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REVISTA DA FACOM-UFBA. ANO III, N. 4. SALVADOR, PÓS-VERÃO 2008 08 COSPLAYERS: PERSONAGENS BAIANOS 14 REUNI: PARA ONDE CAMINHA O ENSINO SUPERIOR 27 HOMENS QUE SE MONTAM ISSN 1982-2995
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Revista Lupa #4

Mar 17, 2016

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Alice Vargas

Revista da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom - UFBA)
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Lupa é uma publicação da Faculdade de Comunicação (Facom) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). ISSN 1982-2995. Turma da Disciplina Temas Especiais em Comunicação 2007.2. Ano III, Número 4. Salvador, pós-verão 2008. Distribuição Gratuita.

Faculdade de Comunicação da UFBA Rua Barão de Geremoabo, s/n, Ondina, Salvador, Bahia - Brasil. Tel: (71) 3283-6174, 3283-6177 Fax: (71) 3283-6197e-mail: [email protected]: http://revista-lupa.blogspot.comhttp://www.facom.ufba.br/

_Reitor da UFBA:Prof. Naomar de Almeida Filho._Diretor da Facom:Prof. Giovandro Ferreira. _Coordenação Editorial:Profa. Graciela Natansohn (DRT/BA 2702)._ Monitor da Lupa:Samuel Barros._Edição de Fotografia:Labfoto - Prof. José Mamede (editor) _Projeto Gráfico e Direção de Arte:Alice Vargas (www.avargas.com.br)._Redação: __Circo Urbano: Bárbara Affonso (editora), Bárbara Lisiak, Daniel Frediani, Davi Boaven-tura, Ísis Fujiyama Miyaoka, Juliana Almeida, Marcel Ayres, Maria Clara Lima, Priscila do Espírito Santo. __Prova dos Nove: Luiza Borges (editora), Luise Sales, Marília Cairo, Michele Pinheiro, Naiana Ribeiro, Samuel Barros.__Meio e Mensagem: Aguirre Talento (editor), Carolina Guimarães Ribeiro, Islene Santos, Adalton dos Anjos, Rafael Raña.__Impressões: Davi Boaventura/Labfoto (edi-tor), Rafael Grilo, Vinicius Campos.__Passepartout: Carlos Eduardo Oliveira (editor), Carolina Marques, Tarcízio Silva, Yan Pinheiro, Nadja Alves, Louise Vitorino.__Cubo Mágico: Miria Lima e Pedro Paula (editores), Bárbara Affonso, Carlos Eduardo Oliveira, João Barreto, Marcel Ayres, Maurício Lídio Bezerra, Rafael Raña, Samuel Barros, Tarcízio Silva. _Ilustração:Alice Vargas, Caroline Feitosa, Gabi Teixeira, Ian Fraser, Naara Nascimento. _Fotografia:Davi Boaventura (editor), Ana Pi, Bárbara Lisiak, Carlos Eduardo Oliveira, Fabiane Oiti-cica, Fabíola Freire, Jonathas Araújo, Juliana Souza, Matheus Magenta, Wendell Wagner, Rafael Grilo, Vinicius Campos, Tarcízio Silva, Yan Pinheiro._Diagramação:Alice Vargas._Ilustração de Capa:Ricardo Takeru._Impresso em:Editora Gráfica Daliana_Tiragem:4000 exemplares.

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Na hora da festa, vaidosa, ela usa o vermelho mais vermelho. Acompanha-se sempre de uma espada mediante a qual convoca

o poder dos raios e das tempestades, das trovoadas e dos ventos. Temperamental demais, nessa hora, cuidado! Todos temem sua ira. Encarna tão bem sua investidura que custa reconhecê-la na rua, de cara lavada, quando essa sua outra identidade está latente, guardada até a próxima aparição, até a próxima festa . A essa hora, ela é uma verdadeira deusa, ou assim sente-se. Ela é a nossa super-heroína. Ela é uma cosplayer baiana, cheia de armas, cetros e colares. Tudo a ver com a Bahia, terra de deuses mitológicos e coloridos, em movimen-to permanente, armados e cheios de objetos de cujo poder ninguém duvida. _ Os super-heróis sempre estiveram entre nós, desde que o mundo é mundo. Gostamos de nos fantasiar e de projetar, na tela da nossa imaginação, nosso filme pessoal onde somos o que desejamos ser. Quando essa fantasia brinca com o limiar da identidade sexual, aí o bicho pega. A arte de mudar de sexo, seja por algumas horas, pode ter um custo alto, o da marginalização social. Como dizia Agrados, aque-la personagem transexual do cinema de Almodóvar, a gente é mais autêntica quanto mais se parece àquilo que se deseja ser. Por isso, os transformistas são nossos heróis noturnos e aqui se contam algumas das suas sagas. _ A Lupa também gosta de se disfarçar, experimentar, vestir uma fantasia colorida. E pensar na máscara da próxima edição. Por enquanto, estamos aqui pela quarta vez, mostrando colecionadores de cobras, falsificadores de monografias (não é uma forma a mais de ser o que não se é?), gente que anda pulando muros e não é ladrão, e gente que canta nos ônibus, sem vergonha.

Atuar para viverGraciela Natansohn

CAPAIlustração de

Ricardo Takeru, referente a matéria

da página 08.

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CARTA DO LEITOR

FALECOM [email protected]

Comentários postados no blog http://revista-lupa.blogspot.com _ Sobre o lançamento da Lupa 3:

22/11/2007 08:03 Nadja disse... Esta edição da Lupa está mara-vilhosa, tanto os textos quanto a diagramação. Espero que a Lupa continue assim, se superando a cada edição.b-jos

22/11/2007 08:59 Luíza Ribeiro disse... Ficou linda a capa. Quero uma edição! :)

_ Sobre o texto “João e Maria” (Blog > Cubo Mágico > Sub-versão):

03/11/2007 04:34 Marcel Ayres disse... Gostei. Embora o contexto de “subversão do sistema” seja bem batido, conseguiu deixar o texto interessante. Praticamente um Réquiem para João e Maria.

03/11/2007 20:32 Patricia disse... gostei também :)clichês bem contados são ótimos.

_ Sobre o texto “FRUCTO PRO-HIBIDO” (Blog > Cubo Mágico > Sub-versão):

03/11/2007 03:47 Visionário disse... Ah, gostei bastante! O final ficou ainda mais interessante. Gosto de representações de Deus como um mandão sacana =)

SU

RIO

EDITORIAL03 Atuar para viver Expediente

IMPRESSÕES

18 Os últimos suspiros: entre a vida e a morte

CIRCO URBANO

05 Le Parkour08 Cosplayers: personagens baianos 11 Moda ou Afeição12 Parada de Puta

PROVA DOS NOVE

14 REUNI: para onde caminha o ensino superior?15 Vai um trabalhino aí?16 A indústria dos concursos

PASSEPARTOUT25 Palco Público27 Homens que se montam

CUBO MÁGICO31 Bactérias, vírus e outras pestes33 Sub-versão34 Rabuga, por Caroline Feitosa

MEIO E MENSAGEM

20 Vende-se podcasts22 Fale a minha língua!

ILUSTRADO35 ??Ilustrador

Foto: Rafael Grilo Foto: Fabíola Freire Foto: Divulgação

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OTexto Davi Boaventura e Marcel Ayres Foto Fabiane Oiticica e Davi Boaventura

A ARTE DO DESLOCAMENTO

“Se a pessoa vê na televisão e acha que é só pular prédios, vai se dar mal”

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NO _ Dia quente. Duas pessoas fazem alongamento e se

preparam em uma praça de esportes. Calça, blusa e um par de tênis sujos. Eles correm, saltam e se equi-libram com as mãos em um pequeno corrimão de 20 cm de largura. Rapidamente, se movimentam como felinos em cima da pequena linha de ferro. Concen-trados, buscam a perfeição no silêncio. Pulam e com apenas um pé tocam numa mesa de pedra ganhando impulso. Os músculos se contraem e, de repente, já estão em um banco quase dois metros à frente. O que pode parecer uma brincadeira de pula-pula é, na verdade, um treino físico do Parkour, disciplina que busca a superação de obstáculos urbanos e naturais da maneira mais rápida e eficiente possível. _ Criado na década de 80 pelo francês David Belle, Le Parkour - o percurso - foi inspirado nas técnicas de salvamento do Corpo de Bombeiros francês e in-fluenciado pelo Método Natural de Georges Hérbert, um programa de desenvolvimento físico baseado em exercícios que dispensam aparelhos, que se tornou bastante utilizado em treinamentos militares._ No entanto, a difusão da prática aconteceu, prin-cipalmente, a partir do documentário Jump London, de Sebastien Foucan. Amigo de Belle, Foucan de-senvolveu uma vertente da disciplina, o free-running. “O Parkour visa eficiência dos movimentos com o mínimo de energia gasta. O free-running cultua a beleza, independente do gasto de energia”, explica Eduardo Rocha, traceur - nome dado ao praticante - há um ano e meio._ No Brasil, o Parkour chegou por volta de 2001 e ganhou popularidade há cerca de dois anos. Não existem escolas ou cursos sobre a disciplina. Os co-nhecimentos são passados de um traceur para outro ou através de informações contidas em sites e blogs na internet. “O crescimento se encontra um tanto desordenado e a boa informação não é muito aces-sível”, afirma Eduardo. “Os veteranos se tornam o canal de disseminação da filosofia e da boa prática do Parkour”, completa. _ A disciplina pode ser realizada em qualquer lugar. Geralmente, os grupos ou clãs, como se denominam, buscam locais que ofereçam um grande número de obstáculos e possibilitem o treinamento das mais variadas técnicas, que podem ser muito úteis em situações de fuga ou evacuações. Em Salvador, os traceurs podem ser encontrados em lugares como o Parque Costa Azul, o Parque da Cidade, a Praça do Jardim Baiano e o Dique do Tororó. De galho em galho

_ Embora o movimento venha sendo divulgado pela mídia e os seus seguidores busquem mostrar as suas intenções e filosofia, alguns praticantes afirmam que a sociedade ainda não compreende bem esse tipo de atividade. Ainda existe resistência em rela-ção à prática do Parkour. Em alguns casos, como em exercícios que utilizam os galhos de árvores para o deslocamento, os seguranças dos parques e poli-ciais impedem os treinos. “O traceur é visto como um vândalo por algumas pessoas”, reclama Thiago Xavier, praticante há dois anos. _ Os administradores e proprietários dos espaços usados pelos traceurs se defendem. “Eles podem ficar a vontade desde que não danifiquem o patri-mônio”, garante Benedito Araújo, administrador da

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Segundo David Belle, o Parkour é uma arte urbana e contemporânea de viver. Porém, algumas opiniões são contradi-tórias. “Para mim, é um esporte. Tem sua dinâmica própria e acaba sendo uma convergência de diversas modali-dades” aponta Caio Matheus, estu-dante universitário. “Eu não considero um esporte, pois não existem competi-ções”, rebate Tiago Xavier. “Quem faz Parkour evita a hierarquização entre os seus praticantes, treinamos para nós mesmos” completa.

Esporte, lazer ou filosofia?

