UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO COMPORTAMENTO À FADIGA DO AÇO DP600 PROCESSADO POR JACTO DE ÁGUA Adão José Kulazi (Licenciado) Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Engenharia Mecânica Júri Presidente: Professor Doutor Nuno Manuel Mendes Maia Orientador: Professor Doutor Carlos Augusto Gomes de Moura Branco Co-Orientador: Professora Doutora Virgínia Isabel Monteiro Nabais Infante Vogais: Professor Doutor Edgar Luís Caramelo Gomes OUTUBRO 2007
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UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO
COMPORTAMENTO À FADIGA DO AÇO DP600 PROCESSADO POR JACTO DE ÁGUA
Adão José Kulazi
(Licenciado)
Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em
Engenharia Mecânica
Júri
Presidente: Professor Doutor Nuno Manuel Mendes Maia
Orientador: Professor Doutor Carlos Augusto Gomes de Moura Branco
Tabela 4.2 – Resultado dos ensaios de fadiga em provetes processado por maquinagem ................56
x
NOMENCLATURA ABREVIATURAS ARBL – Alta Resistência e Baixa Liga
ASM – American Society for Metals
ASTM – American Society for Testing and Materials
CCT – Continuous Cooling Transformation (Transformação com arrefecimento contínuo)
DEM – Departamento de Engenharia Mecânica
DP – Dual Phase (Duas fases)
HCF – High Cycle Fatigue (Fadiga a alto número de ciclos)
HRC – Hardness Rockwell C (Dureza Rockwell C)
HSLA – High Strength Low Alloy (Baixa liga e Alta resistência)
ISQ – Instituto de Soldadura e Qualidade
IST – Instituto Superior Técnico
LCF – Low Cycle Fatigue (Fadiga a baixo número de ciclos)
MEF – Métodos dos Elementos Finitos
PIB – Produto Interno Bruto
SAE – Society of Automotive Engineers
UHP – Ultra-High Pressure (Pressão ultra elevada)
SIMBOLOGIA a – Comprimento ou profundidade da fissura
b – Expoente de resistência cíclica
C – Constante da lei de Paris
Cs – Factor de acabamento superficial
c – Expoente de ductilidade cíclica
dhkl – Distância entre as camadas atómicas no cristal
d0 – Distância inicial entre planos
dNda - Velocidade de fissuração por mecanismos dependentes dos ciclos
E – Módulo de Young
Fmáx, Fmín – Valores máximo e mínimo das forças
K – Factor de intensidade de tensões
K’ – Coeficiente de endurecimento cíclico
Kc – Valor crítico do factor de intensidade de tensões
Kmáx – Factor de intensidade de tensões máximo
Kmín – Factor de intensidade de tensões mínimo
K0 – Limiar de propagação da fissura
xi
ΔK – Gama ou intervalo do factor de intensidade de tensões
ΔKef – Factor de intensidade de tensões efectivo
m – Expoente da lei de Paris
n’ – Expoente de endurecimento cíclico
N – Número de ciclos de aplicação as cargas
Ni – Número de ciclos de iniciação da fissura
Np – Número de ciclos de propagação da fissura
Nr – Número de ciclos de rotura ou ruína
R – Razão de tensões
t – tempo de aplicação das cargas
U – Fracção efectiva
Y – Factor geométrico adimensional
α, γ – Fases de transformação no diagrama de fases
εf – Coeficiente de ductilidade cíclica
εmax, εmín – Valores máximo e mínimo da extensão
εϕΨ – Deformação na direcção
Δε/2 – Amplitude da extensão
Δε – Gama ou intervalo da extensão
Δεe – Gama da extensão elástica
Δεfc – Gama da extensão plástica acumulada
Δεp – Gama da extensão plástica
Δεt – Gama da extensão total
σ – Tensão nominal
σ1, σ2, σ3 – Tensões principais
σa – Amplitude da tensão de fadiga
σc – Tensão de cedência
σf – Tensão admissível de fadiga 'f – Coeficiente de resistência cíclica
σfo – Tensão limite de fadiga
σm – Tensão média em fadiga
σmáx – Tensão máxima
σmín – Tensão mínima
Δσ – Amplitude de carga
– Coeficiente de Poisson
λ – Comprimento de onda do feixe monocromático incidente
θ – Ângulo de incidência do feixe monocromático de raios X
– Ângulo de giro bidimensional da amostra
– Ângulo da superfície do plano do material e o eixo principal da amostra
1
CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO
A melhoria da resistência à fadiga em alto ciclo é do interesse em geral da indústria do sector
metalo-mecânico. Os sectores industriais como o automóvel e a aeronáutica têm perdas elevadas
associadas à vida de componentes mecânicos quando esta não é cumprida devido à rotura
prematura, ocorrendo de forma abrupta, contrariamente aos fenómenos associados ao desgaste que,
regra geral sinalizam a perda de eficiência de forma contínua.
Podemos citar como exemplo, o acidente grave de uma aeronave da aloha Airlines em 1988
no Havai quando esta se fazia a pista de aterragem perdeu parte da sua fuselagem como
consequência da rotura por fadiga ao longo de uma junção como se concluiu na perícia realizada na
aeronave (ver Figura 1.1) [1].
Hoje em dia, a rotura por fadiga é uma grande preocupação nos projectos de engenharia em
todo o mundo, o custo anual que a fadiga de materiais impõe sobre a economia dos Estados Unidos
da América é cerca de 3% do seu PIB (Produto Interno Bruto) [2]. O que de certa forma motivou o
desenvolvimento de diversos materiais e processos de obtenção dos mesmos com o desígnio de
minimizar o efeito surpresa que normalmente advém quando um material rompe por fadiga. Dual-phase são aços que apresentam uma elevada tensão de cedência, ductilidade e
resistência à tracção (devido ao alto coeficiente de encruamento). Apresentam uma microestrutura
constituída de martensite dispersa na matriz de ferrite. Recebem o nome de dual-phase por
apresentar basicamente as duas fases bem definidas [3].
Os aços Dual-Phase surgiram na década de 1970 e são compostos, basicamente, por fases
ferrite e martensite. Podem ser comparados aos aços ARBL1 com a vantagem de terem
conformabilidade superior e um excelente acabamento superficial, devido à ausência do fenómeno de
escoamento descontínuo. Os aços Dual-Phase constituem um assunto comercial promissor,
especialmente na indústria automóvel, visto que permitem a substituição de componentes com muitas
vantagens, relacionadas com a sua resistência mecânica, vida em fadiga, aumento de ductilidade e
diminuição da rotura frágil, quando comparados com as categorias de aços como, ARBL, Aços
Carbono e Aços Ultra Resistentes [4].
1 ARBL – Alta Resistência e Baixa Liga, também conhecida na literatura anglo-saxónica como HSLA (High
Strength Low Alloy).
