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Roberto Jos MoreiraMargarita Rosa Gaviria
Territorialidades, ruralidades eassimetrias de poder na
Comunidade de Taquari*
IntroduoA Comunidade de Taquari, no municpio de Paraty, Rio de
Janeiro, tem sua sociabilidade associada ao Assentamento Taquari,
criado pelo Incra em 1983.
Na primeira ida regio de Taquari e ao assentamento, 1
observou-se que o territrio aparecia ocupado por um processo de
territorializao distinto daquele tradicionalmente esperado pelas
polticas de assentamento do governo federal. 2 Percorrendo a
principal via de acesso ao Assentamento, a pesquisadora observou, j
na entrada, uma placa indicando uma pousada e, a seguir, casas de
veraneio, stios com plantaes agrcolas diversificadas e gado,
anncios de vendas de terra e de passeios tursticos, bares etc., que
ocupavam uma faixa de 1 km em ambos os lados da estrada de terra. A
existncia da pousada, casas de veraneio, anncios de vendas de terra
e de atividades tursticas dava origem a um certo estranhamento.
Este estranhamento inicial nos levou a reconhecer no assentamento
um panorama alheio aos moldes em que foi concebido e gestado pelo
Instituto Nacional de Reforma Agrria (Incra), h anos:
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uma rea destinada ao aproveitamento racional do solo agrcola com
vistas a solucionar a situao econmica e social dos colonos, devido
aos problemas sofridos com a especulao imobiliria. 3
Esse trecho do relatrio aponta que o Incra buscava implantar uma
racionalidade do solo agrcola, ou seja, agropecurio, que objetivava
a soluo dos problemas socio-econmicos dos colonos, considerados
conseqncia da especulao fundiria. Como entender essa fraqueza
relativa das aes do Incra na organizao interna do assentamento?
As trs instncias governamentais, o Incra, o Ibama e a Prefeitura
de Paraty, que aqui sero identificadas, so representaes diversas do
poder do Estado. As diferenas destas representaes, mesmo que
entendidas como emergentes dos interesses sociais e polticos do
campo hegemnico, abrem campos de tenses entre eles e desses com a
comunidade e os diferentes interesses de grupos, setores, vizinhana
etc. A ao desses entes governamentais carrega projetos
diferenciados para o territrio-assentamento-natureza, tensionando
assim a identidade e a ruralidade da Comunidade. A dinmica social
vivenciada por esses atores carrega diferentes projetos de
organizao do territrio e de condies de possibilidades das relaes
sociais, das identidades e das ruralidades locais. Carrega assim as
possibilidades de cooperao e disputas no interior da comunidade, na
medida em que estes projetos acionam e institucionalizam interesses
e internalizam valores nos atores locais.
Nos contatos face a face com membros da comunidade, empreendidos
pela pesquisadora, ampliou-se o estranhamento inicialmente
refletido na paisagem. Expresses de negatividade eram veiculadas na
fala dos interlocutores, principalmente quando se referiam presena
do Incra, do Ibama e da Prefeitura na localidade, e de ambigidade
quando relacionadas s atividades
* Este artigo um dos resultados do projeto de pesquisa
Desenvolvimento Rural Sustentvel: Registros de Novas Ruralidades,
que desenvolvemos no CPDA/UFRRJ, com o apoio da Faperj, CNPq e
Pronex.
1 O assentamento dista cerca de 20 km da cidade de Paraty,
localizando-se entre a Serra da Bocaina e a Rodovia Rio-Santos e
entre as cidades de Angra do Reis e Paraty do estado do Rio de
Janeiro.
2 Pesquisa de campo, outubro de 2001.3 Relatrios do Incra sobre
o processo de expropriao da Fazenda Taquari, 1983.
Posteriormente estaremos examinando este momento fundador do
assentamento com o objetivo de identificar a historicidade da
categoria colono e a identidade a ela associada, as tenses
envolvidas no processo de expropriao e os significados atribudos
especulao imobiliria do perodo.
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de turismo. Nas palavras de um morador: O Incra desapropria, o
Ibama multa e a Prefeitura embarga.
Quais os significados da negatividade geral que a comunidade
inicialmente verbaliza contra aqueles entes governamentais? Como a
comunidade v, interpreta, vivencia e apropria a ao daqueles que
pretendiam governar, controlar e regular suas vidas? As teorias
sociais contemporneas vo localizar o poder na capacidade de
internalizar o controle e a regulao no prprio indivduo, o biopoder
de que nos falam Hardt e Negri (2001: 41-60). Em tal condio, os
processos democrticos de convencimentos e de legitimaes democrticos
tornam-se fundamentais. Os valores culturais hegemnicos so de fato
aqueles que tendem a nos controlar por dentro, como nossos prprios
valores. Esses processos tendem a ser mais poderosos na medida em
que cremos que eles foram criados e construdos por ns mesmos, uma
espcie de valor particular de nossa prpria natureza individual, ou
mais ainda valores prprios da natureza humana. Tanto em sua forma
individual (natureza do indivduo), quanto coletiva (natureza da
espcie), esses processos podem ser identificados como processos de
fetichizao, reificao e naturalizao dos valores hegemnicos nos quais
as identidades individuais se reconhecem, se vem e se identificam
com valores, tomando-os como prprios. Os processos sociais que
produzem sujeitos e individualidades capazes de reconhecer as
diferenas, os valores dos outros, as relatividades de suas
autonomias, enfim, em algum sentido sujeitos ps-modernos, produzem
identidades crticas. Neste sentido, quando registramos que as
ruralidades da Comunidade de Taquari reconhecem que as aes do
Incra, do Ibama e da Prefeitura no carregam os seus interesses e os
seus valores, estamos falando de vivncias de sujeitos socais
crticos, capazes de avaliar e resistir s pretenses dos controles
governamentais sobre suas prprias vidas e valores.
Nossa anlise procurar visualizar as identidades sociais em suas
expresses no rural e no territrio, suas ruralidades e
territorialidades, buscando entend-las como construes sociais
sujeitas s assimetrias de poderes. Essas assimetrias favorecem as
foras que expressam as hegemonias nacionais e municipais quando em
disputas com as foras identitrias da comunidade. A articulao
compreensiva desta postura analtica apresentada a seguir.
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Identidade, ruralidade e territorialidadeEstamos articulando o
trip territrio-assentamento-natureza, buscando nele alguns dos
elementos conformadores da ruralidade da comunidade. As diferentes
noes de rural e de ruralidade, pensadas pelos pesquisadores sociais
da atualidade4 nos remetem proximidade com a natureza: o solo, a
terra e o ecossistema. A especificidade do rural na produo material
da vida e na vivncia do social com suas subjetividades e
sensibilidades rurais e como representaes sociais destes espaos no
poderia ser entendida se no levarmos em conta essa proximidade.
A respeito, no contexto do pensamento ecolgico contemporneo,
pesquisadores consideram que o meio ambiente a linguagem potencial
de uma reconceitualizao sociopoltica do rural. Essa definio de meio
ambiente de Mormont adotada por Wanderley (2000: 131) para
qualificar a situao do meio rural contemporneo. Para esta postura
terica, a associao e/ou assimilao do meio rural com o meio ambiente
tem uma transcendncia poltica, pois coloca o dilogo do campo com a
cidade num novo patamar, o qual se sustenta na importncia que tem
adquirido a natureza para as populaes urbanas. Nesse quadro, as
representaes sobre o rural deixam de ser elaboradas a partir de
categorias opositivas em relao ao urbano (atrasado/moderno)
apoiadas em aspectos econmicos, para se firmarem em valores de
cunho ambiental e cultural.
