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Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF
Instituto de Cincias Humanas ICHDepartamento de Cincia da
ReligioPROJETO POLTICO PEDAGGICO
2 CICLO DO BACHARELADO INTERDISCIPLINAR EM
CINCIAS HUMANAS LICENCIATURA EM CINCIA DA RELIGIOE
/OUBACHARELADO EM CINCIA DA RELIGIOJuiz de Fora, julho de 2011
Prembulo
A cincia tal qual a conhecemos hoje, produto relativamente
recente na histria do mundo ocidental. Alm disso, foi aos poucos
que ela se aproximou dos estudos sobre a sociedade humana. No
incio, as cincias humanas procuraram copiar o jeito de se fazer
conhecimento j consolidado naquelas reas que estudavam as coisas
mais distantes, as coisas da natureza. bom lembrar que o auge dessa
forma de conhecimento se deu no sculo XIX com o pensamento
evolucionista. Naquele momento, a cincia aparecia como a mais sbia
das formas de conhecimento, aquela que tiraria o ser humano das
suas supersties e tambm dos devaneios metafsicos. Buscava-se, e
acreditava-se ter alcanado, um saber exato. Nesse sentido, a cincia
deveria se opor a todo pensamento que fosse mgico, mstico ou tambm
religioso. A verdade deveria estar isenta de tudo aquilo que fosse
subjetivo, daquilo que pudesse agradar os sentidos, como o belo, e
tambm afastada das crenas e das veleidades polticas. nesse momento
que a teologia, que nasceu na Grcia Antiga justamente como
tentativa de compreenso dos mitos, descartada como saber intil. A
teologia, envergonhada, se retirou do palco e ficou restrita
dimenso dogmtica e formao do corpo sacerdotal eclesistico. Pouco,
ou nada mais, tinha a dizer sobre o mundo cotidiano dos humanos.
Nasce, ento, uma cincia das religies, buscando carona nas demais
cincias e procurando compreender o religioso e a experincia
religiosa como mais um objeto passvel de ser dissecado e analisado.
Nas cincias da natureza tinha-se um certo consenso do valor das
prprias descobertas, afinal, havia uma nica verdade. Durante todo o
sculo XX, as cincias humanas, e entre elas as cincias da religio,
posicionaram-se basicamente em duas grandes vertentes. Procuraram
uma forma de validar seus conhecimentos por intermdio dos mesmos
parmetros das demais cincias, ou, numa vertente oposta, buscaram
dela se afastar, criando imagens sedutoras na tentativa de dar
conta da realidade por meio de uma hermenutica. Portanto, essas
cincias que buscavam sua legitimidade ficaram entre dois mundos. De
um lado a busca objetiva de uma verdade nica. De outro, uma
valorizao das subjetividades. A primeira foi, e ainda , criticada
por no dar conta das riquezas do mundo humano. A segunda foi, e
ainda , taxada de infantilismo pelos adeptos de uma cincia que se
diz exata.(Guerriero, 2010, p. 55-56)Razo e intuio so as duas
faculdades por meio das quais os indivduos orientam-se no mundo.
Elas correspondem aos dois tipos de cincia: primeiro, a objetiva,
discriminatria; segundo, a subjetiva, holstica. Os cientistas
exatos inferem caractersticas internas de um objeto como base em
seu exterior. Por exemplo, estudam a meditao examinando um
determinado nmero de praticantes para verificar se e quando o
exerccio mental causa ondas cerebrais do tipo alfa e teta, quanto
tempo demora para o cido lctico do corpo diminuir, em quanto tempo
a resistncia eltrica da pele aumenta, e assim por diante. Os
cientistas no exatos aprendem a meditar e incluem suas experincias
em seu trabalho acadmico.(Greschat, 2006, p. 143-144)A tendncia
para a fragmentao, para a disjuno, para a esoterizao do saber
cientfico tem como conseqncia a tendncia para o anonimato. A
especializao generaliza-se: atinge no somente as cincias naturais
como tambm as antropossociais, trazendo um vazio de subjetividade
inerente a estas reas do conhecimento.
(Morin, 1999, p. 17)
SUMRIO
INTRODUO: LOCALIZANDO A CINCIA DA RELIGIO NO
BRASIL...............................41.BREVE HISTRIA DO
DEPARTAMENTO DE CINCIA DA RELIGIO E DO BACHARELADO EM CINCIA DAS
RELIGIES......................................................................62.
O OBJETO DO CURSO DE GRADUAO: RELIGIO - O QUE
ISTO?..............................103. CINCIA PARA ESTUDAR RELIGIO
- O QUE
ISTO?........................................................15 3.1
Cincia (ou cincias) no estudo da Religio (ou das
religies)..........................................16 3.2 A Graduao
na UFJF: Cincia da
Religio.......................................................................17
3.3 Cincia da Religio: Autonomia e
Interdependncia.........................................................18
4 GRADUAO EM CINCIA DA RELIGIO: LICENCIATURA (E A QUESTO DO
ENSINO
RELIGIOSO)..............................................................................................................................27
5.GRADUAO EM CINCIA DA RELIGIO:
BACHARELADO..........................................35
6. APRESENTAO DOS ASPECTOS GERAIS E ESPECFICOS DA GRADUAO EM
CINCIA DA RELIGIO (Bacharelado e/ou
Licenciatura).........................................................41
6.1 Objetivos Gerais da
Graduao.........................................................................................41
6.2 Objetivos Especficos da Graduao
(Bacharelado)..........................................................41
6.3 Objetivos Especficos da Graduao
(Licenciatura)..........................................................42
6.4 Perfil do
Ingressante/Egresso.............................................................................................42
6.5 Metodologias de Ensino/Princpios
Didtico-Educativos...................................................43
6.6
Avaliao..........................................................................................................................45
6.7 Interdisciplinaridade/Interdependncia presente na Graduao em
Cincia da Religio....45 6.8 Atividades
complementares..............................................................................................46
6.9 Tecnologia na relao
ensino-aprendizagem.....................................................................477.GRADE
CURRICULAR E QUESTES
ANEXAS.........................................................................48
7.1 Grade
Curricular...............................................................................................................48
7.2 Padro de Oferta das
Disciplinas........................................................................................49
7.3 Coerncia da Grade Curricular com o perfil/objetivos da Graduao
em Cincia da Religio (2
Ciclo...........................................................................................................................................49
7.4 Turnos do
curso...........................................................................................................................51
7.5 Aproveitamento de Carga Horria do 1
Ciclo..................................................................51
7.6 Carga horria
(Bacharelado)..............................................................................................52
7.7 Carga horria
(Licenciatura)..............................................................................................54
7.8 TCC do curso de graduao em Cincia da
Religio..................................................................56
7.9 Ingresso de candidatos vindos de outros cursos ou instituies de
ensino..................................60 7.10 Disciplinas
eletivas/adicionais no
oficiais......................................................................60REFERNCIAS
BIBLIOGFICAS...............................................................................................62EMENTAS,
BIBLIOGRAFIAS E PLANO DE ENSINO DAS
DISCIPLINAS................................64INTRODUO: LOCALIZANDO
A CINCIA DA RELIGIO NO BRASIL
No Brasil existem (2011) nove Programas de Ps-Graduao Stricto
Sensu em Cincia da Religio, sendo trs alocados em universidades
pblicas, duas federais e uma estadual (UFJF/MG, UFPB/PB, UEPA/PA).
Quatro deles comportam Mestrado e Doutorado (UMESP/SP, UFJF/MG,
PUC/SP, UCG/GO) e o restante (Mackenzie/SP, PUC/MG, UNICAP/PE,
UFPB/PB, UEPA/PA) abriga apenas o Mestrado. H tambm Institutos de
Ensino Superior (IES, adiante) que oferecem cursos de Especializao
em Cincia da Religio (entre eles a UFJF), sendo que o nmero de
Especializaes (com ou sem nfase em Ensino Religioso) de difcil
mensurao, j que as IES os oferecem e os abrem conforme demandas
particulares, locais ou sazonais. A primeira Ps-Graduao Stricto
Sensu a surgir no Brasil, a da UMESP, na dcada de 1970, teve desde
seu incio forte influncia da Teologia crist, nomeadamente
protestante. A partir da dcada de 1990, particularmente, surgiram
os demais cursos de Ps-Graduao, e o novo milnio tem presenciado o
crescimento de tais Programas. Interessante notar que, ao contrrio
das demais Ps-Graduaes, que geralmente nascem como desenvolvimento
das Graduaes, os Programas de Ps-Graduaes em Cincia da Religio
foram surgindo, no Brasil, independentes de graduaes na rea. Exceo
foi o da UFJF, precedido de uma Graduao em Cincia da Religio.
Contudo, atualmente, esta tendncia inverte-se. O nmero de IES,
privadas ou pblicas, que oferecem a Graduao (Bacharelado e/ou
Licenciatura) em Cincia da Religio vem crescendo no novo milnio
cerca de 20 graduaes no Brasil, conforme pesquisa do Grupo de
Pesquisa Educao e Religio (GPER), da PUC/PR, - respondendo, tal
crescimento, no s a uma demanda reprimida de formao qualificada no
teolgica para pessoas que almejam docncia em Ensino Religioso, a
partir das referncias e suportes acadmico-cientficos que a Cincia
da Religio proporciona, como tambm atendendo demanda de pessoas
(com ou sem formao prvia) que necessitam, para suas pesquisas e
atuaes profissionais especficas, dos conhecimentos e instrumentais
acadmico-cientficos encontrados nos cursos de Cincia da Religio.
Assim, as Graduaes em Cincia da Religio tem se firmado no Brasil,
nos ltimos anos, atravs de uma crescente criao de novos cursos de
Graduao que, inclusive, j tm gerado Ps-Graduaes, como no caso da
UEPA/PA (2011). A criao de Graduaes em Cincia da Religio, portanto,
visibiliza no s uma demanda por este curso, como a prpria
legitimidade dele, sendo muitos criados dentro de IES pblicas, que
entendem o curso como de carter acadmico e cientfico, no atrelado a
pressupostos confessionais ou institucionais religiosos. Portanto,
a Cincia da Religio vem se firmando, na Graduao, como curso laico,
acadmico, no teolgico, que proporciona o estudo do fenmeno
religioso, de seu campo, de suas expresses, a partir de paradigmas
acadmicos que ultrapassam laos ou compromissos
confessionais/religiosos ou que pleiteiem axiomas de verdade e
juzos de valor sobre o objeto de estudo. Apresenta-se, contudo,
nota singular no presente Projeto Pedaggico a dar criao Graduao em
Cincia da Religio na UFJF. Antes foi a Graduao depois extinta que
promoveu a Ps-Graduao em Cincia da Religio na UFJF; alis, diga-se,
deu origem ao primeiro Mestrado e Doutorado no mbito da UFJF.
Agora, o Departamento de Cincia da Religio entende que, no mbito
das polticas do REUNI e da criao do Bacharelado Interdisciplinar em
Cincias Humanas (1 Ciclo), afigura-se a oportunidade do ICH da UFJF
oferecer, atravs do citado Departamento, a Graduao em Cincia da
Religio (2 Ciclo do citado Bacharelado Interdisciplinar em Cincias
Humanas), nas modalidades de Licenciatura e Bacharelado.