2
Figura 1.1 – Boeing 737-200 da aloha Airlines sem parte da sua fuselagem após grave acidente. A
perícia indicou rotura por fadiga ao longo de uma junção como a causa do acidente [1]
1.1 – Objectivos
O objectivo principal do trabalho consiste em obter curvas de projecto à fadiga para chapas
finas em aço Dual Phase (DP 600) em função do processo de corte, metalografia, tensões residuais e
defeitos superficiais resultantes dos processos de corte. Para se obter uma base de dados mais
conveniente para as superfícies de corte que contêm as variáveis acima indicadas. De modo a
possibilitar a definição das condições de corte mais convenientes para obter a máxima resistência à
fadiga do material tirando partido das condições vantajosas da alta resistência à fadiga do material.
1.2 – Estrutura da dissertação
A presente dissertação apresenta a seguinte estrutura:
Capítulo 1: Introdução – este capítulo tem uma breve introdução e os objectivos da dissertação.
Capítulo 2: Revisão Bibliográfica – neste capítulo é feita uma revisão sobre o material em estudo
(aço dual-phase), os processos de corte por jacto de água e corte por fresagem, fenómeno de fadiga
nos metais, metalografia e sua influência, defeitos superficiais e sua influência, tensões residuais e
uma breve descrição do método dos elementos finitos.
Capítulo 3: Materiais e Métodos – neste capítulo são descritas as propriedades do material, os
equipamentos e a metodologia empregue na parte experimental e numérica deste trabalho.
Capítulo 4: Resultados e Discussões – neste capítulo são apresentados e analisados os resultados
obtidos através dos procedimentos experimentais e numéricos realizados.
Capítulo 5: Conclusões e Sugestões – neste capítulo são apresentadas as conclusões oriundas do
presente trabalho, assim como sugestões para trabalhos futuros a serem realizados nesta área de
estudo.
3
CAPÍTULO 2 – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1 – Aço DP 600 “dual phase”
Os aços dual-phase (DP) recebem este nome por apresentarem uma estrutura de 15 a 20%
de martensite dispersa numa matriz de ferrite poligonal (ver Figura 2.1), obtida durante a
austenitização na zona intercrítica (campo de estabilidade de ferrite e austenite no diagrama Fe-C),
seguido de um arrefecimento rápido para transformação da austenite previamente formada em
martensite. O termo dual-phase vem da predominância de duas fases na sua microestrutura, contudo
pequenas quantidades de outras microestruturas (bainite, austenite residual e perlite) podem estar
presentes. A percentagem de martensite na estrutura depende da percentagem de carbono e da
temperatura na zona intercrítica, e a resistência da liga dual-phase depende da fracção volumétrica
de martensite. O comportamento mecânico é governado pela ferrite, por se apresentar uma fracção
volumétrica maior e ser contínua na liga dual-phase. Estes aços podem ser conformados como os
aços de baixa liga, onde as peças produzidas apresentam uma elevada resistência mecânica devido
ao seu elevado coeficiente de encruamento [5].
Figura 2.1 – Imagem da microestrutura típica dos aços dual-phase [6]
Nos aços dual-phase as ilhas de martensite, dispersas na matriz ferrítica, actuam como
obstáculo para o movimento das deslocações (defeitos lineares) e contribuem para a melhoria da
resistência mecânica. A fase martensítica tem efeito benéfico na vida à fadiga, pois pode retardar ou
impedir o crescimento da fissura [6].
4
2.1.1 – Propriedades mecânicas e microestrutura
Estes aços apresentam uma elevada tensão de cedência, com valores de 310 a 345 MPa, e
resistência à tracção da ordem de 690 MPa e podem ser conformados como aços de baixa
resistência. Contudo, as peças produzidas apresentam elevada resistência devido ao elevado
coeficiente de encruamento. Além disso, apresentam alongamento total superior a qualquer outro aço
de alta resistência e baixa liga de resistência similar [5].
A ductilidade elevada apresentada por estes aços está associada a alta plasticidade da
ferrite. Isto ocorre, também pois as fissuras na martensite e o desligamento das ilhas de martensite
da matriz ferrítica ocorrem com tensões maiores que as encontradas nas estruturas que contém
perlite [5]. Na tabela 2.1 está representada a constituição microestrutural típica dos aços dual-phase
o de Gerber e o de Goodman, realizados em 1874 e 1899, respectivamente, os quais elaboraram a
metodologia para a determinação da vida de componentes solicitados por cargas flutuantes, bem
como o de Miner, em 1945, que propôs a regra do dano acumulado [41].
Um outro procedimento de estudo da fadiga é dado em termos da correlação entre a
deformação e o número de ciclos (método ε-N). Esse procedimento foi estabelecido a partir dos
conceitos de fadiga de baixo ciclo, introduzidos pelas pesquisas independentes de Coffin em 1954 e
Manson em 1954 e 1955, e é a opção preferida, por exemplo, pela indústria nuclear [41].
2.3.4.1 – Fadiga a baixo número de ciclos4 (fadiga oligocíclica)
A fadiga oligocíclica, é aquela em que o número de ciclos de rotura é inferior a 54 1010 ciclos,
tem bastante interesse, pois muitas das roturas observadas na prática verificam-se para tensões
relativamente elevadas e baixo número de aplicações da carga. Isso não significa geralmente que o
tempo de rotura seja curto, mas sim que, sendo as frequências de aplicação das cargas baixas, o
tempo de duração pode ser longo [28].
4 Na literatura anglo-saxónica refere-se LCF – Low Cycle Fatigue
25
A metodologia ε-N, também denominada fadiga controlada por deformações cíclicas, é a
ferramenta indicada para a avaliar a vida do componente quando a magnitude da tensão é elevada e
suficiente para produzir deformação plástica significativa nas zonas de concentração de tensões,
sendo largamente empregada para componentes do núcleo de reactores nucleares, componentes de
turbinas e outros componentes sujeitos ocasionalmente a sobrecargas [42].
O estudo da fadiga a baixo número de ciclos não é relevante no contexto deste trabalho. As
referências [37][43][44] fazem uma descrição mais detalhada deste tipo de fadiga.
2.3.4.2 – Fadiga a alto número de ciclos
A fadiga a alto número de ciclos5, é aquela em que o número de ciclos de rotura é superior a 54 1010 ciclos, verifica-se para tensões relativamente baixas (tensão nominal é elástica). Isso
significa geralmente que é necessário uma grande quantidade de ciclos para que ocorra a rotura por
fadiga.
A metodologia S-N, também denominada fadiga controlada por tensões cíclicas, é o método
de análise indicado para estimar a vida do componente quando os níveis de tensão e deformação
estão dentro do limite elástico do material que o constitui, e o número de ciclos necessário para a
rotura é elevado, que é o caso, por exemplo, dos componentes de máquinas rotativas e sistemas que
sofrem elevadas vibrações [42].
O método de obtenção das curvas S-N consiste em registar o número de ciclos até à rotura
dos provetes, em que cada provete é submetido a um nível de tensão constante durante o ensaio.