A noo de ruralidade que estar subjacente nesta anlise procura
tematizar o mundo rural nas sociedades contempornea, reconhecendo
um processo de ressignificao (ou, como diriam outros, de
desconstruo-construo) dos rurais construdos pelas antigas oposies
sociedades tradicionais-modernas, rural-urbano, campo-cidade e
agricultura-indstria, prprias da modernidade. Nesse contexto, h
ainda um rural de que podemos falar e que gera identidades e atores
rurais?
As noes de ruralidades das quais aqui falamos esto associadas
aos processos recentes da globalizao e do exerccio da hegemonia das
polticas neoliberais no ps-Consenso de Washington (Santos: 2002;
25-102) que promovem a abertura dos mercados, o redimensionamento
do papel do Estado, as descentralizaes polticas e a desformalizao
das relaes de trabalho herdadas. Seus processos
4 Para uma aproximao ao debate, ver Carneiro (1998), De Paula
(1999) e Wanderley (2000).
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de construo esto, portanto, conformados e conformam os processos
socio-culturais contemporneos da ps-moder ni dade e da era da
informao, gerando novas possibilidades de postulaes
contra-hegemnicas. 5
Tendo em mente a possibilidade de existncia de processos de
ressignificao do rural como agrcola para um rural como natureza,
ser necessrio reconhecer que estes processos impem tenses nos
diversos mbitos societrios, tais como na esttica, nas cincias, na
sociedade civil, no Estado, no mercado e na espiritualizao.6
Com enfoques, abordagens e mesmo temticas diferentes, diversos
autores tendem a ressaltar o rural como um modo particular de
utilizao do espao e da vida social, o que implica a compreenso dos
contornos (o espao ecossistmico), das especificidades (o lugar onde
se vive) e das representaes (o lugar de onde se v e se vive). Em
favor do reconhecimento do rural na
5 Liderado por R. J. Moreira, o grupo registrado no CNPq (Cf.:
http://www.cnpq.br/. Grupos de Pesquisa) assim descreve o campo de
pesquisa Ruralidades, Cultura e Desenvolvimento Sustentvel: Este
campo investigativo est informado pelos processos econmicos,
culturais e polticos contemporneos da ps-modernidade e da era da
informao. Tais processos impem tenses s culturas cientficas,
tecnolgicas, artsticas e cotidianas herdadas, tensionando a formao
de identidades sociais e polticas. Neste contexto, a ideologia do
desenvolvimento se reconforta como desenvolvimento sustentvel. As
tenses econmicas, culturais e polticas, amal gamadas e
sincretizadas, impem reduo s autonomias relativas herdadas da
modernidade. Fala-se do desaparecimento do rural, do agrcola e
tambm da emergncia de um novo mundo rural e de novas ruralidades
que, em processos de desterritorializaes e reterritorializaes de
espaos e tradies, mesclam sincretismos multiidentitrios na cidade e
no campo. No campo, sob amparo dos discursos do desenvolvimento
rural sustentvel, esta conjuntura impulsiona processos de
compreenso dos espaos e dos sujeitos deste novo mundo rural.
Contribuindo compreenso desta problemtica as linhas de pesquisa
ruralidades no campo e na cidade; ruralidades na histria e nas
culturas; cincia, tcnica e formaes agrrias; educao ambiental e
ecologia objetivam a construo de conhecimentos e a reflexo sobre as
prticas contemporneas dos novos localismos e tradicionalismos
rurais globalizados, como so as expresses dos assentamentos rurais,
da agricultura familiar, da agroecologia, de tecnologias
alternativas e de alimentos naturais, do desen volvimento local e
rural sustentveis, turismos rurais, ambiental e ecolgico, reservas
e parques ecolgicos, esportes rurais, festas religiosas e
folclricas e de outras expresses artsticas.
6 Cf. Leis (1999). Moreira (1999b) procurou demonstrar que tais
processos impem novas concepes do ser humano e de natureza,
questionando a crena da separao do ser humano da natureza, um dos
pressupostos fundadores da modernidade e da legitimao do domnio
humano do planeta.
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contemporaneidade e apoiando-se no debate travado nas sociedades
avanadas, Wanderley (2000) se posiciona numa leitura do rural como
espao singular e ator coletivo e ressalta alguns aspectos deste
debate (a ruralidade como construo histrica, o rural como um espao
diversificado, o desenvolvimento rural como um novo compromisso
institucional e a emergncia de uma nova ruralidade); aspectos que
nos permitem identificar vrias ressignificaes do rural, novos
atores e novas disputas discursivas. Carneiro (1998) problematiza a
ruralidade como novas identidades em construo, postulando-a como
expresso de novas relaes campo-cidade. Apoiados nesses estudos
podemos interpretar a ruralidade contempornea como uma
ps-modernizao da agricultura (no caso francs) e uma modernizao
incompleta, interrompida ou segmentada (nos casos fluminenses da
regio serrana), ambas, no entanto, conformadas por uma revalorizao
da natureza que, por vrios e complexos processos, configura uma
urbanidade contempornea que revaloriza a vida no campo e a produo
de alimentos saudveis.
Em geral, a ruralidade refere-se, portanto, s relaes especficas
dos habitantes do campo com a natureza e s relaes prprias de
interconhecimento dessas relaes, densificadas pelo conhecimento e
pela comunicao direta, face a face. A articulao entre as noes de
rural e de identidade social que nos permitir falar em ruralidade.
A articulao entre ruralidade e natureza nos permitir falar de
territorialidade quando estivermos analisando as assimetrias das
territorialidades e ruralidades da Comunidade de Taquari. Como
hiptese, entendemos que as foras sociais hegemnicas associadas s
aes do Incra, do Ibama e da Prefeitura (polticas, recursos,
pessoal, valores culturais etc) so assimtricas s foras da
comunidade. Mais poderosas do que as foras da comunidade, nela se
internalizam, ganham aliados e opositores, constroem ou ampliam as
diferenciaes internas j existentes.
Mesmo que as disputas pela utilizao do espao possam ser
observadas entre as entidades governamentais e entre os diversos
grupos sociais da comunidade, em alguns contextos, as diferenas,
disputas e oposies se reduzem a duas instncias: a dos rgos
governamentais e a da comunidade. Em tais contextos, ou a
comunidade como ator coletivo ope-se s autoridades governamentais
ou estas juntam-se como uma nica instncia de poder governamental ,
procurando impor sua organizao do territrio. Nessas disputas, ambos
os lados, suportados em suas concepes de espao rural, procuram
impor representaes e formas de organizar suas aes sobre o espao
rural.
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A ruralidade, como processo dinmico de interao entre grupos
sociais diferentes, de mudana e de deslocamento, no vivenciada de
maneira uniforme pelas esferas sociais envolvidas nele, como tambm
no adscrita a uma espacialidade e/ou uma temporalidade concreta.
