Teoria da Guerra Justa e a Perspectiva Americana – Os Fundamentos de um Liberalismo Belicista Thiago Spada Zati Resumo: Este artigo visa fazer uma análise histórica dos Estados Unidos a fim de buscar as raízes de uma perspectiva de Guerra Justa norte-americana. São duas as questões que balizam as estrutura da referente pesquisa: primeira - é possível apontar uma tradição Americana da Guerra Justa, ou seja, já uma justificativa que é específica do governo dos Estados Unidos para se ir `a uma guerra que apresente regularidade? A segunda questão é - estas regularidades podem ser aferidas, quais são seus principais argumentos? Este artigo é resultado parcial da pesquisa que está sendo feita para obtenção em nível de mestre no Programa de Pós Graduação San Thiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) com orientação do professor Reginaldo Nasser (PUC-SP) e para a pesquisa que está sendo desenvolvida na “Rede de Pesquisa de Paz e Segurança” coordenada pelo professor Marco Cepik e com financiamento do CNPq. Palavras chave: Guerra Justa, Legitimidade, Estados Unidos, Século XX. "Some worry that it is somehow undiplomatic or impolite to speak the language of right and wrong. I disagree. Different circumstances require different methods, but not different moralities." George W. Bush, em discurso em West Point, junho de 2002. “A Guerra Civil foi travada em torno da escravidão e do problema ético que ela representava. A vitória do Norte liberal sobre o Sul escravista consagrou no país a idéia das guerras justas – de que há combates feitos em nome de princípios morais. Quando a I Guerra Mundial se aproximava, Theodore Roosevelt não hesitou em compará-la à Guerra Civil, dando assim à participação americana o caráter de uma cruzada moral. A II Guerra foi vista do mesmo modo. Nossas guerras são cruzadas morais: essa é a memória que o país cultiva. Mesmo hoje, a crença na guerra justa prevalece nos Estados Unidos de uma maneira que não se vê em outras partes do mundo e certamente não na Europa” Robert Kagan, cientista político norte americano, dezembro de 2006. Em setembro de 2002 foi apresentado ao público, o mais importante documento do governo norte- americano em relação a assuntos de defesa: o “The National Security Strategy of The United States”. Em linhas gerais, este documento apresentava a estratégia de defesa dos Estados Unidos no pós-11 de setembro, buscando legitimar as ações em curso naquele momento no Afeganistão e a conseqüente invasão do Iraque. A introdução ao documento é feita por uma extensa carta, assinada por Geoge W. Bush, direcionada principalmente ao cidadão Americano, e nela podemos ler: “Freedom is the non-negotiable demand of human dignity; the birthright of every person—in every civilization. Throughout history, freedom has been threatened by war and terror; it has
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Teoria da Guerra Justa e a Perspectiva Americana – Os ... · “visão de mundo”, onde o país assumia, em linhas gerais a utilização de meios unilaterais , medidas preemptivas
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Teoria da Guerra Justa e a Perspectiva Americana – Os Fundamentos de um Liberalismo
Belicista
Thiago Spada Zati
Resumo:
Este artigo visa fazer uma análise histórica dos Estados Unidos a fim de buscar as raízes de uma perspectiva
de Guerra Justa norte-americana. São duas as questões que balizam as estrutura da referente pesquisa:
primeira - é possível apontar uma tradição Americana da Guerra Justa, ou seja, já uma justificativa que é
específica do governo dos Estados Unidos para se ir `a uma guerra que apresente regularidade? A segunda
questão é - estas regularidades podem ser aferidas, quais são seus principais argumentos?
Este artigo é resultado parcial da pesquisa que está sendo feita para obtenção em nível de mestre no
Programa de Pós Graduação San Thiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) com orientação do professor
Reginaldo Nasser (PUC-SP) e para a pesquisa que está sendo desenvolvida na “Rede de Pesquisa de Paz e
Segurança” coordenada pelo professor Marco Cepik e com financiamento do CNPq.
Palavras chave: Guerra Justa, Legitimidade, Estados Unidos, Século XX.
"Some worry that it is somehow undiplomatic or impolite to speak the language of right and wrong. I disagree.
Different circumstances require different methods, but not different moralities."
George W. Bush, em discurso em West Point, junho de 2002.
“A Guerra Civil foi travada em torno da escravidão e do problema ético que ela representava. A vitória do
Norte liberal sobre o Sul escravista consagrou no país a idéia das guerras justas – de que há combates feitos
em nome de princípios morais. Quando a I Guerra Mundial se aproximava, Theodore Roosevelt não hesitou
em compará-la à Guerra Civil, dando assim à participação americana o caráter de uma cruzada moral. A II
Guerra foi vista do mesmo modo. Nossas guerras são cruzadas morais: essa é a memória que o país cultiva.
Mesmo hoje, a crença na guerra justa prevalece nos Estados Unidos de uma maneira que não se vê em outras
partes do mundo e certamente não na Europa”
Robert Kagan, cientista político norte americano, dezembro de 2006.
Em setembro de 2002 foi apresentado ao público, o mais importante documento do governo norte-
americano em relação a assuntos de defesa: o “The National Security Strategy of The United
States”. Em linhas gerais, este documento apresentava a estratégia de defesa dos Estados Unidos no
pós-11 de setembro, buscando legitimar as ações em curso naquele momento no Afeganistão e a
conseqüente invasão do Iraque. A introdução ao documento é feita por uma extensa carta, assinada
por Geoge W. Bush, direcionada principalmente ao cidadão Americano, e nela podemos ler:
“Freedom is the non-negotiable demand of human dignity; the birthright of every person—in
every civilization. Throughout history, freedom has been threatened by war and terror; it has
been challenged by the clashing wills of powerful states and the evil designs of tyrants; and it
has been tested by widespread poverty and disease. Today, humanity holds in its hands the
opportunity to further freedom’s triumph over all these foes. The United States welcomes our
responsibility to lead in this great mission” (BUSH, 2002b).
George W. Bush apresenta uma série de justificações às ações promovidas pelo seu governo em
nome do interesse nacional visando legitimar, a posteriori, as ações que já estavam em curso (no
caso a invasão ao Afeganistão iniciada em outubro de 2001), bem como apontar os caminhos para
as ações subseqüentes (inclusive a ação no Iraque que ocorreria em 2003); além de projetar uma
“visão de mundo”, onde o país assumia, em linhas gerais a utilização de meios unilaterais, medidas
preemptivas e o como fundamentais para o mantimento do papel hegemônico em questões de
segurança, tendo em vista a natureza das ameaças as quais os Estados Unidos estavam (e ainda
estão) enfrentando1. Como George W. Bush reiterou em seu discurso em West Point, no mesmo ano,
as balizas doutrinárias da ação estratégica dos Estados Unidos devem ser baseadas ma idéia de
justiça, porém, sem abrir mão da necessidade do uso da força em casos que se julgue necessário:
"Our Nation's cause has always been larger than our Nation's defense. We fight, as we always
fight, for a just peace—a peace that favors liberty. We will defend the peace against the threats
from terrorists and tyrants. We will preserve the peace by building good relations among the
great powers. And we will extend the peace by encouraging free and open societies on every
continent." (BUSH, 2002a).