Cada provete está submetido a uma determinada amplitude de tensão e tensão média, e o ensaio
termina quando se verifica a rotura do provete ou quando se excede um determinado número de
ciclos suficientemente longo ( 87 1010 ciclos) [27].
Em 1910, O.H. Basquin propôs uma equação empírica para caracterizar as curvas S-N dos
metais. Ele mostrou que em um diagrama bi-logarítmico da amplitude de tensão versus número de
ciclos para a fadiga há uma relação linear [43], estabelecendo assim uma lei exponencial para a
fadiga. A amplitude de tensões pode ser relacionada com o número de ciclos até a rotura pela
seguinte equação:
b'fa N2 (2.7)
onde σa é a amplitude de tensão considerando σm=0 , '
f é o coeficiente de resistência à fadiga, 2N é
o número de reversões até à rotura e b é o expoente de resistência cíclica (expoente de Basquin).
Esta relação é válida para 84 10N10 , já que não traduz, nem o fenómeno de fadiga oligocíclica,
nem a existência de uma tensão limite de fadiga [30].
Mais tarde, baseando-se na equação de Basquin, J. Morrow estabelece a equação
matemática que considera os efeitos de uma tensão média (σm) com valor diferente de zero [84]:
5 Na literatura anglo-saxónica refere-se HCF – High cycle Fatigue
26
bm
'fa N2 (2.8)
Alguns materiais sob condições constantes de carregamento exibem, nos seus diagramas S-
N, uma amplitude de tensão abaixo da qual o mesmo não está sujeito à rotura por fadiga,
independente do número de ciclos. Esta amplitude é denominada tensão limite de fadiga, e varia
entre 35 e 50% da resistência à tracção do material. Alguns materiais, como o alumínio e suas ligas,
não apresentam este limite definido, sendo estimado como aquele sob o qual o material pode
suportar um mínimo de 610 a 710 ciclos [43]. As figuras 2.23 e 2.24 exemplificam os dois tipos de
diagramas S-N.
Figura 2.23 – Curva S-N de materiais que apresentam tensão limite de fadiga definida [28]
Figura 2.24 – Curva S-N de materiais que não apresentam tensão limite de fadiga definida [28]
Em alguns casos é necessário estimar a influência da tensão média na análise de fadiga de
um material, já que o diagrama S-N é obtido através de resultados de ensaios com carregamento
totalmente alternado (σm = 0). A cada aumento da tensão média, ocorre um decréscimo na amplitude
da tensão necessária para atingir à rotura, como demonstra a figura 2.25 para o aço e o alumínio [45].
27
Figura 2.25 – Efeito da tensão média para aços e alumínios [45]
Figura 2.26 – Efeito da tensão média na resistência à fadiga do material. A vida em fadiga diminui
com o aumento da tensão média [33]
A figura 2.26 mostra que uma tensão média positiva afecta significativamente a resistência à
fadiga do material, enquanto que a aplicação de uma tensão média negativa pode ser benéfica para a
mesma. Em virtude disso, em alguns casos são criadas tensões residuais de compressão com o
objectivo de melhorar a resistência do material à fadiga.
Um dos métodos usados para determinar os limites de fadiga de elementos submetidos a
carregamentos com tensão média diferente de zero é através do diagrama de Goodman, que fornece
o valor da tensão totalmente alternada que produz no material o mesmo efeito que σa e σm
combinadas [39].
mR
Ra0f
(2.9)
onde σf0 é a tensão limite de fadiga equivalente ao efeito combinado da tensão média e da amplitude
de tensão σa, σm é a tensão média e σR é a resistência à tracção.
28
Figura 2.27 – Diagrama de Goodman [39]
Para o diagrama de Goodman, quando o carregamento é estático (σa = 0), a rotura ocorre em
σR, ou seja, igual resistência à tracção. Se o carregamento é totalmente alternado, a rotura passa a
ocorrer quando a amplitude de tensão atinge um valor associado a um determinado número de ciclos
previamente estabelecido.
2.3.5 – Fecho de fenda
Nas últimas décadas o fenómeno de fecho de fenda6, introduzido originalmente por Elber, tem
sido investigado para a maioria dos materiais de engenharia, tendo em vista o reconhecimento de
que se trata de um importante fenómeno que influencia o comportamento em fadiga dos materiais
[46].
Elber (1971), observando o comportamento da flexibilidade elástica de vários provetes, ele
constatou que na fase de descarga em um ciclo de fadiga, a fenda fechava-se antes da carga
aplicada ser anulada. Esse fenómeno foi denominado de fecho de fenda [47].
Elber postulou que o fecho de fenda reduziu a taxa de propagação em função da diminuição
da amplitude do factor de intensidade de tensão efectivo, ΔΚef, como pode ser verificado na figura
2.28, a qual ilustra o conceito de fecho de fenda. Quando um provete é ciclicamente carregado entre
Kmáx e Kmín, as faces da fenda entram em contacto para valores do factor de intensidade de tensão
abaixo daquele no qual a fenda abre, Ko. Assumindo que a fase do ciclo que está abaixo de Ko não
contribui para o crescimento da fenda por fadiga, Elber definiu a amplitude de factor de intensidade
de tensão efectivo ΔΚef pela Equação (2.10), como também introduziu uma relação entre ΔΚef e ΔΚ,
dada pela fracção efectiva U, expressa pela Equação (2.11), e propôs uma modificação na equação
de Paris-Erdogan, conforme mostra a Equação (2.12), a qual tem sido utilizada com razoável sucesso
na correlação dos dados de propagação de fenda por fadiga em várias razões de carga [48].
6 Na literatura anglo-saxónica refere-se Crack Closure
29
0máxef KKK (2.10)
U ≡mínmáx
0máxef
KKKK
KK
(2.11)
mefKC
dNda (2.12)
Figura 2.28 – Definição da amplitude do fecho de fenda durante a propagação da fenda por fadiga
[48]
Recentemente, diversos mecanismos distintos de fecho de fenda foram considerados, entre
elas as consideradas mais importantes são [47][48][49][50]: fecho induzido por óxido, o fecho
induzido por plasticidade e fecho induzido por rugosidade. Os mecanismos destas fontes estão
representados esquematicamente na figura 2.29 e serão descritos resumidamente a seguir:
Figura 2.29 – Esquematização de vários mecanismos de fecho de fenda: (a) Fecho induzido por
plasticidade, (b) fecho induzido por óxido e (c) fecho induzido por rugosidade [49]
Fecho induzido por óxido: A presença de produtos de corrosão de todas as espécies no
interior das fendas em crescimento resulta no aprisionamento de suas superfícies. Há diferentes
espécies de produtos de corrosão, como por exemplo, partículas de óxidos formadas durante fadiga à
alta temperatura ou camadas de óxidos formadas à temperatura ambiente, os quais se tornam mais
espessos em função de oxidação por atrito, isto é, travamento e reforma contínua do óxido atrás da
30
ponta da fenda devido ao contacto repetido entre as superfícies de rotura, surgindo deslocamentos
microscópicos no modo II e fecho induzido por plasticidade;
Fecho induzido por plasticidade: O contacto prematuro entre as faces da fenda é devido ao
deslocamento residual permanente que surge das zonas plásticas anteriores, no sentido inverso ao
do crescimento da fenda. O fecho induzido por plasticidade executa seu papel sob condições de
tensão plana, isto é, para provetes finos. Para provetes espessos, a propagação de fenda ocorre sob
condições de deformação plana e o fecho é restrito à parte da superfície na vizinhança da fenda;
Fecho induzido por rugosidade: O efeito do fecho induzido por rugosidade está associado à
topografia da superfície de rotura. Como a superfície de rotura nunca é polida, a sua rugosidade
natural também causa contacto prematuro das faces da fenda. O fecho ocorre quando os
deslocamentos de abertura na ponta da fenda se tornam comparáveis com o tamanho das asperezas
da superfície de rotura.