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BREVE HISTRIA DO DEPARTAMENTO DE CINCIA DA RELIGIO E DO
BACHARELADO EM CINCIA DAS RELIGIES
A criao do Departamento de Cincia da Religio na UFJF deu-se em
27 de junho 1969. Desde seu incio, conforme justificativa para sua
criao, entendeu-se que o Departamento deveria criar um curso de
Cincia da Religio que possibilitasse o estudo sistemtico e
aconfessional do fenmeno da religiosidade. A partir deste paradigma
estruturou-se um plano curricular interdisciplinar, composto de
disciplinas comuns, ou fundamentais, e de disciplinas
complementares, ou instrumentais. Afiguraram entre as disciplinas
fundamentais, por exemplo: Estudo Comparado das Religies,
Sociologia da Religio, Psicologia da Religio, Teodicia e Filosofia
da Religio. Como complementares estavam elencadas disciplinas como
Introduo Filosofia, Sociologia, Antropologia Filosfica, tica,
Psicologia Dinmica, Antropologia Cultural, Fundamentos da Civilizao
Ocidental, Histria das Idias Polticas, Economia Poltica, entre
outras.
Interessante observar que, atualmente, no Bacharelado em Cincias
Humanas da UFJF (que antecede o 2 ciclo, que este Projeto apresenta
para o Curso de Bacharelado e/ou Licenciatura em Cincia da
Religio), algumas disciplinas que, no antigo plano curricular de
curso de Cincia da Religio eram ditas complementares, esto
presentes j neste 1 Ciclo de Bacharelado atual (como Introduo
Filosofia, Sociologia, e outras equivalentes, como Tpicos Especiais
de Poltica, Psicologia do Desenvolvimento, entre outras). Ou seja,
atualmente, no Planejamento Pedaggico do 1 Ciclo (Bacharelado em
Cincias Humanas), esto presentes disciplinas (ou similares) que,
outrora, foram propostas como parte do curso de Cincia da Religio
enquanto disciplinas auxiliares. Assim, tambm hoje se oferece a
oportunidade de conjugao harmnica entre disciplinas de apoio ou
complementares Cincia da Religio (oferecidas no 1 Ciclo) e
disciplinas especficas da Cincia da Religio, a serem oferecidas
especificamente no 2 Ciclo queles que optarem pela Graduao
(Bacharelado e/ou Licenciatura) em Cincia da Religio.
Retornando histria, os nomes que o Departamento utilizou para
sua identificao, e do curso a ser criado, variaram conforme as
discusses epistemolgicas e metodolgicas em torno da compreenso
acerca de cincia e de religio. No incio utilizou-se os termos
Cincias das Religies para caracterizar o Departamento e o curso. Em
1974 surge, em atas, a nomenclatura Cincia das Religies. Apenas em
1989 eclode, em definitivo, a definio que permanece at os dias
atuais: Cincia da Religio. Assim justificada, na ata de 04 de
dezembro de 1989, a nova opo: pois religio no singular tem o forte
significado de abranger a totalidade dos fenmenos religiosos que
aparecem nas diversas religies (Livro 2 de Atas, p. 70).
Em 1970 o curso de Cincias das Religies, previsto, poca, na
reformulao da UFJF (coincidentemente tambm hoje o presente Projeto
Pedaggico de Curso de Graduao em Cincia da Religio insere-se,
tambm, em momento de reformulao universitria, atravs do REUNI),
teve sua aprovao no CEPE e, segundo Teixeira, tambm recebia, o
curso, acolhida favorvel do Conselho Federal de Educao.
O Departamento, a partir de sua autonomia, em 1971, criou novas
disciplinas, tais como Introduo ao Mundo Bblico I e II, Teologia
Bblica I, II, III, IV, Teologia Sistemtica I, II, III, IV, Histria
do Cristianismo I, II, III, IV. Percebe-se, por tais disciplinas e
pela extenso de tempo de estudo dedicada a cada uma delas, que o
Departamento percebia a Cincia da Religio, poca, ainda em uma
perspectiva acentuadamente referenciada pelo cristianismo, qui pelo
catolicismo, levando-se ainda em conta que seu corpo docente era
formado, em maior parte, por sacerdotes ou leigos catlicos.
Seja por estas caractersticas, ou pela prpria tradio positivista
da Academia no Brasil, avessa religio e seu estudo (Dreher, 2001,
p. 154), a implantao do Bacharelado encontrou resistncias tanto em
setores internos da UFJF como, tambm, no mbito eclesial catlico,
mesmo a despeito de seu corpo docente ser preponderantemente ligado
Igreja. A questo que a Igreja lanava suspeio sobre um Departamento
e curso sobre Religio que no pudesse estar atrelado s diretrizes
oficiais dela, Igreja, porquanto alocado em um ambiente laico e
pblico, e com a autonomia que este ambiente costuma
proporcionar.
O Curso de Cincia da Religio foi ento, na dcada de 1970, alvo de
intenso e virulento debate, favorvel ou contrrio a ele, polemizado,
tal debate, inclusive, na imprensa local e nacional. O resultado da
polmica criada em torno do curso deu-se no fato de que houve um
nico vestibular para o Bacharelado em Cincia das Religies, em 1976,
redundando na formao de uma nica turma. Aps, o curso foi impedido
de, frente, continuar a formar novas turmas, e teve o seu
credenciamento cancelado.
O curso que, entrementes, veio a funcionar, mesmo em meio a
tantas disputas e polmicas, tinha, em seu currculo integral, fixado
para o Bacharelado em Cincia das Religies, 2.205 horas previstas
(currculo aprovado pela Resoluo n 35/75 do CEPE).
Para se poder, a ttulo de exemplo, fazer uma comparao entre o
curso de ento e o novo Bacharelado/Licenciatura prevista neste
atual Projeto Pedaggico, elenca-se, a seguir, as disciplinas
oferecidas poca pelo curso (complementadas com disciplinas do curso
de Filosofia):
Ciclo Bsico:
Sociologia I
Civilizao Contempornea
Portugus I
Introduo Psicologia
Introduo Filosofia
Cadeiras Especficas:
tica I e II
Antropologia Religiosa
Sociologia VI
Introduo ao Mundo Bblico I e II
Hermenutica Bblica I, II, III
Cristologia Bblica
Escatologia Bblica
Cristologia Sistemtica
Eclesiologia Sistemtica
Histria do Cristianismo I, II, III, IV
Fenomenologia do Cristianismo I, II, III, IV
Estudo Comparado das Religies I e II
Psicologia da Religio
Filosofia da Religio I e II
Como se poder perceber, ao comparar as disciplinas do primeiro
Projeto de Bacharelado, e as do atual Projeto, o curso criado na
dcada de 1970 comportava um maior esforo na anlise do cristianismo,
e bastante a partir de perspectiva teolgica (Eclesiologia,
Cristologia). Contudo, tambm distanciando-se de um curso de
Teologia, abria-se para uma compreenso mais plural sobre o fenmeno
religioso e as religies, com disciplinas como Estudo Comparado das
Religies, Antropologia Religiosa, Filosofia da Religio, Psicologia
da Religio.
Entende-se, no mbito do presente Projeto, a importncia que este
curso teve como pioneiro em universidades pblicas no Brasil.
Oscilando entre um eixo mais cristo-teolgico, e outro mais plural
enquanto estudo das religies e do fenmeno religioso de forma geral,
o curso abriu novos caminhos para o estudo acadmico da religio, em
meio a lutas e tenses internas universidade e externas a ela.
Embora de vida curta, o curso representou tanto para o mbito
acadmico, como para mbitos eclesisticos uma tentativa de se
estudar, pesquisar e dizer religio para alm dos mbitos at ento
conhecidos o da apologia teolgica das instituies eclesisticas, e o
da crtica positivista da Academia brasileira. Assim, o curso veio a
romper paradigmas solidificados (no sem os traumas e ciznias que
tais rompimentos sempre acarretam), a propor novos locais e formas
de se pensar e estudar religio, e a abrir caminho para a reflexo
autnoma e interdisciplinar sobre o fenmeno religioso e sobre as
religies.
Hoje vive-se novo momento. No que ainda no existam tenses e
mesmo incompreenses sobre o lugar e a validade da Cincia da Religio
na universidade, particularmente a pblica. As discusses
epistemolgicas, metodolgicas e, muitas vezes, ideolgicas e
corporativas, do-se no s no mbito referente Cincia da Religio, mas
tambm em qualquer campo do saber que se queira honesto quanto ao
pensar-se, formular-se e reformular-se. O fato que hoje a Cincia da
Religio campo de saber consolidado no Brasil, estando presente
tanto em Graduaes como, principalmente, em Ps-Graduaes, em um nmero
significativo de universidades, inclusive pblicas. E, atualmente,
com uma reflexo sobre si mais amadurecida (mas sempre em constante
amadurecimento, em reflexo contnua sobre si), a Cincia da Religio
proposta neste Projeto Pedaggico de Bacharelado e/ou Licenciatura,
em sua grade curricular, prev um enfoque amplo e plural quanto a
seu escopo especifico, isto , a(s) religio(es), propondo um leque
de disciplinas extremamente abrangente, seja quanto s tradies
religiosas a serem estudadas, seja quanto aos temas relativos
religio ou que tm interface com ela, afora as disciplinas
especficas de Pesquisa (Bacharelado) e de Formao Pedaggica e
Didtica (Licenciatura).
2
O OBJETO DO CURSO DE GRADUAO: RELIGIO - O QUE ISTO?Queria uma
rvore que no desse conceitos. Queria abocanhar-lhe os frutos.(Marco
Lucchesi)Qual o objeto especfico de um Curso de Graduao
(Licenciatura e/ou Bacharelado) em Cincia da Religio? A Religio,
bvia resposta. Mas o que Religio? No se estaria em um campo movedio
e falacioso ao tentar-se definir religio? O que ela e a que ela se
refere exatamente? Qual sua empiricidade para uma investigao da
cincia ou, ao menos, para uma definio que se queira objetiva? No o
termo em seus usos e abusos algo do foro ntimo, da subjetividade?
Estas so perguntas e questionamentos que a modernidade, e
particularmente as cincias (ou os paradigmas cientficos) brotadas
da modernidade e tambm produtoras dela, fazem. So perguntas
legtimas, embora norteadas por uma concepo de cincia e de
entendimento do que seja um objeto de estudo que, em um debate mais
aprofundado, podem ser relativizados, ou colocados em um parntesis
histrico.Tem razo Greschat (2006, p. 17) ao advertir que a palavra
religio como um labirinto. Seria ela a doutrina (ou dogmas) de uma
determinada tradio de f, ou a teologia de certa confisso de f?
Poderia ser mitos e ritos presentes nas culturas e povos? Seria a
especulao metafsica sobre deus(es) ou espritos, ou sobre seres
sobrenaturais? Ou seria a(s) histria(s) das relaes entre os seres
humanos com seus cridos deuses? Poderia ser as revelaes e palavras
dos deuses gravadas em livros sagrados? H os que defendem que ela a
prpria sociedade vista em espelho enquanto regulada por tabus,
moral e mitos. E h os que afirmam ser ela uma expresso do esprito a
conduzir a histria e seu desenvolvimento. Seria a religio o
conjunto de ideias fundadas em doutrinas e entes sobrenaturais a
reger e moldar sociedade, pessoas, conscincias? Seria simplesmente
o que cada um entende em sua f, subjetivamente, e ponto final? E
neste ltimo caso, como definir f? Ou seja, neste campo, tantas
vezes, a explicao dada a um termo pode levar a pedir contas de
explicaes que devem ser dadas aos termos que explicam termos.
