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Encontro AD URBEM 2012, A PROGRAMAÇÃO NA GESTÃO TERRITORIAL Programação do solo ou programação urbanística? Reflexão em torno do actual excesso de oferta dos produtos urbanísticos face a dinâmicas socioeconómicas recessivas Margarida Pereira, Geógrafa urbanista, e-Geo Centro de Estudos de Geografia e Planeamento Regional, FCSH/UNL, [email protected] Luís Grave, Arquitecto urbanista, e-Geo Centro de Estudos de Geografia e Planeamento Regional, FCSH/UNL, [email protected] Resumo O desenvolvimento urbano ocorrido nas últimas décadas em Portugal apresenta múltiplas deficiências. Induzido por dinâmicas socioeconómicas intensas e um mercado imobiliário desregulado, a expansão urbana assumiu formas diversas - urbanizações massivas, desqualificadas e localizadas aleatoriamente, áreas urbanas de génese ilegal, alastramento de edificação dispersa - em contrapartida ao esvaziamento e degradação das áreas urbanas consolidadas. Este processo, iniciado há meio século, intensificou-se nas últimas três décadas, estimulado pelo investimento público por via dos fundos comunitários e um acesso fácil e barato ao crédito imobiliário. Quase em simultâneo ao reforço deste modelo, surgiu internacionalmente um discurso de contra-corrente, balizado pelo paradigma da sustentabilidade, defendendo a reorientação das políticas urbanas no sentido da gestão racional dos recursos, da contenção da expansão, da revalorização da cidade compacta, através da reabilitação das áreas vetustas ou consolidadas degradadas e da colmatação de espaços vazios na mancha urbana, da nucleação da edificação dispersa e da salvaguarda e valorização das estruturas ecológicas. No país esta abordagem foi assumida em documentos estratégicos às escalas nacional e regional, mas teve efeitos práticos exíguos localmente. As figuras de programação e os sistemas de execução previstos na lei para a execução dos PMOT, concorrendo para a viabilização daquelas orientações, têm registado dificuldades de operacionalização. O modelo urbano extensivo está ajustado a uma lógica de crescimento intenso e a recursos financeiros abundantes. Ora a lógica de crescimento estável e infinitocolapsou. O Estado vê reduzida a sua capacidade de investimento, o acesso ao crédito é agora difícil. A par, a população está a envelhecer e tem menor poder de compra. Assim, a política urbana em Portugal vê-se forçada a mudar: como planear num contexto de não crescimento e de desinvestimento? Não é mais possível planear para um crescimento demográfico irrealista, defender perímetros urbanos sobredimensionados, delegar nos detentores da propriedade a iniciativa da urbanização, manter a administração local no papel passivo de verificação normativa. Nessa mudança apenas temos certa a herança problemática: áreas urbanas fragmentadas e desqualificadas, expansões aprovadas muito superiores às necessidades, milhares de lotes infra-estruturados sem procura, número indeterminado de alojamentos não comercializados, espaços vazios urbanos (expectantes), áreas urbanas de génese ilegal não reconvertidas e subutilizadas, milhares de alojamentos desocupados e a carecer de reabilitação em meio urbano consolidado. É sobre esta realidade que é preciso discutir a validade dos processos e dos instrumentos vigentes.
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Programação do solo ou programação urbanística? Reflexão em torno do actual excesso de oferta dos produtos urbanísticos face a dinâmicas socioeconómicas recessivas

May 13, 2023

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Encontro AD URBEM 2012, A PROGRAMAÇÃO NA GESTÃO

TERRITORIAL

Programação do solo ou programação urbanística?

Reflexão em torno do actual excesso de oferta dos produtos urbanísticos

face a dinâmicas socioeconómicas recessivas

Margarida Pereira, Geógrafa urbanista, e-Geo – Centro de Estudos de Geografia e Planeamento

Regional, FCSH/UNL, [email protected]

Luís Grave, Arquitecto urbanista, e-Geo – Centro de Estudos de Geografia e Planeamento

Regional, FCSH/UNL, [email protected]

Resumo O desenvolvimento urbano ocorrido nas últimas décadas em Portugal apresenta múltiplas

deficiências. Induzido por dinâmicas socioeconómicas intensas e um mercado imobiliário

desregulado, a expansão urbana assumiu formas diversas - urbanizações massivas,

desqualificadas e localizadas aleatoriamente, áreas urbanas de génese ilegal, alastramento de

edificação dispersa - em contrapartida ao esvaziamento e degradação das áreas urbanas

consolidadas. Este processo, iniciado há meio século, intensificou-se nas últimas três décadas,

estimulado pelo investimento público por via dos fundos comunitários e um acesso fácil e barato

ao crédito imobiliário. Quase em simultâneo ao reforço deste modelo, surgiu internacionalmente

um discurso de contra-corrente, balizado pelo paradigma da sustentabilidade, defendendo a

reorientação das políticas urbanas no sentido da gestão racional dos recursos, da contenção da

expansão, da revalorização da cidade compacta, através da reabilitação das áreas vetustas ou

consolidadas degradadas e da colmatação de espaços vazios na mancha urbana, da nucleação da

edificação dispersa e da salvaguarda e valorização das estruturas ecológicas. No país esta

abordagem foi assumida em documentos estratégicos às escalas nacional e regional, mas teve

efeitos práticos exíguos localmente. As figuras de programação e os sistemas de execução

previstos na lei para a execução dos PMOT, concorrendo para a viabilização daquelas

orientações, têm registado dificuldades de operacionalização.