Observamos esse processo recorrendo s noes de ruralidade,
territorialidade e identidade, visto que cada uma delas aborda uma
questo determinada. A ruralidade responde aos elementos que
sustentam o processo; o territrio responde a qual o contexto fsico
e social no qual acontece o processo; e a identidade responde a
como vivenciado o processo pelos agentes sociais.
Em outras palavras, postulamos que o carter heterogneo, mbil e
dinmico que conforma o processo prprio da ruralidade se estabelece
em ambincias que no tm, necessariamente, uma base fsica. Da a
importncia de incluir o conceito de territrio na anlise, pois este
aponta para a reflexo das situaes de mobilidade de fronteiras
fsicas e sociais, prprias do universo social estudado.
Igualmente, a mobilidade e o dinamismo se traduzem num processo
de descomposio e recomposio de espaos, que d lugar construo de
identidades. Trata-se de identidades sociais descentradas, abertas,
que se constroem e se reconstroem no processo de interao dos
agentes sociais com novos componentes econmicos, sociais e
culturais. Quer dizer, no processo social considerado, se
desarticulam umas identidades e se abre a possibilidade de
articular outras.
As ruralidades e as territorialidades sero vistas por ns como
identidades abertas s tenses dinmicas de seus espaos sociais de
insero. Para refletir sobre estas tenses, propomo-nos visualiz-las
como processos de construo de objetividades e subjetividades
abertas, 7 com autonomias relativas,8levando em conta suas
incompletudes, alteridades e seus novos possveis, em uma
perspectiva contempornea da anlise dos processos de construo e
desconstruo da realidade.9
7 Essa uma tentativa de visualizarmos, como abertas, as histrias
reificada e incorporada de que fala Bourdieu (1989).
8 Das quais nos fala Castoriadis (1982: 122-137), em Autonomia e
Alienao.9 Tem-se em mente aqui Berger e Luckmann (1985) e
Castoriadis (1982), para a
construo social e imaginria da sociedade e, Elias (1994), para
as tenses do indivduo na sociedade.
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A postura analtica de tenses identitrias que aqui propomos parte
do pressuposto que a dinmica dos processos vividos (relaes internas
e externas) constri identidades que, na origem, no estavam
delineadas nas aspiraes de nenhum de seus atores e postuladores.
Olhar tais tenses nos permitir compreender o campo de cooperao e
disputa construtor das identidades. Este campo carrega o fermento
de seus novos possveis.
A interpretao desse emaranhado de relaes fortalece-se na
compreenso do que alguns autores tm chamado de culturas hbridas 10,
ao se referirem s relaes entre o global e o local, o glocalismo da
globalizao e da ps-modernidade. Neste artigo visualizamos aspectos
das relaes cidade-campo, procurando ressaltar as tenses
identitrias, substrato social para a produo de sincretismos e
hibridismos rurbanos na Comunidade de Taquari.
Estamos diante de um universo social no qual o rural e o urbano
esto interconetados. Nele, o esvaziamento de fronteiras provocado
pela mobilidade fsica e social entre ambos os espaos leva a que o
urbano e o rural no correspondam mais a realidades distintas.
Vivencia-se a incorporao de populaes urbanas no espao rural, de
maneira que a dimenso territorial destacada, j que, o territrio se
constitui na incorporao de elementos simblicos e materiais urbanos
no espao rural. O territrio refere-se aos contextos sociais,
culturais e espaciais em que acontece a interconexo entre o urbano
e o rural, isto , quando no possvel considerar o urbano sem o rural
e vice-versa.
Por outro lado, a indiferenciao espacial, social e cultural do
rural e do urbano se reflete na construo de novas identidades. Quer
dizer, nesse contexto em que convivem pessoas de origem urbana e
rural, elas se unem em torno de prticas e valores; as diferenas so
expressas nas identidades. Dessa maneira, a identidade torna-se
importante na anlise e na prtica social , pois nos remete e aos
atores sociais aos elementos que sustentam o pertencimento e as
relaes de alteridade, assim como situaes em que eles so acionados,
permitindo-nos falar em ambincias das identidades.
Cumpre ainda apontar que a visualizao dessas tenses nos permitir
pensar novas formas de aes polticas, reconhecendo novos lugares da
poltica na sociabilidade contempornea, mesmo no associando, nesta
anlise, esses
[10] Cf., Canclini (1998) e Canevacci (1996).
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lugares com a mdia e o global como, corretamente, fazem outros
autores.11 Isso nos levaria, no mnimo, a problematizar a
telessociabilidade do uso da televiso no imaginrio e nos valores da
comunidade como uma possvel presena hegemnica, no local, de uma
cultura de massa nacional ou globalizada.
Nesse sentido, a territorialidade da Comunidade de Taquari no se
construiu em um passado remoto ou recente, se faz no processo e
carrega possibilidades de mudanas. A comunidade que emerge no
ps-1983 recebe o nome da antiga fazenda. No passado, a identidade
do lugar e de seus habitantes certamente aglutinava um sentido de
identidade diferente para o territrio: a de fazenda. Recuperar a
constituio da fazenda e do seu entorno significar reler a
socio-histria da regio e da prpria Fazenda Taquari, procurando
desvendar a territorializao herdada, as tenses que levaram ao
processo de desapropriao que fundou o assentamento, bem como a
regulao que a prpria comunidade instituiu em seu cotidiano e que,
hoje, se apresenta como direitos costumeiros. A releitura desse
processo histrico de territorializao requer entender a dinmica
socioterritorial do prprio municpio de Paraty desde a sua fundao, a
criao do Parque Nacional da Serra da Bocaina (PNSB) e a presena do
Ibama, outro ente governamental que carrega a vontade da sociedade
e expressa as polticas governamentais em relao ao meio ambiente.
Essas foras projetam regulaes sobre o territrio e sobre as relaes
sociais e as sociabilidades cotidianas.
A anlise do ps-1983 implicar tambm reconhecer a presena das
foras hegemnicas dos diversos governos municipais e suas aes e
projetos para a regio na qual se localiza a Comunidade de Taquari.
A territorializao de que aqui falamos se expressa nas aes e
polticas municipais de infra-estrutura de estradas, transporte e de
servios diversos de saneamento, sade, educao, eletrificao etc.
Assimetrias de poder na Comunidade de Taquari
Uma das primeiras intervenes governamentais na regularizao
fundiria do municpio, dcadas de 1950 e 1960,12 esteve associada ao
Plano de Coloni zao
11 Para a relao entre democracia e globalizao, ver a coletnea
organizada por Prado e Sovik (2001).
12 No podemos esquecer o clima poltico da democratizao do
perodo, da forte presena do desenvolvimentismo, das reformas
postuladas no perodo, do Estatuto
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das Terras Devolutas do governo estadual, que visava, ini
cialmente, colonizar as terras devolutas da regio dentre as quais
se inclua a rea da Fazenda Taquari , abandonadas depois da abolio
da escravatura.
Registre-se que a herana desse processo vista, no Plano, como a
produo de terras devolutas. Registros analisados apontam que, no
final do sculo XIX, o senhor Honrio Lima, se dizia proprietrio das
Fazendas Barra Grande, So Roque e Taquari, com uma rea de 20.000
hectares. O Plano de Colonizao orientava o uso dessas terras por
pequenos produtores que, oriundos de outras regies, ocupavam reas
inferiores a 50 hectares, nelas cultivando banana, mandioca, milho
e feijo.