O nível de fecho de fenda é afectado por diversos factores, como a microestrutura do
material, a geometria do provete, a geometria da ponta da fenda, o tamanho da fenda, condições de
carregamento (intensidade máxima de tensões, razão de tensões, variação na amplitude de
carregamento), e condições do teste (ambiente e temperatura) [46].
2.4 – Metalografia
2.4.1 – Considerações gerais
Geralmente, as alterações microestruturais na superfície, decorrentes dos processos de
manufactura, são de pouca profundidade, na ordem de 25 µm até 76 µm. Sob condições de trabalho
muito severas, a profundidade das alterações oscilam na faixa de 127 µm a 380 µm [55]. Alterações
microestruturais significativas, microfissuras ou imperfeições de pouca profundidade, como 2,5 µm,
são igualmente geradas com frequência durante o processo de remoção de material.
Hoje em dia a metalografia já é considerada uma das análises mais importantes para garantir
a qualidade dos materiais no processo de fabricação e também para a realização de estudos na
formação de novas ligas de materiais. Esta prática torna-se complexa, pois os materiais apresentam
diferentes morfologias dependendo dos tratamentos térmicos aplicados e também da composição
química empregada.
A análise mediante microscopia óptica é um meio importante e económico para fazer uma
rápida avaliação da sub-camada dos componentes maquinados, para caracterizar as mudanças que
ocorrem como resultado da operação de manufactura [51].
O modo mais comum e usual de caracterização e quantificação das fases presentes na
microestrutura tem sido a técnica de ataque químico, que consiste na corrosão controlada, através da
diferença de potencial electroquímico em áreas de superfície com heterogeneidades químicas ou
31
físicas. O ataque químico visa modificar o relevo das fases por corrosão, de maneira que altere a
reflectividade das superfícies e permita a identificação de uma ou outra fase presente. Estes ataques,
entretanto, não mostram satisfatoriamente certos microconstituintes presentes, motivando pesquisas
que possam ajudar a definir as fases por análise metalográfica e microscopia óptica [52].
O reagente mais utilizado para os aços é o Nital (solução de HNO3 e álcool etílico) que por
intermédio da microscopia óptica não revela de maneira satisfatória alguns microconstituintes
presentes na estrutura, especialmente após realização de tratamentos térmicos ou termomecânicos.
Entretanto, é conveniente para determinar a quantidade total de ferrite e austenite residual da
estrutura. Uma das grandes desvantagens deste ataque é o facto de que os contornos de grão são
revelados e misturam sua coloração confundindo a determinação do contorno das áreas dos grãos,
diminuindo o contraste, e acabam incluindo-se nas medidas de área [53].
O ataque com nital destaca nas áreas brancas a ferrite e a austenite e nas áreas pretas a
martensite, bainite e perlite. A solução aquosa de metabissulfito de sódio (Na2S2O5) revela a
austenite, nas áreas brancas, e ferrite, martensite e bainite nas áreas pretas. Um grande trabalho de
pesquisa foi feito em 1980, usando vários ataques baseados no Na2S2O5. O Na2S2O5, entretanto,
mostrou na prática, que falha em diferenciar a martensite da bainite [53].
A alternativa proposta é utilizar um duplo ataque químico. Atacando com nital 2%, efectua-se
o polimento da amostra após fotografar o resultado do ataque, novo ataque sobre a mesma amostra
com solução aquosa de Na2S2O5, fotografa-se o resultado. Com os resultados dos dois ataques é
possível deduzir-se os resultados individuais das fracções volumétricas de todas as fases presentes
no aço para cada tipo de tratamento térmico utilizado [52].
2.4.2 – Efeito da microestrutura
É sabido que a microestrutura tem influência no comportamento à fadiga, como é o caso do
aumento da resistência à fadiga com a diminuição do tamanho do grão. Este comportamento seria
explicado pelo facto das microfissuras formadas em grãos de pequenas dimensões não atingirem
dimensões que as tornem em fissuras macroscópicas, antes de atingirem o limite do grão [16]. Assim
sendo a tensão necessária para que a fissura se propague no próximo grão será tanto maior quanto
menor for o tamanho do grão [16].
Uma das investigações mais extensivas da influência da microestrutura nos aços foi
conduzida por Cazaud. Os resultados de alguns dos seus trabalhos estão representados na figura
2.30. Os dados confirmam que 0.5 é um número conservador; encontrou variação nas razões de 0.55
a 0.62 para martensites altamente temperado. Estes dados foram também para os aços com 0.40%
de carbono. Quando a martensite não temperado é incluída, a escala total da razão é 0.26 a 0.62. Os
0.40% de martensite não temperado do carbono são aproximadamente 55 HRC7. Acima de 40 HRC,
os factores à excepção da microestrutura tornam-se mais significativos, especialmente índice de não-
metálico e tensão residual [54].
7 Dureza Rockwell na literatura anglo-saxónica refere-se HRC – Hardness Rockwell C
32
Muitos acreditam que a martensite moderada oferece melhores propriedades de fadiga.
Entretanto, muito dos trabalhos desenvolvidos foram com aços de médio-carbono com durezas
intermédias. Somente alguns dados limitados estão disponíveis para outras estruturas, incluindo a
martensite de baixo-carbono. Borik e Chapman determinaram o limite de resistência da bainite e da
martensite de 36 a 61 na escala HRC. Concluíram que acima de 40 HRC, a bainite teve propriedades
de fadiga superior comparada com a martensite para a mesma dureza, visto que abaixo de 40 HRC o
oposto era verdade. Explicaram os resultados nos termos da morfologia e da distribuição do
carboneto. Abaixo de 40 HRC, os carbonetos na martensite são esferoidais. Acima de 40 HRC, o
carboneto associado com o bainite era muito fino e bem distribuído, Abaixo de 40 HRC os carbonetos
tiveram "um modo perlítico", o qual tinha uma resistência à fadiga mais ou menos favorável [54].