área verde do Dique do Tororó. “Às vezes, uma árvore não significa tanto para as pessoas, mas para o par-que significa muito”, completa. Em situações como esta, os praticantes apontam o diálogo como a solu-ção, mas a prioridade é a preservação do ambiente. _ Um dos principais benefícios apontados por quem faz Parkour é o condicionamento físico. “Você precisa ser forte para conseguir realizar os exercícios”, aponta Thiago. Segundo ele, cada movimento pode trabalhar ao mesmo tempo músculos de várias partes do corpo, além de fortalecer os ligamentos. “Se a pessoa vê na televisão e acha que é só pular prédios, vai se dar mal”, afirma. _ Como em algumas práticas esportivas, a disciplina também apresenta riscos. “Toda e qualquer atividade de impacto tem seu lado negativo”, explica o fisiotera-peuta e professor Anderson Delano. “É necessário aquecimento e alongamento. Não se pode saltar grandes distâncias de uma hora para outra”, alerta. Anderson adverte sobre o exercício para crianças e adolescentes, pois eles ainda não têm a estrutura óssea e a cartilagem totalmente formada, o que pode prejudicar o crescimento. _ O Parkour não incentiva o espírito competitivo. Para tentar evitar polêmicas, a Associação Brasi-leira de Parkour, ABPK (www.abpk.org.br), vem organizando a campanha nacional Parkour, Livre de competições - inspirada na campanha internacional Pro Parkour, Against Competition, apoiada por David Belle. “Quem leva o Parkour a sério não está em bus-ca de ser radical ou se exibir”, assinala Thiago Xavier.

Filmes que mostram o Parkour:

- B13 - Os Gangs do Bairro 13. P. Mo-rel. França, 2004.- Jump Britain. M. Christie. Grã-Breta-nha, 2005.- Yamakasy. A. Zeitoun, J. Seri. Bélgi-ca, 2001.- Os filhos do vento. J. Seri. França, 2004.

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Cosplayers: personagens baianos

Texto Bárbara Lisiak e Juliana Almeida | Foto Bárbara Lisiak

Cultura Pop Japonesa conquista espaço entre jovens de Salvador

Cosplayers no evento AniBahia 2007, em Salvador.

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NO_ Klaus Kowalski ainda era adolescente

quando percebeu que não era o único a gostar de desenhos japoneses. A busca por animes e mangás era constante, mas era complicado achá-los. Foi conhecendo colegas e amigos de amigos, também fãs da cultura japonesa, e formaram o COB - Clube de Otakus da Bahia - em 1998, extinto em 2003._ Fã-clubes como este funcionam como um espaço de troca de informações, expe-riências e materiais, aglomerando dezenas de adolescentes em torno do interesse pela estética pop japonesa. No caso do COB, os encontros aconteciam em shop-pings centers, mas há outros que mantém contato por cartas e sites. A veiculação do consagrado Cavaleiros do Zodíaco, anime de ampla audiência veiculado pela TV aberta brasileira, formou a primeira grande geração de aficionados por essa cultura, que tiveram a adolescência mar-cada por este e outros desenhos que se seguiram como Dragon Ball e, atualmen-te, Naruto.

Modos de se relacionar

_ Em Salvador é crescente o número de amantes da estética e da cultura pop japonesa, especialmente dos mangás e animes, moda, música e comida típica. Esse público, formado fundamentalmente por jovens entre 11 e 27 anos, se utiliza fortemente da Internet na troca de infor-mações, através de blogs, sites e comuni-dades no Orkut.

_ Existem também na cidade cursos destinados ao desenvolvimento de técni-cas de mangá e eventos que aglomeram vários elementos dessa cultura: karaokê, culinária, expressões como quadrinhos e desenhos. Nesses pontos de encontros, os grupos se reúnem para ter acesso a produtos especializados e conhecer novas tendências e trabalhos. _ O Anipólitan, principal evento voltado para a cultura pop japonesa na Bahia, é realizado anualmente em colégios, teatros e faculdades desde 2003. Dispõe de atividades que se tornaram comuns em quase todos os encontros que ocorrem pelo Brasil: concursos de cosplay, quiz, campeonatos e demonstrações de video games, exposições e oficinas de mangá, bonsai, origami, língua japonesa e fanzi-nes, estandes de empresas especializadas, comidas orientais, apresentações de artes marciais e shows de bandas. _ Outros eventos têm surgindo, aumentan-do as opções e acrescentando diversidade ao cenário que se desenvolve na região. Há os que seguem a linha do Anipólitan, oferecendo diversas atividades (caso da AniSorvetada e AniBahia). E outros como Ten Ga Kyokai e Sentai Cosplay Fest onde apresentam-se bandas que cantam em japonês.

Expressões Diversas

_ Uma das figuras que se tornou central nesses eventos é o cosplayer. A paixão pelos desenhos faz com que surjam outras

formas de expressá-la. “Há quem faça por amor ao personagem representado, outros para concorrer e se aprimorar, outros somente porque acham as roupas bonitas, ou só para tirar fotografias e se divertir com os amigos”, diz Marcus Sampaio, 24 anos, cosplayer desde 2005. Pessoas como ele, que alimentam esse hobby, costumam produzir suas próprias fantasias, buscando materiais e acessórios inusitados, o que não é nada barato. “O que pesa mesmo são os acessórios: espa-das, sapatos, perucas...”, completa. _ Os cosplayers estão ganhando maior di-mensão em Salvador. Formam uma tribo que agrega pessoas de diversas idades, algumas delas motivadas pelos concursos julgados por pessoas que também gostam e participam dessa atividade. _ O surgimento de bandas que tocam trilhas de animes e tokusatsus, como é o caso da Sentai Rock Band, tem sido outra maneira de expressar esse amor à cultura japonesa. Guilherme HK, guitarrista, conta que o grupo começou em 2004. “Começamos a ouvir novamente as mú-sicas temas das séries de tokusatsus que assistimos quando crianças e nos tocamos da qualidade musical destas trilhas. Contaminados pela nostalgia da infância, nos empolgamos em formar uma banda”, diz. O espaço para essas bandas ainda é bastante limitado, “restringe-se apenas aos eventos e convenções de cultura ja-ponesa que, por sua vez, as tratam como uma atração de segunda linha”, reclama Guilherme, que acha que a música japone-

Cosplayer é a pessoa que se fantasia de personagem de séries japonesas

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A) Concurso de Cosplay no evento Anipólitan 2006, no Colégio Dois de Julho, em Salvador. B) Concurso de Cosplay no evento Anipólitan 2005.C) Anipólitan 2004: divulgando a cultura japonesa.D) Mangás.E) Banda de j-music no Anisorvetada 2007, no Colégio Integral, em Salvador.

Decifrando...

Mangá = histórias em quadrinhos japonesas.Anime = desenhos animados produzidos no Japão.Tokusatsu = filmes e séries de super-hérois japoneses com atores reais, como Ultraman e Kamen Rider. Otaku = gíria usada para deno-minar os fanáticos por animes e mangás.Cosplayer = pessoa que se fantasia de personagem de séries japonesas.

sa na Bahia ainda não ganhou o mesmo status que as outras manifestações estéticas do país do Oriente._ Já existem lojas que comercializam vestuário e artigos que seguem a estética japone-sa, como bonecos, chaveiros etc. A maioria ainda se restringe ao meio virtual ou estan-des em eventos, mas o fato já demonstra que o mercado está atento ao interesse deste nicho da sociedade - público com comportamento e gosto diferenciados, que merece atenção especial.

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Texto Ísis Fujiyama Miyaoka | Ilustração Ian Fraser

Moda ou Afeição?A criação de animais exóticos e silvestres como bichos de estimação é cada vez mais comum

_ Animais exóticos, animais silvestres e animais domésticos: qual a diferença? Conceitualmente, a diferença é gigan-tesca. O primeiro provém de um habitat fora do território brasileiro, o segundo são os animais típicos da fauna nativa e os últimos são aqueles animais que viviam livres e que, acompanhando a evolução do homem e da sociedade, passaram a viver em estreita interação ou dependência dos humanos. E na prática? Será que existem diferenças?_ Uma chinchila deve possuir uma ali-mentação balanceada à base de plantas secas, capins e sementes, ter água filtrada ou fervida ou mineral à sua disposição e sempre comer no mesmo horário. Uma serpente píton não é um animal agressivo, mas são fortes e matam suas presas por constricção, se alimentam de mamífe-ros, aves ou répteis pequenos porém se estiverem com muita fome ou se forem provocadas, podem tentar atacar animais grandes como tigres, búfalos e leopar-dos. Uma iguana precisa de uma fonte de calor, sendo que a temperatura varia de 22°C à 29°C, e se for mais baixa que 22°C ela pode contrair uma pneumonia e morrer. Já um cachorro ou um gato, em qualquer esquina se encontra a sua ração, de vários preços, de vários sabores, de várias marcas e vários tamanhos._ Criar um animal exótico ou silvestre não é muito fácil, porque eles não só exigem cuidados especiais, mas também a autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais e Renováveis, o IBAMA. Mesmo com essas dificuldades, a procura por um animal desses não diminui. Segundo os dados do Instituto, estima-se que cerca de 12 mi-lhões de animais são retirados das matas brasileiras pelo tráfico, sendo que existem outras estatísticas que acreditam que esse número esteja em torno de 38 milhões. E, desse total, 82% são aves.

Cobra criada!

_ Segundo I. L. M., de 22 anos, que não quis se identificar pois é criador de uma píton sem autorização, é preciso conscien-tizar o consumidor desses animais, para que eles comprem na mão de criadores legalizados e que ajudem na proteção do animal, reproduzindo-os em cativeiro. Porém, um dos principais empecilhos para que isso ocorra é que o preço de um bicho legalizado é mais alto do que o clandes-tino. Aí, entra aquele velho e conhecido jeitinho brasileiro, ou seja, se existe um meio de gastar menos, porque não? Esse tipo de pensamento dos consumidores brasileiros mais o desejo de se ter um bicho desses unido com a ganância de ga-nhar dinheiro só podia dar em uma coisa: tráfico de animais. O IBAMA tenta fazer a sua parte, fiscalizando, apreendendo animais, prendendo e multando gente, mas só isso não é o suficiente. Precisa ser um trabalho feito em conjunto com a sociedade. _ Uma grave conseqüência do tráfico é o grande número de animais mortos ou abandonados. Mas não é somente este crime que colabora para que isso ocorra. Juntamente com ele, a desinformação de quem compra também é um dos motivos de abandonos de animais. Os traficantes os abandonam quando ficam doentes ou feridos, já que não servirão mais para a comercialização, sendo que foram as próprias condições de captura e transpor-te e o tratamento dado os responsáveis pelo fato. E a desinformação provoca o abandono desses animais porque ao serem adquiridos, seus respectivos donos não pararam para pensar nos hábitos alimen-tares, o habitat natural e as necessidades daquele iguana ou daquela serpente que estavam comprando e no que isso iria trazer para sua rotina. Ainda existem pessoas que pensam que criar um animal

desses é como criar um cachorro. É nesse ponto que elas se enganam._ Compare criar um cachorro com uma píton, como a de I. L. M., por exemplo. Segundo o criador da serpente, ela come cerca de três ratos por mês, vive em seu quarto solta (já que ela não necessita de tanto espaço), tem que ser vermifugada, ter sempre uma vasilha de água por perto e precisa de banhos de sol. Agora, um ca-chorro não precisa comer ratos, ele come ração na quantidade em que seu dono o acostumou e precisa fazer exercícios, ou seja, caminhar ou nadar (depende da raça), por isso precisam de mais espaço, pode ser adestrado mais facilmente, tor-nando suas reações mais previsíveis. Mas existe algo que todos os animais domesti-cados possuem em comum: eles moldarão sua personalidade de acordo com o tra-tamento dado a eles. Então, se seu dono é agressivo e violento, a probabilidade de ele se tornar um animal com as mesmas características é grande. _ Acreditar que criar uma serpente ou um ferret (conhecidos como furões domésti-cos) vai ser como criar um gatinho ou um cachorrinho é ilusão. Para que a aquisição de um animal da espécie desejada não se transforme em uma decepção e se torne mais um nas estatísticas do IBAMA de animais abandonados, deve-se obter a maior quantidade de informações pos-síveis sobre o animal das mais variadas fontes como os criadores dessa espécie desejada, o próprio IBAMA, zoológicos e veterinários. Além de procurar infor-mações sobre o animal, é preciso estar informado sobre o processo de autoriza-ção de criação pelo IBAMA e estabeleci-mentos legalizados, para que, ao comprar o bichinho, não se colabore com o tráfico. Seja cachorro, seja iguana, seja gato, seja píton, não importa que tipo de bicho é, o que importa é o tipo de dono que ele vai ter.

