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PORTOS, SHIPPING, INTERMODALIDADE E GOVERNAÇÃO

Feb 26, 2023

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Jorge Rocha
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Ficha técnica

Título: Portos, Shipping, Intermodalidade e Governação

Capa: Cte. Casimiro

ISBN:

Editora:

Autores: J. Augusto Felício

João Soares

Vítor Caldeirinha

Fernanda N. Ferreira

Fevereiro de 2014

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PREFÁCIO O mar está intimamente ligado à História de Portugal e ao carácter universalista dos

portugueses. Os Descobrimentos, o dar novos mundos ao mundo, a passagem do Cabo Bojador e do Cabo da Boa Esperança, a descoberta do Brasil e do caminho marítimo para a Índia, são feitos dos Portugueses, gravados na História de Portugal, ligados ao mar, num período áureo da nossa memória coletiva. Após o período da expansão e da gesta dos Descobrimentos, após o período colonial, Portugal voltou a ficar reduzido ao retângulo continental europeu e às ilhas. No atual momento em que Portugal repensa a sua vocação e o seu papel no mundo, aliado à procura de soluções para a crise económica, as atenções retornam ao mar como uma possível fonte de riqueza.

A zona económica exclusiva portuguesa é uma das maiores do mundo e com inúmeros recursos por explorar. As principais rotas marítimas mundiais passam em frente às nossas costas e colocam Portugal no centro do mundo no domínio do comércio internacional. Será que estamos a aproveitar estes recursos e a nossa posição geográfica privilegiada? O aproveitamento dos recursos do mar também se faz em terra, através dos estaleiros, onde os navios se constroem e reparam, das marinas de recreio, dos portos onde os barcos de pesca e navios carregam e descarregam e das vias terrestres de acesso aos portos, das plataformas logísticas e de outras infraestruturas e atividades de suporte ou complementares. Assim, para aproveitar os recursos e atividades ligadas ao mar, Portugal precisa de dispor de infraestruturas competitivas, de entre as quais os portos assumem um papel fundamental.

Mas a função dos portos é muito mais do que isso, eles constituem um suporte fundamental do desenvolvimento da economia, que não é possível sem o comércio marítimo internacional, sendo a globalização, hoje, uma realidade incontornável. Podemos discutir se a globalização pode ou não ser melhorada, se deve ter regras ou se a falta destas favorece a concorrência desleal entre países com grandes diferenças de legislação ambiental e laboral, por exemplo. Mas não queremos ficar de fora, basta ver o caso de países como a Albânia ou a Coreia do Norte, que em grande parte se autoexcluíram deste processo. No mundo globalizado atual, em que grande parte do comércio internacional é controlada por operadores e cadeias logísticas de grande dimensão, a integração dos nossos portos e vias de comunicação terrestres é fundamental. Caso contrário os custos de transporte e logística das empresas a operar em Portugal serão superiores aos dos nossos vizinhos e competidores, condenando Portugal ao isolamento e empobrecimento.

Neste contexto o papel dos portos é crucial. Precisamos, assim, de portos competitivos, harmoniosamente inseridos nas cidades e regiões em que se localizam, dotados de ligações terrestres eficazes, rápidas e económicas aos seus principais mercados, cuja dimensão devemos tentar maximizar. Necessitamos, também, de uma estratégia nacional para atrair as grandes cadeias logísticas internacionais. Só assim poderemos evitar que as nossas empresas sejam forçadas a utilizar hubs portuários do norte da Europa ou do Mediterrâneo, por serem mais baratos, para enviar e receber as suas mercadorias de locais da Europa mais afastados, com os custos acrescidos e consequente perda de competitividade face a concorrentes instalados em zonas mais próximas desses portos.

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Neste contexto, as políticas de transporte e de gestão portuária, considerando a geoestratégia mundial e os fatores de competitividade do transporte marítimo bem como as suas ligações a outros meios de transporte e à competitividade destes, são importantíssimos fatores de desenvolvimento económico regional e nacional e, consequentemente, do bem-estar e qualidade de vida das populações. É, por isso, de saudar a ocorrência de obras como o livro “Portos, Shipping, Intermodalidade e Governação” que nos apresenta um conjunto de textos abrangentes sobre estas matérias. Abordam-se temas como a função e a complexidade da governação dos portos, dados os numerosos stakeholders interessados e agentes envolvidos na atividade portuária e o desempenho dos portos ao serviço do desenvolvimento económico nacional e regional. Analisam-se os pontos fracos e fortes dos portos portugueses e das suas condições de competitividade face aos seus concorrentes, a sua relação com as grandes cadeias logísticas e as ligações aos meios de transporte terrestre, bem como, a importância da sua integração harmoniosa com as cidades vizinhas ou onde se inserem. Este livro constitui assim um meio de partilha e divulgação de conhecimento de alguns dos nossos melhores especialistas para todos os interessados na matéria. Pelo seu conteúdo e qualidade, é um livro da maior utilidade para aqueles que desejam compreender melhor e aprofundar os seus conhecimentos sobre gestão portuária e comércio marítimo internacional, além de um valioso legado para as gerações futuras.

Professor Mário Lopes, Presidente da ADFERSIT

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INTRODUÇÃO

No início de 2014 a União Europeia (28 países) controlava uma frota composta por 23.000 embarcações, com 450 milhões de toneladas de arqueação bruta, correspondendo a 40% da tonelagem mundial (Oxford Economics, 2014)1 . A Grécia controla 36% da frota, em termos de arqueação bruta, e a Alemanha cerca de 21%. A UE controla 60 por cento dos navios porta-contentores do mundo, 52% dos navios multi-purpose e 43% dos navios petroleiros (arqueação bruta). Em 2012, a indústria de transporte marítimo da UE empregou 590 mil pessoas (idem.). As três maiores companhias de transporte marítimo do mundo - Maersk (Dinamarca), MSC (França), CMA (Suíça) - estão sedeadas na EU.

Compreende-se, por isso, o relevo do transporte marítimo e dos portos para a União Europeia. Este espaço económico é constituído por mais de 1000 portos, ao longo da sua imensa costa recortada, dos quais cerca de 200 são portos importantes à escala global. Por outro lado, a EU desde sempre recorreu aos seus rios que utilizou como vias de transporte fluvial, constituindo a maior rede continental, com aproveitamento comercial. Cerca de 80% do comércio mundial em volume e mais de 70% do comércio mundial em valor são transportados por navios e manuseados nos portos (UNCTAD, 2014). O seu contributo para o desenvolvimento da economia global é extraordinário. Verifica-se o seu controlo político e geo-estratégico centrado no transporte marítimo e nos portos, a partir dos quais se constituem os sistemas logísticos regionais e à escala global.

Este enquadramento pretende que compreenda mais rapidamente a importância do livro sobre os ‘Portos, Shipping, Intermodalidade e Governação’, constituído por textos escritos pelos quatro autores em diferentes momentos e com distintas perspectivas. Não se pretendeu que fosse um repositório de escritos, apenas. Antes, porém, houve o propósito de agrupar temas tratados pelos autores, segundo o seu ponto de vista e conhecimentos, com utilidade para profissionais e estudiosos.

O que é um porto? Qual a importância dos modelos de governação portuária? O que se entende por eficiência portuária? O que é e para que serve a reforma portuária? Qual o papel dos armadores e dos operadores portuários? O que é um porto centro de negócios? O que se entende por vocação do porto? Em que condições se admite a complementaridade entre portos? Qual a importância do porto e do armador nas cadeias logísticas? Como resolver hoje a interacção porto-cidade? Qual o papel e importância do Canal do Panamá? Tem ou não sentido juntar numa mesma administração portos vizinhos e complementares? Estas questões, entre outras, são abordadas pelos autores neste livro, com diferentes níveis de aprofundamento.A literatura académica, relatórios de instituições e grandes empresas e opiniões de profissionais ajudaram os autores a reflectir, contribuindo para a discussão sobre os temas portuários e marítimos. Pouco mais de duas dezenas de anos foi o suficiente para elevar a grande destaque estas matérias, até então confinadas a uns poucos especialistas e ao próprio Estado.

A Organização Mundial de Comércio (OMC), a United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD) e outras instituições sectoriais, na segunda metade do séc. XX deram o tiro de partida para o desenvolvimento do comércio mundial,do qual resultou a necessidade

1 Oxford Economics (Abril, 2014). The economic value of the EU shipping industry. European Community Shipowners’ Associations (ECSA).

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de prestar atenção ao papel do transporte marítimo e dos portos. Até então a marinha mercante, em muitos casos na órbita do Estado e especialmente os portos estavam subordinados aos interesses estratégicos e militares do Estado, respondendo a necessidades bélicas e a interesses de controlo da balança comercial, exportação e importação, dos quais emerge o papel das alfândegas. Trata-se de infraestruturas muito exigentes ao nível do investimento em capital fixo só ao alcance das entidades públicas.

Porém a maior evolução residiu no afastamento do Estado destes sectores de actividade submetendo-se à sua função de regulador, na capacidade reconhecida aos privados para desenvolverem o transporte marítimo e a operação portuária num quadro de competição global, regional e nacional, com efeitos positivos no desenvolvimento da tecnologia marítima e no incremento da eficiência portuária e da salvaguarda do green shipping. Em consequência, a academia apostou mais intensamente na formação e na investigação, com reflexos muito positivos ao nível da exigência profissional e no desenvolvimento do sector marítimo e dos portos. O que é um porto? Como seria hoje o mundo sem os níveis de desenvolvimento da tecnologia marítima?

Observem-se algumas estatísticas recentes. O índice de comércio (base 2000=100)2 mostra que entre 2000 e 2012 o comércio mundial cresceu +2,4%. Porém, as economias desenvolvidas decresceram -0,8%, enquanto as economias em desenvolvimento cresceram +3,8% e as economias em transição +59,7% (UNCTAD, 2014). A análise mais detalhada mostra as regiões em desenvolvimento que registaram maior crescimento no período, nomeadamente, África +47,2%, América +21,4% e Ásia + 10,4% (excluindo China com -8,2%). Ao invés, as economias desenvolvidas, entre 2000 e 2012, registaram decréscimos (Ásia -27,2% e Europa -2,2%) embora a América tenha crescido 2,9%. Constata-se que o comércio mundial cresce aceleradamente impulsionado pelas economias dos países em desenvolvimento, no seu esforço para participarem na distribuição de riqueza mundial e assegurarem melhores condições às populações. Salienta-se, no caso dos países Europeus o decréscimo do índice de comércio de Portugal com -8,3%, Alemanha com -4,7%, França com -11,2% e Espanha com -11,4%. Isto não quer dizer que se registasse menos comércio mas sim que estes países passaram a ser mais importadores que exportadores em termos relativos. A estes movimentos comerciais estão associadas as frotas de transporte marítimo que asseguram

Considerando o total da frota mundial verificou-se um acréscimo de carga transportada de 102,9% no ano de 2013 em relação a 2001. O transporte de carga contentorizada em 2013 representou 12,7% do total e o maior crescimento de 198,8% em relação a 2001. Ou seja, em doze anos o volume de carga mundial transportada mais que duplicou mas a carga contentorizada quase triplicou e a tendência continua a acentuar-se. O transporte marítimo e os portos tornaram-se o centro de interesses geoestratégicos em disputa entre as grandes potências comerciais mundiais. Não há desenvolvimento no século XXI sem a aposta crescente e exigente na actividade marítima e na actividade portuária. Este livro apresenta diversos pontos de vista, também recolhidos de muitos autores, sobre estas actividades e da sua complexidade. Espera-se que os leitores, desculpando imprecisões que possam surgir, apreciem os temas.

Os autores

2 O índice de comércio é definido pela relação entre o índice de valor unitário de exportação e o índice de valor unitário de importação (UNCTAD, 2014).

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Bionotes dos Autores

J. Augusto Felício

Doutor em Gestão (Ph.D.) Professor do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa. Presidente do Centro de Estudos de Gestão (ISEG/UTL). Diretor científico do Curso de Pós-graduação em Gestão do Transporte Marítimo e Gestão Portuária. Investigador nas áreas de gestão empresarial e gestão portuária, com publicações em revistas científicas internacionais de elevado impacte. [email protected]

João Soares

Comandante da Marinha Mercante Portuguesa. Licenciado em Gestão e Tecnologias Marítimas pela ENIDH. Pós-Graduado em Gestão do Transporte Marítimo e Gestão Portuária pelo ISEG. Detentor do PADE da AESE, com o IESE. Professor Convidado do ensino superior e em cursos de pós-graduação e mestrados na área do transporte marítimo, portos e logística. Professor convidado da Escola Europeia de Short Sea Shipping (2E3S) em Barcelona. Consultor nas áreas dos Transportes, Portos e Logística. Responsável pelas acções de formação especializada em Shipping da AGEPOR. General Agent and Area Director do Cronos Group para Portugal, Espanha, Itália, Norte de África, Angola e Moçambique. Sócio Gerente da Logimaris.

Vítor Caldeirinha

Investigador do CEGE/ISEG/Universidade de Lisboa e CEFAGE/Universidade de Évora nas áreas da gestão portuária. Doutorando em gestão portuária na Universidade de Évora e mestre em Gestão/MBA pelo ISEG/UL com publicações em revistas científicas internacionais com elevado impacte. Exerceu funções de diretor nos portos de Setúbal e de Lisboa. Foi Presidente da ADFERSIT. Atualmente é Presidente da Autoridade Portuária de Setúbal e Sesimbra e Presidente da Associação dos Portos de Portugal. [email protected]

Fernanda N. Ferreira

Mestre em Ciências Empresariais-Ramo Logística, pelo Instituto Politécnico de Setúbal, Pós-Graduada em Logística pelo Instituto Politécnico de Setúbal, com publicações de artigos de opinião, em revistas do setor, desenvolve a sua atividade profissional no sector logístico há mais de 25 anos. Foi diretora de Logística na MSC Portugal, Marmedsa e Pioneer. Foi consultora da LOGZ-Plataforma Logística do Poceirão e Sadoport-Terminal Multiusos do Porto de Setúbal.

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INDICE

1. Portos e Mercado 3 1.1 O que é um Porto? 3 J. Augusto Felício 3 1.2 Os Portos e o Desenvolvimento 3 Os portos multifunções e de transhipment e os sistemas logísticos 3 J. Augusto Felício 3 1.3 DesenvolvimentodosPortos:Reflexão 3 J. Augusto Felício 3 1.4 O que podem os Portos do Distrito fazer pelas Empresas? 3 Vítor Caldeirinha 3 1.5 CompetitividadeecriaçãodeEmprego.OquepodemfazerosPortos? 3 Vítor Caldeirinha 3 Transportes em Revista 3 1.6 ACompetitividadedosPortosPortugueses 3 Vítor Caldeirinha 3 1.7 OsPortosAngolanosdevemserhubsdetranshipmenteTrânsito 3 Vítor Caldeirinha 3 1.8 Porto de Sines e Bitola Europeia Competitividade das Importações e das Exportações 3 Vítor Caldeirinha e Mário Lopes 3

2. Portos e Governação 3 2.1 GovernaçãodosPortos:ModelosAlternativos 3 Vítor Caldeirinha 3 2.2 “Rins Portuários” 3 Vítor Caldeirinha 3 2.3 GovernaçãodosPortosI 3 Modelo de Governação dos Portos Portugueses 3 J. Augusto Felício 3 2.4 ComoagruparosPortosPortuguesespreservandoasuaAutonomia 3 Vítor Caldeirinha 3 2.5 Portos Cinco mais Um 3 Vítor Caldeirinha 3 2.6 OsPortosEuropeusnãosãotodosgeridosautonomamente 3 Vítor Caldeirinha 3 2.7 ConcessãodeTerminaisPortuáriosnaEuropa Proposta para um Guia de Boas Práticas 3 Vítor Caldeirinha 2.8 OsPortosGregos-GrandesMudançasemCurso 3 Vítor Caldeirinha 3 2.9 OrganizaçãoPortuárianosEUA,UKeTaiwan 3 Vítor Caldeirinha 3 2.10 Um País vários sistemas Portuários 3 João Soares 3

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3. Desempenho dos Portos 3

3.1 O Preço Portuário 3 Vítor Caldeirinha 3 3.2 Satisfaçãoe(in)FidelidadedoClientedoTerminaldeContentores 3 Vítor Caldeirinha 3 3.3 Portos:GanhosdeEficiênciaparaosClientes 3 Vítor Caldeirinha 3 3.4 EficiênciadoPorto 3 A importância da eficiência do porto: Medidas de avaliação 3 J. Augusto Felício 3 3.5 Mão-de-obraPortuárianaEuropa 3 Vítor Caldeirinha 3 3.6 PortoscommelhoresacessostêmNaviosmaiores, movimentammaisCargaesãomaisCompetitivos 3 Vítor Caldeirinha 3

4. Portos portugueses 3 4.1 ReformadosPortos-MenosEstadoemaisRegulação=Competitividade3 VítorCaldeirinha 3 4.2 PortosdaMadeira 3 Vítor Caldeirinha 3 4.3 MovimentodeMercadoriasnosPortosPortugueses 3 J. Augusto Felício 3 4.4 UmPETdeestimação 3 João Soares 3 4.5 AInternacionalizaçãodaChina,OsPortoseaNovaMacauemPortugal 3 Vítor Caldeirinha 3

5. Armadores e operadores portuários 3 5.1 Serarmador-VontadeouVocação 3 João Soares 3 5.2 Armadores e Operadores Portuários 3 Armadores e operadores portuários em mudança 3 J. Augusto Felício 3 5.3 TerminaisdeContentoresemPortugal 3 Que futuro como polo de desenvolvimento do país? 3 João Soares 3 6. Portos e Logística 3 6.1 OsPortosnaCadeiaLogísticaGlobal 3 Os portos na cadeia logística global 3 J. Augusto Felício 3 6.2 PortosnoSistemaLogístico 3 Portos no sistema logístico e papel dos operadores portuários 3 J. Augusto Felício 3 6.3 OsPortosEuropeuseLogística 3 Os portos europeus na logística marítima global 3 J. Augusto Felício 3

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6.4 ALogísticaeoPortoCentrodeNegócios 3 A logística e o porto centro de negócios 3 J. Augusto Felício 3 6.5 MarinhadeComércioNacional-OPrincipiodofimouofimsemPrincipio 3 João Soares 3

7. Relação Cidade - Porto 3 7.1OPortodeLisboaeaCidadeouaCidadedeLisboaeoseuPorto 3 João Soares 3

8. Intermodalidade e Shipping 3 8.1 OsPortosfaceàtendênciadeconcentraçãonoShipping 3 Vítor Caldeirinha 3 8.2 AContentorizaçãoGlobaleosCiclosEconómicos 3 Vítor Caldeirinha 3 8.3 AcaixadePandora 3 Unidade Europeia de Carregamento Intermodal 3 João Soares 3 8.4 TransporteMarítimoIntra-EuropeudeBandeiraPortuguesa 3 Uma questão de vontade pública e privada. 3 João Soares 3 8.5 EseoCanaldoSuezfechasse? 3 Vítor Caldeirinha 3 8.6 Alternativas ao Suez 3 Vítor Caldeirinha 3 8.7 OcanaldoPanamáI 3 Vítor Caldeirinha 3 8.8 OcanaldoPanamáII 3 João Soares 3 8.9 OcanaldoPanamáIII 3 O Canal do Panamá e as rotas alternativas 3 J. Augusto Felício 3 8.10 PortosdoSul:PorquenãosãoPortasdaEuropa? 3 Vítor Caldeirinha 3

9. Registos sobre Luis Filipe Duarte 3 9.1 “FaleceuoLuisFilipeDuarte” 3 Vítor Caldeirinha 3 9.2 “EvocarLuísFilipeDuarte” 3 Evocar Luís Filipe Duarte 3 J. Augusto Felício 310. Trabalhos de Investigação 3 10.1 Fusão dos Portos de Lisboa e Setúbal, partilha de um hinterland comum 3 Fernanda N. Ferreira 3 10.2 JUP-Janela Única Portuária, O Simplex do Mar 3 Uma melhoria para a simplificação do fluxo de informação portuária. 3 Fernanda Nunes Ferreira 3

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1. PORTOS E MERCADO

1.1 O que é um Porto?

J. Augusto Felício

Às questões simples nem sempre correspondem respostas simples. É o caso de saber o que é um porto. O conceito de porto alargou-se na medida em que deixou de ser apenas o local físico onde se realiza a carga e descarga do navio e passou a abarcar outras noções associadas, nomeadamente, ao serviço intermodal e à competitividade das empresas. Discutem-se modelos de porto, avaliados com base em premissas ou grupos de fatores. As tipologias de porto que se desenvolvem referem-se ao porto cais (T1), baseado na tarefa, ao porto terminal (T2), baseado no processo, ao porto plataforma logística (T3), baseado no subsistema e ao porto centro de negócios (T4), baseado no sistema.

Enquadramento

A questão de saber o que é um porto3, observada de relance, parece não ter sentido. Quem ao longo da vida tem desenvolvido a atividade portuária, por via do transportador, do carregador ou do prestador de serviços especializado, envolvendo operações direta ou indiretamente relacionadas com o porto sabe, naturalmente, o que é um porto . No entanto, percebe-se existirem dificuldades em responder pelo facto da noção de porto apresentar variantes. A atividade portuária vai além da atividade do porto, razão porque normalmente se empregam as expressões porto e portuário. Quererão elas significar o mesmo?

A atividade do porto associa-se a múltiplos serviços envolvendo a infraestrutura e os equipamentos existentes para operar a carga e o navio com mais ou menos complexidade. Distingue-se da atividade portuária por esta abranger diversos outros serviços prestados por agentes e operadores que centram o negócio na atividade marítima e em outras atividades associadas com o porto. Algumas dificuldades devem-se aos termos utilizados por se perceberem com diverso significado, nomeadamente, os conceitos de porto e portuário.

Porto refere-se a uma entidade, dotada de elementos físicos e orgânicos, com propósitos claramente determinados para assegurar a operação, no essencial, da carga e do navio, nas melhores condições de desempenho. Portuário refere-se a uma ou diferentes entidades que desenvolvem atividades no porto ou que de uma forma ou de outra se relacionam com o porto. Por exemplo, os agentes, operadores e autoridades.

3 Por exemplo, as noções de porto moderno e de porto comercial, segundo ponto de vista restritivo, centrado no espaço delimitado. Porto moderno refere-se à entidade dotada de condições físicas e de infraestrutura e organização que catalisa iniciativas comerciais, envolvendo múltiplas atividades nas áreas adjacentes e no hinterland, por forma a assegurar movimentos de carga e tráfegos através do porto, de e para diferentes destinos/origens, com efeitos no comércio e na economia em geral. Porto comercial compreende o local físico e respetivas infraestruturas onde se estabelece o interface entre o transporte marítimo e o transporte terrestre (rodoferroviário) ou a operação das mercadorias (carga/descarga) para ou do navio.

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Ou seja, portuário refere-se ao serviço prestado, direta ou indiretamente pelas diversas organizações, relacionado com carga e navio, decorrente da utilização do porto.

Porto é uma entidade orgânica precisa e complexa, claramente identificada com infraestruturas e um espaço de operação marítimo e em terra, associado a sistemas logísticos. Portuário é um conceito que abarca duas componentes: as múltiplas entidades orgânicas que desenvolvem atividades centradas no porto; e as atividades que de uma ou outra forma têm a ver com a carga e com o navio.

O que é um porto? Dias (2004)4 identifica porto como um local que possui adequadas condições de estacionamento, acostagem e permanência de navios, abrigando-se aí de forma relativamente segura de ventos e tempestades, procedendo simultaneamente ao embarque e desembarque de passageiros e/ou carga e descarga de mercadorias. Interessante é também a forma como procura desenvolver o conceito de porto associando a infraestrutura logística e a noção de funcionalidade referente à «faixa estreita, terrenos muito caros, com pouca área de parqueamento para mercadorias e com constrangimentos vários». Remata considerando «o porto uma entidade muito complexa, onde a evolução e a auto-organização são muito mais preponderantes do que a organização e o experimentalismo estatais».

Mas, afinal, o que é um porto? Discorre-se ser um local com condições específicas, adequado para operar navios e cargas, e também uma entidade complexa. Ou seja, a análise detalhada indicia não ser clara a definição do que se entende por porto. Como se depreende, a resposta à pergunta apresenta diversos matizes refletidos na dificuldade em perceber se é um local, uma organização complexa ou coisa diversa. Questiona-se saber, então, se há uma ou diferentes definições de porto e se para o conseguir não se deverão assumir premissas.

Por exemplo, a UNCTAD (1992) salienta a distinção do que é um porto com base na «evolução das suas características», referindo existirem portos de primeira geração (antes de 1960), portos de segunda geração (depois de 1960 até 1980) e portos de terceira geração (após 1980). Para tal, recorre a seis características tomadas como base, a saber: carga principal, atitude e estratégia de desenvolvimento, objetivo das atividades, produção e fatores decisivos. Evidencia existir uma tipologia de porto em função das suas características. Será que estas características não refletem a existência de distintos portos?

Porto refere-se à entidade física e orgânica dotada de recursos adequados à prestação de serviços ao navio e à carga. Ou, refere-se à entidade catalisadora de iniciativas comerciais, baseada na carga e no navio, alargadas às áreas adjacentes e ao hinterland com vista essencialmente a assegurar o abastecimento ou a escoar cargas de certa região, com efeitos na atividade comercial dos agentes e cidadãos em geral e na economia.

4 J. Q. Dias (2004), O que é um porto, em Portugal? In jornal Público, suplemento carga e transportes, n.º 5273, de 30 de agosto. O título do artigo de jornal não parece feliz, na medida em que falar de um porto é independente de tratar-se de porto existente em Portugal ou em qualquer outro país. Admite-se que tenha sido uma ação para acentuar a comunicação do tema.

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Ou, ainda, refere-se ao local físico e respetivas infraestruturas onde se estabelece o interface entre o transporte marítimo e o transporte terrestre (rodo-marítimo), no quadro de um sistema logístico. Neste caso, porto identifica-se com o local da costa ou de um rio onde os navios podem fundear e se embarcam ou desembarcam cargas, mercadorias ou pessoas. Está-se perante definições diversas, refletindo claramente as dificuldades em responder à pergunta formulada do que é um porto.

Porto compreende uma organização capacitada para fornecer múltiplas atividades e serviços, como interface entre diversos modos de transporte, sendo, por isso, um centro de transporte combinado (Trujillo & Nambela, 2000)5 . O porto pode entender-se, também, nas perspetivas da atividade e do negócio. Assim, na perspetiva da atividade corresponde ao local físico, dotado de infraestruturas e serviços, visando a transferência da mercadoria ou carga entre o navio e o cais ou terminal e a sua movimentação e estacionamento, respeitando as condições técnicas e exigências das entidades envolvidas, de acordo com requisitos e propósitos dos carregadores e/ou donos da mercadoria. Na perspetiva do negócio, corresponde a um centro integrado de negócios, dotado de infraestruturas, superestruturas e supraestruturas portuárias, áreas de serviços, zonas de serviços de logística no quadro da rede logística nacional e zonas de implantação industrial, visando assegurar competitividade aos sistemas empresarial e económico.

No Livro Verde6 quando se refere o porto salientam-se os serviços associados às suas principais atividades, nomeadamente:

1. Os serviços relacionados com o navio, como sejam a assistência, pilotagem, reboque,

acostagem, amarração, agentes de navegação, corretagem, receção de resíduos, limpeza, reparação, etc.;

2. Os serviços relacionados com a carga, como sejam a estiva, grupagem (contentores e paletes), armazenagem, transitários, etc.;

3. Os serviços de controlo e inspeção, como sejam o desembaraço aduaneiro, inspeções de segurança do navio, mercadorias perigosas, etc.

Segundo este ponto de vista, na base da definição de porto compreendem-se os serviços relacionados com o navio e a carga e os serviços de controlo e inspeção os quais, ao mesmo tempo, determinam a sua complexidade, derivando daí diferente avaliação do que é um porto.Há, também, a perspetiva funcional, visão de Dias (op. cit.), segundo a qual assume-se o porto como um ponto de transferência de carga e de passagem do navio, tão rápida quanto possível, favorecendo as soluções intermodais do tipo roll-on/roll-off e rodo-marítimo, ou ainda de certas formas de transfega, transhipment ou baldeação de carga, com a mínima operação e manuseamento portuário possível.

A avaliação do conceito de porto remete para as perspetivas física e orgânica. Naquele caso, refere-se ao local com condições físicas para fundear o navio e operar a carga ou

5 Lourdes Trujillo & Gustavo Nambela (2000), in Privatization and Regulation of Transport Infraestructure, edited by Antonio Estache and Ginés de Rus, World Bank Institute, pp. 113-169.

6 Livro Verde da União Europeia relativo aos Portos e Infraestruturas Marítimas, doc. P/c407/16, de 28 de dezembro de 1998.

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mercadoria entre o navio e o cais ou terminal. Na perspetiva orgânica, refere-se à entidade que assegura as condições de operação do navio e da carga com eficiência e eficácia. Como a perspetiva física é diversa e se amplia e a perspetiva orgânica envolve distintos matizes, a partir deste ponto de vista a definição de porto obriga a determinar premissas diferenciadas, daí a necessidade de se falar em tipos de porto.

Esta tipologia deriva e determina o design do porto, tanto mais quanto se perspetiva ser grande a evolução tecnológica das embarcações, nomeadamente, as de alta velocidade, na perspetiva do transporte marítimo de curta distância (tmcd). Além das condições físicas e orgânicas do porto e demais fatores há a considerar a evolução da tecnologia naval, com repercussões na tipologia das embarcações, admitindo-se daí o aparecimento evidente de «arquitetos» portuários a par dos engenheiros portuários, como autores projetistas de uma diferente realidade que serão os portos do futuro.

Fatores de referência para modelo de porto

O que é um porto? É uma resposta aparentemente simples. A tipologia de modelos de porto obriga a determinar os fatores que o caracterizam. Verifica-se existir diferentes modelos de porto, dependentes na infraestrutura e atividade e como se organiza. Questiona-se, então, quantos são os modelos? Centrando a questão na infraestrutura e serviço, propõem-se quatro modelos de porto, a saber:

1. O porto cais (T1), baseado na tarefa; 2. O porto terminal (T2), baseado no processo; 3. O porto plataforma logística (T3), baseado no subsistema; 4. O porto centro de negócios (T4), baseado no sistema.

Em qualquer dos casos, são múltiplos os fatores que influenciam o modelo de porto na sua estrutura e organização, que podem identificar-se como segue: fatores de justificação, fatores de caracterização, fatores de condicionamento, fatores de desenvolvimento, fatores de amplitude estratégica, fatores de influência económica, fatores estratégicos, fatores de dinamização, fatores de qualificação, fatores de diferenciação, fatores de desempenho e fatores de propriedade e gestão. A importância concedida a cada grupo de fatores depende da forma como se interligam e de como formatam o porto, tendo em conta o serviço ou negócio realizado.

Os fatores de justificação do porto associam-se ao propósito do porto, neste caso, tendo em conta a perspetiva do transporte de carga ou mercadorias por via marítima. O porto é o local final (ou inicial) de operação do transportador marítimo, onde se assegura a transferência da carga entre os modos marítimo e terrestre, rodoviário ou ferroviário, visando o recebimento ou encaminhamento da carga para o carregador ou cliente, ou ainda a sua colocação em terra em operações de transito, podendo também realizar operações denominadas de «valor acrescentado» ou outras.

A questão está em saber se o movimento se realiza numa lógica sistémica, sem descontinuidade, a que se denomina de intermodalidade ou se existe rotura no movimento

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de deslocação, por se integrar numa lógica de processo. Outros fatores de justificação são os mercados de consumo ou produção, bem como os movimentos em trânsito, na medida em que determinam a localização, dimensão e tipo de porto.

Os fatores de caracterização dizem respeito ao tipo de porto e prendem-se com a qualidade, especificação e volume da carga ou mercadoria movimentada e com o número, superfície e características dos terminais existentes. A estas associam-se o tipo de equipamentos e as áreas de extensão do cais. Naturalmente, as cargas movimentadas têm a ver com a proximidade dos mercados e com a área de influência comercial do porto, o que orienta no sentido da determinação da vocação.

Os fatores de condicionamento poderão influenciar, por uma ou outra razão, o volume e tipo de porto, na medida em que limita características que à partida poderiam ser relevadas se não existissem. Destacam-se os acessos marítimos, na medida em que as condições de fundos marítimos e de fundos de cais ou de entrada no porto, derivada esta de condições meteorológicas, condiciona o movimento de navios; os acessos terrestres, porquanto a maior ou menor acessibilidade ao porto decorrente da intensidade de transito rodoviário, inadequadas estradas de acesso ou deficientes vias ferroviárias são limitativas da operação portuária. A par das dificuldades de circulação terrestre há a considerar dificuldades associadas ao facto do porto se localizar junto de malha urbana; as áreas portuárias, por influenciarem o volume de operação no cais, porquanto não é indiferente a existência na área portuária de locais de implantação industrial e locais de implantação de organizações comerciais (zal), a par da superfície da área existente no terminal; a localização do porto na medida em que facilita ou dificulta os movimentos de carga com destino ou originários do porto, o que depende da sua posição relativa aos mercados, aos tráfegos e à existência ou não de concorrência entre portos; o meio ambiental e ecológico como fator cada vez mais influente e determinante das condições portuárias.

Os fatores de desenvolvimento prendem-se com as condições de competitividade, às quais estão associadas aptidões e recursos existentes que se pretendem adequados e qualitativos. Está em questão assegurar a capacidade de competição portuária aos agentes que centram as suas atividades no porto e à própria entidade. Os fatores são: a qualidade dos serviços que se expressa na eficiência das operações e demais atividades associadas à carga movimentada e na eficácia de forma que sejam cumpridos os prazos; os preços competitivos, ou seja, conseguir mercê da tecnologia utilizada, da gestão das operações e demais atributos, maior velocidade e qualidade nos movimentos por forma a conseguir os preços adequados face à concorrência; as condições técnicas de operação associadas à qualidade e adequação dos equipamentos utilizados; a intermodalidade tendo em vista a necessidade de assegurar celeridade e continuidade às operações, na transferência das cargas entre o navio e o modo terrestre, o que exige coordenação e unidade de comando.

Os fatores de amplitude estratégica estão para além daqueles que caracterizam o porto tradicional associados ao cais e ao espaço para a movimentação e acondicionamento de cargas e têm em vista outras áreas e atividades.

Um dos fatores tem a ver com as áreas de serviço para tratamento de mercadorias e de apoio ao carregador junto à área do porto, denominada, por exemplo, zonas de atividade

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logística ou «porto seco»; outro fator associa-se às atividades de valor acrescentado, também conhecidas por atividades de postponement. Neste caso, as mercadorias são descarregadas no porto onde se submetem a determinadas operações de ‘enriquecimento’ para mais tarde voltarem a viajar até ao seu destino, em regra, por via marítima; outro fator, ainda, são os centros de negócio7 a que se associa o porto. Trata-se de conceito alargado de porto que implica a existência de plataforma logística, áreas industriais e comerciais, por exemplo, as denominadas “zonas de atividade logística” (zal), centros de serviços e articulação estratégica do sistema macro e meso-logístico.

Os fatores de influência económica determinam as condições de êxito no quadro da competição internacional entre economias. No que respeita ao porto salientam-se os fatores seguintes: a competitividade do porto na medida em que assegura condições de competição entre portos, derivadas da qualidade das aptidões e recursos existentes, e contribui para dotar a economia de melhores atributos comparativamente; a organização espacial dos mercados consumidor e produtor, por forma a aproveitar o porto, distribuindo-se numa área de atração e de influência económica associada ao denominado hinterland; o modelo logístico nacional pelo facto de contribuir para a competitividade e assegurar as condições de planeamento económico do território.

Os fatores estratégicos prendem-se especialmente com o porto e com o mercado, tão importantes que a sua não eficiência, indefinição ou limitação acarreta dificuldades para o desenvolvimento do porto. Estes fatores são os seguintes: a vocação sem a qual por maiores que sejam os esforços realizados dificilmente se consegue obter a otimização dos recursos, dada a multivariedade de operações e situações diversas a cobrir no desenrolar das atividades. A vocação permite especializar os recursos, posicionar as atividades, qualificar os serviços e competir pelo preço. Por outro lado, possibilita assegurar a viabilidade dos investimentos e aproveitar a evolução tecnológica; a infraestrutura e a supraestrutura são o garante primário das condições de competitividade do porto. Aquelas associadas aos acessos marítimos e terrestres, às condições técnicas do cais e às áreas de movimentação e acondicionamento. Estas ligadas às aptidões e recursos de gestão, envolvendo a coordenação do sistema portuário; o potencial de mercado quanto ao volume, qualidade e tipo de carga, na medida em que determina as infraestruturas e escolha de equipamentos; o hinterland, dado influenciar da mesma forma o porto, neste caso dependente de ações determinadas nesse sentido.

Os fatores de dinamização, identificados com atributos e valências, possibilitam orientar as atividades e a ação do porto visando o seu desenvolvimento.

São fatores os seguintes: a concorrência interporto, consubstanciada no facto de existirem diferentes terminais e operadores oferecendo serviços e operações em

7 O porto centro de negócios caracteriza-se por: (1) porto moderno; (2) organização do espaço logístico envolvendo a filosofia zal e área industrial; unidade económica e organizacional; serviços completos e integrados. Porto moderno caracteriza-se por: (1) dinamizar atividade económica, industrial e comercial; (2) centro de oportunidades comerciais; (3) plataforma logística; (4) centro de interesse intermodal. É o porto plataforma logística que ao necessitar de novas soluções, adequadas às exigências de competitividade internacionais, que leva a encarar novo modelo de porto, denominado «porto centro de negócios».

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competição em qualidade do serviço e preço; a concorrência entre portos, verificada num mercado onde se localizam portos disputando os mesmos mercados ou partes de mercado, o que ocorre sempre que ambos estão no mesmo negócio, ou seja, dispõem das mesmas vocações; a qualidade da gestão, fator de primordial importância, por um lado, por exigir a otimização das aptidões existentes e, por outro, por ter a ver com orientações estratégicas conducentes a investimentos adequados e ao aproveitamento de oportunidades; a comunidade portuária, dada a importância do envolvimento dos agentes nos propósitos amplos da atividade do porto e nas atividades associadas. Os membros da comunidade portuária deverão ser os primeiros interessados no sucesso do porto, pelo que deverão participar ao nível da sua supraestrutura, assim como participar em soluções alargadas à comunidade em geral.

Os fatores de qualificação possibilitam os requisitos facilitadores do crescimento e desenvolvimento, dos quais, além da concorrência interporto e do envolvimento da comunidade portuária, relevam-se mais a estrutura e organização do porto e a sua gestão.

Estes requisitos exigem qualidade e experiência de gestão aos agentes de decisão, aos diversos níveis.

Os fatores de diferenciação são aqueles que, em geral, determinam o desenvolvimento, na medida em que identificam os elementos que distinguem e qualificam a atividade portuária. Enunciam-se os seguintes: o tipo de operação ou atividade desenvolvida, decorrente das aptidões do porto conforme às mercadorias ou carga movimentada, derivadas do mercado consumidor ou produtor ou dos fluxos em trânsito; a vocação do porto, que decorre do facto do porto dispor de infraestruturas predominantes para um certo tipo de atividade, não excluindo necessariamente outras atividades em segundo grau.

Os fatores de desempenho, indispensáveis ao acompanhamento e avaliação da atividade portuária, são os seguintes: os fatores de eficiência associados ao saber fazer, dos quais decorre a funcionalidade dos serviços e operações; os fatores de eficácia associados ao cumprimento, conforme estipulado; os fatores de produtividade associados aos ganhos decorrentes da otimização dos recursos e aptidões; os fatores de operacionalidade associados à qualidade tecnológica e especificidade das operações.

Os fatores de propriedade e gestão caracterizam opções de propriedade pública, privada ou mista ou outra fórmula associada, caso das concessões, das quais derivam também opções de gestão. Estes fatores são conhecidos pelo tipo landlord port, tipo tool port e tipo service port.

Modelo de porto

Evidenciados os fatores que estão na base do estudo, torna-se possível elaborar diversos modelos de porto, consoante o tipo de negócio ou atividade.

Modelo tipo 1 (T1):Porto cais, baseado na tarefa. No essencial, apresenta como

características a operação de carga e descarga, condições de estacionamento, serviços

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ao navio, infraestruturas de acostagem, espaço físico restrito (limitado) e assegura a transferência de cargas.

Modelo tipo 2 (T2): Porto terminal, baseado no processo. Este tipo de porto contempla

fatores tipo 1 e apresenta no essencial as características de operador portuário, superestrutura para assegurar as operações, serviços à carga, serviços de manutenção, espaços físicos alargados, tecnologia portuária, independência de modos e assegura a multimodalidade.

Modelo tipo 3 (T3):Porto plataforma logística, baseado no subsistema. Este tipo de

porto contempla fatores tipo 2 e apresenta, no essencial, as características de operador logístico, supraestrutura para assegurar unidade ao porto, serviços integrados, espaços físicos integrados, elevada intensidade tecnológica, integração dos modos, articulação logística, assegura a intermodalidade e interliga áreas empresariais e industriais.

Modelo tipo 4 (T4): Porto centro de negócios, baseado no sistema. Este tipo de

porto contempla fatores tipo 3 e apresenta, no essencial, as características de operador sistémico, integração logística, integração empresarial e industrial e assegura a atividades em rede.

As tipologias de porto T1, T2, T3 e T4 correspondem a quatro conceitos distintos de porto, baseados na complexidade da organização em função das atividades envolvidas e no grau de articulação. O porto do futuro será aquele que mais se aproximar do maior índice de integração funcional e económica, cuidando de ter no seu eixo de influência as atividades e serviços necessários para que o sistema assegure o máximo de eficiência e eficácia, ao menor custo de operação. No limite de complexidade alcança-se o «porto centro de negócios».

O que é um porto? Como se verifica a resposta não é simples, pois torna-se necessário determinar o tipo de porto em questão. Mas esse facto não deve limitar o esforço para a solução adequada aos fins em vista. Esta dificuldade advém do facto do porto se identificar com uma organização envolvendo múltiplas atividades, entidades, agentes e operadores, associado, além disso, a uma filosofia de negócio e a opções de política empresarial e industrial, no quadro da macro logística e da geografia económica. Como organização que é tem de ser gerida, recorrendo ao management. Mas, o que é, afinal, um porto?

Conclusões

Múltiplos autores apresentam pontos de vista diversos sobre o entendimento que têm do porto. Verifica-se, no entanto, tratar-se de conceito em evolução. Por um lado, associado ao papel que o Estado tem tido ao longo do tempo, considerando esta infraestrutura no âmbito dos seus interesses e propósitos estratégicos.

Por outro lado, associado ao papel crescente que os privados têm na economia, nomeadamente nos portos. Neste quadro, o Estado lançando mão das parcerias público

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privadas ou de fórmulas contratuais diversas (por exemplo, as concessões), tem transferido, em parte ou no todo, as suas responsabilidades para os privados, inclusive a propriedade.

Na economia de mercado, face à crescente integração dos processos e importância das condições de competitividade, verifica-se a necessidade de compreender o porto, enquanto entidade e organização económica. Daí a questão de saber o que é um porto.

Consideram-se, por isso, distintos modelos de porto identificados por modelo tipo 1 (T1) - porto cais, modelo tipo 2 (T2) - porto terminal, modelo tipo 3 (T3) – porto plataforma e modelo tipo 4 (T4) – porto centro de negócios. Para a determinação do modelo de porto sugere-se o recurso a múltiplos fatores, agrupados segundo o seu tipo.

Lisboa, 17 de outubro de 2004

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1.2 Os Portos e o Desenvolvimento Os portos multifunções e de transhipment e os sistemas logísticos J. Augusto Felício

Verificam-se importantes alterações na tipologia dos portos por força da globalização dos mercados e do papel dos sistemas logísticos, nos quais tanto os operadores portuários, ou de terminal, como os armadores, em especial os de linha, têm papel primacial. A valorização do terminal de porto e da comunidade de terminal são indicadores que atestam as alterações em curso ao nível da organização da atividade portuária e a sua tendência de integração. Cada vez mais os portos se agrupam para cooperar e competir.

Enquadramento

As organizações de apoio e que se interligam com o porto estão a evoluir das comunidades do porto para as comunidades do terminal (EP, 2009)8.

Esta observação reflete, de alguma forma, as alterações que se verificam em muitos dos maiores portos mundiais, por serem os mais exigentes quanto à qualidade dos serviços a prestar aos armadores, carregadores e outros agentes, dada a necessidade de movimentação de elevadas quantidades de carga com regularidade e por influenciarem o nível de eficiência das cadeias logísticas do sistema portuário global.

Constatando-se a tendência de crescimento do volume de cargas a nível mundial, entre as grandes regiões económicas e dentro das regiões, o aumento dos fluxos de carga coloca desafios permanentes aos portos, nomeadamente, disporem de maiores espaços de operação das cargas em terra e operação de navios nos terminais e sua movimentação nas bacias e corredores de acesso.

Pelo facto de muitos dos portos se localizarem junto de aglomerações urbanas ocasionam dificuldades acrescidas ao planeamento desses espaços e para o desenvolvimento do próprio porto o que leva muitas das autoridades a deslocalizarem as infraestruturas portuárias ou a promoverem a sua expansão recuperando áreas marítimas ou criando espaços complementares deslocalizados e interligados com o porto, por exemplo, investindo em terminais interiores ou de segunda linha.

Verifica-se, portanto, em grande parte dos casos, que as autoridades optam, em geral, por uma de três opções: a) deslocalizar as infraestruturas portuárias para espaços estratégicos e acessíveis no quadro da planificação macro, dotando as novas infraestruturas de condições adequadas às exigências dos distintos conceitos de porto; b) recuperar áreas marítimas ou fluviais para alargar o porto e construir novos terminais ou alargar

8 European Parlament (2009). The Evolving Role of EU Seaports in Global Maritime Logistics-Capacities, Challenges and Strategies. Directorate-General for Internal Policies. IP/B/TRAN/FWC/2006-156/lot5/C1/SC4.

Este texto recolhe ideias centrais do documento citado.

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os espaços de operação logística; c) permanecer nos espaços existentes promovendo reajustamentos, reconhecendo a sua insuficiência que complementam com infraestruturas deslocalizadas.

A lógica da evolução da organização das comunidades do porto para as comunidades do terminal reflete a necessidade de avaliar o porto como entidade complexa, envolvendo agentes e operadores, os mais diversos, com interesses e negócios em grande parte dos casos muito distintos. Por outro lado, reflete a necessidade de dar respostas concisas a atividades ou negócios específicos, caso de um terminal de porto que conjuntamente com outros terminais integra o porto.

A comunidade do terminal congrega o conjunto de entidades com interesses ou que influenciam o terminal, nomeadamente, a autoridade do porto, clientes, EDI-fornecedores de serviços, operadores de terminal, carregadores, linhas de navegação, entidades alfandegárias, agentes de navegação, fornecedores de serviços logísticos, transitários e estivadores. Além disso, em grande parte das situações, cada terminal, pelo menos nos portos de grande dimensão, é explorado por entidades diversas, muitas vezes com interesses antagónicos e em concorrência e competição.

A especialização do serviço e a existência de interesses divergentes levam a focalizar a atenção no conjunto de agentes envolvidos em cada um dos terminais ou grupo de terminais, baseada na lógica de marketing, com vista a assegurar o envolvimento e a fidelização dos operadores e agentes.

No essencial, trata-se de unidades de negócio com especificidades e organização próprias em muitos casos claramente diferenciadas de outras que integram o porto. A evolução das atividades do porto e a sua importância e o facto de fazerem parte de canais de abastecimento integrantes de sistemas logísticos regionais ou globais confere pertinência à comunidade do terminal, uma vez que os operadores de terminal internacional são parte de redes mundiais formais e informais.

Os portos são organizações multifunção na medida em que, em geral, desenvolvem no seu seio diversas atividades na perspetiva da especialização dos seus terminais, na carga e descarga, e na perspetiva de outras atividades e serviços prestados às mercadorias e/ou cargas. Tradicionalmente o porto tem servido a região onde está localizado assegurando serviços modais ou intermodais e o seu hinterland. Modernamente tem-se vindo a transformar numa entidade complexa integrante de sistemas logísticos regionais ou globais na perspetiva multifunção ou de transhipment, respondendo crescentemente a novas exigências derivadas de maiores volumes de carga movimentados por unidade de transporte e adequação a novas tecnologias e a critérios de eficiência operacional e qualidade dos serviços prestados.

Por sua vez, as rotas de navegação especializam-se em consequência da vocação dos portos ou terminais do porto e da sua localização estratégica ou funcional. No caso europeu, por exemplo, os portos do norte comummente têm abastecido a Europa com exceção da sua faixa sul mediterrânica, levando a que, entre outros, os portos de Roterdão, Antuérpia, Hamburgo e Le Havre, sejam dos mais importantes. Alterações das cadeias logísticas, entretanto, têm promovido algumas mudanças refletidas no crescimento da importância

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dos portos mediterrânicos que, além de servirem o sul, crescentemente têm vindo a alargar o seu hinterland ao centro europeu e ganho dimensão, caso de portos como Barcelona, Marselha, Genoa, La Spezia, concorrendo diretamente com os portos do norte. Assiste-se, por isso, à concorrência entre portos do norte e portos do sul europeu e à cooperação entre portos da mesma área geográfica. Trata-se de uma nova abordagem dos portos à medida que se integram em cadeias ou sistemas logísticos regionais e globais (Figura 1).

Figura 1 – hinterlands de portos do Norte e Sul da EU

Para se poder dispor de ideia mais aproximada do número de portos e do volume de cargas movimentadas refere-se que na União Europeia existem mais de 1000 portos, dos quais cerca de 300 movimentam para cima de 1 milhão de toneladas de mercadorias e 350 000 passageiros por ano. Do total dos Estados-Membros vinte e dois têm orlas costeiras onde se localizam os portos marítimos das mais diversas tipologias, com fluxos totais registados da ordem dos 3,8 bilhões de toneladas, em 2006, 63% dos quais fluxos de entrada e 37% de saída. O volume de cargas marítimas de curta distância movimentadas na UE-27 atingiu mais de 1,9 bilhões de toneladas, equivalentes a 62% do total UE-27, do transporte marítimo de mercadorias. A carga líquida representou o maior segmento (37,9%), seguida pelos granéis sólidos (24,1%) e carga contentorizada (21%). A carga Ro-Ro e carga geral representaram 10,8% e 6,2% respetivamente. Este quadro estatístico permite interpretar melhor, além da dimensão económica da UE, as alterações em curso, nomeadamente a tendência para centrar a sua avaliação no tipo de terminais do porto e a sua crescente importância como unidade nuclear.

A questão do tempo de trânsito das cargas para o centro europeu pode ser testada recorrendo a um simples exercício comparando dois portos do Norte – Roterdão e Bremen – com um porto do Mediterrâneo, porventura o mais desfavorável – Gioia Tauro –

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movimentando cargas provenientes da Asia. O estudo comparativo demonstra a vantagem de utilizar o porto mediterrânico, com vantagem de transit time de 5 dias (Figura 2).

Figura 2 – Tempos de trânsito das mercadorias dos portos europeus do Norte e do Mediterrâneo para o centro europeu

Fonte: Maritime Economics and Logistics (2006)

Há questões às quais é necessário responder. Por exemplo, saber como se irão organizar os portos do Norte da Europa e os do Mediterrâneo quanto à sua cooperação e concorrência e que efeitos ocorrerão em termos da sua tipologia, dimensão e localização. Por outro lado, saber que papeis deverá desempenhar os sistemas logísticos na seleção dos portos europeus, tendo em conta que a UE tem mais de 1000 portos, um grande número muito embora aqueles relevantes sejam no máximo duas centenas, sendo parte destes os que terão um papel importante a desempenhar, o que conduz a refletir sobre a tipologia dos portos.

