1 Problemas hematológicos mais freqüentes Maria Christina Maioli(org.) Sistema hematopoiético. Principais anemias e coagulopatias. Doenças neoplásicas: leucemias, linfomas de Hodgkin e não Hodgkin. Conceitos fisiopatológicos, diagnóstico e condução terapêutica. Palavras-chave: anemia, leucemia, linfoma O sistema hematopoético compreende órgãos centrais, que são medula óssea (MO) e timo, e órgãos periféricos, constituídos pelo baço, gânglios linfáticos, placa de Payer e anel de Waldeyer. A MO, um dos maiores órgãos do corpo humano, é o principal local de produção das células do sangue. Esta produção é variável, sendo ajustada pelas necessidades do organismo. Ela também está envolvida no processo antigênico, na imunidade humoral e celular e no reconhecimento de células senescentes ou anormais. Todas as células sangüíneas têm sua origem na MO a partir de uma célula primordial, a célula tronco ou “stem cell”, que possui a capacidade de auto-replicação continuada. A célula-tronco pode também diferenciar-se em células comprometidas com as várias linhagens celulares; linfóide, eritróide, granulocítica e megacariocítica (figura 1). Neste processo de diferenciação, é necessário que haja a interação das células com o micro meio intacto constituído por células endoteliais, adiposas, macrófagos, fibroblastos e outras células de suporte com os fatores humorais e os fatores estimuladores de colônia e interleucinas. O timo é um órgão epitelial que se torna densamente invadido por linfócitos derivados da célula tronco da MO ou dos órgãos hematopoéticos fetais. Responsável pela maturação da linhagem linfóide T, o timo surge na oitava semana de gestação, crescendo até a puberdade, quando começa a involuir e atrofiar-se na idade adulta. O baço, do ponto de vista evolutivo, é a fusão de dois tecidos diferentes: tecido imunológico e tecido hematopoético. As principais funções do baço são: retirar da circulação partículas orgânicas, inorgânicas ou alteradas e funcionar como reservatório celular. No entanto, como estas funções podem ser executadas por outros órgãos do sistema fagocítico mononuclear, sua presença não é essencial à vida no indivíduo adulto.
47
Embed
Problemas hematológicos mais freqüentes - NESAsaudedoadolescente.com/nesa/downloads/ANEMIAS.pdf · - Avaliar as demais linhagens celulares (leucócitos e plaquetas), procurando
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
1
Problemas hematológicos mais freqüentes Maria Christina Maioli(org.)
Sistema hematopoiético. Principais anemias e coagulopatias. Doenças neoplásicas:
leucemias, linfomas de Hodgkin e não Hodgkin. Conceitos fisiopatológicos,
diagnóstico e condução terapêutica.
Palavras-chave: anemia, leucemia, linfoma
O sistema hematopoético compreende órgãos centrais, que são medula óssea (MO) e timo, e
órgãos periféricos, constituídos pelo baço, gânglios linfáticos, placa de Payer e anel de Waldeyer. A
MO, um dos maiores órgãos do corpo humano, é o principal local de produção das células do sangue.
Esta produção é variável, sendo ajustada pelas necessidades do organismo. Ela também está envolvida
no processo antigênico, na imunidade humoral e celular e no reconhecimento de células senescentes ou
anormais. Todas as células sangüíneas têm sua origem na MO a partir de uma célula primordial, a
célula tronco ou “stem cell”, que possui a capacidade de auto-replicação continuada. A célula-tronco
pode também diferenciar-se em células comprometidas com as várias linhagens celulares; linfóide,
eritróide, granulocítica e megacariocítica (figura 1). Neste processo de diferenciação, é necessário que
haja a interação das células com o micro meio intacto constituído por células endoteliais, adiposas,
macrófagos, fibroblastos e outras células de suporte com os fatores humorais e os fatores
estimuladores de colônia e interleucinas.