Muito debate foi gerado na ocasião da publicização do documento, porém, uma das questões pouco
avaliadas nos debates acerca da Política Externa Americana ou mesmo nos debates sobre Política
Internacional que gostaríamos de comentar é: porque, sendo os Estados Unidos a grande
superpotência do planeta atualmente, precisa justificar suas ações frente ao mundo, e especialmente,
frente ao seu público interno baseando-se em argumentos de justiça? Não seria suficiente o
argumento da força, sinal característico da arrogância imperial?
É neste sentido que pretendemos encontrar uma perspectiva norte-americana da Guerra Justa.
A Doutrina da Guerra Justa tem por função buscar compreender as formas de justificação para a
guerra do ponto de vista moral, e não do ponto de vista jurídico-positivo.
Duas são as questões que vão balizar os caminhos pelos quais este trabalho vai percorrer. Primeiro:
1 The National Security Strategy of The United States de setembro de 2002, seção III - “Strengthen Alliances to
Defeat Global Terrorism and Work to Prevent Attacks Against Us and Our Friends”: “In the war against global terrorism, we will never forget that we are ultimately fighting for our democratic values and way of life. Freedom and fear are at war, and there will be no quick or easy end to this conflict. In leading the campaign against terrorism, we are forging new, productive international relationships and redefining existing ones in ways that meet the challenges of the twenty-first century” (BUSH, 2002b. grifo meu)
é possível apontar uma tradição Americana da Guerra Justa, ou seja, já uma justificativa que é
específica do governo dos Estados Unidos para se ir `a uma guerra que apresente regularidade? A
segunda questão é: estas regularidades podem ser aferidas, quais são seus principais argumentos?
Para tanto, devemos abordar a história dos Estados Unidos, com especial atenção nas posições
norte-americanas em momentos onde estes assumiram a responsabilidade de ordenar o Sistema
Internacional. Entendemos também que é nos momentos de crise que se torna possível compreender
as principais motivações doa atores e buscar respostas para uma possível interpretação de uma
perspectiva de Guerra Justa estadunidense.
Para responder estas duas questões, faz-se necessário abordar de maneira introdutória a teoria da
Guerra Justa e explicitar as razões de uma interpretação norte-americana à parte de uma perspectiva
que chamaremos de Européia clássica.
A moralidade e a imoralidade da guerra como problema de análise
Sempre que falamos em guerra, falamos em uma ação social promovida por seres humanos e em
um determinado contexto histórico-político específico. Keegan (1995), nos diz que a Guerra é “(...)
sempre uma expressão da cultura, com freqüência um determinante de formas culturais e, em
algumas sociedades, é a própria cultura” (KEEGAN, 1995. Pág. 28). Neste sentido, as palavras de
Cícero de que Silent enim leges inter arma (que em tempos de guerra a lei se cala) merece uma
reflexão crítica. Para Keegan, sendo a guerra uma empresa humana, ela sempre está condicionada
as mesmas ponderações morais que outras ações sociais, mas , por outro lado, a questão que se
coloca diante da guerra é mais problemática, pois esta se expressa pelo uso da violência organizada
em larga escala. Walzer aponta que é especificamente este caráter brutal da guerra (o homem levado
a uma situação limite), em que os julgamentos morais acerca dos limites da violência tem uma
especial importância:
“A verdade, porém, é que uma das coisas que a maioria de nós deseja, mesmo numa guerra, é
agir ou parecer de agir de acordo com a moral. E temos esse desejo simplesmente porque
sabemos o que a moral significa (pelo menos, sabemos o que em geral se pensa que ela
significa)” (WALZER, 2003. Pág. 33).
Sendo a guerra uma empresa humana, e condicionada aos dilemas de escolhas promovidas por seres
humanos em contextos sociais e históricos específicos, os dilemas morais aparecem como um limite
entre ações, que consideramos corretas (e, portanto passíveis de justificação), ou injustas
(consideradas socialmente como crimes ou atos tirânicos):
“Assim que concentramos a atenção em algum caso concreto de tomada de decisão moral e
militar, entramos num mundo que é regido não por tendências abstratas, mas pelo arbítrio
humano. As pressões reais no sentido da escalada são maiores aqui, menores acolá, raramente
tão avassaladoras a ponto de não deixar espaço para manobra” (WALZER, 2003. Pág. 39).
Para Walzer, a existência de limites morais às ações de soldados e estadistas durante períodos de
guerra não significam que estes limites não sejam sistematicamente rompidos: sua existência denota
apenas as balizas morais para o julgamento de comportamentos que existem em qualquer âmbito
social, inclusive (ou ainda, principalmente) na guerra. Nesse sentido, ainda segundo Walzer, a
própria justificativa de atos socialmente considerados tirânicos (“A hipocrisia grassa no discurso
dos tempos de guerra porque numa época dessas é especialmente importante parecer estar com a
razão” (WALZER, 2003. Pág. 31) é um dos principais fatores que comprovariam a existência de
convenções sociais que balizam e julgam a utilização da violência:
“A comprovação mais nítida da estabilidade de nossos valores ao longo do tempo é o caráter
imutável das mentiras que estadistas e soldados contam. Eles mentem para justificar a si
mesmos, e com isso descrevem para nós os traços característicos da justiça. Onde quer que
encontremos a hipocrisia, também encontraremos o conhecimento moral” (WALZER, 2003.
Pág. 31).
Desse modo, os teóricos da Guerra Justa não se preocupam com a lei (as formas as quais julgamos
os crimes de acordo com uma regra positivada), ou a forma pela qual entendemos o direito
internacional (e como os países articulam perspectivas comuns a assuntos que lhes concernem,
fundando práticas e regimes): a questão principal das análises são os julgamentos morais, as balizas
coletivas com as quais se estabelecem noções de certo e errado, as justificações empregadas para o
uso do recurso da guerra. No Ocidente, as primeiras articulações com relação à sistematização de
um corpo de idéias para a conduta “para” e “na” guerra (o jus in bello e os jus ad bello) se dão com
a junção do direito canônico e romano nas doutrinas escolásticas durante a idade média. A Doutrina
da Guerra Justa depreende-se, em seus primeiros momentos dos escritos de Santo Agostinho: “O
decisivo ponto de flexão na corrente do pensamento da Igreja, em relação ao fenômeno da Guerra
ocorre com Santo Agostinho, no final do séc. IV, com a aceitação do conceito de Guerra Justa, sem
remorsos ou hesitações” (HUCK, 1996. Pág. 31). Para Agostinho, a guerra deve sempre buscar a
paz, e sua relação com a justiça está intrinsecamente ligada à idéia de justiça divina: “Declarada
pelo príncipe, a guerra era aceitável em nome do combate ao mal” (HUCK, 1996. Pág. 31), onde
“a afirmação de justiça cabia exclusivamente a Deus, a ser exercida no dia do Juízo final. (...)