Podemos aqui intuir que a hegemonia sobre o territrio,
representada pela propriedade das terras das fazendas, era
questionada pelo governo estadual do perodo que declarava aquele
territrio como de terras devolutas. A orientao do Plano reconhecia
um processo de colonizao autnomo de pequenos produtores
provenientes de outras regies que j ocupavam e cultivavam as
terras. O Plano carregava a possibilidade de constituio de uma
comunidade de pequenos produtores, uma comunidade de iguais, sem
hierarquias constitudas.
A regio continuou habitada por lavradores, sobretudo posseiros e
pequenos proprietrios, havendo ainda parceiros e arrendatrios. Anos
depois, tais pequenos agricultores foram surpreendidos com o sbito
aparecimento de inmeros proprietrios daquelas terras de Taquari,
conhecidas como devolutas e do Estado. A disputa acerca dos
direitos sobre o territrio provocou tenses, j nos anos de 1970 e
1980, entre os lavradores 13 oriundos daquela colonizao das dcadas
de 50 e 60 e as empresas que se identificavam como as proprietrias
das terras.
em tal ambincia conflituosa que, em 1983, ocorre interveno
governamental do Incra que d origem ao Assentamento de Taquari. O
assentamento constituiu-se posteriormente como a socializao
nucleadora da Comunidade de Taquari, hoje mais ampla que o espao do
assentamento. Aquela intervenso almejava encaminhar a soluo dos
conflitos.
do Trabalhador Rural de 1963 e, depois, do Estatuto da Terra e
do prprio Golpe de Estado, ambos de 1964.
13 Naquele momento, lavrador era uma categoria local usada para
se referir aos pequenos agricultores associveis ao sindicato de
trabalhadores, segundo consta nos documentos da Fetag (Federao de
Trabalhadores Agrcolas).
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Cumpre recuperar as mudanas da ambincia regional que separam os
dois perodos. No contexto dos anos 70, a construo da estrada
Rio-Santos, a rodovia BR 101, e sua abertura ao trfego em 1975
viabilizaram a atividade turstica, permitiram o escoamento de
produtos locais, como a banana e o peixe,14 modificando
substantivamente as conexes do territrio com a sociedade
abrangente. De um lado, esta interveno contribuiu para a degradao
ambiental e, de outro, possibilitou a valorizao das terras. A
crescente especulao imobiliria, principalmente no litoral e em
locais dotados de belezas naturais (Almeida, 1997: 28), indica a
emergncia de novos interesses sobre a apropriao e uso do territrio.
Empreendimentos tursticos foram construdos ao longo da rodovia
ocasionando deslocamentos abruptos das populaes.15
Em outro registro das mudanas da ambincia regional, e tendo em
vista a especulao imobiliria e a devastao florestal das quais j
anteriormente fora vtima Paraty, o governo interveio, em 1966, com
o objetivo de garantir a integridade do acervo paisagstico e
incrementar o turismo, transformando o municpio em monumento
nacional (Almeida, 1997: 24). Neste registro podemos visualizar uma
sincronia histrica entre o primeiro Plano de Colonizao dos anos 60
e 70 e a transformao de Paraty em monumento nacional. Nessa
confluncia podemos levantar a hiptese que a ao dos entes
governamentais de ento j articulavam a defesa do patrimnio histrico
de Paraty com a preservao do meio ambiente e concebiam a legitimao
da comunidade de pequenos produtores como adequada preservao. Uma
sincronia de interesses que potencializava os interesses dos
pequenos agricultores associando-os aos da preservao do patrimnio
cultural e ambiental, unindo-os contra os interesses daqueles que
se declaravam propriet rios das terras.
Com o mesmo objetivo de sustar os desmatamentos e recuperar reas
de vegetao sacrificadas, foi criado, em Paraty, em 1971, o Parque
Nacional da Serra da Bocaina (PNSB). O PNSB abrangia tambm parte
dos municpios de Cunha e So Jos de Barreiro (So Paulo) e Angra dos
Reis (Rio de Janeiro). O surgimento do Parque reduziu 50% da rea
agricultvel e em seu permetro seriam permitidas apenas atividades
de pesquisa e de turismo. O posterior tombamento do municpio de
Paraty, realizado pelo governo do estado do Rio de Janeiro em 1991,
inclua a rea urbana e rural do trecho fluminense da Serra
14 Cf. Almeida (1997: 28).15 Documento do Incra, de 28 de
janeiro de 1983.
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do Mar/Mata Atlntica e justificava-se ao considerar Paraty uma
relquia a ser preservada por seu conjunto arquitetnico e sua mata
circundante (Souza, 1994 e Almeida, 1997). A associao entre o
conjunto arquitetnico e sua mata circundante, em 1991, demonstra
que essas parecem ter sido as foras que se hegemonizaram e que
legitimaram um projeto abrangente para a regio que incluiu o
territrio da comunidade que aqui analisamos.
Interessa-nos destacar a parte da Fazenda Taquari que estava
dentro do permetro do PNSB. Para resolver a situao dos lavradores
de Taquari, que continuavam a residir e trabalhar na rea do Parque,
o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) e o
Instituto Nacional de Reforma Agrria (Incra), em ao conveniada,
compraram parte da Fazenda Taquari e procederam desapropriao de
outra parte.16 No processo desapropriatrio, o Incra ficou
responsvel pela rea localizada fora dos limites do PNSB. As reas
remanescentes, includas no permetro do Parque, foram entregues ao
IBDF, atual Ibama.17
Cumpre ressaltar que a criao do Parque conforma um espao social
da Comunidade, semelhante aos de comunidades fronteirias a reservas
florestais, ecossistemas e mesmo parques.18
Essa releitura do perodo nos mostra que a criao do Parque
tensiona os interesses dos colonos que anteriormente haviam sido
legitimados pelo Plano de Colonizao dos anos 50 e 60. A reduo da
rea agricultvel e a regulao do uso das reas do Parque determinam a
ao do Incra que, articulado ao Ibama, teria a funo de assentar as
populaes que se encontravam no interior do Parque, regulando uma
nova sociabilidade adequada territorialidade que a sociedade
abrangente, ou seja, os interesses hegemnicos, projetavam no
Parque.
O processo de desapropriao da Fazenda Taquari foi
temporariamente interrompidoA empresa (Empresas Reunidas Agro
Industrial Mickael S/A), proprietria do imvel rural Fazenda
Taquari, entrou com mandado de segurana junto
16 Houve desapropriao de algumas reas, onde estavam os
assentados, e compra de outras, que estavam dentro do Parque. Nos
processos do Incra fala-se, num primeiro momento, da desapropriao e
depois da liberao de recursos para compra.
17 Relatrio do Incra, 30/6/1983 e Almeida (1997).18Para um
estudo destas situaes fronteirias, ver Souza (2001) e Gonalves
(2001).