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Família) ou Vivian (Júlia Roberts em Uma Linda Mulher), a mídia tem cumprido um importante papel na divulgação do modo de viver das prostitutas. A visibilidade que esses meios têm dado para as garotas de programa tem causado um efeito talvez inesperado até mesmo para os criadores dessas personagens: “O Gilberto Braga (autor de Paraíso Tropical) disse que a sociedade está com os valores morais invertidos, pois está amando a Bebel. Ele disse que ela tem que ser castigada pelas maldades que fez e, pra ele, o castigo é voltar pro calçadão”, reclama Gabriela._ Mesmo com essa visibilidade e simpatia, as prostitutas ainda sofrem com velhos problemas de preconceito e, principalmen-te, violência. Casos de estupro e maltratos por parte de clientes, playboys e policiais, ainda são comuns na rotina da prostitui-ção. Inclusive, os policias são quem mais agridem, afirmam. “A gente sofre muito com essa questão da violência. Só o fato de você dizer que é uma prostituta e estar mal vestida, pra eles já é suficiente”, denuncia Fátima Medeiros, prostituta e membro da APROSBA (Associação das Prostitutas da Bahia)._ Assim como em qualquer outra cate-goria profissional, existe o orgulho de ser prostituta. “A Daspu nos dá muito orgulho. Quem diria que as pessoas iriam usar roupas de puta um dia?”, confes-

sa a vaidosa e irreverente Fátima. Ao contrário do que muita gente pensa, há garotas de programa que ingressam na profissão por opção e não por necessida-de. A comercialização do sexo é encarada como uma forma honesta de ganhar dinheiro, e que vale a pena lutar por esse direito. Quando vêem sua profissão ser tida como um martírio em suas vidas, indignam-se e se defendem: “sofridas são essas meninas que desfilam com anorexia e os ossos aparecendo. Somos mulheres normais”, diz Gabriela Leite. Como prova de que, como em qualquer outra ativi-dade, existe a liberdade de entrar e sair, as ações da DAVIDA são exclusivamente em prol dos direitos das prostitutas e não para tirarem elas da profissão. “Nós não tiramos ninguém de lugar nenhum. Quem faz isso é a própria pessoa, se não ela não é cidadã.”, diz Gabriela.

De dentro pra fora

_ Nervosas, tensas e cheias de expecta-tivas. Assim estavam elas naquela tarde chuvosa instantes antes do desfile come-çar. A primeira vez, para todas as mulhe-res, desperta essas sensações. Com elas não era diferente. Até pouco tempo antes, Marilene ainda não estava segura de que conseguiria mesmo desfilar. “Como é o sentimento de desfilar?! É melhor você

Texto Daniel Frediani e Priscila do Espírito Santo | Foto Jonathas Araújo e Wendell Wagner

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De fora pra dentro

_ Mães, donas de casa, passam o Natal com a família e adoram assistir à novela das oito. Essa poderia ser perfeitamente a descrição de qualquer mulher com uma vida considerada estável pela sociedade. Mas não é. Estas mulheres que fazem to-das essas coisas banais vendem sexo para sobreviver. Por conta dessa ocupação, as profissionais do sexo ou putas (como se auto denominam), sofrem com o precon-ceito e com a violência em suas diversas formas._ Os valores morais e hipócritas que ainda regem a conduta do brasileiro são o prin-cipal desafio a ser superado pela classe. O que parecia impossível está começando a tornar-se realidade: o reconhecimento da ocupação pelo Ministério do Trabalho e a criação de ONG’s e associações tem dado às profissionais do sexo uma visibilidade muito maior. “A Daspu nos deu uma visi-bilidade que fez a sociedade acordar para o fato de que a gente existe. Nós sempre ficávamos debaixo do tapete”, é o que relata Gabriela Leite, fundadora da ONG DAVIDA e idealizadora da grife Daspu, que confecciona roupas sobre o tema da prostituição._ Seja com Bebel (personagem de Camila Pitanga na novela Paraíso Tropical), Capitu (Giovanna Antonelli em Laços de

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do que as prostitutas fossem as mais desinibidas e descontraídas da passarela, decepcionou-se. Sisuda e evidentemente envergonhada, Fátima mostrou toda sua timidez que, aos olhos de muitos, é antagônica com a figura da garota de programa. Mas, afinal, qual seria a pessoa que não ficaria corada ao se expor pela primeira vez frente uma platéia de desconhecidos?_ Os pré-conceitos cegam. As prostitutas que estavam ali para desfilar naquela tar-de mostraram um lado oposto ao estere-ótipo. A imagem insensível e profissional que se tem das prostitutas não condiz com a sensibilidade e a espontaneidade que se revela em alguns minutos de conversa. Afinal de contas, são mulheres.

me fazer essa pergunta amanhã. Quem sabe eu poderei te responder”, confessa._ Em uma profissão onde a imagem é imperativa, a vaidade ocupa o primeiro lugar na escala de preocupações dessas mulheres. Maquiada, perfumada e sem largar o cigarro, que lhe conferia um certo charme, Fátima Medeiros ainda se achava feia: “Essa entrevista é pra televi-são?! Meus bofes não podem me ver desse jeito!”. Muito mais do que profissional, a preocupação com o visual é uma questão de auto-estima. _ Quem compareceu ao desfile esperan-

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“A Daspu nos dá muito orgulho. Quem diria que as pessoas iriam usar roupas de puta um dia?”

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_ Um novo modelo de ensino superior nas universidades federais brasileiras. É o que propõe o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Univer-sidades Federais, o REUNI, programa lançado em abril de 2007 pelo governo federal. As universidades podem optar se querem aderir e, caso queiram, devem elaborar os seus planos de acordo com al-gumas diretrizes previstas pelo Ministério da Educação. _ Entretanto, quem pensa que o REUNI tem apoio unânime entre estudantes e docentes, engana-se. Aumento mínimo de 20% no número de vagas das univer-sidades; aumento do número de alunos por professor; novas modalidades de graduação: estes são alguns pontos do decreto que deixam divididos estudantes e comunidade acadêmica em geral.

Velhas discussões...

_ Há alguns anos o tema “reforma univer-sitária” está em pauta sob o argumento de que o ensino superior brasileiro estaria anacrônico, e as discussões se intensifica-ram a partir de 2002, quando a reforma foi colocada como uma das prioridades do governo Lula. Após dois anos de diálogo entre governo e comunidades acadêmi-cas do ensino superior público e privado, foi elaborado o projeto de lei 7200/06 e enviado ao Congresso para votação, em junho de 2006. Na esteira das discussões sobre reforma do ensino superior, surgiu, também em 2006, o projeto UFBA Nova, mais tarde chamado de Universidade Nova. _ Diante do impasse na votação do pro-jeto de lei, parado na Câmara por falta de consenso entre as várias entidades da comunidade acadêmica, o governo lançou, por decreto, o REUNI.

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Texto Luiza Borges ... novas polêmicas

_ É difícil encontrar quem discorde da necessidade de se rever o ensino superior público no país, e também não há quem seja contra o objetivo maior apontado no decreto, a “ampliação do acesso e permanência na educação superior”. Mas o fato é que, desde que foi lançado, o REUNI não pára de gerar polêmica no âmbito universitário. _ As metas globais apontadas pelo Programa – o aumento da taxa média de graduação para 90% (isto é, 90% dos alunos da universidade devem se formar), e da relação de alunos por professor para 18/1 – assim como as diretrizes estabe-lecidas para que elas sejam alcançadas, têm gerado questionamentos por estu-dantes, professores e dirigentes universi-tários. Alguns deles são: não há o perigo de superlotação das universidades? Como conseguir a aprovação de 90% dos alu-nos? O aumento das verbas é garantido? _ Albino Rubim, professor da Faculdade de Comunicão e diretor cultural da Asso-ciação dos Professores Universitários da Bahia (APUB), diz que o mais importante do projeto é que garante a expansão do ensino universitário público. “Como as verbas chegam em 2008 e o REUNI começa em 2009, haverá condições para essa expansão, sim, pois se as verbas não chegarem não se faz o REUNI”, adverte._ Uma das questões que divide as opi-niões diz respeito ao aumento da carga horária de trabalho dos professores. A APUB, que mostra-se favorável ao Programa, mantém um “pé atrás” em relação ao item “ampliação das vagas”. A absorção de mais alunos deve ser precedida pela contratação dos professo-res e servidores técnicos administrativos necessários, dizem._ Diante das críticas, pode-se argu-mentar: “O REUNI é facultativo, entra quem quer”. A professora Lana Bleicher, de Odontologia da UFBA, questiona: “Fala-se muito que o REUNI é de adesão voluntária. Que autonomia é essa que o governo mantém na fome quem não qui-ser aderir, obrigando a elaboração de um projeto nos moldes que o MEC quer?”, afirma. A professora também critica o pouco tempo entre o lançamento do de-creto, 24 de abril de 2007, e a data final para a entrega dos Planos ao MEC, 29 de outubro do mesmo ano. Ela argumenta que “se as pessoas tivessem tempo para pensar, não aceitariam passivamente”. É o que também acredita André Araújo, estudante de Comunicação da UFBA e membro da comissão gestora da Enecos (Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social): “O tempo que se teve para a discussão do REUNI acabou impossibilitanto uma maior publicização

e discussão do projeto”, afirma.Renato Jorge, um dos representantes dos servidores no Conselho Universitá-rio da UFBA, ressaltou a questão da qualificação. “O debate da qualificação da mão-de-obra foi relegado ao esque-cimento. Hoje o servidor que quer fazer um mestrado, um doutorado ou quer se qualificar de alguma forma, ele faz muito por conta própria. Nós queremos que este espaço seja aberto (no REUNI) para a nossa categoria”, diz._ Em meio a muita desinformação e até certa falta de interesse por parte dos estudantes, 26 das 31 unidades da UFBA confirmaram a participação no REUNI. O saldo também é positivo para outras gran-des universidades brasileiras. Para André Araújo, que defende a expansão do ensino superior público, o REUNI ainda não é o modelo adequado para isso: “Todos os setores contrários ao decreto defendem que a expansão se dê de maneira que a qualidade do ensino seja assegurada, que a estrutura das universidades seja melhorada, que mais professores sejam contratados, e não que essa expansão se dê de maneira desordenada e na estrutura universitária que temos hoje”. _ O projeto eleva o número de vagas oferecidas, propõe a abertura de cursos noturnos e cria mecanismos de inclusão social, argumenta a professora Rachel Lima, do Instituto de Letras. Além disso, “as altas taxas de evasão passam a ser objeto de políticas públicas que, acredito, devem se mostrar mais eficazes”, porque passam a ser repensadas as formas de ingresso e as dificuldades criadas pelo atual modelo para o redirecionamento da formação profissional. “Mas é claro que isso só será conseguido se houver um interesse efetivo de professores, alunos e funcionários em fazer com que a priori-dade da educação deixe de ser apenas um discurso fácil e se transforme em uma prática que envolve trabalho, solidarieda-de e desejo de construção de um mundo melhor”, adverte a professora.

