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TERRITORIALIDADES E ETNOGRAFIA: Avanos metodolgicos da
anlise geogrfica de comunidades tradicionais
TERRITORIALITIES AND ETHNOGRAPHY: Methodological advances
from the geographical analysis of traditional communities
TERRITORIALIDADES Y ETNOGRAFIA: Avances metodolgicos del
anlisis geogrfico de comunidades tradicionales
Leonardo de Oliveira Carneiro
Professor Adjunto da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Doutor em Geografia pela Universidade Federal Fluminense
Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ, 2002) Rua Jos Loureno Kelmer, s/n - So Pedro - Juiz de Fora,
MG Brasil - 36036-900
Email: [email protected]
Nathan Zanzoni Itaborahy
Mestrando em Geografia IGC/UFMG Avenida Antonio Carlos, 6627-
Pampulha- Belo Horizonte, MG Brasil - 31170-900
Email: [email protected]
Rafaela Alves Gabriel
Cientista Social ICH/UFJF Rua Jos Loureno Kelmer, s/n - So Pedro
- Juiz de Fora, MG Brasil - 36036-900
Email: [email protected]
Resumo
O conceito de territrio tem na Geografia seu campo de anlise
privilegiado, cincia
esta que estuda as diferentes facetas do espao. Com tal
propsito, o trabalho de campo,
espao-tempo da observao da diversidade humana e espacial, tem
importncia
reafirmada na anlise dos territrios e na investigao geogrfica,
uma vez que o
conhecimento de uma determinada localidade e sua cultura s pode
se dar de maneira
abrangente se partir de uma observao participante. A partir da
contribuio de
Raffestin (1993) da territorialidade como um processo de interao
entre atores, ou seja,
necessariamente uma relao e uma construo social que objetivam
autonomia de
acordo com os recursos do sistema, este artigo tem como objetivo
apresentar a contribuio da etnografia s anlises
geogrficas/territoriais de comunidades
tradicionais. Tendo em vista a ideia de processos de
territorializao, que antes de recorrer relao homem-meio so prprios
da relao entre atores sociais, nos
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esforaremos em consolidar experincia etnogrfica como uma
interessante ferramenta
metodolgica e analtica em Geografia.
Palavras-chave: Territrio e territorialidades; Etnografia;
Trabalho de campo;
Comunidades Tradicionais.
Abstract The territory is a concept which has a geography
privileged analysis field, a science
who studies the differential aspects of space. With this
purpose, the fieldwork,
observations space-time of human and spatial diversity, has
reinsured importance for territory analysis and geographic
investigation, once that knowledge of a specific
location or culture just can be learned through a wide
participant observation. From
Raffestins contribution (1993) of territoriality as an actors
interaction process, that means, a necessarily relation and a
social construction aiming autonomy according to
system resources, this article has the goal to uncover the
ethnography tools contribution for analysis geography and
territorial of traditional communities. Adding
the temporal factor to the territory idea, we end up referring
to territorialization process, that before recurs to the
men-environment relation, are due social actors relation, and,
soon, may have in the ethnography experience an interesting
methodological and analytical tool.
Key-words: Territory and territorialities; Ethnography;
Fieldwork; Traditional
Communities.
Resumen
El territorio es un concepto que tiene en la geografa el campo
de anlisis privilegiado,
ciencia interesada en las diversas facetas del espacio. Para
ello, el trabajo de campo, el
espacio-tiempo de observacin de la diversidad humana y el
espacio, han reafirmado la
importancia para el anlisis de los territorios geogrficos y de
investigacin, ya que el
conocimiento de un lugar en particular o de la cultura slo puede
darse a partir de una
observacin participante. A partir de la contribucin de Raffestin
(1993), de la
territorialidad como un proceso de interaccin entre los actores,
que es necesariamente
una relacin y una construccin social para la autonoma de acuerdo
con los "recursos
del sistema", este artculo tiene como objetivo descubrir la
contribucin de la
herramienta etnogrfica para el anlisis geogrfico de comunidades
tradicionales.
Agregando el factor tiempo la idea de territorio, se har
referencia a los "procesos de
territorializacin", aquellos que antes de pasar al hombre y el
medio ambiente, son a su
vez la relacin entre los actores sociales, y por lo tanto pueden
tener en la experiencia
etnogrfica una interesante herramienta metodolgica y
analtica.
Palabras clave: Territorio y territorialidades; Etnografa;
Trabajo de campo;
comunidades tradicionales.
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Introduo
Sobre a Geografia e suas pretenses cientficas encontramos uma
infinidade de
sistemas conceituais, objetivos e prticas. A Geografia1 um campo
de conflitos
ideolgicos: a dualidade sociedade-natureza constructo do
pensamento moderno-
colonial colocou-a numa condio de espao de tenses ideolgicas e
filosficas.
Desde uma cincia descritiva e empirista at a compreenso do espao
como formas
quantificveis existem tantas Geografias quanto forem os mtodos
de interpretao
(MORAES, 2011, p. 46), o que nos leva a importncia do mtodo e do
sujeito cientista
na concepo do pensamento geogrfico. Esse caleidoscpio de
percepes, que
constroi e d sentido aos espaos, varia no s com a formao
terico-acadmica dos
pesquisadores, mas tambm com sua experienciao do mundo, afinal
os diversos
meios, fatores e aes sociais, tal como proposto por Durkheim
(1993), nos
influenciam, direcionando nossa percepo e apreenso dos contextos
a nossa volta.
Nessa gama de possibilidades na qual a Cincia Geogrfica se faz,
coexistem
vises diversas sobre os conceitos/conceituaes: os sistemas
interpretativos do espao
vo privilegiar os conceitos (e seus significados) que lhe
permitam uma melhor
apreenso da realidade, segundo os objetivos e preceitos do
cientista e de sua viso de
mundo.
