈ X vale ρ(x, x) = 0, então ∆ ⊂ Dερ. Quanto a (D2), dado Dε

ρ, ao considerar Dε2ρ

teremos Dε2ρ ◦D

ε2ρ ⊂ Dε

ρ, pela desigualdade triangular de ρ. Enfim, vale Dερ = (Dε

ρ)−1, pela

simetria de ρ, logo verificamos (D3).

∴ Bρ é uma base de uniformidade diagonal em X.

Esse exemplo é o momento em que devem ficar claras as semelhanças que

possuem os espaços uniformes perante aos pseudométricos. Na demonstração anterior fica

bastante explícita as relações entre as propriedades que definem ambos os tipos de espaços.

Através deste específico caso, podemos afirmar que ao tratar desta teoria pensando nos

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6 Uniformidade Diagonal 57

conjuntos do tipo D[x] (conforme Definição 6.1) como sendo ε-vizinhanças (ou bolas) em

um espaço métrico pode, em alguns momentos, familiarizar a demonstração de vários

resultados desta teoria com os realizados em espaços pseudométricos. Isto vai ser dito

posteriormente quando tratarmos de uniformidade pela linguagem através de coberturas.

Prosseguindo, podemos considerar R como um espaço uniforme através da

métrica usual ρ(x, y) = |x− y|.

Observação 6.22. Uma (pseudo) métrica ρ em um conjunto X também fornece outros

tipos de uniformidades. Por exemplo, é simples verificar que a família de conjuntos da

forma Eερ = {(x, y); ρ(x, y) ≤ ε} também é uma base de uniformidade diagonal. Observe

que para todo x ∈ X, no caso anterior temos Dερ[x] = Bρ(x, ε) sendo uma bola aberta. Por

outro lado, aqui temos Eερ[x] = Bρ[x, ε] sendo uma bola fechada. No contexto topológico,

isto ressalta uma diferença considerável entre esses tipos de conjuntos, uma vez que o

primeiro será aberto e o segundo um fechado na topologia métrica envolvida.

É claro que um grupo topológico também possui uniformidade associada,

pois não poderia ser diferente numa discussão motivada por essa classe. No entanto, não

vamos apresentar nesse momento (apesar de soar oportuno) como é essa uniformidade,

em vez disso deixaremos para tratar desta questão numa seção exclusiva (Seção 11) onde

além de uniformidade teremos a oportunidade de discutir o conceito de admissibilidade

nesse tipo de espaço.

Partimos agora para fornecer definições básicas envolvendo essas estruturas

como, por exemplo, topologia uniforme e função uniformemente contínua. O ponto a

ser observado aqui é que devemos optar por definir os conceitos fundamentais todos em

alguma linguagem fixa de uniformidade e nas outras mostrar caracterizações. Optamos

aqui pela linguagem de uniformidade diagonal como ponto de partida para as definições

por dois motivos: primeiro, historicamente foi assim que ocorreu, uma vez que Weil foi

quem definiu esses entes dessa forma. Segundo, na maneira como serão mostradas as

equivalências entre os tipos de uniformidades envolvidas neste trabalho, deixa bastante

clara as caracterizações nas demais linguagens.

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6 Uniformidade Diagonal 58

6.2 Topologia Uniforme

Prosseguimos para fazer relação entre uniformidade e topologia, o que é um fator essencial

para discutir se existem formas de uniformizar um espaço topológico.

Vimos que, assim como a topologia de um espaço, uma uniformidade pode

ser definida independentemente de qualquer outra característica do conjunto pelos axio-

mas apresentados. Agora queremos uma ligação entre esses conceitos. A resposta está

justamente no importante conceito de sistema de vizinhanças em um ponto.

Teorema 6.23. Dada uma base de uniformidade diagonal B em X então para todo x ∈ X

a família Bx = {D[x]; D ∈ B} (formada pelas imagens de x pelas relações, uma ideia

de sua forma é dada na figura a seguir) é base para um sistema de vizinhanças em x. O

mesmo pode ser inferido para sub-bases.

Demonstração. Precisamos verificar as propriedades (B1), (B2) e (B3) do Teorema 1.6.

A primeira segue por (D1). A segunda é resultado da igualdade (C∩D)[x] = C[x]∩D[x].

A terceira será resultado de (D2). Resta mostrar que,

Para todo U ∈ B, existe V ∈ B, tal que para todo y ∈ V [x], existe W ∈ B, tal que

W [y] ⊂ U [x].

Temos que para todo U ∈ B, existe V ∈ B, tal que V ◦ V ⊂ U . Basta notar que W = V

satisfaz o desejado. De fato, para todo y ∈ V [x], ocorre que V [y] = V [{y}] ⊂ V [V [x]] =

(V ◦ V )[x] ⊂ U [x]. �

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6 Uniformidade Diagonal 59

É importante ressaltar que o sistema adquirido nesta ocasião possui mais força

que um sistema de vizinhanças qualquer, ou seja, ele possui algumas propriedades que em

um espaço topológico arbitrário, aparentemente, não são verificadas. Isto será o assunto

da Seção 9.

Agora que temos um sistema de vizinhanças em cada ponto, segue imedia-

tamente que podemos falar em uma topologia associada a esse sistema, no sentido do

Teorema 1.8.

Definição 6.24. A topologia τB gerada pelo sistema de vizinhanças do teorema anterior

será referida como topologia uniforme associada à base de uniformidade diagonal B. Se

o conjunto X possuir inicialmente uma topologia e para alguma uniformidade a topologia

uniforme associada coincidir com a topologia inicial, nós dizemos que o espaço topológico

X é uniformizável.

Assim, um espaço topológico (X, τ) será uniformizável se, e somente se, X

admite uma base de uniformidade diagonal B de modo que a família {D[x]; D ∈ B}

seja base de vizinhanças (com relação a τ) no ponto x, logo, base para o sistema Ux. Mais

adiante vamos tratar dessa situação com mais detalhes em uma seção exclusiva para isso.

Lá daremos também uma nomenclatura para a uniformidade que conseguiu este feito.

Agora, vamos observar o fato de que uma uniformidade diagonal é de certa

forma uma estrutura mais rica do que uma topologia em um conjunto. Isso pode ser

notado através do seguinte caso discreto:

Exemplo 6.25. Considere a uniformidade diagonal discreta F (∆) := D1 e a unifor-

midade D2 := D∨ considerada no Exemplo 6.17. Observe que essas uniformidades são

distintas uma vez que D1 * D2, como facilmente se observa pelo elemento ∆. Mas se

considerarmos τ1 e τ2 as topologias uniformes induzidas por D1 e D2, respectivamente,

teremos τ1 = τ2. Para isso, basta se convencer de que τ2 é a topologia discreta. De fato,

dado x ∈ R, se escolhermos x < α então Dα[x] = {x} é vizinhança (τ2) de x. Nesse caso

poderemos escrever {x}◦ ⊂ {x} ⊂ {x}◦, logo teremos conjuntos unitários sendo abertos

em τ2, o que garante o procurado.

Essa diferença entre as estruturas se deve ao fato de que a uniformidade,

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6 Uniformidade Diagonal 60

quando olhada sob o ponto de vista topológico, recai no caso de sistema de vizinhanças

dos pontos do espaço, que são também estruturas mais ricas do que a topologia, uma vez

que sistemas completamente diferentes podem fornecer a mesma topologia.

Prosseguindo, com o objetivo de dar caracterizações aos entes topológicos da

topologia uniforme a ser considerada, mostremos um lema que é resultado simplesmente

das operações que definimos no cartesiano, ou seja, não necessita de estrutura no conjunto

envolvido.

Lema 6.26. Para quaisquer U,A e V contidos em X × X, ocorre que U ◦ A ◦ V =⋃(a,b)∈A

U−1[a]× V [b].

Demonstração. (x, y) ∈ U ◦ A ◦ V se, e somente se, existem a e b em X tais que (x, a) ∈

U, (a, b) ∈ A, (b, y) ∈ V se, e somente se, existe (a, b) ∈ A tal que x ∈ U−1[a], y ∈ V [b]

se, e somente se, (x, y) ∈⋃

(a,b)∈A

U−1[a]× V [b] . �

Uma propriedade topológica interessante, que não precisa ser fruto de uma

estrutura uniforme propriamente dita, é referente à inversão de relações binárias que são

abertos no cartesiano, como mostra a seguinte proposição:

Proposição 6.27. Se temos um espaço topológico (X, τ) e consideramos qualquer relação

binária D ⊂ (X ×X, τ × τ) que é também um conjunto aberto (respectivamente fechado),

então o inverso D−1 é aberto (respectivamente fechado).

Demonstração. Isso é justificado pela “permutação”

F : X ×X −→ X ×X(x, y) 7−→ (y, x) ,

a qual é claramente um homeomorfismo referente a τ × τ . �

Perceba que na topologia uniforme associada a B, para quaisquer x ∈ X e

D ∈ B ocorre que x ∈ (D[x])◦, ou seja, D[x] é vizinhança (básica) do ponto x. Nesse

sentido, usando essa topologia para munir o cartesiano X×X com a topologia (uniforme)

produto, teremos, como mostra a próxima proposição, que os elementos da uniformidade

em questão serão vizinhanças da diagonal e estes elementos vão devolver informações

topológicas ao espaço (X, τB).

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6 Uniformidade Diagonal 61

Proposição 6.28. Os elementos da base de uniformidade B no espaço topológico (X ×

X, τB × τB) são vizinhanças da diagonal ∆.

Demonstração. Tome arbitrariamente D ∈ B e qualquer x ∈ X. Seguimos para mostrar

que (x, x) ∈ D◦. Considere algum C ∈ B tal que C−1 ◦ C ⊂ D. Agora repare que

(x, x) ∈ C[x] × C[x] ⊂ D. Com efeito, (x, x) ∈ C[x] × C[x] pois ∆ ⊂ C. Ainda,

(u, v) ∈ C[x] × C[x] implica (x, u), (x, v) ∈ C; logo (u, x) ∈ C−1 e (x, v) ∈ C, ou seja,

(u, v) ∈ C−1 ◦ C ⊂ D, como desejado. �

Observe que não é totalmente correto afirmar a recíproca da proposição ante-

rior, ou seja, dizer que num espaço topológico toda vizinhança da diagonal é um elemento

de uma uniformidade. Isto por que é possível termos diferentes uniformidades resultando

numa mesma topologia e, assim, um mesmo conjunto de vizinhanças da diagonal. Veja o

Exemplo 6.25, onde ∆ é vizinhança da diagonal para ambas as topologias uniformes, mas

é elemento de apenas uma das uniformidades em questão.

Proposição 6.29. Dada uma uniformidade diagonal D em X, na topologia uniforme

vale que(i) Se D ∈ D , então D◦ ∈ D ;

(ii) D◦[x] ⊂ (D[x])◦.

Demonstração. Vejamos (i). Seja D ∈ D . Tome V ∈ D de forma que V [3] ⊂ D.

Nesse caso deve valer que V ⊂ D◦. Com efeito, pelo Lema 6.26 sabemos que V [3] =⋃(x,y)∈V

V −1[x]×V [y]. Por conta disto, (x, y) ∈ V implica (x, y) ∈ V −1[x]×V [y] ⊂ V [3] ⊂ D

e como V −1[x] e V [y] são vizinhanças de x e y, respectivamente, temos o desejado. Já

que D é um filtro podemos concluir também D◦ ∈ D .

Agora (ii). Se y ∈ D◦[x], então (x, y) ∈ D◦. Por isso existem E,F ∈ B tais

que E[x]× F [y] ⊂ D; logo F [y] = (E[x]× F [y])[x] ⊂ D[x], portanto y ∈ (D[x])◦. �

O resultado (i) também permite justificar que os elementos da uniformidade

(como um todo) são vizinhanças da diagonal. Mas a Proposição 6.28 não fez uso da

propriedade de absorção de um filtro, como podemos notar.

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6 Uniformidade Diagonal 62

Corolário 6.30. Para qualquer uniformidade D , a família de todos os abertos (uniformes)

simétricos de D formam uma base de uniformidade para D .

Demonstração. Dado D ∈ D , procuramos algum aberto (uniforme) simétrico A ∈ D de

forma que A ⊂ D. Com efeito, a proposição anterior garante D◦ ∈ D , a Observação

6.14 item iv) garante (D◦)−1 ∈ D e a Proposição 6.27 garante também que (D◦)−1 é

aberto (uniforme). Deste modo, A = D◦ ∩ (D◦)−1 será um aberto contido em D como

buscávamos. �

A próxima propriedade é uma interessante caracterização de fecho na topologia

uniforme.

Proposição 6.31. Sejam X um espaço B-uniforme e quaisquer A ⊂ X, W ⊂ X ×X.

Teremos na topologia τB, a igualdade A =⋂D∈B

D[A] e na τB × τB, W =⋂D∈B

D ◦W ◦D.

Demonstração. Afirmamos primeiramente que, todo elemento D ∈ B satisfazer a inter-

seção D[x] ∩ A 6= ∅ equivale a todo D ∈ B satisfazer D−1[x] ∩ A 6= ∅. De fato, para a

necessidade veja que dado qualquer D ∈ B temos por (D3) algum E−1 ⊂ D, ou seja,

E ⊂ D−1 e como por hipótese E[x]∩A 6= ∅ segue imediatamente D−1[x]∩A 6= ∅. Quanto

a suficiência, para todo D ∈ B novamente por (D3) temos algum E ∈ B com E−1 ⊂ D

e como por hipótese E−1[x] ∩ A 6= ∅ temos D[x] ∩ A 6= ∅, como queríamos.

Com isso x ∈ A por definição significa que, para todoD ∈ B ocorreD[x]∩A 6=

∅. Como vimos isso é o mesmo que dizer que para todoD ∈ B valeD−1[x]∩A 6= ∅, ou seja,

para todo D ∈ B, existe a ∈ A tal que (x, a) ∈ D−1, isto é, (a, x) ∈ D. Equivalentemente

podemos escrever, para todo D ∈ B ocorre x ∈ D[A]. Isso é o mesmo que x ∈⋂D∈B

D[A],

como queríamos.

Para provar a outra igualdade vamos comprovar a seguinte afirmação. Se

(x, y) ∈ X×X, então dizer que para quaisquer A,B ∈ B ocorre que (A[x]×B[y])∩W 6= ∅

é o mesmo que para todo D ∈ B vale (D[x]×D−1[y]) ∩W 6= ∅. Com efeito, começamos

pela necessidade. Dado qualquerD ∈ B, como sempre (D3) garante que existe um B ∈ B

onde B ⊂ D−1. Por hipótese (D[x]×B[y])∩W 6= ∅ e, por isso, (D[x]×D−1[y])∩W 6= ∅.

Quanto à suficiência, temos que para quaisquer A e B em B podemos encontrar C ∈ B

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6 Uniformidade Diagonal 63

de forma que C−1 ⊂ B. Agora pela propriedade de base de filtro, existe D ∈ B tal que

D ⊂ A ∩ C. Veja que assim D[x] × D−1[y] ⊂ A[x] × B[y] o que é suficiente para o que

buscamos.

Enfim, (x, y) ∈ W , pela definição dessa topologia produto significa que para

quaisquer A,B ∈ B ocorre (A[x]×B[y])∩W 6= ∅. Como vimos isso equivale a dizer que

para todo D ∈ B ocorre (D[x] × D−1[y]) ∩W 6= ∅, ou seja, para todo D ∈ B, existe

(a, b) ∈ W tal que (x, a) ∈ D e (y, b) ∈ D−1, isto é, para todo D ∈ B, existe (a, b) ∈ W

tal que x ∈ D−1[a] e y ∈ D[b]. Isso é o mesmo que dizer: para todo D ∈ B ocorre

(x, y) ∈⋃

(a,b)∈W

D−1[a]×D[b]6.26= D ◦W ◦D. Deste modo, (x, y) ∈

⋂D∈B

D ◦W ◦D, como

precisávamos. �

Corolário 6.32. Para todo E ∈ B ocorre E[x] ⊂ E[x].

Demonstração. Pela Proposição 6.31 podemos fazer E[x] =⋂D∈B

D[E[x]] =⋂D∈B

(D ◦

E)[x] = (⋂D∈B

D ◦ E)[x] = (⋂D∈B

D ◦ E ◦ ∆)[x] ⊂ (⋂D∈B

D ◦ E ◦ D)[x] = E[x], como

desejado. �

Outra consequência da Proposição 6.31 será a seguinte:

Corolário 6.33. Para qualquer uniformidade D , a família de todos os fechados (unifor-

mes) simétricos de D formam uma base de uniformidade para D .

Demonstração. Dado qualquer elemento D ∈ D , queremos algum fechado simétrico con-

tido nele. Sabemos que é possível encontrarmos V ∈ D de forma que V [3] ⊂ D. A

Proposição 6.31 nos garante que V ⊂ V [3], logo V ⊂ D. É claro que se V ∈ D , então

V ∈ D , uma vez que V ⊂ V e D é filtro. Com isso (V )−1 ∈ D e ainda, pela Propo-

sição 6.27, (V )−1 é fechado. O fechado simétrico de D que procuramos será dado por

F = (V )−1 ∩ V ⊂ D. �

As construções realizadas anteriormente, especificamente as propriedades de

que numa uniformidade (quando diz respeito à topologia uniforme associada) valem as

relações

D◦[x] ⊂ (D[x])◦ e E[x] ⊂ E [x].

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6 Uniformidade Diagonal 64

Isto permite facilmente provar que se temos D ∈ D sendo aberto (usando D = D◦), então

D[x] será aberto e se tivermos E ∈ D fechado (usando E = E ), então também E[x] será

fechado.

Mas podemos justificar este fato de forma muito mais geral, sem ao menos

mencionar a topologia uniforme (ou seja, num ambiente puramente topológico). Isto foi

sugerido por Kelley [10], pg. 158, do seguinte modo:

Proposição 6.34. Dado um espaço topológico (X, τ) e um aberto (fechado) D em τ × τ ,

então para qualquer x ∈ X o conjunto D[x] é aberto (fechado) em τ .

Demonstração. Com efeito, dadoD ∈ X×X sendo aberto (fechado), fixe qualquer x ∈ X.

Considere a função identidade IdX : X → X e a função constante Cx : X → X no ponto

x, onde é claro são ambas funções contínuas nesta (e qualquer outra) topologia τ . Logo

a função F = (Cx; IdX) : X −→ X ×X é contínua com relação a τ × τ . Agora, observe

que D[x] = F−1(D) e, por isso, teremos D[x] aberto (fechado). �

Prosseguindo, vejamos que a topologia uniforme (conforme Definição 6.24) de

um espaço é sempre regular (resultado análogo à Proposição 4.13), um fato que merece

atenção especial.

Proposição 6.35. Se X é um espaço B-uniforme, então o espaço topológico (X, τB) é

regular.

Demonstração. Dado um ponto x ∈ X e uma vizinhança (básica) D[x] tal que D ∈ B.

Precisamos de alguma vizinhança V de x de forma que V ⊂ D[x]. O corolário anterior

nos ajuda em grande parte do caminho, pois ele garante algum E ∈ B tal que E ⊂ D,

logo E[x] ⊂ D[x]. Pelo Corolário 6.32, teremos V = E[x] ∈ Ux satisfazendo V = E[x] ⊂

E[x] ⊂ D[x], como desejado. �

Observação 6.36. Observe que este resultado juntamente com a Observação 4.17 per-

mite dizer que a simples adição do axioma de separação T0 em um espaço uniformizável

o torna Hausdorff (como consequência será T3).

A proposição anterior nos faz pensar se valeria uma espécie de recíproca, ou

seja, se todo espaço regular é uniformizável. Vamos conseguir dizer que isso não vale em

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6 Uniformidade Diagonal 65

geral, pois mais adiante no Teorema 12.2 veremos que vale um resultado mais preciso

que o anterior dizendo que na verdade a classe topológica dos espaços uniformizáveis é

exatamente a classe dos espaços completamente regulares. Sabendo que existem exemplos

de espaços regulares que não são completamente regulares (ver Exemplo 12.11), teremos

imediatamente um contraexemplo para a tal recíproca, mas isso trataremos depois.

Voltando a mencionar grupos topológicos, especificamente para reforçar a ideia

comentada sobre a generalização de espaços uniformes em relação a estes, vamos ver um

resultado equivalente à Proposição 4.18, cuja semelhança é notável.

Proposição 6.37. Se X é um espaço B−uniforme, então são equivalentes:

(a) (X, τB) é T0;

(b) (X, τB) é Hausdorff;

(c) ∆ é fechada;

(d)⋂D∈B

D = ∆.

Demonstração. A implicação “(a)⇒ (b)” segue pela Observação 6.36. Enquanto “(b)⇒

(c)” sempre vale em espaços topológicos (vale a recíproca inclusive). Veja que “(c) ⇒

(a)” pode ser justificada pela Proposição 6.34, pois dela teremos para todo x ∈ X o

conjunto {x} = ∆[x] sendo fechado; logo o espaço será T1 e portanto T0. Basta nos

convencermos de “(c) ⇔ (d)”. Para isso, veja que a propriedade (D2), da base de uni-

formidade, garante que⋂C∈B

C ◦ C ⊂⋂D∈B

D e o fato de que para todo D ∈ B ocorre

D ⊂ D ◦D garante a outra inclusão. Deste modo vale a igualdade⋂C∈B

C ◦ C =⋂D∈B

D.

Para concluir a equivalência restante, basta usar a Proposição 6.31, a igualdade anterior

e o fato de valer⋂C∈B

C ◦∆ ◦ C =⋂C∈B

C ◦ C. �

Isso motiva a seguinte nomenclatura:

Definição 6.38. Uma (base de) uniformidade diagonal B é dita separada para indicar

a situação⋂D∈B

D = ∆.

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6 Uniformidade Diagonal 66

Deve-se dizer que muitos autores, inclusive o próprio Weil, assumem que todo

espaço uniformizável é T0 (o que não é tão restritivo num ambiente topológico geral). Deste

modo, deveríamos incluir nas condições de (base de) uniformidade diagonal, a condição

(d) da Proposição 6.37 anterior, ou seja, consideraríamos apenas uniformidades separadas.

Mas aqui não adotaremos tal costume.

Agora vamos apresentar mais um importante recurso disponível em um espaço

uniforme, o qual em espaços topológicos em geral nem sempre é possível. Tal conceito é o

de função uniformemente contínua. Esse ente será na realidade o morfismo entre espaços

uniformes, ou seja, pode-se dizer que funções uniformemente contínuas entre espaços

uniformes desempenham o mesmo papel que funções contínuas em espaços topológicos,

ou homomorfismos contínuos entre grupos topológicos.

Definição 6.39. Dados X e Y espaços BX-uniforme e BY -uniforme, respectivamente,

dizemos que uma função f : X −→ Y é uniformemente contínua para explicitar que

para todo D ∈ BY , existe C ∈ BX , tal que para todo (x, y) ∈ C, ocorre que

(f(x), f(y)) ∈ D.

Ainda, f será dita um isomorfismo uniforme para significar que f é uma bijeção

uniformemente contínua com inversa também uniformemente contínua.

É fácil perceber que esta definição coincide com a já conhecida noção de con-

tinuidade uniforme em espaços métricos, via uniformidade diagonal métrica (conforme

Proposição 6.21).

Poderíamos definir continuidade uniforme de outras formas, observando que:

Observação 6.40. Claramente, nas condições da definição acima, são equivalentes:

(a) C ⊂ (f × f)−1(D);

(b) (f × f)(C) ⊂ D;

(c) Para todo (x, y) ∈ C, ocorre que (f(x), f(y)) ∈ D;

(d) Para todo x ∈ X, ocorre que f(C[x]) ⊂ D[f(x)].

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6 Uniformidade Diagonal 67

Assim temos várias maneiras de verificar a continuidade uniforme, um caso

interessante é o seguinte:

Observação 6.41. Perceba que se tivermos uniformidades, ao invés de apenas bases, no

caso de f : (X,DX) −→ (Y,DY ), se denotamos F = f × f , então o item (a) equivale a

dizer que para todo D ∈ DY ocorre F−1(D) ∈ DX . Perceba o quanto isso pode tornar

mais confortável a visão de como funções uniformemente contínuas em espaços unifor-

mes funcionam de forma análoga às funções contínuas em espaços topológicos, devido a

importante caracterização de que no último caso imagem inversa de aberto é aberto.

A condição (d) mostra que a palavra contínua na definição anterior não corre

o risco de ser vaga no sentido topológico, uma vez que ela demonstra imediatamente a

seguinte proposição:

Proposição 6.42. Toda função f : (X,DX)→ (Y,DY ) uniformemente contínua é contí-

nua com relação às topologias uniformes τDX e τDY .

Uma recíproca desta proposição pode ser conferida adiante num caso particular

de espaço topológico dado no Corolário 13.13, ou mais geralmente no Corolário 13.10.

Também podemos verificar facilmente que composição se comporta bem com

continuidade uniforme.

Proposição 6.43. Se g : (X,DX) −→ (Y,DY ) e f : (Y,DY ) −→ (Z,DZ) são uniforme-

mente contínuas, então f ◦ g é uniformemente contínua.

