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Universidade Federal Fluminense Centro de Estudos Sociais Aplicados Faculdade de Educação Quero morar num lugar onde ninguém me perturbe, vou morar na Chatuba: uma história do Grotão Capítulo I da Parte II (A TRAMA) da dissertação de mestrado Grotão, Parque Proletário, Vila Cruzeiro e outras moradas: história e saber nas favelas da Penha Mestranda: Marize Bastos da Cunha Orientador: Prof. Dr. Victor V.Valla Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Educação NITERÓI 1995
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Quero morar num lugar onde ninguém me perturbe, vou morar na Chatuba: uma história do Grotão

Apr 09, 2023

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Rodrigo Ribeiro
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Page 1: Quero morar num lugar onde ninguém me perturbe, vou morar na Chatuba: uma história do Grotão

Universidade  Federal  Fluminense  

Centro  de  Estudos  Sociais  Aplicados  

Faculdade  de  Educação    

 

 

Quero  morar  num  lugar  onde  ninguém  me  perturbe,  vou  

morar  na  Chatuba:  uma  história  do  Grotão  

Capítulo  I    

da  Parte  II  (A  TRAMA)  da  dissertação  de  mestrado  

Grotão,  Parque  Proletário,  Vila  Cruzeiro  e  outras  

moradas:  história  e  saber  nas  favelas  da  Penha  

 

 

 

Mestranda:  Marize  Bastos  da  Cunha  

Orientador:  Prof.  Dr.  Victor  V.Valla  

 

Dissertação   apresentada   como   parte   dos  

requisitos   para   obtenção   do   grau   de  Mestre  

em  Educação  

 

 

 

NITERÓI  

1995  

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Sumário

APRESENTAÇÃO  

 

PARTE  1  -­‐  CAMINHOS,  ATALHOS  E  PISTAS  

 

1  

 

Capítulo   1   -­‐   As   primeiras   pistas:   do   ponto   de   chegada   ao   ponto  

de  partida  

2  

1.1.  Pista  I:  um  exame  de  corpo  delito   3  

1.2.  Tiranias  da  Razão  Histórica   10  

Capítulo  2  -­‐  Os  Caminhos  e  Atalhos  19  

2.1.   Dos   personagens,   de   suas   ações   e   de   como   insistem   em   lhes  

tirar  de  cena   21  

2.2.  Aquilo  a  que  chamamos  destino  sai  de  dentro  dos  homens,  ao  

invés  de  entrar  neles:  sobre  a  subjetividade  da  história  humana   37  

2.3.   Das   teias   ao   ato   de   tecer:   costurando   uma   abordagem   da  

cultura   39  

2.4.  A  teia  da  exclusão:  sobre  a  subalternidade   53  

2.5.  Um  elo  que  não  pode  faltar:  a  experiência   56  

Capítulo   3   -­‐   Encontros   de   meio   de   estrada:   dando   rumo   à  

caminhada  

63  

3.1.   O   quebra-­‐cabeça   de   imagens   de   um   espaço:   entre  

caracterizações,  análises,  experiências  e  interpretações   65  

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3.2.  Um  espaço  de  vida  subalterna:  a  favela   74  

3.3.   Solidarizar-­‐se:   um   verbo   regular,   uma   voz   reflexiva:  

experiência  de  vida  e  prática  política   81  

3.4.  Os  Sujeitos  da  Trama:  movimentos  comunitários  no  Complexo  

de  Favelas  da  Penha   86  

3.5.   Na   Trilha   do   Excepcional   Normal:   uma   possibilidade   de  

análise   92  

PARTE  2  -­‐  A  TRAMA  99  

Capítulo   4   -­‐   Quero  morar   num   lugar   onde   ninguém  me   pertube,  

vou  morar  na  Chatuba:  uma  história  do  Grotão  100  

Capítulo   5   -­‐   Combatendo   a   dor,   semeando   a   vida:   caminhos   do  

Sementinha  148  

Capítulo   6   -­‐   Combatendo   a   baixa   tensão,   Construindo   em   alta  

tensão:  o  movimento  do  Sangue  Novo  169  

PARTE  3  -­‐  RECONSTRUINDO  238  

Capítulo  7  -­‐  O  Fazer  Histórico  239  

7.1.  A  necessidade:  da  precisão  à  invenção   240  

7.2.  Os  mediadores:  estranhamento  e  parceria   259  

7.3.  A  Luta:  experiência  de  vida  e  prática  política   313  

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Capítulo  8  -­‐  A  Imagem  Histórica   366  

8.1.  Imagens  Heróicas    

8.2.O  lugar  do  acontecimento    

E  se  quisermos  contar  outra...:  considerações  finais   395  

PARTE  4  -­‐FONTES   403  

 

 

 

 

 

 

 

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A  Trama  

(...)E  quem  não  conhece  a  história  de  seu  povo,  não  vai  fazer  a  revolução  nunca.  

Luiza  Rocha  -­‐  Movimento  Sangue  Novo  

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4.  “Eu  quero  morar  num  lugar  em  que  ninguém  me  pertube,  vou  

morar  na  Chatuba”:  uma  história  do  Grotão64  

 

  Na  história  aqui  contada,  os  protagonistas  são  os  moradores  da  favela  do  

Parque  Proletário  do  Grotão,  em  sua  luta  coletiva  pela  terra  e  pela  produção  do  

espaço  de  moradia.65  

  Destacamos,  os  atores,  cujos  depoimentos  serviram  como  fio  condutor  da  

versão  aqui  contada:  

  Jordeval  da  Paixão:  baiano;  na  época  que  se   formou  a  comunidade,   tinha  

aproximadamente   34   anos,   atuava   como   pastor   evangélico,   morava   no   Parque  

Proletário   da   Penha   e   residia   há   13   anos   no   Rio   de   Janeiro;   foi   o   primeiro  

presidente  da  Associação  de  Moradores    

  Pedro   Mendonça:   paraibano,   veio   para   o   Rio   de   Janeiro   aos   17   anos;  

serviu  o  exército  e  posteriormente   trabalhou  na  Gilette  do  Brasil,   começando  a  

participar   do   movimento   sindical;   mais   tarde   começou   a   trabalhar   como  

rodoviário,   ingressando   na   CTC,   entrando   também   no   sindicato   da   categoria,  

onde  chegou  a  disputar  as  eleições  para  a  presidência;  no  período  da  ocupação  

do   terreno   onde   vai   se   formar   a   favela   do   Grotão,   tinha   aproximadamente   34  

anos;  foi  o  terceiro  presidente  da  Associação  de  Moradores,  chegando  a  exercer  

dois   mandatos;     tornou-­‐se   uma   conhecida   liderança   comunitária   na   região,  

atuando  também  na  FAFERJ  (Federação  de  Favelas  do  Estado  do  Rio  de  Janeiro),  

onde,  num  período  posterior  a  entrevista,  exerceu  o  cargo  de  presidente.  

64Trecho da música do cantor popular Dicró. A “Chatuba” da música faz referência a uma comunidade localizada na Baixada Fluminense. Pelo que verificamos, desde a época da ocupação no Grotão, os primeiros moradores passaram também a chamar o lugar de Chatuba. 65O período aqui compreendido vai desde a ocupação até 1987, época das entrevistas. Lembramos que as conquistas aí obtidas não podem ser tomadas enquanto absolutas. O posto médico até bem pouco tempo estava desativado. Tendo em vista as propostas da administração do Prefeito Cesar Maia, de repasse de suas responsabilidades para a Associação de Moradores (repasse de recursos destinados ao pagamento do salário dos funcionários, sendo que os encargos sociais ficam a cargo da Associação), a creche comunitária estava sob ameaça de

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  Ilsa:  nascida  no  Maranhão,  migrou  primeiro  para  Minas  Gerais  e  em  1972  

veio  para  o  Rio  de  Janeiro,  morando  inicialmente  no  Parque  Proletário  da  Penha;  

Posteriormente,   já  casada,  compra  com  o  marido  um  barraco  na  comunidade  de  

Marcílio  Dias,  na  área  de  palafitas.  Tinha  aproximadamente  23  anos  na  época  da  

formação  da  comunidade.  Reginaldo  ou  Régis,  seu  marido  teve  uma  participação  

ativa   nas   lutas   encaminhadas   pelos   moradores,   chegando   a   se   tornar   vice-­‐

presidente   da   Associação   na   época   do   pastor   Jordeval,   rompendo  

posteriormente  com  ele.  

Em  busca  de  um  espaço  

  “(...)  Morador  do  jeito  que  hoje  está  a  carência,  ele  não  se  preocupa  com  

a  polícia  não.  Ele  chega  precisa  do  local,  ele  vai  e  planta  o  barracão  dele.  Porque  

a  maior  carência  do  Rio  de  Janeiro  é   local  para  habitar  o  povo  porque  não  tem”  

(Jordeval  da  Paixão)  

  Mas   o   povo   vai   construindo   um   espaço,   criando   alternativas.   Foi   assim  

que   formou-­‐se   a   favela   do   Parque   Proletário   do   Grotão,   ou   simplesmente  

Grotão,  ou  ainda  Chatuba,  para  alguns  moradores  da  região.    

  “(...)Parece   que   no   dia   15   de   março   ou   abril,   a   favela   do   Grotão   foi  

invadida.   Não   foi   por   nós,   1979   foi   a   invasão.   Numa   tarde   os   moradores   se  

reuniram  -­‐  moradores  que  vieram  do  norte,  inclusive  tem  pessoas  que  vieram  do  

norte  e  que  estavam  em  São  Cristovão,  não  tinham  aonde  morar.  Outras  pessoas  

que   estavam   sendo   despejadas   de   aluguel,   outras   pessoas   que   moravam   em  

casas  de  parentes.  Se  reuniram  e  acharam  que  tinham  que  tomar  conta  daquela  

pedreira   que   estava   lá   abandonada   com   o   mato   cobrindo.   Porque   era   uma  

pedreira,   um   terreno   de   uma   pedreira   da   Elecatrone   que   estava   abandonada  

porque   ela   foi   desativada   por   não   pagar   impostos   e   tinha   falido.   E   com   isso,  

alguns   funcionários   dessa   pedreira,   que   moravam   lá   também   e   incentivaram  

fechamento. ( “Sem Abrigo e Sem Afeto” in: Se liga no Sinal, Informativo do CEPEL, ano 3, no

16, abril/maio de 94)

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essse   moradores   a   invadir   porque   eles   também   estavam   em   prejuízo.   Tinha  

gente   que   tinha   trabalhado   6,   8   anos   e   não   estavam   recebendo   nada.   Então  

tinham   que   invadir.   Isto   foi   feito   por   um   grupo   pequeno,   parece   que   de   38  

pessoas.   Invadiram   e   entraram   lá   prá   dentro.   Eram   uns   antigos   galpões.  

Dividiram  os  galpões  e  começaram  a  morar.  E  com  isso  despertou  a  atenção  dos  

demais  que  estavam  necessitados  e  aí  foram.  (  Pedro  Mendonça)  

  Entre   estes,   os   “demais”   que   estavam   necessitados,   encontrava-­‐se   um  

jovem   casal   com  um   filho   pequeno.   Já   em   fins   de   78,   no   esforço   de   buscar   um  

espaço   próprio   para   viver,   Ilsa   e   Régis   conseguiram   comprar   um   barraco,   lá   na  

Marcílio   Dias,   na   Penha   Circular.   “(...)   Era   um   barraco   em   cima   da   maré,   que  

aquilo  quando  chovia  muito,  que  a  favela  enchia,  os  barracos  ficavam  flutuando.  

Até   hoje   os   meninos   encarnam:   ‘vocês   moravam   em   flutuante,   né?’   .   Era   uma  

coisa   absurda   (...)   porque   aquilo   não   tinha   terra,   eram   uns   paus   enfiados.”   O  

filho   vivia  doente,   “era   febre,   era   gripe”,   Ilsa   teve  pneumonia  e  o  médico  disse  

“que  a  pneumonia  foi  causada  tudo  por  aquele  lugar”.  Dois  meses  depois  que  ela  

teve  alta,  o  marido  viajou  para  Recife  com  o  pai  para  ver  a  família,  mas  antes  de  

ir  ele  disse:    

 

_Quando  eu  voltar  nem  que  seja  para  o  aluguel,  a  gente  vai  voltar  de  novo.    

_Mas  logo  para  o  aluguel?!.    

 

  Ela  trabalhava  na  fábrica  Kelson’s,  próxima  a  favela,  e  Régis  era  mecânico  

e  estava  empregado  na  Brahma  mas   ficava  difícil  enfrentar  o  aluguel  pois  “você  

paga   o   aluguel,   mesmo   os   dois   trabalhando   mas   aquilo   é   dinheiro   que   nunca  

dá”.   Mas   também   estava   ficando   difícil   suportar   o   sacríficio   que   passavam   no  

local  onde  moravam.    

  Por   isso,   em   fins   de   79,   na   época   em   que   o   marido   estava   viajando,  

quando   soube   ,   através   de   uma   conhecida   do   Parque   Proletário,   que   estavam  

invadindo  um  terreno  da  pedreira,  a  mulher  quis  ir  lá.  Quando  chegou  lá  viu  que  

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era  tudo  capinzal,  “era  só  capim  aonde  o  gado  descansava,  ao  meio-­‐dia,  pastava.  

Não   tinha   nada.   Só   tinha   aquele   povo”   e   alguns   cordões   amarrados   “porque   as  

pessoas   vinham,   dividiam   o   seu   lugar   e   ali   eles   amarravam   um   arame,   um  

cordão.   Só   que   eles   amarravam   de   noite,   a   polícia   vinha   de   dia,   derrubava”.  

Procurou   escolher   um   lugar   para   cercar   e   falou   para   o   conhecido   que   a  

acompanhava:   “eu   não   quero   aqui   em   baixo   porque   não   gosto   de   casa,   aquela  

casa   junto   com   a   outra”.  Mas   no   alto   do  morro   tinha   uma   lagoa,   que   no   verão  

dava   água   e   quando   o   lugar   lhe   foi   mostrado,   a   mulher   disse:   “eu   quero   ficar  

nessa   área   aqui”.   Quando   o   marido   chegou   de   Recife,   contou-­‐lhe   sobre   o  

terreno.  

 

_  Consegui  um  terreno  para  gente.  

_  Mas  aonde?  

_Lá,  onde  estão  invadindo  

_  Mulher,  você  é  louca?!  

_   Olha,   diante   de   pagar   o   aluguel...Não   só   sou   eu.   São   muitas   pessoas.  

Muitas  famílias.  Agora  eu  quero  que  você  vá  olhar,  ver  o  que  você  acha.  

 

  Eles   foram.   Ela   conta   que   era   um   dia   de   quinta-­‐feira   e   que   o  marido   se  

surpreendeu:   “Mas   aqui?”.   E   ela   lembrou:   “mas   diante   de   pagar   o   aluguel   não  

tem  outra  saída”.  E   lá  “não  tinha  nada.  Não  tinha  água,  não  tinha   luz,  não  tinha  

nada”.(Ilsa)  

  Como   o   casal,   Pedro  Mendonça,   que   anos   depois   se   tornaria   presidente  

da  Associação  de  Moradores  da  nova  comunidade,  também  deixara  outra  favela  

vizinha,   o   Parque   Proletário,   para   lá   construir   seu   barraco   de   tábua,   no   ano   de  

80.  E  era  também  no  Parque  Proletário  que  Jordeval  da  Paixão,  que  já  trabalhara  

como   vendedor   e   de   segurança   mas   que   na   época   era   recém-­‐formado   pastor  

evangélico,   tinha   uma   “igrejinha”   numa   casa   alugada.   Quando   soube   por  

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“intermédio   de   uma   irmã   da   Igreja   que   estavam   invadindo   um   terreno   no  

Grotão,  no  final  da  Rua  Tenente  Luiz  Dornelles,  o  pastor  disse:  

 

_Seria   bom   se   nós   conseguíssemos   porque   eu   estou   recém-­‐formado   agora  

pastor,   não   tenho   dinheiro,   não   tenho   mesmo.   Não   temos   fundos   e   nós  

vamos   fazer   o   seguinte:   nós   teremos   no   futuro   condição   de   transferir   o  

nosso  trabalho  da  Igreja  para  o  Grotão    

 

  Jordeval   da   Paixão   sabia   que   a   área   estava   abandonada   lá   há   quase   20  

anos  e  que  dentro  do  terreno  tinha  um  galpão,  por  isso  comentou  com  a  irmã:    

 

_Quem   sabe   nós   poderíamos   até   conseguir   aquele   galpão   e   passar   o  

trabalho  da  Igrejinha  para  lá.  

 

  E   no  mesmo   dia,   o   pastor   seguiu   para   o   Grotão.   Chegando   lá   viu   que   “a  

polícia   cercou   a   rua   Tenente   Luiz   Dornelles   e   atravessou   uma   porta   para  

ninguém   passar   lá   para   dentro   mas   já   tinha   alguns   que   já   tinham   marcado.  

Imediatamente  cada  um  foi  apanhando  um  lote”.  Ele,  tomou  conta  do  galpão,  do  

“galpão   velho,   no   sentido   de   reformar(...)”   para   desenvolver   o   trabalho   de   sua  

Igreja  mas  “morava  no  Parque  Proletário  da  Penha”.(Jordeval  da  Paixão)  

  A   corrida   em   busca   de   uma   casa   foi   grande   mas   havia   também   aqueles  

que   iam   em   busca   de   lotes   para   vender.   Marcelino,   morador   da   Vila   Cruzeiro,  

relembra   que   “teve   muito   oportunista   (...)   ,   teve   nêgo   que   tinha   casa   (...)  

cercou,  construiu  um  barraquinho  e  depois  vendia”.    

  Assim,   várias   pessoas   chegaram   ao   local   e   não   conseguiram   tomar   um  

pedaço  porque   já  estava   tudo   tomado.  Uma  moradora  que  chegou  ao  Grotão   já  

em   1981   explica:   “quando   cheguei   já   estava   começado,   não   invadi,   o   meu   foi  

comprado,  os  meus  pedaços,  todos  eles  que  morei  foi  comprado”.  

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  Muitas   vezes   quem   invadiu   “não   morava,   entendeu?   Mas   aí   não  

precisava”,   não   precisava   tanto   quanto   um   casal   que   vivia   com   as   filhas   num  

porão  de  onde  estavam  sendo  despejados.  A  mulher  explica  que  as  pessoas  que  

ocuparam   e   vivem   na   favela   “são   pessoas   tudo   carente,   que   eu   saiba   não   são  

pessoas  que  moram  aqui  porque  gosta.  Mora  porque  precisa.  Pessoas  chefes  de  

família,   muitos   trabalhadores,   pessoas   nem   sempre   que   trabalham   mas   que  

querem  trabalhar,  e  nem  sempre  conseguem  serviço.”  (D.Maria  Antônia)  

  Por  isso,  como  dizia  Jordeval  da  Paixão,  o  morador  não  se  preocupa  com  a  

polícia...Mas  e  a  polícia,  ela  vinha  porque?  

Quando  começou  “o  conflito  horrível  para  que  o  povo  não  ficasse”  

  “(...)  A  polícia  vinha  em  função  deles  mesmos,  que  não  podia,  no  caso  (...)  