O modelo urbano extensivo está ajustado a uma lógica de crescimento intenso e a recursos

financeiros abundantes. Ora a lógica de crescimento estável e “infinito” colapsou. O Estado vê

reduzida a sua capacidade de investimento, o acesso ao crédito é agora difícil. A par, a população

está a envelhecer e tem menor poder de compra. Assim, a política urbana em Portugal vê-se

forçada a mudar: como planear num contexto de não crescimento e de desinvestimento? Não é

mais possível planear para um crescimento demográfico irrealista, defender perímetros urbanos

sobredimensionados, delegar nos detentores da propriedade a iniciativa da urbanização, manter a

administração local no papel passivo de verificação normativa. Nessa mudança apenas temos

certa a herança problemática: áreas urbanas fragmentadas e desqualificadas, expansões aprovadas

muito superiores às necessidades, milhares de lotes infra-estruturados sem procura, número

indeterminado de alojamentos não comercializados, espaços vazios urbanos (expectantes), áreas

urbanas de génese ilegal não reconvertidas e subutilizadas, milhares de alojamentos desocupados

e a carecer de reabilitação em meio urbano consolidado. É sobre esta realidade que é preciso

discutir a validade dos processos e dos instrumentos vigentes.

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Assim, o artigo tem como objectivo discutir, no quadro descrito, o novo conceito de

programação do desenvolvimento urbano ou seja, se é de programação de solo ou se é de

programação urbanística que devemos falar. De facto, sendo o solo comprometido para fins

urbanos sobejamente excessivo, defendemos que a programação deve estar orientada para a

ponderação integrada de reabilitação de espaços urbanizados ou infraestruturados mas

carenciados de intervenção reformadora, com base numa prévia avaliação das necessidades e

segundo a viabilidade e sustentabilidade ambiental e económico-financeira. A abordagem

empírica está centrada nas práticas instaladas em municípios da Área Metropolitana de Lisboa,

propondo pistas de trabalho para discutir novas estratégias e metodologias de actuação.

Palavras-chave: programação de solo, programação urbanística, reabilitação urbana, cidade

compacta, recessão económico-financeira, urbanismo sustentável.

1. Introdução

O desenvolvimento urbano ocorrido nas últimas décadas em Portugal foi induzido por

dinâmicas socioeconómicas intensas e um mercado imobiliário desregulado. A expansão urbana

assumiu formas diversas - urbanizações massivas, desqualificadas e localizadas aleatoriamente,

áreas urbanas de génese ilegal, alastramento de edificação dispersa - em contrapartida ao

esvaziamento e degradação das áreas urbanas consolidadas. Este processo, iniciado há meio

século, intensificou-se nas últimas três décadas, estimulado pelo investimento público por via dos

fundos comunitários e um acesso fácil e barato ao crédito imobiliário. Quase em simultâneo ao

reforço deste modelo, surgiu internacionalmente um discurso de contra-corrente, balizado pelo

paradigma da sustentabilidade, defendendo a reorientação das políticas urbanas no sentido da

gestão racional dos recursos, da contenção da expansão, da revalorização da cidade compacta,

através da reabilitação das áreas vetustas ou consolidadas degradadas e da colmatação de espaços

vazios na mancha urbana, da nucleação da edificação dispersa e da salvaguarda e valorização das

estruturas ecológicas. No país esta abordagem foi assumida em documentos estratégicos às

escalas nacional e regional, mas teve efeitos práticos exíguos localmente. As figuras de

programação e os sistemas de execução previstos na lei para a execução dos PMOT, concorrendo

para a viabilização daquelas orientações, têm registado dificuldades de operacionalização.

O artigo tem como objetivo discutir, no quadro descrito, o conceito de programação do

desenvolvimento urbano ou seja, se é de programação de solo ou se é de programação urbanística

que devemos falar. Sendo o solo comprometido para fins urbanos sobejamente excessivo,

defendemos que a programação deve estar orientada para a ponderação integrada de reabilitação

de espaços urbanizados ou infraestruturados mas carenciados de intervenção reformadora, com

base numa prévia avaliação das necessidades e segundo a viabilidade e sustentabilidade ambiental

e económico-financeira. A abordagem empírica está centrada nas práticas instaladas em

municípios da Área Metropolitana de Lisboa, propondo pistas de trabalho para discutir novas

estratégias e metodologias de atuação.