Dessa maneira, o territrio se encontra naquelas geografias e
gegrafos que
vem nas dimenses da poltica e da cultura (de forma alguma
contrapostas, seno que
agregadas e concomitantes) questes cruciais para a compreenso da
formao do
espao geogrfico. Sua conceituao articula pares como dominao e
apropriao,
poder e identidade, funo e smbolo.
Assim, nos aproximamos, com nossa inteno geogrfica (dentro
dessas tantas
Geografias), a uma compreenso do espao como um processo. Dizer
isso significa o
pensar juntamente ao fator temporal. nesse sentido que a ideia
de territorialidade
ativa (DEMATTEIS, 2008) nos surge como uma interao entre
diferentes atores do
territrio, j que ela se d no intuito de satisfazer tais
sujeitos, a partir dos recursos
1 Aqui, estamos nos referindo a Geografia enquanto uma
disciplina institucionalizada pela cincia
moderna ocidental. O espao vivido multidimensional e complexo:
nele natureza e sociedade se
integram e no se contrapem.
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dispostos no sistema territorial (RAFFESTIN, 1993). Como
qualquer ao ela
construda no tempo e no espao, sendo a temporalidade tambm fator
primordial para
entender a formao social e espacial (SAQUET, 2011).
Fazer uma Geografia, tanto no seu sentido humano, quanto no
cultural e poltico,
compreender como se do tais relaes sociais no territrio. E aqui
se encontra nossa
proposta: o gegrafo deve ser aquele cientista que vivencia as
relaes humanas, pois
elas se do no/com o espao, transformando-o e significando-o.
Para tanto, acreditamos que seja necessria a aproximao dos
estudos
geogrficos Antropologia. Primeiramente por esta cincia abordar o
territrio como
um dos fatores de extrema relevncia nas definies sociais e no
modo como se d o
desenvolvimento de certos agrupamentos humanos. Isso facilmente
evidenciado nas
bibliografias clssicas como em Malinowski (1978), descrevendo o
Kula, sistema
intercambial de trocas comerciais e simblicas, entre as tribos
da extremidade oriental
da Nova guin, com a riqueza de detalhes sobre a natureza local e
sua influncia nas
representaes sociais; assim como nas bibliografias mais
recentes, como o Jos
Guilherme Magnani (1999), que traa perfis diferenciados
desenvolvimento e
ocorrncia de fenmenos urbanos como o neo-exoterismo, de acordo
com a diviso
dos bairros e centros da cidade de So Paulo.
A renovao da teoria de territorialidade na antropologia tem como
ponto de
partida uma abordagem que considera a conduta territorial como
parte
integral de todos os grupos humanos. Defino territorialidade
como o esforo
coletivo de um grupo social para, ocupar, usar, controlar e se
identificar com
uma parcela especifica de seu ambiente biofsico, convertendo-se
assim em
seu territrio ou homeland. Casimir (1992) mostra como a
territorialidade uma fora latente em qualquer grupo, cuja
manifestao explicita depende de
contingncias histricas. O fato de que um territrio surge
diretamente das
condutas de territorialidade de um grupo social implica que
qualquer
territrio um produto histrico de processos sociais e polticos.
(LITTLE,
2002, p.3)
Por segundo, nos aproximamos da Antropologia na inteno de
demonstrar a
possvel contribuio da ferramenta etnogrfica, enquanto mtodo de
pesquisa
geogrfica2, aos produtos desta cincia. Temos de antemo a certeza
da importncia dos
2 Lanamos mo da diferenciao entre mtodo de interpretao e mtodo
de pesquisa nas cincias
humanas (MORAES e COSTA, 1984). O primeiro fala sobre a viso de
mundo do pesquisador e a segunda das ferramentas de pesquisa.
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trabalhos de campo ao longo da histria dessa cincia, desde a
Geografia dos Viajantes
(dos naturalistas, como Humboldt) at as atuais perspectivas.
Esperamos contribuir com a metodologia no trabalho de campo em
Geografia,
sobretudo aos recentes estudos das comunidades tradicionais
brasileiras, que em muitas
vezes, tm se esforado em pensar politicamente a cultura
(PORTO-GONALVES,
2002, p. 168), mostrando a (ainda) obscura diversidade
territorial brasileira.
Quando nos referimos aqui a Etnografia estamos falando de um
conjunto de
tcnicas de trabalhos de campo, tradicionais da Antropologia (e
da Etnologia), que nos
apresenta a importncia das vivncias e experienciaes3 junto aos
grupos sociais
estudados. Adiante a exploraremos em alguns de seus importantes
pontos, da mesma
forma que buscaremos demonstrar sua possvel contribuio
compreenso dos
territrios e suas territorialidades. Acreditamos que rompendo
algumas fronteiras
disciplinares acadmicas podemos rumar a um enriquecimento nos
propsitos e nas
prticas do trabalho de campo geogrfico.
Territorialidade: um processo, uma relao
A territorialidade, vista como uma relao que fala de uma tenso -
afinal o
territrio composto de territorialidades nas quais os sujeitos
coletivos transformam e
tencionam com os poderes estabelecidos - uma categoria que deve
ser desvendada em
suas diversas nuances e particularidades. No temos dvida de que
s alcanaremos
esse desvendar num esforo de pesquisa lento e cuidadoso. Dessa
maneira
objetivaremos anunciar a nossa viso sobre a territorialidade,
para que possamos firmar
as relaes desta com o mtodo etnogrfico.
Lanamos mo da crtica apontada por Raffestin (1993) em sua obra
Por uma
Geografia do Poder de que o territrio foi tomado por muito
tempo, a partir das leituras
ratzelianas, como unicamente o territrio do Estado. Ele aparecia
como aquela rea
necessria reproduo de uma populao, o que leva a uma naturalizao
do territrio,
reforada pela ideia de Espao Vital (RATZEL, 1990).