Para  eles,  a  área  da  Penha  é  uma  área  que  vale  dinheiro,  no  caso,  né?”(Ilsa)  

  Por  isso,  enquanto  muitas  famílias  criavam  alternativas  para  garantir   logo  

seu  pedaço,  havia  quem  desmanchasse  estas  alternativas.  “Teve  uma  família  que  

eles  pegaram,  enfiaram  os  paus,  né  jogaram  alguns  pedaços  de  telhas  e  botaram  

um  plástico  grosso  em  cima.  A  polícia  chegou.  Derrubou  aquilo  tudo  que  a  telha  

caiu  na  perna  de  uma  criança,  ainda  quebrou  a  perna  da  criança.  Aquilo  era  um  

conflito,  sabe.  Era  um  conflito  horrível  pra  que  o  povo  não  ficasse”  (Ilsa).  

  “Foi  uma  luta  muito  grande  porque  eles   iam  lá,  derrubavam  os  barracos  -­‐  

os   barracos   eram   de   madeira   e   o   pessoal,   quando   eles   viravam   as   costas   eles  

reconstruíram.   Com   excessão   daqueles   que   eles   botavam   fogo”   (Pedro  

Mendonça).  

  Vivenciando   este   conflito   horrível   para   que   o   povo   não   ficasse,  

encontrando  um  monte  de  polícia  cada  vez  que  ia  ao  Grotão,   Ilsa,  quando  ainda  

não  mudara-­‐se  pois  seu  marido  estava  viajando,  pediu  ao  amigo  que  cuidasse  de  

seu  terreno  já  cercado:    

 

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_Olha,   você   toma   conta   pra   mim   que   eu   sou   muito   malcriada.   Isso   eu  

reconheço.   Eu   sou  muito  malcriada.   Se   um  policial   desses   chegar   pra  mim,  

vir  falando  um  monte  de  desaforo   igual  eu  vi  eles  falando  muito,  agredindo  

as  pessoas  aí  com  palavras,  eu  vou  sair  daqui  sabe  como?  Escoltada.  Porque  

eu   eu   vou   falar   um   monte   de   malcriação   para   eles   e   eles   vão   dizer   para  

mim,  sabe,  que  eu  estou  desacatando  a  autoridade.  

 

  Jordeval   da   Paixão   conta   que   a   polícia   cercou   a   Rua   Tenente   Luiz  

Dornelles  que  dava  acesso  ao  Grotão  e  que  ela  “começou  a  avisar  que  aquilo  não  

era   uma   área,   que   tinha   dono   etc   etc”.   Ele   também   se   lembra   que   quando  

chegou  ao  Grotão  já  havia  aproximadamente  70  pessoas,  já  marcados  os  lotes.  E  

que  chamou  os  moradores,  um  grupozinho  e  lhe  disse:    

 

_  Olha  gente,   vocês   só   tem  uma  opção:   a  polícia   vai   continuar  mantendo  a  

ordem.   Agora   vocês   só   terá   condição   de   permanecer   neste   lugar   se   vocês  

fizerem  um  abaixo  assinado  e  registrar  uma  associação  de  moradores.  

Construindo  o  pedaço  e  associando  ações66  

  Ilsa,   o  marido  e  o   filho  que   viviam  na   favela  Marcílio  Dias   estavam  entre  

os  primeiros  moradores  do  Grotão.  Ela  lembra  que  para  permanecerem  no  lugar,  

enfrentaram   algumas   lutas,   antes  mesmo   de   chegarem   a   registrar   a   associação  

de  moradores.  

  “Eu   tinha   três   contos   e   ele   tinha   um   e   cinquenta,   no   caso   um   e  

quinhentos,  né,  que  é  estas  notas  roxa  escura.  Ele  disse:  como  é  que  a  gente  vai  

começar   aquilo?   .   Eu   falei:   olha,   não   sei”.   Aí   capinamos.   Ele   não   tinha   nem  

terminado  as  férias  mas  ele  voltou  lá,   falou  lá  na  Brahma,  com  o  chefe  dele  que  

66 A expressão associando ações foi utilizada por D.Dilma, integrante do Movimento Pró- Educação de Realengo e Adjacências, que na defesa de Dissertação de Adir da Luz Almeida, em abril/95. referiu-se a necessidade das pessoas associarem ação, afirmando ser este o sentido da Associação de Moradores.

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queria   começar   a   trabalhar   antes   de   finalizar   as   férias.   Aí   começou   né?   Aí   a  

gente   só   vinha   sábado   e   domingo.   Só   que   ele   de   pedreiro   nunca   entendeu   de  

nada.   Então   comprou   dois   sacos   de   cimento,   comprou   areia,   comprou   pedra  

para   fazer   o   alicerce.   O   primeiro   alicerce   foi   perdido   porque   saiu   torto.   Aí   ele  

arrumou  um  pedreiro:  

 

_Olha,  moço  isso  aqui  tá  tudo  errado.  Isso  aqui  não  vai  servir  para  nada.  

_Mas  como  que  não  vai  servir?  

_Daqui  suas  paredes  vai  sair  assim,  ó.  

 

  “Aí   nesta   época,   seu   Silvio,   aqui,   já   estava   fazendo   porque   ele   era  

pedreiro,   ele  mesmo   fazia.   A  Dona   Zilma   também,   que   ela   foi   embora   até   para  

Três   Rios,   o   ano   passado.   E   um   rapaz   que   vende   verdura,   estava   começando  

também,   lá  no  pé  da  pedra.  Quer  dizer   todo  mundo  começando.  Eu  sei  que  nós  

levantamos  paredes.   Tivemos  que   vender   o   barraco   lá   pra   poder   fazer   aqui.   Aí,  

aqui,  o  rapaz  começou  a   levantar  as  paredes,  no  dia  que  era  pra  gente  entregar  

lá,  aqui  ainda  não  estava  entregue.  Aí  o   rapaz  disse  que   já  estava  com  a  esposa  

dele   na   rua,   tinha   sido   despejado.   O   que   tinha   comprado   nosso   barraco   lá.   A  

gente   tinha  que   entregar.   Então,   eu   sei   que  um  dia   o  meu  esposo   se   juntou,   aí  

levantaram   as   paredes   e   cobrimos   um   só   quarto.   Só   um   quarto   que   nós  

cobrimos.   Aí  mudamos   para   cá   no   dia   7   de   janeiro   de   80.   Então   eu  mudei   sem  

porta,  sem  janelas,  sem  piso,  sem  nada.  Sem  água  e  sem  luz”.  (Ilsa)  

  Jordeval   da   Paixão   relembra   esta   época   e   conta   que   “eu,   na   liderança,  

chamei   os   moradores   e   expliquei   a   eles:   ‘olha,   não   quero   que   vocês   façam  

barraco  de  tábua.  Vão  fazendo  de  alvenaria,  que  é  para  valorizar  o   local  etc.  De  

maneiras   que   aí   os   moradores   continuaram   e   acalmou.   Ele   avalia   que   “a  

comunidade   quando   ela   é   invadida   pelos   moradores,   o   elemento   nunca   leva  

tijolo  de   início.  Um  pega  uma   tábua,   outro   leva  barbante,   outro   leva  marreta   e  

tal.   E   consegue   fechar   e   marcar   o   lugar.   Ele   acha   que   marcou   ali,   já   é   dono.  

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Entendeu?   Agora   se   a   coisa   não   permanecer,   também   ele   não   tem   prejuízo  

porque   simplesmente   ele   botou   ali   um   barbante   não   dá   nenhum   direito   a   ele.  

Agora  quando  se  trata  de  uma  casa  de  alvenaria,  já  entra  assim  justiça  etc.”  

  Alguns   sem   condições   de   construir   a   casa,   se   arranjavam   como   podiam,  

como  aqueles  que  se  instalaram  numa  antiga  caixa  d’água:  “  teve  moradores  que  

quebrou   a   caixa   e   entrou   para   morar   lá   dentro.   Não   tinha   como   comprar  

material,  não   tinha  como  comprar  madeira,  não   tinha  como...Então,  quebraram  

a  caixa,  fizeram  a  porta  entraram  para  dentro”.  (Ilsa)  

  Aqueles   que   chegaram   mais   tarde,   quando   “já   estava   tudo   tomado”,  

também   enfrentaram   sacrifícios   para   construir   seu   pedaço.   Uma   moradora  

relembra  que  o  marido  “não  tinha  dinheiro,  ele  não  estava  com  dinheiro,  que  ele  

às  vezes  fica  assim  com  dinheiro.  Ele  estava  com  o  relógio,  ele  foi,  empenhou,  aí  

eu  já  comprei  de  outra  pessoa  aqui”.(D.Maria  Antônia)  

  Ao  mesmo  tempo  em  que  os  primeiros  construíam  suas  casas  e  chegavam  

mais  moradores,   outras   lutas   se   davam.   “A   nossa   primeira   luta   foi   pela   luz   (...)  

mas   a   nossa   luta   foi   assim.  Nós   aqui,   o   Seu   Sílvio,   Seu   Zelito,   Seu  Antônio,   que  

tinha  um  terreno  mas  ainda  não  morava,  né?  Aí   se   juntaram,  cada  um  comprou  

um   rolo   de   fio   e   puxamos   um   gato   lá   de   baixo,   por   nossa,   sabe,   por   nossa  

responsabilidade   (...)  Mas  só  que  a  gente  puxou,  enquanto  era  só  a  gente,  a   luz  

dava   para   quebrar   um   galho   mas   aí   foi   quando   começou   a   chegar   um,   chegar  

outro,  e  começaram  a  puxar  seus  gatos,  né?  Então,  a  gente  não  podia  dizer  para  

eles  que  não,  porque  a  mesma  necessidade  que  a  gente   se  encontrava,  a  gente  

achava   que   eles   também   não   podiam   ficar.   Só   que   aquela   luz   não   servia   para  

geladeira,  não  servia  para  televisão,  não  servia  para  rádio,  não  servia  para  nada.  

Aí   foi   quando   nós   começamos   a   partir   para   Associação   (...)   Aí   nós   nos  

organizamos.   Aqui   onde   tem   essa   Igreja   hoje,   aquilo   era   uma   capelinha.   Então  

eu  tinha  um  cunhado,  nessa  época,  que  estava  fazendo  o  seminário.  E  ele  disse:  

a  gente  vai  ter  que  arranjar  um  padre  pra  celebrar  aqui  em  cima  (...)  A  gente  se  

reunia  na  casa,  na  casa  de  um,  na  missa,  para  missa  (...)Meu  cunhado  conseguiu  

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o   Padre   Rude,   da   Igreja   Bom   Jesus.   Então   ele   vinha,   celebrava.   De   quinze   em  

quinze  dias  ele  vinha,  celebrava  missa”  (Ilsa).  

  Jordeval  da  Paixão  conta  que  “nossa  maior  dificuldade  era  a   luz  da  Light.  

Então  o  que  fizemos?  Fizemos?  Fizemos  um  abaixo-­‐assinado  entre  os  moradores  

e  compramos  alguns  volumes  de  fios  e  ligamos  direto  no  poste  e  cada  um  puxou.  

Mas   aquilo,   quando   dava   incêndio   era   um   problema   sério.   Incendiava   a   rede  

toda.   Nós   solicitava,   a   Light   vinha   cortava,   o   povo   ia   botava   a   escada,   tornava  

colocar,  até  que  a  Light  tomou  ciência  séria  nesse  sentido  e  atendeu  o  pedido  e  

exigiram  documento   da  Associação,   queriam   ver   o   estatuto,   se   tinha   já   os   seus  

documentos.  Aí  pediram  para  que  nós  enviásssemos  um  ofício  acompanhado  por  

uma   certidão.   Esse   foi   o   primeiro   passo   dentro   da   Associação,   com   um  

requerimento  da  Light.  Dentro  de  mais  ou  menos  uns  dois  meses,  a  Light  chegou  

com   os   caminhões,   com   os   postes,   começou   a   botar   poste   na   rua.   Pronto   foi  

uma  festa  quilo  no  Grotão.”    

  O   próprio   Jordeval   da   Paixão,   o   primeiro   presidente   da   Associação   de  

Moradores   da   comunidade   que   se   formava,   já   participara   da   fundação   da.  

Associação   de   Moradores   da   Fazenda   Botafogo   em   Acari   e   relembra   o   que   o  

levou  a  registrar  a  Associação  de  Moradores  do  Grotão:  “um  dos  objetivos  de  me  

levar   a   registrar   a   associação   de   Moradores   do   Parque   Proletário   do   Grotão,  

primeiro  ítem:  porque  a  Associação  da  Fazenda  Botafogo  em  Acari,  eu  não  tinha  

nenhum  conhecimento  sobre  lei.  o  que  podia  garantir  a  associação.  Mas  lá  tinha  

um   moço,   muito   experiente,   e   quando   ele   fez   o   registro   da   Associação   de  

Fazenda  Botafogo  entendeu?  Logo  imediatamente  surgiu  o  problema  do  Grotão.  

Quando   houve   a   manifestação   do   povo,   eu   chamei   e   digo:   Olha,   só   tem   uma  

coisa   -­‐   correr   pra   dentro   da   lei,   a   leí   3.330-­‐   registrar   a   Associação.   Mas   eu   já  

tinha  trazido  um  manual  de  lá”.  O  Pastor  dizia  aos  moradores  que  “a  lei  3330  da  

portaria   12   de   1969   que   foi   uma   lei   criada   pelo   Negrão   de   Lima   lhe   outorga   o  

direito  de  vocês  permanecer,  ou  seja,  de  nós  permanecer  no   lugar”.  Ele  recorda  

que  os  moradores  ficaram  “todos  entusiasmados”:  “Não,  então  nós  vamos  tomar  

providências.  Aí  quiseram  me  botar  como  presidente”:  

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_Não.  Eu  não  aceito  a  presidência  por  motivo  de  eu  ser  um  líder  religioso.  

_  Então,  não  tem  melhor  do  que  o  senhor  para  tomar  conta  disso  aí.  

 

  “Aí   imediatamente   nós   tomamos   as   providências.   Eu   digo:   Bom,   já   que  

vocês   querem  que   eu   tome   a   liderança,   vamos   agora   passar   um   lista   aí,   vamos  

fazer   um   abaixo   assinado.   De   acordo   com   o   número.   Mas   nesse   intervalo   a  

polícia   já   estava   lá   também.   Bom,   quando   nós   começamos   a   fazer   o   abaixo-­‐

assinado,   a   polícia   foi   embora,   cada   um   largou   lá   o   local   abandonado   e   tal,   de  

maneira   que   não   houve   nenhuma   manifestação   policial   mais   na   comunidade.  

Não   houve  mesmo   porque   a   polícia   parece   que   tomou   consciência   de   que   nós  

estávamos  registrando  a  associação.  Quando  a  polícia  voltou,  uma  segunda  vez,  

a   Associação   já   estava   ali   com   estatuto   elaborado”.   Jordeval   da   Paixão   destaca  

que  quando   “precisava  de  alguém  pra   ir   a   Light   e   tal,   alguém  me  acompanhava  

(...)   Quando   eu   dizia   assim:   gente,   eu   preciso   de   cinco,   seis   pessoas   pra   ir  

comigo,   alguns   deixava   até   o   trabalho.   Corria   e   dizia   para   o   patrão:   olha,   me  

dispensa   um   dia   aí   que   eu   tô   ajudando   o   Grotão   e   tal   e   quero   auxiliar   o  

presidente.  Foi  maravilhoso!  O  povo  são  maravilhoso,  aquele  povo  do  Grotão.”  

  No   confronto   com  a  polícia,   a   comunidade  que   se   formava   teve   aliados   .  

Pedro   Mendonça   conta   que   os   moradores   a   frente   do   movimento   na  

comunidade,   inclusive   Régis,   o   rapaz   que   viera   da  Marcílio  Dias   que   se   tornava  

vice-­‐presidente   da   Associação,   “acumularam   forças   e   solicitaram   uma   ajuda   da  

Federação   de   favelas   e   da   Fundação   Leão   XIII   e   da   Pastoral   de   favelas.,   que  

desse  apoio  jurídico  a  eles,  que  eles  tinha  necessidade  de  morar  e  aquilo  estava  

abandonado   a   quanto   tempo,   já   estava   desativado,   e   isto   foi   feito.   A   primeira  

coisa   que   os   advogados   fizeram   foi   chegar   a   ver   a   polícia   que   eles   não   tinham  

autoridade   para   entrar   -­‐   isto   ainda   no   regime   militar   né?-­‐   para   entrar   dentro  

dessas   áreas   assim  e  metendo  o   cacete   em   todo  mundo   e   quebrando   tudo  que  

os  moradores   tinham.  Tinha  gente  que   já   tinha  perdido  até  as  panelas  mas...   já  

perdeu   tudo,   então   vai   acabar   de   perder   a   vida  mas   vai   ficar   lá.   E   com   isso,   a  

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pressão  dos  advogados  de  todas  essas   instituições  -­‐  FAFERJ,  Fundação  Leão  XIII,  

Pastoral   de   Favela-­‐   foram   pressionando   e   a   polícia   recuou.   A   ponto   de   os  

advogados  dizerem:   ‘Não.   Só  vai  derrubar  agora  aqui   com  mandato   judicial’.   Só  

com  mandato  judicial  é  que  podia  tirar  o  pessoal’.  

Quando  a  luta  anda  mais  rápido  do  que  a  lei  

  “Com   isso   (...)   o   proprietário  da   Elecatrone   vendo  que  não   tinha   jeito,   aí  

formalizou   o   processo   na   justiça.   Só   que   ele   formalizou   este   processo   com  

setenta  e  poucos  moradores.  Quando  o  processo  foi   julgado   já  tinha  quase  100.  

Então   o   juiz   tinha   que   rever   esse   processo   -­‐   está   julgando   um   número   e   tem  

outro.   E   isso   foi   engraçado   porque   quando   o   juiz   ia   rever   o   processo   chegou   a  

um   ponto   que   não   tinha  mais   jeito.   Ele   ia   rever   o   processo   para   despejar   mas  

tinha  mais  gente.  Então  ele  ia  despejar  todo  mundo.  Ia  despejar  um  número  e  ia  

ficar  outro?  O  fato  dele  rever  o  processo  deu  direito  de   luta  a  população.  Então  

chegou  a  um  ponto  que  já  estava  com  180  moradores.  Eles  chegaram  com  ordem  

de   despejo   para   180   moradores.   Isso   foi   em   1980-­‐   79/80-­‐   despejar   180  

moradores.  Quando  chegaram,  o  oficial  de   justiça  chegou  com  uma   lista  de  180  

moradores,  tinha  300.  Tinha  chegado  para  despejar.  Aí  acontece  que  o  oficial  de  

justiça   disse:   ‘Mas   eu   não   posso   despejar   180   moradores   se   tem   300.   Então  

temos  que  pedir  revisão  novamente’  (Pedro  Mendonça)  

  “Já  depois  da  Associação   registrada   foi  quando  veio  a  ordem  de  despejo.  