Demonstração. De fato, para todo D ∈ DZ , existe F ∈ DY com f(F [y]) ⊂ D[f(y)], para

todo y ∈ Y . Deste, existe E ∈ DX com g(E[x]) ⊂ F [g(x)], para todo x ∈ X. Assim,

(f ◦ g)(E[x]) = f(g(E[x])) ⊂ f(F [g(x)]) ⊂ D[f(g(x))] = D[(f ◦ g)(x)], seja qual for o

x ∈ X. �

Neste momento podemos citar mais um exemplo interessante, o qual também

permite dizer que espaços uniformes possuem uma estrutura mais forte do que os espaços

topológicos, lembrando que isto já foi observado no Exemplo 6.25. Aqui apresentamos o

simples exemplo de que nem todo homeomorfismo é um isomorfismo uniforme.

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6 Uniformidade Diagonal 68

Exemplo 6.44. Convencidos de que a continuidade uniforme em espaços métricos coin-

cide com esta noção de continuidade uniforme para o caso de uma uniformidade gerada

por uma métrica, ao munir os reais não-negativos X = {x ∈ R; x ≥ 0} da métrica usual

ρ induzida de R, teremos a função f : (X,Dρ) → (X,Dρ) tal que, para todo x ∈ X,

f(x) = x2. Então f será uma bijeção que não é uniformemente contínua, embora seja um

homeomorfismo.

Existe um exemplo muito mais forte do que o afirmado acima, onde é possível

encontrar espaços que são homeomorfos mas nunca poderão ser uniformemente isomorfos

(veja que isso se refere a qualquer possibilidade de funções). Tal discussão pode ser

encontrada em Willard [24] exercício 39E, pg. 265.

Dadas algumas propriedades topológicas deste contexto, partimos para discutir

alguns métodos de construções de uniformidades.

6.3 Uniformidade Diagonal Fraca (Inicial)

Os procedimentos realizados aqui serão sempre análogos aos realizados com espaços to-

pológicos. Ou seja, vamos mostrar como uma família de funções, todas com o mesmo

domínio (um conjunto sem estrutura alguma inicialmente) e com contradomínio sendo

um espaço uniforme arbitrário, podem fornecer uma uniformidade para o conjunto do

domínio, de forma que todas essas funções sejam agora uniformemente contínuas. Tal

uniformidade será dita uniformidade diagonal fraca induzida pela família de funções2.

Assim conseguimos induzir uma uniformidade em um produto qualquer de

espaços uniformes, uma vez usando a família de funções como sendo as projeções em

coordenadas, como é de costume. Continuando, conseguimos uma noção de subespaço

neste contexto via uniformidade fraca pela inclusão. Também veremos que se um conjunto

X está munido de uma família de uniformidades diagonais, então é possível adquirir uma

nova uniformidade a partir dessas, dita de supremo.

Dito isto, considere um conjunto não vazio X, uma família de espaços unifor-

mes {(Xλ,Dλ); Λ} e para qualquer λ ∈ Λ uma função fλ : X −→ (Xλ,Dλ).2No Trabalho [15] ela é chamada de uniformidade inicial induzida por essas funções.

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6 Uniformidade Diagonal 69

Dado λ ∈ Λ, denote a aplicação produto Fλ := fλ × fλ, a família F−1λ (Dλ) :=

{F−1λ (D); D ∈ Dλ} ⊂P(X ×X) e ∆λ a diagonal de Xλ.

Dito isto temos o seguinte teorema:

Teorema 6.45. Nas condições acima, a família E =⋃λ∈Λ

F−1λ (Dλ) é uma sub-base de

uniformidade diagonal em X. Mais ainda, esta uniformidade é a menos fina (menor por

inclusão) onde todas as funções fλ são uniformemente contínuas.

Demonstração. Vamos usar a Proposição 6.13. Por construção E 6= ∅. Vamos verificar

as propriedades de uniformidade. Para isso tome um elemento arbitrário E ∈ E , com

E = F−1λ (Dλ) e Dλ ∈ Dλ. Começamos por (D1). Veja que ∆ ⊂ F−1

λ (∆λ) e por

hipótese ∆λ ⊂ Dλ, assim conseguimos ∆ ⊂ F−1λ (∆λ) ⊂ F−1

λ (Dλ), portanto ∆ ⊂ E.

Para provarmos (D2) e (D3) usaremos duas simples relações envolvendo imagem inversa

de função produto, as quais também serão úteis em resultados posteriores.

Afirmação: Para qualquer função f : X → Y e quaisquer A e B em Y × Y ,

ao denotar F = f × f , são válidos os seguintes itens:

(a) F−1(A) ◦ F−1(B) ⊂ F−1(A ◦B);

(b) (F−1(A))−1 = F−1(A−1).

Vejamos o item (a). De fato, se (a, b) ∈ F−1(A) ◦ F−1(B), então existe

x ∈ X de forma que (f(a), f(x)) ∈ A e (f(x), f(b)) ∈ B. Logo (f(a), f(b)) ∈ A ◦ B

e, por isso, (a, b) ∈ F−1(A ◦ B), como queríamos (veja que a igualdade valeria se f fosse

sobrejetora). Agora (b). Com efeito, (a, b) ∈ (F−1(A))−1 se, e somente se, (b, a) ∈ F−1(A)

se, e somente se, (f(b), f(a)) ∈ A se, e somente se, (f(a), f(b)) ∈ A−1 se, e somente se,

(a, b) ∈ F−1(A−1), como desejado.

Prosseguindo com nossos objetivos, queremos comprovar (D2). Dado

F−1(Dλ) ∈ E , por hipótese existe Bλ ∈ Dλ tal que B[2]λ ⊂ Dλ. Pelo item (a), podemos

dizer imediatamente que (F−1λ (Bλ) )[2] ⊂ F−1

λ (B[2]λ ) ⊂ F−1(Dλ) e, como F−1

λ (Bλ) ∈ E , te-

mos o desejado. Por fim mostremos (D3). Da mesma forma, ao considerar F−1(Dλ) ∈ E ,

a hipótese garante que existe Cλ ∈ Dλ tal que C−1λ ⊂ Dλ. Pelo item (b) teremos

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6 Uniformidade Diagonal 70

(F−1λ (Cλ) )−1 = F−1

λ (C−1λ ) ⊂ F−1(Dλ) e já que F−1

λ (Cλ) ∈ E temos a sub-base dese-

jada.

Mostremos que, dado λ ∈ Λ, fλ é uniformemente contínua. De fato, conside-

rando B a família de interseções finitas de elementos de E (a qual já sabemos ser base

de uniformidade diagonal em X), dado qualquer D ∈ Dλ ocorre F−1λ (D) ∈ B, o que é

suficiente para termos a continuidade uniforme requerida.

Denotando por D a uniformidade gerada por E , vejamos a minimalidade reque-

rida. Se tivermos outra uniformidade D ′ em X de modo que todas as fλ sejam uniforme-

mente contínuas, então para todo λ ∈ Λ dado qualquer Dλ ∈ Dλ teremos F−1λ (Dλ) ∈ D ′.

Deste modo, E ⊂ D ′ e por isso D ⊂ D ′, como esperado. �

Definição 6.46. A uniformidade gerada por E no teorema anterior é dita uniformidade

diagonal fraca em X induzida pela família de funções {fλ; λ ∈ Λ}.

Se pensarmos na topologia associada, como dissemos, o resultado é realmente

como esperado de sua nomenclatura.

Proposição 6.47. A topologia uniforme τD em X induzida pela uniformidade diagonal

fraca em X mediante às funções fλ : X −→ (Xλ,Dλ) coincide com a topologia fraca τ

induzida pelas “mesmas” funções fλ : X −→ (Xλ, τDλ).

Demonstração. De fato, para ver isso, vamos observar o que acontece numa vizinhança

básica de um ponto x ∈ X, digamos D[x], onde D =⋂

i=1,··· ,n

F−1λi

(Dλi). Veja que

F−1λ (Dλ)[x] = {y; (x, y) ∈ F−1

λ (Dλ)} = {y; (fλ(x), fλ(y)) ∈ Dλ} = f−1λ (Dλ[fλ(x)]),

logo D[x] = (⋂

i=1,··· ,n

F−1λi

(Dλi) )[x] =⋂

i=1,··· ,n

(F−1λi

(Dλi)[x]) =⋂

i=1,··· ,n

f−1λi

(Dλi [fλi(x)]). Isso

permite concluir a igualdade entre as topologias.

De fato, um τ−aberto contendo qualquer x precisa conter um conjunto da

forma D =⋂

i=1,··· ,n

f−1λi

(Dλi [fλi(x)]) devido à definição das topologias τDλ . Assim esse

τ−aberto conterá oD[x] acima e por isso ele é τD−aberto. Reciprocamente, um τD−aberto

contendo um ponto x precisa conter algum D[x], como no começo da demonstração, mas

ao passar interior segundo τ (topologia fraca) na igualdade acima teremos D[x] ⊃ D[x]◦ =

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6 Uniformidade Diagonal 71

(⋂

i=1,··· ,n

f−1λi

(Dλi [fλi(x)]) )◦ ⊃⋂

i=1,··· ,n

f−1λi

( (Dλi [fλi(x)])◦ ) 3 x, ou seja, o τD−aberto con-

terá um aberto básico de τ em cada um dos seus pontos, logo ele é aberto de τ . �

Agora damos uma caracterização de uniformidade fraca a qual usaremos no

próximo tipo de construção de uniformidade diagonal, a dita uniformidade diagonal forte

(final).

Teorema 6.48 (Caracterização de uniformidade fraca). Sejam {(Xλ,Dλ); λ ∈ Λ} uma

família de espaços uniformes, X um espaço D−uniforme e para todo λ ∈ Λ considere

uma função fλ : X −→ (Xλ,Dλ). Então são equivalentes:

(i) D é a uniformidade diagonal fraca em X induzida por {fλ; λ ∈ Λ};

(ii) Para todo espaço uniforme (Y,DY ) e qualquer função g : (Y,DY ) −→ (X,D), vale

que: g é uniformemente contínua se, e somente se, para todo λ ∈ Λ ocorre que

fλ ◦ g : (Y,DY ) −→ (X,Dλ) é uniformemente contínua.

Demonstração. Vejamos a implicação “(i) ⇒ (ii)”. Nesse caso temos uma equivalência

para ser demonstrada. A necessidade segue imediatamente pela Proposição 6.43. Veja-

mos a suficiência. Queremos mostrar que g é uniformemente contínua. Tome D ∈ D ,

precisamos de algum E ∈ DY com (g × g)(E) ⊂ D. Pela construção de uniformidade

fraca, existem Eλi ∈ Dλi com i = 1, · · · , n de forma que⋂

i=1,··· ,n

F−1λi

(Eλi) ⊂ D. De-

notando Gλ = (fλ ◦ g) × (fλ ◦ g), pela continuidade uniforme da hipótese de (ii) te-

remos que para todo λ ∈ {λ1, · · · , λn} existe Aλ ∈ DY tal que Gλ(Aλ) ⊂ Eλ. Essa

última inclusão implica (g × g)(Aλ) ⊂ F−1λ (Eλ). Tome

⋂i=1,··· ,n

Aλi = E ∈ DY e terá que

(g × g)(E) ⊂⋂

i=1,··· ,n

F−1λi

(Eλi) ⊂ D, como queríamos.

Agora nos dedicamos à recíproca “(ii)⇒ (i)”. Denote por D∗ a uniformidade

diagonal fraca induzida por {fλ; λ ∈ Λ}. Veja que por hipótese D satisfaz a condi-

ção (ii) e como já mostramos “(i) ⇒ (ii)” podemos assumir que D∗ também satisfaz

(ii). Queremos D = D∗. Para mostrar D ⊂ D∗ tome (Y,DY ) = (X,D∗) e veja que

g = IdX : (X,D∗) −→ (X,D∗) é uniformemente contínua. Usando a necessidade de (ii)

em D∗, podemos dizer que para todo λ ∈ Λ temos fλ ◦ IdX = fλ : (X,D∗) −→ (Xλ,Dλ)

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6 Uniformidade Diagonal 72

é uniformemente contínua. Assim, se considerarmos IdX : (X,D∗) −→ (X,D), po-

demos dizer que para todo λ ∈ Λ ocorre que fλ ◦ IdX = fλ : (X,D∗) −→ (Xλ,Dλ)

é uniformemente contínua. Usando a suficiência de (ii) em D podemos afirmar que

IdX : (X,D∗) −→ (X,D) é uniformemente contínua. A inclusão procurada segue agora

pela Observação 6.41. Para mostrar que D∗ ⊂ D , basta proceder de maneira análoga a

anterior começando o argumento com g = IdX : (X,D) −→ (X,D). �

Temos duas aplicações interessantes para a uniformidade fraca, seguindo o

roteiro no trabalho de Roelcke e Dierolf [15].

Uniformidade induzida em subespaço: Serve basicamente para induzir uniformida-

des em subconjuntos de um espaço uniforme. O procedimento é simplesmente o seguinte:

Seja (X,D) um espaço uniforme e Y ⊂ X. Então ao considerar a função

inclusão i : Y −→ (X,D) temos condições de imediatamente colocar a uniformidade

diagonal fraca em Y através da família {i} (unitária) de funções. Tal uniformidade é dita

uniformidade diagonal do subespaço induzida por D em Y (ou uniformidade diagonal D

restrita a Y ).

Os elementos dessa uniformidade tem como base a família

D |Y = {D ∩ (Y × Y ); D ∈ D}.

Usualmente, chamam-se os conjuntos D ∩ (Y × Y ) de traço de D em Y .

Uma aplicação útil desta abordagem pode ser feita ao considerar funções uni-

formemente contínuas.

Proposição 6.49. Se temos uma função f : (X,DX) → (Y,DY ) uniformemente con-

tínua e subconjuntos A ⊂ X, B ⊂ Y , então ao considerar as uniformidades induzidas

ainda teremos continuidade uniforme, ou seja, g = “f |(A∧B)” : (A,DX |A)→ (B,DY |B) é

uniformemente contínua.

Demonstração. De fato, ao considerar qualquer traço D ∩ (B × B) ∈ DY |B, teremos

que E = G−1(D ∩ (B × B)) = G−1(D) ∩ (g−1(B) × g−1(B)) = G−1(D) ∩ (A × A) =

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6 Uniformidade Diagonal 73

F−1(D) ∩ (A × A). Como f é uniformemente contínua segue F−1(D) ∈ DX . Logo,

teremos E sendo traço de F−1(D) em A, ou seja, E ∈ DX |A, como desejado. �

Supremo de Uniformidades: A partir de uma família de uniformidades em um con-

junto, podemos enfim resolver o problema de encontrar a (vale unicidade) uniformidade

mais fina do que todas as uniformidades da família que seja a menos fina com essa pro-

priedade, já que a união não nos serviu para esse fim (conforme no Exemplo 6.20).

A ideia é muito simples, supondo uma família de uniformidades diagonais

F = {Dλ; λ ∈ Λ} em um mesmo conjunto X basta considerarmos as funções identidades

Idλ : X −→ (X,Dλ) e construir, a partir de todas elas, a uniformidade fraca em X. Tal

uniformidade satisfaz o fato dela ser mais fina do que qualquer uniformidade em F (pois

teremos todas as funções gλ = IdX : (X,D) −→ (X,Dλ) sendo uniformemente contínuas)

e a menos fina com essa propriedade, pois é assim que uniformidades fracas se comportam,

como visto no Teorema 6.45.

Essa uniformidade será denotada por∨λ∈Λ

Dλ e dita o supremo3 das uniformi-

dades em F .

Devemos salientar aqui que essa uniformidade é descrita exatamente pela uni-

formidade que possui como sub-base a família dada pela união de todas as uniformidades

Dλ. Nesse caso, apesar de podermos argumentar diretamente sobre essa uniformidade

supremo (sem exigir a família de identidades) conseguimos uma interessante aplicação de

uniformidade fraca.

Uniformidade Produto

Uma terceira aplicação é o caso particular envolvendo o cartesiano arbitrário de espa-

ços uniformes. Aqui a ideia é induzir a uniformidade diagonal fraca pelas projeções em

coordenadas. Esse tipo de espaço aparece frequentemente em exemplos e aplicações.

Dada a família {(Xλ,Dλ); λ ∈ Λ} de espaços uniformes, então temos imedia-

tamente a uniformidade fraca em Z =∏

λ∈ΛXλ induzida pelas projeções πλ : Z −→ Xλ,

as quais serão, nesta uniformidade, uniformemente contínuas. A uniformidade fraca em3Motivado pela ordem de refinamentos.

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6 Uniformidade Diagonal 74

Z induzida pelas projeções é dita uniformidade diagonal produto em Z.

Além disso, devemos observar que a topologia uniforme induzida pela uni-

formidade produto em Z é exatamente a topologia produto das topologias uniformes

considerando cada Xλ com a topologia uniforme de Dλ, como visto na Proposição 6.47.

Restringindo nossa atenção para o caso finito Λ = {1, · · · , N} com todos os Xi

iguais e munidos de uma única uniformidade, ou seja, para todo i ∈ {1, · · · , N}, considere

(Xi,Di) = (X,D). Nesse caso a uniformidade produto em Z =∏N

1 X, é gerada pela base

B = {⋂

i=1,··· ,N

P−1i (Di); (∀ i) Di ∈ D}

(onde Pi = πi × πi). A diferença aqui é que a interseção está construída no conjunto de

índices inteiro e não numa subcoleção. Mas isso não é problema se escolhermos sempre

que for preciso um elemento da uniformidade como sendo o espaço cartesiano todo o que

não afeta em nada a interseção como está dada.

Um pouco melhor, já que estamos sobre o mesmo espaço nesse produto, seria

interessante não precisar considerar elementos distintos na uniformidade do contradomí-

nio. Para isso, usando a Observação 6.10, conseguimos que a família

B′ = {⋂

i=1,··· ,N

P−1i (D); D ∈ D}

é também base para a uniformidade diagonal produto em Z =∏N

1 X.

Deste modo, veja por exemplo, quando X é um espaço D−uniforme, podemos

considerar a uniformidade produto em X × X cuja base de uniformidade diagonal será

dada pelos conjuntos Dp ⊂ (X × X) × (X × X) tal que existe D em D de modo que

((x, y), (a, b)) ∈ Dp se, e somente se, (x, a) ∈ D e (y, b) ∈ D.

Isto motiva uma caracterização sobre continuidade uniforme de pseudométri-

cas.

Proposição 6.50. Supondo que X é um espaço D−uniforme e ρ uma pseudométrica em

X, então considerando a uniformidade produto em X×X e a uniformidade métrica (con-

forme Proposição 6.21) em R (com métrica usual) vale que ρ é uniformemente contínua

se, e somente se, para todo r > 0 ocorre que Drρ = {(x, y) ∈ X ×X; ρ(x, y) < r} ∈ D .

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6 Uniformidade Diagonal 75

Demonstração. Vejamos a necessidade. Suponha que ρ é uniformemente contínua e tome

qualquer r > 0 para mostrarmos Drρ ∈ D . Pelas discussões acima, deve existir E ∈ D

de modo que se (x, a) ∈ E e (y, b) ∈ E, então |ρ(x, y) − ρ(a, b)| < r. Assim, tomando

qualquer (x, a) ∈ E e considerando também o ponto (a, a) ∈ E teremos |ρ(x, a)| =

|ρ(x, a)− ρ(a, a)| < r, ou seja, (x, a) ∈ Drρ e com isso E ⊂ Dr

ρ. Como D é filtro, teremos

Drρ ∈ D .

Reciprocamente, temos que todo conjunto Drρ com r > 0 está em D . Mostre-

mos que ρ é uniformemente contínua. Para isso, ao considerar qualquer ε > 0, devemos

encontrar algum D ∈ D de forma que se {(x, a), (y, b)} ⊂ D, então |ρ(x, y)− ρ(a, b)| < ε.

Observe inicialmente que para todo r > 0, se {(x, a), (y, b)} ⊂ Drρ, então ρ(x, a) < r e

ρ(y, b) < r. Como ρ(x, y) ≤ ρ(x, a) + ρ(a, b) + ρ(b, y), segue ρ(x, y)− ρ(a, b) < 2r. Tam-

bém, ρ(a, b) ≤ ρ(a, x)+ρ(x, y)+ρ(y, b) e disto segue que −(ρ(x, y)−ρ(a, b)) < 2r. Assim,

|ρ(x, y)− ρ(a, b)| < 2r. Desta forma, se considerarmos D = Dε2ρ , teremos o resultado. �

Corolário 6.51. Supondo que X é um espaço D−uniforme, ρ uma pseudométrica uni-

formemente contínua e ∅ 6= A ⊂ X, então a função

g : X −→ Rx 7→ ρ(A, x) := inf{ρ(a, x); a ∈ A}

é uniformemente contínua.

Demonstração. Isso segue diretamente pelo fato de que para todo (x, y) ∈ X ×X vale a

desigualdade |g(x)− g(y)| ≤ ρ(x, y). �

Sobre o produto, temos também o seguinte útil resultado:

Proposição 6.52. Dadas duas famílias de espaços uniformes {(Xα,Dα); α ∈ A} e

{(Yα,Eα); α ∈ A} onde para cada α ∈ A temos uma função bijetora uniformemente

contínua fα : Xα → Yα, então podemos construir uma função f :∏α∈A

Xα →∏α∈A

que também seja bijetora e uniformemente contínua com respeito às uniformidades fracas

nesses produtos (respectivamente DP e EP ).

Demonstração. Denote X =∏α∈A

Xα e Y =∏α∈A

Yα com respectivas projeções para cada

índice πXα e πYα . Definimos a função f : X → Y coordenada-a-coordenada, colocando

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6 Uniformidade Diagonal 76

para todo x ∈ X e α ∈ A a imagem da forma πYα (f(x)) = fα(πXα (x)), ou seja, de modo

que πYα ◦ f = fα ◦ πXα . Assim a função está claramente bem definida, vejamos as demais

exigências.

Começamos pela injetividade. Dados x e x′ em X tais que f(x) = f(x′),

então pela definição de igualdade em Y podemos dizer que para todo α ∈ A ocorre

πYα (f(x)) = πYα (f(x′)). Disto, para todo α ∈ A vale fα(πXα (x)) = fα(πXα (x′)). Pela

injetividade da hipótese, para todo α ∈ A, teremos πXα (x) = πXα (x′). A definição da

igualdade em X garante então x = x′, como desejado.

Agora vamos comprovar a sobrejetividade. Dado qualquer y ∈ Y , pela sobre-

jetividade da hipótese podemos dizer que para todo α ∈ A ocorre que existe um xα ∈ X

tal que fα(xα) = πYα (y). Agora definindo x ∈ X de modo que para todo α ∈ A tenhamos

πXα (x) = xα valerá que, para todo α ∈ A ocorre que πYα (f(x)) = fα(πXα (x)) = πYα (y), ou

seja, f(x) = y, como queríamos.

Por fim vejamos a continuidade uniforme. Denote, como sempre, F = f × f ,

Fα = fα × fα, PXα = πXα × πXα e P Y

α = πYα × πYα . É suficiente argumentarmos na sub-

base, ou seja, basta mostrarmos que para cada Eα ∈ Eα, ao denotar E = (P Yα )−1(Eα),

ocorre F−1(E) ∈ DP . Para isso, veja que sempre vale P Yα ◦F = Fα ◦PX

α . Logo F−1(E) =

(PXα )−1(F−1

α (Eα)). Pela continuidade uniforme da hipótese, podemos dizer F−1α (Eα) ∈ Dα

e pela definição da uniformidade produto temos F−1(E) = (PXα )−1(F−1

α (Eα)) ∈ DP , como

precisávamos. �

Como consequência imediata disto temos mostrado o seguinte:

Corolário 6.53. Os produtos X e Y acima são uniformemente isomorfos, no caso em

que cada fα é um isomorfismo uniforme.

6.4 Uniformidade Diagonal Forte (Final)

A uniformidade fraca (inicial) induz uma uniformidade em domínio de funções de uma

certa família. Podemos fazer um procedimento análogo à esse visando o contradomínio,

assim construímos o que será chamada de uniformidade forte (final). Tal construção

abre caminho para certos casos particulares notáveis para essa teoria, como o ínfimo e o

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6 Uniformidade Diagonal 77

quociente apresentados nesta seção.

Teorema 6.54. Considere um conjunto não vazio X, uma família de espaços uniformes

{(Xλ,Dλ); Λ} e para todo λ ∈ Λ uma função fλ : (Xλ,Dλ) −→ X. Então existe uma

uniformidade em X que é a mais fina onde todas as fλ são uniformemente contínuas.

Demonstração. Considere a família F = {D ; D é uniformidade em X e (∀ λ ∈ Λ) fλ :

(Xλ,Dλ) −→ (X,D) é uniformemente contínua}. Nesse caso, a uniformidade procurada

pela proposição será dada especificamente pela uniformidade supremo dessas uniformida-

des, ou seja, por DS =∨

D∈F

D . De fato, sabemos que DS é uma uniformidade fraca em X

induzida pelas identidades IdX : X −→ (X,D) com D ∈ F . Mostremos que DS ∈ F .

