UM ESTUDO OBSERVACIONAL SOBRE OSCILAÇÕES QUASE INERCIAIS Marcelo Rocha Toffoli Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Engenharia Oceânica, COPPE, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Engenharia Oceânica. Orientadores: Afonso de Moraes Paiva Carlos Eduardo Parente Ribeiro Rio de Janeiro Junho de 2011
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UM ESTUDO OBSERVACIONAL SOBRE OSCILAÇÕES QUASE INERCIAIS
Marcelo Rocha Toffoli
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em Engenharia
Oceânica, COPPE, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre
em Engenharia Oceânica.
Orientadores: Afonso de Moraes Paiva
Carlos Eduardo Parente
Ribeiro
Rio de Janeiro
Junho de 2011
UM ESTUDO OBSERVACIONAL SOBRE OSCILAÇÕES QUASE INERCIAIS
Marcelo Rocha Toffoli
DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DO INSTITUTO
ALBERTO LUIZ COIMBRA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA DE
ENGENHARIA (COPPE) DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE
JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A
OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS EM ENGENHARIA
OCEÂNICA.
Examinada por:
Prof. Afonso de Moraes Paiva, Ph.D.
Prof. Carlos Eduardo Parente Ribeiro, D.Sc.
Prof. José Antônio Moreira Lima, Ph.D.
Prof. Audálio Rebelo Torres Junior, D.Sc.
RIO DE JANEIRO, RJ – BRASIL
JUNHO DE 2011
Toffoli, Marcelo Rocha
Um Estudo Observacional sobre Oscilações Quase
Inerciais/Marcelo Rocha Toffoli. – Rio de Janeiro:
UFRJ/COPPE, 2011.
XVII, 110 p.: il.; 29, 7cm.Orientadores: Afonso de Moraes Paiva
Carlos Eduardo Parente Ribeiro
Dissertação (mestrado) – UFRJ/COPPE/Programa de
Engenharia Oceânica, 2011.
Referências Bibliográficas: p. 78 – 82.
1. Ondas Inerciais-Gravitacionais. 2. correntes
inerciais. 3. Oscilações Quase Inerciais. I. Paiva,
Afonso de Moraes et al.. II. Universidade Federal do Rio
de Janeiro, COPPE, Programa de Engenharia Oceânica.
III. Título.
iii
Só se pode alcançar um grande
êxito quando nos mantemos fiéis
a nós mesmos.
(Friedrich Nietzsche)
iv
Agradecimentos
Agradeço primeiramente a Deus, por permitir tal conquista.
Aos meus mestres Afonso e Parente por todo o conhecimento transmitido e pela
paciência e compreensão durante o processo de elaboração da dissertação.
A minha namorada, companheira fiel, por todo o carinho e paciência nos mo-
mentos difíceis.
Ao meu amigo, quase um orientador, Mill por participar desde o princípio da
realização desta conquista.
Aos meus amigos Soyla, Ana Paula, Gustavo, Antônio, Teodósio, Paulo, Natha-
lia, Vladimir, e aos demais colegas de turma do mestrado, que participaram ativa-
mente da construção deste trabalho.
A Marise, uma mãe para todos os alunos da Engenharia Costeira.
Aos meus patrões da Ambidados, verdadeiros amigos, que compreenderam os
meus momentos de ausência na empresa.
A Mariela por me ajudar de forma atenciosa nos momentos finais da confecção
deste documento.
Ao programa de Engenharia Oceânica, especialmente aos Professores da Área de
Engenharia Costeira e Oceanográfica.
v
Resumo da Dissertação apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitos
necessários para a obtenção do grau de Mestre em Ciências (M.Sc.)
UM ESTUDO OBSERVACIONAL SOBRE OSCILAÇÕES QUASE INERCIAIS
Marcelo Rocha Toffoli
Junho/2011
Orientadores: Afonso de Moraes Paiva
Carlos Eduardo Parente Ribeiro
Programa: Engenharia Oceânica
Um registro histórico constituído de um ano e quatro meses de dados de corrente,
obtido a partir de um ADCP em subsuperfície (WOCE Data - ACM 13 Deep Basin, mo-
oring 358 em 34.543 o sul e 26.975 o leste - Canal Hunter), foi analisado com o intuito de
investigar processos e feições inerentes às Oscilações Quase Inerciais. A análise espectral
foi utilizada para observar a variabilidade temporal da energia associada à banda inercial,
o que revelou a existência de 5 eventos de alta energia com propriedades notavelmente dis-
tintas, controladas principalmente pela sazonalidade. As séries temporais das 17 camadas
(de 4.1 a 143 metros de profundidade) oferecidas pelo ADCP foram filtradas por um filtro
passa-banda (Butterworth) centrado em 1, 125 cpd para extrair somente a componente
inercial, observando a necessidade de conservação da fase e de 80% resposta nas FQIs
observadas na análise espectral de alta resolução (1,154 cpd, 1,186 cpd e 1,119 cpd). A
amplitude das oscilações observadas atingiu valores de até 36 cm/s, sendo as magnitudes
das correntes na região inferiores a 70 cm/s. Os hodógrafos construídos a partir das séries
filtradas apresentaram polarização quase circular, com excentricidades variando de 1, 04 a
1, 20 nos períodos de alta energia, apesar de valores maiores de 1,5 também terem sido ob-
servados fora desses períodos. A direção do semi-eixo maior das elipses - que corresponde
ao sentido de propagação das oscilações - apresentou grande dinamicidade no tempo e
na vertical, não sendo possível definir um comportamento preferencial. O fenômeno de
propagação vertical de fase, característico das ondas inerciais internas, foi identificado e
quantificado, sendo os valores de celeridade de fase (cz) estimados de 0, 11 a 0, 65 cm/s
e os de celeridade de grupo (Cgz) de 0, 01 a 0, 06 cm/s. Os valores médios de número
de onda vertical associados permaneceram entre 0, 013 e 0, 023 ciclos/m nos eventos de
inverno e entre 0, 034 e 0, 041 ciclos/m nos de verão, o que indica comprimentos de onda
verticais de 75 a 25 metros.
vi
Abstract of Dissertation presented to COPPE/UFRJ as a partial fulfillment of the
requirements for the degree of Master of Science (M.Sc.)
AN OBSERVACIONAL STUDY ABOUT NEAR-INERCIAL OCILLATIONS
Marcelo Rocha Toffoli
June/2011
Orientadores: Afonso de Moraes Paiva
Carlos Eduardo Parente Ribeiro
Department: Ocean Engineering
A record consisting of one year e four months of current data, collected by a subsur-
face ADCP (WOCE Data - ACM 13 Deep Basin, mooring 358 em 34.543o S e 26.975o L -
Chanel Hunter), was analysed to investigate processes and properties about Near Inertial
Oscillations. Spectral analysis were applied to observe the temporal variability of iner-
tia band energy, which revealed the existence of five high-energy events with properties
remarkably different, mainly controlled by seasonality. The time series of the seventeen
layers (from 4.1 to 143 depth meters) offered by the ADCP were filtered by a bandpass
filter (Butterworth) centered at 1, 125 cpd to extract only the inertial component of the
sinal, noting the need of preserve phase and 80% response on observed FQIs detected on
high-resolution spectral analysis (1,154 cpd, 1,186 cpd e 1,119 cpd). The amplitude of the
observed oscillations reached values up to 36 cm/s, being the total currents magnitude
always less than 70 cm/s in the region. The hodographs constructed from the filtered
series showed almost circular polarization, with eccentricities ranging from 1, 04 to 1, 20
in periods of high energy, although have also been observed values greater than 1, 5 out
of this periods. The direction of the semi-major axis of ellipses - that corresponds to the
direction of propagation of the OQIs - showed great dynamism in time and vertically, and
becouse of it was not possible to define a preferential behavior. The vertical phase propa-
gation phenomenon, characteristic of inertial internal waves, was identified and quantified,
being the associated values of vertical phase speed (cz) ranging between 0, 11 and 0, 65
cm/s, while the vertical group velocity (Cgz) oscillated between 0, 01 and 0, 06 cm/s. The
average values of vertical wave number remained between 0, 013 and 0, 023 cycles/m in
winter’s events and between 0, 034 and 0, 041 cycles/m summer’s events, which indicates
C.2 Esquema do movimento orbital do fluido baseado nas equações C.11 e C.12 98
xv
Lista de Tabelas
4.1 Período dos eventos inerciais de maior energia do registro. Densidade
Espectral Máxima (D. E. M.) dada em [(cm/s)2/cph](1/2). . . . . . . . . . 35
4.2 Valores médios de Celeridade de Fase (cm/s) . . . . . . . . . . . . . . 70
4.3 Valores médios do número de onda vertical (cliclos/m) . . . . . . . . 71
A.1 Estatística Básica da Camada (1) - 4, 1 metros de profundidade. . . . 83
A.2 Estatística Básica da Camada (2) - 12, 8 metros de profundidade. . . 83
A.3 Estatística Básica da Camada (3) - 21, 5 metros de profundidade. . . 83
A.4 Estatística Básica da Camada (4) - 30, 2 metros de profundidade. . . 84
A.5 Estatística Básica da Camada (5) - 38, 8 metros de profundidade. . . 84
A.6 Estatística Básica da Camada (6) - 47, 5 metros de profundidade. . . 84
A.7 Estatística Básica da Camada (7) - 56, 2 metros de profundidade. . . 84
A.8 Estatística Básica da Camada (8) - 64, 9 metros de profundidade. . . 84
A.9 Estatística Básica da Camada (9) - 73, 5 metros de profundidade. . . 85
A.10 Estatística Básica da Camada (10) - 82, 2 metros de profundidade. . . 85
A.11 Estatística Básica da Camada (11) - 90, 9 metros de profundidade. . . 85
A.12 Estatística Básica da Camada (12) - 99, 6 metros de profundidade. . . 85
A.13 Estatística Básica da Camada (13) - 108, 3 metros de profundidade. . 85
A.14 Estatística Básica da Camada (14) - 116, 9 metros de profundidade. . 86
A.15 Estatística Básica da Camada (15) - 125, 6 metros de profundidade. . 86
A.16 Estatística Básica da Camada (16) - 134, 3 metros de profundidade. . 86
A.17 Estatística Básica da Camada (17) - 143 metros de profundidade. . . 86
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Lista de Siglas
OQI - Oscilações Quase Inerciais
FIT - Frequência Inercial Teórica
f - Parâmetro de Coriolis
FQI - Frequência Quase Inercial (observada)
NCEP - National Centers for Environmental Prediction
NCAR - National Center for Atmospheric Research
WOCE - World Ocean Circulation Experiment
ADCP - Acoustic Doppler Current Profiler
CMDAC - Current Meter Data Assembly Center
USA - United States of America
cph - Ciclos por Hora
cpd - Ciclos por Dia
RMS - Root Mean Square
N - Frequência de Brunt–Väisälä
xvii
Capítulo 1
Introdução
Oscilações no campo de correntes, com polarização quase circular e frequência
próxima da Frequência Inercial Teórica (FIT), constituem feições frequentemente
observadas nas camadas mais superficiais dos oceanos. Referenciadas na litera-
tura como Oscilações Quase Inerciais (OQI), esses movimentos representam um dos
principais mecanismos de reposta dos oceanos durante eventos de intensos fluxos de
quantidade de movimento com a atmosfera (GILL 1982). Nestes eventos é comum
que a banda inercial domine o espectro de correntes, contribuindo com grande parte
da energia cinética total disponível dentro da camada de mistura (POLLARD 1980).
O atual conhecimento sobre OQIs foi, em grande parte, construído a partir de es-
tudos observacionais baseados em dados coletados tanto em oceano aberto (WEBS-
TER 1968; MUNK e PHILLIPS 1968; POLLARD e MILLARD 1970; MOOERS
1975; LEAMAN e SANFORD 1975; PERKINS 1976; POLLARD 1980; FU 1981;
WELLER 1982; KUNZE 1985) quanto sobre a plataforma continental e suas adja-
cências (GONELLA 1971; KUNDU 1976; THOMSON e HUGGETT 1981; MILLOT
e CRÉPON 1981; D’ASARO 1985; CHEN et al. 1996; SHEARMAN 2005). Nes-
ses dois ambientes as OQIs apresentam propriedades relativamente distintas. Em
áreas próximas à costa, as OQIs estão submetidas à influência direta ou indireta
do fundo, do contorno de costa e de variações abruptas da batimetria (MILLOT e
CRÉPON 1981; KUNDU et al. 1983; TINTORÉ et al. 1994). Sob estas influências
o comportamento natural desses movimentos observado em oceano aberto é alte-
rado, muitas vezes dificultando a identificação e interpretação de processos a eles
associados (CHANT 2000; MAGNELL et al. 2005). Refere-se aqui como proprieda-
des as características energéticas e morfológicas das oscilações, e como processos, a
propagação vertical de fase e de quantidade de movimento comumente observadas
durante os eventos de alta energia inercial (LEAMAN 1975; JOHNSON et al. 1976;
KUNDU 1976). Quanto mais próximo da costa, mais intensos são os processos de
remoção e dispersão da energia inercial da camada de mistura (POLLARD 1980;
1
KUNZE 1985). Como resultado, as amplitudes atingidas e a duração dos eventos
de alta energia são comparativamente menores nestas regiões. Vale ressaltar, con-
tudo, que estudos como MOOERS (1975), TINTORÉ et al. (1994) e ZHAI et al.
(2004) demonstraram que em regiões próximas a quebra de plataforma, a concentra-
ção de vorticidade relativa negativa, associada a variações abruptas da batimetria
ou interação com fluxos subinerciais, pode resultar no aprisionamento das OQIs e,
portanto, permitir o desenvolvimento de áreas com fortes concentrações de energia
inercial.
Em oceano aberto, diferentemente, as OQIs se comportam como uma onda
inercial-gravitacional livre (POLLARD 1980; D’ASARO 1985; D’ASARO et al.
1995). Baseado nas equações governantes dessas ondas, o modelo analítico pro-
posto por POLLARD e MILLARD (1970), que considera uma camada homogênea
idealizada, consegue reproduzir com razoável fidelidade as amplitudes das OQIs ob-
servadas no oceano real, a partir de uma série temporal de tensão do vento local.
Este modelo foi aperfeiçoado e utilizado por D’ASARO (1985), o qual concluiu que
a absorção de energia do vento para a geração de OQIs é inversamente proporcional
à espessura da camada de mistura. Apesar destes modelos oferecerem uma compre-
ensão razoável do processo de crescimento e decaimento da energia inercial média
na camada de mistura, eles não permitem observar as inomogeneidades do perfil
energético no interior desta camada.
KUNDU (1976), analisando onze registros com aproximadamente dois meses de
dados de corrente, coletados em diferentes profundidades dentro de uma lâmina
d’água de 100 metros na costa de Oregon, conseguiu reunir uma grande quantidade
de informações sobre as OQIs. O autor quantificou diversas propriedades desses
movimentos, usando a teoria linear de ondas inerciais internas, das quais pode-se
destacar a observação de FQIs (Frequências Quase Inerciais) 8 % superiores em rela-
ção a FIT (Frequência Inercial Teórica), amplitudes de até 25 cm/s, excentricidades
variando entre 1,04 e 1,24, e número de onda (m) e celeridade de fase verticais (cz)
de 0,02 ciclos/m e 0,13-0,64 cm/s, respectivamente. Estas propriedades, no entanto,
estão baseados em dados coletados próximo a costa, sob a influência do contorno do
continente e do fundo. Além disso, as estimativas dos parâmetros de onda e outros
aspectos apresentados correspondem a médias para todo o registro, isto é, não foi
avaliado o comportamento transiente dessas propriedades. D’ASARO et al. (1995)
analisou as OQIs geradas pela passagem de uma intensa tempestade na região oceâ-
nica nordeste do Pacífico, e comparou suas observações com a teoria linear de ondas
inerciais internas. Entre os aspectos relevantes do estudo, destaca-se a observação
do decaimento da energia inercial à metade do valor inicial em 8-14 dias. O autor
ainda ressalta que imediatamente após a passagem da tempestade, a energia inercial
2
se propaga para camadas inferiores atingindo 20-30 metros abaixo do limite da ca-
mada de mistura e 100 metros após 10 dias. O estudo, porém, se limita a descrever
o processo evolutivo do ponto de vista energético, dando um enfoque a comparação
entre o previsto pela teoria linear e o observado.
Trabalhos especificamente voltados a caracterização de OQIs no Atlântico Sul
são escassos. Grande parte dos estudos observacionais já realizados nesta porção do
Atlântico tiveram como enfoque a identificação e a caracterização de movimentos
supra ou subinerciais. Baseados em dados coletados sobre plataforma continental,
os estudos de ALVES (1992) e RIVAS e PIOLA (2005) são pioneiros na região. O
primeiro encontrou na plataforma de Santos OQIs com amplitudes variando entre
3 a 12 cm/s, enquanto o segundo identificou na parte mais ao norte da plataforma
continental da Patagônia (43o S), amplitudes que chegam a atingir 25 cm/s. Em
oceano aberto, a partir de modelagem numérica, ALFORD (2000) quantificou a dis-
tribuição global de energia transferida do vento para camada de mistura na forma
de OQIs e identificou uma notável concentração de energia entre as latitudes de 25o
e 60o do Atlântico Sul. Este aspecto foi recentemente confirmado pelo estudo ob-
servacional de ALFORD e WHITMONT (2006), que a partir de dados de corrente
coletados em diferentes partes do globo, obtiveram uma caracterização da varia-
bilidade espaço-temporal da energia cinética inercial global. No Atlântico Sul, os
autores evidenciaram um forte ciclo sazonal da energia inercial nos moorings posici-
onados entre as latitudes de 18 e 50o S. Para profundidades entre 200 e 4000 metros,
eles constataram que nos meses de março a agosto a amplitude energética média é
de aproximadamente 1, 58x10−4 J kg−1, enquanto para os meses de novembro a fe-
vereiro este valor é de aproximadamente 6, 3x10−5 J kg−1. Por possuir abrangência
global e pela pequena quantidade de registros disponíveis na região, o estudo forne-
ceu pouco destaque a porção sul do Atlântico, não havendo a partir de dados uma
descrição mais aprofundada sobre as propriedades energéticas das OQIs no interior
da camada de mistura.
