Top Banner
Cesare Pavese fotografado por Ghitta Carell.
29

Trabalhar cansa

Mar 13, 2016

Download

Documents

Livros Cotovia

Livro de poesia de Cesare Pavese, Trabalhar cansa, foi traduzido por Carlos Leite.
Welcome message from author
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
Page 1: Trabalhar cansa

Ces

are

Pav

ese

foto

graf

ado

por

Gh

itta

Car

ell.

Page 2: Trabalhar cansa

Título original: Lavorare stanca© Giulio Einaudi editore s.p.a., Torino, 1961

© Edições Cotovia, Lda., Lisboa, 1997

Concepção gráfica de João Botelho

ISBN 972-8423-09-8

A presente edição contou com o apoio doMinistero degli Affari Esteri Italiano

Direzione Generale delle Relazioni Culturali

Page 3: Trabalhar cansa

Cesare Pavese

Trabalhar Cansa

Tradução e introdução de

Carlos Leite

Cotovia

Page 4: Trabalhar cansa
Page 5: Trabalhar cansa

Índice

IntroduçãoO ofício de viver — o ofício de escrever

TRABALHAR CANSA

AntepassadosOs mares do sulAntepassadosPaisagem IDesenraizadosO deus-cabrãoPaisagem IIO filho da viúvaLua de AgostoEles estiveram láPaisagem IIIA noite

DepoisEncontroMania da solidãoRevelaçãoManhãVerãoNocturnoAgoniaPaisagem VIIMulheres apaixonadas

p. 13

2533374143475155596365

697175777981838789

Page 6: Trabalhar cansa

Terras queimadasTolerânciaA puta camponesaPensamentos de DeolaDois cigarrosDepois

Cidade no campoO tempo passaGente que não compreendeCasa em construçãoCidade no campoAtavismoAventurasCivilização antigaUlissesDisciplinaPaisagem VIndisciplinaRetrato de autorBagaço em SetembroBalletPaternidadeAtlantic OilCrepúsculo dos areeirosO carroceiroTrabalhar cansa

MaternidadeUma estaçãoPrazeres nocturnosO jantar tristePaisagem IVUma recordaçãoA vozMaternidadeA esposa do barqueiro

9397

101105109113

119123127131135139141145149151155159163167169171175179181

187191195199203205207211

Page 7: Trabalhar cansa

A velha bêbadaPaisagem VIII

Lenha verdeExteriorFumadores de papelUma geraçãoRevoltaLenha verdePoggio RealePalavras do político

PaternidadeMediterrânicaPaisagem VIMitoO paraíso sobre os telhadosSimplicidadeO instintoPaternidadeA estrela da manhã

ApêndiceO ofício de poeta (a propósito de Trabalhar Cansa)A propósito de certas poesias ainda não escritas

VIRÁ A MORTE E TERÁ OS TEUS OLHOS

A terra e a morteTerra vermelha terra negraÉs como uma terraTambém és colinaTens rosto de pedra esculpidaTu não sabes as colinasDe salsugem e de terraVens sempre do mar

215219

223227231235239243245

249253257261263265269273

279301

317319321325327329333

Page 8: Trabalhar cansa

E então nós cobardesÉs a terra e a morte

Virá a morte e terá os teus olhosTo C. from C.In the morning you always come backTens sangue, respirasVirá a morte e terá os teus olhosA casaYou, wind of MarchPassarei pela Praça de EspanhaAs manhãs passam clarasThe night you sleptThe cats will knowLast blues, to be read some day

337339

343345347351353355359361363365369

Page 9: Trabalhar cansa

INTRODUÇÃO

Page 10: Trabalhar cansa
Page 11: Trabalhar cansa

O ofício de viver — o ofício de escrever

A primeira edição da recolha de poemas Trabalhar Cansa foi

publicada em 1936, com o autor preso por antifascismo (a edição

definitiva, aumentada, é de 1943) e não teve grandes repercussões,

talvez porque os seus versos longos, que pareciam assemelhar-se

aos versos livres de Walt Whitman, ressoassem duma maneira

escandalosa aos ouvidos dos leitores habituados ao lirico-cantabilearistocrático, espartilhado, do hermetismo vigente na poesia ita-

liana do primeiro quarto do século, e os temas à primeira leitura

naturalistas dos poemas indiciassem um autor solipsista com pen-

dores populistas. «Uma das vozes mais isoladas da poesia contem-

porânea» foi a epígrafe escolhida para envolver o volume de Lavo-rare stanca (1943), ditada pelo próprio Pavese.