2. Dinâmicas de crescimento intensivo e formas urbanas resultantes

O modelo da cidade industrial fordista, marcado por uma estrutura compacta e contínua,

reconfigurou-se com a terciarização da economia, a banalização da infra-estrutura rodoviária e o

incremento da taxa de motorização, passando a coexistir dois tipos de ocupação urbana: um

apoiado no transporte colectivo, favorecendo uma concentração ao longo dos eixos servidos e na

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envolvente próxima, fomentando densidades elevadas e dominância de tipologias plurifamiliares;

outro apoiado no automóvel, potenciando uma ocupação distendida e fragmentada, sempre

marcada por uma articulação deficiente de tecidos urbanos pouco estruturados com usos

múltiplos e tipologias diversas. Os limites urbanos foram sendo progressivamente alargados e

ficando de contornos cada vez mais imprecisos. Esta dinâmica na coroa exterior afectou a cidade

consolidada, que perdeu população, emprego e funções e se degradou fisicamente. A ocupação

urbana extensiva é exigente em recursos e mobilidade, ao mesmo tempo que estimula o

“desperdício urbano” (abandono precoce de tecidos equipados, multiplicação de novas

infraestruturas que permanecerão sub-utilizadas por tempo indeterminado (Pereira, 2009). Por

isso é contestada à luz dos princípios da sustentabilidade.

3. Tendência das novas políticas públicas para o território

Este quadro de preocupações tem estimulado a procura de alternativas de modelos urbanos

menos predadores de recursos (solo, energia, paisagem, mas também espaços agrícolas e

florestais e biodiversidade), apoiados numa mobilidade mais sustentável. As primeiras propostas

surgiram nos EUA com o New Urbanism (anos 80) e mais tarde com o Smart Growth e o Low

Carbon Cities. Na Europa as iniciativas multiplicaram-se, associadas ao Urban Renaissance. No

Reino Unido, o grupo de trabalho criado pelo governo (Urban Task Force) deu origem a um

documento de referência (Rogers, 1999); na União Europeia sucederam-se documentos

orientadores - Livro Verde do Ambiente Urbano (1990); Carta de Aalborg (1994); Compromissos

de Aalborg (2004), Carta de Leipzig (2007), Declaração de Toledo (2010), Cities of Tomorrow

(2011). As orientações preconizam modelos urbanos apostados na contenção em prejuízo da

expansão, na revalorização do conceito de proximidade na estruturação das áreas residenciais, na

multifuncionalidade e na mobilidade sustentável. Algumas cidades-centro incrementaram o

conceito de cidade compacta, recorrendo à reocupação e revitalização de terrenos abandonos ou

sub-utilizados para criar habitação, actividades económicas e equipamentos. Mas na periferia

alargada e fragmentada o conceito mostra maior dificuldade de aplicação.

Em Portugal os modelos urbanos extensivos generalizaram-se nos anos 90, das áreas

metropolitanas às cidades médias e até às de pequena dimensão (Portas e all., 2003). A Lei de

Bases da Politica de Ordenamento do Território e Urbanismo (LBPOTU) define princípios e

objectivos em defesa do novo paradigma urbano. Na mesma linha, o Programa Nacional da

Política de Ordenamento do Território e Urbanismo identifica a expansão urbana desordenada

como um dos problemas de ordenamento do território.Também os Planos Regionais de

Ordenamento do Território em vigor assumem o combate à fragmentação e dispersão urbanas,

através de orientações diversas da normativa aplicável aos planos municipais de ordenamento do

território, nomeadamente: restrição da expansão às necessidades das dinâmicas económicas e

socais e assegurando a sua programação, promoção da reversão de perímetros urbanos quando

justificado; restrição forte à edificação em espaço rural (aumento da dimensão mínima da parcela

para admitir edificabilidade, interdição da construção em espaços florestais, ….). Todavia, são os

planos municipais de ordenamento do território os responsáveis pela regulação da transformação

do uso do solo. Mas a LBPOTU e o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial

(RJIGT) subsequente tiveram um efeito reduzido ao nível municipal. À data da sua publicação

tinham sido recentemente aprovados ou estavam em fase final de elaboração a maior parte dos

Planos Directores Municipais (PDM). Os municípios mantiveram em vigor os planos até à sua

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futura revisão (horizonte de 10 anos), permanecendo válidos os modelos de ordenamento em

extensão subjacentes, já em contra-corrente com o defendido na Lei de Bases e nas orientações de

planeamento nacionais e regionais. Aliás, a pressão do lado da procura estimulou alterações

pontuais com recursos a Plano de Urbanização ou Plano de Pormenor, no sentido do alargamento

de perímetros ou densificação de áreas já com estatuto urbanizável. Esta ampla disponibilidade de

espaço urbano tinha largo acolhimento do lado do mercado. De facto, com a privatização da

banca em 1991 e a sua entrada no crédito à habitação, o aumento do rendimento das famílias e as

bonificações fiscais concedidas pelo Estado para as famílias que optavam por adquirir casa

própria alargou-se a um leque cada vez maior de população, o que estimulou o crescimento

exponencial do imobiliário habitacional.

Mas a crise económico-financeira que afecta o País a partir de 2008, e se agravou em 2011,

teve repercussões imediatas no imobiliário: a par da diminuição do poder de compra dos

agregados familiares, as restrições ao crédito às famílias e às empresas dificultou o escoamento

do parque habitacional já construído e inviabilizou a conclusão de empreendimentos em curso,

ocorrendo a sua suspensão em diversas fases (infra-estruturação, construção).