Considerando qualquer λ ∈ Λ, queremos mostrar que fλ : (Xλ,Dλ) −→ (X,DS) é unifor-

memente contínua. Denote gD := IdX : (X,DS) −→ (X,D) para todo D ∈ F . Observe

que seja qual for D ∈ F temos fλ = gD ◦ fλ : (Xλ,Dλ) −→ (X,D) uniformemente

contínua pela construção de F . Usando a suficiência do item (ii) do Teorema 6.48 em

DS, podemos realmente dizer que fλ : (Xλ,Dλ) −→ (X,DS) é uniformemente contínua,

como desejado. Assim conseguimos DS ∈ F . Para ver que ela é a mais fina na família

F , observe que dada qualquer uniformidade D ∈ F , o fato de termos gD uniformemente

contínua, equivale a dizer D ⊂ DS. �

Definição 6.55. A uniformidade construída anteriormente é dita uniformidade final

(forte) em X induzida pela família de funções {fλ; λ ∈ Λ}.

Como prometido, veremos a seguir dois casos particulares importantes.

Uniformidade Quociente: Se consideramos uma relação de equivalência R em um

espaço uniforme (X,D), então podemos munir o conjunto de classes X/R de uma uni-

formidade diagonal através da projeção em classes π : X −→ X/R. Para isso, basta

considerar a uniformidade final em X/R induzida por π. Essa uniformidade pode ser dita

uniformidade diagonal quociente em X/R e pode-se denotá-la por D/R.

Ínfimo de Uniformidades: Dada uma família de uniformidades em um conjunto, pros-

seguimos para descrever a uniformidade menos fina do que todas elas, que é a (é única)

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7 Coberturas Uniformes 78

mais fina com essa propriedade, suprindo o fato de a interseção não funcionar para esse

fim (visto no Exemplo 6.19). A ideia é prosseguir exatamente como feito para o supremo

de uniformidades, ou seja, dada uma família F = {Dλ; λ ∈ Λ} de uniformidades dia-

gonais em um mesmo conjunto X, vamos aplicar a uniformidade final em X através da

família de identidades Idλ : (X,Dλ) −→ X. Denotando tal uniformidade final por

D :=∧λ∈Λ

teremos que nessa uniformidade todas as funções IdX : (X,Dλ) −→ (X,D) são unifor-

memente contínuas, ou seja, onde D ⊂ Dλ, e será a mais fina com essa propriedade, pois

é assim que uniformidades finais se comportam, pelo Teorema 6.54.

Reticulado: Um conjunto parcialmente ordenado4 (Z,4) é dito um reticulado quando

quaisquer dois elementos a e b de Z possuem um supremo (denotado por a ∨ b) e um

ínfimo (denotado por a ∧ b), os quais são definidos de forma exatamente análoga ao caso

de números com ordem usual. Pelo que vimos até aqui, ao considerar F a família de

todas as uniformidades diagonais de um mesmo conjunto X, se parcialmente ordenarmos

F por refinamentos, isto é, pela relação D 4 D ′ se, e só se, D ⊂ D ′, então podemos

dizer que (F ,4) é um reticulado, graças ao fato de que os nomes supremo e ínfimo de

uniformidades obtidas anteriormente coincidem exatamente com as noções de supremo e

ínfimo pela relação 4.

7 Coberturas Uniformes

Como dissemos, Weil já havia cogitado a possibilidade de avançar os estudos abordando

coberturas, porém ele não estruturou a teoria, nem definiu o que seria uma uniformidade

tratada sob este ponto de vista. Quem propriamente formalizou esta teoria, sob este

ponto de vista, foi Tukey em sua tese [22]. Pode-se dizer que o maior benefício desse tipo

de uniformidade é pelo fato de que com essa linguagem as demonstrações e a forma de

trabalhar fica muito parecida com espaços métricos, onde pode-se geralmente pensar de

forma intuitiva nas estrelas como sendo as bolas abertas, diferentemente da uniformidade4Ver Definições 2.2.

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7 Coberturas Uniformes 79

diagonal, a qual aproxima a linguagem muito mais a de grupos topológicos. Para mais uma

percepção de como podemos desenvolver a teoria de uniformidades sob esta abordagem,

além é claro do trabalho de Tukey, indicamos o trabalho de Isbell [9], o qual é também

uma referência teórica e historicamente relevante.

Antes de prosseguirmos precisamos de um pouco de notação envolvendo co-

berturas e refinamentos no conjunto não vazio X (a princípio não há necessidade de

mencionarmos nenhum tipo de aberto, ou seja, não precisamos de topologia).

Notação 7.1. Dada uma cobertura U de X e um subconjunto A ⊂ X, usaremos a

notação [A,U ] = {U ∈ U ; U ∩ A 6= ∅}.

Nesse caso,

Definição 7.2. Definimos e denotamos a estrela de A com respeito a U como o

conjunto

St(A,U ) =⋃

[A,U ] :=⋃

U∈[A,U ]

U.

Observe que, ao usar a notação St({a},U ) := St(a,U ), é fácil verificar a

igualdade

St(A,U ) =⋃a∈A

St(a,U ).

Na prática vamos sempre ter em mente a seguinte caracterização:

y ∈ St(x,U ) se, e só se, existe U ∈ U tal que {x, y} ⊂ U se, e só se, x ∈ St(y,U ).

Agora, dadas duas coberturas U e V do conjunto X também usaremos as

seguintes nomenclaturas (e notações5):

• U é refinamento de V (U 4 V ) significa que

para todo U ∈ U , existe V ∈ V , tal que U ⊂ V ;5Tukey, em seu artigo [22], afirma que a origem, não totalmente formalizada, de todos esses tipos

de refinamentos são creditados a Urysohn em suas pesquisas sobre metrização. No entanto, um estudosistemático e propriamente formalizado, fazendo uso inclusive das notações apresentadas acima sobreos refinamentos estrela e baricêntrico, como já dissemos, são de autoria do próprio Tukey. No que eupude perceber, embora já existisse claramente a ideia de refinamento duplo em resultados clássicos demetrização, a notação e nomenclatura para o refinamento duplo constam primordialmente no trabalhode Patrão e San Martin [13].

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7 Coberturas Uniformes 80

• U é refinamento estrela de V (U ∗ 4 V ) expressa que

para todo U ∈ U , existe V ∈ V , tal que St(U,U ) ⊂ V ;

• U é refinamento baricêntrico de V (U C V ) indica que

para todo x ∈ X, existe V ∈ V , tal que St(x,U ) ⊂ V ;

• U é refinamento duplo de V (U 4 12V )6 diz que

para todos U e U ′ em U com U ∩ U ′ 6= ∅, existe V em V tal que U ∪ U ′ ⊂ V .

Vê-se facilmente que estrelas se comportam bem com inclusões e refinamentos,

isto é, dados A e B subconjuntos de X, U e V coberturas de X, temos:

A ⊂ B implica que St(A,U ) ⊂ St(B,U );

U 4 V implica que St(A,U ) ⊂ St(A,V ).

Observação 7.3. Como é fácil de perceber, vale que

U ∗ 4 V resulta em U C V o qual fornece U 41

2V ( que implica U 4 V ).

Mas não valem nenhuma das recíprocas como mostram os exemplos simples sobre a reta

R dados a seguir:

• (Duplo não implica baricêntrico e nem estrela) Tome U = {(−n, n) ⊂ R; n ∈ N}.

É fácil perceber que U 4 12U . Mas nesse caso não ocorre U ∗ 4 U , pois claramente

para qualquer elemento Uk = (−k, k) de U tem-se St(Uk,U ) = R. Assim como

não ocorre U C U pois também é de fácil verificação que para qualquer α ∈ R

temos St(α,U ) = R.

• (Baricêntrico não implica estrela) Tome U = {[n, n + 1] ⊂ R; n ∈ Z}7 e observe

que se α ∈ R temos apenas duas possibilidades St(α,U ) = [k, k+ 1] ou St(α,U ) =

[k, k + 1] ∪ [k + 1, k + 2] = [k, k + 2], para algum k ∈ Z. Deste modo, ao considerar

a cobertura V = {[n, n+ 2]; n ∈ Z} temos imediatamente U C V . Agora, observe6Uma outra opção para denotar, e lembrar da definição, esse refinamento pode ser U 2 4 V .7É simples verificar que não vale U 4

1

2U apesar de valer U 4 U .

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7 Coberturas Uniformes 81

que não vale U ∗ 4 V pois para qualquer k ∈ Z considerando Uk = [k+1, k+2] ∈ U

temos St(Uk,U ) = [k, k+1]∪ [k+1, k+2]∪ [k+2, k+3] = [k, k+3] * [n, n+2] ∈ V

seja qual for n ∈ Z.

Deste modo pode-se dizer que o refinamento duplo é o mais geral desses refinamentos.

Refinamento duplo tem várias propriedades interessantes, uma delas é a se-

guinte:

Proposição 7.4. Se u0 ∈ U ∈ U 4 12W , então St(U,U ) ⊂ St(u0,W ).

Demonstração. Com efeito, tome arbitrariamente U ′ ∈ [U,U ], logo U ∩ U ′ 6= ∅. Como

U 4 12W segue que existe W ∈ W com U ∪ U ′ ⊂ W , ou seja, U ′ ⊂ W e u0 ∈ U ⊂ W .

Logo U ′ ⊂ W ∈ [{u0},W ], ou seja, U ′ ⊂ St(u0,W ), como precisávamos. �

Uma certa relação de transitividade entre esses refinamentos será uma con-

sequência do seguinte resultado:

Corolário 7.5. Se U 4 12W C V , então U ∗ 4 V .

Demonstração. Dado U ∈ U , tome qualquer u0 ∈ U . Nesse caso o resultado anterior

já garante St(U,U ) ⊂ St(u0,W ). Agora, como W C V segue que existe V ∈ V onde

St(u0,W ) ⊂ V . Deste modo St(U,U ) ⊂ St(u0,W ) ⊂ V , como buscávamos. �

Por sua vez, como uma consequência imediata deste corolário temos que refi-

namento baricêntrico de refinamento baricêntrico é refinamento estrela, isto porque refi-

namento baricêntrico é refinamento duplo.

Corolário 7.6. Se U C W C V , então U ∗ 4 V .

Uma propriedade útil de refinamentos duplos é a seguinte:

Proposição 7.7. Dadas as coberturas U e V do conjunto X e x ∈ X, é válido que se

U 4 12V , então St2(x,U ) := St(St(x,U ),U ) ⊂ St(x,V ).

Demonstração. De fato, se y ∈ St2(x,U ), então existem U1, U2 ∈ V com y ∈ U1, x ∈ U2

e U1 ∩ U2 6= ∅. Como U 41

2, existe V ∈ V com {x, y} ⊂ U1 ∪ U2 ⊂ V , logo y ∈

St(x,V ). �

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7 Coberturas Uniformes 82

Se não dissermos o contrário, considere pelo texto que as famílias de coberturas

de X citadas são não vazias. Fixados esses conceitos básicos, partimos para definir o

conceito de uniformidade no contexto de coberturas.

Definição 7.8. Uma família ∅ 6= ω de coberturas de X será dita uniformidade por

coberturas em X para significar que ela satisfaz as seguintes propriedades:

(C1) Para quaisquer U1 e U2 em ω, existe V ∈ ω, tal que V ∗ 4 U1 e V ∗ 4 U2

(refinamento estrela simultâneo);

(C2) Se U < U ′ e U ′ ∈ ω, então U ∈ ω (absorção por refinamentos).

(Os elementos de ω são chamados de coberturas uniformes).

Perceba que essa noção de uniformidade fica aparentemente muito distante da

noção de grupos topológicos. Também não é evidente que ela se assemelha mais a espaços

métricos nesse momento. Mas com um maior contato com a teoria nesse contexto essas

relações começam a aparecer explicitamente.

Como sempre, o conceito de base é realmente útil para o transcorrer da teoria.

Definição 7.9. Dada a uniformidade por coberturas ω, vamos dizer que uma subfamília

∅ 6= µ ⊂ ω é uma base de uniformidade por coberturas para ω em X significando

que µ “recupera” ω por refinamentos, isto é,

ω = {U ; U cobre X e (∃ U ′ ∈ µ) U ′ 4 U }.

Podemos pensar em base sem a princípio mencionar a uniformidade dizendo

que uma família ∅ 6= µ de coberturas de X é uma base de uniformidade por coberturas

em X para significar que a família {U ; U cobre X e (∃ U ′ ∈ µ) U ′ 4 U } é uma

uniformidade por coberturas em X.

Na prática usamos fielmente o item (i) abaixo, cuja demonstração é elementar.

Observações 7.10.

(i) ∅ 6= µ é uma base de uniformidade por coberturas em X se, e somente se, ela satisfaz

(C1), ou seja, vale em µ a propriedade do refinamento estrela simultâneo;

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7 Coberturas Uniformes 83

(ii) Deixaremos reservadas as letras µ para base e ω para uniformidade por coberturas;

(iii) O par (X,µ) (respectivamente (X,ω) ) será dito espaço µ-uniforme (ω-uniforme);

(iv) Indutivamente podemos dizer que para uma base de uniformidade por coberturas

µ em X conseguimos que, para toda subcoleção finita {U1, · · · ,Un} ⊂ µ, existe

V ∈ µ, tal que para todo índice i ∈ {1, · · · , n} ocorre que V ∗ 4 Ui.

Para colocarmos aqui o conceito de sub-base precisamos de uma noção ade-

quada de interseção. Dada uma família {Uα}α∈A de coberturas de X então a cobertura

de interseções dessa família é dada por,

∧α∈A

Uα := {⋂α∈A

Uα; (∀ α ∈ A) Uα ∈ Uα}.

Com isso em mente, vamos dizer que uma família ξ de coberturas de X é uma

sub-base de uniformidade por coberturas em X para expressar que a família de coberturas

constituída de coberturas de interseções de quantidades finitas de elementos de ξ é uma

base de uniformidade por coberturas em X.

Observação 7.11. Dada essa notação8 de interseção, podemos reinterpretar o significado

de refinamento simultâneo em uma família de coberturas C de X. Dadas U ,V e W

coberturas de X, dizer W 4 U e W 4 V equivale a W 4 U ∧ V .

De fato, basta observar que W ∈ W com W ⊂ U ∈ U e W ⊂ V ∈ V é equivalente a

W ⊂ U ∩ V ∈ U ∧ V .

Observação 7.12. Como consequência, em uma uniformidade por coberturas ω em X

sempre vale que para quaisquer U e V em ω, ocorre que U ∧ V ∈ ω.

Encerramos por aqui a apresentação dos conceitos fundamentais sobre essa

linguagem de uniformidades. Agora vejamos a equivalência do procedimento com a dia-

gonal.8Vale ressaltar o cuidado de não misturar com a noção de ínfimo de uniformidades diagonais. Embora,

pensando em uma ordenação por refinamentos, esta notação possa ficar realmente com o significado deínfimo propriamente dito.

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7 Coberturas Uniformes 84

Uniformidade Diagonal Vs. Uniformidade por Coberturas

Descrever como é possível transladar entre essas linguagens de uniformidades deixa muito

mais clara a relação entre cada item exigido nas suas respectivas definições, uma vez que

num primeiro momento essa relação não é nem um pouco evidente. Outro fato interessante

a ser mencionado é que ao estudar essas relações, o entendimento do que significam espaços

uniformes ficará cada vez mais solidificado e mediante a isso podem surgir surpresas ou

pontos de vistas diferentes sobre teorias relacionadas com uniformidades, como será o caso

de espaços admissíveis.

Observação 7.13. Visando interesses além desse capítulo considere a propriedade de

refinamento duplo simultâneo em µ, ligeiramente mais geral que a propriedade (C1),

nomeada:

(A1) Para quaisquer U e V em µ, existe W ∈ µ, tal que W 4 12U e W 4 1

2V ;

Observe que toda base de uniformidade por coberturas de X satisfaz (C1)

e, portanto, satisfaz (A1) (Sendo os refinamentos duplos mais gerais que os estrela, não

podemos afirmar uma recíproca diretamente). Nesse caso, vamos usar sempre que possível

a propriedade mais geral (A1) nas demonstrações seguintes envolvendo uniformidades por

coberturas, com o intuito de levantarmos discussões no capítulo adiante sobre Espaços

Admissíveis.

Notação 7.14. Considere qualquer tipo de cobertura U do conjunto X e qualquer con-

junto D com ∆ ⊂ D ⊂ X ×X. Construímos os seguintes objetos:

• UD = {D[x]; x ∈ X};

• DU =⋃U∈U

(U × U).

Observe que estes objetos não precisaram especificamente serem tratados atra-

vés de uniformidades. A relação entre eles será dada nas duas proposições a seguir.

Proposição 7.15. Com W uma cobertura qualquer de X vale

DW [x] = St(x,W ).

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7 Coberturas Uniformes 85

Demonstração. De fato, dado x ∈ X, temos DW [x] = {y; (x, y) ∈ DW } = {y; (∃ W ∈

W ) (x, y) ∈ W ×W} = {y; (∃ W ∈ W ) {x, y} ⊂ W} = St(x,W ). �

Proposição 7.16. Dado qualquer ∆ ⊂ D ⊂ X ×X teremos

St(x,UD) = (D−1 ◦D)[x].

Demonstração. Com efeito, y ∈ St(x,UD) se, e somente se, existe D[z] ∈ UD onde

{x, y} ⊂ D[z]. Isso equivale a dizer que existe z ∈ X com {(z, x), (z, y)} ⊂ D, ou

seja, com (x, z) ∈ D−1 e (z, y) ∈ D, que se traduz em (x, y) ∈ D−1 ◦ D e, portanto,

y ∈ (D−1 ◦D)[x]. �

Agora sim vamos tratar de uniformidades. Nesse caso suponha sempre B base

de uniformidade diagonal para D em X e µ base de uniformidade por coberturas para ω

em X. A partir destas considerações enunciamos, para demonstrar logo em seguida, as

regras de transição entre as estruturas envolvidas.

Teorema 7.17 (Diagonal 7−→ Coberturas). A família µT (B) = {UB; B ∈ B} é uma

base de uniformidade por coberturas.

Notação 7.18. Vamos denotar por ωT (B) a uniformidade por coberturas gerada por

µT (B).

Teorema 7.19 (Coberturas 7−→ Diagonal). A família BT (µ) = {DU ; U ∈ µ} é uma

base de uniformidade diagonal.

Notação 7.20. Denotaremos por DT (µ) a uniformidade diagonal gerada por BT (µ).

As demonstrações desses Teoremas serão concluídas facilmente a partir dos

seguintes lemas. Eles mostrarão como as propriedades (D3) e (D2) estão relacionadas

com (C1), as quais, pode-se dizer, são as mais importantes dessas estruturas.

Lema 7.21. Se D e E são subconjuntos de X×X contendo a diagonal tais que D−1◦D ⊂

E, então UD C UE.

Demonstração. Suponha D−1 ◦ D ⊂ E. Tomando qualquer x ∈ X, a Proposição 7.16

garante que St(x,UD) = (D−1 ◦D)[x] ⊂ E[x], como desejávamos.

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7 Coberturas Uniformes 86

Lema 7.22. Se U e V cobrem X com U 4 12V , então DU ◦DU ⊂ DV .

Demonstração. Suponha U 4 12V . Mostremos que D[2]

U ⊂ DV . Se (x, y) ∈ D[2]U , então

existe z ∈ X onde {(x, z), (z, y)} ∈ DU . Desta forma, existem U e U ′ em U onde

(x, z) ∈ U × U e (z, y) ∈ U ′ × U ′. Com isso, U ∩ U ′ 6= ∅ e {x, y} ⊂ U ∪ U ′. Por hipótese,

existe V ∈ V onde U ∪ U ′ ⊂ V . Assim, (x, y) ∈ V × V ⊂ DV , como queríamos.

Aqui precisamos fazer uma observação de extrema importância neste trabalho.

Observação 7.23. O Lema 7.22 foi inicialmente proposto com refinamento estrela (por

exemplo em Willard [24] pg. 247). Neste trabalho, mostramos que na verdade o lema em

questão demonstra o resultado com refinamento duplo, uma ligeira modificação mas que

ajudará bastante em nossos objetivos ao tratar de Espaços Admissíveis e relacioná-los com

uniformes. Mais especificamente, forneceremos uma nova demonstração (este resultado já

estava provado em Alves [2]) de que a classe dos Espaços Admissíveis é equivalente a dos

Espaços Uniformizáveis com a vantagem de ser realizada muito mais simplificadamente,

uma vez que o trabalho maior será realizado nas demonstrações apresentadas a seguir.

Agora vamos às demonstrações prometidas.

(Demonstração do Teorema 7.17).

Vamos mostrar que µT (B) é uma base de uniformidade por coberturas. Veja

que µT (B) 6= ∅, pois B 6= ∅. Verifiquemos a Propriedade (C1). Tome quaisquer UB e

UC em µT (B). Pela propriedade de base de filtro em B temos que existe E ∈ B onde

E ⊂ B∩C. Agora, por (D4) temos que existe F ∈ B tal que F−1 ◦F ⊂ E. Desta forma,

o Lema 7.21 garante que UF C UE e como UE 4 UB segue UF C UB. Da mesma forma

UF C UC . Aplicando esse argumento em UF conseguimos algum F ′ ∈ B com UF ′ C UF .

Assim o Corolário 7.6 garante que UF ′∗ 4 UB e UF ′∗ 4 UC .

∴ µT (B) é uma base de uniformidade por coberturas.

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7 Coberturas Uniformes 87

Relembramos que vamos mostrar o próximo teorema usando apenas a propri-

edade (A1), que é suficiente para o que queremos e útil no decorrer da nossa teoria.

(Demonstração do Teorema 7.19).

Vamos mostrar que BT (µ) é uma base de uniformidade diagonal. Primeira-

mente vejamos que BT (µ) é uma base de filtro. Claro que ∅ 6= BT (µ), pois ∅ 6= µ e

também para todo DU ∈ BT (µ) vale DU 6= ∅, já que U é uma cobertura de X que é

um conjunto não vazio ( como estamos sempre supondo). Ainda, dados DU e DV em

BT (µ), queremos algum DW ∈ BT (µ) onde DW ⊂ DU ∩ DV . Pela simultaneidade da

propriedade (A1) conseguimos W ∈ µ tal que W 4 U e W 4 V . É fácil perceber que

desta forma DW ⊂ DU e DW ⊂ DV , como queríamos. Para verificar (D1) veja que dado

qualquer DU ∈ BT (µ), como U cobre todo o X, teremos ∆ ⊂ DU . Observe que (D2)

segue imediatamente pela propriedade (A1) juntamente com o Lema 7.22 e para obter

(D3) basta perceber que todo DU é simétrico.

∴ BT (µ) é uma base de uniformidade diagonal.

Aqui devemos observar que na demonstração anterior conseguimos mostrar o

fato de que uma família de coberturas de X satisfazendo (A1) fornece imediatamente uma

uniformidade diagonal. Isto nos será útil adiante.

Prosseguindo, os dois teoremas seguintes são propriedades cruciais para que

as translações propostas funcionem adequadamente, já que elas vão permitir pensar em

uma certa bijeção nesse procedimento.

Teorema 7.24. Dada uma base de uniformidade por coberturas µ em X que gera ω,

então ωT (BT (µ)) = ω.

Demonstração. Primeiramente lembre-se que pela Proposição 7.15, para toda W ∈ µ

temos UDW= {St(x,W ); x ∈ X}. Com isto, é simples ver que UDW

4 V equivale a

W C V . Vejamos a inclusão ωT (BT (µ)) ⊂ ω. Se V ∈ ωT (BT (µ)), então existe W ∈ µ

tal que UDW4 V , disto W C V . Temos então W 4 V . A propriedade (C2) garante que

V ∈ ω. Agora queremos a recíproca ωT (BT (µ)) ⊃ ω. Se V ∈ ω, então a propriedade

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7 Coberturas Uniformes 88

(C1) (aqui (A1) não é suficiente) garante que existe W ∈ µ de forma que W ∗ 4 V . Logo

W C V e por isso UDW4 V . Novamente a propriedade de absorção por refinamentos

(C2) garante que V ∈ ωT (BT (µ)). �

O teorema anterior mostra que pensar em substituir, na Definição 7.8, o refina-

mento estrela por refinamento duplo talvez não funcione bem, pois, como pode-se notar,

com refinamento duplo não temos a garantia de que ωT (BT (µ)) ⊃ ω, mas discutir isso

não é nosso foco no momento.

Teorema 7.25. Dada uma base de uniformidade diagonal B em X que gera D , então

DT (µT (B)) = D .