3 Contrapomos aqui o tradicional experimentar da cincia
positivista ao experienciar. Experimentar significa induzir
objetos, enquanto experienciar significar estar junto ao prprio
objeto, ou vivenciar o contexto cultural e ambiental no qual ele se
insere, que dessa maneira vai de objeto a sujeito.
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A evoluo no debate deste conceito somada as transformaes na
histria do
homem e seu espao levaram a importncia dos sentidos imateriais
ou subjetivos que
envolvem a relao sociedade-natureza, da mesma forma que o
carter
multidimensional do poder nas relaes sociais (RAFFESTIN, 1993).
Nesse mbito
aparecem os estudos que vo dar relevo a territorialidade na
concepo das relaes
sociais e espaciais. Podemos citar, por exemplo, os estudos de
Jean Gottmann (1973
apud SAQUET, 2009), do prprio Raffestin (1993), Bonneimaison
(2002), Haesbaert
(2004) e suas multiterritorialidades, dentre outros, que se
despertaram para os aspectos
simblicos, relacionais, culturais, polticos e existenciais
inerentes construo dos
territrios.
Num quadro geral a territorialidade aparece em boa parte da
literatura como o
sentido de pertencer quilo que te pertence (SANTOS e SILVEIRA,
2011, p.19), que
se aproxima um tanto das expresses do apego ao lugar, a
topofilia, enunciada pela
Geografia Humanista, assim como do chamado regionalismo. Esse
sentido de
pertencimento e orgulho de ser de determinado local de fato um
componente a se
pensar no entendimento da territorialidade, indicando um
interessante caminho de
pesquisa.
Quando se fala em territorialidade diretamente se refere obra do
gegrafo Robert
Sack: em 1986 o autor vai publicar a obra Human Territoriality
(SACK, 1986)
apresentando a viso da territorialidade como a tentativa por
indivduo ou grupo, de
afetar, influenciar, ou controlar pessoas, fenmenos e relaes, ao
delimitar e assegurar
seu controle sobre certa rea geogrfica (SACK, 2011, p. 76), ou
seja, uma estratgia
humana a partir da uma ao no espao. De fato sua contribuio
significativa e
aparece como outra vertente possvel de anlise da
territorialidade, claro que um tanto
mais materialista que a anteriormente colocada. No entanto, ela
nos leva mais a ideia de
territorialismo do que propriamente a territorialidade, como
aponta Souza (1995).
Entendemos, em conformidade com Dematteis (2009), que essa viso
apontada
por Sack se refere a uma territorialidade passiva e negativa, j
que ela objetiva excluir
sujeitos e recursos (DEMATTEIS, 2009, p. 35). No negamos sua
existncia, mas
apontamos uma perspectiva mais inclusiva do termo para
compreender as
territorialidades das comunidades tradicionais brasileiras, a
exemplo das comunidades
quilombolas, indgenas e ribeirinhas.
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Quanto a essas territorialidades acabamos por entend-las nos
formatos propostos
por Raffestin (1993), ou seja, em uma perspectiva relacional: a
territorialidade , assim,
a maneira pela qual as sociedades se satisfazem, num determinado
momento, para um
local, uma carga demogrfica e um conjunto de instrumentos tambm
determinados,
suas necessidades em energia e informao (p. 153), sendo esta
satisfao propiciada
pelo processo de troca e/ou informao (p. 154). Isso quer dizer
que ela uma
construo entre atores sociais de um territrio, dessa maneira
ativa e positiva, j que
ela visa incluir sujeitos ou deriva das aes coletivas
territorializadas e
territorializantes dos sujeitos locais e objetiva a construo de
estratgias de incluso
(DEMATTEIS, 2009, p. 35).
Entendendo a territorialidade como um conjunto de relaes que se
originam
num sistema tridimensional sociedade-espao-tempo em vias de
atingir a maior
autonomia possvel, compatvel com os recursos do sistema estamos
assinalando-a
como um processo, ou seja, como algo dinmico. E esse acontecer
da interao entre os
sujeitos do territrio envolve sempre uma relao com o outro
alteridade e nessa via
Raffestin (1993) enftico ao ponderar que esse outro no se trata
s do espao
modelado (p. 159), seno que os indivduos e/ou grupos que a se
inserem. O autor
no suprime a importncia do espao nessa relao, ao dizer que a
relao com o
territrio uma relao que mediatiza em seguida as relaes com os
homens, com os
outros (p. 160).
Acabamos por concluir que, entendendo a territorialidade como
algo dinmico,
assim como a cultura, o fazemos tambm com o conceito de
territrio, outrora visto de
maneira esttica, ou como um mero recorte espacial. Torna-se
interessante pensar a
expresso processos de territorializao, que nos permite agregar
as dimenses do
tempo e do espao, alm de colocar o territrio em uma posio de
eterno campo de
embates polticos4, nos poupando do risco de pensar o espao sem
ao social.
A fim de elucidar a possvel contribuio da Etnografia anlise
das
territorialidades, tal como entendemos, ativas e inclusivas,
trabalharemos seus
fundamentos e suas interlocues com o trabalho de campo em
Geografia.
4 Lanamos mo do conceito de poltica de Arendt (2010), como uma
condio da vida social, ou seja,
como o exerccio do encontro das diferenas. Com essa colocao,
concordamos com Raffestin (1993): o
poder inerente a qualquer relao social, que logo, se torna uma
relao poltica.