Esta dissertação tem por finalidade contribuir para o estudo de OQIs por meio
da identificação, quantificação e interpretação de propriedades e processos a elas
associados, a partir da observação de dados de corrente coletados em oceano aberto
no Atlântico Sul. Estes dados foram coletados no âmbito do experimento WOCE
(World Ocean Circulation Experiment), a partir de um ADCP (Acoustic Doppler
Current Profile) em subsuperfície (150 metros). Com os seus transdutores voltados
para a superfície, amostrando toda a camada de mistura, este ADCP esteve por
quase um ano e cinco meses no fundeio 358 - Deep Basin do WOCE, posicionado
em 34, 5o S e 26, 9o O (Figura 1.1), dentro da região de intensa variabilidade inercial
diagnosticada por ALFORD (2000). O fato deste ADCP oferecer, com alta resolu-
3
ção vertical e de forma concomitante, a informação de corrente em diferentes níveis
de profundidade dentro da camada de mistura, representa uma ferramenta pode-
rosa para acompanhar a evolução desses processos, principalmente o fenômeno de
propagação vertical de quantidade de movimento associado aos períodos de intensas
OQIs.
Figura 1.1: Localização do fundeio 358 (ACM 13 Deep Basin) do WOCE (World OceanCirculation Experiment) onde foram coletados os dados de corrente analisados nesta dis-sertação. A escala de cores evidencia a batimetria da região, sendo a profundidade nolocal do fundeio de 4532.
Visando atender ao propósito geral do estudo, foram definidos os seguintes ob-
jetivos específicos:
• Avaliar ao longo do registro a concentração e a contribuição energética das
OQIs para a variabilidade total das correntes, evidenciando variações verticais
e sazonais;
• Identificar e descrever as características básicas das oscilações observadas,
como excentricidade das elipses, FQI (Frequência Quase Inercial) observadas,
amplitude e direção do semi-eixo principal dos hodógrafos, buscando também
evidenciar a variabilidade temporal e vertical destas características;
• Investigar a relação entre o vento local e a magnitude das oscilações observadas;
4
• Identificar, analisar e quantificar o fenômeno de propagação vertical de fase
e de quantidade de movimento dentro e nos limites da camada de mistura,
estimando valores de celeridade de fase (cz) e de grupo (Cgz) de acordo com
a teoria linear de ondas internas.
Este documento foi organizado em cinco capítulos e um apêndice. No capítulo
2 apresenta-se uma revisão bibliográfica descrevendo o estado da arte do assunto
OQI. No capítulo 3 descreve-se a metodologia empregada nas análise apresentadas
no capítulo 4 (Resultados e Discussões), e finalmente, as conclusões e sugestões para
futuros trabalhos são apresentadas no capítulo 5.
5
Capítulo 2
Revisão Bibliográfica
2.1 Estado da Arte
As OQIs constituem elementos chave para o entendimento do comportamento dos
oceanos e, por isso, tem sido objeto de análise de diversos estudos observacionais e
teóricos. Elas já foram observadas em diversos níveis de profundidade, porém são
definitivamente mais intensas dentro da camada de mistura dos oceanos. A escala de
coerência vertical desses movimentos é da ordem de dezenas de metros (WEBSTER
1968; POLLARD 1980), enquanto que a horizontal é de algumas dezenas de quilô-
metros, decaindo com o aumento da profundidade (WEBSTER 1968; POLLARD
1980; THOMSON e HUGGETT 1981). Apesar de certos aspectos a elas associados
não serem ainda completamente entendidos, algumas de suas propriedades intrín-
secas já se encontram bem estabelecidas. As principais foram bem documentadas
por WEBSTER (1968), POLLARD e MILLARD (1970), KROLL (1975), MOO-
ERS (1975), LEAMAN e SANFORD (1975), KUNDU (1976), PERKINS (1976),
POLLARD (1980) e WELLER (1982).
Em relação ao processo de geração, é amplamente difundido que esses movimen-
tos são formados principalmente por mudanças abruptas da tensão do vento sobre
a superfície dos oceanos e, por isso, estão geralmente bem correlacionados com a
passagem de perturbações atmosféricas (POLLARD e MILLARD 1970; WELLER
1982). As perturbações que efetivamente geram OQISs são aquelas com escala de
tempo inferior a um período inercial (PRICE 1983; D’ASARO et al. 1995). Isto
ocorre porque a velocidade de propagação da perturbação atmosférica define o tipo
de resposta do oceano será na forma de onda, o que somente acontece se a velo-
cidade da forçante é maior que a velocidade de propagação típica de uma onda
interna. Ainda que distúrbios sinóticos de maior duração, como jatos zonais esta-
6
cionários, possam provocar fortes tensões cisalhantes sobre a superfície do oceano,
eles não são eficazes na excitação de OQIs. Flutuações no campo de vento associa-
das a passagem de frentes frias ou pequenas baixas atmosféricas, com dimensões de
aproximadamente 100 km contribuem com maior fração na produção desses movi-
mentos (D’ASARO 1985). ZHAI et al. (2005) demonstra que regiões com intensa
variabilidade de mesoescala, tanto na atmosfera como no oceano, geralmente estão
associadas a regiões com forte concentração de energia inercial.
Sabe-se atualmente que o repentino decaimento da velocidade do vento repre-
senta o processo mais eficaz de geração (MAEDA et al. 1996), diferentemente da
ação continuada de intensos ventos, que via de regra suprimem as oscilações pree-
xistentes. Devido a esta alta sensibilidade dos seus mecanismos de geração e ma-
nutenção, isto é, à delicada relação entre o vento local e as oscilações preexistentes,
as OQIs perduram por apenas alguns ciclos inerciais e se caracterizam como fenô-
menos essencialmente intermitentes (WEBSTER 1968). D’ASARO (1985) afirma
que esta intermitência está intimamente relacionada com o fato de as perturbações
que atendem os requisitos para a geração das OQIs também serem intermitentes na
atmosfera. Segundo MUNK e PHILLIPS (1968), essa intermitência energética pode
ser diagnosticada no espectro pelo alto valor relativo do spread na banda inercial.
Apesar do vento constituir o principal agente gerador desses movimentos, é interes-
sante citar que em latitudes próximas de 30o, em que o período inercial está próximo
de 24 horas, a interação ressonante das OQIs com ventos e componentes de maré
diurnos também pode representar um mecanismo eficiente de geração e amplificação
da energia dessas oscilações (HENDERSCHOTT 1973; VAN HAREN 2003).
As OQIs geralmente se desenvolvem logo após a passagem da perturbação e,
pouco tempo depois iniciam um processo de decaimento monotônico de amplitude
até a ocorrência de um próximo evento. A magnitude das oscilações produzidas —
já observados valores de até 170 cm/s (PRICE 1981) — está não somente associada
a relação existente entre a duração do vento gerador e o período inercial local, mas
também à relação de fase entre a mudança do vento e a oscilação preexistente. A
interação destrutiva com o vento local costuma ser o principal agente de dispersão da
energia dessas oscilações (POLLARD e MILLARD 1970; KUNDU 1976; POLLARD
1980). Além desta interação, outros mecanismos podem atuar na remoção da energia
inercial da camada de mistura, como o cisalhamento vertical em sua base, associado a
diferença de magnitude das OQIs na parte superior e inferior da termoclina (CHANT
2000) ou na camada limite de fundo em regiões costeiras (TINTORÉ et al. 1994); a
migração dessa energia, por interações não lineares, para bandas de frequência mais
altas do espectro de ondas internas (HENDERSCHOTT 1973; VAN HAREN 2003);
o cisalhamento com fluxos subinerciais (KUNZE 1985); o efeito dispersão β (ZHAI
7
et al. 2004); e as inomogeneidades horizontais de vorticidade relativa (PERKINS
1976; WELLER 1982).
A amplitude a ser alcançada pelas OQIs está intimamente relacionada com o ci-
clo sazonal da camada de mistura. Alguns autores defendem que a energia do vento
transferida para esta camada na forma de OQIs é maior no inverno devido a maior
ocorrência pertubações atmosféricas como frentes frias (D’ASARO 1985; ALFORD
2000; SILVERTHORNE e TOOLE 2009). Outros, em contrapartida, defendem que
no verão a estratificação torna mais eficaz a extração e a manutenção da energia
inercial dentro da camada de mistura, pois ameniza outros processos de dispersão
que não a própria interação destrutiva com o vento (CSANADY 1972; CHEN e XIE.
1997). Em regiões oceânicas as OQIs costumam atingir maiores amplitudes quando
comparadas a regiões costeiras. Nesta última, a amplitude diminui em direção a
costa devido a interação desses movimentos com o contorno da costa e com o fundo
(CHEN et al. 1996). Sobre a quebra da plataforma, contudo, é comum identificar
fortes OQIs devido ao aprisionamento da energia inercial gerado pela concentração
de vorticidade relativa negativa nestes regiões (TINTORÉ et al. 1994). Do ponto
de vista prático essa intensificação energética próxima a plataforma é economica-
mente importante pois pode afetar, por exemplo, estruturas submarinas profundas
utilizadas na exploração do petróleo (MAGNELL et al. 2005). Da mesma maneira,
pode ser importante do ponto de vista científico, pois aumenta a difusividade late-
ral e vertical dessas regiões. Em oceano aberto, os eventos de alta energia inercial
estão geralmente correlacionados com intensificação do processo de transferência
vertical de quantidade de movimento para profundidades inferiores à picnoclina, o
que segundo ALFORD 2003 e GARRETT 2001 evidencia a importância dessas os-
cilações como fonte de energia para a manutenção mistura no interior dos oceanos.
CHANT 2000 estudando a evolução das OQIs durante um evento de ressurgência
na plataforma interna de Nova Jersey destacou como o cisalhamento vertical pode
ser intensificado nos eventos de alta energia inercial. Ele relatou a observação de
uma variação de 0, 3 m.s−1 na amplitude das OQIs através da termoclina, o que
na ocasião tornou o número de Richardson (que relaciona a energia cinética e a
potencial do escoamento) local inferior à unidade. O autor sugere que este aspecto
evidencia a importância das OQIs para a mistura diapcinal.
No clássico problema de ajuste de Rossby, dois terços da energia liberada é dis-
persada na forma de ondas inerciais-gravitacionais durante a solução transiente. No
caso de ondas inerciais-gravitacionais com frequências próximas da FIT, o processo
de geração pode ser dividido em dois estágios (GARRETT (2001)). No primeiro,
mais curto, correntes na direção do vento são geradas na camada mais superficial.
Em um segundo estágio, mais longo, após o decaimento abrupto da magnitude do
8
vento (ou rotação em fase) essas correntes sofrem o efeito da rotação da terra, e co-
meçam a oscilar em sentido anticiclônico (horário no hemisfério Norte e anti-horário
no hemisfério Sul) com uma frequência próxima — por isso o uso do termo "quase
inercial"— da frequência inercial teórica (FIT), que pode ser obtida a partir da
equação (2.1)
FIT =f
2π=
2Ω sin(ϕ)2π
, (2.1)
onde o numerador expressa o parâmetro de Coriolis (f - frequência inercial angular),
Ω a velocidade angular da terra e ϕ corresponde a latitude. As frequências com que
essas oscilações são detectadas no ambiente (FQI) são até 20% superiores a FIT, po-
rém valores inferiores também já foram identificados (PERKINS 1976; WEBSTER
1968; KROLL 1975). No local do fundeio a FIT é igual a 1, 132 cpd (ciclos por dia).
Uma das feições mais observadas durante os períodos de intensas OQIs corres-
ponde a propagação vertical de fase de camadas mais profundas para as mais super-
ficiais (KROLL 1975; LEAMAN 1975; JOHNSON et al. 1976). Segundo JOHNSON
et al. (1976) esta propagação ocorre com velocidades de fase verticais variando entre
0,2 e 0,6 cm/s, de acordo com estratificação local e com as propriedades da pertur-
bação atmosférica geradora. Este processo será descrito em maior detalhes no item
2.3 onde é abordado a teoria linear de ondas internas. Através desta teoria será
demonstrado que essa propagação vertical de fase é necessariamente acompanhada
por uma propagação de pacotes energéticos na direção contrária, o que por sua
vez representa um importante mecanismo de transferência vertical de quantidade
de movimento para camadas inferiores. Apesar de grande parte da energia inercial
permanecer dentro da camada de mistura, parte dela consegue transpor a picno-
clina. Devido a pequena celeridade de grupo vertical (Cgz ≈ 0,03 cm/s) das OQIs,
elas se submetem a uma forte atenuação por dispersão turbulenta, chegando com
amplitudes bem inferiores abaixo da camada de mistura (D’ASARO et al. 1995).
Mesmo assim, alguns artigos defendem que esses movimentos são uma importante
fonte de energia para mistura diapicnal no oceano, necessária para manter a célula
de revolvimento meridional (MOC) (MUNK e WUNSCH 1998; GARRETT (2001)).
ALFORD (2003), estimou que a média anual de energia proveniente do vento para
a geração de OQIs é de aproximadamente 0,4 TW (Terawatts), comparável com a
estimativa global de energia de marés convertida em ondas internas (0,7 TW) dis-
sipadas no fundo dos oceanos (EGBERT e RAY 2000). Recentemente, no entanto,
o estudo de ZHAI et al. (2009) demonstrou que 70% dessa energia é perdida nos
primeiros 200 m por mistura turbulenta, de maneira que apenas 0,1 TW estaria
disponível.
As OQIs são facilmente identificáveis a partir do sinal de corrente. É comum, a
9
partir da análise espectral, identificar um forte pico energético em frequências pró-
ximas da FIT, principalmente após a passagem de pequenas e rápidas perturbações
atmosféricas. Os primeiros estudos observacionais sobre OQIs, por exemplo, sur-
giriam da percepção, por parte dos seus autores, da alta variabilidade inercial de
dados de corrente inicialmente não coletados com este propósito. KUNDU (1976),
a partir de aproximadamente dois meses de dados coletados concomitantemente em
onze profundidades, conseguiu extrair diversas propriedades das OQIs baseando-se
na teoria linear de ondas internas e na solução WKB (Wentzel-Kramers-Brillouin).
Algumas das metodologias por ele empregadas foram também usadas neste estudo.
Trabalhos como este e outros (WEBSTER 1968; POLLARD 1980; D’ASARO 1985)
demonstraram que o comportamento das OQIs obedece parcialmente a dinâmica
de uma onda inercial-gravitacional livre. Por isso, a fim de explicitar as principais
propriedades das OQIs, a seguir a teoria linear dessas ondas, primeiramente para
um fluido homogêneo, será descrita com enfoque científico de acordo com KUNDU
e COHEN (2002). Em seguida, para evidenciar o fenômeno de propagação vertical
de fase, será apresentada a teoria linear de ondas internas, empregando às equações
governantes a solução WKB.
2.2 Ondas Inerciais-Gravitacionais
As ondas inerciais-gravitacionais compreendem no oceano um amplo espectro de
ondas cuja relação entre a frequência e o comprimento é descrita pela equação de
dispersão 2.2.
ω2 − f 2 = gH(k2 + l2). (2.2)
Nesta equação g representa a aceleração da gravidade, H a profundidade local,
k o número de onda na direção x e l na direção y, ω a frequência angular de os-
cilação. Para obter esta equação é necessário assumir f (parâmetro de Coriolis)
como constante e atribuir uma solução oscilatória progressiva para as equações de
águas rasas linearizadas em torno de um escoamento médio nulo. Da mesma forma,
as equações que descrevem o comportamento do movimento orbital das partículas
(Equações 2.3 e 2.4) são obtidas a partir deste método. Nestas últimas u e v re-
presentam, repectivamente, pequenas perturbações nas componentes horizontais da
velocidade na direção x e y, η uma perturbação na elevação da superfície do oceano.
O procedimento para a obtenção das equações 2.2, 2.3 e 2.4 encontra-se descrito no
Apêndice C, de acordo com KUNDU e COHEN (2002).
10
A equação de dispersão observada graficamente (Figura 2.1) denota que a propa-
gação livre dessas ondas no oceano é limitada em baixa frequência pelo parâmetro
de Coriolis. Próximo deste limite, em que a dinâmica corresponde basicamente a
um balanço entre a taxa de variação da velocidade e a aceleração de Coriolis, estão
as ondas quase inerciais (KUNDU e COHEN 2002).
Figura 2.1: Representação gráfica da relação de dispersão das ondas inerciais-gravitacionais (escoamento médio nulo). Lembrando que k representa o número de ondae ω a frequência angular da oscilação.
u =ωη
KHcos(kx − ωt), (2.3)
v =f η
KHsin(kx − ωt). (2.4)
Outro aspecto importante que a teoria de linear de ondas inerciais-gravitacionais
revela é que quanto mais próximo da frequência de Coriolis, mais circular será o mo-
vimento orbital da onda. Este movimento pode ser esboçado calculando, a partir
das equações 2.3 e 2.4, os valores de u e v para x = 0 nos instantes de tempo
correspondentes a ωt = 0, π2, π. O hodógrafo resultante evidencia que o vetor de
velocidade gira em sentido anticiclônico no hemisfério sul (Figura 2.2) e que a dire-
ção do semi-eixo maior representa a direção de propagação das oscilações. Nota-se
também que a relação de magnitude entre os semi-eixos é proporcional a relaçãoω
f,
de modo que quanto maior a frequência de oscilação em relação a f , mais excêntrica
será polarização do movimento orbital do fluido (Figura 2.2). Deste último aspecto,
deduz-se que quando ω = f o movimento orbital do fluido é perfeitamente circular.
A este caso limite comumente atribui-se a expressão Corrente Inercial, ou seja, os-
cilações de corrente sem propagação horizontal e isentas da influência do gradiente
de pressão, em que a partícula move-se apenas devido a sua inércia.