Demonstração. Novamente faz bem inicialmente observar que para qualquer E ∈ B

ocorre DUE =⋃z∈X

E[z] × E[z] = E−1 ◦ E. De fato, a primeira igualdade segue por

definição. Quanto a segunda, veja que o Lema 6.26 garante E−1 ◦ E = E−1 ◦ ∆ ◦

E =⋃

(z,z)∈∆

(E−1)−1[z] × E[z] =⋃z∈X

E[z] × E[z], como desejado. Vejamos a inclusão

DT (µT (B)) ⊂ D . Dado D ∈ DT (µT (B)), então existe E ∈ B de forma que DUE ⊂ D,

logo E ⊂ ∆ ◦ E ⊂ E−1 ◦ E ⊂ D. Como D é o filtro gerado por B segue D ∈ D .

Agora queremos DT (µT (B)) ⊃ D . Dado qualquer D ∈ D , existe B ∈ B tal que

B ⊂ D. Agora a Propriedade (D4) (da Observação 6.14) garante que existe E ∈ B tal

que E−1 ◦ E ⊂ B ⊂ D. Logo existe DUE ∈ BT (µT (B)) com DUE = E−1 ◦ E ⊂ D. Já

que DT (µT (B)) é filtro gerado por BT (µT (B)) conseguimos D ∈ DT (µT (B)). �

Assim concluímos a equivalência proposta entre essas estruturas.

Um comentário a ser feito é que para se transladar (num sentido de conduzir

à outra linguagem) de uma estrutura para outra nós precisamos de apenas bases neste

caso. A bijeção que mencionamos é com as estruturas geradas por essas bases. Demais

bijeções poderão em algum momento não tratar de bases, como veremos.

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7 Coberturas Uniformes 89

Topologia Uniforme

Poderíamos optar em adiar discussões desses tópicos, bastando recorrer às equivalências

entre as estruturas para conseguir os mesmos resultados de anteriormente em uniformida-

des diagonais, porém para que tenhamos mais visão de como funcionam, e mais contato

com essa estrutura e sua linguagem, é interessante dar uma prova independente de alguns

fatos.

O primeiro e fundamental resultado diz, assim como no caso diagonal, que

uniformidade básica gera um sistema básico de vizinhanças.

Proposição 7.26. Com X sendo um espaço µ-uniforme, em cada ponto x ∈ X a coleção

S(x) = {St(x,U ); U ∈ µ} é uma base para um sistema de vizinhanças no ponto x.

Demonstração. Precisamos verificar as propriedades (B1), (B2) e (B3) do Teorema 1.6.

A primeira é imediata. A segunda é resultado do refinamento simultâneo (não necessaria-

mente duplo ou estrela) pois se W 4 U e W 4 V , então St(x,W ) ⊂ St(x,U )∩St(x,V ).

A terceira será resultado de (A1). Precisamos mostrar que

para todo U ∈ µ, existe V ∈ µ tal que para todo y ∈ St(x,V ), existe W ∈ µ tal que

St(y,W ) ⊂ St(x,U ).

Por (A1) temos que para todo U ∈ µ, existe V ∈ µ tal que V 4 12U . Neste caso

W = V satisfaz o desejado. De fato, se y ∈ St(x,V ), então St(y,V ) = St({y},V ) ⊂

St(St(x,V ),V ) = St2(x,V ) ⊂ St(x,U ). �

Perceba que se usássemos o procedimento de translação apresentado anteri-

ormente, esse resultado seria consequência imediata do Teorema 6.23 juntamente com a

Proposição 7.15.

A topologia τµ gerada pelo sistema de vizinhanças do teorema anterior será

referida como topologia uniforme associada à uniformidade por coberturas µ. A forma

mais correta seria nomear topologia uniforme associada à uniformidade diagonal DT (µ),

mas como elas resultam na mesma topologia, isto é, τµ = τDT (µ), dizemos diretamente

associada a µ.

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7 Coberturas Uniformes 90

Proposição 7.27. Dada uma uniformidade por coberturas ω em X vale que se U ∈ ω,

então U C◦ := {(St(x,U ))◦; x ∈ X} ∈ ω.

Demonstração. Seja U ∈ ω. Novamente, ω munido da propriedade (C1) implica que

também satisfaz (A1), a qual usaremos. Por tal propriedade, conseguimos V ∈ ω de forma

que V 4 12U . Aqui estamos na mesma situação da Proposição 7.26, a qual, observando

rapidamente, mostrou que para todo x ∈ X ocorre que St(x,V ) ⊂ (St(x,U ))◦, ou seja,

V 4 V C := {St(x,V ); x ∈ X} 4 U C◦. Logo (C2) garante o desejado. �

Por translação de uniformidades, isso decorreria imediatamente dos itens (i) e

(ii) da Proposição 6.29, traduzido novamente pela Proposição 7.15.

Corolário 7.28. Para qualquer uniformidade por coberturas µ, a família de todas as

coberturas abertas (mediante τµ) de µ formam uma base de uniformidade por coberturas

para µ.

Demonstração. Isso segue imediatamente pelo fato de que sempre vale St(x,U )◦ ⊂

St(x,U ), juntamente com a Proposição 7.27 e a definição de base nesse caso. �

Prosseguindo, podemos caracterizar a continuidade uniforme nessa linguagem

de uniformidade usando os procedimentos de translação entre essas uniformidades, do

seguinte modo:

Proposição 7.29. Dados X e Y espaços µX-uniforme e µY -uniforme, respectivamente, e

uma função f : X −→ Y , teremos que f : (X,BT (µX)) −→ (Y,BT (µY )) é uniformemente

contínua se, e somente se,

para todo U ∈ µY , existe V ∈ µX , tal que para todo x ∈ X ocorre que

f(St(x,V )) ⊂ St(f(x),U ).

Demonstração. Basta considerar a Observação 6.40, juntamente com o fato de que para

qualquer x ∈ X e quaisquer coberturas V ∈ µX e U ∈ µY valem as igualdades DV [x] =

St(x,V ) e DU [f(x)] = St(f(x),U ). �

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8 Uniformidade de Calibre 91

Veja que usando o refinamento baricêntrico e a notação f(V ) := {f(V ); V ∈

V }, a tese dessa caracterização poderia ter sido escrita como: “para todo U ∈ µY , existe

V ∈ µX tal que f(V ) 4 U ”, ou equivalentemente, V 4 f−1(U ) (onde f−1(U ) :=

{f−1(U); U ∈ U }). E se adicionalmente considerarmos ao invés de bases, as uniformida-

des por coberturas em si (ωX e ωY ) então poderíamos reescrever que, f é uniformemente

contínua se, e somente se, “para todo U ∈ µY , ocorre que f−1(U ) ∈ ωX”, devido a ab-

sorção de (C2). Outra observação é que a continuidade uniforme na proposição anterior

é caracterizada apenas em termos das coberturas nas uniformidades µX e µY , logo po-

demos falar em continuidade uniforme entre uniformidades por coberturas, ou seja, sem

mencionar DT (µ).

É claro que valerá também o análogo da Proposição 6.42.

Proposição 7.30. Toda função f : (X,ωX) → (Y, ωY ) uniformemente contínua é contí-

nua com relação às topologias uniformes τωX e τωY .

8 Uniformidade de Calibre

A vantagem de tratar com essa definição, além de aplicações diversas (como pode-se

observar no trabalho de Gillman e Jerison [8]), é conseguir visualizar como funciona a

generalização que os espaços uniformes possuem sobre os espaços (pseudo)metrizáveis.

Poderemos discutir adiante que, se de um lado um espaço (pseudo)metrizável tem sua

topologia desenvolvida por apenas uma (pseudo)métrica, de outro os espaços uniformizá-

veis necessitam de uma família (não necessariamente unitária) de (pseudo)métricas para

fazer esse trabalho.

Denote por M (X) a família de todas as pseudométricas de X. Dadas p e q

em M (X) definimos:

r = p ∨ q : X ×X −→ R(x, y) 7−→ max{p(x, y), q(x, y)} ,

onde é fácil verificar que r ∈ M (X) e para quaisquer x ∈ X e ε > 0, ocorre que

Br(x, ε) = Bp(x, ε) ∩Bq(x, ε).

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8 Uniformidade de Calibre 92

Definição 8.1. Uma família9 ∅ 6= G de pseudométricas de X é dita uniformidade de

calibre em X para designar a situação em que valem as seguintes duas propriedades:

(P1) Para quaisquer p e q em G , ocorre que p ∨ q ∈ G ;

(P2) Se p ∈M (X) de modo que para todo ε > 0 seja possível encontrar δ > 0 e q ∈ G

tais que Bδq ⊂ Bε

p, então p ∈ G .

(Aqui a notação Bδq ⊂ Bε

p significa que para todo x ∈ X, ocorre que Bq(x, δ) ⊂ Bp(x, ε).)

Nesse contexto não vamos nos preocupar com o conceito de base, uma vez que

não exploraremos essa simplificação em nossas demonstrações, nem estaremos desenvol-

vendo a teoria com essa linguagem de uniformidade. No entanto para saber mais detalhes

sobre o desenvolvimento de uniformidades através desse ponto de vista o trabalho [8] é

indicado.

Também devemos observar que uma forma alternativa de se discutir uniformi-

dade através de famílias de pseudométricas seria em termos de sub-base de uniformidade

diagonal a partir dessas pseudométricas (ou equivalentemente uniformidade supremo).

Tal abordagem foi realizada pelo próprio Weil em suas publicações com pseudônimo Bour-

baki que podem ser vistas na tradução [6], Capítulo 9 (Kelley [10] também trata por este

ponto de vista). Não vamos proceder desta forma pois o objetivo nesta seção é usar ter-

mos mais modernos e a linguagem própria dos itens na definição anterior, ou seja, dar a

possibilidade de desenvolver esta linguagem de forma independente de mencionar outras

estruturas uniformes.

Dito isto, partimos imediatamente para construir as equivalências entre estas

formas de descrever uma uniformidade.

Uniformidade por Coberturas Vs. Uniformidade de Calibre

Como já dissemos, aqui vamos seguir inicialmente os procedimentos sugeridos no trabalho

de Tukey [22], o qual opta pela abordagem de Frink [7]. Especificamente faremos uso do

Teorema 5.2 demonstrado na Subseção 5.1 deste trabalho.9A letra G será usada aqui por causa da nomenclatura (gage) utilizada na linguagem inglesa.

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8 Uniformidade de Calibre 93

Precismos começar com algumas definições envolvendo coberturas abertas num

espaço topológico.

Definições 8.2. Sejam X um conjunto e (Un) uma sequência qualquer de coberturas de

X. Dizemos que:

• (Un) é uma sequência normal para X para exprimir que para todo n ∈ N, ocorre

que

Un < ∗Un+1;

• (Un) é uma sequência regular para X indicando que para todo n ∈ N, ocorre que

Un1

2< Un+1;

Com X sendo um espaço topológico:

• (Un) será dito desenvolvimento10 para X significando que para todo x ∈ X

S(x) = {St(x,Un); n ∈ N} é uma base para o sistema de vizinhanças Ux;

• (Un) é um desenvolvimento regular para X, para expor que (Un) é um desen-

volvimento e também uma sequência regular para X;

• (Un) é um desenvolvimento normal para X, para declarar que (Un) é um desen-

volvimento e também uma sequência normal para X.

Lembrando que a diferença entre um espaço pseudometrizável e um metrizável

é puramente topológica, pois diferem exatamente pelo axioma de separação T0, ou seja,

X é pseudometrizável T0 se, e somente se, X é metrizável, para que tenhamos metrização

ao invés de apenas pseudometrização em algum resultado, basta acrescentar esse axioma

de separação.

Vejamos então o resultado crucial para nossa discussão.10Alguns autores definem desenvolvimento exigindo, além de base no ponto, que haja um refinamento

decrescente, ou seja, que Un < Un+1. Mas veja que não é necessário pedir isso, uma vez que podemosconsiderar coberturas do tipo Vn =

⋃k≥n

Uk, que satisfazem mais que o refinamento já que Vn ⊃ Vn+1,

além, é claro, de ainda termos uma base local através das coberturas Vn.

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8 Uniformidade de Calibre 94

Teorema 8.3. Se um conjunto X possui uma sequência regular de coberturas (Un)n∈N,

então podemos construir uma pseudométrica ρ tal que, para todo n ∈ N, valem as inclusões

St(x,Un+2)(1)⊂ Bρ(x, 2

−(n−1))(2)⊂ St(x,Un).

Demonstração. Como dito, já que vamos utilizar o Teorema 5.2, precisamos primeira-

mente construir uma função σ : X×X → [0,+∞) adequada às propriedades (F1), (F2) e

(F3). Para isso, procedemos do seguinte modo: observe que, por hipótese, pontualmente

temos uma concatenação decrescente de estrelas, ou seja, dado qualquer x ∈ X e qualquer

n ∈ N, já que Un+1 4 Un, conseguimos St(x,Un+1) ⊂ St(x,Un). Com isso em mente

vamos construir

σ : X ×X −→ [0, 1]

(x, y) 7−→ σ(x, y)

definida por

σ(x, y) =

0 , se para todo n ∈ N ocorre que y ∈ St(x,Un);

2−n , se y ∈ St(x,Un) \ St(x,Un+1);

1 , se y /∈ St(x,U1).

Vejamos alguns fatos sobre essa construção. Primeiramente veja que σ está bem definida.

De fato, para cada par de pontos (x, y) ∈ X×X, as três possibilidades que definem σ são

todos os casos possíveis e disjuntos entre si. Assim para cada par (x, y) ∈ X ×X teremos

um valor σ(x, y) ∈ [0, 1] o qual será único para esses pontos. Observe que y /∈ St(x,U1)

equivale a dizer que para todo n ∈ N ocorre y /∈ St(x,Un) (devido à concatenação já

comentada). Isso conclui a afirmação. Ainda, é simples ver que vale a relação

y ∈ St(x,Uk) se, e somente se, σ(x, y) ≤ 2−k.

Por fim, vamos verificar que σ satisfaz as propriedades do Teorema 5.2 de

Frink. Com efeito, a propriedade (F1) segue pelo fato de que para todo n ∈ N ocorre

x ∈ St(x,Un). Vale também (F2) pois para toda cobertura U de X, temos que y ∈

St(x,U ) se, e somente se, x ∈ St(y,U ). Por fim vejamos (F3). Tome três pontos

{x, y, z} ⊂ X para mostrarmos que vale a desigualdade σ(x, y) ≤ 2 max{σ(x, z), σ(z, y)}.

Vamos analisar por casos:

(Caso 1) Sendo σ(x, z) ≥ 1

2ou σ(z, y) ≥ 1

2, teremos

1

2≤ max{σ(x, z), σ(z, y)}

e por isso σ(x, y) ≤ 1 ≤ 2 max{σ(x, z), σ(z, y)}, como precisamos.

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8 Uniformidade de Calibre 95

(Caso 2) Complementarmente, supomos σ(x, z) <1

2e σ(z, y) <

1

2. Aqui

precisamos separar nas possibilidades envolvendo o caso nulo.

(subcaso 2.1) Se σ(x, z) = 0 e σ(z, y) = 0, basta mostrar que σ(x, y) = 0.

Para isso, considerando qualquer n ∈ N, temos z ∈ St(x,Un+1) e y ∈ St(z,Un+1). Disto

y ∈ St2(x,Un+1) e, devido à Proposição 7.7, conseguimos y ∈ St(x,Un), como desejado.

(subcaso 2.2) Seja1

2> σ(x, z) > 0 ou

1

2> σ(z, y) > 0. Sem perda de

generalidade, considere sempre1

2> σ(x, z) > 0, ou seja, σ(x, z) = 2−(k+1), para algum

k ≥ 1. Analisemos as possibilidades para o outro par:

• σ(z, y) = 0: Assim, temos por hipótese z ∈ St(x,Uk+1) e y ∈ St(z,Uk+1).

Deste modo y ∈ St2(x,Uk+1) ⊂ St(x,Uk); logo

σ(x, y) ≤ 2−k = 2σ(x, z) ≤ 2 max{σ(x, z), σ(z, y)},

como desejado.

• σ(z, y) > 0: Assim, σ(z, y) = 2−(s+1), com s ≥ 1. Deste modo,

z ∈ St(x,Uk+1) e y ∈ St(z,Us+1). Fazendo M = min{k, s} teremos

2−(M+1) = max{2−(k+1), 2−(s+1)} = max{σ(x, z), σ(z, y)},

além de que St(x,Uk+1) ⊂ St(x,UM+1) e St(z,Us+1) ⊂ St(z,UM+1).

Logo y ∈ St(z,UM+1) ⊂ St2(x,UM+1) ⊂ St(x,UM). Portanto

σ(x, y) ≤ 2−M =2

2M+1= 2 max{σ(x, z), σ(z, y)},

como queríamos.

Assim temos mostrado que σ satisfaz todas as propriedades do Teorema 5.2.

Deste modo, a construção da Subseção 5.1 mostra que podemos considerar uma pseudo-

métrica p em X que satisfaz as desigualdades (5.8). Se consideramos a pseudométrica

ρ = 4p, teremos que ela satisfaz as desigualdades seguintes

σ ≤ ρ ≤ 4σ.

Agora, resta comprovarmos que tal pseudométrica satisfaz as inclusões (1) e (2) do enun-

ciado. Com efeito, se y ∈ St(x,Un+2), então ρ(x, y) ≤ 4σ(x, y) ≤ 4

2(n+2)=

1

2n<

1

2(n−1),

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8 Uniformidade de Calibre 96

logo y ∈ Bρ(x, 2−(n−1)). Quando y ∈ Bρ(x, 2

−(n−1)), teremos σ(x, y) ≤ ρ(x, y) <1

2n−1.

Logo σ(x, y) ≤ 1

2n, por isso y ∈ St(x,Un), como buscávamos.

Corolário 8.4. Um espaço topológico X possui um desenvolvimento regular (Un) se, e

somente se, a topologia de X é pseudometrizável por alguma ρ.

Demonstração. A necessidade faz uso imediato do teorema anterior, que com suas in-

clusões da tese fornecem o desejado. A suficiência deste teorema se resolve facilmente

tomando a sequência (Un) onde Un = {Bρ(x, 2−n); x ∈ X}, ∀ n ∈ N. �

Observando que toda sequência normal é sequência regular temos:

Corolário 8.5. Se um conjunto X possui uma sequência normal de coberturas (Un)n∈N,

então podemos construir uma pseudométrica ρ tal que, para todo n ∈ N, valem as inclu-

sões:

St(x,Un+2)(1)⊂ Bρ(x, 2

−(n−1))(2)⊂ St(x,Un).

Por mera comparação com o caso regular, podemos também enunciar o se-

guinte resultado:

Corolário 8.6. Um espaço topológico X possui um desenvolvimento normal (Un) se, e

somente se, a topologia de X é pseudometrizável por alguma ρ.

Demonstração. A implicação segue imediatamente pelo corolário anterior. A recíproca

fica por conta de considerar a sequência (Un) onde Un = {Bρ(x, 3−n); x ∈ X}, para todo

n ∈ N. �

Observação 8.7. Com isso é possível provar que todo espaço uniformizável (por cober-

turas) por uma base de uniformidade enumerável é pseudometrizável.

É suficiente ver que podemos considerar a base de uniformidade para este espaço sendo

da forma µ = {U1 < ∗U2 < ∗ · · · } (basta usar um argumento indutivo mediante à pro-

priedade de refinamento estrela simultâneo mencionado na Observação 7.10 item (iv)), a

qual será também um desenvolvimento normal em X, assim mostra-se o que é preciso.

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8 Uniformidade de Calibre 97

Provemos enfim o lema que será utilizado frequentemente para os objetivos

dessa seção e para o decorrer deste trabalho. Tal resultado será consequência das cons-

truções feitas até aqui.

Lema 8.8 (Calibre). Dada uma uniformidade por coberturas ω em X, então para toda

U ∈ ω podemos encontrar alguma pseudométrica ρ de modo que valerão as propriedades:

(I) Para todo ε > 0, ocorre que V ερ := {Bρ(x, ε); x ∈ X} ∈ ω;

(II) V 1ρ := {Bρ(x, 1); x ∈ X} 4 U .

Demonstração. Como U ∈ ω, a propriedade (C1) garante que podemos construir uma

sequência normal (Un)n∈N de coberturas de ω abaixo de U , ou seja,

U < ∗U1 < ∗U2 < ∗ · · · < ∗Un < ∗ · · ·

Considere a pseudométrica ρ do Corolário 8.5. Vejamos que vale a propriedade (I). Com

efeito, para todo ε > 0 sempre existe N ∈ N onde 2−N ≤ ε. Agora a inclusão (1) do Co-

rolário 8.5 garante St(x,UN+3) = St(x,U(N+1)+2) ⊂ Bρ(x, 2−((N+1)−1)) = Bρ(x, 2

−N) ⊂

Bρ(x, ε). Assim UN+3 4 V2−N 4 V ερ e, já que UN+3 ∈ ω, a propriedade (C2) da definição

de ω garante V ερ ∈ ω. Com relação ao item (II) observe que pela inclusão (2) do Corolário

8.5, Bρ(x, 1) = Bρ(x, 2−(1−1)) ⊂ St(x,U1) e o resultado seguirá pelo fato de U1 C U , já

que U1∗ 4 U .

Munidos dessa crucial ferramenta, prosseguimos para descrever algum meio

de ir e voltar de uma estrutura para outra, assim como fizemos no caso anterior de

diagonal para coberturas e vice-versa. Dada p ∈ M (X) continuamos denotando por

V εp := {Bp(x, ε); x ∈ X} a cobertura de bolas abertas de p.

Teorema 8.9 (Coberturas 7−→ Calibre). Dada uma uniformidade por coberturas ω em

X, então a família GT (ω) = {p ∈ M (X); (∀ ε > 0) V εp ∈ ω} é uma uniformidade de

calibre em X.

Demonstração. Primeiramente, com ω 6= ∅, o Lema 8.8 garante que GT (ω) 6= ∅. Veja-

mos a propriedade (P1). Tome p e q em GT (ω) e denote r = p ∨ q. Dado qualquer

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8 Uniformidade de Calibre 98

ε > 0, precisamos mostrar que V εr ∈ ω. Por hipótese, V

ε2p e V

ε2q estão em ω. Conse-

quentemente, pela Observação 7.12, Vε2p ∧ V

ε2q ∈ ω. Se mostrarmos que V

ε2p ∧ V

ε2q 4 V ε

r ,

provamos o que queríamos, em vista da propriedade (C2). Para isso, é suficiente mostrar

que dado z ∈ Bp(x,ε2) ∩ Bq(y,

ε2) (ou seja, p(x, z) < ε

2e q(y, z) < ε

2), vale a inclusão

Bp(x,ε2) ∩ Bq(y,

ε2) ⊂ Br(z, ε). Para isso, ao considerar a ∈ Bp(x,

ε2) ∩ Bq(y,

ε2), então

p(a, x) < ε2e q(a, y) < ε

2. Desta forma, a desigualdade triangular dessas pseudométricas

permite dizer que p(a, z) ≤ p(a, x) + p(x, z) < 2ε2

= ε e q(a, z) ≤ q(a, y) + q(y, z) < 2ε2

= ε.

Disto, r(a, z) = max{p(a, z), q(a, z)} < ε, logo a ∈ Br(z, ε), como desejado. Por fim va-

mos verificar a propriedade (P2). Suponha p ∈M (X) de forma que para qualquer ε > 0

existam δ > 0 e q ∈ GT (ω) de modo que Bδq ⊂ Bε

p. Queremos mostrar que p ∈ GT (ω).

Para isso, tome qualquer ε > 0. Veja que a hipótese permite dizer V δq 4 V ε

p , onde δ > 0

e V δq ∈ ω. A propriedade (C2) garante que V ε

p ∈ ω, como desejávamos.

∴ GT (ω) é uma uniformidade de calibre.

Uma observação que pode ser feita aqui é que fazendo uso da Proposição

6.50 e dos procedimentos de translação de uniformidade diagonal para uniformidade por

coberturas e vice-versa, podemos dizer que a família GT (ω) do enunciado é composta

exatamente de todas as pseudométricas que são uniformemente contínuas com relação à

uniformidade ω em X. Com efeito, se ρ é uniformemente contínua, então pela Proposição

6.50 temos Dερ ∈ DT (ω), disto V ε

ρ = {Dερ[x]; x ∈ X} ∈ ωT (DT (ω)) = ω, logo ρ ∈ GT (ω).

Por outro lado, se ρ ∈ GT (ω), então {Dε2ρ [x]; x ∈ X} = V

ε2ρ ∈ ω. Assim D

ε2ρ ◦ D

ε2ρ =

(Dε2ρ )−1 ◦ ∆ ◦ D

ε2ρ

6.26= D

Vε2ρ

∈ DT (ω) e como Dε2ρ ◦ D

ε2ρ ⊂ Dε

ρ, teremos Dερ ∈ DT (ω),

portanto ρ é uniformemente contínua.