Enfim, constata-se que: religio abrange toda uma famlia de
componentes. Portanto, o termo religio precisa se referir a uma
coleo de diferentes fatores, critrios e dimenses que, em seu
conjunto, descrevem um quadro no qual a cincia da religio pode
inserir seu objeto. No entanto, esse quadro no preestabelecido
objetivamente, mas construdo por meio da atuao de cientistas da
religio (Hock, 2010, p. 29). Ou seja, religio pode ser tudo o que
est elencado no pargrafo logo acima, conquanto o recorte e definio
dela como objeto de pesquisa especfica, em um tema religioso ou
religio especfica, por exemplo, algo que cabe ao seu estudioso, o
cientista da religio, ter a capacidade e habilidade de discernir e
construir como objeto para sua pesquisa, j que a religio no se
impe, em princpio, como evidncia ftica, mas se mostra envolvida nas
culturas que, a um tempo, a manifestam e a ultrapassam. Seja qual
for a explicao/definio que se d para o termo religio, que quer ser
o objeto de um curso de Graduao em Cincia da Religio, fato que, de
um jeito ou de outro, ela ()existe() - com ou sem aspas, conforme
as opes epistemolgicas de cada pesquisador. Isto , o objeto existe,
derivado ou no. Ela existe nas manifestaes culturais, nos smbolos,
nos ritos, nas atitudes religiosas das pessoas, nas instituies com
suas doutrinas. A religio manifesta-se no somente em nossa
linguagem cotidiana, ela tambm considerada como um dado
estabelecido no direito e na legislao. Com isso, religio mais que
apenas som e fumaa uma realidade social, um processo de comunicao
especfico que cria realidade e ganha forma real atravs de atos
sociais (Hock, 2010, p. 30). Claro, em tudo isto, pode-se dizer, no
est a religio propriamente em si, mas expresses suas, manifestaes
empricas, tangveis, pictricas, simblicas dela, mas no ela mesmo.
Outros ainda diro que apenas estas coisas a tal religio: fatos
sociais empricos que existem a partir de subjetividades
compartilhadas, ou no, e de olhares definidores de sentido para o
mundo e para as pessoas. Mas, seja l como se interprete o que seja
religio de forma funcionalista, reducionista ou fenomenolgica ela
est a, nos gestos, expresses culturais, narrativas, guerras,
cultos, festas, folclores, morais impostas ou propostas. E na
conscincia de cada um, ou no. O ato de neg-la e rejeit-la no deixa
de ser, ao avesso, o ato de reconhecer que ela existe, ainda que
sendo uma falcia. Portanto, eis que, por caminhos indiretos ou
diretos, ela a est. H objeto de estudo.
Embora seja sabido que no h consenso na definio deste objeto, to
fluido e abstrato para alguns, to bvio e emprico para outros,
prope-se, aqui, no para definir consenso, mas para oferecer um
exemplo possvel ainda que provisrio, como ensaio, e conservador uma
assertiva sobre religio: antes de tudo um pensamento estruturado,
que explica o divino e o cosmos e implica uma Weltanschaaung [viso
de mundo] (Ries, 2008, p. 17). Acrescenta-se a isto (ainda que
esteja implcito na definio): estruturas sociais, culturais,
simblicas, que podem ser tanto investigadas empiricamente, quanto
fenomenologicamente. Entretanto, nesta definio que serve apenas de
exemplo, a bem de aparar arestas, alguns comentrios crticos se
fazem necessrios, no sentido de problematizar conceitos. Pode ser
um pensamento estruturado, mas tambm fluido, catico, em transio.
Talvez seja mais justo dizer: um imaginrio, fruto de experincias
religiosas particulares ou coletivas, que pode ser estruturado, ou
estar na ebulio de constantes trnsitos. Nem sempre explica o
divino, mas se refere ao sagrado seja l como este for interpretado
ou explicado -, ou a coisas sagradas, ou a sentidos pessoais ou
coletivos que tm como fonte elementos que se percebem para alm da
experincia cotidiana, prosaica ou profana. Mas, o que mais
interessa na definio acima, o Weltanschaaung (viso de mundo). Ou,
talvez, um conceito equivalente: sistemas de referncia. Seja em que
nvel for esta viso de mundo, religio elemento de compreenso e
explicao do mundo, da vida, da dor, da esperana, do nascer, do
morrer, do viver. Seja bem estruturada esta compreenso, suspeitada,
vivida e definida a cada momento, ou sentida de forma catica ou
linear. Mas deste Weltanschaaung, ou dos sistemas de referncia,
emergem festas, lutos, lutas, poltica, guerra, paz, morte, vida,
condenao, perdo, alegria, paz, angstia, medo, moral ou tica. Emerge
um mundo. Com isto, claro, no se est a dizer que a religio ,
necessariamente ou fundamentalmente, o elemento a definir vidas,
sociedades e mundo. Mas ela no somente coadjuvante. Ela, em sua
multivariedade de faces, pode ser (e , tanto no nvel do imaginrio
como da empiricidade em que ele pode ser convertido), influenciada
e estruturada por elementos sociais no necessariamente de sua ordem
interna (supondo que exista uma ordem interna intangvel religio).
Mas tambm influencia e estrutura o social, a vida, a partir de sua
suposta ordem interna. Aqui est um pouco de sua dialtica, e da
dificuldade em decifr-la.
Assim, economia, processos sociais e polticos, entre outras
coisas, podem desenhar rostos da religio, ou mesmo defini-la (?). o
debate inevitvel: religio como viso de mundo derivada ou
inderivada? Diriam os adeptos de armistcios: derivada em suas
expresses socioculturais, mas inderivada em um ncleo basilar, o da
experincia possivelmente universal dela, do sagrado, do que toca de
forma incondicional experincias humanas particulares ou coletivas.
Mas, sabe-se, este armistcio pode ser artificial: no h consenso,
efetivamente, em se aliar interpretaes que se querem,
propositalmente ou no, dspares. Como ficaria, ento, uma cincia sem
um objeto que seja, para ela, elemento consensual? Ora, cabe assim
aos que estudam religio seja como interpretem o termo e o existir
do objeto (com ou sem aspas, como se desejar) justamente a tarefa
de, sob investigao e pesquisa, buscar conhecimento sobre este
objeto. Ou resta-nos dizer com o poeta Antonio Machado: Caminante,
son tus huellas el caminho, y nada ms; caminante, no hay caminho,
se hace camino al andar. no caminho que se faz cincia. A Cincia da
Religio, j a caminho desde o sculo XIX, aposta e sustenta - que,
caminhando, encontra-se, de um jeito ou de outro, o objeto. E no
seria toda cincia, a priori, uma aposta em descobertas? Enquanto se
caminha em cincia para se definir, no caminho e sob caminhada, o
objeto, recomenda-se, efetivamente, renunciar a uma definio do
termo religio (...) isso vai ao encontro da tendncia observada
tambm em outros cientistas da religio a deixar a questo em aberto,
em definir a religio como conceito aberto (Hock, 2010, p. 27).
Assim, religio permanece como objeto, pois a falta de consensos a
respeito de algo no exime este algo de ser um objeto real e
investigvel, embora isto imponha problemas para o mtodo de
investig-lo, advogando-se, entre alguns, a impossibilidade de um
mtodo nico de investigao, ou de uma cincia (o que ser explanado a
seguir). Para tentar dirimir ou amenizar este problema (relao
objeto/mtodo/cincia), se for desejvel preservar a autonomia da
pesquisa da religio como disciplina cientfica, talvez seja preciso
estabelecer no necessariamente uma definio estreita, mas pelo menos
uma caracterizao aproximativa de religio (Hock, 2010, p. 27).
Entende-se, portanto, que definies aproximativas de religio podem e
devem ser oferecidas como a de Rien, apresentada e revista neste
Projeto -, desde que problematizadas no curso da pesquisa e sempre
consideradas como, a um tempo, operacionais e, tambm, provisrias,
ou aproximativas. Isto, na interpretao esboada neste Projeto,
corresponderia a um conceito aberto sobre religio, o que no poderia
ser confundido com conceito nenhum sobre religio. 3
CINCIA PARA ESTUDAR RELIGIO - O QUE ISTO?Para apalpar as
intimidades do mundo preciso saber: o esplendor da manh no se abre
com faca.(Manoel de Barros)Da(s) possvel(eis) definio(es) sobre
religio, automaticamente j entrou-se, por fora do que aqui o
Projeto, na(s) definio(es) de cincia. Tempos atrs religio cabia
competncia da Teologia to somente (ela, tambm, envolta em discusso
sobre sua cientificidade, quando a queria reivindicar). Mas, enfim,
estudar religio, neste caso, no causa(va) maiores celeumas, ao
menos no meio acadmico civil. Afinal, seu estudo (da Teologia) ao
menos no Brasil (era?) restrito a ambientes fora da Academia civil
e pblica, e com interesses especficos institucionais.
A Cincia da Religio, entretanto, no Teologia. No pretende partir
de um pressuposto qualquer de f ou doutrina para estudar uma
religio especfica, ou o fenmeno religioso. Quer ser uma cincia e,
neste sentido, se alinha concepo ideal moderna de cincia: neutra e
sem axiomas de valor; fundada na anlise, verificao, comparao,
reflexo autnoma, e, se possvel, resultados teis comunidade
universal, e no a um grupo especfico. A Cincia da Religio , assim,
uma cincia que surge no bojo da modernidade, e, diga-se, de uma
modernidade positivista, evolucionista e areligiosa, tendo, em
tempos modernos, o conceito Cincia da Religio surgido, pela
primeira vez, na pena de Max Mller (1823-1900), professor da
Universidade de Oxford. Portanto, nada h de religioso no surgimento
da Cincia da Religio. Contrapunha-se ela, de certo (ou de todo)
modo, Teologia.
E porque uma cincia para estudar religio? Haveria fundamento
nisto? Religies so estudadas, na modernidade acadmica, por
disciplinas j consagradas: pela Sociologia, Antropologia,
Filosofia, Psicologia, Histria, etc. Cada campo do saber, ou
disciplina acadmico-cientfica, a tem visto, analisado, perscrutado,
julgado por seu ponto de vista especfico, dependente de sua
metodologia e episteme. E, por isso mesmo, sempre se uma viso
bastante parcial e fragmentria da religio, embora legtima (a partir
da metodologia de cada disciplina) e relevante. O diferencial de
uma Cincia da Religio justamente (tentar) buscar uma viso holstica
a partir da interao entre as vrias disciplinas que investigam a(s)
religio(es). ousar ver e interpretar - seu objeto como uma
totalidade, mesmo em meio s suas especificidades. Ao menos este o
ideal (Greschat, 2006, p. 24). Romantismo e ingenuidade
cientfico-acadmica? Mas o que seria da cincia (qualquer uma) sem o
traar metas ideais, pontos fulcrais a que se pretende chegar?
Pode-se at fracassar ao final, mas seria covarde e injusto abortar
qualquer projeto de cincia, em seus ideais, alegando-se idealismo.
Seria mesmo negar a cincia como esforo por mtodo, por clarear-se a
si mesma epistemologicamente.