Nos textos de reflexão e crítica da sua poética — O ofício depoeta e A propósito de certas poesias ainda não escritas, incluídos em

apêndice à edição definitiva de Trabalhar Cansa, mas também o

Segredo profissional, com que abre O Ofício de Viver, o seu diário

publicado postumamente —, Pavese sintetiza este seu cancioneiro

como «a aventura do adolescente que, orgulhoso do seu campo,

imagina que a cidade é igual, mas nela encontra a solidão e lhe

opõe o sexo e a paixão que apenas servem para o desenraizar e o

lançar para longe do campo e da cidade, numa mais trágica soli-

dão que é o fim da adolescência». Trabalhar Cansa possui, na

apreciação crítica que dele faz, uma coerência formal dada pela

«evocação de figuras absolutamente solitárias mas vivas no plano

imaginário porque soldadas ao seu pequeno mundo por meio da

imagem interna». A grande cidade (Turim) choca o jovem intelec-

13

Page 12: Trabalhar cansa

tual pequeno-burguês; os valores do mundo rural da infância (as

Langhe natais, Santo Stefano Belbo, nos contrafortes dos Alpes

piemonteses) são obsoletos e em decomposição acelerada face à

industrialização capitalista; os valores que governam a cidade

(Turim é capital do trabalho; a pletora fascista impera em Itália)

e o mundo dos adultos (o sexo, a paixão) acabaram por lhe causar

uma profunda decepção, ressente-os como uma barreira intrans-

ponível; solitário, desenraizado, sem outra realidade pessoal que

não seja a estranheza de si e do mundo, viverá a sua solidão exis-

tencial como uma tragédia.

O poeta conhece, por conseguinte, a sonoridade da sua lira.

Inicia a busca do real e do sentido da existência reapropriando-se

dos símbolos da infância, que desenvolve de forma mítica e irra-

cional. Sobre essa base constrói uma mitologia pessoal, elaborada

na contemplação do mundo rural piemontês, à luz dos escritores

realistas americanos, que os estudos de etnologia e um simbolismo

de origem junghiana reforçam e cujos primeiros resultados natu-

ralistas têm muito a ver com o D’Annunzio «verista» e Nietzsche.

Mas os ritos arcaicos de sangue e sexo acabam sempre por ser, para

o homem da cidade — logo, para o intelectual —, mais um espe-

lho da sua própria solidão, pois no mito não há evasão, mas uma

forma transfigurada de autoconsciência, a descoberta terrível de

um «destino», duma maldição. Esta é a demanda intelectual de

Pavese. No entanto, a sua consciência das potencialidades do

fundo cultural de que parte nem sempre é isenta de contradições,

que o impedem de as aprofundar com coerência. Por vezes parece

atraído por concepções ideológicas, outras é a sua concepção

romântica do artista (o valor exemplar da sua vida) que o faz des-

viar-se, confundem-no as suas próprias frustrações de intelectual

pequeno-burguês. Parece ter necessidade de se camuflar, de se

conformar, de se fazer passar por aquilo que não é, de vestir peles

que não são a sua, pela rudeza, pela grosseria, pelo excesso de viri-

lidade e desenvoltura.

14

TRABALHAR CANSA

Page 13: Trabalhar cansa

Trabalhar Cansa tem como leitmotiv a solidão, em que serepetem obsessivamente os temas da evasão e da fuga, a vida é umcárcere, repetição inútil, destino inelutável. Das suas páginas res-saltam sobretudo as figuras do rapaz que foge de casa, do velho,da prostituta, enfim, dos que são incapazes de inserir-se no ritmoda existência comum, que é a dos adultos que trabalham.O sonho da paternidade (outra obsessão de Pavese) é um desejodoentio e jamais satisfeito, como também não compensa e é causade frustrações a aventura amorosa, vivida (Encontro) ou espiada edesejada de longe (em Crepúsculo dos areeiros). Prisioneiro do pró-prio corpo, como da vida, o outro é uma presença opaca, semrosto, ou de rosto indecifrável, que apenas se manifesta pela neces-sidade de satisfazer os instintos. Todas as janelas, reais ou figura-das, se abrem para a rua rectilínea e sem fim, para as colinas mudasde indiferença. A fome de companhia, de calor, de sexo, angustiae isola ainda mais, mas os encontros são bruscos, breves, ditadospela necessidade mais primária, o amor é linear e de desfecho pré--estabelecido, o silêncio a sós ou acompanhado enche-se de gritosmudos e de fumo de cigarros, na cidade os solitários juntam-separa pôr em comum a solidão e sentir algum calor na construçãoda solidariedade. Os fumadores de papel ou Uma geração mostramuma vontade de rebelião contra situações de impotência e opres-são, que assumem o valor de metáfora do fascismo. O deus-cabrãocheira a sangue e a sexo numa reminiscência infantil.