Figura 2.30 – Efeito da microestrutura na razão de resistência do aço [54]
2.5 – Acabamento superficial
O atendimento das crescentes exigências para a fabricação de componentes com superfícies
com um alto grau de perfeição e qualidade requer o entendimento da relação existente entre a
metalurgia, a maquinabilidade, e os ensaios mecânicos. Na tentativa de atender essa necessidade,
nos finais da década de 1960 foi introduzida uma disciplina dentro da engenharia de superfícies
denominada “Integridade da Superfície ”, que descreve e avalia as possíveis alterações produzidas
numa camada superficial durante o processo de corte, incluindo os efeitos nas propriedades do
material e o desempenho da superfície em serviço [55].
O grau de acabamento superficial das peças depende do processo de fabrico utilizado, pelo
que uma peça obtida por corte jacto de água não tem o mesmo aspecto superficial que uma peça
maquinada por arranque de apara. No caso da maquinagem, por exemplo, as ferramentas de corte
deixam nas superfícies saliências e depressões que, embora tendo uma altura pequena em relação
às dimensões globais da peça, podem influenciar a resistência da peça a esforços mecânicos ou à
corrosão.
33
Na ausência de defeitos internos significativos, as roturas de peças sujeitas a fadiga
começam, como se sabe, na superfície da peça onde se irá nuclear a fissura [28][56].
O acabamento superficial afecta a resistência à fadiga de três modos: (a) introduzindo
concentração de tensões resultante da rugosidade, (b) por alterar as propriedades físicas da camada
superficial, e (c) por introduzir eventualmente tensões residuais na superfície podendo ser de tracção
ou compressão que podem prejudicar ou melhorar a resistência a fadiga respectivamente [29].
Verifica-se que as peças produzidas com elevado polimento e baixa rugosidade apresentam
uma elevada resistência à fadiga em comparação com peças dotadas de acabamento superficial
mais grosseiro. A justificação para este comportamento deve-se ao facto de as peças com melhor
acabamento superficial terem menos riscos, asperezas, poros e outros defeitos superficiais
susceptíveis de provocar concentração de tensões, o que dificulta a iniciação de fissuras. Assim, para
iniciar uma fissura numa peça altamente polida é necessário aplicar um maior número de ciclos de
tensão para criar número suficiente de deslocações que possibilitam a formação das intrusões e
extrusões [28].
Os resultados experimentais indicam efectivamente que o limite de fadiga aumenta quando o
acabamento superficial melhora. A figura 2.31 mostra, no caso dos aços, a influência do acabamento
superficial no limite de fadiga em função da resistência à tracção e dureza [29],
Figura 2.31 – Efeito do acabamento superficial [29]
o factor sC é a relação entre os limites de fadiga para um dado acabamento superficial e para o
acabamento polido espelho utilizado na obtenção da curva S-N básica do material a que corresponde
um factor sC = 1, que neste caso não depende da resistência à tracção do aço, em todos os outros
tipos de acabamento sC diminui quando a resistência à tracção ou dureza aumentam e quando a
rugosidade aumenta [28]. Para este material, uma maneira alternativa de apresentar este resultado é
apresentada na figura 2.32.
34
Figura 2.32 – Efeito do acabamento superficial no comportamento à fadiga [29]
Caracterização: Na figura 2.33 apresenta-se uma pequena parte de uma superfície típica de
corte, onde é possível identificar os vários elementos que constituem a sua textura superficial.
Figura 2.33 – Perfil típico de uma superfície de corte [55]
A textura da superfície é a combinação de certos desvios repetitivos ou aleatórios da
superfície real em relação à superfície geométrica, a qual compõe a superfície topográfica
tridimensional [14].
Rugosidade ou textura primária: é o conjunto de irregularidades induzidas pelo processo de
fabrico, resultantes da acção das ferramentas (pastilha de corte, fresa, rolo do laminador, etc.). O
perfil de rugosidade sobrepõe-se à ondulação, sendo a escala usada para a sua definição muito
35
menor do que o da ondulação. A rugosidade expressa-se em termos de altura, largura e largura de
referência (distância da superfície ao longo da qual é medida).
Ondulação ou textura secundária: desvio periódico relativamente à superfície plana. Pode ter
origem nas deformações das ferramentas e da peça durante o processo de fabrico; empenos, falta de
uniformidade da lubrificação, vibração ou qualquer instabilidade térmica ou mecânica. A ondulação
mede-se em termos de largura e de altura da onda.
Direcção das marcas da ferramenta: direcção predominante dos componentes da textura da
superfície (usualmente identificada por inspecção visual) que se podem classificar em dois grupos; a)
o de orientação ou perfil periódico, quando os sulcos têm direcções definidas e b) o de orientação ou
perfil não periódico, quando os sulcos não têm direcções definidas.
Defeitos: irregularidades aleatórias, tais como riscos, fissuras, buracos, depressões,
sobreposições de material, fendas ou inclusões superficiais.
2.5.3 – Variáveis dos processos em estudo que influenciam o acabamento superficial
No caso do corte por arranque de apara os parâmetros que influem o acabamento superficial
são a precisão ou rigor da forma da ferramenta, a rigidez de fixação da ferramenta e da peça, as
deformações devidas ao aperto, a precisão geométrica da máquina, a precisão cinemática da
máquina, fenómenos dinâmicos relacionados com a robustez da máquina (deflexões, vibrações, etc.)
e o processo de formação da apara [57].
Hashish (1986) verificou que as partículas abrasivas mais finas produziam uma superfície
mais finas ou seja melhor qualidade superficial. Entretanto, o uso de partículas abrasivas finas estava
associado a uma taxa reduzida do volume de remoção comparativamente as partículas abrasivas
mais grosseiras (ver Figura 2.34) e que o número de passagens estava associada a uma melhor
qualidade superficial (ver Figura 2.35) [24].
Figura 2.34 – Efeito do tamanho da partícula abrasiva na superfície de corte do aço (Inconel) [24]
36
Figura 2.35 – Efeito do número de passagens na superfície de corte do aço (Inconel) [24]
2.6 – Tensões residuais
2.6.1 – Introdução
Os mais variados ramos da indústria vêm discutindo os seus processos de transformação
com ênfase no conhecimento das tensões residuais resultantes de cada processo. As tensões
residuais vêm sendo levadas em consideração de uma maneira bem criteriosa e ampla tanto nas
universidades quanto nas indústrias.
As tensões residuais são tensões internas que se desenvolvem em componentes que
apresentam um estado de equilíbrio macroscópico no material. Os campos de tensões residuais
ocorrem no material mesmo sem a existência de carregamentos externos, gradientes de temperatura,
forças de corpo ou influência da gravidade. Muitas roturas em serviço de componentes de máquinas
e estruturas resultam da sobreposição das tensões resultantes das cargas aplicadas com as tensões
residuais na peça [58][59].
As tensões residuais dificilmente podem ser previstas com exactidão, pois para isto é
necessário conhecer a história do material da peça, desde o processo de fabricação da matéria-prima
até o processo de fabricação e montagem do produto final em serviço. A maneira mais utilizada para
a determinação do nível de tensões residuais existentes num material é a utilização de métodos
experimentais, com a inspecção directa na estrutura.