3.1 Cincia (ou cincias) no estudo da Religio (ou das
religies)
Lus Felipe Pond (2001, p. 64) afirma que a questo epistemolgica
em Cincia da Religio complexa, sem que algum tipo de contrato
epistemolgico venha a resolver o problema. , de certo modo,
constatao e previso pessimista. Este Projeto reconhece esta
dificuldade, mas renuncia renncia por busca de contratos
epistemolgicos, ou, a bem de dizer melhor, ensaios de propostas que
visem um cho comum mnimo em que se possa pisar com alguma segurana,
consensos mnimos, mas detentores de alguma estabilidade, se
possvel. Estes consensos mnimos no querem, de forma alguma,
adquirir estatuto de verdade quanto questo, ou modus operandi
ideal, ou epistemologia acabada para o curso que este Projeto
apresenta. Consensos mnimos tm, justamente, esta funo: o de ser
referncia bsica, um ponto de partida que se apresenta para um
Projeto que se queira executar. Referncia esta que pode conter, em
si, contradies e idiossincrasias, mas que no por isto deixa ser
referncia mnima legtima, pois contradio e idiossincrasia, alm de
serem comuns vida humana, tambm se apresentam s compreenses e
auto-compreenses cientficas, que, a partir do paradigma
desenvolvido por Karl Popper, precisam estar cientes da
falsificabilidade enquanto critrio de juzo fundamental para
caracterizar teorias (e a prpria compreenso de cincia). Assim,
conhecimento/cincia se mostra sempre em sua forma conjetural.
A primeira dificuldade que se encontra para averiguar questes
relativas Cincia da Religio se revela na prpria nomenclatura da
rea/cincia(s) da(s) religio(es), que longe de ser um detalhe, muito
diz complexidade da questo: Cincias da Religio, Cincia da Religio
ou Cincias das Religies?
A Cincia da Religio (no singular) costuma ser compreendida como
o projeto de uma cincia que unifique/sistematize vrias disciplinas
para uma abordagem cientfica da religio; ou que crie, a partir de
vrias disciplinas, um mtodo especfico seu. Ainda no conceito de
Cincia da Religio, a religio, estando no singular, revela que pode
ser entendida de forma substancial, e no apenas como expresses
humanas puramente sociais/funcionais, ou derivadas delas, como o
plural religies pode sugerir. Trataria-se de estudar no as
religies, mas a religio presente nas religies, em abordagem
hermenutica. O singular para cincia tambm revela: um mtodo e uma
determinada epistemologia. Porm, nem sempre Cincia da Religio, no
singular, aponta para um conceito/projeto de aura fenomenolgica,
por exemplo. A expresso Cincia da Religio, conforme Frank Usarski
(2004), no conduz necessariamente a uma abordagem
fenomenolgica.
A conceituao Cincias da Religio, por sua vez, deixa intacto um
conceito de religio (no singular) que tende a apontar o objeto com,
at certo ponto, independncia das mediaes sociais/humanas: um numen,
ou sagrado, prximo s concepes de Rudolf Otto e Mircea Eliade, que
se manifestaria historicamente nas sociedades, mediado pelas
culturas. Contudo, o plural para cincia parece abrir mo da inteno
de se evocar um mtodo para a aproximao ao objeto, advogando a
pluralidade (e independncia, por suposto) de mtodos e da
interdisciplinaridade - para a anlise do objeto, sem que
necessariamente as cincias, em suas particulares vises sobre o
objeto, dialoguem com vistas a algum tipo de sntese de observao ou
pesquisa.
Seguindo uma tendncia at agora isolada no Brasil, o Programa de
Ps-Graduao da UFPB/PB se intitula de Cincias das Religies. Ao se
referir religio no plural, observa-se ao menos teoricamente,
conforme a opo de nomenclatura assumida - uma recusa a entender a
religio como, de alguma forma, uma experincia comum a todos e
independente, extra nos. A nomenclatura aponta para a ideia de que
s se pode estudar as religies em sua variedade de formas
sociais/culturais, devendo assim ser consideradas elas (como
produes socioculturais), no correspondendo, as religies, a
expresses culturais e sociais de um suposto sagrado comum a todas
as religies.3.2 A Graduao na UFJF: Cincia da Religio
A nomenclatura que proposta, para a Graduao referida neste
Projeto, a de Cincia da Religio, no singular. Contudo, em um
primeiro momento, o motivo de se eleger esta terminologia no
singular ultrapassa as questes epistemolgicas ou metodolgicas acima
expostas. Entende-se que no corpo docente do Departamento de Cincia
da Religio da UFJF (2011) existem variadas concepes sobre a
epistemologia e diversidade de competncias metodolgicas quanto ao
estudo da religio, e quanto compreenso do que seja religio, e mesmo
do que seja cincia. Mas tambm no assim em reas/cincias j
consolidadas na Academia no mundo e no Brasil, j de longa data? Na
Psicologia o conceito de Psique e de suas funes encontra, acaso,
conceito uniforme? A Sociologia encontra armistcio e consenso ao
conceituar processos sociais e desenvolvimento das sociedades e
histria ao, por exemplo, usar como referncia conceitual para os
processos sociais, autores to dspares como Marx e Weber? Enfim, tal
questionamento poderia se estender a outras cincias/campos de
saber. Inclusive para as cincias ditas hard: o conceito de Fsica
(de suas operaes/leis no universo e no ser humano) encontra
coincidncia total entre Newton e Einstein?
Assim, a escolha do termo Cincia da Religio, no singular, para a
Graduao, cumpre, entre a saudvel pluralidade de interpretaes e opes
epistemolgicas possveis encontradas, um papel tradicional: estar em
acordo e ligao com o termo j consagrado e presente no Departamento
de Cincia da Religio da UFJF. 3.3 Cincia da Religio: Autonomia e
InterdependnciaPara Filoramo e Prandi no pensvel que um simples
estudioso tenha a pretenso de orientar-se com igual domnio nos
diversos campos disciplinares que formam as atuais cincias das
religies (1999, p. 6). Quereria a Cincia da Religio produzir um
super-acadmico, supra-disciplinar em competncias e
operacionalidades? No se trata de tal ousadia. Contudo, algumas
questes devem ser clareadas.O presente Projeto, no que tange
compreenso sobre o que Cincia da Religio, visa ultrapassar
paradigmas que no se entendem em caminhada conjunta ou holstica, ou
ao menos sistematicamente dialogal, em um curso de Graduao em
Cincia da Religio. Filoramo e Prandi (1999) talvez contribuam para
a percepo de um quadro s vezes esquizofrnico em Cincia da Religio
(que aqui pretende-se superar) ao nomear a medida de tenses e
polmicas evidenciadas na oposio de duas escolas distintas: explicao
e compreenso. A escola da explicao, em cujo nicho estaria as
cincias sociais e da mente, trataria a religio de forma emprica to
somente, como, a exemplo, manifestao scio-antropolgica ou psquica,
e redutvel a ser explicada em suas funes e estruturas em relao ao
meio social ou s predeterminaes psquicas, como seu produto. o que
aponta com clareza, quanto s Cincias Sociais, Paula Montero (1999,
p. 329): Os fenmenos religiosos interessam-me, no como um campo em
si mesmo de investigao, mas como via de acesso compreenso da
sociedade brasileira. Aqui est, grosso modo, o caminho da explicao,
ou seja, no considerar a religio em si, mas de forma funcional em
relao sociedade, ou a outro elemento exterior prpria religio. O que
se estuda, a partir deste paradigma, a sociedade, ou a psique, ou a
luta de classes, ou o mercado, etc. Porm, uma investigao que se
referisse ao objeto religio apenas para comprovar um objeto no
religioso no seria, do ponto de vista da Cincia da Religio, uma
pesquisa (Greschat, 2006, p. 39). Esclarecendo: no seria uma
pesquisa de/em Cincia da Religio. Ou, em outras palavras, para
analisar, via religio, outros objetos ou campos de pesquisa que no
a prpria religio - enquanto concebida como objeto fulcral de
investigao - ento seria mais honesto, e prtico, simplesmente, por
exemplo, uma rea de pesquisa, em um Departamento de Psicologia, de
Psicologia da Religio; uma, no Departamento de Histria, de Histria
das Religies; uma, no Departamento de Cincias Sociais, de Cincias
Sociais da Religio; e assim adiante. Mas Cincia da Religio,
conforme aqui compreendido, mais que isto.J o plo da compreenso v
nas religies certa autonomia em relao s suas expresses
scio-histricas. Assim, a religio tambm diz a si mesma, e no somente
a coisas diferentes, como pressupe a escola da explicao. Filoramo e
Prandi (1999) defendem a ideia a comear pelo ttulo do livro que
escrevem de que esta tenso entre dois modelos deve ser diluda por
um modelo de integrao, no pluralismo metodolgico, em que cada
disciplina (de vis explicativo ou compreensivo) resguarde, no seu
interior, os seus prprios pressupostos metodolgicos e de
cientificidade. Prope as Cincias das Religies como campo
disciplinar, dinmico em dilogos entre as disciplinas. Portanto, no
uma justaposio ou sincretismo metodolgico. Mas uma confederao que
resguarde a autonomia (as leis metodolgicas internas) das
disciplinas.
Os autores falam de uma autonomia relativa da religio, ou seja,
existiria sim uma linguagem religiosa a perpassar as religies, um
fio comum, certa auto-regulamentao. Contudo, o acesso do estudioso
em relao s religies histricas. So estas a que ele teria acesso, e
no a uma suposta religio essencial. Enfim, o que se estuda so as
mediaes culturais de certa estrutura simblica sempre presente. a
isto, de fato, a que o pesquisador tem acesso, o seu possvel.
Portanto, importa no privilegiar nem uma abordagem que se queira
descobridora de uma religio substancial, nem a que vise s as funes
da religio na sociedade e cultura, ou psique. Mas fazer estas duas
perspectivas dialogarem criativamente e polinizaram-se, ainda que
no se proponha um sincretismo metodolgico. Frank Usarski (2006),
por sua vez, define a Cincia da Religio como cincia autnoma, em que
os pesquisadores compartilham suas convices tericas em um conjunto
de postulados consensuais. O que se pergunta a que ponto a proposta
de Filoramo e Prandi prev este conjunto de postulados consensuais,
pois que faz as cincias dialogarem, mas parece no prever um
background de postulados consensuais em que se fundaria uma Cincia
da Religio auntnoma a ser regente, e no regida. Joachim Wach
(1990), por sua vez, postulava uma Cincia da Religio em que as
cincias empricas e as cincias apriorsticas (Fenomenologia,
Teologia), pudessem conviver num casamento de contrrios dentro de
uma mesma casa, a casa de uma Cincia da Religio. Neste sentido
Usarski (2006) chama a ateno para a Cincia da Religio enquanto
metareflexo, por seu prprio carter tensional entre as tendncias
reducionistas e as fenomenolgicas.
Wach se distancia da perspectiva de uma rea de estudos (composta
de diferentes cincias) para a perspectiva de uma metodologia de
estudo, ou melhor, uma cincia, da religio, que se utiliza de vrios
enfoques sem ser refm de nenhum, ou sem vassalagens exclusivas e s
eventualmente dialogais. No que Wach faa uma salada mista. A
autonomia de cada cincia continua em suas anlises, mas uma
autonomia relativa que serve a um objetivo maior, dialogal,
dialtico e holstico. Para tanto Wach prope uma Cincia da Religio
que seja descritiva e hermenutica, que una abordagens explicativas
e compreensivas. Colin Campbell, ao apontar para a orientalizao do
Ocidente (1997), chama a ateno de que, neste volver de paradigmas,
o binmio sim ou no d lugar ao modelo sim e no. Isto , usufruir do
paradoxo e harmonizar os contrrios. No caso o presente Projeto
entende que a interdisciplinaridade, em Cincia da Religio, se
proporia a uma interdependncia entre cincias/reas do saber, visando
uma cincia autnoma ou um projeto em comum de cincia. Posto que o
conceito simples de interdisciplinaridade no necessariamente se
efetiva em novo rosto de uma cincia, mas o conceito de
interdependncia de cincias como regente da interdisciplinaridade
aponta o esforo de um dilogo que se quer mais do que
circunstancial, mas constitutivo de laos de saberes que visam criar
uma nova compreenso, interdependente, para a constituio de uma
cincia autnoma (e autnoma porquanto dialeticamente interdependente
entre cincias, e no um simples agregado delas).