O timo é um órgão epitelial que se torna densamente invadido por linfócitos derivados da célula
tronco da MO ou dos órgãos hematopoéticos fetais. Responsável pela maturação da linhagem linfóide
T, o timo surge na oitava semana de gestação, crescendo até a puberdade, quando começa a involuir e
atrofiar-se na idade adulta.
O baço, do ponto de vista evolutivo, é a fusão de dois tecidos diferentes: tecido imunológico e
tecido hematopoético. As principais funções do baço são: retirar da circulação partículas orgânicas,
inorgânicas ou alteradas e funcionar como reservatório celular. No entanto, como estas funções podem
ser executadas por outros órgãos do sistema fagocítico mononuclear, sua presença não é essencial à
vida no indivíduo adulto.
2
Os linfonodos são densas coleções de linfócitos (B e T), plasmócitos, macrófagos e células do
sangue encapsuladas e organizadas ao longo dos vasos sangüíneos distribuídos pelas várias regiões do
corpo.
Anemias
O termo anemia não caracteriza um diagnóstico, mas sim um sinal de doença, que é empregado
quando ocorre diminuição dos eritrócitos ou da hemoglobina circulante. Os valores normais variam
com a idade (tabela 1). A concentração média de Hb se estabiliza em 12g/dL durante toda a infância, e
aumenta para 13g/dL no início da adolescência. Nesta fase surge a diferença observada entre homens e
mulheres, que desaparece nas pessoas idosas e relaciona-se com o efeito da testosterona no homem e
do ciclo menstrual na mulher.
Tabela 1. Valores normais das hemácias em várias idades (ao nível do mar)
- doença da HB H (β4): causa uma anemia hemolítica hipocrômica;
- síndrome de hidropsia fetal com Hb Bart (γ4): incompatível com a vida pela ausência de
produção da cadeia α.
Diagnóstico
O diagnóstico das talassemias baseia-se na detecção das manifestações clínicas e nos exames
complementares, laboratoriais e de imagem:
- Hemograma completo e contagem de reticulócitos;
- Eletroforese de hemoglobina;
- Exames radiológicos dos ossos do crânio, face e demais ossos que demonstrem
deformidades;
- Exames especializados de biologia molecular e mapeamento genético nos casos de difícil
detecção pelos exames complementares convencionais, já mencionados acima.
Tratamento
- Evitar a reposição de ferro, exceto em casos documentados de carência de ferro.
- A transfusão de concentrado de hemácias deve ser iniciada quando a Hb cai a níveis
inferiores a 7 g/L, exceto em pacientes que se apresentam sintomáticos ou instáveis
hemodinamicamente, mesmo com níveis mais elevados de Hb. Deve-se evitar a terapia
transfusional para manter a Hb acima de 10 g/dL, evitando-se a sobrecarga de ferro.
- Esplenectomia: a esplenomegalia pode levar ao seqüestro de hemácias transfundidas, à
expansão do volume plasmático e trombocitopenia. A principal indicação de esplenectomia
18
é o aumento da necessidade transfusional, devendo ser realizada quando esta excede 200 a
250 ml/kg/ano. Também é indicada no caso de sintomas compressivos da esplenomegalia
maciça. A vacinação para Pneumococcus e Haemophylus deve ser realizada pelo menos
duas semanas antes da esplenectomia.
- Quelação do ferro: a principal conseqüência das repetidas transfusões nos portadores de
talassemia sintomática é a sobrecarga de ferro. O uso de quelantes de ferro, como a
deferoxamina, aumenta a mobilização e eliminação do excesso de ferro. Os melhores
resultados, no entanto, são obtidos com a terapia de prevenção, com início do tratamento
após 10 a 20 transfusões ou quando a ferritina sérica atinge 1000 ng/ml.
- Transplante alogênico de medula óssea: recomendado nos pacientes com formas mais
graves de talassemia que ainda não apresentam disfunção orgânica importante (pela doença
ou siderose) e possuem doador relacionado compatível. Infelizmente, apenas a minoria dos
pacientes preenche tais critérios, sendo o tratamento pouco utilizado.
