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CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 9, n. 17, p.
111-135, abr., 2014
TERRITRIO, TERRITORIALIDADE E SEUS MLTIPLOS ENFOQUES NA CINCIA
GEOGRFICA
TERRITORY, TERRITORIALITY AND MULTIPLE APPROACHES IN
GEOGRAPHICAL SCIENCE
Denison da Silva Ferreira Mestrando Programa de Ps Graduao em
Geografia/UFPA
[email protected] Resumo O artigo aborda alguns
aspectos da discusso que envolve o conceito de territrio e
territorialidade sob o ponto de vista da cincia Geogrfica. Trata-se
de uma interpretao envolvendo as diferentes abordagens e concepes
geogrficas em torno do territrio configurando aquilo que alguns
autores denominam mltiplos territrios e/ou multiterritorialidades.
A anlise foi elaborada com base nos estudos j desenvolvidos por
diversos autores que se propuseram a discutir sobre a temtica.
Partimos do pressuposto de que os estudos territoriais se mostram
cada vez mais emergentes frente aos processos de transformaes do
espao geogrfico mundial que refletem diferenciaes no apenas de
carter poltico-econmico, mas, igualmente, de expresso
simblico-cultural, manifestadas nas mais diversas tramas do
cotidiano vivido. O artigo est dividido em trs eixos bsicos: O
primeiro eixo busca vislumbrar a polissemia que envolve o conceito
de territrio, de modo particular no mbito da cincia Geogrfica. O
segundo diz respeito s discusses sobre territorialidade enquanto
conceito correlato ao territrio. E o terceiro e ltimo eixo
compreende as consideraes finais acerca do tema proposto.
Palavras-chave. Territrio. Territorialidade. Espao. Relaes de
poder. Cultura. Abstract This article discusses some aspects of the
discussion surrounding the concept of territory and territoriality
from the point of view of geographical science. This is an
interpretation involving different approaches and geographical
concepts around the territory setting what some authors call
multiple territories and / or multi territorialities. The analysis
was performed based on studies already developed by several authors
who proposed to discuss about the issue. We assumed that the
territorial studies increasingly show against emerging
transformation processes of global geographic space that reflect
not only differences of political and economic, but also cultural -
symbolic character manifested in several daily plots lived. The
article is divided into three basic areas: The first axis search
glimpse the polysemy involving the concept of territory,
particularly in the context of Geographic Science. The second
concerns the discussion of territoriality as a correlate to the
territory concept. And the third and last axle comprehends the
final considerations about the proposed theme. Keywords: Territory.
Territoriality. Space. Power relations. Culture.
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Ferreira enfoques na cincia Geogrfica
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Introduo
Embora o debate em torno do conceito de territrio no se
constitua uma
novidade nas discusses geogrficas, tendo sua raz ainda na
Geografia Poltica
Clssica, a polissemia que envolve sua definio tem ensejado, nos
ltimos anos,
debates profcuos no seio de diversas reas das cincias humanas,
particularmente no
campo da cincia geogrfica onde a tradio dos estudos territoriais
tem condicionado a
um constante processo de redefinio do conceito valorizando assim
uma multiplicidade
de aspectos definidores (como relaes sociais cotidianas,
multiescalaridade, poder,
etc.) na interpretao dos fenmenos geogrficos contemporneos.
Apesar de sua tradio no mbito da Geografia, a origem do termo
territrio e o
seu emprego nas cincias humanas no advm dos estudos geogrficos
(HAESBAERT,
2004; SAQUET, 2010) sendo sua utilizao originria ao campo das
cincias da
natureza, em especial da Biologia e da Zoologia, a partir dos
estudos ligados Etologia.
Na Geografia Friedrich Ratzel foi um dos precursores da
abordagem do territrio
associando-o ideia de espao vital, enquanto elemento fundamental
no processo de
desenvolvimento das Naes no contexto do expansionismo
imperialista europeu do
final do sculo XIX. Com o passar do tempo, a nfase dada outras
categorias de
anlise geogrfica (em particular da categoria espao e regio) de
algum modo leva a
um arrefecimento das discusses sobre territrio, que somente
ganhar novo impulso a
partir da dcada de 1960-70 (SAQUET, 2007; 2010) em pleno
processo de renovao
do pensamento geogrfico. A partir de ento que o conceito de
territrio renasce de
forma renovada e sistemtica, contemplando a noo de dinamismo,
contradies,
relaes de poder, identidades, redes de circulao e comunicao,
etc.
Essa redescoberta para usar a expresso de Saquet (2010) do
conceito de
territrio se funda agora em novas e atualizadas leituras
encontrando-se desde territrios
como abrigo1 at territrios vinculados ao ciberespao, em que o
controle feito
pelos meios informacionais os mais sofisticados (HAESBAERT,
2004). Trata-se de um
desdobramento a partir de sua vinculao em uma perspectiva mais
sistematizada da
concepo de mltiplos territrios, e/ou daquilo que Haesbaert
(2004; 2007; 2008;
2009) denominou multiterritorialidade, conjugando uma
multiplicidade ou
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Ferreira enfoques na cincia Geogrfica
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diversidade territorial de justaposio ou convivncia, lado a
lado, de tipos territoriais
distintos e complexos.
O fato que o debate sobre territrio foi retomado com a
importncia que
merece e suas qualificaes tambm so decorrentes dessa importncia.
Uma delas, a
territorialidade que, dentre outros, designa a qualidade que o
territrio ganha de acordo
com sua utilizao ou apreenso pelo ser humano (SPOSITO, 2009, p.
11), tem sido
amplamente discutida em diferentes reas das cincias humanas com
destaque para as
abordagens geogrficas.
Pode-se dizer ento, que na atualidade o debate em torno do
territrio, assim
outros conceitos correlatos como territorialidade e
territorializao assume
importncia imprescindvel para a geografia. Tal importncia exige
que o conceito seja
(re)visitado constantemente frente aos processos de
re-ordenamento do espao
geogrfico mundial em suas mltiplas dimenses (politica, econmica,
simblico-
cultural, etc.).
Partindo dessas premissas, suscitamos neste breve enfoque
fomentar o debate em
torno do conceito de territrio e territorialidade vislumbrando a
tradio e a relevncia
dos estudos territoriais na interpretao dos fenmenos geogrficos
contemporneos. A
preocupao aqui produzir uma interpretao salientando diferentes
abordagens e
concepes em torno do conceito de territrio territorialidade na
Geografia. Para tanto,
ser de fundamental importncia um exerccio de reviso dos estudos
j desenvolvidos
por diversos autores que muito contriburam para o enriquecimento
dos debates sobre o
tema, em especial Raffestin (1993) Souza (2001), Haesbaert
(2004; 2007; 2007a; 2009),
Saquet (2006; 2007; 2009; 2010), Fernandes (2009) dentre
outros.
Vale ressaltar, porm, que em virtude da polissemia e da
complexidade que
envolve os estudos territoriais, a inteno aqui no responder a
questo: o que
territrio ou o que territorialidade? At porque, como bem
salientou Haesbaert (2009),
mais do que traduzir o que ou o ser do territrio, trata-se de
discutir o seu devir,
isto , em que problemtica nos envolvemos ou que questes prticas
acionamos a partir
dos conceitos de territrios e territorialidade academicamente
construdos, sobre isso
que buscamos refletir nesse breve ensaio terico.