Proposta do REUNI

1. Ampliação da Oferta de Educação Superior Pública.2. Reestruturação Acadêmico-Cur-ricular. 3. Renovação Pedagógica da Educa-ção Superior. 4. Mobilidade Intra e Inter-Institu-cional. 5. Compromisso Social da Institui-ção. 6. Suporte da pós-graduação ao desenvolvimento e aperfeiçoamento qualitativo dos cursos de graduação.

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_ Você anda estressado com a pressão dos estudos? Vive sem tempo para elaborar seus trabalhos acadêmicos, o prazo está estourando e o professor está te cha-teando? E mais, quer passar de ano na faculdade sem fazer muita força? Não esquente mais a cabeça! É só digitar “trabalhos acadêmicos” no Google ou no Orkut e uma infinidade de sites e comuni-dades surgirão na tela do seu computador dispostos a resolver o seu problema._ Ironias a parte, é assim que o mercado de comercialização de trabalhos acadê-micos se apresenta para atrair a atenção daqueles que estão dispostos a pagar para não se “estressar” com a faculdade. As artimanhas do mercado

_ Esse mercado é vasto e de fácil acesso. Além dos sites e das comunidades, os murais das faculdades estão repletos de anúncios. Na maioria dos casos, quem oferece os serviços são estudantes como aqueles que o procuram. Essa fatia do mercado trabalha de forma amadora, sem fornecer garantias aos seus clientes, mas possui um atrativo importante: o preço mais acessível. Já para quem pode pagar mais, existem empresas especializadas no assunto que se multiplicam e aprimoram cada vez mais os seus serviços._ Essas empresas dispõem de todo um aparato de atração e conquista do cliente. São grandes sites que oferecem professo-res, mestres e doutores nas diversas áreas de conhecimento, garantem a qualidade do produto, a entrega no prazo e decla-ram só elaborarem trabalhos exclusivos, originais e de acordo com normas da ABNT. Para impressionar, ainda afirmam fazer monografias, dissertações e teses para outros países como Portugal, Argen-tina e Inglaterra._ Geralmente, esses sites justificam as vantagens de se comprar um trabalho com o argumento de que se economiza tempo e esforço. No site Help Universitá-rio, fica explícita essa idéia na secção de “dicas” para a apresentação de trabalhos de finalização de cursos de graduação, dissertações e teses perante as bancas. “Se você contratou alguém para efetuar sua pesquisa e elaborar seu trabalho, parabéns, você poupou uma etapa árdua de pesquisa e desenvolvimento”.

Comercializar trabalhos é legal?

_ A maioria dos sites afirma que funcio-na de acordo com lei 9610 de Direitos Autorais, se posiciona contra o plágio, desaconselha a cópia e critica as empre-sas que mantém bancos de trabalhos e não elaboram conteúdos exclusivos. Na realidade, não existe nenhuma ilicitude em se disponibilizar conteúdo na internet, desde que não haja plágio. O Zé Mole-za, por exemplo, oferece um banco de trabalhos publicados por seus próprios autores no site. Se um estudante copia um trabalho retirado de lá e apresenta como seu, a responsabilidade é de exclusividade dele. Também não configura algo ilegal contratar alguém para realizar uma pes-quisa. Segundo o advogado e professor da Faculdade de Direito da UFBA, Sebástian Mello, o problema está na elaboração do resultado final do trabalho. Existe uma diferença entre realizar pesquisas e elaborar trabalhos para que terceiros assinem como se fossem de sua autoria. Se alguém assina um trabalho que de fato não fez, está cometendo crime de falsida-de ideológica. Entretanto, Mello garante que as empresas que elaboram trabalhos se cercam de todos os cuidados dizendo que o seu cliente assume por sua própria conta e risco assinar o produto como se fosse seu._ Para construírem uma boa imagem, as empresas especializadas procuram garantir a segurança do negócio. O site Monografia AC, que se auto-intitula a maior empresa desse segmento e existe há 5 anos, por exemplo, se apresenta como uma empresa legalizada e com CNPJ próprio. Nessa página, o usuário pode en-contrar dicas de como não cair em contos e se dar mal. Ao se colocarem como uma empresa registrada, a Monografia AC diz garantir ao cliente a possibilidade de

recorrer à justiça caso ele seja lesado ou tenha seus interesses prejudicados._ “Nesse caso há uma distorção da informação passada”, explica o advoga-do. Segundo ele, o fato de uma empresa ser legalizada não quer dizer que ela não exerça atividades ilícitas. Essas empre-sas se registram como prestadoras de serviços em consultoria e pesquisa. Elas não podem dizer no seu contrato social que fazem trabalhos para que outras pessoas assinem, pois isso sim é ilegal e o contrato não seria válido. Além disso, a empresa não pode se responsabilizar pelos “interesses” de quem está comprando o trabalho. Ela apenas pode responder ape-nas pelo direito do consumidor, ou seja, pela qualidade do produto oferecido.

Sigilo

_ O sigilo é outra garantia que os sites procuram dar aos estudantes com o intuito de estabelecer uma relação de confiança entre a empresa e o cliente. Al-guns chegam a declarar que, assim como os alunos, os professores de suas equipes também exercem atividades em universi-dades conhecidas. Portanto, o sigilo seria interesse e garantia para ambos.

Ética em jogo

_ Com a facilidade de acesso ao mer-cado e a crença de que a farsa não será descoberta, os estudantes acabam transformando a compra de trabalhos em uma prática comum e corriqueira, o que levanta dúvidas sobre a futura vida profissional desses alunos. Antonio Mello, professor de Metodologia Científica da Unifacs, aponta que devido às deficiên-cias no ensino básico, os alunos têm mais dificuldades para elaborar trabalhos de conteúdo teórico, que exigem uma escrita mais formal e normas técnicas. No entanto, isso não pode ser encarado como justificativa para que no primeiro entrave encontrado, esses alunos utilizem meios ilícitos como o plágio e a falsidade ideológica para ultrapassá-los.

Vai um trabalhinho aí?

Texto Michele Pinheiro

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_ Estabilidade, bons salários, oito horas diárias de trabalho, no máximo. Estas são as promessas que levam milhões de brasileiros, a cada ano, a participarem de processos seletivos na esperança de con-seguirem o tão sonhado emprego público. Só no ano de 2006, foram aproximada-mente 4,5 milhões de pessoas inscritas em concursos públicos, somando-se os âmbitos municipal, estadual e federal. O ano de 2007 não foi diferente. De acordo com o site do Ministério do Planejamento, só na esfera federal já são 13.280 vagas autorizadas. _ A criação de parte das vagas em órgãos públicos de todo o país tem a finalidade de substituir contratações realizadas por

indicações, ou pelo Regimento Especial de Direito Administrativo (REDA), criado no governo de Fernando Henrique Cardoso para realizar contratações de servido-res temporários. O Regimento tem sido utilizado em larga escala pelos governos municipais e estaduais, para preocupação do Ministério Público que tem buscado anular este tipo de concurso.

O nascimento de uma “indústria”

_ A grande procura pelo emprego público fez surgir a oferta de uma série de serviços que prometem o acesso à tão almejada função de servidor público. A “indústria dos concursos”, como esta

gama de serviços tem sido chamada, compreende dois “produtos” sedutores, mas nem sempre confiáveis: apostilas e cursos. Amplamente divulgados na internet, estes serviços vendem o sonho do emprego público a milhares de candidatos esperançosos._ Entretanto, órgãos de proteção aos can-didatos não existem na mesma proporção. Eventualmente, pessoas são vítimas do uso de má-fé por empresas que atuam no ramo dos concursos e não sabem (ou não têm) a quem reclamar. Praticamente não há entidades voltadas exclusivamente para a fiscalização de concursos públicos. Na Bahia existe apenas a Comissão de Defesa do Concurso Público na Ordem

Texto Naiana Ribeiro e Marília Cairo | Foto Matheus Magenta

A indústria dos ConcursosA indústria dos Concursos

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dos Advogados, única no Brasil. Ainda assim, a procura é pequena pois o órgão é pouco conhecido. “Infelizmente não há um mecanismo para controlar a qualida-de, senão o próprio mercado específico. Então é este mercado que vai se ajus-tando”, é o que afirma Waldir Santos, secretário-geral adjunto da OAB seção Bahia e presidente da Comissão de Defesa do Concurso Público._ Outra alternativa de reclamação é o PROCON, que tratará das denúncias como em qualquer outra relação comer-cial: reportando-se ao Código de Defesa do Consumidor.

Apostilas, livros e manuais

_ As apostilas são uma grande fatia da indústria dos concursos, podendo ser encontradas em bancas de revistas e geralmente a preços acessíveis. Waldir Santos afirma que elas podem represen-tar um perigo: “as apostilas são feitas basicamente por três grandes grupos: as editoras especializadas; a pessoa que publica através do curso (um professor escolhe o material e o curso edita) e um cara que faz no computador, da seguinte forma: ‘copiou-colou’, hoje sai o edital e amanhã sai a apostila na banca. São as apostilas de ‘fundo-de-quintal”, afirma. _ Como não há uma forma de regulação e fiscalização da produção desse material didático, o candidato fica a mercê de uma infinidade de opções, com os mais variados preços e dos mais variados dis-tribuidores. A variedade de opções pode representar uma cilada para o candidato, pois algumas dessas apostilas têm um conteúdo ultrapassado ou até mesmo, errado.

Cursos preparatórios

_ Os cursos preparatórios têm atraído cada vez mais candidatos a partir da divulgação dos chamados “concursos da moda” (TRT, Polícia Federal, Auditor Fiscal), que normalmente trazem os me-lhores salários mas que também dispõem de uma concorrência alta. Estes cursos pretendem facilitar o ingresso dos can-didatos no serviço público, como afirma

Jeziel Dórea, diretor comercial da Casa dos Concursos: “aqui o candidato não estuda para passar, estuda até passar”, promete._ Ainda assim se engana quem pensa que nos cursinhos tudo são “flores”. A superlotação das salas e o alto preço das mensalidades, são problemas encontrados pelos candidatos._ Quem não tem como pagar altas mensalidades em cursos presenciais, pode recorrer aos cursos à distância, geral-mente mais baratos. Com apenas R$50, qualquer pessoa pode ter acesso a um determinado número de aulas, pela inter-net. A questão é: quem são essas pessoas que oferecem esse tipo de serviço? E onde reclamar quanto à qualidade das aulas?