Anemia falciforme
Michel Cukier
As síndromes falciformes são condições hereditárias muito prevalentes em pessoas negras ou
de ascendência afro-americana, em que há um gene estruturalmente anormal para uma subunidade da
cadeia de globina β da hemoglobina adulta, a cadeia β da HbS. O termo anemia falciforme é reservado
para o estado homozigótico para a hemoglobina S. A hemoglobina S caracteriza-se pela substituição
de uma valina por ácido glutâmico na posição 6 da cadeia de globina β.
Esta hemoglobina S, quando na forma desoxi, apresenta solubilidade diminuída, resultando na
formação de uma rede de polímeros fibrosos que enrijece e distorce a célula, produzindo hemácias
rígidas, malformadas, que atravessam os pequenos vasos sangüíneos com muita dificuldade ou não o
fazem. Após episódios repetidos de afoiçamento e reversão de afoiçamento, formam-se hemácias
falciformes irreversíveis.
A retirada destas células anormais da circulação, em uma velocidade superior a capacidade da
medula óssea de substituí-las, leva a anemia hemolítica.
A obstrução dos pequenos vasos pelas células falciformes resulta em infartos repetidos,
acometendo gradualmente todos os sistemas orgânicos, mais notadamente o baço, pulmões, rins e
cérebro.
19
Manifestações clínicas
Os pacientes com anemia falciforme apresentam sinais e sintomas de anemia crônica, com
palidez cutâneo-mucosa, fadiga e tolerância reduzida aos esforços. Por se tratar de uma anemia
hemolítica, outro sinal comum entre os pacientes é a icterícia.
A lesão crônica da vasculatura pulmonar pode levar à hipertensão arterial pulmonar e
conseqüente insuficiência cardíaca. Outro órgão comumente acometido é o rim. Necrose das papilas
renais com hematúria e dificuldade em concentrar a urina ocorre nas doenças falciformes. As
insuficiências renais e pulmonares progressivas têm grande importância na quarta e quinta décadas de
vida e constituem uma causa comum de morte.
A obstrução dos vasos retinianos pode levar a hemorragias, fibrose, descolamento de retina e
em casos graves até a cegueira.
O baço, embora possa estar aumentado em crianças pequenas, na adolescência costuma estar
reduzido a um pequeno resquício calcificado devido aos repetidos episódios de infarto esplênico. Este
fenômeno é denominado auto-esplenectomia e os pacientes apresentam asplenia funcional. São
raríssimos os casos de adolescentes com anemia falciforme e esplenomegalia, e nessas circunstâncias
somos obrigados a rever o diagnóstico inicial, devendo provavelmente tratar-se de outra
hemoglobinopatia, como HbSC ou S-Tal.
Pode ocorrer necrose asséptica da cabeça do fêmur e, na maioria dos casos, tem indicação de
correção cirúrgica; é ocasionada por infarto gradativo da parte superior do fêmur.
Infartos ósseos repetidos na vizinhança de articulações podem levar à artrite degenerativa
secundária.
Também são comuns úlceras cutâneas refratárias de perna. Geralmente localizam-se na região
peri-maleolar medial, área onde há circulação colateral insatisfatória e traumas frequentes.
Além destas manifestações crônicas, quatro tipos de episódios agudos podem ocorrer. São as
chamadas crises.
Crises vaso-oclusivas:
- Caracterizadas por início súbito de dor excruciante na coluna, no tórax ou nas
extremidades. Com freqüência, não se identifica fator precipitante, embora possa estar
associada a infecções, desidratação, acidose ou hipóxia aumentada. Febre baixa pode
acompanhar o quadro álgico e começa, geralmente, um a dois dias após o início da dor. A
duração dos ataques dolorosos é variável, podendo ser de horas a semanas, dependendo da
extensão do fenômeno vaso-oclusivo e da velocidade do início e eficácia do tratamento.