Os poemas narrativos de Trabalhar Cansa revelam uma evo-lução técnica na sua construção, do jogo simples de alguns sím-bolos evidentes (de que o exemplo mais conseguido será talvezDesenraizados), mas recorrentes noutros poemas (colina-sexo, flo-res-raparigas), à consumação duma concentração lírico-simbólica,cujo resultado mais equilibrado é A estrela da manhã, o poemacom que se encerra a recolha. Paralelamente, o narrador passa «deum eu naturalista a um eu monologante» (Cidade no campo), comuma lição de estilo que tem a ver, uma vez mais, com a técnica danarrativa. A descoberta do valor simbólico (mas não alegórico, não

15

INTRODUÇÃO

Page 14: Trabalhar cansa

explicativo) da imagem-metáfora é um princípio eminentemente

técnico apenas, que tem a ver com a estrutura do poema e não

com a «mensagem», com o significante e não com o significado.

A composição dum poema parte sempre dum acontecimento

externo, duma problemática pessoal (a «história»), mas a sua estru-

tura é imediatamente já outra realidade, metáfora (não necessaria-

mente consonante, ou afim, ou análoga à realidade da trama) sub-

terrânea, diluída, sublimada. Por exemplo, uma história de amor

é contada como se fosse um facto de sangue; a grosseria que serve

de pano de fundo a um idílio campestre pode recobrir toda a tela,

mas não se lhe sobrepõe nem condiciona ocultamente a força ou

a função poética de nenhum dos seus elementos — um princípio

refinadamente oblíquo do acto artístico genuinamente moderno.

Pavese fala dos modelos elisabetheanos, e reivindica-se especial-

mente do Shakespeare «metafísico», mas poderia igualmente rei-

vindicar-se de Proust, Joyce, Kafka. Ou até de alguma música

dodecafónica e serial,1 e de certas técnicas de trompe l’oeil da pin-

tura. A primeira aplicação desta técnica, data-a do poema do «ere-

mita» (Paisagem I), em que a imagem deixou de ser «translacção,

decoração mais ou menos arbitrária sobreposta à objectividade

narrativa», para passar a ser «obscuramente, a própria narração».

No diário analisará outras composições seriais, em que a «relação

imaginária» entre o primeiro e o segundo termos do processo

metafórico é «o próprio argumento da narração».

16

TRABALHAR CANSA

1 No prefácio da tradução francesa de Lavorare stanca, Dominique Fernan-dez cita o crítico musical Massimo Mila. Segundo este, «a função poética de Paveseparece hoje singularmente próxima da dos novos músicos italianos, de Casella aPetrassi, de Busoni a Dallapiccola, de Malipiero a Nono, comprometidos numadupla tarefa: por um lado, conquistar as posições da cultura europeia contempo-rânea, por outro, recuperar as posições duma antiga civilização instrumental ita-liana, obliterada durante a invasão da ópera no séc. XIX.». (Cesare Pavese, Tra-vailler fatigue, Gallimard)

Page 15: Trabalhar cansa

Ainda e sempre no diário, Pavese coloca a questão da uni-dade da obra poética: «O problema estético mais urgente, meu edo meu tempo, é sem dúvida o da unidade duma obra de poesia»— e encontra essa unidade no tempo: «A dificuldade do tempo danarração consiste na transformação do tempo material, monótonoe bruto, num tempo imaginário que tenha a mesma consistênciaque o outro». O escandir dos temas, a sua recorrência, são umartefacto que dá «significado ao tempo» e a «realidade secreta» dopoema, ao emergir repetidamente, funciona como um relógio queritma a obra, ligando e unindo o princípio e o fim e todas as par-tes do objecto narrado, e confere uma consistência real ao tempo«imaginário». E por isso «narrar é sentir na diversidade do realuma cadência significativa»; «dizer estilo é dizer cadência, ritmo,retorno obsessivo do gesto e da voz, da própria posição na reali-dade». A obra conseguida só pode ser «puro ritmo», uma vez queo artista não é aquele que «conhece a natureza humana», mas simo que «possui blocos de realidade, experiências significativas quelhe ritmam e cadenciam e subtendem o discurso». Criar é estili-zar, buscar um ritmo, simetrias, cadências «sob as coisas e sob osfactos da realidade externa».