Entende-se que a Cincia da Religio deve superar a
diferenciao/dualismo de semnticas (como compreenso versus
explicao), e, superando dicotomias, fazer com que reas de saber
especfico sobre a religio no se isolem, mas se permeiem, no
necessariamente em alguma sntese metodolgica ou de resultados, mas
ao menos em uma abordagem sobre a religio que se queira holstica ou
interdependente. A grade curricular de disciplinas, constada neste
Projeto, quer apontar justamente para tanto. Ou seja, as vises
especficas de cincias especficas sobre a(s) religio(es) esto
alocadas no 1 Ciclo (Bacharelado em Cincias Humanas), como, por
exemplo, Antropologia da Religio, Psicologia da Religio, Filosofia
da Religio, Histria da Religio, Fenomenologia da Religio,
Sociologia da Religio. Assim, o 1 Ciclo, em sua prpria formatao de
acesso a um conhecimento/formao geral e interdisciplinar na rea de
Cincias Humanas, cumpre o papel de apresentar aos educandos as
vises especficas de cada cincia sobre a religio. As disciplinas do
2 Ciclo, por sua vez, cumprem papel diferente, embora em ntima
relao com as do 1 Ciclo, e devedoras delas: a de apresentar, em
seus eixos e ncleos temticos, a anlise das tradies religiosas e de
temas interfaciados com a religio a partir no de uma cincia
especfica (como poderia-se fazer, por exemplo, uma Psicologia do
Budismo, ou Sociologia do Budismo, ou ainda Histria do Budismo),
mas a partir de um planejamento ementrio e bibliogrfico (e de plano
de ensino) que busque uma abordagem sobre o Budismo, por exemplo,
ou sobre Ps-Modernidade e Religio, referenciados por viso que
contemple a multifacetada riqueza de aproximaes ao tema de estudo.
Isto vivel e justificado na medida em que o presente Projeto no
apresenta uma Graduao em Filosofia da Religio, ou em Sociologia da
Religio, mas uma Graduao em Cincia da Religio, com toda a carga de
interdependncia e viso do todo, no estudo da religio, a que deve se
comprometer uma interdisciplinaridade que se proponha como
interdependncia entre cincias e que se queira com objetivos e
compromissos em relao a uma viso holstica, a assim prefaciar e
moldar um curso de Cincia da Religio. Portanto, desse modo, tambm a
pergunta pela preferncia de uma compreenso mais substancialista ou
mais funcional de religio passa a segundo plano, tanto mais que
preservada a possibilidade de articular os dois conceitos (Hock,
2010, p. 29). Evidentemente que, com isto, no se quer anular a
formao e competncia especfica daqueles que, como docentes, vo gerir
as disciplinas do 2 Ciclo. No se quer, e mesmo se pode e no se
deve, abstrair as nfases que cada docente traz em sua formao
especfica, e leva sala de aula ou pesquisa. O que se pleiteia um
esforo para que o curso de Graduao em Cincia da Religio seja
gerido, em planejamento pedaggico e atuao em sala de aula e
pesquisa, a partir de um pano de fundo que no se atenha stricto
sensu cincia especfica de formao do docente. Conforme Dierken, o
pensamento religioso, a descrio analtica da religio e a reflexo
conceitual-categorial sobre a religio so atividades imemoriais. J a
diviso segundo diferentes disciplinas da ocupao cientfica com a
religio, junto com suas respectivas pretenses concorrentes entre
si, um fenmeno da modernidade (2009, p. 9). No se trata de olvidar
ou tentar anular o seccionamento que a modernidade trouxe ao criar
e conferir cada vez mais especialidades especficas aos estudos, s
cincias, enfim, investigao sobre o mundo. Trata-se, contudo, de
ensaiar novos paradigmas, que busquem relativa superao deste
seccionamento algumas vezes corporativo e de interesses alheios boa
cincia -, visando um discurso/anlise sobre a religio que esteja
para alm de compartimentaes e corporativismos epistemolgicos. Nas
palavras de Greschat (2006, p. 24), religio como totalidade
torna-se um divisor de guas entre cientistas da religio e outros
cientistas que se ocupam apenas esporadicamente da religio.
Talvez boas ilustraes para o que aqui o Projeto apresenta sejam
as imagens da orquestra e a do rio. Em uma orquestra h vrios tipos
de instrumentos, cada um com sua funo, seu som, sua tcnica, sua
contribuio especfica para a execuo de uma msica. Mas quando se ouve
a orquestra em atividade, com todos seus recursos instrumentais, no
se ouve o violino, a flauta ou o trombone. Ouve-se a msica, fruto
da harmonia dos instrumentos tocados a um tempo. Sim, a msica feita
de sons diversos, como os do violino, flauta e trombone. Claro que
eles tambm podem ser (e so) ouvidos em suas especificidades. Sem
eles no h msica. Mas, quando se ouve, ouve-se a harmonia, ou
melhor, aquilo a que chamamos msica. Ao menos este o objetivo de
uma orquestra composta de vrios instrumentos: executar algo que
seja msica e que, no caso da orquestra, no se faz como solo. Enfim,
o que se pleiteia neste Projeto? Que se oferea aos educandos a
execuo da msica, isto , o todo, composto de partes, claro, mas que
se possa oferecer a imagem orquestrada. Ou seja, uma cincia que,
composta de muitas, tenda ao ensaio de unidade, como a msica da
orquestra com sua diversidade. A Cincia da Religio precisa ser
concebida como um ponto de interseco de vrias subdisciplinas e
matrias auxiliares (Usarski, 2006, p. 15). Isto , Cincia da Religio
como ponto fulcral de dilogo, de interseco, e no simplesmente como
rea de encontros fortuitos de interdisciplinaridade, senda ela
mesma, a Cincia da Religio, coisa alguma, mas apenas praa de
encontros, e de disputas. Conforme Japiass (1976, p. 74), o espao
do interdisciplinar, quer dizer, seu verdadeiro horizonte
epistemolgico, no pode ser outro seno o campo unitrio do
conhecimento. Jamais esse espao poder ser constitudo pela simples
adio de todas as especialidades nem tampouco por uma sntese de
ordem filosfica dos saberes especializados. Sem querer a simples
adio disciplinar, em uma espcie de enciclopedismo, ou pleitear uma
sntese geral e ou sistema de cunho filosfico, este Projeto entende
a Cincia da Religio como um rio caudaloso, formado por vrios
afluentes. As guas dos afluentes esto todas presentes neste rio,
rio que no os afluentes, mas um outro rio que se torna rio devido
aos afluentes, rio independente e forte, e forte e independente
justamente por ter recebido gua de vrios afluentes que, ao se
encontrarem, vo produzindo este rio em sua independncia. Esta a
dialtica desejada. Assim, interdisciplinaridade necessita superar
um mero agrupamento descompromissado de cincias em que cada qual,
nos encontros da/na gora interdisciplinar, faz seu discurso de
forma indiferente s demais, pois que a caracterstica central da
interdisciplinaridade consiste no fato de que ela incorpora os
resultados de vrias disciplinas, compara, julga e promove a
integrao das mesmas (Japiass, 1976, p. 75). Assim, postula-se aqui
interdisciplinaridade como interdependncia entre as cincias, sem
que com isto se postule metodologias e concluses unificadas, como
em um totalitarismo epistemolgico. Se, por um lado, a exemplo, as
cincias do social asseveram que a religio, para suas metodologias
especficas, mostra-se e a isto a que se tem acesso sempre em, com e
sob formaes socioculturais, elas, em reverso, no tem ou reivindicam
acesso direto ao sentido religioso subjetivo, que se operacionaliza
em formas scio-culturais. Para tanto caberia lugar fenomenologia,
ou mesmo a uma teologia no confessional, o perscrutar e
racionalizar o sentido religioso (Dierken, 2009, p. 22-23). nesta
ambivalncia, troca e visada de fronteiras que um curso de Cincia da
Religio se encontra: em estudar a religio em todas as suas derivaes
possveis, em uma abordagem que antes privilegia a busca de snteses
interpretativas ainda que necessariamente provisrias e
dialeticamente reversveis - do que narrativas cientficas isoladas
sobre o objeto de pesquisa. Ainda citando Dierken (2009, p. 41): a
religio tem a ver, manifestamente, com a dinmica carregada de
tenses entre a tendncia para o todo e a acentuao de um elemento
prprio ou peculiar inderivvel: o lugar da religio so as passagens
de fronteiras entre estes dois aspectos. No se pleiteia - preciso
que fique claro - abolir fronteiras metodolgicas e epistemolgicas
que esto presentes no estudo da religio. Mas, tomando por emprstimo
o exemplo e a realidade da Unio Europia (UE), pleiteia-se
possibilitar um Espao Schengen entre elas, de livre circulao
epistemolgica. Como no caso da UE e do citado espao, Frana Frana, e
Alemanha Alemanha, assim como seus cidados tm suas respectivas
nacionalidades e os pases suas respectivas autonomias. Mas, os
Estados signatrios do acordo aboliram as fronteiras internas a
favor de uma fronteira externa nica. Parafraseando o exemplo para a
Cincia da Religio, trataria-se de um esforo em que as fronteiras
epistemolgicas presentes nas vrias cincias que analisam a religio
cederiam espaos, em si, umas s outras, possibilitando
enriquecimentos mtuos e o ensaio de um modelo autnomo de Cincia da
Religio. E autnomo enquanto e porque permeado de interdependncia
entre diferentes reas do saber em suas vises sobre religio. Esta
seria a dialtica da autonomia paradoxalmente marcada pela
heteronomia em Cincia da Religio. A concepo de Japiass (1976, p.
31-32), em que interdisciplinaridade mais que um aglomerado de
cincias, mas dilogo de interao interdependente, til como
ilustrao:Longe de ns, porm a idia de apresentar o interdisciplinar
como panacia cientfica ou como empreendimento dissociado das
caractersticas sociais e intelectuais da comunidade dos pensadores.
Assim, os encontros entre especialistas no sero considerados como
simples trocas de dados, pois nossa inteno no a de chegar a um
empirismo compsito, codificado para fins de ensino. Pelo contrrio,
esses encontros sero considerados o lugar e a ocasio em que se
verificam verdadeiras trocas de formaes e de crticas em que
explodem as ilhas epistemolgicas mantidas pela compartimentao das
instituies ainda s voltas com as fatias do saber em que as
comunicaes entre especialistas reduzem os obstculos ao
enriquecimento recproco, em que os conflitos, o esprito de
concorrncia e de propriedade epistemolgica entre os pesquisadores
devem ceder o lugar ao trabalho em comum de busca, de interao entre
duas ou mais disciplinas, de seus conceitos, diretrizes, de sua
metodologia, de sua epistemologia, de seus procedimentos, de seus
dados, bem como da organizao, da pesquisa e do ensino que dela
possam recorrer.