Geralmente não se observam sinais de flogose sobre a estrutura óssea acometida, entretanto
20
quando ocorrem perto de uma articulação, um derrame pode se desenvolver. O infarto
ósseo costuma ser facilmente confundido com osteomielite, sendo úteis para a diferenciação
fazer cintigrafia e aspiração do material para cultura.
- Quando o processo vaso-oclusivo ocorrer na vasculatura dos outros órgãos além dos ossos,
as manifestações clínicas serão inerentes ao órgão acometido.
- Devemos destacar o quadro de dor abdominal intensa que pode inclusive simular abdome
agudo devido ao envolvimento da vasculatura entérica. Outros casos comuns são: acidente
vascular encefálico, com plegias e convulsões. Outros menos comuns são: crise hepática
com dor abdominal em quadrante superior direito, hiperbilirrubinemia acentuada e outros
testes de função hepática anormais, que podem ser de difícil diferenciação de hepatite
aguda ou de coledocolitíase; priapismo, resultante de vaso-oclusão nos corpos cavernosos;
infarto papilar renal agudo com hematúria e/ ou obstrução do sistema coletor urinário.
- Uma entidade deve ser destacada em particular devido à dificuldade de diagnosticá-la e a
sua gravidade, sendo fatal em quase 50% dos casos. Trata-se da síndrome torácica aguda,
caracterizada por febre, dor torácica aguda, sendo em alguns casos ventilatório-dependente,
tosse, dispnéia e presença de infiltrado pulmonar em exames de imagem.
Crises aplásicas:
- Pacientes com anemia falciforme podem apresentar crises hipoplásicas ou aplásicas
ocasionais, devido à supressão da eritropoese, ocasionada por episódios infecciosos, sendo
o parvovírus B19 o patógeno responsável. Observamos uma queda rápida na contagem de
reticulócitos e um decréscimo dos níveis de hemoglobina e do hematócrito. A necessidade
de hemotransfusão é freqüente nestes casos.
Crises hemolíticas:
- São raras e geralmente decorrentes de infecções sistêmicas. Caracterizam-se por queda dos
níveis de hemoglobina e aumento dos níveis de bilirrubina não-conjugada, e com isso, da
icterícia.
Crises de seqüestro esplênico:
- Geralmente limitadas aos neonatos e crianças pequenas (em geral até os 3-6 anos).
Caracteriza-se por súbita esplenomegalia devido ao represamento maciço de hemácias neste
órgão, acompanhada de dor abdominal e queda aguda da hemoglobina no sangue. O
tratamento deve ser instituído rapidamente, com transfusão de concentrados de hemácias
(10 a 20 ml por quilo de peso em crianças) sob o risco de o paciente evoluir para um estado
21
de choque hipovolêmico e morte. Este evento é tão grave que deve-se ensinar os
responsáveis a palpar o baço dos pacientes a fim de reconhecer o quadro precocemente.
Outras: (neste tópico destacamos as manifestações clínicas não relacionadas diretamente ao
fenômeno de afoiçamento):
- Aumento da suscetibilidade às infecções está provavelmente relacionada à asplenia
funcional. Nos primeiros anos de vida é comum a septicemia causada por germes
encapsulados, como Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae e meningite.
- No paciente mais velho, as infecções comuns incluem pneumonia, ITU e osteomielite. Uma
predisposição maior para osteomielite está relacionada com infartos ósseos repetidos, que
favorecem a infecção. Embora a osteomielite por Salmonella ocorra quase exclusivamente
em falcêmicos, o microorganismo causal mais comum ainda é o Staphylococcus aureus.
- A colelitíase é uma condição comum, causada pelo estado hemolítico crônico, que resulta
em produção aumentada de bilirrubina. Episódios de colecistite e coledocolecistite
costumam ser confundidos com crises falcêmicas abdominais e crises hepáticas.
- Retardo do crescimento e do desenvolvimento em falcêmicos são manifestações comuns,
porém ainda sem uma etiologia definida.