Aí  os  moradores   ficaram  em  pânico   (...)  Quando  veio  a  ordem  de  despejo   -­‐   isso  

foi   no   dia,   parece   que...,   se   não   me   falha   a   memória,   no   mês   de   agosto,   veio  

uma   ordem   de   despejo-­‐   neste   período,   a   comunidade   já   se   encontrava  

praticamente   já   estruturada   e   ao  mesmo   tempo   já   estava   também   registrada   a  

Associação.   Reconhecida   pela   Associação   Leão   XIII.   Já   nos   encontrava   com   o  

processo  da   Light,   já   nos   encontrava   com  o  processo  da  CEDAE  em  mão,   já   nos  

encontrava   com   o   protocolo   do   telefone   comunitário   (...)   Eles   mandaram   a  

primeira   citação   apresentando  os   sete  primeiros   invasores.  Quando  o  oficial   de  

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justiça   chegou,   dando   essa   ordem,   ele   não   apresentou   para   os   sete.   Ele  

apresentou  o  despejo  para  a   comunidade.  Ora   se  o  despejo  veio  para   sete  e  na  

comunidade  já  tinha  mais  de  600  a  800  pessoas  e  que  essa  citação  não  abrangia  

a   comunidade   mas   abrangia   os   sete,   cujos   candidatos   citados   no   ofício   não  

estavam  mais  na  comunidade”  (Jordeval  da  Paixão).  

  Ilsa  recorda  também  a  chegada  da  ordem  de  despejo.  “A  gente  pensamos:  

‘Vamos   recorrer   a   quem?’.   Aí   meu   cunhado   disse:   ‘vamos   recorrer   ao   Padre  

Rude’.   Nesta   época   a   Associação   já   estava   mais   ou   menos,   inclusive   era   um  

pastor.   (...)   Aí   o   Padre   Rude   nos   deu   o   maior   apoio.   Procurou   a   Pastoral   de  

Favela   que   era   a   Dra.  Maria   Alice.   Então,   Dra.  Maria   Alice   como   advogada,   né,  

disse:  ‘não,  pode  mandar  que  a  gente  está  lá’.”  

  E  a   ida  à  Audiência  quando  “aí  o  Pastor   levou  mais  Padre  Rude,   levaram.  

Fomos  uma  multidão  de  gente,   sabe.  Você  vê  que  500  pessoas  ali  no  Forum,  ali  

na   Praça   XV;   era   gente   naquele   corredor   tudo.   Arrumamos   ônibus   e   se  

mandamos.   (...)   Essa   luta   toda   ainda   em   80.   Então   a   gente   tinha   várias  

comunidades:   a   Marcílio   Dias,   Parque   Proletário   da   Penha,   Vila   Cruzeiro,  

Merendiba,   Parada   de   Lucas,   então   isso   tudo,   a   gente   já   tinha   feito   aqueles  

pequenos   contatos   porque   meu   esposo   é   uma   pessoa   muito   conhecida   pelo  

trabalho   que   ele   faz.   Então   ele   é   uma   pessoa   muito   dada   (...)   Algumas  

comunidades   já  mandavam   representantes,   aquela   coisa   toda.   Aí   fomos   prá   lá.  

Só   que   chegando   lá   os   que   se   diziam   donos,   que   são   os   Armazéns   Gerais   São  

Luis,  que  se  diziam  donos  da  terra,  que  na  realidade  não  eram  donos  nem  nada,  

estavam  lá,  estavam  lá.  (...)”  (Ilsa)  

  A  terra  “era  uma  área  particular.  Armazéns  Gerais  São  Luis.  Era  uma  área  

particular  que  eles   tinham  cessão  de  posse  porque  na  verdade  essas   terras  não  

tem   proprietários,   que   ela,   a   viúva   do   Contiga,   isto   é   uma   família   antiga   e   ela  

concedeu  a   cessão  de  uso  para  Elecatrone.  A  Elecatrone   cedeu  a   sessão  de  uso  

para   os   Armazéns  Gerais   São   Luis   e   então   eles   se   acharam  os   donos   realmente  

porque  tinham  a  cessão  de  uso  (...)”  (  Pedro  Mendonça).  

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  No  Forum:  “  aí,  aquele  problema.  Quem  vai  entrar  na  sala  do  juiz?  Aí  veio  

aquele   problema.   Só   pode   entrar   na   sala   do   juiz   quem   estiver   de   paletó   e  

gravata.   Ora.   você   vê   que   absurdo,   que   injustiça!     Aí,   nós   conseguimos   paletó  

pra   meu   cunhado,   conseguimos   paletó   pra   meu   esposo,   sabe”-­‐     Ilsa   recorda  

rindo  e   continua   -­‐   Tudo  pela   Igreja,   né?  Aquela   coisa   toda.  D.   Santa  que  é  uma  

pessoa  muito   bacana   que   trabalha   na   Igreja.   Aí   conseguiu   paletó,   conseguimos  

gravata...Eu   sei   que  na   sala,   com  o   juiz,   entrou  meu  esposo,   Padre  Rude  e  meu  

cunhado,   no   caso,   a   Dra.   Maria   Alice   e   os   que   lá   que   se   diziam   donos,   dos  

Armazéns   Gerais.   Só   que   lá   dentro   eles   queriam   que   o   juiz   nos   desse   24   horas  

pra  nós   sair  daqui.  O   Juiz   falou:   ‘eu  não  posso   fazer   isso  porque   isso   se   trata   já  

de  uma  comunidade.  Se   trata   já  de  um  assunto   social.   Eu  não  posso   fazer   isso’.  

Aí  tudo  bem.  Já  não  vai  sair”.  

  Enquanto   isso,   fora   da   sala   do   juiz:   “E   a   gente   naquele   conflito...Aquele  

corredor   que   a   gente   ficava,   né,   aquilo   ficou   cheio.   Aí   então   passavam   aqueles  

juízes,   aquele   pessoal,   tudo   de   paletó   e   gravata.   Aí   o   pessoal   passava,   dizia  

assim   pra   gente:   ‘Mas   que   fila   é   essa?   ‘.   Aí   teve   uma   hora   que   eu   já   tava  

tão...sabe,  eu  com  meu  garoto,  aquele  sol  quente,  com  sede,  sabe,  eu  disse:  

 

-­‐  Você  sabe  o  que  é  isso  aqui?  

_  Não.  

-­‐  Isso  aqui  é  a  fila  do  feijão  que  já  vem  prá  cá.  

 

  “Porque   naquela   época   estava   aquela   falta   de   feijão-­‐   relembra   rindo   e  

finaliza-­‐  Eu   sei  que  dali  nós  voltamos,  não   satisfeitos   (...)  Porque   ficou  decidido  

que   teria   outra   audiência   com   seis   meses,   né?   A   gente   ia   ser   chamado   de  

novo.(...)”  (Ilsa)  

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Enquanto  a  justiça  “enrola”,  na  comunidade...  

  A   vida   continuava   rolando.   “E   nessa   luta   toda.   Luta   de   comunidade,   de  

Igreja,   que  a   gente   conseguimos   tudo   junto   sabe,   aquela   luta   toda.   Era   reunião  

de   Associação,   era   briga   não   sei   prá   quê.   Nesse   período   a   gente   estava  

conseguindo   a   luz   da   Light.   Nós   fizemos   um   abaixo-­‐assinado   e   um   senhor   que  

mora  aqui  embaixo,  trabalhava  na  Light,  conseguiu  o  pedido  da  Light”  (...)  Aí  foi  

quando   veio   a   luta   da   água   porque   a   água   nós,   no   início,   pagava   pra   buscar   lá  

embaixo.  Porque  aqui  tinha  uma  mina  mas  quando  a  população  foi  aumentando,  

não   tinha   condições.(...)   Nesta   época   a   gente   não   tinha,   não   tinha   condição   da  

gente   chegar.   Jamais,   a   gente   tinha   direito   de   chegar   e   a   gente   fazer   uma  

reivindicação   nas   secretarias.   Eles   não   abriam   as   portas   para   a   gente,   pra  

comunidade  de  maneira  nenhuma”(Ilsa).  

  “(...)Quem  cedia  a  água  eram  vizinhos  que  não  desejavam  a  permanência  

da  favela.  Depois  eles  mesmos  começaram  a  enfiar  a  borrachazinha  pelo  muro  e  

os   moradores   então   foram   fazendo   aquele   ambiente,   aquela   amizade.   Quer  

dizer,  aquele  pessoal  que  era  contra,  tornou-­‐se  agora  comigo,  por  intermédio  da  

água   e   tal,   porque   a   comunidade   não   tinha   água...Sendo   que   quando   nós  

chegamos  na  comunidade  do  Grotão  tinha-­‐se  uma  caixa  que   ,  se  não  me  falha  a  

memória,   ela   tem   capacidade   para   80,   1000   litros   de   água.   Mas   ela   estava  

debaixo   do   chão,   muita   sujeira   mesmo”,   relembra   Jordeval   da   Paixão   que  

prossegue  contando  _  “Eu  um  dia  chamei  um  grupo  e  disse:  

 

_   Olha   gente,   vocês   estão   dispostos   a   nós   entrar   aqui   nessa   caixa   e   fazer  

uma  limpeza?  

_   Presidente,   você   é   quem   diz.   Se   quiser   nós   podemos   fazer   isso   até  

amanhã.  

 

  Eu   juntei  o  pessoal   todo.  Fizemos  aquele  abaixo-­‐assinado,   levei  um  rapaz  

experiente,   que   entende   da  matéria,  mandei   reformar   ela   toda   por   dentro,   dei  

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uma  banho  de  neosin,  depois  mercatolacho  -­‐  não  sei  como  é  que  chama  aquilo  -­‐  

e   imediatamentem   nós   fizemos   o   primeiro   teste.   Nós   aí   fizemos   um   segundo.  

Botamos   um   pouco   de   água   mas   água   de   chuva   porque   não   tinha   água  

encanada.   Depois   nós   chamamos   os   moradores   e   disse:   ‘gente,   nós   agora   tem  

que   fazer   o   seguinte-­‐   correr   para   a   CEDAE   pra   ligar   a   água   pra   caixa   daqui   de  

baixo,  depois  nós  providenciamos  a  bomba  e  vamos   jogar  para  a  parte  de  cima.  

Nós  vamos  atender  todas  as  pessoas.   (...)  E  a  política   já  estava  funcionando.  Foi  

quando  eu   telefonei  para  o  Deputado  Aluísio  Gama  e  ele  disse:   ‘olha  Pastor,   se  

você  precisar  de  umas  varas  de  cano,  venha  aqui’.  E  eu   fui   (...)  Aí  nós   reunimos  

os  moradores  e  fizemos  um  mutirão.  Cada  um  arranjou  uma  picareta  ou  uma  pá  

e  já  que  a  CEDAE  ainda  não  tinha  atendido  a  reivindicação  inicial  nós  fizemos  um  

mutirão   e   levamos   água   direto   para   a   Tenente   Luis   Dorneles   (...)”   (Jordeval   da  

Paixão)  

  “O  mutirão,   inclusive,  surgiu  um  pouco  na  minha  comunidade,  porque  no  

início  nós  tínhamos  um  poderio  de  mutirão  muito  grande.  Uma  água  clandestina  

que  a  gente,  no   início  da   favela,  que  a  gente  conseguiu,   foi  através  do  mutirão,  

furando   lá...até   pedindo   água   para   CEDAE..   A   CEDAE   disse   que   não   dava   água  

pro  favelado  e  nós  fomos  lá  e  arrebentamos  a  rede  e  furamos  e  puxamos  a  rede  

doméstica.   Precária   mas   puxamos   para   a   comunidade.   Através   de   mutirão   de  

contribuição  do  próprio  morador”(  Pedro  Mendonça)  

  A  luta  pela  água  na  comunidade  é  também  recordada  em  detalhes  por  Ilsa  

que  relembra  que  um  dia  se  reuniu  o  povo  e  disse:  

 

-­‐   Vamos   comprar   essas   varas   de   cano   pra   puxar   a   água,   clandestina  

também,  para  puxar  a  água  pra  uma  caixa  que  tem  ali  perto  da  escola.  

 

  “Aí  foi  assim.  Aí  foi  quando  apareceu  um  deputado,  Michel  Assef,  parece,  

uma   coisa   assim,   e   nos   deu   as   varas   de   cano.   Aí,   com   estas   varas   de   cano,  

puxaram  a  água  pra  caixa.  Conseguimos  trazer  a  ligação  até  ali  onde  é  a  pracinha  

hoje.   Ali   nós   colocamos   duas   bicas.   Que   o   povo   ficava   ali.  Mas   era   um   sufoco.  

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Porque  ficava  um  monte  de   lata.  Tinha  gente  que  conseguia  pegar  duas   latas  de  

água,   outros   conseguia   pegar   três,   outros   não   conseguia   apanhar   nenhuma.  

Então,  aquilo,  era  aquela  discussão  na   fila  da  água.  Era  um  sufoco.   ‘Não,  vamos  

fazer  reivindicação  na  CEDAE  pra  gente  conseguir  a  água  pra  gente’  (Ilsa)  

  Mais   acima   do   morro   havia   uma   outra   caixa,   aquela   que   havia   sido  

ocupada   por   uma   família   mas   Ilsa   recorda   que   seu   marido,   vice-­‐presidente   da  

Associação,  dissera:   ‘Nós   vamos   ter  que   fazer  uma   reunião  e  procurar  um   lugar  

pra  colocar  aquela  família  que  está  morando  dentro  da  caixa  porque  a  caixa  é  da  

comunidade   e   ela   vai   ter   que   ir   para   comunidade’.   E   ela   continua   contando:  

“Chamaram  o   Pastor,   nessa   época   ainda   era   ele,   chamaram,   conversaram   e   ele  

disse   que   não   podia   fazer   nada.   Então   quando   foi   um   dia,   nós   fizemos   uma  

reunião,   chamamos   o   pessoal   que   morava,   aí   eles   nos   disseram:   ‘Se   vocês  

conseguirem  um  lugar  para  nós  morar,  claro  que  a  gente  vai  entregar  a  caixa’.  Eu  

sei   que   nós   conseguimos.   Meu  marido   arrumou  madeira,   aí   saíram.   Aí   quando  

deu   domingo,   meu   esposo   reuniu   a   comunidade   e   foi   prá   lá   arrumar   a   caixa.  

Estava  chovendo,  eu  sei  que  tamparam,  né,  o  buraco,  arrumaram  algumas  coisas  

e   fizeram   o   encanamento   e   puxamos   a   água   prá   cima.   Aí   foi   quando   cada   um  

começou   a   puxar   água   pra   sua   casa.   Aí   a   bomba   jogava   prá   caixa   de   cima   e   a  

bomba  de   cima   jogava  prá  nós.  Mas   só  que  aquela   água  era  uma   luta  porque  a  

gente   não   tinha   um   relógio,   sabe.   O   relógio   queimava,   dava   problema,   dava  

defeito  na  bomba.  Aquela  bomba  vivia  mais  queimada  do  que  funcionando.”  

  Em   suas   lutas   a   nova   comunidade   buscava   aliados.   Já   na   época   da  

primeira  audiência,  estava  em  contato  com  a  FAFERJ  que  tinha  Irineu  Guimarães  

como  presidente,  e  com  Fundação  Leão  XIII.  Sobre  isso,  Ilsa  lembra  que  “o  nosso  

apoio  mais  foi  porque  a  FAPERJ,  ela  atuava  mais  aqui  dentro,  ela  atuava  mais  era  

sobre  o  negócio  de   associação   (...)   ela  nos  dava  uma  orientações   como  a   gente  

teria  que  agir.  E  Padre  Rude  que  é  uma  pessoa,   foi  uma  pessoa  muito  sabe,  era  

uma   pessoa   que   nos   indicava.   Logo   em   seguida   também   apareceu   o   Dr.  

Fernando,   que   é   uma   pessoa   muito   bacana   que   foi   diretor   do   Posto   XI.   O   Dr.  

Fernando  aparece  porque  logo  apareceu  um  médico,  o  nome  dele  era  Dr.  Milton.  

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Ele  dava  consulta  na  Igreja  Bom  Jesus.  E  ele  começou  a  vir  algumas  vezes  aqui  na  

comunidade.   Inclusive   uma   vez   que   meu   sogro   estava   doente,   ele   veio   aqui  

atender.  Mas   ele   teve   um   problema   e   foi   para   Belo   Horizonte,   foi   embora   pra  

Belo   Horizonte.   Aí   foi   quando   Dr.   Fernando...Nós   passamos   a   conhecer   o   Dr.  

Fernando  neste  período.  Que  aí  a  gente  começou  a  fazer  um  curso  de  agente  de  

saúde,   eu,   inclusive,   comecei   a   fazer   lá   ainda   na   Bom   Jesus,   ainda   com   Dr.  

Milton,  com  Dr.  Fernando  e  outras  pessoas.  Então  nesse  período  desse  rolo  todo  

com  o  negócio  da  terra,  eles  foram  pessoas  muito  bacana  que  nos  deu  um  certo  

apoio”.  

  Pedro   Mendonça   também   recorda   que   o   “Dr.   Fernando   foi   uma   pessoa  

que   acompanhou   aquela   comunidade   do   Grotão   desde   que   foi   implantado   o  

primeiro  barraco.  Dando  a   saúde,   assistência  porque   lá   era  uma   coisa.   Era  uma  

lagoa  ali  e  ele  orientando  aquilo,  até  dava  problemas  de  doença,  lepra  (...)”.  

  Foi   nesse   período   que   sempre   “   (...)   a   gente   fazia   reunião.   Porque   nós  

aqui,   a  nossa  vantagem   foi  o   seguinte:  porque  a   Igreja  nos  deu  um  apoio  assim  

de   orientação.   Então   nós   tínhamos   um   círculo   bíblico,   que   nossos   problemas  

todos   da   comunidade   eram   discutidos   dentro   do   círculo   bíblico.   Não   era   só   na  

Associação,   sabe.   Então,   no   círculo   bíblico   a   gente   fazia   oração,   a   gente  

comentava   lá   a   nossa   religião   mas   ali   dentro   nós   plantávamos   a   nossa  

reivindicação.  O  que  a  comunidade  precisava,  o  que  que  a  gente  tinha  que  fazer,  

como  que  a  gente  tinha  que  chegar   lá  e  acolher  as   idéias  dos  que  participavam.  

E  sempre,  como  eles  diziam  que  nossa  casa  era  maior,  sempre  era  lá  em  casa  ou  

aqui   na   casa   de   meu   sogro.   Então,   por   aí,   foi   quando   nós   começamos   a   fazer  

grupos  pra  ir  pra  secretaria,  dar  a  luz-­‐  a  luz  nesta  época  já  estavam  começando  a  

botar  os  poste,  a  água.”  (Ilsa)  

  Nas  lutas  da  comunidade,  a  Pastoral  da  Favelas  estava  sempre  ao  lado  “só  

que   para   chegar   lá,   fazer   reivindicação   lá,   claro   que   os   padres   não   podem,   né,  

porque   você   vê,   nós   temos   um   bispo   aí   que   ele   não   admite”.   A   Igreja   apoiava  

também  na  união  com  outras  comunidades  já  que  “aquilo  que  fez  a  gente  se  unir  

foi  por   intermédio  da   Igreja.  Nós   tínhamos  muitos  encontros.  Nós   tínhamos  um  

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encontro  de   três  em  três  meses,  com  todas  as  comunidades,   feito  pela   Igreja.  E  

que  a  gente  levava,  20,  30,  40  até  50  pessoas  de  cada  comunidade.  Então  aquela  

reunião,  aqueles  encontros  que  nós   fazíamos,  era  de   três  em  três  meses.  Então  

foi  o  que  fez  a  gente  conhecer,  a  gente  poder  discutir  tanto  os  nossos  problemas  

do   Grotão   como   problemas   da   Vila   Cruzeiro,   Parque   Proletário,   Merendiba   e  

outras  comunidades”  (Ilsa).  