Tipos de porto e serviços de feeder

A tipologia para classificar os portos depende dos critérios adotados pelos diversos autores, visando o seu agrupamento para melhor identificação e caracterização. Muitas vezes referem-se os portos principais e secundários, outras vezes os portos locais, regionais e globais, outras vezes, ainda, os portos comerciais, industriais ou de transhipment. É um campo em evolução. Para efeitos da sua comparabilidade, com base na sua relevância económica e tipo de função, dividem-se em portos multifunções e portos de transhipment. Esta diferenciação tem sentido pela especificidade reconhecida aos portos de transhipment associados com as cargas de contentores, em geral identificados como porto hub, com grandes infraestruturas capazes de operar navios de dimensão e elevada capacidade de carga por unidade de transporte e com o serviço de feeder para portos regionais.

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Os portos multifunções compreendem as infraestruturas que possibilitam a realização de diversas atividades, nomeadamente a operação de contentores, carga geral e outras, podendo dispor de vários terminais do mesmo tipo. Estes portos podem, então, classificar-se em portos principais ou de primeiro nível, portos de segundo nível e portos de terceiro nível. Portos principais são os que atraem grandes volumes em todos os segmentos de mercado e distribuem cargas para o hinterland e que movimentam grandes volumes de carga de transhipment; portos de segundo nível são os que realizam a consolidação e distribuição de cargas, com importante função de transhipment, menores volumes de carga e servem todos os segmentos de mercado; portos de terceiro nível são aqueles que geram algum transhipment e se concentram na distribuição das cargas para o hinterland e que em geral não movimentam para todos os segmentos de mercado.

Outra classificação observada na perspetiva do papel do porto no espaço regional ou global conduz a considerar os portos hub ou principais e regionais. Neste caso, o porto principal desempenha um papel de primeiro nível na senda internacional e no encaminhamento das rotas e centralização dos fluxos de maior quantidade por unidade de transporte, dispondo para o efeito de infraestruturas, equipamentos de operação, extensão de cais e calado, capazes de operar vários navios simultaneamente, de forma eficiente e com elevados níveis de operação. A partir deste porto realizam-se os serviços de feeder para os portos regionais ou de segundo nível (Figura 3).

Figura 3 – Serviços de transhipment e portos regionais

A partir dos anos 90 verifica-se a tendência para a interação cooperativa entre portos devido à emergência do transporte marítimo de curta distância como resultado da contentorização, ao aumento da dimensão média dos navios e ao crescimento do volume de cargas exercendo enorme pressão sobre a capacidade dos portos. Daí que ‘os navios de contentores de águas profundas, cada vez de maiores dimensões e capacidade de carga, procurem escalar poucos portos hub carregando carga local e carga de transhipment para a região a distribuir pelos navios de serviço feedering.

A carga de transhipment será transportada para um ou outro porto de origem ou destino por uma densa rede de serviços feeder interligando os maiores portos hub para os portos regionais mais pequenos. Verifica-se importante interação entre as linhas de navegação de

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águas profundas e os serviços de feeder caracterizados pela maior dimensão e pressão do tempo, o que exige coordenação eficiente para reduzir o tempo no porto e assegurar a escala’.Esta situação conduz à competição entre portos regionais o que além dos custos exige capacidade para adquirir posição na região e procurar cooperar com outros portos no hinterland, para atrair carga e fluxos de importação e/ou exportação, o que leva os portos regionais a surgirem como importantes locais de distribuição, com crescente frequência e capacidade, reduzindo o tempo de trânsito entre os portos hub e os portos de segundo nível.

Sistemas logísticos

Slack & Frémont (2005)9 distinguiram entre dois tipos de operação de terminais, em termos de governação, competição e capacidade, aqueles que são explorados por empresas transnacionais operadoras de terminais e os que são operados por linhas de navegação.

A competição pelo controlo das cadeias logísticas, entre operadores portuários e armadores, refere Felício (2008)10 , estão a ter implicações em muitos portos localizados em mercados emergentes e mercados desenvolvidos, pela competição intensa entre portos e pelo enorme esforço para adequar as infraestruturas e condições de governação dos portos. Em consequência, assiste-se a importantes alterações em portos localizados nos mais diversos países, visando a concentração de operações e a sua integração em clusters de portos, clusters que De Langen (2004)11 identificou com implicações relevantes, nomeadamente, por afetarem a governação das autoridades do porto.

Neste quadro, Robinson (2002)12 considera que a nova logística no contexto reestruturado da economia exige procurar portos para integrarem a cadeia de abastecimento, em vez de apostar num porto simplesmente como unidade orgânica independente, o que leva à adoção de uma nova estratégia e diferentes perspetivas.

Felício (2008) argumenta que uma das grandes alterações em curso se prende com o facto da operação dos portos já não depender da ação dos operadores portuários enquanto tal ou da ação das autoridades portuárias, mas do facto dos portos se integrarem em redes de cadeias de abastecimento como intermediários no processo de distribuição das mercadorias ou cargas, desde o produtor aos pontos de consumo e aos clientes, rede que passou a depender de grandes operadores logísticos, as verdadeiras entidades que decidem sobre as cadeias de fornecimento e distribuição.

9 Slack, B. & A. Frémont (2005). Transformation of port terminal operations: From the local to the global. Transport Reviews, 25 (1), 117-130.

10 J. Augusto Felício (2008). A competição entre portos: O papel das linhas de navegação. Revista Cargo, n. º 191, pp. 18-21.

11 De Langen, P. (2004). Policy perspetive: Governance in seaport clusters. Maritime Economics and Logistics, 6, 141-156.

12 Robinson, R. (2002). Ports as elements in value-driven chain systems: The new paradigm. Maritime Policy and Management, 29 (3), 241-255.

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Em especial, os portos de maior dimensão estão a transformar-se em entidades integrantes de sistemas, dependentes e influenciados por grandes operadores logísticos. A sua importância é tal que competem pelo domínio de terminais portuários, ou pelo controlo do porto, operadores portuários globais que asseguram o domínio de cadeias de portos ou de terminais de diferentes portos internacionais, armadores de linhas de navegação de contentores globais e operadores logísticos globais, na medida em que asseguram o controlo integrado de múltiplas atividades logísticas.

A questão central prende-se com a opção de armadores se assumirem como operadores logísticos globais, a partir da atividade de transporte de contentores, alargando essa ação ao domínio de certos terminais portuários ou de portos localizados estrategicamente em diversos países, transformando-os em plataformas de distribuição onde centram a atividade, a par da tentativa para integrarem outros serviços e operações para a prestação de serviços logísticos. Esta ação complexa faz com que os armadores simultaneamente integrem atividades na vertical e outras na horizontal. Verificam-se propósitos semelhantes por parte de grandes operadores portuários o que acentua a competição entre armadores globais e operadores portuários globais aos quais se estão a juntar outras grandes organizações com vocação para exercerem atividades de operação logística.

Conclusões

Devido ao efeito globalização assiste-se a alterações do papel e importância dos portos principais e regionais ou de segundo nível, em especial no que respeita aos portos de transhipment. Por este efeito, distinguem-se os portos em multifunção e de transhipment e aqueles em portos principais, portos de segundo nível e portos de terceiro nível.

A interligação entre as grandes regiões mundiais e a integração das economias e espaços regionais estão a impor racionalidade e vocação às estruturas portuárias.

Diferenciam-se com base na dimensão mas sobretudo quanto ao papel a desempenhar na região onde competem e cooperam e na interligação entre regiões, por efeito do crescimento dos volumes de carga, do qual resulta a necessidade de maiores investimentos e a sua operacionalização face à cada vez maior capacidade e evolução da tecnologia de transporte.

Sendo o porto uma entidade complexa, desenvolvendo grande parte deles a multifunção e verificando-se a crescente necessidade de vocação das infraestruturas por força da especialização das atividades do porto, a tendência centra-se em agregar ao seu redor a comunidade de terminal, como forma de responder a novos e crescentes desafios de integração global. Neste caso, os sistemas logísticos realizam um papel fundamental ao incluírem os portos ou mais especificamente certos terminais de porto como peças essenciais das cadeias de abastecimento.

22 de fevereiro de 2010

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1.3 Desenvolvimento dos Portos: Reflexão

J. Augusto Felício

Assiste-se à crescente tendência para a concentração dos operadores portuários para dominar mais e maiores terminais, a par da crescente dimensão média dos navios de contentores. A atual situação de crise económica é um epifenómeno sem efeitos no ciclo longo de crescimento do comércio internacional e dos tráfegos. Os portos são entidades fundamentais para o desenvolvimento.

Enquadramento

O desenvolvimento económico dos países depende da capacidade das suas empresas para exportar, por um lado, e da contribuição daquelas que atuam em diferentes mercados aumentarem, por outro, a oferta multinacional de bens. As melhores condições de vida oferecidas aos cidadãos, diferentes entre muitos países, devem-se ao facto de disporem de maior número de empresas e de estas serem dotadas de maior capacidade para competirem nos mercados internacionais. Confrontam-se, no entanto, duas lógicas, uma centrada nas empresas em busca das melhores condições de produção, o que as leva a localizarem-se nos mercados de fatores, indiferentes à sua origem; outra lógica baseia-se em assegurar a origem e procurarem a partir daí exportar os seus bens e serviços ao mesmo tempo que buscam a sua própria internacionalização e multinacionalização. As duas perspetivas têm efeitos diversos para os mercados. Num caso sustentam a produção de bens e a criação de riqueza local, no outro procuram os mercados para a colocação dos seus produtos e serviços. Na perspetiva política e social a localização dos centros de produção num certo mercado ou país é catalisador de criação de riqueza direta e indiretamente.

Estes pontos de vista procuram focalizar a importância da localização da produção de bens e o papel dos mercados consumidores, devido ao efeito nos portos e no transporte marítimo, em especial, e nos transportes, em geral. No caso da produção a lógica da origem dos tráfegos focaliza-se nas áreas de localização das indústrias e na sua maior ou menor clusterização e, nomeadamente, na concentração das unidades empresariais em regiões específicas donde irradiam para os mercados de consumo. No caso dos mercados de consumo estes são recetores de bens e destino de tráfegos. Em geral, os mercados são simultaneamente produtores e consumidores, dependente do tipo de atividades, industriais ou de serviços, existentes em cada país.

Os dados indicam que o transporte marítimo assegura mais de setenta por cento dos movimentos de mercadorias entre os diferentes mercados a nível mundial. A importância dos portos advém da sua imprescindibilidade para a operação dos navios na carga e descarga e por serem entidades dinamizadoras do desenvolvimento devido a requererem múltiplas atividades complementares para assegurarem a sua eficiência e se terem transformado em entidades catalisadoras ao seu redor de indústrias e atividades logísticas. Daí que o desenvolvimento dos portos espelhe de alguma forma a dinâmica das economias onde se localizam. Por sua vez, os portos passaram a ser elementos fundamentais constituintes

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das cadeias logísticas internacionais. A tendência de globalização a que assistimos vai no sentido do aumento do comércio internacional e dos tráfegos de mercadorias, o que mais ainda reforça a importância dos portos.

Com referência, em especial, ao transporte contentorizado13 , verifica-se, em 2007, que os portos de contentores a nível mundial, medidos em TEUs, cresceram 12,1% e em 2008 cerca de 4%, enquanto a frota mundial de navios de contentores aumentou 11,9%. Os portos chineses (excluindo Hong Kong), em 2007, em média, cresceram 6,2% (Quadro 1).

Quadro 1 – Tráfego dos portos de contentores mundial: 2006, 2007 e 2008 (TEU’s)

Fonte: UNCTAD, 2009

Muito embora os dados referentes ao ano 2009 não sejam conhecidos, aqueles que já foram apurados indicam tratar-se de ano anormal, tendencialmente de decrescimento dos tráfegos, situação que certamente se alterará logo que os mercados adquiram certa estabilidade.

Os dados mostram um decréscimo acentuado do tráfego de contentores em 2008 face a 2007 e um crescimento da frota, o que é natural pelo facto das encomendas de navios terem sido colocadas anteriormente e a sua entrega verificar-se algum tempo após, coincidindo com a crise internacional. Por sua vez, verifica-se que os 20 principais portos de contentores do mundo têm vindo a concentrar cada vez maiores movimentos, cerca de 49% do total do tráfego de contentores mundial.

Desenvolvimento dos portos

Os dez principais portos mundiais que operam com terminais de contentores permitem compreender o efeito que as alterações do comércio internacional tiveram nas diferentes economias. Entre estes portos apenas se encontra um porto europeu (Roterdão) e nenhum americano, localizando-se todos os restantes nove portos em países do médio oriente e na Ásia.

13 Este texto baseia-se na Review of Maritime Transport, UNCTAD, 2009.

2006 2007 2008 2007-2006 (%) 2008-2007(%)Total Mundial 434 360 625 487 132 209 506 921 348 12,15% 4,06%Total Top 20 208 479 500 235 823 091 247 373 540 13,12% 4,90%Top 20 / mundial (%) 48,00% 48,41% 48,80%

Fonte: UNCTAD, 2009

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Entre os vinte maiores portos mundiais quatro localizam-se na Europa (Roterdão, Hamburgo, Antuérpia e Bremen), três nos EUA (Los Angeles, Long Beach e New York/New Jersey), os restantes treze localizam-se no Oriente e Ásia. Os portos americanos registaram decréscimo de atividade, assim como o porto de Hamburgo, refletindo a quebra de atividade económica (comércio internacional) em especial nos EUA.

Considerando apenas os dez maiores portos, claramente, no período de 2007-2008 comparativamente com o período de 2006-2007 em todos esses portos registou-se acentuado decréscimo de movimentos de contentores o que está em linha com a crise financeira e económica registada a partir de 2008. Porém, não se fez sentir em todos os portos da mesma forma, havendo portos onde o acréscimo anteriormente verificado de atividade foi anulado e outros em que, muito embora a desaceleração do acréscimo, a taxa de crescimento se manteve elevada. Incluem-se neste caso os portos chineses de Ningbo (+ 19,94%), Guangzhou (+ 19,58%), Qingdau (+9,07%) e Xangai (+ 7,00%) e os portos de Dubai (+ 11,02%) e Singapura (+ 7.10%).

Quadro 2 – Terminais de contentores dos principais 10 portos (TEUs)

Fonte: UNCTAD, 2009

Os portos chineses, entre os dez principais portos mundiais, movimentam cerca de 79% do total, enquanto o porto de Roterdão movimenta cerca de 6,3%. A par da expansão dos portos chineses que espelha a atividade desta economia, verifica-se que cada vez mais os terminais de carga e descarga são maiores e melhor apetrechados para dar resposta a navios cada vez maiores (Figura 1).

Porto 2006 2007 2008 2007-06 (%) 2008-07 (%)Singapura 24 792 400 27 935 500 29 918 200 12,68% 7,10%Xangai 21 710 000 26 150 000 27 980 000 20,45% 7,00%Hong-Kong 23 538 580 23 998 449 24 248 000 1,95% 1,04%Shenzhen 18 468 900 21 099 069 21 413 888 14,24% 1,49%Busan 12 039 000 13 261 000 13 425 000 10,15% 1,24%Dubai 8 923 465 10 053 026 11 827 299 12,66% 17,65%Ningbo 7 068 000 9 360 000 11 226 000 32,43% 19,94%Guangzhou 6 600 000 9 200 000 11 001 300 39,39% 19,58%Roterdão 9 654 508 10 790 604 10 800 000 11,77% 0,09%Qingdau 7 702 000 9 462 000 10 320 000 22,85% 9,07%Total 140 496 853 161 309 648 172 159 687 14,81% 6,73%

Fonte: UNCTAD, 2009

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Figura 1 – Localização dos principais portos de contentores mundiais

Em consequência, nos anos recentes a maior dimensão dos navios tem pressionado os portos a adotar novas tecnologias num maior número de portos e assim a aumentar a eficiência do porto. Ao mesmo tempo, registam-se movimentos de carga e descarga médios cada vez mais eficientes alcançando cerca de 47 movimentos por hora. Resulta da melhoria da produtividade por efeito da adoção de programas de treino, de melhorias do espaço e da utilização de novos equipamentos. Em geral, constata-se que a dimensão do porto continua a aumentar e a evoluir apesar da crise económica global.

São os grandes operadores de terminais que asseguram as condições de eficiência na movimentação de cargas no porto que, por sua vez, dominam e integram a atividade de muitos terminais de diversos portos espalhados pelo mundo e localizados, em especial, nas principais rotas. A questão interessante é que, hoje em dia, na medida em que os portos se transformaram em eixos de operação de mercadorias e cargas, no quadro das redes de abastecimento mundiais e regionais os operadores portuários mundiais vão-se transformando em agentes logísticos através de portos com localizações estratégicas.

Constata-se, a par da forte competição com os grandes armadores no domínio das cadeias logísticas, que os operadores de terminais competem entre si nesse mesmo domínio, concentrando a sua atividade em dezenas de portos que procuram integrar nas suas próprias redes.

Verifica-se que os quatro maiores operadores portuários mundiais dominam cerca de 28,9% do mercado total de movimentação de cargas marítimas mundiais, cabendo ao líder PSA International, em 2008, uma quota de 9,9% do total, seguido pela Hutchison Port Holdings (HPH) com 6,8% e pela APM Terminals com 6,7%.

A indústria portuária global permanece altamente fragmentada. O Índice de Herfindahl Hirschmann (HHI), indicador de concentração de mercado, calculado com base na quota do mercado de capitais dos operadores de terminal, permite avaliar o grau de concentração existente. Neste caso os quatro operadores registam um indicador de 219,8. Para se perceber este valor tenha-se presente que uma pontuação 1.000 indica

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concentração de mercado, mas uma pontuação acima de 1.800 mostra que o mercado é altamente concentrado. Há uma lógica de concentração que, no entanto, não afeta o mercado mundial. Não obstante, a atual crise ao provocar a baixa acentuada da cotação das ações dos portos significa uma oportunidade para os grandes operadores tentarem reforçar as suas posições desde que disponham de recursos financeiros ou de fontes de financiamento. Na Review of Maritime Transport (2009:116) salienta-se a este respeito que ‘a recente desvalorização do preço das ações dos portos, provocada pela queda nos mercados de ações e do comércio internacional, poderia provocar outra onda de fusões ou aquisições, cujo principal problema deverá residir, em especial, nas dificuldades para a obtenção de financiamentos’.

O que leva os grandes operadores portuários a procurarem concentrar maior número de terminais portuários? São várias as razões consoante os interesses, nomeadamente o tipo de acionistas de referência, como sejam a obtenção de economias de escala através da localização estratégica dos portos face aos mercados de abastecimento ou produção, o domínio das cadeias logísticas regionais e o controlo das rotas e tráfegos (Figura 2).

Figura 2 – Representação das principais rotas e portos mundiais

Fonte:Rodrigue,HofstraUniversity(2006) Em distintos casos verifica-se que vários operadores se concentram em um mesmo

porto, explorando terminais específicos, caso do porto de Tânger, desde que localizados em eixos estratégicos diferentes.

Até ao ano de 2009 o número de navios de contentores tem vindo a crescer, assim como a sua capacidade e dimensão média (Quadro 3).

Quadro 4 – Frota de navios de contentores mundiais

Fonte:UNCTAD,2009

1997 2007 2008 2009 2009-08 (%)N.º Navios 1 954 3 904 4 276 4 638 8,47%Capacidade (TEUs) 3 089 682 9 436 377 10 760 173 12 142 444 12,85%Dimensão média navios 1 581 2 417 2 516 2 618 4,05%

Fonte: UNCTAD, 2009

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Cada vez mais são de maior dimensão, o que exerce pressão sobre as infraestruturas portuárias e, nomeadamente, sobre o design do porto e sobre as áreas adjacentes, procurando maior eficiência, produtividade e a prestação de serviços integrados, o que leva a considerar a importância das cadeias logísticas (Figura 3).

Figura 3 – Navios cada vez maiores

Conclusões

A recente crise financeira mundial tem vindo a afetar o comércio mundial verificando-se uma desaceleração do crescimento dos movimentos portuários na maioria dos grandes portos, nomeadamente nos portos asiáticos, e um decréscimo em outros portos, caso de portos europeus e americanos. Esta diferença de comportamento dos movimentos de carga espelha características dos diferentes mercados. Muito embora quebras no ciclo económico, a tendência a prazo orienta no sentido do aumento dos tráfegos entre as principais regiões mundiais, diferenciadamente produtoras e consumidoras.

Em consequência, verifica-se o aumento médio da dimensão dos navios com efeitos nos terminais portuários e nos portos, cada vez mais exigentes em infraestruturas e equipamentos, nomeadamente na arquitetura e design dos portos e expansão de áreas adjacentes. Por sua vez, assiste-se à criação de grandes grupos de operadores portuários, competindo entre si pelo domínio de tráfegos e de cadeias logísticas.

15 de março de 2010

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1.4 O que podem os Portos do Distrito fazer pelas Empresas?

Vítor Caldeirinha

O Governo anunciou a sua nova política para os portos, clarificando os objetivos dos portos no sentido de serem mais competitivos para facilitar as exportações e criar emprego, apontando para a necessidade de redução dos custos dos portos em 25 a 30%.

Esta notícia foi bem recebida pelos exportadores, uma vez que apesar das mensagens que têm vindo a ser passadas, que referem estar tudo bem nos portos, o que se verifica na realidade é que o País tem problemas e as empresas exportadoras não estão bem. Os desempregados não estão bem. E os portos devem apanhar os seus concorrentes Espanhóis e Marroquinos, mais modernos e competitivos.

A muralha que cerca os portos tem que ser aberta para que o resto da economia e das empresas possam exportar de forma mais competitiva para outros continentes, criando emprego. Os portos são uma das soluções para a crise. É tempo dos portos retomarem o seu lugar de destaque, sendo competitivos, sendo as alavancas da retoma económica.

Os trabalhadores das autoridades portuárias já viram os seus salários diminuídos. Já contribuíram. Os trabalhadores da estiva são também agora chamados a contribuir com maior flexibilidade e menos horas extraordinárias, para que sejam criados mais postos de trabalho.

As empresas e as autoridades portuárias devem passar estas reduções de custos aos exportadores, à economia. Terão que baixar taxas e ter maior concorrência e transparência das suas contas. Os portos não podem ser encarados como fontes de receita do Estado, mas sim como polos de crescimento e desenvolvimento da economia e assim como fontes indiretas de impostos acrescidos para o Estado e de bem-estar e emprego.

Os contratos de concessão de nova geração, agora apresentados pelo Governo, vão ao que parece no sentido de incentivarem uma maior utilização e competitividade dos terminais portuários, limitando ao razoável os ganhos do Estado e dos operadores, colocando o enfoque no cliente, nas empresas exportadoras e nas importadoras.

É fácil aos comentadores, que não conhecem a gestão portuária, falarem na necessidade de autonomia total de cada porto, quando não é possível a cada porto estar sempre a inventar a roda, com custos da duplicação de recursos. Em cada chegada de um navio a Portugal, as regras e normas divergem em cada porto e as tarifas são diferentes até na sua forma de cálculo. O problema é a necessidade de alguma coordenação mínima nos portos, pelo menos nos investimentos, concessões, planeamento, marketing nacional, sistemas de informação, normas e regras, bem como na gestão dos oligopólios portuários.

Alguém que pense e racionalize um pouco em conjunto, com poder efetivo, pois hoje cada um faz o que acha melhor para o seu porto, mas não para o País.

Importa ter políticas comuns, dando poder aos exportadores e à economia. Importa ter uma estratégia internacional comum para fazer de Portugal um hub global com custos portuários e fretes mais baixos para todos os destinos intercontinentais, penetrando pelo

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hinterland ibérico. Importa atrair mais os grandes navios a Sines, mais baratos para todos os continentes. Importa ter um porto de Setúbal que seja um polo industrial, portuário e logístico de proximidade à região de Lisboa, com largas áreas de expansão.

Defender o contribuinte é garantir-lhe em especial exportações baratas e a criação de empregos. Na mão-de-obra portuária, importa que esta seja especializada no que sabe fazer melhor, que é operar os navios, conferindo mais flexibilidade a quem está protegido em demasia, para que os mais precários e desprotegidos possam passar a ter mais emprego garantido e melhores condições de segurança.

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1.5 Competitividade e criação de Emprego. O que podem fazer os Portos?

Vítor Caldeirinha

TransportesemRevista

Os portos portugueses tiveram uma evolução importante nos últimos anos, com melhorias muito significativas nas infraestruturas e investimentos, na concessão da operação portuária a privados, na comunicação e imagem, na forma como passaram a acompanhar diretamente as necessidades dos clientes, carregadores e armadores, e das cadeiras logísticas, nas relações com os países da CPLP, na maior integração logística marítima e terreste e com os modos de transporte, em alguma colaboração entre portos, nos sistemas de informação, na sua situação financeira e controlo de custos, na redução real de taxas, na eficiência dos terminais, nas ligações regulares e nas condições ambientais e requalificação ribeirinha. Foi de facto um salto importante que se vê.

Apesar disso, há muito mais trabalho para fazer. Não se pode dizer que está tudo feito, para depois se cruzar os braços. É importante que a comunicação dos portos não transmita a ideia de se chegar à perfeição e nada se pode fazer melhor, uma vez que quando se compara com a Europa, por muito que tenhamos avançado, os portos portugueses estão ainda num patamar muito inferior aos congéneres, tendo sido até ultrapassados por alguns portos do Norte de África, como é o caso de Tanger. Ou seja, é importante identificar o que pode e deve ser melhorado, alterado, desenvolvido para podermos dar novo salto, mas desta vez para igualarmos os países concorrentes, que também não pararam.

Portugal encontra-se numa situação de crise financeira, importando inverter esta situação através da melhoria da competitividade no longo prazo, procurando aproximar-se do resto da Europa nos níveis de criação de valor, emprego e salários, o que passa pela mudança no desempenho dos portos no âmbito das cadeias logísticas globais.

As tendências de longo prazo apontam para diversos cenários que passam pela mudança nas fontes de energia e crescente preocupação com o ambiente, bem como pela crescente importância da China, Índia, África do Sul, Rússia e Brasil, não só como produtores e mercados emergentes para as exportações, mas também como investidores globais, o que vai afetar os sistemas de transporte e logísticos mundiais. Independentemente de estarmos a caminhar para um maior individualismo ou transporte de massa, para uma maior abertura dos mercados ou protecionismo, para uma maior importância das megacidades e da tecnologia ou do desenvolvimento regional, os portos e o transporte marítimo terão certamente grande importância no futuro.

Apesar da distância ao centro da Europa e da reduzida massa crítica, a localização geoestratégica de Portugal deve ser aproveitada como vantagem competitiva, permitindo a aposta num cenário que transforme o País num hub de distribuição dos fluxos de pessoas, cargas e bens entre a Península Ibérica/Europa e o resto do mundo, em especial com o Atlântico. Esta estratégia é fundamental para aumento do nível de conectividade global da economia portuguesa e, assim, da sua competitividade no mundo, com efeitos nas exportações e na atração de investimento estrangeiro.

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Os novos terminais de Tânger e Algeciras impuseram-se no segmento do transhipment, com uma boa localização, grandes dimensões e fortes economias de escala. Mas Portugal possui também localização privilegiada no cruzamento do Mediterrâneo com o Atlântico para ser um hub de contentores, o que permite um papel diferente com a emergência dos países da CPLP, África e Brasil. Portugal não pode continuar atrás de Espanha e Marrocos em termos portuários, devendo acompanhar ou mesmo ultrapassar os seus vizinhos.

O potencial marítimo global deve ser integrado com o sistema de transportes terrestres português, ibérico e europeu, através do investimento, no longo prazo, em grandes corredores continentais a partir dos portos, que alarguem o hinterland a Espanha e liguem Portugal ao resto da Europa, como alternativa à rodovia, de forma compatível com o que se está a fazer em Espanha. Em especial, é importante que tudo o que se faça em Portugal tenha em conta o desenvolvimento da ligação ferroviária em bitola europeia, que se está a desenvolver em Espanha. A bitola não é a questão principal a curto e médio prazo, mas deve estar incluída/pensada em todas as soluções de curto e médio prazo, evitando custos futuros duplicados a longo prazo para as gerações seguintes. A transferência de carga na fronteira francesa pode ser uma solução no curto prazo para pouco comboios, mas não possui a capacidade para o uso massivo da ferrovia de forma eficiente e rápida (Figura 1).

Figura 1 -

A infraestrutura terrestre deverá ligar os portos através da ferrovia à rede de plataformas logísticas e portos secos que sejam portarias avançadas dos portos portugueses no interior do território nacional e em Espanha, para alargamento do hinterland portuário para os tráfegos atlânticos, formando bipolaridades com os portos portugueses, ligados através do transporte de massa. Por outro lado, devem ser implementadas plataformas logísticas e industriais francas junto aos portos principais, à semelhança do que sucede noutros países, aproveitando a escala direta dos grandes navios, onde as mercadorias podem ser manipuladas para acrescentar valor, criando emprego, atraindo investimento estrangeiro e cadeias logísticas globais e ibéricas. Importa, por exemplo, que a carga dos contentores possa ser desconsolidada nos portos e ter distribuição ibérica, à semelhança do que sucede atualmente nos portos espanhóis.

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Se compararmos com rigor os portos portugueses com os congéneres europeus, ou mesmo espanhóis e Marroquinos, verificamos que carecem de aumento importante nos níveis de eficiência, conectividade e competitividade, que não é possível apenas com uma melhor gestão ou maior produtividade da mão-de-obra, que hoje em dia já está maximizada com o que existe, mas sim através da criação de massa crítica, economias de escala e integração nas redes logísticas globais de primeiro nível.

Os portos portugueses devem aproximar-se das melhores práticas mundiais e europeias, integrando-se de forma adequada nos sistemas principais de transportes internacionais, articulando a ferrovia, a rodovia e o transporte marítimo e servindo de forma mais competitiva as empresas localizadas em território nacional. No médio e longo prazo, devem melhorar o seu papel enquanto polos de desenvolvimento e, alguns, como hubs principais de transhipment marítimo e trânsito terrestre, no âmbito dum sistema integrado de transportes competitivo e conectado ao resto do mundo.

O conjunto dos portos portugueses fica aquém do movimento de contentores de qualquer um dos três principais portos espanhóis. Possuem, em termos relativos, terminais de pequena dimensão, sem massa crítica que permita a atração de muitas linhas com grandes navios de escala direta para todos os destinos necessários à competitividade da economia, obrigando a um custo adicional de deslocação suportado pelas empresas exportadoras, por terra ou mar, até aos hubs do sul de Espanha ou do norte da Europa.

É preciso olhar além do dia a dia e do próprio umbigo ou terminal, colocando-se nos olhos do País, do interesse público nacional e dos clientes, para podermos ver o que se passa lá fora e procurar, com ambição, mas com os pés bem assentes no chão, perceber como poderão os portos fazer mais pelo País do que fazem hoje em dia.

Portugal está dividido em duas regiões económicas principais que se alargam por uma área com um raio de cerca de 50/100 quilómetros em torno das cidades de Lisboa e do Porto. As suas necessidades energéticas, alimentares, matérias-primas, exportação de produtos e importação são satisfeitas pelos principais portos de cada região. Ou seja, os portos de Leixões e Aveiro servem principalmente o hinterland norte e os portos de Lisboa, Setúbal e Sines servem o hinterland sul, localizado em redor da região de Lisboa, embora Sines tenha ganho mercados externos.

Considerando o contexto económico e uma perspetiva estratégica no que respeita à conectividade e competitividade do País, os portos portugueses devem ter um conjunto de objetivos e ações coordenadas, articulando recursos, políticas e visões, incentivando as exportações e promovendo a atração de investimento. Devem objetivar ainda a modernidade, produtividade, eficiência, sustentabilidade, economias de escala, concorrência entre terminais concessionados, alargamento do hinterland ibérico e integração com as cadeias logísticas intercontinentais, comparando-se com os melhores portos internacionais em termos de custos, tempos, fretes, destinos e frequências.

A gestão do porto deve passar a considerar, além dos tradicionais objetivos financeiros, também o aumento dos volumes e a redução dos custos de passagem pelo porto e dos fretes de transporte marítimo até aos destinos pretendidos pelas empresas. No atual

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modelo, têm existido muitas lacunas na coordenação de investimentos, da regulamentação e das funções e atividades de cada porto, que importa ultrapassar.

Alguns do principais pontos fracos dos portos portugueses continuam a ser:

• Falta de coordenação estratégica no planeamento, investimento, marketing e desenvolvimento dos portos;

• Falta de coordenação na regulamentação, nos sistemas de informação e na gestão de recursos comuns;

• Falta de massa crítica administrativa e na gestão do conhecimento técnico-portuário e de massa crítica de mercadorias nos terminais de contentores relativamente ao mercado de Espanha;

• Hinterland reduzido, pouco além da fronteira espanhola, quase como portos de ilha, impedindo o ganho de eficiência em condições semelhantes aos portos espanhóis;

• Tirando Sines, aposta generalizada de cada autoridade portuária em vários pequenos

• Acessibilidades ferroviárias deficientes no interior dos portos e para o hinterland nacional e espanhol e quase inexistência de plataformas logísticas e zonas francas;

• Reduzida integração dos portos portugueses com as cadeias logísticas ibéricas;• Falta de zonas para expansão de grandes terminais portuários com fundos

marítimos para grandes navios, com áreas logísticas e industriais adjacentes;

Mas, afinal o que devem fazer os portos pela competitividade do País, criação de emprego e bem-estar? Como podem cumprir o seu papel no apoio às exportações e como polos de desenvolvimento e atração de investimento?

A localização geoestratégica de Portugal deve ser aproveitada para aumentar a conectividade do País aos mercados globais através dos portos, criando hubs de transhipment e de trânsito ibérico, com vista a atrair navios de grandes dimensões em escalas diretas intercontinentais e criar massa crítica que proporcione eficiência e competitividade. Ou seja, tem que se inverter por completo o conceito anterior de portos em Portugal, copiando o que os nossos vizinhos fazem em Espanha e Marrocos. Não é preciso inventar nada. Não podemos é ficar mais tempo para trás.

Mas isto é possível? Há procura? Para que serve? Como fazer? A procura é global para portos de transhipment e a nossa localização é tão boa como a dos nossos vizinhos, faltando-nos apenas visão global para agir localmente ou, pelo menos, copiar os bons exemplos. E isto serve para termos os grandes navios a escalar os portos nacionais.

Sines e talvez outro mais a Norte. Mas não se pode dispersar, pois há que aproveitar economias de escala. A concorrência faz-se não entre portos, mas entre terminais e entre linhas num mesmo terminal e beneficiando as empresas localizadas em território nacional, em especial em zonas francas junto a esses portos. Estes portos devem ter bons acessos e amplas áreas logísticas e industriais disponíveis em espaço adjacente, com vista a atraírem investimento estrangeiro e nacional, em busca de ligações próximas baratas para

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todos os grandes portos do mundo, de forma competitiva, criando emprego. Mas todas as empresas portuguesas exportadoras beneficiam destas ligações diretas e frequentes em grandes navios com fretes baixos, tornando-se mais competitivas.

Assim, importa apostar fortemente, no médio e longo prazo, em portos de maiores dimensões, com boas acessibilidades marítimas e ligações terrestres ao hinterland português e espanhol, bem como com largas áreas de expansão de terraplenos e zonas francas de atividades logísticas e industriais, que constituam polos de desenvolvimento. Importa inverter os principais pontos fracos e criar terminais de grandes dimensões, em parceria com operadores e/ou armadores globais e locais, que gerem massa crítica e economias de escala ao nível dos melhores do mundo, em especial em Sines.

Importa perceber que se num porto está a aumentar determinada carga importante

para o País, e se não tem espaço, pode ser mais barato e vantajoso deslocalizar algumas funções de menor importância para portos secundários próximos, com vista a dar espaço à movimentação de cargas em crescimento. Para isso, é necessário articular as estratégias entre portos próximos. Deste modo, os portos com hinterlands semelhantes devem ser pensados e desenvolvidos em conjunto, no médio e longo prazo, designadamente nos subconjuntos de portos do Norte e portos do Sul, concertando estratégias para cumprir o seu papel no desenvolvimento do País.

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1.6 A Competitividade dos Portos Portugueses

Vítor Caldeirinha

Imaginemos que tenho uma empresa que possui duas fábricas, uma localizada junto à cidade do Porto e outra junto à cidade de Lisboa.

O meu mercado tradicional era a Espanha e o mercado interno, mas agora, com a crise ibérica, tenho que sair da minha zona de conforto e convidei um conjunto de potenciais compradores Chineses, Brasileiros e Americanos para visitarem as minhas fábricas e o País, procurando alargar os meus mercados e manter ou aumentar os empregados.

Feitas as encomendas, verifico que os preços nestes mercados são mais baixos, que tenho a concorrência de espanhóis, italianos e alemães. Ainda tenho que pagar o transporte até ao porto de destino. Faço um esforço interno para ter a produtividade dos concorrentes, compro máquinas, dou formação, invisto.

Olho para os portos portugueses e o que vejo? Para o Brasil existe uma ou duas linhas de contentores, sem a frequência desejada e não para os destinos que queria. Para a China e os EUA, tenho que apanhar o navio pequeno até Roterdão ou outro hub no Mediterrâneo, para depois sair nesse porto e voltar a entrar noutro navio grande de linha intercontinental, o que demora tempo e se perder a ligação demorar ainda mais tempo.

Em Sines, tenho já algumas linhas diretas intercontinentais para alguns poucos destinos, pouca frequência e pouca concorrência. E a minha fábrica fica longe do porto. Outra opção são os portos espanhóis, onde posso chegar por camião rapidamente, com ligações diretas frequentes para muito mais destinos, muitas vezes mais baratos. Mas tenho o custo do transporte pela Península Ibérica.

Depois tenho os meus grandes concorrentes nesses mercados, os italianos, espanhóis e alemães, cujas fábricas estão localizadas junto aos portos hub com milhentas ligações diretas, frequentes, baratas e concorrentes para todos os destinos intercontinentais, oferecendo menos dias de viajem para os portos mais próximos dos clientes e não incorrendo em custos de transporte em camião/comboio ou em navios pequenos até aos portos hub, como eu.

Nestes mercados distantes, onde cada cêntimo conta, para ganhar mercado tenho que quase perder dinheiro e não consigo expandir por falta de competitividade. É que os custos logísticos nestes casos são fundamentais e pesam muito no produto final.

No final do dia, pergunto-me porque temos que ter esta desvantagem em Portugal? Não temos uma excelente localização para ser um hub intercontinental com muitas ligações diretas, frequentes e intercontinentais de transhipment, beneficiando as empresas internas com essa competitividade acrescida? Porque não o somos? Os portos estão a fazer tudo o que podem ou poderiam fazer mais? Porque não escalam Portugal todos aqueles navios grandes, rápidos e baratos que eu tenho que ir apanhar noutros países?

Os nossos portos são competitivos? Está tudo bem? Estão a alavancar a economia? Não há nada a fazer para mudar dramaticamente este panorama? Estamos bem assim?

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1.7 Os Portos Angolanos devem ser hubs de transhipment e Trânsito

Vítor Caldeirinha

As ligações marítimas que servem o sistema logístico de Angola utilizam cinco portos principais que movimentam cerca de 14 milhões de toneladas de cargas por ano, sem petróleo. O porto de Luanda importa cerca de 10 milhões de toneladas, mais de metade das quais contentorizadas, representando mais de 80% dos contentores movimentados nos portos angolanos. Este movimento é operado em escassa frente de cais utilizável, no limite da sua capacidade operacional e económica, sendo um porto asfixiado pela cidade nas suas acessibilidades terrestres, nas ligações logísticas e na potencialidade de expansão, carecendo de novo porto fora da cidade.

O porto do Lobito movimenta essencialmente granéis e carga geral, com cerca de 2 milhões de toneladas anuais, operadas em escassa frente de cais, apesar de ter vindo recentemente a melhorar. O porto do Namibe movimenta cerca de 600 mil toneladas por ano de carga geral e granéis, mas possui a possibilidade de ampliação do seu cais e terraplenos para um grande porto de águas profundas, o que tem vindo a desenvolver. O porto do Soyo movimenta cerca de 700 mil toneladas de petróleo e o porto de Cabinda movimenta cerca de 200 mil toneladas, possuindo planos de expansão em áreas próximas.

Numa visão estratégica de longo prazo, estimando os tráfegos potenciais de hinterland de Angola com base no crescimento potencial do País, da exportação de minérios e produtos agrícolas e do trânsito terrestre e marítimo com os países vizinhos, visto o seu potencial humano e do subsolo, podemos apontar para um movimento portuário total potencial a 40 anos de cerca de 85 a 125 milhões de toneladas. África deverá ser dos continentes com maiores taxas de crescimento económico e da população nas próximas décadas, pelo que será necessário a Angola preparar de antemão os seus portos, conferindo capacidade para sustentar e puxar por esse crescimento expectável e desejável.

Face ao perfil da procura potencial a 40 anos, poderemos estimar o futuro transhipment em cerca de 25 milhões de toneladas, a carga de importação para Angola e trânsito terrestre para países vizinhos em cerca de 45 milhões de toneladas e a exportação de minérios, produtos agrícolas e transformados em cerca de 45 milhões de toneladas. Estima-se em cerca de 35 milhões de toneladas o trânsito com os países vizinhos.

Uma vez que os portos atuais estão no limite de utilização, com capacidade para cerca de 17 milhões de toneladas, para que possam responder a este desafio, será necessário expandir a capacidade em mais de 80 a 90 milhões de toneladas. O trabalho a fazer no investimento na capacidade dos portos angolanos pode implicar, nos próximos 40 anos mais 10/15 postos de acostagem de graneis com fundos de cais até -17m (ZH). Serão necessários mais cerca de 3/4 km de cais para carga geral com fundos de cais até -12m e mais 5/6 km de cais de contentores, com fundos de cais até -17/18m.

O novo porto a Norte de Luanda poderá tornar-se no hub regional de excelência e servir a região Norte e Centro de Angola e todos os países em torno dessa região, por via terrestre e marítima. Para isso deverá ter capacidade, pelo menos, até cerca de 50 a 60 milhões de toneladas de carga, pensada e prevista já de início, nas suas zonas

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de expansão, prevendo capacidade para cerca de 4,5 milhões de TEU de carga de transhipment, de hinterland e trânsito terrestre (mais 5 km de cais e 25 a 30 pórticos de cais), 10 milhões de toneladas de carga geral (mais 3 km de cais) e 10 milhões de carga de exportação a granel (mais 3 km de cais), bem como uma vasta zona franca industrial e logística imediatamente adjacente ao porto, com ligações rodoferroviárias e marítimas de excelência.

Será necessária a ampliação do porto do Lobito para 14 milhões de toneladas de carga a granel/carga geral e mais 1km de cais de contentores com 5 pórticos. Será necessária a ampliação do Porto do Namibe para cerca de 11 milhões de toneladas de granéis/carga geral e mais 500 m de cais de contentores e 3 pórticos.

Será fundamental a ampliação do Porto de Cabinda para cerca de 12 milhões de toneladas de granéis/carga geral e mais 1km de cais de contentores e 3 pórticos.

O dimensionamento atempado dos portos de Angola poderá permitir que estes se tornem verdadeiros hubs do País, da região e de todos os países adjacentes, potenciando o papel de Angola como entreposto comercial e industrial e potencia económica regional. Apesar do investimento dever ser realizado de forma gradual, acompanhando o crescimento das cargas, é necessário para já transferir o tráfego para terminais mais eficientes e com maiores fundos e capacidades, melhorando a qualidade de serviço e ter em consideração estes valores estimados nas áreas de expansão a deixar livres para o futuro. (estimativas do autor com base em informação económica recolhida na UNCTAD e sites do Governo Angolano).

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1.8 Porto de Sines e Bitola Europeia Competitividade das Importações e das Exportações

Vítor Caldeirinha e Mário Lopes

Hoje em dia os grandes navios porta-contentores que ligam a Europa ao resto do mundo atracam essencialmente nos portos do centro e norte da Europa (Antuérpia, Roterdão, Hamburgo e outros) e nos hubs de transhipment do Mediterrâneo (Algeciras, Valência, Barcelona e Tanger são os mais próximos) (Figura 1).

Figura 1 – Movimento dos Portos Europeu

Fonte:Eurostat

Grande parte das nossas importações/exportações faz-se através destes portos, de/para os quais as mercadorias são transportadas por via rodoviária ou em navios feeder, obviamente com custos acrescidos relevantes e que tenderão a aumentar cada vez mais.

O transporte de mercadorias por via terrestre entre a UE e o nosso país (antes da crise cerca de 25 a 30 milhões de toneladas por ano) faz-se na quase totalidade por via rodoviária, o que reduz fortemente a competitividade e capacidade de atração de investimento da nossa economia. Assim a resolução destes problemas deveria ser um dos objetivos estratégicos fundamentais da nossa política de transportes.

No que diz respeito às trocas comerciais por via marítima, temos todo o interesse em que o maior número possível de navios façam escala nos nossos portos. Na análise desta questão devemos tirar partido dos nossos pontos fortes e minimizar os efeitos dos pontos fracos.

O nosso principal ponto forte é a localização geoestratégica, pois grande parte do tráfego marítimo mundial passa em frente às nossas costas. Isto significa que muitos

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navios não têm de se desviar das suas rotas. No entanto, isto não chega para os atrair, pois um dos principais fatores de escolha do porto para escala pelas linhas marítimas é existir quantidade significativa de mercadoria para carregar/descarregar.

Como principal ponto fraco temos a natureza essencialmente local/regional dos nossos portos, que faz com que os volumes de carga a movimentar sejam baixos, e por isso o interesse dos grandes navios porta-contentores em escalar os nossos portos seja reduzido (Figura 2).

Figura 2 – Densidade do Shipping e Portos

Fonte:Rodrigue(2010)

Para alterar esta situação e dada a exiguidade do hinterland (parte da península ibérica), Portugal deve para já apostar os seus esforços no sentido de atrair os grandes navios porta-contentores a um porto hub, de forma a concentrar aí a movimentação de carga para o hinterland ou para outros portos feeder.

Para este efeito, esse porto tem de ser um porto de águas profundas, e o único que temos por agora com estas condições naturais é Sines. Embora pudéssemos construir outros terminais, noutros pontos da costa portuguesa com fundos e espaço para atividades logísticas e industriais adjacentes, nesta fase considera-se ser necessário criar massa crítica em pelo menos um porto português, pelo que nos parece preferível concentrar esforços em Sines.

Esta estratégia de um hub marítimo em Sines não é impeditiva da existência de concorrência intraportuária, entre diferentes terminais no mesmo porto, ou mesmo em cada terminal multilinhas, entre diferentes linhas marítimas.

Esta estratégia exigiria também que ao nível dos grandes investimentos nas infraestruturas físicas dos portos e dos respetivos acessos terrestres houvesse uma coordenação das políticas dos diferentes portos nacionais, embora a gestão corrente pudesse ser autónoma para fortalecer e tirar partido de relações de proximidade.

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Para atrair os grandes navios, Sines tem de oferecer às grandes cadeias logísticas internacionais fatores de competitividade que os seus concorrentes mais diretos (Valência, Algeciras e Tanger Med) não possuam e um hinterland com uma dimensão mínima razoável.

Em movimentação de contentores, Algeciras e Valência são os maiores portos ibéricos e em breve terão ligações ferroviárias diretas para mercadorias a toda a Europa. Tânger Med oferece mão-de-obra barata e espaço na sua vizinhança para instalação de atividades económicas (armazéns ou instalações industriais), mas praticamente não tem hinterland.

Como vantagens relativamente a Tanger Med, Sines pode oferecer um hinterland razoável e ligações ferroviárias diretas ao centro da Europa. Relativamente a Algeciras, pode oferecer espaço ilimitado na sua vizinhança, que o porto de Algeciras não pode porque está cercado pela cidade. Face a Valência, pode oferecer vantagens nos tráfegos atlânticos.

Sines não tem condições para concorrer diretamente com os portos do norte da Europa pelos seus hinterlands, pois estes portos encontram-se muito mais perto dos grandes centros de consumo europeus. No entanto, tem condições para captar uma parte da carga que atualmente é movimentada por esses portos com destino de/para a península ibérica (por navios feeder e rodovia) atraindo os grandes navios, e isto seria suficiente para reduzir significativamente os custos de transporte e logística nas ligações de Portugal ao resto do mundo, que é o objetivo da estratégia que aqui se sugere.

O alargamento do hinterland de Sines exige a melhoria das ligações ferroviárias para o interior da península ibérica e para toda a faixa atlântica, bem como as ligações por transporte marítimo feeder a partir de Sines. Ambos são importantes para que as mercadorias cheguem o mais depressa e com o menor custo possível a cada destino final.

Como a Espanha está a mudar a bitola ferroviária e o transporte ferroviário de mercadorias só é competitivo se for direto e sem obstáculos (por exemplo transbordos devido a diferenças de bitola), no médio /longo prazo este objetivo exige a construção das ligações ferroviárias em bitola europeia, continuando a bitola ibérica ainda a desempenhar um papel relevante na fase de transição, que ainda poderá ser longa.

Desta forma, existe potencial para captar hinterland marítimo (feeder) e terrestre em toda a faixa atlântica da península ibérica, no norte de Espanha (cujos portos os grandes navios porta-contentores não escalam porque ficam fora das suas rotas), nas regiões espanholas adjacentes a Portugal, eventualmente até Madrid, e mesmo na costa Oeste Africana (neste caso apenas por via marítima).

Outras regiões de Espanha tenderão a ser servidas mais pelos portos espanhóis do Mediterrâneo. No entanto, mesmo as regiões de Valência ou da Catalunha poderão ser servidas por Sines, no caso de navios vindos das Américas para o norte da Europa, tal como Portugal poderá ser servido por Valência ou Barcelona por navios vindos do Canal do Suez.

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O aumento global do hinterland é fundamental, pois é um importante fator de atração dos grandes navios, com a vantagem adicional de ser estável, ao contrário da atividade de transhipment pura (transferência de carga de um navio para outro) que as grandes companhias facilmente mudam de um porto para outro.

O espaço na vizinhança do porto possibilita a instalação de armazéns e indústrias que procedam, por exemplo, a atividades de valor acrescentado, por exemplo etiquetagem e montagem de produtos finais. Assim se um navio atracar em Sines para servir o hinterland ibérico ou/e para operações de transhipment, uma vez que “já cá está”, permite usufruir ou servir diretamente e de forma competitiva industrias e atividades logísticas na vizinhança do porto, criando emprego e criando um polo de desenvolvimento regional.

Esta atividade vê a sua competitividade aumentada se os produtos finais aí fabricados/montados puderem ser colocados nos destinos finais em toda a Europa, em toda a Península ibérica ou no Atlântico o mais rápido possível ao menor custo possível. Novamente para este efeito são indispensáveis tanto a via marítima (mais para os destinos próximos da orla costeira ou no Atlântico), como a via ferroviária (mais para os destinos no interior da Península Ibérica ou da Europa).

A estratégia descrita não representa uma certeza, mas uma oportunidade, que só será possível tentar aproveitar se se construir a nova rede ferroviária em bitola europeia e se tivermos uma estratégia concertada nos portos e nos sistemas de transportes.

Como fator adicional favorável, a melhoria das comunicações terrestres de passageiros para Sines também teria um efeito favorável na capacidade de atração de pessoas e logo de investimentos, emprego e desenvolvimento.

Neste sentido, sugere-se que a futura linha de bitola europeia de Lisboa para Faro siga o itinerário Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) – Sines – Portimão. Assim, serviria Sines que com comboios de velocidade elevada ficaria a cerca de 30 minutos do NAL, ou seja, Sines teria excelentes ligações ao resto do mundo para passageiros, e a cerca de 50 minutos de Lisboa, e serviria melhor o Algarve.

Beja poderia continuar a ser servida pela linha atual, modernizada até Beja, ou, em alternativa, por um ramal de velocidade elevada a construir a partir de Évora e usando daí para Lisboa a Linha Lisboa-Madrid, com passagem no local onde no futuro se construirá o NAL.