Durante séculos foi ela, a guerra justa, a grande preocupação de teólogos, juristas, políticos,
militares, advogados e canonistas” (HUCK, 1996. Pág. 31).
São Tomás de Aquino, desenvolvendo os pressupostos de Santo Agostinho, estabelece de maneira
mais sistemática a idéia de Guerra Justa, buscando retirar a guerra de seu contexto privado,
legitimando-a através da autoridade da igreja. Para tanto, Santo Tomás levanta três requisitos
básicos para que uma guerra tenha um caráter justo: a) que o príncipe tenha sua autoridade como
“ministro de Deus”; b) a causa do empreendimento da guerra deve ser uma injustiça ou ação ilícita
e; c) que o combate tenha intenção licita dos participantes.
A analises da Guerra Justa permearam as questões morais que acometeram intelectuais e políticos
Europeus durante o período das navegações. Wallerstein (2007, Pág. 32, 33 e 35) aponta a cisão
básica na idéia de um universalismo Europeu representada em relação a dois personagens
intelectualmente importantes da Europa do século XVI: Bartolomé de Las Casas e Juan Guinés de
Sepulveda, ambos espanhóis e teólogos intelectuais. Las Casas e Sepulveda debateram sobre o
direito da coroa espanhola em dominar e subjugar as terras e os índios nas recém descobertas terras
das Américas: Sepúlveda legitimava as posições da Coroa Espanhola devido a critérios
civilizacionais, onde a Europa teria o direito (e o dever) de civilizar os povos bárbaros das novas
terras conquistadas; e Las Casas, por sua vez, relativizava a posição de Sepulveda afirmando que
não haviam povos culturalmente superiores, não havendo hierarquia cultural e moral que
justificasse o domínio colonial.
Creveld (1991) afirma que a Doutrina da Guerra Justa entra no âmbito da modernidade com o
advento do Iluminismo, e com a articulação da Doutrina a idéia de secularidade, racionalidade e
Razão de Estado:
“Earlier restraints, whether imposed by religion or natural law, were discarded as irrelevant.
Every major European nation now proclaimed itself to be crown of creation, the guardian of a
uniquely precious civilization deserving to be defended at all cost. (…) Modern European man,
his beliefs in God destroyed by Enlightenment, took the world as his oyster” (CREVELD, 1991.
Pág. 24).
Neste sentido a idéia de Guerra Justa sai do campo religioso para misturar-se a idéia de civilização e
justiça ocidentais que começavam a moldar-se na Europa. O advento dos grandes Estados nacionais
e do concerto Europeu de Nações, a partir de Westfália, (1648) retiraram da Igreja a capacidade e a
legitimidade de regularem as relações entre os Estados Europeus, desembocando na moderna idéia
de Razão de Estado e Soberania (ou seja, as bases do moderno estado Nacional). É a partir deste
contexto que a idéia do “Realismo” passa a permear as relações internacionais e de certa maneira a
balizar o comportamento dos Estados Europeus no que ficou conhecido com “A Política de Poder”.
O Realismo Político e as Relações Internacionais
Haslam (2006) reconstrói a história do pensamento Realista tendo como um dos focos analíticos a
idéia de necessidade, somada a idéia de “Razão de Estado”: ao abordar os conceitos, o autor
observa que o pensamento realista se assenta na idéia de que “(...) no que concerne as Relações
Internacionais, os interesses do Estado devem prevalecer sobre todos os outros interesses e
valores” (HASLAM, 2006. Pág. 31). Assim, como nas relações entre Estados existe uma situação
de anarquia (onde nenhum Estado é constrangido por qualquer ator que tenha poder superior à
própria entidade do Estado no sistema internacional. Mas o que eu chama a atenção nas observações
de Haslam é a presença do caráter moralista no pensamento realista, porém este encontra-se sempre
subjugado a percepção que se tem de “necessidade” (para o bom andamento dos negócios de
Estado) e Razão de Estado.
“O pensamento realista deve ser distinguido do pensamento moralista principalmente por sua
tese de que a condução das Relações Internacionais não deve estar sujeita as restrições dos
valores morais, e não, como se poderia pensar, por sua isenção de valores. (...) Contudo, a
alegação de que o pensamento realista não é em si normativo – ou seja, que não procura
promover valores, mas apenas refletir a realidade, é certamente insustentável” (HASLAM,
2006. Pág. 20).
Podemos perceber então que o realismo não advoga uma ausência de valores nas ações de entre
Estados, porém aponta que a idéia de Razão de Estado está inserida como a tradução de seus
interesses (principalmente no que se refere às questões de segurança) não podendo ser suplantada
por questões de ordem moral. Ou seja, a idéia de que a necessidade advoga sob a justiça, porém
nunca a elimina, sendo esta sempre um elemento permanente nas questões de Estado.
A abordagem elucidativa de Haslam nos permite desconstruir certos dogmas relativos à percepção
comumente atribuída ao pensamento realista (como por exemplo, que este promoveria a ausência de
valores nas Relações Internacionais). Porém demonstra que a idéia de necessidade suplanta as
considerações acerca da justiça e moralidade. Com relação à noção de necessidade e Razão de
Estado – conceitos fundamentais ao Realismo, Haslam nos lembra prontamente que estas
perspectivas caminhavam, nos momentos onde foram primeiramente desenvolvidas, paralelamente
à busca de um funcionamento racional para o Estado (em contraposição ao comportamento corrente
na Europa Dinástica de Estados dirigidos de acordo com as paixões dos soberanos):
“Quase onipresente nos dois lados do Atlântico é pressuposto da racionalidade, no sentido de
uma política impulsionada e deliberadamente projetada para atingir metas que maximize
qualquer que seja o objetivo fixado (poder, segurança, riqueza, etc). Esse pressuposto
atravessa o campo de batalha entre liberais e realistas, além de também ocupar quase toda a
terra de ninguém. Trata-se, porém, de um mero pressuposto, e vale relembrar aos leitores que o
principal objetivo dos primeiros realistas ao formular as Razões de Estado consistia em
apresentar e fazer vigorar os ditames da racionalidade na tomada de decisões” (HASLAM,
2006. Pág. 19).
Porém, deve-se levar sempre em consideração os aspectos contextuais do desenvolvimento
histórico dos Estados no que se refere aos aspectos doutrinários das Relações Internacionais. Ou
seja, para se possa analisar aspectos das Relações Internacionais que envolvam os Estados Unidos,
faz-se necessários descolar sua história da história Européia, e apontar sua especificidade.