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Espacializando a tenso dentro e fora: Etnografia e Geografia
A Geografia est em toda parte
(COSGROVE, 1998, p. 93)
O gegrafo um filsofo do espao. Isso nos diz que seu trabalho
requer uma
constante observao dos fenmenos socioespaciais. O olhar
geogrfico incessante:
das pequenas simbologias aos acordos polticos globais a
Geografia est em toda
parte, ou seja, negligenciar o todo ou a parte pode levar a
concluses incoerentes no
mbito dessa cincia.
O espao geogrfico, como nos ensina Milton Santos (1991), tem a
anlise de sua
totalidade no somente com a soma das pores espaciais, mas por
uma dialtica entre
as partes e o todo, que est em constante transformao. Ousamos a
dizer que muito
daquilo que o autor prope funciona de forma anloga ao que
Laplantine (1988) chama
de o dentro e o fora como uma tenso constitutiva da prtica
antropolgica.
Essa semelhana, em nosso entendimento, clara em dois aspectos:
(1) num
panorama terico, ao exigir a viso do espao com uma totalidade, e
afirmar que Cada
lugar , sua maneira, o mundo (SANTOS, 1996, p. 314), Santos est
fazendo uma
exigncia similar a da Antropologia, que nos ensina que um
fenmeno s adquire
significao antropolgica sendo relacionado sociedade como um todo
na qual se
inscreve e dentro da qual constitui um sistema complexo
(LAPLANTINE, 1988, p.
156), deixando claro que ao estudar o espao do homem a Geografia
vivencia a tenso
dentro e fora como a cincia antropolgica; (2) num panorama
metodolgico, o
dentro e fora para o cientista da Geografia significa tambm um
dilema sobre a escala
geogrfica ideal para anlise dos problemas, do sentido dos
trabalhos de campo e do
cotidiano do pesquisador, e das referncias globais que o lugar
contm ou das locais que
compe a totalidade do espao.
A princpio, diramos que no aspecto terico (1) que une a
Antropologia e a
Geografia nessa tenso constitutiva, ambas as cincias tm
significativas e densas
discusses. Milton Santos (1996) tangencia o dentro e o fora em
suas escritas sobre
epistemologia espacial ao falar do lugar e sua relao com os
processos da globalizao
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(nos termos das verticalidades e horizontalidades), da mesma
maneira que a prpria
tradio regional da Geografia refere-se a um recorte de
diferenciao de reas
particulares e gerais. No entanto, esta cincia, se comparada a
Antropologia e sua
Etnografia, ainda anda a passos curtos no que se refere ao
trabalho de campo e a
metodologia (2) de pesquisa em Geografia. Lembra-nos Paul Claval
(2002) ao colocar
etnlogos e gegrafos em um mesmo grupo:
A realidade que os gegrafos estudam sempre aquela de uma
cultura
particular. Como analisar essa realidade sem considerar seus
recortes mais
importantes, sem perder o que faz a sua especificidade? Ao
desconfiar dos
relatrios simples, por serem feitos na ptica do observador, o
etnlogo
Clifford Geertz (1973) nos d um norte. O etnlogo e o gegrafo
devem
praticar a arte da descrio densa (thick description). Trata-se
da nica maneira possvel de integrar, pelo menos, algumas das
particularidades culturais das populaes e dos lugares estudados
(CLAVAL, 2002, p. 20)
Encontramos uma pluralidade de ferramentas metodolgicas
considervel nesta
cincia, umas com formatos mais objetivos, outras at
minimalistas, que acabou por
gerar um afastamento das discusses sobre os trabalhos de campo
geogrficos, como
aponta Suertegaray (2002) a pesquisa de campo um tema muito
importante na
Geografia, porm, com pequena discusso (p. 92).
importante termos em mente alguns dos aspectos mais relevantes
do que se
prope como trabalho de campo dentro da Antropologia. A
Etnografia, como
sabemos, um mtodo voltado para conseguir a introjeo de um
sujeito, a princpio
desconhecido e desconhecedor, em um determinado local. Para que
isso acontea de
maneira dinmica e efetiva5 imprescindvel que o pesquisador tenha
tempo para
aplicar e se disponibilizar durante a pesquisa. Para ter acesso
as informaes mais
complexas (dependendo do campo, at mesmo as informaes mais
simples)
necessrio que haja criao de laos de reciprocidade e de
identificao, entre o
pesquisador e o pesquisado.
A partir disso, emerge outro aspecto fundamental a preparao do
pesquisador: ele
deve carregar a conscincia da influncia que causar nos lugares,
e de todas as
5 importante destacar que um sujeito completamente alheio ao
conjunto de sistemas e normas de um
determinado lugar, dificilmente ser absorvido integralmente
(naturalmente) ao cotidiano desse lugar.
Tornando o pesquisador, tambm, extico aos olhos dos nativos.
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dificuldades que aparecero pelo encaminhar do trabalho. Portanto
preciso exercitar o
desapego de seus costumes tradicionais e se colocar aberto a
todas as experienciaes
proporcionadas por este tipo de trabalho. No entanto, precisamos
lembrar que uma
desconexo completa com os nossos valores culturais tradicionais
to impossvel
quanto se tornar um nativo.
O fato que o trabalho de campo em Geografia ainda no se debruou
sobre uma
discusso mais densa que elenque temas como, por exemplo, os
dilemas do sujeito-
pesquisador, as fases de um trabalho de campo, as formas de
aproximao do espao
pelos grupos sociais, a especificidade de cada trabalho, dentre
outros. Em sua atividade,
o gegrafo, que lida com o que est em toda parte, tem uma
dificuldade para realizar
os movimentos de entrada e sada de um trabalho.