Beja beneficiaria assim de uma ligação ferroviária direta ao NAL, com que não conta e com muito mais utilidade do que o aeroporto de Beja, para onde até hoje quase nenhuma companhia aérea quis voar. Face à nova ligação ferroviária Lisboa-Faro prevista (por Évora e Beja) o prejuízo para Beja seria essencialmente na redução das frequências dos comboios, o que seria um prejuízo pequeno em comparação com os potenciais benefícios para o país como um todo e para Beja com a ligação direta ao NAL.

2012

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2. PORTOS E GOVERNAÇÃO 2.1 Governação dos Portos: Modelos Alternativos

Vítor Caldeirinha

O tema do modelo de governação dos portos portugueses ganhou um destaque especial em 2012 por três motivos: (a) TROIKA - A Troika pretende que o Governo melhore o modelo de gestão do sistema de portos (ponto 5.25); (b) EXPORTAÇÕES - com a crise importa alavancar as exportações da indústria, sendo necessário tornar os portos mais competitivos; (c) MAR - as pessoas, os políticos e as empresas entendem que deve ser aproveitado ao máximo o recurso endógeno Mar e os portos são um pilar fundamental da política do Mar.

Sobre este tema tenho 4 questões prévias: (a) os portos devem servir a economia, as exportações e os seus clientes e não a si próprios; (b) é fundamental a autonomia, a proximidade e a inteligência regional na ação nos portos, sendo empresas em concorrência internacional, no que diferem duma REFER ou duma Estradas de Portugal; (c) o que está em causa é o aumento da colaboração e da coordenação entre autoridades portuárias, ou seja, pensar global e agir localmente; (d) é compreensível o receio do centralismo.

Os portos têm vindo a melhorar muito a operação nas últimas décadas, grande parte devido às concessões efetuadas, com resultados positivos no movimento da carga e em termos financeiros, mas estão ainda muito atrás dos grandes hubs espanhóis e europeus. Sines é uma exceção em potencial, ainda a gatinhar, embora muito depressa. Mas, não poderiam alavancar mais a economia?

O modelo de governação deve estar ligado aos objetivos dos portos. E quais devem ser esses objetivos?

A nível geográfico: (a) LOCAL e REGIONAL – serem polos de desenvolvimento industrial e logístico, atraindo investimento nacional e internacional; (b) NACIONAL – apoiarem as exportações e criar valor e emprego no País, sendo competitivos para alavancar a economia; (c) INTERNACIONAL – serem centros de distribuição internacional, de trânsito para Espanha e de transhipment intermédio entre continentes e o Norte da Europa.

A nível do porto: (a) EFICIÊNCIA – eficientes quando comparados com outros portos, mas mantendo a sustentabilidade financeira; (b) PRODUTIVIDADE – eficazes na satisfação dos clientes carga e navio; (c) INTEGRAÇÃO – foco total nas redes logísticas terrestres e marítimas globais; MODERNIDADE – possuírem modernas e adequadas infraestruturas, acessibilidades marítimas e terrestres e serviços marítimos (serviços, linhas e navios).

A nível da autoridade portuária: (a) COMPETITIVIDADE – reduzir o custo por tonelada e reduzir as receitas por tonelada (preço mais baixo e competitivo); (b) SUSTENTABILIDADE – tender para o equilíbrio financeiro a médio e longo prazo e investir com retorno financeiro equilibrado; (c) OPERACIONAL – aumentar o movimento de cargas, o volume de vendas

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e o valor das cargas; (d) PESSOAL – reduzir o peso dos custos com pessoal, aumentar o movimento em toneladas por empregado e aumentar o valor da carga por empregado.

O conceito de porto tem vindo a evoluir muito nos últimos anos, tendo os portos portugueses passado de portos com hinterland limitado nos anos 70 e 80, para hinterlands alargados e que se entrecruzam, passando o foco dos portos a alargar-se também ao hinterland até Espanha, às cadeias logísticas, acessibilidades e plataformas logísticas, bem como ao foreland, às linhas marítimas e aos mercados nos outros países e continentes.

No futuro, tenderá a aumentar este entrosamento de hinterlands e estratégias, com uma maior coordenação de ações na logística entre portos, em especial aprofundando as parcerias comerciais nos países da CPLP, na captação de linhas marítimas e na criação de ligações e plataformas logísticas para captar o mercado espanhol. Analisadas as cargas movimentadas, verifica-se que os portos portugueses se podem dividir em duas grandes regiões portuárias Norte e Sul, cujos portos em conjunto abrangem todas as cargas e necessidades das respetivas regiões que servem, ora competindo, ora complementando-se.

Na verdade, a colaboração entre portos tem aumentado em todos os continentes, tendo até sido escrito um livro dedicado a este tema: “Ports in proximity”, de vários autores da América, da Europa e da Ásia, mas coordenado por Notteboom, um famoso especialista em portos.

Neste livro apontam-se quatro grandes tipos de colaboração entre portos: (a) PROJETOS ISOLADOS - como é o caso da JUP (Janela única Portuária) e das relações com os portos da CPLP em Portugal ou de vários outros projetos no resto do mundo: San Pedro Bay Ports, Algeciras/Tanger Med, Liguria Ports no marketing e infraestrutura, NY/NJ PA e Albany PA no multimodal, New Orleans e Lower Mississippi Ports no Marketing, Shanghai e portos do Yangtze e Port of Stockholm, Sodertalje e Malarhamnar na estratégia conjunta; (b)CORPOS AUTÓNOMOS – criação de corpos autónomos com funções limitadas, como foi o caso da HAROPA em França, no marketing e desenvolvimento, que possui pessoal próprio, ou da Comissão dos Portos Flamengos, Autoridade Marítima de Malta, BremenPorts e Campania Ports no marketing, financiamento, logística e infraestruturas; (c) AP (Administração Portuária) NACIONAL/REGIONAL – criação de autoridades portuárias nacionais ou regionais como é o caso da Queensland Port Corporation na Austrália, ou os casos da Índia, África do Sul e os portos da Baixa Saxónia onde se inclui Emden, Georgia and South Carolina PA nos EUA, Associated British Ports e PD Ports, autoridades privadas do Reino Unido e ainda o caso em estudo na Bélgica de junção dos portos numa única Autoridade portuária; (d) – FUSÃO – fusão de portos próximos, como é o caso de Malmo e Copenhaga, New York e New Jersey, Vancouver Fraser e vários outros.

Aliás, 38% das autoridades portuárias europeias gerem dois ou mais portos em conjunto, como refere a ESPO em resultado do inquérito que efetuou recentemente.

Neste livro ainda apontam-se quatro tipos de razões para o aumento da colaboração entre portos: (a) MASSA CRÍTICA – obtenção de economias de escala administrativas, sinergias e partilha de recursos comuns; (b) CONCORRÊNCIA – juntar forças contra

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concorrentes comuns, penetrar em hinterlands dos concorrentes, atrair linhas regulares e partilhar mercados; (c) HARMONIZAÇÃO – harmonizar procedimentos, regras e sistemas de informação; (d) ESTRATÉGIA – coordenar estratégias, obter financiamentos, planear acessibilidades comuns, especializar recursos, investigação e desenvolvimento e marketing comuns.

Ora as possíveis razões para aumentar a colaboração entre os portos portugueses são exatamente estas: (a) MASSA CRÍTICA – economias de escala administrativa, sinergias e partilha de recursos comuns; (b) CONCORRÊNCIA – juntar forças para penetrar em Espanha, junto dos portos da CPLP e atrair linhas intercontinentais e navios grandes; (c) HARMONIZAÇÃO – harmonizar procedimentos e partilhar sistemas de informações; (d) ESTRATÉGIA – coordenar estratégias no hinterland e investimentos e evitar duplicação, obter financiamentos, planear acessibilidades, investigação e desenvolvimento e marketing comuns.

Mas afinal que modelos alternativos de governação dos portos portugueses existem? Que modelo escolher? Como escolher? Que critérios? Como se comparam? Em primeiro lugar refira-se que o modelo de governação dos portos portugueses deve ser um instrumento da estratégia para os portos e para cada porto.

Os critérios devem ser: (a) PROXIMIDADE - proximidade à comunidade local, preocupação com o porto e as necessidades da região, proximidade ao poder local e autarquias, acompanhamento local e aproveitamento da inteligência regional para evitar risco de centralismo; (b) AGILIDADE - flexibilidade e agilidade local, rapidez de resposta local, flexibilidade comercial nas taxas e fomentar a inovação e a iniciativa; (c) AUTONOMIA - autonomia financeira e para investir, autonomia para decidir questões operacionais, autonomia para decidir questões comerciais e diferenciação de portos e suas marcas; (d) MINIMIZAR OS CUSTOS DE MUDANÇA - reduzir eventuais custos de mudança e respetivos efeitos na produtividade e na atividade, faseamento da mudança e facilitatação da mudança; (e) CO-OPETITION - concorrência entre terminais e cadeias logísticas e concorrência e cooperação entre portos; (f) MASSA CRÍTICA - não fragmentação e peso negocial, economias de escala, redução de custos, partilha de recursos comuns e sinergias entre Administrações Portuárias; (g) HARMONIZAÇÃO - harmonização de normas, regras e procedimentos e partilha de sistemas de informação comuns; (h) ESTRATÉGIA COMUM - coordenação de políticas de investimento público, evitar a duplicação de investimentos públicos, definição e respeito pelas prioridades nacionais, estratégia de desenvolvimento e marketing comum.

São essencialmente quatro os modelos alternativos que avaliei com base nestes critérios: (a) ATUAL – modelo com sete autoridades portuárias (V. Castelo e Leixões com o mesmo

CA (Conselho de Administração), Aveiro e F. Foz com o mesmo CA, Lisboa, Setúbal e Sines), com o IMPTM/IMP como regulador e coordenador. Este modelo responde bem aos critérios de autonomia, agilidade e proximidade, mas mal aos critérios de massa crítica, coordenação e harmonização. Existe a possibilidade de aprofundar a colaboração e a coordenação neste modelo:

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• Juntar V. Castelo com Leixões e Aveiro com F. Foz;• Colocar o mesmo presidente nos portos do Norte e Centro e o mesmo nos portos

do Sul;• Aumentar a cooperação pontual em projetos;• Aprofundar o conceito da Associação dos Portos de Portugal, aproximando-a duma

HAROPA, empresa com 50 pessoas oriundas das autoridades portuárias de Le Havre, Paris e Rouen, que são responsáveis pelo marketing e desenvolvimento conjunto destes portos;

• Aprofundar o papel do IPTM/IMT aproximando-o do conceito dos Puertos del Estado, com meios, força e conhecimentos para poder coordenar efetivamente a política nacional e a cooperação entre portos.

(b FUSÃO – fusão dos portos em 3 ou 2 autoridades portuárias nacionais:

(a) Norte e Centro; Lisboa e Setúbal; e Sul; (b) Norte e Centro; e Sul. Esta solução permite uma maior coordenação entre portos que estão próximos e que partilham hinterlands, conferindo massa crítica e harmonização, sem criar grande distanciamento, centralismo, nem ferir a agilidade e a autonomia de forma intensa. Uma alternativa será ter cinco administrações portuárias nos cinco maiores portos, com o mesmo conselho de administração nos portos do Norte e Centro e o mesmo nos três portos do Sul.

(c) HOLDING – criação de uma holding Portos de Portugal, mantendo por baixo as cinco administrações portuárias ou juntando em três ou duas administrações portuárias regionais. Esta solução criaria condições para haver a nível nacional massa crítica administrativa, coordenação de estratégias e harmonização, embora pudesse ter riscos de maior centralismo, fragilizando um pouco a autonomia, a agilidade e a proximidade, dependendo do grau centralização das decisões.

(d) AP ÚNICA – criação de uma única autoridade portuária (AP) nacional Portos de Portugal que teria direções-gerais nos cinco portos ou três direções-gerais: Norte e Centro; Lisboa e Setúbal; e Sul. Esta solução é a mais centralizadora, permitindo um elevado nível de massa crítica e poupança administrativa, uma grande coordenação de estratégias e políticas e a harmonização completa, colocando no entanto em risco a autonomia, a agilidade e a proximidade da gestão aos portos, tão necessária ao seu adequado funcionamento e desenvolvimento.

Ou seja a coordenação central poderá ser realizada de diversas formas mais ou menos centralizadoras:

(a) AP ÚNICA ou HOLDING ou APs REGIONAIS - que coordene(m) de cima para baixo

os portos, as obras, os recursos humanos, o desenvolvimento, o marketing, os sistemas de informação e os serviços financeiros e jurídicos;

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(b) PUERTOS DEL ESTADO – entidade tipo Puertos del Estado (IPTM ou IMP) que realize a coordenação central e estatal forte dos estudos gerais e estratégia, regulando, mas terá que ser mais forte do que tem sido o IPTM;

(c) HAROPA – estrutura tipo Haropa, criada de baixo para cima, que coordene o marketing e o desenvolvimento, com pessoal afeto pelas autoridades portuária, sob o domínio dos portos;

(d) SERVIÇOS PARTILHADOS – cooperação pontual ou formalizada através da Associação Portos de Portugal ou por protocolos para a partilha de recursos comuns nos sistemas de informação, recursos humanos e marketing.

No fundo, tem que se considerar é se é necessária maior cooperação e coordenação e se a solução passa por aprofundar o atual modelo de governação ou se passa por uma evolução mais ou menos radical e mais ou menos centralizadora do modelo de governação. Ao Governo cabe decidir, mas a todos cabe pensar e refletir como melhorar o País.

Para finalizar deixo ainda algumas ideias de estudiosos internacionais sobre o tema:

(a) Os políticos portuários devem prestar especial atenção ao equilíbrio entre a integração organizacional e outras dimensões de proximidade (local). As autoridades portuárias possuem vantagens relacionadas com a proximidade cognitiva e social cara-a-cara com os atores dos portos (Peter Hall e Wouter Jacobs, em “Ports in Proximity”, 2009).

(b) No Japão (e face à concorrência na Ásia), é melhor que os portos procurem criar redes logísticas integradas em regiões alargadas, que fazer investimentos concorrentes e lutar por carga. Quem são os concorrentes? (Masato Shinohara, em “Ports in Proximity”, 2009).

(c) Os políticos portuários da Coreia devem passar de uma estratégia de “dois portos hub” para uma estratégia de “duas regiões/sistemas de portos integrados” (Sung-Woo Lee e Geun-Sub Kim, em “Ports in Proximity”, 2009).

(d) Para haver uma “sociedade aberta e dinâmica”, deve utilizar-se o “princípio da subsidiariedade”, princípio que permite que a cada um seja conferido o maior poder possível na sua livre iniciativa, que possa ter o efeito de contágio positivo mais amplo que soubermos congregar“ (PM, Universidade do Porto, 16 de março de 2012).

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2.2 “Rins Portuários”

Vítor Caldeirinha

Como sucede um pouco em todo o mundo, historicamente os principais portos portugueses desenvolveram-se junto às duas principais cidades, Lisboa e Porto, beneficiando da proximidade da população e dos tradicionais centros de produção e comercialização.

Também como sucede um pouco em todo o mundo, a limitação de espaço junto às cidades que cresceram, as exigências de espaços e fundos dos terminais modernos e das atividades conexas e a crescente apetência das populações por uma maior ligação às suas zonas ribeirinhas, no turismo e no lazer, tem levado à deslocalização dos terminais portuários para fora dos estuários ou para outros portos fora das cidades.

Sines, Setúbal e Aveiro desenvolveram-se recentemente deste modo. Se Sines pode ser considerado um caso à parte, pois ficou principalmente com funções deslocalizadas do porto de Lisboa que não carecem de localização junto aos grandes centros populacionais, como os produtos energéticos e o transhipment de contentores, já Aveiro e Setúbal são importantes nós (órgãos) de proximidade que fazem parte do sistema logístico de mercadorias da região Norte/Centro Norte no primeiro caso, e da região de Lisboa/Centro Sul/Sul no segundo, onde poderão ter uma papel crescente.

Leixões com Aveiro e Lisboa com Setúbal, podem comparar-se aos pares de rins que integram um importante sistema logístico do nosso corpo, embora com funções de entrada e saída no caso dos portos.

Aveiro é ainda um porto pequeno em volume de carga, mas com enorme potencial de terminais, áreas e acessos disponíveis, onde se impunha alguma coordenação estratégica, de investimentos e concessões, com Leixões a 60 km, para aproveitar ao máximo esse potencial e os grandes investimentos em boa hora realizados e previstos.

Setúbal é já hoje um porto com maior dimensão, complexidade de cargas e rentabilidade, mas também ainda com enorme potencial de terminais, áreas e acessos disponíveis, impondo-se igualmente o seu aproveitamento e alguma coordenação estratégica com Lisboa a 40 km.

Se o rim direito tem limitações, deve ser repensado com o rim esquerdo em mente, independentemente do que se decidir para a gestão do dia a dia conjunta ou autónoma, cada uma com as suas vantagens e desvantagens, como é natural.

Apesar da transferência de algumas funções portuárias estar mais desenvolvida no caso do par de “rins portuários” Setúbal e Lisboa, e Setúbal ser já maior, mais complexo e rentável, nos dois casos podem existir complementaridades e estratégias conjuntas e meios comuns.

No caso de Setúbal e Lisboa, já interagem carregadores, linhas marítimas e concessionários e no caso de Aveiro e Leixões, deviam também passar a interagir para aproveitar devidamente o potencial dos investimentos feitos e previstos.

Olhando a realidade com independência e visão, os casos destes pares de “rins portuários” são muito semelhantes embora se encontrem em estágios de evolução diferentes.

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2.3 Governação dos Portos I

Modelo de Governação dos Portos Portugueses

J. Augusto Felício

O modelo de governação dos portos adequa-se a cada realidade, consoante a política do governo do país. Congrega interesses do Estado ao nível nacional ou regional/local e interesses das comunidades. Visa assegurar condições de competição que assegurem eficiência e produtividade.

EnquadramentoOs principais portos que operam mercadorias em Portugal, constituindo o sistema

portuário nacional, são os de Viana do Castelo, Leixões, Aveiro, Figueira da Foz, Lisboa, Setúbal, Sines, Portimão e Faro. Estes dois últimos portos são geridos diretamente pelo IPTM (Autoridade Portuária Nacional). Verifica-se que os cinco portos principais (Leixões, Aveiro, Lisboa, Setúbal e Sines) representam 97% do tráfego de mercadorias com uma taxa de utilização no seu conjunto, ligeiramente superior a 50% em 2010, variando entre o valor mais baixo de 41,2% em Aveiro e o valor mais elevado de 58,3% em Leixões. Em 2015 estima-se cerca de 57% e em 2020 cerca de 66% (Figura 1).

Figura 1 – Movimentação de mercadorias nas AP´s (2007-2009)

É salutar o esforço para aproveitar os investimentos realizados em infraestruturas. Os portos secundários de Viana do Castelo, Figueira da Foz, Faro e Portimão verificaram taxas de utilização da ordem de 33% em 2010 e estimam-se cerca de 58% em 2020.

A vocação dos portos é tema que continua atual associado ao da complementaridade, em especial, atendendo à dimensão do mercado nacional e ao facto dos portos, com exceção do porto de Sines, servirem comercialmente as regiões onde se localizam. Este desiderato aliado à proximidade dos portos e especificidade das grandes regiões metropolitanas e empresariais nacionais introduz o tema do modelo de governação dos portos nacionais, visando a otimização e coordenação dos investimentos e da atividade e condições para uma maior competitividade do sistema ao nível da competição na UE e internacional.

Porto ton Peso ton Peso ton Peso ton %Viana do Castelo 592 787 1% 475 470 1% 406 903 1% -68567 -14,4Douro e Leixões 14 047 037 22% 14 706 804 23% 14 200 341 23% -506463 -3,4Aveiro 3 272 005 5% 3 465 516 6% 3 007 108 5% -458408 -13,2Figueira da Foz 1 199 754 2% 1 159 243 2% 1 177 219 2% 17 976 1,6Lisboa 11 949 375 19% 11 738 706 19% 11 712 538 19% -26168 -0,2Setúbal 6 833 985 11% 6 124 140 2% 5 900 917 10% -223223 -3,6Sines 26 299 079 41% 25 148 564 40% 24 377 348 40% -771216 -3,1IPTM, IP 234 483 0% 129 726 0% 145 192 0% 15 466 11.9Total 64 428 505 100% 62 949 169 100% 60 927 566 100% -2020603 -3,2

2007 2008 2009 Variação 09/08

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Observando os movimentos de mercadorias percebe-se a tendência vocacional dos portos no quadro atual em que operam, que deveria ser repensada na perspetiva mais alargada do interesse nacional e na lógica de evolução europeia cada vez mais seletiva e de vocação do sistema portuário. Tendencialmente, a UE vai encaminhando os portos para a realidade dos mercados que servem até à sua vocação natural, acabando por emergir os pouco mais de uma dezena de portos de primeiro nível que integram os sistemas logísticos intercontinentais, algumas dezenas de segundo nível enquadrando sistemas logísticos continentais e outros portos a nível estritamente regional integrando cadeias logísticas regionais. Deverão tratar-se à parte os portos de transhipment por responderem a filosofias de tráfego distintas.

Assim, no quadro atual o porto de Leixões é vocacionalmente orientado para o tráfego de contentores e graneis líquidos, o porto de Aveiro para granéis sólidos e cargas fracionadas, o porto de Lisboa para o tráfego de contentores e granéis sólidos, o porto de Setúbal para granéis sólidos, cargas Ro-Ro e carga fracionada e o porto de Sines especialmente vocacionado para granéis líquidos, granéis sólidos e tráfegos de transhipment (Figura 2).

Figura 2 – Portos nacionais por tipo de carga (2009)

Fonte:IPTM(tons)

A análise em detalhe da atividade dos portos nacionais no quadro das regiões que servem conduz a perceber importantes alterações, situação que ocorrerá com maior evidência em função da definição do modelo de governação dos portos no quadro do sistema nacional.

A tendência é de crescimento do comércio internacional, situação que os portos acompanharão naturalmente como instrumentos integrantes dos sistemas logísticos intercontinentais, continentais e regionais, o que sustenta a orientação centrada no seu desenvolvimento. Portos eficientes e eficazes ajudam os sistemas económicos a desenvolverem-se com benefício direto para os agentes económicos e cidadãos. Portos não eficientes dificultam as condições de desenvolvimento da economia ao introduzirem custos diretos e custos sombra no sistema. Daí a necessidade em apostar de forma estruturante no sistema portuário nacional, aliás como têm vindo a fazer ao longo do tempo, em especial, as entidades espanholas.

Há, no entanto, condicionantes e limitações de natureza física que se poderão colocar às expansões portuárias, nomeadamente, a ampliação da frente de cais, a ampliação da área de terraplenos, a criação de novos terminais portuários e o aprofundamento do

Granel Sólido Granel Líquido Contentores Roll-On/Roll-Off Outtra Carga Geral Total %Viana do Castelo 178 804 28 567 3 054 0 195 635 406 060 0,70%Leixões 2 085 845 7 094 024 3 616 025 57 735 345 923 13 199 552 22,40%Aveiro 1 432 457 652 559 164 620 897 967 2 983 667 5,10%Figueira da Foz 519 397 0 148 549 0 508 742 1 176 688 2%Lisboa 4 720 253 2 135 978 4 325 058 78 639 316 491 11 576 419 19,60%Setúbal 3 317 804 687 020 211 892 203 030 1 419 986 5 839 732 9,90%Sines 5 295 745 15 977 181 2 527 783 0 56 124 23 856 833 40,40%

17 550 205 26 575 329 10 832 525 340 024 3 740 868 59 038 951 100,00%29,70% 45,00% 18,30% 0,60% 6,30% 100,00%

Total Geral

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canal de acesso e bacias de manobra. Outras condicionantes e limitações de natureza operacional são a pressão urbana sobre a área do terminal, a natureza ambiental, a expansão do acesso rodoviário e a expansão do acesso ferroviário.

Os portos refletem o volume das transações de importação, cerca de 70% por via marítima, e de exportação, cerca de 50%, em 2008. Os principais destinos/origens são o mercado espanhol (25,2% e 28,9%, respetivamente), o mercado alemão (12,3% e 11,5%) e o mercado francês (10,9% e 8,0%) (Figura 3). No caso do mercado espanhol o modo transporte utilizado não é naturalmente o marítimo, por se tratar de um mercado vizinho. Figura 3 – Mercados de exportação e importação

A resposta dada pelos portos reflete a aposta ao nível das infraestruturas, do modelo organizativo e da eficiência dos serviços prestados à carga e ao navio. O Ministro do setor (OPTC, 2010) evidenciou que aos portos se coloca como desafio “Uma aposta alicerçada na dotação dos portos com as condições infraestruturais, infoestruturais e procedimentais necessárias à melhoria da sua eficiência e competitividade”. Acrescentou mais sobre a necessidade de dispor “de soluções logísticas e de transporte de mercadorias eficientes e adaptadas às necessidades das empresas como um fator de grande relevância, no quadro de uma política orientada para a criação de condições indutoras do reforço da capacidade exportadora da economia nacional e das empresas localizadas em território nacional”.

O sistema logístico no qual se deverão integrar os portos exige opções de escolha dependentes de fatores intrínsecos aos portos, dos agentes e carregadores e dos transportadores, influenciado em maior ou menor escala pelo modelo de governação adotado. O IPTM (2009) enunciou como orientações estratégicas aumentar fortemente a movimentação de mercadorias nos portos nacionais, com acesso às rotas marítimas internacionais, e garantir que os portos nacionais se constituam como referência para as cadeias logísticas da fachada atlântica da Península Ibérica.

O aumento do volume de atividade nos portos depende da capacidade da economia portuguesa e mercados de origem/destino e não tanto dos portos a não ser no que respeita a substituir o transporte rodoviário com destino ao centro da Europa pelo transporte marítimo com evidentes vantagens ambientais e outras, a par do facto de ser orientação das autoridades europeias reforçar o papel do transporte marítimo de curta distância (tmcd).

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No caso das cadeias logísticas da fachada atlântica as opções dependem, em especial, das rotas seguidas pelos armadores, situação que se poderá colocar com maior pertinência com a abertura do canal do Panamá aos megacarriers e a sua operação em portos de transhipment. Os modelos de governação podem ajudar porque ao congregar opções de investimento e de eficiência ao mínimo custo facilitam as condições competitivas das cadeias logísticas.

Na perspetiva de marketing ganha importância o posicionamento dos portos, dependente do seu perfil e vocação, baseado essencialmente nos fatores seguintes: a) localização face às rotas marítimas e aos mercados; b) infraestruturas acessibilidades e rede de plataformas logísticas na procura de condições competitivas para o porto; c) prestação de serviços à carga e ao navio conferindo vantagens competitivas; d) mercados-alvo, consoante os segmentos das atividades desenvolvidas em cada porto, dominantes ou emergentes; e) procura potencial a médio e longo prazo.

Desafios que se colocam aos portos

Os tempos equivalentes para ir dos portos e principais aglomerações urbanas atlânticas às regiões do interior do país (2009) permitem compreender melhor a adversidade ou facilidade de integrar o território e desenvolver esse interior. Trata-se de estudar as condições do hinterland associado a opções logísticas que minimizem os custos e a eficiência dos sistemas. Verifica-se que as isócronas apresentam variações acentuadas na metade norte do país ao mesmo tempo que se percecionam os níveis de concentração urbana e a importância e papel dos portos (Figura 4).

Figura 4 – Isócronas aos portos e aglomerações

Fonte:PROTAML

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A maior intensidade de cor (vermelho) corresponde à isócrona de tempo superior a duas horas e meia da linha de costa. Ou seja, as zonas do interior mais afastadas, em média, estão á distância de duas horas do litoral. Comparando com a localização das principais redes viárias e plataformas logísticas obtém-se uma visão integrada que permite compreender a importância de adotar um sistema de governance dos portos que melhor se adeque à realidade económica e sociológica do país e, neste particular a que os portos deverão atender (Figura 5).

Figura 5 – Localização dos portos, plataformas logísticas e redes viárias

Fonte:PROTAML

Recorrendo à avaliação das áreas territoriais, nomeadamente as referentes ao modelo territorial PROT-Norte (Figura 6) e PROT-AML (Figura 7) com os respetivos sistemas de transporte e logística, compreende-se a sua importância e capacidade agregadora de fluxos e tráfegos. Também, a forma como se estruturam e organizam estas regiões Norte e Sul orientam no sentido de admitir diferenças visando a adequada organização do território.

Figura 6 – Modelo territorial PROT-Norte

Fonte:PROTAML

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Figura 7 – Modelo territorial PROT-AML

Fonte:PROTAML

Governação de Portos Estrangeiros

A análise ainda que breve de modelos de governação de diversos portos internacionais possibilita retirar ensinamentos para interpretar melhor a realidade dos portos nacionais. Consideraram-se os portos de Espanha, Reino Unido, Itália, Holanda, França, Austrália, Canadá e Singapura.

O sistema portuário de Espanha adota um modelo de gestão centrado na entidade pública - Puertos del Estado – tendo como principais funções executar a política e coordenar e controlar a eficiência do sistema. Esta entidade coordena as Autoridades Portuárias que administram 44 portos de interesse geral

A política do sistema portuário do Reino Unido é definida pelo Department of Transport, considerando os portos vitais para a economia nacional. Adota um guia de Master Plans Portuários (Modern Ports: a UK Policy) que considera como objetivos estabelecer a estratégia de planeamento portuário de cada porto para o médio e longo prazo, apoiar as entidades regionais e locais na definição da sua estratégia de desenvolvimento e informar as comunidades locais sobre o desenvolvimento portuário.

O sistema portuário de Itália tem o Estado (Ministério dos Transportes e da Navegação) como “proprietário” com papel ativo na administração dos portos, através das Autoridades Portuárias. É constituído por 24 Autoridades Portuárias com autonomia (gestão e financiamento) nos principais portos, tendo nas autoridades locais (municipais e regionais) assento nos comités portuários, cuja principal função é aprovar os planos de desenvolvimento dos portos.

No sistema portuário da Holanda o governo central define as políticas e as estratégias para o setor para aumentar a competitividade internacional dos portos marítimos, cabendo aos governos locais a responsabilidade de desenvolver o processo de implementação das estratégias.

O sistema portuário em França é descentralizado nas autoridades locais com incentivo e reforço do investimento privado no setor portuário. Os portos autónomos são designados por Grandes Portos Marítimos cabendo aos governos locais importante papel na gestão dos que dispõem de direitos de propriedade transferidos.

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O sistema portuário do Canadá adota uma estratégia nacional coordenada pelo Estado e pelas jurisdições territoriais com o envolvimento do governo e das comunidades locais quando necessário. Considera-se relevante o investimento comercial para assegurar infraestruturas portuárias eficientes. As autoridades portuárias são geridas por um Conselho de Administração composto por representantes de grupos de utilizadores e vários níveis de governo. São 19 os portos autónomos e 62 portos locais ou regionais dos quais 26 portos remotos estão sob a tutela dos Transportes do Canadá e os restantes sob jurisdição das autoridades regionais ou de interesses privados.

Já o Reino Unido optou pela privatização para melhorar a produtividade e assegurar o financiamento, enquanto o Canadá decidiu recorrer a entidades da comunidade adotando o princípio ‘sem fins lucrativos’ sendo um dos poucos países (senão o único) a tomar essa atitude.

O sistema portuário de Singapura centra-se no porto da Cidade-Estado tutelado pelo Ministério dos Transportes do qual depende a Port Singapure Authority (PSA), das entidades portuárias mais importantes a nível mundial, dado o conjunto de portos ou de terminais portuários que controla em rede, em especial, ao longo da principal rota onde circulam os grandes tráfegos marítimos globais no eixo horizontal face ao planisfério (Figura 8).

Figura 8 – Porto de Singapura

Fonte:

Uma vez que a PSA procura o domínio de tráfegos nos maiores portos internacionais

esta autoridade realizou uma transformação empresarial para adequar a sua governance e responder de forma mais eficaz, por um lado, aos desafios decorrentes do conflito de interesse entre proprietários, neste caso o governo, e gestores e, por outro, assegurar elevados níveis de desempenho em consonância com propósitos políticos e económicos geoestratégicos (Figura 9).

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Figura 9 – Governance do Porto de Singapura

Fonte:

Modelo de Governação para os Portos Portugueses

Enquadramento

Em que medida o modelo de governação influencia o desempenho dos portos? Que diferenças se evidenciam entre o modelo de governação e o modelo de gestão? A resposta a estas questões, entre outras, possibilita refletir sobre o tipo de porto e sua adequação ao contexto económico e a forma como se organizam os portos no quadro do sistema portuário nacional. Em termos simples o modelo de governação envolve as relações de poder entre acionistas ou proprietários com os gestores e as soluções para assegurar o equilíbrio entre esses poderes para realizar os propósitos da organização. O modelo de gestão visa obter recursos e assegurar a sua utilização eficiente e eficaz para alcançar os objetivos num esforço contínuo de otimização.

Trata-se de perspetivas diferentes e fortemente correlacionadas, com relevância para o modelo de governação. Sendo necessário não é suficiente porque a realização dos propósitos da entidade ou organização depende do modelo de gestão. Cada modelo sendo necessário não é só por si suficiente.

Analisando numa perspetiva de enquadramento o modelo de governação influencia fortemente a tomada de decisão em geral a médio e longo prazo, podendo determinar o desempenho de forma decisiva.

O desenvolvimento do mercado criou a necessidade dos portos fazerem parte de redes logísticas mais amplas e de fornecerem serviços de valor acrescentado (Verhoeven, 2009). Baseado na geografia, Suykens (1995) identificou três tradições de propriedade e gestão portuária e que são a tradição nórdica local geralmente de gestão municipal (Norte da Europa Ocidental e Escandinávia), a tradição latina com uma forte influência do

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governo central (França e Europa do Sul) e a tradição anglo-saxónica dominada pelo ‘trust port’ como forma independente de propriedade pública.

O trabalho da UNCTAD (1999) referindo-se à evolução dos portos distingue a primeira geração anterior a 1950 em que o porto servia essencialmente para transferir mercadorias, a segunda geração entre 1950 e 1980 em que o porto se alargou e integrou atividades industriais e comerciais de valor acrescentado, a terceira geração entre 1980 e 2000 em que o porto se transformou em plataforma logística e associou a comunidade portuária e a quarta geração em que os portos se integram em redes com sistemas de controlo comuns. A abordagem a esta quarta geração é mais ampla e completa na qual se consideram a dimensão operacional (operação do navio, logística de valor acrescentado e atividades industriais), a dimensão espacial (rede de terminais, separação porto-cidade e regionalização) e a dimensão social e comunitária (ecossistemas e sustentabilidade co-habitacional) (Verhoeven, 2009).

ModeloOrganizativoAtual

Os portos portugueses principais em 2010 verificaram uma taxa de utilização, no seu conjunto, ligeiramente superior a 50%, variando entre o valor mais baixo de 41,2% no porto de Aveiro e o valor mais elevado de 58,3% no porto de Leixões, prevendo-se cerca de 57% em 2015 e 66% em 2020. Os portos secundários de Viana do Castelo, Figueira da Foz, Faro e Portimão registaram taxas de utilização na ordem dos 33% prevendo-se cerca de 58% em 2020.

A visão estratégica para o setor marítimo-portuário nacional, segundo o MOPTC/SET (2006), baseia-se em reforçar a centralidade euro-atlântica, aumentar a competitividade do sistema portuário nacional e do transporte marítimo e assegurar cadeias de transporte competitivas e sustentáveis. Como condicionantes e limitações de natureza física para que tenham lugar as expansões portuárias mais significativas identificam a 1) ampliação da frente de cais, 2) ampliação da área de terraplenos, 3) criação de novos terminais portuários e 4) aprofundamento do canal de acesso e bacias de manobra; as condicionantes e limitações de natureza operacional são a 1) pressão urbana sobre a área do terminal, 2) natureza ambiental, 3) expansão do acesso rodoviário e 4) expansão do acesso ferroviário.

No estudo sobre as orientações ‘Estratégicas para o Setor Marítimo e Portuário’ o MOPTC/SET (2006) define o perfil estratégico dos portos principais considerando o Porto de Leixões como principal porto do noroeste peninsular com vocação multipurpose e aposta no segmento dos cruzeiros turísticos, ao Porto de Aveiro o alargamento do hinterland portuário à região de Castela e Leão, o Porto de Lisboa com vocação multifuncional e potenciação do turismo de cruzeiros referência nas rotas turísticas internacionais, o Porto de Setúbal com vocação para a carga geral contentorizada, privilegiando o TMCD e o Porto de Sines como porto de transhipment.

A vocação dos portos decorre dos seus propósitos para responder a necessidades regionais ou a tráfegos internacionais que influenciam o sistema portuário nacional. No caso da gestão dos portos comerciais adota-se o modelo landlord port, identificado com o princípio de retirar as AP’s e o IPTM da exploração direta dos terminais e da prestação de serviços e a aposta na participação da iniciativa privada através de contratos de concessão.

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Por sua vez, a arquitetura de governação na qual se enquadra esse modelo estabelece a relação entre o MOPTC, IPTM, portos comerciais e administração marítima, entre outros, da qual resulta a funcionalidade do sistema e o seu nível de desempenho (Figura 10). Trata-se de opções face a interesses locais, regionais, nacionais e internacionais que é necessário ponderar para o desenvolvimento.

Figura 10 – Modelo organizativo do sistema marítimo-portuário

Que atributos caracterizam um bom modelo de governação? Numa certa perspetiva N. Cabral (2008) refere-se à boa governação colocando em contraste atributos identificados pelas Nações Unidas de participação, transparência, inclusividade, equidade, responsabilidade, prestação de contas, eficácia, eficiência e enquadramento legal com os seguidos ao nível da governação europeia de abertura, coerência, flexibilidade, coordenação, responsabilidade e proporcionalidade no quadro da subsidiariedade e coregulamentação. A opção pelos atributos permite aferir o tipo de modelo de governação que, por sua vez, tem a ver com a lógica dos mecanismos utilizados para estabelecer as relações de poder entre acionistas e dos acionistas com os gestores, podendo ser os mais diversos. Por exemplo, a opção pelo modelo tipo landlord port estabelece importantes definições ao nível da unidade orgânica que por si só são insuficientes.

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PropostadeModeloOrganizativo No quadro atual das condições existentes nos portos nacionais e das exigências

competitivas, no que respeita especificamente ao modelo de governação na perspetiva da arquitetura de poderes propõe-se que sejam constituídas duas unidades orgânicas denominadas Administração dos Portos do Norte S.A. e Administração dos Portos do Sul S.A. e alargado o âmbito da instituição de supervisão que passaria a denominar-se IPTMM – Instituto Portuário, dos Transportes Marítimos e do Mar (Figura 11).

Figura 11 – Modelo organizativo dos portos comerciais

A articulação do sistema portuário envolve a institucionalização do subsistema portos

do Norte e subsistema portos do Sul e a integração estratégica dos portos de Lisboa e de Setúbal.

O IPTMM terá um Conselho de Administração formado por 5 elementos, dois dos quais serão os Presidentes dos Conselhos de Administração das sociedades anónimas responsáveis pela gestão das Administrações dos Portos do Norte e do Sul S. A. (Figura 12). Esta particularidade permitirá facilitar a colaboração entre as regiões portuárias no âmbito do IPTMM e articular o Planeamento Nacional dos Portos com os Planos Portuários de cada porto e de cada região portuária.

Figura 12 – Constituição do IPTMM

As empresas Administração dos Portos do Norte S.A. e Administração dos Portos do Sul S.A. terão, cada uma, cinco direções de serviços responsáveis pelos diversos portos sob a sua alçada: (a) Direção de Planeamento, Estratégia e Marketing; (b) Direção de Recursos Humanos; (c) Direção Financeira e de Investimentos; (d) Direção de Sistemas de Informação; (e) Direção Jurídica. A Administração dos Portos do Norte S.A. terá ainda a Direção-Geral dos Portos de Leixões e Viana do Castelo e a Direção-Geral dos Portos de Aveiro e Figueira da Foz (Figura 13).

Portos de Leixões e V. Castelo Portos de Aveiro e F. Foz Portos de Lisboa, Setúbal e Algarve Porto de SinesAdministração dos Portos do Sul S.A.Administração dos Portos e do Norte S.A.

IPTMM- Instituto Portuário, dos Transportes Marítimos e do Mar

IPTMM- Instituto Portuário, dos Transportes Marítimos e do MarConselho de Administração

Presidente ExecutivoAdministrador ExecutivoAdministrador Executivo

Administrador não Executivo (PCA Portos do Norte)Adminstrador não Executivo (PCA Portos do Sul)

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Figura 13 – Macro - Estrutura Portos do Norte

A Administração dos Portos do Sul S.A. terá ainda a Direção-Geral do Porto de Lisboa,

a Direção-Geral do Porto de Setúbal, a Direção-Geral do Porto de Sines e a Direção-Geral dos Portos do Algarve (Figura 14).

Figura 14 – Macro - Estrutura Portos do Sul

Existirão seis Direções-Gerais de Portos: portos de Leixões e Viana do Castelo; portos de Aveiro e Figueira da Foz; porto de Lisboa; porto de Setúbal; porto de Sines e portos

Administração dos Portos do Norte S.A.Conselho de AdministraçãoPresidente Executivo (PCA)

Administrador Executivo dos Portos de Leixões e V. CasteloAdministrador Executivo dos Portos de Aveiro e F. Foz

Administrador não executivoAdministrador não executivo

Direção de Planeamento, Estratégia e MarketingDireção de recursos Humanos

Direção Financeira de InvestimentoDireção de Sistemas de Informação

Direção JurídicaDireção Geral dos Portos de Leixões e V. Castelo

Direção Geral dos Portos de Aveiro e F. Foz

Administração dos Portos do Sul S.A.Conselho de AdministraçãoPresidente Executivo (PCA)

Administrador Executivo dos Portos de Lisboa, Setúbal e AlgarveAdministrador Executivo do Porto de Sines

Administrador nãoExecutivoAdministrador nãoExecutivo

Direção de Planeamento, Estratégia e MarketingDireção de recursos Humanos

Direção Financeira e de InvestimentosDireção de Sistemas de Informação

Direção JurídicaDireção- Geral do Porto de Lisboa

Direção- Geral do Porto de Setúbal

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do Algarve. Os portos de pesca ou de recreio de pequena dimensão poderão ficar sob a tutela de uma das Direções-Gerais mais próximas, sob a tutela do IPTMM ou serem concessionados ou entregues aos Municípios (Figura 15).

Figura 15 – Estrutura orgânica das Direções-Gerais dos portos

Cada Direção-Geral da região Portuária terá um Diretor-Geral e Diretores de Serviços:

(a) Direção de Obras; (b) Direção de Segurança e Ambiente; (c) Direção Dominial; (d) Direção Comercial e de Concessões; (e) Direção Administrativa.

No caso da Direção-Geral dos portos de Leixões e de Viana do Castelo, terá uma Direção do porto de Viana do Castelo. No caso da Direção-Geral dos portos de Aveiro e da Figueira da Foz terá uma Direção do porto da Figueira da Foz.

Conclusões

Defende-se a vocação e complementaridade dos portos nacionais, com infraestruturas adequadas à dimensão dos mercados com serviços eficientes, eficazes e ao menor custo. Dada a limitação do mercado nacional e o facto de se dispor de recursos escassos os investimentos deverão ser decididos por órgão comum e de forma seletiva, tendo em conta propósitos, orientações estratégicas e prioridades.É hoje uma evidência que os portos em geral integram cadeias logísticas e servem Regiões que determinam as suas condições e dimensão. No caso português, atendendo aos fatores que caracterizam os portos a sua importância económica regional e nacional e a necessidade em assegurar condições de competição ibérica e internacional o modelo de governação deverá considerar dois subsistemas de gestão identificados por Portos do Norte e Portos do Sul.

Lisboa, 19 de junho de 2011

Direção-Geral dos Portos de Aveiro e F.FozDiretor-GeralDireção de ObrasDireção de Segurança e AmbienteDireção DominialDireção comercial e de concessõesDireção AdministrativaDireção do Porto da F. da Foz

Direção-Geral do Porto de SetúbalDiretor-GeralDireção de ObrasDireção de Segurança e AmbienteDireção DominialDireção comercial e de concessõesDireção Administrativa

Direção-Geral dos Portos do AlgarveDiretor-GeralDireção de ObrasDireção de Segurança e AmbienteDireção DominialDireção comercial e de concessõesDireção Administrativa

Direção- Geral dos Portos de Leixões e V. CasteloDiretor-GeralDireção de ObrasDireção de Segurança e AmbienteDireção DominialDireção comercial e de concessõesDireção AdministrativaDireção do Porto de Viana do Castelo

Direção-Geral do Porto de LisboaDiretor-GeralDireção de ObrasDireção de Segurança e AmbienteDireção DominialDireção comercial e de concessõesDireção Administrativa

Direção-Geral do Porto de SinesDiretor-GeralDireção de ObrasDireção de Segurança e AmbienteDireção DominialDireção comercial e de concessõesDireção Administrativa

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2.4 Como agrupar os Portos Portugueses preservando a sua Autonomia

Vítor Caldeirinha

Tenho vindo a refletir, em diversos textos publicados, sobre a questão do modelo de governação dos portos portugueses.

Se por um lado, existe nos portos nacionais a necessidade do aumento da coordenação das estratégias comerciais/marketing, de investimento e meios humanos e materiais comuns, bem como de harmonizar procedimentos e ganhar massa crítica, juntando forças contra os concorrentes comuns numa visão ibérica e global, por outro lado, é fundamental garantir e manter a proximidade local, a autonomia, a agilidade nas decisões e a inteligência regional nos principais portos nacionais, evitando grandes desajustes de mudança que dificultem o período de recuperação económica em que o País se encontra.

Sem garantir a autonomia dos portos pode estar em risco a flexibilidade local de resposta ao mercado, podendo levar a processos de decisão burocrática e centralista que atrofiem a agilidade e o conhecimento do negócio, fundamental no setor portuário, sendo mais difícil atrair as cadeias logísticas. Portos que não se integrem nas exigências das cadeias logísticas de forma rápida e adequada podem ser preteridos por outros portos, noutros países concorrentes.

Por isso, se fizermos uma análise de decisão multifator com base em critérios que abranjam todas as preocupações e objetivos envolvidos, como proximidade, agilidade, autonomia, minimização dos custos de mudança, coopetition, massa crítica, harmonização de procedimentos e estratégia comum coordenada, encontramos soluções que maximizam os diversos critérios nas opções do modelo de cinco administrações portuárias nacionais, desde que seja criado um agrupamento complementar de empresas para as políticas e meios comuns, como fizeram os portos franceses de Le Havre, Rouen e Paris (o caso Haropa), bem como no modelo de duas ou três administrações portuárias que agrupem alguns portos mais próximos, sem colocar em risco as suas autonomias.

A grande questão é se for necessário, de facto, criar uma única administração portuária? Que fazer? Como podemos conferir a esse modelo propriedades que garantam a autonomia e a proximidade local, minimizando os riscos de centralização e de perda de agilidade dos processos portuários, permitindo ainda assim a melhoria da eficiência, a coordenação de investimentos e a coordenação de meios, sem perturbar a eficácia local dos serviços e as ambições legítimas de desenvolvimento e excelência das comunidades de cada porto?

No caso de ser necessário criar uma única administração portuária, por decisão do Governo ou imposição, penso que a solução para minimização dos constrangimentos que podem surgir, relacionados com o risco de centralismo, poderá passar por algumas medidas mitigadoras que deixo à reflexão, como por exemplo:

Cada porto deve ser encarado como um centro de resultados autónomo, com contabilidade própria e grande liberdade para decidir sobre questões comerciais,

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operacionais e de investimento até um limite elevado;Cada porto poderia ter pelo menos dois administradores delegados em permanência,

um deles, representante do Presidente no porto, com delegação de poderes substancial Ou pelo menos um administrador delegado e um Diretor Geral;

Dar a possibilidade às autarquias, comunidades portuárias e clientes de participarem nos órgãos de gestão a nível local;

É importante pensar a localização da sede da autoridade única, que poderá ter polos de conhecimento, ou funcionais, a Norte e a Sul, evitando o centralismo, seja a Sul, seja a Norte. Podendo ainda o seu Conselho de Administração reunir-se alternativamente a Sul e a Norte, para poder ter proximidade a cada conjunto de portos e aos seus atores;

A Sede da autoridade única poderá ter funções gerais sinérgicas: os estudos, planos e estratégia geral, decisão sobre grandes obras, marketing global, desenvolvimento de sistemas de informação, gestão estratégica de recursos humanos e financeiros, acompanhamento global de concessões, sem descurar a existência de importantes polos locais destes serviços, que deverão existir em cada porto.

O resto deve estar em cada porto. Cada porto deve ter o seu serviço de gestão local de concessões, de realização local de obras, serviços jurídicos e comerciais locais, desenvolvimento e planeamento local, serviços operacionais locais, apoio ao hardware e software local, gestão local de pessoas, serviços financeiros locais, serviços operacionais e de segurança locais.

Haverá certamente poupanças com as sinergias e com a otimização de recursos, que será um processo gradual, importante para a eficiência global do sistema, necessária aos objetivos de alavancar as exportações, criar emprego e atrair investimento estrangeiro e desenvolvimento económico.

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2.5 Portos Cinco mais Um

Vítor Caldeirinha

Há uma nova política para os portos. Pela primeira vez, vejo bem claros quais devem ser os objetivos dos portos: Serem competitivos para apoiarem as exportações, a economia e as empresas. E concretiza medida: Reduzir os custos dos portos em 25 a 30%. Esta mensagem deve ser bem recebida junto dos exportadores e dos armadores e até talvez em termos gerais junto dos portos, mas já as medidas concretas dificilmente poderão ser bem recebidas nos portos. Mexam nos outros, mas não em mim.

Nos portos está tudo bem, tudo funciona, está tudo a ganhar dinheiro. Mas o País não está a ganhar dinheiro. As empresas exportadoras não estão bem. Os desempregados não estão bem (como já referi em textos anteriores). E a Espanha, nosso principal cliente, não está bem, com efeitos nas nossas exportações.

A manta que cobre os portos tem que ser destapada para que o resto da economia e das pessoas possam produzir, ser competitivas e exportar para outros continentes, voltar a ter dinheiro e qualidade de vida.

Considero que nos portos está uma das maiores soluções para a crise. É tempo dos portos afirmarem a sua importância, retomarem o seu lugar de destaque no País, sendo competitivos, sendo as alavancas da retoma económica. É isso que o Governo se prepara para fazer.

E diz mais. Não serão apenas os trabalhadores a ceder um pouco para os portos serem mais competitivos, terem mais carga e criarem mais emprego. Os trabalhadores das autoridades portuárias já viram os seus salários diminuídos. Já contribuíram.

Os trabalhadores da estiva são também agora chamados a contribuir com maior flexibilidade. Mas as empresas operadoras, as empresas de trabalho portuário e autoridades portuárias diversas devem passar estes ganhos para os clientes finais, para os exportadores, para a economia, para ajudar a competitividade e a criação de emprego. Terão que ter maior concorrência e transparência pública das suas contas, mais fiscalização independente.

Como tenho repetido, os portos não podem ser encarados como fontes de receita

do Estado, mas sim como polos autosustentáveis de crescimento e desenvolvimento da economia e assim sim fontes indiretas de impostos acrescidos para o Estado e de bem-estar e emprego.

Mas também não devem ser fonte de rendimento desmesurado para as empresas operadoras dos terminais. A sua rentabilidade deve ser controlada e limitada a valores aceitáveis face ao risco que assumem em cada caso. Nos EUA, muitas concessões possuem limitações de rentabilidade máxima.

Os contratos de concessão de nova geração agora apresentados pelo Governo vão ao que parece no sentido correto, de incentivarem uma maior utilização e competitividade

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dos terminais, limitando ao razoável os ganhos do Estado e dos operadores, colocando o enfoque no cliente, nas empresas exportadoras e nas importadoras.