Diagnóstico
Devemos suspeitar de anemia falciforme em indivíduos geralmente de raça negra, que
apresentem quadro clínico compatível e hemograma com anemia (hematócrito varia entre 18 % e
30%), reticulocitose e presença de hemácias em foice à hematoscopia. Também são úteis os exames de
bioquímica que confirmam hemólise, como o aumento de bilirrubina indireta e LDH.
A partir daí, solicitamos um teste de afoiçamento onde há estímulo para o afoiçamento das
hemácias através da desoxigenação do meio. É um teste bastante sensível, porém pouco específico por
ser positivo em todos os casos de heterozigose para o gene falciforme.
Para a confirmação diagnóstica, devemos pedir a eletroforese de hemoglobina, que identifica a
presença da hemoglobina anormal.
Diagnóstico diferencial
Podemos citar as associações com outras bemoglobinopatias, como veremos a seguir: - Hemoglobinopatia SC: caracteriza-se por anemia hemolítica menos severa,
esplenomegalia, hematúria indolor, alterações retinianas mais freqüentes do que na
22
anemia falciforme, porém crises menos freqüentes. Na eletroforese de hemoglobina,
apresenta rastro eletroforético em posição SC
- S-talassemias (Sߺ ou Sß+): também costumam apresentar esplenomegalia. A Sߺ
possui quadro clínico quase indistingüível ao da anemia falciforme, com anemia
hemolítica importante, crises vaso-oclusivas freqüentes, necrose asséptica do osso.
A eletroforese da hemoglobina mostra rastro em posição SS. Os fatores de
diferenciação principais são a esplenomegalia, a hematoscopia rica em hemácias em
alvo, a dosagem de hemoglobina A2, mais baixa na anemia falciforme e o volume
corpuscular médio mais baixo na S-ߺ. Se a dúvida persistir, um estudo de
hemoglobina dos pais do paciente será muito importante. Já a Sß+ apresenta anemia
hemolítica mais branda, com crises e necrose asséptica raras e uma eletroforese de
hemoglobina com rastro SA com predomínio de S (± 60%).
- Traço falciforme (HbAS), encontrado em quase 8% dos afro-americanos, não é
acompanhado de anemia, nem de sintomatologia. Apresentam unicamente
isostenúria. Podem desenvolver sinais clínicos em condições de anóxia grave, como
em grandes altitudes sem pressurização adequada. Possuem geralmente um teste de
afoiçamento positivo e um rastro eletroforético em posição AS com predomínio de
A ( ± 60% ).
Tratamento
Os pontos-chave da terapia consistem na prevenção e tratamento de complicações, quando
acontecem. Os pacientes devem ser aconselhados a evitar altas altitudes; manter uma ingestão hídrica
elevada e procurar auxílio médico em casos de infecção. Devem ainda receber ácido fólico 1mg/dia
profilaticamente por se tratar de um estado hemolítico crônico. Vacinas contra Haemophilus do tipo B
e Pneumococcus são recomendadas ainda na infância (antes da lesão esplênica definitiva) e as crianças
devem receber profilaxia com penicilina até os seis anos de idade. Os pacientes devem ser submetidos
a exames oftalmológicos semestrais, pois as lesões, se diagnosticadas em fase inicial, ainda são
reversíveis.
O priapismo pode ser controlado com analgésicos, nifedipina e hidratação venosa. Se persistir
por mais de 24 horas, passa a ter indicação cirúrgica (com drenagem do seio cavernoso).
As úlceras de perna podem responder ao repouso prolongado no leito e a curativos com açúcar
refinado, porém alguns casos de refratariedade têm indicação de enxerto cirúrgico.
23
Um grande desafio é o controle das crises álgicas. A terapia deve consistir em hidratação venosa
vigorosa (3-5 litros/dia), além de analgesia com opióides e AINES, que atuam também como
antitérmicos, melhorando o estado geral do paciente, além de diminuir a necessidade de doses mais
elevadas de opióides, baixando assim o risco de vício e/ou tolerância aos narcóticos. Fatores
desencadeantes como infecções devem ser pesquisados e, se presentes, tratados.