Ademais, partimos do pressuposto de que os estudos territoriais
cumprem
atualmente papel de destaque nos debates envolvendo a
espacialidade humana, no
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apenas enquanto conceito puro, mas, da mesma forma, num sentido
pragmtico,
compreendendo sua dimenso ontolgica. Alm disso, entendemos que
os estudos
territoriais ser importante instrumento de analise visando uma
conscincia voltada para
questes sociais e espaciais, das quais a geografia, ao longo do
tempo, tem ajudado a
construir.
A metodologia aqui utilizada compreendeu duas fases distintas
e
complementares. Primeiramente fez-se necessrio uma breve reviso
bibliogrfica
sobre o tema abordado vislumbrada a partir de estudos
desenvolvidos por diversos
autores que ao logo dos ltimos anos contriburam de forma
significativa para o
enriquecimento dos debates. Feito isso, a segunda fase consistiu
na sistematizao do
trabalho que encontra-se estruturado em trs momentos. O primeiro
diz respeito ao
debate sobre a polissemia que envolve o conceito de territrio no
mbito da Geografia
atentando para diferentes perceptivas conceituais. O segundo est
relacionado mais
especificamente s discusses envolvendo o conceito de
territorialidade, enquanto
conceito correlato ao territrio. E o terceiro e ltimo momento,
compreende algumas
consideraes finais acerca do tema abordado.
O territrio e sua multiplicidade de enfoques na Geografia.
Como j assinalado por Souza (2001) e Saquet (2010), o territrio
tem sua raiz
na chamada Geografia Clssica, e durante muito tempo esteve
atrelado quase
exclusivamente concepo de territrio nacional (ligada ao poder
legal que o Estado
tem de interferir na delimitao de fronteiras fsicas), ou
vinculada ao aspecto fsico-
natural. Assim, a despeito das observaes de Silva (2009),
originalmente a discusso
sobre territrio surgiu na Geografia Poltica do sculo XIX (na
poca da consolidao
dos Estados-Naes) onde prevalecia a noo de territrio como um
espao de poder
demarcado, controlado e governado e, assim, fixo (SILVA, 2009,
p. 100).
Ratzel, um Clssico da Geografia Poltica do sculo XIX, refere-se
ao territrio
como substrato (palco) para a efetivao da vida humana, sinnimo
de solo/terra e
outras condies naturais, fundamentais a todos os povos,
selvagens e civilizados (sob o
domnio do Estado). Na viso de Ratzel (1990) no elo indissocivel
entre uma
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dimenso fsico-natural (solo e seus recursos) e uma dimenso
poltica do espao (que
se confunde com o estatal) que o territrio se define. Dizia
ele:
(...) fcil convencer-se de que do mesmo modo como no se pode
considerar mesmo o Estado mais simples sem o seu territrio, assim
tambm a sociedade mais simples s pode ser concebida junto com o
territrio que lhe pertence (RATZEL, 1990. p. 73).
E continua...
(...) os organismos que fazem parte da tribo, da comuna, da
famlia, s podem ser concebidos junto com seu territrio. Sem isso no
possvel o seu desenvolvimento, assim como sem territrio no se
poderia compreender o incremento da potncia e da solidez do Estado
(idem, p. 74).
Desse modo pode-se dizer que o territrio referido por Ratzel tem
como
fundamento a base fsico-natural do Estado-Nao. Trata-se de um
territrio que, com
sua populao, fronteiras, recursos naturais, etc., se constitui
no suporte fundamental
para o desenvolvimento de dada Nao e o fortalecimento de um dado
Estado.
Esse desenvolvimento, na perspectiva de Ratzel (1990),
dependeria do
controle e/ou manuteno e da conquista de novos territrios, ou
seja, de novos
espaos vitais. Nesse sentido, na viso de Ratzel, seria o
controle da posse de novos
territrios um dos fatores fundamentais na constituio o
Estado:
(...) a sociedade que consideramos, seja grande ou pequena,
desejar manter sobretudo a posse do seu territrio sobre o qual e
graas ao qual ela vive. Quando essa sociedade se organiza com esse
objetivo, ela se transforma em Estado (RATZEL, 1990, p.76).
Com efeito, o autor supracitado sublinha:
Quando se trata de um povo em via de incremento, a importncia do
solo pode talvez parecer menos evidente; mas pensemos ao contrrio,
em um povo em processo de decadncia e verificar-se- que esta no
poder absolutamente ser compreendida, nem mesmo seu incio, se no se
levar em conta o territrio. Um povo decai quando sofre perdas
territoriais. Ele pode decrescer em nmero mais ainda assim manter o
territrio no qual se concentram seus recursos; mas se comea a
perder uma parte do seu territrio, esse sem duvida o princpio da
sua decadncia futura (RATZEL, 1990, p. 74).
possvel notar a partir destes enunciados a associao entre
solo/terra,
territrio e o Estado-Nao. Tal associao traduz um das mais
tradicionais formas de
compreenso do territrio suscitadas no mbito da Geografia. Mesmo
sendo um dos
principias precursores dos estudos territoriais, Ratzel ser
profundamente criticado no
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transcorrer do movimento de redescoberta do conceito de
territrio, sobretudo a partir
dos anos de 1960-70. Na perspectiva de Saquet (2010):
(...) Ratzel faz uma tentativa de avanar na abordagem do
territrio (povo) ligado ao solo/ambiente, sinalizando para alm da
geopoltica atravs de elementos da cultura (religio) e da economia
(comrcio), porm, em virtude de sua proposta terico-metodolgica com
um carter institucional e burgus, no consegue abarcar coerentemente
essas trs dimenses ao tratar do territrio. Por isso faz uma
abordagem a servio do Estado alemo de sua poca, sem superar a viso
naturalista de territrio (SAQUET, 2010, p. 31).
Dessa forma, deve-se considerar que a anlise de Ratzel
fundamentava-se nos
pressupostos metodolgicos e filosficos prevalecentes em sua poca
(que tinha como
matriz terica o pensamento positivista). Mesmo assim, conforme
argumenta Moraes
(1998), j representava uma viso geogrfica avanada para sua poca
na medida em que
compreendia o espao como um lugar de equilbrio dinmico entre a
populao de uma
dada sociedade e os recursos disponveis para suprir suas
necessidades (MORAES,
1998, p. 56), definindo assim suas condies de progredir e
expandir-se. Viso esta que,
alis, esteve servio de um discurso de carter eminentemente
expansionista.
A partir da dcada de 1960-70 o movimento de redescoberta do
conceito de
territrio, que aos poucos passa a romper com os preceitos
terico-metodolgicos do
pensamento positivista do final sculo XIX, reflete o prprio
processo de renovao do
pensamento geogrfico, estando agora sob influncia principalmente
da corrente de
pensamento pautada no materialismo histrico dialtico e da
corrente fenomenolgica
(pautada na fenomenologia) que juntas traduzem perspectivas
mltiplas de anlise do
territrio.
No Brasil, titulo de exemplificao, destacam-se os estudos
desenvolvidos por
Souza (2001), Haesbaert (2004; 2007; 2007a; 2009), Saquet (2006;
2007; 2009; 2010),
Fernandes (2009), dentre outros, que contriburam de forma
significativa para o
enriquecimento dos debates.
Em Claude Raffestin (1993), um dos pioneiros na abordagem
territorial,
verifica-se uma concepo mltipla de territrio e territorialidade
humana. Apesar de
tecer uma anlise de base mais econmica e poltica do territrio,
este reconhece a
complementaridade entre as dimenses da economia, poltica e
cultura. De acordo com
este autor, o espao a base para a formulao do territrio, ou
seja, o espao existe
antes do territrio, ele a matria-prima para a construo deste
ltimo.