Ganhos excessivos são normalmente limitados pela concorrência. Mas nos casos dos monopólios e oligopólios privados por concessão ou Estatais, sem concorrência pura, deve haver forte regulação e fiscalização que limite a rentabilidade de cada entidade ao razoável. Os riscos devem ser equilibrados para as partes de acordo com a sua rentabilidade. As contas devem ser transparentes para os clientes.

Importa também ter a experiência dos diversos portos vertida nestes contratos de nova geração coordenados, uma vez que hoje cada porto faz os seus contratos, todos diferentes e sem olhar à experiência adquirida pelos outros portos.

É fácil aos comentadores, que não conhecem a administração portuária, falarem na necessidade de autonomia total e de descentralização do Estado, quando não fazem ideia da dificuldade de cada porto ao estar sempre a inventar a roda que outros portos já inventaram, com custos da duplicação, falta de experiência e conhecimento acumulado dos vários portos, dificuldades de uniformização para os agentes, armadores e donos das cargas, falta de economias de escala administrativas. Em cada chegada de um navio a um porto português, as regras e normas divergem e as tarifas são diferentes até na sua forma de cálculo. A Janela única portuária é diferente em cada porto.

O problema não é a necessidade de mais descentralização do Estado, mas de alguma

concentração mínima, pelo menos nos investimentos, na coordenação efetiva da gestão de concessões, no planeamento macro, no marketing nacional, nos sistemas de informação, nas normas e regras, bem como na gestão dos monopólios portuários.

Alguém que pense e racionalize um pouco em conjunto, com poder efetivo, pois hoje cada um faz o que acha melhor para o seu porto e não para o País. O problema não é ser necessária mais liberalização e concorrência entre os organismos do Estado, que afinal já nem operam os portos, mas sim no mercado real, nos terminais portuários, na operação portuária que hoje está privatizada e oligopolizada como todos os grandes setores protegidos em Portugal.

Como a concorrência “no mercado” é limitada devido à escassa dimensão deste, deve haver alguém no Estado que pense o setor em conjunto, em como liberalizar mais o mercado e como facilitar o acesso de novas empresas operadoras. Uma opção, por exemplo, pode ser fazer concursos mais frequentes e concessionar por menos tempo os terminais, aumentando a concorrência “pelo mercado”, onde tenha importância o preço a praticar aos clientes. Isto é liberalizar.

Importa é ter políticas comuns, dando poder aos exportadores e à economia. Importa ter uma estratégia internacional comum para fazer de Portugal um hub global com custos portuários e fretes mais baixos para todos os destinos intercontinentais, penetrando pelo hinterland ibérico, obrigando as cargas da Espanha a usar os portos portugueses por serem tão competitivos.

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Defender o contribuinte é garantir-lhe exportações baratas e a criação de empregos e não portos com navios feeder e fretes caros para outros continentes.

Na mão de obra portuária, importa que esta seja especializada no que sabe fazer melhor, que é operar os navios, conferindo mais flexibilidade a quem está protegido em demasia, para que os mais precários e desprotegidos possam passar a ter mais emprego garantido e melhores condições de segurança. A chamada flexisegurança.

As linhas estão lançadas. O sentido é o correto. Importa agora concretizar. Importa fazer a mudança, a reforma, mudar o status quo e mobilizar as pessoas e as empresas para a mudança, criando os incentivos certos, definindo um plano de trabalhos e garantir uma equipa política e tecnicamente forte, conhecedora e empenhada na reforma.

2012

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2.6 Os Portos Europeus não são todos geridos autonomamente

Vítor Caldeirinha

A propósito do que tem vindo a ser divulgado nos meios de comunicação social, e tendo em conta o que tenho vindo a estudar, pareceu-me importante clarificar que os portos europeus não são todos geridos autonomamente.

Os estudos europeus que têm vindo a ser realizados sobre a questão da governação portuária mostram bem que os portos europeus não são todos geridos autonomamente.

Veja-se, a título de exemplo, o inquérito da ESPO (Associação de Autoridades Portuárias Europeias) onde se verifica que só 62% das autoridades portuárias gerem apenas um porto, enquanto 15% gerem 2 portos e 23% gerem 3 ou mais portos.

Por outro lado, quando comparamos os nossos portos com outros portos europeus, a comparação deve ser realizada, em minha opinião, com portos de dimensão semelhante e não com grandes portos, que são várias vezes maiores que os nossos todos juntos.

Na Europa não existem, de facto, modelos de gestão de todos os portos nacionais numa só autoridade nacional, embora no resto do mundo existam vários exemplos disso mesmo, alguns com muito sucesso, como é o caso da África do Sul.

Podemos verificar que nos países do norte da Europa, onde estão localizados os portos europeus de maior sucesso, existem portos mais pequenos e mais semelhantes aos portugueses em dimensão, geridos conjuntamente a nível regional, como é o caso dos portos alemães da Baixa Saxónia, geridos pela Niedersachen Ports (cerca de 40 milhões de toneladas ano), ou o caso dos portos holandeses da Zeeland, geridos pela Zeeland Seaports (cerca de 30 milhões de toneladas ano).

Ora os portos portugueses movimentam cerca de 67 milhões de toneladas por ano, dos quais cerca de 22 milhões de toneladas nos portos do norte de Portugal (Aveiro, Leixões e Figueira) e o resto nos portos do sul, em especial em Sines com a importação de produtos energéticos e o movimento exponencial de contentores.

Como é óbvio, não podemos comparar cada porto nacional, mesmo os maiores, com Valência (50 milhões), Algeciras (55 milhões), Roterdão (350 milhões), Antuérpia (140 milhões) ou Hamburgo (95 milhões) (Eurostat/ESPO 2008/2010). A situação é pior ainda se falarmos em contentores, que é a carga que tem o maior valor hoje em dia.

Estes grandes portos possuem massa crítica suficiente para conseguirem economias de escala e serem eficientes como portos totalmente autónomos, com grandes terminais de contentores cheios de economias de escala e de sinergias internas, que os tornam muito competitivos apoiando as exportações locais.

Ainda assim, estes grandes portos coordenam as suas políticas comerciais e de investimentos com os portos vizinhos, criando redes, entidades e parcerias para o efeito (norte da Europa) ou tendo uma entidade muito forte que coordena os investimentos (os Puertos del Estado em Espanha), ou regiões que promovem essa coordenação (Itália).

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Temos ainda o caso francês do agrupamento complementar de empresas HAROPA, entidade que coordena o marketing e o desenvolvimento dos portos franceses de Paris, Le Havre e Rouen, criando massa crítica para serem mais eficientes e concorrerem com os portos no norte da Europa.

Os problemas dos portos nacionais são, na minha opinião, a falta de cooperação e coordenação, ou seja, as questões que referi no seminário da Transportes e Negócios no Porto:

1. Falta massa crítica - Os portos quase não passam a fronteira, não têm economias de escala, são pequenos mesmo relativamente aos espanhóis, não partilham recursos e podiam melhorar muito a sua eficiência e competitividade se tivessem massa crítica.

2. Falta de competitividade face aos concorrentes - Com exceção de Sines, os portos e os terminais são pequenos, os cais e terraplenos curtos, os acessos marítimos reduzidos, os navios pequenos, as ligações ferroviárias deficientes (estamos na 47ª posição nos portos, mas em 8ª posição nas estradas no mundo, (WEF Global Competitiveness Report 2010/2011), e em 56ª posição no Liner Shipping Conectivity Index da UNCTAD).

3. Falta harmonização de procedimentos • Diferentes JUPs e sistemas de informação nos portos; • Diferentes procedimentos das autoridades do porto e entre portos; • Diferentes procedimentos nas concessões em cada porto; • Procedimentos não normalizados nos diversos portos.

4. Falta coordenação das estratégias • Não se pensa Leixões conjuntamente com Aveiro; • Não se pensa Lisboa conjuntamente com Setúbal e Sines; • Risco de duplicar investimentos; • Não se pensa onde é melhor investir e apostar em cada caso; • Não há estratégia conjunta de desenvolvimento, comercial e marketing.

Como podemos alavancar as exportações, tornando os portos mais eficientes como os do norte da Europa, sem massa crítica administrativa, infraestrutural e de gestão?

Para as nossas empresas concorrerem no estrangeiro com as empresas holandesas e alemãs, ou espanholas e italianas, têm que ter portos tão competitivos como os desses países. E nisso, falta-nos massa crítica nos portos e nos terminais. Falta-nos massa crítica para trazer mais escalas diretas de grandes navios para mais destinos. Falta-nos massa crítica para concorrermos com os portos espanhóis no hinterland espanhol.

Qual o melhor modelo para resolver estas questões? Não acredito que a solução passe pelo IPTM como está ou mesmo reforçado. Essa solução já foi tentada.

Implicará sempre, isso é certo, uma forte dose de autonomia de cada porto e de gestão próxima e ágil, de concorrência e coopetition, aproveitando a inteligência regional e a ligação aos municípios, mas também os recursos comuns e as sinergias no marketing, planeamento e investimento.

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2.7 Concessão de Terminais Portuários na Europa - Proposta para um Guia de Boas Práticas

Vítor Caldeirinha

No início de 2012 foi publicado pela revista científica internacional Maritime Policy & Management, um artigo de Notteboom, Verhoeven e Fontanet, do ITMMA, que analisa os resultados do inquérito realizado pela ESPO e ITMMA sobre as concessões de terminais de serviço ao público na Europa. Excluem-se os terminais e portos totalmente privativos.

A maior parte das concessões dos terminais tem duração entre 21 a 40 anos e, na maioria dos casos, existe uma limitação máxima de concessão de 30 a 35 anos, ou estão sujeitas a aprovação governamental acima desse prazo.

As cláusulas contratuais mais frequentes são sobre garantias de tráfego mínimo, com o pagamento de penalização em caso de incumprimento, de desempenho ambiental, relativas a fusões e aquisições, sobre a renovação do prazo da concessão e sobre a rescisão unilateral, embora também muitos contratos tenham cláusulas de investimento mínimo, sobre o final da concessão e de renegociação.

No que respeita à opinião das autoridades portuárias europeias, referem que 90% considera que cabe às autoridades portuárias a definição dos cadernos de encargos dos concursos de concessão dos terminais e a maioria concorda que as autoridades portuárias deveriam ter poderes para atribuir diretamente a concessão de um terminal sem concurso, em caso de existirem razões estratégicas. 65% refere que as autoridades portuárias deverão poder renovar os contratos para evitar menores investimentos e perdas de eficiência nos últimos anos do prazo de concessão.

A Diretiva de serviços portuários da Comissão Europeia publicada em 2001 pretendia evitar a discriminação nos processos de escolha das concessões, aumentar a transparência e limitar os prazos das concessões de serviço público, aumentando a concorrência “pelo mercado”, uma vez que a concessão limita a concorrência “no mercado”, mas este pacote legislativo não teve o suporte político para passar no Parlamento Europeu.

Mais tarde em 2007, no âmbito da chamada “port soft law”, foi publicado um guia para os portos, referindo que as concessões de terminais atribuídas pelas autoridades portuárias devem considerar as leis europeias sobre concessões de serviços, aumentando a transparência nos processos de atribuição.

A legislação define então que a duração das concessões portuárias de serviço ao público não deve ultrapassar o tempo necessário para o retorno do investimento, salvaguardando o processo concursal periódico para potenciar a entrada de novos operadores, sendo a renovação considerada igual à atribuição de uma nova concessão. No entanto, é permitida a introdução de cláusulas que salvaguardem os legítimos interesses dos portos e das comunidades locais, defendendo muito a opinião das autoridades portuárias manifestada nos inquéritos.

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Os autores referem ainda um conjunto de boas práticas para a atribuição de concessões de terminais de serviço ao público em terrenos públicos, com vista à elaboração de um guia da ESPO:

1. Sugerem a partilha de lucros na concessão quando se exceda determinado valor da taxa interna de rentabilidade e a possibilidade de definir o prazo da concessão como variável, que termina ao ser atingida determinada taxa de retorno;

2. Os contratos devem ter cláusulas de limitação do uso da área do terminal, obrigações de investimento e manutenção, questões de financiamento, rescisão, termo e transferência dos bens do terminal;

3. Apesar das dificuldades em definir a duração máxima e a renovação, aconselham que a renovação seja feita apenas uma vez e num período máximo de 10 anos, para amortização dos grandes investimentos que tenham que ser realizados no final da concessão. Ou em alternativa, abrir concurso mais cedo, antes desses grandes investimentos.

Em conclusão, os autores constatam a diversidade de práticas na atribuição e redação dos contratos de concessão de terminais de serviço ao público na Europa, bem como a falta de regras comuns de transparência e liberdade de acesso de outras empresas ao mercado portuário, através da prática regular de concursos públicos, sugerindo à Associação Europeia de Portos (ESPO) a criação de um guia de boas práticas, face à falta de legislação Comunitária.

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2.8 Os Portos Gregos- Grandes Mudanças em Curso

Vítor Caldeirinha

O famoso investigador de portos e transportes marítimos grego, Thanos Pallis, é hoje Secretário-geral de Portos e Política Portuária da Grécia, inserido no Ministério do Desenvolvimento, Competitividade e Shipping.

Numa apresentação que fez em 2012 sobre a política para os portos gregos, refere as suas funções da seguinte forma: (a) desenho e monitorização da implementação da política nacional de portos, com o objetivo de desenvolver infraestruturas portuárias modernas, para cargas e passageiros; (b) liderança do Comité para o desenvolvimento portuário e planeamento, com vista a alocar o financiamento público e privado para os portos e monitorizar os programas de investimento; (c) responsabilidade sobre 889 portos, dos quais 12 grandes portos, só na Grécia.

Refere que na Europa existem 266 portos que movimentam carga ro-ro, 340 movimentam carga fracionada, 316 granéis líquidos, 352 granéis sólidos e 135 movimentam contentores, tendo o tráfego total diminuído em 5,2% de 2008 a 2010, com a crise económica.

Verifica que existem mudanças estruturais em curso na economia, como sejam: (a) a globalização e o novo papel das economias emergentes; (b) aumento da movimentação dos portos europeus a longo prazo; (c) aumento da procura de produtos europeus pelos países emergentes; (d) alteração do padrão industrial europeu para serviços e produtos de elevado valor acrescentado; (e) fortalecimento do mercado interno em mudança; (f) dificuldades de financiamento público na Europa do Sul;

As mudanças ocorrem também nos portos e na logística: (a) aumento da dimensão dos navios em todos os segmentos; (b) consolidação da posição dos operadores globais de terminais e dos armadores globais; (c) aumento da coordenação nas cadeias logística de transporte; (d) aumento do hinterland e do foreland dos portos; (e) pressão do ambiente e das comunidades locais.

Nos portos gregos, afirma a importância de reduzir as barreiras à entrada de privados: (a) facilitação da entrada rápida de novas empresas com novas tecnologias e novos modelos de negócios, para aumentar a concorrência e o investimento privado nos portos; (b) reduzir as barreiras na regulação (eliminar limitações, discriminação, acordos, garantias do Estado, rendimentos garantidos); (c) reduzir as barreiras geográficas à localização de novos portos e terminais; (d) reduzir as barreiras económicas (eliminar vantagens de custos reduzidos artificialmente para alguns operadores públicos e privados).

Refere ter em curso grandes mudanças nos portos gregos: (a) o projeto “poseidon”, que permite a entrada de privados nos portos gregos; (b) transformar as autoridades portuárias de operadores em landlords e autoridades reguladoras; (c) concessão dos terminais e serviços portuários; (d) atrair investimento estrangeiro; (d) assegurar a eficiência de escala e dimensão aos novos terminais e concessões.

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Se os portos devem aumentar a coordenação na cadeia de transporte marítima e terrestre, com os atores da cadeia logística, já entre portos aponta para a necessidade de aumento da cooperação formal e informal:

• Promoção conjunta dos portos gregos;

• Agência comum de marketing;

• Troca de técnicos entre portos;

• Pesquisa conjunta de clientes;

• Promover o uso dos portos todos e não apenas do seu porto;

• Acordos de formação conjunta;

• Sistemas de informação comuns;

• Planeamento conjunto;

• Parcerias conjuntas com outros atores;

• Práticas operacionais semelhantes;

• Troca de informação sobre a gestão de terminais;

• Troca de informação sobre o desenvolvimento dos portos;

• Estudos conjuntos;

• Administradores comuns a vários portos;

• Investimentos conjuntos no hinterland;

• Gestão conjunta da expansão dos portos;

• Cooperação internacional conjunta;

• Assistência técnica entre portos;

• Posições internacionais comuns;

• Ações de segurança conjuntas;

• Coordenação de investimentos em segurança e ambiente.

Alerta para a importância dos portos a nível europeu: (a) 50 milhões de TEU por ano; (b) 850 mil navios; (c) 400 mil milhões de passageiros; (d) milhões de postos de trabalho diretos e indiretos; (e) clusters industriais em torno dos portos.

Alerta para o enorme crescimento dos portos não europeus do Mediterrâneo com investimentos dos Estados: TangerMed, Misurata, Djendjen, Bejaia, Algiers, Enfidha, Rades, Damietta, Port Said, Haifa, Beirut, Mersin, Ambarli, face à escassez de dinheiro para investir nos portos Europeus do Sul.

Conclui que a monitorização do desempenho dos portos deve ir muito além da simples análise da produtividade de cais (que é uma medida redutora), focando-se também nas questões da competitividade na cadeia logística e nas operações, no impacto socioeconómico, no impacto ambiental e local, na governação e planeamento do futuro e no acompanhamento das tendências do mercado.

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2.9 Organização Portuária nos EUA, UK e Taiwan

Vítor Caldeirinha

Os modelos de organização dos portos divergem de continente para continente, de país para país e até de região para região.

Os Estados Unidos da América (EUA), o Reino Unido (UK) e Taiwan são exemplos com interesse analisar, uma vez que são casos de países/regiões desenvolvidas onde as

soluções divergem dos restantes países do mundo, existindo múltiplas soluções adotadas dentro do mesmo país.

Os EUA orientados para a intervenção do Estado nos portos e em especial nos canais de navegação, Taiwan que coordena centralmente os seus portos e o UK mais orientado para a intervenção privada, qualquer um deles com a necessidade de terem portos eficientes uma vez que são fundamentais ao comércio exterior e para o papel de domínio económico que exercem a nível internacional, em especial nos casos do Reino Unido e Taiwan, que não possuem fronteiras terrestres com o continente.

EUA

Os portos americanos possuem um papel fundamental na ligação entre os Estados Unidos, a Ásia e a Europa, quer facilitando a exportação da produção manufaturada e agrícola americana, quer a importação de veículos, máquinas, brinquedos, equipamento eletrónico, roupa e alimentos.

Os Estados Unidos possuem 183 portos comerciais de águas profundas entre o Atlântico, o Golfo do México, o Pacífico e os Grandes lagos, bem como o Alaska, Guam, Hawaii, Porto Rico, Saipan e Ilhas Virgin.

Não existe uma autoridade única nacional de regulação dos portos americanos, estando esta função distribuída pelos níveis local, estatal e federal, apesar da Constituição garantir ao Governo federal jurisdição sobre as águas navegáveis, incluindo os canais portuários, que está delegada na Guarda Costeira e no US Army Corps of Engineers.

Mas a jurisdição federal limita-se à água, pelo que os portos são geridos por entidades ou autoridades portuárias sob jurisdição dos Estados ou ao nível local. As autoridades portuárias americanas não são todas entidades autónomas e autossustentadas. Algumas têm o controlo dos Estados ou são divisões administrativas dos Estados ou municípios.

Existem inúmeros portos comerciais e terminais onde não existe qualquer autoridade portuária, cujas infraestruturas são essencialmente privadas que servem principalmente o

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movimento de graneis junto a áreas industriais importantes, como são o caso do ferro ou dos produtos energéticos para produzir eletricidade.

Existem também portos ou terminais privados que oferecem os serviços ao público, como os portos geridos por entidades públicas. São exemplo os portos de Searsport, no Maine, detido pela Bangor & Aroostook Railroad, e o porto de Benicia, na Califórnia, detido pela AMPORTS.

Algumas autoridades portuárias públicas têm jurisdição sobre dois ou mais portos, como por exemplo a South Carolina State Ports Authority que gere os portos de Charleston, Georgetown e Port Royal.

UK

Existem mais de 650 portos no Reino Unido, com poderes estatutários de autoridade portuária, dos quais 120 são comercialmente ativos, que devido à geografia do país possuem enorme importância.

Os maiores portos são 52, dos quais Grimsby e Immingham é o maior de todos em tonelagem e um dos maiores da Europa. Outros portos importantes são Dove, um porto roll-on roll-off de ligação à Europa continental, e Felixstowe e Southampton, que são os maiores portos de contentores britânicos.

A maioria dos portos do UK é privada, representando cerca de 64% do volume total do movimento portuário. Mas existem também portos detidos por empresas do Estado, os chamados Trust Ports, bem como pelos municípios.

O domínio dos portos geridos por autoridades portuárias privadas, que são detentores da infraestrutura e a operam, diferencia muito este país do resto da Europa continental, onde a autoridade portuária é sempre detida pelo Estado ou por organismos públicos.

As empresas privadas detentoras de portos no UK incluem a Associated British Ports, que detém 23% do mercado, a Forth Ports e a Hutchinson Ports, que detém as infraestruturas de Felixstowe e Thamesport.

Os principais portos detidos pelo Estado são o Porto de Dover que movimenta 16 milhões de passageiros por ano e a Milford Haven, uma importante rota do petróleo e do gás. Os portos municipais incluem Portsmouth, detido pelo City Council e Sullom Voe, porto petrolífero.

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Governação dos Portos do UK

Fonte:OCDE,“CompetitioninPortsandPortServices”,2011

Taipé

Na ilha de Taiwan, o Ministério dos Transportes e Comunicações (MTC) é responsável pelo desenvolvimento e administração dos portos. O território possui sete portos internacionais e quatro nacionais. Os portos internacionais são Keelung, Taichung, Kaohsiung, Hualien, Taipei, Su-ao e Anping, e os portos nacionais são Budai, Penghu, Kinmen e Matsu.

O MTC empreendeu um programa de reforma de acordo com o princípio internacional da separação entre gestão portuária e operações e procedeu à criação do Bureau Marítimo e Portuário para administrar o planeamento e a operação dos portos, considerando as características distintivas de cada porto e as suas necessidades. A adoção de uma abordagem de cluster portuário, permite o desenvolvimento regional com a maximização de recursos e a facilitação da criação de zonas de comércio livre, gerando sinergias de coordenação e integração.

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2.10 Um País vários sistemas Portuários

João Soares

Habitualmente pensa-se que foi a China quem iniciou o conceito de “um país dois sistemas”, mas vários exemplos demonstram que assim não foi.

Há muito tempo que no nosso país se utiliza o conceito de “um país vários sistemas” e não apenas dois.

Entre os vários exemplos que poderiam ser referidos salienta-se o caso dos nossos portos.

Cada um deles é gerido por uma Administração Portuária (AP), que embora seja S.A. não deixa de ser uma empresa pública ou equivalente, sendo o Estado o seu único acionista.

Cada porto tem as suas taxas portuárias, as quais são diferentes de porto para porto, assim como a forma de as calcular, ou seja, o mesmo navio que movimente a mesma quantidade e tipo de carga terá um custo diferente de taxas portuárias em cada um dos vários portos, sejam elas a TUP (Taxa de Utilização do Porto) navio, a TUP carga, assim como a Pilotagem, serviço que atualmente se encontra dentro do âmbito de atividade das Administrações Portuárias.

Será que esta diferença de taxas se justifica?

De facto cada porto terá diferentes custos de estrutura e de manutenção das suas infraestruturas, os quais devem ser cobertos pelas receitas das concessões portuárias e das TUP.

Mas quando se começam a conhecer os resultados financeiros das várias AP’s, os quais certamente revelam o bom e louvável desempenho das suas Administrações, somos levados a pensar, “mas afinal como é que são obtidos estes lucros”? Ou “porque é que uma empresa pública, que é suposto oferecer um serviço público, deverá apresentar lucros”?

Como as AP’s, no âmbito do seu papel de “landlord port” ou senhorio, não têm qualquer função produtiva, certamente que estes lucros são obtidos através das receitas das taxas portuárias e das concessões, sendo todos estes custos inevitavelmente pagos pelas cargas que passam pelos portos, indiretamente através dos fretes ou diretamente através das referidas taxas, acabando por ser suportados por todos nós quando compramos os produtos importados ou pelas nossas empresas quando importam as matérias-primas ou exportam os seus produtos, tendo assim uma importante influência direta na sua competitividade.

Quando estes lucros são entregues ao Estado como dividendos e não são reinvestidos nos portos, acabam por ser equivalentes a um imposto indireto o que é lastimável.

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Torna-se importante refletir de uma forma séria e construtiva, no âmbito de uma visão economicista e com o objetivo de otimização do sistema portuário nacional, colocando de parte quaisquer pensamentos regionalistas radicais e absurdos, se, porventura, fará sentido ter apenas uma única Administração Portuária a gerir o conjunto dos portos nacionais, permitindo dessa forma conseguir-se uma redução e uniformização das taxas portuárias e realizar uma melhor gestão dos investimentos públicos, acabando com uma absurda concorrência entre AP’s à conta do investimento público, ou das receitas das taxas portuárias, deixando essa salutar e necessária concorrência para os vários concessionários dos terminais dos diversos portos. Esses sim devem concorrer entre si, através dos seus investimentos e da sua operação, como empresas privadas que são.

Uma solução desta natureza faz tanto mais sentido quando se constata que a soma do total de movimento de cargas dos nossos portos nacionais é praticamente inferior ao movimento de um dos portos Espanhóis (ex. Valencia ou Barcelona).

A economia nacional certamente que sairia a ganhar, evitando-se situações absurdas como as atuais, as quais não fazem sentido, principalmente num país tão pequeno como o nosso, onde coexistem vários sistemas diferentes, mas sem a dimensão ou as razões que o justifiquem.

O Governo apresentou recentemente o seu plano 5+1 para os portos e antes disso o PET (Plano Estratégico de Transportes) onde tem um capítulo dedicado aos portos.

O plano 5+1 não será o de uma administração única para todos os portos mas pelo menos aponta para uma convergência ou concertação de decisões estratégicas dos portos através do IMT (Instituto da Mobilidade e Transportes). Esperemos que seja uma boa alternativa e sobretudo que funcione.

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3. DESEMPENHO DOS PORTOS

3.1 O Preço Portuário

Vítor Caldeirinha

O preço é o instrumento económico que possibilita a regulação automática do encontro entre a oferta e a procura de um bem, anulando sobras de recursos produzidos ou procura insatisfeita.

Apesar de não serem mecanismos perfeitos, e de poderem ser distorcidos por inúmeras circunstâncias de concorrência imperfeita, monopólio ou intervenção do Estado, os preços têm conseguido desempenhar o seu papel na economia, ao longo dos tempos.

Também nos portos, o preço desempenha um importante papel como fonte de financiamento dos investimentos, de funcionamento, manutenção e renovação das infraestruturas e equipamentos portuários, isto apesar do seu reduzido peso no valor das mercadorias e no contexto da cadeia de transportes.

A aplicação da perspetiva do utilizador-pagador é essencial para determinar o nível necessário de financiamento público dos portos, não limitando a sua competitividade face aos portos concorrentes.

O Estado pode subsidiar parcialmente a competitividade de terminais portuários cuja

viabilidade financeira seja negativa, mas cujo impacto social e macroeconómico seja reconhecido. Isto acontece na maioria dos países da União Europeia, onde os Estados e as cidades subsidiam mais de metade do investimento.

Teoricamente, os preços portuários deveriam refletir pelo menos os respetivos custos de produção ou o custo marginal social:

a) Custos variáveis que só ocorrem quando consumidos (ex: gasóleo);

b) Custos variáveis não recuperáveis (ex: mão de obra; equipamento);

c) Custos fixos (ex: terraplenos, cais);

d) Custos externos (ex: poluição).

Os custos variáveis devem estar, obviamente, ligados ao preço de utilização de cada serviço ou equipamento, regulando-se assim o seu uso, através dos mecanismos de mercado.

Os custos fixos são irrecuperáveis, mesmo no longo prazo, e devem ser ligados ao grau de utilização do porto pelo navio e pela carga, no caso dos bens comuns (i.e., meios de segurança e vigilância), e pelos concessionários, no caso dos terraplenos e cais.

Apesar disso, pode-se prever algum grau de partilha do risco entre o concessionário e concedente, a adaptação às condições do mercado, com a utilização do mecanismo das taxas variáveis e das taxas de usos do porto, também variáveis.

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As mais recentes tendências económicas apontam para: a) A redução da intervenção e da subvenção do Estado aos setores económicos,

evitando-se distorcer os mercados;

b) A autonomia financeira das autoridades portuárias, no âmbito do modelo Land Lord Port, de concessão dos terminais portuários.

Para isso, é fundamental a manutenção de taxas e preços que permitam tal desígnio, excetuando-se a comparticipação, transparente, de investimentos iniciais em cais e terraplenos de novos terminais públicos, que tenham impactos positivos na economia, mas sejam financeiramente inviáveis.

O preço e as taxas portuárias são assim instrumentos essenciais num porto, desde que não comprometam a respetiva competitividade/concorrência e não se tornem apenas fontes de financiamento de crescentes despesas correntes, desnecessárias à atividade do porto.

Por absurdo, poderíamos imaginar um porto sem taxas, mas tal implicaria: a) Não dispor de um instrumento de gestão das infraestruturas e da qualidade dos

serviços;

b) A ocupação dos cais ou fundeadouros sem limite ou critério;

c) A não existência de um limite económico para o investimento no porto;

d) A rivalidade irracional na ocupação por tipos de cargas ou navios;

e) A concorrência desleal com outros portos e modos de transporte;

f) A não afetação dos custos dos recursos despendidos aos seus utilizadores e, de forma relativa, não repercussão na economia, distorcendo o mercado;

g) O financiamento pelo Estado, e por todos nós, de serviços prestados a navios e cargas.

Este é um negócio rentável para muitas empresas. O preço portuário pode ainda ser utilizado como variável do marketing do porto, apesar da grande rigidez da procura, seguindo os valores da concorrência, regulando a ocupação das infraestruturas e a qualidade dos serviços prestados ou atraindo determinados tipos de linhas ou cargas mais interessantes.

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3.2 Satisfação e (in) Fidelidade do Cliente do Terminal de Contentores

Vítor Caldeirinha

A carga contentorizada tem verificado rápido crescimento, com a expansão dos hinterlands fruto da melhoria das acessibilidades e com o aumento do transhipment em portos no cruzamento de linhas de navegação. O crescente movimento de contentores provocou grande aumento da procura de terminais de contentores portuários, novos investimentos em terminais, verificando-se maior maior concorrência entre terminais de portos próximos ou do mesmo porto. Tal coloca em causa a fidelidade dos clientes, que procuram a maximização da sua satisfação. Para se procurar que sejam fidelizados e repetirem a opção por determinado terminal de contentores, importa maximizar o nível de satisfação do cliente, evitando a sua saída para terminais alternativos, num ambiente de forte concorrência. O dono da carga contentorizada escolhe o porto e o terminal de contentores em função da sua satisfação quanto a diversas características da oferta do terminal em termos de infraestruturas, imagem, serviços marítimos e adequação da qualidade dos serviços e organização do terminal aos requisitos da cadeia logística que utiliza. Além da localização estratégica do porto, os navios e os armadores de linha regular procuram fiabilidade (zero greves), qualidade de serviço e o menor custo de escala, taxas e tempos de estadia otimizados.

Segundo Cullinane et al. (2004), a contentorização facilitou a globalização dos serviços marítimos baseada em alianças e aquisições de linhas regulares (integração horizontal) e a oferta pelos armadores de serviços logísticos globais porta-a-porta e outros serviços de valor acrescentado na cadeia logística (integração vertical).

E foi potenciada pela ampliação das infraestruturas de transporte terrestre e pela criação de grandes parques logísticos interligados constituindo sistemas bipolares (Dias et al., 2010).

Os navios aumentaram a sua dimensão, reduzindo os fretes por contentor, surgiram grandes hub-ports alargando os seus hinterland terrestres e as zonas de influência feeder (hinterland marítimo) e aumentou a competição entre portos pelos hinterlands e pelas rotas dos grandes navios de linhas principais. Com isso, as linhas de navegação apresentam maior poder de negociação, em face da oferta alargada dos portos, exigindo maior desempenho, melhor qualidade de serviço e menor preço, tornando-se cada vez mais infiéis (Wang e Cullinane, 2006).

A escolha é cada vez mais realizada pelos operadores das cadeias logísticas ligadas a determinadas linhas de navegação, tendo por base o cumprimento dos níveis de qualidade de serviço e preço que permitam satisfazer os requisitos dos sistemas complexos que são essas cadeias de atores logísticos.

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Os terminais de contentores são importantes pontos nodais nas cadeias logísticas globais de transporte de carga contentorizada (Baird, 2006), sendo a facilidade de integração logística e o cumprimento dos requisitos das cadeias logísticas uma das razões do sucesso de alguns portos. A oferta de serviços logísticos no porto passou a ser estratégica, de forma a criar valor para os clientes ao proporcionar flexibilidade à produção e melhorar a resposta às encomendas (Juang & Roe, 2010).

Em ambiente concorrencial, a satisfação do cliente do terminal de contentores é determinada por vários fatores, nomeadamente a sua capacidade física e organizacional, a integração nas cadeias logísticas, as acessibilidades marítima e terrestre, o tipo de equipamentos de movimentação de cais e parque, bem como as linhas de transporte marítimo e terrestre a que está ligado (Tongzon and Heng, 2005).

A satisfação dos clientes tem vindo a tornar-se vital para as empresas, tendo em vista a melhoria dos produtos e a garantia da lealdade dos clientes nos mercados sujeitos a grande concorrência. Os modelos de satisfação dos clientes baseiam-se na qualidade percebida dos serviços, no valor percebido da oferta, na imagem associada à marca e nas expectativas do nível de qualidade esperado pelos clientes (Cronin et al., 2000).

Nos portos e nos terminais de contentores, a qualidade da oferta deriva da qualidade das infraestruturas e dos serviços do porto e do terminal, as características do porto e do terminal. Os principais clientes são os armadores, que escolhem o porto de escala, os seus agentes representantes dos armadores nos portos, e os carregadores ou donos da carga, cada vez mais representados pelos operadores de cadeias logísticas (Magala and Sammons, 2008), uma vez que os clientes finais muitas vezes desconhecem o porto utilizado ou qual o percurso da cadeia, comprando o serviço chave na mão.

De acordo com Robinson (2002), o valor migra de tempos a tempos dos negócios fora de moda para outros que melhor satisfaçam o cliente. As prioridades dos clientes alteram-se, surgem novas ofertas, novas escolhas, pelo que é fundamental perceber como os modernos terminais de contentores satisfazem presentemente o cliente. As funções logísticas estão cada vez mais integradas entre a cadeia terrestre e a cadeia marítima de megacarriers. O valor migrou das funções logísticas individuais para a integração de funções, caindo nas mãos dos integradores logísticos. O cumprimento dos requisitos dos clientes e a sua satisfação passou além da eficiência que tradicionalmente era considerada na perspetiva das infraestruturas (Robinson, 2002). Ou seja, a criação de valor passou da simples operação do terminal de contentores para a operação integrada até à porta do cliente final, incluindo o transporte terrestre e as áreas logísticas intermédias.

Como referem Magala and Sammons (2008), a escolha do porto é cada vez mais um processo das cadeias logísticas concorrentes, que oferecem serviços integrados aos donos das cargas finais. O processo passa por fatores de escolha do porto, da linha de navegação e do transporte terrestre. No caso do porto, aponta para critérios como acessibilidade, eficiência, qualidade, nível de integração na cadeia logística, flexibilidade e

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preços. Marlow e Paixão (2003) apontam ainda para a agilidade e flexibilidade. Na escolha da linha de navegação, apontam-se como fatores a frequência, o transit time, os fretes e o nível de integração com a cadeia logística. No entanto, a seleção da linha, pressupõe uma interação com a escolha do porto, uma vez que nem todas as linhas escalam todos os portos, desenvolvendo também as linhas um processo de escolha dos portos com base em diversos fatores de localização, mercados, eficiência, preços e qualidade dos serviços e das infraestruturas. Ou seja, se nos colocarmos no ponto de vista do porto, as suas infraestruturas e serviços devem satisfazer simultaneamente os processos de escolha das cadeias logísticas e dos armadores.

A especialização dos serviços e da infraestrutura do porto para contentores como fator de escolha, nomeadamente a taxa de contentorização, foi referida por Trujillo e Tovar, 2007, Medda e Carbonaro, 2007 e por Laxe, 2005, e espelha o grau de evolução do porto, da fase industrial para porto moderno e comercial. Os portos com maior especialização em contentores têm habitualmente maiores níveis de eficiência na utilização das respetivas infraestruturas de cais. Um porto especializado consegue normalmente ter elevados níveis de eficiência, uma vez que as suas infraestruturas especializadas para certos tipos de cargas obtêm o máximo rendimento de todos os serviços especializados.

A grande frequência de linhas regulares de contentores permite aos carregadores maior escolha, maior flexibilidade e menores “transit times”, sendo associado a uma maior especialização do porto em contentores (Tongzon, 2002). Por outro lado, as parcerias e as redes logísticas especializadas que os serviços marítimos integram, determinam também a satisfação dos clientes (Tongzon e Heng, 2005).

A infraestrutura terrestre, em especial as acessibilidades terrestres são muito importantes para alargar o hinterland e contribuir para um maior desempenho do terminal. O hinterland terrestre e a área de influência do terminal são condicionados pelo custo do transporte, alternativas, capacidade e qualidade das vias e qualidade dos prestadores de serviços de transporte, bem como pela integração nas redes principais e interligação entre as vias terrestres. Turner, Windle e Dresner (2004) verificaram a importância do impacto das acessibilidades terrestres e marítimas no desempenho e Gaur (2005) identificou fatores que afetam o desempenho do terminal, nomeadamente, o acesso marítimo e a conectividade com o hinterland. As acessibilidades são a entrada e a saída do porto, e permitem que os fluxos sejam realizados de forma mais eficiente, sendo fator que parece ser determinante na escolha do porto e satisfação do cliente.

A infraestrutura terrestre do terminal é também fundamental para a qualidade do serviço. Hung et al. (2010) utilizaram como variáveis a área do terrapleno do terminal, os pórticos de cais, os postos de acostagem do cais e o comprimento cais. Vários autores utilizam na análise da eficiência, a área do terminal e o comprimento de cais como variáveis do fator produtivo “terra” e o número de pórticos de cais, o número de pórticos de parque e do número de reach stackers para o fator produtivo “capital”. Wu et al. (2010) utilizaram a capacidade do equipamento de parque, o número de cais ou postos de acostagem, a área

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do terminal e a capacidade de armazenamento para captar as variáveis da infraestrutura do terminal de contentores. Esta variável é importante para a satisfação do cliente e pode ser representada pela largura e layout do terminal, que configuram uma visão geral sobre a infraestrutura terrestre do terminal.

Os serviços marítimos do terminal são fundamentais para a satisfação do cliente. O nível de acessibilidade marítima condiciona a capacidade do terminal e determina a dimensão dos navios, e assim o tipo e quantidade de equipamento a utilizar por navio e a profundidade do terrapleno, bem como os serviços marítimos. As acessibilidades marítimas afetam a eficiência do terminal, ao condicionar a dimensão dos navios, o valor dos fretes e a produtividade do cais, com efeitos na satisfação do cliente. Tongzon (2002) e Wiegmans (2003) verificaram a importância das acessibilidades marítimas como determinante da eficiência dum terminal. Estas definem o tipo de mercado a que o terminal pode aceder e determinam o nível da oferta de serviços marítimos aos seus clientes. A dimensão dos navios que escalam o terminal de contentores é determinante da hierarquia das rotas marítimas que o terminal oferece e um fator fundamental para o seu desempenho.

Os serviços de linha marítima determinam o sucesso dos portos que escalam com base nas parcerias que têm e nas redes logísticas que integram (Tongzon e Heng, 2005), sendo importante a questão da integração dos portos com os serviços marítimos, designadamente nas ligações de operadores globais aos principais portos mundiais e o nível de integração nas redes logísticas dos grandes armadores.

Por outro lado, a inserção dos grandes armadores de linha regular nas grandes redes logísticas internacionais permite também oferecer aos clientes um serviço mais global, mais completo, de maior qualidade e muitas vezes mais competitivo.

A organização e os serviços do terminal de contentores no seu interior e na ligação às cadeias logísticas, no que se refere ao cumprimento dos seus requisitos, são variáveis fundamentais à satisfação do cliente do terminal de contentores. O tipo de gestor orientado para o cliente e para as necessidades das cadeias logísticas ancoradas no porto, bem como o tipo de organização, são aspetos com influência sobre todos os serviços do terminal e na satisfação do cliente. O tipo de organização do terminal, mais informal ou formal, flexível ou rígida, hierárquica ou achatada, é determinante para a agilidade do terminal e a adequada resposta às necessidades dos clientes e das redes logísticas de terra e mar. A estrutura organizacional flexível do terminal de contentores é importante para se dispor de um serviço ágil para responder aos requisitos dos clientes (Liu et al., 2009).

Importa a capacidade dos operadores portuários integrarem as suas operações a montante e a jusante na cadeia logística, fazendo uso dos serviços de valor agregado, competindo com outros sistemas da cadeia, já que o fluxo de carga irá procurar os percursos e os portos que oferecem o menor custo total, com um adequado nível de eficiência, produtividade, fiabilidade e eficácia, em especial nos interfaces intermodais, adaptados à

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logística de cada carga e operador logístico. Por outro lado, a agilidade é considerada uma das principais características do desenvolvimento das cadeias de abastecimento e das empresas que dela fazem parte. Assim sendo, os terminais de contentores são cada vez mais partes importantes das cadeias logísticas e devem ter características relacionadas com a agilidade (Liu et al., 2009).

Bichou e Gray (2005) verificaram existir uma associação entre a intermodalidade e integração organizacional, e a integração dos portos nas cadeias logísticas, estando a intermodalidade relacionada com aspetos da gestão do terminal de contentores e com a cooperação organizacional e eficiência. No contexto da integração organizacional, o que parece ser a chave é o valor acrescentado que os portos podem oferecer às cadeias logísticas (Robinson 2002).

Assim, a integração dos portos na cadeia de abastecimentos pode ser alcançada através da tecnologia de informação e comunicação, da partilha de informações e da introdução de valor acrescentado às atividades e operações. A integração dos portos nas cadeias de abastecimento implica uma contínua melhoria do lean management, com a eliminação de operações de comunicação redundantes, de desperdícios e redução de custos nas operações, melhoria das operações e da prestação de serviços de valor acrescentado e satisfação do cliente, em especial do armador (Panayides e Song. 2011).

A imagem do terminal é também muito importante para a satisfação do cliente. Cheo (2007) considerou relevantes as estratégias de marketing, incluindo a comunicação e a imagem, para a captura de novas linhas e cargas. Pando et al (2005), Pardali e Kounoupas (2007) e Cahoon (2007) verificaram a importância dos instrumentos do marketing portuário para o desempenho, onde se inclui a comunicação como forma de alterar a imagem. Notteboom (2011) identificou diversos fatores relacionados com a procura do porto, nomeadamente, a qualidade dos serviços do porto, a reputação e o trabalho desenvolvido pela comunidade portuária na vertente do marketing.

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3.3 Portos: Ganhos de Eficiência para os Clientes

Vítor Caldeirinha Com a coragem reformadora que já nos habituou, o Governo impôs a passagem dos

ganhos de eficiência das administrações portuárias para os clientes finais exportadores e importadores. Desde 1 de novembro que as taxas de uso do porto aplicáveis à carga baixaram 10% em todos os portos nacionais.

A situação financeira das administrações portuárias começou a inverter-se com a concessão dos terminais portuários à gestão privada no início da década anterior, o que veio acrescentar às receitas das administrações portuárias valores adicionais de proveitos com rendas das áreas concessionadas, bem como a possibilidade de começar a reduzir o pessoal que ficou sem ocupação, ou seja ficou excedente. Com as novas rendas das concessões, as restantes taxas portuárias mantiveram-se, pelo que as administrações portuárias viram a sua situação financeira muito melhorada em geral com o passar dos anos, com raras exceções.

Depois surgiram as fortes reduções impostas a todos os salários dos funcionários da função pública e também das administrações portuárias, que reforçaram os resultados líquidos positivos dos portos ainda mais.

Por outro lado, os objetivos de gestão estabelecidos anteriormente pelo Governo incentivaram também a eficiência e a redução de custos, bem como o aumento do movimento portuário, essencialmente por concorrência com outros portos, mas não apontaram na direção da passagem ou partilha desses ganhos de eficiência para o cliente final, resultando sim no pagamento de dividendos ao Estado ou para o investimento.

Se é fundamental garantir meios para a inovação, melhoria da qualidade do serviço dos portos e da eficiência e para a expansão da capacidade dos portos, através do investimento, também é fundamental que os portos passem aos utilizadores parte dos seus ganhos de eficiência, contribuindo para um maior impacto económico e maior competitividade da economia e das exportações. Cada euro bem investido nos portos gera muitos mais euros e empregos. E cada euro que se reduz no custo de exportar também gera muito emprego.

O efeito económico é maior do que se aplicado em despesa publica não reprodutiva.Sem colocar em causa a sustentabilidade de cada porto e de forma equilibrada, deverão ser criados mecanismos automáticos nas concessões dos terminais e nos objetivos de gestão das administrações portuárias que, assegurando níveis de rentabilidade dos capitais que permitam e facilitem o investimento com boa parte de fundos próprios, incentivem também a melhoria da eficiência e obriguem à passagem de parte dos ganhos de eficiência para os clientes finais. Este pode ser um dos papéis do próprio regulador.

Simultaneamente, é importante que os objetivos de gestão incentivem também as administrações portuárias a minimizar os custos das exportações através do seu porto, entre a origem e o destino final, incluindo o transporte terrestre, a logística e os fretes de feeders e hubs, influenciando de todas as formas que for possível estes indicadores, mesmo que indiretamente ou através de mais concorrência, novos investimentos e novas formas de concessão. O papel da regulação deve também ser encontrar formas inteligentes e mecanismos de acompanhamento destas questões fundamentais para os portos portugueses e para a nossa economia.

2012

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3.4 Eficiência do Porto

A importância da eficiência do porto: Medidas de avaliação

J. Augusto Felício

A eficiência do porto é uma medida relativa que permite avaliar cada porto e estabelecer um ranking. As medidas utilizadas dependem da avaliação, observadas nas perspetivas dos inputs e dos outputs escolhidos.

Enquadramento

Na última década assistiu-se a várias mudanças na ordem económica mundial, nomeadamente, a globalização da produção e do consumo e mudanças estruturais nas relações interporto, nas relações hinterland-porto e nas relações logísticas, o que tem conduzido ao reforço do papel dos portos como nós do sistema de transporte global.

Em tal contexto, a economia de produção do porto desempenha um papel importante na gestão portuária (Park & De, 2004)14 . Reconhece-se que os portos marítimos são componentes necessárias e essenciais das cadeias logísticas por facilitarem os fluxos de comércio. No entanto, a compreensão da sua eficiência é ainda limitada, bem como o efeito dessa eficiência nos fluxos internacionais, muito embora se saiba que os melhoram significativamente. Há consenso de que a fraca performance dos portos tenha implicações na redução do volume de comércio, em especial nos países menos desenvolvidos (Wilson et al., 2003)15 , razão porque a eficiência do porto seja uma questão importante para facilitar o comércio. Tanto mais porque a sua menor funcionalidade tem impacto substancial nas cadeias de abastecimento através dos países.

Muito embora ainda não se assumam as devidas consequências e efeitos, finalmente, a ampla panóplia de entidades, operadores e outros agentes, em grande medida passaram a reconhecer que os portos são organizações complexas onde se realizam as mais diversas atividades envolvendo uma ampla variedade de agentes (autoridades portuárias, rebocadores, carregadores, etc.) com diferentes objetivos e sujeitos a desiguais níveis de competição e processos de regulação. A dificultar a situação, as atividades e serviços do porto diferem umas das outras em aspetos, tais como, a natureza das operações levadas a cabo (assegurar infraestruturas, colocação em doca, manuseamento de mercadorias, administração), a natureza dos objetivos, o grau de competição ou o nível de regulação.

Muito embora a importância da produtividade a eficiência do porto tem implicações que se refletem na economia, mormente nos processos logísticos locais, regionais e globais.

14 Park, R-K. & De, P. (2004). Na alternative approach to efficiency measurement of seaports. Maritime Economics & Logistics, 6, 53-69.

15 Wilson, J., Mann. C. & Otsuki, T. (2003). Trade Facilitation and Economic Development: A New Approach to Quantifying the Impact. The World Bank Economic Review, 17, 367-389.

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Não obstante, o porto continua a ser avaliado como entidade que desenvolve atividades da qual resultam outputs e não como indústria portuária que realiza múltiplas atividades, cada uma com os seus outputs. Este ponto de vista e outros evidenciam que sendo o porto uma entidade homogénea é também uma entidade difícil de estudar como um todo, pois o seu processo de produção é complexo (Liu, 1995)16 . A opção reside, então, em analisar atividades concretas, o tipo de cargas específicas e cada porto por si com as suas especificidades (Nombela & Trujillo, 1999)17 . Os seus outputs passam a depender dos serviços prestados, definidos consoante a natureza dos fatores, sejam a carga total, o nível de serviços, a satisfação do cliente ou o número de navios. Acresce que se confunde o conceito de porto com a autoridade portuária, o que levanta outros obstáculos por, em geral, esta entidade não operar o porto, o que distorce muitas vezes a compreensão do porto, em especial, no que se refere à análise da eficiência.

Enquanto as nações são cada vez mais globais e as suas indústrias mais expostas às pressões da concorrência internacional, há uma perceção crescente de que os serviços prestados aos seus industriais devem ser fornecidos internacionalmente numa base competitiva. Assim, há um impulso entre as autoridades portuárias para melhorar o desempenho e eficiência do porto devido ao aumento da concorrência entre portos e à crescente pressão dos carregadores para baixar os encargos do porto e do transporte marítimo. Sendo relevantes na cadeia de comércio global, o seu nível de eficiência e de desempenho determinam, em grande medida, a competitividade internacional de uma nação. No entanto, para alcançar e manter uma vantagem competitiva nos mercados internacionais, as autoridades portuárias precisam compreender os fatores subjacentes da competitividade do porto e avaliar o seu desempenho em relação ao resto do mundo, para que possam ser estabelecidas as estratégias empresariais adequadas.

O porto é um subsistema da rede de transportes, um local de encontro com outros modos de transporte e uma infraestrutura económica que serve para manusear cargas. A sua maior eficiência implica maior produtividade e rendibilidade (Ghosh & De, 2000; Lee, 2001).

As contínuas mudanças na gestão do transporte internacional, a partir de uma abordagem modal segmentada para um conceito de transporte muito mais integrado, talhado para melhor atender às necessidades prementes dos clientes das indústrias, resultam numa pressão crescente sobre os portos para reorientar os seus papéis e funções para este ambiente operacional mais exigente (Cullinane & Song, 1998). Por estas e outras razões, os gestores portuários, muitas vezes sob grande pressão para melhorar o desempenho dos seus portos, necessitam de avaliar constantemente as operações ou processos relacionados com o fornecimento, comercialização e venda de serviços aos utilizadores, o que faz com que a eficiência dos portos se tenha tornado fator crítico para a competitividade de um país e para o desenvolvimento do seu comércio (Cullinane,

16 Liu, Z. (1995). The comparative performance of public and private enterprise. The case of British ports. Journal of Transport Economics and Policy, 29(3), 263-274.

17 Nombela, G. & Trujillo, L. (1999). El setor portuário espanol: Organización atual Y perspetivas. Papeles de Economia Espanola, 82, 71-85.

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2002, Wilson et al, 2002). Daí que a aposta em melhorar o desempenho de um sistema portuário promova efeitos positivos no acesso ao mercado internacional com implicações no aumento do comércio e, consequentemente, no desenvolvimento económico.