Os efeitos das tensões residuais podem ser tanto benéficos quanto prejudiciais, dependendo
do sinal, da intensidade, da distribuição e da relação destes factores com as características das
tensões aplicadas pelo carregamento de serviço. Geralmente são consideradas tensões inoportunas
pela dificuldade em prognosticar a sua magnitude (sinal e direcção); e pela adversa habilidade de se
combinarem com tensões devido à corrosão e com tensões presentes nas situações de fadiga [59].
37
2.6.2 – Origem das tensões residuais
As operações de fabrico são os principais processos geradores de tensões residuais em
vários graus, por exemplo, fundição, laminagem, estampagem, fresagem, tratamentos térmicos e
termoquímicos, soldadura, trefilagem e dobragem, entre outras. Em alguns casos as tensões
residuais podem ser introduzidas mais tarde na vida do material, durante procedimentos de
instalação, montagem, eventuais sobrecargas, ou ainda, por reparações e modificações em serviço.
No caso da laminagem, que é a operação de obtenção da chapa (de aço) em estudo, esta
processa-se com uma relação geométrica que promove uma deformação plástica mais significativa
junto da superfície da chapa do que no seu interior, resulta que o material na superfície irá sofrer um
alongamento na direcção axial maior comparativamente ao material situado no seu interior [60].
Como a chapa se comporta macroscopicamente como um todo, apresentando um comprimento
uniforme ao longo de toda a sua espessura, tem necessariamente que se verificar ajustes internos,
designadamente ao nível do campo de extensões, promovendo a compatibilidade das deformações,
mas dando origem a um campo de tensões residuais que permanecem na chapa após terem sido
retiradas as solicitações externas (ver Figura 2.36) [60].
Figura 2.36 – Operação de laminagem a frio; a) zona de deformação plástica superficial e b)
distribuição das tensões residuais ao longo da espessura [60]
2.6.3 – Caracterização da tensão residual
Geralmente, as tensões residuais podem ser caracterizadas de acordo com sua extensão em
três tipos [58].
1 – Tensões residuais macroscópicas, são naturalmente de longo alcance, estendendo-se no
mínimo por vários grãos do material. As deformações originadas por elas são praticamente uniformes
para alguns grãos. As tensões residuais macroscópicas assumem um estado de equilíbrio e qualquer
alteração, como a retirada de material ou surgimento de uma nova superfície, exige que as tensões
se reagrupem para que uma nova configuração de equilíbrio seja atingida. Tais tensões são
38
quantidades tensoriais, com magnitudes e direcções principais que variam em diferentes regiões do
material.
2 – Tensões residuais microscópicas ou micro-tensões estruturais, cobrem uma distância de
um grão ou uma parte de grão, assim, a região de influência no equilíbrio destas tensões estende-se
a um pequeno número de grãos. Ocorrem pelo simples processo de orientação dos grãos;
3 – Tensões residuais sub-microscópicas, alcançam apenas algumas distâncias atómicas
interiores ao grão. São resultantes de imperfeições da rede cristalina, ocorrendo principalmente em
regiões próximas às discordâncias.
Os dois últimos tipos de tensões residuais podem variar de um ponto para outro da rede
cristalina.
2.6.4 – Efeitos da tensão residual
A avaliação da contribuição da distribuição da tensão residual no desempenho mecânica é
frequentemente difícil. A principal dificuldade reside no facto de que a magnitude do pico de tensão
residual e a natureza da sua distribuição estarem mais ou menos relacionadas com a profundidade
da camada e/ou com a distribuição do teor de carbono. Uma vez que a profundidade da camada e a
sua distribuição de carbono constituem a principal variável da propriedade mecânica [61].
Os efeitos da tensão residual na propagação da fissura de fadiga têm um grande significado
prático e foram o foco de muitas pesquisas [62].
Não basta saber o estado de tensões residuais dos materiais ou componentes, e sim,
conhecer o que cada estado interfere na sua durabilidade. Assim, normalmente ensaios de
laboratório são utilizados para a determinação da sua resposta advinda do estado de tensão prévio
[63].
Um efeito encontrado com frequência é a distorção de peças após processos de
maquinagem. As distorções dependem do nível e da distribuição das tensões residuais. Nestes
casos, as tensões de tracção podem ocasionar o surgimento de micro fissuras superficiais que com a
propagação podem determinar à rotura do componente.
As tensões residuais são normalmente perigosas e indesejáveis pela sua sobreposição com
as tensões de serviço ou cargas aplicadas. As tensões residuais de compressão geralmente
possuem um efeito benéfico na vida de fadiga, propagação de fissuras ou corrosão sob tensão (ver
figura 2.37), pela redução da tensão total na superfície da peça. Aqui é também, virtualmente
impossível separar o efeito da tensão residual dos fenómenos concorrentes presentes, que produzem
um aumento na resistência à fadiga. Enquanto que tensões residuais de tracção, geralmente,
reduzem a eficiência do material sob os mesmos efeitos, prejudicando o comportamento das
estruturas [64].
39
Figura 2.37 – Ilustração esquemática da redução do nível de tensão aplicada devido à presença de
tensão residual de compressão [65]
Ebert (1978) apresenta, no entanto, testes executados para permitir o controlo arbitrário da
intensidade do pico de compressão residual na superfície de um provete de fadiga, mantendo a
dureza superficial constante. Outro teste foi conduzido, mostrando que a dureza de vários aços
aumentava proporcionalmente com a intensidade da tensão residual de compressão na superfície
(ver figura 2.38) [61].
Figura 2.38 – Propriedade de fadiga em uma série de aços de Cr/Mo cementados e o correspondente
pico de tensão residual medido [61]
2.6.5 – Medição de tensões residuais
A medição de tensões é hoje largamente utilizada para monitorar a fiabilidade operacional de
estruturas e componente mecânicos, principalmente em situações de elevada complexidade e
quando há presença de tensões residuais. A determinação das tensões residuais por métodos
40
analíticos é muito difícil por exigir o conhecimento de toda a história de carregamento do material.
Esta informação raramente é conhecida com o rigor necessário.
Inicialmente as medições eram feitas por técnicas exclusivamente destrutivas e muitas vezes
com a introdução de novas tensões durante o ensaio. Porém, as técnicas de medição vêm sendo
aperfeiçoadas e o conceito de incerteza da medição está cada vez mais presente. Nas últimas
décadas, várias técnicas quantitativas e qualitativas têm sido desenvolvidas para a determinação dos
níveis de tensões residuais dos componentes. Em linhas gerais, tratam-se de ensaios que podem ser
divididos em destrutivos e não destrutivos. Até o momento, não existe um método universal de
medida das tensões residuais capaz de resolver todos os problemas, a baixo custo, da melhor
maneira possível [58].