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ao Superior Tribunal Federal contra as medidas expropriatrias do
Incra, autorizadas pelo Presidente da Repblica.19 O recurso jurdico
motivou a paralisao do trabalho iniciado pelo Incra, quando este j
tinha delimitado o permetro do assentamento, em 1983. Os lotes das
famlias s foram demarcados em 2001. O processo judicial
impossibilitou, at 1995, a presena efetiva do Incra na rea e abriu
um vazio institucional no direcionamento da territorializao do
assentamento. Ou seja, durante 12 anos o assentamento existiu sem o
Incra. Nesse perodo, a organizao esteve sob controle da dinmica da
Comunidade que instituiu regras prprias de uso do espao.
Em 1983, no momento da desapropriao, j havia sido delimitado o
permetro do assentamento, bem como definidos os beneficirios: 60
famlias, das quais 33 tinham direito a crdito por terem mais de trs
hectares.20 Ocupando esse vazio institucional, os lavradores
(posseiros, moradores e trabalhadores da fazenda) gestaram uma
territorializao particular segundo regras e valores internos j
existentes ou a institudos e legitimados pelo costume. Certamente
as 60 famlias cumpriram um papel nucleador hegemnico. Note-se que
apenas cerca de metade delas tinha mais de trs hectares. Forma-se
assim uma territorialidade relativamente homognea. Esse ncleo de 60
famlias tinha sua legitimao fundada na ao anterior do Incra.
Em 1995, o Incra retomou suas atividades no assentamento de
Taquari e deparou-se com as vendas de lotes, empreendimentos
comerciais particulares e diversas prticas econmicas no agrcolas.
Aps 12 anos, o Incra retomou sua autoridade institucional sobre o
assentamento e reage ao uso costumeiro com ameaas e cobranas
populao, querendo reverter o quadro. S em 2001 ele consegue
delimitar os lotes. Como veremos adiante o assentamento conta hoje
com 270 famlias.
Estudar esse processo de delimitao significa entender como a
territorializao autnoma da comunidade foi legitimada ou negada pela
territorializao do loteamento do Incra. provvel que parte das
representaes negativas tenha sido associado pela comunidade imagem
do Incra. Aps 1995, o Incra tende a negar a territorializao
construda pela prpria comunidade.
A populao ainda reclama do Incra, referindo-se ao abandono da
Comunidade por vrios anos. Reprova a sua maneira de agir, j que ele
impe regras e
19 Decreto 88.788 de 4/10/1983.20 Dados fornecidos pelo
Incra.
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estabelece proibies, mas no presta assistncia nem oferece
recursos e solues para resolver as dificuldades atuais da roa. Sua
principal demanda que o Incra os deixe em paz para que a comunidade
escolha seu caminho.
A desconsiderao das razes associadas s aes do Incra tambm
estendida, pela comunidade, imagem de negatividade que ela associa
aos projetos do Ibama e da Prefeitura.
Para a comunidade, o Ibama representa os interesses da rea de
Proteo Ambiental de Taquari e age como um rgo repressivo s
atividades da populao na rea. 21 A administrao do Parque, atravs
dos florestais, 22 exerce controle sobre as prticas agrcolas e a
devastao que, segundo o Ibama, a populao de Taquari pratica no
permetro do Parque. No interior do Parque h ainda uns 30 stios
(lotes produtivos) de moradores da localidade, segundo informaram
algumas pessoas em Taquari. Neste contexto a populao reage contra o
controle exercido pelo Ibama no Parque.
Numa reunio da associao de moradores, a qual compareceu o
diretor do PNSB, os moradores justificaram suas atividades no
Parque como uma maneira de resolver suas necessidades bsicas. Um
dos agricultores disse que tem stios no Parque:
Doutor, voc no gosta de estar na mata igual eu gosto no, adoro
isto aqui, mas voc no vai passar fome para deixar uma abelha em p,
se precisar de uma madeira para viver tira a madeira e vende para
construo, agora roubar diferente.
Nesse discurso, o morador procurava justificar suas atividades
no Parque como legtimas por estarem associadas reproduo de sua vida
e da famlia. Nega a qualificao dessas atividades como sendo prticas
de roubo e devastao, conforme so interpretadas pelos florestais e
ambientalistas.
O Ibama e a institucionalizao do Parque, segundo a legislao
ambiental brasileira, projetam o territrio do Parque como rea
desabitada. A esse projeto se ope a populao que incorporou em seu
cotidiano um passado de reas devolutas e sem proprietrios. A
comunidade procura legitimar a
21 Um dos agricultores que tem lotes no Parque disse que a
polcia o prendeu por ter feito um desmatamento, libertando-o quando
explicou que era um bananal velho que ele tinha plantado ali em
outros tempos.
22 Guardas florestais, no cotidiano da comunidade.
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explorao de stios no espao do Parque associando-a reproduo da
vida da comunidade. Podemos visualizar claramente aqui uma disputa
em torno do biopoder na comunidade. Esta ltima vivencia a ao do
Ibama e a presena da figura do Parque como uma perda, uma apropriao
que o governo faz de parte da sua reproduo social. Esse o campo
conformador das tenses e dos conflitos Ibama-comunidade ou, mais
especificamente, dos conflitos desse agente pblico com os
agricultores que vivem ou mantm stios produtivos no interior do
Parque (Gonalves, 2001).
A Prefeitura controla a ocupao territorial delimitando espaos
por exemplo, as margens da estrada ou do rio , nos quais edificaes
de posse da populao so proibidas. Embarga as casas construdas muito
prximas do caminho. A quem desobedecer s regras de ocupao, a
autoridade ameaa mandar um trator para derrubar o que tiver sido
construdo, justificando suas aes pelo risco que implica a
superlotao em termos de recursos bsicos para a populao.
A fala de um dos moradores, j anteriormente citada e que aqui
repetimos, resume as trs tenses governamentais que conformam a
vivncia e a territorialidade da comunidade: O Incra desapropria, o
Ibama multa e a Prefeitura embarga.
Essa verbalizao revela a assimetria de poderes daqueles entes
governamentais em relao aos poderes da comunidade, como procuramos
evidenciar.
As tenses postas por tal assimetria de poderes se alimentam da
dissociao entre os objetivos dessas entidades e os interesses da
comunidade. Elas projetam territorialidades distintas das vividas
pela comunidade. De outro lado, os projetos referidos no so
elaborados de forma participativa, no reconhecendo assim a
complexidade do universo social em questo e no se preocupando com
as questes do convencimento democrtico. Nossa narrativa procurou
demonstrar que as instituies expressam projetos que a sociedade,
representada naqueles entes governamentais, elabora para aquele
territrio em questo. A Constituio municipal e a eleio do Prefeito,
a legislao de reforma agrria e a ao do Incra, a questo ambiental
nas leis e sua expresso prtica nas aes do Ibama refletem a
hegemonia da sociedade abrangente sobre o espao local. Tais
projetos no reconhecem a territorialidade social construda pela
vivncia do local, nem a diversidade dos vrios grupos sociais da
Comunidade, suas diferentes formas de insero social, redes de
relaes sociais e concepes do uso da terra. A comunidade, de outro
lado, no v por
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detrs daqueles entes pblicos a sociedade abrangente, reifica o
Incra, o Ibama e a Prefeitura, neles reconhecendo uma vontade
institucional que lhe estranha e cuja lgica no compreende.
Vale destacar que o territrio se constitui em um campo de foras
de diversas instncias sociais. Ou seja, na rea do assentamento o
Incra detm o poder, mas na prtica social observa-se que esse poder
disputado com os nascidos e criados. Os nascidos e criados exercem
um domnio relativo sobre a rea do assentamento pela posio social de
serem descendentes de famlias que esto no lugar h vrias geraes.