Se bem que Trabalhar Cansa seja a obra poética principal deCesare Pavese, pela qual é reconhecido como um dos grandes poe-tas europeus do séc. XX, mas que parece não ter ultrapassado asfronteiras dos habituais grupos de iniciados, Virá a Morte e Teráos Teus Olhos, publicado em 1950 após a sua morte, incluindoA Terra e a Morte (já publicado em 1945), é a obra que o deu aconhecer ao público italiano — como poeta, sublinhe-se; oromancista e o intelectual eram figuras preponderantes na culturae na vida italianas — e dele fez um poeta célebre. Foi, sem dúvida,a circunstância de Virá a Morte e Terá os Teus Olhos ter sido ins-pirado pelos amores infelizes do poeta por uma actriz americana,Constance Dowling, a quem de resto era dedicado, que contribuiu

17

INTRODUÇÃO

Page 16: Trabalhar cansa

para tanto; as duas recolhas seriam inclusivamente musicadas egravadas em disco.

O Pavese que se lê nestes dois conjuntos é muito diferentedo de Trabalhar Cansa, um Pavese que fala na primeira pessoapara alguém que está ausente, que se abandona em censurasmagoadas à mulher amada (diferente num e no outro livro), emversos curtos e rápidos, impregnados de uma musicalidadevibrante mas dolente de nostalgia, de cansaço, de renúncia, nasformas do lirismo que o temperamento italiano acabaria por ouvircom mais facilidade, por serem mais próximas da sua sensibili-dade. Os temas reduzem-se também, ou melhor, concentram-se:a mulher é o sangue, é a terra, é a morte. Aceite a derrota da lutacontra a solidão, resta a inutilidade da vida e a conclusão do seudestino sobre a terra.

A beleza destes poemas não é, porém, inferior à dos de Tra-balhar Cansa, é outra, simplesmente: mais espontânea, mais sim-ples, mais directa, menos «fabricada», menos «programática».Como se o poeta desse, enfim, vez à sua voz natural.

Há livros que, uma vez lidos, não se conseguem fechar.Ficam abertos numa mesa qualquer da memória, esquecidos, irra-diando uma luz inquietante e incompreensível, à espera que asmãos que os abriram voltem, para os fecharem e guardarem comose devem guardar os livros, numa estante. O Ofício de Viver é umdeles, a anotação lúcida e impiedosa dos dias e do pensamento deum escritor para ele próprio, seu primeiro leitor. Lido no final dosanos 60 na tradução portuguesa então publicada, foi um livroobrigatório para quem na altura era jovem, com curiosidade inte-lectual e vontade de fazer a experiência duma cultura a fazer-se,viva, em liberdade — como também a experiência da própria vida— que a realidade social e política portuguesa da época não con-sentia, antes anquilosava. Hoje é sobretudo um livro que mostrade que matéria era feito o homem Cesare Pavese, a lucidez ator-mentada com que viveu o seu próprio papel de intelectual empe-

18

TRABALHAR CANSA

Page 17: Trabalhar cansa

nhado politicamente na sociedade italiana antifascista e pós-fas-cista (as décadas de 30 e 40), num fundo de solidão essencial cujaúnica escapatória acabou por ser a autodestruição vivida como«vício absurdo». Traduzir Lavorare stanca e Verrà la morte e avrà ituoi occhi — toda a sua obra poética — tratou-se, pois, de fecharum livro que ficou aberto abrindo outro, ou de abrir o mesmo,relendo-o nas suas páginas de «poética prática».

Alguns dados biográficos

Cesare Pavese nasceu em Santo Stefano Belbo, nas Langhe(província de Cuneo) em 1908, tendo-se mudado ainda criançapara Turim, donde se ausentou sempre apenas durante poucotempo: passou um ano na prisão em Brancaleone (Reggio Cala-bria), comprometido por amigos políticos; passou algum tempoem Roma em trabalho para o editor Einaudi, de quem foi um dosmais eficazes conselheiros editoriais; suicidou-se em Turim em1950.