Um outro fato interessante na demonstração do Teorema 8.9 é que não foi

preciso o refinamento estrela, mas apenas o refinamento simultâneo. Isso se deve ao fato

de que na uniformidade de calibre, refinamentos estrela (das coberturas formadas por

bolas abertas) estão presentes por toda parte, uma vez que cada pseudométrica “refina-

se” mediante refinamentos estrela com a simples diminuição do raio de bolas para um

terço (ou menos) do raio inicial. Assim, para conseguir refinamentos estrela simultâneos

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8 Uniformidade de Calibre 99

de pseudométricas distintas, basta que exista nessa estrutura algo que as relacione. Isto

é o papel fundamental da propriedade (P1). Explicitaremos isso na demonstração da

próxima proposição.

Teorema 8.10 (Calibre 7−→ Coberturas). Dada uma uniformidade de calibre G em X,

então a família µT (G ) = {V εp ; p ∈ G e ε > 0} é uma base de uniformidade por coberturas

em X.

Demonstração. Só precisamos verificar a propriedade (C1). Façamos isso em dois passos

para deixar mais clara a relação entre essas estruturas. O primeiro é conseguir o refina-

mento simultâneo, via Observação 7.11. Dadas quaisquer V εp e V δ

q em µT (G ) queremos

alguma V αr ∈ µT (G ) de modo que V α

r 4 V εp ∧V δ

q . Nesse caso, fazendo r = p∨q ∈ G e α =

min{ε, δ} vamos obter Br(x, α) = Bp(x, α)∩Bq(x, α) ⊂ Bp(x, ε)∩Bq(x, δ) ∈ V εp ∧V δ

q , para

todo x ∈ X, como desejado. O segundo é conseguir o refinamento estrela, ou seja, dada

qualquer V εp ∈ µT (G ) queremos algum refinamento estrela em µT (G ) desta cobertura.

Mas isso conseguimos com a própria pseudométrica p, pois por definição Vε3p ∈ µT (G ) e

vale que Vε3p ∗ 4 V ε

p . De fato, isso é resultado da inclusão Bp(x,ε3) ∪ Bp(y,

ε3) ⊂ Bp(x, ε)

(sempre que Bp(x,ε3) ∩ Bp(y,

ε3) 6= ∅ ), a qual se mostra rapidamente pela desigualdade

triangular de p. Esses dois casos juntos provam a propriedade (C1) pois W ∗ 4 V 4 U

implica W ∗ 4 U .

∴ µT (G ) é uma base de uniformidade por coberturas em X.

Notação 8.11. Denote por ωT (G ) a uniformidade por coberturas em X gerada por µT (G )

considerada no teorema anterior.

Agora, vamos verificar a “bijeção”11 entre essas estruturas. Primeiramente

saímos de uma uniformidade por coberturas.11Repare que estamos sempre escrevendo como se tivéssemos realmente uma aplicação entre as estru-

turas, ou seja, como se GT (.) fosse uma função, isso foi inspirado pela abordagem no artigo de Picado[14].

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8 Uniformidade de Calibre 100

Teorema 8.12. Dada a uniformidade por coberturas ω em X, então ωT (GT (ω)) = ω.

Demonstração. Queremos mostrar a inclusão ωT (GT (ω)) ⊂ ω. Se U ∈ ωT (GT (ω)), então

existe p ∈ GT (ω) e ε > 0 de forma que V εp 4 U . Mas p ∈ GT (ω) implica V ε

p ∈ ω. Pela

propriedade (C2) de ω concluímos U ∈ ω. Agora precisamos ωT (GT (ω)) ⊃ ω. Se U ∈ ω,

então o importantíssimo Lema 8.8 nos garante que existe p ∈ GT (ω) com V 1p 4 U . Nesse

caso, U ∈ ωT (GT (ω)) pela propriedade (C2) de ωT (GT (ω)). �

Observação 8.13. Esse teorema permite reinterpretarmos o fecho na topologia uniforme

através de pseudométricas. Ele diz que se estamos com uma uniformidade ω em X, então

podemos considerar a base µT (GT (ω)) para ω constituída por coberturas de bolas abertas

através das pseudométricas de GT (ω). Nesse caso, além de termos todas essas pseudo-

métricas uniformemente contínuas com relação a uniformidade ω (conforme comentários

realizados após o Teorema 8.9), conseguimos uma interessante caracterização de fecho

observando o seguinte:

• Pela Proposição 7.26, a família S(x) = {St(x,V ερ ); ρ ∈ GT (ω), ε > 0} é uma base

de vizinhanças na topologia τω;

• Como vale a relação Bρ(x, ε) ⊂ St(x,V ερ ) ⊂ Bρ(x, 2ε), teremos, devido à Observação

1.5, a família B(x) = {Bρ(x, ε); ε > 0 e ρ ∈ G } sendo uma base para o sistema de

vizinhanças de τω;

• No caso acima, pela Observação 1.9, podemos afirmar que nesta topologia τω, dado

A ⊂ X, então A = {x ∈ X; (∀ ρ ∈ GT (ω), ε > 0) Bρ(x, ε) ∩ A 6= ∅};

• Podemos melhorar um pouco mais o caso anterior. Lembrando da notação ρ(A, x)

do Corolário 6.51, conseguimos o seguinte:

A =⋂

ρ∈GT (ω)

{x ∈ X; ρ(A, x) = 0}. (8.1)

Com efeito, se temos x ∈ X e ρ ∈ M (X), então dizer que para todo ε > 0 ocorre

Bρ(x, ε) ∩ A 6= ∅ equivale a ρ(A, x) = 0.

Agora vejamos a recíproca da “aplicação” anterior, ou seja, partimos de uma

uniformidade de calibre.

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9 Sistema Uniforme de Vizinhanças 101

Teorema 8.14. Dada a uniformidade de calibre G em X, então GT (ωT (G )) = G .

Demonstração. Vejamos GT (ωT (G )) ⊂ G . Se p ∈ GT (ωT (G )), então para todo ε > 0

ocorre Vε2p ∈ ωT (G ). Nesse caso, existem δ > 0 e q ∈ G tais que V δ

q 4 Vε2p . Mostremos

que Bδq ⊂ Bε

p. De fato, para todo x ∈ X, existe z ∈ X tal que Bq(x, δ) ⊂ Bp(z,ε2).

Agora, dado y ∈ Bq(x, δ) temos {x, y} ⊂ Bp(z,ε2). Logo, p(x, z) < ε

2e p(y, z) < ε

2e,

assim, p(x, y) < 2ε2

= ε, ou seja, y ∈ Bp(x, ε). Agora basta ver que a propriedade (P2) de

G garante p ∈ G . Prosseguindo, queremos a recíproca GT (ωT (G )) ⊃ G . Se p ∈ G , por

definição temos que para todo ε > 0 ocorre V εp ∈ µT (G ) ⊂ ωT (G ). Agora a definição de

GT (ωT (G )) garante imediatamente que p ∈ GT (ωT (G )). �

9 Sistema Uniforme de Vizinhanças

Esta abordagem foi como o próprio Weil introduziu o conceito de uniformidade

em seu artigo original. Aparentemente a motivação para considerar uniformidades sobre

esta perspectiva surgiu para que fosse possível ter uma visão mais clara e direta de como

uniformidades estão relacionadas com espaços topológicos, ou seja, já que todo espaço

topológico possui um tipo de sistema local, então nada é mais natural do que fazer o

mesmo para uniformidades. Então vejamos qual foi a ideia de Weil (salvo meros detalhes

de notação) para formalizar essa localidade uniforme.

Definição 9.1. Dizemos que em um conjunto X está definido um sistema uniforme

de vizinhanças “ VΛ(.)” para significar que temos um conjunto não vazio de índi-

ces Λ onde podemos associar, simultaneamente, todos os pontos x ∈ X a uma família

VΛ(x) = {Vλ(x); λ ∈ Λ} de subconjuntos de X de maneira que as seguintes propriedades

sejam satisfeitas:

(S0) Para quaisquer α e β em Λ, existe γ ∈ Λ, tal que para todo x ∈ X, ocorre que

Vγ(x) ⊂ Vβ(x) ∩ Vα(x);

(S1) Para quaisquer x ∈ X e λ ∈ Λ, ocorre que x ∈ Vλ(x);

(S2) Para todo α ∈ Λ, existe β ∈ Λ, tal que se y ∈ Vβ(z) e z ∈ Vβ(x), então y ∈ Vα(x);

(S3) Para todo α ∈ Λ, existe β ∈ Λ, tal que se x ∈ Vβ(y), então y ∈ Vα(x).

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9 Sistema Uniforme de Vizinhanças 102

A principal característica que deve ser observada nesse sistema é que ele per-

mite colocar (uniformemente e por toda a parte) com apenas um índice λ uma “vizinhança

uniforme” em cada ponto do conjunto (faça uma analogia com bolas para um raio fixo,

ou translações de uma vizinhança da identidade fixada, por exemplo). Sendo assim isso

já indica uma enorme diferença entre este objeto e o já conhecido sistema de vizinhanças.

Outra diferença a ser mencionada é a condição (S3) que não se parece com nenhuma entre

as condições (V ′s) exigidas na definição de sistema de vizinhanças, assim como nenhuma

das (B′s) exigidas na respectiva base. Mais adiante vamos comprovar que este sistema é

também um sistema de vizinhanças fazendo jus a nossa discussão.

As propriedades (S1), (S2) e (S3) terão relação íntima respectivamente com as

conhecidas em (bases de) uniformidades diagonais (D1), (D2) e (D3), como veremos nas

proposições sobre as equivalências dessas linguagens.

Uniformidade Diagonal Vs. Sistema Uniforme de Vizinhanças

Conforme apresentaremos nesta seção, ficará bastante claro que poderíamos pensar no

sistema uniforme como definido anteriormente como sendo uma espécie de base, ou seja,

aqui estaríamos numa situação diferente do caso de uniformidade de Calibre, por exem-

plo. Outra situação para comprovar isto é que a comprovação da bijeção entre as duas

linguagens será dada exatamente entre bases, como veremos.

A translação do conceito de uniformidade no sentido de sistema para a abor-

dagem pela diagonal é dada a seguir:

Teorema 9.2 ( Sistema 7−→ Diagonal). Se em um conjunto X está definido um sistema

uniforme de vizinhanças VΛ(.), então é possível associar todo λ ∈ Λ a um subconjunto Dλ

do cartesiano X × X de forma que Dλ[x] = Vλ(x) e a família BΛ = {Dλ; λ ∈ Λ} seja

uma base de uniformidade diagonal em X.

Demonstração. Para cada λ ∈ Λ defina Dλ da seguinte forma:

Dλ =⋃x∈X

({x} × Vλ(x))

Claramente sempre vale a igualdade Dλ[x] = Vλ(x). Vejamos sobre a uniformidade.

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9 Sistema Uniforme de Vizinhanças 103

Primeiramente veja que Bλ 6= ∅ pois temos Λ 6= ∅ e X 6= ∅. Para concluir

que a família é uma base de filtro, basta usar a propriedade (S0) e observar que para

quaisquer α e β em Λ, ocorre Dα ∩ Dβ =⋃x∈X

({x} × Vα(x) ∩ Vβ(x)). É simples ver que

(D1) segue imediatamente por (S1). Vamos comprovar (D2). Dado qualquer Dα ∈ BΛ,

o β ∈ Λ encontrado por (S2) garante que D[2]β ⊂ Dα. Com efeito, se (x, y) ∈ D[2]

β , então

existe z ∈ X com {(x, z), (z, y)} ⊂ Dβ. Assim (x, z) ∈ {x}×Vβ(x) e (z, y) ∈ {z}×Vβ(z),

ou seja, z ∈ Vβ(x) e y ∈ Vβ(z). Por (S2) segue que y ∈ Vα(x) e, portanto, (x, y) ∈

{x} × Vα(x) ⊂ Dα, como queríamos. Por fim, vejamos (D3). Seja qualquer Dα ∈ BΛ.

Então o β ∈ Λ encontrado por (S3) garante que D−1β ⊂ Dα. De fato, (x, y) ∈ D−1

β implica

(y, x) ∈ Dβ. Logo (y, x) ∈ {y} × Vβ(y). Disto x ∈ Vβ(y) e, consequentemente, y ∈ Vα(x)

por (S3). Portanto (x, y) ∈ {x} × Vα(x) ⊂ Dα, como desejado.

∴ BΛ é uma base de uniformidade diagonal.

Enfim, esse teorema permite inferir que todo sistema uniforme de vizinhanças

é uma base para um sistema de vizinhanças em X, bastando usar Dλ[x] = Vλ(x) e também

o Teorema 6.23. Este procedimento na verdade é a ideia da próxima proposição.

Teorema 9.3 (Diagonal 7−→ Sistema). Se um conjunto X possui uma base de uniformi-

dade diagonal B, então para cada B ∈ B e cada x ∈ X podemos associar um subconjunto

VB(x) ⊂ X de forma que tenhamos assim definido um sistema uniforme de vizinhanças

VB(.) em X.

Demonstração. Veja que B 6= ∅, nesse caso defina para todos D ∈ B e x ∈ X o con-

junto VD(x) = D[x]. É um trabalho de rotina verificar que as propriedades (S1), (S2) e

(S3) são consequências imediatas das propriedades (D1), (D2) e (D3), respectivamente,

e a propriedade (S0) é resultado imediato da construção dessas vizinhanças uniformes

juntamente com o fato de que B é uma base filtro. �

A efetividade desse processo de translação já está bastante explícita, logo ape-

nas alguns comentários clarificam a bijeção esperada.

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9 Sistema Uniforme de Vizinhanças 104

É evidente que sair de um sistema uniforme, ir para uma base de uniformidade

diagonal e depois voltar, resulta no mesmo sistema de vizinhanças uniformes, bastando

relembrar a igualdade Dλ[x] = Vλ(x).

Quanto ao procedimento inverso, ou seja, se temos uma base de uniformidade

diagonal e depois consideramos o sistema uniforme associado, ao construir a base de

uniformidade diagonal respectiva à este sistema teremos relações binárias do seguinte

tipo:⋃x∈X

({x} × VD[x]) =⋃x∈X

({x} ×D[x]) =⋃

(x,x)∈∆

(∆[x] ×D[x])6.26= ∆−1 ◦∆ ◦D = D.

Novamente voltamos de onde saímos.

Já vimos que todo sistema uniforme de vizinhanças é uma base para um sistema

de vizinhanças. A recíproca não pode valer, pois se temos uma base de vizinhanças e esta

for também um sistema uniforme, teríamos que a topologia uniforme associada seria igual

a topologia do espaço em questão, ou seja, todo espaço topológico seria uniformizável.

Como veremos no próximo capítulo isso não pode ser verdade.

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Capıtulo 3ESPAÇOS UNIFORMIZÁVEIS

admissibilidade e conceitos adicionais

Relembramos que um espaço topológico (X, τ) é dito uniformizável para significar que

existe alguma uniformidade (de algum/qualquer tipo) cuja topologia uniforme associada

é exatamente τ .

Até aqui apresentamos exatamente quatro formas clássicas para descrever uni-

formidades, logo são quatro meios de verificar quando um espaço é uniformizável. Agora

apresentaremos uma nova forma, descoberta recentemente, por uma maneira extrema-

mente semelhante ao fornecido por coberturas uniformes. Tal resultado é conseguido

através dos ditos espaços admissíveis. Na verdade, vamos mostrar que o procedimento

é o mesmo mas com o detalhe de não ser mais preciso verificar os fortes refinamentos

simultâneos estrela da propriedade (C1). Agora, é preciso verificar apenas os mais gerais

refinamentos simultâneos duplos com a propriedade (A1), o que por vezes pode ser uma

economia em demonstrações.

10 Espaços Admissíveis

Como dito na Introdução, quando Patrão e San Martin em [13] criaram esta classe de

espaços topológicos o objetivo foi construir uma base teórica para os fins daquele artigo e

da teoria que estava sendo desenvolvida naquele momento, ou seja, não havia inicialmente

uma preocupação com a espécie de espaço topológico que estava sendo criada, nem se a

definição dada era a mais simples possível, uma vez que a necessidade daquele momento

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10 Espaços Admissíveis 106

era de avançar com a teoria sobre dinâmica naquele contexto (o que de fato aconteceu e

resultou em uma abordagem bastante original desse assunto).

Vamos apresentar a sequência de modificações que a definição de espaço ad-

missível sofreu com o passar do tempo. Mas. já que as definições que daremos aqui

concordam no fato de que um espaço admissível é um espaço topológico que admite uma

família admissível de coberturas abertas, vemos que a atenção deve ser dada à definição

desta tal família.

Lembrando que [C,U ] = {U ∈ U ; U∩C 6= ∅}, para prosseguirmos precisamos

do conceito de subordinação em coberturas, como segue:

Definição 10.1. Em um conjunto X, considere os subconjuntos C ⊂ D ⊂ X e uma

cobertura U de X. Dizemos que U é C−subordinada ao conjunto D significando que

para todo U ∈ [C,U ] ocorre U ⊂ D.

Podemos observar que a subordinação na definição acima poderia ser dada,

equivalentemente, por significar que St(C,U ) ⊂ D.

Munido disto, inicialmente Patrão e San Martin em [13] haviam dito que

“ Uma família de coberturas abertas A 6= ∅ é designada como Ad-missível para significar que ela possui as propriedades:

(i) Para toda U ∈ A , existe V ∈ A , tal que V 4 12U ;

(ii) Para quaisquer K ⊂ A (com K compacto e A aberto em X),existe U ∈ A tal que U é K−subordinada ao aberto A.”

Pouco tempo depois, Souza em [18] fez uma complementação naquela definição,

uma vez que ele observou a propriedade de refinamentos simultâneos sendo utilizada

apenas implicitamente nos exemplos e não adequadamente formalizada, como podemos

observar na primeira proposta de definição. Desta forma, a proposta da definição anterior

ficará apenas a título histórico, pois a correção desta, citada a seguir1, foi a que de fato

fundamentou a teoria que estava sendo pesquisada.1Observamos que ainda não vamos definir essa família, aqui estamos apenas citando tal definição.

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10 Espaços Admissíveis 107

“Uma família A 6= ∅ de coberturas abertas de um espaço topológicoX é dita Admissível para significar que ela satisfaz as seguintespropriedades:

(A1’) Para toda U ∈ A , existe V ∈ A , tal que V 4 12U ;

(A2’) Para quaisquer K ⊂ A (com K compacto e A aberto em X),existe U ∈ A tal que U é K−subordinada ao aberto A;

(A3’) Para quaisquer U e V em A , existe W ∈ A , tal que W 4 Ue W 4 V .”

Já podemos fazer alguns comentários sobre essas propriedades. Por exemplo,

é simples verificar que (A1’) e (A3’) juntas equivalem a (A1) definida na Observação 7.13.

Também, como já observamos, a propriedade (A2’) pode ser entendida simplesmente

como:

Para quaisquer K ⊂ A (com K compacto, e A aberto, em X), existe U ∈ A tal que

St(K,U ) ⊂ A.

Embora essas propriedades tenham sido usadas até agora para descrever fa-

mílias admissíveis de coberturas abertas, neste trabalho vamos usar uma nova definição

enfraquecendo o item (A2′) para o caso de simples compactos unitários. Mas como ve-

remos, apesar de enfraquecer a condição, não será alterada a família definida. Isto é

garantido pela importante adaptação do Lema de Lebesgue demonstrada por Souza em

[20].

Agora sim, apresentamos como será adotada, neste trabalho, a definição de tal

família.

Definição 10.2. Dizemos que uma família A 6= ∅ de coberturas abertas do espaço

topológico X é admissível para significar que ela satisfaz as propriedades:

(A1) Para quaisquer U e V em A , existe W ∈ A , tal que W 4 12U e W 4 1

2V ;

(A2) Para todo x ∈ X, ocorre que S(x) = {St(x,U ); U ∈ A } é uma base para Ux.

Como já tínhamos alertado, no caso da definição anterior, dizemos que o par

(X,A ) (ou apenas X se não houver perigo de confusão) é um espaço admissível.

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10 Espaços Admissíveis 108

Vamos esclarecer a afirmação de que realmente (A2) enfraquece a propriedade

(A2’) para o caso de compactos unitários. De fato, lembrando da Observação 1.7 onde a

família U ◦x denota a base de vizinhanças em x constituída de todos os abertos em Ux, veja

que (A2’), no caso de compacto unitário, diz exatamente que dado qualquer compacto

{x} em um aberto A de X, conseguimos uma cobertura U ∈ A que é {x}−subordinada

ao aberto A, ou seja, St(x,U ) ⊂ A. Mas isso equivale dizer que a família S(x) recupera

U ◦x .

Dito isto, veja que se vale (A2’) no caso unitário, como estamos lidando com

coberturas abertas (logo S(x) ⊂ U ◦x , então S(x) é recuperada por U ◦

x ), a Observação

1.5 garante que S(x) é uma base de Ux e assim vale (A2). Reciprocamente, se valer

(A2), então como U ◦x ⊂ Ux teremos que S(x) recupera U ◦

x . Logo vale (A2’) para o caso

unitário em x.

Em resumo, mostrar a propriedade (A2) é fazer exatamente o seguinte: Tome

um aberto A de X, um ponto x ∈ A e encontre alguma cobertura U ∈ A de forma que

St(x,U ) ⊂ A.

Se o leitor não quiser tratar de sistemas, mas sim de bases para topologia, a

propriedade (A2) equivale a dizer que a família {St(x,U ); x ∈ X, U ∈ A } é uma base

para a topologia de X. Isso se deve simplesmente pelo fato de toda estrela St(x,U ) ser

um conjunto aberto neste espaço, veja Willard [24], Teorema 5.4, pg. 39.

A motivação para adotar essa nova definição, concebida pelo autor desta dis-

sertação juntamente com o respectivo orientador, tem a vantagem e a elegância, a serem

comprovadas, no fato de que a propriedade (A2’) de subordinação compacto-aberto (para

qualquer tipo de compacto) torna-se uma consequência imediata na teoria e não uma

exigência da definição. Desse jeito, além de ser claramente um ganho operacional na ve-

rificação de família admissível, vamos ter também uma maior e explícita relação entre os

espaços admissíveis e os uniformizáveis, fato esse comprovado na simplicidade das novas

demonstrações sobre as equivalências entre tais classes de espaços topológicos, as quais

veremos no decorrer desta seção.

Agora, precisamos explicar porque (A1) e (A2) juntas equivalem às proprie-

dades (A1’), (A2’) e (A3’), ou seja, porque temos de fato uma equivalência entre essas

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10 Espaços Admissíveis 109

definições. Como dissemos, a ideia que principalmente motivou essa modificação veio

diretamente do artigo de Souza [20] e especificamente de sua demonstração do Lema de

Lebesgue para espaços não métricos, que vem a seguir2.

Lema 10.3 (Lebesgue). Dados (X,A ) um espaço admissível e K ⊂ X um compacto, vale

que: Para qualquer cobertura aberta V de K, existe U ∈ A de modo que para qualquer

z ∈ K, encontramos V ∈ V com St(z,U ) ⊂ V (ou seja, {St(z,U ); z ∈ K} 4 V ).

Demonstração. Primeiramente, veja que podemos indexar3 uma subfamília de V pelos

elementos de K da seguinte forma V ⊃ {V (x); x ∈ K} e (∀ x ∈ K) x ∈ V (x) (temos

apenas a inclusão pois nem todo elemento de V precisa intersectar K a princípio, mas

isso não gerará problemas).

Prosseguindo, precisamos trabalhar com uma cobertura em A , já que V não

precisa estar em A . Para isso, usamos a propriedade (A2) a qual garante que em cada

x ∈ K conseguimos uma cobertura U (x) que é {x}−subordinada ao aberto V (x), ou seja,

St(x,U (x)) ⊂ V (x). Agora, “ diminuímos ” as coberturas U (x) usando (A1) de modo

que tenhamos para todo x ∈ K, alguma W (x) ∈ A tal que W (x) 4 12U (x). Observe que

recobrimos o compacto K pela cobertura aberta {St(x,W (x)); x ∈ K}, logo podemos

extrair uma subcobertura finita desta, digamos {St(xi,W (xi)), i ∈ {1, · · · , n}}. Usando

a simultaneidade de (A1), podemos encontrar alguma U ∈ A com U 4 W (xi) para todo

i ∈ {1, · · · , n}. Afirmamos que U é a cobertura procurada.

Tome (e fixe) qualquer z ∈ K. Nesse caso já podemos fixar também algum

índice t ∈ {1, · · · , n} com z ∈ St(xt,W (xt)), ou seja, com {z, xt} ⊂ A ∈ W (xt). Veja

que por valer U 4 W (xt) e {z} ⊂ A, temos imediatamente St(z,U ) ⊂ St(z,W (xt)) ⊂

St(A,W (xt)). Deste modo, já que temos por construção St(xt,U (xt)) ⊂ V (xt), basta

mostrarmos que ocorre St(A,W (xt)) ⊂ St(xt,U (xt)) e teremos um V = V (xt) ∈ V

procurado. Mas isso vale, pois como xt ∈ A ∈ W (xt) 4 12U (xt), a Proposição 7.4 garante

que St(A,W (xt)) ⊂ St(xt,U (xt)). �

Observe a importante informação de que V não precisa estar (a princípio) em

A , ja que é uma cobertura aberta arbitrária. No caso em que V é unitária, ou seja, possui2Vale ressaltar que isso ainda vale mesmo estando sujeito à nova definição de família admissível.3Através de uma função escolha por exemplo.