Os pacientes com síndrome torácica aguda também necessitam de hidratação venosa aumentada.
Na maioria dos casos dependerão de oxigênio para uma boa saturação e em alguns (PaO2 < 60) a
exsanguíneo transfusão pode se fazer necessária. Antibioticoterapia com ceftriaxone associado a
macrolídeo deve ser empregada em todos os pacientes.
Em casos de cirurgias eletivas, um serviço de hemoterapia deve ser contactado previamente para
o preparo do paciente, seja com transfusões simples ou transfusões de troca. Em cirurgias de urgência,
recomenda-se operar o paciente com hematócrito em torno de 30%. Se ultrapassarmos muito esse
valor, aumentam os riscos de complicações por hiperviscosidade.
A terapia com transfusões crônicas foi empregada com algum sucesso para diminuir a freqüência
das crises, porém, a longo prazo, esta abordagem pode levar à sobrecarga de ferro. Uma nova droga, a
Hidroxiuréia, tem sido empregada com sucesso em falcêmicos com crises álgicas repetidas, porém
deve ser instituída apenas por um serviço de hematologia especializado. O único tratamento curativo
para a doença falciforme é o transplante alogênico de medula óssea, porém seu uso ainda é raro devido
à alta morbimortalidade deste procedimento e à dificuldade em se conseguir um doador em casos de
irmãos não compatíveis. Portanto, a indicação dessa técnica deve ser bastante criteriosa e feita apenas
por hematologistas.
Anemias hemolíticas (AH) adquiridas
Andréa Ribeiro Soares
Na maioria dos pacientes com AH adquirida, a produção das hemácias é normal, mas a
destruição é prematura devido a danos adquiridos na circulação.
Hiperesplenismo
O baço, como vimos no início, é muito eficiente para captar e destruir as células do sangue, em
particular as hemácias. Desta forma, na vigência de esplenomegalia, (doenças infiltrativas,
24
inflamatórias, ou congestivas) há um aumento da destruição das hemácias. O tamanho do baço não se
correlaciona com o grau de citopenias. A esplenectomia muitas vezes é necessária.
Causas Imunológicas de Hemólise A hemólise imunológica é induzida geralmente por anticorpos IgG e IgM, com especificidade
por antígenos associados às hemácias do paciente (autoanticorpos), sendo o teste de Coombs a melhor
arma para tal diagnóstico.
O teste de Coombs direto determina a habilidade de anti IgG ou anti C3 de aglutinar com
hemácias do paciente; o teste indireto demonstra a reação dos anticorpos do soro do paciente com
hemácias normais contendo os antígenos. De acordo com o espectro de temperatura em que tais
reações ocorrem, as AH autoimunes (AHAI) podem ser divididas em:
Anemias hemolíticas a quente:
- Geralmente produzidas por anticorpos tipo IgG, que reagem na temperatura corpórea.
Ocorre mais freqüentemente na mulher adulta e, em aproximadamente 25% dos casos, está
associado a uma doença subjacente, especialmente neoplasias (linfomas ou leucemias
crônicas - LLC, muito raras nesta faixa etária), doenças do colágeno (mais comuns em
adolescentes) ou doenças por imunodeficiência congênita. Pode também estar associada a
drogas (alfametildopa, penicilina ou quinidina), outros tumores e após infecções virais. A
apresentação clínica é variável, desde formas apenas com teste de Coombs direto positivo
até anemia moderada à grave, com contagem de reticulócitos de 10 à 30%, esferocitose e
esplenomegalia e até síndromes rapidamente fatais, com hemoglobinemia, hemoglobinúria
e choque. Pacientes com baixo grau de hemólise geralmente não requerem terapia
específica imediata. Naqueles com hemólise clinicamente significativa, o tratamento inicial
consiste de glicocorticóides (prednisona na dose de 1- 2 mg/Kg/dia) até que o nível de Hg
alcance valores normais, assim como diminuição do número de reticulócitos. Nestes casos,
a dose de corticóide deve ser diminuída gradualmente até 20 mg e depois mais lentamente
até a suspensão definitiva em alguns meses. Cerca de 75% dos pacientes obtêm remissão
sustentada após a retirada completa do medicamento, porém em metade destes casos a
doença reaparecerá. A esplenectomia é a segunda opção terapêutica, já que é no baço que
ocorre a destruição das hemácias. Pacientes com anemia grave podem requerer transfusões
sangüíneas. Geralmente um controle parcial da doença é atingido nos casos restantes, e os
pacientes estão sujeitos à morte pela própria anemia, imunodeficiência devido ao
tratamento e por eventos trombóticos simultâneos à hemólise ativa. Nos pacientes cuja
25
hemólise for uma complicação da doença de base, o prognóstico é geralmente dominado
pelo da doença primária. Nas AH relacionadas a drogas, a hemólise diminui semanas após a
retirada dos medicamentos.