A sua tese de licenciatura foi sobre Walt Whitman e já nãoera um desconhecido quando em 1936 publicou Lavorare stanca:tinha já publicado e continuaria a publicar estudos sobre litera-tura norte-americana clássica e contemporânea, reunidos numvolume (La letteratura americana e altri saggi) publicado postu-mamente em 1951. Traduziu Daniel Defoe (Moll Flanders), Dickens, Melville (Moby Dick e Benito Cereno), Joyce (Dedalus),Sinclair Lewis, John dos Passos, Gertrude Stein. As suas tradu-ções são consideradas de rara qualidade, constituindo um capí-tulo essencial, ainda por investigar, da moderna prosa italiana.Autor de inúmeros romances (muitos dos quais traduzidos paraportuguês), foi considerado por muitos um dos chefes-de-fila doneo-realismo italiano, o que o irritava e é bom de entender, já que

19

INTRODUÇÃO

Page 18: Trabalhar cansa

TRABALHAR CANSA

20

a sua obra se afasta do provincianismo naturalista inerente a essacorrente literária, para o aproximar da consciência da crise (e daambiguidade com que esta é vivida pelo intelectual) que é pró-pria da cultura e da literatura europeias. É no entanto verdadeque muita da literatura neo-realista italiana nasce do seu romancePaese tuoi, publicado em 1941. A sua influência fez-se sentir emescritores mais novos, como Pasolini e Italo Calvino, entreoutros.

Bruxelas, Janeiro de 1997

Carlos Leite

Para esta introdução consultei (e utilizei) as seguintes obras: de GianfrancoContini, La Letteratura italiana, 1974, Sansoni/Accademia; de Romano Luperini,Il Novecento, 1981, Loeschi Editore; de Tibor Wlassics, Pavese falso e vero. Vita,poetica, narrativa, 1985, Centro di Studi Piemontesi.

Page 19: Trabalhar cansa

LAVORARE STANCA

TRABALHAR CANSA

Page 20: Trabalhar cansa
Page 21: Trabalhar cansa

Antenati

Antepassados

Page 22: Trabalhar cansa

I MARI DEL SUD (a Monti)

Camminiamo una sera sul fianco di un colle,in silenzio. Nell’ombra del tardo crepuscolomio cugino è un gigante vestito di bianco,che si muove pacato, abbronzato nel volto,taciturno. Tacere è la nostra virtú.Qualche nostro antenato dev’essere stato ben solo— un grand’uomo tra idioti o un povero folle —per insegnare ai suoi tanto silenzio.

Mio cugino ha parlato stasera. Mi ha chiestose salivo con lui: dalla vetta si scorgenelle notti serene il riflesso del farolontano, di Torino. «Tu che abiti a Torino...»mi ha detto «...ma hai ragione. La vita va vissutalontano del paese: si profitta e si godee poi, quando si torna, come me a quarant’anni,si trova tutto nuovo. Le Langhe non si perdono».Tutto questo mi ha detto e non parla italiano,ma adopera lento il dialetto, che, come le pietredi questo stesso colle, è scabro tantoche vent’anni di idiomi e di oceani diversinon gliel’hanno scalfito. E cammina per l’erta con lo sguardo raccolto che ho visto, bambino,usare ai contadini un poco stanchi.

Vent’anni è stato in giro per il mondo.Se n’andò ch’io ero ancora un bambino portato da donne

24

TRABALHAR CANSA

Page 23: Trabalhar cansa

OS MARES DO SUL (para Monti)

Caminhamos uma tarde pela encosta dum monte,em silêncio. Na sombra do lento crepúsculo,o meu primo é um gigante vestido de branco,de andar pausado, o rosto bronzeado,taciturno. O silêncio é a nossa força.Um antepassado nosso deve ter-se sentido muito só — grande homem entre imbecis, um louco coitado —

para ensinar aos seus tanto silêncio.