Fraudes

_ Outro ramo da “indústria dos concur-sos” são as fraudes, ou seja: métodos ile-gais para garantir o acesso ao “brazilian dream”. São quadrilhas especializadas em conseguir o gabarito ou até mesmo um candidato que possa substituir o interessado no dia da realização da prova. A contratação de um serviço como este pode variar entre R$5.000 e R$30.000._ Apesar de se tratar de casos pontuais, as fraudes continuam ocorrendo em todo o país, fazendo com que as empresas contratadas cerquem-se de cuidados. É o

que garante o professor da Faculdade de Administração da UFBA, Carlos Cézar Federico, que já participou da organiza-ção de concursos municipais: “as provas são impressas e guardadas num cofre. No dia da aplicação elas são entregues por um carro forte, no horário previsto”, afirma o professor. _ As denúncias de fraudes devem ser encaminhadas à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. Os crimes em que se enquadram as pessoas que realizam este tipo de fraude são: estelionato, falsidade ideológica, falsidade documental, forma-ção de quadrilha e improbidade adminis-trativa. Nestes casos, o contratante do serviço e o contratado respondem judicial-mente pelos mesmos crimes.

Ética nos concursos

_ Uma maior visibilidade do mercado dos concursos públicos tornaria viável a sua fiscalização por parte da sociedade, que passaria a controlar a qualidade dos serviços oferecidos, a acompanhar a realização de concursos e a denunciar as fraudes cometidas. Uma alternativa para um maior controle das diversas instâncias que fazem parte desta “indústria” são as associações civis voltadas para a ética nos concursos públicos, a exemplo da ANPAC (Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos).

Waldir Santos, secretário-geral adjunto da OAB seção Bahia e presidente da Comissão de Defesa do Concurso Público

A indústria dos ConcursosA indústria

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O que vemos antes de morrer? As possibilidades são infini-

tas. Talvez o que fizemos, o que deixamos de fazer, o semblante de felicidade no rosto do nosso algoz ou, para aqueles que crêem, o convite para uma nova dimensão. Na verdade, morremos a todo ins-tante. O que os relógios indicam é uma contagem regressiva para o último suspiro. Por isso, cada imagem que passa diante dos nos-sos olhos deve ser encarada como a derradeira. O olhar da morte é também o olhar de uma vida, mui-tas vezes desperdiçada com vícios e atitudes irracionais. A perspecti-va de pessoas que estão prestes a falecer sugere medo, dor, angústia e um panorama do contexto social que nos cerca.

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_ O podcasting consiste na disponibiliza-ção de arquivos de áudio (em MP3) na internet. Até aí, nada de novo. Mas há duas grandes sacadas neste formato: os podcasts são atualizados periodicamente pelos produtores de conteúdo e os seus ouvintes recebem automaticamente em seus computadores as atualizações. E, a melhor parte: esses “produtores de conte-údo” podem ser qualquer um de nós._ Fernando Firmino, além de profes-sor, pesquisador e ex-radialista, é um podcaster. Após sete anos de trabalho em rádios de Campina Grande, na Paraíba, ele sentiu a necessidade de continuar em contato com essa mídia. Esse foi um dos motivos que o levou a criar um podcast, no qual mantém discussões relacionadas à tecnologia. _ Firmino é apenas um dentro do cres-cente número de pessoas que mantêm podcasts por conta própria. Toda a produção, desde a idéia para a próxi-ma atualização até a disponibilização efetiva do programa na rede, incluindo a parte técnica da gravação e edição do áudio, passa por ele. “As ferramentas e softwares disponíveis hoje facilitam muito a produção”, revela._ ”Qualquer usuário munido de um microfone e um software de áudio pode produzir seu programa de rádio (ou qualquer outro tipo de arquivo sonoro) personalizado e emiti-lo sem qualquer intermediação para um ouvinte na rede”, explica o pesquisador Macello Medeiros._ Com tantas facilidades, sites que cobram para fazer podcasts poderiam pa-recer fadados ao fracasso, já que qualquer

um pode produzir por conta própria. Mas não é o que vem acontecendo. Grandes portais brasileiros, como o PodcastOne e o PodcastingBrasil, perceberam essa nova tendência e têm seu modelo de negócios baseado no desenvolvimento de podcasts para terceiros._ Quem pagaria por algo que pode fazer de graça? Basta pensar um pouco: empresas e personalidades que exploram de todos os modos a visibilidade de suas marcas e nomes. Dentre as muitas que estão investindo nesta tecnologia, pode-se citar a IBM, Natura, Banco Real, além de celebridades como Amaury Jr. e Leila Na-varro. “Nesta fase que vivemos hoje, há muita experimentação dos diversos canais que a tecnologia proporciona, como blogs, podcasts, Second Life, redes sociais, etc. Se as empresas não participarem, pelo menos por experimentação, elas estarão fora do jogo”, analisa Bruno Bortolan, fundador e diretor da PodcastOne. E estar “fora do jogo” significa estar atrás de seus concorrentes, algo que nenhuma companhia de negócios deseja._ Atento ao surgimento da nova tecno-logia, Bortolan estudou o mercado bra-sileiro e lançou seu site no final de 2005. O portal oferece a oportunidade de os internautas hospedarem seus podcasts de graça, mas também produz profissional-mente. “O podcasting é uma nova mídia para as empresas, seja para contato com o público interno, ou mesmo com o exter-no. Percebemos essa oportunidade e hoje grandes institutos e consultorias como a McKinsey & Company demonstram que 35% das empresas pretendem utilizar

Texto Aguirre Talento

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podcasts como canal de comunicação”, argumenta._ Já a PodcastingBrasil manteve seu foco na prestação completa de serviços rela-cionados à tecnologia. Além da produção dos programas, na qual está incluída a parte técnica e de conteúdo, o portal ainda cria um site específico para o pod-cast produzido, publica nele o conteúdo e também cadastra o programa nos gran-des diretórios nacionais e internacionais de podcasts. Com tantas atividades, sai mais barato para uma empresa contratar este serviço de terceiros do que fazer por conta própria, segundo o diretor geral da PodcastingBrasil, Raul Médici.

Profissionalização

_ O podcasting permite que qualquer um veicule seus arquivos de áudio na rede. Isso torna possível que usuários da internet, inicialmente receptores, também atuem como produtores de conteúdo. Mas, dessa forma, nem sempre a quali-dade do que é produzido é satisfatória. Por isso, empresas que sempre prezam por uma boa imagem não se arriscam no amadorismo e recorrem a especialistas, para produzir profissionalmente seus podcasts._ O conteúdo dos programas não consiste simplesmente na auto-promoção das em-presas. Eles podem tratar sobre assuntos relacionados ao serviço prestado, como, por exemplo, um plano de saúde man-tendo um podcast que esclareça os seus ouvintes sobre doenças. Neste caso, a

empresa atua como uma patrocinadora de uma programação em áudio de interesse para seu público-alvo e veicula sua ima-gem através da publicidade._ Pessoas já conhecidas nos meios radio-fônicos e televisivos também aderiram à nova tecnologia, de diversas formas. Elas podem simplesmente transpor para o for-mato podcast o conteúdo de programas que já apresentaram, como também pro-duzir conteúdos inteiramente novos que se relacionem à área de interesse delas e do seu público já tradicional._ Além dessas formas, existe também a possibilidade de inserção de pequenas peças publicitárias em meio à programa-ção. Esta é uma tendência mais recente, popular atualmente em sites norte-ame-ricanos, mas que está sendo trazida para o Brasil. “Com isso, abre-se um novo mer-cado para os anunciantes e produtores de conteúdo, que também poderão lucrar com participação sobre a publicidade que for comercializada”, explica Bortolan._ Os avanços tecnológicos da rede mundial de computadores, além de abrir diversas possibilidades aos seus usuários, costumam chamar a atenção por suas potencialidades lucrativas. Geralmen-te começa uma “febre” em relação a um novo formato, que pode suceder ou fracassar. Com o podcasting, ainda é cedo para afirmar qual será seu destino. Mas, nas palavras de Bortolan, um daqueles que está investindo na tecnologia, “não há dúvidas de que é um canal de comuni-cação muito poderoso para empresas de todos os portes e segmentos”.

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www.podcast1.com.br www.podbr.com

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Publique seu podcast:

Grave e edite o seu podcast utilizando um programa de edição de áudio, como o Audacity (abaixo) ou o SoundForge.

Cadastre-se em algum site que hospede podcasts gratuitamente, como o Pod-castOne.

No caso do PodcastOne, crie um canal e depois adicione o seu programa neste canal.

Pronto! Seu podcast já está on-line. Basta acessar o link “Inviter” e distribuir o endereço para que as pessoas o conheçam e escutem.

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FALE A MINHA LÍNGUA!Até Harry Potter já teve tradução não oficial circulando gratuitamente na internet. Saiba quem são esses caras que fazem tudo por amor à arte.

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_ Buscando no Google, aparecem mais de cinco milhões de resultados para a palavra fansub. Essa palavra tem origem inglesa e surgiu da junção de fan (fã) e subtitled (legendado), indicando a tradução não oficial de produtos culturais realizada por fãs e disponibilizada gratuitamente para download em sites especializados. _ Apesar de poder ser utilizada para se referir aos mais variados tipos de tradu-ções, como de séries de TV, animações e até livros, como Harry Potter, a palavra fansub é originalmente conhecida por designar o trabalho de tradução realizado por fãs dos desenhos japoneses. _ Os mangás e animes traduzidos por não profissionais são populares na internet. No site Animeblade existem mais de 150 links para grupos de fansubbers em atividade. Um dos grupos é o Manka, especializado na tradução de mangás. Criado em 2003 por um grupo de fãs de animes e mangás, o site conta hoje com oito projetos em andamento, além de vários outros concluídos. É um trabalho sem nenhum fim lucrativo, com o intuito somente de divulgar a arte do mangá no Brasil e possibilitar aos fãs o acesso a obras ainda não lançadas no país. Este é um ponto importante, pois há um “código de ética” entre os fansubbers que não permite que um mangá seja ou continue a ser traduzido caso seja licenciado no Brasil por alguma editora. “O nosso objetivo principal é divulgar o título para que ele seja lançado por uma editora no

Brasil, e não ‘concorrer’ com ela.”, diz um dos fundadores do Manka, de pseudônimo Keitaro-Brazil._ O trabalho de fansubber exige dedicação e em geral é dividido em etapas, cada site contando com tradutores, revisores, sin-cronizadores, dentre outros. No Manka, o processo é divido em três etapas: “No nosso caso (mangás), tudo começa com os scans (arquivos digitalizados das páginas do mangá) em inglês ou francês disponi-bilizados pelos scanlators estrangeiros na Internet. A partir deles, temos um tradutor que prepara a tradução em um arquivo texto e envia para o editor, que vai pegar os scans originais, apagar os textos no outro idioma e colocar aquele feito pelo tradutor. No final, temos mais um componente, o revisor, que verifica se os textos estão com o português correto e com a tradução coerente. No geral, qua-tro horas são suficientes para uma pessoa editar ou traduzir um capítulo de mangá”._ O sucesso dos fansubs pode inclusive ajudar a incentivar o lançamento dos animes e mangás no Brasil. Segundo Keitaro-Brazil, “com a popularização da distribuição de animes/mangás na inter-net, o público brasileiro está mais sinto-nizado com o que faz sucesso no Japão e em outros países”. Por isso, é comum que títulos como Naruto e Negima! tenham uma legião de fãs no país antes mesmo do mangá/anime chegar oficialmente no Brasil. Isso também fez com que muitos mangás fossem lançados no Brasil sem

terem chegado ao fim da seqüência no Japão, como é o caso de Inu-Yasha e Fullmetal Alchemist, dentre outros. “Os grupos de tradução têm uma participação importante nisso, pois eles ajudam a criar esse público para as editoras”, afirma Keitaro-Brazil.