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10 Espaços Admissíveis 110

apenas um aberto, discutimos a subordinação de (A2’), e é aqui onde reside o cerne da

motivação para modificar a definição. Traduzimos isso na seguinte proposição:

Proposição 10.4. Se (X,A ) é admissível, então A imediatamente satisfaz a propriedade

de subordinação (A2′).

Demonstração. De fato sempre que tivermos K ⊂ A com K compacto e A aberto, o Lema

de Lebesgue anterior garante que podemos encontrar alguma cobertura aberta U ∈ A de

modo que, para todo x ∈ K, ocorre St(x,U ) ⊂ A. Disto St(K,U ) =⋃x∈K

St(x,U ) ⊂ A,

como era preciso. �

Acabamos de mostrar que as propriedades (A1) e (A2) garantem a validade de

(A2’). Já tínhamos argumentado (logo após a Definição 10.2) que se vale a subordinação

(A2′), então vale a (A2), já que está última é apenas um caso particular da primeira.

Dado que a alteração nas definições de famílias admissíveis foi apenas nessas

propriedades e estas juntas são equivalentes entre si, teremos que, exigir (A1) e (A2) é o

mesmo que exigir (A1) e (A2’). Mas com (A2) temos uma clara economia em verificações

de admissibilidade no que vinha sendo feito, uma vez que se trata, geralmente, de um

exercício mais elementar de topologia geral.

Agora partimos para confirmar que a classe desses espaços admissíveis é a

mesma dos uniformizáveis.

Anteriormente, Souza na busca sobre a existência de alguma relação entre a

classe de espaços topológicos admissíveis e os espaços uniformizáveis (via coberturas),

motivado pela semelhança nas definições de ambos como se nota pelas propriedades (C1)

e (A1), em seu artigo [20] mostra a inclusão dada a seguir, a qual refazemos agora com

nossa atual definição.

Teorema 10.5. Se X é um espaço topológico uniformizável, então X é admissível.

Demonstração. Dado que o espaço topológico possa ser uniformizado através de uma

uniformidade por coberturas, devido ao Corolário 7.28 podemos extrair uma base de

uniformidade consistindo apenas de coberturas abertas (ver próxima observação). Tal

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10 Espaços Admissíveis 111

base é uma família admissível de coberturas abertas, pois (A1) e (A2) (da Definição 10.2)

são consequências de (C1) (da Definição 7.8) e da Proposição 7.26, respectivamente. �

Observação 10.6. É importante ressaltar a importância de extrair uma base de cober-

turas abertas da estrutura uniforme, uma vez que não há garantia que essas coberturas

sejam a princípio abertas. Este fato pode ser notado no caso das coberturas uniformes

do tipo UD = {D[x]; D ∈ D} onde temos que cada D[x] é uma vizinhança contendo x,

e não necessariamente um aberto. Por exemplo, as coberturas do tipo UD poderiam ser

constituídas de fechados contendo x em seu interior (ver Observação 6.22). Este fato nos

impede de dizer diretamente que temos uma família admissível.

Restava então saber se valia a recíproca da proposição anterior. Como já men-

cionamos, isto foi realizado em [2] onde foi mostrado que em qualquer espaço admissível

(X,A ) é possível, a partir da família A , construir uma uniformidade por coberturas para

X.

Aqui nesta dissertação, também vamos mostrar esta proposição referente a tal

recíproca, mas agora mais simplificadamente, com uma estratégia diferente e independente

ao feito em [2]. Vamos adquirir uma uniformidade diagonal a partir da família admissível

de coberturas abertas de X (diretamente). Tal demonstração surgiu ao investigar as

equivalências entre estruturas uniformes, logo, mediante ao conteúdo apresentado nas

seções anteriores (ver Observação 7.23), precisará apenas de poucos comentários para ser

concluída, o que é por si um fato que deve ser notado com atenção neste trabalho.

Teorema 10.7. Se X é um espaço admissível, então X é uniformizável.

Demonstração. Com (X,A ) admissível, então ao usar exatamente a mesma demonstração

do Teorema 7.19 teremos que BT (A ) = {DU ; U ∈ A } é uma base de uniformidade

diagonal em X. Além disto, a topologia uniforme referente à BT (A ) coincide com a

topologia de X pela Proposição 7.15 e a propriedade (A2) de A . �

Veja que poupamos bastante trabalho e tornou-se muito mais simples e clara a

relação entre esses espaços. Tudo isto foi devido, principalmente, à reformulada Definição

10.2, o que é um certo ganho nesta teoria e pode contar como um fato interessante nesta

dissertação.

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10 Espaços Admissíveis 112

Vale lembrar que a família admissível não é uma uniformidade, mas ela está

intimamente ligada a uma estrutura uniforme, como vimos. Seria então condizente pensar

na família admissível como algo um pouco mais geral do que uma base de uniformidade

por coberturas. Com isso, é possível dizer que um espaço admissível possui o mesmo

comportamento de um espaço uniforme. Assim, podemos realizar nesses espaços as mes-

mas propriedades e características de espaços uniformes bastando recorrer à uniformidade

associada. Veja por exemplo a continuidade uniforme abaixo, a qual deve se assemelhar

quase que inteiramente ao realizado com uniformidade por coberturas.

Proposição 10.8. Dados X e Y espaços AX-admissível e AY -admissível, respectiva-

mente, e uma função f : X −→ Y , teremos que f : (X,BT (AX)) −→ (Y,BT (AY )) é

uniformemente contínua se, e somente se,

para todo U ∈ AY , existe V ∈ AX , tal que para todo x ∈ X, ocorre que

f(St(x,V )) ⊂ St(f(x),U ).

Deste modo, temos uma proposição inteiramente análoga (inclusive sua de-

monstração) ao caso de uniformidade por coberturas dada na Proposição 7.29. Assim

poderíamos dizer de forma independente da uniformidade associada quando uma fun-

ção entre espaços admissíveis é uniformemente contínua, ou seja, em vez de escrever

(X,BT (AX)) colocar apenas (X,AX) e assim por diante. Este procedimento pode ser es-

tendido a todos os conceitos envolvendo uniformidades. Tal abordagem foi desenvolvida,

por exemplo, no trabalho de Alves [1].

Como curiosidade, e por feliz coincidência, o termo admissível já havia sido

empregado anteriormente para significar, em sua essência, a mesma coisa que estamos tra-

tando aqui. Tal fato pode ser notado no trabalho [8] de Gillman e Jerison (pg. 219), onde

estrutura uniforme admissível designa uma estrutura uniforme4 cuja topologia uniforme

coincide com a topologia inicial, ou seja, é uma designação para a estrutura que conseguiu

uniformizar a topologia do espaço. Neste trabalho vamos adotar o mesmo costume, então

deixamos aqui o alerta para uma atenção redobrada no uso dessas nomenclaturas.

Nesse caso, podemos resumir dizendo que toda estrutura uniforme (de qual-4Eles optaram por trabalhar com a linguagem de pseudométricas.

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11 Grupos Topológicos: Uniformidades e Admissibilidade 113

quer tipo) admissível fornece uma família admissível de coberturas abertas (bastando

transladar para coberturas e considerar a base de coberturas abertas). Do mesmo modo,

toda família admissível de coberturas abertas concede uma estrutura uniforme admissível

(dada exatamente pela translação no Teorema 10.7).

11 Grupos Topológicos: Uniformidades e Admissibili-dade

Vamos construir duas famílias admissíveis de coberturas abertas dadas por translações

à esquerda e direita de elementos do sistema Ue. Vimos na seção anterior que a partir

destas famílias podemos considerar uniformidades diagonais via translação. A partir disto,

seguindo o trabalho de Roelcke e Dierolf [15] adquirimos mais duas estruturas uniformes

(diagonais) admissíveis. Teremos por consequência quatro respectivas famílias admissíveis

de coberturas abertas. Estas figuram como as mais importantes à se considerar em um

grupo topológico.

Considere como sempre G := (G, τ, p) um grupo topológico.

Conforme a Observação 1.7, lembre que a base de vizinhanças U ◦e do sistema

Ue é formada por todos os abertos contendo a identidade. Agora considere qualquer

outra base de vizinhanças da identidade We com a condição de que We ⊂ U ◦e . Note

que, sendo base de Ue, a família We satisfaz todas as propriedades (T1), (GT1), (GT2) e

(GT3) (do Teorema 4.9) além de ser uma base de filtro.

Defina, para todo V ∈ We, os seguintes tipos de coberturas abertas5 de G:

RV = {V g; g ∈ G};

LV = {gV ; g ∈ G}.

Vamos mostrar que as famílias dessas coberturas abertas, dadas respectivamente por

AR(We) = {RV ; V ∈ We}

e

AL(We) = {LV ; V ∈ We}5Por isso é necessário lidarmos apenas com as vizinhanças abertas da identidade.

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11 Grupos Topológicos: Uniformidades e Admissibilidade 114

são famílias admissíveis de coberturas abertas6.

Teorema 11.1. A família de coberturas abertas AR(We) é admissível em G.

Demonstração. É claro que AR(We) não é vazia, uma vez que G e We não são vazios.

Vamos verificar o refinamento simultâneo. Dadas RU e RV em AR(We), temos que existe

W ∈ We com W ⊂ U ∩ V . Logo para todo g ∈ G vale que Wg ⊂ Ug ∩ V g e assim

podemos imediatamente concluir que RW 4 RU ∧RV .

Agora vejamos o refinamento duplo. Considere qualquer RU ∈ AR(We). Que-

remos encontrar algum V ∈ We de modo que se V g1 ∩ V g2 6= ∅ então existe g ∈ G

com V g1 ∪ V g2 ⊂ Ug. Veja que se y = v1g1 = v2g2 então {g1y−1, g2y

−1} ⊂ V −1. Por

isso V g1y−1 ⊂ V V −1, assim como V g2y

−1 ⊂ V V −1. Logo se conseguíssemos V V −1 ⊂ U

teríamos imediatamente V g1 ∪ V g2 ⊂ Uy, como estamos buscando. Para isto, considere

W ∈ We com W [2] ⊂ U . Agora por (GT2) tome W em We com W−1 ⊂ W . Em seguida

considere V ∈ We onde V ⊂ W ∩ W . Assim V satisfaz que V V −1 ⊂ WW ⊂ U , como

desejado.

Resta comprovar a base de estrelas. Para verificar isto, afirmamos que, para

quaisquer x ∈ G e V ∈ We, as estrelas nessa família podem ser reescritas do seguinte

modo

St(x,RV ) = V V −1x. (11.1)

De fato, se temos {x, y} ⊂ V g para algum g ∈ G, podemos dizer que x = v1g e y = v2g

para certos v1 e v2 em V . Disto yx−1 = v2v−11 ∈ V V −1, logo y ∈ V V −1x. Reciprocamente,

y ∈ V V −1x implica que existem v1 e v2 em V com y = v1(v−12 x). Nesse caso, podemos

dizer que y ∈ V g, onde g = v−12 x. Como também temos x ∈ V g (pois v2 ∈ V e v2g = x),

segue que y ∈ St(x,RV ), como desejado. 7

Com isso em mente, dado qualquer x ∈ Gmostremos que {St(x,RV ); V ∈ We}

é uma base para o sistema Ux. De fato, tomando arbitrariamente A ∈ Ux (ou seja,6Na realidade é possível mostrar o resultado mais forte afirmando que estas famílias serão bases de

estruturas uniformes (por coberturas) admissíveis em X. Mas faremos desta forma para obtermos umamaior diversificação nas nossas discussões.

7Desta caracterização podemos dizer, particularmente, que St(e,RV ) = V V −1. Consequentemente,St(x,RV ) = St(e,RV )x. Também observe que quando V é simétrico vale St(x,RV ) = V [2]x.

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11 Grupos Topológicos: Uniformidades e Admissibilidade 115

x ∈ A◦), ao denotar B = Ax−1, teremos B ∈ Ue (com efeito, já que translações são

homeomorfismos vale A◦x−1 = (Ax−1)◦, e como x ∈ A◦, segue que e ∈ (Ax−1)◦, como

desejado). Deste modo, existe W ′ ∈ We com W ′ ⊂ B e, assim, podemos considerar

W ∈ We com W [2] ⊂ W ′ ⊂ B. Tome W ∈ We com W−1 ⊂ W e, em seguida, V ∈ We com

V ⊂ W ∩ W . Então V V −1 ⊂ W [2] ⊂ B. Disto, St(x,RV ) = V V −1x ⊂ Bx = Ax−1x = A,

como queríamos.

∴ AR(We) é uma família admissível de coberturas abertas em G.

Teorema 11.2. A família de coberturas abertas AL(We) é admissível em G.

Demonstração. A prova é feita de forma inteiramente espelhada ao caso anterior, obser-

vando que neste caso deve-se concentrar no produto V −1V e mostrar que St(x,LV ) =

xV −1V . �

Deste modo, para qualquer base We ⊂ Ve, temos duas famílias admissíveis

para o grupo topológico G arbitrário. Agora, vamos transladar para as uniformidades

diagonais associadas (no sentido BT (A )) para obtermos, segundo Roelcke e Dierolf, mais

duas famílias admissíveis de coberturas abertas a partir das obtidas inicialmente.

Pelo Teorema 10.7 sabemos que as famílias:

ER = {ERV :=

⋃g∈G

(V g × V g); V ∈ We}

EL = {ELV :=

⋃g∈G

(gV × gV ); V ∈ We}

são bases que geram estruturas uniformes diagonais admissíveis em G. Poderíamos deno-

tar tais estruturas, respectivamente, por DR(We) e DL(We), mas nas construções seguintes

deixaremos implícito que elas dependem da base We escolhida e as colocamos denotadas

simplesmente por DR e DL. Se for preferível um nome, obviamente podemos dizer uni-

formidade diagonal a direita ou a esquerda em G, respectivamente.8

8Já é claro, mas é bom lembrar que é por esse motivo as letras R de right e L de left estarem sendousadas a todo momento.

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11 Grupos Topológicos: Uniformidades e Admissibilidade 116

Primeiramente vamos construir bases de uniformidades com um aspecto mais

agradável de trabalhar, visto que os elementos dados por uniões de produtos cartesianos

parecem ser pouco práticos operacionalmente.

Antes, observe que de forma inteiramente análoga (na verdade é idêntico) ao

que fizemos para mostrar a caracterização de estrelas no Teorema 11.1 (Igualdade (11.1)),

podemos dizer que para todo V ∈ We vale

ERV = {(x, y) ∈ G×G; yx−1 ∈ V V −1} e EL

V = {(x, y) ∈ G×G; x−1y ∈ V −1V }.

Agora, para todo V ∈ We, denote

RV = {(x, y) ∈ G×G; yx−1 ∈ V } e LV = {(x, y) ∈ G×G; x−1y ∈ V } .

Nesse caso, devido à Observação 6.10, BR := {RV ; V ∈ We} é uma base de DR, assim

como BL := {LV ; V ∈ We} é uma base de DL. De fato, para todo V ∈ We existe

U ∈ We com U [2] ⊂ V . Ao considerar, como sempre, W−1 ⊂ U e W ⊂ U ∩ W , teremos

WW−1 ⊂ U [2] ⊂ V e W−1W ⊂ U [2] ⊂ V . Isso mostra que BR é recuperada por ER e

também BL é recuperada por EL. Mais facilmente ainda vê-se que vale a recíproca, pois

para todo V ∈ We vale V ⊂ V V −1∩V −1V já que e ∈ V −1. Como dissemos, a Observação

6.10 garante o afirmado.

Resumindo, estamos com DR e DL sendo estruturas uniformes diagonais ad-

missíveis em G geradas por BR e BL, respectivamente.

As outras duas uniformidades procuradas serão dadas exatamente pelo su-

premo e ínfimo destas.

Teorema 11.3. (Bilateral) O supremo DS = DR ∨DL em G possui como base a família

BS de conjuntos da forma:

LV ∩RV = {(x, y) ∈ G×G; y ∈ xV ∩ V x} = RV ∩ LV ,

onde V ∈ We. Também, DS é uma estrutura uniforme admissível em G.

Demonstração. Pela construção de uniformidade supremo, temos que DS é gerada pela

base {D ∩ E; D ∈ DR e E ∈ DL}. Mas como BR e BL são bases respectivamente de

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11 Grupos Topológicos: Uniformidades e Admissibilidade 117

DR e DL, podemos usar a Observação 6.10 para afirmar que ES = {RV ∩LU ; V, U ∈ We}

também é base de DS. Podemos melhorar ainda mais, usando novamente a Observação

6.10, e afirmar que a família BS = {RV ∩LV ; V ∈ We} será base de DS, como era preciso.

Para conseguir a admissibilidade, basta mostrar que para todo x ∈ G a família

BS(x) = {(LV ∩ RV )[x]; V ∈ We} = {xV ∩ V x; V ∈ We} é base para o sistema de

vizinhanças Ux da topologia de G. Sabemos que BR(x) = {RV [x]; V ∈ We} = {V x; V ∈

We} é base para Ux. Veja que claramente BS(x) ⊂ Ux, assim BR(x) recupera BS(x).

Mais fácil ainda é verificar que BS(x) recupera BR(x). Assim, a Proposição 1.5 garante

o desejado9. �

Já foi percebido no título de tal proposição que nos referimos a essa uniformi-

dade como uniformidade diagonal bilateral em G. Como mostrado acima esse é mais um

exemplo de estrutura uniforme diagonal admissível em G.

Partimos para a construção, um pouco mais interessante, da próxima unifor-

midade admissível.

Teorema 11.4 (Roelcke-Dierolf). A uniformidade ínfimo DI = DR ∧ DL em G possui

como base a família BI com conjuntos da forma:

RV ◦ LV = {(x, y) ∈ G×G; y ∈ V xV } = LV ◦RV

tal que V ∈ We. Ainda, teremos que DI é uma estrutura uniforme admissível em G.

Para provar essa proposição, Roelcke e Dierolf nos forneceram uma ferramenta

muito útil ao conseguir encontrar alguns casos em que é possível descrever uma base

explícita para a uniformidade ínfimo entre duas uniformidades.

Lema 11.5 (Roelcke-Dierolf). Dadas quaisquer duas uniformidades diagonais M e N

em um conjunto X, denotando B = {M ◦N ; M ∈M , N ∈ N }, então são equivalentes

os seguintes itens:9Observamos que a admissibilidade poderia também ser discutida à esquerda com BL(x), ou ainda,

por um argumento com topologia fraca da definição de DS .

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11 Grupos Topológicos: Uniformidades e Admissibilidade 118

(a) B é base para o ínfimo M ∧N ;

(b) B é base de uniformidade diagonal;

(c) Dados M ∈M e N ∈ N , existem M ′ ∈M e N ′ ∈ N tais que N ′ ◦M ′ ⊂M ◦N .

Demonstração. Mostraremos “(a) ⇔ (b) ⇔ (c)”. A implicação “(a) ⇒ (b)” é óbvia.

Vejamos “(b) ⇒ (a)”. Denotando por D a uniformidade gerada por B, devemos mostrar

que D = M ∧ N . Observe que pela definição de ínfimo, M ∧ N ⊂ M ∩ N e é a

maior com essa propriedade. Dito isto, observe que B ⊂ M ∩N , pois para qualquer

M ◦N ∈ B temos ∆ ⊂M ∩N . Logo M = M ◦∆ ⊂M ◦N e N = ∆ ◦N ⊂M ◦N , o que

permite dizer que M ◦N ∈M ∩N , pois uniformidades são filtros. Assim, D ⊂M ∩N ,

ou seja, D ⊂ M ∧ N . Para verificar a outra inclusão, se E ∈ M ∧ N , então existe

F ∈M ∧N ⊂M ∩N com F [2] ⊂ E. Mas como F ◦ F ∈ B temos que E está no filtro

D , como desejado.

É simples ver que “(b) ⇒ (c)”, pois se M1 ◦ N1 está na base B, então existe

M2 ◦N2 ∈ B com N−12 ◦M−1

2 = (M2 ◦N2)−1 ⊂M1 ◦N1, onde lembramos que N−12 ∈ N

e M−12 ∈M .

Por fim, mostremos “(c) ⇒ (b)”. Veja que B é uma base de filtro pois B 6= ∅,

sempre M ◦ N 6= ∅ e (M1 ∩M2) ◦ (N1 ∩ N2) ⊂ (M1 ◦ N1) ∩ (M2 ◦ N2). Resta verificar

as propriedades de uniformidade. Temos que (D1) se verifica pois sempre que M ∈ M

e N ∈ N , então ∆ = ∆ ◦ ∆ ⊂ M ◦ N . Vejamos (D2). Observe que dados M ∈ M

e N ∈ N a hipótese garante M ′ ∈ M e N ′ ∈ N com N ′ ◦M ′ ⊂ M ◦ N . Nesse caso

M ◦ (N ′ ◦ M ′) ◦ N ⊂ M ◦ (M ◦ N) ◦ N = M [2] ◦ N [2]. Se fizermos M1 = M ∩ M ′ e

N1 = N ′ ∩ N conseguimos (M1 ◦ N1)[2] ⊂ M ◦ N ′ ◦M ′ ◦ N ⊂ M [2] ◦ N [2]. Deste modo,

dados M ∈ M e N ∈ N , tome M ∈ M e N ∈ N tais que M [2] ⊂ M e N [2] ⊂ N .

Ao considerar M1 ∈ M e N1 ∈ N como antes, teremos (M1 ◦ N1)[2] ⊂ M ◦ N , como

precisávamos. Por fim vamos verificar (D3). Dados M ∈ M e N ∈ N , precisamos de

M ∈M e N ∈ N com N−1 ◦ M−1 = (M ◦ N)−1 ⊂ M ◦ N . Por hipótese, conseguimos

N ′ ∈ N e M ′ ∈ M com N ′ ◦M ′ ⊂ M ◦ N . Usando (D3) das uniformidades N e M ,

conseguimos os tais N e M com N−1 ⊂ N ′ e M−1 ⊂M ′, como era necessário. �

Agora ficará extremamente simples concluir a proposição desejada.

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11 Grupos Topológicos: Uniformidades e Admissibilidade 119

(Demonstração da Proposição 11.4 de Roelcke e Dierolf). Observe que dados quaisquer

elementos básicos RV ∈ BR e LU ∈ BL, vale a comutatividade RV ◦ LU = LU ◦RV , pois

para todo x ∈ X, (RV ◦LU)[x] = RV [ LU [x] ] = RV [xU ] = V (xU) = (V x)U = LU [V x] =

LU [ RV [x] ] = (LU◦RV )[x]. Particularmente, quando V = U temos, RV ◦LV = {(x, y); y ∈

V xV } = LV ◦RV .

Vejamos que EI = {D ◦ D′; D ∈ DR, D′ ∈ DL} satisfaz a condição (c) do

lema anterior. De fato, dados D ∈ DR e D′ ∈ DL, temos que existem RV ∈ BR ⊂ DR

e LU ∈ BL ⊂ DL com RV ⊂ D e LU ⊂ D′. Logo LU ◦ RV = RV ◦ LU ⊂ D ◦ D′, como

desejado. Assim o Lema de Roelcke e Dierolf garante que EI é uma base para DI . Usando

a Observação 6.10 vemos facilmente que BI = {RV ◦ LV ; V ∈ We} também é uma base

para DI . Assim temos feito o necessário referente ao requerido para a base.

Quanto à admissibilidade, precisamos nos convencer que para todo x ∈ X a

família BI(x) = {(RV ◦LV )[x]; V ∈ We} = {V xV ; V ∈ We} é base para Ux. Veja primei-

ramente que é claro BI(x) ⊂ Ux. Prosseguindo, vamos usar que BR(x) = {RV [x]; V ∈

We} = {V x; V ∈ We} e BL(x) = {xV ; V ∈ We} são bases de Ux. Usaremos a Observação

1.5 em BR(x) e BI(x). É simples ver que BI(x) é recuperada por BR(x), pois sempre

vale V x ⊂ V xV . Agora precisamos que BR(x) seja recuperada por BI(x). Com efeito,

dado qualquer U ∈ We, buscamos um V ∈ We tal que V xV ⊂ Ux. Note que para qualquer

U ∈ We temos Ux ∈ Ux e como BL é base de Ux, existe V ∈ We com10 xV ⊂ Ux. Nesse

caso, tomando V ∈ We onde V ⊂ V ∩ U , teremos V xV ⊂ UxV ⊂ U [2]x. Para termos o

desejado, basta considerar U ∈ We com U [2] ⊂ U . �

Assim, temos as bases BS (bilateral) e BI (Roelcke-Dierolf) de uniformidades

diagonais admissíveis em G. Agora, fazendo a translação para G, conseguimos para todo

aberto V ∈ We, os seguintes tipos de coberturas abertas

UV := {(RV ∩ LV )[x]; x ∈ G} = {xV ∩ V x; x ∈ G},

WV := {(RV ◦ LV )[x]; x ∈ G} = {V xV ; x ∈ G}.