Aeficiênciadoporto

A grande maioria das mercadorias importadas é transportada por via marítima até ao país, por onde entra por um dos portos na costa e segue por via terrestre até ao seu destino. Já as exportações realizam o percurso inverso. Logo, podem separar-se três componentes dos custos logísticos e que são o custo do transporte interno, principalmente rodoviário, o custo da transferência entre os modais e de armazenagem e o custo do transporte marítimo. De outra forma, essas mercadorias importadas (ou exportadas) incorrem em custos agregados de transporte, seguro e outros encargos. Neste caso, evidenciam-se os custos associados com os serviços de carga e descarga das mercadorias no porto (eficiência do porto), os custos de transporte até ao porto e os custos associados com a chegada e descarga do transporte (encargos de importação/exportação).

O desempenho e a eficiência dos portos de contentores são fatores críticos para a movimentação de contentores no mercado internacional de transporte marítimo. No entanto, como aumentar a eficiência da operação e reduzir o custo de operação é uma questão muito importante. Avaliar a eficiência da operação dos portos pode refletir o seu status quo e revelar as suas vantagens e desvantagens no ambiente competitivo. Por sua vez, uma rede de transporte é formada por links, ou ligações, vias pelas quais as mercadorias são transportadas, e nós, isto é, pontos em que as ligações se encontram e nos quais ocorre a transferência das mercadorias entre as ligações e, geralmente, a troca da modalidade de transporte (modal). Numa rede de transporte, o porto é o nó em que as mercadorias passam do modal terrestre para o modal marítimo. Por outro lado, para que os navios escalem alguns dos importantes portos de contentores e se liguem a outros portos com serviços feeder que apresentam baixa eficiência, muitos armadores consideram a necessidade de que se ponha cobro à degradação desses serviços e se proceda à sua melhoria.

Porém, para assegurar vantagens competitivas torna-se necessário que estes portos não só ampliem as instalações mas também que maximizem a eficiência das suas próprias operações.

É interessante verificar que a elevada aposta na eficiência técnica pura do porto pode levar à sua ineficiência, porque ao invés a aposta deveria ser a de assegurar a eficiência de escala, situações que levam à necessidade de realização de um benchmarking (So et al., 2007)18 . Em estudo realizado estes autores referem que entre os portos do Northeast da Asia, se encontravam os portos super eficientes de Hongkong, Kaoshsiung, Xiamen, Shenzen e Shanghai e como os menos eficientes de Kobe, Osaka e Tokyo. Os portos de

18 So, S., Kim, J-J., Cho, G. & Cho, G. (2007). Efficiency Analysis and ranking of major ports in Northeast Asia: An application of data Envelopment analysis. International Review of Business Research Papers, 3(2), 486-503.

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Singapura e de Busan (Korea) apareciam a meio da escala. Um aspeto interessante deste estudo, decorrente da aposta na eficiência técnica pura, sugere que no caso do porto de Busan a melhoria da sua eficiência passava por reduzir o número de equipamentos e aumentar a atividade (contentores). No caso do porto de Gwangyang passava por reduzir o comprimento dos cais e a área dos terminais e aumentar a atividade. Neste caso, a aposta residia na falta de know-how e tecnologia. É evidente que estas conclusões dependem das variáveis consideradas para medir a eficiência.

Como referência apenas evidenciar a existência de diversas metodologias para medir a eficiência, entre as quais a abordagem da DEA - Data Envelopment Analysis (não paramétrica) e os modelos estocásticos (paramétricos), que utilizam as mais diversas medidas de eficiência. A avaliação do desempenho de um porto num ambiente tão complexo é difícil. A complexidade cresce de dia para dia devido a surgirem inúmeros fatores desconhecidos. Daí que o benchmarking seja muitas vezes utilizado na gestão de serviços operacionais, devido aos padrões de serviço (benchmarks) serem mais difíceis de definir do que os padrões de produção. As dificuldades são ainda reforçadas quando as relações entre os inputs e outputs são complexas e envolvem muitos tradeoffs desconhecidos.

Porém, o benchmarking é um método amplamente utilizado para identificar e adotar as melhores práticas, melhorar o desempenho e aumentar a produtividade, particularmente útil quando não há padrões de objetivos disponíveis para definir o desempenho eficiente e eficaz.

No que respeita a opções de investimento nos portos, a adversidade ou vantagem das características de localização de um porto, em última instância, determinam a quantidade desse investimento de capital com efeitos significativos na eficiência da operação portuária aos vários níveis. Assim, a eficiência do porto, é expectável que dependa de múltiplos fatores. A combinação ótima de fatores geoestratégicos e de navegação, juntamente com a mão-de-obra, são responsáveis pela eficiência do porto e não apenas o investimento.

Por exemplo, tenha-se presente o desempenho de uma empresa como um fenómeno complexo que exige mais do que um único critério para o caracterizar (Chakravarthy, 1986)19 . Outros critérios de avaliação de um porto podem ser considerados. No caso da otimização dos recursos utilizados recorre-se à produtividade, aqui excluído.

Neste caso, por exemplo, Sachish (1996) indica que os principais fatores que a afetam são os níveis de atividade e o investimento de capital. O interesse da sua análise leva De Neufville & Tsunokawa (1981) a considerem que a produtividade dos portos aumenta com a dimensão com significativas economias de escala o que leva a recomendar investir claramente em amplos centros de carga e com precaução em pequenos portos, citado por Gonzalez & Trujillo (2008).

19 Chakravarthy, B.S. (1986). Measuring Strategic Performance. Strategic Management Science, 7, 437-458.

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Em estudos realizados, constata-se que os portos mais eficientes são na maior parte das vezes europeias ou japoneses. Em seguida aparecem os portos de países do sudeste da Ásia, como Taiwan e Coreia do Sul. Os portos mais ineficientes são principalmente chineses ou da América Central. Refira-se, de acordo com o índice de qualidade da infraestrutura portuária do GCP (2006)20 , que o país líder mundial em qualidade da infraestrutura portuária é Singapura, seguido pela Holanda, Hong Kong e Alemanha. Os Estados Unidos aparecem na 15ª posição.

Medidasdeavaliação

O produto da atividade portuária é medido pelo volume de mercadorias manuseadas (em toneladas), embora se observe que seria mais adequado trabalhar com o porto como uma unidade produtora de múltiplos produtos, já que o manuseio de cada tipo de carga é um produto distinto e há outros serviços providos pelo porto. Deve-se observar, ainda, que o facto de um porto ser relativamente mais eficiente não significa necessariamente que a sua contribuição para os custos totais de transporte de uma mercadoria seja menor, mantendo-se tudo o mais constante. Isto porque as hinterlands e as vorlands dos portos, respetivamente, as suas áreas de influência terrestre e marítima não são sobrepostas, possibilitando aos portos margem para terem algum poder de mercado.

Sabendo-se que, em grande parte dos casos, os portos não operam em ambiente de concorrência perfeita, acontece que o preço cobrado pelo produto e o custo de o produzir não é mesmo, embora guardem certa relação entre si. O custo do transporte marítimo possui uma parcela fixa e outra variável. Os custos fixos incluem os custos de capital (aquisição da embarcação) e gastos fixos, por exemplo, gastos com a tripulação, manutenção e seguros. Os custos variáveis incluem os gastos com combustíveis e os chamados custos de escala (operações portuárias). Do conjunto dos custos com os transportes associados ao comércio internacional, tem importância o custo da atividade portuária.

Clark et al (2004)21 analisaram o impacto de mudanças na eficiência portuária sobre o custo total de transporte no comércio internacional. Estes autores estimaram um modelo de tarifação do transporte marítimo a partir dos dados de taxas pagas nas importações por companhias de linha regular.

A construção dos custos depende dos inputs levados para a produção do porto que se dividem em três categorias de capital, trabalho e terra. Na primeira categoria incluem-se os inputs, número de ancoradouros, guindastes e rebocadores (Tongzon, 2001)22 . Na

20 O Global Competitiveness Report (GCR), publicado pelo World Economic Forum, mede a capacidade dos países em conseguirem elevados níveis de prosperidade para os seus cidadãos. Uma das medidas apresentadas é um índice de qualidade da infraestrutura portuária.

21 Clark, X., Dollar, D. & Micco, A. (2004). Port efficiency, maritime transport costs, and bilateral trade. Journal of Development Economics, 75, 417-450.

22 Tongzon, J. (2001). Efficiency measurement of selected Australian and other international ports using data envelopment analysis. Transportation Research, 35, 107-122.

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segunda referente ao trabalho utiliza o número de empregados da autoridade portuária e não o número de estivadores, o que seria correto por ser de difícil acesso. Na terceira referente à terra utiliza-se a área do terminal portuário. O tempo de espera é entre os inputs, um dos mais importantes de uma combinação menos eficiente dos fatores de produção, porque um porto não é ineficiente apenas quando falha em conseguir produzir a mesma quantidade de dois produtos, dispondo da mesma quantidade de fatores que os outros portos, mas também é ineficiente se para atingir a mesma produção dos outros, sob condições idênticas, leva mais tempo de espera. Os inputs incluem os trabalhadores, equipamentos, atributos hidrográficos, tecnologia de informação e comunicação e outros.

Os outputs incluem o volume do tráfego manuseado, o número de pessoal portuário treinado e outros. Contudo, são múltiplos os fatores que contribuem para a eficiência do porto, nomeadamente, as dock facilities, connections to rail and trucking lines, harbor characteristics (including channel depth and ocean/tidal movements), time to clear customs, and labor relations. Estes e outros fatores, recorrendo a metodologias, são os escolhidos, consoante as perspetivas, para determinar e compreender a eficiência do porto.

Conclusões

Os portos são entidades complexas que se devem avaliar pelas atividades que desenvolvem no quadro da indústria portuária e numa perspetiva global. A avaliação parcelar de uma ou outra atividade não possibilita a compreensão integral do papel do porto, sabendo que cada vez mais ao integrarem cadeias logísticas como nós de confluência modal e de redes, contribuem para o desenvolvimento económico do país e da região, afetando a construção dos preços, nomeadamente através da sua maior ou menor eficiência. Os fatores relevantes a considerar deverão assentar no conjunto de agentes e operadores e outros que realizam a atividade e não nas autoridades portuárias cada vez mais assumindo o papel relevante de entidades reguladoras.

Lisboa, 19 de abril de 2010

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3.5 Mão-de-obra Portuária na Europa

Vítor Caldeirinha

As alterações estruturais, tecnológicas, de escala, de tempos, de custos, a intermodalidade e a integração vertical, que têm ocorrido nas cadeias logísticas globais e em especial no âmbito do transporte marítimo, têm vindo a exigir dos portos maiores níveis de desempenho e mais concorrência. Armadores e carregadores juntam-se e pedem a uma só voz maior competitividade aos operadores portuários e autoridades portuárias.

Como importante componente de fornecimento de serviços portuários, a mão de obra dos estivadores tem sido assim crescentemente pressionada na Europa nos últimos anos para se tornar cada vez mais produtiva, flexível, eficiente e competitiva, por comparação com os concorrentes.

Os níveis de qualidade e preço exigidos pelos clientes (que somos todos nós) às cadeias logísticas não se compadecem hoje com padrões de trabalho antigo, seja em que ponto for da cadeia logística, incluindo os portos.

Surge assim uma forte pressão para a inovação, a qualificação, a flexibilidade de horários e de funções, a eficiência de custos e o acréscimo de valor à carga nos portos, através de operações logísticas dentro do terminal, o que implica mudança de mentalidades, da legislação, do tipo de formação, da organização e do tipo de serviços oferecidos, sob pena dos portos menos competitivos ficarem para trás, arrastando as regiões que deles dependem para exportar e importar.

Se por um lado é fundamental cada vez maior nível de formação e treino, melhores condições laborais, maior segurança no emprego e maior motivação, é também importante maior mobilidade e maior flexibilidade nos horários e nos sistemas de organização, para poder responder às necessidades dos clientes da forma mais eficiente possível. Ou seja o verdadeiro conceito de flexisegurança.

A aposta nos bancos de horas (alemães), nos turnos com diferentes trabalhadores, nos turnos flexíveis, no bónus por mérito e na progressão na carreira por mérito, são fundamentais ao bom funcionamento do sistema, como em qualquer empresa moderna.

Deve ser encontrado o adequado equilíbrio entre custos e desempenho em cada caso, o designado “value-to-money”, uma vez que um serviço mais qualificado e de maior qualidade também se paga, não havendo uma receita igual para todo o tipo e dimensão de terminais.

De acordo com Hooydonk, a União Europeia pode intervir de alguma forma, uma vez que o trabalho portuário sofre de diversas restrições que impedem o livre acesso à profissão e o funcionamento das leis de mercado em todos os Estados, como sucede no resto da economia, aumentando artificialmente as ineficiências dos portos, reduzindo a produtividade e impedindo a criação de emprego. Exemplos:

• Utilização obrigatória de certa “pools”, sem livre acesso a qualquer empresa de

trabalho temporário;• Registo obrigatório dos trabalhadores portuários ou obrigação de inscrição no sindicato;

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• Prioridade no acesso ao trabalho de certos trabalhadores ou sindicalizados;• Prioridade de acesso ao trabalho de familiares dos trabalhadores portuários;• Exigências de treino certificado;• Restrições de idioma ou idade;• Indefinição da área de trabalho da mão de obra portuária ou extensão a áreas

logísticas e trabalho logístico;• Limites ao número de inscrições nas “pools” e percentagens de trabalho permanente

versus eventual;• Definição do número de trabalhadores por tarefa demasiado elevado, pelos decisores

públicos ou pelos sindicatos;• Categorias restritivas que impedem a flexibilidade de tarefas;• Proibição do self-handling;• Restrição à contratação de trabalhadores permanentes;• Limitação do número de operadores;• Domínio das “pools” pelos operadores e preços de troca de serviços exagerados

entre “pools” e operadores;• Restrição do acesso de empresas ao mercado de formação portuária;• Exagerado absentismo, pago pelos contribuintes;• Impedimento de despedimento e carreira obrigatória;

As tendências nos portos europeus segundo Notteboom, que já estão a ser aplicadas em diversos portos e terminais por toda a Europa, são as seguintes:

• Aumento do número de estivados fixos, diretamente empregados pelos terminais e não em “pools”, o que está sempre muito dependente da dimensão dos terminais;

• Abertura das “pools” ao exterior, para empresas de trabalho temporário normais, e maior segurança dos temporários nas “pools” com contratos mais fixos, com salário mensal garantido (semirregulares);

• Tendência para o trabalho contínuo e o início e duração flexível dos turnos;

• Enfoque nas qualificações e na flexibilidade de funções e não nas categorias profissionais;

• Maior atenção à institucionalização do diálogo social.

• Maior importância do treino e da formação.

Importa que, depois de aprovada a nova legislação, os acordos entre empresas e estivadores tenham em consideração estas novas realidades a nível europeu e copiem as melhores práticas existentes nos terminais europeus mais competitivos, escalados pelos maiores navios das principais linhas intercontinentais, para que os portos portugueses e a economia portuguesa se torne mais competitiva.

Fontes: Hooydonk (Portius) e Notteboom (ITTMA)

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3.6 Portos com melhores acessos têm Navios maiores, movimentam mais Carga e são mais Competitivos

Vítor Caldeirinha

No âmbito do estudo que realizei em 2010 sobre os portos europeus, com recurso a uma amostra 43 portos, num universo de cerca de 230 portos, resultou um conjunto de correlações interessantes entre as variáveis relativas às principais características destes

portos, que permitem conhecer melhor o respetivo perfil de competitividade. 1. O movimento de graneis tem correlação positiva com o movimento de carga geralVerifica-se que o movimento de graneis nos portos europeus possui forte correlação

com o respetivo movimento de carga geral. Ou seja, quanto mais carga geral movimentam, maior o movimento de carga a granel. Esta linha mostra também a direção das políticas de desenvolvimento dos portos no sentido do aumento diversificado das cargas em todos os vetores, bem como a relação entre a escala do porto e o sucesso nas suas diversas valências.

2. O movimento total de carga no porto tem correlação negativa com os valores das taxas faturadas por tonelada, pela autoridade portuária

Verifica-se que os portos europeus que movimentam maior quantidade de carga conseguem ser mais competitivos nas suas faturas portuárias por toneladas movimentada, confirmando-se o efeito de escala que é reconhecido nos portos e confirmando-se que os portos que não possuem massa crítica, não podem ser competitivos por falta de economias de escala.

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3. A dimensão média dos navios que escalam o porto tem correlação positiva com o seu movimento

Verifica-se que os portos que recebem, em média, navios de maiores dimensões têm um maior movimento de carga geral no porto, o que também se correlaciona com o movimento de carga a granel (conforme visto em 1.) e, por sua vez, com o movimento total do porto, possuindo assim correlação negativa também com a fatura do porto por tonelada (ver ponto 2.). Ou seja, a dimensão dos navios está relacionada com a dimensão da carga movimentada no porto e com a competitividade do porto. Os maiores portos são mais competitivos, mais baratos e recebem navios maiores.

4. A dimensão dos navios que escalam o porto está correlacionada com os fundos de

acesso marítimo do porto

Apesar de ser uma verdade previsível, poderia não ser uma relação matemática, uma vez que alguns portos com grandes fundos poderiam não receber navios maiores em média, embora tivessem esse potencial. Mas o que se verifica é que os portos apenas dragam e mantém os grandes fundos quando têm navios com dimensão e estes apenas escalam o porto se tiverem garantido esse acesso. Em resultado e em média, os portos com melhores acessos são escalados por navios maiores, movimentam mais carga e são mais competitivos (baratos para os clientes).

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5. Os maiores navios não escalam os portos do norte da Europa

Verifica-se que os maiores navios escalam os grandes portos graneleiros do sul da Europa. Mas os restantes navios tanto escalam os portos do norte, como do sul da Europa, sem que se vislumbre relação entre a distância ao centro da Europa e a dimensão dos restantes navios.

Assim, verifica-se empiricamente que para termos portos mais competitivos que alavanquem e apoiem mais a economia, precisamos de escala e dimensão, seja no movimento de carga, seja no tamanho dos navios, seja nos fundos dos portos e dos terminais.Uma estratégia nacional que encare os portos como alavancas das exportações e da economia deve ter em conta esta realidade e traçar uma estratégia para a atingir com o menor número de recursos possível, mas com o maior impacto possível e pensando global e integrado nas redes logísticas e marítimas globais e ibéricas.

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4. PORTOS PORTUGUESES

4.1 Reforma dos Portos- Menos Estado e mais Regulação = Competitividade

Vítor Caldeirinha

O Governo anunciou e começou a cumprir a sua nova política para os portos com grande coragem nunca vista desde que estou no setor, clarificando os objetivos destes no sentido de serem mais competitivos para facilitar as exportações e criar emprego, apontando para a necessidade de redução dos custos da fatura portuária até 30%.

A reforma deve em meu entender passar por alguma redução da dimensão do Estado e das taxas das Administrações e Autoridades Portuárias, reduzindo custos e pessoal operacional que ficou após as concessões e que se vai reformando, partilhando serviços, centralizando as funções que confiram racionalidade aos investimentos e maximizem os meios, sem perder a proximidade operacional no dia a dia.

Apesar disso, as Administrações Portuárias (APs) e os órgãos regulador e coordenador devem reforçar a qualificação dos meios humanos com que ficarem, assumindo as APs um papel mais ativo como autoridade harbourmaster coordenador das diferentes autoridades no portos, como empreendedor comercial público que lidera economicamente o desenvolvimento e o marketing do porto e apoiando o papel dum regulador mais musculado, no sentido de assegurar a concorrência efetiva no e pelo mercado, tornar transparente a fatura portuária, evitar rendimentos excessivos das empresas e aproximar os preços do valor de equilíbrio entre eficiência do mercado e sustentabilidade das empresas.

Todos os atores dos portos devem contribuir com a redução de custos e margens, gorduras e ineficiências para níveis normais. Só sendo eficientes poderão os ganhos passar para a economia, para as exportações e atrair mais armadores de linha, com navios mais eficientes, modernos e de escala direta para mais destinos, de forma mais rápida. Uma coisa depende da outra. Para reduzir os fretes, que têm a ver com o mercado, e os custos de inventário com o tempo de viagem e imobilização nos portos de transhipment, é importante atrair mais linhas e mais navios de escala principal, para mais destinos.

Quando funciona a concorrência, está tudo bem, mas quando existe oligopólio ou coordenação de preços ou rendimentos excessivos face aos custos, devem as autoridades intervir com determinação no sentido de regular e repor as condições de mercado, a concorrência, a transparência da informação das contas dos prestadores de serviços, fixando preços máximos, taxas de rentabilidade máximas e estimulando a ida regular das concessões a concurso, ainda que seja dada preferência a quem está se quiser igualar a melhor proposta. Quando o mercado não funciona bem por falta de massa crítica, como é o caso dos portos em Portugal, ou quando há o risco de práticas de concertação de preços e barreiras à concorrência, o que é necessário evitar sempre, justifica-se uma intervenção forte da regulação fazendo o trabalho do mercado.

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Não vale a pena apontar as gorduras dos outros para justificar manter as suas, nem vir com o argumento que cortar no meu preço vai engrossar o rendimento dos outros. Bem anunciadas as medidas, os clientes saberão que podem que pagar menos na sua negociação e outras medidas complementares devem ser tomadas para tornar as contas dos prestadores de serviços transparentes aos clientes e concorrentes, para que o mercado faça melhor o seu trabalho. A fatura portuária apresentada aos clientes carregadores deve ser transparente, evidenciando os custos de cada serviço, de cada taxa, espelhando o que é o frete, o custo do terminal, das autoridades, etc., facilitando a comparação, procurando aumentar a livre concorrência e evitando a coordenação de preços e os rendimentos excessivos. Sem intervir demais no mercado, todas as regras que criem transparência e facilitem a concorrência são justificadas quando o mercado possui risco de não funcionar de forma adequada, gerando rendimentos excessivos face à média da economia, sem justificação nos custos.

Noutra vertente, é fundamental atuar no sentido do aumento da massa critica dos terminais e dos portos, racionalizando, captando mercado ibérico, criando portos mais modernos e profundos que recebam os mais modernos navios de linha intercontinental com fretes e principalmente tempos mais favoráveis para mais destinos, sem custos de inventário com perdas de tempo feeder que caracterizam a oferta portuária portuguesa há muito tempo.

As economias de escala permitem menores custos por unidade e melhor serviço, para além de permitirem mais concorrência, facilitando o número de prestadores de serviços em concorrência, seja nos portos, seja no transporte marítimo, melhorando ainda mais a qualidade do serviço e a sua competitividade.

A questão é tornar o conjunto de prestadores de serviços portuários mais competitivos e os portos mais competitivos, coordenando a nível macro e regulando a nível micro para proteger os clientes, contribuindo para a competitividade das exportações, mas assegurar o desenvolvimento dos portos e a sustentabilidade das empresas e o investimento na inovação e no acompanhar dos concorrentes.

São boas notícias para as empresas exportadoras, uma vez que apesar de se referir constantemente estar tudo bem nos portos, o que se verifica na realidade é que o País tem problemas e as empresas exportadoras precisam de portos competitivos inseridos em redes marítimas de primeiro nível, também muito competitivas.

O índice de conectividade marítima deve aproximar-se do resto da Europa, tendo em conta a posição geoestratégica e a confluência de tantas rotas na nossa costa. Elevar o nível de conectividade do País é fundamental para elevar a competitividade do País.

Os portos devem contribuir para a saída da crise, tornando-se mais competitivos como os seus concorrentes Espanhóis e Marroquinos.

A muralha que cerca os portos tem que ser aberta para que o resto da economia e das empresas possam exportar de forma mais competitiva para outros continentes, criando emprego. É tempo dos portos tomarem o seu lugar de destaque, sendo competitivos, sendo as alavancas da retoma económica.

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Os trabalhadores das autoridades portuárias já viram os seus salários diminuídos. As taxas portuárias já baixaram. Já contribuíram. Os trabalhadores da estiva são também chamados a contribuir com maior flexibilidade, para que sejam criados mais postos de trabalho e os portos sejam mais competitivos. As empresas devem passar estas reduções de custos aos exportadores, à economia.

Terão que baixar preços e ter maior concorrência e transparência das suas contas, ganhar massa crítica. Os portos não podem ser encarados como fontes de receita do Estado, mas sim como polos de crescimento e desenvolvimento da economia e assim, como fontes indiretas de impostos acrescidos para o Estado e de bem-estar e emprego.

As medidas vão no sentido de incentivar uma maior utilização e competitividade dos terminais portuários, limitando ao razoável os ganhos do Estado e dos operadores, colocando o enfoque no cliente, nas empresas exportadoras e também nas importadoras.

Existe a necessidade de alguma coordenação mínima nos portos, pelo menos nos investimentos, concessões, planeamento, marketing nacional, sistemas de informação, normas e regras, bem como na regulação portuária. Alguém que pense e racionalize um pouco em conjunto, com poder efetivo, pois hoje cada um faz o que acha melhor para o seu porto local, mas não para o País.

Importa ter políticas comuns, dando poder aos exportadores e à economia, mas apostando também em ter operadores mais fortes nos portos, com terminais com maior escala, que sejam sustentáveis, com menos barreiras à concorrência e à entrada de novos operadores. Importa ter uma estratégia internacional comum para fazer de Portugal um hub global competitivo para todos os destinos intercontinentais, penetrando pelo hinterland ibérico.

Importa criar zonas francas de atividades logísticas e industriais que sejam polos de desenvolvimento e atração forte de investimento estrangeiro e nacional e de criação de emprego junto a portos hub. Defender o contribuinte é garantir-lhe em primeiro lugar exportações competitivas e a criação de empregos. É garantir um futuro para Portugal.

2012

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4.2 Portos da Madeira

Vítor Caldeirinha

Estive há pouco tempo na Madeira, a lecionar uma cadeira sobre transportes marítimos, portos e sistemas de transportes, organizada por um professor da Universidade da Madeira visionário que pretende criar redes de empresas entre Portugal e os países onde estão os nosso emigrantes, à semelhança do que fazem os italianos para venderem os seus produtos tradicionais. Nesta estadia, tive oportunidade de conhecer de perto um pouco da realidade dos portos da Madeira. O curso permitiu-me perceber melhor a realidade insular.

Se os portos da Madeira beneficiam de águas muito profundas na proximidade, por outro lado, esta característica encarece muito qualquer obra marítima que se pretenda fazer na proteção dos cais, como aconteceu no caso do Porto novo do Caniçal, obrigando as taxas portuárias a sustentarem o equilíbrio e a continuidade da gestão da oferta portuária, uma vez que os contribuintes já não têm capacidade para ajudar.

Se a mão-de-obra é abundante e qualificada, em especial neste momento de crise, já o investimento falta e a carga tem vindo a diminuir drasticamente no porto, dependente da importação de bens de consumo e matérias-primas, num momento em que não há construção, nem investimentos, em que o turismo inglês se ajusta com a crise e as pessoas começam a reduzir muito o consumo, numa ilha onde a população local é relativamente reduzida, quando comparada com as ilhas espanholas próximas, faltando massa crítica ao hinterland para atrair mais linhas e navios maiores. A exportação de bananas está a retornar, mas não equilibra os contentores vazios, que continuam a exportar o bom ar da ilha para Lisboa.

O clima é muito bom, estavam dias de praia em janeiro, atraindo crescente número de navios de cruzeiro, apesar da ameaça do Dengue que pairou em 2012, mas que tem estado a ser combatida com sucesso, ao que me disseram. O excelente aeroporto poderia estar associado ao início das escalas na Madeira, desde que os turistas pernoitassem pelo menos uma noite nos hotéis, mas parece que não é o caso quando tal sucede, indo os turistas direitos do aeroporto internacional do Funchal ao porto para embarcarem com as malas, sem gastar nada na ilha.

Os portos da Madeira são geridos por uma única entidade, estando os portos da ilha da madeira estão já especializados, tendo os terminais de mercadorias sido transferidos para o novo porto do Caniçal, que apenas tem fundos de 11 metros ainda, infelizmente. O porto da cidade do Funchal ficou dedicado aos cruzeiros, à náutica e ao turismo, combinando de forma excelente a sua nova gare marítima moderna com a beleza da cidade e da região. Apesar da inserção na extensa plataforma da Zona Económica

Exclusiva portuguesa, a Madeira não vislumbra ainda efeitos da viragem o País para o mar e para a exploração do mar e dos fundos do mar, nem sequer das vantagens localização geoestratégica portuguesa para o transporte marítimo, tendo, à semelhança do continente, sido ultrapassado a alta velocidade pelos vizinhos espanhóis no que se refere a transhipment e ao papel de hub intercontinental no atlântico, apesar da proximidade da

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língua com o Brasil e Angola e da localização tão excelente como Tanger, Algeciras ou Las Palmas.

O equipamento e as infraestruturas da ilha são muito boas, mas nos portos, apesar dos grandes investimentos, a atividade é cada vez menor com a crise e não existem condições físicas para atrair motherships, nem ser de um hub atlântico na CPLP. Faltam cais, equipamentos e terraplenos para grandes navios, bem como massa crítica local que atraia as linhas intercontinentais numa primeira fase. Apesar de estar numa situação semelhante, Cabo Verde é mais ambicioso e entende ter um hub de transhipment como prioridade. A Madeira também poderia aspirar. Por que não. Assim encontre um player mundial com interesse e tenha um local com custos comportáveis, o que carece de investigação e venda da ilha no mercado do shipping.

A falta de massa crítica, leva a que a oferta regular de transporte marítimo entre Lisboa e o Funchal seja regulada pelo Governo Regional, com concorrência pelo mercado e não tanto no mercado. O mesmo acontecendo na operação do porto do Caniçal por uma única empresa licenciada, que agora poderá ter que ser concessionado por concurso público.

A falta de massa crítica reduz a concorrência, as economias de escala e a eficiência, encarecendo os serviços para poderem ser sustentados. A regulação é complexa e difícil e nem todos estão satisfeitos com os efeitos nos elevados preços dos bens consumidos na ilha.

Fomentar mais os cruzeiros, o turismo e a náutica, carece de aumento a oferta, e é um dos pilares de desenvolvimento do porto do Funchal. Outro pilar para a Madeira, poderá ser voltar-se para o transhipment e procurar atrair um player mundial para investir, face à falta de dinheiro. O tráfego tradicional demorará anos a recuperar e dificilmente terá grande incremento no futuro, estando já servido pelas infraestruturas portuárias existentes.

Jan 2013

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4.3 Movimento de Mercadorias nos Portos Portugueses

J. Augusto Felício

O transporte marítimo continua a crescer a par da atividade económica mundial. No caso do sistema portuário nacional, em situação de profunda crise, os dados disponíveis (2011 e 2012 prev.) mostram o aumento do movimento de cargas nos portos, com alteração significativa entre os principais portos, excluindo os granéis líquidos, nomeadamente entre o porto de Leixões e portos do sul. O porto de Sines deverá analisar-se como porto de transhipment.

Enquadramento

O comércio mundial é transportado em 80% por via marítima enquanto 40% do comércio intraeuropeu de mercadorias utiliza o transporte marítimo de curta distância (tmcd), num quadro em que as empresas europeias possuem 41% da frota total mundial (dwt). Esta frota mundial deverá atingir as 100 mil embarcações, com cerca de 2.100 milhões de toneladas de porte bruto (dwt), em 2018, quando em 2008 se registavam cerca de 77.500 navios com aproximadamente 1.156 dwt. Por sua vez, o transporte marítimo na UE-27 deverá crescer de 3,8 mil milhões de toneladas em 2006 para cerca de 5,3 biliões de toneladas, em 2018 (EU, 2009)23 .

No ano de 1990 movimentaram-se no mundo cerca de 85 milhões de TEU. Em 2010 registaram-se 531,4 milhões de TEU o que corresponde a um crescimento mais de seis vezes, crescimento que continua imparável, com ressalva dos anos da crise recente em 2009 (UNCTAD, 2011)24 . Dos 20 maiores portos de contentores em 2010 as economias em desenvolvimento registam 14 em países asiáticos. Os restantes 6 portos são de países desenvolvidos, 3 localizados na Europa e 3 na América do Norte. Verificou-se o declínio dos portos norte-americanos em termos de quota de movimentação de contentores no mundo. Esses 20 maiores portos de contentores responderam por cerca de 47,9% do movimento mundial de contentores em 2010, acima dos 47.1% em 2009, mas abaixo do valor de 48,1 por cento alcançado em 2008, antes da crise financeira global.

Os 10 maiores portos do mundo, em 2011, são o porto de Shanghai (29 069 000 TEU), Singapore (28 430 800 TEU), Hong Kong (23 532 000 TEU), Shenzhen (22 509 700), Busan (14 157 291 TEU), Ningbo (13 144 000 TEU),Guangzhou (12 550 000 TEU), Qingdao (12 012 000 TEU), Dubai (11 600 000 TEU) e Rotterdam 11 145 804 TEU). Os portos da Europa Ocidental são predominantemente operados por entidades privadas e apenas cerca de 7% são controlados pelos Estados, enquanto na Europa de Leste controla cerca de 16% (UNCTAD, 2011).

23 European Commission (2009). Maritime Transport Strategy 2009 – 2018. Communication from the Commission to the Council, the European Parliament, the European Economic and Social Committee and the Committee of

the Regions. 24 UNCTAD (2011). Review of Maritime Transport. New York and Geneve: United Nations.

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Movimentodemercadoriasem2011

Os portos portugueses25 de Viana do Castelo, Douro e Leixões, Aveiro, Figueira da Foz, Lisboa, Setúbal e Sines (7), em 2011, movimentaram carga num total de 66,79 milhões de toneladas (100,0%), repartindo-se por carga geral 23,17 milhões (34,7%), granéis sólidos 16,35 milhões (24,5%) e granéis líquidos 27,62 milhões (40,8%). Em 2009 movimentaram-se 60,62 milhões de toneladas, 64,95 milhões em 2010 e 66,79 milhões em 2011, o que corresponde a um acréscimo de 10,2% entre 2009 e 2011 (2 anos).

Excluindo-se os granéis líquidos - petróleo bruto e produtos petrolíferos - que exigem condições de movimentação especiais e especializadas, o total de mercadorias de carga geral e granéis sólidos movimentadas totalizam 39,52 milhões de toneladas. Trata-se de um valor de referência mais adequado quando se refletem a dimensão do porto e condições de manuseamento e movimentação de cargas nos terminais portuários.

Isto porque, em geral, quando se abordam os portos nesta perspetiva não se consideram os granéis líquidos por exigir instalações especiais e pelo facto dos líquidos requisitarem outras condições tecnológicas para o seu transporte e manuseamento.

A análise da dimensão dos portos ou dos seus terminais portuários, numa perspetiva competitiva, no que respeita às condições que oferece aos carregadores e demais operadores e agentes, deve centrar-se na sua importância comercial e requisitos que envolvam a operação e manuseamento de cargas e mercadorias, excluindo as cargas líquidas e afins. Verifica-se, no entanto, hoje em dia, que essa análise é ainda mais restritiva por se centrar em geral no movimento de contentores do porto e dos respetivos terminais. Destacam-se, então, três orientações de abordagem. Numa inclui-se o total de cargas movimentadas (carga geral, granéis sólidos e granéis líquidos) observando o porto de forma integrada; na segunda abordagem excluem-se os granéis líquidos por exigirem instalações especiais; na terceira, consideram-se as cargas contentorizadas, por serem as unidades mais utilizadas diretamente pelos agentes e carregadores.

Avaliem-se, então, os portos excluindo os granéis líquidos. Nos sete portos portugueses, em 2011, o movimento total foi de 39,2 milhões de toneladas. Deste total os cinco portos principais movimentaram 37,4 milhões de toneladas (95,4%), assim: porto de Lisboa 10,46 milhões de toneladas, porto de Sines 9,63 milhões, porto de Leixões 8,75 milhões, porto de Setúbal 6,26 milhões, porto de Aveiro 2,28 milhões. Nesta perspetiva, o grau de importância relativo evidencia que os portos do norte do país (Leixões e Aveiro) asseguram 29,5% do movimento de carga geral e granéis sólidos; os portos do sul do país (Lisboa, Setúbal e Sines) asseguram 70,5%. A importância relativa dos portos por região norte e sul é muito distinta.

Avaliem-se, agora, os portos centrados na movimentação de contentores (toneladas de carga e TEU). Aqueles cinco portos principais, em 2011, movimentaram 17,2 milhões de toneladas (43,9%) (1.578.306 TEU), assim: porto de Lisboa 5,58 milhões (541.907 TEU),

25 Consideram-se os portos do continente.

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porto de Leixões 5,41 milhões (514.087 TEU), porto de Sines 5,49 milhões (445.185 TEU), porto de Setúbal 0,74 milhões (77.127 TEU) e porto de Aveiro 0,0 milhões de toneladas. Fazendo a mesma análise os portos do norte do país (Leixões e Aveiro) asseguram 31,4% do movimento de contentores e os portos do sul do país (Lisboa, Setúbal e Sines) asseguram 61,6%. Verifica-se que os portos do norte do país aumentaram o peso relativo na análise centrada no movimento de contentores. Porém, deverá avaliar-se se esse movimento de contentores tem o mesmo significado ou representa diferentes filosofias de negócio e, neste caso, perceber se estão relacionados com a atividade económica do país. De facto, são diferentes. Não se podem analisar da mesma forma portos comerciais e portos de transhipment. Nestes, grande parte da atividade não tem a ver com o país, por se tratar de movimentos de cargas em escala para distribuir para outros portos e regiões.

O porto de Sines é essencialmente um porto de transhipment. Os restantes são portos comerciais. A filosofia do negócio de portos comerciais e portos de transhipment é diferente.

O porto de transhipment, em função do modelo adotado, é eminentemente um ‘porto plataforma’ devido à sua posição geoestratégica, dependente da opção dos armadores ou de operadores portuários para realizar as suas estratégias globais, em consonância com as cadeias logísticas internacionais, regionais ou transcontinentais. Utilizam este tipo de porto como plataforma para redirecionar fluxos de carga e mercadorias para os mais diversos destinos ou proveniências. Os portos comerciais justificam-se com base nos fluxos de mercadoria e cargas da região de implantação do porto, alargado ao hinterland, com base no qual se criam estruturas e sistemas logísticos para operacionalizar o tráfego de navios e os fluxos recorrendo ao sistema intermodal.

Feita a diferenciação, na prática, quando se avaliam e dimensionam as estruturas portuárias é necessário adequar a finalidade e propósito do negócio do porto. Por um lado, observa-se o negócio baseado no transhipment desligado, em grande parte ou totalmente, dos fluxos locais e regionais; por outro, o negócio baseado nas operações comerciais que servem especialmente os sistemas logísticos locais e regionais, ou seja, asseguram necessidades de deslocação de cargas e mercadorias dos carregadores (produtores, armazenistas, retalhistas, redes logísticas, etc.)

Observando o movimento de carga geral e granéis sólidos, os portos do sul absorvem 70,5% do total do movimento dos cinco principais portos nacionais. Quanto ao movimento de contentores os portos do sul são responsáveis por 61,6% do total movimentado por esses mesmos portos. Em qualquer dos casos o porto de Lisboa é a entidade mais relevante do país. No caso da movimentação de contentores o porto de Leixões é a segunda entidade com maior volume de contentores.

Retiram-se daqui três notas: primeiro, a zona sul do país é preponderante no movimento portuário nacional; segundo, o porto de Leixões, ainda que em segunda posição, tem vindo a reforçar o seu relevo no panorama portuário nacional na movimentação de contentores; terceiro, o porto de Sines não tem ganho relevância como porto de transhipment, mesmo

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sendo concessionário o terceiro maior operador à escala global (Port Singapure Authority- PSA) movimentando 65,1 milhões de TEU, em 2010 (UNCTAD, 2011)26 , entre outras razões, porque a estratégia da PSA não releva o porto de Sines, no quadro competitivo com os portos de Algeciras e Tanger-Med27 .

A lógica de desenvolvimento do porto de Sines reside fora do país. É, sem dúvida, a maior estrutura portuária nacional e uma grande estrutura no quadro marítimo-portuário internacional. A lógica dos investimentos realizados, contrariamente a outros projetos nacionais, tem sentido numa perspetiva geoestratégica. Depende, por isso, de apostas estratégicas, no quadro de cadeias logísticas globais, cujos centros de decisão sendo económicos são eminentemente políticos. Veja-se, por exemplo, a decisão tomada para a localização da fábrica da Auto-Europa em Palmela, a par de outros investimentos baseada em forte componente política. Aqueles investimentos, à parte a componente de porto industrial, a construção do porto de transhipment beneficia da opção por criar zonas de atividades logísticas (ZAL) e zonas de implantação para grandes indústrias (ZIGI). O porto de Sines localiza-se na fachada Atlântica da Europa, que deverá realizar o feedering para regiões da Europa e outras. Sendo importante a construção e ligação ferroviária ao centro do continente europeu, nunca será a sua razão fundamental de existência como porto de transhipment. Ou, então, passará a ser um porto comercial, neste caso, com diferentes opções estratégicas. Não quer dizer, com isto, que não desenvolva alguma atividade como porto comercial, em especial para o hinterland espanhol, mas nunca determinante. Está- se em competição direta com entidades com muito mais massa crítica que dispõem de instrumentos poderosos (organização, volume de investimento, cadeias logísticas, etc.), cujos interesses se antagonizam com os nacionais e com os do porto de Sines. Quando se aborda com insistência, a partir de Sines, o abastecimento da região de Madrid, deveria ter-se presente a dimensão do porto de Valência, o maior de Espanha e um dos dez maiores portos da Europa, que movimenta mais de 4,2 milhões de TEU (2010). Os portos portugueses representam 38,0% do total de contentores (TEU) do porto de Valência.

O porto de transhipment espanhol é Algeciras que movimenta 3,6 milhões de TEU (2011). O conhecimento indica que um porto de transhipment, em geral, como foi o caso, não se constrói para movimentar algumas centenas de milhares de contentores, mas para grandes movimentos à escala dos milhões de TEU. A realidade do porto de Sines ao fim de tantos anos situa-se em cerca de 0,5 milhões de TEU, o que deveria exigir mais profunda reflexão.

26 O primeiro operador global é a Hutchison com 75 milhões de TEU e o segundo maior operador a APM com 70 milhões de TEU,

27 Tema de grande importância, na lógica da competição entre operadores portuários globais e grandes armadores, pelo domínio de rotas marítimas globais e fluxos de carga e mercadorias. De referir o papel da Maersk, entre outros operadores marítimos, e da PSA pelo domínio das cadeias logísticas globais e regionais. No caso particular do porto de Sines a PSA detêm fortes interesses no porto de Tanger-Med que se localiza na mesma área de intervenção.

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Movimentodemercadoriasno1.ºsemestrede2012,comprevisãoanual

O movimento de mercadorias nos portos portugueses, durante o 1.º semestre de 2012 registou 35,1 milhões de toneladas (100%), repartindo-se por carga geral 12,45 milhões, granéis sólidos 8,88 milhões e granéis líquidos 13,72 milhões. Admitamos que o comportamento do movimento de cargas para o 2.º semestre é similar.

Neste caso as projeções indicam que em 2012 se obtém um movimento total de cargas da ordem dos 70,1* milhões de toneladas. Excluindo-se os granéis líquidos, o total de mercadorias de carga geral e granéis sólidos movimentados totalizarão 42,7* milhões de toneladas, em 2012. Os cinco portos principais projetados para o ano movimentarão 40,3* milhões de toneladas (1S=20,7 milhões de toneladas), respetivamente, porto de Sines 12,14* milhões, porto de Lisboa 10,62* milhões, porto de Leixões 9,02* milhões, porto de Setúbal 6,30* milhões e porto de Aveiro 2,26* milhões.

Em termos relativos o grau de importância relativo evidencia que os portos do norte do país (Leixões e Aveiro) asseguram 27,9% do movimento de carga geral e granéis sólidos; os portos do sul do país (Lisboa, Setúbal e Sines) asseguram 72,1%. A importância relativa dos portos do sul além de ser muito distinta tende a aumentar.

Os cinco portos principais avaliados em termos de movimentação de contentores (toneladas e TEU) deverão em 2012 movimentar 18,4 milhões de toneladas (1.700.982* TEU) (acréscimo de 7,8% em TEU relativamente a 2011), o porto de Leixões 5,86* milhões (565.852* TEU), o porto de Lisboa 5,61* milhões (556.398* TEU), o porto de Sines 6,46* milhões de toneladas (520.772* TEU), o porto de Setúbal 0,51* milhões (57.958* TEU) e o porto de Aveiro 0,0* milhões de toneladas. Os portos do norte do país (Leixões e Aveiro) asseguram 33,3% e os portos do sul 66,7%. Os portos do norte do país perdem peso em relação aos portos do sul, devido ao incremento de atividade do porto de Sines, como porto de transhipment. Porém, o porto de Leixões passou a liderar o movimento de contentores no país, o que denota o aumento de atividade exportadora e de importação das empresas da região norte.

ConclusõesNo quadro de crise económica e política na Europa, decorrente da emergência de

novas potências económicas mundiais, a União Europeia deverá continuar a crescer no campo das trocas internacionais, muito embora o decréscimo relativo do seu peso global. O transporte marítimo por desempenhar papel central nas trocas internacionais impulsiona o desenvolvimento dos portos europeus. Torna-se evidente, muito embora as enormes dificuldades que avassalam hoje a atividade económica e prosseguirão no futuro, os portos portugueses continuarão a crescer em movimento de cargas, fruto do esforço de sobrevivência dos agentes económicos. A avaliação dos portos deverá atender ao tipo de cargas que operam – carga geral, granéis sólidos e destes a carga contentorizada e granéis líquidos – dadas as profundas diferenças e efeito no desenvolvimento da atividade portuária nacional. Constatam-se em 2012 alterações quanto à evolução dos portos do norte do país versus portos do sul. Também, verifica-se a necessidade de otimizar o potencial do porto de Sines como porto de transhipment, dependente de opções dos operadores de transporte marítimo e operadores portuários globais.

Lisboa, 9 de outubro de 2012

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4.4 Um PET de estimação

João Soares

O Plano Estratégico de Transportes (PET), resolução do conselho de Ministros nº 45/2011 publicada em Diário da República no passado dia 10 de novembro, veio salientar não só o reconhecimento da importância dos portos e do transporte marítimo para a economia nacional, mas sobretudo veio estabelecer o objetivo claro de desenvolvimento e investimento nesta área.

No ponto seis do documento é tratado o setor marítimo-portuário, onde o trabalho portuário e o investimento nos portos têm destaque, sendo interessante em relação ao primeiro a referência de que o regime do Trabalho Portuário, em vigor há mais de vinte anos, dever agora adequar-se à evolução tecnológica ao nível dos navios, dos equipamentos e dos métodos e técnicas de operação portuária, de forma a não constituir um embargo à sustentabilidade e competitividade dos portos nacionais.

A pergunta que se pode colocar é porquê só agora, depois de tanto tempo decorrido desde a reforma do trabalho portuário, em que o único ponto que faltou tratar foi a tal disciplina jurídica, pois as evoluções tecnológicas já se deram há muito tempo.

Quem lida com estes assuntos há tempo suficiente até se deve lembrar que chegou a existir uma taxa por manuseamento de contentores para compensar a redução das equipas de trabalhadores portuários, quando se passou da carga geral convencional para a contentorizada, na fase da liberdade de dimensionado das equipas por parte das empresas de estiva.

Se o objetivo é reduzir o custo do manuseamento das cargas nos portos talvez fosse interessante analisar não só o peso do custo da mão de obra portuária mas também o peso do custo que cada uma das concessões representam na movimentação da carga, quer pelo valor fixo como o variável das concessões, os quais fazem ambos parte do valor de manuseamento de cada contentor que passa pelos nossos portos e por isso influenciam a competitividade da nossa economia, e verificar como será possível a redução da fatura portuária quando o Estado através das Administrações Portuárias poderá ser um dos fatores de falta dessa mesma competitividade, exatamente pelos custos das concessões e pela falta de potenciamento de sinergias entre os vários portos.

Isso leva-nos agora à questão dos investimentos previstos para os nossos portos,

nomeadamente no que respeita a novos terminais de contentores, num total de 1,6 mil milhões de Euros, repartidos entre investimento público e privado. Só em Lisboa e em Sines os investimentos no novo terminal da Trafaria e no novo terminal Vasco da Gama representarão uma capacidade de movimentação anual de 5,8 milhões de TEU’s, para além da capacidade do atual terminal XXI de Sines, o qual ainda tem uma expansão prevista com a qual atingirá a capacidade de 1,3 milhões de TEU’s, ou seja mais 0,5 milhões na Fase II.

Seria interessante saber qual o mercado que se pretenderia captar já que não é suficiente falar de investimentos dissociando os mesmos do mercado e da oferta e da

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procura, para além de não se poder ignorar os terminais existentes e o que um eventual excesso de oferta poderá causar a quem realizou investimentos privados com horizontes temporais de 30 anos, ou com compromissos baseados em contratos de concessão pesados e com determinados pressupostos de mercado que agora são substancialmente alterados.

Para além dos investimentos privados, os quais representam um risco para quem quiser investir nestes projetos, a principal preocupação para todos nós deverá residir no investimento público necessário, o qual se deverá restringir única e exclusivamente às infraestruturas básicas e essenciais para potenciar o investimento privado e, sobretudo, que apresente um comprovado e claro “saldo custo benefício positivo” conforme refere o PET.

Seria importante e interessante haver um melhor conhecimento real do mercado, começando pelo atual, onde a informação detalhada não está acessível. O movimento de contentores e TEU’s da estatística portuária devia ser uniformizado e publicado de igual forma em todos os portos, subdividindo-se pelos três tipos principais de mercado. O movimento de e para o hinterland nacional, o movimento de e para o hinterland internacional e o transhipment, à semelhança da informação estatística do porto de Algeciras, por exemplo.

Este tipo de informação certamente poderia contribuir para o estabelecimento de um planeamento e faseamento dos investimentos, de acordo com as necessidades e previsões (ou premonições) de mercado e servir de base à análise económica benefício/custo dos investimentos, pois cada um dos três tipos de mercado representa um benefício económico diferente para o país, sendo o transhipment o mercado mais volátil e com menor incorporação de valor, embora normalmente com maior perspetiva de volume.

Existe agora uma boa oportunidade de desenvolver os nossos portos com recurso a um significativo investimento público e privado, desde que devidamente ponderado e corretamente planeado e faseado, não havendo lugar para erros, podendo vir a tornar-se num PET a apoiar e estimar, que contribuirá para o desenvolvimento económico do país.

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4.5 A Internacionalização da China, Os Portos e a Nova Macau em Portugal

Vítor Caldeirinha

O Território de Macau foi definido, na Constituição de 1976, como um território (chinês) sob administração portuguesa, com um estatuto especial. O resto da história é conhecida, Macau foi durante séculos um bastião e porto seguro do comércio entre o Ocidente e o Oriente, uma plataforma de penetração comercial no mercado chinês.

Desde da chegada dos portugueses no século XVI, foi sempre uma importante porta de acesso para a entrada da civilização ocidental na China, contactando com a civilização chinesa, e vice-versa. Este pequeno pedaço de terra proporcionou uma importante plataforma para a simbiose e o intercâmbio de culturas ocidentais e orientais. Esta intensa simbiose e intercâmbio moldaram uma identidade única e própria para Macau. Doze anos após a devolução de Macau à China, uma delegação chinesa celebra o contrato de compra ao Estado português de 21,35 % das ações da EDP, tornando-se acionista maioritário e os jornais escrevem sobre os chineses pretenderem entrar no capital de bancos portugueses, abrir uma fábrica automóvel... Antes, um país próximo do mercado Chinês, Singapura, tomou como concessão o terminal XXI de contentores no porto de Sines.

A questão que se coloca é, no contexto da relação económica entre a Europa e a Ásia, meio milhar de anos depois da descoberta do caminho marítimo para a índia, poderá Portugal agora desempenhar, do lado de cá da Europa, igual papel ao que Macau desempenhou durante séculos?

