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1 SOCIEDADES LIMITADAS: EXCLUSÃO DE SÓCIO E DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE Márcio Tadeu Guimarães Nunes Professor do programa de educação continuada e especialização em Direito GVlaw, especialista em Direito Societário pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, advogado no Rio de Janeiro. Resumo O presente artigo aborda a questão da exclusão de sócio e da dissolução parcial de sociedade, com especial atenção às sociedades limitadas. Iniciamos este trabalho com a dicotomia entre sociedade de pessoas e sociedades de capital e, em seguida, estudamos a conseqüência prática dessa divisão. Destacamos consistente doutrina e jurisprudência acerca do tema. Em seguida, passamos a estudar a sociedade limitada e seus requisitos básicos e, em especial, a affectio societatis. Analisamos a interpretação que este conceito impreciso vem tendo e os resultados que causa no plano societário. Mais adiante, passamos a análise dos institutos da dissolução parcial e da exclusão de sócio, tal como se encontram positivados na legislação pátria. Abordamos questões fundamentais como o procedimento, as hipóteses e requisitos para tais alterações no quadro societário. Apesar deste artigo expressar a opinião do autor acerca da matéria aqui tratada, procuramos sempre mostrar outras correntes doutrinárias. Compartilhamos um breve ensinamento de um grande mestre iluminista: Não se deve nunca esgotar de tal modo um assunto, que não deixe ao leitor nada a fazer. Não se trata de ler, mas de se fazer pensar. MONTESQUIEU, Do Espírito das leis, livro XI, capítulo XX Palavras-chave: Affectio Societatis; Ato Constitutivo, Dissolução Parcial, Exclusão de Sócio, Sociedade de Capital, Sociedade de Pessoas e Sociedade Limitada
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Nov 27, 2018

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SOCIEDADES LIMITADAS: EXCLUSÃO DE SÓCIO E DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE

Márcio Tadeu Guimarães Nunes

Professor do programa de educação continuada e especialização em Direito GVlaw, especialista em Direito Societário pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de

Janeiro, advogado no Rio de Janeiro.

Resumo O presente artigo aborda a questão da exclusão de sócio e da dissolução parcial de sociedade, com especial atenção às sociedades limitadas. Iniciamos este trabalho com a dicotomia entre sociedade de pessoas e sociedades de capital e, em seguida, estudamos a conseqüência prática dessa divisão. Destacamos consistente doutrina e jurisprudência acerca do tema. Em seguida, passamos a estudar a sociedade limitada e seus requisitos básicos e, em especial, a affectio societatis. Analisamos a interpretação que este conceito impreciso vem tendo e os resultados que causa no plano societário. Mais adiante, passamos a análise dos institutos da dissolução parcial e da exclusão de sócio, tal como se encontram positivados na legislação pátria. Abordamos questões fundamentais como o procedimento, as hipóteses e requisitos para tais alterações no quadro societário. Apesar deste artigo expressar a opinião do autor acerca da matéria aqui tratada, procuramos sempre mostrar outras correntes doutrinárias. Compartilhamos um breve ensinamento de um grande mestre iluminista:

Não se deve nunca esgotar de tal modo um assunto, que não deixe ao leitor nada a fazer. Não se trata de ler, mas de se fazer pensar.

MONTESQUIEU, Do Espírito das leis, livro XI, capítulo XX

Palavras-chave: Affectio Societatis; Ato Constitutivo, Dissolução Parcial, Exclusão de Sócio, Sociedade de Capital, Sociedade de Pessoas e Sociedade Limitada

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Sociedades de Pessoas X Sociedades de Capital Uma das formas de classificarmos as sociedades é quanto ao papel do sócio frente à sociedade. Desse modo, temos as sociedades de pessoas e as sociedades de capital. As Sociedades de pessoas correspondem àquelas cujo móvel de existência se dá mais pelo relacionamento dos sócios que pelas capacidades de aporte financeiro de cada um. Fala-se em constituição intuitu personae, i.e., nascida da confiança recíproca entre os sócios. As Sociedades de capital, ao contrário, correspondem àquelas cuja identidade ou as qualidades pessoais dos sócios não são importantes, imperando apenas a necessidade de captação de recursos de cada sócio, de forma a viabilizar o empreendimento. Pende discussão doutrinária sobre a possibilidade de caracterização do elemento intuitu personae em sociedade anônima. Para certa doutrina seria possível investigar o animus dos sócios, avaliando se lhes move mais a característica pessoal de seus pares do que a busca por concentrar recursos. Em especial, esses autores apontam para a sociedade anônima de capital fechado, especialmente aquela cujo controle é detido por uma mesma família (Campinho, “A Dissolução...”, in Revista da UERJ. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, nº 3, pp. 85-90). Para Fábio Ulhoa:

O vínculo entre os sócios da limitada é contratual porque sua constituição e dissolução seguem regras informadas pelo direito dos contratos. Às relações entre os sócios sobreviventes e os sucessores do sócio morto ilustram essa assertiva[1][1].

Desta forma, a sociedade limitada pode ser definida como uma sociedade contratual, que pode ter natureza de sociedade simples ou de empresária, na qual os sócios possuem responsabilidade limitada ao valor de suas respectivas participações, contudo são solidários pela integralização do capital social, conforme dispõe o art. 1.052 do Código Civil (“CC”) No Código Civil, a disciplina da sociedade limitada suscita questões referentes à própria classificação, conforme se trate de sociedade de capitais ou de pessoas. Sociedade cujo objeto contemple a participação em outras sociedades (holding) poderia ser considerada de pessoas? Adicionalmente, pode-se questionar até que ponto são válidas uma e outra categoria, à luz justamente da corrosão do idéia norteadora da divisão, conforme explicado adiante, conforme entende Vivante[2][2].

[1][1] Fábio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial, vol. II, São Paulo: Saraiva, 2002, 5a ed; p. 382 [2][2] Trattato di Diritto Commerciale...”. Milano: Casa Ed. Dott. Francesco Vallardi, 1904

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Em relação à sociedade limitada, há flexibilidade de regras, cabendo aos sócios a estipulação da possibilidade de livre transferência de quotas. Caso seja convencionada a livre transferência de quotas, a sociedade será de pessoas, mas se for vedada a sua transferência, a sociedade será de capital. A distinção entre um e outro tipo societário remete a uma visão ante-datada e artificial do instituto, na medida em que todas as sociedades são, ao menos em parte, de capital e de pessoas a um só tempo. A classificação de uma sociedade como sendo de pessoas ou de capital produz alguns efeitos, dentre os quais o tocante a possibilidade de dissolução parcial da sociedade. Em regra, admite-se a dissolução parcial de uma sociedade de pessoas, contudo esta hipótese é, para alguns, rechaçada nas sociedades de capital. No tocante às sociedades anônimas entendemos que é extremamente difícil reconhecer seu caráter intuitu personae, ainda que se apresentem como de capital fechado ou reflitam uma estrutura meramente familiar, pois a natureza capitalista que lhes marca é de índole legal e cogente, sendo, portanto, inafastável pela simples vontade dos contratantes. Todavia, ainda discute-se quanto à possibilidade de dissolução parcial de sociedade anônima, uma sociedade, na maioria dos casos, de capital. No REsp 651.722, relatado pelo Ministro Carlos Alberto Direito, foi reconhecida a possibilidade de dissolução parcial de S.A.

Dissolução parcial de sociedade anônima. Precedente da Segunda Seção. 1. Como já decidiu a Segunda Seção desta Corte, é possível a dissolução parcial de Sociedade Anônima, com a retirada dos sócios dissidentes, após a apuração de seus haveres em função do valor real do ativo e do passivo (REsp nº 111.294/PR, Relator o Ministro Castro Filho, julgado em 28/6/06). 2. Recurso especial conhecido e provido.