A idéia de uma tradição Americana nas Relações Internacionais
O historiador C. Vann Woodward (1960) apontou a intrínseca relação entre a percepção de
segurança nacional dos Estados Unidos e sua posição no mundo. A característica “excepcional” dos
Estados Unidos estaria em sua privilegiada posição geográfica, que implicava em um “afastamento”
natural da Europa.
Throughout most of its history the United States has enjoyed a remarkable degree of military
security, physical security from hostile attack and invasion. This security was not only
remarkably effective, but it was relatively free. Free security was based on nature's gift of three
vast bodies of water interposed between this country and any other power that might constitute
a serious menace to its safety. There was not only the Atlantic to the east and the Pacific to the
west, but a third body of water, considered so impenetrable as to make us virtually unaware of
its importance, the Arctic Ocean and its great ice cap to the north. (WOODWARD, 1961).
Esta posição no mundo trouxe uma percepção muito particular da segurança para os Estados
Unidos: seu afastamento das grandes potências da Europa lhe permitiram conviver, grande parte de
sua história, sem uma perspectiva de graves ameaças. Para Woodward, estes longos períodos de
segurança são um dos grandes traços que marcam a identidade Americana. E mais, quando uma
perspectiva real de ameaça se concretiza ou se aproxima, isto se transforma não apenas em uma
crise de segurança nacional, mas também, uma crise na identidade nacional Estadunidense. Ou seja:
a perspectiva de segurança nos Estados Unidos pode ser compreendida como uma permanente
dialética entre esta perspectiva isolada dos Estados Unidos perante o resto do mundo, e a
necessidade dos Estados Unidos tomarem posições frente as ameaças que lhes são perpetradas.
Podemos notar que essa relação se configura nos dois grandes grupos na política norte-americana
quanto ao tema da segurança nos Estados Unidos durante todo o século XX: os “isolacionistas” (ou
nacionalistas) e os internacionalistas. Este cisma de visões de mundo diferentes mostraram-se como
importantes ponderações para a compreensão do papel dos Estados Unidos no século XX e sua
perspectiva de justiça frente as questões mundiais. Como aponta Lukacs:
“[A divisão entre isolacionistas e internacionalistas] Era uma divisão entre duas visões
geográficas e históricas do destino norte-americano, entre aqueles que acreditavam que o
avanço da civilização norte-americana deveria aproximar mais o Novo e o Velho Mundo, e
aqueles que acreditavam que a civilização norte-americana deveria representar o contrário que
a do Novo Mundo. A retórica nacional do excepcionalismo produziu muitos adeptos que
desconfiavam da Europa. Segundo eles, os Estados Unidos tinham pouco a ganhar com um
contato mais próximo com a Europa, e não muito a aprender com ele” (LUKACS, 2004. Pág.
323)
Porém, este fator contrasta com uma perspectiva muito particular dos Estados Unidos diante das
crises internacionais: a idéia de “reação”, onde, frente uma perspectiva de ameaça (ou mesmo um
ataque direto), tradicionalmente o reflexo norte-americano está na imediata disposição para o
contra-ataque. Sorel (1990) já havia notado no início do século XX sua não recusa dos Estados
Unidos ao uso da violência quando estes julgassem necessário2.
“Quando se estuda a economia moderna, convém sempre ter presente no espírito essa
aproximação entre o tipo capitalista e o tipo guerreiro. É com grande razão que foram
chamados de capitães da industria os homens que dirigiram gigantescos empreendimentos.
Encontramos ainda hoje esse tipo, em toda sua pureza, nos Estados Unidos. Lá vemos a
energia indomável, a audácia fundada numa justa apreciação de sua força, o cálculo frio dos
interesses, que são as qualidades dos grandes generais e dos grandes capitalistas” (SOREL,
1990. Pág. 100)
Na verdade, pode-se inferir que essa atitude está incrita na experiência histórica Americana. Para
2 George W. Bush, em discurso na Catedral Nacional no dia 14 de setembro de 2001: “Just three days removed from
these events, Americans do not yet have the distance of history. But our responsibility to history is already clear: to answer these attacks and rid the world of evil. War has been waged against us by stealth and deceit and murder. This nation is peaceful, but fierce when stirred to anger. The conflict was begun on the timing and terms of others. It will end in a way, and at an hour, of our choosing.” (BUSH, 2001 – grifo meu).
Gaddis (2004), a idéia de reação é uma das mais importantes perspectivas para uma análise das
Relações Internacionais do ponto de vista norte-americano. Ao contrário das perspectivas realistas
de equilíbrio de poder e segurança através da contenção e da dissuasão , a experiência histórica
estadunidense sempre mostra a ênfase no contra-ataque, na reação de caráter ofensivo:
“Americans, in contrast, have generally responded to threats – and particularly to surprise
attacks – by taking the offensive, by becoming more conpicuous, by confronting, neutralizing
and if possible overwhelming sources of danger rather than fleeing from then. Expansion. we
have assumed, is the path to security” (GADDIS, 2004. Grifo meu).
No início do século XX, o embate entre “isolacionistas” e internacionalistas em âmbito interno nos
Estados Unidos tinha como referência esta noção de expansão da esfera de influência americana
para garantia da segurança. Qual deveria ser a posição dos Estados Unidos frente ao mundo para
que este pudesse garantir sua segurança? No contexto da primeira Guerra Mundial, a resposta de
Wilson foi a idéia de que os Estados Unidos deveriam assumir seu papel no mundo, tornando o
“mundo seguro para a democracia”, e por conseqüência, para os Estados Unidos.
Segurança e Justiça – o internacionalismo Americano no século XX como paradigma de
legitimidade.
De acordo com Lukacs a participação norte americana na Primeira Guerra Mundial é o fato mais
importante da história do século XX3. Muitas são as razões para tanto: a Primeira Guerra Mundial
marca o declínio final dos Grandes Impérios Europeus (especialmente o fim da Pax Britannica); a
entrada dos Estados Unidos na guerra marca a entrada no século XX, com a inserção de mais uma
superpotência no campo das Relações Internacionais; e ainda, é neste contexto que uma nova
perspectiva de ação nas relações internacionais, baseadas mais em princípios do que em correlação
de forças. O período é essencial para que possamos compreender melhor a idéia de Guerra Justa
norte-americana, pois marca a necessidade de justificação do papel que os Estados Unidos irão
desenvolver ao longo do século XX.