Acesso rápido

_ Em outros casos, a tradução serve para alimentar um público já formado, como o dos fãs da série Harry Potter. O grupo Máfia dos Livros, liderado por Isa-dora, uma estudante de 14 anos, traduziu as 784 páginas de Harry Potter and the Deathy Hallows, o último livro da série, apenas seis dias depois do lançamento oficial. No site do grupo é possível baixar o livro em português no formato pdf. Há ainda uma nota esclarecedora, explicando como o grupo teve acesso ao livro original (alguém fotografou página por página e disponibilizou na internet antes do lançamento) e garantindo que a tradução foi realizada sem fins lucrativos. A nota inclusive recomenda que os fãs comprem o livro original. O sucesso desta iniciativa é comprovado na comunidade Máfia dos Livros no Orkut, onde há um tópico para

Texto Carolina Guimarães Ribeiro e Islene Santos

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Imagens de páginas traduzidas pelo tsubasa project - http://www.tsubasaproject.net.

Precoce

O grupo Máfia dos Livros, liderado por Isadora, uma estudante de 14 anos, traduziu as 784 páginas de Harry Potter and the Deathy Hallows, o último livro da série, apenas seis dias depois do lançamento oficial.

Fansubber ou legender é quem faz as traduções

Ilustração: www.harrypotter.rocco.com.br

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que os membros sugiram outras obras para serem traduzidas. _ Mas não são só os mangás e animes que, junto com Harry Potter, mobilizam fãs na internet. As séries de TV, trans-mitidas no Brasil majoritariamente pelos canais fechados, e ainda assim com meses de atraso em relação ao lançamento de episódios nos EUA”, também são ampla-mente traduzidas pelos fãs. Um dos sites mais conhecidos é o Isfree. Criado em dezembro de 2006 por um fã do seriado Lost, o site disponibiliza hoje 185 séries e conta com uma média de visitas de 70 a 100 mil visitas por dia._ Nos termos de uso do site há advertên-cias contra a pirataria, alertando que o conteúdo baixado deve ser deletado ime-diatamente depois de assistido, não deve ser armazenado em CDs ou DVDs nem disponibilizado em qualquer outro site. _ Ainda assim, a tradução dos seriados suscita uma questão legal delicada. De acordo com o artigo 29 da Lei do Direito Autoral (Lei nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998.), a tradução de uma obra para qualquer idioma depende de autorização prévia e expressa do autor, o que, obvia-mente, não acontece neste caso. _ Para os fãs, os downloads são uma ótima alternativa para quem não tem TV a cabo ou não quer se submeter aos meses de espera até que os episódios sejam exi-bidos. Com internet em banda larga, esses problemas são resolvidos com facilidade. Diego Nascimento, 17 anos, baixa séries desde que pôs internet a cabo em casa. “Baixo através de sites de Torrent ou de programas como o Emule e Shareaza”. Para Saene Mattos, 26 anos, analista de sistemas, uma das maiores vantagens dos downloads é a possibilidade de acesso a títulos que não existem no Brasil e que talvez nunca sejam lançados aqui. Além disso, os fansubs não estão sujeitos aos cortes e adaptações que comumente acon-tecem e irritam os fãs. _ É complicado mensurar os possíveis danos que os downloads causam às mídias tradicionais. Ao mesmo tempo em que a disponibilidade na internet pode afastar o público das redes de televisão e das edito-ras, também acaba servindo de publicida-de para os produtos até então desconheci-dos, principalmente no caso dos mangás. “Conheço dezenas de pessoas que baixam mangás na internet, mas mesmo assim elas compram muitos originais nas bancas e ainda reclamam que falta mangá. Em qualquer evento de anime, as editoras esgotam os exemplares em questão de

minutos. Será que essas pessoas compra-riam tantos mangás desconhecidos aqui se não os tivessem visto na internet?”, argumenta Mattos. _ Polêmicas legais à parte, os fansubbers, como o próprio nome já diz, são antes de tudo fãs e admiradores de tudo que traduzem. Por isso, procuram fazer seu trabalho respeitando a obra e principal-mente os outros fãs, que com um simples download podem ter acesso a obras que, de outro modo, levariam meses para obter.

Links Relacionados

Animeblade www.animeblade.com.br Manka www.manka.cjb.net Máfia dos Livroswww.harrypotter7.vai.laIsfree www.overcampus.com/isfree

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Texto Carolina Marques e Yan Pinheiro

Respeitável leitor, está aberto o incrível “palco público”, com suas formas, cores e estilos.

_ Uills canta nos ônibus da orla da cidade. Por pura vocação e para ganhar uns tro-cados. O local escolhido para demonstrar seu talento, além de inusitado, também serviu de palco para situações inespe-radas, como um assalto que o artista testemunhou enquanto tocava. “Quando vi o ladrão, já estava correndo entre os passageiros”, lembra. _ Passeando pela Rua Chile não é difícil encontrar, sentado em um banquinho encostado na parede de um prédio antigo, um pintor de azulejos feitos, literalmente, a mão. Obá, artista de temperamento forte, faz questão de frisar que jamais pediria para alguém da mídia divulgar seu trabalho. Depois de alguma insistência da equipe de reportagem, Obá abriu o jogo. _ Jaquelene Linhares, dançarina, é fácil

de ser achada nas ruas e praças perto do Campo Grande, mostrando sua arte. Ela se inspira nos moradores das ruas, como Jerusa, “uma ex-professora que fica no corredor da Vitória e que vive no mundo da esquizofrenia”, para criar a sua perso-nagem Fulana, explica._ Artistas como Uills, Obá e Jaquelene en-riquecem o nosso dia-a-dia e transformam a rotina dos grandes centros urbanos. Es-palhados pela cidade, os “artistas ambu-lantes” levam sua arte para os locais mais inusitados e surpreendem os mais diversos públicos a cada nova apresentação. _ “Nasci para pintar, desde pequeno que eu pinto”, afirma Obá, resumindo sua vo-cação para a pintura. “Hoje sobrevivo dos meus dedos”, garante. No entanto, Obá reconhece que a sua realidade poderia ser muito melhor se o seu trabalho tivesse um reconhecimento maior. Paulista, 46 anos, vive há seis anos na Bahia, local que serve de inspiração para as suas pinturas que, geralmente, retratam paisagens de Salvador e da Chapada Diamantina._ Obá se enche de orgulho ao contar como conseguiu expandir a sua arte para fora das fronteiras nacionais: “Já mandei telas para Bagdá e enviei 17 azulejos para o Papa Bento XVI”. Vendendo três azulejos por R$ 10,00, o artista diz que “vários es-trangeiros já chegaram aqui e compraram todos meus azulejos. Eles compram vários aqui para revender no exterior. Já teve até casos de um italiano chegar aqui e pedir para eu fazer mais azulejos, porque lá ele estava vendendo cada um por 50 euros”. _ Entretanto, ele não é o único artis-ta que faz das ruas seu ambiente de trabalho. Assim como Obá, Uills espera o reconhecimento da sua arte. Há um ano o cantor se apresenta nos ônibus da orla da cidade. “Sobrevivo da minha arte”, or-

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UT gulha-se em dizer o cantor, cujo trabalho

já lhe financiou a gravação dos dois CDs que vende durante as apresentações nos coletivos, compostos de músicas de sua própria autoria._ ”O ônibus tem uma energia positiva que eu gosto de buscar”, diz. O cantor lembra, com alegria, de quando foi surpreendido por uma passageira que o acompanhou cantando uma das músicas. Além dos trocados que ganha dos passageiros, a grande recompensa que Uills recebe do seu trabalho é o reconhecimento dos passageiros. O cantor confessa que cantar nos ônibus é “uma atitude meio louca”, mas, “quando a pessoa sorri...”, sente como se tivesse ganhado o dia, pois tem certeza que a ela gostou da sua música. _ Enquanto alguns artistas vendem sua arte nas ruas, outros apenas têm o interesse de utilizar os espaços públicos para difundir o seu trabalho. É o caso da dançarina Jaquelene Linhares, que realiza os seus trabalhos com o objetivo de de-monstrar sua dança para aqueles que vão circulando pela cidade._ Linhares tem 34 anos, é carioca e estu-dante do Curso de Dança da Universidade Federal da Bahia. As suas apresentações não têm duração específica nem coreo-grafia montada. A dançarina conta que tudo é criado no instante das apresenta-ções, a partir das imagens de Jerusa, a sua “musa” inspiradora, que lhe vêm à cabeça. _ “Não existe um lugar para a Fulana aparecer”, garante a dançarina que afir-ma, ainda, que a dança habita um “não lugar”. Qualquer espaço pode se tornar palco para o seu trabalho. _ Linhares já se apresentou em espaços fechados, como a Escola de Arquitetura da Ufba e a sede do Movimento Queer. “Meu objetivo é provocar as pessoas que passam, chamar a atenção para a minha arte, para minha performance, incomo-dar”, conclui._ A grande maioria dos artistas de rua utiliza a sua arte como principal ou única forma de sustento e, através dela, financia o figurino e a maquiagem com os quais compõe seus personagens, ou os instru-mentos que dão vida à sua música. _ A arte que em sua pluralidade é apre-sentada ao público na maioria das vezes sem apoio técnico nenhum se torna a cada ano mais conhecida em todo o mundo. Não existem barreiras para a improvisa-ção. O artista apresenta o seu trabalho e recebe sua recompensa com um sorriso ou com um trocado no chapéu.

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Festival Internacional de Artistas de Rua

O evento já está em sua 6ª edi-ção e é organizado por Bernard M. Snyder e Selma Santos. A última edição do festival acon-teceu no bairro da Cidade Baixa e contou com artistas do Brasil, Alemanha, Itália, Suíça, Irã, EUA, Argentina e Mali, tendo apoio do Governo do Estado.

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Texto Carlos Eduardo Oliveira e Tarcízio Silva Foto Carlos Eduardo Oliveira, Fabíola Freire e Tarcízio Silva

Quem são e o que pensam os artistas da

noite GLBT soteropolitana

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recebe muito carinho, não pela questão sensual, e sim pela questão cênica. Desde a bibinha mais novinha até uma cliente de 72 anos que todas as quartas vai ao Âncora do Marujo”, conta. A recepção ao seu trabalho, no entanto, é diferente entre os “tipos” de público: “O público gay é muito exigente, muito crítico. Quando gosta, você é o deus ou a deusa, mas quando não gosta... No menor deslize que você der, ‘elas’ acabam com você. Já o público hétero é mais receptivo”, afirma. _ Nem tudo, claro, é purpurina. O artista reclama da desvalorização profissional: “O cachê é pouco, mas o investimento é muito. A gente tenta alcançar ao máximo a alma feminina, o que gasta muito. Tem gente que vai da unha postiça até o último fio de peruca”.