Apresentamos a Etnografia como uma ferramenta metodolgica que
consiste no
exerccio do olhar (ver) e do escutar (ouvir) impe ao pesquisador
ou a pesquisadora um deslocamento de sua prpria cultura para se
situar no
interior do fenmeno por ele ou por ela observado atravs da sua
participao
efetiva nas formas de sociabilidade por meio das quais a
realidade
investigada se lhe apresenta (ROCHA e ECKERT, 2008, p. 2)
Basicamente, isso representa uma tenso com o olhar das
aparncias: se engajar
em uma experincia de percepo de contrastes sociais, culturais, e
histricos
(ROCHA e ECKERT, 2008, p. 2) significa negar uma cincia humana
que se apoia nos
levantamentos indiretos, na coleta de dados por si s, na
compreenso dos sujeitos
analisados como meros objetos da pesquisa.
A Etnografia a prtica da crtica ao objetivismo cientfico nas
cincias
humanas. Isso no se d s com a proposta das observaes diretas,
vivncias,
descries densas (GEERTZ, 1989), mas tambm com a relevncia do
feeling do
sujeito cientista.
Damatta (1974) discorre sobre a importncia do que ele chama
de
Anthropological Blues, como elemento que se insinua na prtica
etnolgica, mas no
estava sendo esperado, ressaltando que os acontecimentos
inesperados ou
extraordinrios, como, por exemplo, as conversas de canto de sala
e os problemas
operacionais no trabalho de campo que compem a vivncia do
pesquisador,
conformam sua viso sobre aquela realidade, sendo um componente
inevitvel do ofcio
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do etnlogo e uma forma de compreenso de suas prprias concepes,
de sua presena
no mundo.
Para o autor, toda a imerso do pesquisador em seu ofcio nos leva
a dupla
tarefa de: (a) transformar o extico no familiar e (b) o familiar
no extico
(DAMATTA, 1974, p 28), retornando a tenso dentro e fora. O
exerccio
etnogrfico leva tanto ao conhecimento do outro como ao seu
prprio conhecimento, e
mesmo que o conhecimento da territorialidade do outro nos leva a
tecer um olhar
diferenciado sobre a nossa prpria territorialidade. Lembrando
Boaventura de Sousa
Santos: todo conhecimento cientfico um autoconhecimento (SANTOS,
1987, p.
52).
No s nesse ponto voltamos ao dentro-fora, seno que ao pensarmos
a
Geografia como a cincia que estuda o espao, conclumos que a
Etnografia pode nos
levar da parte (dentro) ao todo geogrfico (dentro e fora),
satisfazendo a colocao
miltoniana do espao como totalidade. Como aponta Geertz
(1989):
O problema metodolgico que a natureza microscpica da
etnografia
apresenta tanto real como crtico. Mas ele no ser resolvido
observando
uma localidade remota como o mundo numa chvena ou como o
equivalente
socilogo de uma cmara de nuvens. Dever ser solucionado ou tentar
s-lo de qualquer maneira atravs da compreenso de que as aes sociais
so comentrios a respeito de mais do que elas mesmas; de que, de
onde vem uma interpretao no determina para onde ela poder ser
impelida a ir. Fatos
pequenos podem relacionar-se a grandes temas, as piscadelas
epistemologia, ou incurses aos carneiros revoluo, por que eles
so
levados a isso. (GEERTZ, 1989, p. 17)
Dessa forma, no temos dvida de que a Etnografia pode contribuir
ao exerccio
geogrfico. Muito do esforo epistemolgico da Geografia se deu com
o intuito de
promover uma cincia de sntese, ou seja, que transpe a dualidade
entre geografia
tpica e geral.
No entanto, nosso questionamento no se encerra quando
relembramos o que
Cosgrove anuncia: a geografia est em toda parte. Isso a princpio
no soa como um
problema, mas o pode ser: sendo atividade do gegrafo observar
continuamente o
espao e as relaes sociais que nele, por ele e com ele se do, o
trabalho de campo no
se difere do exerccio cotidiano do gegrafo. , seno, uma
sistematizao desse labor
com um objetivo pr-estabelecido.
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Recorremos aqui ideia de Damatta (1987) do trabalho de campo
como um rito
de passagem para o pesquisador: nestes tipos de ritos,
observados nas mais diversas
culturas, em certos momentos os sujeitos envolvidos ocupam
espaos intermedirios,
longe dos olhares inibidores e protetores de seus pais e
parentes (p. 150), nos quais
refletem sobre os valores das regras sociais, canes, gestos,
emblemas (p. 151) que
vo alm dos laos sanguneos, ou seja, fazem uma reflexo sobre os
sentidos sociais,
culturais e morais daquele grupo no qual est se ingressando.
Para o autor, movimento similar acontece com o pesquisador no
seu trabalho de
campo, no entanto com o duplo movimento (extico-familiar e
familiar-extico) ao qual
j nos referimos:
Aqui desejo simplesmente observar que a iniciao na antropologia
social
pelo chamado trabalho de campo fica muito prxima deste
movimento
altamente marcado e consciente que caracteriza os rituais de
passagem.
Realmente, em ambos os casos, antroplogo e novio so retirados de
sua
sociedade; tornam-se a seguir invisveis socialmente, realizando
uma viagem
para os limites do seu mundo dirio e, em pleno isolamento num
universo
marginal e perigoso, ficam individualizados, contando muitas
vezes com seus prprios recursos. Finalmente, retornam sua aldeia
com uma nova
perspectiva e os novos laos sociais tramados na distncia e
no
individualismo de uma vida longe dos parentes, podendo assim
triunfalmente
assumir novos papeis sociais e posies polticas. Vivendo fora da
sociedade
por algum tempo, acabaram por ter o direito de nela entrar de
modo mais
profundo, para perpetu-la com dignidade e firmeza. (DAMATTA,
1987, p.