Todavia, neste mesmo julgado, o Ministro reconhece que se trata de tema controverso. O próprio relator entende não ser cabível a dissolução parcial em sociedades anônimas, contudo, foi voto vencido e passou a aplicar o entendimento majoritário da 2ª Seção do STJ. Vejamos o voto do Ministro:

Na minha compreensão, não é possível a dissolução de sociedade anônima, pouco importando as peculiaridades de cada caso. O que se deve levar em conta é a natureza jurídica

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da sociedade. Se sociedade anônima, está submetida ao disposto em lei especial, que não agasalha a dissolução parcial, com a apuração de haveres dos sócios retirantes. A dissolução é própria do tipo de sociedade de pessoas, como a sociedade por cotas de responsabilidade limitada, que está subordinada ao contrato social e admite a possibilidade da dissolução. Não é possível construir para desqualificar o tipo de sociedade, transplantando regras próprias de um tipo para o outro. Dúvida não há de que o exercício do direito de recesso pelo sócio divergente resulta na dissolução parcial da sociedade. Isto, que vale para a sociedade por quotas de responsabilidade limitada, não alcança as sociedades anônimas, em face não somente de sua natureza, já destacada (sociedade de capital), mas sobretudo porque a Lei n° 6.404, de 15.12.76, prevê, de um lado, o direito de retirada do sócio dissidente (arts. 45, 109, V, e 137, do mencionado diploma legal) e, de outro, a dissolução da sociedade por ações, uma vez comprovado que a mesma não possui condições para atingir a sua finalidade (art. 206, inc. II, letra 'b', da mesma Lei n° 6.404⁄76).(grifos nossos)

Assim, hoje a posição dominante do STJ defende a possibilidade de dissolução parcial de sociedade anônima. A esse respeito, vejamos o Resp no. 111.294 relatado pelo Ministro Barros Monteiro:

DIREITO COMERCIAL. SOCIEDADE ANÔNIMA. GRUPO FAMILIAR. INEXISTÊNCIA DE LUCROS E DE DISTRIBUIÇÃO DE DIVIDENDOS HÁ VÁRIOS ANOS. DISSOLUÇÃO PARCIAL. SÓCIOS MINORITÁRIOS. POSSIBILIDADE. Pelas peculiaridades da espécie, em que o elemento preponderante, quando do recrutamento dos sócios, para a constituição da sociedade anônima envolvendo pequeno grupo familiar, foi a afeição pessoal que reinava entre eles, a quebra da affecttio societatis conjugada à inexistência de lucros e de distribuição de dividendos, por longos anos, pode se constituir em elemento ensejador da dissolução parcial da sociedade, pois seria injusto manter o acionista prisioneiro da sociedade, com seu investimento improdutivo, na expressão de Rubens Requião. O princípio da preservação da sociedade e de sua utilidade social afasta a dissolução integral da sociedade anônima, conduzindo à dissolução parcial. Recurso parcialmente conhecido, mas improvido.

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Julian Chediak possui entendimento diverso, defendendo a impossibilidade de dissolução parcial em sociedades anônimas:

(...) Não obstante a matéria não ter sido pacificada sob a vigência do Código Comercial, entendo, pelas razões a seguir aduzidas, que a posição daqueles que sustentam a impossibilidade jurídica do pedido de dissolução foi reafirmada com o regime jurídico introduzido pelo novo Código Civil (Lei no. 10.406, de 10 de janeiro de 2002).” (grifos nossos)[3][3]

A sociedade limitada e seus requisitos básicos No direito brasileiro, para existir uma sociedade são requisitos básicos (i) a pluralidade dos sócios e (ii) a affectio societatis. O primeiro requisito de existência do contrato social é a pluralidade de sócios. Isso porque a sociedade limitada é constituída por contrato, e ninguém pode contratar consigo mesmo. Portanto, a sociedade limitada no Brasil só pode ser constituída por pelo menos duas pessoas, sendo estas naturais ou jurídicas. Há, em nosso Novo Código Civil, apenas uma possibilidade de unipessoalidade incidental e temporária na sociedade limitada. Nessa hipótese, esta sociedade poderá permanecer nessa condição por, no máximo, 180 dias, conforme dispõe o art. 1.033 do CC:

Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer: (...) IV – a falta de pluralidade dos sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias e, somente se neste prazo a pluralidade de sócio não for restabelecida, opera-se a dissolução da sociedade.