11
Figura 2.2: Esquema do movimento orbital do fluido baseado nas equações 2.3 e 2.4
Dado às características do seu movimento orbital, as ondas quase inerciais são
importantes para a geração de cisalhamento e consequente mistura vertical. Como
KUNDU (1976) destacou, a relação entre energia cinética e potencial (KE/KP )
para frequências 8% superiores a FIT é menor do que 0, 077, ou seja, estes movi-
mentos são ricos em energia cinética disponível.
2.3 Ondas Internas
Estudos demonstram que uma parcela significativa da energia inercial contida
na camada de mistura é transportada para camadas inferiores via propagação de
ondas internas (KROLL 1975; LEAMAN e SANFORD 1975; POLLARD 1980;
D’ASARO et al. 1995; GARRETT 2001). Segundo GARRETT (2001) e ALFORD
e WHITMONT (2006), inomogeneidades laterais das propriedades das OQIs na
camada de mistura geram um fluxo convergente, que por gradiente de pressão forçam
a geração de ondas que se propagam livremente para a termoclina. A taxa com
que a energia inercial se propaga da camada de mistura para abaixo da termoclina
é extremamente dependente da escala de coerência espacial das OQIs, o que por
sua vez está intimamente ligada à escala espacial do tensão do vento na superfície
D’ASARO 1985.
Neste tópico será descrito qual é o comportamento de uma onda interna nas
proximidades da FIT, e também, o embasamento utilizado para estimar, a partir
dos dados, as propriedades de ondas associadas às OQIs segundo a teoria linear de
ondas internas. Partindo das equações governantes (Continuidade e Quantidade de
Movimento) linearizadas em torno de escoamento médio nulo e negligenciando os
12
gradientes horizontais de densidade e os termos difusivos, a equação que controla a
dinâmica das ondas internas é representada por:
∂2
∂t2∇2w + N2
(z)∇2Hw + f 2 ∂2w
∂z2= 0, (2.5)
sendo N a frequência de Brunt–Väisälä, w pequenas perturbações da componente
vertical da velocidade, ∇2 = ∂2
∂x2 + ∂2
∂y2 + ∂2
∂z2 e ∇2H = ∂2
∂x2 + ∂2
∂y2 . N(z) indica que N é
uma função que varia na vertical.
Atribuindo soluções oscilatórias para as componentes da velocidade (u, v e w)
(ver apêndice D) e as inserindo na equação de onda 2.5, obtém-se que:
d2w
dz2+ m2
(z)w = 0, (2.6)
em que
m2(z) =
(N2(z) − ω2)(k2 + l2)
ω2 − f 2(2.7)
A equação 2.7 corresponde a relação de dispersão das ondas internas, onde m(z)
representa o número de onda vertical. Para m2(z) < 0, a solução da equação 2.6 em
(z) é exponencial indicando que a oscilação está confinada na superfície, ou seja, o
comportamento é o mesmo já demonstrado para o caso de um fluido homogêneo onde
há somente propagação na horizontal. Em contrapartida, quando m2(z) é positivo a
solução é trigonométrica também em (z), indicando a existência de propagação
também na vertical. A partir da equação 2.7 verifica-se que a propagação livre das
ondas internas restringe-se ao intervalo de frequências:
f < ω < N (2.8)
É interessante perceber que neste caso, diferentemente do caso homogêneo, existe
um limite em alta frequência representado pela frequência de Brunt–Väisälä (N).
Supondo m2(z) positivo e uma solução oscilatória para w, em que A(z) e φ representem,
respectivamente, uma amplitude e uma fase arbitrária desta solução, é possível obter
as equações 2.9, 2.10 e 2.11 que descrevem o movimento orbital da onda utilizando
a aproximação WKB.
u =A0
√m
kcos(kx ± ∫ z mdz − ωt), (2.9)
13
v =A0f
√m
ωksin(kx ± ∫ z mdz − ωt), (2.10)
w =A0√
mcos(kx ± ∫ z mdz − ωt), (2.11)
Para obter as equações 2.9, 2.10 e 2.11, não foi levado em consideração o efeito β,
de maneira que a relação de dispersão é simétrica nas direções x e y, ou seja, neste
caso as ondas são isotrópicas. Por isso foi possível alinhar a direção de propagação ao
eixo x, pressupondo que k > 0, l = 0 e ω > 0, sem perder a generalidade da solução
(ver anexo D). Realizando esta simplificação a relação de dispersão (Equação 2.7)
foi alterada para a equação 2.12:
m2(z) =
(N2(z) − ω2)k2
ω2 − f 2, (2.12)
uma vez que l = 0.
A aproximação WKB é aplicada quando pressupõe-se que as propriedades mé-
dias do meio variam lentamente, de maneira a permitir que simplificações seja reali-
zadas longo do desenvolvimento matemático. Para o presente caso, ela consiste em
assumir que N(z) é uma função que varia lentamente ao longo da vertical, de modo
que sua mudança fracional seja inferior a unidade em um comprimento de onda
vertical (Lz), isto é, que em um comprimento de onda vertical a variação de N(z)
deve ser menor que 100%. Portanto, estão sendo consideradas apenas ondas internas
com comprimento de onda vertical pequeno em relação a escala de variação de N, ou
seja, se H representa uma escala de profundidade em que N varia apreciavelmente,
deve-se assumir que o produto H .m >> 1.
O termo∫ z mdz nas equações 2.9, 2.10 e 2.11, como evidencia a equação 2.13,
constitui o parâmetro fase vertical, que foi amplamente utilizado neste estudo para
estimar os parâmetros de onda. A partir dele, como mostram as equações 2.13 e
2.14, foi possível estimar valores de número de onda vertical, assim como, a partir
da equação 2.15 valores de celeridade de fase vertical (cz).
φ = fase = ±∫ z
mdz, (2.13)
dφ
dz= ±m =⇒ m(z) =
∂(fase)∂z
, (2.14)
14
cz =ω
m=
ω
(φ/z)(2.15)
Como N(z) >> ω, assumindo que ω é independente da vertical (z), as seguin-
tes relações de proporcionalidade podem ser estabelecidas: m ∝ N , ω ∝ N−1/2 e
u, v ∝ N1/2. A simplificação apresentada na equação 2.16, retirada de KUNDU
1976, oferece também a possibilidade de estimar valores de celeridade de grupo ver-
tical (Cgz), parâmetro que permite avaliar o sentido e a intensidade da propagação
vertical da energia inercial.
Cgz =∂ω
∂m=
(f 2 − ω2)(N2 − ω2)mω(N2 − ω2)
≃ cz[(f/ω)2 − 1], (2.16)
Sendo k, m, ω > 0, o sinal positivo de fase (φ) significa que existe uma propagação
vertical de fase de baixo para cima, ou seja, de camada mais profundas para as mais
superficiais, enquanto que um sinal negativo constitui uma propagação no sentido
contrário. A Figura 2.3 ilustra uma visão tridimensional da relação de dispersão
das ondas internas segundo a equação 2.12. Nela identifica-se que as componentes
verticais da celeridade de fase cz e de grupo Cgz possuem sentidos opostos.
Figura 2.3: Representação tridimensional da relação de dispersão das ondas internas(Equação D.10), evidenciando que as componentes verticais da celeridade de fase cz e degrupo Cgz possuem sentidos opostos.
15
Órbita das Partículas
Considerando o ponto x = z = 0, as equações 2.9 e 2.10 se tornam iguais a:
u = ∓ cos(ωt), (2.17)
v = ±f
ωsin(ωt), (2.18)
onde para a amplitude de u foi atribuido o valor 1.
Tomando apenas os sinais superiores das equações 2.17 e 2.18, os valores ob-
tidos para u e v a partir dessas equações nos tempos correspondentes a ωt = 0,Π2
e π descrevem o mesmo movimento orbital ilustrado na Figura 2.2 para o caso
homogêneo. No caso estratificado, entretanto, este movimento orbital não é mais
puramente horizontal. Na verdade ele ocorre em um plano inclinado em relação a
horizontal (Figura 2.4). A partir do campo de velocidade (Equações 2.9, 2.10 e 2.11)
nota-se que esta inclinação (Θ) está relacionada às componentes da velocidade e aos
números de onda horizontal e vertical da seguinte forma:
u
w= ∓m
k= tan(Θ), (2.19)
de maneira que Θ = − arctan(mk
) representa a inclinação do vetor número de onda
total K em relação à horizontal. Para uma propagação vertical de fase de baixo
para cima a equação 2.19 fornece que u/w = − tan(Θ) de modo que se w é negativo
u é positivo.
Figura 2.4: Esquema do movimento orbital realizado pelo fluido evidenciando sua incli-nação em relação ao plano horizontal.
Uma visão tridimensional do movimento orbital das partículas pode ser conferida
na Figura 2.5. É interessante notar que a velocidade de fase cz possui a mesma
direção do número de onda total K, de modo que cz e Cgz (celeridade de grupo)
16
são perpendiculares, enquanto que a celeridade de grupo e o movimento orbital
(u e v) são paralelos. De acordo com as equações 2.9, 2.10 e 2.11, o vetor de
velocidade em qualquer profundidade gira em sentido anticiclônico com o tempo.
Entretanto, devido à propagação de fase vertical, as posições instantâneas desses
vetores descrevem na vertical uma espiral helicoidal, onde a posição relativa entre
os vetores de duas camadas subsequentes apresentam uma certa defasagem angular.
Considerando, por exemplo, uma situação em que exista uma propagação de fase
das camadas mais inferiores para as mais superiores, no hemisfério sul, a posição
instantânea do vetor de velocidade em cada camada descreve, com o aumento da
profundidade, uma espiral helicoidal com sentido de giro anti-horário (Figura 2.5).
Figura 2.5: Esquema da espiral formada a partir das equações que determinam o movi-mento orbital das ondas quase inerciais. Note que os vetores possuem uma defasagem deângulo que de "cima para baixo"executa também um giro no sentido anti-horário. Nesteesquema a componente vertical w foi considerada nula pois é dessa forma que estão sendofeitas às análises, ou seja, apenas a partir das componentes horizontais da velocidade (u ev).
17
A teoria linear de ondas internas aqui apresentada ajuda a entender as principais
feições e processos associados às OQIs, entre eles, porque nas proximidades da FIT
os movimento orbital é circularmente polarizado e como a propagação vertical de fase
positiva denota uma propagação de quantidade de movimento no sentido contrário,
da superfície para maiores profundidades. No entanto, as aproximações utilizadas
nesta teoria nem sempre são encontradas no oceano, dentre elas assumiu-se um
escoamento médio nulo. Porém, mesmo com estas simplificações as equações obtidas
a partir da solução WKB para a estimação de celeridade de fase Cz e de grupo Cgz
apresentaram resultados coerentes em estudos anteriores (JOHNSON et al. 1976,
KUNDU 1976). A seguir será discutido como as propriedades do escoamento médio
podem, a partir de sua vorticidade relativa, alterar as características das ondas quase
inerciais.
Desvio Doppler
O limite de baixa frequência para a propagação livre das ondas inerciais-
gravitacionais, até o momento representado pelo parâmetro de Coriolis (f), pode
ser levemente modificado de acordo com as propriedades do escoamento médio lo-
cal (vorticidade ambiente). Seguindo o mesmo procedimento utilizado para obter a
equação de dispersão das ondas internas, mas desta vez baseando-se nas equações
linearizadas em torno de um fluxo médio não nulo, o limite de baixa frequência
dessas ondas é levemente desviado. Este procedimento encontra-se documentado
em KUNZE (1985).
A influência advectiva do escoamento médio, representada pela componente ver-
tical da vorticidade relativa subinercial (ζ), transfere este limite da FIT para um
outro valor que pode ser inferior ou superior, processo este referenciado na litera-
tura como Desvio Doppler (MOOERS 1975; D’ASARO 1985; ZHAI et al. 2004).
Este novo valor, denominado Frequência Inercial Efetiva (feff - Equação 2.20) é que
realmente determina se uma oscilação é sub ou suprainercial.
feff = f + ζ/2 (2.20)
Dessa forma, mesmo possuindo uma frequência inferior a FIT, uma oscilação
pode ainda se comportar como uma onda inercial-gravitacional livre, caso a feff
tenha sido deslocada para baixa frequência em decorrência da vorticidade relativa
ambiente. Isso ocorre em regiões com vorticidade relativa ciclônica (positiva).
O contrário também pode ocorrer, ou seja, em regiões de vorticidade antici-
clônica (negativa) a feff pode ser deslocada para alta frequência de tal modo que
a frequência de oscilação de uma da onda passa a ser subinercial. Neste casos
18
é comum que haja um acúmulo de energia inercial associado ao confinamento de
ondas quase-inercias ("trapped near inertial waves"), uma vez que nesta situação,
não há propagação horizontal. Isto tem consequências importantes no processo de
transferência da energia inercial para fora da camada de mistura, visto que este é
intensamente controlado pelo campo de vorticidade absoluta (ZHAI et al. 2005).
Em regiões com intensa variabilidade de mesoescala, como na regiões de vórtices,
meandros ou nas proximidades da borda de intensas correntes de contorno oeste,
o campo vorticidade é especialmente heterogêneo a ponto de aumentar considera-
velmente a taxa de propagação vertical da energia inercial (YOUNG e JELLOUL
1997; ZHAI et al. 2005). Na verdade, a taxa de dispersão da energia inercial depende
da relação entre a escala espacial da atividade de mesoescala e o raio de formação
de Rossby associado ao modo baroclínico considerado para as OQIs. Altos valores
dessa relação determinam o aprisionamento da energia ("trapping regime"), em que
a dispersão é lenta, como foi o caso de KUNZE (1985), enquanto baixos valores
determinam um regime de forte dispersão (KLEIN e LLEWELLYN SMITH 2001).
A frequência do pico energético, ou seja, aquela diagnosticada a partir do espec-
tro das componentes horizontais da velocidade (u e v) associada a banda inercial,
aqui denominada de Frequência Quase Inercial (FQI), encontra-se geralmente bem
próxima da feff . Porém, no plano f , ela ainda pode variar em função da escala ho-
rizontal e velocidade de propagação da pertubação atmosférica geradora e também
da estratificação local, o que permite que o seu valor possa variar em cada evento
de geração (POLLARD 1980; PRICE 1981 e THOMSON e HUGGETT 1981). Sob
o efeito β, tem sido documentado que a energia inercial gerada em uma particular
latitude é livre para se propagar em direção ao equador, porém, sua propagação em
direção aos polos é restrita, pelo gradiente de vorticidade planetária, à sua latitude
crítica (GARRETT 2001; ALFORD 2003; ZHAI et al. 2004).
PEREIRA et al. (2007) investigando a interação entre ondas de maré (M2 -
Lunar semidiurna) internas e a corrente do Brasil verificou que no lado costeiro
da borda da corrente, rica em vorticidade relativa negativa, há momentos em que
feff ≥ M2, de maneira que as ondas internas tornam-se subinerciais, isto é, ondas
quase-inerciais sem propagação horizontal. Nestas condições a propagação vertical é
intensificada, gerando uma região com forte cisalhamento ao longo da coluna d’água.
Os autores concluíram que a vorticidade do fluxo subinercial (corrente do Brasil)
aumenta feff o bastante para refletir, aprisionar ou evitar a geração das marés
internas com frequência M2.
19
Capítulo 3
Metodologia
3.1 Conjunto de Dados
Dados de Corrente
As séries temporais analisadas neste estudo correspondem a medições horá-
rias de correntes, obtidas concomitantemente em 17 níveis de profundidade entre
4,1 a 143 metros, a partir de um ADCP (RD Instruments WH 150 KHz) posicio-
nado em subsuperfície (Figura 3.1). Esses dados foram coletados durante o período
compreendido entre 15/12/1992 e 14/04/1994 (484, 8 dias) e pertencem ao fundeio
358/ACM 13 (Deep Basin), do experimento WOCE, localizado em 34, 54 o S e
26, 975 o O (próximo do Canal Hunter - Figura 1.1). Na profundidade local de 4532
m o ADCP estava posicionado a aproximadamente 150 metros da superfície com os
seus transdutores voltados para cima.
Os dados do fundeio encontram-se disponíveis para download no website oficial
do WOCE através do link: <http://woce.nodc.noaa.gov/woce_v3/wocedata_-
1/cmdac/stranger/acm13/acm13.htm> . Além dos dados, está também disponível
uma estatística básica (metadata) para as séries temporais de cada uma das células
de medição (bins) do ADCP, a qual encontra-se transcrita no apêndice A desta
dissertação. Os parâmetros calculados nesta estatística são: mínimo, média, máximo
e desvio padrão para toda a série.
Antes de comporem a base de dados do WOCE as séries passaram por está-
gios de tratamento no CMDAC (Current Meter Data Assembly Center) do Colé-
gio de Oceanografia da Universidade do Estado de Oregon (USA). Por este mo-
tivo, neste estudo não foi realizado nenhum tipo de pré-processamento dos da-
dos. A metodologia por eles empregada no tratamento encontra-se descrita no link:
Figura 3.1: Esquema da configuração do fundeio fundeio 358/ACM 13 (Deep Basin)do experimento WOCE evidenciando o posicionamento do ADCP em relação a su-perfície. Os valores de discretização vertical indicam o centro da célula de medição(bin) do ADCP ao longo da lâmina d’água
.
22
Figura 3.2: Esquema evidenciando a relação entre o ângulo do transdutor (20 o ou 30 o)e a espessura da camada contaminada próxima da superfície.
atmosférico global NCEP/NCAR é de 2, 5 o, não foi possível obter um ponto da
malha que correspondesse exatamente a localização do fundeio (34, 543o S e 26, 975o
O). Foi escolhido o ponto de grade mais próximo da localização do fundeio, no
caso (35o S e 27, 5o O). Para investigar a sensibilidade dos resultados do modelo
atmosférico em relação à localização, as séries dos quatro pontos mais próximos do
fundeio 358 do WOCE foram analisadas observando a diferença de magnitude entre
as componentes da velocidade (uvento - zonal e vvento - meridional). A figura 3.3
exemplifica a comparação entre os dois pontos mais próximos, isto é, o ponto do
modelo utilizado nas análises (35 o S e 27, 5 o O) e o segundo mais próximo (35 o S
e 25 o O). A máxima diferença, ao longo da série, na componente u foi de 10 m.s−1,
enquanto que na componente v chegou a 19 m.s−1. Este aspecto evidencia que entre
o fundeio e o ponto do modelo podem existir diferenças significativas na direção e
na intensidade do vento para o mesmo instante. Dessa forma, as análises de relação
entre o vento e as OQIs deve ser utilizada com cautela.