Os métodos destrutivos são baseados na alteração do estado de equilíbrio das tensões
residuais, provocando alívio destas tensões no ponto ou na região de medição. As deformações
causadas pelo alívio são medidas e, através de modelos matemáticos adequados, são determinadas
as tensões residuais. Nestes métodos são analisadas somente as tensões residuais macroscópicas.
Os métodos não destrutivos são baseados nas variações de parâmetros físicos ou
cristalográficos do material em análise, relacionados com as tensões residuais que provocam estas
alterações. Estes métodos determinam de forma combinada todas as tensões residuais existentes no
material, sejam elas microscópicas ou macroscópicas, sem a possibilidade de distinção entre elas.
Os principais métodos existentes classificados anteriormente, são apresentados na tabela 2.2
[66][67].
Tabela 2.2 – Métodos principais de medição de tensões residuais
Classificação Métodos Principais Observações
Método do furo cego
Execução de um furo, Ø 0.8 a 3.2 mm, Método normalizado pela ASTM-E-837
Método de remoção de
camadas (Método da Deflexão)
Camadas retiradas por ataque químico.
Destrutivos
Método do seccionamento
Cortes parciais longitudinais ou transversais ao eixo de peças axisimétricas
Difracção de raios X
Variação das distâncias entre os planos atómicos. Técnica normalizada pela SAE-J784a
Difracção de neutrões
Semelhante ao método de raios X, no entanto, com inspecção em todo o volume
Método de ultra-som
Variação da velocidade de ondas ultras sónicas no interior do material
Não Destrutivos
Método magnético
Relação entre propriedades magnéticas, permeabilidade, indução e efeitos Barkhausen
41
Uma técnica que possa resolver todos os problemas de medição de tensões residuais é
pouco provável até o momento; mas uma combinação entre elas pode atender a maioria das
necessidades da indústria.
A técnica a ser utilizada deve ser seleccionada com base numa série de parâmetros
influenciados pelas características do componente e o tipo de medição a ser efectuada. Estes
parâmetros baseiam-se [58]:
1 – Na natureza do componente;
2 – No tipo de tensões residuais presentes no componente;
3 – No gradiente de tensões residuais;
4 – Na geometria do componente;
5 – No local onde a medição será realizada (no laboratório ou em campo);
6 – No tipo de intervenção (método destrutivo ou não destrutivo);
7 – No tempo disponível para a medição e apresentação dos resultados;
8 – Na precisão do método;
10 – No custo final da medição.
Dentre os principais métodos de medição de tensões residuais, as técnicas de Difracção de
raios X e o Método do Furo são os mais utilizados pela sua fiabilidade, principalmente quando
comparados com métodos mecânicos destrutivos.
O método do furo apresenta a vantagem de envolver instrumentação portátil e de baixo custo
e a limitação de ser aplicável em estruturas onde o furo executado não afecte o seu funcionamento.
Enquanto a técnica de difracção de raios X é reconhecida pela sua natureza não destrutiva, apesar
da medição se limitar a camadas muito próximas à superfície, pelo equipamento ter custo elevado e
pouca mobilidade.
A técnica de difracção de raios X foi o método utilizado neste trabalho para a medição das
tensões residuais.
2.6.6 – Técnica de difracção de raios X
Os raios X foram descobertos em 1895 por W. Röntgen quando trabalhava com um tubo de
raios catódicos. Röntgen descobriu que a radiação proveniente dos pontos onde os raios catódicos
(electrões) embatiam no tubo de vidro, ou num alvo dentro do tubo, podiam atravessar materiais
opacos à luz e produzir a fluorescência de um alvo ou placa fotográfica. Depois de investigar este
fenómeno concluiu que todos os materiais eram, em certa medida, transparentes àqueles raios e que
a transparência diminuía com o aumento da densidade do material. Röntgen não conseguiu deflectir
aqueles raios num campo magnético nem observar fenómenos de refracção ou interferência
associados com as ondas. Por esta razão lhes deu o nome, algo misterioso, de raios X [68].
42
Em 1912 o físico alemão von Laue, sugeriu que se os átomos apresentam uma estrutura
cristalina, organizados de forma a apresentarem periodicidade ao longo do espaço, e que se os raios-
X eram ondas electromagnéticas com comprimento de onda menor que os espaços interatómicos,
então os núcleos atómicos que concentram a massa dos átomos poderiam difractar os raios X,
formando franjas de difracção. Quando Laue fez passar um feixe de raios X por uma amostra
monocristalina, e pôs um filme fotográfico após a amostra, o resultado foi que após revelar o filme
este apresentava pontos sensibilizados pelos raios X difractados.
As experiências de Laue despertaram grande interesse nos físicos ingleses, W. H. Bragg e
seu filho W. L. Bragg, que formularam, ainda em 1912, uma equação extremamente simples para
prever os ângulos onde seriam encontrados os picos de intensidade máxima de difracção. Assim,
conhecendo-se as distâncias interatómicas, poderiam ser resolvidas os problemas envolvidos na
determinação da estrutura cristalina. Dessa forma, os Bragg determinaram a sua primeira estrutura, a
do NaCl. Transformando a difracção de raios X na primeira ferramenta eficiente para determinar a
estrutura atómica dos materiais, fazendo com que a técnica obtivesse rapidamente grande
popularidade entre os institutos de pesquisa.
O método de difracção de raios X é baseado na medição das deformações da rede cristalina
pelo estudo da variação do espaço entre planos de um material policristalino. Este método mede a
deformação residual próxima à superfície do material [69].
O princípio da determinação do estado de tensão passa pela análise do feixe monocromático
de raios X que interage com um material cristalino, fazendo com que os fotões incidentes difractem
numa direcção previamente conhecida, determinada pela equação de Bragg ou lei de Bragg e as
tensões residuais são calculadas assumindo-se que a distorção ocorre no regime linear elástico
[66][69].
send2 hkl (2.13)
Sendo o comprimento de onda do feixe monocromático incidente no cristal a um certo ângulo de
incidência θ (ângulo de Bragg) com os planos cristalinos, e dhkl a distância entre as camadas
atómicas no cristal.
Quando uma peça de material policristalino é deformada elasticamente há uma deformação
uniforme a distâncias relativamente longas entre os espaçamentos dos planos da rede cristalina onde
estão contidos os grãos que mudam o seu estado livre algum novo valor correspondente a
intensidade da tensão aplicada. Este novo espaçamento é caracterizado pelo distanciamento entre
grãos, para qualquer conjunto de planos igualmente orientados em relação à tensão aplicada, é
medido pela difracção de raios X [70].
Quando um material se encontra livre de tensões residuais o seu valor dhkl distância entre
planos, normalmente chamado de d0 distância inicial entre planos, é independente da orientação
entre esses planos (hkl) e a superfície. Por outro lado, se o material é submetido a uma tensão numa
condição elástica não homogénea, o espaçamento d0 muda e torna-se uma função dependente de
, (ver figura 2.39) [69].