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(...) espao e territrio no so termos equivalentes [...].
essencial compreender bem que o espao anterior ao territrio. O
territrio se forma a partir do espao, o resultado de uma ao
conduzida por um ator sintomtico (ator que realiza um programa) em
qualquer nvel (RAFFESTIN, 1993, 143).
Pode-se dizer assim que Raffestin (1993) no recorta o espao, mas
transforma-o
em substrato para a criao do territrio. No entanto, vale notar
que um territrio
enquanto tal, no exprime simplesmente um espao, mas um espao
construdo por um
ator sintagmtico (que realiza uma ao) de acordo com seus
objetivos e interesses.
(...) do Estado ao indivduo passando por todas as organizaes
pequenas ou grandes, encontramos atores sintagmticos que produzem
territrios [...], em graus diversos, em momentos diferentes e em
lugares variados, somos todos atores sintagmticos que produzem
territrios (RAFFESTIN, 1993, p. 152).
Tem-se ento que o territrio em Raffestin produzido por uma
constelao de
relaes que o indivduo ou grupos de indivduos os agentes sociais
mantm entre si
e com a natureza. Dessa forma, para este autor o territrio no
poderia ser mais nada
que um produto dos atores sociais. So eles que produzem o
territrio, partindo da
realidade inicial dada, que o espao. Afinal para ele o territrio
se forma a partir do
espao. Ao se apropriar de um espao concreta ou abstratamente, o
ator territorializa
o espao (RAFFESTIN, 1993, p.143).
Essa apropriao de que Raffestin se refere, marcada por relaes de
poder,
enquanto aspecto fundamental para a compreenso do territrio,
sendo exercido por
pessoas ou grupos, sem o qual no se define o territrio. O poder,
assim, relacional, pois
est intrnseco em todas as relaes sociais. Desse modo, se o poder
est em toda relao
e se o espao anterior ao territrio, a concluso de Raffestin
(1993) a de que o espao
a priso original e o territrio a priso que os homens constroem
para si (p, 144).
Para Saquet (2010) uma limitao na anlise de Raffestin est na
compreenso
no conceito de espao. Expe que na medida em que Raffestin
concebe o espao como
substrato, como palco, pr-existente ao territrio, este autor
reduz o entendimento do
Espao natureza-superfcie, recursos naturais. De outro modo,
Saquet (2010) sublinha
que o espao no apenas palco, receptor de aes, substrato [...]
ele tem um valor de
uso e um valor de troca, distintos significados e elemento
constituinte do territrio,
pois eles so indissociveis (SAQUET, 2010, p. 77).
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exemplo de Saquet, Souza (2001) considera que Raffestin (1993)
praticamente
reduz o espao ao espao natural enquanto que territrio de fato
torna-se,
automaticamente, quase sinnimo de espao social. Tambm assumindo
uma posio
crtica em relao abordagem de Raffestin, Souza (2001, p. 96)
reitera:
(...) naturalmente se concorda com Raffestin aqui em que o espao
anterior ao territrio. Mas acreditamos que este autor incorre no
equvoco de coisificar e reificar o territrio ao incorporar ao
conceito o prprio substrato material vale a pena dizer o espao
social.
E continua...
(...) sem dvida sempre que houve homens em interao com o espao,
primeiramente transformando a natureza (espao natural) atravs do
trabalho, e depois criando continuamente valor ao modificar e
retrabalhar o espao social, estar-se- tambm diante de um territrio
e no s de um espao econmico; [no entanto] inconcebvel que um espao
que tenha sido alvo de valorizao pelo trabalho possa deixar de
estar territorializado por algum (SOUZA, 2001, p. 96, grifo
nosso).
Nesse sentido, este autor chama a ateno para o fato de que assim
como o
poder onipresente nas relaes sociais, o territrio est,
outrossim, presente em toda
espacialidade (2001, p. 96). Ademais, acrescenta que se todo
territrio pressupe um
espao social, nem todo o espao social um territrio (ibidem, p.
96). Assim sendo,
para Souza (2001) embora Raffestin (1993) estabelea novas bases
nos estudos sobre
territrio, rejeitando a unidimensionalidade do poder que
prevalecia na Geografia
Poltica Clssica, este autor no chega a romper com a velha
identificao do territrio
como o seu substrato material. Partindo desse principio sua
posio a de que
(...) Raffestin no explorou suficientemente o veio oferecido por
uma abordagem relacional, pois no discerniu que o territrio no o
substrato, o espao social em si, mas um campo de foras, as relaes
de poder espacialmente delimitadas e operando, destarte, sobre um
substrato referencial (SOUZA, 2001, p. 97).
No que pese as crticas atribudas abordagem de Raffestin
(1993),
indubitavelmente o que no pode ser esquecido so suas relevantes
contribuies
abordagem territorial, sendo considerado um pioneiro no debate
em torno do territrio.
Um dos aspectos a ser destacado nesse sentido diz respeito
pluralidade de sua
abordagem, pois, como bem observado por Souza & Pedon
(2007), o territrio em
Raffestin pode se analisado a partir das relaes de poder, mas
tambm como palco de
ligaes efetivas e de identidade entre um grupo social com seu
espao.
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Um importante esforo no sentido de reconhecer as contribuies de
Raffestin
na anlise do territrio pode ser vislumbrado a partir dos estudos
de Saquet (2006;
2010) que aborda mltiplas faces de sua abordagem que podem ser
agrupadas em pelo
menos quatro vertentes de anlise: a) uma relacionada ao
territrio do cotidiano; b)
outra dizendo respeito ao territrio das trocas; c) uma terceira
compreendendo um
territrio de referncia (referimento) e; d) finalmente, uma
vertente associada ao que
denomina territrio sagrado (ver SAQUET, 2010 p. 150).
Como observado por Saquet (2006), tambm no se pode esquecer
a
multidimensionalidade da abordagem de Raffestin em relao ao que
este autor
denominou sistema territorial, como fruto do resultado de relaes
de poder do Estado,
de empresas, organizaes e de indivduos, isto , de relaes dirias,
ligadas
dinmica poltica, econmica e cultural, que constituem malhas
(conjunto de pontos e
ligaes/conexes entre diferentes agentes sociais), ns (pontos de
encontro de relaes
sociais) e redes (ligaes entre dois ou mais agentes
sociais).
Sem querer adentrar no mrito da questo, oportuno frisar que no
poucas
vezes o conceito de territrio tem sido eventualmente confundido
com o de espao.
Como sugere Eduardo (2006) a essncia desta confuso reside
exatamente no fato de
que muitos autores, por partirem do pressuposto e que o
territrio efetivado a partir
da apropriao social do espao compreenso corretssima
consideram-no apenas
como sinnimo de cho, de propriedade, de rea, de limite
administrativo (p. 178).
Todavia, entende-se que evidentemente h diferenciaes entre espao
e territrio, isto
, eles no so sinnimos. O territrio uma construo histrica e,
portanto, social, a
partir das relaes de poder (concreto e simblico) que envolvem,
concomitantemente,
sociedade e espao geogrfico que tambm sempre de alguma forma
natureza
(HAESBAERT & LIMONAD, 2007, p. 42).
A esse respeito Saquet (2009, p. 81) faz questo de lembrar
que:
(...) o espao corresponde ao ambiente natural e ao ambiente
organizado socialmente, enquanto que o territrio produto de aes
histricas que se concretizam em momentos distintos e sobrepostos,
gerando diferentes paisagens, logo, fruto da dinmica
socioespacial.