23
0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800
−8
−6
−4
−2
0
2
4
6
8
10
12
Número de Saídas de Resultados (a cada 6hs)
Dife
ren
ça
(m
.s−
1)
Diferença na componente (u) Leste−OesteDiferença na componente (v) Norte−Sul
Diferença entre as séries
temporais de 25o W e 27.5
o W
NCEP/NCAR
Figura 3.3: Comparação entre as séries temporais das componentes da velocidade dovento obtidas, a partir dos resultados do modelo atmosférico NCEP/NCAR Reanálise I,para os dois pontos mais próximos do fundeio 358 do WOCE - 35o S e 27, 5o O; 35o S e25o O.
3.2 Análises no Domínio do Tempo
No domínio do tempo, as séries foram primariamente filtradas para extrair so-
mente a componente inercial. A partir das séries filtradas foram estimadas as propri-
edades das OQIs observadas. Como a filtragem corresponde a um ponto importante
das análises no domínio do tempo, é apresentado a seguir uma breve discussão sobre
a configuração e propriedades do filtro utilizado.
Filtragem
A componente inercial foi extraída das série brutas por meio da utilização de um
filtro recursivo do tipo Butterworth passa-banda, que tem como principal caracterís-
tica a preservação da fase na série filtrada. Na função filtro utilizada, configurou-se
a ordem do polinômio (peso) como 4 e os limites de corte em alta e baixa frequência
em 1,2240 ciclos por dia (cpd) (19,6 horas) e 1,0560 cpd (22,72 horas), respectiva-
mente. Vale ressaltar que nessa função a frequência de corte corresponde aquela em
que a amplitude normalizada de resposta do filtro é igual a√
1/2.
Apesar de preservar a fase, este filtro provoca nos extremos da série filtrada uma
certa atenuação da energia, devendo estes serem descartados. Segundo EMERY e
THOMSON (1997), o início desta atenuação nos extremos é geralmente detectado
24
a partir da sensibilidade e conhecimento do usuário. Neste estudo, observou-se que
este fenômeno está presente apenas nas onze horas iniciais e finais do registro. O
filtro também causa uma atenuação bem menos expressiva que a anterior ao longo
do registro. Porém KUNDU (1976) mostrou que com apenas 4 ciclos inerciais essa
atenuação é de apenas 20 %, decaindo exponencialmente com o aumento do número
de ciclos. Como a filtragem foi realizada em toda a série, e cada evento de alta energia
durou mais de 10 ciclos inerciais, esta perda foi inferior a 2%. Outras informações
sobre o filtro Butterworth dimensionadas à análise de dados de corrente podem ser
conferidas em EMERY e THOMSON (1997).
Determinação de Fase
O cálculo da fase média entre camadas corresponde a uma etapa essencial para o
estudo da propagação vertical de energia. Através dela é que, de acordo com as
equações 2.14 e 2.15, são estimados valores de número de onda (m(z)) e celeridade
de fase (cz) verticais. Através da equação 2.16 simplificada apresentada em KUNDU
(1976), estimou-se também valores de celeridade grupo vertical Cgz, a qual indica o
sentido e a intensidade do transporte de energia.
A determinação da fase entre camadas está baseada na análise de covariância
cruzada de acordo com a equação 3.1 (RIVAS e PIOLA 2005):
fase = cos−1
[< u1u2 >
(< u21 >< u2
2 >)1/2
], (3.1)
em que o símbolo <> representa uma média temporal e u1 e u2 correspondem
aos segmentos de série temporal que estão sendo correlacionados. No presente caso,
a correlação foi feita entre duas camadas de profundidade distintas, utilizando para
ambas, segmentos da série temporal de uma das componentes da velocidade u ou v.
Como são isotrópicas qualquer uma das componentes pode ser utilizada na correla-
ção.
Para avaliar a sensibilidade da equação 3.1 em relação ao tamanho do segmento
de série utilizado em cada cálculo foi realizado o seguinte teste: sendo u1 um seg-
mento de série sintética construída a partir da equação u1(t) = A cos(−2π 0, 0476t)
e u2 outro segmento construído a partir da mesma equação defasada de φ, variando t
em passos unitários, calculou-se a fase com segmentos constituídos de diferentes nú-
meros de pontos e valores de φ. O que se obtém são oscilações do valor da fase que
diminuem sua amplitude à medida que aumenta-se o número de pontos do segmento
(Figura 3.4). Pode-se verificar que com 24 pontos uma boa solução de compromisso
25
é obtida. Logicamente existe uma relação entre a frequência de oscilação escolhida
para u1 e u2 (0, 0476) e número de pontos em que se obtém a melhor solução de
compromisso. Perceba que neste exemplo a frequência escolhida é a própria FIT em
cph (1/21). Mas em geral, quanto maior o número de pontos menor o erro associ-
ado. Tentando ganhar resolução temporal, no presente estudo optou-se por utilizar
para cada cálculo um segmento de série com 24 pontos, isto é, uma estimativa fase
baseada em uma janela móvel com 24 horas que se desloca na série em passo de
tempo unitário. Isto que dizer que para cada hora foi obtida uma estimativa de fase
baseada nas próximas 24 horas de dados.
Figura 3.4: Cálculo da fase entre u1 e u2, a partir da equação 3.1, para diferentesnúmeros de pontos (t varia unitariamente) e valores de φ.
Propriedades dos Hodógrafos
Os hodógrafos obtidos a partir das séries filtradas possuem propriedades caracte-
rísticas que variam no tempo e em profundidade. São elas a direção do semi-eixo
maior (Equação 3.2), amplitudes dos semi-eixos (Equação 3.3) e excentricidade das
elipses (Equação 3.5) (Figura 3.5). As equações 3.2, 3.3 e 3.4, provenientes da aná-
lise das componentes principais bidimensional (EOF - Empirical Orthogonal Functi-
ons)(EMERY e THOMSON 1997), foram utilizadas para calcular estas propriedades
de acordo com KUNDU (1976).
• Direção do Semi-eixo Principal das Elipses;
26
Figura 3.5: Esquema demonstrando as propriedades das elipses formadas a partir dasséries filtradas por passa-banda inercial. Estas propriedades foram calculadas a partir dasequações 3.2 e 3.3. A direção calculada pela equação 3.2 possui 180o de ambiguidade.
θ =12
tan−1
(2uv
u2 − v2
)(3.2)
• Amplitude dos Semi-eixos e Excentricidade;
A2 = u2 + v2 +[(u2 − v2)2 + 4uv2
]1/2(3.3)
B2 = u2 + v2 −[(u2 − v2)2 + 4uv2
]1/2(3.4)
sendo
Excentricidade =A
B(3.5)
Como mencionado na revisão bibliográfica, a direção do semi-eixo maior das elip-
ses também representa a direção de propagação das ondas inerciais-gravitacionais.
Ainda de acordo com esta teoria, a relação entre as amplitudes (A/B) dos semi-
eixos, que corresponde à excentricidade, deve ser proporcional à relação FQI/FIT.
O acompanhamento temporal dessas propriedades pode ajudar a identificar padrões
verticais de comportamento durante os eventos de alta energia e também revelar os
momentos em que há correspondência entre a teoria linear e o observado.
27
Diferentemente do cálculo da fase entre camadas, que utiliza 24 pontos para cada
estimativa, o cálculo dessas propriedades foi realizado a partir de 21 pontos de dados.
Isto porque com este tamanho de janela os valores calculados apresentaram menor
ruído como exemplifica a Figura 3.6. Este aspecto está intimamente relacionado com
o fato de cada oscilação fechar o seu ciclo a cada, aproximadamente, 21 horas. É
importante ressaltar, entretanto, que como esta janela de 21 horas é móvel (a janela
se move em um passo de tempo para cada estimativa), o número de estimativas
dessas propriedades foi igual ao número de pontos do registro de corrente menos
vinte e um pontos (11635 − 21 = 11614). De modo semelhante, no cálculo da fase
entre camadas foram obtidas 11611 estimativas.
Figura 3.6: Comparação de entre janelas para o cálculo da direção do semi-eixo maiordas elipses. Intuitivamente, as direções calculadas apresentam-se mais estáveis utilizando21 pontos da séries, relacionado com o fato de cada oscilação fechar um ciclo completo acada 21 horas aproximadamente.
3.3 Análises no Domínio da Frequência
A análise espectral foi empregada de duas diferentes formas neste estudo, uma
para a determinação das FQIs e a outra para estimar a variabilidade energética
da banda inercial ao longo do registro. Em ambas aplicações optou-se por utilizar
a técnica do Espectro Rotatório (GONELLA 1972) para obter as estimativas de
densidade espectral. A escolha por este tipo de abordagem está baseada no fato
de que movimentos oscilatórios não-unidirecionais são mais facilmente identificados
por este método do que na clássica abordagem cartesiana.
28
A análise rotatória das correntes envolve a separação do vetor de velocidade,
para uma dada frequência, ω, em componentes circulares rotacionais horárias e
anti-horárias, com amplitudes A+ e A− e fases θ+ e θ−, respectivamente. Em outras
palavras, ao invés de se utilizar duas componentes cartesianas, (u, v), trabalha-se
com duas componentes circulares (A−, θ−; A+, θ+). A soma das componentes horária
e anti-horária é igual a soma das componentes positiva e negativa do espectro conven-
cional, ou seja, (S+k +S−
k ) = (G+k )+(G−
k ) para cada faixa de frequência fk = wk/2π.
Já a relação entre as amplitudes da componentes horária e anti-horária fornece uma
quantificação da excentricidade das oscilações em cada faixa de frequência. Esta
relação, definida como coeficiente rotatório (r), onde r = (S+k + S−
k )/(S+k + S−
k ),
varia de 1 a −1, sendo que quanto mais próximo de zero, mais retilínea é a oscila-
ção. Valores próximos de −1 denotam movimentos horários, enquanto que próximos
de 1 anti-horários. Movimentos inerciais são anti-horários no hemisfério sul, de
maneira que a componente horária pode ser ignorada para maioria das aplicações.
Nesta dissertação as estimativas espectrais, usadas na quantificação da variabilidade
energética associada a banda inercial ao longo do registro, foram obtidas a partir da
componente anti-horária do espectro rotatório. Uma descrição sobre a técnica espec-
tro rotatório encontra-se transcrita no Apêndice E deste documento. A configuração
utilizada em cada uma das aplicações da análise espectral encontra-se descrita nos
tópicos seguintes.
1. Determinação da FQI
Como já mencionado na revisão bibliográfica, a FQI, ou seja, o valor da frequência
quase inercial observado no espectro pode variar para cada evento de geração. Por
isso, para identificar estes valores com maior acurácia, preparou-se uma análise
espectral de alta resolução às custas de perda de ergodicidade e estacionaridade
da análise. Empregando-se nos cálculos cinco janelas de Welch com 2048 pontos,
multiplicadas por uma função Hanning de mesma dimensão, utilizou-se praticamente
todo o registro na análise. No espectro de alta resolução apresentado no item 4.3,
o eixo das ordenadas (y) foi normalizado em função do valor do pico com maior
densidade espectral dentro da banda inercial.
2. Determinação da Energia Concentrada na Banda Inercial
Para determinar espectralmente a variação da energia associada a banda inercial
ao longo de todo o registro utilizou-se segmentos móveis de série constituídos de 256
pontos, isto é, de 256 horas. Para cada segmento aplicou-se no domínio do tempo
uma janela Hanning, para diminuir a fuga de energia entre faixas de frequências
vizinhas, e calculou-se o espectro bruto com resolução em frequência dada por 1/T ,
ou seja, 1/256 cph. A cada cálculo este segmento de 256 pontos foi deslocado de 1
29
ponto na série temporal de maneira a investigar a variação horária de energia. Este
procedimento foi realizado para as séries de todas as camadas do ADCP.
A escolha por 256 horas se fundamenta em uma solução de compromisso entre
estacionaridade da série, limite de baixa frequência e menor perda de informação
de variação energética no final da série. Optou-se pelo espectro bruto para que o
limite de baixa frequência fosse dado por 1/T , de modo que oscilações com até 256
horas de período fossem capturadas na análise. Caso tivesse sido utilizado janelas
de Welch (no método de Bartlett), para aumentar o número de graus de liberdade
da análise, o limite de baixa e a resolução em frequência teriam sido retificados.
Por outro lado, aumentando-se o número de pontos para a análise, por exemplo
para 1024, a perda de informação no final da série, em relação a variação temporal
de energia, passaria de aproximadamente 10, 6 dias (256 hs) para 42, 6 dias (1024
hs). Além disso, como um mesmo evento inercial dura em média de 3 a 10 ciclos
inerciais (aproximadamente 210 horas) dependendo geralmente da interação com o
campo local de ventos, ao analisar um período muito grande de dados é provável
estarem sendo observados dois ou mais eventos com características energéticas dis-
tintas. POLLARD (1980) mostrou exatamente este aspecto, quando comparou a
porcentagem de variabilidade das correntes explicada por OQI baseando-se em 1024
e 256 pontos de uma série de corrente com discretização temporal horária. Com 256
pontos esta porcentagem foi três vezes maior do que com 1024, atingindo o valor de
68% da energia cinética total durante o período analisado.
Como o espectro bruto possui apenas 8/3 graus de liberdade (com janela Han-
ning), utilizou-se o método de promediação de bandas ("band averaging") para per-
mitir o aumento da confiança estatística das estimativas espectrais na faixa de
frequência de interesse. No caso da banda inercial, esta média foi feita entre as
faixas adjacentes a faixa de frequência mais próxima da FIT (1, 132 cpd), de acordo
com a configuração espectral, no caso entre 12/256 ( 21, 3 hs), 13/256 ( 19, 7 hs),
14/256 ( 18, 3 hs) cph. Repare que as bandas mediadas englobam o intervalo de
variação da FQI observada na literatura (até 20% superior). Desta maneira, as esti-
mativas espectrais foram obtidas com aproximadamente 8 graus de liberdade. Para
mostrar que a banda inercial, em certo períodos, explica a maior parte da variabili-
dade das correntes, a densidade espectral concentrada apenas na banda inercial foi
comparada com o somatório da densidade total do espectro.
30
Capítulo 4
Resultados e Discussões
4.1 Caracterização da Série Temporal
A estatística básica para as séries temporais de cada camada do ADCP realizada
pelo CMDAC (Current Meter Data Assembly Center), apresentada no Apêndice
A, fornece um panorama geral sobre o comportamento das correntes na região.
Nela é possível verificar que a intensidade das correntes oscila significativamente
tanto temporalmente como em profundidade. Na terceira camada (22m), onde são
encontradas as maiores velocidades desconsiderando a primeira camada contaminada
(ver discussão item 3.1), é possível encontrar valores entre 72 e 34 cm/s, sendo a
média representada por 20 cm/s (Tabela A.1). Já na última camada do ADCP (143
m) a média é de 11 cm/s e o máximo de 39 cm/s (Tabela A.17). A direção das
correntes também apresenta grande variabilidade, sendo que na primeira camada a
direção média é de 160 o e na última de 153 o podendo, entretanto, serem encontrados
em ambas as camadas valores entre 0 o a 360 o da Rosa dos Ventos. É importante
notar que o desvio padrão das séries é relativamente alto em relação a média, o que
indica que esta última é muito influenciada por valores extremos e pode não ser
representativa do conjunto de dados.
Em todas as camadas foi possível identificar, por meio da análise espectral, um
notável pico energético (em 1, 125 cpd) nas proximidades da FIT (1, 132 cpd). Apesar
da energia deste pico variar bastante ao longo de todo o registro, ele esteve sempre
presente, a exemplo do espectro rotatório calculado a partir das primeiras 1024
horas da série correspondente a terceira camada (22 m) do ADCP (Figura 4.1). É
interessante notar que em concordância com a teoria, a energia do espectro na banda
inercial está quase que em sua totalidade concentrada na componente anti-horária
(GILL 1982). É possível notar também um pico saliente em 1, 96 cpd associado
31
a uma componente semi-diurna de maré. Os espectros calculados para o resto da
série e para as diferentes camadas do ADCP (não apresentados) demonstraram um
comportamento semelhante, apesar de os valores de densidades espectral decaírem
com aumento da profundidade.
Figura 4.1: Espectro Rotatório calculado para as primeiras 1024 horas para a terceiracamada do ADCP (22 m). O valor do espectro foi dividido por 24 para obter a energiapor unidades cpd. A Frequência Quase Inercial (FQI - 1, 125 cpd) está evidenciada noespectro assim como a faixa de frequência associada a componente semi-diurna da maré(1, 96 cpd).
O sub-item seguinte dedica-se a uma caracterização da variabilidade energética
do registro enfocando a banda inercial aproveitando, porém, para evidenciar a con-
tribuição desta banda para a variabilidade total das correntes em relação às outras
bandas energéticas do espectro limitado em baixa frequência por oscilações com
período de 256 horas.
4.2 Variabilidade Energética das OQIs
A variabilidade energética das OQIs pôde ser constatada a partir da evolução
temporal da densidade espectral concentrada na banda inercial ao longo do registro
(Figura 4.2 - (a)).
32
Figura 4.2: a) - Evolução da densidade espectral associada a banda inercial durantetodo o registro. Para melhor evidenciar eventos a densidade espectral é apresentada em[(cm/s)2/cph](1/2). A numeração romana indica eventos de alta energia. Como mencio-nado na metodologia, existe uma perda de informação sobre a variabilidade energética nofinal do registro associada ao tamanho do segmento de série escolhido para análise (256horas ou 10 dias). Desse modo, apesar dos dados compreenderem um período de apro-ximadamente 485 dias, a análise contempla apenas 475. b)- Porcentagem de densidadeespectral concentrada pela banda inercial. A linha preta destaca valores superiores a 80%.