Quer dizer, os nativos sustentam seu poder relativo sobre a rea
recorrendo ao tempo de permanncia na localidade. Esse domnio
expresso pela venda e desenvolvimento de atividades proibidas pela
legislao do Incra. Suportados por direitos costumeiros, os
assentados agem como que legitimados por direitos privados
institudos pela sociedade, apesar de no possurem os ttulos de
propriedade por ela reconhecidos.
Territorialidades e tenses culturaisNucleador da identidade
comunitria, o Assentamento Taquari ocupa uma rea de 958,7462
hectares, habitada por 270 famlias 23 relativamente homogneas, como
j revelamos. Com uma lente analtica mais potente, porm, podemos
visualizar um universo social heterogneo.
De um modo geral, observa-se na comunidade uma diviso social
entre o grupo de residentes instalados na localidade h duas ou trs
geraes, os nascidos e criados, e os de fora. Tal constatao nos
remete diviso social proposta por Norbert Elias (2000) entre os
estabelecidos e os outsiders ao estudar um bairro de trabalhadores,
tambm aparentemente homogneo. Em nosso caso, dentre os de fora
distinguem-se os moradores procedentes de outras zonas rurais, os
moradores oriundos de reas urbanas, os que tm residncia secundria e
os turistas. Em suma, o universo social de Taquari tem uma
pluralidade de categorias sociais.
As fronteiras simblicas de cada uma dessas categorias so
construdas historicamente nas relaes e nos embates cotidianos entre
os nascidos e criados e os de fora que definem formas identitrias
destas diversas
23 No h dados sobre o censo populacional do municpio, por ser
uma rea federal sob jurisdio do Incra. No cadastro do Incra, em
2001, aparecem 270 famlias, entendendo-se que cada casa representa
uma famlia.
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categorias com os espaos fsico e social, permitindo-nos falar em
expresses multi-identitrias da ruralidade e territorialidade da
comunidade. Trata-se de identidades construdas pelas representaes
dos atores de acordo com a origem, o passado comum, o tipo de
atividade econmica ou o estilo de vida e/ou as formas de lazer. O
fato de cada categoria social utilizar um ou outro elemento para
definir sua identidade depende de sua situao na localidade e da
conjuntura relacional que vivencia. No contexto das relaes com os
entes governamentais, tambm vistos como de fora, tende a prevalecer
a identidade da comunidade como um todo social uno. Nesse sentido,
esta comunidade representada pela associao de moradores de
Taquari.
A comunidade de Taquari possui ainda uma escola municipal, onde
as crianas estudam at a quarta srie, e quatro igrejas (Assemblia de
Deus, Adventista, Batista e Catlica). A festa tradicional do
catolicismo a de Nossa Senhora de Aparecida que se celebra no
feriado de 12 de outubro. No que concerne infra-estrutura, Taquari
conta com recursos bsicos: gua, energia e saneamento bsico. O
transporte pblico para fora da comunidade-assen tamento (de segunda
a sbado, trs vezes por dia) representado pelo nibus municipal que
faz o trajeto Taquari-Paraty.
As relaes entre os grupos sociais que interagem em Taquari se
manifestam em diversos nveis. Os indivduos e as coletividades em
alguns contextos se cruzam, fazem parte da mesma rede, e em outros
no. Essas relaes so expressas sob a forma de alianas, conflitos,
encontros ou desencontros que se transformam de acordo com a situao
vivida. Tais transformaes so acompanhadas por atualizaes dos cdigos
de conduta e das regras de vida social que orientam a vida das
pessoas e que no so reconhecidos pelas entidades pblicas.
A complexidade das relaes pode ser visualizada nas vivncias
religiosas. Em torno de cada uma das igrejas, constroem-se redes de
sociabilidade que se estendem para alm da localidade,
possibilitando inclusive a manifestao de um turismo religioso. As
igrejas tm grande representatividade na localidade, o mesmo no se
podendo dizer da associao de moradores de Taquari. Esta representa
a localidade perante os rgos oficiais. Ao mediar as relaes da
comunidade com tais rgos, a associao no tem conseguido o
engajamento da populao. Na busca de defesa e representao dos
interesses da comunidade, como por exemplo, nas demandas de
infra-estrutura, a estratgia da associao a de se apropriar dos
projetos governamentais e acion-los a favor da comunidade.
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Nesse processo, a associao acaba sendo vista como expresso dos
interesses da diretoria ou dos interesses do Incra, do Ibama ou da
Prefeitura. Tanto em um caso como no outro, a legitimidade da
Associao posta em dvida, seja por outros interesses da Comunidade
seja pelo conjunto da mesma. Como resultado de tais vivncias, a
Associao vem sendo vista como defensora dos interesses que norteiam
os projetos implementados pelo Incra, Ibama e Prefeitura que, do
ponto de vista da populao de Taquari, no correspondem a seus
prprios interesses. Nessa situao, a representao da Associao
desvalorizada e a infra-estrutura obtida por meio de sua ao
enfrenta um descaso generalizado da comunidade.
No caso do Ibama, a associao quem assume a funo de advogar por
seus projetos e entra em conflito com os interesses do setor da
populao que utiliza o Parque Nacional da Serra da Bocaina para
atividades agrcolas ou pecuria ou outras formas de explorao de
recursos do Parque.24 A legitimao do loteamento do Incra ou o
ordenamento territorial da Prefeitura coloca na comunidade uma
tenso entre os que defendem essas territorializaes e os que lucram
com a venda de lotes ou constroem fora da rea permitida.
Ao refletir sobre as tenses que o turismo impe sociabilidade
cotidiana necessrio ter em conta que o turismo envolve atividades
face a face com estranhos comunidade, diferente das relaes com os
entes governamentaisacima referidas. A interao face a face com os
turistas tensiona no apenas os interesses, mas os valores, os
afetos e o estilo de vida.
Atualmente, o turismo uma das fontes de renda de um setor da
populao de Taquari. Essa prtica social um complemento econmico, j
que uma atividade que acontece na poca do calor que dura seis meses
de outubro at depois do carnaval. Visto como um fluxo no tempo, o
envolvimento da comunidade com as atividades de turismo e com os
turistas depende da demanda. O incremento da atividade turstica
ocorre gradualmente, de acordo com a intensificao do calor. O
carter sazonal do turismo gera instabilidade financeira para
aqueles que se dedicarem apenas a tais atividades. A importncia da
combinao das atividades tursticas com outras (pedreiros,
carpinteiros, motoristas, prestadores de servios, agricultores etc)
interliga o fluxo do turismo com a diversidade da comunidade,
provocando tenses diferenciadas. Como aponta Gonalves (2001)
estudando outra comunidade,
24 As formas de explorao dos recursos do Parque identificadas na
pesquisa (ainda que em sigilo por serem proibidas) foram a caa,
extrao de madeira e palmito, criao de abelhas, orqudeas e
bromlias.
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as atividades tursticas no necessariamente significam o abandono
da atividade agrcola.
Os personagens sociais que atuam hoje no ramo turstico de
Taquari so os nativos, valorizados como os nascidos e criados.