Deste modo, temos duas bases de estruturas uniformes por coberturas admissíveis11 em10Apenas por comentário precisamente será V = x−1Ux.11Aqui a condição (A2) da admissibilidade pode ser facilmente justificada com a Proposição 7.16.

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11 Grupos Topológicos: Uniformidades e Admissibilidade 120

G, dadas por

AS = {UV ; V ∈ We},

AI = {WV ; V ∈ We}.

Por fim o Teorema 10.5 garante que essas são também famílias admissíveis de coberturas

abertas em G. Podemos nomear AS de supremo (ou bilateral) e AI de ínfimo (ou Roelcke).

Com isso, construímos as quatro mais importantes famílias admissíveis de coberturas

abertas em um grupo topológico qualquer.

Observe que o procedimento realizado foi sair de famílias admissíveis de cober-

turas abertas AR(We) e AL(We), através destas construir bases de estruturas uniformes

diagonais admissíveis, BR(We) e BL(We). Por sua vez essas deram origem a outras fa-

mílias desse tipo, BS(We) e BI(We), que em seguida formaram suas respectivas famílias

admissíveis de coberturas abertas , AS(We) e AI(We). Isso serve como mais uma boa

forma de enxergar a efetividade dos procedimentos de translação/equivalência entre bases

de uniformidades admissíveis e famílias admissíveis.

Por fim, vamos mostrar que na classe dos grupos topológicos equilibrados (con-

forme a Definição 4.19) podemos considerar (para alguma We) essas quatro famílias ad-

missíveis sendo iguais, ou seja, onde a família à direita e à esquerda coincidem.

Proposição 11.6. Se um grupo G é equilibrado, então existe uma base de vizinhanças

abertas We de modo que as famílias admissíveis associadas, AR(We) e AL(We), são iguais.

Mais que isso, para todo V ∈ We teremos St(x,LV ) = St(x,RV ).

Demonstração. Veja que pela Proposição 4.20, podemos dizer que G possui uma base

We ⊂ U ◦e (essa última considerada no Exemplo 4.11) de vizinhanças abertas invariantes

(não precisamos simétricas aqui). Logo gV = V g para quaisquer g ∈ G e V ∈ We.

Deste modo LV = RV e por isso AR(We) = AL(We). Agora, dado qualquer x ∈ G e

V ∈ We, teremos V x = xV e V −1x = (x−1V )−1 = (V x−1)−1 = xV −1. Assim St(x,RV ) =

V −1V x = V −1xV = xV −1V = St(x,LV ), como desejado. �

Poderíamos ainda explorar muitos resultados envolvendo espaços topológicos

admissíveis e grupos topológicos, mas para que este trabalho não fique demasiadamente

extenso encerramos esse paralelo por aqui.

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12 Caracterização Topológica 121

12 Caracterização Topológica

Precisamos deixar registrado aqui um dos resultados topológicos mais relevantes sobre es-

paços uniformizáveis. Este afirma que eles formam exatamente a classe dos completamente

regulares. Assim, podemos dizer que essa é uma sexta maneira de identificar um espaço

uniformizável. Essa caracterização permitirá citarmos alguns exemplos e contraexemplos

interessantes.

Definição 12.1. Um espaço topológico X é dito completamente regular para significar

que se temos qualquer fechado F em X e um ponto z /∈ F , então existe uma função

f ∈ C(X,R) que os separa, ou seja, f(z) = a e f(F ) = b de modo que a 6= b.

Teorema 12.2. (X, τ) é uniformizável se, e somente se, é completamente regular.

Demonstração. Suponha que (X, τ) possua alguma estrutura uniforme por coberturas

admissível ω, considere um fechado F e um ponto z /∈ F . Conforme (8.1) podemos dizer

que z /∈ F =⋂

ρ∈GT (ω)

{x; ρ(F, x) = 0}. Deste modo existe ρ ∈ GT (ω), tal que ρ(F, z) 6= 0.

Já que ρ é uniformemente contínua (DT (ω)) temos, pelo Corolário 6.51, que a função g

definida por g(x) = ρ(F, x) também é uniformemente contínua (DT (ω)). Logo, devido á

Proposição 7.30, g é contínua com relação a τω = τ . Como g(F ) = 0 e g(z) 6= 0, podemos

afirmar que (X, τ) é completamente regular.

Reciprocamente, suponha que (X, τ) é completamente regular. Nesse caso,

podemos dizer que a família de funções C(X,R) separa pontos de conjuntos fechados.

Este fato implica que τ é exatamente a topologia fraca induzida por C(X,R) (conforme

um resultado básico de topologia geral encontrado por exemplo em Willard [24], Corolário

8.15, pg. 57). Então se consideramos a uniformidade fraca induzida por C(X,R), o

resultado está garantido pela Proposição 6.47. �

Exemplo 12.3. Como uma primeira aplicação, teremos que qualquer espaço topológico

admissível será completamente regular. Portanto, como todo grupo topológico possui

uma família admissível de coberturas abertas (na verdade vimos que admite pelo menos

quatro), temos que qualquer grupo topológico será completamente regular. Isso é mais

forte do que o demonstrado na Proposição 4.13.

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12 Caracterização Topológica 122

Vamos relembrar rapidamente aqui o que se entende por espaço paracompacto.

Definição 12.4. Dado um espaço topológico X, dizemos que uma família L ⊂ P(X)

é localmente finita traduzindo o fato de que, para qualquer ponto x ∈ X, ocorre que

podemos encontrar alguma vizinhança U ∈ Ux de modo que U intersecte apenas uma

quantidade finita de elementos de L , ou seja, #[U,L ] <∞ (lembre da Notação 7.1).

Definição 12.5. Dizemos que um espaço topológico X é paracompacto para significar

que ele é um espaço de Hausdorff onde toda cobertura aberta admite um refinamento

aberto localmente finito.

Citaremos aqui dois exemplos memoráveis desse tipo de espaço topológico.

Exemplo 12.6. Todo espaço Hausdorff compacto é paracompacto. Isto pode ser visto

diretamente pela definição, uma vez que toda cobertura finita é localmente finita.

Exemplo 12.7 (Stone). Todo espaço metrizável é paracompacto. Isto foi descoberto

em 1948 pelo matemático britânico Arthur Harold Stone, fato o qual forneceu bastante

credibilidade aos espaços paracompactos, impulsionando pesquisas relacionadas, princi-

palmente na obtenção de teoremas gerais sobre metrização fornecidos por nomes como

Bing, Nagata e Smirnov. A demonstração deste fato pode ser encontrada, por exemplo,

em Willard [24] Teorema 20.9, pg. 147, a qual faz uso da caracterização de paracom-

pactos por meio dos, assim nomeados, refinamentos σ−localmente finitos, mas aqui não

abordaremos esse ponto de vista, embora já tenha ficado claro, por este exemplo, que é

extremamente importante estudar as caracterizações alternativas de paracompacidade.

Alguns autores definem paracompactos sem a exigência de ser Hausdorff e

outros pedem que seja Regular ao invés disto. Portanto fica o alerta de variações nessa

definição em bibliografias diferentes. Mas é verdade que isso não gera muita diferença

uma vez que é possível mostrar (com a definição apresentada aqui) o fato de que todo

espaço paracompacto é normal (ver Willard [24] Teorema 20.10, pg. 147). Nesse caso

teremos paracompactos sendo T4 e por consequência (via o Lema de Urysohn que pode

ser conferido emWillard [24], Lema 15.6, pg. 102) será T3 12. Por conta disto (e do Teorema

12.2) podemos imediatamente explicitar o seguinte exemplo:

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12 Caracterização Topológica 123

Exemplo 12.8. Todo espaço paracompacto é uniformizável. Na seção sobre uniformi-

dade fina daremos uma descrição mais precisa de como é possível uniformizar este espaço.

Exemplo 12.9. O bem conhecido espaço topológico Plano Moore12 Γ é um espaço

topológico Completamente Regular Hausdorff (ou seja, Tychonoff) mas que não é Normal

(ver Willard [24], Exemplo 15.3 b), pg. 100). Deste modo Γ é um exemplo de um

espaço cuja topologia é uniformizável (já que é completamente regular), mas não pode

ser pseudometrizável já que não é normal (lembrando que todo espaço pseudometrizável

é normal. Ver, por exemplo, Willard [24], Exemplo 15.3, item (c), pg. 100).

Exemplo 12.10. Seja X um espaço T0-completamente regular (T3 12ou Tychonoff) que

não seja compacto. Nesse caso, ao considerar βX (a compactificação Stone-Čech de X,

conforme Willard [24], Definição 19.4, pg. 137), então é possível mostrar que βX não

pode ser metrizável. Uma estratégia para mostrar isto é comprovar que nenhum ponto da

fronteira βX \X possui base enumerável para o seu sistema local buscando um absurdo

via sequências, o importante Lema de Urysohn (Willard [24], Lema 15.6) e a principal

ferramenta dessa compactificação dada pela propriedade de extensão (Willard [24], Teo-

rema 19.5). O fato interessante para nossas discussões é que βX sempre é uniformizável

(pois é compacto Hausdorff logo paracompacto), embora (como dito inicialmente) nem

sempre seja metrizável.

Os exemplos anteriores mostram que faz realmente sentido dizer que os espaços

uniformes fornecem uma generalização sobre os espaços métricos, ou seja, podemos dizer

que para a uniformização de um espaço é preciso pedir menos do que para a metrização.

Vamos ver mais um fato desse gênero de argumento na seção sobre completude.

O próximo exemplo responde a afirmação de que a recíproca da Proposição

6.35 não pode valer, ou seja, que nem todo espaço regular é uniformizável.

Exemplo 12.11. Aqui citamos o exemplo de um espaço topológico regular mas que

não é completamente regular. Existem várias construções para esse caso, algumas mais

complicadas do que outras, mas talvez o mais simples entre eles foi dado por Mysior em

[12]. Aqui a topologia é colocada sobre o conjunto M = Γ ∪ {a} = {(x, y) ∈ R2; y ≥12Onde o semiplano Γ = {(x, y) ∈ R2; y ≥ 0} é munido da topologia onde um aberto básico ou é bola

aberta acima do eixo x ou é uma bola aberta tangente ao eixo x unida com seu ponto de tangência.

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13 Uniformidade fina 124

0} ∪ {a} onde a é qualquer ponto fixado em R2 \ Γ (por exemplo (0,−1)). Os abertos

são dos seguintes três tipos: No semiplano positivo, ou seja, quando y > 0, pontos são

abertos. Um ponto sobre o eixo x tem vizinhança básica dada pela união do segmento

vertical Ix = {(x, y); 0 ≤ y ≤ 2} e do segmento inclinado I ′x = {(x + y, y); 0 ≤ y ≤ 2}

menos uma quantidade finita de pontos dessa união (não excluindo x, é claro). Por fim

uma vizinhança do ponto a é dada por escolher um número natural n e considerar o

conjunto Un(a) = {a} ∪ {(x, y); x > n}. Assim Mysior garante que este é um espaço

regular onde o conjunto fechado F = {(x, 0); x ≤ 1} e o ponto a tem a propriedade de

que se for considerada qualquer função contínua g : M → R de modo que g(F ) = {0},

então necessariamente g(a) = 0. Ou seja, não é possível separar o fechado F e o ponto a

por uma função contínua, logo este espaço não poderá ser completamente regular.

13 Uniformidade fina

Em espaços métricos a ideia para demonstrar que uma função contínua definida num com-

pacto é uniformemente contínua segue usando o importante Lema de Lebesgue. Assim,

poderíamos proceder de forma análoga ao usar o Lema 10.3. Mas aqui, faremos conforme

o roteiro em Willard [24] (porém, como proposto em seus exercícios, via linguagem dia-

gonal) e demonstraremos um resultado parecido com o citado em espaços métricos (aqui

será menos geral pois vamos supor compacto e Hausdorff, mas isso é uma modificação

extremamente aceitável), o qual se demonstra de forma independente do Lema de Lebes-

gue. Para isso será necessário introduzir nos espaços uniformizáveis o importante conceito

de espaço fino e demonstrar alguns resultados relacionados. Um desses resultados será

concluir que um espaço compacto Hausdorff pode ser uniformizado de uma única maneira.

A uniformidade fina será entendida como o seguinte:

Definição 13.1. Seja um espaço topológico uniformizável (X, τ), considere F a família de

todas as estruturas uniformes diagonais admissíveis de X com a topologia τ . Nesse caso,

chamaremos de uniformidade fina de (X, τ) a uniformidade supremo das uniformidades

em F e a denotaremos por DF , ou seja,

DF :=∨

D∈F

D .

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13 Uniformidade fina 125

Observe que a existência dessa uniformidade fica condicionada ao espaço ser

uniformizável. Como já mencionado, podemos dizer que a construção da uniformidade

DF garante que ela tenha como uma sub-base a família F e por isso ela será a mais

fina dentre todas as uniformidades que possuem topologia uniforme idêntica13 a de X. O

espaço uniformizável X munido desta uniformidade é dito espaço fino.

Temos uma base de uniformidade interessante para esse caso. Para isso preci-

samos definir um análogo ao feito para sequências regulares (normais), de coberturas mas

agora para o caso diagonal.

Definição 13.2. Uma sequência (En) de subconjuntos de X ×X é dita sequência nor-

mal em X ×X para significar que, para todo n ∈ N, valem as duas condições:

• ∆ ⊂ En;

• E−1n+1 ◦ En+1 ⊂ En.

Também será útil definirmos o caso não sequencial da seguinte forma:

Definição 13.3. Uma família E de subconjuntos de X × X será dita família normal

em X ×X para significar que se verificam as duas propriedades:

• Para todo D ∈ E , ocorre que ∆ ⊂ D;

• Para todo D ∈ E , existe E ∈ E tal que E−1 ◦ E ⊂ D.

Vejamos como famílias deste tipo fornecem uniformidades.

Proposição 13.4. Se E é uma família normal em X ×X, então ela é uma sub-base de

uniformidade diagonal.

Demonstração. Basta usar a Proposição 6.13 e proceder argumentando identicamente ao

realizado na Observação 6.14, item (v) sobre a Propriedade (D4). De fato, precisamos

apenas verificar (D2) e (D3). Como já sabemos, se E ∈ E , E−1 = E−1◦∆ ⊂ E−1◦E ⊂ D

implica em E−1 ⊂ D e temos (D3). Quanto a (D2), para cada D ∈ E tome E ∈ E com

E−1 ◦ E ⊂ D. Em seguida, tome F ∈ E com F−1 ◦ F ⊂ E e assim temos ∆ ⊂ F−1

13É simples observar que a uniformidade fina realmente é um estrutura uniforme admissível.

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13 Uniformidade fina 126

e também F−1 ◦ F = (F−1 ◦ F )−1 ⊂ E−1. Disto conseguiremos o seguinte F ◦ F =

∆ ◦ F ◦∆ ◦ F ⊂ F−1 ◦ F ◦ F−1 ◦ F ⊂ E−1 ◦ E ⊂ D, como desejado. �

Agora vejamos em que isso ajuda ao tratar de uniformidade fina.

Proposição 13.5. A uniformidade fina de um espaço topológico uniformizável X tem

como base a família (normal) FA constituída pelos elementos de todas as sequências

normais de vizinhanças abertas da diagonal em X ×X.

Demonstração. Primeiramente, precisamos estabelecer que FA ⊂ DF . Tome qualquer

sequência normal (En) de vizinhanças abertas da diagonal em X × X. Observe que,

devido a Propriedade (D4) (da Observação 6.14) a coleção DF ∪ {En; n ∈ N} é uma

família normal em X ×X. Deste modo a proposição anterior garante que ela gera uma

uniformidade diagonal D em X. Vejamos que a topologia uniforme τ ′ gerada por D e a

topologia τF (de X) gerada por DF são as mesmas. Temos τF ⊂ τ ′, já que DF ⊂ D . A

inclusão τ ′ ⊂ τF é devido a sequência (En) possuir apenas abertos da topologia produto

τF × τF . Assim, a uniformidade D é uma estrutura uniforme admissível em X. Logo

{En; n ∈ N} ⊂ D ⊂ DF , como desejado.

Para ver que FA recupera os elementos de DF , lembre que DF tem como uma

base B todos os elementos de DF que são abertos (não necessariamente todos os abertos

contendo a diagonal). Assim, os elementos de B são vizinhanças abertas da diagonal e

mais, devido à Propriedade (D4) todos os elementos dessa base fazem parte de alguma

sequência normal em X ×X, ou seja, B ⊂ FA. Portanto todo elemento de DF conterá

algum de FA (especificamente os de B).

Já observamos (no Exemplo 12.8) que todo espaço paracompacto é uniformizá-

vel. Agora aproveitaremos o resultado anterior para darmos uma descrição mais exata de

como essa uniformização pode ser construída. Para podermos realizar isto vamos lembrar

de alguns resultados interessantes propostos por Kelley [10].

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13 Uniformidade fina 127

Lema 13.6. Em um espaço paracompacto, toda cobertura aberta admite um refinamento

fechado localmente finito.

Demonstração. Ver Kelley [10], Lema 29, pg. 157. �

Agora precisamos definir o que se entende por uma cobertura uniformizada

em um espaço topológico14.

Definição 13.7. Em um espaço topológico X, considere V∆ a família de todas as vizi-

nhanças da diagonal. Dizemos que uma cobertura aberta W de X é uniformizada para

significar que existe algum D ∈ V∆ tal que {D[x];x ∈ X} 7.14:= UD 4 W .

Prosseguindo, apresentaremos o teorema que merece mais atenção nestas dis-

cussões. Por este motivo vamos expor com mais detalhes os argumentos de Kelley.

Teorema 13.8. Toda cobertura aberta em um espaço paracompacto é uniformizada.

Demonstração. Supondo X um espaço topológico paracompacto e U uma cobertura

aberta qualquer de X, temos pelo Lema 13.6 algum refinamento fechado localmente finito

V 4 U . Nesse caso, para todo fechado V ∈ V , temos que existe algum UV ∈ U , onde

V ⊂ UV e por isso DV = (UV ×UV )∪({V ×{V ) ∈ V∆ além de que para todo x ∈ V ocorre

DV [x] = UV (observe que (x, y) ∈ DV implica (x, y) ∈ UV ×UV ou (x, y) ∈ {V × {V , logo

supor adicionalmente x ∈ V implicará y ∈ UV ). Considere D =⋂V ∈V

DV e vamos mostrar

que este consegue uniformizar a cobertura U . Primeiramente vejamos que UD 4 U .

Com efeito, dado x ∈ X, existe V ∈ V com x ∈ V , logo D[x] ⊂ DV [x] = UV ∈ U ,

como desejado. Agora precisamos mostrar que D ∈ V∆. Como V é localmente finita,

teremos que para qualquer (x, x) ∈ ∆, é possível encontrar algum Wx ∈ Ux de modo

que [Wx,V ] seja um conjunto finito. Precisamos encontrar alguma vizinhança de (x, x)

que esteja contida em DV seja qual for V ∈ V , o candidato para tal será dado por

Ex = (Wx ×Wx) ∩⋂

V ∈[Wx,V ]

DV . Com efeito, como Wx ∈ Ux, DV ∈ V∆ e [Wx,V ] é finito,

podemos afirmar Ex ∈ U(x,x), vejamos então a inclusão requerida. Dado qualquer V ∈ V

temos apenas duas situações:14Perceba que não estaremos mencionando uniformidade alguma aqui, mas este nome será bastante

conveniente como veremos.

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13 Uniformidade fina 128

(I) Wx ∩ V = ∅: Aqui, teremos Wx ⊂ {V , logo Ex ⊂ Wx ×Wx ⊂ DV .

(II) Wx ∩ V 6= ∅: Nesse caso, V ∈ [Wx,V ], por isso Ex ⊂ DV .

Assim, (x, x) ∈ Ex ⊂ D. Logo D ∈ V∆, como desejado.

Agora sim podemos prosseguir com nossos objetivos.

Proposição 13.9. A uniformidade fina em um espaço paracompacto X é gerada pela

família V ◦∆ constituída por todas as vizinhanças abertas da diagonal sobre X.

Demonstração. Devido à Proposição 13.5 já temos FA ⊂ V ◦∆, nesse caso basta mostrarmos

que a família V ◦∆ é uma família normal em X×X, pois disto ocorrerá V ◦∆ ⊂ FA. Conside-

rando qualquer U ∈ V ◦∆, precisamos encontrar algum V ∈ V ◦∆ de forma que V −1 ◦V ⊂ U .

Para cada x ∈ X, existe Wx ∈ Ux tal que Wx ×Wx ⊂ U . Suponha sem perda de ge-

neralidade Wx sendo aberto. Assim, W = {Wx; x ∈ X} é uma cobertura aberta de X.

Logo o Teorema 13.8 garante que ela pode ser uniformizada por algum V ∈ V∆, ou seja,

existe V ∈ V∆ tal que {V [x];x ∈ X} = UV 4 W . Veja que podemos supor V ∈ V ◦∆ já

que UV ◦ ⊂ UV . Disto, V −1 ◦ V = V −1 ◦∆ ◦ V 6.26=

⋃x∈X

V [x]× V [x] ⊂⋃x∈X

Wx ×Wx ⊂ U ,

como desejado. �

Tratando de uniformidades, vejamos uma importante propriedade relacionando

a uniformidade fina e a continuidade uniforme.

Corolário 13.10. Dado um espaço fino (X,DF ) e um outro uniforme (Y,DY ), se temos

uma função f : (X, τDF )→ (Y, τDY ) contínua, então ela é uniformemente contínua.

Demonstração. Considere a função F = f × f . Assim F será contínua com respeito às

topologias produto entre as envolvidas na hipótese. Tome qualquer vizinhança aberta

D ∈ DY . Assim, considerando a base de abertos de DY e usando a Propriedade (D4) (da

Observação 6.14), teremos que D é início de uma sequência normal de vizinhanças abertas

em Y ×Y , ou seja, existe uma sequência normal (Dn) de vizinhanças abertas da diagonal

em Y ×Y com D1 = D. Já temos que, para cada n ∈ N, o conjunto F−1(Dn) é um aberto

contendo a diagonal de X ×X. Agora, podemos afirmar também que (F−1(Dn)) é uma

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13 Uniformidade fina 129

sequência normal em X×X, devido as afirmações (a) e (b) realizadas na demonstração do

Teorema 6.45. Com isso, a proposição anterior garante imediatamente que F−1(D) ∈ DF .

Por isso (juntamente com a Observação 6.41) f é uniformemente contínua. �

Como prometido, queremos dar uma aplicação desses resultados para o caso

em que X é compacto e Hausdorff, a começar pelo seguinte:

Teorema 13.11. Se (X, τ) é um espaço topológico compacto e Hausdorff, então X pode

ser munido de uma, e apenas uma, estrutura uniforme admissível.

Demonstração. Primeiramente, precisamos garantir a existência de tal uniformidade.

Como X é paracompacto (conforme Exemplo 12.6) temos de imediato a uniformidade

fina neste espaço, a qual é gerada por todas as vizinhanças abertas da diagonal conforme

vimos anteriormente.

Com relação à unicidade, vamos provar que qualquer D sendo estrutura uni-

forme diagonal admissível em X deve conter todas as vizinhanças abertas da diagonal.

Veja que deste modo D conterá FA (da Proposição 13.5), que é base para DF . Assim

DF ⊂ D ⊂ DF , conseguindo a unicidade exigida e, portanto, o teorema demonstrado.

Então suponha D sendo estrutura uniforme admissível em X e considere qualquer aberto

U ∈ τ×τ com ∆ ⊂ U . Vamos mostrar que existe algumD ∈ D comD ⊂ U (disto U ∈ D).

Como U é aberto, podemos dizer que para todo (x, y) ∈ U devem existir {D,D′} ⊂ D tais

que D[x]×D′[y] ⊂ U . Na verdade, já que D∩D′ ∈ D , podemos supor D = D′. Em parti-

cular, teremos que para todo x ∈ X, como ∆ ⊂ U , existe Dx ∈ D com Dx[x]×Dx[x] ⊂ U .

Nesse caso considere para todo x ∈ X um Ex ∈ D com Ex sendo aberto e E[2]x ⊂ Dx.

Assim, a família C = {Ex[x]×Ex[x]; x ∈ X} cobre a diagonal ∆ por abertos. Temos que

X é Hausdorff, logo a diagonal é fechada. Já que X é compacto, teremos o produto X×X

também compacto (como é bem conhecido, por exemplo, via o Teorema Tychonoff). As-

sim conseguimos a diagonal sendo compacta, logo podemos extrair uma subcoleção finita

de C ainda cobrindo a diagonal, digamos {Exi [xi]×Exi [xi]; i ∈ {1, · · · , n}} ⊂ C . Agora,

basta encontrarmos algum D ∈ D , com D ⊂⋃

i=1,··· ,n

Dxi [xi] ×Dxi [xi] ⊂ U . O candidato

será dado por D ∈ D com D ⊂⋂

i=1,··· ,n

Exi . Com efeito, considere qualquer x ∈ X. Temos

imediatamente algum k ∈ {1, · · · , n} com x ∈ Exk [xk]. Mostremos que D[x] ⊂ Dxk [xk].