Definindo resumidamente a Cincia da Religio para a compreenso
aqui advogada, este Projeto ora apresentado entende que a definio
de Dierken bastante apropriada para o que se deseja oferecer com a
Graduao em Cincia da Religio: Na ptica da cincia da religio, as
seguintes [caractersticas]: a epoch quanto convico de verdade; o
uso de mtodos emprico-fenomnicos; a distncia de instituies
religiosas; a visada comparativa de diferentes culturas religiosas
com a concomitante absteno de juzos de valor em suma: a descrio
neutra quanto validade em perspectiva externa (2009, p. 12). Em
complemento a isto, o Projeto visa a Graduao em Cincia da Religio
em que esta, de forma bastante sinttica, seja entendida como a
pesquisa emprica, histrica e sistemtica da religio e de religies
(Hock, 2010, p. 13). Ou seja, isto compreende, neste Projeto
Pedaggico, que a Graduao possa oferecer aos educandos um olhar
sobre as expresses sociais e culturais da religio, sobre a
doutrina, ritos, mitos, dogmas, experincias e histria, e tambm e
juntamente a isto - sobre o que ela (religio) possa ser para alm de
suas expresses histrico-sociais. Neste sentido, conforme Greschat
(2006), uma Cincia da Religio tem por finalidade observar seu
objeto em totalidade a partir de quatro momentos. Religio forma
comunidades cognitivas, eclodidas de compreenses (experincias)
comuns em torno de certos pressupostos de crena e viso do mundo,
formando tradies religiosas. So empirias observveis para a anlise.
Religio, ainda e a partir do dito acima, costuma gerar doutrinas,
uma lgica explicativa f. Religio , em suporte ou conseqncia do j
dito, vida dinmica, portanto se manifesta em atos, e seu dinamismo
se revela em atitudes, coletivas ou pessoais, possveis de serem
mensuradas e interpretadas em sua empiria e em suas localizaes
sociais e culturais. E, por ltimo, o que seria o mais nodal:
religio pode ser experincia religiosa, subjetiva, ntima. Esta, de
certa forma (ou de toda forma?) inobservvel, vedada ao sensorial do
cientista, foge empiria convencionada pelas cincias tradicionais
modernas. Mas preciso a tambm tentar se aventurar a fazer cincia,
ainda que fugindo (superando) a paradigmas tradicionais e
convencionados do que seja um objeto para a cincia que se possa
efetivamente investigar. A Cincia da Religio assume este desafio.
No contra as cincias que concebem a religio apenas como derivativa
e no nvel da empiria, e s observvel nela. Mas em unidade com esta
concepo tradicional e em busca de novos paradigmas.
4GRADUAO EM CINCIA DA RELIGIO: LICENCIATURA (E A QUESTO DO
ENSINO RELIGIOSO)
Na cincia da religio h amplo consenso sobre o fato de que uma
compreenso cientfico-religiosa de religio por sua vez no deve ser
religiosa. (Hock, 2010, p. 30)A citao que aqui se faz de Hock, logo
acima, axioma bsico para um Projeto de Licenciatura em Cincia da
Religio. O Licenciado tem, como principal campo de atuao e
competncia operacional, o magistrio, e no caso do Licenciado em
Cincia da Religio, o magistrio em Ensino Religioso. Contudo, esta
competncia pedaggica e didtica que o Licenciado assume, a partir da
moldura total Graduao em Licenciatura em Cincia da Religio, no se
refere compreenso da religio, para o exerccio docente em sala de
aula, como contedos doutrinrios ou de f que devem ser transmitidos
aos educandos. Ao contrrio, o Licenciado, particularmente
(unicamente?) em escolas pblicas e laicas, deve apresentar religio
como um fenmeno humano, e deve operacionalizar seu entendimento a
partir de uma abordagem ampla, cientfica, no confessional, que leve
os educandos a compreend-la em suas vrias faces, dimenses e
aproximaes metodolgicas, sem a apresentao de juzos de valor sobre
os temas apresentados. Cabe ainda, ao Licenciado, promover, em sala
de aula, uma abordagem sobre o fenmeno religioso que tenha em vista
um dilogo e vivncia entre os educandos com suas matrizes religiosas
ou de sentido, herdadas e/ou construdas tolerante, criativo, de
mtuo aprendizado e valorizador da alteridade e da pluralidade. A
Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional reconhece claramente
que o ensino religioso faz parte integrante da formao bsica da
pessoa humana numa sociedade pluralista. A Lei, em seu artigo 33,
afirma: O ensino religioso, de matrcula facultativa, parte
integrante da formao bsica do cidado, constitui disciplina dos
horrios normais das escolas pblicas de ensino fundamental,
assegurado o respeito diversidade cultural religiosa do Brasil,
vedadas quaisquer formas de proselitismo (Lei 9.475, de 22 de julho
de 1997). Ademais, a Resoluo CEB 02/98 reconhece o Ensino Religioso
enquanto rea de conhecimento ao lado de todas as outras
constitutivas do currculo escolar (Sena, 2006, p. 133 Anexo). Aps e
mesmo antes da aprovao da Lei, a profisso de docente em Ensino
Religioso foi aberta a qualquer pessoa preocupada com a formao
bsica de crianas e jovens. Porm, para o adequado exerccio da
profisso de professor de Ensino Religioso, o docente tal como no
caso de outros profissionais da educao que lidam com suas
respectivas disciplinas precisa estar qualificado.
Havia, em tempos passados (e ainda h, em alguns Estados da
Federao), o entendimento de que professores com formao em outras
reas do saber que no seja a da Cincia da Religio, poderiam (ou
podem) exercer a funo de docncia em Ensino Religioso. Esta viso,
contudo, pode vir a no reconhecer a complexidade e relevncia da
disciplina em questo, deixando entrever que qualquer formao docente
competente para lidar com os temas do fenmeno e do campo religioso,
sem que haja necessariamente formao qualificada do docente para
tanto. Porm, a atuao profissional em Ensino Religioso no pode ser
feita como voluntariado, filantropia, boa-vontade, disponibilidade,
interesse (...). Deve requerer formao especfica, graduao em nvel
superior e educao continuada dos docentes (Cortella, 2006, p.
19-20). Diante desta compreenso, pergunta-se: estaria um docente
com formao em Histria apto a lecionar Matemtica? Ou um professor
com formao em Cincias Biolgicas habilitado a lecionar Lngua
Portuguesa? Em tese e em direito no!
O reconhecimento da complexidade e especificidade do tema
religio, enquanto fenmeno que marca a vida de pessoas e sociedades,
e portanto enquanto sistema cultural a influenciar a sociedade
(s-la, de certo modo) e dela receber influncia, torna necessrio que
a religio, em sua pluralidade de expresses e manifestaes sociais,
seja, na escola pblica, lecionada por profissionais que tenham a
devida e slida formao na rea especfica de estudos da religio, rea
esta j consolidada, tanto no Brasil como, j bem antes de nosso
caso, em outros pases. E nessa condio de formao especfica que entra
a urgente consolidao da graduao em Cincias da Religio, com uma
licenciatura dentro dela que d conta da responsabilidade social que
tal ensino demanda, evitando-se o proselitismo e a doutrinao,
garantindo-se a democracia e o multiculturalismo (Cortella, 2006,
p. 20). A Cincia da Religio d, atravs de sua grade curricular e de
sua abordagem especfica, a base e a qualificao para esta rea da
docncia (Ensino Religioso), atravs de reflexo acadmica
supradisciplinar sobre a(s) religio(es), acentuando-se, no caso
especfico da Licenciatura para a docncia, as cincias da educao
enquanto refletem os recursos pedaggicos e didticos para a elaborao
de um currculo e didtica adequados para a docncia do Ensino
Religioso em escolas pblicas, particularmente, levando-se em
considerao conceitos e valores como os da alteridade e a
pluralidade religiosa no Brasil.
Desde aqui j fica claro que o escopo da Licenciatura em Cincia
da Religio leva em conta uma formao do discente que aponte para o
exerccio em nveis de planejamento curricular e pedaggico-didtico da
docncia em Ensino Religioso a partir de uma perspectiva no
confessional e no ligada ou subserviente a instituies religiosas.
Evidentemente que o docente em Ensino Religioso pode ter sua filiao
religiosa/institucional especfica. Contudo, compreende-se que, para
o exerccio da docncia de Ensino Religioso em espaos pblicos e
laicos, as preferncias religiosas subjetivas do professor de Ensino
Religioso devem ser colocadas entre parntesis, e que seu exerccio
profissional em sala de aula, ao lecionar Ensino Religioso, no deve
direcionar-se no currculo, contedo programtico e estratgias
pedaggicas a privilegiar, ou destacar em importncia valorativa, uma
religio especfica, ou, mais grave, direcionar seu lecionar Ensino
Religioso para desvalorizar, ocultar ou mesmo denegrir
religies.Conforme Teixeira, com a crescente diversificao religiosa
no Brasil e a afirmao de um pluralismo religioso insupervel, h,
certamente, que lanar novas bases para a reflexo do ensino da
religio na escola pblica. No h como manter posicionamentos que
defendam em mbito pblico um ensino confessional, embora no Brasil
ainda persistam em casos especficos modelos de ensino religioso
nesta direo, cuja plausibilidade vem reforada por fortes lobbies
confessionais. De fato ainda persistem discusses, no Brasil, e
modelos de Ensino Religioso secundados pela confessionalidade, como
o caso do Estado do Rio de Janeiro (2011), modelo, alis, que no
Estado fluminense est em reavaliao por parte do poder legislativo e
executivo, quanto sua pertinncia para o quadro cultural plural de
diversidade religiosa.
Joo Dcio Passos apresenta, quanto questo, trs modelos de Ensino
Religioso presentes no Brasil. O catequtico, que seria
unirreligioso; fundado em uma aliana Igreja-Estado; a lecionar
contedos doutrinrios, tendo como objetivo a expanso das Igrejas e a
formao de fis; relacionando-se com a sociedade pluralista em suas
expresses religiosas a partir de atitude proselitista e
intolerante. O segundo modelo seria o teolgico, de fundo
plurirreligioso; secundado pela antropologia e teologia pluralista;
visando a formao religiosa cidad; e que embute, em si, uma
catequese disfarada ou dissimulada. Enfim, o terceiro paradigma
seria o da Cincia(s) da Religio, de fundo transreligioso; secular;
tendo como fonte e base de conhecimento cientfico quanto ao objeto
religio a Cincia da Religio; estando sob a responsabilidade, em
suas anlises e prtica pedaggica, da comunidade cientfica; advogando
neutralidade cientfica (Passos, 2006, p. 28-34). Este Projeto, como
se evidencia, quer evitar os dois primeiros modelos para a
Licenciatura em Cincia da Religio em relao formao do profissional
do magistrio em Ensino Religioso, e privilegiar aquele ltimo.
Para a superao dos dois primeiros modelos apresentados acima e
aqui o foco , particularmente, a escola pblica e laica - justamente
a criao de Licenciaturas em Cincia da Religio, que se orientem por
um projeto acadmico, cientfico e pedaggico que se queira
independente de ancoragens em religies especficas, ou subserviente
a seus interesses, que tem a funo de criar espaos polticos no mbito
da Educao para que o Ensino Religioso, facultado por Lei em escolas
pblicas, possa ser plural, sem direcionamentos doutrinrios,
tratando do fenmeno religioso em sua maior abrangncia possvel, sem
juzos de valor, a no ser aquele que privilegia o respeito e a
abertura ao dilogo com o outro, com o diferente, com o diverso,
reconhecendo a legitimidade do outro existir como ele . De uma
forma precisa, a Licenciatura em Cincia da Religio quer
possibilitar a formao de profissionais de educao em que, eles,
profissionais, possam aprender, e mais tarde ensinar aos seus
futuros educandos que compreender no , em todo caso, estar de
acordo com o que ou quem se compreende. Tal igualdade seria utpica.