Antigamente os nativos dedicavam-se integralmente agricultura,
sobretudo s plantaes de banana, dentre eles o dono da nica pousada
referida anteriormente. Ao descrever a histria do turismo no local,
um dos moradores comenta referindo-se ao dono da pousada: ele tinha
um stio de banana grande que vendeu e aplicou no turismo para ter
uma fonte melhor. Alguns nativos que ainda no fizeram investimentos
em atividades tursticas pensam em faz-lo futuramente.
A colocao dos sujeitos sociais que convivem com a atividade
turstica (Urry, 1999) se d em dois sentidos: de tirarem vantagens
das oportunidades que o turismo apresenta para um investimento
lucrativo e de se protegerem das invases do espao, criando uma
vivncia ambgua entre os valores tursticos e os valores prprios da
comunidade. Por um lado, o turismo valorizado, pois atravs dele
entra dinheiro na localidade. Beneficia quem se dedica atividade e
tambm os agricultores e artesos que vendem seus produtos aos
turistas. De outro lado, a populao reage estabelecendo limites
sociais com o objetivo de se protegerem dos efeitos indesejveis da
superlotao que caracteriza o turismo desenvolvido em Taquari e dos
efeitos sobre os valores morais e as afetividades vividas como
prprias da comunidade. Para a populao, os espaos fsico e social da
localidade so afetados pelos turistas, considerados culpados de
implicaes sociais e ambientais indesejveis.
A prtica turstica e os interesses na atividade turstica da
populao de Taquari no so reconhecidos durante a elaborao de
projetos institucionais. Isto fica evidente no projeto municipal de
agroecoturismo. 25As aes desse projeto foram desenhadas sem
consultar a multiplicidade de interesses em jogo, nem as diversas
formas de participao e graus de envolvimento na atividade turstica
no mbito da populao atingida.
Mesmo que o turismo em Taquari seja apenas uma das diversas
estratgias de reproduo social coexistentes na comunidade,
constitui-se numa atividade
25 Do projeto participaram diversas secretarias municipais, a
associao de moradores e o Grupo de Agroecologia (GAE) da UFRRJ,
conforme registrado no jornal das Associaes de Moradores da Regio
de Paraty, a Folha do Litoral, de 18 de setembro de 2001.
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sintetizadora de tenses entre diferentes formas de utilizao do
espao (agricultura, turstica e preservao ambiental), assim como das
tenses derivadas das oposies sociais resultantes do encontro de
espaos urbanos e rurais. A presena dos turistas representa a
presena dos de fora e dos da cidade, tensionando assim os valores e
os afetos vividos no cotidiano do lugar.
Da mesma maneira que o turismo, a venda de terras uma atividade
geradora de ambigidade social, pois representa, ao mesmo tempo, um
caminho para a entrada de dinheiro e elevao de renda da comunidade
e uma prtica ameaadora dos atributos fsico-ambientais e sociais do
espao rural. Pela legislao do Incra, a venda de lotes no
assentamento ilegal, mesmo assim uma das estratgias de reproduo
social adotada por grande parte das pessoas em Taquari. A venda de
terras para pessoas de fora em algumas situaes revela-se a sada
para enfrentar as dificuldades financeiras.
A expanso do comrcio de terras no territrio visualizada nas
diversas placas que anunciam venda de lotes e na emergncia do
negcio imobilirio observado nas inmeras casas que esto sendo
construdas. A demanda pela aquisio de lotes em Taquari deu lugar a
um novo tipo de servio: de intermedirio ou corretor.
A procura permanente por terra em Taquari se insere no que
Moreira (1995), em sua conceitualizao de renda da natureza, analisa
como processos de territorializao do capital. Este processo pode
apresentar tambm uma procura da imobilizao do capital em terras no
relacionadas necessariamente a processos agrcolas. Ou seja, no
apenas um processo de valorizao das terras em produo, mas tambm um
processo de valorizao das terras improdutivas como na sua condio de
ambiente natural.
No mbito da comunidade, a venda de lotes e terrenos uma
atividade legitimada, j que acontece em casos de necessidade, por
falta de liquidez financeira. Em termos gerais, ela ocorre para
satisfazer a necessidades de diversas ndoles: (moradia, sade,
enterros e outras) e justifica-se socialmente quando destinam-se a
suprir necessidades bsicas. Porm, em algumas situa es, a escassez
de recursos monetrios que motiva a venda deve-se impossibilidade de
empreender atividades agrcolas por carncia de condies econmicas,
tcnicas e familiares para trabalhar a terra.26 Exemplar o caso
26 Analisando o espao econmico e social das agriculturas
familiares no capitalismo, Moreira (1999a) argumenta que essa
impossibilidade tende a ser comum para o
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de uma viva que disse ter vendido a terra porque, em seus 70
anos, no tinha mais filhos em quem mandar nem sade e dinheiro para
pagar uma pessoa. Ela decidiu vender pois do contrrio ia ficar para
criar mato.
Contudo, socialmente, a venda de lotes considerada uma questo
problemtica por colocar em risco as vantagens de se morar na roa.
considerada uma ameaa liberdade e ao sossego do espao, j que os
lotes tanto podem ser ocupados por pessoas boas, quanto por pessoas
ruins. Os de fora so qualificados de pessoas ruins quando praticam
roubos e consomem drogas na localidade. Ento, para contornar essa
ameaa e evitar a chegada de pessoas ruins que afetem o lugar, os
nativos procuram vender para pessoas conhecidas ou conhecidas de um
conhecido, formando-se redes nas quais as pessoas que compraram
primeiro vo trazendo outras.
Outros dois riscos, assinalados pela comunidade, relativos
proliferao das vendas so a mudana do ambiente social e a tendncia
para a favelizao. Quando vai ver, o pessoal est que nem formiga,
disse um entrevistado, referindo-se s possveis conseqncias da venda
continuada de terras. Em suma, a venda de lotes coloca-nos tambm
diante da mesma ambigidade observada na prtica turstica: resolve
dificuldades financeiras, mas acarreta problemas sociais.
A antinomia campo-cidade, ruralidade-urbanidade, nos ajudar a
visualizar, na comunidade, a representao do rural e, nos turistas,
a representao do urbano. Os turistas carregam valores distintos dos
da comunidade. Valores que tensionam afetos e subjetividades
abrindo novas possibilidades de vivncias do territrio
socioambiental expressam-se em novas possibilidades de renda
monetria, a serem positivadas ou negativizadas, bem como atualizam
as oposies cidade e campo, j por ns captadas na anlise das
categorias roa e cidade presentes no discurso cotidiano (Gaviria e
Moreira, 2002).
FinalizandoO desvelamento das tenses entre diferentes
territorialidades nos levou para alm do reconhecimento da
heterogeneidade do espao rural e suas significaes. Revelou-nos a
complexidade das relaes entre ruralidades, nas quais o Incra, o
Ibama e a Prefeitura representam as foras hegemnicas da sociedade
abrangente
conjunto das formas sociais da agricultura familiar devido s
dificuldades de realizao de lucro e renda da terra acima de
zero.