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14 Completude 130

De fato, D[x] ⊂ D[Exk [xk]] = (D ◦ Exk)[xk] ⊂ (Exk ◦ Exk)[xk] ⊂ Dxk [xk]. Portanto,

D = ∆ ◦∆ ◦D ⊂ D−1 ◦∆ ◦D 6.26=

⋃x∈X

D[x]×D[x] ⊂⋃

i=1,··· ,n

Dxi [xi]×Dxi [xi] ⊂ U , como

desejado. �

Observação 13.12. Como curiosidade, o leitor poderá perceber alguma semelhança na

demonstração anterior com a realizada no famoso Lema do tubo sobre produto envolvendo

compacto (ver Munkres [11], Lema 26.8, pg. 168).

Como consequência imediata da proposição anterior e do Corolário 13.10 en-

cerramos esta seção com o prometido resultado.

Corolário 13.13. Toda função contínua de um compacto Hausdorff X para um espaço

uniforme Y é uniformemente contínua.

14 Completude

Nesta seção teremos como objetivo responder as três perguntas: O que se entende por

espaço uniforme completo? Como é possível completar um espaço uniforme? Por que es-

paços paracompactos são completamente uniformizáveis? No final, citaremos um exemplo

(e.g. Stone) dizendo que completamente metrizar espaços topológicos exige mais força do

que para completamente uniformizar.

As construções serão sempre análogas ao caso métrico, para ser mais preciso,

serão análogas ao caso pseudométrico. Isto porque não estamos considerando o axioma

T0 em nossas uniformidades, isto é, não necessariamente consideramos uniformidades

separadas. A consequência disto será abdicar de propriedades como, por exemplo, a

unicidade do completamento, mas a existência já será suficiente para nossas discussões.

Então, precisamos começar por entender o que são redes e filtros de Cauchy

em espaços uniformes. Começamos com a definição básica de rede de Cauchy em espaços

uniformes via diagonal, a qual deve lembrar bastante a noção conhecida para o caso

pseudométrico.

Definição 14.1. Seja X um espaço B−uniforme e uma rede (xλ)λ∈Λ de elementos de X.

Dizemos que tal rede é de Cauchy com respeito a base de uniformidade B (sim-

plificadamente B-Cauchy, ou apenas Cauchy se a uniformidade estiver bem entendida)

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14 Completude 131

para expor a situação de que, para todo B ∈ B, existe λ0 ∈ Λ tal que para quaisquer

λ1, λ2 � λ0 ocorre que (xλ1 , xλ2) ∈ B.

Vamos explorar algumas propriedades deste tipo de rede.

Proposição 14.2. Dadas (xλ)λ∈Λ uma rede B-Cauchy em um espaço uniforme X e

qualquer sub-rede (xλµ)µ∈M . Então:

(a) (xλµ) é B-Cauchy;

(b) Se (xλµ) converge para um ponto x ∈ X, então (xλ) também converge para este

ponto.

Demonstração. Vejamos o item (a). Dado B ∈ B, tome λ ∈ Λ da condição de Cauchy

para (xλ). Pela cofinalidade, temos algum µ ∈ M , tal que λµ � λ e este é o índice

procurado.

Para comprovar (b), tome qualquer U ∈ Ux e veja que existe algum D ∈

B onde D[x] ⊂ U . Agora, considere E ∈ B com E[2] ⊂ D. Assim E[x] ∈ Ux e,

pela convergência da hipótese, teremos que existe uma cauda (da sub-rede) satisfazendo

Cλµ ⊂ E[x]. Para esse E, tome λ da condição de Cauchy para (xλ) e suponha sem perda

de generalidade λ � λµ. Mostremos que a cauda (da rede) satisfaz Cλ ⊂ D[x] (isto

conclui a proposição pois D[x] ⊂ U). De fato, dado λ′ � λ, pela cofinalidade considere

algum µ0 ∈ M com λµ0 � λ. Deste modo (xλµ0 , xλ′) ∈ E (pela condição de Cauchy) e

(x, xλµ0 ) ∈ E (por λµ0 � λ � λµ). Por isso (x, xλ′) ∈ E[2] ⊂ D, como desejado. �

Dito isto, daremos agora uma definição por meio de filtros (ainda num contexto

uniforme).

Definição 14.3. Seja X um espaço B−uniforme e um filtro F em X. Dizemos que F

é filtro B-Cauchy para significar que a rede baseada em F é B-Cauchy.

De uma maneira mais prática, poderemos dizer de forma independente de redes

que um filtro é B-Cauchy usando a caracterização da seguinte proposição:

Proposição 14.4. Seja X um espaço B−uniforme e um filtro F ⊂ P(X). Então, F

é B-Cauchy se, e somente se, para todo B ∈ B, existe F ∈ F tal que F × F ⊂ B.

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14 Completude 132

Justificativa. Para comprovar isto, basta lembrar que o domínio ΛF = {(x, F ); x ∈ F ∈

F} da rede baseada em F é dirigido pela inclusão reversa, no sentido que (x, F ) � (y,G)

equivale a G ⊂ F e se ater ao detalhe de que a lei de tal rede procede da forma (x, F ) 7→ x.

2

A noção de completude em espaços uniformes, como esperado, é dada de forma

análoga ao caso métrico.

Definição 14.5. Um espaço uniforme (X,B) será dito completo para significar que

toda rede B-Cauchy converge (segundo a topologia uniforme) para algum ponto de X.

Em alguns momentos podemos dizer que a (base de) uniformidade B é completa.

Vamos comprovar que também é possível desenvolver esta parte da teoria com

a abordagem por meio de filtros através da seguinte caracterização:

Proposição 14.6. Um espaço uniforme (X,B) é completo se, e somente se, todo filtro

B-Cauchy converge (via τB) para algum ponto de X.

Justificativa. Para a necessidade, considerando qualquer filtro B-Cauchy em X, então,

por definição, isso significa que a rede baseada em F é B-Cauchy, a qual deve convergir

por hipótese. O Teorema 3.16 garante então que o filtro inicial também converge. Quanto

à suficiência, basta ver que se uma rede é B-Cauchy, então o filtro gerado por ela (pelas

caudas dessa rede) será B-Cauchy (isso é consequência direta da definição) e em seguida

usar novamente o Teorema 3.16. 2

Um exemplo básico de filtro B-Cauchy é dado pelos convergentes.

Proposição 14.7. Se em um espaço uniforme (X,B) um filtro F converge para x ∈ X,

então F é B-Cauchy.

Demonstração. Por hipótese, temos Ux ⊂ F . Agora, considerando qualquer D ∈ B,

sabemos que ∆ ⊂ D◦. Deste modo, considerando qualquer x ∈ X, já que (x, x) ∈ D,

conseguimos U e V em Ux tais que U ×V ⊂ D. Fazendo W = U ∩V ∈ Ux ⊂ F , teremos

o desejado. �

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14 Completude 133

Dito o que se entende por completude, queremos agora esclarecer como com-

pletamos um espaço uniforme. O roteiro será de Willard [24], Seção 39, pg. 260 com

algumas exceções, como por exemplo, não trataremos da unicidade de completamento,

pois para isso é necessário estarmos lidando sempre com uniformidades separadas, ou

seja, com o axioma T0 de separação. Mas o desenvolvimento sobre esse aspecto também

é simples. Para mais esclarecimentos sobre tais fatos a bibliografia citada anteriormente

é indicada.

Aqui a ideia será completar um espaço uniforme fazendo uso de mergulhos e

completamentos já conhecidos em espaços pseudométricos (ver por exemplo em Willard

[24] Seção 24, pg. 175). Desta forma, tem papel de protagonista o importante Lema 8.8

nessa abordagem.

Começamos por relacionar diretamente o caso uniforme com o pseudométrico,

no sentido de completude, com a seguinte proposição:

Proposição 14.8. Um espaço uniforme (X,Dρ), onde Dρ é gerada por uma pseudomé-

trica ρ conforme Proposição 6.21, é completo se, e somente se, o espaço pseudométrico

(X, ρ) é completo.

Demonstração. A necessidade fica por conta de observar que toda sequência ρ−Cauchy

será rede Dρ-Cauchy. Vejamos a suficiência. Temos que toda sequência de Cauchy con-

verge e precisamos mostrar que toda rede de Cauchy também converge. Então considere

qualquer rede (xλ)λ∈Λ sendo Dρ-Cauchy em X. Agora construímos uma sequência induti-

vamente através da condição de Cauchy mediante1

ndo seguinte modo: considere λ1 ∈ Λ

tal que λ, λ′ � λ1 implica ρ(xλ, xλ′) < 1. Depois considere λ2 � λ1 tal que λ, λ′ � λ2

implica ρ(xλ, xλ′) <1

2e assim por diante. Supondo escolhidos λn � · · · � λ1, tome

λn+1 � λn tal que λ, λ′ � λn+1 implica ρ(xλ, xλ′) <1

n+ 1, assim temos definido um

índice λn para todo n ∈ N. Por essa construção, é simples ver que a sequência (xλn) é

ρ−Cauchy. Assim a hipótese garante que existe x ∈ X onde xλn → x. Vamos mostrar

que, por causa disto, conseguimos também xλ → x, conforme precisamos15. Com efeito,15Veja que somos imediatamente induzidos a usar a Proposição 14.2, mas isso seria um erro, pois não

temos a garantia de que (xλn) é uma sub-rede de (xλ) já que não é possível garantir a cofinalidade do

conjunto {λn; n ∈ N} em Λ. Mas mesmo assim conseguimos proceder de forma bastante análoga aodemonstrado na Proposição 14.2 pois construímos esta sequência com elementos sempre residualmente

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14 Completude 134

dado qualquer U ∈ Ux, então existe ε > 0 tal que Dερ[x] ⊂ U . Tome N ∈ N onde

1

N< ε.

Devido a convergência, deve existir M ∈ N tal que n ≥ M implica ρ(xλn , x) <1

2N.

Agora, considere K = max{2N,M} e terá que para todo λ � λK ocorre ρ(xλ, xλK ) <1

2N

(pois λ, λK � λ2N) e ρ(xλK , x) <1

2N(pois K ≥ M). Assim ρ(xλ, x) <

1

N< ε, ou seja,

CλK ⊂ Dερ[x] ⊂ U , como desejado. �

Agora listamos duas propriedades indicando que espaços compactos e comple-

tos tem alguma semelhança.

Proposição 14.9. Se (X,D) é completo e A ⊂ X é fechado, então (A,D |A) é completo.

Justificativa. Se (xλ) em A é D |A-Cauchy, então é D-Cauchy em X. Assim (xλ) converge

em X e, já que A é fechado, tal ponto de convergência pertence ao conjunto A pela

Proposição 2.10. 2

Proposição 14.10. Se (X,D) tem uniformidade separada (equivalentemente topologia

uniforme Hausdorff) e (A,D |A) é subespaço completo de X, então A é fechado.

Justificativa. Se x ∈ A, então existe um filtro F ⊂ P(X) onde A ∈ F → x devido

à caracterização de fechados via filtros vista na Proposição 3.11. É simples ver que

F |A = {F ∩ A; F ∈ F} é filtro em A (chamado traço do filtro F em A) e ao mesmo

tempo é base de filtro em X, digamos que ele gera o filtro GA ⊂ P(X), onde é fácil ver

que GA ⊂ F . Como (A,D |A) é completo, deve existir y ∈ A onde F |A A−→ y ∈ A. Disto

GAX−→ y (pois o sistema de vizinhanças em y no espaço (A, τD |A) é base para o sistema

em y no espaço (X, τD)), portanto FX−→ y. Pela Proposição 3.14, teremos x = y e, disto,

x ∈ A. Logo A ⊂ A ⊂ A, como desejado. 2

Pode-ríamos discutir a diferença entre compacidade e completude, a qual vai

residir exatamente no conceito de espaço totalmente limitado (pré-compacto) (ver Willard

[24] pg. 262), mas não incluiremos isto em nossos objetivos.

Prosseguindo com ferramentas para obter o completamento temos o seguinte:

próximos aos elementos de (xλ).

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14 Completude 135

Proposição 14.11. Se temos dois espaços uniformes (X,DX) e (Y,DY ), um filtro F

sendo DX-Cauchy e uma função g : X → Y uniformemente contínua, então o filtro

imagem16 g(F ) será DY -Cauchy.

Demonstração. Se consideramos qualquer D ∈ DY , então, definindo G = g×g, a hipótese

garante queG−1(D) ∈ DX (ver Observação 6.41). Ainda pela hipótese, deve existir F ∈ F

onde F × F ⊂ G−1(D). Como g(F ) ∈ g(F ), conseguimos g(F ) × g(F ) = G(F × F ) ⊂

G(G−1(D)) ⊂ D. Logo g(F ) é DY -Cauchy. �

Uma consequência do resultado anterior é que completude é preservada por

isomorfismos uniformes. Outra utilidade será empregada na seguinte proposição.

Proposição 14.12. Para qualquer família {(Xλ,Dλ); λ ∈ Λ} de espaços uniformes com-

pletos, se consideramos D a uniformidade produto em Z =∏λ∈Λ

Xλ, então (Z,D) é com-

pleto.

Demonstração. Tome qualquer filtro F sendo D-Cauchy em Z. Temos, pela proposição

anterior, que para todo λ ∈ Λ o filtro πλ(F ) é Dλ-Cauchy, assim a hipótese garante

que existe xλ ∈ Xλ onde πλ(F ) → xλ. Pela Proposição 3.13 (b) conseguimos dizer que

F → x, onde x é definido coordenada-a-coordenada por πλ(x) = xλ, como desejado. �

Como um comentário de complementação, podemos dizer que vale uma recí-

proca para o caso anterior se pontos forem fechados, ou seja, se tivermos todo (Xλ,Dλ)

com uniformidades separadas (logo topologia uniforme de Hausdorff), então o produto

Z sendo completo implica que cada fator será completo. Isso se mostra observando que

cada fator é homeomorfo a um subconjunto fechado do produto Z (tal conjunto será X∗λ

onde fixamos em cada fator um ponto xλ e definimos X∗λ =∏λ∈Λ

Yλ, tal que para todo

λ′ 6= λ colocamos Yλ′ = {xλ′} e Yλ = Xλ. Assim o subespaço X∗λ é realmente fechado e

homeomorfo a Xλ via a projeção restrita πλ|X∗λ).

Veremos no próximo teorema o papel fundamental do importante lema sobre

calibre nesta parte da teoria.16Conforme a evidente Definição 3.8.

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14 Completude 136

Teorema 14.13. Todo espaço uniforme é uniformemente isomorfo a um subespaço (ou

mergulhado uniformemente) do produto de espaços uniformes pseudométricos.

Demonstração. Considere D = {Dλ ∈ X ×X; λ ∈ Λ} sendo uma uniformidade diagonal

emX. Se consideramos λT (D) e aplicamos o Lema 8.8 a essa uniformidade por coberturas,

então basta usarmos os procedimentos de translação e as relações entre os elementos de

uniformidade por coberturas e uniformidades diagonais para podermos dizer diretamente

que para cada λ ∈ Λ existe uma pseudométrica ρλ em X sendo uniformemente contínua

(via item (I) de tal Lema e os comentários feitos após o Teorema 8.9) e ainda D1ρλ

=

{(x, y) ∈ X×X; ρλ(x, y) < 1} ⊂ Dλ (via item (II) do referido Lema). Considerando Dρλ

a uniformidade diagonal pseudométrica em X gerada por ρλ denote por Xλ := (X,Dρλ)

o espaço uniforme em questão. O espaço uniforme produto que vamos considerar é dado

exatamente pelo produto de todos esses espaços uniformes, ou seja, por Z =∏λ∈Λ

Xλ com

uniformidade produto DP . A candidata à função que resultará em mergulho uniforme

será a valoração v : X → v(X) ⊂ Z induzida pelas identidades, ou seja, tal que para

qualquer x ∈ X o ponto v(x) ∈ Z possui coordenadas todas iguais a x, ou seja, para

todo λ ∈ Λ temos πλ(v(x)) = x. Podemos pensar no conjunto v(X) como uma espécie de

diagonal de Z.

Vamos comprovar estas afirmações. A função v, como construída, claramente

é uma bijeção (onde para qualquer λ ∈ Λ vale v−1 = πλ|v(X)). Também, para todo λ ∈ Λ

temos πλ ◦ v = IdX uniformemente contínua, logo o Teorema 6.48 garante que v também

é uniformemente contínua. Resta verificar a continuidade uniforme de v−1. Para isso,

considere qualquer Dλ ∈ D e vamos mostrar que existe algum E ∈ DP |v(X) de forma

que ao denotar V −1 = v−1 × v−1 conseguimos V −1(E) ⊂ Dλ. Para isso, veja que já

temos D1ρλ⊂ Dλ e pela definição desse conjunto e de uniformidade pseudométrica vale

também que D1ρλ∈ Dρλ . Então, denotando Pλ = πλ × πλ, a continuidade uniforme de

πλ garante que F = P−1λ (D1

ρλ) ∈ DP e, devido a sobrejetividade de Pλ, vale também

Pλ(F ) = D1ρλ. Temos tudo o que precisamos, pois ao fazer E = F ∩ (v(X) × v(X))

teremos V −1(E) = Pλ(E) ⊂ Pλ(F ) ⊂ Dλ, como desejado. �

Não mencionamos ainda mas, lembrando de espaços métricos, o completa-

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14 Completude 137

mento de um espaço uniforme será entendido como um modo de mergulhar uniforme-

mente este espaço uniforme sobre um subespaço denso (sempre via topologia uniforme)

de algum outro espaço uniforme, agora sim, completo. Mostraremos, enfim, como isso

pode ser feito de forma geral.

Teorema 14.14 (Completamento Uniforme). Dado um espaço uniforme (X,D), então

existe um espaço uniforme completo (X, D) e um mergulho uniforme m : X → X de

modo que m(X) seja denso (via topologia uniforme) em X.

Demonstração. Lembrando que Xλ = (X,Dρλ) é um espaço uniforme, já temos o mergu-

lho uniforme v : X → v(X) ⊂∏λ∈Λ

Xλ pelo teorema anterior. Agora, como é bem conhe-

cido, cada espaço pseudométrico (X, ρλ) possui um completamento, ou seja, existe um

espaço pseudométrico completo Xλ := (X, dλ) e uma isometria (injetiva) fλ : (X, ρλ) →

(X, dλ) (ver Willard [24] Corolário 24.5, pg. 177). Nesse caso, denotando Xλ = (Xλ,Ddλ)

(o qual é um espaço uniforme completo devido à Proposição 14.8) teremos fλ : Xλ → Xλ

sendo mergulho uniforme. Com isso, ao considerar f :∏λ

Xλ −→∏λ

Xλ como cons-

truída na Proposição 6.52 teremos f sendo um mergulho uniforme (devido ao Corolário

6.53 e à Proposição 6.49). Observe que∏λ

Xλ é um espaço uniforme completo devido

à Proposição 14.12. Com tudo isto, faça m = f ◦ v e veja que m(X) é um subespaço

uniforme fechado em∏λ

Xλ, logo é completo pela Proposição 14.9. Deste modo temos

m sendo um mergulho uniforme (basta ver que ao restringir aos domínios e imagens em

questão, continuam valendo os isomorfismos uniformes devido à Proposição 6.49), assim

o resultado está finalizado ao considerar X = m(X). �

Definição 14.15. Diremos que um espaço topológico é completamente uniformizável

para significar que existe uma estrutura uniforme completa e admissível com relação à

topologia deste espaço.

Agora vamos justificar porque espaços paracompactos são completamente uni-

formizáveis. Para isso precisamos de uma propriedade envolvendo uniformidade fina.

Proposição 14.16. Um espaço topológico X é completamente uniformizável se, e so-

mente se, a uniformidade fina é completa.

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14 Completude 138

Demonstração. A suficiência é óbvia. Quanto à necessidade, basta provarmos que se

temos D1 e D2 sendo duas estruturas uniformes diagonais admissíveis para a topologia

de X tais que D1 ⊂ D2 com D1 sendo completa, então D2 será completa. Para isso,

tome qualquer F sendo filtro D2-Cauchy em X. Vejamos que esse filtro também é D1-

Cauchy em X. De fato, dado qualquer D ∈ D1, por hipótese D ∈ D1 ⊂ D2. Logo pela

Proposição 14.4, deve existir algum F ∈ F onde F ×F ⊂ D. Por essa mesma proposição

podemos concluir que F é um filtro D1-Cauchy. Por hipótese esse filtro deve convergir

mediante a topologia τD1 , mas como τD1 = τD2 temos também a convergência com relação

à uniformidade D2. Assim D2 é completa, como desejado. �

Agora sim a aplicação prometida.

Teorema 14.17. Todo espaço paracompacto é completamente uniformizável.

Demonstração. Precisamos mostrar que a uniformidade fina DF é completa. Suponha que

isso não ocorra. Deste modo teremos a existência de algum filtro F sendo DF -Cauchy

que não converge, ou seja, para cada x ∈ X sempre ocorre Ux * F . Logo para todo

x ∈ X podemos encontrar algum Ux ∈ Ux com Ux /∈ F . Logo U◦x /∈ F , o que permite

supor também Ux como aberto, assim temos uma cobertura aberta U = {Ux; x ∈ X}

de X. O Teorema 13.8 diz que ela pode ser uniformizada, ou seja, existe D ∈ V∆ com

UD 4 U . Sabemos, usando a Proposição 13.9, que a família de vizinhanças da diagonal

satisfaz a inclusão V∆ ⊂ DF . Logo D ∈ DF . Como o filtro F é de Cauchy com relação

à uniformidade DF podemos dizer que existe algum F ∈ F tal que F × F ⊂ D. Já que

F 6= ∅, ao considerar qualquer z ∈ F teremos F = (F × F )[z] ⊂ D[z] ⊂ Ux, para algum

x ∈ X. Disto Ux ∈ F , o que é uma contradição. �

Por fim estamos prontos para dar mais uma justificativa sobre a generalização

de espaços uniformes perante aos espaços métricos sob o ponto de vista de completude,

ou seja, que espaços métricos completos possuem uma estrutura mais forte do que unifor-

midades completas.

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14 Completude 139

Exemplo 14.18. Aqui citamos um exemplo de que completamente uniformizar uma

topologia não significa completamente metrizá-la. Tal exemplo é dado por Q como subes-

paço de R com a topologia métrica usual. Neste caso Q é metrizável e portanto o Exemplo

12.7 de Stone garante que é paracompacto. Pelo resultado anterior Q será completamente

uniformizável. No entanto, é possível mostrar que este espaço topológico não pode ser

completamente metrizável (uma forma de ver isto é comprovando que Q não é um espaço

de Baire e usar o resultado afirmando que todo espaço completamente metrizável deve ser

de Baire. Ver por exemplo Willard [24], Corolário 25.4, pg. 186).

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Conclusão

Nesta dissertação, abordamos aspectos puramente teóricos envolvendo espaços

uniformizáveis (portanto de espaços admissíveis) num estudo amplo da teoria. Um dos

frutos disto foi o de conseguir agregar um bom entendimento deste tipo de espaço, o que

venho a contribuir para um estudo sistemático ao alcançar os espaços admissíveis e, como

vimos, isso propiciou uma simplificação em sua definição.

Mas uma curiosidade plausível seria saber o quanto e para quem essa pequena

contribuição pode vir a ser significativa. Para poder responder isto é necessário saber o

quanto esta estrutura admissível foi usada e se ainda contribui para investigações sérias.

Este trabalho não teve como objetivo se aprofundar na resposta para isso, mas com uma

rápida pesquisa sobre o assunto podemos tirar algumas conclusões.

A área de dinâmica é uma vertente de pesquisa matemática munida de muitos

conceitos e noções importantes envolvendo diversas aplicações. Por isso o artigo [13] não

poderia ser o único a tratar do assunto relacionado (usar espaços admissíveis para obter

generalizações em dinâmica num ambiente mais geral do que os espaços métricos). Na

realidade tal artigo serviu como um incentivo para que outros pesquisadores fornecessem

mais aplicações e desenvolvimentos teóricos com esta estrutura, ou seja, a criação desses

espaços (e dos demais conceitos envolvidos como ações de semigrupos em dinâmica) im-

pulsionou uma onda de resultados inusitados que se propuseram a continuar traduzindo

aspectos centrais e resultados clássicos de dinâmica para essa abordagem topológica ge-

neralizada.

Alguns dos trabalhos recentes que fizeram aplicações da estrutura admissível

em dinâmica sob esta perspectiva podem ser conferidos em [4, 5, 17, 19, 21]. Isso permite

dizer que estes espaços ocupam lugar importante para um círculo atual de pesquisadores

em matemática pura. Com isso concluímos que (mediante a equivalência entre uniformizá-

veis e admissíveis) é justificável estudar espaços uniformizáveis com mais cuidado e existe

realmente algum interesse quando se trata de um resultado que venha a complementar

(ou simplificar) o trabalho com espaços admissíveis.

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