151)
Assim, este movimento faz parte da natureza do trabalho de campo
em
Antropologia. Ritualizando o trabalho de campo em Geografia, a
partir das bases
propiciadas pela Etnografia, poderemos rumar a uma cincia dos
territrios dos outros e
dos nossos territrios, fidedigna s dinmicas e particularidades
de cada sistema
territorial. Vencer o obstculo do fato da geografia estar em
toda parte talvez seja
encarar os dilemas existenciais os quais o gegrafo deve se
submeter em seu trabalho de
campo, conscientizando-o. afirmar que os territrios so muitos e
que o vivenciamos
a nossa maneira.
A partir do exemplo da territorialidade das comunidades
tradicionais brasileiras,
tentaremos expor, de maneira prtica, o esforo para entender os
processos de
territorializao no trabalho de campo em Geografia.
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A territorialidade e os processos de territorializao de
comunidades tradicionais
sobre o olhar etnogrfico: possveis encontros
Quando falamos de comunidades tradicionais estamos optando pelo
esforo de
unir uma enorme diversidade social, cultural e territorial,
devendo nosso cuidado: estes
grupamentos sociais e seus territrios tm caractersticas
distintas, desde grupos
isolados indgenas s comunidades quilombolas urbanas encontramos
uma
diversidade de histrias, espaos, rituais e processos. A prpria
noo de processos de
territorializao nos indica que cada uma dessas comunidades tem
sua prpria
temporalidade e territorialidade.
Podemos afirmar que um ponto em comum entre essas comunidades
a
resistncia. E ela , sumariamente, uma resistncia territorial, o
que implica dizer que
tambm um resguardo e uma manuteno de uma forma de ver o mundo. O
territrio,
dessa maneira, o lugar da reproduo cultural, mesmo que pensemos
que a cultura no
uma ao necessariamente pensada ou consciente, ela est inscrita
nos modos de vida
diversos, ou seja, no algo que funciona atravs dos seres
humanos; pelo contrrio,
tem que ser constantemente reproduzida por eles em suas aes,
muitas das quais so
aes no reflexivas, rotineiras da vida cotidiana (COSGROVE, 1998,
p. 102)
Por isso a resistncia territorial nas comunidades tradicionais
deve ser vista num
esforo de pensar cultura e poder de maneiras articuladas. Para
Cosgrove:
O estudo da cultura est intimamente ligado ao estudo do poder.
Um grupo
dominante procurar impor sua prpria experincia de mundo, suas
prprias
suposies tomadas como verdadeiras, como a objetiva e vlida
cultura para
todas pessoas. O poder expresso e mantido na reproduo da
cultura. Isto
melhor concretizado quando menos visvel, quando as suposies
culturais
do grupo dominante aparecem simplesmente como senso comum. Isto,
as vezes, chamado de hegemonia cultural. H, portanto, culturas
dominantes e
subdominantes ou alternativas, no apenas no sentido poltico
(apesar de eu
me concentrar nisso), mas tambm em termos de sexo, idade e
etnicidade.
(COSGROVE, 2002, p. 104 e 105)
Assim, enfatizamos que pensar o territrio pensar politicamente a
cultura. a
possibilidade de entender que existem espaos onde sujeitos
interagem no sentido de se
agregarem. tambm pensar que se a cultura uma reproduo e o
territrio um
processo, a resistncia o motor (poltico) da territorialidade.
Quando falamos em
resistncia estamos inspirados nas colocaes de James Scott
(1990): a resistncia
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uma arte dos dominados que no necessariamente se d atravs de
movimentos
organizados e com uma coeso clara, seno que muita das vezes est
oculta nos
discursos no pblicos, ou seja, aqueles que se escondem dos
mecanismos de
opresso. Ao imaginarmos que oprimidos atuam frente aos
opressores, fazemos o
mesmo movimento para dizer que entre si agem de maneira prpria,
fazem sua prpria
poltica, e dessa maneira, resistem.
Aqui voltamos ideia da territorialidade ativa (DEMATTEIS, 2008):
se a
territorialidade um processo e em pensar em territrio pensar em
processos de
territorializao, devemos enfatizar que os processos de troca de
informao e energia
(nos moldes de Raffestin) no necessariamente se do de forma
visvel ou clara, seja no
espao, seja nas relaes entre os atores. Os discursos ocultos (ou
trocas de informao)
so a marca da resistncia das comunidades tradicionais ou mesmo a
poltica
particular destas. Analisar o territrio e a territorialidade no
levando em conta tais
fatores seria incorrer numa falha grave.
Para alm, poderamos dizer que tais processos se do de maneira
especfica, ou
seja, so guiados por formas de ver e estar no mundo prprias
destes sujeitos:
hoje possvel defrontarmo-nos com a emergncia de matrizes de
racionalidades outras tecidas a partir de outros modos de agir,
pensar e sentir,
seja na Amrica Latina, na frica, na sia, entre segmentos sociais
no-
ocidentais nos Estados Unidos, no Canad e at mesmo na Europa,
com
diversas populaes indgenas e de afrodescendentes, que clamam por
se
afirmar diante de um mundo que se acreditou superior porque
baseado num
conhecimento cientfico universal (imperial) que colonizou o
pensamento
cientfico em todo o mundo desqualificando outras formas de
conhecimento
(PORTO-GONALVES, 2002, p. 220)
O trabalho de campo rpido e superficial no se esfora em englobar
os
discursos ocultos, em compreender o cotidiano e as formas de
resistncia desde uma
perspectiva endgena, tampouco em entender que eles so feitos por
grupos com
matrizes de racionalidades distintas da racionalidade hegemnica
(eurocntrica,
ocidental e urbana). Nesse prisma, o gegrafo deve, nos trabalhos
com comunidades
tradicionais, transformar em familiar um extico que se
espacializa sua maneira, da
mesma forma que percebe e representa o espao de maneira prpria.