43
Figura 2.39 – Esquematização do ângulo psi (Ψ) [71]
O ângulo Ψ é definido como sendo o ângulo formado entre, a normal em relação a superfície
da amostra, eixo Z na figura 2.39, e um ângulo particular no plano YZ posicionado na bissectriz entre
o feixe incidente e o difractado, ambos no plano XZ.
Para determinação da tensão residual a partir da deformação faz-se uso das equações que
relacionam a tensão e a deformação no regime elástico. A medição da deformação dá-se na
superfície do material. Admite-se que existe um estado plano de tensões na superfície do material
(ver Figura 2.40), ou seja, as tensões principais σ1 e σ2 actuam neste plano e não existindo tensões
no plano perpendicular a ele. Porém, existe uma deformação ε3, na direcção perpendicular ao plano
do material (amostra) devido ao coeficiente de Poisson [72].
Figura 2.40 – Modelo do estado plano de tensões elásticas [72]
No modelo, tem-se:
21
222
211 EE
1 (2.14)
sencos1 e sensen2 (2.15)
44
Substituindo (2.15) em (2.14):
21
222
21 E
sensencosE
1 (2.16)
Para Ψ=90º, o vector deformação apresenta-se sobre a superfície da amostra e a tensão na
superfície σϕ é obtida por:
2
22
1 sencos (2.17)
O que resulta em:
21
2
Esen
E1
(2.18)
A determinação da variação da distância interplanar medida e da tensão residual passa pelas
equações seguintes:
0
0hkl
ddd
(2.19)
o que leva a:
21
2
0
0hkl
Esen
E1
ddd
(2.20)
Como neste estudo o corpo não se encontra carregado, a tensão residual reduz-se a:
Eddd
0
0hkl (2.21)
A equação (2.21) mostra que a redução da distância interplanar em relação à distância padrão resulta
num valor negativo para a tensão e corresponde a uma tensão de tracção no plano perpendicular ao
plano de medida. E no caso de um aumento da distância interplanar, o valor da tensão será positivo e
a tensão residual será de compressão [72].
A discussão prévia demonstra a necessidade da averiguação da textura de materiais a serem
avaliados sob difracção de raios X. Muitos autores optam pela adopção do critério de isotropia no
intuito de obter dados, mesmo que não precisos porém comparativos entre materiais ou processos de
fabrico [43].
Vários estudos de materiais sujeitos a processos de transformação como extrusão,
laminagem, trefilagem e forjamento têm utilizado o método de difracção de raios X na determinação
das tensões residuais resultantes desses processos [73].
Existem algumas literaturas que descrevem mais detalhadamente os estudos desenvolvidos
nesta área, tais como, as referências [69][73][74][75].
45
2.7 – Método dos elementos finitos (MEF)
O MEF será utilizado neste estudo para avaliar a distribuição de tensões na vizinhança dos
bordos de corte tendo em conta as tensões residuais medidas experimentalmente.
O MEF é uma técnica de análise numérica destinada à obtenção de soluções aproximadas de
problemas regidos por equações diferenciais. Embora o método tenha sido originalmente
desenvolvido para a análise de tensões em sistemas estruturais, ele é actualmente aplicado a uma
grande variedade de problemas de engenharia. Devido às suas notáveis características de eficiência
e flexibilidade, o MEF tem hoje uma grande difusão tanto no meio académico como no industrial,
estando disponível em grande número de softwares comerciais existentes no mercado. A principal
motivação para o uso do MEF reside no facto que, devido à complexidade dos problemas reais de
engenharia (tais como aqueles envolvendo comportamento não linear, geometrias complexas,
associação de vários materiais, etc.) soluções analíticas se tornam inviáveis ou mesmo impossíveis.
Assim, deve-se recorrer a técnicas capazes de fornecer soluções numéricas aproximadas [76].
O desenvolvimento do MEF data do final da década de 1950, ligado aos trabalhos de Turner,
Argyris, Kelsey e Clough, o qual introduziu pela primeira vez o termo “elemento finito” [60].
As primeiras aplicações do MEF foram efectuadas na resolução de problemas de análise
estrutural. Marçal, Yamada, Zienkiewicz, Kobayashi e respectivos colaboradores foram os primeiros
investigadores a aplicarem o MEF na resolução de problemas elasto-plásticos em deformação plana
ou axisimétrica [60].
A ideia principal do MEF consiste em se dividir o domínio (meio contínuo) do problema em
sub-regiões de geometria simples, conforme ilustra a figura 2.41. Esta ideia é bastante utilizada na
engenharia, onde usualmente tenta-se resolver um problema complexo, subdividindo-o em uma série
de problemas mais simples. Logo, trata-se de um procedimento intuitivo para os engenheiros.
Figura 2.41 – Malha de elementos finitos para problemas planos [77]
Os elementos finitos utilizados na discretização (subdivisão) do domínio do problema são
conectados entre si através de determinados pontos, denominados nós ou pontos nodais (ver figura
46
2.41). Ao conjunto de elementos finitos e pontos nodais, dá-se, usualmente o nome de malha de
elementos finitos. Diversos tipos de elementos finitos já foram desenvolvidos. Estes apresentam
formas geométricas diversas (por exemplo, triangular, quadrilateral, cúbico, etc) em função do tipo e
da dimensão do problema (uni, bi, ou tridimensional). A figura 2.42 apresenta a geometria de vários
tipos de elementos finitos.
Figura 2.42 – Diferentes tipos de elementos finitos [78]
A precisão do método depende da quantidade de nós e elementos, e do tamanho e tipo dos
elementos presentes na malha. Um dos aspectos mais importantes do MEF diz respeito a sua
convergência. Embora tratando-se de um método aproximado, pode-se demonstrar que em uma
malha consistente, a medida que o tamanho dos elementos finitos tende a zero, e
consequentemente, a quantidade de nós tende a infinito, a solução obtida tende a convergir até um
certo número de nós para a solução exacta do problema.
Neste trabalho o MEF é aplicado, através do software ANSYS, na modelagem de um provete
para a obtenção da distribuição da tensão de von Mises através de uma análise modal tendo em
conta a distribuição de tensões residuais obtidas experimentalmente na secção em estudo do
provete.
47
CAPÍTULO 3 – MATERIAIS E MÉTODOS
3.1 – Material
O material usado neste estudo é o aço DP600, que é um aço de média resistência, e é
composto, basicamente, por fases ferrite e martensite, a chapa foi obtida pelo processo de
laminagem a frio e tem uma espessura de 1.5 mm, para a extracção dos provetes (ver figura 3.1) da
chapa foram utilizados os processos de corte por jacto de água e maquinagem (fresagem). Na tabela
3.1 tem-se a composição química dos principais elementos que constituem o aço DP600 e foi obtida
do certificado do material que foi fornecido pelo fabricante da chapa.
Tabela 3.1 – Composição química dos principais elementos do aço DP600 Composição Química
Aço % C % Si % Mn % P % S % N % Cr % Ni % Cu % Mo % Al % Nb