Como todos sabem, a China faz o seu planeamento central a longo prazo e já não lhe chega o modelo de produção com baixos salários e colocação no mercado europeu através das lojas chinesas e distribuidores chineses. Depois de numa primeira fase utilizar como porta de saída Hong Kong, rapidamente os portos chineses se tornaram os maiores portos do mundo. No sentido contrário, a China absorve literalmente todas as matérias-primas que pode em todo o mundo, financiando estradas e caminhos-de-ferro por toda a África.

Mas este modelo tem certamente um ciclo de vida e a China sabe certamente que o caminho a trilhar terá que ser o de se expandir para os mercados, ultrapassando ou coordenando a política de produção na China com salários baixos, com a aplicação de capitais na internacionalização das suas empresas, na aquisição de empresas em setores estratégicos, na produção de elevada qualidade junto dos mercados, procurando ultrapassar barreiras alfandegárias e as normas e regulamentos de qualidade e segurança, como é o caso do setor automóvel.

Recentemente, alguns estudos (Di Minin and Zhang, 2008; Nicolas and Thomsen, 2008; Milelli et al, 2009) identificaram uma nova tendência nas empresas chinesas tentando cada vez mais entrar na União Europeia e estabelecer a sua presença no Mercado Comum. “Europeização da China” significa um esforço sustentado para entrar nos mercados competitivos europeus, para fortalecer a presença na Europa com o objetivo de ter acesso a tecnologias superiores, mercados, conhecimento e competências. Enquanto

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as empresas chinesas, como regra, prosseguem apenas um único motivo nos países em desenvolvimento, por exemplo a procura de recursos em África, numerosos indicadores referem que as empresas chinesas possuem objetivos múltiplos em relação ao mercado europeu e são guiadas por diversas motivações, que incluem o acesso aos mercados, tecnologia, conhecimento, competências de gestão, marcas e ganhos de eficiência (Zhang & Filippov, 2009).

Para além de ganhar dinheiro na venda de produtos baratos produzidos, a China terá que produzir também produtos de maior qualidade, obtendo tecnologias superiores e retirando quota de mercado de segmentos elevados às empresas europeias, no seu próprio território, competindo e ganhando novas competências, cumprindo as regras dentro da Europa, mas tirando proveito das componentes de baixo custo que produz na China.

As alianças estratégias, aquisições, subsidiárias, construção de novas fábricas, portos, terminais, canais logísticos, transportes, centros de conhecimento em solo Europeu são fundamentais nesta nova fase de expansão Chinesa. Para isso, no caso Europeu, nada como a China poder escolher como parceiro um País com o qual possui séculos de convivência comercial, um País que fica numa posição geoestratégica de excelência entre a África, as Américas, o Norte da Europa e o corredor do Mediterrâneo-Ásia, com potencial para ser um centro intermédio de transhipment, um País que usa o Euro, um País que possui dos mais baixos salários dentro da União Europeia, mas tem mão de obra qualificada, um País que é pequeno e precisa de apoio nos próximos anos, um País com boas infraestruturas terrestres na ligação ibérica. Poderá tornar-se Portugal numa Macau da China na Europa?

Os portos portugueses, apesar de não serem dos mais modernos da Europa, possuem áreas de expansão e são uma vantagem para efeitos duma estratégia deste tipo, podendo funcionar como portas da China na Europa, para a transformação em Portugal de componentes chineses, em produtos europeus de elevada gama, para servir o mercado Europeu.

O porto e a Região de Sines poderiam, se fosse acolhida esta hipotética estratégia pelos Chineses, ser uma nova Macau em Portugal, onde os Chineses teriam unidades fabris e centros de excelência para a produção de diversos tipos de produtos superiores, fabricados ena Europa, para os consumidores Europeus, concorrendo com as melhores marcas e tecnologias europeias.

O Porto de Setúbal, enquanto plataforma giratória automóvel com a China, poderia acolher no seu hinterland novas unidades fabris chinesas de automóveis, para venda no mercado europeu.

Os portos portugueses poderão ser um dos catalisadores deste tipo de estratégia, que poderá trazer benefícios para o País, ainda que seja uma ameaça às grandes empresas europeias, onde se podem incluir algumas portuguesas. No mínimo, esta estratégia poderá ser uma solução no curto e médio prazo para a crise de liquidez em Portugal.

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As vantagens do Porto de Sines em termos de localização global, com características físicas do seu acesso e terrapleno, com áreas livres em terra para a instalação de indústrias em seu redor, associadas a uma mão-de-obra com custos inferiores na União Europeia, que se pode vir a relocalizar e a instalar na proximidade de Sines, são um cartão fundamental a apresentar aos chineses. A jogada do Governo com a EDP foi de mestre no momento em que faz todo o sentido, por ir ao encontro da estratégia chinesa para Europa e para o mundo.

A concessão do novo terminal Vasco da Gama previsto para Sines aos Chineses em conjugação com a concessão de área na plataforma logística de Sines aos chineses, poderia criar uma verdadeira nova Macau em Portugal, desta feita sob administração empresarial chinesa, podendo ter um estatuto económico e fiscal especial.

A criação de emprego nacional teria que ser condição, com o cumprimento da legislação geral e normas nacionais e europeias do trabalho, industriais, ambientais e de concorrência leal para com as restantes empresas europeias.

Este tipo de estratégia poderia ser um ponto de partida também para a criação de massa crítica nos portos portugueses para concorrerem no mercado ibérico por via terrestre, potenciando a sua competitividade como portas de saída dos produtos portugueses para os PALOP e para China. Um verdadeiro “Ovo de Colombo” a explorar nos portos portugueses.

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5.ARMADORES E OPERADORES PORTUÁRIOS

5.1 Ser armador- Vontade ou Vocação

João Soares

Quando se analisa a estatística das trocas comerciais portuguesas, por modo de transporte (importação e exportação 2011 – Quadro 1) é notória a importância do modo de transporte marítimo, o qual representa cerca de 47,4 milhões de toneladas, sendo assim responsável por 61% dessas trocas, no que respeita a tonelagem, e por 34% em valor de mercadorias transportadas.

Quadro 1 – Trocas Comerciais Portuguesas por Modo de Transporte – 2011

Fonte: INE

Numa análise do movimento de carga realizado nos nossos portos (Quadro 2), em que neste caso se inclui também o movimento de carga entre portos nacionais, constata-se que os granéis líquidos representam 42% do movimento, seguindo-se os granéis sólidos com 25%, os contentores com 24% e a carga geral com cerca de 9%.

Quadro 2 – Movimento de Carga nos Portos Portugueses – 2011

Fonte: INE; inclui movimento nacional (valores em 103 tons)

Torna-se indiscutível o reconhecimento da importância do transporte marítimo para a economia do nosso país, não só devido ao seu posicionamento geográfico periférico em relação ao mercado Europeu, mas também pelo facto de dispor de regiões insulares, para

Total10³ Tons 31 663 65,30% 14 745 30,50% 34 0,10% 1 669 3,40% 48 41710 ? Eur 18 043 33,50% 32 259 60,00% 1 887 3,50% 1 068 2,00% 53 78310³ Tons 15 761 53,40% 12 477 42,20% 870 2,90% 100 0,30% 29 54210 ? Eur 13 894 34,50% 23 180 57,50% 2 559 6,30% 275 0,70% 40 30510³ Tons 47 384 60,80% 27 222 34,90% 904 1,20% 1 769 2,30% 77 95910 ? Eur 31 937 33,90% 55 439 58,90% 4 446 4,70% 1 343 1,40% 94 088

Aéreo Outros

Importação

Exportação

Total

2011 Marítimo Rodoviário

2011 Granéis Líquidos Granéis Sólidos Contentores Ro-Ro Carga Geral TotalImportação 21 068 13 312 6 475 110 2 060 43 025Exportação 7 114 3 810 9 460 242 3 856 24 482

Total 28 182 17 112 15 935 352 5 916 67 507em % 41,75% 25,36% 23,60% 0,52% 8,76% 100%

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as quais não existem alternativas de abastecimento financeiramente viáveis a não ser através do transporte marítimo.

Para além da importância nacional e regional do transporte marítimo, também se torna indiscutível a sua importância a nível Mundial, podendo considerar-se como o grande responsável pelo nível de globalização a que chegámos, com todas as suas vantagens e desvantagens.

Trata-se assim de uma atividade fundamental para o desenvolvimento económico Mundial, sendo um negócio ou atividade com características muito específicas, pois para além de exigir um elevado grau de conhecimento (know-how), exige também um fator imprescindível para o seu arranque e desenvolvimento, que é o capital ou investimento, pois trata-se de uma atividade de capital intensivo, não apenas a nível do investimento (navios) como também a nível da disponibilidade de fundos de tesouraria (cash-flow) para garantir o normal funcionamento dos serviços, sobretudo nas atividades de linha regular, onde existe habitualmente algum desfasamento entre pagamentos e recebimentos.

Não obstante estas características, que poderão parecer obstáculos ao seu desenvolvimento ou interesse, possui outras que são extremamente atrativas e versáteis, pois se considerarmos o transporte marítimo como uma indústria, em que o meio de produção é o navio e o produto o serviço de transporte, estamos perante uma das indústrias mais versáteis que existem, pois o meio de produção pode sempre ser deslocalizado para a região do globo onde poderá ser melhor remunerado, permitindo desta forma uma constante maximização das margens e resultados do negócio.

O negócio do transporte marítimo engloba várias áreas de atividade, as quais podem ser realizadas de forma integrada, pela mesma empresa, habitualmente desenvolvidas por vários departamentos, ou então poderão ser desenvolvidas de forma individual por empresas diferentes, dedicadas exclusivamente, e de forma especializada, a cada uma das áreas de atividade.

Assim, este negócio é habitualmente dividido em três áreas de atividade que poderão constituir negócios independentes:

- Área Financeira

- Área Técnica ou de Armamento

- Área Comercial

A Área Financeira é responsável pela gestão do capital e dos investimentos, ou seja a compra e venda dos navios, sendo sua função obter as melhores condições financeiras no mercado, ou junto de investidores, para os investimentos e para as necessidades de tesouraria do negócio, para além de aproveitar as oportunidades de mercado de investimento e desinvestimento.

A Área Técnica ou de Armamento é responsável pela gestão técnica do navio, ou seja por “armar” o navio e assim o tornar apto a poder realizar a sua função comercial

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de transporte, através da disponibilização de tripulação e da manutenção que o navio necessita para garantir a sua completa operacionalidade, assim como os abastecimentos necessários ao seu funcionamento corrente.

Esta área de atividade é por vezes subdividida em duas áreas, sendo a área de tripulação (manning) e a área técnica (shipmanagement).

A Área Comercial, dispondo do navio devidamente armado e operacional passa a comercializar a sua capacidade de transporte, dispondo como ferramentas de gestão os custos fixos das áreas anteriores e os custos variáveis da operação comercial, tendo como objetivo obter os melhores fretes ou remuneração pela utilização do navio, com o intuito de maximizar a remuneração do capital investido, como em qualquer outro tipo de negócio.

Devido ao atual nível de globalização, o qual também tem reflexos importantes nesta atividade ou negócio, existem empresas armadoras de uma determinada nacionalidade, com navios registados em países de nacionalidade diferente da sua, ou mesmo a constituírem empresas noutros países, as quais são proprietárias de navios, sendo os operadores dos mesmos outras empresas, tentando desta forma obter uma redução de custos a nível de taxas, impostos e custos globais de tripulação, sendo estes registos chamados de conveniência e segundos registos.

Como se pode constatar por esta abreviada descrição da atividade, a mesma apresenta um elevado grau de complexidade e carece de um conhecimento profundo a todos os níveis.

Existe a clara perceção de que os navios de bandeira portuguesa, ou operados por armadores portugueses, apenas transportam uma reduzida parte das nossas trocas comerciais por via marítima, fazendo com que importemos massivamente esse tipo de serviço.

Quando se analisam os dados oficiais de uma frota mercante de um determinado país, os elementos que recolhemos apenas nos indicam a dimensão e características da frota de navios que arvoram a bandeira desse país e não os navios e capacidade de transporte controlados ou operados por empresas do mesmo.

Por exemplo países como a Áustria, país que como se sabe nem sequer tem portos de mar, possui uma frota mercante superior à atual frota mercante Portuguesa.

Pode-se assim concluir que mesmo o facto de um país não possuir portos de mar isso não o impede de investir na atividade do transporte marítimo e dessa forma contribuir para o seu desenvolvimento económico, como é o caso da Suíça onde se encontra estabelecido um dos maiores armadores que opera a nível global.

Por outro lado a dimensão de um país não significa necessariamente que apresente um elevado número de armadores ou uma grande frota mercante. Por exemplo, os EUA possuem menos armadores e menos navios mercantes registados do que Portugal.

Por oposição, a Dinamarca é um país mais pequeno do que Portugal (com metade da área e dos habitantes), mas possui o maior armador Mundial de linha regular e não só (MAERSK).

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O que importa reter é que para desenvolver este negócio é necessário e fundamental possuir-se CONDIÇÕES INSTITUCIONAIS, CONHECIMENTO e CAPITAL.

Por condições institucionais entende-se as condições para o estabelecimento de empresas armadoras, tais como as condições a nível de eficiência burocrática, taxas, impostos (das empresas e dos trabalhadores marítimos), sendo fácil de implementar e desenvolver tais condições, bastando para tal efetuar um levantamento (que em tempos já foi feito mais de uma vez) sobre todas as condições existentes em cada um dos países da União Europeia e oferecidas aos seus armadores e registos e aplicá-las todas, ou pelo menos as melhores e que não sejam redundantes.

Por conhecimento entende-se dispor de formação e disponibilidade de recursos humanos para implementar, concretizar e desenvolver o negócio de transporte marítimo e neste caso, felizmente, ainda dispomos da formação de quadros para este efeito, através da Escola Superior Náutica Infante D. Henrique, a qual oferece várias licenciaturas e forma quadros para bordo de navios (tripulação) e quadros para empresas de transporte marítimo e para os portos.

Simultaneamente ainda possuímos várias empresas armadoras nacionais, assim como empresas de shipmanagement e de manning, as quais trabalham a nível nacional e internacional, sendo a prova viva do nosso conhecimento e sucesso nesta área.

Recentemente existiu um contacto de um armador internacional que equacionava a possibilidade de implementar em Portugal um centro de controlo de operação dos seus navios a nível Mundial, o qual teria de funcionar 24 horas por dia e com pessoal altamente especializado, o que denota confiança nos conhecimentos que possuímos.

Finalmente por capital, entende-se o acesso a financiamento que permita o investimento e o desenvolvimento deste negócio.

Se é certo que na atual situação económica Mundial a disponibilidade de capital para desenvolvimento de negócios nunca esteve tão difícil, existe também uma grande dificuldade, por parte das próprias instituições financeiras, de encontrarem investimentos que lhes garantam um retorno com níveis aceitáveis, quer de valor como de segurança, acontecendo o mesmo, e ainda de forma mais grave, com os investidores privados.

Uma coisa é certa. Neste tipo de negócio e de atividade o retorno do investimento não se realiza habitualmente no curto prazo, sendo um negócio com horizontes de retorno de investimento a médio e longo prazo, pois o custo de capital e o prazo da amortização do investimento são fatores chave para a competitividade da operação comercial.

Como me dizia há algum tempo atrás um armador Europeu, ao mostrar-me orgulhoso os planos do seu novo navio que estaria a sair brevemente do estaleiro:

- Construímos este navio para durar pelo menos vinte anos e vamos amortizá-lo nesse período.

Revelando daquela forma o seu conhecimento do negócio e o reconhecimento da necessidade de possuir custos de operação baixos, onde estão incluídos o custo de capital e a amortização do navio, para assim poder ser competitivo e simultaneamente apresentar

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resultados positivos da sua empresa, pois um serviço de linha regular chega por vezes a levar 5 anos até atingir o equilíbrio financeiro do negócio.

O problema da disponibilidade de capital para o desenvolvimento desta atividade foi resolvido por alguns países Europeus promovendo o seu incentivo através da criação de fundos de investimento de particulares e de instituições financeiras, os quais possuíam bonificações a nível fiscal, estando alguns deles relacionados com fundos de pensões e que chegaram a proporcionar simultaneamente o desenvolvimento da indústria de construção naval local.

Como se pode constatar, existem muitas formas de se poder desenvolver o negócio do transporte marítimo, caso um país assim esteja interessado.

Para isso é necessário existirem as condições anteriormente descritas, ou pelo menos se conhecerem as soluções para a sua disponibilização ou existência.

Mas por trás da vontade de um país está a vontade das pessoas, neste caso dos empresários, empreendedores e gestores.

Porém, este tipo de atividade carece não apenas de vontade mas também de vocação e essa talvez esteja a faltar. Ou talvez não?

De facto no nosso país existem muitos e excelentes profissionais do setor do transporte marítimo, com conhecimento, visão e vocação, estando apenas a faltar a tal vontade.

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5.2 Armadores e Operadores Portuários

Armadores e operadores portuários em mudança

J. Augusto Felício

O mercado de contentores tem de observar-se num ciclo longo e o seu crescimento realiza-se a elevadas taxas. Em consequência tanto os armadores como os operadores portuários globais procuram o domínio dos tráfegos e dos terminais de contentores, numa intensa competição.

O mercado de contentores

O transporte de contentores, integrante do setor da indústria marítima, corresponde a cerca de 15,5% do volume total do transporte marítimo. Cresceu nas últimas duas décadas, em média e em toneladas, à volta dos 9,8% ao ano, registando em 2007 um volume de carga contentorizada da ordem dos 143 milhões de TEU, com um cenário de crescimento à taxa de 5-8% a que correspondem 211 a 265 milhões de TEU para 202028. Porém, esse nível de crescimento deverá ser diferente consoante as regiões. Estudos realizados indicam que cerca de 70% do valor do comércio marítimo mundial é realizado em contentores.

A região asiática, em 2007, exportou 33,1 milhões de TEU e importou 14,9 milhões de TEU o que dá uma ideia aproximada do profundo desequilíbrio do comércio mundial e a importância crescente que esta região tem no comércio global (Figura 1).

Figura 1. Rota de contentores leste-oeste, 2007, em milhões de TEU

Fonte: Drewry Shipping Consultants (2007) and UNCTAD (2008)

28 European Parliament, (2009). The Evolving Role of EU Seaports in Global Maritime Logistics – Capacities, Challenges and Strategies. Directorate-General for International Policies. Brussels. IP/B/TRAN/FWC/2006-156/lot5/C1/SC4. Mail: [email protected]. Este trabalho baseia-se no texto referenciado.

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Analisado em termos de tráfego de contentores nos portos mundiais (milhões de TEUS) verificou-se o seu crescimento de +105,86% em sete anos (2000 – 2007). Em detalhe, esse tráfego de contentores cheios foi +104,97%, contentores vazios +174,73% e o movimento de transhipment +166,67%.

Uma questão de difícil solução envolve os contentores vazios por razões de custos de transporte e logísticos, ocupação de espaço e gestão logística. Além do mais o crescimento destas operações é substancialmente superior ao movimento de contentores cheios. A logística dos contentores vazios exige a mobilização de meios.

O maior mercado do mundo localiza-se na Europa, sendo natural que os seus portos tenham grande relevância. Registam-se 33 portos com movimentação de contentores acima de 500 000 TEU, em 2007, a maior concentração de portos do mundo, 18 desses portos com mais de 1 000 000 TEU e 3 portos que movimentam cerca de 30 000 000 TEU (Quadro 1). Os cinco maiores portos movimentam para cima de 43% do total de TEU de toda a Europa e os dez primeiros para cima de 61%, em 2007

Quadro 1 - Principais portos de contentores europeus, 2007

Fonte: Buck Consultants International, based on ESPO (2008), ISL (2008), Containerisation International (2009) and various port websites (2009)

Outra particularidade relevante envolve os portos europeus que abastecem o mercado europeu localizados no Mediterrâneo e localizados no Norte da Europa. Muito embora o principal eixo de fluxo de mercadorias passe pelo Mediterrâneo verifica-se que o mercado europeu é maioritariamente abastecido a partir dos portos do Norte, por diversas razões,

Porto 2005 2006 2007 20081. Rotterdam 92 867 757 9 690 052 10 790 604 10 783 8252.Hamburg 8 087 545 8 861 804 9 889 792 9 737 0003. Antwerp 6 488 029 7 018 799 8 176 614 8 868 8004. Bremerhaven 3 735 574 4 449 624 4 912 177 5 529 0005. Gioia Tauro 3 160 981 2 938 176 3 445 337 n/a6. Algeciras 3 179 300 3 256 776 3 414 345 3 324 310(…)8. Valencia 2 409 821 2 612 139 3 042 665 3 602 112(…)10. Barcelona 2 071 481 2 317 368 2 610 037 2 740 602(…)15. Las Palmas 1 301 059 1 311 958 1 453 286 1 310 000(…)30. Lisbon 513 061 512 501 554 774 n/a31. Bilbau 503 811 523 124 554 568 560 00032. Malaga 247 548 464 838 542 405 428 623

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nomeadamente, por disporem de melhores acessos no âmbito da cadeia logística, devido à importância do mercado do Benelux e alemão, entre outros, por os portos do norte disporem de condições mais adequadas e devido à organização das próprias cadeias logísticas.

Os quatro portos europeus mais importantes, em termos de movimentação de contentores, são o de Roterdão, Hamburgo, Antuérpia e Bremen, localizados no Norte e relativamente próximos, nomeadamente Roterdão com Antuérpia e Hamburgo com Bremen. Cerca de 66,5% do total de contentores são movimentados pelos portos do norte. Os portos localizados no eixo Hamburgo-Havre são responsáveis por cerca de 45,6% do total, os portos do Reino Unido-Irlanda por 10,1%, os portos da Escandinávia-Báltico por 8,0%.

Por sua vez, os portos do Mediterrâneo central e ocidental por 29,5% e os portos do Mediterrâneo de leste e do Mar Negro por cerca de 3,9% do total de contentores movimentados na Região da Europa. O porto de Lisboa ocupa a modesta 31.ª posição de acordo com a dimensão do mercado regional que abastece.

Em média 37% do total de TEU movimentados nos portos europeus foram cargas de transhipment. No caso do porto de Hamburgo estes tráfegos são importantes por ser este um centro distribuidor para o Mar Báltico.

Armadoresecooperação

A frota de navios de contentores medida em TEU continua a crescer. Os três principais armadores, em 2009, detinham capacidade para movimentar mais de 4,5 milhões de TEU e possuíam ao serviço 1313 navios (Quadro 2).

Quadro 2 - Principais armadores de contentores

Fonte: AXS Alphaliner, August 2009

Armadores TEU N.º de navios TEU N.º de navios TEU N.º de navios1. APM- Maersk 1 665 272 586 1 919 352 531 2 022 956 5392. MSC 784 248 276 1 232 905 372 1 517 200 4093. CMA CGM group 507 954 242 893 860 375 1 023 208 3754. Evergreen Line 477 911 155 624 357 176 594 154 1625. APL 331 437 104 407 775 126 531 865 1356. Hapag- Lloyd 412 344 131 492 055 139 475 282 1207. Cosco 322 326 126 430 912 141 469 848 1468.CSCL 346 493 123 434 170 140 449 469 1399. NYK 302 213 118 382 835 117 412 711 10910. Hanjin Shipping 327 794 84 343297 83 406 462 90

01-01-2006 15-02-2008 17-08-2009

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A capacidade média dos navios da Maersk, em 2006, era de 2 842 TEU, mas em 2009 já era de 3 753 TEU, registando um aumento de capacidade média de 32% nesse período. Em geral, todos os armadores aumentaram a sua capacidade média por unidade de transporte.

No período de 2006 para 2009 a Maersk (Dinamarca) aumentou a sua capacidade de transporte em cerca de 21%, mas a MSC (Suíça) aumentou em cerca de 94% e a CMA (França) em cerca de 101%, nesse mesmo período. A capacidade de transporte da Maersk é cerca de 1,33 vezes superior à da MSC e 1,98 da CMA. Entre os dez maiores armadores para o transporte de contentores quatro são europeus (o quarto é o Happag-Lloyd da Alemanha) responsáveis por cerca de 37,5% do total de capacidade de transporte. Os restantes armadores são asiáticos.

Desde os anos 90 que a aquisição de novos navios com capacidade média entre 4 000 e 8 000 TEU tem aumentado passando atualmente para navios com capacidade entre 13 000 e 14 000 TEU, favorecendo as economias de escala, com implicações ao nível das infraestruturas portuárias. Um navio para transportar 12 500 TEU tem em média cerca de 400 metros de comprimento para um calado médio de 16 metros, utilizados, em especial, para o transporte entre o Oriente e o Ocidente.

Figura 2 - Evolução da dimensão dos navios de contentores

Fonte: Ocean Shipping Consultants, 2007

Verifica-se tendência para as fusões e aquisições entre as empresas de armação como forma de dominar tráfegos de carga e diminuir custos de transporte por recurso a economias de escala. Segundo o European Parliament (2009, p.38), dois dos principais armadores do mundo a MSC e a CMA-CGM têm sido especialmente ativos na aquisição de novos navios para reduzir a diferença de dimensão em relação à Maersk. Além disso,

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têm recorrido a fusões e aquisições (M&A). Por exemplo, ‘uma grande aquisição envolveu o grupo Bolloré industriais (incluindo Delmas, Otal, Setramar e Sudcargos) pela CMA-CGM, permitindo-lhe desenvolver o comércio norte-sul do continente Africano’. Porém o ‘M & A mais importante foi o da P & O Nedlloyd pela AP Moller-Maersk, em 2005, que adicionou quase meio milhão de TEU de capacidade à sua frota. No mesmo ano, a TUI AG, companhia Hapag-Lloyd’s, tomou conta da CP Ships e a sua capacidade mais do que duplicou.

Uma outra forma de reduzir custos, oferecer um serviço global e consolidar a capacidade passa pela cooperação entre companhias de transporte marítimo, podendo assumir a forma de slot de compra para suprir avarias ou cobrir gaps de comércio, slot de câmbio para ampliar a cobertura do serviço, acordos de partilha do navio em rotas específicas, serviços comuns com partilha de custos e alianças. Dois exemplos recentes são a cooperação entre a MSC, a Hapag-Lloyd e OOCL no circuito Europa-Canadá e o acordo de partilha de navio na cooperação entre a MSC e a CMACGM para a rota do Atlântico Sul, com vista a racionalizar o setor do Atlântico (European Parliament, 2009, p.39).

TerminaisdeContentoresAs quatro principais empresas operadoras que exploram terminais portuários em todo

o mundo dominam o mercado de terminais – PSA, Hutchison, APM e DP World – cerca de 30% do total mundial (Drewry, 2009). Em 2008, a PSA International (Port of Singapore Authority) movimentou 50,4 milhões de TEU a que corresponde uma quota de 9,6% do mercado mundial. Segue-se a Hutchison Port Holdings (Hong Kong) com 34,4 milhões de TEU e 6,6% de quota, a APM Group (Dinamarca), com 33,8 milhões e 6,5% de quota e o grupo DP World, com 32,9 milhões de TEU e 6,3% de quota de mercado (Figura 3). Seguem-se a Evergreen (Taiwan), Cosco Group (China) e Eurogate (Alemanha), cada um dos quais com uma quota de mercado de 1-2%.

Figura 3 – Localização dos maiores operadores de terminais portuário na Europa

Fonte: Buck Consultants International (2009), based on various sources

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Da mesma forma como aconteceu com os armadores verificou-se uma tendência para a concentração da atividade de operação de terminais de contentores a nível global, entre 2000 e 2007. Segundo o European Parliament (2009, p.41), ‘o desenvolvimento mais notável a esse respeito foi a aquisição da DP World, das carteiras de terminais da CSX World Terminals e P & O Ports, em 2005 e 2006, respetivamente’. Salienta-se, ainda, o facto dos armadores procurarem investir no domínio de terminais dedicados em clara competição com os operadores portuários globais, casos da CMA-CGM, MSC e Maersk Line, por intermédio da AP Moller-Maersk Group, que opera uma ampla gama de terminais através da sua filial APM Terminals.

Conclusões

Os tráfegos globais de contentores têm hoje em dia um sentido claro de deslocação do mercado asiático para os mercados ocidentais em mais do dobro dos movimentos realizados.

O mercado da Europa em mais de 65% é abastecido pelos portos localizados no norte europeu ainda que a principal rota de tráfegos mundiais atravesse o Mediterrâneo. Em consequência, os quatro principais portos são Roterdão, Hamburgo, Antuérpia e Bremen.

Os três maiores armadores são europeus e entre os maiores dez armadores do mundo quatro são europeus responsáveis por cerca de 37,5% do total da capacidade de transporte e os outros seis são asiáticos.

Os navios cada vez têm maior capacidade de carga por unidade de transporte verificando-se nesse sentido que os principais armadores apostaram até ao presente em navios com capacidades entre 4 000 e 8 000 TEU passando a apostar tendencialmente no futuro em capacidades entre 13 000 e 14 000 TEU.

Tanto os armadores como os operadores portuários competem pelo domínio dos tráfegos globais apostando os armadores por deterem terminais dedicados estrategicamente localizados.

Lisboa, 21 novembro de 2010

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5.3 Terminais de Contentores em Portugal

Que futuro como polo de desenvolvimento do país?

João Soares

Portugal é um país com fracos ou inexistentes recursos naturais, no que diz respeito a matérias-primas transacionáveis, que pudessem ser exportadas, de forma a permitir ao país equilibrar a sua balança de transações com o mercado externo.

Resta então como alternativas a transformação e a prestação de serviços, como é, por exemplo, a refinação de produtos petrolíferos ou o papel, no primeiro caso, e o turismo no segundo caso.

Existem muitas outras atividades de prestação de serviços, entre as quais o movimento ou operação portuária de contentores. Se olharmos para Singapura, uma cidade estado com cerca de 700 Km2, verificamos que a sua maior exportação são os serviços, entre os quais a movimentação de contentores, ocupando neste momento o segundo lugar Mundial em número de movimentos.

Quem já visitou Singapura e o terminal da PSA certamente que não ficou indiferente à sua extensão, dimensão, capacidade, eficiência e eficácia de operação.

Toda aquela zona (aconselha-se a visualização através do Google Earth) seria uma fantástica praia e zona balnear que certamente agradaria à população de Singapura, mas em vez disso é um dos maiores e melhores terminais de contentores do Mundo.

Não quer dizer que uma magnífica área de praia e divertimentos não exista em Singapura. Ela existe e situa-se na ilha de Santosa, onde todas as condições estão criadas para que a população possa usufruir do seu mar e clima com toda a comodidade e segurança.

Todo o processo tem a ver com planeamento e atribuição de objetivos a cada espaço, com consciência e inteligência, devendo existir um equilíbrio que permita em simultâneo um desenvolvimento económico sustentado e por outro lado a preocupação com o bem estar e a qualidade de vida da população.

Certamente que se o negócio do movimento de contentores de Singapura não existisse, a sua população não teria o nível e qualidade de vida que hoje em dia possui, estando aquela infraestrutura localizada noutro país, daquela área do globo.

Quadro 1 – Comparação de Portugal com a cidade estado de Singapura

Fontes: World Bank 2012, World Shipping Organisation* e IPTM**

2012 Portugal SingapuraPopulação (Milhões) 10,5 5,3Área (km²) 91 470 700Densidade Populacional (/Km²) 115 7 571PIB (1.000 Milhões USD) 212,5 274,7PIB per capita (USD9 20 182 51 709TEU's Movimentados (Milhões) 1,74** 31,65*

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Quando se pretende analisar ou determinar o potencial de mercado do negócio de movimento de contentores num determinado local, país ou região do globo, em virtude de ser um negócio ou atividade que está sujeito a influências de vários tipos de mercado definidos pelo hinterland nacional, hinterland não nacional e o foreland que a sua localização poderá servir, torna-se necessário ter em atenção vários dados importantes, dos quais se passa a referir alguns:

Aevoluçãodadimensãodosnavios

Como é do conhecimento geral, pelo menos dos conhecedores da atividade do transporte marítimo, tem havido uma constante procura de soluções de aumento da capacidade ou dimensão dos navios porta contentores com o objetivo de reduzir os custos unitários de transporte.

Este aumento de dimensões dos navios, o qual se reflete no aumento do seu

comprimento, da boca (largura) e do calado (dimensão da profundidade submersa to navio) origina a necessidade de os portos e os terminais de contentores se adaptarem em conformidade, aumentando o comprimento do muro cais, a capacidade e área de armazenagem, a quantidade e tipo (dimensão) de equipamentos de carga e descarga (pórticos), dos fundos das acessibilidades marítimas ao terminal e dos fundos junto aos cais.

Estes requisitos não podem ser oferecidos por qualquer porto ou terminal, principalmente no que diz respeito aos fundos (calado), começando a existir um cada vez menor número de portos que podem receber os navios de última geração, devido às suas limitações físicas as quais, ou não podem ser tecnicamente ultrapassadas, ou o investimento necessário para as ultrapassar é tão elevado que se tornam inviáveis ou não competitivos.

Alguns portos e terminais nos Estados Unidos da América chegaram a declarar recusar-se a continuar a investir para receber navios de maiores dimensões, impondo desta forma que as linhas utilizem um tipo de navio cuja dimensão máxima se adapte aos portos e não o contrário.Este tipo de situações pode acontecer em mercados como o Americano o qual pela sua dimensão e importância consegue ditar as regras.

No entanto quando se pretende investir num terminal de contentores, e sabendo que este tipo de investimentos é realizado de forma faseada, tendo como horizonte os 30 a 50 anos, torna-se fundamental entender, entre vários outros fatores, qual será o limite na evolução da dimensão dos navios, a fim de se determinar o volume de investimentos necessários e a possibilidade de expansão futura do terminal, caso seja necessário.

Simultaneamente o investimento em equipamentos é essencial, pois com a evolução da dimensão dos navios torna-se necessário um acompanhamento por parte dos meios técnicos e tecnológicos de carga e descarga, de forma a se conseguir evitar um aumento dos tempos de trânsito dos navios nos portos, resultante de um elevado número de movimentos de contentores em cada escala.

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Atualmente a MAERSK já dispõe do seu primeiro navio da classe “Triple E” com uma capacidade para 18.000 TEU’s, sendo o maior navio de contentores do Mundo, embora já comecem a existir projetos para navios que ultrapassam os 22.000 TEU’s.

Qual será então o limite? Qual a implicação que terá nos fundos necessários nos portos, dimensão normalmente mais problemática?

Os novos desenhos e projetos de navios apontam para modelos onde o calado não vai além do máximo atualmente existente, ganhando capacidade de transporte através do aumento do comprimento e da boca, razão pela qual os calados deixarão de aumentar e a eventual necessidade de maiores fundos nos portos também.

Figura 1 – As novas formas do casco dos navios porta contentores permitem maiores capacidades de transporte sem aumentar o calado

Fonte: Containerisation International, abril 2011

Quadro 2 – Atual frota de navios porta contentores distribuídos por dimensão

Fonte: Containerization International, abril 2013

No Teu No Teu No Teu Teu0-1 499 1 796 1 470 008 25 21 209 12 12 880 2 2 200 39 37 0931 500-2 999 1 214 2 648 592 47 99 932 16 33 740 4 8 800 68 144 1723 000-4 999 953 3 910 309 67 284 434 11 50 736 8 29 500 92 387 2705 000-7 999 606 3 686 379 26 160 868 18 95 500 2 13 800 46 270 1688 000-9 999 284 2 432 948 42 368 178 39 343 156 9 81 400 91 801 93410 000-12 499 52 568 028 10 104 800 12 120 000 3 30 000 25 254 80012 500-15 999 119 1 601 293 23 305 916 31 412 686 10 139 350 68 908 352Over 16 000 1 16 020 7 122 040 10 176 000 11 190 000 28 488 040Total 5 025 16 333 577 247 1 467 377 149 1 244 698 49 495 050 457 3 291 829

Total teu on orderTEU Size Range In service today On Order 2013 On Order 2014 On Order 2015 Total Teu on order

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Conforme se pode constatar no Quadro 2, existem atualmente 172 navios com uma capacidade de carga superior aos 10.000 TEU’s, representando 13% da capacidade Mundial, concentrada em apenas 3% dos navios existentes.

De acordo com a informação constante do Quadro 1 estão encomendados mais 121 navios com uma capacidade superior a 10.000 TEU’s, representando mais de 50% da capacidade das novas encomendas, concentrada em 26% dos navios encomendados, sintoma claro da necessidade de terminais que tenham condições para os acolher e operar sem restrições físicas nem operacionais.

Nota-se claramente (Quadro 3) que as escalas destes navios se concentram sobretudo nos serviços entre a Asia e a Europa sendo notável a evolução verificada em apenas 6 anos.

Quadro 3 – Número de escalas nos portos por dimensão de navios de contentores

Aumentodadimensãodosgrandesarmadoresporcompraoufusãode/comoutrosdemenordimensão

Ao longo dos últimos anos assistiu-se ao crescimento acentuado de alguns dos armadores que operam globalmente, nomeadamente a MAERSK a MSC e a CMA-

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CGM. Estes três armadores controlam atualmente 33% da capacidade de transporte de contentores a nível Mundial. Será ainda de salientar que os 20 principais armadores de transporte de contentores a nível Mundial controlam cerca de 77% da capacidade de carga (Quadro 4)

Quadro 4 – 20 principais armadores de transporte de contentores

Estes armadores foram adquirindo outros (MAERSK e CMA-CGM) ou apenas investindo e aumentando a sua capacidade de transporte (MSC).

O objetivo será sempre o de otimizar a operação através da dimensão obtendo uma redução de custos que os tornem mais competitivos.

Ultimamente houve rumores de que a Happag Lloyd e a Hamburg Sud planeavam fundir-se, o que no caso de se concretizar passariam a ocupar o 4º lugar.

Entretanto verificou-se recentemente um acordo entre os três principais armadores a nível Mundial, (MAERSK, MSC e CMA-CGM), com a designação de P3, sobre o qual ainda não existem grandes detalhes nem se sabe ao certo qual o resultado que daí virá, mas que deverá passar pela partilha de espaços a bordo dos seus navios, com o objetivo de reduzir custos e aumentar a eficiência, mantendo-se a independência da atividade comercial das três empresas envolvidas.

Company 2 000-2 999 teu 3 000-3 999 teu 4 000-4 999 teu 5 000-5 999 teu Above 6 000 teu Total teuAPMM Group ?¹? 325 779 95 781 400 478 117 497 1 288 999 2 471 374MSC 166 228 147 366 299 809 223 656 1 228 901 2 192 315CMA CGM ?²? 246 405 98 492 102 921 127 846 665 964 1 415 212Evergreen Line 90 100 41 657 112 320 146 428 285 714 757 602Coscon 13 715 81 894 68 912 148 610 374 909 741 591Hapag-Lloyd 105 404 52 867 196 244 84 778 247 869 699 927Hanjin 28 753 39 995 135 035 99 594 301 143 621 744APL 17 813 41 830 173 009 93 752 252 638 607 690CSCL 44 582 0 163 083 73 534 274 184 585 328Mtsui OSK Lines 33 383 10 534 131 564 97 885 228 748 534 348OOCL 24 031 3 398 118 229 94 594 220 387 499 886Hamburg Sud ?³? 43 449 69 063 109 556 90 834 87 722 428 853NKY Line 48 620 17 672 97 391 0 228 054 420 131Yang Ming 5 238 37 981 86 609 66 086 139 953 379 884HMM 24 378 3 398 73 452 48 108 210 174 370 204K Line 15 308 3 720 107 059 84 434 121 502 351 408Zim Line 6 864 34 290 143 960 20 717 61 335 291 173CSAV ??? 4 982 31 228 67 290 32 703 135 511 282 052PIL ??? 70 546 35 196 42 932 11 014 26 412 275 610UASC 0 41 520 42 253 5 896 173 960 269 300Total teu 1 315 578 887 882 2 672 106 1 667 966 6 554 079 14 231 632Others total teu 542 790 166 187 226 212 55 049 61 126 4 326 195World total teu 1 858 368 1 054 069 2 898 318 1 723 015 6 615 205 18 557 827

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Gráficos 1 e 2 – Evolução da frota de navios porta contentores e encomendas de novas construções

Fonte: Clarkson abril 2013

A evolução que se tem verificado na capacidade da frota de navios porta contentores e as suas novas encomendas apresenta-se nos gráficos 1 e 2, havendo uma previsão de que este crescimento continuará até 2015, onde se prevê vir a ultrapassar os 18 milhões de TEU’s

Investidoresestãomaisdispostosainvestirnosportosdoquenaatividadedo transporte marítimo

Neste negócio, os terminais de contentores passaram a ser estratégicos, pois sem o seu controlo será difícil ou mesmo impossível obter-se a competitividade desejada pelos armadores, sendo por vezes acionistas desses próprios terminais, diretamente ou através de empresas do mesmo grupo (ex. MCT - Maersk Container Terminals).

O aumento da dimensão dos navios originou um maior volume de movimentos de transhipment, criando mesmo vários níveis de transhipment.

Um primeiro nível com navios de mais de 10.000 TEU’s de capacidade para navios de 5.000 ou 6.000 TEU’s de capacidade e um segundo nível entre estes e navios de 1.000 TEU’s ou menos.

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Gráfico 3 – Evolução do volume de contentores movimentados a nível Mundial

Fonte: Clarkson abril 2013

Não é por acaso que dos 20 principais portos Mundiais em movimentos de contentores, os oito primeiros lugares são ocupados por portos do extremo oriente, não só pelo significativo aumento do volume de exportações existente, mas também pelo número de movimentos de transhipment necessários para concentrar a carga em portos estratégicos a fim de a fazer transportar em navios de grande dimensão até aos seus hubs Europeus ou Americanos e a partir daí se realizar a distribuição até aos seus portos de destino final.

Gráfico 4 – 20 principais portos Mundiais de contentores, em movimento

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A movimentação de contentores tornou-se assim um negócio específico dentro do negócio do shipping onde algumas empresas se especializaram a nível Mundial, como a PSA (Port of Singapore Authority) ou a Hutchinson Ports, entre outras, não se restringindo a investimentos locais mas sim espalhados um pouco por todo o Mundo, como forma de, através de um único contrato, dar resposta aos seus clientes armadores globais.

Convém mesmo salientar que devido aos fracos resultados financeiros registados nos últimos anos pelas várias empresas armadoras que atuam a nível global, existem atualmente mais interessados em investir em terminais de contentores do que em navios e em empresas operadoras de transporte marítimo.

OalargamentodoCanaldoPanamá

Muito se tem falado sobre o canal do Panamá e as suas novas comportas do lado Atlântico, as quais irão permitir a passagem de navios de maior dimensão do que a atual.

Qual o impacto que poderá trazer para os portos Europeus da fachada Atlântica?

Qual o impacto que poderá ter nos tempos de trânsito dos navios e das cargas?

De facto o alargamento das comportas atlânticas do Canal do Panamá irá permitir a passagem de navios de maior dimensão mas não terá capacidade para os navios de maior dimensão atualmente em operação.

Figura 2 – Corte das novas comportas atlânticas do Canal do Panamá

Fonte: ACP (www.pancanal.com)

Para quem gostar deste tipo de projetos de engenharia recomenda-se a análise do projeto e da sua evolução o qual está disponível em www.pancanal.com, o sítio da Autoridad del Canal de Panamá (ACP).

O novo sistema de comportas permitirá a reutilização de parte da água usada para restabelecimento da cota necessária para vencer o desnível entre o Atlântico e o lago Gatún, o qual durante o período de estio vê o seu nível médio de água diminuir, o que tem implicações ambientais e operacionais para o trânsito dos navios.

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Figura 3 – Novas comportas atlânticas do Canal do Panamá

Fonte: ACP (www.pancanal.com)

Conforme refere o projeto, o plano foi concebido em 2006 quando o maior navio que estava a ser construído na altura era da Cosco e tinha uma capacidade para 10.000 TEU’s, com 349 m de comprimento, 46 m de boca e 14,5 m de calado.

Figura 4 – Dimensões das novas comportas atlânticas do Canal do Panamá e sua comparaçãocom as comportas antigas

Fonte: ACP (www.pancanal.com)

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Não obstante as dimensões mencionadas como máximas para a passagem dos navios, nomeadamente o comprimento de 366 m, a boca de 49 m e o calado de 15,2 m, o próprio projeto menciona claramente que o calado será restrito a valores inferiores, dependendo da altura do ano e das condições do nível da água do lago Gatún, sendo, para além disso, calados de água doce. Em água salgada, os calados máximos terão restrições entre 13,5m e 14,8m.

A boca dos navios será também restringida a 46,3 m para navegação unidirecional no canal, ou 75 m na soma das duas bocas de dois navios que se cruzem, no caso de navegação bidirecional.

Estas dimensões colocam de fora, por exemplo, os navios da MSC que habitualmente escalam Sines.

Quadro 5 – Dimensões dos navios da MSC que habitualmente escalam Sines

Fonte: MSC

Os navios da Classe E da MAERSK, como o Emma Maersk (15.000 TEU’s), também não poderão passar nas novas comportas do Canal do Panamá e muito menos os da classe Triple E que são maiores (18.000 TEU’s).

Quadro 6 – Dimensões dos navios da Classe E da Maersk (ex. Emma Maersk) e Triple E (ex. Maersk Mc-Kinney Moller)

Fontes: MAERSK, Equasis, ABS, Marine Traffic

O próprio projeto das novas comportas do Canal do Panamá é claro quando refere que o objetivo do mesmo é sobretudo servir a costa Leste da América do Norte.

A eventual possibilidade de utilização do Canal do Panamá para serviços “Round the World”, em substituição dos serviços pendulares existentes, só fará sentido através da utilização de navios de menor dimensão do que aqueles que são atualmente construídos

Ship Built GT DWT LOA (m) Beam (m) Draught (m) TEU's TEU's 14TEmma Marsk 2006 170 974 156 907 397,7 56,4 15,5 15 000 11 000Maersk Mc Kinney Moller 2013 194 849 194 153 399 59 16,5 18 000 n/a

Ship Built GT DWT LOA (m) Beam (m) Drauht (m) TEU's TEU's 14TMSC Renne 2012 135 000 140 570 366 48 15,5 13 102 8 921MSC Filomena 2011 158 000 142 500 366 48 15,5 12 562 9 080MSC fabiola 2011 158 000 142 500 366 48 15,5 12 562 9 080MSC Ariane 2012 143 521 154 503 366 48 16 13 050 9 400MSC Irena 2010 151 559 156 301 366 51 15 13 798 10 500

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para este tipo de tráfego e para responder aos desequilíbrios de mercado entre o Leste e o Oeste, resultando contudo em tempos de trânsito maiores do que os atuais.

O Canal do Panamá não é uma alternativa ao Canal do Suez no tráfego entre o Extremo Oriente e a Europa devido à enorme diferença da distância a percorrer (Figura 5).

Conforme se representa na Figura 5 a distância entre Shanghai e a costa Portuguesa através do Canal do Panamá é superior em cerca de 3.332 milhas do que através do canal do Suez, o que a uma velocidade média de 18 nós (18 milhas marítimas por hora) representaria mais 7,7 dias de viagem.

Figura 5 – Distâncias em milhas marítimas entre Shanghai e a costa Portuguesa

Mesmo que por qualquer razão política ou de catástrofe natural o Canal do Suez

fechasse, seria sempre mais vantajoso fazer a ligação entre Shanghai e a Europa através do Cabo da Boa Esperança, visto que a diferença da distância em comparação com a rota pelo Canal do Panamá seria de mais 36 milhas, o que a uma velocidade média de 18 nós representaria mais 2 horas de viagem, tempo esse que seria sempre inferior à passagem de um navio pelas comportas do Canal do Panamá.

OsTerminaisdeContentoreseoseunegócio

O negócio de um terminal de contentores é essencialmente uma prestação de serviços de movimentação de carga, neste caso de carga contentorizada.

O negócio de um terminal de contentores está relacionado com o tipo de movimento que realiza, nomeadamente quanto à origem ou destino dessa carga, ou seja quanto ao mercado que serve.

Pode-se assim considerar que o mercado se subdivide nos seguintes tipos de negócio quanto à origem e destino das mercadorias e tipo de movimentação.

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Figura 6 – Negócio de um Terminal de Contentores

Enquanto o negócio do terminal de contentores que serve o hinterland nacional e internacional se pode considerar mais estável, identificável e quantificável, onde a concorrência ocorre entre portos que estão localizados na mesma região ou a distâncias semelhantes para servir esse hinterland, o negócio do transhipment é muito mais volátil e incerto, tratando-se de um negócio de grande volume de movimentos com receitas por movimento normalmente muito inferiores às receitas por movimento de contentores de e para o hinterland.

A competitividade e a concorrência no mercado do transhipment é enorme por não estar relacionado com um mercado de hinterland definido e por essa razão é um negócio mais volátil onde a tomada de decisão de mudança do local onde realizar o transhipment é relativamente fácil, rápida e frequente, existindo, por parte dos terminais de contentores, a necessidade permanente de garantir um bom desempenho, quer em termos de operação, em número de movimentos por hora e em valor por movimento, quer em termos de custos portuários com a escala dos navios, o que no caso do nosso país depende sobretudo das Administrações Portuárias mas também de outros atores no processo (Agentes de Navegação, Reboques, Amarração, Autoridades Marítima, Fiscal, Sanitária e de Imigração).

As condições naturais dos portos, como sejam os fundos, são fatores de extrema importância na escolha destes para a operação dos grandes navios porta contentores de última geração.

Uma forma de atrair o movimento de transhipment de uma determinada linha passa sobretudo pela oferta de baixos custos globais dessa operação e por altos índices de desempenho da mesma.

Caso esses custos não sejam atrativos comparados com outros portos concorrentes na mesma área geográfica, outra forma de atrair a operação de transhipment passa por conjugar a mesma com a operação de e para o mercado do hinterland servido pelo porto em questão, justificando desta forma a escala de navios oceânicos (deep sea) em vez de navios feeder de short sea.

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É evidente a vantagem de escalas dos navios oceânicos para o mercado do hinterland, tornando possível a obtenção de custos de transporte (fretes) mais competitivos para as suas importações e exportações, pois neste caso não existirá o sobrecusto de um transporte feeder com mais dois movimentos portuários.

Como se pode entender claramente através da Figura 6, os negócios de movimentação de carga de um terminal de contentores de e para o hinterland internacional e de transhipment são claramente uma exportação de serviços, sendo de extrema importância para a economia de um país como o nosso.

Simultaneamente, conforme já referido, o facto de nos portos nacionais se poder contar com escalas de navios oceânicos traduz-se em custos de transporte inferiores para as importações de matérias-primas ou componentes para transformação e para as exportações nacionais, representando maior competitividade para as nossas empresas.

A questão que se coloca é se haverá mercado para o desenvolvimento de mais terminais de contentores de águas profundas no nosso país.

Uma resposta a esta questão só pode ser dada pelos operadores globais de transporte marítimo de contentores e pela predisposição do país em os atrair, e dessa forma contribuir de forma positiva para a nossa economia através da exportação de serviços.

Uma análise à evolução do mercado e ao posicionamento dos nossos portos no mercado nacional e ibérico pode contribuir também para a formulação de uma estratégia de desenvolvimento e planeamento nacional nessa área.

Gráfico 5 – Evolução do movimento global nos portos portugueses (TEU’s)

Fonte: Administrações Portuárias

No Gráfico 5 nota-se claramente a evolução significativa e constante do número de movimentos de contentores nos nossos portos, a qual só foi contrariada no ano de 2009 devido à conhecida crise global que se verificou, tendo retomado o crescimento em 2010.

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Gráfico 6 – Evolução do movimento por terminais de contentores nos portos portugueses (TEU’s)

Fonte: Administrações Portuárias

Quando se analisa a evolução do aumento de movimentos, mas por terminais de contentores (Gráfico 6), torna-se claro que o principal crescimento se verifica no terminal da PSA em Sines e no TCL em Leixões, existindo certamente alguma transferência de movimentos dos terminais do Porto de Lisboa para os primeiros.