  Jordeval   da   Paixão   conta   que   a   “política   já   estava   funcionando”   e    

também   que   “de   qualquer   maneira   nós   tivemos   o   apoio,   por   exemplo,   do  

deputado   Aloísio   Gama,   tivemos   o   apoio   da   XI   Região   Administrativa,   nós  

tivemos   o   apoio   de   alguns   candidatos,   por   exemplo   até   mesmo   que   era  

candidato  à  política  e  trabalhava  dentro  da  Fundação  Leão  XIII.  Então  sendo  ele  

um   candidato   a   vereador   ou   um   estadual,   enfim   o   desejo   é   defender   a  

comunidade.  Então  por  isso  é  que  eu  digo  que  a  política  já  estava  funcionando.”  

  O  encaminhamento  da  luta  pela  terra  trazia  também  conflitos.  

  “(...)  O  Pastor  que  era  o  nosso  presidente,   o  que  ele   fez?  A   gente  estava  

sempre   sabendo   como   é   que   estava   andando   o   processo   porque   a  Maria   Alice  

conversava   com   o   Padre   Rude   e   ele   passava   para   meu   esposo.   Ou   então   ele  

passava  pro  meu  esposo  e  a  gente  passava,   fazia  aquela  reuniãozinha  e  passava  

pra   comunidade.   Só   que   neste   período   o   que   o   Pastor   fez?   A   gente   não   sabe  

porque   a   gente   só   pode   dizer   que   foi   quando   a   gente   tem   certeza.  Mas   o   que  

nos  deu  a  parecer  foi  o  seguinte.  A  Leão  XIII,  com  o  Pastor,  ela  mandou  o  Pastor  

tirar  o  processo  da  mão  da  Pastoral  de  Favela  e  ela   ia  se  responsabilizar,  a  Leão  

XIII,   no   caso.   O   que   o   Pastor   fez?   Passou   um   abaixo-­‐assinado   dentro   da  

comunidade   sem   cabeçalho,   o   pessoal   naquela   época   ainda   estava   leigo,   não  

sabia   o   que   eles   queriam.   Se   dissesse   para   eles,   chegasse   e   dissesse   assim:  

‘vocês,   olha,   vamos   passar   este   abaixo-­‐assinado   aqui’   para   resolver   um  

problema   qualquer   que   fosse   da   comunidade,   o   pessoal   não   media  

distância.(...).   Nesse   abaixo-­‐assinado,   ele   bateu   um   cabeçalho   dizendo   que   a  

comunidade   do   Parque   Proletário   do   Grotão   não   estava   satisfeito   com   o  

trabalho  da  Dra.  Maria  Alice,  da  Pastoral  de  Favela.  E  levou  esse  abaixo-­‐assinado  

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e   entregou   lá   (...)   nessa   época   o   líder,   o   que   liderava   a   comunidade   era   meu  

esposo   junto   com  ele  mas   nesse   período-­‐  meu   esposo   foi   vice-­‐presidente-­‐  meu  

esposo  já  tinha  saído  porque  ele  tinha  algumas  coisas  que  eles  discordavam,  que  

o  Pastor  fazia  e  que  não  estava  certo.”  (Ilsa)  

  “O  que  a  gente  mesmo  se  pergunta  hoje  é  o  seguinte:  será  que  a  Leão  XIII  

não   estava   junto?   Porque   o   que   deu   toda   a   perceber   a   nós   é   que   a   Leão   XIII  

estava  do   lado  dos  Armazéns  Gerais  São  Luis  porque  quando  ele   foi   lá  e   tirou  o  

processo  das  mãos  da  Pastoral  de  Favelas  ele  não  nos   falou  nada.  Então  passou  

mais  ou  menos  dois  meses,  a  gente  não  sabia  de  nada-­‐   Ilsa  prossegue  contando  

e   relembra   o   dia   em   que   o   marido   foi   “   bater   lá   na   Pastoral   de   Favelas”   e  

conversou  com  a  Dra.  Maria  Alice:  

 

-­‐  Olha,  Régis,  eu  estou  até  mal  satisfeita  com  você.  

_  Por  que?  

_   Por   que   você   não   me   avisou   antes   que   a   comunidade   do   Grotão   não  

estava  satisfeita  com  meu  trabalho?  

_   Não.   Está   muito   satisfeita.   E   nós   estamos   esperando   o   que   você   está  

resolvendo  aí.  

_  Não.  Comigo  o  processo  não  está  há  mais  de  dois  meses.  

_  Não  é  possível.  

_Não.   Veio   um   abaixo-­‐assinado   do   Grotão,   o   Pastor   trouxe,   que   a  

comunidade  do  Grotão  não  estava  satisfeita  com  o  meu  trabalho.  

 

  “O   processo   estava   na   responsabilidade   da   Pastoral   de   Favelas.   O   que  

tinha   que   fazer   o   presidente   da   Associação?   Não   tirar   o   processo   da   Pastoral.  

Tirou   o   processo   da   Pastoral   e   levou   para   a   Fundação   Leão   XIII.   Foi   quando   o  

processo   foi   a   revelia.   A   Fundação   Leão   XIII   engavetou   o   processo.   Chegou   a  

época   do   julgamento,   não   compareceu   ninguém,   correu   a   revelia   (...)”   (   Pedro  

Mendonça)  

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  “(...)Em   82.     Aí   eu   estava   aqui   em   casa   quando   meu   cunhado   chegou   e  

disse:  

 

_  Ilsa,  você  não  sabe  de  uma  coisa.  Nós  vamos  ser  despejados.  

_  Como  que  a  gente  vai  ser  despejado?  

_  O  jornal  o  Dia  está  lá  embaixo  que  o  processo  já  foi,  parece,  três  chamado  

pra  gente  apresentar.  

_  Não.  Isso  é  impossível.  

_   Não,   é   possível   porque   o   jornal   está   lá   embaixo   e   disse   que   o   nosso  

advogado  não  compareceu.  

 

  “No  caso  era  o  Arnaldo  da  Leão  XIII.  Aí  aquilo  eu  fiquei  louca  (...)  Aí  o  que  

nós   fizemos?   A   noite,   Padre   Rude   ligou   pra   Maria   Alice   e   ela   confirmou   que  

realmente   estava   decidido   que   era   pra   gente   ser   despejado.   Aí   meu   esposo  

chegou,   foi   na   casa   do   Dr.Fernando   pegou   duas   bocas   de   alto-­‐falante,   colocou  

em   cima   do   carro   e   colocou   na   comunidade   o   que   estava   ocorrendo.   Que   se  

tinha  alguém  culpado,  o  único  culpado  era  o  presidente,  no  caso  seria  o  Pastor.  

Que   ele   era   o   culpado,   que   tinha   pegado   os   documentos...   Aí   ele   falou   pra  

comunidade   saber   tudo,   sabe.   Tinha   pegado   os   documentos,   tinha   pegado   um  

abaixo-­‐assinado  dentro  da  comunidade  (...)  Mas  que  tudo  tinha  sido  mentira.  Eu  

sei   que   quando   deu   nove   horas   da   noite   nós   nos   reunimos,   que   onde   era   a  

Associação,   que   era   onde   hoje   é   a   Escola   João   e  Maria.   Porque   quando  diziam:  

despejar,   o   que   chegava   de   gente   aqui   em   casa.   Porque   a   gente   tanto   era   de  

frente  da  Igreja  como  Associação.(...)  A  gente  fomos  assim  como...era  os   líderes  

no  início”.(Ilsa)  

  “Algumas   coisas   do   Grotão,   eu,   um   dos   motivos   de   eu   sair   do   Grotão   é  

que  alguns  moradores  não  entendem,  que  não  procuravam  ajudar  a  comunidade  

e   tal.   Porque   a   Associação   tem   uma   vantagem   muito   boa   e   tem   a   sua  

desvantagem.   Você   luta,   cria   uma   Associação   e   se   acaba,   corre   átras,   procura  

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apresentar   o   de   melhor,   no   sentido   de   ajudar   a   comunidade   mas   sempre   tem  

aquele   grupinho   da   oposição   que   está   sempre   levantando   contra   o   presidente.  

Justamente   este   grupo   são   os   que   nada   faz   pela   comunidade   (...)   Uma   das  

política   principal   que   funcionava   lá   no   Grotão   ,   que   a   Pastoral   de   Favela,   é   o  

orgão   que   parece   que   não   tinha   assim   bom   relacionamento   com   a   Fundação  

Leão   XIII   porque   naquela   época   existia   a   Pastoral   de   Favela   e   existia   a   FAFERJ.  

Então  as  favelas  que  eram  ligadas  à  FAFERJ  faziam  política  contra  a  Fundação,  e  

quem  era  ligada  à  Fundação,  às  vezes  encontrava  uns  colega  e  diziam:  ‘Não,  esse  

daí   é   da   Pastoral.   Não   tem   valor’.   E   justamente   este   grupo   de   lá   era   ligado   à  

Pastoral   de   Favela.   Para   mim   tanto   faz   Pastoral   como   a   Fundação   Leão   XIII,   o  

problema  é  que  venha  favorecer  e  auxiliar  a  comunidade.”  (Jordeval  da  Paixão)  

  (...)   Quando   nós   chegamos   lá,   aí   ele   já   tinha   reunido   outras   pessoas,  

inclusive   o   advogado   da   Leão   XIII,   estava   o   Irineu  Guimarães,   da   FAFERJ,   então  

ele  chegou   lá  e  só  ele  queria   falar,  com  o  microfone  na  mão  dizendo  que  aquilo  

não  passava  de  uma   invenção.  Que  aquilo   era  o   senhor  Reginaldo,   junto   com  o  

senhor  Padre  Carlos  que  estava  tentando  agitar  a  comunidade.  Aí  o  povo  ficaram  

sem   entender   nada   (...)   Então   aquilo   foi   quando   se   dividiu.   Realmente   houve  

uma   divisão:   quem   era   a   favor   do   Pastor   ficou   lá   em   cima   e   quem   era   a   nosso  

favor   desceu.   Aí   nós   ficamos   cá   em   baixo   na   quadra,   eles   lá   jogaram   pedra   no  

Padre   e   foi   aquele   ...sabe.   E   nós   dissemos:   nós   vamos   correr   átras.   Nós   não  

vamos  deixar  que  a  comunidade  seja  posta  para  fora  porque  nós  não  temos  para  

onde  ir.(...)  (Ilsa)  

“Quero  o  Grotão  senão  não  voto  não”67  

  “Nos   reunimos   aqui   em   casa,   começamos   a   fazer   faixas,   cartazes,   eu  

comecei   a   passar   uma   lista   dentro   da   comunidade   pra   comprar   biscoito,   pra  

comprar   as   coisas   pra   gente   ir   no   outro   dia   ao   Palácio   do   Prefeito.   Nesse  

período,   em   82,   nós   já   estávamos   muito   bem   situados   com   mais   outras  

67Palavra de ordem usada na mobilização dos moradores, no movimento pela terra.

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comunidades.   Então   aí,   nós   começamos   a   correr   a   comunidade,   avisando  

pessoas   para   dar   apoio   pra   gente,   pra   mandar   gente   pra   ir   junto   com   a   gente  

para  fazer  mais  volume.  Eu,  Dr.Fernando  e  a  Irani  que  era  uma  amiga  minha  (...)  

Mas   nós   fomos   na  Merendiba,   fomos   no   Parque   Proletário,   fomos   no   Cruzeiro,  

fomos   na   Marcílio   Dias,   fomos   em   Parada   de   Lucas,   telefonamos   para   uma  

comunidade   perto   de   Cascadura,   também  uma   comunidade   que   a   gente   estava  

sempre  junto  por  causa  da  Igreja,  né?”  (Ilsa)  

  “Estar  sempre  junto  por  causa  da  Igreja”  ajudava  na  mobilização  de  várias  

comunidades   e   movimentos   comunitários   da   Leopoldina,   como   foi   o   caso   dos  

integrantes   do   Movimento   Sangue   Novo   que   lutavam   pela   eletrificação   do  

Parque   Proletário   e   da   Vila   Cruzeiro   no   Complexo   da   Penha.   “(...)   Quando   o  

Grotão   foi  ameaçado,  a  gente   foi   lá,  ajudou  a  convocar,   fomos   lá  para  o  Palácio  

Guanabara.   Pegaram   a   identidade   de   todo   mundo,   foi   um   montão   de   gente.  

Fizemos   colagem,   fizemos   uma  Assembléia   lá   na   rua  mesmo   do  Grotão.”   (Luiza  

Rocha).  

  Na   Merendiba,   comunidade   do   Complexo   da   Penha,   a   presidente   não  

estava,  estava  viajando.  “Mas  a  representante  dela  disse  para  nós:  ‘olha,  ela  não  

está   mas   não   se   preocupem   que   se   eu   não   for,   eu   vou   mandar   umas   pessoas  

representando  a  comunidade’.  Olha,  aquela  que  mandou  menos,  mandou  10,  15,  

20  pessoas.(...)  Aí  o  Pastor  disse  que  ia  conseguir  dois  ônibus.  Colocamos  ele  na  

parede:   ‘você  vai   ter  que   ir  com  a  gente,  você  vai   ter  que  chamar  o  advogado  e  

ele   vai   ter   que  nos   apresentar   lá’.(...)  Que   veio  pessoas   com  carro,   com  Kombi,  

conseguimos   duas   Kombis   pela   Igreja,   conseguimos   carro   particular   mas   não  

dava   para   levar   aquela   multidão   de   gente   porque   aí   a   comunidade   já   estava  

muito  grande.  E  a  gente  não  era  assim  dizer:  só  vai  criança.  Não,  ou:  as  crianças  

não   vão.   Não.   A   gente   levamos   adulto,   criança,   velho,   o   que   pode   ir   nós  

levamos.(...)  Eu  sei  que  quando  nós  chegamos  em  frente  ao  Palácio...Laranjeiras.  

Foi   do   Governo.   Ainda   não   era   o   Brizola.   (...)   eles   ficaram   doidos.   Disse   que  

aquele   povo   todo   não   ia   entrar.   (...)   Aí   entrou   meu   marido,   meu   cunhado,   o  

Pastor   e   mais   algumas   pessoas   (...)   Chegando   lá   disseram   que   o   governo   não  

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estava  lá  e  que  alguém  ia  receber  aquela  comissão.  Mas  aí  ficou  aquele  negócio,  

vai  no  segundo  andar,  vai  não  sei  onde  e  aquilo  começou  a  demorar  (...)”.(  Ilsa)  

  Enquanto  isso,  lá  fora:  “eles  exigiram  identidade.  Então  o  povo  dizia:  ‘ora,  

nós   viemos   aqui   para   reinvindicar   nossas  moradias.  Ninguém   lembrou   de   botar  

documento   no   bolso.   Alguns   lembrou,   outro   não’.”.   Em   meio   aos   moradores  

estava   Aparecida,   uma   advogada   de   Caxias,   “quer   dizer,   ela   advogada   lá,   mas  

aqui  no  Rio  ela  não  significa  nada,  (...)  disse  para  mim:  

 

_  Olha  Ilsa,  esse  povo  todo  vai  entrar  porque  eu  vou  fazer  eles  entrarem.  

_  Aparecida,  cuidado  com  que  você  vai  fazer.  

_   Porque   se   esse   povo   receber   um   não   pela   cara,   nós   não   sabemos   o   que  

eles   são   capaz.   Porque   o   povo   está   realmente   tudo   revoltado,   enfurecido,  

sem  saber  pra  onde  ir.  

 

  Ela   meteu   a   mão   no   bolso,   tirou   a   identidade,   disse   pro   guarda   lá,   o  

segurança:  

 

_  Eu  me  responsabilizo  por  esse  povo  todo  que  está  aqui.  E  eles  vão  entrar.  

_  Você  se  responsabiliza  pelo  que  vai  acontecer?  

_  Eu  me  responsabilizo.  

 

  Aí   abriram   os   portões   e   aquele   povo   tudo   entraram.   Aqueles   gramados  

em   frente  ao  Palácio  do  Governo   ficou   tomado  de   tudo.(...)   Só  que  a  gente,  em  

baixo,   ficamos  apavorados  porque  a   gente  não   sabia  o  que  estava  acontecendo  

lá   dentro   e   não   sabia   se   eles   iam   dar   ordem   de   despejo   realmente   pra   gente  

porque   não   era   o   Governo   do   Brizola,   era   aquele   governo   que   estava   aí   que   a  

gente  não  sabia  de  que  lado  realmente  a  gente  ia  ficar,  como  a  gente  ia  ficar.(...)  

Mas   aí   nós   começamos   a   brigar   com   o   segurança   lá   embaixo.   Porque   nós  

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pegamos   água   mas   eu   esqueci   de   pegar   a   chave   com   meu   esposo   e   ficou  

trancada  dentro  do  carro.  Aí  nos  começamos  a  dizer  pra  eles  que  aquilo  não  era  

o   certo   o   que   eles   estavam   fazendo   porque   ele   olhava   para   ali,   que   tinha  

milhões  de  crianças.  E  que  eles  precisavam  atender  não  só  as  crianças  como  nós  

adultos   também   Dissemos   para   eles:   ‘se   vocês   não   abrirem   o   bebedor,   nós  

vamos   entrar   e   vamos   abrir’.   Tinha   um   grupo   de   mais   ou   menos   200   pessoas.  

Nós  marchamos   para   a   porta.   Aí   quando   eles   viram   que   a   gente   ia   entrar,   eles  

disseram:  ‘nào  ,  tudo  bem  não  precisa  disso,  tudo  bem,  a  gente  vai’”.(Ilsa).  

  Pouco   depois,   a   comissão   descia   e   “falaram  para   nós   que   a   gente   não   ia  

ser   despejado   como   estava   previsto   mas   que   a   gente   tinha   que   ver   realmente  

como   é   que   estava   andando   o   processo.   Que   tinha   feito   três   chamados   e   que  

ninguém   se   apresentou   pra   nos   defender.   Tudo   bem.   Aí   eu   sei   que   aquilo  

acalmou  pra  gente(  ...)  (  Ilsa)  

  “(...)  Os  que  estavam  sendo  julgados  eram  minoria.  A  maioria   já  estava   lá  

dentro”.   E   pouco   depois   “veio   a   revolução   de   troca   de   presidentes,   o   Jordeval  

saiu  e  entrou  o  Betinho  e  aí  o  Betinho   também  saiu  porque  aí  houve   realmente  

uma   nova   diretriz,   uma   possibilidade   de   despejo   com   700  moradores   quase   na  

beirinha  de  sair  porque  foi  julgado  novamente  e  aí  foi  dado  ganho  de  causa  para  

o   patrão.   Aí   entramos   com   recurso   e   a   questão   por   aí   caminhou’   (Pedro  

Mendonça).  