O movimento de se
ver no lugar do outro essencial para sentir e vivenciar o mundo
de outra maneira, de
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forma que o resultado dessa experienciao deve ser uma reflexo
geogrfica sincera e
consciente.
E como fomos levados a crer por Geertz (1989), as aes sociais
so
comentrios a respeito de mais do que elas mesmas (p. 17), os
reflexos da pesquisa
devem ir alm da explicao das especificidades, revelando as
contradies que delas
emergem, de maneira crtica e engajada, como nos mostra a
passagem a seguir:
A pesquisa de campo constitui para o gegrafo um ato de observao
da
realidade do outro, interpretada pela lente do sujeito na relao
com o outro
sujeito. Esta interpretao resulta de seu engajamento no prprio
objeto de
investigao. Sua construo geogrfica resulta de suas prticas
sociais.
Neste caso, o conhecimento no produzido para subsidiar outros
processos.
Ele alimenta o processo, na medida em que desvenda as
contradies, na
medida em que as revela e, portanto, cria nova conscincia do
mundo. Trata-se de um movimento da geografia engajada nos
movimentos, sejam eles
sociais agrrios ou urbanos. Enfim, movimentos de
territorializao,
desterritorializao e reterritorializao. (SUERTUEGARAY, 2002, p.
94)
Etnografar as populaes tradicionais e seus territrios , assim,
um movimento
de conscientizao da diversidade socioespacial do mundo, que
sempre diz de um lugar
prprio (tanto geogrfico como epistmico, conforme Porto-Gonalves,
2002) e de sua
relao com o mundo, seja atravs da resistncia (oculta), pelas
conformaes
territoriais (sempre interceptadas por outros territrios e
territorialidades), ou pelos
sinais que o Anthropological Blues proporcionar. So as
geo-graphias porto-
gonalveanas, processo de reconhecimento da cincia sobre as
geografias subalternas do
outro - que jamais ocuparam um lugar de prestgio na Geografia de
cunho europeu-
cristo-ocidental. O mundo em busca de novas
territorialidades.
Ademais, se concordarmos com Leff (2009, p. 102) que a
materialidade da
cultura inscreve-se na racionalidade produtiva de sociedades
tradicionais (...) gerando
um efeito mediador entre a produo e o meio ambiente podemos nos
arriscar a
pensar que para compreender a formao do espao essa materialidade
da cultura de
grupos tradicionais preciso pesquisar essas culturas
particulares atravs de um olhar
de dentro para no cometermos genocdios epistemolgicos. A relao
sociedade-
natureza desses grupos pode se revelar a partir dos estudos
etnolgicos, assim como a
produo do espao pelas sociedades tradicionais.
Em nosso caso, por exemplo, o grupo de pesquisa Da diversidade
cultural
diversidade produtiva: a construo dos saberes necessrios a
transio agroecolgica
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na comunidade quilombola de So Pedro de Cima, da Universidade
Federal de Juiz de
Fora, trabalha h cerca de quatro anos desvendando e se inserindo
nos modos de viver e
ser dos moradores da comunidade, localizada na zona rural do
municpio de Divino,
Zona da Mata de Minas Gerais. Fomos levados a desvendar as
relaes entre uma
famlia, sua comunidade e o mundo. Os trabalhos de campo e
vivncias levaram tanto a
questes existenciais e sociais, como os valores familiares e
prticas de solidariedade,
quanto a contradio produtiva diante da qual os moradores se
deparavam (a
dependncia cada vez maior dos insumos qumicos e agrotxicos e o
abandono das
prticas produtivas diversificadas da agricultura familiar). As
palavras, olhares e
histrias carregam mais do que eles mesmos. Carregam a histria
prpria destes sujeitos
no mundo.
Vimos que os pacotes tcnicos (oriundos de polticas de modernizao
do
campo), aplicados de maneira vertical, foram rejeitados ou
parcialmente aceitos, na
medida em que ocorreu uma integrao economia cafeeira sem
destituir alguns
princpios estruturantes do modo de vida campesino. Percebemos
que as verticalidades6
que chegam comunidade, como a presso da commodity do caf como
forma de
sustento e gerao de renda, se inserem, mas no diluem a existncia
autctone
(horizontalidade), a etnoterritorialidade quilombola e
campesina. As formas de
resistncia so as trocas de experincias, de trabalho e produtos,
em suma, as redes de
solidariedades campesinas.
Nossa longa permanncia em So Pedro de Cima permite-nos, por
exemplo,
elaborar reflexes etnolgicas que muito tm colaborado para a
compreenso de suas
territorialidades e da potencialidade agroecolgica que
percebamos existir. Por
exemplo, podemos falar do sistema de trabalho na comunidade,
especialmente nas
lavouras de caf principal atividade de gerao de renda no
local.
A atual conformao fundiria consiste na ocupao de lotes que
variam desde 1
at 10 hectares de terra trabalhados com mo-de-obra familiar em
um sistema de
agricultura campesina que mescla uma agricultura comercial o caf
- com grande
variedade de plantios para alimentao: feijo, milho, batata,
mandioca, abbora, jil,
6 as horizontalidades sero os domnios da contigidade, daqueles
lugares vizinhos reunidos por uma continuidade territorial,
enquanto as verticalidades seriam formadas por pontos distantes uns
dos outros, ligados por todas as formas e processos sociais
(SANTOS, 2004, p. 256).
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chuchu, inhame, couve, taioba, grande variedade de frutas e
plantas medicinais, dentre
outros. Para o grupo de plantio alimentar, a mo-de-obra
unifamiliar supre as
necessidades de trabalho. Contudo, na cultura do caf, atividades
como arruamento, a
roa, e principalmente a panha (colheita) do caf necessita de
mo-de-obra extra.