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UT _ Valécio Santos começou na arte do

transformismo “como todo transformista começa: em casa, com grupo de amigos na fechação, botando lençol na cabeça”, lembra. Desde o dia em que resolveu sair montado na Parada Gay de Salvador, faz quatro anos que Santos dá vida à sua personagem Valerie O’rarah. “Para uma cantora é mais fácil emocionar. Através da dublagem, a gente tenta emocionar tanto quanto uma cantora”, explica. Emocionar, para o artista, mais que apenas intuição, requer técnica: “Você precisa mesmo é ter um gingado com a questão da dublagem, pra não ficar no famoso chiclete”. _ Santos faz parte de uma classe de artistas que leva música e graça para

além das casas noturnas de Salvador, mas que ainda sofre discriminações. Para Santos, no entanto, há uma luz no fim do túnel. “O preconceito vem reduzin-do em doses homeopáticas”, acredita. “Há muito tempo Chico Anysio faz isso e agora Tom Cavalcanti está 24 horas travestido, fazendo alguma caricatura. O transformismo está na mídia, apesar de que as pessoas não prestam atenção que é transformismo, pelo fato de que aqueles atores não são gays. Quando é um homossexual assumido, aí deixa de ser artista e passa a ser o gay que se traveste de mulher”, ressalva. _ Santos garante, no entanto, que a recompensa vem nos palcos: “Valerie é uma mulher de pernão e peitão, mas ela

“O transformismo está na mídia, apesar de que as pessoas não prestam atenção que é transformismo”

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Valerie O’rarahValécio Santos

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UTDos palcos para o batente

_ “Eu gosto muito do que faço, o proble-ma é que somos mal pagos”, desabafa Gildo Ricardo de Jesus, 30 anos, criador da personagem Scher Marie. O ex-cor-retor de seguros conta que há seis anos recebeu uma proposta para “fazer uma brincadeira”. “Nunca imaginei estar dando essa entrevista. Achava maluquice isso de se vestir de mulher, perder noite”, lembra. Mas, como ele mesmo faz ques-tão de salientar, “de uma brincadeira, virou uma profissão”._ Além das apresentações nas casas noturnas de Salvador, Scher Marie, como grande parte dos transformistas em atividade, faz telegramas animados, nome dado às participações em aniversá-rios e eventos particulares. No entanto, a instabilidade econômica é motivo de queixa: “Se já é complicado pra quem tem carteira assinada e sabe quanto vai receber todo mês, imagina pra quem é autônomo”, explica. _ A carência de espaços abertos ao transformismo em Salvador e o valor dos cachês pode tirar Scher Marie dos palcos: “Pretendo terminar de pagar minhas con-tas e partir pra outro negócio, fazer show por hobby, não como meio de sustento”, projeta.

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UT Saudades do paetê

_ Fernando Bergen, 38 anos, trabalha como maquiador do Balé Folclórico da Bahia há 12. Bergen deve seu emprego na companhia ao sucesso de Andrezza Lamarck, personagem que interpreta há 18 anos nos palcos das casas noturnas de Salvador. “Essa minha profissão, não foi um curso que me ensinou. Se hoje eu tenho meu DRT [registro na Delegacia Regional do Trabalho] como maquiador, diretor de cena e ator transformista, é porque fui criado dentro do camarim”, lembra. _ Andrezza é conhecida em Salvador pela releitura que faz da cantora baiana Clara Nunes, mas também apresenta outros números e faz telegramas animados. “Já tive que interromper um “baba” de ho-mens, às 8 da manhã, na praia de Piatã, a pedido da mulher de um dos jogadores”, lembra. _ O artista de quase duas décadas de car-reira se revela um saudosista: “Hoje, tem transformista que sai de casa, bota um salto sem meia ou uma sandália que deixa os dedos de homem pra fora, pega um vestidinho da mãe, sobe no palco, começa a mascar chiclete e diz que é artista. Hoje não tem mais aquelas produções de paetê, vestido longo, luvas”, explica. Bergen não poupa críticas aos transformistas ama-dores: “Tem artistas, hoje, que pegam uma música porque Whitney e Mariah gravaram e trocam ‘me’ e ‘you’. A música pede pra levantar o braço, elas descem. Você pergunta o que quer dizer ‘my life’ e elas não sabem”, conta._ Bergen se incomoda ainda com o des-respeito ao ator transformista por parte do próprio público: “Tem pessoas que chegam pra assistir a um show de trans-formismo e, apesar de ter a porta pra ir embora, ficam no ‘tomara que termine logo’. Mas na hora que liga o chuveiro em casa a primeira coisa que faz é dublar ‘hoje eu vou mudar’, com a água caindo e tudo o mais”, brinca._ O transformista, que tem pautas fixas em três casas noturnas do Centro de Sal-vador, reivindica mais segurança: “Queria ver uma Carlos Gomes sem violência, com mais espaços GLBT. Meu sonho é poder descer pra Lapa a hora que eu quiser”.

Da Ribeira para a Europa

_ “Disseram para minha avó que me viram no largo da igrejinha da Massaran-duba, vestido de Ney Matogrosso. Mas a coisa detonou mesmo numa tarefa de gincana de bairro, que era pra levar al-guém vestido de Ney. Quando anunciaram a Ribeira e meteram a câmera, ela me viu na televisão. Não teve dúvida”, conta Gilvan de Oliveira Ricarte, 45 anos,

lembrando da surpresa que a avó teve ao descobrir que ele começava a explorar a indisfarçável semelhança física com o ex-líder dos Secos e Molhados._ Passados 27 anos desde que pôs os pés no palco como profissional pela primeira vez, Ricarte se orgulha em dizer que hoje conta com o respeito e o apoio da família. “Hoje vai pra show, me ajuda até a bor-dar roupa”, garante. Mas nem sempre foi assim. O artista lembra dos tempos em que escondia a mochila com o figurino na casa do vizinho. “Já criticavam o próprio Ney, quando descobriram que dentro de casa tinha alguém seguindo o mesmo passo, a coisa pegou”, conta._ O “boom” da carreira de Ricarte, como ele mesmo diz, veio em 1985, por ocasião da vitória em um concurso realizado pela TV Itapuã que lhe deu o título de melhor dublador do Ney e a oportunidade de co-nhecer pessoalmente o seu grande ídolo. “Ele viu a fita que a TV Itapuã mandou pro SBT. Foi quando eu me senti superva-lorizado”, lembra, animado. _ Outro grande momento da carreira de Ricarte foi a experiência de trabalho no exterior. O artista morou 11 anos na Ale-manha e pôde se apresentar em diversos países da Europa. “Conheci uma turma de gringos que estava formando um grupo pra levar pra Europa. Alguém viu a figura do Ney, que era eu, e se encantou pelo visual. Ninguém entendeu nada do que estava acontecendo. Aquele cara seminu, pintado, cheio de penas... É um índio, né?! A cara do Brasil”, recorda._ O transformista explora o visual mais conhecido do Ney, com direito a, segundo ele, “muito remelexo e rebolado”. “De vez em quando adiro à linha paletozinho, gravata, cabelo colado e pouco recurso de maquiagem, mas o fatal mesmo é

aquele Ney que o pessoal tem em mente”, ressalva. O reconhecimento ao trabalho de Ricarte não se deve apenas à forte semelhança com o cantor: “Acredito que o que me manteve na cena até hoje foi a busca da perfeição. Pra fazer o Ney tem que ser ator, senão não passa o persona-gem”, orgulha-se. _ Ricarte é uma grata exceção dentre os transformistas de Salvador quando o assunto é estabilidade econômica: “Tenho 27 anos de carreira e posso bater o pé no chão e dizer que há 15 anos eu vivo ex-clusivamente de show”. O transformista admite, no entanto, que os cachês estão aquém do desejável: “A gente trabalha pelo amor à arte. Se dependesse do cachê que as casas pagam, a gente já teria parado”._ Com quase trinta anos de carreira, Ricarte já pensou em deixar os palcos. “Já marquei duas datas, aos 33, idade de Cristo, e depois quando fiz 40. Vou fazer 46 e estou aí na luta. Vou até o dia que der”, garante. Para o artista, os altos e baixos da visibilidade de Ney na mídia não são um problema: “Fico envaidecido quando as novas gerações chegam pra mim e dizem que passaram a gostar do Ney através de mim. É uma recompensa do empenho que eu tive pelo meu traba-lho”. _ Respeito com o público é fundamental, frisa. “Se alguém paga pra lhe assis-tir numa casa noturna, você tem que estar bonito, arrumado, cheiroso, bem maquiado. Já cheguei numa casa, numa noite horrorosa, com chuva, e me senti na obrigação de botar o olho mais preto ain-da, ajeitar as penas e fazer mais músicas. Esse carinho tem que ter com o público”, defende.

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Ilustração Gabi Teixeira

A linguagem é um vírus. W. Burroughs

FumaçaMarcel Ayres

_ Inconstantes. Disseminamos cores e for-mas no espaço. Envolventes. Absorvidos e expelidos através do tempo. Impregnamos na pele as memórias e desaparecemos.

Made in USAPedro Paula

_ Primeiro dia, primeiro emprego. Num prédio cinzento da Av Estados Unidos, recebemos nossa missão: retratar o Brasil com informações necessárias ao conhe-cimento da sua realidade. Equipado com crachá, mapas, panfletos e um palmtop maneiro, parti para campo, setor das Ruas Arábia e Iraque/Vale das Pedrinhas. Trabalhei duro pra fechar a cota de entre-vistas. Na saída da favela, três caras me abordaram. Li na faca que puseram no meu pescoço: MADE IN USA. Eu só tinha umas moedas. Implorei: – Bróder, pelamordedeus, esse palm é da empresa, vale meu emprego... O líder olhou o material da pesquisa e o Palm com desconfiança. Contou as moe-das e falou: – Man, não reclama, que tu tá melhor que eu... Agora, cata suas coisas e VAZA, BACTÉRIA!

Baile de MáscarasMiria Lima

_ Naquele molde, não tinha um sorriso! Fora uma seca mensagem desdenhosa, eu que não a entendera, como nos muitos outros escapulidos risos que quiseram me fazer chorar... E, no meio do baile, dançam aqueles que, inocentemente, não foram a rigor, pois não aprenderam a pro-duzir disfarces. Eu, no entanto, não quero bailar! Não sei mover o corpo conforme as regras da dança. O baile se torna me-donho. Não me acostumei com as imagens que revestem os rostos e refletem o real de tantas personalidades.

Sete linhasCarlos Eduardo Oliveira

_ “A Bactérias é composta de pequenos textos, de até 7 linhas, sobre o que vocês, repórteres, quiserem!”. Sete linhas de pura liberdade criativa, sem compromisso com a objetividade jornalística, nem com a realidade lá fora, nem com Manual de Redação do Escambau? Sério? Maravi-lha! Ai, deve ser punk escrever longe dos bisturis afiados da editora-chefe. Que punk poder usar gírias como punk! Mal posso esperar! Só de pensar que sempre quis ter sete linhas só minhas e que final-mente posso descer o verbo... Espera! Como passa rápido... Editora, nem mais uma linha? É, fica pra próxima...