Assim, o debate sobre o modelo urbano no futuro tem de estar alicerçado em duas questões:

o que fazer das expansões urbanas aprovadas, muito superiores às necessidades, dos

milhares de lotes infra-estruturados sem procura, do número indeterminado de

alojamentos não comercializados, dos espaços vazios urbanos (expectantes), das áreas

urbanas de génese ilegal não reconvertidas e subutilizadas, dos milhares de

alojamentos desocupados e a carecer de reabilitação em meio urbano consolidado?

como planear num contexto de desinvestimento e de não crescimento (demográfico e

económico)?

É sobre esta realidade que é preciso discutir a validade dos processos e dos instrumentos de

planeamento e gestão vigentes, e em particular o de programação.

De facto, não é mais possível planear para um crescimento demográfico irrealista, defender

perímetros urbanos sobredimensionados, delegar nos detentores da propriedade a iniciativa da

urbanização, manter a administração local no papel passivo de verificação normativa.

Atendendo à situação existente, as intervenções devem ser orientadas em três sentidos:

reestruturação e qualificação da cidade fragmentada, regeneração/revitalização da cidade

consolidada e contenção da cidade emergente, perseguindo a sustentabilidade do conjunto urbano.

Mas, como criar um ambiente urbano em áreas urbanas fragmentadas e desqualificadas? Como

revitalizar e requalificar áreas consolidadas subutilizadas e em obsolescência física e funcional?

4. Crescimento urbano e seus (des)equilíbrios

4.1. Dinâmicas recentes inerentes ao crescimento urbano

Observando a Área Metropolitana de Lisboa (AML) como exemplo paradigmático, o Censos

2011 revelou a continuidade das tendências antecedentes de redução de residentes na cidade-

centro e de acréscimo nos municípios da periferia, correspondendo a estas, o envelhecimento

médio em Lisboa e o rejuvenescimento médio na periferia. Estas tendências ocorrem há cerca de

duas décadas, em resultado da combinação de fatores de natureza diversa, quer de ordem

económico-financeira quer sociológica mas onde a ação de governança não é alheia.

A cidade de Lisboa teve dinâmicas de crescimento diferenciadas no seu interior. A cidade

alargou-se aos seus limites administrativos apesar de não se esperar mais do que a manutenção do

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quantitativo demográfico de 2001. A coroa limítrofe e eixos conexos a norte e poente de Lisboa a

par do arco ribeirinho sul foram as partes da área metropolitana de Lisboa, de um lado e do outro

do estuário do tejo, que se manifestaram como a causa e efeito do principal fenómeno de

mobilidade demográfica, ocorrido no núcleo central da região metropolitana.

Este impulso urbanizador tem tido, no decorrer do seu processo, e terá até à provavelmente

utópica plena consolidação, caraterísticas de fragmentação e desconexão, congestionamentos na

mobilidade, de assimetrias na dotação e qualidades dos serviços públicos e de conflitualidades no

ambiente. Foi nestas zonas, especialmente na coroa norte e poente, que se verificou e se espera

venha a verificar ainda o maior incremento demográfico da AML.

Em termos de paisagem em geral, predomina o espaço agroflorestal, em algumas partes com

relevante valor paisagístico mas aqui e acolá com disseminação de edificação dispersa que tem

progredido incessantemente pelas áreas agroflorestais da AML, motivado pela crescente procura

de um modelo personalizado de habitação, cada vez mais de caráter permanente, e que tem sido

facilitado pelo incremento da taxa de motorização e das acessibilidades rodoviárias regionais.

Por outro lado os eixos viários constituem um fator determinante nas opções de localização e,

por conseguinte, induzem a orientação espacial de crescimento urbano. Observando a Figura 1, é

fácil correlacionar os eixos de crescimento urbano com as grandes infra-estruturas de transportes.

O mercado da oferta dos produtos urbanísticos descortina as oportunidades trazidas pelos

investimentos públicos em acessibilidades e transportes e promove oferta para a qual tem

assegurada uma forte apetência da procura.

Em complementaridade ao investimento público em acessibilidades, os promotores

urbanísticos têm realizado a sua parte nas acessibilidades locais. Contudo, dado que as iniciativas

da promoção são aleatórias e desconexas no tempo e no espaço, resulta que, apesar de algum

esforço coordenação efetuado por cada município, fica longe de conseguir plena coesão e, ao

nível intermunicipal a desconexão é gritante.

A própria capacidade de carga das redes infraestruturais e serviço urbanos, desde as

acessibilidades e transportes coletivos às redes de abastecimento e de saneamento, inerentes às

primeiras fases de crescimento, foi sobrecarregadas com os subsequentes acréscimos urbano e

demográfico, com reflexos no aumento de congestionamento, de potenciais roturas ou de

insuficiência quantitativa ou qualitativa dos serviços.