A perspectiva “isolacionista" norte americana perpassa todo o século XIX. Ela pode ser percebida
nas afirmações de John Quincy Adams em seu clássico discurso de 4 de julho de 1821, onde
3 “O ano de 1917 foi o maior divisor de águas da história da República norte -americana desde a Guerra Civil. Com
efeito, de alguma forma desde 1776, desde Jamestown e Cristovão Colombo. Por mais de 300 anos, o movimento humano através do atlântico foi em direção a Oeste, do Velho Mundo para o Novo: os navios, os soldados, as massas de imigrantes moviam-se naquela direção. Em 1917, pela primeira vez, esse movimento em massa foi invertido. logo, mais de um milhão de soldados americanos embarcariam para a Europa. Sua presença ali decidiria a Primeira Guerra Mundial” (LUKACS, 2004. pág. 38)
afirmou que “Nossa nação é desejosa da liberdade e a independência de todas as outras, mas é
paladina e vindicante da idéia apenas para sí mesma” (John Quincy Adams in GADDIS, 2005.
Pág. 15), ou ainda, no mesmo discurso,“A América não vai para o exterior a procura de monstros
para destruir” (John Quincy Adams in LUKACS, 2004. Pág. 422). A idéia de afastamento e
isolamento dos Estados Unidos das questões Européias estava intrinsecamente ligada a noção de
segurança nacional hegemonia dos Estados Unidos no hemisfério. Como afirma Gaddis (2004), a
segurança americana está sistematicamente ligada com o escopo de responsabilidade que o país se
incumbe:
“The threats from abroad that had so long perplexed Americans leaders had proved grimly real.
Thus mindful of the dangers confronting their nation, Americans prepared comitt themselves to
the enlarge task of providing their own safety. The word “enlarged” here is critical, for the
pattern set by this now barely remembered violation of homeland security is one that has
persisted ever since: that for the United States, safety comes from enlarging, rather from
contracting, its sphere os responsibilities” (GADDIS, 2004. Pág. 13)
A idéia de responsabilidade pode ser vista no discurso de Theodore Roosevelt de 1904, onde este
afirmava o papel de “polícia” que os Estados Unidos deveriam assumir no mundo, marcando uma
posição muito clara quanto a idéia de legitimidade das intervenções Americanas em situações que
estes julgavam procedentes:
“Chronic wrongdoing, or an impotence which results in a general loosening of the ties of
civilization society, may... ultimately require intervention by some civilized nation, and in the
Western Hemisphere.... may force the United States, however reluctantly,... to the exercise of an
international police power” (Theodore Roosevelt in GADDIS, 2004: Pág. 21)
O papel soberano dos Estados Unidos no continente Americano balizou também por muitos anos a
idéia de hegemonia. Como notou Richard Olney, Secretário de Estado dos Estados Unidos em
1895: “Today, the United States is pratically sovereign on this continent... infinite resources
combined with isolated position render it master of the situation and practically invulnerable as
against any or all powers” (Richard Olney in GADDIS, 2004: Pág. 21). As perspectivas de Wilson
com relação à posição regional dos Estados Unidos também estavam balizados na idéia de
responsabilidade, ou seja, Guerras Justas podiam ser travadas em nome do papel desempenhado
pelos Estados Unidos no continente. De acordo com Nasser (2006)
“Para Wilson, não havia nenhuma inconsistência entre os seus princípios liberais e a sua
prática diplomática, pois o que, em última instância, legitimava sua ação era a
responsabilidade da grande potência “civilizada”. Os EUA haviam adquirido uma
preponderância tão grande no Hemisfério Ocidental que, no seu entendimento, passou a ter
não só o direito, mas o dever de intervir em Estados no desempenho de seu papel de agente
civilizador” (NASSER, 2006)
Nesse sentido, a entrada dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial foi uma mudança de
posição, mas não uma mudança de paradigma na política externa dos Estados Unidos. O que houve
foi o alargamento da noção de responsabilidade e justiça americana, intrinsecamente ligada com a
noção de segurança. A princípio, o afastamento dos Estados Unidos das questões de segurança
Européias era visto especialmente do ponto de vista moral. Em 1900, o senador Albert Beveridge
em discurso afirmou: “Deus tomou o povo norte-americano como Sua nação escolhida para
finalmente liderar a regeneração do mundo” (Albert Beveridge in LUKACS, 2004. Pág.212). A
crença em uma excepcionalidade moral estadunidense no início do século se fundia com a idéia de
um desenvolvimento político-econômico em separado da Europa, onde os Estados Unidos eram o
farol do progresso, e a Europa, o símbolo de uma época anterior, reacionária e retrograda: a idéia de
uma país progressista, que devia afastar-se dos velhos dogmas das potências Européias fazia parte
das opiniões de figuras como Julius Klein, secretário Assistente de Comércio do Presidente Hoover,
que afirmou que a “Tradição é inimiga do progresso” (Julius Klein in LUKACS, 2004. Pág.46), ou
ainda Henry Ford, magnata da Industria, que afirmou “A História é mais ou menos pré-fabricada, é
tradição. Não queremos tradição. Queremos viver no presente e a única história que vale um tostão
furado é a história do que fazemos hoje” (Henry Ford in LUKACS, 2004. Pág.46). Essa idéia do
papel moral excepcional dos Estados Unidos frente aos acontecimentos da Europa, ficaram claros
também na ocasião do discurso de Wilson em 1914 na ocasião da deflagração da Grande Guerra:
“A Europa ainda é governada pelas mesmas forças reacionárias antigas (...) Digo a vocês que a
velha ordem está morta. É meu papel... ajudar a compor estas diferenças... que a nova ordem, que
deve ter seu fundamento na liberdade e nos direitos humanos, vai prevalecer” (Woodrow Wilson in
LUKACS, 2004. Pág.225). É com Wilson (e a conseqüente entrada dos Estados Unidos na
Primeira Guerra Mundial) onde a idéia de Guerra Justa norte-americana toma um caráter mundial,
onde os Estados Unidos teriam o direito e o dever de intervir na Europa com o objetivo de
resguardar seu território (objetivo este balizado por perspectivas morais fundamentadas nos 14
Pontos e na Liga das Nações): “Somos a nação mediadora do mundo. Somos portanto, capazes de
entender todas as nações” (Woodrow Wilson in LUKACS, 2004. Pág. 224). Como aponta Gaddis:
“O mundo, insistia Wilson, tinha de se tornar “seguro para a democracia”. Wilson foi além de
propor, como base para um acordo de Paz, a criação de uma Liga das Nações que imporia aos
Estados algo semelhante ao império da lei que os estados – ao menos os esclarecidos –
impunham aos seus cidadãos. A idéia de que “só a força cria direito” devia, esperava ele,
desaparecer” (GADDIS, 2005. Pág. 15)
O contexto do imediato pós-Primeira Guerra Mundial favoreceu um retorno ao isolacionismo dos
velhos tempos. O caos que se instituiu na Europa, a crise da Economia Mundial, e o colapso da
Liga das Nações impulsionaram um retorno às perspectivas isolacionistas de antes. Como aponta
Gaddis (2004), ao fim da Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos eram a nação mais poderosa
do mundo, porém abdicaram em usar deste poder.