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e do Estado que, como demonstramos, carregam assimetria de poder
quando se confrontam com as foras da comunidade. Deixou visvel
ainda a precariedade do controle e da regulao pretendidos pelos
projetos governamentais. O campo de tenses aberto tanto
objetivamente quanto subjetivamente. Carrega diversos possveis que
os atores locais podem acionar e tornar reais. A presena local
dessas foras, na medida em que atuam sem a construo de espaos
decisrios decididamente participativos, deslegitimada e vista como
representao dos interesses dos outros interesses poderosos por suas
capacidades de desapropriar, multar e embargar , associados s
imagens que a comunidade tem do Incra, do Ibama e da
Prefeitura.
Esses diversos espaos decisrios levam-nos a ressaltar a presena
plural de espaos da ao poltica, fora dos tradicionais espaos da
poltica. A presena e abertura dessas diferentes ruralidades impem
um dinamismo lgica da vivncia cotidiana da comunidade, que estaria
longe de uma viso de uma sociedade tradicional com valores rgidos.
As aberturas ao outro, cidade, acabam resultando em vivncias
abertas a novos possveis e a hibridaes de valores diversos.
Cumpre ressaltar nestas consideraes finais a importncia que
demos compreenso socio-histrica da ambincia social mais ampla na
qual se do os processos de territorializao aqui analisados. Somente
essa ambincia foi capaz de revelar as autonomias relativas dos
atores locais e da comunidade nas formas de uso e ocupao do
territrio. As assimetrias de poderes puderam ser visualizadas pelas
aes dos governos estaduais, municipais e federais nas conjunturas
dos anos 50 e 60, quando as terras foram tratadas como devolutas,
em um processo de deslegitimao do sistema de propriedade herdada e
de promoo de uma nova territorialidade. Para tanto, elaborou-se um
Plano de Colonizao que objetivava fixar pequenos produtores
agrcolas e estimulava o povoamento oriundo de migraes
intra-regionais. Foi tambm quando o municpio de Paraty foi
reconhecido como patrimnio cultural da nao. Naquele momento no se
revelavam divergncias entre a colonizao das matas devolutas, a
preservao do patrimnio cultural de Paraty e as garantias dos
negcios do turismo de ento.
Os processos posteriores da construo da Rio-Santos e da criao do
Parque Nacional da Serra da Bocaina revalorizaram as atividades de
turismo relacionado ao patrimnio cultural de Paraty associando-o ao
turismo ecolgico, que agora passa a requerer a preservao das matas,
ou seja, do ecossistema do
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Parque. Agora, o projeto hegemnico de territorialidade da regio
passa a opor a explorao agropecuria preservao cultural e ambiental
da regio. Como demonstramos, nesse momento h a reduo de cerca de
50% nas reas agricultveis e toma-se providncia para o esvaziamento
da regio do Parque, em especial dos pequenos produtores agrcolas.
Em 1983, o Incra acionado pelo Ibama e cria o Assentamento de
Taquari. Esse processo redefine a territorializao da regio e dispe
as condies de possibilidades da Comunidade de Taquari, dando
sentido s trs grandes negatividades que a comunidade articula
contra o Incra, o Ibama e a Prefeitura.
Procuramos tambm demonstrar que esses dois momentos fundacionais
da comunidade de Taquari - a colonizao e o assentamento - lanam as
bases de uma comunidade relativamente homognea de agricultores
familiares em regio de floresta.
Destacamos ainda que aquelas negatividades so relativizadas no
interior da comunidade, uma vez que a complexa diferenciao interna,
sem profundas hierarquias socio-econmicas, aproxima alguns setores
da comunidade s aes desses entes governamentais e tensionam as
representaes na associa-o de moradores.
As identidades sociais que se mostraram abertas s tenses
dinmicas de seus espaos sociais de insero nos permitem visualizar a
comunidade como expressando-se de forma multiidentitria, revelando,
no plural, ruralidades e territorialidades tambm em seu interior.
Entendemos que nesses processos tais relaes foram se objetivando e
se internalizando nas psiqus individuais e da comunidade,
construindo relao de pertencimento e afeto ao territrio, ao lugar e
s pessoas do lugar.
A fora de cirao dos campos de possibilidade de construo desses
elementos da sociabilidade, no entanto, foi dada pelos projetos dos
outros, da sociedade abrangente representada no Incra, no Ibama e
na Prefeitura, revelando a assimetria de poderes dessas foras
hegemnicas econmica, cultural e politicamente e das foras da
Comunidade de Taquari.
A territorialidade e a identidade rural da Comunidade de Taquari
no se construiram de uma vez por todas em um passado remoto ou
recente. A Comunidade de Taquari tem sua identidade posta pelas
tenses de uma dada ambincia hegemnica: uma ambincia regional de
preservao do patrimnio cultural e do ecossistema. Apesar dessa
hegemonia, as foras locais no se
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70
mostraram submissas, expressam seus interesses e carregando
possibilidades de mudana.
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Resumo: (Territorialidades, ruralidades e assimetrias de poder
na Comunidade de Taquari). Este artigo um estudo das identidades
sociais na Comunidade de Taquari, municpio de Paraty, em suas
expresses no rural e no territrio. A postura analtica articula o
trip territrio-assentamento-natureza em suas relaes contemporneas e
d importncia compreenso socio-histrica da ambincia social mais
ampla na qual se do os processos de territorializao analisados. O
Incra, o Ibama e a Prefeitura representam as foras hegemnicas da
sociedade abrangente e do Estado, poderes assimtricos quando
confrontados com os da comunidade. O dinamismo lgica da vivncia
coti diana da comunidade esto longe de uma sociabilidade
tradicional com valores rgidos. As aberturas ao outro, cidade,
resultam em vivncias abertas aos novos possveis e a hibridaes de
valores diversos. A territorialidade e a identidade rural da
Comunidade de Taquari so construdas pelas tenses de uma dada
ambincia hegemnica de preservao do patrimnio cultural e do
ecossistema. Apesar desta hegemonia, as foras locais no se
mostraram submissas, expressando seus interesses e carregando
possibilidades de mudana.
Palavras-chave: identidade, ruralidade, territorialidade,
comunidade rural, Paraty.
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Abstract: (Territories, ruralities and assymmetry of power in
the Taquari Community). This article reports on a study of social
identities in the community of Taquari in the municipality of
Paraty and their reflection of the rural environment and
surrounding territory. The analytical approach adopted links
territory-settlement-nature to their contemporary relations and
attributes key importance to the socio-historic understanding of
the wider social surrounding in which the territorialization
processes analyzed occurs. Incra, Ibama and the municipal
government represent the State and the hegemony of the broader
society, establishing a relation of assymmetrical power when
compared to the communitys own resources. The logic and dynamism of
the communitys day-to-day life is far removed from the rigid values
of a traditional society. The exposure to the other, to the city,
produces outward looking life-styles which open up new
possibilities and create hybrid values. The Taquari Communitys
territoriality and rural identity are constructed under the given
tensions of the surrounding hegemonic cultural inheritance and
preservationist ecossystem. Despite this hegemony, local strengths
are not totally neutralised, and the community is able to express
its own interests and engage in mobilisations.
Key words: identity, rurality, territoriality, rural community,
Paraty.
Roberto Jos Moreira professor da UFRRJ/CPDA
Margarita Rosa Gaviria doutorandado CPDA/UFRRJ.
Estudos Sociedade e Agricultura, 18, abril, 2002: 47-72.