33
O comportamento observado revelou a existência de eventos com propriedades
energéticas bastante diferenciadas tanto em relação à profundidade alcançada como
em relação a duração. Há eventos em que grande parte da energia permanece con-
centrada nos primeiros 50−70 metros, enquanto em outros se estende aos 140 metros
de coluna d’água cobertos pelas células de medição (bins) do ADCP. Definindo-se
como evento o período em que a densidade espectral aumenta, ultrapassando 104
[(cm/s)2/cph], e diminui sucessivamente até ser novamente inferior a este valor, foi
possível constatar que os mais energéticos possuem de 10 a 30 dias de duração. Este
valor de referência foi escolhido por estar associado à OQIs com amplitudes superio-
res a 6 cm/s, que representa a média de amplitude das OQIs para todo o registro na
camada representativa dos 22 metros, onde foram atingidas as maiores velocidades.
No curto período do registro (dois verões e um inverno) não foi possível identificar
um padrão sazonal de ocorrência dos eventos. Porém, pode-se afirmar que, den-
tre os observados, os eventos que atingiram as maiores profundidades ocorreram no
inverno (final do outono e início do inverno austral), associado a uma camada de
mistura mais profunda.
Os cinco eventos de maior energia do registro estão identificados na Figura 4.2 (a)
por algarismos romanos de acordo com a ordem cronológica de ocorrência. Os perío-
dos correspondentes, assim como a profundidade média e o valor máximo de energia
atingidos durante cada um deles, estão representados na Tabela 4.1. Considerou-se
como profundidade média atingida a máxima profundidade em que obteve-se um va-
lor de densidade espectral superior a 104 [(cm/s)2/cph] durante o evento. A Figura
4.2 (b) apresenta para todo o registro a porcentagem da variabilidade das correntes
explicada somente pela banda inercial. Como já descrito em diversos estudos (POL-
LARD e MILLARD 1970; KUNDU 1976; POLLARD 1980; D’ASARO 1985) nos
eventos de maior energia, as OQIs chegam a deter cerca de 80 % da variância total
das correntes. Os valores mais altos de porcentagem não são atingidos na superfície
e sim em camadas intermediárias, mais rasas no verão e mais profundas no inverno.
Uma análise das séries temporais da primeira e segunda camadas mostrou que ne-
las, existe uma oscilação de baixa frequência (>256 horas) que suprime a densidade
espectral da banda inercial.
Identificados os principais eventos é interessante verificar, em cada um deles, o
que ocorre na vertical em relação às propriedades energéticas. Este tipo de análise
permitiu diagnosticar: qual é a forma característica de um perfil vertical de ener-
gia inercial na região; qual a duração e como ocorre o período de crescimento e
decaimento da energia; como e em quanto tempo esta informação se propaga para
camadas mais inferiores; e se após o término do evento houve definitivamente uma
transferência vertical de quantidade de movimento para camadas profundas.
34
Tabela 4.1: Período dos eventos inerciais de maior energia do registro. Densidade Espec-tral Máxima (D. E. M.) dada em [(cm/s)2/cph](1/2).
Evento Início Fim Prof. Atingida (m) D. E. M.I 25/05/1993 10/06/1993 110 244II 18/06/1993 07/07/1993 140 215III 09/12/1993 23/12/1993 80 284IV 11/01/1994 29/01/1994 60 290V 06/03/1994 13/04/1994 80 305
Evento I
Este evento teve uma duração de 18 dias, dos quais 10 foram de crescimento e 8
de decaimento energético (Figura 4.3). A profundidade média atingida foi represen-
tada pela última célula de medição do ADCP a 143 metros. Torna-se evidente na
observação dos perfis uma tendência de aumento gradativo da energia inercial, que
se propaga das camadas superiores para as inferiores.
Figura 4.3: Perfis Verticais de Energia da banda inercial durante o evento I. A linhavertical preta determina o limite energético que, ultrapassado evidencia a ocorrência doevento (104 [(cm/s)2/cph]). As setas evidenciam o crescimento (esquerda) e o decaimento(direita) da energia inercial.
O decaimento energético com o aumento da profundidade possui um caráter
exponencial mais acentuado a partir dos 90 metros. No período de decaimento é
possível verificar que entre as camadas de 22 e 66 metros, a energia se mantém
aproximadamente constante por alguns dias. As camadas inferiores, abaixo dos
100 metros, inicialmente sem variabilidade inercial, conseguem ao final do evento,
adquirir certa quantidade de energia, o que indica uma transferência vertical de
quantidade de movimento. Um aspecto que merece ser evidenciado não só neste
35
evento mas em todos os outros, consiste na identificação de uma abrupta diminui-
ção da energia inercial na camada representativa dos 13 metros de profundidade.
Atribuiu-se inicialmente este fenômeno a algum problema na série bruta relacionada
com a aquisição dos dados. Entretanto, uma análise comparativa entre a energia
total da série desta camada em relação às adjacentes não revelou qualquer indício de
erro sistemático, isto é, a diminuição energética foi mais evidente apenas na banda
inercial. Vale novamente lembrar que a primeira célula de medição está contaminada
pelo efeito de superestimação da intensidade de eco associado aos ventos e ondas
nas superfícies. Nesta primeira camada a energia inercial deve ser menor do que a
contabilizada, uma vez que ruído tende a amplificar a variância das correntes, o que
reduz no perfil a inflexão observada na célula centrada em 13 metros.
Evento II
Este evento (Figura 4.4) possui características bastante semelhantes ao evento I.
Sua duração, entretanto, foi um pouco maior, 23 dias, sendo 12 dias de crescimento
e 11 de decaimento. O fenômeno de decaimento repentino associado a camada de
13 metros persiste, assim como o forte decaimento exponencial da energia a partir
dos 90 metros. A propagação de energia para as camadas inferiores a 110 metros
foi mais rápida do que no evento anterior, visto que, logo após os primeiros dias
de crescimento da energia foi possível identificar uma concentração de densidade
espectral nesta porção da coluna d’água. Entre 22 e 80 metros de profundidade
novamente pode ser percebida uma tendência de homogeneização energética das
camadas.
Figura 4.4: Perfis Verticais de Energia da banda inercial durante o evento II. A linhavertical preta determina o início e o fim do evento (104 [(cm/s)2/cph])
36
Evento III
Este evento (Figura 4.5) possui características energéticas bastante diferenciadas
em relação aos anteriores. Sua duração foi de 16 dias sendo 11 de crescimento e 5 de
decaimento. A profundidade atingida foi de 82, porém, a energia ficou quase que to-
talmente concentrada nos primeiros 60 metros de profundidade. Um pico energético
bastante pronunciado em 22 metros chama a atenção uma vez que a sua densidade
espectral ultrapassa a da primeira camada a 4 metros em quase 2x104 [(cm/s)2/cph].
Note que este pico migrou gradativamente para a camada representativa dos 56 me-
tros ao longo do evento. O decaimento energético com o aumento da profundidade
se mostra bem mais acentuado a partir dos 22 metros e uma menor quantidade de
energia, em relação aos eventos anteriores, está sendo exportada para profundidades
superiores a 60 metros. Há um aprisionamento de energia nas camadas superiores,
possivelmente associado a uma camada de mistura menos espessa e uma estratifica-
ção mais acentuada no período do verão, em contraste com os eventos I e II no final
do outono e início do inverno austral. Nota-se também que o período de decaimento
da energia foi de apenas 6 dias, o que pode ser devido a uma interação destrutiva
com o vento local.
Figura 4.5: Perfis verticais de energia da banda inercial durante o evento III.
37
Evento IV
Semelhante ao evento anterior, neste (Figura 4.6) a energia também permanece
concentrada nas primeiras camadas, mais precisamente entre 20 e 30 metros de pro-
fundidade. A duração total do evento foi de 20 dias, sendo 11 de crescimento e 9
de decaimento. É importante notar que os eventos de verão atingem valores ener-
géticos bem superiores aos de inverno. Enquanto nesta última os valores máximos
permanecem entre 4 − 5x104 cm/scph
, naquela chega-se a atingir 9x104 cm/scph
. Assim
como no evento anterior, o decaimento abrupto da energia na segunda camada está
presente de forma mais intensa do que nos eventos de inverno.
Figura 4.6: Perfis verticais de energia da banda inercial durante o evento IV.
38
Evento V
Entre todos os outros, este (Figura 4.7) foi o evento em que foi atingido o maior
valor de densidade espectral na banda inercial e também o que conseguiu alcançar
a maior duração (30 dias). Uma peculiaridade deste evento foi que entre os perío-
dos de crescimento e decaimento houve um intervalo de estagnação energética de
aproximadamente 12 dias. Nele a interpretação de que um novo evento foi iniciado
a partir do dia 27/03 é plausível, uma vez que após este dia a densidade espectral
voltou novamente a crescer até o início do período de decaimento. Em relação aos
dois últimos eventos, este apresentou um perfil energético mais suavizado e também
conseguiu propagar uma maior quantidade de energia para camadas mais profundas.
Perceba que a Figura 4.7 não mostra o final deste evento. Infelizmente a perda de
informação de variabilidade energética no final do registro, associada ao tamanho
do segmento de série escolhido para análise espectral (256 horas ou 10 dias), não
permite perceber este final. Porém, como é mostrado mais a frente, a partir das
análises no domínio do tempo, foi possível verificar que este evento termina antes
do final da série, como mostra a Figura 4.10. Dessa forma, este evento durou mais
de um mês.
Figura 4.7: Perfis verticais de energia da banda inercial durante o evento V.
39
4.3 Características das OQIs
A frequência das OQIs pode variar para cada evento de acordo com fatores como
escala espacial e intensidade da perturbação atmosférica que as gerou, estratificação
local e vorticidade ambiente. Por isso é essencial conhecer a variabilidade das FQIs
observadas antes de delinear o filtro passa-banda a ser utilizado para extrair a com-
ponente inercial da série bruta. A configuração da análise espectral utilizada para
obter a variação temporal da energia associada as OQIs, porém, não possui resolu-
ção em frequência necessária para exprimir alguma informação em relação a estes
valores. Por isso, as custas de perda de estacionaridade e ergodicidade da análise,
calculou-se um espectro de alta resolução como descrito no item 3.3 da metodologia.
Os picos identificados a partir deste espectro na banda inercial ocorreram nas fai-
xas de frequência 1, 119, 1,154 e 1, 166 cpd, o que demonstrou que tanto frequências
superiores como inferiores à FIT ocorreram durante o registro (Figura 4.8), apesar
deste tipo de análise não permitir identificar em que momento da série cada uma das
FQIs identificas ocorre. Vale ressaltar aqui, que o que define se uma OQI é supra
ou subinercial, e também se ela se comporta como uma onda inerciais-gravitacionais
livre, é a frequência inercial efetiva (fef), que leva em conta em sua definição a
Figura 4.8: Espectro de alta resolução confeccionado para identificar as FQIs que ocorremdurante o registro, calculado a partir da série temporal da célula representativa dos 22metros de profundidade.
40
Baseado nos valores de FQIs observadas no espectro de alta resolução, um filtro
passa-banda inercial foi delineado para extrair das séries brutas uma faixa de pe-
ríodos que compreendesse todas essas frequências, observando a necessidade de pelo
menos 80 % de resposta em cada uma delas (Figura 4.9). Utilizando a série filtrada
para calcular o valor RMS a partir de uma janela móvel de 24 horas pode-se verificar
que o comportamento observado corrobora o que foi apresentado anteriormente em
relação a variabilidade energética da banda inercial. Os mesmos eventos de alta
energia evidenciados na Figura 4.2 podem ser identificados na Figura 4.10. Vale
notar que a partir desta análise no domínio do tempo foi possível verificar o término
do evento V, o que por sua vez não foi possível definir na análise no domínio da
frequência devido à janela móvel de 256 horas utilizada.
Figura 4.9: Resposta em amplitude do filtro utilizado para extrair somente a componenteinercial da série bruta
Para evidenciar o comportamento do registro após a filtragem, a parcela da série
utilizada no cálculo do espectro rotatório da Figura 4.1, depois de filtrada, pode ser
visualizada na Figura 4.11 na forma de vetores (posição horária do vetor). Neste
período, em 22 metros de profundidade, verifica-se magnitudes variando entre 5 e
17 cm/s, porém no restante da série chegam a atingir 35 cm/s. O detalhe nesta
mesma figura fornece uma idéia da rotação anti-horária completa realizada pelos
vetores a cada 21 horas aproximadamente. Esta é uma forma muito comum de
identificação destas oscilações a partir de dados de corrente Eulerianos. A variação
de intensidade da série filtrada demonstra mais uma vez o quanto esses movimentos
podem ser energeticamente instáveis, e em certos períodos, muito importantes para
41
Figura 4.10: Variância diária da série temporal filtrada (passa-banda inercial). Os núme-ros romanos indicam os eventos de alta energia previamente identificados. O contorno dadelineado pela linha preta distingui regiões com variância superior a 100 cm/s
a variabilidade total das correntes (Figura 4.12).
Figura 4.11: Primeiras 1024 horas da série correspondente a camada de 22 metros deprofundidade (15 de Dezembro de 1992 a 26 de Janeiro de 1993).
42
Figura 4.12: Comparação entre a série filtrada e a série bruta a 22 metros de profundidade.
Ao longo de uma período inercial a posição instantânea do vetor de corrente,
obtido a partir da série filtrada, executa um percurso elíptico que possui proprie-
dades que variam no tempo e em profundidade, como a amplitude dos semi-eixos,
excentricidade e direção do semi-eixo maior. A título de exemplo, a Figura 4.13
apresenta, de forma concomitante, o movimento circularmente polarizado realizado
pelo vetor de velocidade, em diferentes profundidades, durante sessenta e uma horas
do evento inercial III.
43
Figura 4.13: Elipses formadas a partir dos hodógrafos de velocidade construídos para asprofundidades de 4, 65 e 143 metros. As barras indicam a direção do semi-eixo maior daselipses.
44
A natureza elíptica e o decaimento acentuado da amplitude das oscilações em
camadas mais profundas foram dois aspectos, a exemplo da Figura 4.13, observados
ao longo de todo o registro. Note também que o semi-eixo maior das elipses varia
com a profundidade e que na camada mais superficial (4 metros) a oscilação é
visualmente mais elíptica. Embora seja possível estimar as propriedades das elipses
a partir da análise das componentes do espectro rotatório, optou-se por obtê-las no
domínio do tempo, visto que dentro de uma janela amostral de um pouco mais de
256 horas estas podem variar significativamente (Figura 4.14).
Figura 4.14: Dinâmica das elipses durante 270 horas do evento III em diferentes profun-didades (4, 13, 22 e 30 metros) evidenciando a variação da amplitude e direção do eixoprincipal.
Por meio das equações 3.3 e 3.2 estas propriedades foram calculadas no domínio
do tempo utilizando uma janela flutuante de 21 horas. Dessa forma, foi possível
estudar com alta definição temporal como estas oscilações se comportam durante
os períodos de alta energia inercial. Os eventos de inverno I e II (Figuras 4.15 e
B.4) e de verão III e IV (Figuras 4.16, B.5 e B.6) apresentaram comportamentos
45
distintos em relação as propriedades das elipses. No evento I (Figura 4.15) é im-
portante notar alguns aspectos: a máxima amplitude atingida chega a 26 cm/s; a
diminuição relativa de amplitude em aproximadamente 13 metros novamente ocorre,
corroborando o observado a partir da análise no domínio da frequência; a amplitude
permanece superior a 20 cm/s por quase 8 dias, entre os dias 03 e 10 de junho; no
período central do evento, entre 20 e 80 metros de profundidade, a excentricidade
das elipses se mantêm inferior a 1, 20; no contorno de excentricidade, no início e no
final do evento, é possível perceber um sinal se propagando da superfície para maio-
res profundidades, sinal este representado por valores de excentricidade muito altos,
superiores a 2, 0. Este comportamento revela como a interação sofrida na superfície
se propaga para camadas inferiores ao longo da evolução do evento.
Já no evento III (Figura 4.16) deve-se observar que: amplitudes maiores 20
cm/s permanecem retidas a profundidades inferiores a 40 m; a máxima amplitude
corresponde a 33 cm/s e é atingida na camada correspondente aos 22 metros de
profundidade; após 40 metros, as amplitudes crescem durante o evento, porém são
inferiores a 15 cm/s; na porção da coluna d’água e no período onde as amplitudes
são superiores a 20 cm/s, a excentricidade se mantém inferior a 1, 20, porém em
grande parte do evento são observados valores superiores.
Comparando os eventos de verão e inverno em relação a amplitude e excentri-
cidade, identificou-se que no primeiro maiores amplitudes são observadas, porém
concentram-se em profundidades inferiores a 40 metros, diferentemente do segundo,
em que menores amplitudes são verificadas, porém se estendem por uma maior por-
ção da coluna d’água. Vale aqui ressaltar que pelo conhecimento do presente autor,
poucos trabalhos observacionais (PRICE 1981; D’ASARO et al. 1995) encontraram
amplitudes superiores a 30 cm/s (PRICE 1981; D’ASARO 1985). Em relação à
excentricidade, como já mencionado, pode-se afirmar que tanto no inverno como
no verão valores inferiores a 1, 2 geralmente acompanham períodos e profundidades
onde as amplitudes são superiores a 20 cm/s. KUNDU (1976) observou excentrici-
dades variando entre 1,28 a 1,09 em diferentes pontos de uma coluna d’agua de 100
metros na Costa de Oregon, sendo o valor 1,28 identificado em uma das camadas
mais profundas, onde a amplitude média do semi-eixo maior das OQIs era inferior
a 4 cm/s. Todavia, no estudo as excentricidades foram calculadas utilizando todo o
registro, quase dois meses de dados, o que torna o valor estimado uma média para
todo o período. No presente estudo, diferentemente, esta propriedade foi calculada
para cada ciclo inercial, isto é, para cada segmento de série constituído de 21 pon-
tos, o que permitiu analisar a sua variabilidade ao longo dos eventos. Este tipo
de abordagem permitiu perceber que em todos os eventos, com excessão das duas
camadas mais superficiais, os altos valores de amplitude do semi-eixo maior ( 20
46
cm/s) estiveram associados a excentricidades baixas, inferiores à 1, 20.