Compreender significa que eu posso pensar e ponderar o que o outro
pensa. Ele poderia ter razo com o que diz e com o que propriamente
quer dizer.Assim, a Licenciatura em Cincia da Religio tem como meta
formar profissionais docentes que, em sua prtica letiva,
compreendam a(s) religio(es), suas expresses, atuao em fluxos e
refluxos no campo social (indivduo, famlia, sociedade civil,
instituies) de forma cientifica, ou seja, a partir de um olhar
supradisciplinar, e no de olhares teolgico-confessionais especficos
e restritos. Deve buscar-se, na Licenciatura, formar docentes que,
atravs de slida formao acadmica na rea de Cincia da Religio, assim
como da apreenso de teorias e recursos pedaggicos e didticos
adequados, articulem, em sala de aula, o ensino sobre o fenmeno
religioso, a histria das religies e a interpretao deste fenmeno e
histria dentro de gradiente dialogal, marcado pela tolerncia,
valorizao da alteridade e reconhecimento da pluralidade religiosa
como fenmeno legtimo. No por ltimo importante lembrar que, na
sociedade contempornea, particularmente no caso do Brasil, as
diferenas religiosas frutos da diversidade/pluralidade religiosa se
manifestam de forma cada vez mais explcita em sala de aula e,
atrelada a esta visibilidade, os conflitos tambm se fazem
presentes. Educandos pertencentes a tradies religiosas que tm tido
viso negativa a respeito de religies alheias podem (e de fato isto
tem ocorrido) gerar um ambiente de segregao e desqualificao de
minorias, em sala de aula, a partir de motivaes de fundo religioso.
Alis, este ambiente, de conflito cognitivo referenciado pela
religio, , algumas vezes, fomentado por docentes (de vrias reas)
que percebem a educao como uma misso evangelizadora, por assim
dizer, que comporta a divulgao de seus particulares valores
oriundos de sua religio especifica. E, neste quadro, a situao se
torna mais grave quando o docente de Ensino Religioso que entende
seu magistrio como a tentativa (por vezes sutil, por vezes
explcita) de qualificar sua viso religiosa entre os educandos e
desqualificar vises religiosas alheias sua.
Como percebe-se, a escola, como um todo, e a sala de aula, de
forma especfica, tm sido muitas vezes local de tenso, disputas e
conflitos quando o que se est em jogo a pluralidade de pertenas
(sociais, culturais, religiosas) e a alteridade. Esta tenso de
conflitos abertos ou dissimulados se encontra no s no corpo
discente, como tambm no docente. O Licenciado tem, neste caso, como
docente em Ensino Religioso, no s a responsabilidade de, em sala de
aula, empreender um dilogo respeitoso, tolerante e criativo a
partir da pluralidade de pertenas religiosas ali presentes, como,
em um nvel macro, fomentar este esprito dialogal, que desarraiga a
questo religiosa de embates e disputas doutrinrias, entre os demais
docentes, oferecendo a estes (e cada qual tem sua opo religiosa) a
percepo de que o espao escolar no deve ser local de projetos
educacionais concebidos como civilizadores a partir da inculcao,
nos educandos, de valores e pressupostos especficos ligados
determinada concepo de f do educador. O conhecimento e
reconhecimento do outro enquanto outro, com sua prpria cultura
religiosa, com sua rede de significados simblicos a gerir a vida,
enfim, com sua semntica prpria, um desafio para o Ensino Religioso
nas escolas, particularmente as pblicas, em que a diversidade
religiosa presente em turma tende a ser maior. Atualmente vive-se
contextos de intolerncia religiosa, exclusivismos religiosos, em
que a aproximao com o diferente tem causado um estranhamento cujo
resultado tem sido, muitas vezes, uma (auto)defesa da prpria
cultura a partir de ataques s culturas religiosas alheias,
desqualificando-as e as deslegitimado. A Cincia da Religio,
enquanto formadora de docentes para o Ensino Religioso, visa
projeto que busca fazer com que o profissional de Ensino Religioso
produza, junto aos educandos, um tipo de conhecimento que
privilegie positivamente o outro, que valorize as diferenas como um
dado enriquecedor, e que estimule o educando a pensar sua prpria
religio no contra as demais, mas em relaes de respeito e tolerncia
com o que diferente.
Neste sentido a proposta de Licenciatura em Cincia da Religio,
com vistas docncia, de seus egressos, na disciplina de Ensino
Religioso, no Ensino Bsico e Fundamental, segue, em sua filosofia
de concepo de curso, explicitada particularmente em sua grade
curricular, uma concepo de estudos da religio sem vnculos
confessionais, plural, dialgica, e voltada construo de um
aprendizado em que o educando possa perceber a sua e a religio dos
outros, e o fenmeno religioso em geral, de forma liberta de
preconceitos, criando um ethos, na prtica educativa, que leve o
educando a reconhecer o diferente como legitimo em sua forma de ser
e pensar o mundo e a religio.
Para exemplificar esta formatao de formao licenciada em Cincia
da Religio, com vistas ao exerccio profissional de docncia em
Ensino Religioso, particularmente em escolas pblicas, cita-se aqui
o caso pioneiro do Estado de Santa Catarina. A Secretaria Estadual
de Educao de Santa Catarina compreendeu que, nas escolas estaduais
daquele Estado, pblicas e laicas, era necessrio que o Ensino
Religioso fosse lecionado por profissionais que tivessem formao
especfica para tal. Descartou-se, entretanto, profissionais cuja
formao fosse a teolgica, compreendendo que a formao teolgica, no
Brasil, alm de ser sempre confessional, poderia comprometer a
priori o profissional a privilegiar (por sua prpria formao) um
determinado tipo de viso e interpretao sobre a religio.
Entendeu-se, portanto, que caberia ao professor de Ensino Religioso
uma formao no confessional, mas interdisciplinar e no
necessariamente (ou acentuadamente) teolgica. Para tanto
compreendeu-se que a Cincia da Religio cumpria este papel,
porquanto curso em que se estuda o fenmeno religioso e as religies
a partir da cooperao e entrelaamento interdisciplinar e, conforme
entendido Cincia da Religio neste Projeto, interdependente das
vrias cincias das reas de humanas, sociais, entre outras. Esta
compreenso que passou a vigorar no Estado de Santa Catarina,
evidentemente foi fruto de um processo de reflexo em que
participaram entidades vrias, como o FONAPER (Frum Nacional
Permanente do Ensino Religioso), IES (FURB, UNIVILLE, UNISUL),
CONER/SC (Conselho de Ensino Religioso), entre outras. Entrementes,
hoje, para concursos pblicos de provimento de cargo de docentes em
Ensino Religioso em estabelecimentos educacionais do Estado, j se
exige o curso de graduao/licenciatura em Cincia(s) da Religio. Esta
exigncia, que se fez a partir do entendimento de que o Ensino
Religioso em escolas pblicas deve se referenciar no lastro da
pluralidade, alteridade e viso panormica e sem juzos prvios sobre o
fenmeno religioso e as religies, possibilitou, pela prpria demanda
criada de profissionais com tal formao (Cincia da Religio) para a
docncia em Ensino Religioso, que IES do Estado planejassem e
criassem cursos de Cincia da Religio para formao de profissionais
qualificados a compor o quadro docente de professores de Ensino
Religioso no Estado. Assim, IES como a FURB (Blumenau), UNIVILLE
(Joinville), UNOCHAPEC (Chapec), UNISUL (Tubaro), UNC (Canoinhas),
e a Faculdade So Jos (municipal/pblica, de So Jos/SC) vieram a
abrir cursos de Licenciatura em Cincia(s) da Religio.
A compreenso de que, para o exerccio da docncia em Ensino
Religioso, o profissional necessita desta formao
acadmico-cientfica, proporcionada pela Cincia da Religio, est a
influenciar outros Estados da Federao, que, em articulao com cursos
de Licenciatura em Cincia(s) da Religio j existentes nestes
Estados, ou no incentivo para sua criao, comeam a exigir que
profissionais de Ensino Religioso tenham formao especfica em Cincia
da Religio. Sem dvida que a existncia, nestes Estados, de cursos de
Licenciatura em Cincia(s) da Religio, em IES pblicas, como na UFPB
(Universidade Federal da Paraba), na UERN (Universidade Estadual do
Rio Grande do Norte), UEMA (Universidade Estadual do Maranho), UVA
(Universidade Estadual do Vale do Acara, em Sobral, Cear) e na UEPA
(Universidade Estadual do Par), tem sido fator preponderante para
que estes Estados, em suas Secretarias de Educao, possam
compreender a importncia de que, no trato da questo religio em sala
de aula de escolas pblicas, estejam aptos a lecionar pessoas
formadas especificamente para a rea, entendendo o Ensino Religioso
no como aula de religio, ou catequese, mas como disciplina que
aborda, de forma neutra quanto axiomas de verdade e juzos de valor,
e de forma interdisciplinar e plural, o fenmeno religioso e as
religies.
Neste sentido compreende-se que a UFJF, em relao ao Estado de
Minas Gerais, cumpre papel pioneiro e importante, enquanto IES
pblica e federal, de, a partir da criao da Licenciatura em Cincia
da Religio, empreender dilogo e reflexo com as instncias
governamentais do Estado, particularmente na rea da Educao, no
sentido de avaliar e traar novos parmetros e compreenso para a
funo, objetivos e o estatuto disciplinar e curricular do Ensino
Religioso no Estado, bem como da formao necessria para o exerccio
profissional na rea. Ou seja, a partir de iniciativas concretas
como a de implementao de curso de Licenciatura em Cincia da Religio
(com vistas ao Ensino Religioso) que se abrem espaos e canais,
junto aos rgos pblicos, para reflexo e definio sobre a questo do
Ensino Religioso nos Estados, assim como de sua regulamentao a
partir de paradigmas plurais e de qualificao profissional especfica
para tanto. Salienta-se, ainda, quanto a esta questo, que a
Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), IES pblica, j
oferece, no mbito do Estado de Minas Gerais, a Licenciatura em
Cincia da Religio. Ainda em Minas Gerais, existe a UNEC
(Caratinga), IES privada, a oferecer o curso.
5GRADUAO EM CINCIA DA RELIGIO: BACHARELADO (...) o que conta a
criatividade para nos aproximarmos da religio a partir de olhares
investigativos mais cuidadosos, mais argutos, reconhecendo a
dimenso que a religio assume na constituio da vida humana, da
cultura, e nos diferentes campos dos interesses e conflitos
sociais.(Magalhes, 2008, p. 43-44)O Bacharel em Cincia da Religio
dever ser um profissional capacitado pesquisa sobre religio com
vistas a intervenes prticas em seu meio social, seja em assessoria,
seja em participao efetiva em projetos que lidam em cheio com o
tema religio ou que trabalham temas que tenham por interface a
religio, ou aspectos religiosos.