Já a affectio societatis, consiste na vontade dos sócios de se unirem por possuírem interesses idênticos, mantendo-se coesos, motivados por propósitos comuns e colaborando de forma consistente na consecução do objeto social da sociedade. [3][3] CHEDIAK, Julian Fonseca Peña. A posição do Superior Tribunal de Justiça sobre a dissolução parcial das sociedade anônimas: uma análise à luz do novo código civil. Revista da Associação dos Advogados do Rio de Janeiro - AARJ, Rio de Janeiro, v. 4, p. 93-112, 2005

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Para se entender o conceito de affectio societatis, é esclarecedora a definição de Comparato que, citando Arangio-Ruiz, explica que: “a affectio é consensus, mas não instantâneo e sim prolongado; um estado de ânimo continuativo, a perseverança no mesmo acordo de vontades (in ordem consensu perseverare)” (in Novos Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial – São Paulo: Forense, 1979. p. 38, apud, Paulo Cesar Gonçalves Simões, Governança Corporativa e o Exercício de Voto nas S.A. – Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2003. p. 49. ) Já Fargosi, em definição desafiante, afirma:

A “affectio societatis” não é a vontade e a intenção de associar-se, mas sim a vontade de cada sócio de adequar sua conduta e seus interesses pessoais, egoístas e não coincidentes às necessidades da sociedade para que ela possa cumprir seu objeto e assim, através dessa conduta adequada, se mantenha durante a vida da Sociedade uma situação de igualdade e equivalência entre os sócios, de modo que cada um deles, e todos em conjunto, observem uma conduta que tenda à prevalência do interesse comum, o qual é a forma de realização dos interesses pessoais.[4][4]

Todavia, não é pacífico o conceito de affectio societatis. Nesse sentido, entende Carlos Antonio Goulart Leite Jr.:

O que pode ser vago ou impreciso é a definição de affectio, esta sim carente da clareza reclamada. Esta indefinição resulta do caráter extraordinariamente abstrato e, portanto, subjetivo da affectio societatis em si mesma e sua origem genética(...)Resulta daí a certa perplexidade da doutrina, ao deparar com palavras divergentes, sem possibilidade de apontar qual está errada nem ser capaz de reconhecer a correção de todas essas proposições. Entra numa crise de aporia.(...)[5][5]

Mais adiante o autor descarta a busca de um conceito uniforme de affectio societatis:

[4][4] La Affectio Societatis - Buenos Aires: Libreria Juridica, 1955. p. 8, apud, Paulo Cesar Gonçalves Simões, Governança Corporativa e o Exercício de Voto nas S.A. – Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2003. p. 48. [5][5] Leite Jr., Carlos Antonio Goulart, Affectio Societatis Na Sociedade Civil e na Sociedade Simples, Rio de Janeiro, Forense, 2006, pág.112

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É preciso descartar o conceito uniforme, porque o elemento confiança varia segundo as especificidades de cada sociedade, mas ao mesmo tempo a pluralidade de casos que a legislação está fadada a regular. Também é preciso aceitar a abstração desse conceito reconhecendo a função que desempenha no tratamento normativo do pacto societário, porque esse aspecto funcional é muito mais importante do que encontrar alguma definição que se pudesse dizer precisa, no contexto plural de 8 milhões de sociedades registradas no Brasil. A Affectio Societatis informa que um sócio não pode ser obrigado a permanecer numa sociedade, quando lhe faltar confiança na condução dos negócios; e reversamente, que os outros também não podem ser obrigados a tolerar um sócio que comprometa o desempenho da empresa. (grifos nossos)[6][6]

Nesse sentido, a quebra da affectio societatis poderia ensejar a dissolução da sociedade, tendo em vista a redução ou ausência de motivação dos sócios para manterem os laços societários que haviam estabelecido, com o que não concordamos. Neste julgado, reconheceu-se o fim da Affectio Societatis como sendo causa de dissolução parcial da sociedade. Vejamos o julgado abaixo:

2006.001.31272 - APELAÇÃO CÍVEL JDS. DES. ADOLPHO CORREA ANDRADE - Julgamento: 09/11/2006 - TERCEIRA CÂMARA CÍVEL - Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro EMPRESARIAL. RESOLUÇÃO DE SOCIEDADE LIMITADA EM RELAÇÃO A UM DOS SÓCIOS. PERDA DA AFFECTIO SOCIETATIS. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. Sociedade limitada cujas cotas sociais estão divididas igualmente entre os sócios irmãos. Sócio que pratica ato grave contra os interesses da sociedade. Pedido de exclusão judicial do sócio e continuação da sociedade. Defesa que nega a prática de atos contrários aos interesses da sociedade, mas reconhece explicitamente o pedido de dissolução parcial com futura apuração de haveres. Sentença que reconheceu a extinção da affectio societatis, decretou a dissolução integral da sociedade, não obstante haver, no contrato social, previsão de continuação das atividades da empresa, mediante alteração do quadro social. Provimento parcial do recurso.