Nessa perspectiva, o mesmo autor considera que o territrio pode
ser entendido
como uma forma de apropriao social do ambiente; o ambiente
construdo, em que
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h mltiplas variveis e relaes recprocas e unitrias. O homem age
no territrio,
espao (natural e social) de seu habitar, para produzir, viver
(objetiva e subjetivamente)
(SAQUET, 2006, p. 81).
No obstante, fundamental reconhecer que espao e territrio no
esto
separados: um est no outro. O espao indispensvel para a
apropriao e reproduo
do territrio (SAQUET, 2009, p. 83), e como propugnara Haesbaert
(2009) estes nunca
podero ser separados, j que sem espao no h territrios, sobretudo
quando se
reconhece a trilogia tempo-espao-territrio como elementos
indissociveis do real.
Conforme frisado anteriormente, no Brasil diversos autores
contriburam com o
debate em torno do conceito de territrio. Uma importante
interpretao nesse aspecto
pode ser vislumbrada nos estudos desenvolvidos por Haesbaert
(2004, 2004a, 2007,
2007a, 2009). Expe este autor que
(...) desde sua origem, o territrio nasce com uma dupla conotao,
material e simblica, pois etimologicamente aparece to prximo de
terra-territorium quanto de terreoterritor (terror, terrorizar), ou
seja, tem a ver com dominao (jurdico-poltica) da terra e com a
inspirao do terror, do medo especialmente para aqueles que, com
esta dominao, ficam alijados da terra, ou no territorium so
impedidos de entrar. Ao mesmo tempo, por outro lado, podemos dizer
que, para aqueles que tm o privilgio de plenamente usufrui-lo, o
territrio pode inspirar a identificao (positiva) e a efetiva
apropriao (HAESBAERT, 2007a, p. 20).
Nesse sentido o mesmo autor complementa que o territrio no
est
desvinculado de sua origem epistemolgica a posse de terra mas
passa a ser
concebido e dotado de uma carga cultural, isto , diz respeito
tanto ao poder num
sentido mais concreto, de dominao, quanto num sentido mais
simblico, de
apropriao (HAESBAERT, 2004; 2007a). A apropriao do espao por um
grupo
social passa a no ser mais compreendida sem o seu territrio,
base de sua histria,
cultura e sustentao.
Alm das quatro vertentes bsicas referidas por Haesbaert (2004)
(territrio
natural; territrio poltico; territrio econmico e territrio
cultural ou simblico-
cultural), este autor faz uma distino entre o que denomina
territrio unifuncional e
territrio enquanto espao-tempo-vivido. O primeiro est
relacionado lgica capitalista
hegemnica, especialmente atravs da figura do Estado territorial
moderno, defensor
de uma lgica territorial padro [...] que no admite
multiplicidade/sobreposies de
jurisdies e/ou territorialidades (HAESBAERT, 2007a, p. 21). J o
territrio enquanto
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espao-tempo-vivido aparece como resultado de processos diversos
e complexos
produzido nas tramas materiais e imateriais do cotidiano social
(HAESBAERT, 2007a),
ou seja, na vivncia e na identidade das pessoas.
Assim, na tentativa de ver o territrio em sua multiplicidade de
manifestaes,
Haesbaert (2007a) sugere dois grandes tipos ideais ou referncias
extremas frente
s quais pode-se investigar o territrio: um mais funcional,
priorizado na maior parte
das abordagens, e outro, mais simblico, que vem se impondo em
importncia nos
ltimos tempos. No primeiro caso, o territrio visto como um
domnio poltica e
economicamente estruturado (dimenso mais concreta); enquanto que
no segundo caso
o territrio compreenderia uma apropriao mais
simblico-identitria, determinados
por aes de certos grupos sociais sobre o espao onde se
reproduzem socialmente.
Seria, assim, uma interpretao muito prxima do que Boligian &
Almeida
(2003) caracterizaram de perspectiva poltico-econmica e
simblico-afetiva do
territrio. Na primeira perspectiva, mais funcional, o territrio
representa
(...) a base espacial onde esto dispostos objetos, formas e aes
construdas pelos atores sociais e historicamente determinadas
segundo as regras do modo de produo vigente em cada poca, ou seja,
pelas relaes sociais de produo (BOLIGIAN & ALMEIDA, 2003, p.
241).
Por outro lado, na perspectiva simblico-afetiva, (...) territrio
o espao das experincias vividas, onde as relaes entre os atores, e
destes com a natureza, so relaes permeadas pelos sentimentos e
pelos simbolismos atribudos aos lugares. So espaos apropriados por
meio de prticas que lhes garantem uma certa identidade
social/cultural (idem, p. 241).
Assim, o territrio possui tanto uma dimenso mais subjetiva, que
Haesbaert &
Limonad (2007, p. 43) denominam conscincia, apropriao ou mesmo
em alguns
casos, identidade territorial, quanto uma dimenso mais objetiva,
caracterizada como
dominao do espao, num sentido mais concreto, realizada por
instrumentos de ao
poltico-econmica. Nessa interpretao as relaes de poder emergem
como produtoras
das relaes sociais e de identificaes diferentes, opondo relaes
de produo e
relaes de vivncia.
Na perspectiva mais funcional, de carter poltico-econmica, o
territrio
apreendido como um local delimitado e controlado, atravs do qual
se exerce um
determinado poder, na maioria das vezes mas no exclusivamente
relacionada ao
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122 Territrio, territorialidade e seus mltiplos Denison da Silva
Ferreira enfoques na cincia Geogrfica
CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 9, n. 17, p.
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poder poltico do Estado (HAESBAERT, 2004, p. 40). J na
perspectiva simblica-
cultural, tem-se o territrio como o produto da valorizao
simblica de um grupo em
relao ao seu espao vivido (idem, p. 40). Neste ltimo caso, o
territrio
compreendido pelo valor de uso, pelo vivido, pela subjetividade,
refletindo a chamada
identificao positiva com o espao, que adquire a mesma fora de
realidade como as
relaes de poder abstratas.
Considerando tais perspectivas de territrio pode-se interpretar
a ambigidade
do territrio tanto no lado homogeneizador da globalizao como no
lado diversificador
da cultura (HAESBAERT, 2004, p. 40).
Apesar desta distino, Haesbaert (2004) tambm chama a ateno para
a
necessidade de se considerar tanto o aspecto funcional quanto o
aspecto simblico
como parte integrante da realidade cotidiana que se manifesta
nos territrios. Partindo
desse principio este autor reitera que:
(...) todo territrio , ao mesmo tempo e obrigatoriamente,
funcional e simblico, pois as relaes de poder tm no espao um
componente indissocivel tanto na realizao de funes quanto na produo
de significados. O territrio funcional a comear pelo papel enquanto
recurso, desde sua relao com os chamados recursos naturais
(HAESBAERT, 2007a, p. 23).
O mesmo autor complementa que enquanto, tipos ideais, estes
nunca se
manifestam em estado puro, ou seja, todo territrio funcional tem
sempre uma carga
simblica, por menos expressiva que seja, e todo territrio
simblico tem sempre
algum carter funcional por mais reduzido que parea (HAESBAERT,
2007a p. 23).