Figura 4.15: Variação temporal da amplitude do semi-eixo maior (a) e da excentricidade(b) das elipses durante o evento I. A barra lateral de cores está em (cm/s). A isolinha pretadistingui, no caso do gráfico de amplitude, valores superiores a 20 cm/s, e no contorno deexcentricidade, valores entre 1, 05 e 1, 20.
KUNDU (1976) também apresenta direções médias para o semi-eixo principal das
elipses. Os valores encontrados para diferentes profundidades, foram em sua maioria
perpendiculares às isóbatas, o que fez o autor concluir que a propagação preferencial
das oscilações era na direção costa. No presente estudo isto não foi verificado. No
entanto, esta direção parece ser uma propriedade altamente dinâmica e com um
comportamento diferenciado em cada evento, o que sugere que esta é controlada por
uma forçante local. Veja nos eventos I e III como a direção do semi-eixo maior das
elipses é extremamente variável ao longo do tempo (Figuras 4.17 e 4.18). O primeiro
aspecto que chama atenção é a natureza oscilatória dos valores de direção calculados.
Este aspecto está associado à imprecisão da equação 3.2 que essencialmente, por
estar baseada na análise de covariância, oscila em torno do valor correto.
No evento I (figura 4.17), as camadas parecem se comportar em alta concordância
até os 100 metros de profundidade a partir do dia 01/06, quando a energia inercial
começa a ser significativa. Antes disso, entre os dias 26/05 e 01/06, é perceptível
que nas diferentes camadas as oscilações se ajustam a uma direção preferencial, pro-
cesso de homogeneização este que se propaga da superfície para as camadas mais
profundas. Neste período de ajuste, há momentos, identificados nos gráficos das fi-
47
Figura 4.16: Variação temporal da amplitude do semi-eixo maior (a) e da excentricidadedas elipses durante o evento III.
guras 4.17 e 4.18 por pontos esparsos, em que a direção calculada varia mais de 100
graus em menos de um dia, periodo estes sinalizados pelas barras pretas na figura
4.17. Verificou-se que nestes momentos as oscilações denotam estar sendo forçadas
a se ajustar a uma nova direção. Entre os dias 02 e 16/06/93, as diferentes camadas
apresentam um comportamento aproximadamente sincronizado, gradativamente mi-
grando em sentido anti-horário de orientação SE-NO para S-N. No evento II (Figura
B.1), o comportamento é semelhante, porém neste a orientação migra de N-S para
L-O. Observou-se ainda que durante o período em que a energia inercial está alta,
o perfil vertical das propriedades permanece homogêneo em grande parte da coluna
d’água. Durante o evento I nos dias 05/06 e 09/06 (Figura 4.19), momentos em que
a amplitude das oscilações estava alta, como os perfis instantâneos de direção, am-
plitude e excentricidade das elipses apresentam-se homogêneos ao longo de grande
parte (entre 20 e 90 metros) da lâmina d’água.
No evento III (Figura 4.18), o padrão direcional do semi-eixo maior é caótico.
Apesar de entre 56 e 100 metros de profundidade as camadas apresentarem um com-
portamento direcional semelhante durante o evento, nas camadas mais superficiais,
mesmo nos momentos em que a energia inercial está alta não parece haver uma sin-
cronia. Camadas sucessivas de profundidade efetuam percursos direcionais distintos
ao longo do período, como é perceptível nas camadas de 39 e 48 metros. Os eventos
48
Figura 4.17: Variação da direção do eixo principal das elipses durante o evento I para cadanível (célula de medição) entre 4 e 126 metros de profundidade. As barras pretas indicamos períodos em que há forte variabilidade da direção do semi-eixo maior. Este momentosprecedem o aumento da energia inercial e antecedem o final do evento. Perceba tambémque há entre a camada superfical e as camadas mais profundas um atraso na percepçãodeste fenômeno. Este aspecto sugere que a interação com uma forçante na superfície gereeste fenômeno, que por sua vez se propaga para camadas inferiores.
49
Figura 4.18: Variação da direção do eixo principal das elipses durante o evento III paracada nível (célula de medição), entre 4 e 126 metros de profundidade.
50
1 6 11 16 21
0
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17−Jun−1993
1 6 11 16 21
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13−Jun−1993
1 6 11 16 21
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09−Jun−1993
1 6 11 16 21
0
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05−Jun−1993
1 6 11 16 21
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01−Jun−1993
1 6 11 16 21
0
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28−May−1993
1 6 11 16 21
0
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24−May−1993
Pro
f. (
m)
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1 1.2 1.4 1.6 1.8
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1 1.2 1.4 1.6 1.8
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1 1.2 1.4 1.6 1.8
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1 1.2 1.4 1.6 1.8
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1 1.2 1.4 1.6 1.8
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1 1.2 1.4 1.6 1.8
0
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Pro
f. (
m)
−90−60−30 0 30 60 90
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−90−60−30 0 30 60 90
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−90−60−30 0 30 60 90
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−90−60−30 0 30 60 90
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−90−60−30 0 30 60 90
0
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−90−60−30 0 30 60 90
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−90−60−30 0 30 60 90
0
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100
120
Pro
f. (
m)
Amplitude Semi−eixo Maior (cm/s) Excentricidade das Elipses (A/B) Dir. Semi−eixo Maior ( o )
a)
b)
a)
c)
b) c)
Figura 4.19: Perfis de (a) amplitude do semi-eixo maior, (b) excentricidade das elipses e(c) direção do semi-eixo maior em diferentes dias durante o evento I. Note nos dias 05 e09 de junho, período em que a energia inercial está alta, como os perfis de excentricidadee direção do semi-eixo maior estão aparentemente homogêneos entre 20 e 90 metros deprofundidade.
51
IV (Figura B.2) e V (Figura B.3).
Em síntese, a direção do semi-eixo está intimamente relacionada com a energia
inercial, de modo que quando esta última encontra-se alta, a primeira apresenta
um comportamento aproximadamente sincronizado ao longo da lâmina d’água. Nos
eventos de inverno, comparativamente aos de verão, este comportamento coerente se
estende até maiores profundidades sugerindo uma influência da estratificação sobre
o processo. Os períodos marcados por forte variabilidades da direção certamente
evidenciam o momento que uma determinada camada está sofrendo a atuação re-
tardada de uma forçante que primeiro atuou na superfície. É interessante também
observar que esta variabilidade está defasada em relação ao aumento da energia evi-
denciando o caráter inercial desses movimentos. As propriedades excentricidade e
amplitude do semi-eixo demosntram seguir este mesmo tipo de comportamento.
Como já mencionado anteriormente, o estudo da direção do semi-eixo é impor-
tante pois ela fornece um indicação do sentido de propagação horizontal das OQIs.
O que foi diagnosticado aqui indica que esta é uma propriedade altamente dinâ-
mica e dependente das condições de formação do evento inercial, visto que para
cada um deles foi identificado um padrão direcional diferente. No próximo capítulo
investiga-se se esta propriedade tem alguma relação com a direção do vento, que a
princípio demonstra ser um possível candidato a permitir que para cada evento as
características direcionais de propagação sejam diferentes.
52
4.4 Relação entre o vento local e as OQIs
A relação entre o vento local e a intensidade das OQIs foi, para cada evento,
avaliada observando concomitantemente o valor RMS da série filtrada, a intensi-
dade e a direção do vento do NCEP/NCAR e o ângulo de fase entre a primeira e
a segunda camada do ADCP. Deve-se ter em mente que a análise associativa entre
a série de vento e a de corrente deve ser feita com certa flexibilidade, visto que a
primeira foi interpolada e obtida para o ponto do modelo do NCEP/NCAR mais
próximo do fundeio, e não para o exato local. Portanto, entre as séries de vento e
de corrente pode existir uma defasagem temporal de valor desconhecido. Sendo o
vento local a principal forçante desses movimentos, seria ideal para acompanhar e
interpretar a interação entre o vento e as OQIs uma boa sincronização temporal e
espacial entre os dois registros. Aliado a isso, sendo as perturbações com aproxi-
madamente 100 km de escala espacial aquelas que melhor atendem aos requisitos
de geração das OQIs (POLLARD 1980 e D’ASARO 1985), um modelo atmosférico
global com resolução espacial de 2,5 o pode não conseguir reproduzir com fidelidade
a variabilidade local do vento. POLLARD (1980) mostrou que a diferença no posi-
cionamento dos três fundeios analisados em seu estudo, de apenas 50 km, acarretou
em diferenças de amplitude de até duas vezes e uma defasagem de até 60o nas OQIs
geradas pela passagem de uma frente fria. Mesmo assim, com os dados de vento
disponíveis foi possível constatar que eventos inerciais de alta energia estão acom-
panhados por períodos de intensos fluxos de energia do vento, o que corrobora o
estado do conhecimento em relação ao processo de geração das OQIs.
A primeira camada do ADCP foi mantida (ver discussão no item 3.1) a fim de
inferir alguma informação sobre o comportamento do vento local, visto que não há
dados coletados in situ para o mesmo período. Uma vez que esta camada possui uma
reconhecida correlação com o vento (PECLY 2008), quando entre ela e a segunda
existe um pico momentâneo de discordância de fase é plausível depreender que houve
uma alteração da direção ou da magnitude do vento. Na verdade, como está se
analisando a série já filtrada, quando há esta discordância pode-se dizer que alguma
modificação do vento teve uma influência direta nas OQIs preexistentes.
O início e o fim do evento I são acompanhados por um aumento repentino do
ângulo de fase entre a primeira e a segunda camada (Figura 4.20). Na verdade, esta
diferença de fase alcança quase que no mesmo instante as seis primeiras camadas,
enquanto a sétima apresenta um certo atraso. Repare que, assim como indicado por
TINTORÉ et al. (1994), a brusca mudança de fase também diagnostica a chegada
da frente de onda em uma determinada camada. O tempo necessário para está
discordância de fase viajar uma determinada espessura de lâmina d’água, então,
53
pode ser associada à velocidade de grupo das ondas quase inerciais internas. A
propagação desta frente será evidenciada no item 4.5 quando for abordado em mais
detalhes o processo de transferência vertical de quantidade de movimento associado
Figura 4.20: Relação sucessiva de fase entre as primeiras 7 camadas do ADCP calculada apartir da componente Norte-Sul. Em azul está representada a relação entre a primeira e asegunda camada, que indiretamente revela a relação entre o vento e a camada superficial.
Como descrito por KUNDU (1976) e POLLARD (1980), os eventos de alta ener-
gia inercial geralmente têm associado ao seu início e ao seu término momentos de
rápido fortalecimento e decréscimo sucessivos da magnitude do vento. Ao início dos
eventos estiveram associados ventos com magnitudes superiores a 16 m/s. Apesar
de ser verificado que os eventos de alta energia estão geralmente associados altos
fluxos de energia do vento, a recíproca não é verdadeira (Figura 4.21). A relação
entre o vento e as OQIs deve levar outros aspectos em consideração como é discutido
mais a frente, analisando mais de perto cada evento.
No evento I (Figura 4.22), entre os dias 31/05/1993 e 01/06/1993, houve uma
injeção de energia do vento durante um curto período, de aproximadamente 24 horas,
que auxiliou no crescimento da energia inercial, apesar de o evento ter sido iniciado
antes, entre os dias 26/05 e 27/05, como evidencia o pico de discordância de fase
(figura 4.20). Um fenômeno semelhante, do dia 09/06/1993 para o dia 12/06/1993,
contribuiu para o decréscimo da amplitude das OQIs. Da mesma forma, no evento
III (4.23), a intensa magnitude do vento entre os dias 17/12 e 18/12 parece ter
Figura 4.21: Visualização simultânea do fluxo de energia do vento por unidade de massaversus valor RMS calculado a partir da série filtradas referente a camada de 30 metros deprofundidade.
forte relação com o início do evento assim como o subsequente pico de magnitude
ocorrido no dia 21/12 parece ter atuado a favor do crescimento energético. Já
a forte intensidade do vento iniciada no dia 26/12 parece ter relação com o fim
do evento. Esta é uma característica clássica da sensível relação entre o vento
local e os movimentos inerciais. Dependendo da direção instantânea da oscilação, o
vento, mesmo que dure por um curto período, pode também atuar destrutivamente,
sufocando uma oscilação preexistente.
Nos dias citados acima foram observados os campos de pressão atmosférica em
superfície e vento para entender que tipo de feição atmosférica esteve associado às
intensas magnitudes do vento mencionadas. A região apresenta uma intensa ativi-
dade atmosférica de escala sinótica, sendo que no período compreendido entre os
dia 31/05/1993 e 01/06/1993 em particular, o local do fundeio sofreu com a trans-
lação para leste de uma região de convergência de ventos, entre um centro de baixa
pressão mais a sudoeste e um centro de alta mais a nordeste, caracterizada por um
corredor com fortes ventos. Este rápido crescimento e decaimento do magnitude
do vento contribuiu para a continuação do crescimento da energia inercial iniciada,
como mostra a discordância de fase (Figura 4.22), no dia 26/05. No 01/06 foi ob-
servada uma das maiores magnitudes do vento de todo o registro, 19 m/s, que foi
acompanha, nas próximas 6 horas, de uma decaimento para 10 m/s. Este tipo de
55
comportamento do vento permitiu que as OQIs se desenvolvessem nos dias posterio-
res para, no dia 06/06/1993, atingir o pico de valor RMS da série filtrada na primeira
camada (400[cm/s]2). Nos outros eventos, comportamentos semelhantes do campo
de vento estiveram presentes. O fato da região do fundeio ser marcada por uma
intensa variabilidade do vento contribui de forma importante para ela possuir uma
alta energia inercial média, como foi observado por ALFORD (2003).
Figura 4.22: Análise associativa entre as condições do vento (direção e magnitude) e ocomportamento da camadas superficial (valor RMS e fase obtida a partir da série filtradapara as duas camadas mais superficiais) durante o evento I. Informações do vento prove-nientes do Modelo Atmosférico Global NCEP/NCAR Reanálise I. O círculo evidencia operíodo apresentado na sequência da figura 4.24.
Sabe-se hoje que a forma mais efetiva de geração de OQIs está na passagens
de perturbações atmosféricas com duração igual a metade do período inercial local.
POLLARD e MILLARD (1970) explicam o porque deste último aspecto. A não
ser que o vento gire sempre em fase com a OQIs preexistente, o que é difícil de
56
Figura 4.23: Análise associativa entre as condições do vento (direção e magnitude) e ocomportamento da camadas superficial ( valor RMS e fase obtida a partir da série filtradapara as duas camadas mais superficiais) durante o evento III.
57
Figura 4.24: Sequência dos campos de vento e pressão em superfície doNCEP/NCAR evidenciando o rápido crescimento e sucessivo decaimento da magni-tude ocorrido entre os dias 31/05/1993 e 02/05/1993. O círculo ressalta e englobaa posição do fundeio e o ponto do modelo atmosféricos NCEP/NCAR utilizado nasanálises como representante do vento local.
58
ocorrer, a mesma inevitavelmente começará a ser suprimida após a metade de um
período inercial local. Nos eventos mostrados, apesar da velocidade não aumentar e
diminuir em menos de 11 horas, é perceptível que ela decai aproximadamente neste
período, permanecendo baixo para que a OQI se desenvolva. Este último aspecto é
muito importante para que as OQIs atinjam grandes amplitudes, visto que, havendo
um novo grande fortalecimento do vento durante o período de desenvolvimento, a
probabilidade que haja interação destrutiva é muito alta.
Quando o vento exerce uma tensão cisalhante sobre o oceano, localmente ele
tende a forçar a camada superficial a se mover na mesma direção. Momentanea-
mente, este processo gera uma divergência de comportamento entre as componentes
da velocidade de camadas sucessivas, caracterizado nas séries filtradas por uma au-
mento momentâneo da diferença de fase entre elas. Durante os eventos, com o passar
do tempo, esta diferença tende a diminuir, de maneira que as camadas se compor-
tem de forma aproximadamente sincronizada. Esta explicação se encaixa com que
se observa nas Figuras (4.22 e 4.23). Na figura 4.23 perceba a correlação existente
entre o valor RMS no Bin 1 (4.1m) e a magnitude do vento. A mudança de inclina-
ção da curva do valor RMS entre os dias 17 e 20 de dezembro sugere uma interação
construtiva do vento que proporcionou uma continuação do período de crescimento
da energia inercial. Mesmo que de forma defasada, a evolução da magnitude do
vento corrobora tal aspecto um vez que são observados dois picos de velocidade do
vento proeminentes antes do climax energético do evento. Notadamente, quando a
energia inercial está alta, a relação de fase entre a primeira e segunda camada se
mantêm baixa. Este comportamento, mostra que durante este período não houve in-
teração negativa significativa do vento, pois caso contrário surgiria uma discordância
de fase. Veja que nos dois eventos apresentados, de forma concordante, a magnitude
do vento permanece relativamente baixa. Um comportamento semelhante pode ser
observado nos demais eventos (ver Figuras B.7, B.8 e B.9 no Apêndice B).
Anteriormente, quando foi analisada a direção de propagação das OQIs, verificou-
se que esta se comportou de maneira diferente em cada evento, não sendo possível
identificar uma direção preferencial. Observando, porém, no evento I a fase entre a
primeira e a segunda camada (Figura 4.22) e, contrastando com a direção de propa-
gação (Figura 4.17), verificou-se que há uma relação entre estas duas propriedades.
Entre os dias 01 e 11 de junho, enquanto esta fase se mantém baixa (< 15o), as
direções se comportam de maneira homogênea entre 20 e 90 metros de profundi-
dade. Quando esta fase aumenta e, no dia 14/06 atinge valores superiores à 50o,
a direção do semi-eixo passa a ser influenciada, sofrendo alterações bruscas do seu
valor em curtos intervalos de tempo. Este aspecto também pode ser observado no
início deste evento, entre os dias 31/05 e 01/06, em que também é possível observar
59
uma alta variabilidade da direção. No pico de magnitude que ocorre entre os dias
31/05 e 01/06, os ventos são provenientes de 340o e 360o. A direção de propaga-
ção nestes mesmos dias (Figura 4.17), nas camadas mais superficiais, apresenta um
padrão heterogêneo, mas logo no dia subsequente começa a apresentar um padrão
mais homogêneo, com valores contidos no intervalo de −40o e −60o. Levando-se
em conta que os valores de direção do semi-eixo maior apenas indicam a direção de
propagação, mas não o sentido, verifica-se este intervalo é condizente com a direção
do forte pico de magnitude de vento do início do evento.