Entende-se o Bacharel como um pesquisador que deve contribuir, a
partir dos instrumentais tericos e metodolgicos que o Bacharelado
oferece, para o esclarecimento, nos meios sociais em que atuar, das
questes de fundo religioso (explcito ou implcito) pertinentes a
eles e que demandam um grau de anlise e porventura interveno
qualificado, sem tendncias confessionais que venham interferir em
tal anlise. Ou seja, o Bacharel deve dominar um saber de pesquisa
sobre religio que o faa instrumento social (profissional) de
referncia para a interpretao do religioso no social, e para,
entrementes, assessorar e interagir com entidades que,
confessionalmente religiosas ou no, demandem a necessidade de
haver, por motivos variados, esclarecimento e pesquisa sobre
religio, seja em nvel macro, seja em nvel micro, atinente a ela
mesma, mas prescindindo de comprometimentos hermenuticos e
confessionais prvios. Pode-se comear por exemplificar este ltimo
caso. Organizaes confessionais como a CNBB, ou uma Confederao de
Entidades de Cultos Afro-Brasileiros, ou a Presidncia/Direo de uma
determinada Igreja protestante, podem necessitar, por motivos
diversos, que em determinado momento se realize, sobre elas ou
sobre seu campo de atuao, pesquisa que se intente isenta de
dominaes ou excluses por tendncias interpretativas internas
organizao. Ou seja, que necessitem, para diagnstico geral ou
visando algum motivo prtico futuro, ter a pesquisa (e seus
resultados) a competncia de um especialista em religio que, no
entanto, no seja refm nem de pressupostos da confessionalidade
daquela organizao, nem das tendncias ali envolvidas. O Bacharel ser
pessoa qualificada para entender e pesquisar religio tanto a partir
de nveis internos organizao (discurso prprio) quanto externo
(discurso sobre), a partir de locus que se pretende isento de
axiomas normativos quanto verdade ou f especfica do que
estuda/analisa/assessora. Tal mediao, para a qual o Bacharel estar
habilitado, tantas vezes necessria a organizaes religiosas no
intuito de que ela possa ver-se em espelho no embaado por seus
prprios olhares nativos, mas para que se veja e possa, neste ver,
fazer depois sua prpria avaliao interna para seus objetivos a
partir um olhar especializado, mas no de antemo comprometido. Mas o
Bacharel talvez tenha por maior campo de trabalho, e
responsabilidade, a sociedade civil em sua interface com o campo da
religio e de sua interveno nela.
Na Europa, por exemplo, os estudos sobre religio, feitos no
mbito da pesquisa em Cincia da Religio, tm assessorado entidades
civis e estatais e ajudado, neste assessoramento, a definir
planejamentos e condutas pblicas referentes a temas complexos
naquelas sociedades, como a questo das seitas (assim nomeado) na
Frana, e a do Islamismo (questes sobre o uso do vu em espaos
pblicos, por exemplo, na Frana e Blgica; ou da legitimidade da
existncia de minaretes, na Sua); dos smbolos religiosos (inclusive
cristos) em espaos pblicos na Itlia, etc. Enfim, cabe a algum
qualificado para a pesquisa em Cincia da Religio a pergunta pela
posio da religio no mbito pblico. Essa temtica tem duas dimenses.
Por um lado os crescentes conflitos sociopolticos em torno de
smbolos e locais religiosos, o que pressupe vozes qualificadas para
intervir em vistas normatizao implcita do espao pblico (Hock, 2010,
p. 235). Os estudos sobre religio devem favorecer, em pesquisa e
assessoria, um rosto/estatuto pblico, uma funo pblica sua
atividade. A pesquisa sobre religio, portanto, deve estar atenta e
empreender contatos relevantes com a sociedade civil em suas
interfaces com os elementos religiosos.
Por exemplo, pesquisas sobre religio, no Brasil, tm apontado a
questo da intolerncia religiosa (perseguies a adeptos de cultos
afro-brasileiros e destruio de imagens sacras) que algumas
instituies religiosas estariam a incitar. As pesquisas e discusses
a respeito da religio tm tido efeitos concretos quanto formao, na
sociedade civil, da criao e fortalecimento de rgos e leis
referentes proteo do direito liberdade de crena e culto e
punio/criminalizao de preconceito e perseguio religiosa (e definio
destes termos/conceitos). Outras pesquisas tm se debruado sobre a
questo do Ensino Religioso em escolas pblicas, e da consequente
discusso das relaes entre Estado laico e religio. Tais pesquisas tm
sido teis para esclarecimentos e a fomentar as polmicas discusses
sobre a questo, discusses que, certamente, tm (ou deveriam ter) seu
lugar no lastro das decises governamentais sobre o assunto. Junto s
organizaes pblicas reguladoras do espao pblico, e junto s
organizaes religiosas que vivem no espao social de determina
sociedade, se faz necessrio, tantas vezes, perguntar quais os
distintos critrios de reconhecimento e no reconhecimento de
religies que se formaram nos distintos contextos socioculturais: o
que torna uma religio religio licita, uma religio aceita e at
promovida (pelo Estado), o que a torna um culto proibido? (Hock,
2010, p. 235). Estas so, por exemplo, questes muito complexas e
afeitas a controvrsias, preconceitos, mal-entendidos. Assim, ainda
exemplificando, quanto criao de feriados pblicos referentes a datas
religiosas. comum considerar normal feriados alicerados em datas
festivas crists e, mais ainda especificamente, catlicas. Mas quando
se prope um projeto de lei de criao de feriado referente data
festiva de uma religio marginal ou de menor expresso no Brasil,
quais os critrios culturais, religiosos, regionais, enfim,
especficos para se avaliar pertinncia, legitimidade e relevncia de
tal projeto? A est a funo de pessoa qualificada em Cincia da
Religio, em intervir neste momento, embora esta interveno deva ser
considerada como interlocutora no processo de discusso, e no
necessariamente normativa ou decisria. Ainda sobre a questo
levantada por Hock, o Bacharel tambm deve dar palavra qualificada
(no necessariamente normativa), a partir de pesquisa, em relao a
temas como prticas rituais em novas religies e suas relaes
aparentemente ou no - conflitantes com as leis do pas. o caso, por
exemplo, de religies como as do Santo Daime, Unio do Vegetal,
Barquinha, que usam de plantas/razes para a confeco de chs
cultuais/rituais que so, muitas vezes, vistos com suspeio pelas
entidades pblicas, particularmente as agncias de sade. O papel de
um Bacharel neste caso pode ser o de intermediar a discusso entre
os temas e conceitos prprios rea de sade e os temas e conceitos
prprios a estas religies, sendo um interlocutor que domina as
semnticas das duas instncias e, por tal domnio, poder ter um olhar
de conjunto e de discernimento de critrios que seja necessrio ao
encontro de solues para o caso; interlocuo sem a qual talvez
houvesse (haja) apenas um dilogo de surdos.
Alis, muitas situaes nas sociedades modernas, que abrigam nichos
culturais diferenciados e muitas vezes diametralmente opostos, no
sendo, tantas vezes, mais possvel falar-se de uma cultura hegemnica
nas sociedades, geram conflitos de fundo religioso que, sem a
interveno qualificada de um profissional/pesquisador em Cincia da
Religio, pode se converter em monlogos sem soluo, ao invs de
dilogos em busca de resoluo de problemas. Situaes que incidem,
muitas vezes, no campo das legislaes, que se definem nestas
batalhas culturais de semnticas opostas. O Bacharel profissional
capacitado a intrprete em tais conflitos. Recentemente (2011) no
Brasil levantou-se, a exemplo, a discusso sobre a criminalizao da
homofobia. Organizaes e grupos GLBTs insistem, por um lado, que
pregaes em templos evanglicos (ou fora deles) que caracterizem a
homossexualidade como doena, a ser curada, ou mal a ser combatido,
devam ser criminalizadas, pois seriam discriminatrias ao
caracterizaram a homossexualidade como doena, ou como um mal, sem
que a cincia tenha palavra fechada sobre o assunto, ou mesmo na
contramo de pesquisas cientficas que descartam esta caracterizao
homossexualidade; e contra a liberdade de opo sexual e de autogesto
identitria. Assim, lutam por criminalizar pregaes que, no entender
destes grupos, discriminam e denigrem os homossexuais / a
homossexualidade. Pelo lado de alguns grupos e organizaes de
Igrejas evanglicas, defende-se que a pregao contra a
homossexualidade nas Igrejas no pode ser criminalizada, j que a
Constituio do Brasil prev liberdade de culto, de expresso e que,
conforme a conscincia da pessoa em sua adeso de f, a partir da
palavra sagrada que interpreta e que normativa para estes grupos a
homossexualidade um mal ou doena. Pois bem, aqui, neste complexo
conflito, h vrios campos de saber envolvidos: o saber mdico,
invocado por ambos os lados (e, ele, saber mdico, sem definies
definitivas ou consensuais sobre o assunto); o saber mdico enquanto
discurso cientfico normativo (portanto a cincia e interpretaes dela
- como cooperadora importante para a definio de legislaes); o saber
jurdico, legislativo e constitucional, usado por ambos os grupos de
formas antagnicas, conforme seus interesses e argumentados em um
xadrez poltico/cultural complexo; e o saber religioso, como apelo
conscincia, palavra sagrada e sua liberdade de interpretao - que se
quer normativa para quem nela cr; e, finalmente, a evocao do
direito liberdade religiosa e de expresso.
O Bacharel a pessoa que, com conhecimentos acadmico-cientficos
para a competncia em pesquisa que vise o dilogo entre culturas,
sociedade, religio, pode ser de grande valia na intermediao de
discusses como estas, que visam criar leis que afetaro a sociedade
como um todo. E no s as disciplinas cursadas na Graduao/Bacharelado
em Cincia da Religio o habilitaro e legitimaro para este papel, mas
tambm o fato de sua formao ser no confessional ou orientada por
pressupostos religiosos (no estudo das religies) e, no caso
especfico desta IES, por ter a chancela, em sua formao cientfica,
de uma universidade pblica e laica, que no visa representar em sua
formao do educando interesses de grupos sociais especficos, mas tem
como norma o conhecimento universal, pautado no livre investigar
das cincias, sem constrangimentos ou limites determinados por
orientaes de atores sociais particulares, sejam eles laicos ou
religiosos.Com isto no se quer dizer, entretanto, que o Bacharel
ter um poder bvio de conciliador na sociedade em seus conflitos que
envolvam elementos religiosos. No se postula aqui algum que seja ou
que tenha a obrigao de ser um harmonizador de conflitos, ou um
agente que faa brotar unanimidades ou armistcios de conflitos
scio-religiosos, ou mesmo um legislador para tais casos. Seria
presuno e inocncia apresentar assim o Bacharel. Mas entende-se que
o Bacharel, enquanto pesquisador qualificado, um intrprete e
interlocutor importante para tais conflitos e para o
auto-entendimento de grupos sociais que tenham como tema implcito
ou explcito, em suas demandas, fatores religiosos, assim como para
que estes grupos possam melhor ouvir e entender (no necessariamente
aceitar) pontos de vistas alheios aos seus. E, sendo a religio
tambm fator subjetivo s pessoas, geradora de sentimentos de amor e
dio, perdo e vingana, e podendo tal subjetividade ser objetivada em
atos sociais, leis, costumes, guerras, violncia, o Bacharel se
torna algum que, atravs de pesquisa e com seu conhecimento acadmico
sobre religio, deve contribuir para uma vigilncia social que impea
arbitrariedades justificadas religiosamente, pois quando e onde h
um colapso do controle da religio pelos sistemas do direito, a
religio capaz de autorizar atos criminosos (Hans Kippenberg, Apud
Hock, 2010, p. 233). Ou, ao avesso, que busque interlocuo quando a
religio se torna vtima de arbitrariedades exteriores a ela. Ora,
tambm a economia e desenvolvimento/estruturas econmicas da
sociedade so, muitas vezes, ou aliceradas ou influenciadas por
fatores religiosos. Vide, por exemplo, o caso da ndia que, no
sistema de castas fundamentado religiosamente, at tempos atrs (e
hoje ainda, de certo modo) estruturava (estrutura?) a sociedade em
seus plos sociais e econmicos. Max Weber, em sua obra estruturada
sob o ttulo Economia e Sociedade, dimensiona amplamente a religio
como a influenciar e receber influncias nos desenvolvimentos
scio-econmicos de sociedades. E em sua obra A tica protestante e o
esprito do capitalismo advoga as injunes que o calvinismo exerceu
sobre a sociedade em que se encontra