Na viso de Haesbaert (2007), territrio, em qualquer acepo, tem a
ver com
poder, mas no apenas ao tradicional poder poltico. Ele diz
respeito tanto ao poder no
sentido mais explcito, de dominao, quanto ao poder no sentido
mais implcito ou
simblico, de apropriao (p. 20-21). Baseado em Lefebvre Haesbaert
(2004) distingue
apropriao de dominao. O primeiro sendo um processo muito mais
simblico,
carregado das marcas do vivido, do valor de uso, o segundo mais
concreto, funcional
e vinculado ao valor de troca. Pautado nessa distino Haesbaert
(2007a, p. 41), reitera:
(...) o territrio, imerso em relaes de dominao e/ou de apropriao
sociedade-espao, desdobra-se ao longo de um continuum que vai da
dominao poltico-econmica mais concreta e funcional apropriao mais
subjetiva e/ou cultural-simblica (HAESBAERT, 2004, p. 95-96).
-
123 Territrio, territorialidade e seus mltiplos Denison da Silva
Ferreira enfoques na cincia Geogrfica
CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 9, n. 17, p.
111-135, abr., 2014
Nessa direo o autor supracitado (HAESBAERT, 2007, p. 28)
sublinha ainda
que o territrio simblico invade e refaz as funes num carter
complexo e
indissocivel em relao funcionalidade dos territrios (dominao)
que por sua vez,
toma-se, mais do que nunca, tambm, simblica um simblico, porm,
que no advm
do espao vivido, mas da reconstruo identitria em funo dos
interesses dos atores
hegemnicos.
Assim, devemos primeiramente distinguir os territrios de acordo
com aqueles
que os constroem e/ou controlam, sejam eles indivduos, grupos
sociais, Estado,
empresas, instituies etc. Alm disso, faz-se necessrio reconhecer
que os objetivos do
controle social atravs de sua territorializao variam conforme a
sociedade ou cultura, o
grupo e, muitas vezes, com o prprio indivduo (HAESBAERT, 2007a,
p. 22).
Para Souza (2001) a questo primordial, quando se fala de
territrio, no na
realidade quais so as caractersticas geoecolgicas e os recursos
naturais de uma certa
rea, nem tampouco as ligaes afetivas e de identidade de um
determinado grupo com
seu espao, mais o verdadeiro Leitmotiv o seguinte: quem domina
ou influencia e
como domina ou influencia este espao (p. 78-79). Por esta viso
fica claro que as
relaes de poder constituem elemento central na definio de
territrio. Afirma que
territrios existem e so construdos (e desconstrudos) dentro de
escalas temporais das
mais diferentes e que podem ter um carter permanente, mas tambm
podem ter uma
existncia peridica ou cclica.
Marcos Aurlio Saquet (2006; 2007; 2007a; 2009; 2010) tambm
traz
contribuies significativas no sentido de construir uma
argumentao terico-
metodolgica que articule o tempo, o espao e o territrio,
englobando, aspectos da
economia, da poltica, da cultura e da natureza exterior ao Homem
que ele denomina de
E-P-C-N. Para este autor (SAQUET 2010, p. 160) as
relaes/interaes da economia-
poltica-cultura-natureza so mltiplas, complexas, heterogneas, e
esto em unidade, a
cada perodo, momento e lugar ou em cada relao espao-tempo. Em
suas palavras,
(...) as foras econmicas, polticas e culturais, reciprocamente
relacionadas e em unidade, efetivam o territrio, o processo social,
no e com o espao geogrfico, centrado e emanado na e da
territorialidade cotidiana dos indivduos, em diferentes
centralidades, temporalidades e territorialidades. Os processos
sociais e naturais, e mesmo nosso pensamento, efetivam-se na e com
a territorialidade cotidiana. a, neste nvel, que se d o acontecer
de nossa vida e nesta que se concretiza a territorialidade (SAQUET,
2007, p. 57).
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124 Territrio, territorialidade e seus mltiplos Denison da Silva
Ferreira enfoques na cincia Geogrfica
CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 9, n. 17, p.
111-135, abr., 2014
Dessa maneira, este autor procura mostrar que o territrio
significa natureza e
sociedade, economia, poltica e cultura; idia e matria;
identidades e representaes;
apropriao, dominao e controle. Adverte assim que os territrios
podem ser
temporrios ou mais permanentes e se efetivam em diferentes
escalas, envolvendo,
sempre, a sntese dialtica do natural e do social que reside no
homem (SAQUET,
2010, p.128). Assim, entende que
(...) no territrio, h temporalidades e territorialidades,
des-continuidades; mltiplas variveis, determinaes e relaes
recprocas e unidade. O territrio, [...] espao de vida, objetiva e
subjetivamente; significa cho, formas espaciais, relaes sociais,
natureza exterior ao homem; obras e contedos. produto e condio de
aes histricas e multiescalares, com desigualdades, diferenas,
ritmos e identidade(s). O territrio processual e relacional,
(i)material (SAQUET, 2007, p. 73).
Dito com outras palavras, (...) o territrio significa
heterogeneidade e traos comuns; apropriao e dominao historicamente
condicionadas; produto e condio histrica e trans-escalar; com
mltiplas variveis, determinaes, relaes e unidade. espao de moradia,
de produo, de servios, de mobilidade, de des-organizao, de arte, de
sonhos, enfim, de vida (objetiva e subjetivamente). O territrio
processual e relaciona, (i)material, com diversidade e unidade,
concomitantemente (SAQUET, 2006a, p. 83).
No entanto, conforme observou Fernandes (2009 p. 2002), isso no
significa
dizer que tudo territrio, mas sim que o territrio um todo, e
este todo parte da
realidade.
Quando compreendemos o territrio como um todo, estamos
entendendo sua multidimensionalidade. Isso significa que ao
analisar os territrios por meio de uma ou mais dimenses, somente
uma opo, o que no implica em desconsiderar as outras dimenses. O
princpio da multidimensionalidade nos ajuda a compreender melhor o
da totalidade, j que so as dimenses que a compem (FERNANDES, 2009,
p. 2002).
As dimenses, de que se refere este autor, so formadas pelas
condies
construdas pelos sujeitos em suas prticas sociais na relao com a
natureza e entre si.
Nas mltiplas dimenses do territrio, afirma Saquet (2007), que so
produzidas
relaes sociais, econmicas, polticas, ambientais e culturais.
Cada combinao
especfica de cada relao espao-tempo produto, acompanha e
condiciona os
fenmenos e processos territoriais (SAQUET, 2009).
Assumindo essa perspectiva Saquet (2009, p. 81) afirma que o
territrio
considerado produto de mudanas e permanncias ocorridas num
ambiente no qual se
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125 Territrio, territorialidade e seus mltiplos Denison da Silva
Ferreira enfoques na cincia Geogrfica
CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 9, n. 17, p.
111-135, abr., 2014
desenvolve um grupo social. Territrio significa, assim,
apropriao social do
ambiente; ambiente construdo, com mltiplas variveis e relaes
recprocas
(SAQUET, 2009, p. 81). Esta apropriao do ambiente, por ele
referida, no expressa
simplesmente uma apropriao da terra em termos materiais, mas
precedida por
relaes sociais que, comunicadas, compreendem relaes espaciais de
poder.
(...) a terra tomada territrio quando h comunicao, quando meio e
objeto de trabalho, de produo, de trocas, de cooperao. O territrio
um produto socioespacial, de relaes sociais que so econmicas,
polticas e culturais e de ligaes, de redes internas e externas que
envolvem a natureza. Por esta via o espao fsico entra nas relaes e
nas estruturas sociais (SAQUET, 2006, p. 76).