No evento III a direção do vento associada ao pico de magnitude (330o a 360o),
entre os dias 16/12/93 e 18/12/93 (4.23), também tem correlação com o padrão
direção do semi-eixo (entre −80o e −90o) observado na primeira (4,1 m) e segunda
(13 m) camadas (4.18). Na segunda máxima de intensidade do vento que ocorre neste
evento, no dia 21/12/93, a direção do vento encontra-se com valores entre 340o a
350o. A partir deste mesmo dia, a direção do semi-eixo na terceira camada começa
a sofrer uma alteração significativa de seu valor, passando de valores próximos de
+60o para valores entre −40o a −60o. Veja que ao mesmo tempo nas duas primeiras
camadas a direção do semi-eixo também caminha para este intervalo de valores,
atingido-o nos dias 28/12/93 e 29/12/93. Como foi demonstrado anteriormente,
nos eventos de verão a energia inercial permanece em grande parte restrita aos
primeiros 40 metros, de maneira que a análise associativa entre o vento e a direção de
propagação das OQIs somente faz sentido até esta profundidade. Veja que a quarta
camada (30 metros) apresenta um comportamento bem semelhante ao observado na
terceira camada (22 metros). Toda esta discussão permite inferir que vento influência
fortemente nesta direção de propagação, porém, prever a partir da direção do vento
gerador qual deve ser esta é um procedimento complexo visto que a direção observada
em um instante é uma convolução do comportamento pretérito do vento, somada à
direção das OQIs preexistentes.
60
4.5 Estudo da Transferência Vertical de Quanti-
dade de Movimento
O estudo da variabilidade energética das OQIs mostrou, ao término dos even-
tos, uma propagação vertical de energia da superfície para camadas mais profundas.
Este processo, em concordância com a teoria linear de ondas internas, foi necessa-
riamente acompanhado por uma propagação vertical de fase no sentido contrário.
Esta propagação vertical de fase pode ser identificada por meio da análise visual das
séries filtradas, como exemplifica a Figura 4.25. Neste tipo de análise, a propagação
é caracterizada por um lag ou atraso de uma camada inferior em relação à uma
superior, ou seja, um determinado processo ocorrido na camada superior leva algum
tempo para ocorrer na camada inferior adjacente.
O tempo de atraso ("lag") determina o ângulo de fase entre as séries tempo-
rais de profundidades distintas, de forma que quanto maior este tempo, maior o
ângulo de fase entre elas. A partir da equação 3.1, este ângulo foi calculado para
camadas sucessivas do ADCP, de maneira a estudar com alta resolução vertical, o
comportamento da coluna d’água durante os eventos de alta energia e para estimar
parâmetros de ondas associados as OQIs. Destaca-se que o uso de qualquer uma
das componentes, como ressaltado por KUNDU (1976), é praticamente indiferente
para o cálculo deste ângulo.
Outra forma de identificar a propagação de fase associada a banda inercial con-
siste em observar, concomitantemente, a posição instantânea do vetor de velocidade
(série filtrada) em diferentes camadas. Quando o vetor de uma camada mais pro-
funda está deslocado em sentido anti-horário (Hemisfério Sul) do vetor referente a
uma camada mais superficial, também está configurada a propagação vertical de fase
(ver Figura 2.3). Este processo, denominado de "Vertical Turning"foi largamente ob-
servado durante os eventos, como mostra a Figura 4.26 durante um ciclo inercial no
evento I. KUNDU (1976) utilizou ambos os métodos (lag e vertical turning) para
determinar fase e seus derivados (m, cz e Cgz) e encontrou uma ótima concordância
entre os valores calculados.
Como já evidenciado anteriormente para a camada mais superficial, quando a
energia inercial está alta, a relação de fase entre camadas permanece relativamente
baixa (3 a 10o). Na verdade, em momentos de alta energia, foi verificado que isto
acontece em grande parte da região amostrada pelo ADCP (primeiros 90 metros),
principalmente nos eventos de inverno. Para exemplificar como se chega a esta
sincronização entre as camadas, reproduz-se na Figura 4.27 a evolução temporal dos
parâmetros fase entre camadas e valor RMS durante o processo de crescimento da
61
Figura 4.25: Visualização das componentes da velocidade (leste-oeste e norte-sul) filtradaspor passa-banda inercial, evidenciando a relação de lag entre as camadas.
energia inercial no evento I.
Destaca-se que nos dias 27/05 e 28/05, entre 20 e 40 metros de profundidade, os
valores de fase diminuem gradativamente até se tornarem inferiores a 10 graus. No
mesmo período, o contrário ocorre entre 80 e 100 metros de profundidade, isto é,
a fase cresce gradativamente, principalmente entre 80 e 90 metros. No dia 30/05 a
fase ainda está crescendo nesta porção da coluna d’água (80 - 90 m), porém logo nos
próximos dias (31/05, 01/06 e 02/06) ela diminui, enquanto ao mesmo tempo em
100 metros, a fase começa a aumentar a uma proporção semelhante. Nos próximos
três dias (03, 04 e 05 de junho), enquanto a energia inercial continua aumentando,
os ângulos de fase continuam decrescendo em todas as camadas, sendo que até os
65 metros de profundidade estes valores encontram-se inferiores a 5 graus.
O comportamento da evolução temporal do parâmetro fase descrito acima se
encaixa com a hipótese de que alguma forçante, no caso o vento, tensionou a su-
perfície do mar no início do evento (26 e 27 de maio), gerando um aumento de fase
momentâneo nas primeiras camadas. Em seguida, o cisalhamento vertical fez com
que cada camada subjacente experimentasse, depois de um certo atraso, a mesma
discordância de fase sentida pelas primeiras camadas. Certamente, este processo
indica uma propagação vertical de quantidade de movimento em direção a camadas
62
Figura 4.26: Elipses formadas a partir dos hodógrafos de velocidade confeccionados paradiferentes profundidades, respectivos a oscilação mais intensa durante o evento I.Cadaponto circular representa a posição horária do vetor construído a partir da série filtrada eas diferentes cores denotam diferentes camadas de profundidade como mostra a legenda.Na sexta hora da oscilação estão plotados os vetores de velocidade respectivos as suascamadas com o intuito de evidenciar a relação de fase (ângulo θ ) existente elas. De acordocom a teoria, para uma propagação de energia da superfície para camadas mais profundas,existe uma relação de fase positiva entre a camada mais superior e a subsequente, isto é,giram em sentido anti-horário com o aumento da profundidade.
63
Figura 4.27: Progradação dos perfis de fase entre camadas e do valor RMS da série filtradadurante o período de crescimento energético do evento I (27 a 05 de junho de 1993). Aintervalo de tempo entre os perfis corresponde a duas horas, o que permite a visualizaçãode 12 perfis por dia. O acompanhamento da evolução temporal dos perfis de fase indica atransferência vertical de quantidade de movimento.
64
mais profundas. Os altos valores momentâneos de fase indicam os período em que
uma determinada porção da coluna d’água está sofrendo a atuação retardada do
vento ocorrida na superfície, ou também, a chegada da frente de um grupo de onda.
Perceba que no dia 05/06/93, em que é atingido o maior valor RMS do evento, as
camadas se comportam de maneira sincronizada, com baixos valores de fase entre
camadas.
É interessante notar neste evento que entre 20 e 70 metros de profundidade
as camadas se adaptam mais rapidamente ao evento, ou seja, em pouco tempo as
camadas oscilam aproximadamente em fase, o que não ocorre a partir dos 80 metros.
A partir desta profundidade, as camadas têm uma maior dificuldade de se ajustar
à porção superior da coluna d’água. Mesmo durante os momentos de maior energia
do evento, a relação de fase entre as camadas ainda permanece relativamente alta
(até 20 o) nesta região (90 - 140 metros). Observando com mais atenção os perfis de
valor RMS (4.27), verifica-se que nesta mesma porção da lâmina d’água o decaimento
energético é mais acentuado.
Outra forma evidenciar o aspecto descrito acima corresponde à observação dos
valores de celeridade de fase vertical (cz) calculados de acordo com a equação 2.15
(Figura 4.28). Se cz for entendida como a velocidade com que uma informação está
se propagação na vertical, a observação feita acima é corroborada, haja vista que
entre as profundidades de 20 e 70 metros os valores calculados são consideravelmente
mais altos.
A explicação para tal comportamento pode estar na estratificação vertical local.
Apesar de não haver dados termohalinos para o mesmo período das séries, na busca
por informações desta natureza na região, descubriu-se a existência de um perfil de
CTD (06MT28_2 AR15) coletado um pouco depois (29/05/1994) do término do
registro. Mesmo este perfil não tendo sido realizado exatamente no local (34 35, 19′
S 27 3, 40′ W) do fundeio, dele é possível inferir algumas informações sobre o com-
portamento termohalino dos primeiros 150 metros de profundidade (Figura 4.29).
O fato do perfil ter sido coletado no mesmo mês do ano em que ocorreu o evento I,
apesar de serem anos diferentes, reforça está idéia de que o forte decaimento obser-
vado entre 80 e 100 metros tem relação com a estratificação vertical. O decaimento
monotônico do perfil RMS de 10 e 80 metros, já mencionado por KUNDU (1976)
também ocorre aqui, concordando com um perfil vertical médio proporcional a raiz
de N evidenciada na teoria de ondas internas. Na região diretamente influenciada
pelo vento, primeira e segunda camadas, esta teoria não é válida pois consiste de
uma região de geração e destruição constante de OQIs.
Nos eventos de verão, a exemplo do IV (Figura 4.30), em que a energia inercial
65
020
4060
80100
120140
05/24/9305/27/93
05/30/9306/02/93
06/05/9306/08/93
06/11/9306/14/93
06/17/930
20
40
60
80
100
Prof. (m)Prof. (m)
Prof. (m)
Fase (o)
020
4060
80100
120140
05/24/9305/27/93
05/30/9306/02/93
06/05/9306/08/93
06/11/9306/14/93
06/17/930
2
4
6
8
10
12
Cel. d
e F
ase (cm
/s)
20
40
60
80
100
0.2
0.4
0.6
0.8
Prof. (m)
Figura 4.28: Gráfico cascata (Waterfall plots) dos valores de fase entre camadas (o) eceleridade vertical de fase (cm/s) durante o evento I. Por meio desses gráficos é possívelobservar a evolução temporal dos perfis verticais desses dois parâmetros, onde verifica-seque nos locais onde os valores de fase permanecem pequenos, maiores valores de celeridadede fase são encontrados.
66
0 0.05 0.1 0.15 0.2 0.25 0.3
140
120
100
80
60
40
20
0
N/pi (cpm)
Pro
f. (
m)
Perfil de Frequência deBrunt−Vaisala (N)
− Local: 34o 35.19’ S 27
o 3.40’ W
− 25 de Maio de 1994− Line AR15 IfKM (Navio METEOR1994).
Figura 4.29: Perfil de Brunt–Väisälä construído a partir do perfil de CTD 316 (Expcode06MT28-2) da linha AR15 (navio METEOR 1994) realizada pelo IfMK para o WOCE,em 25/05/1994. Local: 34o35, 19′ S 27o3, 40′ W
67
encontra-se praticamente aprisionada nos primeiros 60 metros de profundidade, os
altos valores de cz ocorrem próximo da superfície. Entre 20 e 45 metros de profun-
didade os valores cz permanecem quase que por todo o evento próximos de zero. A
partir dos 60 metros há momentos com altos valores de cz, porém a energia inercial
nessa região é muito baixa para se considerar este um aspecto relevante.
020
4060
80100
120140
01/09/9401/12/94
01/15/9401/18/94
01/21/9401/24/94
01/27/9401/30/94
0
50
100
150
Profundidade (m)
Fase (o)
020
4060
80100
120140
01/09/9401/12/94
01/15/9401/18/94
01/21/9401/24/94
01/27/9401/30/94
0
0.5
1
1.5
2
Cel. d
e F
ase (cm
.s
−1)
20
40
60
80
100
120
140
0.2
0.4
0.6
0.8
Profundidade (m)
Figura 4.30: Gráfico cascata (Waterfall plots) dos valores de fase entre camadas (o) eceleridade vertical de fase (cm/s) durante o evento IV. Por meio desses gráficos é possívelobservar a evolução temporal dos perfis verticais desses dois parâmetros, onde verifica-seque nos locais onde os valores de fase permanecem baixo, maiores valores de celeridadede fase são encontrados. Veja, entretanto, que diferentemente dos eventos de inverno, osmaiores valores de celeridade de fase encontra-se mais próximos da superfície.
Analisando a distribuição dos valores de cz por meio de histogramas (Figura
4.31) também é possível identificar diferenças entre eventos de mesma estação do
ano. No evento I, por exemplo, nota-se que os valores mais altos (acima de 1 cm/s)
foram identificados em camadas intermediárias da região amostrada. No evento II
68
o comportamento foi semelhante, porém valores acima de 1 cm/s foram identifica-
dos em camadas relativamente mais profundas. Os eventos III e IV apresentam-se
semelhantes no que tange à dispersão vertical dos valores de cz, porém no primeiro
foram evidenciados valores de até 0,6 cm/s, enquanto no segundo de até 0,8 cm/s.
Nesses dois eventos, assim como no V, em 70% do tempo os valores de celeridade
de fase permanecem inferiores à 0, 3 cm/s. Nos dois primeiros eventos em 70% do
tempo os valores permanecem inferiores a 0, 8 cm/s. Vale notar que nos evento IV
e V são encontrados valores esporádicos muito altos, porém poucos com ocorrências
significativas acima a 2 cm/s.
Figura 4.31: Dispersão dos valores de celeridade de fase (cm/s) em função das camadaspara todos os eventos inerciais de alta energia. As celeridades de fase foram calculadasentre camadas sucessivas do ADCP, ou seja, na legenda, C 1-2 refere-se a primeira esegunda camadas do ADCP, C 2-3 segunda e terceiras camadas, e assim por diante.
Mesmo a distribuição dos valores de celeridade de fase sendo complexa tanto na
vertical como no tempo, calcular valores médios por camada (4.2) para tentar ca-
racterizar cada evento é interessante. Nos eventos de inverno, os valores mais altos
ocorrem entre 22 e 74 metros de profundidade, enquanto nos eventos de verão, em
geral, os valores mais altos permanece restritos às duas camadas mais superficiais.
Note que no evento III o valor mais alto ocorre entre 13-22 de profundidade, e nos
69
Tabela 4.2: Valores médios de Celeridade de Fase (cm/s)Camadas (m) Evento I Evento II Evento III Evento IV Evento V
Figura B.1: Variação do eixo principal das elipses durante o evento II.
87
Figura B.2: Variação do eixo principal das elipses durante o evento IV.
88
Figura B.3: Variação do eixo principal das elipses durante o evento V.
89
Figura B.4: Variação temporal da amplitude do semi-eixo maior (a) e da excentricidade(b) das elipses durante o evento II. A barra lateral de cores está em (cm/s). A isolinhapreta distingui, no caso do gráfico de amplitude, valores superiores a 20 cm/s, e no contornode excentricidade, valores entre 1, 05 e 1, 20.
90
Figura B.5: Variação temporal da amplitude do semi-eixo maior (a) e da excentricidade(b) das elipses durante o evento IV. A barra lateral de cores está em (cm/s). A isolinhapreta distingui, no caso do gráfico de amplitude, valores superiores a 20 cm/s, e no contornode excentricidade, valores entre 1, 05 e 1, 20.
91
Figura B.6: Variação temporal da amplitude do semi-eixo maior (a) e da excentricidade(b) das elipses durante o evento V. A barra lateral de cores está em (cm/s). A isolinhapreta distingui, no caso do gráfico de amplitude, valores superiores a 20 cm/s, e no contornode excentricidade, valores entre 1, 05 e 1, 20.
92
Figura B.7: Análise associativa entre as condições do vento (direção e magnitude) e ocomportamento da camadas superficial (valor RMS e fase obtida a partir da série fil-trada para as duas camadas mais superficiais) durante o evento II. Informações do ventoprovenientes do Modelo Atmosférico Global NCEP/NCAR Reanálise I.
93
Figura B.8: Análise associativa entre as condições do vento (direção e magnitude) e ocomportamento da camadas superficial (valor RMS e fase obtida a partir da série fil-trada para as duas camadas mais superficiais) durante o evento IV. Informações do ventoprovenientes do Modelo Atmosférico Global NCEP/NCAR Reanálise I.
94
Figura B.9: Análise associativa entre as condições do vento (direção e magnitude) e ocomportamento da camadas superficial (valor RMS e fase obtida a partir da série fil-trada para as duas camadas mais superficiais) durante o evento V. Informações do ventoprovenientes do Modelo Atmosférico Global NCEP/NCAR Reanálise I.
95
Apêndice C
Ondas Inerciais-gravitacionais
As equações de águas rasas linearizadas em torno de um escoamento médio
nulo (Equação da Continuidade C.1 e Equações de Conservação da Quantidade de
Movimento C.2 e C.3) são:
∂η
∂t+ H
(∂u
∂x+
∂v
∂y
), (C.1)
∂u
∂t− fv = −g
∂η
∂x, (C.2)
∂v
∂t+ fu = −g
∂η
∂y, (C.3)
onde u e v representam, repectivamente, pequenas perturbações nas componentes
horizontais da velocidade na direção x e y, g a aceleração da gravidade, H a pro-
fundidade local, k o número de onda na direção x e l na direção y, ω a frequência
angular de oscilação, η a elevação da superfície do oceano e (u, v, η) as amplitudes
complexas das respectivas variáveis.