  “Quando   o   Brizola   entrou,   graças   a  Deus,   aí   nos   tivemos   que   fazer...Mas  

foi  uma  pequena  manifestação,  realmente  porque  aí   teve  outro  problema  que  a  

gente   ia   ser   despejado   de   novo.   Nós   fomos   direto   lá.  Mas   aí   a   gente   já   estava  

com  a  nossa  Associação  bem  organizada.(...)”  (Ilsa)  

  “Depois   do   Governo   Brizola,   em   85,   houve   uma   mobilização   dos  

empresários   porque   o   Brizola   quando   entrou,   nós   solicitamos   que   ele   atuasse  

em  cima  disso  para  acabar  com  a  pressão,  então  ele  decretou  a  área  de  utilidade  

pública.   Ele   decretando   a   área   de   utilidade   pública,   desapropriou   logo   a   seguir  

para   interesse   social.   Mas   aí   ele   teria   que   depositar   uma   quantia.   Ele   foi   e  

depositou   982   cruzeiros   que   hoje   é   cruzados.   Aí   a   empresa-­‐  muito  malandra-­‐   a  

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Elecatrone  tinha  vendido  já  a  área  para  Armazéns  Gerais  São  Luiz  e  ele  acampou  

a   briga   (...)   Uma   grande   firma,   achava   que   o   poder   capitalista   deles   ia   tirar   o  

pessoal.   Aí   foi.   Conclusão:   comprou   a   briga,   comprou   os   invasores   todos   e   se  

deram   mal.   Porque   com   a   desapropriação   para   o   interesse   social,   Brizola,  

passamos   a   brigar   com  os  Armazéns  Gerais   São   Luiz   (...)   Aí   foi   desapropriado   a  

terra   para   interesse   social   e   foi   depositado   ali   982   cruzados.   Com   isto   eles  

entraram   com   ação,   não   aceitaram,   entraram   com   ação   pedindo   mais,   ou   que  

então   o   governo   tirasse   o   pessoal   que   era   problema   do   governo   e   a   aréa   que  

eles   queriam,   era   reintegração   de   posse(...)   Aí   chegou   o   oficial   de   justiça   lá  

dando   ordem   de   despejo   pra   gente   e   a   gente   tinha   um   prazo.  Mas   isto   tudo   é  

uma  estratégia  deles  para  a  gente  peitar  o  governo  e  o  governo  dá  tudo  que  eles  

queiram.  O   que   a   gente   faz?   Ficamos   na   retaguarda   e   jogamos   o   advogado   em  

cima.   Nós   somos   burros   mas   não   somos   tanto.   Não   vamos   fazer   o   jogo   dos  

donos   da   terra.   Vamos   lutar   por   uma   causa   social.(...)   Os   advogados,   quando  

eles   viram  que   tinha  pressão  do  povo  em  cima  do  governo  porque   tínhamos  60  

dias  pra  desocupar  as  terras,  aí  eles  foram  e  negociaram.  Ficou  a  desapropriação  

por   um   milhão,   trezentos   e   tanto.   E   com   isso,   nós   concluímos   o   problema   da  

terra,  agora  em  13  de  março  de  87  com  o  governo  dando  cessão  de  uso  da  terra  

para   a   comunidade   porque   não   deu   para   titular   a   terra.   Ia   dar   título   de  

propriedade   mas   não   deu.   Então   corremos   o   risco.   Com   isso   eliminamos   o  

Governo  Moreira  Franco,  ou  qualquer  outro  governo  daqui  pra   frente  de  mexer  

com  a  gente.  Porque  nós  temos  a  cessão  de  uso  da  terra  por  10  anos  (...)”(Pedro  

Mendonça)  

Uma  “revolução”  na  Associação  

  “...O   povo   (...)   é   um   pessoal   sofrido.   Não   tem   condição   de   comprar   um  

lote   aí   fora,   do   jeito   que   está   a   coisa.   Então   quando   cria-­‐se   uma   associação,  

primeiro  ele   sabe  que   tem  uma   lei  que  garante  ele.  Há  uma   lei  que  garante  ele  

de   acordo   com   o   tempo   dentro   da   comunidade   e   por   intermédio   de   uma  

associação   de   moradores   é   que   o   presidente   terá   condições   de   recorrer   aos  

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orgão   estaduais,   recorrer   à   polícia   militar   quando   for   solicitado,   recorrer   à  

CEDAE,   à   Fundação   Leão   XIII,   ao   orgão   de   saúde,   recorrer   a   XIa   Região  

Administrativa.(...)  (Jordeval  da  Paixão).  

  Foi  presidindo  a  Associação  de  Moradores,  que  Jordeval  da  Paixão,  estava  

na  XIa  Região  Administrativa  e  lá  vendo  um  bocado  de  mesa  velha,  pensou:  “eles  

vão   ter   que   me   arrumar   uma   mesinha   daquela   porque   é   para   Associação”.  

Encaminhou   um   ofício   e   “imediatamente   foi   atendido   o   ofício   (...)   Agora   ele  

atendeu   porque?   Ele   atendeu   porque   sabe   que   dentro   daquela   comunidade   há  

uma   associação   registrada.   Mas   se   fosse   um   grupo   de   pessoas   simplesmente  

sem  um  documento  que  viesse  outorgado,  ele  não  ia  atender  a  reivindicação”  

  “A   associação   de   moradores,   ela   tem   certos   momentos,   ela   se   torna   a  

força   da   comunidade.   A   comunidade   vê   o   único   recurso,   aquela   associação,  

aqueles  companheiros  que  estão  naquela  diretoria  como  frente  a  respeitar  essa  

situação   que   aí   está.   Eles   ficam   muito   na   retaguarda   porque   foram   um   povo  

muito  massacrado   pelo   regime,   a   polícia   entrou,   sentou   o   cacete,   nós   tivemos  

várias  agressões  (...)”  (Pedro  Mendonça)    

  “   (...)Uma  associação,  de   três   em   três  meses,   ela   tem  que  prestar   contas  

com   a   comunidade.   Associação,   ela   tem   de   participar   dos   problemas   da  

comunidade.   Ela   tem   que   estar   por   dentro.   Se   um   barraco   cai,   se   uma   pessoa  

doente,  que  não  tem  condições  de  comprar  um  remédio,  até  de  levar  no  médico,  

eu   acho   que   a   associação,   ela   tem   por   obrigação...Sabe   por   que?   Por   que   nós  

somos   sócios   dela.   Nós   pagamos.   (...)   Junto   sim   com   a   comunidade,   porque   se  

tem  uma  associação,  ela  tem  que  procurar  ter  apoio  da  comunidade,  porque  não  

adianta   ter   uma   associação   trancada.   Porque   ele   só   não   vai   resolver   nada.  

Porque  se  ele  chega,  no  caso,   se  nós  precisamos  de  uma  coisa  pra  comunidade,  

eles   vão   lá.   Mas   só   presidente,   ele   não   é   atendido”.   Assim,   é   que   quando  

“precisava   de   pequenos   grupos   assim   de   20,   15   pessoas   prá   ir   lá   fazer  

reivindicações,  então  as  pessoas  iam  também”  (Ilsa).  

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  A   Associação   de   Moradores   do   Grotão   foi   fundada   em   1980   em   meio   a  

luta   pela   permanência   no   terreno   ocupado   e   pela   construção   de   um   espaço  

coletivo  de  vida.  

  O   Pastor   Jordeval   da   Paixão,   seu   primeiro   presidente,   entrou   na  

comunidade   no   início   da   ocupação.   “Ele   invadiu   mas   a   família   dele,   ele   não  

trouxe   para   cá.   Ele   só   arrumou   um   pequeno   lugar   e   colocou   exatamente   este  

Albertino   para   morar   (...)   Aí   ele   começou   com   aquela...sabe,   que   ele   era   uma  

pessoa  que  estava  pra  apoiar  a  comunidade.  Porque  ele  dava  culto,  né?  Sempre  

os   cultos   dele   por   aí.   Então,   a   gente   no   início,   percebemos   uma   boa   força   de  

vontade  nele.  Tá  bom.  Nós  não  vamos  dizer  que  ele  não  nos  ajudou.  Ajudou  sim,  

deu   uma   boa   ajuda.   Só   que   o   que   nós   achamos   que   ele   errou   mais   foi   nesse  

período   (...)   Só   que   quando   a   gente   viu   que   a   coisa   não   tava   indo   bem   que   a  

comunidade  não  estava  desenvolvendo,  aí  nós  botamos  ele  pra  fora”.  (Ilsa)  

  “Eu   morava   no   Parque   Proletário   da   Penha,   eu   continuava   a   morar   no  

Parque   Proletário   da   Penha.   Eu   assumi   a   presidência   porque   o   estatuto   diz  

assim:   ‘Só   pode   ser   presidente   morador   da   comunidade’   mas   como   eu   tinha  

vamos   dizer,   o   salão   de   reunião   dentro   da   comunidade   e   o   povo   me   deu   o  

privilégio   de   liderar   a   comunidade  mas   eu   não   tinha....Isto   foi   também  um   dos  

motivos   que  me   fez...,   porque   eu   sempre   ouvia   uma   conversinha:   ‘mas   ele   não  

mora  na  comunidade’.  Então  a  gente  vai  fazendo  uma  apanhado  dessas  coisinhas  

né?  E  isso  tudo  vai  entrando  na  mente”.  (Jordeval  da  Paixão).  

  Há   quem   se   recorde   que   “ele   aqui   foi   ótimo.   Deu   encaminhamento   prá  

água,   luz   (...)   telefone,   mais   ou   menos   ele   deu,   né?   O   que   chegou   ao   meu  

conhecimento,   né?  Que  a   gente   viu  o  movimento  dele.   Ele   sempre   ia   à   reunião  

com   a   gente,   nós   tivemos   ordem   de   despejo,   ele   sempre   correu   átras   com   nós  

(...)  Porque  ele  tinha  capacidade,  né?  Prá  ir   lá  embaixo  na  Secretaria(...)  Não  sei  

acho  que  só  dava  amor”.  (D.Antônia).  

  E  há  também  aqueles  que  se   lembram  que  “(...)  o  Jordeval,  os  moradores  

não   ficaram   muito   satisfeitos   com   determinadas   posições   dele   e   ele   chegou   e  

passou   a   Associação   de  Moradores   a   frente.   Convocou   as   eleições,   né?   Ele   era  

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pastor,   continuava  a  vida  bíblica  dele  e  não  queria  mais  nada  com  a  Associação  

de  Moradores”.  Veio  então  a  “revolução  de  troca  de  presidentes,  o  Jordeval  saiu  

e  entrou  o  Betinho”.(Pedro  Mendonça)  

  “No   Grotão,   eu   fui   presidente   inicial   e   fui   reeleito.   Logo   que   eu   fui  

reeleito,   imediatamente  eu  passei  o  meu  cargo  pra  outro  mas  nesse  período  eu  

já   me   sentia   assim   um   pouco   aborrecido   e   tal   e   não   quis   ficar   no  

Grotão”(Jordeval  da  Paixão)  

  “Então   nesse   período   que   foi   pra   ele   sair,   meu   esposo   ficou   45   dias   na  

Associação,   no   caso,   presidente   interino,   né?   Nesses   45   dias,   meu   esposo   fez  

pedido  de  asfalto,  meu  esposo  deixou  projeto  dessa  grande  caixa  d’água  que  nós  

temos  hoje,  e  outras   coisas,   reivindicações  que   tinha   feito   (...)  O  governo  era  o  

Brizola  mas   nesse   período   a   gente   já   tinha,   sabe,   já   tinha   a   luz   da   Light   que   a  

gente  tinha  conseguido;  nós  com  a  Igreja  conseguimos  um  posto  médico.  Aquele  

posto   médico   que   tem   ali   embaixo.   Fomos   nós,   briga   nossa.   O   Padre   comprou  

um   comodozinho   e   nós   construimos   aquilo   ali.   Aquela   aparelhagem   toda   que  

tem  ali  dentro  fomos  nós  que  conseguimos  (...)”(Ilsa)  

  “O   problema   é   o   orgão   que   venha   favorecer   e   esse   grupozinho   e   tal,  

sempre   da   oposição   e   que   nada   fazia   e   que   nunca   se   preocupou.   Por   sinal,   um  

deles   achou   por   bem   formar   uma   chapa   vindo   de   presidente   e   foi   uma  derrota  

porque  ele  não  ganhou  nada”  (Jordeval  Paixão)  

  “(...)  a  gente  tinha  conseguido  derrubar  o  pastor  pra  colocar  meu  esposo.  

Só   que   aí   ele   não   ganhou.   Aí   ganhou   o   Albertino   que   foi   um   que   o   Pastor  

apresentou   (...)   Ele   tinha   direito   de   apresentar   uma   chapa,   no   caso,   colocar  

alguém.   E   esse  Albertino   também  não  morava   na   comunidade.   Ele   trouxe   de   lá  

(...)   Aí   o   Albertino   ficou.   Mas   só   que   o   Albertino   apresentava   e   ele   que   dava  

todas   as   dicas.   Manipulado,   quer   dizer.   Era   Albertino.   Maria   Garcia   e   ele,   por  

trás,  dando  todas  as  dicas.  A  gente  achou  que  não  estava  bem,  não  está  bem,  a  

comunidade  não  está  andando,  a  gente  precisa  de  muita  coisa  (...).  (Ilsa)  

  “(...)Houve   eleições,   entrou   o   Betinho,   porque   na   época   que   o   Jordeval  

era   o   presidente,   a   Dona  Maria  Garcia   era   a   secretária   dele.   Aí   veio   o   Betinho,  

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candidatou-­‐se,   ganhou   as   eleições   com   a   Dona   Maria   Garcia   secretária   dele   e  

começou   o   trabalho(...)E   o   Betinho,   ele   foi   muito   infeliz.   Ficou   seis   meses,   a  

comunidade   ficou   contra   ele   porque   teve   ordem   de   despejo   e   ele   não   teve   o  

cuidado  de  brigar  pela  comunidade  e  nós   fizemos  um  risco  muito  grande  de  ser  

removido.  Um  dia  que  a  gente  acordou,  a  Rede  Globo  estava   lá,  com  a  polícia  e  

tudo,   televisão   e   oficial   de   justiça   para   remanejar   a   favela   (...).(Pedro  

Mendonça).  

  “O  Albertino   ficou...eu   acho   que   ele   não   ficou   um   ano.  Nós   derrubamos.  

Quando  nós  derrubamos,  aí  entrou  o  Pedro.  O  Pedro  ficou  o  mandato  todo.   (...)  

(Ilsa)  

  Pedro  Mendonça   já   havia   trabalhado   na   Gilete   do   Brasil   e   passado   pelo  

Sindicato  dos  Metalúrgicos.  Na  Vila  Proletária  da  Penha,  onde  morava  antes  de  ir  

para   o   Grotão   em   80,   “já   existia   Associação   de  Moradores   e   aquela   disputa   de  

poder  entre  as  associações  porque  lá  tinha  comissão  de  luz,  era  fora  de  série.  Eu  

achava   horrível   aquela   briga   dos   companheiros   favelados,   todos   pobrezinhos,  

brigando   um   com   o   outro   pelo   poder   que   não   tinha   significativo   nenhum.   Eu  

sempre   me   mantive   a   distância,   procurando   participar   do   sindicato   e  

acompanhando   a   política   partidária,   e   ainda   não   tinha   entrado   na   política  

partidária   porque   meu   conhecimento   no   Rio   de   Janeiro   era   muito   pouco”.   No  

Grotão,   “eu   fiquei   morando   lá   e   tinha   os   presidentes   da   Associação,   na   época  

era   o   Jordeval   Paixão   e   o   apoio   da   Igreja-­‐   padre   Carlos-­‐   ,   o   Regis,   aquela  

liderança   mais   avançada   ali,   dando   total   apoio   aquela   comunidade.   Eu   fiquei  

distante,   deixando   eles   trabalhar   e   tudo   porque   envolvia   até   então   um  

movimento  comunitário”.  

  “(...)   Devido   àquela     minha   agilidade   -­‐   a   prática   do   movimento   sindical,  

né?,   e   a   gente   aprende   muito,   eu   tinha   feito   a   campanha   política,   também  

partidária,   aí   conclusão:   eles   despertaram   a   atenção   que   eu   tinha   que   ser   o  

presidente  da  Associação  ali.  

 

_  Não.  Gente.  Eu  não  quero  saber.  

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_  Não.  Você  vai  sim.  

 

  E  começaram  a   fazer  pressão  e   formamos  uma  diretoria  com  o  apoio  dos  

reais  fundadores  que  era  o  Regis,  Padre  Carlos  e  o  próprio  companheiro  Antônio  

Pedro   que   foram   presidente   da   comunidade.   Fizemos   eleições.   Fizemos   duas,  

Jorge  e  outros  companheiros  que  chegaram  primeiro  na  comunidade.  Aí  corre  as  

eleições,   eu   fui   muito   bem   votado   e   teve   duas   chapas   e   comecei   o   trabalho  

comunitário  com  o  apoio  destes  companheiros.”(  Pedro  Mendonça)  

  “O   Pedro  Mendonça   era   uma   cara   revolucionário,   não   era   do   PT,   era   do  

PDT  mas  era  um  cara  que  brigava,   que   tinha  esta   compreensão  de   todo  mundo  

junto.(...)   Nós   apoiamos   e   fizemos   campanha   para   ele.   Eu   apoiei   ele.   Eu   era   da  

Pastoral,  ele  também  era.  Era  um  cara  que  vinha  com  o  novo”.  (  Luiza  Rocha)  

  E   aí   “(...)   chegou  o  Governo  Brizola   que   fez   aquela   abertura   e   ficou   tudo  

mais   fácil   pra   gente   fazer   o   trabalho   porque   até   então   nós   não   tínhamos   água,  

água  era  precária,  não  tínhamos  rede  de  esgoto,  não  tinha  escolas  comunitárias,  

o  posto  médico  estava  construindo  uma  parte  mas  não  estava  funcionando,  não  

tinha  iluminação  pública,  a  associação  era  um  quartozinho  e  aí  nós  começamos  o  

trabalho.  “(  Pedro  Mendonça)  

  “(...)  Porque  depois  que  o  Pedro  entrou  nem  falar  quase  ele  falava.  Então,  

toda  a   reunião  que  ele   tinha  que   ir,   toda   reivindicação  que  ele   tinha  que   fazer,  

ele   tinha  primeiro  que  vir   aqui   em  casa.   Porque  neste  período  que  meu  esposo  

estava,   pela   primeira   vez   entrou   o   Prefeito   que   estava   aí,   que   naquela   época  

tinha  sido  o  Maurício  Azedo  que   tinha   ficado   lá  num  período  de  45  dias  ou   três  

meses,   parece.   Então  Maurício   foi   vir   aqui   pela   primeira   vez.   Nós  mostramos   a  

comunidade,   andamos  a   comunidade   toda   com  ele.   E   aí   ficou  naquela   luta,  né?  

Aí  os  projetos,  meu  esposo  dizia,  quando  não  ia   junto  com  ele:   ‘Olha,  você  vai  a  

secretaria   tal,  você  vai  a   tal   lugar,  você  vai  pra  Câmara  Municipal,  você  procura  

o  Maurício  Azedo,  você  procura  fulano,  você  procura  beltrano’.”(  Ilsa)  

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  “Na   época,   o   presidente   da   Câmara   Municipal   era   o   vereador   Maurício  

Azedo  e  que  estava   como  Prefeito   interino  por   sessenta  dias.  Nós   solicitamos  a  

presença   dele   porque   existia   na   comunidade   casos   graves   de   meningite   e  

hepatite.   E   com   isso   ele   veio   e   se   comoveu   com   a   nossa   situação   e   levou   o  

problema  para  o  Prefeito  Jamil  Adad  que  logo  em  seguida  assumiu.  O  Jamil  Adad  

nos   visitou   e   constatou   as   irregularidades,   fator   confirmados,   através   de  

atestados  médicos   -­‐   os   casos   de  meningite   e   hepatite-­‐   e   colocou   o   Grotão   em  

plano  de  emergência.  Aí  começamos  um  trabalho,  se  deslocou  para  a  Secretaria  

de   Desenvolvimento   Social,   Secretaria   de   Obras   e   de   Desenvolvimento   Social,  

todas  as  áreas  de  favelas.  (...)  Com  isso  começamos  a  eliminar  as  valas  negras    e  

providenciar  melhoras  no  sistema  de  água  e  pavimentar  as  ruas,  e  contenção  de  

encostas   porque   quando   chovia   havia   deslizamento   de   terra,   inclusive   houve  

casos  fatais  de  morrerem  duas  crianças.”(  Pedro  Mendonça).  