[6][6] Op.cit.

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Dissolução parcial e exclusão de sócio

O procedimento de dissolução de sociedades segue um rito especial e está previsto no CPC de 1939 (Decreto-Lei n. 1608/39) entre os artigos 655 a 674, tendo sido expressamente mantido pelo atual Código de Processo Civil. O acolhimento e a aceitação dessa modalidade de resilição parcial do contrato de sociedade levanta, pelo menos, duas outras questões. Em primeiro lugar, considerando a participação do quotista na sociedade e o perfil patrimonial e organizacional desta, a resilição parcial com a retirada do sócio poderá levá-la à dissolução e liquidação total, dada a impossibilidade do prosseguimento das atividades sociais, com o desfalque dos valores necessários ao pagamento dos haveres – o que importa na negação do próprio princípio que inspirou tal elaboração doutrinária. Em segundo lugar, o tipo societário em tela pode ter feição predominantemente capitalista, o que o aproxima da própria sociedade por ações fechada e, nesse caso, a admissibilidade da dissolução parcial equivale praticamente a deferir o direito de recesso ou de retirada, sem que se verifique uma das hipóteses, taxativas, previstas em lei, o que seria verdadeiramente consagrar um direito potestativo puro, em violação à regra inserta no art. 137 do Código Civil, dentre outras. Segundo o Enunciado n. 67, aprovado na I Jornada de Direito Civil, “A quebra do affectio societatis não é causa para a exclusão do sócio minoritário, mas apenas para dissolução (parcial) da sociedade”. Todavia, apesar deste enunciado, há corrente jurisprudencial que defende que a quebra do affectio societatis seria causa para a exclusão do sócio, como a seguir destacaremos. Por outro lado, existe corrente doutrinária no sentido de que a affectio societatis não seria causa de exclusão nem de dissolução parcial. Esta corrente defende que a affectio societatis seria um conceito vazio e que, portanto, não poderia permitir a retirada do quotista por qualquer razão. A esse respeito ensina Márcio Tadeu Guimarães Nunes:

Basta que a a sociedade seja por prazo indeterminado, como sói ocorrer, ou que o prazo de duração seja longo e tenha seu termo final ainda muito distante, e que o sócio alegue desinteligência ou quebra da affectio societatis – fundamento carregado de subjetividade e de grande fluidez – para que o Judiciário, automaticamente, dê curso a essa forma por assim

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dizer “vazia” de resilição parcial do contrato plurilateral da sociedade por quotas de responsabilidade limitada.[7][7]

Este acórdão exemplifica a jurisprudência que vai de encontro a orientação do STJ expressa no enunciado n. 67 da I Jornada de Direito Civil. Vejamos o julgado abaixo:

2006.001.18295 - APELAÇÃO CÍVEL DES. MARIO ROBERT MANNHEIMER - Julgamento: 13/02/2007 - DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL - Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Empresarial. Dissolução parcial de sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Exclusão de sócio minoritário.Caracterizando-se a affectio societatis como a vontade de união e aceitação das áleas comuns do negócio, a sua ausência tem como causa a impossibilidade de consecução do fim social, mostrando-se plenamente possível a dissolução parcial por essa causa.O artigo 1030 do Código Civil vigente estabeleceu como causas para a exclusão do sócio por iniciativa dos sócios majoritários, a falta grave no cumprimento de suas obrigações e por incapacidade superveniente [...] Em que pese a interpretação literal do citado dispositivo afastando a quebra da affectio societatis como causa da exclusão, de forma que somente seria a mesma aplicável ao sócio dissidente no exercício do direito de retirada (art. 1029 do Código Civil), mediante interpretação sistemática e teleológica, conclui-se que não restou afastada pelo novo diploma legal o entendimento consolidado da jurisprudência no sentido de viabilizar a exclusão do sócio em havendo justa causa, como ocorre quando inexistente o vínculo de confiança

Outra questão que se põe é em que casos o sócio da limitada pode se retirar da sociedade. Abaixo, transcrevemos os dispositivos pertinentes do Código Civil:

Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa. Parágrafo único. Nos trinta dias subseqüentes à notificação, podem os demais sócios optar pela dissolução da sociedade.