Esta tarde o meu primo falou. Perguntou-mese queria ir com ele: do alto, vê-seem noites serenas o brilho das luzesao longe, de Turim. “Tu que vives em Turim...”disse-me “... tu é que tens razão. A vida vive-selonge da terra: ganha-se, goza-see depois, quando se volta, como eu aos quarenta,tudo é novo e diferente. As Langhe não se perdem”.Disse-me isto tudo e não fala italiano,mas serve-se, pausado, do dialecto que, como as pedrasdeste mesmo monte, é tão ásperoque vinte anos de línguas e oceanos diversoslho não arranharam. E sobe a encostacom o olhar ensimesmado que vi, menino,nos olhos dos camponeses já um pouco cansados.

Durante vinte anos correu mundo. Abalou era eu ainda um menino que as mulheres levavam ao colo

25

ANTEPASSADOS

Page 24: Trabalhar cansa

e lo dissero morto. Sentii poi parlarneda donne, come in favola, talvolta;ma gli uomini, piú gravi, lo scordarono.Un inverno a mio padre già morto arrivò un cartoncinocon un gran francobollo verdastro di navi in un porto e augurî di buona vendemmia. Fu un gran stupore,ma il bambino cresciuto spiegò avidamenteche il biglietto veniva da un’isola detta Tasmaniacircondata da un mare piú azzurro, feroce di squali,nel Pacifico, a sud dell’Australia. E aggiunse che certo il cugino pescava le perle. E staccò il francobollo.Tutti diedero un loro parere, ma tutti conclusero che, se non era morto, morirebbe.Poi scordarono tutti e passò molto tempo.

Oh da quando ho giocato ai pirati malesi,quanto tempo è trascorso. E dall’ultima voltache son sceso a bagnarmi in un punto mortalee ho inseguito un compagno di giochi su un alberospaccandone i bei rami e ho rotta la testaa un rivale e son stato picchiato,quanta vita è trascorsa. Altri giorni, altri giochi,altri squassi del sangue dinanzi a rivalipiú elusivi: i pensieri ed i sogni.La città mi ha insegnato infinite paure:una folla, una strada mi han fatto tremare,un pensiero talvolta, spiato su un viso.Sento ancora negli occhi la luce beffarda dei lampioni a migliaia sul gran scalpiccío.

Mio cugino è tornato, finita la guerra,gigantesco, tra i pochi. E aveva denaro.I parenti dicevano piano: «Fra un anno, a dir molto,se li è mangiati tutti e torna in giro.

26

TRABALHAR CANSA

Page 25: Trabalhar cansa

e deram-no como morto. Depois ouvi falarem deleas mulheres às vezes, como uma fábula;mas os homens, mais sérios, esqueceram-no.Num Inverno, para o meu pai já falecido chegou um postalde grande selo esverdeado com navios num portoe votos de boa vindima. O espanto foi grande,mas o menino crescido explicou avidamenteque o postal vinha duma ilha chamada Tasmânia,rodeada por um mar mais azul, feroz de tubarões,no Pacífico, ao sul da Austrália. E acrescentou que o primopescava pérolas, de certeza. E arrancou o selo.Deram todos a sua opinião, mas todos concluiramque, se ainda não morrera, havia de morrer.Depois esqueceram-no e passou muito tempo.

Oh, quanto tempo passou desde que brinquei aos piratas malaios. E desde a última vezem que fui nadar para um sítio perigosoe persegui um companheiro por uma árvore acima,quebrando-lhe os belos ramos, e rachei a cabeçaa um rival e me deram uma tareia,quanta vida passou. Outros dias, outros jogos,outros abalos do sangue frente a rivaismais esquivos: os pensamentos e os sonhos.A cidade ensinou-me infinitos medos:uma multidão, uma rua fizeram-me tremer,às vezes um pensamento, espreitado num rosto.Sinto ainda nos olhos a luz escarninhados milhares de candeeiros sobre o tropel dos passos.

O meu primo voltou, acabada a guerra,entre poucos, um gigante. E tinha dinheiro.Os parentes diziam em voz baixa: “Daqui a um ano, e já é muito,tem-no todo comido e abala outra vez.