Nesse sentido, Saquet (2010) reitera que o territrio resultado e
condio da
relao social-natural sendo apropriado e ordenado por relaes
econmicas, polticas e
culturais compreendidas interna e externamente a cada lugar. H
no territrio a
multidimensionalidade do homem, que natureza e sociedade ao
mesmo tempo. O
social contm a natureza homem e sua natureza exterior. Ns homens
(e mulheres)
somos, estamos e reproduzimos a natureza e sociedade,
simultaneamente. Produzimos
territrio(s) e territorialidade(s) (SAQUET, 2010, p. 173). Assim
sendo, os homens
tm centralidades na formao de cada territrio, cristalizando
relaes de influncia,
efetivas, simblicas, conflitos e identidades.
A pluriescalaridade (ou multiescalaridade) um princpio bsico
para a
compreenso das diferentes escalas dos territrios. Para Fernandes
(2009) podemos
entender a pluriescalaridade como uma territorialidade
diferencial. Nesse sentido este
autor se refere uma multiterritorialidades suscitada a partir de
diferentes tipologias de
territrios. Ora, vale frisar que na sua perspectiva tipologia de
territrios e
multiterritorialidade no se confundem. Da tipologia nasce a
multiterritorialidade e
so objetos distintos. As territorialidades so as representaes
dos tipos de uso dos
territrios (FERNANDES, 2009, p. 10).
Partindo dessa distino Fernandes (2009) prope trs tipos ou
tipologias de
territrios que tm como referncia as relaes (de poder) praticadas
por classes ou
grupos sociais. O primeiro tipo de territrio referido por este
autor est associado ao
espao de governana da Nao, que compreende a prpria base
geogrfica sob
jurisdio da Nao, geradora de multiterritorialidades por conter
todos os outros tipos
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126 Territrio, territorialidade e seus mltiplos Denison da Silva
Ferreira enfoques na cincia Geogrfica
CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 9, n. 17, p.
111-135, abr., 2014
de territrios produzidos pelas relaes das classes sociais. o
ponto de partida da
existncia das pessoas. O territrio ou Espao de Governana est
organizado em
diversas escalas e instncias, como estados, provncias,
departamentos e municpios,
que se constituem enquanto fraes integradas e independentes
deste territrio.
O segundo tipo territorial refere-se propriedade como espao de
vida, que
pode ser particular ou comunitria. constitudo pelas propriedades
privadas no
capitalistas, familiares ou comunitrias, e as propriedades
capitalistas. Todos os
sistemas polticos criam propriedades com diferentes formas de
organizao do espao.
As propriedades podem ser definidas pelo seu valor de uso e/ou
pelo seu valor de troca.
Segundo este autor,
Os segundos territrios so fraes do primeiro, mas devem ser
distinguidos porque as relaes sociais que os produzem so
diferentes. Um territrio propriedade privada no pode ser confundido
com um territrio espao de governana (FERNANDES, 2009, p. 12).
O terceiro territrio por sua vez, de acordo com a classificao de
Fernandes
(2009), diz respeito ao espao relacional considerado a partir de
suas conflitualidades
reunindo todos os tipos de territrios. Este est relacionado s
formas de uso dos
territrios, portanto s suas territorialidades. O exemplo dado
por este autor pode ser
vislumbrado pela circulao da mercadoria. Empresas expandem e
perdem territrios de
acordo com o aumento e diminuio do consumo de seus produtos.
No obstante, de acordo com o mesmo autor (FERNANDES, 2009),
tambm
podemos nos referir aos territrios do narcotrfico que se
expandem ou refluem de
acordo com as correlaes de foras entre as faces ou das aes da
polcia. Tal
processo sintetizaria o carter peridico ou cclico dos territrios
referido por Souza
2001, dai ento uma aproximao da abordagem destes dois
autores.
Ainda sobre a importncia da escala na anlise do territrio,
Haesbaert (2004,
2007) chama a ateno para a existncia de uma
multiterritorialidades que envolve
como condies bsicas a presena de uma grande multiplicidade de
territrios e
territorialidades. Dessa forma este autor (HAESBAERT, 2004;
2007) se refere a uma
multiterritorialidade (ou seja, uma dinmica combinada de
mltiplos territrios e
territorialidades) reunida em trs elementos bsicos denominados
territrios-zona,
territrios-rede e aglomerados de excluso. Os territrios-zona so
forjados a partir de
uma lgica zonal compreendendo os territrios mais tradicionais
com reas e limites
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127 Territrio, territorialidade e seus mltiplos Denison da Silva
Ferreira enfoques na cincia Geogrfica
CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 9, n. 17, p.
111-135, abr., 2014
relativamente bem demarcados como, por exemplo, o prprio
Estado-Nao, ou o
espao de governana referido por Fernandes (2009) , onde a
organizao em rede
adquire um papel secundrio. Os territrios-rede por sua vez
compreendem os
territrios configurados a partir de uma lgica reticular; so
espacialmente
descontnuos, dinmicos e mais sobrepostos onde prevalece a lgica
econmica.
Por fim, os aglomerados de excluso expressam mesclas confusas de
territrios-
zona e territrios-rede sem uma cartografia espacialmente bem
definida. Representam
os grupos sociais segregados cuja insegurana e instabilidade
territorial os impedem de
exercer efetivo controle sobre seus territrios de vida
(HAESBAERT, 2004).
Assim, de acordo com este autor (HAESBAERT, 2007a, p. 30) dentro
da
diversidade territorial do nosso tempo devemos levar em conta,
em primeiro lugar, essa
distino crescente entre uma lgica territorial zonal e uma lgica
territorial reticular,
sem perder de vista a importncia dos territrios-rede no processo
de integrao e
articulao do mundo contemporneo.
Os territrios-rede so por definio, sempre, territrios mltiplos,
na medida em que podem conjugar territrios-zona (manifestados numa
escala espacialmente mais restrita) atravs de redes de conexo (numa
escala mais ampla) (HAESBAERT, 2007a p. 40).
Como acrescenta este mesmo autor (HAESBAERT, 2007a), dentro
dessa
complexa relao entre redes e reas ou zonas como os dois
elementos fundamentais
constituintes do territrio [...], devemos destacar a enorme
variedade de tipos e nveis de
controle e/ou conteno territorial (p. 30).
Alm dos autores mencionados, tambm no se deve esquecer as
contribuies
de Milton Santos (1999) no debate sobre territrio. Apesar de o
espao (geogrfico)
permanecer como a categoria principal em sua anlise, este autor
tambm enaltece a
concepo de territrio usado, vislumbrando o uso e o controle
social cristalizado no
territrio. Sua nfase econmica, mas sinaliza, tambm, para o
reconhecimento da
poltica da cultura e da natureza como elementos constituintes do
espao e da
configurao territorial. Sublinha que,
(...) o territrio no apenas o conjunto dos sistemas naturais e
de sistemas de coisas superpostas. O territrio tem que ser
entendido como o territrio usado, no o territrio em si. O territrio
usado o cho mais a identidade. A identidade o sentimento de
pertencer quilo que nos pertence. O territrio o fundamento do
trabalho, o lugar da residncia, das trocas materiais e espirituais
e do exerccio da vida (SANTOS, 1999, p. 08, grifo nosso).
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128 Territrio, territorialidade e seus mltiplos Denison da Silva
Ferreira enfoques na cincia Geogrfica
CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 9, n. 17, p.