Quanto às redes de equipamentos e espaços de sociabilidade de utilização coletiva, cujo

investimento e construção não cabe, em regra, aos promotores urbanísticos pois a lei prevê

somente a obrigatoriedade da cedência de terreno para esse efeito, o estado da situação veio a

revelar-se mais dramático e com efeitos económico-financeiros devastadores.

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Figura 1 – Ocupação urbana na AML. (Fonte: PROTAML, Proposta de alteração 2010)

4.2. Deseconomias do crescimento urbano desregulado

O esforço de adequação da dotação de equipamentos e serviços à população é, quase sempre,

posterior à fixação das populações, após estas sentirem e manifestarem, com insistência, aquelas

carências. A adequada dotação dos serviços aos novos residentes depende de fatores como a

necessária coordenação entre empreendimentos urbanísticos para a disponibilidade de terrenos, a

disponibilidade de financiamento público e da gestão de prioridades em função das carências

mais gritantes pois as frentes a dar resposta são inúmeras, da necessidade de coordenação com as

competências sectoriais da administração central, especialmente nos casos da educação, da saúde,

dos transportes coletivos, etc.,

Por exemplo, uma observação às cartas educativas municipais demonstra uma generalizada

sobrecarga (taxa de ocupação) nos equipamentos das redes escolares municipais que não

conseguiram acompanhar o crescimento da população escolar. Para responder a esta situação

constatada tardiamente, muitos dos municípios acabaram por fazer um esforço de investimento

concentrado no tempo que os deixou em dificuldade orçamental.

No rasto das tendências de transferência do crescimento da área urbanizada para áreas cada

vez mais periféricas e do esforço de dotação de serviços às populações que aí se fixam, verifica-

se, em contrapartida, um processo de despovoamento e envelhecimento do referido centro (já não

apenas de Lisboa, mas também dos subúrbios mais antigos), dotado dos mesmos serviços, quase

sempre mais próximo das populações a servir e com acessibilidades e transportes garantidos.

Como consequência desse processo de abandono e esvaziamento vivencial e funcional da

cidade consolidada, esta tende a degradar-se nos tecidos social e construído, gerando dificuldades

de manutenção do estado de conservação e dos atributos funcionais quer do edificado quer dos

espaços públicos e infra-estruturas.

Este fenómeno de degradação tendencial é contrário à coesão social e urbana quando, como é

natural e expetável, algumas áreas da cidade, por dinâmicas localizadas, se regenerem ou até

incrementem o seu patamar qualitativo, gerando-se assim, por contrastação, um fenómeno de

segregação urbana, a qual poderá conduzir a uma cidade formada por um arquipélago de áreas

urbanas de qualidade, rodeadas de áreas urbanas degradadas ou desqualificadas.

Em resultado destas dinâmicas de efeitos contraditórios, ou seja, contrapondo a tendência de

consolidação na cidade recente à tendência de degradação na cidade consolidada, constata-se a

instalação de um cenário de duplicação de custos, o primeiro representando o esforço de

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investimento na sua consolidação do sistema urbano ainda incompleto, constituído por infra-

estruturação, equipamentos e funcionamento dos serviços, e depois na sua manutenção, e o

segundo representando o esforço de investimento na recuperação e regeneração do tecido urbano

consolidado que, em certa medida, deixou de ser adequadamente alimentado e tratado, adoecendo

quase generalizadamente e chegando mesmo a gangrenar em alguns pontos.

Assim, é fácil de concluir que uma cidade, vista de forma alargada, funciona como um

sistema de vasos comunicantes, no qual, quando se exerce carga em alguma ou em algumas

partes, as outras reagirão no sentido contrário, sendo que, num sistema urbano, os efeitos não são

uniformemente distribuídos, dependendo dos setores e do fator governança.

5. Que Governança - pelo modelo territorial ou pelo modelo de gestão?

5.1. Práticas de governança dominantes antecedentes

Na tradição das práticas de planeamento e gestão urbanísticos, os planos têm-se limitado, na

generalidade, a uma ação de mera classificação e qualificação do solo urbano seguida da ação

fiscalizadora do uso e ocupação dos solos, não preconizando procedimentos de programação e

formas de contratualização e concretização. Esta dificuldade enraíza-se fundamentalmente no

divórcio entre as disposições que regulam os planos e as subjacentes a uma política de solos e a

uma gestão territorial proactiva e previamente avaliada do ponto de vista económico-financeiro.

Em certos casos, os eleitos não abandonam a preferência por uma gestão discricionária,

verificando-se mesmo debilidade na definição programática do Planeamento, o que se relaciona

com a ausência de objetivos políticos claros. Passada a vaga de elaboração dos PDM, que susteve

a elaboração de planos de urbanização e plano de pormenor, constata-se agora, perante a crua

realidade dos resultados no terreno, que o PDM não é adequado para a gestão urbanística.

Contudo, embora o planeamento de pormenor traduza as propostas urbanísticas de forma mais

concreta e objetiva, proporcionando a prévia avaliação ambiental e participação pública, a sua

típica demora, rigidez e grau de vínculo remete-o para uma forte contestação, atribuindo-lhe um

caráter assistemático ou mesmo de raridade, apenas sendo adotado, na maioria das vezes, para

enquadrar a construção de um grande equipamento ou mesmo um grande empreendimento

urbanístico ou indústria de iniciativa particular, por necessidade de alterar o PDM.