Contudo, a base do internacionalismo americano já estava traçada, como se pode perceber com a
atuação do país pouco mais de 20 anos depois, na Segunda Guerra Mundial. O ataque a Pearl
Harbor em Dezembro de 1941 desencadeou mais uma vez a reação Americana. Porém, a
perspectiva auto-imposta da responsabilidade norte americana frente ao mundo para garantia da
segurança teve outro desdobramento. A idéia do internacionalismo foi assumida por todas as
instâncias do pensamento político norte americano e tornando-se a base da legitimidade interna para
a atuação do país mais uma vez em território Europeu.
Com relação à participação na Guerra, Gaddis nos define o papel estratégico de Franklin Delano
Rooselvelt como um internacionalista:
“Its clear now that FDR had never believed that Americans could remain secure in an
international system that rewarded aggression while lacking the means of preventing war. He
was, in sense, a Wilsonianian, fully inclined to accept, as a principle, the seamless web
metaphor for international security” (GADDIS, 2004. Pág. 47)
Mais uma vez nota-se a presença da idéia de uma perspectiva da Guerra Justa norte americana: as
implicações das perspectivas de Roosevelt não significavam o respeito irrestrito às leis
internacionais ou uma adesão ao pacifismo, mas sim um conjunto de idéias que balizavam, por
meio de princípios, a ação bélica norte americana enquanto uma ação legítima. A idéia de reação
afasta, no momento imediatamente posterior aos ataques de Pearl Harbor, a idéia de isolacionismo e
coloca de vez a idéia de um internacionalismo americano e uma noção de uma Ordem Global como
paradigmas da ação americana daquele momento em diante; porém, mais uma vez, balizados nas
idéias gestadas ainda no século XIX por John Quincy Adams de alargamento das responsabilidades
e hegemonia. Como afirmou Roosevelt em 1942, “Aprendemos com os erros do passado (...). desta
vez, saberemos fazer pleno uso da vitória” (Franklin D. Roosevelt in GADDIS, 2005. Pág. 16), em
um claro aviso de que o internacionalismo americano no pós-Segunda Guerra não teria mais volta e
que, daquele momento em diante, os temas da Europa (e do resto do mundo) seriam temas
importantes para os Estados Unidos, na medida em que a idéia de segurança americana e de Ordem
Mundial estavam inter-relacionadas.
Para acabar com a ameaça do Eixo, os Estados Unidos abriram mão da idéia de “unilateralismo”,
unindo-se a Inglaterra e a União Soviética4 e estabelecendo a Carta do Atlântico. Roosevelt,
assumindo o principio de responsabilidade dos Estados Unidos como ponto fundamental para as
questões de segurança, fundamenta a posição dos Estados Unidos no mundo pós-Segunda Guerra
através de uma postura mais multilateral em troca de uma posição de liderança inconteste e
consentida do mundo ocidental. “American hegemony as FDR conceived it was now to be global,
but, in contrast to anything John Quincy Adams could ever imagined, it was to arise by consent”
(GADDIS, 2004. Pág. 55). Roosevelt imagina um mundo regulado pelas Quatro Polícias (Estados
Unidos, Inglaterra, Rússia e China), responsáveis por manter a paz no mundo, balizados por um
instrumento jurídico político internacional, as Nações Unidas. Aqui, o ponto de cisão na política
externa Americana praticamente desaparece. Internacionalistas e Isolacionistas praticamente não se
distinguem tanto no âmbito de políticos liberais quanto de conservadores: a Doutrina Trumman5 (e
o conseqüente estabelecimento de bases Americanas em todo o mundo), juntamente com o Plano
Marshall para a reconstrução da Europa no pós-Segunda Guerra Mundial, e a fundação da OTAN (e
a garantia de Paz na Europa Ocidental por parte dos Estados Unidos inclusive em tempos de Paz)
selam a posição internacionalista dos Estados Unidos, bem como o início do conflito da Guerra Fria
e conflito ideológico e militar com a União Soviética. O crescimento do Império Americano no pós-
Segunda Guerra pode ser percebido com o crescimento do departamento e Estado, que em 1917
empregava 1.400 pessoas, e em 1956, 40.000 pessoas6 , e o sem número de bases militares
instaladas na Europa, Ásia e Américas durante o período.
A justificação para a ampliação das forças americanas no mundo, bem como a concretização de uma
perspectiva internacionalista norte-americana de Ordem Internacional só foi justificada na medida
em que o tema do anticomunismo entra como prioridade na agenda de segurança internacional.
Como aponta Lukacs:
4 “Three weeks after Pearl Harbor, Roosevelt made it official: there was not just an alliance linking the United States, Great Britain, and Soviet Union, but a Grand Alliance. It turn was to fight for the principles of a much broader organization that was as yet only a gleam in the president eye: the United Nations” (GADDIS, 2004. Pág. 49) 5 Discurso de Henry Trumman em 1947, que marca o início da Guerra Fria: “I believe that it must be the policy of the United States to support free peoples who are resisting attempted subjugation by armed minorities or by outside pressures. I believe that we must assist free peoples to work out their own destinies in their own way. I believe that our help should be primarily through economic and financial aid which is essential to economic stability and orderly political processes. (...) Should we fail to aid Greece and Turkey in this fateful hour, the effect will be far reaching to the West as well as to the East. (...) The seeds of totalitarian regimes are nurtured by misery and want. They spread and grow in the evil soil of poverty and strife. They reach their full growth when the hope of a people for a better life has died. We must keep that hope alive. The free peoples of the world look to us for support in maintaining their freedoms. (TRUMMAN, 1947). 6 (LUKACS, 2004. Pág.241).
“De 1947 em diante, o anticomunismo se torna a principal ideologia dos Estados Unidos, em
algumas ocasiões, eclipsando os mais antigos princípios de patriotismo (...). De certa forma, o
mais simples e honesto anticomunismo era uma reação inevitável das pessoas contra as ilusões
pró-Russas, que prevaleceram previamente em Washington e em outras partes, inclusive com a
presença de comunistas e pseudocomunistas em certas posições de influencia. (...) Na época –
início da década de 1950 – esse tipo de comunismo ideológico era aceito por todo o
estabilishment norte-americano, inclusive entre os anglófilos remanescentes das elites anglo-
americanas” (LUKACS, 2004. Pág. 244 e 245).