[7][7] NUNES, Márcio Tadeu Guimarães, Dissolução Parcial de Sociedades, ed. Forense, 1998, pag.19

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Art. 1.077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subseqüentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031.

Posto a coexistência dessas normas, em quais casos caberia a retirada de sócio em uma sociedade limitada? Trata-se de tema controvertido, cuja discussão já existia sob a égide do Decreto nº 3.708/19, que se confrontava com o art. 335 do Código Comercial (“CCo”). A primeira corrente defende que o sócio de sociedade limitada só pode se retirar nos casos previstos no art. 1.077 do CC. Esta corrente, com a qual concordamos, entende que como o artigo 1.029 está contido no capítulo “Da Sociedade Simples”, e o artigo 1.077 está contido no capítulo “Da Sociedade Limitada”, o primeiro artigo é derrogado pelo princípio da especialidade, não se aplicando, portanto, às limitadas. Todavia, a segunda corrente afirma ser aplicável o art. 1.029 às sociedades limitadas. Esta linha doutrinária entende que como o art. 1.077 do CC não diferencia a dissolução de sociedades por prazo determinado da dissolução de sociedades por prazo indeterminado, este apenas exemplificaria as hipóteses de “justas causas” para retirada de sócios em sociedades por prazo determinado. Portanto, inexistiria regra específica no capítulo das limitadas quanto à retirada de sócio em sociedades por prazo indeterminado. Julian Chediak entende que como o regime jurídico da sociedade limitada está mais próximo do regime da sociedade simples do que da anônima em relação à sua formação e dissolução, seria aplicável a norma do art. 1.029 (norma de dissolução) do CC às limitadas. Essa tese é reforçada pelo art. 1.087 do CC, aplicável à dissolução total da sociedade. Este artigo está dentro do capítulo das sociedades limitadas e determinada a aplicação de normas da sociedade simples às sociedades limitadas. Assim, não haveria razão para não aplicarmos as normas da sociedade simples às limitadas no tocante à dissolução parcial, se o fazemos quanto a dissolução total? Julian Chediak entende que o art. 1.077 do CC seria exemplificativo em relação às hipóteses de justa causa na retirada de sócios em sociedades por prazo determinado. Por outro lado, às sociedades por prazo indeterminado, aplicar-se-ia o art. 1.029 do CC.

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Admite-se a exclusão extrajudicial de sócio por justa causa (atos de inegável gravidade), desde que haja previsão contratual neste sentido, conforme dispõe o art. 1.085 do CC:

Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa. Parágrafo único. A exclusão somente poderá ser determinada em reunião ou assembléia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.

Da leitura destes dispositivos podemos concluir que a exclusão extrajudicial depende da deliberação de sócios que representem mais de 50% do capital social. Desta forma, o controle judicial é feito a posteriori, mediante ação judicial proposta pelo sócio excluído. Outra questão importante a ser analisada é se podem os minoritários excluírem os majoritários extrajudicialmente, nos termos do Art. 1.085. Segundo Waldecy de Lucena:

De resto, o CC/2002 é expressamente exigente de que a exclusão somente terá lugar se aprovada pela “maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social” (Art. 1085), tanto que o nomen iuris da Seção VII, em que se acha inserido no dispositivo, é “da resolução da sociedade em relação a sócios minoritários”. Vale dizer, para o Código não há exclusão de sócio majoritário pelo minoritário. A construção jurídica dessa espécie de exclusão, de conseguinte, ficará a cargo dos tribunais, então fundados na falta de affectio

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societatis do sócio majoritário, em prejuízo do minoritário[8][8].