Anemias hemolíticas a frio:
- Mais rara, geralmente produzida por anticorpos IgM que reagem melhor em temperaturas
menores do que 37oC. Surgem basicamente em duas situações: anticorpos monoclonais
como produto de neoplasias linfocíticas ou paraneoplásias (crônicas) e anticorpos
policlonais em resposta a infecções como mononucleose ou infecção por Micoplasma
(aguda). As manifestações clínicas são por aglutinação intravascular e pela própria
hemólise. O grau de hemólise dependerá do anticorpo, de sua amplitude térmica de ação,
temperatura ambiente e, primariamente, devido à ação hemolítica do complemento. Manter
o paciente em ambiente adequado melhora as manifestações cutâneas e reduz a hemólise. A
esplenectomia e o uso de glicocortocóides têm valor terapêutico limitado. Clorambucil e
ciclofosfamida (agentes alquilantes) são os agentes mais comumente usados. A doença por
aglutinação a frio crônica tem seu prognóstico relacionado à doença de base, que pode
manifestar-se anos após o quadro hemolítico.
Hemoglobinúria paroxística a frio (HPF):
- Entidade hoje rara, era mais freqüente quando a sífilis terciária era mais prevalente.
Atualmente, a maioria dos casos é secundária à infecção viral ou é autoimune, resultando da
formação de um anticorpo IgG (anticorpo de Donath Landsteinnes) direcionado contra o
antígeno P, induzindo lise mediada por complemento. Os ataques são precipitados pela
exposição ao frio e cursam com hemoglobinemia, hemoglobinúria, calafrios, febre, dor em
região lombar, em membros inferiores, abdominal, cefaléia e cansaço. A melhora é rápida e
entre as crises o paciente é assintomático. Quando esta síndrome acompanha infecções
virais agudas (sarampo, caxumba em crianças), é autolimitada, mas pode ser grave. Quando
é secundária à sífilis responde favoravelmente à terapia desta doença. HPF autoimune
crônica pode responder à prednisona ou à terapia citotóxica, mas não à esplenectomia.
Hemólise devido à trauma na circulação
As hemácias podem ser destruídas por traumatismos mecânicos ao circularem, ocorrendo
hemólise intravascular e, na maioria dos casos, com formação de esquisócitos (hemácias
fragmentadas). Pode surgir em três situações:
Impacto externo:
26
- Acomete a circulação de hemácias em pequenos vasos nas superfícies de proeminências
ósseas, ocorrendo hemoglobinemia e hemoglobinúria numa pequena proporção de
indivíduos submetidos à marcha prolongada, em superfícies firmes, usando sapatos de sola
fina. Não se observa nenhuma anormalidade nas hemácias, devendo os indivíduos
susceptíveis apenas usar tênis adequado.