Gráfico 7 – Evolução do movimento por terminais de contentores nos portos portugueses (TEU’s)

Fonte: Administrações Portuárias

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Durante o período da análise (1997 a 2012) constata-se que o Terminal de Contentores de Leixões (TCL) manteve sempre a liderança em número de movimentos, devendo em breve ser ultrapassado pelo Terminal da PSA em Sines (Gráfico 7), em virtude de a capacidade do TCL estar praticamente esgotada ou com pouca possibilidade de expansão.

No Gráfico 8 constata-se que praticamente todos os terminais de contentores têm perdido quota de mercado a favor do terminal da PSA, sendo os mais afetados os terminais de contentores do Porto de Lisboa.

Este tipo de análise é prejudicada e não pode ser aprofundada pelo facto de não ser possível identificar e segregar os movimentos em cargas de transhipment e cargas de e para o hinterland de cada um dos portos e terminais por falta de informação, sobretudo relativamente ao Terminal da PSA.

Esta falta de informação é prejudicial pois impede que empresas interessadas em investir nesta área possam realizar estudos financeiros e análises de mercado aprofundados.

Através do Gráfico 9 pode-se constatar que os vários terminais do Porto de Lisboa têm praticamente mantido o mesmo volume de movimento desde 2004, não apresentando uma evolução ou crescimento semelhante ao dos outros terminais, razão que está na origem da perda de quota de mercado.

Gráfico 8 – Evolução da quota de mercado dos terminais de contentores nos portos portugueses (TEU’s)

Fonte: Administrações Portuárias. Tratamento de informação – Logimaris/InsStat

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Gráfico 9 – Evolução do movimento por terminais de contentores no Porto de Lisboa (TEU’s)

Fonte: Administrações Portuárias

Numa análise à evolução do movimento de contentores, mas agora por portos nacionais (Gráfico10), verifica-se que o Porto de Lisboa perdeu a liderança em 2012, sendo substituído pelo Porto do Douro e Leixões.

Este facto deveu-se sobretudo à quebra de movimento que se verificou no Porto de Lisboa durante o ano de 2012 devido às sucessivas greves dos trabalhadores portuários.

Em 2013 prevê-se que o Porto de Sines venha a apresentar o maior número de movimentos no panorama dos portos nacionais, ficando este facto a dever-se sobretudo ao movimento de transhipment, o qual se deduz que compõe a maior parte do movimento do Terminal da PSA, sendo de salientar que cada contentor de transhipment representa dois movimentos (descarga e posterior carga). Gráfico 10 – Evolução do movimento de contentores por portos (TEU’s)

Fonte: Administrações Portuárias

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Gráfico 10 – Evolução da quota de mercado de movimento de contentores nos portos portugueses (TEU’s)

Fonte: Administrações Portuárias. Tratamento de informação – Logimaris/InsStat

Numa análise da quota de mercado de movimento de contentores nos portos portugueses (Gráfico 10) constata-se facilmente que desde 2004 que o Porto de Lisboa tem vindo a perder quota de mercado, tendo o Porto de Sines apresentado o maior aumento ou crescimento de quota de mercado desde então.

O Porto do Douro e Leixões, não obstante o aumento do número de movimentos, tem vindo a ver ligeiramente reduzida a sua quota de mercado.

A competitividade dos terminais e dos portos nacionais, não pode ser medida apenas entre si, principalmente quando se pretende servir o hinterland internacional, nomeadamente o mercado espanhol.

Quadro 7 – Evolução do movimento de contentores (TEU’s) nos principais portos da Península Ibérica

Fonte: Administrações Portuárias Portuguesas / Puertos del Estado / Administrações Portuárias Espanholas

Ports 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012Leixoes 349 495 352 002 378 387 433 486 450 026 454 503 481 818 514 088 632 673Lisboa 514 769 513 061 512 501 554 774 556 062 500 857 512 789 541 906 485 761Setúbal 19 515 13 145 15 736 12 425 19 952 25 506 50 744 77 127 49 350Sines 19 211 50 994 121 957 150 038 233 118 253 495 382 089 447 495 553 063Barcelona 1 916 493 2 071 481 2 318 239 2 610 100 2 569 549 1 800 213 1 945 733 2 013 967 1 749 974Valencia 2 145 236 2 409 821 2 612 049 3 0420665 3 602 112 3 653 890 4 142 100 4327 371 4 469 754Vigo 197 269 205 497 226 927 244 065 247 873 193 921 222 463 212 120 198 517Bilbao 468 959 503 805 523 113 554 558 557 345 443 464 538 133 572 784 610 131Algeceiras 2 937 381 3 179 300 3 256 776 3 420 533 3 327 616 3 042 759 2 810 242 3 602 631 4 070 791Total Portugal 902 990 929 202 1 028 581 1 150 723 1 259 158 1 234 361 1 427 440 1 580 616 1 720 847Total Espanha 7 665 338 8 369 904 8 937 104 9 871 921 10 304 495 9 134 247 9 658 671 10 728 873 11 099 167Total Iberico 8 568 328 9 299 106 9 965 685 11 022 644 11 563 653 10388 608 11 086 111 12 309 489 12 820 014

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Gráfico 11 – Evolução do movimento de contentores em Portugal e Espanha (TEU’s)

Fonte: Administrações Portuárias Portuguesas / Puertos del Estado / Administrações Portuárias Espanholas

É notória a diferença de volume do movimento de contentores entre os dois países, a qual tem uma proporção de 1:6, não se justificando apenas pela proporção da diferença do número de habitantes (1:4).Espanha tem portos com um elevado índice de movimentos de transhipment, como sejam Algeciras, Valencia e mesmo Barcelona, possuindo também a oferta de uma grande capacidade e possibilidade de expansão como recentemente se verificou no Porto de Barcelona com o terminal BEST (Barcelona Europe South Terminal).

Gráfico 12 – Evolução do movimento de contentores nos portos de Portugal e Espanha (TEU’s)

Fonte: Administrações Portuárias Portuguesas / Puertos del Estado / Administrações Portuárias Espanholas

Dos três principais portos espanhóis em movimento de contentores, Valencia, Algeciras e Barcelona, é este último o que apresenta menor número de movimento de contentores, porém representa mais movimentos do que o conjunto de todos os portos portugueses.

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Com base na evolução do movimento de contentores nos terminais e nos portos, torna-se possível realizar uma análise de posicionamento estratégico dos mesmos, através da quota média de mercado e da média de crescimento, em períodos de 5 anos.

Esta análise designa-se por Matriz BCG, desenvolvida pelo Boston Consulting Group.

Esta matriz divide-se em quatro campos distintos. • Muito competitivo

• Posição futura incerta

• Grandes necessidades de investimento para vir a ser uma “Star” (marketing, melhor serviço), mas arriscado

STAR • Muito competitivo e atual líder de mercado

• Gera resultados consideráveis

• Necessidades de investimento para manter a quota de mercado e a quota de crescimento

• Avaliação de investimento de longo prazo

CASHCOW • Atual líder de mercado

• Pode perder a liderança no futuro

• Necessário investimento para manter a quota de mercado

• Avaliação de investimento no médio e curto prazo

DOG • “Criança problemática”

• Desvantagem de custos ou poucas oportunidades de crescimento

• Investimento arriscado

• Desinvestimento é melhor

Nos Gráficos 13 a 15 ilustra-se o posicionamento estratégico dos terminais portugueses entre si, permitindo ver a evolução entre o período 1999-2004, 2004-2009 e 2007-2012, sendo visível a evolução dos vários terminais entre as várias épocas de análise, colocando o Terminal da PSA como uma “Star” e o TCL no limite entre uma “Star” e uma “Cash Cow”, no último período de análise.

Os Terminais de Contentores de Alcântara (Liscont) e de Santa Apolónia foram os que mais perderam em posicionamento estratégico, estando quase no limite de serem considerados “Dog” o que pode significar o desinvestimento e abandono do negócio, mas numa visão mais abrangente em termos de portos o cenário poderá ser diferente.

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Gráfico 13 - Posicionamento Estratégico dos Terminais de Contentores em Portugal – 1999-2004 - Matriz BCG

Fonte: Logimaris/InsStat com base nos dados das Administrações Portuárias

Gráfico 14 - Posicionamento Estratégico dos Terminais de Contentores em Portugal – 2004-2009 - Matriz BCG

Fonte: Logimaris/InsStat com base nos dados das Administrações Portuárias

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Gráfico 15 - Posicionamento Estratégico dos Terminais de Contentores em Portugal – 2007-2012 - Matriz BCG

Fonte: Logimaris/InsStat com base nos dados das Administrações Portuárias

Quando se realiza o mesmo exercício mas numa ótica de portos o panorama é ligeiramente diferente.

Gráfico 16 - Posicionamento Estratégico do movimento de contentores nos Portos Portugueses – 2004-2009 - Matriz BCG

Fonte: Logimaris/InsStat com base nos dados das Administrações Portuárias

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Gráfico 17 - Posicionamento Estratégico do movimento de contentores nos Portos Portugueses – 2007-2012 - Matriz BCG

Fonte: Logimaris/InsStat com base nos dados das Administrações Portuárias

Numa análise da evolução da posição estratégica com base nos números dos portos e não dos terminais, nota-se que o Porto de Sines teve uma evolução abaixo do esperado, não sendo ainda um “Star” e o Porto do Douro e Leixões manteve-se numa posição entre um “Star” e um “Cash Cow”.

Definitivamente pode concluir-se que o Porto de Lisboa foi o que mais perdeu em posição estratégica, estando contudo ainda numa posição de “Cash Cow”, o que significa que só através de investimento conseguirá recuperar uma posição de “Star” ou então verá definhar ainda mais o seu posicionamento estratégico até à sua extinção como porto de contentores.

Para além de uma análise nacional deve fazer-se uma análise ao nível Ibérico para se obter uma verdadeira noção do posicionamento estratégico dos portos portugueses.

Nos Gráficos 18 e 19 comparam-se os períodos de 2004-2009 e 2007-2012 dos principais portos que movimentam contentores na Península Ibérica.

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Gráfico 18 - Posicionamento Estratégico do movimento de contentores nos Portos Ibéricos 2004-209 - Matriz BCG

Fonte: Logimaris/InsStat com base nos dados das Administrações Portuárias

Gráfico 19 - Posicionamento Estratégico do movimento de contentores nos Portos Ibéricos 2007-2012 - Matriz BCG

Fonte: Logimaris/InsStat com base nos dados das Administrações Portuárias

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Como se pode concluir através dos Gráficos 18 e 19, o posicionamento estratégico dos portos portugueses no panorama Ibérico e a sua evolução entre os dois períodos em análise não é o melhor, havendo necessidade de uma definição clara do que o país quer fazer no que diz respeito à prestação de serviços nesta área de atividade.

Oquequeremosafinaldosnossosportos?

Aproveitá-los como recursos para o desenvolvimento da economia através da movimentação de cargas, da ligação às cadeias logísticas nacionais e internacionais, da atividade do transhipment de contentores, ou limitá-los apenas à atividade dos navios de cruzeiro e ao turismo e na parte restante transformá-los em zonas de lazer sem utilidade produtiva?

A análise das várias soluções e objetivos possíveis deverá ser sempre realizada na ótica do interesse Nacional, ouvindo as instituições regionais e locais, baseando-se numa análise técnica e profissional, não deixando nunca de ter em consideração o impacte ambiental e o interesse económico para o País (rácios benefício/custo e períodos de recuperação do investimento aceitáveis no que diz respeito aos investimentos públicos necessários).

Qualquer investimento na infraestrutura operacional deverá ser privado, assegurando a viabilidade financeira do projeto, assim como a sua viabilidade técnica e operacional.

Será fundamental ter as autarquias envolventes como parceiros das Administrações Portuárias, repartindo os benefícios financeiros dos projetos e realizando uma gestão participativa.

Torna-se fundamental procurar as melhores soluções económicas para o País e para a criação de riqueza e de emprego de forma sustentável, abolindo-se os regionalismos radicais e os interesses sectoriais que nada trazem de bom.

Há que ter em atenção com quem concorremos e saber qual ou quais os mercados que nos interessa servir.

Ou seja, saber o que queremos e ter um plano estratégico integrado de todo o sistema portuário nacional e sobretudo levá-lo até ao FIM.

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6. PORTOS E LOGÍSTICA

6.1 Os Portos na Cadeia Logística Global

Os portos na cadeia logística global

J. Augusto Felício

Os quatro principais operadores portuários globais localizam-se em regiões estratégicas, dominam cerca de 30% do mercado mundial, localizam-se nos principais portos europeus e procuram controlar as cadeias logísticas. As quatro principais companhias de navegação europeias representam 37,5% da capacidade da frota mundial e da mesma forma procuram controlar as cadeias logísticas, razão porque concorrem e competem diretamente no domínio de terminais portuários com as companhias operadoras portuárias.

Enquadramento

Os países europeus controlam para cima de 40% da frota mundial e lideram a indústria marítimo-portuária. Por sua vez, 90% do comércio externo da UE e mais de 40% do seu comércio interno é realizado por mar, o que indica serem os armadores e os portos essenciais para o transporte e o comércio mundial. Todos os anos mais de 3,5 biliões29 de toneladas de carga e 350 milhões de passageiros utilizam os portos europeus, onde trabalham cerca de 350.000 pessoas e nos serviços relacionados que, em conjunto, geram um valor acrescentado de cerca de 20 biliões de euros30 . Estudos comprovam a crescente complexidade da cadeia de fornecimento, o aparecimento de maiores fornecedores logísticos e a tendência para a concentração do mercado das empresas de navegação e dos operadores portuários, por efeito do elevado potencial do mercado de contentores e de mudanças verificadas quanto à reorganização dos armadores (Figura 1).

Até meados de 2008 com o aumento substancial do comércio marítimo assistiu-se à construção de novos navios, cada vez de maiores dimensões, e a fusões e aquisições entre empresas de navegação criando enormes companhias que passaram a controlar parte importante da frota mundial. Verifica-se, no caso do comércio Ásia-Europa, ser expectável que a rota seja servida por navios de contentores de 10.000 TEU. Paralelamente, os maiores operadores portuários têm vindo a tomar posições em portos com localização estratégica. Verifica-se, também, o crescente recurso ao porto de negócios, ‘concentrado crescentemente nos terminais que servem o hinterland’. A atual crise económica mundial colocou a descoberto a existência de uma clara sobrecapacidade instalada na frota mundial que tem levado ao cancelamento de novas construções em curso, a colocar de lado navios em bom estado (10% da capacidade, AXS, Alphaliner, 2009) ao crescimento de material para sucata (+ 300.000 TEU, em 2009, id.) e à queda a pique das taxas de fretamento (70%, ISL, 2009).

29 Bilião = milhar de milhão.

30 European Parliament (2009). The Evolving Role of EU Seaports in Global Maritime Logistics - Capacities, Challenges and Strategies. Directorate-General for Internal Policies. Transport and Tourism. PE 419.121.

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Omercadoeuropeueaindústriadenavegação

O comércio intrarregional global total representa 54,8% das mercadorias transacionadas no mundo (WTO, 2008)31 , cabendo aos países europeus 31,2% e aos países asiáticos 13,9%. A perspetiva é a do comércio marítimo mundial aumentar 44% em 2020 relativamente a 2006, com 11,5 biliões de toneladas (UNCTAD, 2008)32 (Figura 2).

Figura 2 – Maiores rotas de comércio marítimo

Fonte: Rodrigue, Hofstra University (2006)

A EU tem para cima de 1.000 portos, dos quais cerca de 300 movimentam mais de 1 milhão de toneladas de mercadorias e 350.000 passageiros por ano, cujos cinco portos mais importantes – Roterdão, Antuérpia, Amesterdão, Hamburgo e Marselha - movimentam 24% do total de cargas e os dez mais relevantes 33%, reportado a 2006. Só o porto de Roterdão movimenta mais de 10% desse total. O movimento de cargas contentorizadas nos portos da EU é de 21%.

No relatório para o Parlamento Europeu (E.P., 2009: 12)33, que tem vindo a ser citado, classificam-se os tipos de porto em principal, transhipment, segundo nível e terceiro nível. Esta diferenciação tem interesse dadas as suas características e pelo facto dos portos de mar e os terminais em terra serem pontos de concentração e distribuição de cargas e mercadorias a partir dos quais se interligam semelhantes ou diferentes modos de transporte para assegurar as cadeias de abastecimento (Figura 3).

31 WTO, International Trade Statistics, 2008.

32 Estimativas baseadas numa taxa de crescimento de 3,1% anual.

33 E.P., representa European Parliament (2009), op. cit.

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Figura 3- Serviços integrados

Fonte: Notteboom & Rodrigue (2004), adapt. de Robinson (2002)

Na medida em que os portos centram as cadeias logísticas baseadas no abastecimento identificam-se por cadeias push, mas quando se baseiam na procura denominam-se por cadeias pull. Estes nós da rede logística que integram os sistemas de distribuição funcionam como centros logísticos baseados na cadeia de abastecimento e na pressão dos produtores (cadeia push) ou baseados na procura de mercadorias por parte dos consumidores (cadeia pull). Em ambos os casos o sistema de distribuição exige o recurso aos transportes, o que aumenta a complexidade do sistema logístico.

Cerca de 70% do valor total do comércio marítimo internacional realizado no mundo foi movimentado em contentores, o que corresponde ao volume de 15,5% do total de carga contentorizada, em 2007 (EP, 2009:29). Este comércio contentorizado deverá continuar a crescer nas próximas décadas a uma taxa de 5-8% ao ano estimando-se um fluxo de contentores de 211 a 265 milhões de TEU em 2020, diferentemente consoante as regiões, o que exerce enorme pressão na logística de contentores, porque os contentores vazios necessitam ser continuamente reposicionados. De um tráfego total de 485 milhões de contentores movimentados em 2007, contentores vazios são 101,1 milhões, contentores movimentados porto-a-porto são 280,2 e 103,5 são contentores movimentados em transhipment (UNCTAD, 2008). Os portos europeus movimentaram cerca de 90 milhões de TEU, em 2007, incluindo transhipment, sendo uma grande parte fluxos de contentores intraeuropeus (EP, 2009:31). Os cinco principais portos – Roterdão, Hamburgo, Antuérpia, Bremer, Gioia Tauro – movimentaram cerca de 37,2 milhões de TEU, o que corresponde a cerca de 43% do total de contentores da UE.

Os portos localizados no Atlântico Norte movimentaram cerca de 66,5% do tráfego, sendo três dos principais portos responsáveis por 28,9 milhões de TEU ou seja 32% do total. O que isto quer dizer é que o abastecimento dos países europeus faz-se essencialmente a partir dos portos localizados no norte europeu, servindo as rotas do Atlântico e parcialmente a rota mediterrânica-asiática (Figura 4). Cushman & Wakefield (2006) para reforçar esta opção evidenciaram as áreas de localização dos principais centros de consumo e produção no centro europeu que designaram de ‘banana azul’ (aqui com cor amarela).

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Figura 4 – Banana azul (aqui com cor amarela)

Fonte: Cushman & Wakefield, 2006

A questão das rotas tem relevância estratégica por corresponder a opções tomadas pelos grandes operadores portuários na sua tomada de decisão quanto a escolher os portos com localização nas rotas, visando o controlo dos tráfegos e a sua política de domínio de cadeias logísticas globais. Os portos do sul europeu foram responsáveis em 2007 por cerca de 30 milhões de TEU, cerca de 33,4% do total dos portos europeus, e considera-se disporem de grande potencial de crescimento, incluindo a emergência dos portos de transhipment.

As 25 principais companhias mundiais, no início de 2008, dispunham de 5.933 navios com capacidade para 11.858.357 TEU e apenas as cinco maiores – APM-Maersk (Dinamarquesa), MSC (Suíça), CMA-CGM (Francesa), Evergreen (Formosa) e Hapag-Lloyd (Alemã) – com 5.162.532 TEU asseguravam 43,5% do total dessa capacidade, com 1.062 navios, o que representa, em média, navios com capacidade para 4.861 TEU (AXS Alphaliner, 2009). Estas quatro companhias europeias representam 37,5% da capacidade da frota mundial. No documento citado (EP, 2009) refere-se como importante tendência o facto da capacidade da frota ter aumentado em cerca de 3,5 anos 47% e o número de navios ter aumentado nesse período apenas 10,6% o que leva à conclusão da capacidade dos navios ter crescido mais rapidamente que o número de navios, o que se reflete em novas exigências quanto à operação e manuseamento nos portos.

Verifica-se, porém, que as dimensões dos navios da nova geração de + 10.000 TEU podem causar problemas em termo de acessibilidade náutica (EP, 2009:37), por terem em média 400 metros de comprido, poderem descarregar em simultâneo 22 contentores e com 7 contentores empilhados (Figura 5).

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Figura 5 – Evolução da dimensão dos navios contentores

Fonte: Ocean Shipping Consultants, 2007

Estas características exigem condições de operação portuária muito especiais o que só portos adequados podem conceder, sendo este um novo desafio colocado aos grandes operadores portuários, a que acresce o desafio de controlo das cadeias logísticas internacionais e globais.

Linhasdenavegaçãodecontentores

Em 2005, quando a Moller-Maersk realizou a mais importante operação de fusão & aquisição (F&A) com a P&O Nedlloyd determinou uma nova onda de concentrações no setor, em linha com o crescimento em média de 9,8% ao ano, verificado nas últimas duas décadas, do tráfego mundial de contentores (EP, 2009:29). O atual quadro de choque económico, despoletado por uma crise financeira, criou uma situação de forte desajustamento que sendo estrutural não deverá colocar em causa a lógica do desenvolvimento económico e o consequente crescimento de tráfegos. Tanto a América Latina como a China não abrandaram os seus níveis de crescimento e ambos são motores do desenvolvimento mundial. A sobrecapacidade de navios certamente que será absorvida num horizonte temporal razoável. Contudo, é natural que companhias chinesas reforcem a sua posição no mercado provocando novos ajustamentos, não parecendo que a tendência para a maior dimensão dos navios deixe de ocorrer. Complementarmente assiste-se a uma onda de cooperação entre companhias de navegação, em diferentes mercados e rotas (Lloyd, 2009), baseada, nomeadamente na compra e troca de ‘slot’, em acordos de partilha de navios, em juntar serviços e em alianças (Drewry Shipping Consultants).

Parece existir uma clara disputa de domínio dos tráfegos internacionais por parte dos operadores de navegação, procurando controlar cadeias logísticas globais e portos ou terminais portuários com localização estratégica. ´

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Operadores portuários

O estudo do Parlamento Europeu (2009:40) evidencia que a situação corrente no setor dos operadores portuários é em tudo comparável com a verificada na indústria de navegação de linhas de contentores, com quatro companhias operadoras mundiais a dominar o mercado de terminais portuários. São elas a PSA International movimentando 50,4 milhões de TEU, em 2008, representando uma quota de mercado de 9,6%, a Hutchison Port Holdings com 34,4 milhões de TEU e 6,6%, a Danish APM com 33,8% e 6,5% e a DP World com 32,9 milhões e 6,3%. Refere-se, ainda, que em conjunto estes quatro operadores portuários detêm aproximadamente 30% do mercado mundial da operação de contentores (Drewy, 2009). Atrás destas companhias surgem a Evergreen, Cosco Group e Eurogate, cada uma das quais com 1-2% de quota de mercado.

Aqueles quatro operadores portuários e a Eurogate dominam o mercado europeu, com

investimentos predominantemente concentrados na região entre os portos de Hamburgo e Havre (Figura 6).

Figura 6 – Terminais dos maiores operadores portuários

Fonte: Buck Consultants International (2009)

Como sucedeu com as companhias de navegação também as empresas de operação portuária seguiram uma política de concentração recorrendo a F&A. Contudo, como aspeto relevante salienta-se o grande interesse das companhias de navegação em tomar posição na atividade portuária e em regiões estratégicas, em direta competição e concorrência com as grandes companhias de operação portuária. Tem sido o caso da CMA-CGM (10 terminais), MSC (15 terminais) e Maersk Line.

Refere-se que uma taxa de utilização de 70% é considerada como limite máximo de operação no terminal sem problemas e que uma taxa de 80% de utilização implica

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problemas de congestionamento nesse terminal. As estimativas (EP, 2009:42) indicam que para 2015 todos os portos localizados no norte da costa atlântica europeia deverão ter problemas de congestionamento com uma taxa de ocupação superior a 70%, razão porque há projetos de expansão em curso.

Conclusões

Cerca de 70% do valor total do comércio marítimo internacional realizado no mundo foi movimentado em contentores, o que corresponde ao volume de 15,5% do total de carga contentorizada, em 2007. Em consequência, tem-se vindo a assistir ao processo de concentração mundial das companhias de navegação de linhas de contentores, como resposta ao crescimento dos tráfegos de mercadorias entre as principais regiões mundiais que em duas décadas registaram a taxa média anual de 9,8% ao ano, verificando-se que as cinco principais companhias de navegação europeias representam 43,5% da capacidade da frota mundial.

Por sua vez, os quatro principais operadores portuários globais dominam cerca de 30% do mercado mundial da operação de contentores, localizam-se em regiões estratégicas, nomeadamente, localizam-se nos principais portos europeus e procuram controlar as cadeias logísticas.

Parece clara a competição entre as companhias de navegação e os grupos que operam grandes terminais portuários no sentido de controlarem as cadeias logísticas internacionais e globais.

Lisboa, 18 de janeiro de 2010

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6.2 Portos no Sistema Logístico

Portos no sistema logístico e papel dos operadores portuários

J. Augusto Felício

Os portos e terminais portuários operam papel primacial no desempenho dos sistemas logísticos sempre que a importação ou exportação se focaliza nos portos. Os operadores logísticos são uma atividade estratégica no futuro imprescindível.

Enquadramento

Os sistemas logísticos são constituídos por diferentes agentes, operadores e infraestruturas que asseguram o tráfego e movimentação de cargas e mercadorias, com base em redes de transporte e no recurso a informação integrada. Na prática, trata-se de subsistemas logísticos. Em muitos casos interligam-se e constituem redes logísticas. A referência ao sistema encaminha a sua compreensão ao nível mais elevado de unidade, comando e integração. Por exemplo, suponha-se a existência do sistema logístico nacional. Neste caso, exige-se que se articulem os principais e diferentes agentes, operadores e infraestruturas, ao nível do sistema, que operam no quadro económico, financeiro e político do país.

Será que se pode identificar um sistema logístico nacional? No mundo aberto, identificado com a economia de mercado, não é possível. A abordagem nacional, por exemplo, no caso português, em geral, centra-se na identificação das plataformas logísticas urbanas, portuárias, transfronteiriças e regionais e recorre à sua dimensão, área económica e qualificação. São os agentes e operadores, conjugando a obtenção de informação e a movimentação de cargas e mercadorias da origem ao destino, que ao integrar as partes constituem os subsistemas logísticos. Na abordagem simples e direta denomina-se sistema logístico. Este pode dispor de maior ou menor grau de complexidade, uma vez que, em geral, se interliga através dos nós de confluência com outros subsistemas, constituindo-se redes ao nível local, regional, nacional e global.

As infraestruturas logísticas são entidades físicas e de organização que suportam as operações de movimentação de carga e mercadoria. Os operadores logísticos são as entidades de gestão de um ou mais sistemas logísticos ou processos que dispondo de know-how asseguram as condições de movimentação das cargas e mercadorias, no tempo certo, agregando recursos tangíveis (ex., equipamentos e instalações) e recursos intangíveis (ex., sistemas de informação, rotinas de organização, conhecimento de local e tempo) de forma otimizada, eficiente e eficaz, e com vantagem competitiva. Trata-se de entidades que realizam o negócio da logística, vulgo empresas, com o propósito de assegurar a gestão de processos logísticos, dispondo de maior ou menor complexidade, nomeadamente, garantir operações integradas de movimentação, armazenamento, acondicionamento, manutenção, postponment ou outras que, com base em contrato e

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em coordenação com o cliente, asseguram a prestação de um serviço logístico. Quando um sistema exige o recurso a mais de um modo de transporte os operadores logísticos desempenham o relevante papel de garantir a intermodalidade.

Entre outros operadores que integram o sistema, dependente da atividade ou de opções por processos logísticos a envolver, os portos, em especial os terminais portuários, em muitos casos, são determinantes como plataformas logísticas. Asseguram a movimentação de cargas e mercadorias do modo marítimo para o modo terrestre, rodoviário ou ferroviário, e a sua integração em processos logísticos ou num sistema logístico. O papel dos portos ganhou grande importância por duas razões em particular. A primeira deve-se ao efeito da globalização impondo aos agentes económicos e particularmente às empresas exigências de alargamento das fontes de abastecimento internacional em busca de melhores condições e simultaneamente a necessidade de aceder a novos clientes

em mercados distantes. A segunda reside na crescente disputa pelo dimensionamento e controlo dos sistemas logísticos, observados na perspetiva de interesses internacionais. Por um lado, devido ao papel dos portos na cadeia de abastecimento global, regional ou local, por se tratar de agentes de grande relevo ao nível da intermodalidade e eficiência do sistema e de custos (Figura 1). Por outro lado, refere-se a operadores muito especializados e exigentes, em termos de capital intensivo, detidos em geral por entidades que além do negócio portuário perseguem propósitos estratégicos para dominar sistemas logísticos.

Figura 1- Valor das mercadorias exportadas por país: 2008

Fonte: U.S. Department of Transportation. Freight Transportation: Global Highlights, 2010

A nível global, envolvendo o setor marítimo-portuário, confrontam-se dois grupos de operadores pelo domínio dos sistemas logísticos: a) os operadores portuários, através do controlo de terminais geoestratégicos posicionados na linha de grandes tráfegos e de terminais portuários estratégicos face a mercados de grande dimensão económica

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(ex,. Hutchison Port Holding, APM Terminals, Port Singapore Authority); b) os operadores marítimos, transportadores ou armadores, dotados de grande capacidade de transporte em termos absolutos e de elevado volume de carga por unidade de transporte (ex., Maersk, MSC, Evergreen) (Figura 2).

Figura 2- As principais rotas marítimas mundiais

Fonte: In Economist, Mar 24th 2012

Os principais operadores portuários que controlam portos geoestratégicos em aliança com grandes armadores e os principais armadores com grande capacidade de transporte em aliança com portos geoestratégicos confrontam-se pelo domínio dos sistemas logísticos globais. A outra escala o sistema reproduz estes diferentes interesses pelo domínio dos sistemas logísticos ao nível regional e local. Uns e outros desenvolvem estratégias para se transformar em grandes operadores logísticos, entidades que hoje e mais no futuro irão controlar os tráfegos marítimo-terrestres, certamente desenvolvendo parcerias estratégicas com outros operadores, especialmente rodoviários e ferroviários, que se associam por necessidade de participar, dominar ou influenciar os sistemas logísticos. O agente principal que assegura a eficiência dos sistemas logísticos é o operador logístico, entidade que organiza, domina e controla em simultâneo os fluxos de informação e de cargas e mercadorias que valoriza, acondiciona, armazena e transporta em estreita interligação com o cliente ou dono da mercadoria.

Portos e terminais portuários

Os portos são entidades complexas que dispõem de um terminal portuário ou grande número de terminais com distintas finalidades e outros atributos (ex., armazenagem, áreas de implantação logística). Os portos industriais em geral dispõem de terminais dedicados para as indústrias que servem, em muitos casos instaladas nas áreas adjacentes ao porto.

Os portos comerciais dispõem de terminais portuários com múltiplas funções, decorrentes dos atributos económicos da região ou do hinterland que o porto serve e que determina a sua vocação. Visam, em especial, servir a diversidade de carregadores ou clientes em função da atividade e dos mercados adjacentes. Os portos de transhipment, em sentido restrito, asseguram condições de redireccionamento de cargas e mercadorias para outros portos, aproveitando a sua posição geoestratégica face aos principais eixos de tráfego marítimo e localização dos mercados. A competição entre armadores resulta em enormes economias de escala. No caso do transporte de contentor da Ásia para a Europa

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o custo caiu de cerca de US $ 1.000 para menos de US $ 30034 . Os portos portugueses estão bem posicionados para competir, em especial o porto de Sines, por se tratar de um porto de transhipment, pois, ao largo da costa portuguesa realiza-se uma das principais rotas de navegação entre a Ásia e a Europa (Figura 3)35 .

Figura 3- Representação da intensidade do tráfego marítimo mundial

Fonte: Rodrigue (2010)

Admitindo diferentes tipologias de porto a sua simplificação ajuda a compreender o essencial da filosofia dos portos de carga e mercadorias (ex., contentorização e graneis). Excluindo os portos que realizam o transhipment ‘puro’ todos os demais localizam-se junto dos mercados que servem, incluindo o seu hinterland (Figura 4).

Figura 4- A região económica determina o porto

34 In Economist, Mar 24th 2012 35 Jean-Paul Rodrigue, J-P. (2010). Maritime Transportation: Drivers for the Shipping and Port Industries.

International Transport Forum 2010. Paris.

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Tomando como referência os portos de contentores que hoje representam mais de 60% do total de comércio marítimo mundial, no caso da Europa os principais portos localizam-se nas zonas de maior acessibilidade aos mercados que servem, nomeadamente na costa norte da Europa (Figura 5). Alguns outros localizam-se no Mediterrâneo.

Figura 5- Tráfego de contentores na Europa

Fonte: In Economist, Mar 24th 2012

Os portos em geral distribuem-se por toda a costa rendilhada do continente europeu. Os principais portos comerciais são cerca de trezentos e o total de portos mais de mil. Estão em curso ações visando a seleção natural dos portos com interesse comercial e estratégico para os países europeus. A lógica reside em servir os mercados de forma mais eficiente e eficaz ao mais baixo custo.

Sistemalogísticoeoperadoreslogísticos

Focalizando a atenção na península ibérica e relevando a importância do mercado espanhol, é importante compreender a forma com os tráfegos de pessoas e mercadorias se distribuem e orientam. A região de Madrid ocupa o papel central da economia espanhola em competição com a Catalunha em especial (Figura 6).

Figura 6- Fluxo de viagens, todos os modos, entre Províncias espanholas: 2008

Fonte: PITVI, Ministério de Fomento, 2012

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A importância da relação da região de Madrid com a região de Valência, no que respeita ao tráfego de mercadorias, decorre do facto do porto de Valência ser o principal recetor e abastecedor de Madrid e, por isso, ser um dos principais portos comerciais europeus (Figura 7).

Figura 7- Tráfego de mercadorias nos portos espanhóis: 2011

Fonte: PITVI, Ministério de Fomento, 2012

Compreende-se que os portos são plataformas de primeiro nível para o desenvolvimento dos sistemas logísticos na Península Ibérica. São, por isso, suportes essenciais para o seu desenvolvimento económico, além do mais rodeado de água por todos os lados menos por um. Mesmo admitindo que a União Europeia e a Europa em geral constituem o principal mercado de destino das exportações de Portugal e de Espanha, o transporte marítimo torna-se indispensável devido ao baixo custo de transporte em grandes quantidades. O transporte ferroviário numa parte é forte concorrente. Porém, o fator decisivo em termos competitivos baseia-se no desenvolvimento dos sistemas logísticos e para isso concorrem os operadores logísticos fortemente influenciados ou dominados, em muitos casos pelos operadores portuários e transportadores marítimos, por disporem de interesses estratégicos no controlo desses sistemas logísticos.

Em Portugal o Governo apostou fortemente na definição e desenvolvimento de plataformas logísticas distribuídas pelas várias regiões do país, em função do que determinou como polos potenciais de desenvolvimento económico (Figura 8). Entre essas plataformas logísticas incluiu-se os principais portos e ainda adjacente a alguns deles a construções de outras plataformas logísticas adicionais36 .

36 Considerou-se desde sempre tratar-se de um plano desfocado da realidade económica do país. Hoje já são

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Figura 8- Rede nacional de plataformas logísticas

Determinou-se que as plataformas logísticas se localizariam em espaços estratégicos face a grandes estruturas de transporte, de conexão com as redes existentes e de relação territorial com os principais utilizadores. Consideraram-se plataformas logísticas de quatro tipos: a) plataformas urbanas nacionais (dimensão média ou grande, economia do país, reordenar sistema e fluxos); b) plataformas portuárias (dimensão média ou grande, expansão do hinterland, fomento da intermodalidade); c) plataformas transfronteiriças (pequena e média dimensão, por vezes unimodais, economia regional, fluxos e investimento espanhol); d) plataformas regionais (dimensão pequena ou média, coesão da rede, reordenar sistema). Estas plataformas enquadram o propósito de promover o aparecimento de operadores logísticos e por inerência a criação de sistemas logísticos de base nacional, como drivers de desenvolvimento da atividade económica. Num quadro competitivo a realidade do mercado e das condições de otimização de recursos ao mais

visíveis alguns dos efeitos negativos desse irrealismo com consequências muito adversas.

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baixo custo face á qualidade e eficiência do serviço sobrepõe-se sempre idealização inconsistente que acabou no desbaratamento de recursos e na desmobilização.

Conclusões

Os sistemas logísticos são essenciais para o desenvolvimento das economias modernas e crescentemente competitivas. Têm por base os operadores logísticos como entidades essenciais detentoras do conhecimento e experiência para realizar a conjugação de informação em tempo real com a operação e transporte de cargas e mercadorias de forma eficiente e eficaz. Operar um sistema logístico significa oferecer um serviço especialmente às organizações industriais para otimizarem os seus custos, através de menores investimentos e evitar a menor operacionalização de recursos por efeito de economias de escala e de integração de serviços.

Os portos e os terminais portuários são entidades de grande importância, no quadro do desenvolvimento dos sistemas logísticos globais, no sentido em que constituem peças essenciais do próprio sistema e porque detêm interesses geoestratégicos para o domínio dos sistemas logísticos por razões de vário tipo, nomeadamente de controlo do seu negócio e da atividade económica em geral.

Num quadro mais regional, local ou nacional os portos são determinantes na obtenção de vantagens competitivas internacionais para o que contribui em grande medida a sua integração em sistemas logísticos.

Lisboa, 9 de dezembro de 2012

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6.3 Os Portos Europeus e Logística

Os portos europeus na logística marítima global

J. Augusto Felício

A globalização, a deslocalização e o forte crescimento da contentorização implicaram mudanças nos últimos 15 anos no comércio marítimo e levaram a grandes alterações no transporte marítimo37 e nas cadeias logísticas.

O quadro estatístico

A União Europeia controla cerca de 40% da frota marítima mundial a par do facto de cerca de 90% do seu comércio externo e mais de 40% do comércio interno recorrer ao transporte marítimo . Transitam pelos portos europeus por ano mais de 3,5 biliões de toneladas de carga e trabalham nos portos e serviços relacionados cerca de 350 000 pessoas que juntos geram um valor acrescentado de aproximadamente 20 biliões de euros. Porém, têm-se vindo a verificar profundas alterações no comércio marítimo mundial, em especial, fruto da globalização e eliminação de barreiras ao comércio, da contentorização do transporte de mercadorias e da integração dos serviços que constituem a cadeia de fornecimento com implicações na cadeia logística marítima. Em consequência, constata-se a tendência de concentração ao nível das empresas de navegação e dos operadores portuários, particularmente dos operadores de terminais de contentores, através de operações de cooperação e fusão e aquisição.

O World Trade Organization (2007), citado pelo estudo do European Parliament, (2009), refere que o PIB mundial entre 2000 e 2007 cresceu a uma taxa média de 3%, verificando-se entre os membros da União Europeia grandes diferenças. O maior ou menor crescimento do PIB tem efeitos no transporte mundial de cargas e no transporte marítimo e portos, devendo apreciar-se numa perspetiva de longo prazo. Quer dizer, a crise internacional de 2008 e 2009 teve efeitos no comércio, na atividade marítima e nos preços, criando uma onda de recessão, mas as opções dos agentes deverão atender a período longo, na medida em que nesse quadro a atividade compensa-se. A UNCTAD (2008) estima que o comércio marítimo mundial aumentará 44% em 2020 e duplicará até 2030 a uma taxa média de crescimento de 3,1%.

Em 2007, cerca de 8.020 milhões de toneladas foram as mercadorias carregadas nos portos do mundo inteiro, o que equivale a uma taxa de crescimento anual de 4,8% (UNCTAD, 2008), com os navios de carga responsáveis por um terço. Os países da Ásia absorvem uma quota cerca de 40%, os da América 23%, os da Europa 18%, os da África 10% e os da Oceânia 9%. Os países da Ásia, América e Europa são responsáveis por cerca de 80% do total das mercadorias carregadas.

37 European Parliament, (2009). The Evolving Role of EU Seaports in Global Maritime Logistics – Capacities, Challenges and Strategies. Directorate-General for International Policies. Brussels. IP/B/TRAN/FWC/2006-156/lot5/C1/SC4. Mail: [email protected]. Este trabalho baseia-se neste texto referenciado.

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Nos países membros da União Europeia 22 países dispõem de costa marítima, localizam-se cerca de 1000 portos marítimos dos quais cerca de 300 operam para cima de 1 milhão de toneladas de mercadorias, movimentam-se cerca de 21% do total de carga contentorizada e 10,8% de carga Ro-Ro. Os cinco portos principais – Roterdão, Antuérpia, Hamburgo, Marselha e Amesterdão – movimentam aproximadamente 915 milhões de toneladas (2007) ou 24% do total. Quatro localizam-se na região noroeste europeu e um na região Sul e do Mediterrâneo.

Odesafiododomíniodascadeiaslogísticas

O comércio de contentores tem registado crescimentos médios da ordem dos 10% ao ano com impacto no transporte marítimo e nos portos. Porém, essas taxas de crescimento variam muito entre regiões devendo levar-se em conta o posicionamento dos contentores vazios. Em consequência tem-se vindo a assistir à recomposição das empresas de transporte marítimo e à tomada de posição por parte de operadores portuários e armadores em competição, em alguns dos portos estrategicamente localizados, com recurso a operações de concentração (fusões e aquisições) resultando daí o congestionamento de alguns dos portos. No caso dos armadores globais a lógica reside em recorrerem em diversas situações a operações de joint-ventures com operadores de terminais para assegurar essas posições, visando a perspetiva de controlo de cadeias logísticas. Ao mesmo tempo, são cada vez maiores os navios de transporte de contentores, tanto ao nível dos tráfegos globais, por exemplo referentes ao comércio Ásia-Europa, como do transporte de curta distância, caso dos fluxos intraeuropeus, aproveitando de economias de escala.

A crise verificada no comércio internacional de 2008-2009 teve repercussões nos tráfegos marítimos e no volume de cargas movimentadas nos portos mas sem consequências a longo prazo, na medida em que este setor obedece em especial a ciclos longos, com reflexos nas encomendas de construção de novas unidades de transporte cada vez de maior dimensão. Trata-se de um setor em crescimento por força do incremento do comércio internacional.

O reposicionamento dos armadores globais e dos operadores portuários de grande dimensão ao nível do controlo dos tráfegos reflete-se na tendência para assegurar o domínio das cadeias logísticas globais e cadeias logísticas regionais e locais. Da mesma forma verificam-se implicações na reorganização logística dos armadores com efeito nos portos, na necessidade de responderem de forma mais eficiente e em tempo útil o que tem levado, em geral, ao envolvimento e organização das comunidades portuárias a participarem conjuntamente com as autoridades portuárias, numa lógica cooperativa, na gestão dos portos. Há, contudo, que atender às suas características pois é diferente tratar-se de portos principais ou secundários ou de portos de transhipment.

São centrais as cadeias de abastecimento europeu e a sua importância deriva da dimensão do mercado europeu, a maior região consumidora do mundo, complementar da região asiática, a maior região fornecedora de produtos de consumo. Tratando-se de grandes tráfegos de mercadorias o transporte marítimo e os portos desempenham papel fundamental a par do transporte intermodal, constituindo-se como sistema diferenciado.

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A grande questão reside em saber como assegurar a otimização das cadeias de abastecimento o que leva às condições de governação do sistema. As autoridades portuárias desempenham relevante papel por assegurarem condições de planeamento, investimento e de governação do sistema e ao congregar neste a comunidade portuária e ao estabelecer modelos de organização e condições de eficiência do transporte intermodal baseados nos portos como plataformas logísticas e entidades centrais desse mesmo sistema.

As interligações entre múltiplos agentes ao nível do porto e o desenvolvimento do mercado logístico são forças impulsoras de uma diferente visão dos portos, em muitos casos com grandes dificuldades em reorganizar os seus espaços físicos e responder à crescente dinâmica da tecnologia de transporte e das cadeias logísticas.

AsrotasealocalizaçãodosportosnaUE

Uma análise de enquadramento estratégico permite compreender, com poucas exceções, que os portos europeus visam na União Europeia servir o mercado de produção e consumo e a sua importância e localização decorrem da capacidade para responder com eficiência e menores custos aos ´mercados’ e às cadeias logísticas regionais, constatando-se a preponderância dos portos do noroeste sobre os portos do sul. Ou seja, seguindo a principal linha de tráfego mundial pelo Mediterrâneo, via canal do Suez e Gibraltar, desde a região da Ásia para a Europa uma questão relevante coloca-se a de saber porque razão os armadores contornam a Península Ibérica para se dirigirem para os portos do noroeste europeu quando poderiam abastecer os países europeus através dos portos do Sul (Figura 1).

Figura 1 – Principais rotas do comércio marítimo mundial

Fonte: Rodrigue, Hofstra University (2006)

A resposta, entre outras razões, reside no facto dos custos do transporte marítimo acrescido compensar os custos logísticos e de intermodalidade para abastecer os

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‘mercados do Centro e Norte europeu. De contrário faria todo o sentido que os grandes portos europeus se localizassem no Sul. Além da importância das cadeias logísticas europeias regionais acresce, também, a sua inserção nas cadeias logísticas globais para as quais concorrem os transportadores marítimos e os grandes operadores portuários. Por exemplo, no abastecimento do mercado de produção e de consumo da região de Madrid prevalecem as condições de localização do porto de Valência e das condições de integração na cadeia logística que faz com que este porto detenha vantagens comparativas dificilmente superáveis por outros portos e respetivas cadeias logísticas em que se inserem. Estas e outras razões justificam as enormes taxas de crescimento para cima de 50%, no período de 2000 a 2007, que os portos de Hamburgo e Bremen (Alemanha) ao norte e os portos de Valência e Barcelona (Espanha), Gioia Tauro (Itália), Constança (Roménia) e Riga (Letónia) ao sul (Figura 2).

Figura 2 - ‘Blue banana’

Fonte: Cushman & Wakefield, 2006

Uma vez compreendida a localização das concentrações e distribuição dos ‘mercados’ de consumo e produção na União Europeia e a sua extensão e valor torna-se possível avaliar a localização dos portos principais e a sua dinâmica de evolução, na perspetiva de um porto plataforma logística e a sua relevância estratégica ao nível das diversas cadeias logísticas ao nível global, regional ou local. Cada porto, com a sua localização, responde a necessidades reais do mercado que serve e de vocação, adequando-se às exigências dos agentes económicos em competição baseados no porto e nas cadeias logísticas em que se integram. Os hinterlands delimitam essa intervenção e determinam o seu alcance e dimensão (Figura 3).

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Figura 3 – hinterlands dos portos regionais

Fonte: Buck consultants International (2008)

A logística marítima global insere-se nas cadeias logísticas globais a par dos portos com localização estratégica.

Conclusões

Os portos desempenham um papel primordial no quadro das cadeias logísticas globais. O transporte marítimo global apoiado nos portos assegura os tráfegos de produção e consumo.

A localização e dimensão dos atuais portos principais europeus no noroeste e no sul concorrem e desenvolvem-se enquanto garantirem a maior eficiência e qualidade do serviço e, em especial, enquanto o preço das suas operações assegurar a vantagem da cadeia logística global e estratégica.

A competição entre armadores e operadores portuários para o domínio das cadeias logísticas aos vários níveis deverá acelerar a crescente eficiência e importância dos portos e dos subsistemas logísticos.

Lisboa, 18 de outubro de 2010

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6.4 A Logística e o Porto Centro de Negócios

A logística e o porto centro de negócios

J. Augusto Felício

Dispõe-se de diferentes tipologias de porto e percebe-se a sua importância e implicações no modelo económico. O seu relevo aumentou com a sua integração nas cadeias logísticas regionais e internacionais. Porém, a definição do modelo de porto e do sistema portuário são centrais para que os sistemas sejam eficazes e eficientes ao mais baixo custo. O modelo «porto centro de negócios» exige a integração de múltiplos agentes e uma adequada arquitetura de porto.

Enquadramento

O porto comercial, na sua perspetiva restrita, visa assegurar condições técnicas de manobra e segurança de atracagem e operações de carga e descarga dos navios, possibilitar operações logísticas de apoio à movimentação das cargas e mercadorias no espaço do porto e assegurar a intermodalidade. Na sua perspetiva mais ampla, assume-se como zona de atividades logísticas e área de localização de indústrias e outras atividades empresariais, com vista à competitividade económica e a assegurar vantagens competitivas às empresas. Em consequência, uma vez que se trata de local onde se processa a transferência de mercadorias e concentram atividades de prestação de serviços ao navio e ao carregador, rapidamente, ao seu redor, se têm vindo a desenvolver aglomerados urbanos.

Especialmente no passado, em que as operações de carga e descarga de mercadorias eram realizadas com recurso á força física, exigindo grandes contingentes humanos (os estivadores) requerendo, ao mesmo tempo, a mobilização de trabalhadores para as mais diversas funções, nomeadamente a execução e controlo de diferentes atividades ligadas ao navio e ao porto, este facto limitou a evolução do porto por umas razões e hoje, em muitos casos, e por razões diversas limita a evolução das zonas urbanas. A atividade marítimo-portuária suportada em mão de obra intensiva e largamente indiferenciada é hoje em dia uma atividade de capital intensivo muito exigente em tecnologia.

Esta alteração implicou forma diferente de encarar o porto visando assegurar condições de eficiência e eficácia da operação portuária no que respeita à movimentação de cargas e à intermodalidade, passando a exigir, nomeadamente diversa forma de organizar o espaço físico, com maiores áreas para a instalação de equipamentos, a realização de manobras em terra e o acondicionamento das mercadorias e cargas em trânsito, a par de condições marítimas para a aproximação e manobra dos navios de superior dimensão, dotados de tecnologia avançada e com maiores calados.

Entretanto, a diminuição dos tempos de operação e o aumento do volume das mercadorias transportadas por mar exigiu diferentes condições de acessibilidade rodoviária e ferroviária.

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O facto do porto, em muitos casos, estar inserido em zonas de forte concentração urbana transformou-se em obstáculo ao seu desenvolvimento, o que tem levado em muitos portos mundiais a deslocalizações das infraestruturas portuárias e à criação de novos portos com amplas áreas de expansão para a localização de empresas, em especial de cariz industrial.

Face a exigências de mercado verifica-se o crescente volume de tráfego de mercadorias e cargas, o processamento de maiores volumes por unidade de transporte e o aumento do número de navios com maiores exigências de calado que escalam o porto e menor o seu tempo de operação e estada. Em consequência, têm vindo a aumentar a velocidade de operação da carga e descarga e a sua movimentação no porto e a intensificar-se o tráfego de acesso rodoviário e ferroviário, exigindo diferentes condições de transporte, manobra e estacionamento dos equipamentos, manuseamento e stockagem das cargas, etc., na perspetiva do desenvolvimento da logística portuária38 .

Aemergênciadalogística

Numa breve referência, consideram-se três níveis de abordagem para o conceito de logística: na perspetiva da unidade empresarial ou organização, denominado micrologística; na perspetiva da integração dos processos envolvendo diferentes operadores e agentes autónomos constituindo-se em cadeia logística, denominada macrologística; na perspetiva integradora de diferentes subsistemas com referência a um espaço regional amplo, denominado meso-logística.

No caso da micrologística centra-se na empresa ou em outra organização cujo processo logístico envolve os ‘inputs’, por exemplo, as matérias-primas necessárias à produção, os ‘outputs’, por exemplo, os produtos acabados destinados ao mercado e a própria empresa como centro processador e transformador de recursos (Fig. 1).