Aqui, o aspecto tático das escolhas morais de Roosevelt podem ser claramente percebidas: a
aceitação da divisão do mundo no pós-Segunda Guerra permitem que os Estados Unidos assumam
uma postura de legitimidade e liderança em suas posições muito maiores do que as posições
tomadas pela União Soviética: abrir mão do unilateralismo em função da hegemonia mostrou-se
uma escolha acertada no transcorrer dos anos da Guerra Fria e o “lapso” de legitimidade enfrentada
pela União Soviética nos anos subseqüentes. Como aponta Gaddis:
“The influence of the United States therefore expanded during postwar years, for the most part
with consent of those subject to it. The Soviet Union influence also expanded, but with out such
consent. The explanation lay largely in the fact. That American leaders held themselves
accountable: they cared what the rest of the world thought, and tried to frame their policies
accordingly. (...) The resulting asymmetry of legitimacy – the existence of two spheres of
influence, one witch came across as “something worse” than the other one – did much to
determine how Cold War was fought and who would ultimately win it” (GADDIS, 2004. Pág.
65).
Para Roosevelt, Estados Unidos estariam mais seguros se o mundo fosse construído à sua imagem e
semelhança. Encontrar uma ordem legítima liderada pelos Estados Unidos em sua esfera de
influencia era o principal objetivo de Roosevelt: deste modo, o alargamento da esfera de
responsabilidade nos anos de Guerra Fria através do consentimento mais uma vez denotam uma
perspectiva norte-americana de Guerra Justa.
O mundo pós-Guerra Fria – Desordem e Continuidade
O Fim da Guerra Fria foi precedido ampliação das capacidades militares dos Estados Unidos em
escala global. O presidente Ronald Reagan, buscou em sua presidência acabar com o impasse que
havia se tornado a Guerra Fria. Para Reagan, a existência da União Soviética como um pólo de
poder equiparável aos Estados Unidos era algo imoral, e impossível de ser aceito, existente naquele
momento apenas pela continuidade do sistema bipolar de poder estabelecido no pós-Segunda
Guerra Mundial. Subindo o tom das declarações em discurso na Notre Dame University em 17 de
maio de 1981, Reagan afirma:
“O Ocidente não vai conter o comunismo, vai transcender o comunismo (...). Não vai se
incomodar com (...) denunciá-lo, vai dispensá-lo como um capítulo bizarro na história da
humanidade, cujas derradeiras páginas estão ainda agora sendo escritas (...). Qualquer sistema
é implicitamente instável se não dispõe meios pacíficos para legitimar seus líderes. (...) a
marcha da liberdade e da democracia (...) deixará o marxismo-leninismo no lixo da história”
(Ronald Reagan in GADDIS, 2005. Pág 214)
No ano seguinte, na Inglaterra, Reagan faz seu clássico discurso onde aponta a ilegitimidade do
regime Soviético e de sua esfera de influência:
“De Settin no Báltico a Varna no Mar Negro, os regimes plantados pelo totalitarismo tiveram
mais de trinta anos para se legitimarem. Mas nenhum – nem um só regime – até hoje foi capaz
de arriscar eleições livres. Regimes plantados com baionetas não deitam raízes” (Ronald
Reagan in GADDIS, 2005. Pág 215)
Vemos aqui o caráter moral da abordagem norte-americana rumo ao final da Guerra Fria, e a
reafirmação da posição hegemônica que os Estados Unidos deveriam assumir no mundo,
fundamentadas em uma perspectiva que consideravam legítima de liderança internacional. Esta
posição de liderança moral fica ainda mais clara em março de 1983, quando Reagan, em discurso na
Associação Nacional dos Evangélicos atribui a União Soviética a idéia de “Império do Mal”:
“Eu os concito a se manifestarem contra os que os põem os Estados Unidos em uma posição de
inferioridade moral. (...) eu os concito a se precaverem contra a tentação da soberba, a
tentação de julgarem acima disso tudo e de rotularem da mesma maneira os dois lados por suas
imperfeições, ignorando os fatos da história e os impulsos agressivos de um império do mal”
(Ronald Reagan in GADDIS, 2005. Pág 216)
Esta posição de Reagan só foi possível dada sua percepção de que o Império Soviético estava em
declínio, e sendo assim, era de vital importância a tomada de posição dos Estados Unidos rumo a
concretização de um papel hegemônico mundial, respaldada por sua noção de responsabilidade no
que concerne a segurança internacional de sua esfera de influência.
O fim da Guerra Fria trouxe consigo uma posição de preponderância de poder norte americano em
nível mundial só equiparáveis às posições do imediato pós-Primeira e pós-Segunda Guerra. Junto a
esta percepção, ganhou força a idéia de que o Sistema Internacional havia se transformado em algo
tão benigno, que nenhuma ameaça imediata estava colocada diante dos Estados Unidos.
Esta percepção foi levada a diante por George Bush, eleito presidente norte-americano após
Reagan. Em 11 de setembro de 1990 (na ocasião da reação norte- americana a invasão do Kuwait
pelo Iraque – evento que desencadeou a Guerra do Golfo), Bush faz o discurso onde este define a
posição de responsabilidade dos Estados Unidos no mundo pós-Guerra Fria, reiterando a idéia de
uma Nova Ordem Mundial:
“A new partnership of nations has begun, and we stand today at a unique and extraordinary
moment. The crisis in the Persian Gulf, as grave as it is, also offers a rare opportunity to move
toward an historic period of cooperation. Out of these troubled times, our fifth objective—a new
world order—can emerge: A new era—freer from the threat of terror, stronger in the pursuit of
justice and more secure in the quest for peace. An era in which the nations of the world, east
and west, north and south, can prosper and live in harmony. A hundred generations have
searched for this elusive path to peace, while a thousand wars raged across the span of human
endeavor, and today that new world is struggling to be born. A world quite different from the
one we've known. A world where the rule of law supplants the rule of the jungle. A world in
which nations recognize the shared responsibility for freedom and justice. A world where the
strong respect the rights of the weak” (BUSH, 1990 – grifo meu).
Esta noção de ordem e responsabilidade pode ser vista como um caráter fundamental das
intervenções norte americanas no imediato pós-Guerra Fria e que delineiam uma posição própria de
Guerra Justa. Talvez o melhor exemplo a ser apontado neste período é a invasão ao Panamá em
1989 nomeada “Operação Causa Justa”, onde os Estados Unidos depuseram e prenderam Manoel
Noriega, ditador do Panamá e por muitos anos, aliados dos Estados Unidos (inclusive recebendo
pagamentos da CIA apontados diretamente na folha de pagamentos). Em discurso no dia 21 de
dezembro de 1989, George Bush delineia os objetivos da ação:
I am fully committed to implement the Panama Canal Treaties and turn over the Canal to
Panama in the year 2000. The actions we have taken and the cooperation of a new democratic
Government in Panama will permit us to honor these commitments. As soon as the new
Government recommends a qualified candidate, Panamanian, to be administrator of the canal,
as called for in the treaties, I will submit this nominee to the Senate for expedited consideration.