A princípio, tal exclusão pode ser defendida, pois, conforme defende Comparato: “não é a deliberação da maioria, e sim o poder resolutórios conferido aos prejudicados, pelo inadimplemento do dever de colaboração social, sejam eles, ou não, majoritários” (in Fabio Konder Comparato, Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial – São Paulo: Forense, 1978 apud José Waldecy de Lucenna, Das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada – Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 771). A exclusão é possível quando há riscos a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, tal como os listados no contrato social. Em linhas gerais, a doutrina tem incluído entre as hipóteses de atos de inegável gravidade: (i) quebra de dever de lealdade (Fábio Ulhoa Coelho); (ii) violação da lei, do contrato ou atos que impliquem a quebra da affectio societatis (Modesto Carvalhosa). Destaca-se que a e exigência de prévia disposição contratual sobre o assunto está na contramão do que entendiam as doutrina e a jurisprudência modernas. No entanto, é importante notar o conflito aparente entre as regras gerais do Novo Código Civil e as disposições específicas da Lei 8.934/94 e do Decreto 1.800/96, que permitem a alteração contratual sem prévia disposição contratual neste sentido. De acordo com o §2º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, “A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior” Sobre o assunto, Maria Helena Diniz defende que:

A disposição especial não revoga a geral, nem a geral revoga a especial, senão quando a ela se referir explícita ou implicitamente. Para que haja revogação será preciso que disposição nova, geral ou especial, modifique expressa ou insitamente a antiga, dispondo sobre a mesma matéria diversamente[9][9]

Por fim, devemos tratar da possibilidade de exclusão judicial do sócio. Dispõe o art. 1.030 do CC:

[8][8] in Das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada – Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 774 [9][9] in Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, São Paulo: Saraiva, 1994. p. 73

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Art. 1.030. Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente. Parágrafo único. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado falido, ou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do art. 1.026. (...) Art. 1.004. Os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo dano emergente da mora. Parágrafo único. Verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso, ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1o do art. 1.031.

Uma questão interessante a ser tratada a partir da análise do art. 1.030 do CC é se a “iniciativa da maioria dos demais sócios” refere-se a maioria dos sócios contados individualmente (voto por cabeça) ou refere-se a maior parte do capital social. Assim, imaginemos que em uma determinada sociedade limitada existam três sócios: “A” detém 25% do capital social, “B” detém 25% do capital social e “C” detém 50% do capital social. Nesta sociedade, poderiam os sócios “A” e “B” excluir o sócio “C”? A doutrina entende que não. Cito o entendimento de Fabrício Zamprogna Matiello: “A maioria a que se refere a norma legal se perfaz com a metade mais um dos votos, o que não significa, necessariamente, metade mais um do número de sócios, já que o peso dos sufrágios depende da regra insculpida no contrato social. (...)”(MATIELLO, Fabrício Zamprogna, Código Civil Comentado, LTr, 2a. Edição, São Paulo, pág. 643) Esse também é o entendimento firmado na 3a. Jornada de Direito Civil do STJ na súmula 216:

O quorum de deliberação previsto no CC 1.004, parágrafo único e no CC 1.030 é de maioria absoluta do capital representado pelas quotas dos demais sócios, cosoante a regra geral fixada no CC 999 para as deliberações nas sociedades simples. Esse entendimento aplica-se ao CC 1.058 em caso de

Page 14: Resumo - bicharalaw.com.br · Resumo O presente artigo aborda a questão da exclusão de sócio e da dissolução parcial de sociedade, com especial atenção às sociedades limitadas.

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exclusão de sócio remisso ou redução do valor de sua quota ao montante já integralizado.

Conclusões

(i) A dicotomia entre sociedades de pessoas e sociedades de capital tem relevância fundamental no plano da dissolução parcial. Admite-se a dissolução parcial em sociedades de pessoas, mas rechaça-se esta possibilidade no âmbito das sociedades de capitais;

(ii) Apesar desta conclusão, a jurisprudência dos tribunais superiores vem

entendendo ser possível a dissolução parcial de sociedades anônimas, pois em algumas delas haveria uma forte relação de pessoalidade entre os seus sócios;

(iii) Apesar do entendimento jurisprudencial contrário, entendemos que a

quebra da affectio societatis não é causa de exclusão nem de dissolução parcial de sociedade;

(iv) Entendemos que as causas para dissolução parcial de sociedade limitada

estão elencadas de forma exaustiva no art. 1.077 do CC e;

(v) A “maioria dos sócios” a que se referem os artigos 1.004 e 1.030 do CC se traduz pela maioria do capital social e não pela maioria de número de sócios independentemente da sua participação no capital social.

Márcio Tadeu Guimarães Nunes Advogado, Professor e Consultor no Rio de Janeiro.