27

ANTEPASSADOS

Page 26: Trabalhar cansa

I disperati muoiono cosí».Mio cugino ha una faccia recisa. Comprò un pianterreno nel paese e ci fece riuscire un garage di cementocon dinanzi fiammante la pila per dar la benzinae sul ponte ben grossa alla curva una targa-réclame.Poi ci mise un meccanico dentro a ricevere i soldi e lui girò tutte le Langhe fumando.S’era intanto sposato, in paese. Pigliò una ragazza esile e bionda come le straniereche aveva certo un giorno incontrato nel mondo.Ma uscí ancora da solo. Vestito di bianco,con le mani alla schiena e il volto abbronzato,al mattino batteva le fiere e con aria sorniona contrattava i cavalli. Spiegò poi a me,quando fallí il disegno, che il suo pianoera stato di togliere tutte le bestie alla vallee obbligare la gente a comprargli i motori.«Ma la bestia» diceva «piú grossa di tutte,sono stato io a pensarlo. Dovevo sapereche qui buoi e persone son tutta una razza».

Camminiamo da piú di mezz’ora. La vetta è vicina, sempre aumenta d’intorno il frusciare e il fischiare del vento.Mio cugino si ferma d’un tratto e si volge: «Quest’annoscrivo sul manifesto: — Santo Stefano è sempre stato il primo nelle festedella valle del Belbo — e che la dicanoquei di Canelli». Poi riprende l’erta.Un profumo di terra e di vento ci avvolge nel buio,qualche lume in distanzia: cascine, automobiliche si sentono appena; e io penso alla forzache mi ha reso quest’uomo, strappandolo al mare, alle terre lontane, al silenzio che dura. Mio cugino non parla dei viaggi compiuti.

28

TRABALHAR CANSA

Page 27: Trabalhar cansa

Os desesperados morrem assim”.O meu primo tem um ar decidido. Comprou um rés-do-chãona aldeia e nele fez prosperar uma garagem de cimentocom a bomba da gasolina à frente, flamejante,e um cartaz-reclame na ponte, na curva, bem à vista.Depois meteu um mecânico a receber o dinheiroe foi dar um giro pelas Langhe, de cigarro na boca.Entretanto tinha-se casado na aldeia. Arranjou uma raparigaesguia e loura como as estrangeirasque sem dúvida encontrara um dia por esse mundo.Mas saía sempre sozinho. Vestido de branco,de mãos atrás das costas e o rosto bronzeado,batia as feiras de manhã e com ar manhosoapreçava cavalos. Explicou-me depois,quando aquilo não deu nada, que a sua intençãofora limpar o vale de bestas de cargae obrigá-los a comprar-lhe os motores.“Mas a besta maior de todas” dizia “fui eu,quando tive a ideia. Devia saberque aqui bois e pessoas é tudo a mesma raça”.

Caminhamos há mais de meia hora. O cume está próximo,à nossa volta o vento ruge e assobia cada vez mais forte.O meu primo pára de repente e volta-se: “Este anovou pôr no cartaz: — A festa do Santo Estevão foi sempre a primeirado vale do Belbo — e que o digamos de Canelli”. E depois retoma a subida.Um perfume de terra e vento envolve-nos na escuridão,ao longe algumas luzes: quintas, automóveisque mal se ouvem; e eu penso na forçaque me restituiu este homem, arrancando-o ao mar,às terras longínquas, ao silêncio sem fim.O meu primo não fala das viagens que fez.

29

ANTEPASSADOS

Page 28: Trabalhar cansa

Dice asciutto che è stato in quel luogo e in quell’altroe pensa ai suoi motori.

Solo un sognogli è rimasto nel sangue: ha incrociato una volta,da fuochista su un legno olandese da pesca, il cetaceo,e ha veduto volare i ramponi pesanti nel sole,ha veduto fuggire balene tra schiume di sangue e inseguirle e innalzarsi le code e lottare alla lancia.Me ne accenna talvolta.

Ma quando gli dicoch’egli è tra i fortunati che han visto l’aurorasulle isole piú belle della terra,al ricordo sorride e risponde che il solesi levava che il giorno era vecchio per loro.

30

TRABALHAR CANSA

Page 29: Trabalhar cansa

Diz simplesmente que esteve em tal ou tal sítioe pensa nos seus motores.

Só um sonholhe ficou no sangue: cruzou-se, uma vez, era fogueiro num pesqueiro holandês, com o cetáceoe viu os pesados arpões voarem ao sol,viu fugirem baleias no meio duma espuma de sanguee perseguirem-nas e erguerem-se as caudas, e a luta das baleeiras.Às vezes fala-me disto.

Mas quando lhe digoque é um dos afortunados que viram a auroranas mais belas ilhas da terra,sorri ao lembrar-se e responde que quando o solnascia já o dia era velho para eles.

31

ANTEPASSADOS