I am committed to strengthening our relationship with the democratic nations in this
hemisphere. I will continue to seek solutions to the problems of this region through dialogue and
multilateral diplomacy. I took this action only after reaching the conclusion that every other
avenue was closed and the lives of American citizens were in grave danger. (...) The
Panamanian people want democracy, peace, and the chance for a better life in dignity and
freedom. The people of the United States seek only to support them in pursuit of these noble
goals. (BUSH, 1989. Grifo meu)
Noriega foi preso e condenado a 40 anos de prisão por tráfico de drogas, a serem cumpridos na
Federal Correctional Institution, em Miami, Florida (FCI Miami). Com o objetivo de se legitimar a
invasão, Thomas Pickering, embaixador dos Estados Unidos nas Nações Unidas no período,
afirmou que: “[O artigo 21 da Carta da ONU – que restringe o uso da força à defesa contra
ataques armados até que o conselho de segurança se pronuncie] prevê o uso da força das armas
para defender um país, para defender nossos interesses e nosso povo” (Thomas Pickering in
CHOMSKY, 2003. Pág. 190). O que estava em jogo neste momento é a retomada do direito a
intervenção em casos onde os Estados Unidos julgassem necessário. Como afirmou Norman
Podhoretz, importante articulista conservador norte americano, ao se referir as ações militares dos
Estados Unidos nos anos 80: finalmente o país teria superado “as inibições doentias contra o uso da
força militar” (Norman Podhoretz in CHOMSKY, 2003. Pág 192).
Esta concepção de mundo no imediato pós-Guerra Fria reiteram as percepções de justiça e
responsabilidade que os Estados Unidos apresentam intrinsecamente ligadas a noção de ordem e
moral, já afirmadas por Wilson e Roosevelt em momentos de redefinição da Ordem Internacional, e
que foram reiteradas por Bill Clinton (presidente democrata, sucessor de George Bush) em seu
discurso de despedida da presidencial em Janeiro de 2001:
"Because the world is more connected every day in every way, America's security and prosperity
require us to continue to lead in the world. At this remarkable moment in history, more people
live in freedom than ever before. (...) In his first inaugural address, Thomas Jefferson warned of
entangling alliances. But in our times, America cannot and must not disentangle itself from the
world. If we want the world to embody our shared values, then we must assume a shared
responsibility. If the wars of the twentieth century, especially the recent ones in Kosovo and
Bosnia, have taught us anything, it is that we achieve our aims by defending our values and
leading the forces of freedom and peace” (CLINTON, 2001. Grifo meu).
Como aponta Gaddis: “The hegemony by consent the United States had won during the Cold War
would simply become the post-Cold War international system” (GADDIS, 2004. Pág. 77). O que
este panorama histórico também apresenta é a persistência das idéias de alargamento de
responsabilidades e justiça como parâmetros necessários a consolidação de uma Ordem
Internacional vista como legítima pelos Estados Unidos, e a implementação destas idéias para a
legitimação de ações militares perpetradas pelo país.
Conclusão – o 11 de Setembro e a idéia de uma perspectiva de Guerra Justa norte americana.
Os ataques de 11 de setembro representaram uma mudança radical na perspectiva de ameaça para os
Estados Unidos. Em sua história, o único ataque direto ao território continental dos Estados Unidos
havia acontecido na guerra de 1814, quando forças inglesas tomaram a capital e queimaram o
Capitólio e a Casa Branca. Imediatamente após os ataques (e mais uma vez de acordo com tradição
norte-americana do uso da força em circunstâncias em que estes julguem necessário) os Estados
Unidos reagem invadindo o Afeganistão em outubro de 2001. A invasão foi logo precedida pela
publicação do “The National Security Strategy of The United States” de 2002. No documento se
delineiam as perspectivas estratégicas dos Estados Unidos neste contexto de ameaças terroristas
transnacionais. Os objetivos básicos desta nova estratégia de defesa foram apresentadas como
sendo: “We will defend the peace by fighting terrorists and tyrants. We will preserve the peace by
building good relations among the great powers. We will extend the peace by encouraging free and
open societies on every continent” (BUSH, 2002b). Como aponta Gaddis: “The Bush objectives
specify defending, preserving and extending peace (...)” (GADDIS, 2004. Pág. 83). Mais uma vez, o
que está em pauta na posição norte-americana do uso legítimo da força é a necessidade dos Estados
Unidos se posicionarem frente às questões que estão colocadas no mundo. A Guerra Justa norte
americana está, como exposto até aqui neste trabalho, pautada no internacionalismo das
responsabilidades adquiridas pelo país dada uma interpretação nacional de sua posição excepcional
no mundo. Como ao fim da Primeira e da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos se colocam
em uma posição privilegiada com relação a capacidade destes em moldar a orem internacional em
um momento de crise: porém, como aponta George W. Bush no seu discurso em West Point em
2002: “Different circumstances require different methods, but not different moralities." (BUSH,
2002a). A reação americana, e a interpretação de uma Guerra Justa ao terrorismo internacional, está
balizada na experiência histórica dos Estados Unidos.
A criticada idéia de “preempção” explicitada no “The National Security Strategy of The United
States”7 é, como aponta Gaddis, um tema recorrente na política Externa dos Estados Unidos: “In
7 Pode-se ler na Seção V do referido documento: “For centuries, international law recognized that nations need not suffer an attack before they can lawfully take action to defend themselves against forces that present an imminent danger of attack. Legal scholars and international jurists often conditioned the legitimacy of preemption on the existence of an imminent threat—most often a visible mobilization of armies, navies, and air forces preparing to attack.
fact, preemption sounds new only because its old: it a ninetheenth-century concept, rooted in
concerns about security along the nation expanding borders” (GADDIS, 2004. Pág. 83). Neste
sentido, a “novidade” da Doutrina Bush está em retomar conceitos largamente utilizados na história
dos Estados Unidos e reuni-los de acordo com uma perspectiva de legitimidade de ação no contexto
atual: a hegemonia americana do pós-Guerra Fria, somada a idéia da capacidade e unilateralidade
de ação e a idéia de preempção moldam a perspectiva atual dos parâmetros atuais de Guerra Justa
na americana e estiveram presentes nas justificativas as ações no Afeganistão e no Iraque.
Se é possível depreender uma perspectiva norte-americana de Guerra Justa, está só pode ser
compreendida como parte da experiência histórica dos Estados Unidos no século XX e sua posição
moral diante do mundo: a idéia de legitimidade e responsabilidade caminham de mãos dadas com a
idéia de segurança nacional e o internacionalismo de origem wilsoniana. Cabe agora observar se o
próximo presidente dos Estados Unidos irá seguir um caminho rumo a continuidade ou irá propor
parâmetros morais completamente diferentes que balizem a ação norte-americana em sentido
global. A história e a política, como visto até aqui, apontam seguramente para a primeira opção.
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