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Reiterando Santos (1999) expe que o territrio o lugar em que
desembocam
todas as aes, todas as paixes, todos os poderes, todas as foras,
todas as fraquezas,
isto , onde a histria do homem plenamente se realiza a partir
das manifestaes da sua
existncia (p. 07). Isso pressupe compreender o territrio para
alm dos aspectos
estritamente funcional ligado uma lgica poltico-econmica
expressa nas relaes
de poder, pois, como j assinalado por Haesbaert (2007), as
relaes de poder tm no
espao um componente indissocivel tanto na realizao de funes
quanto na
produo de significados.
A territorialidade e suas mltiplas dimenses: consideraes sob o
ponto de vista geogrfico.
Conforme advertido por Haesbaert (2007 a), assim como o
territrio, o debate
em torno do conceito de territorialidade tambm assume dimenses
mltiplas: desde
uma concepo como sendo mais ampla que a do territrio,
perpassando pela percepo
da territorialidade como algo mais restrito isto , uma simples
dimenso do
territrio alm da abordagem diferenciadora, que separa e
distingue claramente
territorialidade e territrio.
Na construo do conceito de territorialidade emerge outros
conceitos, como
espao, territrio, poder, lugar, dentre outros, que em alguns
aspectos relacionam-se
apenas de forma secundria e em outros aparecem de maneira direta
no podendo ser
reduzidos, simplificados ou separados, pois esto unidos por um
elo terico complexo
dinmico (HEIDTMANN, 2008).
Para o antroplogo Little (2002), a territorialidade pode ser
entendida como um
esforo coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar
e se identificar com
uma parcela especfica de seu ambiente biofsico, convertendo-a
assim em seu
territrio ou homoland2. Ao que parece, este autor no discerniu
bem a prpria
noo de territrio concebendo-o enquanto materialidade quando se
refere ao ambiente
biofsico, como se houvesse uma espcie de estaticidade e/ou
separao da dimenso
espacial (ambiente biofsico) e social, sem considerar assim que
o territrio resultado
da prpria construo scio-histrica, como salienta Saquet
(2010).
Raffestin (1993) sustenta que a territorialidade deve ser
entendida como
multidimensional e inerente vida em sociedade.
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129 Territrio, territorialidade e seus mltiplos Denison da Silva
Ferreira enfoques na cincia Geogrfica
CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 9, n. 17, p.
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(...) de acordo com nossa perspectiva, a territorialidade assume
um valor bem particular, pois reflete o multidimensionamento do
vivido territorial pelos membros de uma coletividade, pela
sociedade em geral. Os homens vivem ao mesmo tempo, o processo
territorial por intermdio de um sistema de relaes existenciais e/ou
produtivistas (RAFFESTIN, 1993, p. 158).
Partindo desse principio Raffestin parte do sustenta que a
territorialidade pode
ser definida como um conjunto de relaes que se originam num
sistema tridimensional
sociedade-espao-tempo (RAFFESTIN, 1993, p. 160). Nessa
perspectiva o prprio
territrio ganha uma identidade, no em si mesma mas na
coletividade que nele vive e o
produz, sempre em processo dinmico, flexvel e contraditrio (por
isso dialtico)
recheado de possibilidades que s se realizam quando impressas e
espacializadas no
territrio.
Ainda nesse aspecto Saquet (2010) acrescenta que a
territorialidade traduz o
conjunto daquilo que se vive cotidianamente: relaes com o
trabalho, com o no-
trabalho, com a famlia etc. Ou seja, ela multidimensional,
conforme frisado
anteriormente por Raffestin (1993). Ainda faz-se necessrio
reiterar que esse conjunto
no exprime simplesmente um carter funcional, pois,
(...) a territorialidade, alm de incorporar uma dimenso mais
estritamente poltica, diz respeito tambm s relaes econmicas e
culturais, pois est intimamente ligada ao modo como as pessoas
utilizam a terra, como elas prprias se organizam no espao e como
elas do significado ao lugar (HAESBAERT, 2007, p, 22).
Nesse sentido, necessrio levar em conta, dentre outros, os
lugares em que a
territorialidade se desenvolve e os ritmos que ela implica, sem
deixar de considerar
aspectos da dinmica interna e externa ligada a ela, conforme
sublinha Raffestin (1993).
Nas palavras de Souza (2001), a territorialidade tem a ver com
um certo tipo de
interao entre homem e espao, a qual , alis, sempre entre seres
humanos
mediatizada pelo espao (SOUZA, 2001, p. 99). importante
ressaltar, todavia, que a
territorialidade no se define pela simples relao com o espao,
mas se manifesta em
todas as escalas espaciais e sociais. Ela consubstancial a todas
as relaes e seria
possvel dizer que, de certa forma, a face vivida da face agida
do poder
(RAFFESTIN, 1993, p. 161-162). Sendo assim, conceber a
territorialidade como uma
simples ligao com o espao seria fazer nascer um determinismo sem
interesse.
sempre uma relao, mesmo que diferenciada [...] (RAFFESTIN, 1993,
p. 161). Com
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Ferreira enfoques na cincia Geogrfica
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isso, pretende-se dizer que a territorialidade manifesta-se em
todas as escalas, desde as
relaes pessoais e cotidianas at as complexas relaes sociais
(SAQUET, 2010).
Reconhecendo a importncia da escala na anlise da
territorialidade, Saquet
(2009) descreve as seguintes palavras;
A territorialidade um fenmeno social que envolve indivduos que
fazem parte do mesmo grupo e de grupos distintos. H continuidade e
descontinuidade no tempo e no espao; as territorialidades esto
intimamente ligadas a cada lugar: elas do lhe identidade e so
influenciadas pelas condies histricas e geogrficas de cada lugar
(SAQUET, 2009, p. 88).
Reiterando este mesmo autor (SAQUET, 2006; 2010) aponta para a
dimenso
subjetiva da territorialidade entendendo-a como o desenrolar
todas as relaes dirias
que efetivamos. Ou melhor, ela corresponde s nossas relaes
sociais cotidianas em
tramas, no trabalho, na famlia, na Igreja, nas lojas, nos
bancos, na escola etc. Estas
relaes, as territorialidades, que constituem o territrio de vida
de cada pessoa ou
grupo social num determinado lugar.
(...) a territorialidade o acontecer de todas as atividades
cotidianas [...] resultado e determinante do processo de cada
territrio, de cada lugar; mltipla, e por isso, os territrios tambm
o so, revelando a complexidade social, e ao mesmo tempo, as relaes
de domnios de indivduos ou grupos sociais com uma parcela do espao
geogrfico, outros indivduos, objetos, relaes (SAQUET, 2010, p.
129).
E complementa...
(...) compreendemos a noo de territorialidade como um processo
de relaes sociais, tanto econmicas, como polticas e culturais de um
indivduo ou de um grupo social. A territorialidade corresponde s
relaes sociais e s atividades dirias que os homens tm com sua
natureza exterior. o resultado do processo de produo de cada
territrio, sendo fundamental para a construo da identidade e para a
reorganizao da vida quotidiana (SAQUET, 2009, p. 8).
Desse modo para este autor as territorialidades so,
simultaneamente, resultado,
condicionantes e caracterizadoras da territorializao e do
territrio. Significa as
relaes dirias, momentneas, que os homens mantm com sua natureza
inorgnica,
para sobreviver biolgica e socialmente (ibidem, 2010, p. 129).