Por outro lado, relacionando a dinâmica e volume de produção de solo urbanizado por

iniciativa particular com a diminuta existência de planos urbanísticos municipais, pode presumir-

se que raramente o desenvolvimento urbano se processa de forma concertada e coesa.

Todavia, a Lei de Bases determina que compete aos municípios “promover a execução

coordenada e programada dos instrumentos de planeamento territorial” (artº 16, 1º) e que “a

coordenação e programação dos instrumentos de planeamento territorial determine para os

particulares o dever de concretizar e adequar as suas pretensões às metas e prioridades neles

estabelecidas” (artº 16, nº 3). Nesse sentido propõe um conjunto de instrumentos para a

operacionalização dos planos. A par da programação consagrada na Lei de Bases, há outros

instrumentos de programação das actuações com incidência territorial: das áreas críticas de

recuperação e reconversão urbanística, das áreas de desenvolvimento urbano prioritário, das áreas

urbanas de génese ilegal e das áreas de reabilitação urbana (Cunha, 20012:283). Todavia, o

recurso aos instrumentos de programação não é corrente.

Ao contrário, na gestão municipal institucionalizou-se uma prática onde, à medida que os

eleitos vão conhecendo o município, vão intuitivamente definindo objetivos e políticas,

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procurando informal e casuisticamente as estratégias para os atingir, interpretando a vontade e

aspirações da população, mais numa perspetiva paternalista do que numa perspetiva de

desenvolvimento integrado. Por outro lado, especialmente quando se confrontam com forte

pressão urbanística, vão reconhecendo que o modelo de gestão impositivo, determinístico e

policial não surte os proveitos desejados e tendem a perceber as virtudes de uma

complementaridade e cooperação com a iniciativa privada no processo de urbanização, acabando,

muitas vezes, por cair mesmo na subserviência àquela.

A par, os técnicos, fruto de formação monodisciplinar deficitária, que penaliza a visão global

dos problemas, refugiam-se num planeamento tecnocrático e redutor, cujo diálogo com a ótica

política se torna quase ininteligível, concorrendo para a fragilização do planeamento municipal

(Gonçalves, 1984).

Como um dos resultados deste ciclo vicioso, constata-se que, apesar de obrigatórios

legalmente, os planos de financiamento dos planos municipais são insipientes na orçamentação e

garantia de sustentabilidade financeira das suas propostas. Face ao anacronismo e grau de

incerteza na sua execução, ficam, em regra, dissociados dos planos de atividades e orçamentos

municipais.

Assim, não ocorrendo o necessário esforço de ação política e de planeamento e proatividade

na ação gestora, referenciada por uma visão integrada e dotada de uma estratégia, o

desenvolvimento urbano acontece segundo as lógicas e interesses dos agentes urbanizadores e dos

mercados fundiário, imobiliário e financeiro, acabando por, mais cedo ou mais tarde, conduzir aos

desequilíbrios ambientais e funcionais e às deseconomias sistémicas e financeiras. Aliás, é neste

quadro que o país está agora envolvido. O planeamento e a gestão do uso do solo não pode

ignorar este contexto estrutural, sob pela de colocar em causa a sua credibilidade.

5.2. Práticas de governança urgentes

A materialização de um espaço urbano acontece normalmente em cinco fases: classificação e

qualificação do solo, disponibilização de solos no mercado, restruturação fundiária,

infraestruturação e edificação. Por vezes, na ausência de controlo, acontece noutra ordem.

A progressão da concretização das áreas urbanizáveis é decisiva no processo, embora a

Administração tenda a não interferir (através da sua programação), ficando na dependência da

iniciativa dos promotores. A fase de infra-estruturação ou de obras de urbanização também é

delicada, pois a sua coerência estrutural pode colidir ou incompatibilizar-se com a estrutura

cadastral da propriedade, pondo problemas à unidade das obras na ótica técnico-construtivo e à

coerência da sua qualidade final.

Sendo imperativo, e geralmente aceite, o princípio de que a execução das infraestruturas

principais, para além dos equipamentos coletivos, são a cargo do município e as restritas ou de

utilização particular da responsabilidade dos promotores, as restantes fases já nos parecem livres

de iniciativa, importando ainda uma ordem temporal na edificabilidade para não subsistirem

indefinidamente lotes devolutos infra-estruturados que passam a constituir prejuízo económico

para além de focos negativos na imagem e higiene urbanas ou infraestruturas sem utilização e

sem utilizadores que financiem a sua manutenção e desempenho funcional.

De fato, para o efetivo controlo do desenvolvimento urbano, não basta a fixação do uso do

solo, nem mesmo o mecanismo da programação dos solos urbanos, sempre susceptível de

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degenerescências face a pressões. "Têm um papel estratégico, as políticas de infra-estruturação e

localização de investimentos públicos" (Henriques, 1990).