Ressalta-se ainda que o perodo da colheita (entre os meses de
maio a agosto)
representa tambm a possibilidade de trabalhar nas lavouras dos
fazendeiros do entorno
para garantir ganhos extras que se tornam fundamentais para a
populao de So Pedro
de Cima. O adensamento espao-temporal da panha do caf faz com
que uma antiga
estratgia de trabalho coletivo permanea para garantir a colheita
nas lavouras da
comunidade a ainda o trabalho extra para os fazendeiros da
regio: o chamado troca-
dias. Atravs de um sistema bastante complexo, grupos
interfamiliares trabalham uns
nas lavouras dos outros garantindo uma rpida e desonerada
colheita, liberando-os para
trabalharem na colheita dos fazendeiros. Muitos deles se
orgulham de produzirem caf
h mais de vinte anos e jamais terem pagado uma diria sequer nas
suas lavouras.
No devemos aqui nos desapegar de uma perspectiva crtica ao
observar que esta
estratgia utilizada como uma forma de maximizao de lucros pelos
comerciantes de
caf que conseguem comprar a produo local em baixas cotaes fato
este suportado
pelos locais devido ao baixo custo de produo do mesmo alm da
continuidade da
explorao da mo-de-obra pelos fazendeiros que desde finais do
sculo XIX contavam
com esta reserva de mo-de-obra barata para suas fazendas de caf
no perodo ps-
escravagista.
Por outro lado, o troca-dias, aliado ao trabalho em mutiro
utilizado
principalmente na construo de casas, terreiros de caf e espaos
coletivos, e tambm
no caso de doena de algum membro da comunidade persistem na
comunidade como
trabalho fundamental na manuteno de sua populao e nas estratgias
de
permanncias e resistncias comunitrias. Este trabalho campesino
no-capitalista,
coletivo e solidrio, estabelece horizontalidades que impulsionam
foras de resistncia
do lugar e, portanto, de suas territorialidades que absorvem e
repulsam sua forma as
verticalidades dos poderes hegemnicos, conforme prope Milton
Santos (2002). Nessa
tenso constitutiva se estabelece o lugar e uma singular
geometria do poder, conforme
proposto por Massey (2000).
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Esses encontros, que so de ordem seculares, constantemente
reorientados pela
tcnica e pelas novas formas de explorao do trabalho, instituem
formas de poder e
interferem na autonomia local. As presses e as oportunidades so
cooptadas e repelidas
pelos locais - em diferentes graus de absoro e de repulso - que
ora buscam junto
Universidade, apoio para a sua continuidade.
Como exemplo, o uso de venenos agrcolas nos plantios de caf e de
eucaliptos
tem se intensificado no local. Uma srie de mitos intensamente
veiculada na
comunidade, como a crena de que sem o uso de venenos no h
possibilidades de
combater as pragas do caf. Por outro lado, esses plantios contam
com adubao de
base orgnica produzida no local e no meio da lavoura de caf
encontram-se diversos
outros plantios tais como feijes, milho, abboras, diversos tipos
de batatas, etc.
Paralelamente, inmeros casos de contaminao por venenos agrcolas
so
relatados. Por conta disso, muitos se negam a utilizar venenos
em suas plantaes e
ainda se recusam a trabalhar na panha dos fazendeiros que
utilizam venenos. Temos
ampliado a discusso dessas tenses no local, que so econmicas e
territoriais, mas
tambm corporais, na medida em que a prpria sade desses sujeitos
que corporificam
os efeitos dessa verticalizao. E precisamente a partir desse
ponto em que pensamos
universidade e comunidade novas formas de integrao e de
resistncia.
A histria particular da comunidade conferiu a ela um processo
de
territorializao nico, que resistiu e resiste s foras externas
homogeneizantes
(verticalidades). Se hoje encontramos plantios diversos e um
quadro de soberania
alimentar, eles se devem aos processos de interao (troca de
energia e informao)
entre os sujeitos desse territrio, processos estes que se do no
dia-a-dia, e que s
podem ser percebidos atravs de uma relao de confiana entre o
pesquisador e os
sujeitos estudados, tal como a prtica de um olhar paciente,
atento a diversidade de
olhares que compe o mundo.
Consideraes finais
Estamos propondo uma total reviso do tempo da atividade
cientfica, que presa s
amarras da modernidade, resultou em uma universidade apressada e
superficial.
Pesquisa-se com enormes pressupostos, abrindo mo da mgica e a
perplexidade que o
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espao pode nos trazer, transformando o trabalho de campo em
Geografia em uma
atividade banal, des-ritualizada.
O trabalho de campo deve ser o momento no qual o gegrafo se
despe de suas
certezas e pratica a alteridade. O dentro etnogrfico se
ritualiza: um pr-campo
pressupe uma reviso dos prprios valores culturais, enquanto o
campo a imerso total
e experienciao nos/dos temas do grupo/territrio estudado. J o
ps-campo deve ser o
momento de (1) rever e ressignificar o familiar e (2) entender
os sujeitos estudados e
sua relao com o mundo, praticando a compreenso da relao dentro e
fora, da
totalidade e sua relao dialtica com a parte.
Insistimos no exemplo das comunidades tradicionais, primeiro,
por falar de uma
experienciao prpria, e segundo, por serem grupos que nos revelam
to bem a
diversidade territorial que compe o mundo, j que atravs de suas
prprias histrias
eles percebem e vivenciam o espao. Estas comunidades nos
permitem falar em uma
territorialidade que inclui sujeitos, construda por uma relao
entre eles, mediada pelo
espao. Eles resistem de maneira oculta (SCOTT, 1990) e desvendar
esse outro
universo propor uma geografia da diversidade e da afirmao da
cultura por meio das
relaes polticas.
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