Hemólise por fragmentação macrovascular:
- Ocorre em aproximadamente 10% dos pacientes com prótese valvular aórtica mecânica e,
com menor freqüência, naqueles com prótese mitral, devido ao fluxo sangüíneo turbilhonar
(gradiente pressóricos), mecanismo traumático direto e deposição de fibrina, levando à
diminuição da sobrevida das hemácias. No tratamento, medidas que diminuam o trabalho
cardíaco (diminuição da atividade física, uso de beta bloqueadores) e reposição de ferro
podem ser úteis. Muitas vezes, a correção das lesões intra-cardíacas ou a troca da prótese
valvar será necessária.
Causas microvasculares de hemólise traumática:
- A deposição de fibrina nas arteríolas devido à coagulação intravascular localizada, que
ocorre em várias doenças, favorece a captação das hemácias na parede vascular e sua
fragmentação pela força da pressão sangüínea. Algumas dessas doenças são: púrpura
trombocitopênica trombótica (PTT), síndrome hemolítico-urêmica e outras como
hipertensão arterial maligna, eclâmpsia, rejeição de transplante renal, câncer disseminado,
hemangiomas e CID.
Alterações ambientais na membrana das hemácias por efeitos tóxicos
Alterações das hemácias por influências externas podem resultar em hemólise, como infecções
(malária, infecções sistêmicas), venenos de cobra e aranhas, sais de cobre (pacientes em hemodiálise,
doença de Wilson) e altas temperaturas (após queimaduras extensas).
Hemoglobinúria paroxística noturna
As hemácias nesta patologia caracterizam-se por apresentar um defeito intracorpuscular
adquirido que tornam-as mais sensíveis ao efeito lítico do complemento, estimulando indiretamente a
agregação plaquetária e a hipercoagulabilidade. Manifesta-se clinicamente com anemia hemolítica,
trombose venosa (principalmente de veias intra abdominais – síndrome de Budd-Chiari – e cerebrais) e
hematopoese deficiente, com granulocitopenia e trombocitopenia leve. Na maioria dos pacientes a
27
hemoglobinúria clínica está presente de forma intermitente e em alguns casos nunca chega a ocorrer.
Aproximadamente de 15 a 30 % dos sobreviventes a longo prazo evoluirão para anemia aplástica.
Também observam-se associações com mielofibrose e outras doenças mielodisplásicas ou
mieloproliferativas.O diagnóstico baseia-se na positividade ao teste de Ham e da lise com sucrose. Não
há tratamento específico. As transfusões de sangue quando necessárias deverão ser feitas com
hemácias lavadas. O uso de androgênios e glicocorticóides pode ser útil. Agentes trombolíticos podem
ser necessários durante os episódios de trombose. O uso de globulina anti-timócitos pode ser tentado
no tratamento da anemia aplástica, associado a doses altas de corticóides. Nos pacientes jovens o
transplante de MO deve ser considerado precocemente.
Distúrbios da hemostasia
Maria Christina Maioli
Hemostasia é o mecanismo pelo qual o organismo controla a perda de sangue após alguma
injúria. Podemos dividir os processos hemostáticos em três etapas concomitantes e superpostas:
hemostasia primária, em que há a formação do tampão hemostático plaquetário, hemostasia
secundária, com a: formação do tampão estável, reforçado pela presença de fibrina e a fibrinólise, em
que há a lise da fibrina .
Hemostasia primária
Relaciona-se ao vaso e às plaquetas. Inicia-se logo após a lesão do vaso, que expõe o colágeno
do seu endotélio, determinando a migração para este local das plaquetas circulantes. Estas vão-se
aderir inicialmente ao colágeno através de um fator produzido pelas células endoteliais, denominado
fator Von Willebrand, levando à adesão das plaquetas. Em seguida estas unem-se umas às outras num
processo chamado de agregação plaquetária. Nesta etapa as plaquetas sofrem modificações na sua
forma e liberam várias substâncias que auxiliam esta e as etapas seguintes da coagulação. O coágulo
primário ou plaquetário é instável e facilmente removível.
O vaso sangüíneo desempenha um importante papel na hemostasia impedindo que os elementos
circulantes entrem em contato com substâncias trombogênicas do endotélio (colágeno, fator Von