“Uma política ativa de solos, poderá entender-se como mais ampla que a urbanização e a

oferta de espaços construídos, já que o solo a urbanizar e a reurbanizar deve produzir-se em

coordenação com a criação de infra-estruturas e serviços gerais infra-estruturas de transporte;

actuações concertadas de urbanismo e infra-estruturas; urbanização de solo; acções de

regeneração urbana; infra-estruturas ambientais.” (AAVV, 1995).

Cabe aos municípios enquanto entidades gestoras operativas do desenvolvimento urbano,

assumir o planeamento municipal e impulsionar a sua franca ligação aos agentes sociais e

económicos.

Definida a estratégia há que criar os instrumentos que por um lado concebem a estrutura e a

forma urbana com vista aos objetivos e por outro são portadores dos mecanismos operativos que

vão construindo o edifício e atingindo gradualmente os objectivos com eficácia. Porém, assiste-se

ainda a intervenções sem fio condutor, ao sabor de pressões conjunturais do mercado ou iniciativa

privada. Quanto maior a dependência desta, maior a desarticulação. A inexistência de articulação

ou coordenação leva a ausência de sinergias, resultando em desperdício de recursos, não apenas

materiais, mas duplamente de tempo, o tempo gasto e o tempo de atraso.

Então, para que o desenvolvimento territorial ocorra dentro de parâmetros sustentáveis quer

do ponto de vista da ecologia global quer da ecologia urbana, é preciso zelar por um

desenvolvimento urbano controlado, onde preservando a liberdade e os interesses individuais, se

garantam os interesses colectivos traduzidos no património, no ambiente e na integração e

convivência sociais.

Então, há que instituir um sistema organizacional de desenvolvimento urbano coerente

apoiado numa estratégia global para o território que se inspire e sirva os interesses e as vontades

locais, no quadro do planeamento regional e local. Em contrapartida, os organismos regionais, se

dedicados ao apoio das experiências locais, podem obter economias de escala fora do alcance das

experiências isoladas, assim como os canais de comunicação capazes de difundir horizontalmente

os resultados das experiências locais, e criar um contexto informativo favorável às inovações

propostas por essas mesmas experiências.

Assim, é necessário debater e implementar uma política municipal do solo que permita aos

municípios como agentes a quem cabe a legitimidade de representar as comunidades locais, na

regulação do desenvolvimento territorial, promover um equilibrado desenvolvimento urbano,

minimizando constrangimentos gerados por deficiente disponibilização de solo, acionando

mecanismos facilitadores da execução dos planos quando se manifestam fatores de resistência a

essa execução, nomeadamente de eventuais dinâmicas especulativas, etc..

Ao município é necessário requerer mais protagonismo e empenhamento, desde a

restruturação fundiária, infra-estruturação, equipamentos e edificação, enfim no desenvolvimento

urbano em geral, sem que tal colida com as normais actividades da iniciativa privada no sector,

mas antes a oriente, fomentando a qualidade e harmonia do ambiente urbano e a coerência e o

equilíbrio funcionais do sistema urbano bem como o fácil acesso de todos a esses valores.

Para isso é necessário que os municípios preparem a sua organização e a estratégia de atuação

de forma a coordenar as acções de planeamento e programação urbanísticas através de uma

proactividade criativa e eficiente, que assegure a gestão eficaz e a monitorização da

implementação, junto dos agentes intervenientes na sua execução, públicos ou privados.

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Para tal impõe-se a mudança da actuação até agora dominante: por um lado uma gestão

passiva, dependente da iniciativa dos particulares, vista como controladora da conformidade das

pretensões; por outro, um planeamento sem preocupações de acautelar a operacionalização das

suas propostas. Isto significa a necessidade de mudar a estrutura organizacional do município

responsável pelo planeamento e gestão do território.

Criar cidade deve-se a imperativos sociais, daí a sua função social antes de função económica.

Criar cidade é uma função concedida pela comunidade e esta deve controlar naquilo que constitua

o interesse coletivo. O projeto de cidade tem de nascer da cidadania através de um debate

participado e da liderança de quem representa a comunidade e não de iniciativas ditadas por

interesses de mercado. Estas poderão ocorrer, mas na sequência de ditames de interesse coletivo.

Na formação ou regeneração da cidade há que garantir a priori a função social e coletiva. A partir

daí, a construção de infraestruturas e edifícios, sua comercialização e utilização, poderão ser

exercidas e reguladas pelo mercado.

No contexto de dificuldades em que o País está mergulhado, é preciso apostar na capacidade

de inovação para introduzir mudanças imprescindíveis no relacionamento entre administração e

administrados, e na definição clara das atribuições do Estado e das Autarquias locais em matéria

de ordenamento do território e de urbanização, traduzida numa coerência de política e ação.

Assim, no processo de planeamento e gestão local, deverão ser tomadas medidas nas

seguintes etapas de atuação:

No plano estratégico

Manter uma perspetiva de inovação da dinâmica do desenvolvimento local, favorecendo

a gestão e regeneração do património construído em prejuízo da adição de novas frentes

de investimento, gerando redundância de custos.