  “(...)  Aí  foi  o  Pedro  que  entrou,  aí  foi  quando  a  CEDAE  entrou.  Mas  mesmo  

assim  foi  uma   luta  muito  grande  também  pra  gente  conseguir  a  água  da  CEDAE,  

sabe.  Porque  vai,  aí  chegava  lá  não  conseguia  muita  coisa,  aquela  luta”.(Ilsa).  

  Pedro   Mendonça   relembra   que   quando   entrou   “era   um   período   de   três  

meses   que   estava   faltando   água   na   comunidade.   E   aí   foi   uma   luta   travada  

porque   eu   pretendia   desativar   uma   caixa   que   nós   tínhamos   em   baixo,   na   rua  

Bom   Pastor   que   era   uma   caixa   que   inclusive   tinha   filtrado   de   esgoto,  mas   não  

podia   fazer  nada,   a   comunidade   tinha  que  beber   aquela   água  porque  não   tinha  

outra   água   (...)   Lutamos.   Já   que   eu   fui   convidado,   logo   no   início   do   governo  

Brizola,   em   83     para   discutir   a   implantação,   o   seminário   de   implantação   do  

Program   Proface.   (...)   Nós   tínhamos   um   projeto   de   no   pico   do   morro   nós  

fazermos   uma   caixa   d’água   que   atendesse   não   só   nós,   porque   nós   não  

queríamos  as  coisas   só  para  nós  não.  Nós  queríamos  para  os  companheiros  que  

estavam  aí   sofrendo.  As  outras   comunidades.  No  pico  do  morro,   se   fizesse  uma  

caixa   d’água   para   três   comunidades:   Grotão,   Sereno   e   Caracol.   Foram   três   dias  

de   Seminário   e   no   final   chegamos   a   nossos   objetivos   concretizados.   Nossas  

propostas  passaram,   inclusive  no  Seminário,   já   foi   aprovado  que  o  Grotão   seria  

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uma  das  primeiras  comunidades  a  entrar  no  programa  e  que  a  caixa  d’água  seria  

construída  para  as   três   comunidades.   (...)  Posterior,  demorou  cinco  meses,  eles  

começaram   realmente   a   fazer   o   trabalho  na   comunidade.(...)   Você   vê,   hoje   nós  

temos  o  sistema  de  rede  de  água  da  comunidade  que  é  uma  beleza  porque  está  

a   caixa   d’água   no   pico   do   morro,   atendendo   às   três   comunidades.   (Pedro  

Mendonça).  

  Foi   neste   período   também   que   “logo   no   início   do   Governo   Brizola,   nós  

solicitamos   para   que   nós   avançassemos   na   eliminação   de   vala   negra,   que   ele  

desse   o   material   que   nós   daríamos   a   mão-­‐de-­‐obra   gratuita.   Gratuita.   Então,   o  

que   que   fazia?   Ele   dava   a   assistência   técnica,   juntamente   com   a   FEEMA   -­‐   nós  

trabalhamos,   muito   assim   com   a   assistência   técnica   e   material   -­‐   e   nós   dava   a  

mão-­‐de-­‐obra.   Então,   sábado   e   domingo   se   tornava   uma   festa.   Nós   fazíamos  

aquele   angú   à   baiana,   pedia   alimento   nas   Casas   Sendas,   Casas   da   Banha,  

naqueles   comércios   e   eles   davam.   Sempre   deram,   né?   E   a   gente   fazia   aquele  

mutirão  e  no  final  a  gente...só  dava  uma  coisa  bebida  (...)  Então  era  uma  festa.”(  

Pedro  Mendonça).  

  Mas   a   eliminação   das   valas   negras   há   alguns   problemas   pois   “(...)   essa  

vala,   pra   gente...   porque   a   gente   colocamos   as   tampas   mas   não   é   o   certo.  

Porque  o  certo   seriam  os  esgotos,  né?  As  manilhas   tampadas.  Essa  vala  quando  

chove...No   caso,   passa   um   mês   sem   chover,   né?   Só   o   sol   quente.   Naquele  

período  é  um  mau  cheiro  tão  grande  mas  tão  grande  que  se  a  gente  tem  visita,  a  

gente  às  vezes  fica  até  com  vergonha,  pede  desculpa  por  causa  do  mau  cheiro.  E  

quando   passa   esse   período   sem   chover,   quando   chove,   é   a  mesma   coisa.   Você  

arranca,   tira   essas   tampas  dela...Porque   isso   foi   a   gente,   a   comunidade.  Aliás  o  

material   veio   do   governo,   da   secretaria,   né?   E   a   comunidade   fez.   Cada   um   pra  

tampar  a  sua  porta.  Mas  se  você  olha  bem  dentro  dessa  vala,  se  você  abrir  uma  

tampa  desses,  é  tanto  bicho,  tanto  do  bicho  que  tem  dentro  desta  vala!  De  fazer  

nojo.  Enão  me  diz  uma  coisa?  De  onde  vem  a  doença?”  (Ilsa)  

  No   combate   a   esta   doença,   Pedro   Mendonça   coloca   que   “se   tem   um  

programa   de   saúde,   tem  primeiro   que   atacar   as   valas   negras   porque   veja   bem,  

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posterior,   você   tem   que   ter   o   posto   de   saúde,   porque   se   você   tem   o   posto   de  

saúde   e   não   eliminar   as   valas   negras,   não   adianta   você   ter   um   posto   de   saúde  

dentro   da   comunidade.   Em   seguida   a   escola   comunitária   (...).   Com   isso,   nós  

demos  prioridade  a  eliminação  das  valas  negras,  posto  médico  e  posterior  escola  

comunitária”.  

  “Nós   temos   médico,   inclusive   o   posto   de   saúde   odontológico   da  

comunidade,   o   mini-­‐posto   (...)   Conseguimos   o   aparelho   odontológico   para   a  

comunidade  pra  que  nós  dessemos  o   atendimento   à   criança,   de   saúde   clínica   e  

odontológica.  Porque   se   já  eliminamos  as  valas  negras,  nós   tínhamos  condições  

de  fazer  uma  trabalho  de  saúde  na  comunidade  (...)  Nós  fomos,  eu  até  digo  aqui  

que  nós   somos  privilegiados.   São  poucas   comunidades  que   têm  um  posto   como  

o  nosso.”  (  Pedro  Mendonça)  

  “Porque   o   nosso   posto   aqui,   no   caso,   quando   atende,   ele   não   atende   só  

nós  aqui.  Atende  Caracol,  atende  gente  que  vem  do  outro   lado,  sabe.  Então  nós  

temos  um  posto  médico  que  nossa  área  deveria  ter  mais...  tem  tudo  pra  ser  bem  

atendido.  Porque  você  vê  bem,  se  nós  tivéssemos  médico  pra  vir  atuar  no  nosso  

posto   médico   seria   bem  melhor.   Porque   a   gente   não   precisava   ir   a   INPS.   Não.  

Porque  você  vê.  Nós   temos   três,  quatro  pessoas  que   trabalha  no  posto  médico,  

que   são   pagos   pela   secretaria,   né.   (...)   Agora   eu   não   sei   como   é   que   está   este  

material   mas   a   gente   tinha   material   de   olhar   garganta,   tinha   aparelho  

ginecológico,   aqueles   aparelhos   descartável,   muito   medicamento...Porque  

naquela   época,   o   IAPETEC,   nós   tínhamos   um   bom   conhecimento   lá   dentro(...)  

(Ilsa)  

  Foi  no  período  que  Pedro  Mendonça  esteve  na  presidência  da  Associação  

que   também   se   conseguiu   implantar   um   projeto   de   geração   de   renda   na  

comunidade   “que   gera   recursos   na   própria   comunidade.   Isto   foi   conseguido  

através  da  Secretaria  de  Desenvolvimento  Social   também.  Conseguimos  espaço,  

máquina,  tudo,  o  pessoal  lá  trabalhando,  está  lá”  (  Pedro  Mendonça).  

  “A  minha   luta   teve  praticamente   tudo.  Teve  pavimentação,  contenção  de  

encostas-­‐   onde   morreu   criança   devido   a   deslizamento   de   barraco   -­‐   a   caixa  

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d’água  no  pico  do  morro,  posto  médico  clínico  odontológico.  Mas  a  minha  maior  

luta,   o   meu   prazer,   é   todo   dia   eu   acordar,   morando   em   frente   aquela   escola  

comunitária   e   ver   aquelas   criancinhas   subindo   aquela   escada   e   estarem   lá  

dentro,  tendo  uma  assistência.”  (  Pedro  Mendonça).  

  Pedro   Mendonça   relembra   que   ainda   no   início   de   seu   mandato,   “em  

noventa  dias,   três  meses.   nós  discutimos  e   implantamos  o  projeto  de  educação  

comunitária   na   comunidade.   Foi   um   problema   difícil   porque   até   então   não  

tínhamos   espaço  mas   aí   solicitamos   através   dos   contatos   que   fizemos.   Fizemos  

contato  com  uma  chilena,  a  Carmem  Barra,  que   foi  vítima  do  regime  Pinochet  e  

que  se  asilou  na  Suécia.  Com  isso,  ela  veio  fazer  um  trabalho  com  a  Igreja  Sueca  

no  Rio  de  Janeiro,  chegando  aqui  através  do  Nelson  Mauro,  assessor  do  Maurício  

Azedo.   (...)   Ela   trouxe   os   suecos   para   visitarem   a   comunidade   e   eles   acharam  

que   realmente   nós   teríamos   que   ter   um   espaço   para   aquela   crianças   que  

estavam   jogadas   nas   ruas   mesmo   que   não   atendesse   a   todas,   pelo   menos   ir  

tirando   as   crianças   das   ruas.   E   nos   cedeu   verba   para   que   nós   comprássemos   o  

prédio   que   era   do   antigo   presidente,   o   Pastor   Jordeval.   Isso   foi   feito   e   logo   a  

seguir   nós   repassamos   este   prédio,   já   em   condições   de   funcionamento   para   a  

Secretaria   de   Desenvolvimento   Social   para   que   ela   assumisse   o   espaço   porque  

nos  mobilizamos  através  de  todas  as  instituições.  Conseguimos  doações  inclusive  

com  o  DER68  que  foi  quem  doou  os  móveis  da  escola”.  

  “Você  veja   como  é   importante  a   comunidade,   como  um  projeto  desperta  

a  atenção  da  comunidade.  Nós  implantamos  a  escola  comunitária  em  três  meses  

e   com   isso   a   comunidade   não   teve   uma   vontade   de   participar   da   educação   da  

criança.   Fazer   um   trabalho   com   a   criança.   Mas   quando   eles   viram   que   estava  

sendo   remunerado,   porque   até   então   nós   tentamos   conseguir   na   comunidade  

pessoas  para   fazer  um  trabalho  com  a  criança  e  nós  não  encontramos  porque  a  

comunidade   é   pequena   e   porque   o   nível   de   educação   é  muito   baixo   -­‐   é   aquele  

que  a  direita  gosta,  que  não  passa  do  primeiro  grau.  Aí  nos  tivemos  que  apanhar  

esses   recursos  humanos  da  Vila   Proletária  da  Penha  porque  é  uma   comunidade  

68Departamento de Estrada e Rodagens.

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maior.   Trouxemos   13   professores   para   a   escola   comunitária.   Quando   eles  

começaram   a   fazer   o   trabalho,   a   comunidade   começou   a   despertar   porque  

inclusive   eles   estavam   ganhando   um   bom   salário,   né?   Aí   despertou   o   interesse  

dessas   companheiras,   inclusive   até   Dona   Maria   Garcia   estava   no   meio,   de  

participar   do   processo.   E   solicitaram   através   da   Assembléia   que   queriam   ser  

agentes   de   saúde,   agente   de   escola   comunitária   e   participar   do   processo.   Isso  

causou  até  um  problema  porque  a  gente   teve  que  afastar  esse  pessoal  que  não  

era   da   comunidade   para   dar   espaço   pra   eles   que   eram   da   comunidade   que  

estavam   reivindicando   seu   espaço.   E   aí   esse   pessoal   foi   afastado   e   ficaram   a  

disposição   da   Secretaria   de   Desenvolvimento   Social   (...)   Aí   a   comunidade  

assumiu   o   seu   espaço   E   com   isso   D.Maria   Garcia   se   enquadrou   no   nosso  

trabalho(...)assumiu   a   escola,   como   agente,   e   a   geração   de   renda.(Pedro  

Mendonça)  

  “Dona  Maria  Garcia.  ela  reingressou  na  associação  porque  eu  sempre  tive  

uma   política   de   trabalhar   com   todas   as   pessoas.   Comigo     não   tem   oposição.  

Todos   que   querem   trabalhar,   vamos   trabalhar   juntos.   E   Dona   Maria   Garcia,  

apesar   de   ter   participado   de   duas   diretorias   que   não   tiveram   muito   êxito   na  

comunidade,   não   tiveram   conquista   na   comunidade,   ela   foi   uma   pessoa   muito  

atuante   (...)   Então   eu   vi   na   Dona   Maria   Garcia   uma   pessoa   que   poderia   estar  

junto  de  nós,  e  convidei  D.Maria  Garcia,  depois  de  dois  anos  e  meio  de  mandato,  

a   participar   da   diretoria   com   a   gente.   E   aí   ela   achou   que   desde   que   nós  

aceitasse,   ela   vinha   ajudar   a   participar   da   luta.   E   com   isso   eu   tinha   até   um  

problema   na   minha   diretoria   porque   houve   um   racha,   racha.   Alguma   pessoas  

não   concordaram   por   ela   ter   passado   por   duas   diretorias   e   participar   de   nosso  

trabalho.  Aí  eu  cheguei  a  ver  que  não  tinha  nada  a  ver  porque  ela  é  uma  pessoa  

da   comunidade   e   como   pessoa   da   comunidade,   tem   direito   a   participar   da  

diretoria   da   associação.   E   teve   lá   alguns   companheiros,   igual   ao   companheiro  

Reginaldo   que   disse   que   a   partir   do   momento   em   que   ela   ingressasse   na  

diretoria   eles   se   afastariam.   Aí   eu   não   fui   radical   mas   eu   gostei   de   manter   a  

posição   e   disse:   ‘Bom,   então   companheiros   se   vocês   não   querem   continuar  

participando   na   luta,   a   Dona  Maria   Garcia   vai   ser   reintegrada   à   Associação   de  

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Moradores  através  de  nossa  diretoria.  E  vocês,  na  hora  que  vocês  quiserem,  está  

aí  a  comunidade  aberta”.  (Pedro  Mendonça)  

  “(...)   Porque   o   Pedro,   no   início,   ele   conseguiu   ser   um   bom   presidente.  

Depois  é  que  ele  conseguiu  ser  manipulado,  não  sei  por  quem  e  por  que  não.(...)  

Olha,   antes   a   gente   estava   assim   coligado;   meu   marido   não   fazendo   parte   de  

nada,  mas  dando  as  dicas,  como  é  que  tinha  que  fazer  aquela  coisa  toda.  Mas  aí,  

quando  a  gente  viu  que  ele  não  estava  dando  apoio  que  a  comunidade  merecia  e  

merece,   aí   a   gente   realmente   se   desligou.   Nós   não   queremos   mais   saber   de  

nada,   não  queremos  mais   saber   de   associação.   Se   é   desse   jeito,   então   você   vai  

agir  do  seu  jeito”(Ilsa)  

  “(...)   Eu   vivia   na   Pastoral   de   Favelas   que   acompanhava   o  Grotão,   aí   você  

sabia   o   que   estava   acontecendo.   Teve   um   dia   numa   reunião   na   Pastoral   e   eu  

falei   com   o   Pedro.   Porque   o   Brizola   veio,   seduz   ele   com   uma   proposta...,  

Conselho   Comunidade,   não   é   esse   o   nome,   não.   O   nome   foi   Marcelo   Alencar  

quem  deu  mas  tinha  um  nome  que  o  Brizola  deu.    Ai  o  Pedro  Mendonça...   (...)  É  

assim   que   começa,   sabe   como   que   é?   Antigamente,   o   Movimento   era  

assim...Porque   a   gente   não   ia   falar...,   não   ia   um,   a   gente   não   ia   para   o   Palácio  

para   reunir   com   o   gabinete.   Iam   cinquenta   e   subiam   três,   subia   a   comissão.  

Então   tinha   sempre   um   movimento   muito   vivo   ali,   sempre   presente.   Com   o  

Brizola,   isso   vai   acabar.   (...)Então,   o   presidente,   como   ele   não   tem   voto  

deliberativo,   quer   dizer   ele   é   um   voto   consultivo...O   Governo   tem   a   grana.   Ele  

tem  até  uma  fala.  Mas  vai   implementar  o  que  o  governo  quiser.  Aí  tudo  mudou.    

Então  assim,  querer  reivindicar  um  orelhão,  uma  linha  direta  que  a  gente  queria,  

um  orelhão  que  recebe  chamada.  Aí  eu  falei  para  o  Pedro  Mendonça:’O  que  que  

você   fez?  Você   foi   lá.  Conseguiu  o  orelhão,  né?  Você  conseguiu  o  orelhão.  Sabe  

o   que   você   fez?   Você   abortou   o   movimento   organizado.   Abortou,   entendeu?.  

Está  sendo  cortado  e  tal’(...)”  (  Luisa  Rocha)  

  “Ele   se   ligou   muito   à   política   externa   e   deixou   a   interna   correr.   (...)   A  

política  externa  está  sempre  no  pé  de  alguns  lá,  de  um  deputado,  do  governo,  de  

seja   lá  quem   for.  E  ele  não   se  preocupa.  Então  muitas  e  muitas  vezes  eu  cansei  

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de   ver   pessoas   chegavam   na   associação:   ‘Cadê   o   presidente?’.   Não   tem   o  

presidente.  Chegava  aqui  em  casa...Mas  aqui  não  é  a  associação.  A  associação  é  

lá   embaixo.   ‘Mas   seu   Pedro,   eu   queria   que   você  me   desse   uma   orientação   não  

sei  de  que,  o  barraco,  sei  lá,  a  luz...’’’(  Ilsa)  

  “Eu   fui  a  verdadeira  oposição  número  um  ao   Irineu  Guimarães  porque  eu  

queria  mudanças.   Porque   a   Federação69,   a   gente   achava   que   ela   era   atrelada   a  

isso,  aquilo  outro.  Não   fazia  nada.  As  pessoas  até  pensavam  que  eu  brigava  por  

poder  mas   a  minha   posição   não   é   poder.   Essa   posição   que   tenho   nas   reuniões,  

eu   tenho   dentro   da   CTC70,   tenho   em   todos   os   setores   mas   não   é   o   poder.   É  

participação  em  qualquer  coisa  antes.  E  o  pessoal  da  federação  acharam  que  eu  

queria   ser   presidente   da   federação,   por   isso   é   que   eu   tinha   que   aparecer   em  

tudo.   Veio   a   eleição,  me   convidaram   e   eu   não   quiz.   Eu   disse:   ‘Olha,   vocês   vão,  

vocês  são  um  grupo  que   tem  proposta  e  que  querem  participar  e  eu  deixo  vaga  

pra  vocês.  Eu  continuo  na  minha  associação  e  vocês  fazem  o  trabalho  avançar”.  