Assumindo f (parâmetro de Coriolis) como constante, a equação de dispersão
(Equação C.10) das ondas inerciais-gravitacionais pode ser obtida inserindo uma
solução oscilatória progressiva (Equação C.4) nas equações de águas rasas (Equações
C.1, C.2 e C.3). Deste procedimento obtém-se:
(u, v, η) = (u, v, η)e(kx+ly−ωt), (C.4)
−iωu − f v = −ikgη, (C.5)
96
−iωv + fu = −ilgη, (C.6)
−iωη − iH(lu + lv) = 0. (C.7)
Combinando as equações C.5 e C.6, aparecem as equações:
u =gη
ω2 − f 2(ωk + if l), (C.8)
v =gη
ω2 − f 2(−ifk + ωl). (C.9)
Finalmente, substituindo estas últimas duas equações (C.8 e C.9) na equação
C.7, obtém-se a equação de dispersão:
ω2 − f 2 = gH(k2 + l2). (C.10)
A equação de dispersão (C.10) observada graficamente (Figura C.1) denota que
a propagação livre dessas ondas no oceano é limitada em baixa frequência pelo parâ-
metro de Coriolis. Próximo desse limite, onde a dinâmica corresponde basicamente
a um balanço entre a taxa de variação da velocidade e a aceleração de Coriolis, estão
as ondas quase inerciais (KUNDU e COHEN 2002).
Figura C.1: Representação gráfica da relação de dispersão das ondas inerciais-gravitacionais (escoamento médio nulo).
A simetria da equação de dispersão (Eq. C.10) em relação a k e l, considerando f
como constante, significa que as direções x e y não são diferentemente sentidas pelo
97
campo de ondas, ou seja, essas ondas são isotrópicas. Sendo assim pode-se alinhar
o eixo x na direção do número de onda e, consequentemente atribuir l como nulo,
ou seja, campo de onda invariante ao longo y. Multiplicando as equações C.8 e C.9
por exp (ikx − iwt) e trabalhando apenas com a parte real resultante são obtidas as
equações C.11 e C.12 que descrevem o movimento orbital do fluido.
u =ωη
KHcos(kx − ωt), (C.11)
v =f η
KHsin(kx − ωt). (C.12)
O movimento orbital das partículas pode ser esboçado calculando, a partir das
equações C.11 e C.12, os valores de u e v para x = 0 nos instantes de tempo corres-
pondentes a ωt = 0, π2, π. O hodógrafo resultante evidencia que o vetor de velocidade
gira em sentido anticiclônico no hemisfério sul (Figura C.2) e que a direção do semi-
eixo maior representa a direção de propagação das oscilações. Nota-se também que
a relação de magnitude entre os semi-eixos é proporcional aω
f, de modo que quanto
maior a frequência de oscilação em relação a f mais excêntrica será polarização
do movimento orbital do fluido (Figura C.2). Deste último aspecto, deduz-se que
quando ω = f o movimento orbital do fluido é perfeitamente circular. A este caso
limite comumente atribui-se a expressão Corrente Inercial, ou seja, oscilações de
corrente sem propagação horizontal e isentas da influência do gradiente de pressão,
em que a partícula movi-se apenas devido a sua inércia.
Figura C.2: Esquema do movimento orbital do fluido baseado nas equações C.11 e C.12
98
Apêndice D
Teoria Linear de Ondas Internas
Negligenciando os gradientes horizontais de densidade e os termos difusivos, as equa-
ções governantes linearizadas em torno de um escoamento médio nulo são:
∂u
∂x+
∂v
∂y+
∂w
∂z= 0, (D.1)
∂u
∂t− fv = − 1
ρ0
∂P
∂x, (D.2)
∂v
∂t+ fu = − 1
ρ0
∂P
∂y, (D.3)
∂w
∂t= − 1
ρ0
∂P
∂z− ρg
ρ0, (D.4)
∂ρ
∂t− ρ0N2
gg = 0, (D.5)
sendo P e ρ, respectivamente, pequenas perturbações no campo de pressão e de
densidade, ρ0 o valor médio de densidade pela aproximação de Boussinesq, N a
frequência de Brunt–Väisälä, w pequenas perturbações da componente vertical da
velocidade, D.1 a equação da Continuidade, D.2, D.3 e D.4 as equações de Con-
servação de Quantidade de Movimento nos três eixos (x, y, z) e D.5 a expressão
proveniente da equação DρDt
= 0 linearizada em torno de um escoamento médio nulo.
Lembrando que a equação DρDt
= 0 advém da termodinâmica e remete a um pro-
cesso adiabático. O procedimento completo para obtenção da equação D.5 pode ser
consultado em KUNDU e COHEN (2002).
99
Essas equações governantes (D.1 - D.5) podem ser convenientemente combinadas
em uma única equação em função da velocidade vertical (Equação D.6). Os pro-
cedimentos para isso englobam: derivar a equação da continuidade (Equação D.1)
em relação ao tempo e utilizar no resultado as equações horizontais de momentum
(Equações D.2 e D.3); combinar as equações D.3 e D.4 para eliminar ρ; multiplicar
a equação resultante do primeiro procedimento por ∇2H e inseri-la na equação re-
sultante do segundo procedimento. Seguindo estas etapas tem-se com resultado a
equação D.6.
∂2
∂t2∇2w + N2∇2
Hw + f 2 ∂2w
∂z2= 0, (D.6)
onde ∇2 = ∂2
∂x2 + ∂2
∂y2 + ∂2
∂z2 e ∇2H = ∂2
∂x2 + ∂2
∂y2 .
Uma vez que os coeficientes da equação D.6 são independentes da horizontal,
serão assumidas soluções trigonométricas do tipo:
(u, v, w) = (u, v, w)e(kx+ly−ωt). (D.7)
Repare que a solução de onda na vertical está em aberto (não há na solução um
número de onda vertical), pois é exatamente nesta direção que se deseja conhecer o
comportamento. Inserindo a solução D.7 na equação governante D.6 tem-se que:
(−iω)2
[(ik)2 + (il)2 +
d2
dz2
]w + N2
[(ik)2 + (il)2
]w + f 2 d2w
dz2= 0, (D.8)
de onde obtém-se que:
d2w
dz2+
(N2 − ω2)(k2 + l2)ω2 − f 2
w. (D.9)
Definindo:
m2(z) =
(N2 − ω2)(k2 + l2)ω2 − f 2
, (D.10)
a equação D.9 pode ser reescrita na forma:
d2w
dz2+ m2w = 0. (D.11)
Para m2 < 0, a solução da equação D.11 em (z) é exponencial indicando que a
100
oscilação está confinada na superfície, ou seja, propaga-se somente horizontalmente
como já demonstrado para o caso de um fluido homogêneo. Em contrapartida,
quando m2 é positivo a solução é trigonométrica também em (z), indicando a exis-
tência de propagação também na vertical. A partir da equação D.10 verifica-se que a
propagação livre das ondas inerciais-gravitacionais internas restringe-se ao intervalo
de frequências:
f < ω < N (D.12)
É interessante perceber neste caso, diferentemente do caso homogêneo, existe um
limite em alta frequência representado pela frequência de Brunt–Väisälä.
Solução WKB (aproximação de Wentzel-Kramers-Brillouin)
A aproximação WKB é aplicada quando pressupõe-se que as propriedades mé-
dias do meio variam lentamente, de maneira a permitir que simplificações seja reali-
zadas longo do desenvolvimento matemático. Para o presente caso, ela consiste em
assumir que N(z) é uma função que varia lentamente ao longo da vertical, de modo
que sua mudança fracional seja inferior a unidade em um comprimento vertical (Lz).
Portanto, estão sendo consideradas apenas ondas internas com comprimento de onda
vertical pequeno em relação a escala de variação de N, ou seja, se H representa uma
escala vertical em que N varia apreciavelmente, deve-se assumir que Hm >> 1.
Partindo dessa premissa, uma solução do tipo
w = A(z)eiφz, (D.13)
é assumida para a equação D.11, sendo que a fase φ e a amplitude da solução A(z)
valores reais. A inserção desta solução na equação D.11 fornece que:
d2A
dz2+ A
[m2 − (
dφ
dz)2
]+ i2 dA
dz
dφ
dz+ iA
d2φ
dz2= 0. (D.14)
Equacionando separadamente a parte real (D.15) e a parte imaginária (D.16)
d2A
dz2+ A
[m2 − (
dφ
dz)2
]= 0 (D.15)
i2 dA
dz
dφ
dz+ iA
d2φ
dz2= 0 (D.16)
101
Na equação D.15 o termod2A
dz2é negligenciável em relação ao segundo termo,
uma vez que Hm >> 1, ou seja:
d2Adz2
Am2∼ 1
H2m2<< 1 (D.17)
Desse modo a equação D.16 pode ser reescrita na forma:
dφ
dz= ±m (D.18)
Esta última equação têm como solução:
φ = ±∫ z
mdz, (D.19)
sendo o limite inferior da integral arbitrário.
A amplitude é determinada utilizando a equação D.18 para escrever a equação
D.16 da seguinte forma:
dA
A= − (d2φ
dz2 )dz
2(dφ/dz)= −(dm
dz)dz
2m= −1
2dm
m. (D.20)
Integrando a equação D.20, obtém-se que A = −i ln m+ const, de onde extrai-se
que
A =A0√m
, (D.21)
onde A0 representa a constante resultante da integração. Finalmente, a solução
obtida a partir da aproximação WKB é:
w =A0√m
e±∫
zmdz (D.22)
Como não está sendo levado em conta o efeito β essas ondas são isotrópicas, ou
seja, a relação de dispersão é simétrica nas direções x e y. Novamente, então, é
possível alinhar a direção de propagação ao eixo x, pressupondo que k > 0, l = 0 e
ω > O, sem perder a generalidade da solução.
Para determinar as equações que descrevem o movimento orbital horizontal do
fluido (u e v) em função de w, basta inserir a solução D.7 na equação da continuidade
102
simplificada∂u
∂x+
∂w
∂z= 0, tendo com resultado:
iku +dw
dz. (D.23)
A derivada da equação D.22 pode ser obtida tratando√
m como aproximada-
mente constante, uma vez que as variação de w obedecem a presente solução de
onda baseada na aproximação WKB. Desta forma:
dw
dz=
A0√m
(±im)e±∫
zmdz = ±iA0
√me±
∫z
mdz , (D.24)
de modo que a equação D.23 torna-se
u = ∓A√m
ke±∫
zmdz . (D.25)
Uma expressão para v pode ser obtida a partir das equações horizontais de
quantidade de movimento (Equações D.2 e D.3). Por meio de diferenciação cruzada
entre essas equações obtém-se a equação de vorticidade:
∂
∂t
(∂u
∂y− ∂v
∂x
)= f
(∂u
∂x+
∂v
∂y
), (D.26)
onde inserindo a solução de onda da equação D.7 surgi a relação:
u
v= i
ω
f, (D.27)
a partir de onde é possível escrever que:
v = ±if
ω
A√m
ke±∫
zmdz. (D.28)
Trabalhando apenas com a parte real das equações D.22, D.23 e D.28 o campo
de velocidade completo é determinado, sendo as componentes da velocidade nos três
eixos iguais a:
u =A0
√m
kcos(kx ± ∫ z mdz − ωt), (D.29)
v =A0f
√m
ωksin(kx ± ∫ z mdz − ωt), (D.30)
103
w =A0√
mcos(kx ± ∫ z mdz − ωt), (D.31)
lembrando que a relação de dispersão (Equação D.10) foi alterada para:
m2(z) =
(N2z − ω2)k2
ω2 − f 2w = 0, (D.32)
uma vez que l = 0.
O significado do termo m(z) é evidenciado nas equações D.29, D.30 e D.31. Se∫ z mdz determina uma "fase"entre as camadas, torna-se evidente que:
m(z) =∂(fase)
∂z, (D.33)
onde m(z) corresponde ao número de onda vertical.
104
Apêndice E
Espectro Rotatório
O estudo de oscilações periódicas em séries temporais é comumente realizado a
partir da análise espectral, método que consiste em dividir a variância ou energia
total da série em função de bandas de frequências. Uma grande vantagem em analisar
os dados no domínio da frequência consiste na separação dos sinais periódicos das
flutuações aperiódicas (EMERY e THOMSON, 1997), de modo que para cada um
dos sinais periódicos seja possível estimar parâmetros espectrais que auxiliem na
caracterização global da série.
No caso específico de séries temporais de ventos e correntes o vetor horizontal
de velocidade pode ser representado em coordenadas cartesianas por uma função
complexa w(t), em que a parte real, u(t), representa a projeção do vetor no eixo
zonal, enquanto que a parte imaginária, v(t), representa a projeção do vetor no eixo
meridional (ou paralelo a costa).
Uma descrição completa da variabilidade temporal do vetor tridimensional de
velocidade consiste de seis funções no domínio da frequência. São elas:
• Três autoespectros, sendo um para cada componente da velocidade;
• Três espectros cruzados;
Considerando apenas as componentes horizontais da velocidade, tem-se somente
dois autoespectros e um espectro cruzado. A Transformada Discreta de Fourier
da função w(t) pode ser, então, escrita na forma W (f k) = U(f k) + iV (f k), (f k=
k/N∆t, k = 1, ..., N ; em que k = 0 representa o fluxo médio), ou seja:
105
W (f k) = ∆tN−1∑
n=0
w(t)e−i2πknN
W (f k) = ∆tN−1∑
n=0
[u(t) + iv(t)]e−i2πknN
(E.1)
onde U(fk) e U(fk) são as transformadas de Fourier de u(t) e v(t), respectivamente.
Se o registro original for dividido em M blocos de comprimento N ′, em que N ′M
corresponde ao comprimento original do registro, se não for realizado overlapping,
a função de densidade espectral é fornecida em termos do número de seguimentos
utilizados para formar o bloco mediado,
Gww(f ′k) =
2N∆t
M∑
m=1
|Wm(f ′k)|2
=2
N∆t
M∑
m=1
([WRm(f ′k)]2 + [WIm(f ′
k)]2)
=2
N∆t
M∑
m=1
([URm(f ′k) − VIm(f ′
k)]2 + [URm(f ′k) + VIm(f ′
k)]2)
(E.2)
onde f ′k = k/N ′∆t, k = 0, 1, ..., N ′/2 (k = 0 corresponde ao fluxo médio) e para as
análises de FFT, N ′ = 2p (p é inteiro e positivo) em que os os índices R e I indicam
as partes real e imaginária resultantes da análise de Fourier.
Uma outra forma de analisar espectralmente séries temporais de correntes con-
siste na utilização da técnica do espectro rotatório (GONELLA 1972). A análise
rotatória das correntes envolve a separação do vetor de velocidade, para uma dada
frequência, ω, em componentes circulares rotacionais horárias e anti-horárias, com
amplitudes A+ e A− e fases θ+ e θ−, respectivamente. Portanto, ao invés de se
utilizar duas componentes cartesianas, (u, v), trabalha-se com duas componentes
circulares (A−, θ−; A+, θ+). Alguns motivos podem ser dados para justificar a pre-
ferência por esse tipo de abordagem:
• A separação do vetor em duas componentes rotacionais opostas pode reve-
106
lar importantes aspectos do campo de onda em frequências específicas. Esse
método provou ser bem eficiente para investigar correntes em regiões de ba-
timetria abrupta, movimentos inerciais, ondas de plataforma com períodos
diurnos e outras formas de movimentos oscilatórios de banda estreita.
• Movimentos oscilatórios não-unidirecionais são mais facilmente identificados
por esse método do que na clássica abordagem cartesiana. Além disso as
propriedades rotacionais dessas oscilações podem ser diretamente obtidas a
partir da relação de energia e fase entre as duas componentes rotatórias.
• Em vários casos, uma das componentes domina o espectro horizontal das cor-
rentes, permitindo que as análises se tornem escalares. Movimentos inerciais,
por exemplo, são quase que totalmente anti-horários no hemisfério sul, de ma-
neira que a componente horária pode ser ignorada para maioria das aplicações.
• Muitas das propriedades rotacionais como a energia total do espectro, (S+ +
S−), e o coeficiente rotatório, r(w), são invariantes sob qualquer eixo de coor-
denadas, de forma que efeitos gerados nas correntes por fatores locais, como
os causados pela mudança abrupta de topografia de fundo ou pelo contorno
da linha de costa, passam a não mais influenciar as análises.
• Em certas latitudes, o período inercial está próximo ou é igual do período
das principais constituítes de maré. Por isso, fica difícil distinguir no espectro
convencional a energia somente associada aos movimentos inerciais. Porém,
em regiões em que a componente de maré possui um movimento elíptico com
sentido de rotação contrário ao do movimento inercial (sempre anti-ciclônico),
o espectro rotatório permite que esta distinção seja realizada com eficiência.
Espectro Rotatório: Formulação Matemática
A adição vetorial de duas componentes rotacionais opostas com amplitudes dife-
rentes (A−, θ−; A+, θ+) gera uma inclinação no vetor resultante, a qual ao longo de
um giro completo do vetor faz com que seja descrito um movimento orbital elíptico.
A excentricidade (e), desta elipse é determinada pela diferença relativa de amplitude
entre as duas componentes rotatórias. Movimentos com frequência ω são circular-
mente polarizados caso uma das amplitudes seja nula. O movimento é retilíneo se as
componentes polarizadas têm a mesma amplitude (oscila sobre uma mesma linha).
O espectro rotatório do vetor w(t) pode ser representado em séries de Fourier da
107
seguinte forma:
w(t) = u(t) +N∑
k=1
Ukcos(wkt − φk) + i[u(t) +N∑
k=1
Vkcos(wkt − θk)]
= [u(t) + iv(t)] + [u(t) +N∑
k=1
[Ukcos(wkt − φk) + iVkcos(wkt − θk)]
(E.3)
em que [u(t)+ iv(t)] representa a velocidade média, wk = 2πfk a frequência angular,
t = n∆t o passo de tempo, (Uk, Vk) e (φk, θk) são as amplitudes e a fases dos
respectivos constituintes da série de Fourier para cada faixa frequência e para as
componentes imaginária e real. Subtraindo a velocidade média e expandindo as