Apostar num sistema municipal de planeamento configurando um modelo de regulação

variável para diferentes áreas territoriais em função dos objetivos, das dinâmicas e das

circunstâncias.

Adotar e envolver a participação municipal na produção (ou reutilização) de solo urbano,

através da infraestruturação, para orientar estrategicamente o desenvolvimento urbano e

moderar perversões de mercado.

Apoiar uma política fiscalidade predial incentivadora da reabilitação urbana e

desincentivadora de solos urbanizáveis.

Adotar critérios de diferenciação nas taxas urbanísticas em função dos princípios e

objetivos consignados para o desenvolvimento urbano.

No plano da regulação das práticas dos agentes

Definir e implementar uma política municipal de solo.

Regular estrategicamente o desenvolvimento urbano, evitando descontinuidades

funcionais e deseconomias infraestruturais, através da programação do solo

urbano/urbanizado ou urbanizável.

Impor o princípio de que os planos e projetos urbanos devem demonstrar a viabilização

económica e assegurar a programação da sua execução e seu financiamento.

No planeamento sectorial e de pormenor, programação e projeto de execução

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Apostar nos planos de estrutura e planos de pormenor, nas cartas temáticas sectoriais, nos

programas de execução e outros instrumentos de apoio a uma gestão territorial e urbana

mais eficiente, geridos em articulação com o plano de atividades e orçamento municipal.

Adotar a programação urbanística, equacionando a provisão de solo urbanizável

condicionada à avaliação das necessidades e oportunidades no urbano consolidado.

Clarificar os encargos e direitos dos proprietários, dos urbanizadores e construtores,

(princípios, regras, etc.), na produção de espaço urbano.

No plano da gestão, negociação e contratualização

Rever o regime jurídico e o estatuto do promotor urbanístico, abandonando a

obrigatoriedade de deter a titularidade dos prédios a ser objeto da operação urbanística,

assumindo a condição de agente de desenvolvimento sem ter de ser proprietário,

repartindo os dividendos da operação com o proprietário na sequência da operação.

Adotar uma atitude proactiva de negociação e contratualização com os agentes

promotores, tendo como objetivo a concretização de objetivos fixados.

Adotar uma bolsa de solos e o criterioso planeamento de infraestruturas gerais e das redes

de equipamentos coletivos para orientar estrategicamente o desenvolvimento urbano.

Recorrer ao reparcelamento e às unidades de execução quer para garantir a equidade de

aproveitamento urbanístico, quer para ultrapassar o condicionalismo da estrutura

fundiária com vista à reconfiguração da forma urbana em espaço urbano consolidado e à

configuração da forma urbana nos espaços a urbanizar.

Na monitorização do estado do território e do nível de desempenho da governança

Desenvolver mecanismos e prática de monitorização, observatório, estudo e aferição

orientados para a definição de propostas de reajustamento ou atualização do plano.

Manter um estudo permanente dos fenómenos territoriais e socioeconómicos e das suas

dinâmicas, alimentado por indicadores de medição/avaliação.

Conclusões

Em jeito de conclusão, entende-se que a gestão urbana deve estar focada na revitalização dos

tecidos consolidados e na estruturação/colmatação/qualificação dos tecidos de urbanização

recente. Nesta perspectiva defende-se a programação urbanística e não a programação de solo.

Do ponto de vista socioeconómico: a cidade é a “casa de todos”, onde todos devem coabitar

de forma sustentável. Por isso deve ser uma construção coletiva, cada um segundo o seu papel de

agente e não a construção de alguns para a exploração da maioria. Nesta leitura é indispensável

distinguir o que é estruturante, perene e vital para a sustentação do sistema urbano, que tem de ser

de responsabilidade pública, daquilo que é produto urbano de consumo e de caráter efémero,

ficando esta componente, com vantagens, subordinado às regras de mercado.

Do ponto de vista ambiental: a cidade é um abrigo à vivência humana, devendo proporcionar

conforto e segurança a pessoas e bens e ser repositório cultural da sociedade – para isso, cada

passo do seu desenvolvimento deve ser orientado pela sustentabilidade ecológica, pelo bem-estar

humano e pela salvaguarda e valorização do espólio patrimonial da comunidade.

Do ponto de vista económico: a cidade é um sistema dinâmico cujo desempenho económico

se mede pela interação entre oferta e procura – o razoável equilíbrio dessa interação ditará a mais

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fácil ou mais difícil sustentabilidade financeira dos sistema e o mais fácil ou difícil acesso de

todos à oferta dos bens e serviços urbanos.

Assim, estes postulados não podem determinar outra coisa senão que a menção da mera

programação de solo não abarca a inteira complexidade da problemática em equação quando se

pondera a programação do desenvolvimento da cidade (aglomerado urbano). Se pretendemos

equacionar a programação do desenvolvimento urbano de modo integrado, temos de considerar

na equação todas as variáveis em jogo, com sinal positivo e sinal negativo, sempre segundo uma

ótica de otimização da sustentabilidade ambiental e socioeconómica. É a um ato nestes termos

que propomos a denominação de programação urbanística.

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