  “(...)Ele  passou  a  não   ter  um  contato  com  a  comunidade.  Passou  quase  a  

não   fazer   reunião,   não   tinha   mais   ajuste   de   conta,   sabe?   Estava   uma   coisa   ao  

Deus   dará.   (...)   Realmente   chegou   a   um   ponto   que   ele   se   trancou   pra  

comunidade.  Aí  foi  quando  veio  uma  luta  e  aí  teve  uma  eleição  e  ele  se  reelegeu  

de   novo   e   ganhou!   Tornou   a   ganhar   e   ficou.   Só   que   depois   ele   disse   que   não  

queria  mais  (...)  foi  quando  a  Maria  Garcia  ganhou.”(  Ilsa)  

  Pedro  Mendonça  avalia  que  “(...)como  eu  vi  que  tinha  pessoas  que  tinham  

condições   de   vir   reforçar   o   trabalho,   vem   através   da   associação   e   eu   fico,   por  

trás   fortalecendo.   Com   isso,   eu   antecipei   as   eleições   porque   eu   além   de  

participar   do  movimento   comunitário,   eu   participo   do  movimento   sindical   e   do  

movimento  partidário.  (...)”  

  “A   Dona   Maria   Garcia   assumiu   a   escola   comunitária,   como   agente,   e   a  

geração  de  renda.  E  aí  eu  vendo  a  necessidade  de  passar  a  associação  porque  eu  

69Pedro Mendonça se refere aqui a FAFERJ - Federaçào de Associação de Favelas do Estado do Rio de Janeiro. 70Companhia de Transportes Coletivos onde Pedro Mendonça, por ocasião da entrevista, trabalhava como inspetor de operação.

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tenho   muitas   responsabilidades,   ela   foi   uma   das   candidatas   e   concorreu   as  

eleições.   Está   trabalhando   nos   projetos   e   é   presidente   da   Associação”.   (Pedro  

Mendonça).  

  Ela   “(...)   está   dedicando   muito   à   comunidade   porque   ela   sabe   que   nós  

pegamos   muito   no   pé   dela   quando   ela   estava   junto   com   o   pastor   Jorge.   Tem  

algumas  coisas  realmente,  que  isso  eu  falei  pro  meu  esposo,  tem    algumas  coisas  

que   eu   tenho   que   colocar   para   ela.   Será   que   ela   vai   ser   uma   boa   presidenta?  

Porque   quando   ela   trabalhou   junto   com   o   Pastor,   eu   não   sei   se   era   por   causa  

dele,  mas  ela  não  foi  uma...,  sabe  uma  boa  representante  da  comunidade.  Então,  

o   que   digo   é   o   seguinte:   eu   pago   as   minhas   mensalidades   mas   no   dia   da  

assembléia   geral   eu   quero   todo   o   ajuste   de   contas   e   eu   quero   saber   em   que  

aquele   dinheiro   foi   colocado.   Serviu   pra   que?   Pra   comprar   o   que?   Onde   é   que  

ele  está?  Onde  é  que  deixou  de  estar?.  Isso  eu  sou  muito  radicalista  nesse  ponto  

de  vista”.(  Ilsa)  

  Enquanto   isso   “estou   fazendo   o   trabalho   comunitário   como   morador,  

estou   dentro   da   empresa   fazendo   um   trabalho   de   prevenção   de   acidentes   na  

CIPS  porque  eu  acho  que  a  gente  tem  que  fortalecer  tanto  no  movimento  dentro  

das   comunidades   como   na   fábricas   porque   nas   fábricas   também   tem   o   pessoal  

das   comunidades”.   “Eu   acho   que   todo   presidente   que   sai   da   associação   de  

moradores   ele   tem   que   ficar   dando   o   apoio   e   fazendo   o   seu   trabalho  

comunitário”.(Pedro  Mendonça)  

Enfrentando  os  “Muros  de  Berlim”  

  Falando   sobre   as   discriminações   sofridas   pelos   favelados,   Pedro  

Mendonça  observa  que  “acham  que  o  favelado  é  um  bicho  que  não  tem  direito  a  

nada”.   E   aí   o   embate   é   mais   direto   com   “as   autoridades   do   governo.   Ela   é   a  

principal.   As   autoridades   do   governo   é   o   Muro   de   Berlim   para   as   associações,  

para  as  comunidades  da  favela.”  

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  Mas  havia  quem  achasse  que“(...)  o   relacionamento  do  presidente  com  o  

governo   é   muito   bom.   Agora   depende   do   presidente   porque   não   só   fica   na  

alimentação   e   no   leite   porque   não   é   só   comida   que   resolve   problema   da  

comunidade.  O   governo   está   disposto   a   atender   qualquer   tipo   de   reivindicação  

das   comunidades.   Agora   depende   do   presidente   solicitar,   recorrer   e  

principalmente  manter  bom   relacionamento  dentro  da   comunidade  e   exigir   por  

no  mesmo  momento  ele  envia  um  ofício  para  o  governo  em  prol  da  comunidade,  

ele  também  não  pode  ficar  sentado  dentro  de  quatro  paredes,  esperando  que  o  

governo   mande,   vamos   dizer,   designe   pessoas   de   cada   setor,   de   cada  

departamento  para  encontrar  o  presidente  porque  não  há  condições.”   (Jordeval  

da  Paixão).  

  “(...)   Porque   algumas   coisas   chegam  ao   conhecimento   do   governo,   né?   E  

outras   já  não  chegam.  Porque  inclusive  eu  não  posso   ir   lá  porque  se  eu  pudesse  

até   que   eu   gostaria   de   chegar   perto   dele   e   conversar   a   respeito   da   situação  

minha,  que  a  vida  não  é  fácil  aqui  dentro,  e  a  respeito  dos  moradores,  dos  meus  

vizinhos,  né?   (...)Reunir  um  bocado  de  moradores  e   ir  a  ele,  né?  Conversar  com  

ele  e  ver  o  que  ele  pode  fazer,  né?”  (D.Antônia)  

  Fazendo   um   retrospecto   foi   “no   regime   militar,   mesmo   sem   eu   ter   a  

pretensão  de  associação  de  moradores,  nas   convocações  que  a  associação   fazia  

para  ir  às  secretarias  de  governo,  inclusive  na  época  do  Julio  Coutinho  -­‐  que  nós  

tivemos  grande  problema  com   Julio  Coutinho   -­‐  era  horrível!  Eles  não  aceitavam  

as   comunidades.   Você   chegava   lá   naquelas   secretarias   era   um   nojo   para   eles.  

Eles  tinham  ódio.  Tanto  é  que  nós  não  avançamos.  Nós  não  tivemos  benfeitorias  

e   a   maior   parte   das   comunidades,   ou   seja   todas   elas.   Só   a   Rocinha   que   teve  

benfeitoria   no   governo   do   Júlio.   Esses   programas   de   favela   só   passaram   a   ser  

atendidos  no  governo  Brizola.  No  Governo  Brizola,  ele  tem  uma  visão  social,  uma  

causa  social.  Tanto  é  que  ele  deu  prioridade  às  comunidades  carentes”.   (  Pedro  

Mendonça)  

   “Tivemos   uma   ordem   despejo   aí   que   não   foi   brincadeira,   nós   vimos   a  

hora  de  ser  despejados.Se  nós  estamos  aqui,  agradeço  ao  Governador  Brizola.  E  

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ao  Saturnino,  né?  Que  depois  que  ele  está  no  poder,  ele  veio  aqui,  sempre,  está  

cooperando   com   nós.   E   todos   eles   da   Secretaria,   Câmara   dos   Deputados.   Os  

deputados   de   lá,   nós   devemos   um   grande   favor   a   eles,   né?   E   se   eu   estou   aqui,  

meus  vizinhos  e  os  moradores,  agradeço  a  eles”.    (D.  Antônia)  

  Dá  até  para  reconhecer  que  “ele   falhou  em  algumas  coisas,  muitas  coisas  

ele   falhou.   Também   eu   acho   que   a   gente   tem   que   ver   um   pouco   que   o   Brizola  

não   teve  o  apoio  do  governo   federal.  De  maneira  nenhuma.  Nós   sabemos  disso  

porque  nós  tivemos  em  várias  reuniões  junto  com  ele.  Aquela  Câmara  Municipal,  

a  gente  virava  ela  de  um  lado  de  outro.  A  gente  conseguia  entrar  e  tudo.  A  hora  

que  a  gente  queria  a  gente  entrava,   tinha   reunião,  a  gente   falava  com  Maurício  

Azedo,   falava   com   Nelson   Lopes,   as   secretarias   também.(...)   Então   a   gente  

conseguiu  um  espaço  muito  bom.  No  Governo  Brizola  realmente  foi  quando  nós  

conseguimos  o  que  nós  temos  hoje  na  comunidade”.(Ilsa)  

  Mas   no  Movimento   Popular   na   Leopoldina   há   quem   relembre   que   “foi   a  

época  do  primeiro  governo  do  Brizola  e  era  um  pessoal  com  uma  postura  assim:  

o  Brizola  passou  a   ser  o  assistencialista.  Passou  a   ser  não.  Ele  começou  a   tratar  

as  comunidades   faveladas,  as  comunidades  mais  carentes  com  um  paternalismo  

fora  do  comum.  Tinha  aquele  tal  de  Maurício  Azedo  que  na  época  era  presidente  

da  Câmara  Municipal  que  deixava  as  portas  abertas,  né?  O  pessoal  chegava   lá  e  

ele,   tipo   assim:   olha,   tudo   bem,   não   se   preocupa   não   porque   nós   vamos   fazer.  

Quer  dizer  mudou  o   foco  da  história.  Por  que?    Porque  nós  estávamos  o   tempo  

inteiro   falando   da   importância   do   fazer.   A   importância   do   ser   o   sujeito   da  

própria   história   deles.   A   importância   deles   estarem   atuando   e   brigando   pelas  

coisas   que   eles   achavam  que   eram   importantes   para   eles,   que   eram   conquistas  

que   seriam  muito  melhor   saboreadas.   Aí   quando   chegou   o   governo   do   Brizola,  

ele  começou  a  cooptar,  né?  Tipo  assim:  “ah  não,  não  precisa  ir  não,  já  falou  com  

Maurício  Azedo  e  ele  falou  que  vai  providenciar”.  (Josélia  Alves)  

  O   que   se   vê   também   é   que   “de   governo,   de   constituinte   nova   nós   não  

temos   nada.   Você   sabe   por   que?   Porque   os   que   estão   lá   são   os   mesmos   de  

antigamente.   (...)“(...)   Realmente   eu   acho   que   o   Governo   Federal,   ele   não   se  

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preocupa   com   os   problemas   de   comunidade.   Favela.   Eu   acho   que   não   (...)   Eu  

acho  que  é  onde  ele  teria  que  começar  a  se  preocupar  porque  são  comunidades  

também   já   trazendo   do   norte   e   nordeste.   São   um   pessoal   sofrido   (...)   Diz   que  

vão  fazer  aí.  pro  lado  da  Paraíba,  eu  não  sei  qual  o  lugar,  uma  construção  muito  

grande  pra  que  dê  área  de  trabalho  pro  povo  trabalhar.  Só  que  eu  acho  que  pra  

área   do   norte   e   nordeste,   ele   está   ajudando   muito   pouco.   Porque   eu   tive   no  

Maranhão,  que  é  a  área,   é  o   lugar  dele,   é   área  que  ele   consegue  manipular,   eu  

vou  lhe  dizer  uma  coisa:  se  você  for  fazer  um  trabalho,  você  viajar,  se  você  fosse  

viajar   pro   lado   do   norte,   nordeste,   Maranhão,   você   só   não   consegue   viver  

chorando  direto  se  você  costurar  o  olho”(  Ilsa)    

  “Infelizmente  é  como  eu  acabei  de  falar:  é  política.  O  político,  ele  não  faz  

nada   sem   interesse.   O   político   quando   ele   chega   a   mandar   simplesmente,   ou  

seja-­‐  porque  ele  não  manda  nada.  Ele  faz  um  pedido  ao  orgão  do  Estado,  quando  

chega   a   dar   um   jeito,   a   urbanizar   uma   rua,   aquilo   é   porque   há   um   interesse  

político”.(Jordeval  da  Paixão)  

  “E  o  governo  não  abre  as  portas,  muitos  deles,   a  maioria  não  quer  que  a  

comunidade   trabalhe   lado   a   lado   com   ele,   que   eu   acho   uma   injustiça   porque  

quando   eles   abrem   as   eleições   deles,   pra   se   elegerem,   eles   sabem   procurar  

todas  as  comunidades.  Nessa  comunidade  aqui,  eu  vou  lhe  dizer  uma  coisa,  teve  

uma   época   que   eu   falei:   ‘a   nossa   comunidade   está   servindo   de   curral   de  

campanha   eleitoral.   Porque   eu   não  me   interessava   se   eu   estava   apoiando   PDT  

ou  PMDB,  não  apoiei.  Realmente  apoiei  o  PDT.  Não  interessa  se  Darcy  fosse  PDT,  

PMDB,  PT,  PC  do  B,  que  aqui  em  casa,  baixou  tudo,  sabe?  Mas  eu  dizia  para  eles:    

 

_   Não   adianta   vocês   nos   procurarem,   a   favela,   as   comunidades   porque  

vocês   só  procuram  na   época  que   vocês   precisam.   Porque   vocês   precisam  é  

se  eleger.  Porque  depois  que  vocês  estão  lá  em  cima,  vocês  esquecem  que  a  

comunidade,   a   favela,   o   povo   pobre   existe.   Por   que?   Se   vocês  

ganham...Vocês   sabem   que   o   rico   é   minoria.   O   pobre   é   maioria.   Então   se  

vocês   ganham...,   não   é   o   rico   que   faz   vocês   lá   no   poder,   não.   É   o   pobre.  

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Vocês   só   procuram   o   pobre   quando   vocês   estão   precisando   (...)   Por   que  

vocês  não  dão  atenção?  Ou  por  que  vocês  não  recebem?  Pra  gente  chegar  e  

conseguir  marcar  reunião  com  um  deputado  você  tem  que  ligar  umas  20  ou  

30   vêzes   para   chegar   lá,   pra   falar   com   um   assessor,   com   uma   segunda  

pessoa,   com   a   terceira,   com   a   quarta,   com   a   quinta,   10,   20,   30   vezes?   Por  

que?  Nós  somos  ser  humano  igual  a  vocês.  

 

  Isso  eu  falei  prá  muitos  deles  aqui  na  porta”.(Ilsa)  

  “(...)   Nesse   novo   governo,   com   a   Rede   Globo,   estão   dizendo   que   não  

compensa   fazer   obras   de   contenção   de   encostas   em   favelas.   É   preferível  

remanejar.  Você  vê  a  posição  dos  caras  hoje.  (...)”  Mas  o  que  faz  que  estes  caras  

pensem  assim?  “Olha,  o  que  faz  é  que  realmente  essas  elites,  esses  de  direita  e  

essa  burguesia  que  aí  está,  eles  pensam  assim  porque  eles  querem    que  o  povo  

seja  sempre  massa  de  manobra  deles.  Porque  na  época  das  eleições  eles  vem  lá,  

botam   uma   biquinha   d’água   e   nós   diga   que   eles   são   deuses.   Isso   é   o   regime  

Chagas   Freitas.   Isso   é   o   regime   de   Moreira   Franco   que   aí   está.”   (Pedro  

Mendonça)  

  “Porque   você   vê   que   agora,   neste   governo   que   mudou,   muita   coisa  

acabou.   Secretaria   disso,   secretaria   daquilo,   acabou   umas   duas   ou   três  

secretaria.   Então,   o   que   a   gente   tem  medo   é   que   essa   secretaria,   no   caso   que  

toma   conta   dessa   área   de   escola   comunitária,   venha   a   acabar   também.   Porque  

para  nós  aqui  é  uma  boa(...)”.  (  Ilsa)  

  “(...)  O   que   eu   considero  mais   importante   é   a  moradia.   Por   que   você   vê,  

eu   não   sei   agora   com  esse   novo   governo.   Porque   o   Brizola,   antes   dele   sair,   ele  

nos  comprou  essa  terra  e  deixou  o  título  de  propriedade  para  nós.  Só  que  agora  

nós  mesmo   se   preocupamos.  Nós  mesmo   se   perguntamos:   ‘Será   que  o   governo  

que  aí  está  vai  nos  entregar?’”.  (Ilsa)  

  “E  nesse  governo  agora  nós  tínhamos  a  reivindicação  de  um  CIEP  no  final  

da  Rua  do  Cajá  com  rua  Aimorés,  a  própria  pedreira   -­‐  Mineração  Nossa  Senhora  

da  Penha   -­‐  botou  a  disposição  a  área.  Disse  que  se  nós  quisessemos  construir  o  

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CIEP  lá,  com  o  Estado,  eles  doariam  a  área  para  uma  área  de  lazer  ou  construção  

de   uma   escola.   Eles   agora   o   que   fizeram?   Além   de   não   construir   as   obras   do  

projeto  da  Vila  Proletária  da  Penha,   três  CIEPS  que   tem   -­‐  um  na  Vila  Proletária,  

um   na   Cascatinha   e   outro   na   Penha,   ali   perto   do   Largo   da   Penha-­‐   ,   eles   nem  

citam  mais,   não   querem   nem   discutir   nosso   projeto   que   era   na   Rua   do   Cajá.   O  

que  eles  acham?  Eles  não  querem  que  nós  estude,  que  nós  seja   inteligente.  Eles  

querem  que  o  máximo  que  nós  tenha  é  primeiro  grau  e  nada  mais.  Porque  se  nós  

somos   anafalbetos,   nós   somos   inconscientes   e   somos   inconsequentes.   Eles  

acham   isso.   Eles   se   enganam  porque   eu   sou   um   cara   que   não   tenho  o   segundo  

grau   mas   não   tenho   inveja   da   pessoas   que   tem   científico   porque   eu   acho   que  

você  tem  que  ter   inteligência.você  tem  que  ter  uma  visão  política  no  geral.  Não  

precisa  de  estudo  para  ter  uma  visão  política  no  geral.  E  isso  eu  tive  a  faculdade  

de  ter  e  eu  tenho  avançado  muito  em  minhas  lutas”.(Pedro  Mendonça)  

  “(...)Um   Governo   que   se   diz   socialista,   o   governo   municipal   Saturnino  

Braga,   na   defesa   que   nós   estamos   da   fábrica   de   escolas   -­‐   que   não   é   realmente  

uma   fábrica   de   escolas,   é   uma   fábrica   de   equipamentos   urbanos   (...)-­‐   ele  

desrespeitou   17   associações   de   moradores   que   estavam   apoiando   a  

concentração   da   fábrica   de   escolas   e   disse   para   todos,   descaradamente   que   as  

associações   de  moradores   são   oportunistas   e   que   eles   não   podem   estar   dando  

muita   trela   às   associações  de  moradores,  nem  de  bairro,  nem   favela     E   você  vê  

que   eles   criaram   o   Conselho   Governo   -­‐   Comunidade,   e   se   falam   em   torno   de  

comunidades,  e  com  uma  postura  dessas  perante  17  associações  de  moradores.  