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ICO Liberdade

Samuel Barros

_ A liberdade não é um objeto da ordem das coisas físicas, nem uma entidade de força sobrenatural. A liberdade é simplesmente um estado da consciência, é um puro sentir-se livre. A liberdade não está na ausência de regras, mas na possibilidade de negá-las, reinventá-las, na composição de padrões mais satisfató-rios ao espírito. Lembrem-se, porém, que ao soltarmos amarras, aceitamos algemas de uma outra realidade. Caso contrário, estaríamos num universo paralelo de esquizofrenia. Fragmento de fábula

goetherianaTarcízio Silva

_ ”Mantenha-se quente. Cuidado com a nevasca”. Foi o que a rainha escreveu na carta. O guarda real, encarregado de en-tregar a missiva, enfrentou a intempérie e procurou a paixão-relâmpago da rainha, de quando ela ainda era uma princesa – quase – inocente. Depois de muitos dias, encontrou o camponês. Ainda seguia a ordem dada pela princesa anos atrás: “está frio, não vá pegar um resfriado”. Estava coberto com casaco de pele, da cabeça aos pés. Mas não chegou a ler a reiteração do cuidado expresso imperati-vamente. O peito, única parte descoberta, congelara.

Streptococus universitarius Rafael Raña

_ Tem gente que acha que a universidade é só pra produzir conhecimento. Tem gente que acha que é pra transformar a sociedade. Tem gente que não acha nada. Eu, ao menos, tenho certeza que ela tem três possíveis usos: produção de conhecimento, formação de profissionais e transformação social, e eu os considero os principais. A universidade pública, em es-pecial, só existe graças ao financiamento público, que vem das pessoas, de você e de mim. Quando faço meu orçamento, tenho minhas prioridades: gasto mais dinheiro no que é mais importante. Daqueles três usos, tenho uma ordem de prioridades. E você, qual acha mais importante? Qual é mesmo a função da universidade? E ela está fazendo isso? E você e eu, que fazemos?

(...)Bárbara Affonso

_ Cacho de uvas minúsculo, devastadorbactéria.Aids, herpes, gripe,pane no software,preguiça, amor vírus.Homem, criança, cachorrooutras pestes.

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O rebento de GepetoCarlos Eduardo Oliveira

“Quero ser um menino de verdade. Quero ser um menino de verdade. Quero ser um

menino...”. Toda noite, no leito, o velho pedido, o mesmo mantra só interrompido pelo sono arreba-tador. As horas de sonho, aliás, lhe eram sempre muito mais gratas que os turnos de consciência. Nas suas paisagens oníricas, a vida era boa: podia brincar das brincadeiras dos garotos, dentre eles, tão igual a eles. O suor da testa enxuto pelo braço de frágeis músculos e tênues pêlos, só dormindo o produzia. Apenas deitando, podia correr pelo campo de terra batida, boné de lado, contra o vento a lhe eriçar os cabelos curtos mal cortados à tesoura. _ O apelido gritado pelas vozes esganiçadas dos colegas tornava-se grave no timbre paterno que, como de pirraça, lhe chamava abruptamente à realidade às sete da manhã de todos os dias da sua infância. Ao espreguiçar-se, sentia as articulações moles: não era um menino, em definitivo. Só fazia aumentar seu instinto patricida. Odiava aquele homem velho que nunca lhe explicara por que não houvera nascido carnalmente homem. Odiava-o e invejava-lhe o ter um corpo de homem. _ Chegara a amar uma garota. Sentia que seu corpo respondia e se acrescia de rubor e volume. Aprisionava-lhe, porém, um corpo estranho, o chacoalhar de cadeiras que em nada lembrava o andar de um menino. E assim toda a sua meninice foi rotineira arte de produzir quimeras noturnas e mentiras convenientes à luz do dia. _ Crescera. Ganhara com a perda do pai a possi-bilidade de sonhar às oito da manhã de todos os dias da sua vida adulta. A oração ao pé da cama mudara de teor: “Dai-me coragem para ser um homem de verdade. Dai-me coragem para ser um homem de verdade”. Ouviram-lhe as preces. Prometeram-lhe que desfariam o grande equívoco de ser matéria outra que não carne humana masculina. _ A noite última antes da grande metamorfose tinha a solenidade e a angústia que têm as véspe-ras de tudo. Não conseguia dormir. Nem mesmo a idéia de que sonharia cerrava-lhe as pálpebras. Não lhe vinha à boca uma reza. Estava prestes a deixar a casca de uma vida de mentiras, qual caranguejo que larga o velho casco. Precisava dormir, sem sonhos que dão alguma noção de tempo ao dorminte ansioso. “Amanhã serei um menino de verdade”, dizia-se, confiante, a eterna menina de quadris largos, na sua última noite antes da cirurgia de mudança de sexo.

Aviãozinho VermelhoMaurício Lídio Bezerra

Era uma vez uma linda garota que usava um chapeuzinho verme-lho... Não, essa história não começa assim, na verdade eu nem sei

como começou. Aqui eu falo de um garoto e ele é feio que dói._ Ele morava em uma favela do Rio de Janeiro com sua avó, a rainha da boca. A chamavam de “véia pelancuda”. O fato importante é que esse garoto, que não queria nada com estudos, iria começar a trabalhar pra sua avó como aviãozinho. Você sabe... levar “encomendas” de um lugar para o outro sem ser apanhado. No primeiro dia de trabalho, a “véia pelancuda” pediu ao neto que pegasse um dvd pirata na boca do amigo e trouxesse para ela. - Coloque esse chapéu vermelho seu filho da puta! Quer que te furem todo? Esse chapéu é a marca do aviãozinho, caralho!Êta, véia da boca porca, disse o neto a caminho para cumprir o seu primeiro trabalho. Tudo estava dando certo, pegou o dvd e já estava voltando do seu passeio na floresta quando percebeu algo estranho na boca de sua avó. Havia corpos espalhados pelo chão. - Êta, porra! O BOPE passou por aqui!O menino entrou na casa da avó pra ver se ela estava viva quando encontrou... - Wagner Moura! - É isso aí, filho da puta! - Pra que tanto palavrão? - É pra te humilhar melhor! - Pra que tanto corpo no chão? - “Tropa de Elite, osso duro de roer, pega um, pega geral, também vai pegar você!”. - E pra que essa arma tão grande? - É pra te furar melhor, seu desgraçado! TRÁ! TRÁ! TRÁ!

_ Wagner Moura apre-endeu a cópia pirata do filme “Tropa de Elite”, e ainda chegou a tempo de matar seu irmão na novela das oito.

Ilustração Alice Vargas

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Memórias póstumas de CuzinhoMiria Lima

Hesitei se deveria abrir as memórias do meu Cuzinho pelo princípio ou pelo fim. Suposto que seria vulgar

começar pelo fim, duas considerações me levaram a adotar esse método: pura vontade e aptidão pela vulga-rização._ Diferente de Moisés e Brás Cubas, não contarei a minha história de vida ou morte, falarei de uma parte de mim que cedi para que eu angariasse recursos para a compra de um novo telefone móvel._ Era um dia muito esperado, não sei se pelo celular novo ou pela perda de algo que eu estimava muito. Aquilo era realmente necessário? Eu podia ouvir a minha mente mesquinha sussurrando: preciso do dinheiro! _ De fato, era melhor eu alargar mais o buraquinho ou então esbagaçá-lo de vez antes que terceiros fossem bulir nele e seu valor diminuísse. Escolhi arrebentá-lo para a minha satisfação. _ E, meu Cuzinho de porcelana, verdadeira caixa de Pandora, foi pro pau às dez da noite de uma sexta-feira do mês passado num minúsculo quarto da Rua do Sodré. Consegui uns 74 reais que foram conduzidos à compra do novo celular. _ Cada pessoa tem sua maneira de conseguir o que quer, e o Cuzinho foi a minha maneira. Afinal foi para isso que cuidei dele durante tanto tempo. Fui vencida, não pelo cansaço de guardá-lo, mas pela necessidade. Pois, quando ganhei aquele cofrinho com uma plaquinha já in-dicando seu nome - Cuzinho - eu prometi pra minha mãe que só o quebraria num caso de extrema precisão.

“A todas as pessoas que não buliram no meu

querido Cuzinho, dedico, com

saudosas lembranças, estas memórias

póstumas”.

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Rabuga, por Caroline Feitosa

Mais tiras: http://www.fotolog.net/rabuga

Ninguém cresce na Terra do NuncaJoão Barreto

Haviam me dito que todo Natal era uma época de renascimento, como nos livros do Dickens. A babá foi quem nos disse isso, já

que Mamãe e Papai estão sempre ocupados. Mas se ele voltar hoje à noite, se o fantasma do Natal futuro for mesmo verdadeiro, acho que vou gritar até explodir, e tal destino é melhor do que a terra amaldiçoada que ele nos mostrou na outra noite. Meus irmãos não se lembram. Têm-me como louca, então não toco mais no assunto, a não ser aqui, no meu diário: a visita de Peter, o menino que per-deu a própria sombra já faz duas semanas. _ Agora faltam também duas semanas para o Natal. Quando ele veio faltavam quatro. Numa noite fria, a janela abriu-se em uma ra-jada e ouvi a risada infantil. Parecia com a nossa, mas tinha notas de histeria. Ele nos acordou de um a um e seu sorriso era o mais branco embora a pele fosse bronzeada, como que sob o sol a cada manhã. O garoto disse chamar-se Peter e voou pelo quarto. Um ponto de luz saiu da sua touca e pousou no pé da minha cama. Era uma mulherzinha com asas que soltavam um pó prateado. “Uma fada”, disse o John e em seguida havíamos sido soprados pela janela e pairávamos sobre Londres, em direção à segunda estrela a direita. _ A terra era verde e a noite era densa quando chegamos em Nunca. A neve começou a cair e os riachos congelaram à nossa passagem. Havia um navio pirata na baía: a madeira apodrecia e caveiras sorridentes olhavam para nós quando a banheira final-mente naufragou. As árvores escureciam mais à nossa passagem e as folhas eram arrancadas dos galhos. Voávamos e olhei à minha esquerda, notei que meus irmãos não estavam mais despertos, lem-bravam corpos boiando na maré. Do meu outro lado, o menino me observava com olhos opacos, baços, então pensei que deveria fingir não notar mudança alguma: talvez assim ele nos deixasse em paz. Foi que ele abriu a boca e os dentes haviam se feito em cacos ama-relados com mofo esverdeado aqui e ali. A pele da testa rachara e podia-se entrever o osso por baixo. “Wendy, minha preciosa, aqui não crescemos; olhe para Nunca”. E riu como se houvesse contado a piada mais engraçada da década. _ “Se não dá pra ver a sombra é porque ou não há luz ou há ape-nas... sombras”. Nunca é diferente. Esse pensamento ocorreu-me ao acordar na manhã seguinte, contando com as razões que o sol da manhã trazia. Rezo pelos meus irmãos menores. Que, se algo acon-tecer, que apenas me aconteça e não a eles. Que seja apenas um mau pressentimento ou mera ilusão quando a minha sombra parece bruxulear ao fim de cada tarde. Que a janela sendo sacudida esta noite seja apenas o inverno. Que este pó prateado pelo quarto seja apenas poeira refletindo minha imaginação. Que... Eu... Nunca...

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Intervenção ambiental feita na Agência Experimental de Publicidade e Propaganda da Unime de Lauro de Freitas, Bahia, em 2007.

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