Est ligada ao
cotidiano e ao lugar de vivncia dos indivduos e dos grupos
sociais. Dessa forma, a
territorialidade se materializa no lugar e parece refletir as
dimenses culturais, polticas,
econmicas e sociais, organizando-se na desordem e na
complexidade das relaes
diversas. Assim, quando se fala em territorialidade estar-se
falando de todos os
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Ferreira enfoques na cincia Geogrfica
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processos espao-temporais e territoriais inerentes a nossa vida
na sociedade e na
natureza (SAQUET, 2009, p. 85). Nada se faz ou se pensa sem
articular, identificar e
concretizar na e com a territorialidade cotidiana (SAQUET 2010,
p. 177).
Ora, j foi dito que a concepo de territorialidade ampla e
complexa podendo
estar ou no associada a uma base territorial num sentido
fsico-espacial. Somente
titulo de exemplificao, numa espcie de reviso terica sobre as
diversas formas com
que a concepo de territorialidade pode ser entendida, Haesbaert
(2007, p. 25) suscita
dois elencos de posies. 1) territorialidade num enfoque mais
epistemolgico
abstrao, condio genrica (terica) para a existncia do territrio
(dependendo,
assim, do conceito de territrio proposto) e; 2) territorialidade
num sentido mais
ontolgico podendo ser: a) como materialidade (ex. controle fsico
do acesso atravs
do espao material); b) como imaterialidade (ex. controle
simblico, atravs de uma
identidade territorial ou comunidade territorial imaginada e; c)
como espao vivido
(frente aos territrios, formais-institucionais), conjugando
materialidade e
imaterialidade.
Buscando valorizar a dimenso ontolgica do territrio, Haesbaert
(2007)
sustenta que a territorialidade no apenas algo abstrato, num
sentido que muitas
vezes se reduz ao carter de abstrao analtica, epistemolgica.
Ela tambm uma dimenso imaterial, no sentido ontolgico que,
enquanto imagem ou smbolo de um territrio, existe e pode inserir-se
eficazmente como uma estratgia poltico-cultural, mesmo que o
territrio ao qual se refira no esteja concretamente manifestado
como no conhecido exemplo da Terra Prometida dos judeus,
territorialidade que os acompanhou e impulsionou atravs dos tempos,
ainda que no houvesse, concretamente, uma construo territorial
correspondente (HAESBAERT, 2007, p, 23).
A partir do exemplo citado, Haesbaert (2009, p.106) parte do
entendimento de que
embora todo territrio tenha uma territorialidade [...] nem toda
territorialidade, ou se
quisermos, tambm, aqui, espacialidade possui um territrio (no
sentido de sua
efetivao material). Sendo assim, a ideia de territorialidade
vista tanto como uma
propriedade de territrios efetivamente construdos quanto como
condio (terica)
para sua existncia deve ser concebida como sendo mais ampla que
a de territrio,
englobando-(HAESBAERT, 2007a e 2009), uma vez que a
territorialidade pode ser a
dimenso simblica, o referencial territorial (simblico) para a
construo de um
territrio, que no obrigatoriamente existe de forma concreta. Com
efeito, quando
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Ferreira enfoques na cincia Geogrfica
CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 9, n. 17, p.
111-135, abr., 2014
falamos em territorialidade sem territrio devemos tomar cuidado
para esclarecer a
que concepo de territorialidade ou a que relao entre territrio e
territorialidade
estamos nos referindo (HAESBART, 2007a, p. 27).
Nas palavras de Milton Santos (2007) a territorialidade no provm
do simples
fato de viver num lugar, mas da comunho que com ele mantemos.
Afinal, para este
autor o territrio em que vivemos mais que um simples conjunto de
objetos,
mediante os quais trabalhamos, moramos, mas tambm um dado
simblico, sem o qual
no se pode falar de territorialidade (SANTOS, 2007, p. 83-84).
Nessa direo, Santos
(apud HEIDTMANN, 2008, p. 43) reitera que o territrio sem vida
meramente um
espao fsico recortado geograficamente para delimitar algo, mas
as aes existentes
nele remetem territorialidade.
Nesse sentido, a territorialidade est ligada s relaes sociais e
s atividades
dirias que os homens tm com sua natureza exterior. E, de acordo
com Saquet &
Briskievicz (2009), o resultado do processo de produo de cada
territrio, sendo
fundamental para a construo da identidade e para a reorganizao
da vida cotidiana. O
territrio s se efetiva quando os indivduos so e esto em relao
com os outros
indivduos. Essa relao social, que plural, multiforme e recproca,
no territrio,
concebida por Saquet (2010) como territorialidade.
Algumas consideraes
Procurou-se elucidar aqui que o conceito de territrio rene noes
de vida, de
espao social e de espao vivido, podendo ainda ser interpretado
como resultado de uma
apropriao poltico-econmica e/ou simblico-cultural do espao por
grupos sociais
que imprimem uma representao particular a este espao a partir de
uma construo
social e histrica.
Os diversos autores mencionados apontam para a existncia de
diversos
territrios (concretos e simblicos) e territorialidades
(individuais e coletivas) que se
sobrepe no espao geogrfico e que so multidimensionais e
multiescalares. Isso
significa que alm do territrio estruturado a partir de uma lgica
poltico-econmica,
de carter mais funcional, o territrio tambm remete construo de
pertencimento, de
identidade coletiva, como experincias concretas do espao
social.
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Ferreira enfoques na cincia Geogrfica
CAMPO-TERRITRIO: revista de geografia agrria, v. 9, n. 17, p.
111-135, abr., 2014
Ademais, ao contrrio de algumas postulaes do senso comum e at do
meio
acadmico-cientfico, o territrio no se constitui simplesmente
como ocorrncias,
posio ou distribuio de objetos no espao, isto , o territrio no
se define como
mero receptculo sinnimo de espao como palco onde se desenvolvem
as atividades
humanas, a prpria natureza e os recursos naturais nele contidos.
De outro modo,
necessrio reconhecer a dimenso social e histrica. A cincia
geografia tem feito um
grande esforo nos ltimos anos no sentido de ampliar a viso de
territrio enquanto
simples suporte fsico de atividades econmicas ou quadro de
localizao de agentes
buscando dar visibilidade ao territrio enquanto uma construo
histrica e social que
de alguma forma se apresenta geograficamente.
Em concluso, suscitamos que estas breves consideraes contribuam
no
apenas no fomento dos estudos sobre territrio e
territorialidade, mas, igualmente, no
sentido de oferecer mecanismos analticos que possibilitem melhor
compreenso acerca
da prpria realidade em que vivemos. Isso significa ultrapassar o
mbito do terico, ou
melhor, do conceito puro vislumbrando o carter ontolgico dos
territrios atravs
das mltiplas manifestaes de sua existncia. Esta uma necessidade
de nosso tempo
diante de tantos processos de transformaes socioespaciais que se
colocam em questo
e que, cada vez mais, refletem uma multiplicidade de territrios
e territorialidades
produzidos e reproduzidos nas mais diversas tramas do
cotidiano.
Notas
1. De acordo com Haesbaert, (2004), o territrio como abrigo est
relacionado uma dimenso muito mais concreta, dizendo respeito aos
grupos sociais cujos parcos recursos de sobrevivncia fazem com que
ainda dependam diretamente de alguns aportes fsicos do meio.
2. Para o antroplogo Little (2002), a palavra inglesa homeland
tende a ser traduzida como ptria em portugus. Mas o significado
mais comum de ptria faz referncia a um Estado-Nao, o que desvia o
termo homeland de seus outros significados possveis referentes s
territorialidades de distintos grupos sociais dentro de um
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Recebido em 04/01/2013 Aceito para publicao em 11/07/2013.