(...)Se   o   Conselho   Governo-­‐Comunidade   fosse   uma   coisa   discutida   pelas   bases,  

pelas  comunidades,  seria  uma  ótima.  Mas  a  partir  do  momento  que  você  recebe  

um   decreto   autoritário   que   é   um   verdadeiro   entulho   e   joga   dentro   da  

comunidade,  e  ele  tem  que  aceitar,  se  torna  uma  droga.  Tanto  é  que  aí  está,  sem  

representatividade   nenhuma   das   comunidades,   comunidade   nenhuma   consegui  

nada  até  hoje  desse  Conselho  Governo  Comunidade.   Isso  é   só  para  dividir.   Eles  

botam  favelados  brigando  com  favelados.  Isso  é  uma  estratégia  da  direita,  isso  é  

estratégia   do   sistema:   botar   o   trabalhador   brigando   com   o   trabalhador   porque  

enquanto  isso  eles  estão  avançando”  (  Pedro  Mendonça).  

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  “(...)  Eu  acho  que  cabe  ao  governo  conversar   com  a  gente,   saber  o  que  a  

gente  quer.  Não  é   implantar  uma  coisa,  dizer:   ‘não,   isso  aí   feito,  e  não  discutir’.  

Tanto   faz   ser   na   comunidade,   como   na   área   de   saúde,   como   na   área   de  

educação,   em   qualquer   outro   setor.   Eu   acho   que   cabe   ele   chegar   ,   conversar,  

colocar   o   plano   e   a   gente   tentar   discutir   pra   saber   se   aquele   plano   é   bom   ou  

não.  Porque  assim,  no  caso  como  é,  é  igual  num  quartel-­‐general.  O  general  dá  as  

ordens  e  os  soldados  executam.  Então,  eu  acho  que  não  é  por  aí”.  (Ilsa)  

    Porque   a   comunidade   tem   noção   do   que   ela   quer.   Assim,   Ilsa   lembra   a  

implantação   do   sistema   de   esgoto   quando   “(...)   a   Marilca   trabalhava   com  

Maurício   Azedo   e   o   Nelson   Lontra.   Então,   ela   estava   sempre   aqui   na   nossa  

comunidade,   sabe,   nos   dando   apoio,   aquela   coisa   toda,   aquela   luta,   sabe   (...)  

Nós  temos  esta  rua  calçada.  a  Santa  Luzia,  até  aqui  na  pracinha.  Mas  você  vê,  da  

pracinha  prá  cá  nada  é  calçado.  Essa  vala  que  fizeram  pra  nós,   isso  foi  o  serviço  

mais  porco  que   fizeram.  Você   sabe  por  que?  Porque  eu   falei,   no   início,   eu   falei  

com  a  Marilca,  aqui  em  casa,  eu  falei:   ‘Marilca,  essa  vala  que  estão  fazendo,  ela  

tem  que   ser   começada  de   cima  pra   baixo,   não  de  baixo  pra   cima’.   Porque   você  

vê,   ela   foi   feita   de   baixo   pra   cima.   Eles   fizeram   um   degrauzinho   pra   água  

escorrer.   Quando   chegou   aqui   em   cima   não   tinha   mais   espaço   porque   se   eles  

fossem  fazer  aqueles  degrauzinhos  pra  água,  né,  descendo  e  o  lixo  ficar,  quando  

chegar   no   Caracol   já   estava   em   cima   da   terra.   Sabe   por   que?   Porque   o  

engenheiro  que   fez  aquilo  ele  não   tem  noção  de  uma  comunidade,  ele  não   tem  

noção   de   favela.   Então,   era   mais   provável   se   o   governo   chegasse   e   dissesse  

assim:   ‘como   vocês   querem?’.   Eu   tenho   certeza   que   o   serviço   saía   mais   bem  

feito  e  muito  menos  material  perdido.  Porque  a  própria  comunidade  tem  noção  

do  que  ela  quer.”(Ilsa)  

  Porque   a   comunidade   tem   propostas.   Pedro   Mendonça   recorda   que   o  

Seminário   de   implantação   do   Programa   PROFACE,   em   83,   no   início   do  Governo  

Brizola,  “foi  muito  difícil  porque  lá  chegando  foi  convidado:  eu  como  presidente  

do  Grotão   e   o   do  Morro   Santa  Marta.   Só   tinha   dois   favelados,   o   resto   era   elite  

da  CEDAE.  Os  engenheiros   falavam  claramente  que  nunca  tinham  entrado  numa  

favela  e  que  achavam  um  absurdo  se  fazer  a  implantação  de  um  programa  desta  

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natureza  em  favela,  que  o  favelado  não  iria  entender  isso,  não  iria  conservar  um  

programa  desse.  Aí  nos  juntamos  com  a  Dra.  Regina,  que  era  superintendente  da  

CEDAE,  uma  pessoa  muito  atuante,  que  vinha  eletrificando  as   favelas,   já   estava  

num   programa   de   eletrificação   de   favelas   e   que   conhecia,   subia   o   morro   e  

discutia  os  programas  com  a  gente.  E  foi  uma  luta  porque  nós  travamos  uma  luta  

com   todos  os  engenheiros  e   chegamos  dizer   a  eles  que  eles   tinham  que   cair  na  

realidade  e  deixar  a  atitude  burguesa  deles  de  lado  a  partir  de  um  programa  que  

era  realmente  implantar  a  água  nas  favelas  (...)”(  Pedro  Mendonça)    

  E  quando  chega  à  comunidade  um  “tipo  de  pesquisa  pro  final,  pro  estudo  

deles”,  como  o  projeto  Rondon?    Ilsa  recorda  quando  “(...)    disse  pra  eles:  ‘vocês  

estão   aqui   pra   continuar   com   nós   ou   vocês   estão   pegando   a   gente   só   como  

cobaia?’.  Aí  eles  ficaram  meio  perdidos,  né?  

 

_  Não  se  trata  disso.  

_   Nós   somos,   vocês   sabem,   uma   comunidade   pobre   carente.   Nós  

precisamos  de  apoio.  Está   certo  vocês  virem.  Mas  o  que  vocês   trazem  para  

nós   é   brincadeira...Tá   certo   que   as   crianças   precisam   do   lazer   mas   por  

enquanto  queremos  coisas  mais  concretas.”  

 

  E   relembra   também  outra  situação  quando  o  “Getúlio  Vargas  passou  a  se  

empenhar  melhor  com  a  gente.  Que  o  Getúlio  Vargas,  outros  hospitais,  estavam  

fazendo   umas   reuniões   e   pedindo   ajuda   das   próprias   comunidades.   Quando   de  

uma  delas  eu  participei,  eu  participei  na  rua  Santa  Luzia,  lá  na  cidade  (...)  Porque  

só   tinha   secretário   de   saúde,   só   tinha   médico,   médica,   diretor,   sei   lá”.   Em  

conversa  com  Padre  Carlos,  “eu  falei”:  

 

_  O  que  que  eu  vou  falar  aqui  pra  este  povo?  

_   Você   é   gente   igual   a   eles.   Você   tem   as   suas   idéias.   Eles   tem   as   deles   e  

você   tem   as   suas   idéias.   Então   você   vai   colocar   a   sua   idéia   que   você   acha  

que  está  certo.  

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_  Ah,  é?  Então  deixa  comigo.  

 

  Então,  foi  quando  eu  coloquei  para  eles:  

 

_   Olha,   vocês,   talvez   poderiam   ter   o   apoio   das   favelas,   das   comunidades  

muito   melhor   se   vocês   procurassem   se   empenhar   mais   com   elas.   Porque  

vocês   só   procuram   a   comunidade,   coloca   cartaz   nos   hospitais   pedindo   às  

comunidades,  quando  vocês  estão  precisando”.  

 

  “(...)  Dr.  Ribeiro,  Dr.  José  Antônio,  Dra.Meire  e  Ângela,  Dra.  Ângela.  Essas  

pessoas,   a   gente  olha,   há  muito   tempo  que   a   gente   vê   essas   pessoas  na   luta.   E  

sem   interesse   nenhum.   Eles   fazem.   Esse   pessoal   da   área   de   saúde   faz   um  

trabalho   com   a   comunidade,   e   nunca,   em   período   de   campanha   eleitoral  

nenhuma,   tiveram   dentro   da   comunidade   tirando   votos   para   alguém.   Então,  

realmente   a   gente   tem  que   analisar   que   a   pessoa   faz   por   amor   e   saúde,   aquilo  

que   eles   juraram   pra   fazer.   Porque   quem   teria   que   ter   esse   carinho   com   as  

comunidades,   seriam   os   senhores   governantes.   E   não   têm(...).”(Pedro  

Mendonça)  

  “(...)   Quando   a   gente   está   brava,   a   gente   quando   chega   num   posto   de  

saúde,  num  hospital,  que  demoram  a  atender,  aquela  coisa,  a  gente  fica  irritado,  

sabe.  Mas  aí  a  gente  para  pensar  e  diz  assim:  ‘Poxa,  um  médico,  uma  médica  ou  

um  psicólogo  ou  seja  lá  quem  for,  ela  estuda  tanto,  gasta  tanto’.  Porque  um  livro  

você   vê,   você   vai   comprar   um   livro   pra   uma   criança   para   fazer   o   terceiro   ano,  

como  no   caso  do  meu,  é   caro.,   quanto  mais  um   livro  de  medicina,  pra   isso,  pra  

aquilo.   É  um  absurdo.   Entendeu?  O   campo  da   saúde,  que  é  aí,   quantos  milhões  

de  desempregados  tem?  “(Ilsa)  

  E   quando   se   trata   de   enfrentar   outros   tipos   de   situação,   de   agressões?  

“Nós   mesmo   tiveram   várias   agressões.   Mesmo   no   meu   mandato,   tive   vários  

problemas   com  a  polícia,   a   ponto  de   ser   ameaçado  de  morte.   Fui   ameaçado  de  

morte   várias   vezes.   Eles   disseram   que   eu   estaria   ali   defendendo   uma  

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comunidade  mas  que  não  era  por   isso  que  eles  poderiam  ir  a   forra  disto  que  eu  

estava  fazendo  porque  eu  estava  fazendo  pressão  contra  a  polícia.  Mas  não  era.  

Eu   estava   cobrando   o   direito   da   comunidade   porque   não   era   justo   o   morador  

estar   no   seu   barraco,   dormindo   e   acordar   com   a   porta   sendo   arrombada.  

Finalmente,  não  era  um  vagabundo.  E  eu  cheguei  ver  a  realidade  a  eles  que  isto  

não   poderia   acontecer   na   comunidade.(...)   Muitos   moradores   não   encampam  

essa   briga   de   associação   de  moradores   porque   eles   têm  medo.   Tem   as   famílias  

deles,   tem   o   dia-­‐a-­‐dia,   só   os   heróis   mesmo   que   chegam   e   peitam   a   frente”  

(Pedro  Mendonça)  

  “Às  vezes  as  pessoas  dizem  que  o  pobre  não  sabe  viver.  Mas  tem  pessoas  

que   já  se  sente  humilhado  de  chegar  em  um  lugar  e  dizer  aonde  mora  e  ser  mal  

recebido.   Porque   até   hoje   aí,   nessas   secretarias   que   tem   por   aí,   tem   lugar   que  

você  chega  e  diz:   ‘Ah,  eu  sou  da  comunidade  tal’.  Se  você  não  vai  direto  àquela  

pessoa   que   você   já   conhece,   se   é   lá   uma   secretariazinha   ou   lá...”Em   que   lugar  

você  mora?  ‘.  ‘Ah,  eu  moro  na  favela  do  Grotão,  moro  ali’.  ‘Ah,  você  espera  ái.  O  

seu  fulano  não  está,  não  pode  lhe  receber’.  Isso  aí  já  aconteceu  muito.”(Ilsa).  

  E   “(...)   aí   eu   acho   que   existe   um   grupo   de   pessoas,   entendeu,   que   quer  

levar   a   classe   trabalhadora   caminhar   até   100   metros.   Dali,   eles   não   procuram  

fazer  mais  nada  por  eles.  Dali,  eles  travam  eles(...)”(  Sr.Campos).  

  “Isso  é  uma  verdadeira   luta  de  classes.  Porque  você  sabe  muito  bem  que  

todos   os   movimentos   que   surgiram   nesse   país,   quem   levantou?   Foi   a   classe  

média.   A   classe   média   que   levantou   todos   esses   movimentos,   é   que   dá  

direcionamento   a   este   país.   Então   leva   o   trabalhador,   a   classe   favelada,   o  

trabalhador   a   reboque.   Então   eles   levam  nós   até   se   igualar  mas   nunca  que  nós  

passa   um   centímetro   porque   a   partir   do  momento   que   você   começou   a   passar  

um  centímetro,  eles  te  dão  uma  cacetada,  tu  cai  e  ele  continua  subindo”.  (Pedro  

Mendonça).  

  Não   são   raras   as   vêzes  que   “  o   fulano  diz   assim:   ‘Ah,   porque  quem  mora  

em   favela   não   paga   nada’.   Como   não   pagamos?!.   Eu   aqui   lhe   mostro   a   minha  

conta  de  luz  do  mês  passado,  que  nós  pagamos  200  cruzado  e  paguei  50  e  pouco  

de   imposto.  Como  não  pagamos   imposto?  Do  mesmo   jeito  que  o   rico  paga,  nós  

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pagamos   porque   ele   come   do   mesmo   que   nos   alimenta.   O   arroz,   o   feijão,   a  

farinha,  o  açucar,  o  café,  se  nós  compramos,  eles  compra.  E  se  nós  compramos,  

nós  pagamos  o  mesmo  preço  que  ele  entendeu?”  (Ilsa)  

  Daí   em   relação  ao  mutirão,   “(...)   o  que  a   gente   tem  que  entender,   é  que  

nós   já   somos   discriminados,   já   somos   desprezados,   e   se   nós   consegue   o  

material,   aquilo   que   a   gente   estava   comprando   com   o   nosso   bolso   e   só   nós  

conseguimos  esse  material  gratuito  por  que  não  a  gente  fazer?  Faz  sim.  É  para  o  

nosso  bem-­‐estar.  Nós  sabemos  que  se  nós  não  fazer,  eles  vão  fazer  para  a  Barra  

da  Tijuca,  Copacabana  e  para  outros  lados  mesmo.  “  (Pedro  Mendonça)  

  “(...)Às  vezes  a  gente   se  mobiliza.  Claro  que  a  gente   sabe  que   isso  é  uma  

coisa  que  eles  é  que  têm  que  fazer.  (...)  Enquanto  o  trabalhador  trabalha,  ganha  

o   salário   mínimo,   morre   de   trabalhar   numa   fábrica,   num   supermercado,   numa  

construção,  que  o  sábado  e  o  domingo  que  ele  tinha  pra  descansar,  ele  vai  fazer  

o   mutirão   porque   ele   precisa   daquilo.   Claro   que   nessa   área   quem   tinha   que  

atuar?  É  o  governo.  Porque  nós  pagamos  pra  ele.   (....).  Mas   também,   “(...)  para  

nós   em   comunidade,   a   única   coisa   que   a   gente   gosta,   é   porque   é   uma  maneira  

do  povo  se  unir.  A  união.  Ter  mais  amigos,  ter  mais  irmãos,  participar  da  própria  

comunidade   onde   mora.   Saber   a   necessidade   da   comunidade,   qual   é   a  

necessidade  maior  da  comunidade.”(  Ilsa)  

  “Posterior   surge   essa   tal   coisa:   ‘não   porque   se   Copacabana   tem   direito,  

tem  que  remunerar  quem  trabalha’.  E  para  nós  foi  uma  desestabilização  porque  

nós  conseguimos  realmente  contratar  mão-­‐de-­‐obra  local  para  preparar  o  terreno  

de   segunda  a   sexta  para  que  nos   sábados   e  domingos  nós   continuássemos   com  

esse   mutirão,   gratuito.   (...)   A   mão-­‐   de-­‐   obra   gratuita   do   final   de   semana   se  

desestabilizou.   Sabe   por   que?   Porque   pessoas   maldosas   começaram   agora   a  

incentivar:   ‘Não,   tem  um  grupo   aí   que   está   trabalhando   remunerado   então  nós  

vamos   ficar,   deixa   eles   fazerem.   Eles   fazem.   Vamos   descansar.   “(   Pedro  

Mendonça)  

  Porém,   “(...)no   caso,   aquele   que   teria   que   trabalhar   a   semana   toda   e  

domingo,  que  é  o  dia  de  descanso,  passar  com  sua   família,  com  seus   filhos,  não  

pode   estar.   Tem   que   estar   no   mutirão   (...)   enquanto   o   outro   que   estava  

Page 55: Quero morar num lugar onde ninguém me perturbe, vou morar na Chatuba: uma história do Grotão

desempregado,   ele   consegue   as   duas   coisas:   o   seu   dinheiro   e   um   bem   para  

comunidade”(Ilsa)  

  Na  luta,  “  a  associação  de  moradores,  ela  tem  que  ter  jogo  de  cintura  para  

jogar   contra   as   autoridades,   desde   governo,   polícia,   essas   coisas   todas,   a  

opressão   militar.   E   também   a   associação   de   moradores   tem   que   ter   jogo   de  

cintura   para   esse   pessoal   do   tóxico.   (...)   Tem   pessoas   que   querem   assumir   a  

associação  de  moradores  e  enfrentar  essa  gente.  (...)  Tem  que  dialogar  com  essa  

rapaziada   (...)   Essa   rapaziada  é  que  dá   segurança  à   comunidade.  Muito  mais  do  

que  a  própria  polícia.  Porque  eles  estão  na  comunidade,  eles  não  querem  que  a  

malandragem   lá   faça   desordem   na   comunidade,   não.   Tem   que   respeitar   o  

morador   e   se   não   respeitar   o  morador,   e   se   eles   tomarem   conhecimento,   eles  

cobram  daqueles  caras”.  (  Pedro  Mendonça).  

  Na   luta,   se   unem   a   outras   comunidades   que   enfrentam   problemas  

parecidos   com  os   seus.   E   “(...)   aí   estamos   com  a  organização  das   comunidades.  

Você  vê:  nós  sempre  que  há  qualquer  movimento,  nós  contamos  primeiro  com  a  

força  das   comunidades   vizinhas.  Nesta   luta  da   terra,   inclusive,   nós   tivemos  que  

mobilizar  todas  as  comunidades  da  Zona  da  Leopoldina  que  se  uniram  em  defesa  

de  uma”.  (Pedro  Mendonça).  

  Diante   destes   Muros   de   Berlim,   “(...)   aí   cabe   a   nós   o   que?   Se   organizar  

que   realmente   somos   força.   Se   nós   nos   conscientizarmos   que   somos   força   e  

tomarmos  esse  espaço  aí,  e  invadir  isso  aí.  Mas  só  através  da  organização,  e  que  

tem  que  ser  a   longo  prazo,  porque  nem  a  curto  prazo  e  nem  a  médio  prazo  nós  

vamos  conseguir  isso”  (  Pedro  Mendonça).