Figura 1- Processo logístico centrado na empresa

No caso da macrologística centra-se no sistema económico nacional, assente no pressuposto da existência de entidades políticas e económicas que determinam orientações, realizam investimentos e controlam ou influenciam o sistema.

38 Arch Shaw (1916), L. D. H. Weld (1916), Fred Clark (1922) e Ralph Borsodi (1927), citados por Crespo de Carvalho (1999), Logística, 2.ª ed., edições Sílabo. Peter Drucker (1962) alerta para o tema «ao referir a logística

como a face obscura da economia, verdadeiro território por explorar».

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No que respeita à meso-logística contempla-se os diferentes subsistemas que se relacionam, considerando a região ou o mundo, constituindo sistemas alargados envolvendo diferentes sistemas económicos nacionais ou mercados, tomados na perspetiva das relações internacionais, envolvendo múltiplos agentes, empresas e processos com intuito de prestar serviços completos ao cliente.

Considerando a avaliação do sistema logístico ao nível da Península Ibérica, o interesse do empresariado português ou espanhol e a lógica de interesse dos Estados, a questão do sistema logístico apresenta diferentes perspetivas com implicações a longo prazo.

Uma corrente de opinião considera uma grande oportunidade para o desenvolvimento económico e empresarial português assegurar condições para que o sistema logístico interligue de forma funcional os mercados ibéricos, através de infraestruturas rodoviárias (autoestradas) e ferroviárias (alta velocidade), entre os principais centros populacionais (mercados) de Portugal e Espanha, e a construção em locais estratégicos de plataformas logísticas. Trata-se da oportunidade das empresas portuguesas ganharem massa crítica vocacionando-se para um mercado natural.

Outra corrente de opinião considera, ao invés, que se as infraestruturas rodoferroviárias devem ser aquelas necessárias para assegurar os tráfegos de escoamento para além Pirenéus e que as plataformas logísticas devem localizar-se nesses pontos estratégicos de forma a estruturar o espaço económico nacional.

A existência de uma visão e planeamento estratégico do sistema logístico nacional é da maior importância. Portugal é um país periférico face à Europa, dispondo de uma fronteira marítima e outra terrestre. Tem tudo a ganhar se assegurar condições de infraestrutura e de capacidade empresarial que possibilitem condições para potenciar o mercado ao nível dos países ibéricos. Porém, tanto ou mais importante que o mercado ibérico, deveria atender-se ao mar e especialmente às condições de estrutura e organização dos setores marítimo e portuário nacional, percebidos numa lógica ibérica e europeia e no seu posicionamento geoestratégico face aos grandes tráfegos marítimos mundiais. Uma das principais preocupações deveria centrar-se em acompanhar a lógica do desenvolvimento das cadeias logísticas internacionais e regionais, baseadas nesses tráfegos marítimos, procurando as melhores condições para estruturar e desenvolver o sistema portuário nacional, dando-lhe condições de infraestrutura e de organização que possam assegurar mais elevados padrões de eficiência e competitividade às empresas que operam no mercado nacional.

Ganha valor acrescido a arquitetura do sistema portuário, com particular destaque para a vocação dos portos e o desenvolvimento do transporte marítimo de curta distância (TMCD). O sistema logístico nacional deveria atender à sua integração nos sistemas regionais e a sua integração global estudado a partir dos sistemas marítimo e portuário.

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Osistemalogístico

«O desenvolvimento logístico nacional é um dos centros nevrálgicos para o potencial apoio ao crescimento do tecido produtivo», sendo a logística da empresa relevante ao «fazer a diferença entre o sucesso ou o fracasso do negócio» (Carvalho, 1999).

O desenvolvimento logístico nacional pressupõe a existência de plataformas logísticas estrategicamente localizadas, constituídas em rede, tendo em conta os mercados consumidores e a implantação dos fabricantes, a existência de infraestruturas de transporte rodoviário, ferroviário e marítimo, devidamente articuladas, e os sistemas de comunicação e telemática capazes de processar elevados volumes de informação, de forma a conjugar tráfegos de mercadoria e fluxos de informação referentes às cadeias logísticas, em tempo útil e com eficiência. Deverá articular-se a um nível superior, no que se denomina de «perspetiva helicopteriana», para a sua articulação com outros sistemas logísticos regionais e global. Está em causa a arquitetura do sistema logístico nacional, cuja finalidade reside em assegurar condições de rapidez na movimentação das cargas e mercadorias e baixo custo de operação e fiabilidade aos processos, instituindo condições de competitividade nacional e particularmente para as empresas que operam em mercados internacionais. A logística da empresa compreende, em especial, os recursos necessários à produção industrial ou de serviços, o processamento e transformação de recursos em produtos e a sua colocação no mercado. Refere-se ao sistema logístico primário.

Logística compreende um sistema de atividades integradas pelo qual fluem produtos e informação, desde a origem ao ponto de consumo, sustentado por fatores que determinam a vertente de disponibilização da organização, isto é, um sistema que responda no tempo certo, com a qualidade correta e que se conecte aos locais mais apropriados. Significa, essencialmente, planeamento e gestão de fluxos físicos e informacionais (Carvalho, id.). São características principais da logística a sua natureza intrínseca (atividades interligadas constituindo o processo) e a sua natureza sistémica (visão global e integrada). Dito de outra forma, a logística diz respeito, por um lado, à unidade empresarial identificada pelas suas estruturas e processos, capacitada para fabricar produtos e realizar negócios e, por outro lado, ao sistema económico envolvendo os processos e estruturas económicas dotados de eficiência. A logística está associada a duas variáveis principais, entre outras, que são a prestação de um serviço total que integra atributos de diferenciação, competitividade, fidelização e vantagem comparativa do produto apresentado aos clientes ou consumidores, e a sua realização ao mais baixo custo. Esta relação pode assumir a forma de função, assim:

mix da logística = f (serviço total, custo)

Depreende-se, portanto, centrar-se a logística no serviço total prestado ao cliente (Shapiro, 1984) à qual se associa o conceito de logística total em que «a distribuição física está intrinsecamente dependente dos sistemas de informação» (Sharman, 1984). Estes conceitos conduzem a perceber os determinantes da eficácia da logística, baseados no potencial de organização (sistema), no potencial de ação (recursos) e no sistema humano (conhecimento).

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O processo logístico primário identifica-se com a empresa devendo considerar-se as atividades interligadas de produção, aquisição, transporte, armazenagem e distribuição.

Constituem grupos genéricos de atividades logísticas (Bowersox, 1978) os seguintes:

• Gestão das infraestruturas da empresa • Constituição e gestão de stocks • Comunicação e informação • Movimentação de materiais/produtos • Transporte

Embora não corresponda inteiramente ao entendimento sobre as atividades logísticas, alargado às infraestruturas viárias e marítimas e outras, caso das plataformas logísticas, é interessante verificar a evolução do conceito no qual se integra o transporte.

Evidencia-se o transporte marítimo pelo facto de Portugal ser um país periférico face ao mercado europeu, para onde destina parte relevante do seu comércio, situação que confere destaque à utilização do transporte marítimo de curta distância (TMCD) e aos portos nacionais, no quadro da arquitetura logística nacional.

A relação do transporte marítimo, em particular o TMCD, com o transporte rodoviário é questão de grande atualidade. Diferentes analistas e profissionais vêm acentuando vantagem para a utilização do TMCD, por razões económicas e ambientais. Contudo, ao invés, o modo rodoviário ganha crescente preponderância.

Dias (2000)39 depois de colocar em relevo os principais fatores que determinam a eficiência e eficácia das cadeias logísticas de abastecimento e fornecimento, nomeadamente o aumento da velocidade, o baixo custo e a sua maior fiabilidade, e de referir o papel das plataformas logísticas destacando a sua orientação para as linhas de montagem e para o postponement (preparação do produto conforme interesse do cliente personalizado) refere razões que justificam o aumento de atividade do modo rodoviário face ao modo marítimo.

Enuncia que o TMCD apresenta de facto, no caso do transporte de mercadorias para o centro europeu, um custo menor quando confrontado com o modo rodoviário. Contudo, destaca, avaliando outros fatores como o custo da flexibilidade da cadeia global e da sua não rutura, que, neste caso, o modo rodoviário apresenta vantagens.

Ou seja, dissocia o custo mínimo do transporte ‘versus’ o custo mínimo da flexibilidade da cadeia global e da sua não rutura e coloca em confronto os modos rodoviário e marítimo. Neste caso, o transporte rodoviário ganha vantagem não devido ao menor custo do transporte que não tem mas pelo facto de apresentar maior flexibilidade e por potenciar

39 Dias, Q. (2000). Articulação modal e logística. 4.ª Conferência Internacional sobre Transportes, realizada nos dias 3 e 4 de julho de 2000, Lisboa.

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a hipótese duma presumível rutura da cadeia logística, mais fácil de resolver ao utilizar-se o transporte rodoviário.

É abordagem interessante, tanto mais, quando trás à liça a associação do camião com a responsabilidade do industrial face a exigências do just-in-time (JIT) e a associação do TMCD com a responsabilidade do cliente, baseando-se nas dificuldades, caso surjam, serem certamente mais fáceis de solucionar utilizando-se o modo rodoviário. Assim, o recurso aos modos ferroviário e marítimo é dificultado, pelo seguinte (Dias, id.):

• Falta de flexibilidade na adequação ao rigor do JIT;

• Maior dificuldade na minimização dos prejuízos do retorno da grande massa em vazio;

• Quebras de fiabilidade nas transferências;

• Diferenças de bitola, no caso ferroviário, altura das composições e limitações de capacidade de tração e comprimento dos comboios;

• Obtenção de massa crítica das cargas (canais logísticos com vários clientes). Esta forma de avaliar as dificuldades colocadas à utilização do modo marítimo, mais

propriamente rodo-marítimo, tem a sua pertinência de análise. Contudo, a perspetiva deverá alargar-se, partindo do pressuposto que o modo marítimo tem vantagens a aproveitar e sê-lo-ão quando se trata de deslocações, nomeadamente, quando:

• Se trata de cargas acima dos 1500kms;

• Estão em questão grandes quantidades por unidade de transporte;

• As cargas não se destinam a um único cliente, em especial se adotar técnicas de JIT; • As cargas são semirreboques, i.e.

Entretanto, não se referem as vantagens relacionadas com outros fatores, tais como os associados ao ambiente e às restrições de tráfego nas estradas europeias.

O processo logístico é complexo por envolver diferentes entidades e agentes e exigir rigor na articulação dos processos que constituem o sistema visando assegurar a qualidade na prestação do serviço ao cliente. Tudo tem de bater certo o que implica agentes altamente especializados e um adequado sistema de informação. Neste sentido, há diferentes níveis de decisão logística a considerar (McKinnon, 1999)40 , quanto à/ao:

• Concentração das estruturas logísticas (decisões estratégicas de localização); • Determinação do padrão das ligações comerciais (ligação às fontes de materiais e distribuição);

40 Referido por, Borralho, E. (2000). Os transportes rumo aos caminhos da logística. A zona de atividades logísticas de Sines. 4.ª Conferência Internacional sobre transportes, realizada em Lisboa, nos dias 3 e 4 de julho

de 2000.

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• Planeamento das escalas de fluxos de produtos; • Organização da gestão dos recursos de transporte.

Contudo, na base deverá existir uma arquitetura infraestrutural adequada, na qual o porto é parte relevante no caso do sistema logístico português. Uma dessas infraestruturas diz respeito à plataforma logística com diversa tipologia, envolvendo um só modo de transporte, destacando-se os terminais rodoviários (TR), centros de distribuição urbana (CDU), parques de distribuição (PD) e centros de transporte (CT) ou múltiplos modos de transporte, como sejam, zonas de atividades logísticas (ZAL), centros de transporte de mercadorias (CTM) e centros de carga aérea (CCA).

Oportoplataformalogística

Plataforma logística é uma zona delimitada no interior da qual são exercidas por diferentes operadores as atividades relativas ao transporte, à logística e à distribuição de mercadorias, tanto para o trânsito nacional como para o internacional. Estes operadores podem ser proprietários, arrendatários dos edifícios, equipamentos e instalações, por exemplo, armazéns, áreas de stockagem, escritórios, parques de estacionamento, etc.

Deve assegurar-se o regime de livre concorrência para todas as empresas interessadas nas atividades. A plataforma logística deve, também, estar equipada com os equipamentos coletivos necessários ao bom funcionamento das atividades descritas e integrar serviços comuns para utentes e respetivos veículos e ser gerida obrigatoriamente por entidade única, pública ou privada (Europlatforms, 1992)41 .

No essencial, a definição aplica-se ao que se entende, hoje em dia, por porto de terceira geração, salvo, em alguma medida, no que respeita aos serviços comuns a prestar aos utentes do porto e quanto à concorrência entre agentes que operam no porto. Sem dúvida que a transferência das mercadorias ou cargas operadas entre o navio e os carregadores ganhou nova abordagem, visando a celeridade do processo, o que tem obrigado os portos a dispor de condições técnicas de equipamentos, espaços de manobra e estacionamento na área do porto, capazes de proporcionar fluência aos tráfegos.

No entanto, verifica-se, em diversos casos, não dispor o porto de áreas suficientes para se adequar a diferentes exigências de vocação e ao aumento dos volumes movimentados, com implicação nas condições logísticas internas, a navios tecnologicamente mais evoluídos, a diferentes necessidades dos carregadores com efeitos ao nível da ação dos agentes e às condições de acessibilidade ao porto.

A par de muitas destas mudanças devem tomar-se em conta as alterações de comportamento dos carregadores no que respeita, por um lado, ao recurso que fazem

41 Citado por E. Borralho, idem.

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cada vez mais ao outsourcing para operações que não tenham diretamente a ver com o essencial do negócio, o que implica diferente forma de tratar as mercadorias no trajeto da fábrica ou armazém até casa do cliente. Por outro lado, por parte dos empresários e industriais, o repensar como estruturar e organizar a atividade e a própria relocalização das suas unidades de produção, dependentes não tanto da produtividade mas das condições de competitividade decorrentes do contexto em que se enquadram, nomeadamente das infraestruturas físicas, das comunicações e da telemática.

Por tudo isto, o sistema logístico no qual desempenham papel relevante as plataformas logísticas, nomeadamente portuárias, têm vindo a assumir protagonismo crescente, atualmente de primeiro plano.

Oportocentrodenegócios

Os portos e o sistema portuário exigem grande atenção dadas as suas implicações económicas, devendo assumir-se numa perspetiva ampla e central ao nível do país. Confrontados com a premente necessidade de realizar investimentos vultuosos, verifica-se que em grande parte não estão a resolver as verdadeiras dificuldades, por se tratar de setor estrutural, cujo modelo de arquitetura suporta o sistema logístico nacional. Neste quadro, o modelo marítimo-portuário deverá ser dotado de condições ao encontro de soluções para enfrentar os desafios do sistema, no quadro ibérico, europeu e internacional.

O porto de terceira geração já não responde às exigências. Torna-se necessário que o «porto plataforma marítimo» responda com novas soluções. É o mercado quem dita as regras, levando a que o Estado passe de agente interventor para entidade reguladora.

Os empresários concorrem num mercado aberto, exigente e competitivo. A diferença competitiva baseada na produtividade coloca-se cada vez mais ao nível das condições proporcionadas pelas infraestruturas, numa lógica avassaladora, em que o cliente ou consumidor exige produtos de qualidade, a baixo preço e no local certo. O cidadão comum não tem tempo para pensar, vive sujeito a enorme pressão e não quer perder tempo.

Adquire os bens de determinada marca ou tipo em função das condições oferecidas de comodidade, preço e funcionalidade, o que leva os agentes empresariais a procurar a sua fidelização recorrendo a técnicas e instrumentos sofisticados.

Sendo essas exigências do negócio de nível elevado, os empresários e carregadores impõem condições de fiabilidade, rapidez no transporte dos produtos, baixo custo de operação e cumprimento de prazos só possíveis dispondo de adequado sistema logístico.

Para assegurar a funcionalidade dos portos verifica-se a necessidade em dispor de diferentes portos, o que leva a repensar o modelo de porto e o sistema portuário para que possa responder capazmente. Está-se no âmbito do denominado «porto centro de negócios». No essencial, integra o conceito de plataforma logística, áreas para a instalação de indústrias ou outras unidades empresariais, centros de serviços e adequada articulação estratégica no seio do sistema macro e meso-logístico. Trata-se de uma diferente filosofia

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de porto quanto à construção, estrutura e organização do seu espaço, da área portuária e do ‘hinterland’. Em suma, tem a ver com distinto modelo de porto para responder, no quadro do sistema logístico, a diferentes exigências dos carregadores e dos cidadãos.

Conclusões

Vive-se numa época de grandes mudanças com a clara sensação de que aquilo que hoje foi realizado pertence ao passado, quando nem sequer a resposta está completamente.

Trata-se de novo paradigma, uma forma diferente de encarar soluções, com novos conceitos e ferramentas de avaliação. A noção de sistema logístico surge impetuosa associada a informação, telemática e outras. Os fluxos e processos cada vez mais terão de integrar-se em sistemas crescentemente complexos, exigindo conhecimento e novas aptidões. Tudo muito rápido.

O modelo marítimo-portuário tem de adequar-se a novas exigências de integração, eficiência e eficácia, com qualidade. O porto cada vez mais se assume um centro de negócios inserido no sistema macrologística com articulação a nível superior. Se é assim, alguém deverá refletir, desde já, sobre que o modelo de porto, exigente em investimentos com implicações a longo prazo. Decisões erradas têm consequências para diferentes gerações.

Na lógica do mercado muito competitivo a principal diferença não advém da produtividade mas de fatores de competitividade derivados da qualidade das infraestruturas e do sistema, nomeadamente, do sistema logístico que integra como componente relevante os portos. Deverão concentrar-se esforços em construir um adequado sistema portuário.

Lisboa, 19 de julho de 2010

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6.5 Marinha de Comércio Nacional - O Principio do fim ou o fim sem Principio

João Soares

Em 21 de maio de 1973 a frota de comércio nacional ultrapassou um milhão de toneladas de arqueação bruta (TAB)42 , facto que levou a, na altura, Junta Nacional da Marinha Mercante a emitir uma medalha comemorativa de tal feito.

Em 1980 a frota de comércio nacional quase atingia os 1,2 milhões de TAB e um total de 94 navios, tendo a partir dessa data vindo sempre a decrescer, com o maior impacto de redução em 1995 com a falência e encerramento das então companhias estatais (nacionalizadas) CTM e CNN, até chegarmos aos dias de hoje, onde em 2012 tínhamos uns meros 13 navios e 66.000 toneladas de arqueação, no chamado registo convencional.

Em 1990 surgiu o registo do MAR, considerado como segundo registo e aberto a armadores de qualquer nacionalidade, que poderia levar a supor que parte da frota de registo convencional detida por armadores nacionais pudesse ter migrado de registo. Porém, em 2012, contava apenas com 22 navios e 72.000 TAB, pertencentes a armadores nacionais.

Acabamos assim por possuir, em 2012, 35 navios com 138.000 TAB com bandeira nacional e propriedade de armadores portugueses. Quase 10% daquilo que em tempos possuímos.

Vamos a desculpas para o facto:

a. Deixámos de ter o mercado das ex-colónias É um facto, mas os navios da então carreira do Brasil andavam sempre cheios b. Não eramos competitivos no mercado internacional Os nossos graneleiros que andavam no mercado internacional nunca tiveram falta de trabalho e a nossa linha de contentores dos Estados Unidos nunca teve falta de carga. c. Não soubemos acompanhar a evolução do mercado

Talvez essa seja a principal razão. Resta saber porquê?

Em 2012 os armadores nacionais possuíam 14 navios em registos estrangeiros, com um total de 352.000 TAB43 . Porquê?

Será fácil de concluir que será pelas condições financeiras, pois é mais que sabido que o capital não reconhece fronteiras e procura sempre os locais e soluções onde é melhor remunerado e tem as melhores condições, principalmente nesta área de negócio.

42 TAB – Tonelagem de Arqueação Bruta é a unidade de medida em que se expressa o volume interno total do casco do navio e superestruturas, a qual é medida em Toneladas Moorsom, sendo equivalente a 100 pés cúbicos ou 2,83 m3.

43 Fonte: IPTM

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O problema não foi só português, mas sim Europeu, tendo que enfrentar as condições que países em vias de desenvolvimento ofereciam em comparação com as condições de países ditos desenvolvidos, nomeadamente no que diz respeito aos custos com as tripulações e à carga fiscal.

Por isso muitos países Europeus criaram incentivos ou apoios à marinha de comércio, ou sistemas de taxação mais competitivos como a tonnage tax e/ou benefícios sociais e fiscais ao nível dos descontos para a segurança social e de IRS dos tripulantes e ao nível do IRC das empresas.

É certo que também implementámos esses benefícios, mas sempre de uma forma insipiente, numa base anual, sem garantia de continuidade ou por um prazo que permitisse a qualquer armador investidor realizar um plano de negócios e uma estratégia séria a longo prazo.

Agora os benefícios que existiam podem deixar de existir. A “crise” assim obriga?

Esta decisão teria supostamente “o fim” de, “em princípio”, vir a obter maiores receitas para o Estado, só que resultará exatamente no contrário, sendo mais o “princípio do

fim” da nossa marinha de comércio e de algumas das receitas que esta ainda disponibiliza ao Estado.

Atualmente o Estado ainda recebe alguma coisa, mas no futuro vai passar a receber “nada”, com outras graves implicações ao nível económico, no que diz respeito à possível deslocalização dos últimos armadores nacionais, pois para poderem sobreviver certamente que terão de se refugiar noutro registo, noutro país, com melhores condições, ou melhor dizendo, “com condições”.

Fala-se de hypercluster do mar e apregoa-se que é preciso voltar ao mar para desenvolver a economia do país, e ao mesmo tempo procuram tomar-se decisões desta natureza.

Sem pessimismos mas com uma visão realista, será de acreditar que se não houver uma clara e rápida mudança de política e estratégia nesta área, dentro de menos de dez anos deixaremos de ter:

Vamos a desculpas para o facto:

• Navios no registo convencional • Tripulantes a trabalhar e a contribuir para o desenvolvimento económico do seu país,

E, sobretudo,

• Conhecimento para operar navios e desenvolver um negócio que não tem fronteiras, mas que é importante para qualquer país minimamente consciente (ou será “inteligente”?) (ex. Suíça, Áustria, Luxemburgo, que nem sequer têm mar).

Esperemos que se corrija este “fim sem princípios” para não assistirmos ao “princípio do fim” de algo que já mereceu uma medalha comemorativa e o orgulho de um país.

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7. RELAÇÃO CIDADE - PORTO

7.1 O Porto de Lisboa e a Cidade ou a Cidade de Lisboa e o seu Porto

João Soares

É com bastante apreensão e incredibilidade que, como técnico nesta área de atividade, mas sobretudo como cidadão deste pequeno país, tenho assistido às várias ideias e estratégias de desenvolvimento do Porto de Lisboa sem existir uma análise séria e um plano assente em pressupostos e em estudos que estão mais do que feitos durante vários anos.

Primeiro foi o impedimento do projeto de desenvolvimento do Terminal de Contentores de Alcântara.

Assistiram-se aos comentários mais absurdos de jornalistas e comentadores, os quais deveriam ser imparciais e investigar devidamente e previamente os assuntos que compõem as notícias ou as opiniões que transmitem ou comentam, tentando primeiro compreender os problemas, ouvindo as várias partes envolvidas, e transmitindo as notícias da forma mais correta e imparcial possível.

Simultaneamente saltaram para a ribalta os mais variados políticos e deputados, que não tendo qualquer conhecimento técnico sobre o assunto, nem parecendo pretender sequer vir a tê-lo, pela forma como falavam, se arvoraram em especialistas da questão e em donos do país e da verdade, tratando este assunto com um à-vontade e arrogância espantosa, como se muitas soluções houvessem como alternativa para o projeto em causa, chegando mesmo a apontar algumas que, pelo absurdo que as mesmas representaram, apenas demonstraram e comprovaram a sua total ignorância.

Seria bom esclarecer ou lembrar que um porto, com todas as suas instalações portuárias, seja ele qual for, poderá ter um interesse local e regional, mas acima de tudo tem um interesse e importância estratégica nacional, sobretudo no caso de um país periférico como o nosso.

Parece que as pessoas só se apercebem disso quando existe uma greve de trabalhadores portuários e se sente o impacto que tal ação tem na economia nacional.

Uma cidade como Lisboa não poderia desenvolver-se nem sustentar-se sem dispor de um sistema mesologístico que garantisse o seu abastecimento, do qual o Porto de Lisboa é uma das peças fundamentais.

Isto levar-nos-ia a pensar sobre qual teria nascido primeiro. O porto ou a cidade?

Se temos um porto e a sua cidade ou a cidade e o seu porto?

Penso que os dois estão de tal forma interligados e interdependentes que não faz sentido sequer reduzir a relação a este binómio, pois que para além de servir a cidade de Lisboa e a sua área metropolitana, o Porto de Lisboa serve, e bem, todo o país, não podendo nem devendo estar ao sabor de qualquer Câmara, a qual tem normalmente um horizonte limitado à sua área de jurisdição, não entendendo o país, nem o seu sistema macrologístico, como um todo.

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Durante o ano de 2011 o Porto de Lisboa movimentou cerca de 16,6%44 do volume de carga que compõe o total do nosso movimento portuário, ultrapassando 11 milhões de toneladas, e 25% de toda a carga contentorizada movimentada nos portos do país, incluindo o movimento de transhipment o qual não está identificado em alguns dos portos, a que corresponderam cerca de 363.000 contentores (mais de 536.000 TEU’s 45), tendo, na sua maioria, origem ou destino na Região de Lisboa e Vale do Tejo, e principalmente na margem Norte do Tejo, local onde se concentram as zonas de consumo, produção e distribuição, sendo uma parte significativa destes contentores para abastecer a cidade de Lisboa e a sua área metropolitana.

Se porventura alguém se lembrasse de fechar o Porto de Lisboa ao movimento de cargas, passaríamos a ter atualmente e no mínimo mais 363.000 viagens de camião na estrada por ano, a movimentar os contentores de outros portos do país para a zona Norte do Tejo.

Imagine-se o aumento de tráfego que isso originaria, constituído, pelo menos, por cerca de 1.400 camiões por dia, traduzindo-se num significativo aumento das emissões de CO2, de congestionamento e de outros custos externos marginais, já para não falar dos custos diretos com este acréscimo de transporte e que iriam ter reflexos nos custos dos bens ou produtos transportados e na competitividade das nossas exportações.

Imagine-se agora com o evoluir do tempo e dos fluxos de carga.

Espero que na análise dos estudos de impacte ambiental os nossos putativos deputados e políticos não se esqueçam de ter estes factos em conta.

Os problemas levantados relativamente à expansão do terminal de contentores de Alcântara envolviam dois aspetos.

O primeiro apontado como a formação de uma barreira de contentores que impede que os cidadãos de Lisboa possam usufruir da vista do rio Tejo, havendo ainda a referência à inexistência de estudos de impacte ambiental do projeto.

O segundo relacionava-se com o facto de o atual concessionário ir usufruir de uma extensão da sua concessão, como contrapartida dos avultados investimentos que iria realizar, sem se recorrer a concurso público, havendo ainda menções sobre a legalidade dessa prorrogação e da legislação publicada nesse sentido.

Relativamente ao primeiro ponto e quanto ao desfrutar do rio pelos cidadãos de Lisboa pode-se constatar que entre a ribeira do Jamor e o rio Trancão existem um total de 20 Km de margem onde mais de 15 Km encontram-se atualmente acessíveis e disponíveis para serem usufruídos pelos cidadãos de Lisboa, e não só.

44 Todos os elementos estatísticos têm como fonte o INE.

45 TEU – Twenty Foot Equivalent Unit – Unidade equivalente a um contentor de 20’

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A zona dedicada à operação portuária de movimento de carga está resumida a um total de cerca de 5 Km de cais, sendo 1,7 Km em Alcântara (já com a nova extensão de 200 metros proporcionada pelo projeto em causa) e 3,2 Km na zona de Sta. Apolónia – Beato – Poço do Bispo.

É pena que muitos dos atuais críticos do projeto de Alcântara, não tenham idade ou memória para se lembrarem que há cerca de 25 anos atrás ainda se realizavam operações portuárias dentro da Doca de Alcântara, com navios de carga geral, os quais ocupavam toda a doca e sua área circundante, com muitos armazéns de apoio a esse tipo de operação.

Atualmente essa doca é utilizada para fins lúdicos e os seus armazéns do lado Norte foram demolidos na zona perto da doca e os restantes foram convertidos em escritórios, restaurantes, bares e mesmo museus.

Se recuássemos ainda mais no tempo, a própria Doca de Sto. Amaro, onde atualmente se localizam as chamadas “docas”, com os seus agradáveis restaurantes e bares, era onde se realizavam as descargas das fragatas do Tejo, utilizadas nas descargas dos navios ao largo, fundeados no meio do rio.

O que permitiu este aproveitamento e a redução da área de operação portuária, disponibilizando-a para usufruto dos cidadãos, foi sem dúvida a contentorização, a qual veio possibilitar a movimentação de um maior volume de carga com uma otimização do espaço em que é possível realizá-la, assim como uma maior rotatividade na sua movimentação. Ou seja uma maior eficiência e menor custo de operação.

Se a contentorização da carga convencional não se tivesse verificado, atualmente necessitaríamos de dez vezes mais espaço para operação portuária do que aquele de que dispomos.

O projeto de ampliação do terminal de contentores de Alcântara, que tanta polémica levantou, resumia-se a um reordenamento do espaço atualmente utilizado pelo terminal e um melhor aproveitamento das áreas disponíveis através da demolição de edifícios que estavam devolutos e eram inúteis, sendo exceção o edifício do IPTM46 .

Não teria mais contentores de altura do que atualmente possui, mas sim uma maior área, para os localizar assim como melhores meios de movimentação, os quais permitiriam ao terminal uma maior capacidade de movimentação anual através de uma também maior rotatividade dos contentores.

Este projeto incluía ainda a reestruturação das acessibilidades, ferroviárias e rodoviárias, e o arranjo, há tantos anos esperado, do nó de Alcântara.

No que diz respeito ao impacte ambiental qualquer alternativa a esta teria certamente um impacte ambiental negativo superior e espero que quando se chegue a tal conclusão,

46 IPTM – Instituto Portuário e do Transporte Marítimo

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a qual é óbvia para quem se dedique a estudar minimamente o assunto, a mesma tenha tanto tratamento jornalístico como está a ter agora.

Relativamente ao segundo ponto desta discussão, que tinha a ver com a extensão da concessão ao atual concessionário, sem concurso público, penso que se não fosse legal fazê-lo não poderia ter sido feito.

Chamam-lhe um negócio obscuro mas toda a gente o conhece e é público.

Se existe alguma ilegalidade no processo então que a mesma seja investigada e para isso devem entrar em ação os nossos representantes no parlamento e os políticos, os quais devem vigiar para que a legalidade do estado democrático seja garantida.

Mas já agora não se esqueçam de aproveitar para investigar todos os outros casos que não são muito claros e que, de acordo com os mesmos “jornalistas”, também se verificam noutras áreas de atividade e mesmo noutros portos.

Agora o que não se compreende é como é que um conjunto de cidadãos, que já dispõe do acesso ao rio em 75% da sua extensão urbana, ainda reivindique os restantes 25%, quando se trata de uma área fundamental para o desenvolvimento económico do país e da região, tendo Alcântara características únicas em termos de fundos na margem Norte.

Como é possível que estes assuntos sejam tratados com uma superficialidade e uma irresponsabilidade inconcebível e inacreditável por tanta gente inteligente que deveria ter o mínimo de discernimento para analisar a situação de uma forma correta, responsável e séria, não tomando minimamente em consideração que as pessoas que estudaram este assunto e planearam este projeto sabiam o que estavam a fazer.

Será que estão a agir de má-fé ou eventualmente estão a ser suficientemente ingénuos para se deixarem manipular e usar?

Talvez por vivermos no país em que vivemos, onde a culpa normalmente morre solteira, leve a que as pessoas usem a democracia e a liberdade a seu belo prazer, sem a responsabilidade inerente ao usufruto consciente dessa mesma liberdade.

Onde aos jornalistas tudo é permitido dizer sem o mínimo de investigação e constatação da veracidade ou realidade dos factos, sem sequer se poder ouvir uma opinião contraditória, e aos políticos tudo é permitido fazer, com a maior das impunidades.

Esta ampliação do terminal de Alcântara já deveria ter sido realizada há dez anos atrás. Como de costume estamos atrasados e esses atrasos pagam-se muito caro.

Agora fala-se em acabar com a atividade portuária em toda a margem Norte do Rio

Tejo, exceto no terminal de Alcântara, e transferir essa atividade para outros portos e no que diz respeito aos contentores construir, ou concessionar o espaço para a construção, de um terminal de contentores de águas profundas na zona da Trafaria, onde existem fundos que permitirão receber os navios de última geração.

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Ou seja o único terminal que deveria acabar é agora o único que deve permanecer e o projeto da Trafaria já constava de planos de desenvolvimento de outras administrações do Porto de Lisboa que contemplavam o fecho da golada e que por isso foram demitidas.

O próprio plano estratégico do Porto de Lisboa, elaborado em 2006, sendo naquela data o único plano estratégico que não foi aprovado pela tutela, desconhecendo-se o porquê, contemplava o fecho da golada e a construção de um terminal de águas profundas na Trafaria. Por isso não é algo novo.

Todos os terminais de contentores devem ser bem-vindos, desde que o investimento seja privado e o investimento público tenha um rácio benefício/custo de pelo menos 3:1 e o retorno do investimento ocorra num período aceitável e não em mais de 100 anos como se verificam nalguns casos e em alguns portos.

Porém, o facto de se instalar um terminal de contentores na Trafaria não deve ser utilizado como motivo ou razão para encerrar os terminais de contentores da margem Norte do Tejo, principalmente o terminal de contentores de Santa Apolónia, pois é aí que se movimenta a maior parte da carga do tráfego intraeuropeu, a qual tem maioritariamente origem e destino na margem Norte do Tejo. As opções alternativas de movimentação desta carga na Trafaria, em Setúbal ou em Sines trarão sempre maiores custos financeiros (distância do transporte rodoviário aos centros de massa de origem e destino das mercadorias) e sobretudo maiores custos económicos (custos externos marginais), mesmo que seja utilizada a ferrovia em parte do percurso.

O encerramento do terminal de St. Apolónia será um enorme erro com repercussões graves.

A possibilidade de existir uma 3ª travessia do Tejo na zona Algés – Trafaria seria uma alternativa para resolver o problema e tornar o terminal da Trafaria uma alternativa a St. Apolónia, mas aí o investimento público dispararia de tal forma que não acredito que seja viável, pelo menos no momento que atravessamos e nas próximas décadas, mesmo considerando que essa travessia seria também utilizada pelo tráfego normal de passageiros.

No caso de um projeto desta natureza, há que ter sempre presente algo que é muito claro e fácil de entender.

No tráfego de contentores, e no que diz respeito aos terminais onde operam os navios especializados no seu transporte, existem 3 tipos de negócio com características completamente diferentes. • O hub de transhipment (e dentro deste dois tipos de transhipment, sendo o de cross trade e o de/para navios feeder) • O tráfego de/para o hinterland nacional • O tráfego de/para o hinterland internacional

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Todos são negócios interessantes mas com especificidades diferentes, quer de desempenho (movimentos por hora e disponibilidade de cais) quer de equipamentos necessários para os realizar.

O negócio do transhipment é o mais volátil, podendo as linhas alterar os seus hubs com a maior das facilidades e muito rapidamente, dependendo dos preços, localizações e desempenhos.

Neste caso, como em muitos outros, há que em primeiro lugar verificar se existem operadores Mundiais de terminais de contentores, eventualmente interessados numa área e localização como a Trafaria. Se não houver, a discussão termina aqui. Serão estes operadores de terminais, os quais têm uma carteira de clientes a nível global que, em conjunto com os seus clientes, decidem quais as melhores opções e alternativas de localização dos seus terminais.

Por último e em relação às acessibilidades necessárias e aos investimentos públicos a realizar, falando-se em mais de 100 Milhões de Euros, chama-se a atenção para o facto de esta verba representar entre 13 e 20 Km de autoestrada, com a grande diferença de que pelo menos este investimento terá um retorno económico aceitável pois estaremos a exportar serviços, para além de vários outros fatores de interesse económico que se poderiam enumerar, tais como o emprego e o investimento numa infraestrutura.

As decisões a tomar nestas áreas devem ser antecedidas por uma análise detalhada do impacto que podem ter na nossa economia, sobretudo no que diz respeito aos custos diretos e indiretos, quer através do aumento dos custos dos bens ou produtos, da competitividade das nossas exportações, quer dos custos ambientais, mas sempre numa ótica de interesse Nacional e não apenas assente no interesse local e regional.

Por essa razão é tão importante a realização de análises financeiras e de interesse económico a par dos estudos de impacte ambiental.

Mas para além de tudo o que foi anteriormente descrito deveriam ouvir-se e discutir-se estes projetos com as instituições locais e regionais, trazendo-as para a discussão e fornecendo-lhe os elementos corretos para que possam entender os benefícios dos mesmos.

As autarquias deveriam também ser envolvidas como parceiros das Administrações Portuárias, obtendo parte dos benefícios financeiros deste tipo de projetos e mantendo uma gestão participativa dos mesmos.

Ao mesmo tempo abolir-se os regionalismos radicais e os interesses sectoriais que nada trazem de profícuo ao país.

Há que procurar as melhores soluções de investimento para a economia do País, que crie emprego e riqueza de forma sustentável, tornando-se indispensável, em primeiro lugar, saber o que queremos e estabelecer um plano estratégico que deverá ser levado até ao fim.

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8. INTERMODALIDADE E SHIPPING

8.1 Os Portos face à tendência de concentração no Shipping

Vítor Caldeirinha

Apesar da sua grande dimensão, do aumento dos tráfegos e do elevado número de terminais de linhas intercontinentais de contentores, e de transhipment, que a Espanha possui, os seus portos têm vindo a perder linhas transoceânicas. Menos sete linhas nos últimos dois anos.

A questão que se coloca é de saber se este movimento é conjuntural ou pontual ou faz parte de uma tendência relacionada com o movimento de concentração na indústria do shipping na rota Europa-Ásia, correlacionada com o crescente gigantismo dos navios.

Alguns especialistas afirmam que nos próximos anos desaparecerão 12 das 20 linhas de contentores globais, restando oito. De facto com a quebra de preços que se verifica, com o aumento do preço dos combustíveis e com o aumento da dimensão para navios (hoje até 18 mil teus) que têm dificuldade em ver preenchida a sua capacidade, as linhas terão cada vez mais tendência para se juntar, partilhar as capacidades dos navios e escolher apenas portos principais nas rotas intercontinentais.

No Ásia-Europa, a Maersk tem 26% da capacidade, a aliança CMA CGM e MSC tem 22%, a aliança CKYH e UASC tem 18% totalizando 48% do mercado. A Grand Alliance tem 12%, a Newcastle World Alliance tem 12% e a CSCL Evergreen Zim tem 11%, totalizando estes seis players 83% da oferta.

Ora este movimento no shipping, para além de poder levar a um oligopólio junto dos clientes com o controlo de preços e da oferta, pode também significar a escolha de um menor número de portos no futuro e de um maior poder negociar junto das autoridades portuárias e terminais.

Como devem reagir os portos e a União Europeia a estes movimentos? Como poderão ser afetados os portos portugueses? Como se pode posicionar Sines neste movimento, que tem vindo a ganhar linhas do segundo grupo citado?

2011

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8.2 A Contentorização Global e os Ciclos Económicos

Vítor Caldeirinha

Guerrero e Rodrigue (2013) verificaram o comportamento cíclico do processo mundial de contentorização através de uma análise das ondas de difusão da contentorização no médio e longo prazo, que se verificou nos portos de contentores a nível mundial. Como qualquer inovação técnica, verificaram que a contentorização tem um determinado potencial de mercado e de difusão, tendo-se aparentemente atingido recentemente uma fase de maturidade. Os dados do sistema global sugerem que se verificaram desde a década de 50 cinco ondas principais de difusão e construção de novos portos de contentores no mundo, acompanhando as grandes mudanças das economias avançadas e das economias em desenvolvimento.

Ondas longas possuem um padrão que reflete o próprio processo de globalização económica, com início nas economias orientadas para a exportação e para o comércio global, até ao surgimento de grandes centros de transbordo mundial. Estas ondas longas possuem cerca de 8-10 anos cada e batem certo com os ciclos económicos conhecidos.

A primeira onda corresponde aos primeiros serviços regulares de contentores que foram estabelecidos nos anos 50 e 60. Na década de 70, os serviços transatlânticos regulares (Norte da Europa Ocidental e Costa Leste Norte-Americana) e os serviços transpacíficos (Japão/Austrália e Costa Oeste Norte-Americana) foram estabelecidos com recurso a determinados portos que foram os primeiros a adotar o contentor, sendo considerados os portos pioneiros (New York, Yokohama, Oakland, Antuérpia e Hamburgo). Eles simbolizam grande parte da tríade económica da época do início da globalização: a América do Norte, a Europa Ocidental e o Japão/Austrália.

Poucos destes portos mantiveram o seu papel principal no sistema portuário global contentorizado a nível global por muitos anos, devido às dificuldades em muitos casos encontradas de expansão dos terraplenos e na receção de navios de grandes calados. Por exemplo, Oakland foi ultrapassado por Los Angeles/Long Beach.

http://people.hofstra.edu/jean-paul_rodrigue/downloads/Container_Waves_v2.pdf, (pág. 16)

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A segunda onda corresponde à expansão da contentorização à periferia dos Estados Unidos, Europa e Japão, bem como aos seus parceiros comerciais regionais.

Esta expansão ocorre em duas fases. Os exemplos mais marcantes da primeira fase incluem o surgimento de contentores em Roterdão, Tóquio e Hong Kong que chegaram a primeiros portos regionais globais e mantiveram esse papel por muitos anos.

A segunda fase da segunda onda começou no final dos anos 70 e abrangeu principalmente os portos adjacentes aos grandes centros económicos mundiais, como foi o caso das Caraíbas, da América Latina, do Mediterrâneo e dos países emergentes do Leste Asiático (Tailândia, Taiwan e Hong Kong). A partir de um padrão dominado pelos três grandes blocos económicos, a contentorização empreendeu a fase inicial da sua difusão global através de um efeito de substituição do tráfego de cargas convencionais.

A terceira onda; corresponde à difusão global. Refere-se a uma difusão massiva dos contentores por portos de todo o mundo, em particular corresponde à incorporação do Leste e sudeste da Ásia (sem a China) no comércio global, bem como ao surgimento de centros de transbordo iniciais em meados da década de 80, concretizando a emergência de uma nova função no mercado marítimo de transporte de contentores.

Como o número crescente de portos de contentores, surge a estratégia de serviço em rede para servir regiões alargadas a partir de grandes hubs principais de transbordo, localizados ao longo das rotas pendulares. Surgiram assim os portos de Singapura, Colombo, Dubai e Algeciras.

A quarta onda possui um padrão global e é designada como a onda chinesa, desenvolvendo-se em duas fases, similares no padrão e apenas diferentes no momento de ocorrência. A partir de meados dos anos 90, o contentor tornou-se o padrão de distribuição global, especialmente com a entrada massiva de portos chineses nas redes globais de transporte e o surgimento dos navios pós-Panamax. Vários portos desta onda são novos hubs de transbordo servindo para melhorar o serviço face à complexidade da rede, visando melhorar a ligação entre os portos regionais e os serviços pendulares de águas profundas (Salalah, Gioa Tauro, Cólon e Freeport). Surgiram também novos portos para acomodar o crescimento nas economias emergentes (México, Índia, Brasil).

A fase posterior desta onda focou-se na China com a criação de inúmeros grandes portos de gateway ou seja de exportação dos clusters de fabricação massiva das regiões produtoras chinesas (Ningbo e Guangzhou).

A quinta onda corresponde a um crescimento menor de pico no número de novos portos de contentores, embora com grande crescimento na dimensão dos portos existentes (final 2000) e está ligada a nichos com congestionamento (Yingkou ou Taicang), ou a hubs de transbordo novos na rede (Tangier Med). Prince Rupert, no Canadá é um exemplo único porto com significado, que surgiu na costa oeste norte-americana nos últimos anos,

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capitalizando um percurso curto na rota transpacífica, tempos de trânsito rápidos e uma ligação ferroviária direta ao coração dos EUA (Chicago).

http://people.hofstra.edu/jean-paul_rodrigue/downloads/Container_Waves_v2.pdf, (pág. 17)

Estas ondas mostram evidência de que a contentorização como é hoje conhecida tem um comportamento cíclico e que se poderá ter chegado a um ponto de inflexão, o que pode marcar, segundo Guerrero e Rodrigue (2013), a proximidade do fim desta fase de difusão de contentorização nos portos mundiais, pelo menos da forma como a conhecemos hoje.

Que novas formas surgirão no novo ciclo económico que se deverá iniciar em breve? Qual poderá ser o efeito a médio prazo nas taxas de crescimento da contentorização, habitualmente a rondar os 10%? Que reorganização implicará nos hubs de transhipment existentes? Que efeito terão os meganavios que deverão entrar em operação em breve e não passam o Panamá, mesmo após a sua expansão?

Uma coisa é certa, se existem oportunidades novas no mercado para novos portos de contentores, concentram-se nesta fase em poucos locais únicos: China, Índia, Costa Oeste do Canadá, Caraíbas, Brasil e no encontro entre o Atlântico e o Mediterrâneo, constituindo uma possibilidade para Portugal aproveitar.

Os autores citados referem ainda que as expectativas futuras sobre o crescimento do movimento global de contentores precisam de ser reavaliadas dentro duma perspetiva de ciclo económico, em vez de perspetivas lineares que são geralmente consideradas.

Nota: Texto elaborado a partir do estudo de Guerrero e Rodrigue (2013)

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8.3 A caixa de Pandora

Unidade Europeia de Carregamento Intermodal

João Soares

Quando em abril de 2003 surgiu uma proposta de diretiva comunitária denominada “Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às unidades de carregamento intermodais” (COM(2003) 155 final), inserida num programa de promoção do transporte marítimo de curta distância, composto por catorze ações, distribuídas por três tipologias (legislativas, técnicas e operacionais), onde se incluía a aplicação do Programa Marco Pólo, as declarações FAL-IMO e as Autoestradas do Mar, uma das ações constava da “Normalização e harmonização de unidades de carregamento intermodais”, na qual se inseria a acima referida proposta de Diretiva, pretendendo definir os requisitos mínimos para que uma determinada unidade de carga fosse considerada uma UECI (unidade Europeia de Carregamento Intermodal).

Abreviando a história, a qual é longa e sinuosa, é certo e sabido que uma das UECI’s que cumpria com os requisitos impostos era o contentor de 45’ palletwide, ou seja que poderia acomodar no seu interior, lado a lado, três europaletes (1,20 m x 0,80m de base) na posição longitudinal ou duas na posição transversal, conseguindo neste último caso, transportar mais uma palete de estrado que os semirreboques, (34 em vez de 33).

É claro que isto não era um bom augúrio para certa área de transportes que via aqui uma ameaça e as forças de bloqueio fizeram-se sentir.

Conforme estava previsto, os contentores de 45’ foram banidos das estradas Europeias em 2006 (prorrogado até 2007), por não cumprirem com a Diretiva Comunitária 96/53/EC que regula as dimensões e pesos máximos do transporte rodoviário. Tudo porque este equipamento, ao ter mais 11,6 cm de comprimento do que o semirreboque, via os seus cantos frontais ultrapassar o limite do semicírculo com um raio de 2,04 metros, centrado no pino do trator rodoviário, em cerca de 2,5 cm.

Que se saiba, os contentores de 45’ que até àquela data circularam pelas estradas Europeias, e que continuam a circular, embora apenas em percursos nacionais, os quais isentaram a aplicação da Diretiva, nunca tiveram registo de acidentes devido a esse excesso de dimensão.

Isto levou à necessidade de se reinventar o contentor de 45’ e aplicar-lhe cantos frontais especiais, os quais possuem um formato que permite manter o equipamento dentro dos limites legais, roubando-lhe porém a possibilidade de carregar as 34 paletes, podendo apenas carregar 33, ficando equiparado ao semirreboque (primeira derrota).

Como estes cantos especiais tinham sido inventados e por isso sujeitos a patente, este tipo de equipamento não podia ser considerado como um standard e uma UECI pelo CEN (Comité Européenne de Normalisation) (segunda derrota). Não obstante, aí andam e cada vez em maior número realizando um excelente trabalho.

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Na altura, houve a oportunidade de se sugerir a alteração da Diretiva 96/53/EC, a qual apresentava alguns erros por ignorância do legislador que necessitavam de correção.

A resposta da Comissão nessa altura foi perentória “Nem pensar nisso. Isso seria como abrir a Caixa de Pandora, pois toda a gente iria querer alterações”.

Enfim. Lá se refutou, mas não se conseguiu fazer vingar a razão em face de tanta ignorância. Nenhuma das pessoas que estavam na altura na então DGVII, a tratar destes assuntos, tinham visto um contentor por dentro, enquanto por fora só ao longe e mal. Lá se arranjou uma visita a um parque para que comparassem, mas tudo foi em vão.

Os anos foram passando e qual não é o espanto quando em janeiro de 2012 se começou a falar em proceder a alterações à Diretiva 96/53/EC. Qual o motivo? Melhorar a intermodalidade de base marítima? Não. Pretende-se permitir a circulação europeia dos Mega Camiões, ou mais pomposamente dizendo os EMS (European Modular Systems), com 25,25 m de comprimento e 60 T de peso bruto em vez dos habituais 18,75 m e 40 T.

Na Suécia chegou a lançar-se um programa para camiões com 30 m e um peso de 90 T.

Veja-se bem que quando existia uma pequena diferença de 11,6 cm e existiam erros crassos na Diretiva nada se podia fazer, mas agora como é para algo tão erradamente importante, já não existem receios.

É claro que este tipo de soluções trará uma redução de custos fixos (dois motoristas farão o trabalho de três). O motorista representa cerca de 66% dos custos fixos e 38% dos custos globais por camião (Fonte: observatório dos transportes de Espanha – Ministério do Fomento).

Poder-se-á obter alguma redução da emissão de CO2, mas nunca será de um terço porque estas coisas não são proporcionais, para além do facto de as emissões de CO2 representarem apenas 25% dos custos externos marginais do transporte rodoviário, enquanto o congestionamento representa 32%, e este não desaparecerá, devendo mesmo agravar-se.

Começaram a insurgir-se várias vozes contra alegando o acima descrito e a restrição aos contentores de 45’, de tal forma que agora, seis anos depois, a Comissão admite o erro e já anunciou rever a situação deste tipo de unidades de carga, possivelmente como moeda de troca para silenciar a contestação aos camiões de maior dimensão, ou possivelmente para resolver a situação de défice de capacidade de transporte rodoviário internacional que se tem vindo a verificar.

Conclusão: para apoiar soluções intermodais fáceis e óbvias com base no transporte marítimo de curta distância só existiram dificuldades. Quando se trata de apoiar soluções que fazem menos sentido sobre todos os pontos de vista, são só facilidades.

Pelo menos prevê-se que seja corrigida uma situação injusta e inaceitável a qual poderá beneficiar as soluções de transporte intermodal que utilizem o transporte marítimo e mesmo o transporte ferroviário.

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8.4 Transporte Marítimo Intra-Europeu de Bandeira Portuguesa

Uma questão de vontade pública e privada.

João Soares

Em 2011 foi tornado pública a intenção por parte do governo Alemão de cortar o subsídio ou apoios financeiros aos armadores alemães para que os mesmos mantenham os seus navios no registo convencional, sendo este quantificado em 50 Milhões de Euros.

Simultaneamente o partido ecologista Alemão “Os Verdes” pretendia também que se acabasse com a tonnage tax, uma taxa ou imposto que os armadores pagam sobre a tonelagem de arqueação dos seus navios, independentemente da empresa apresentar lucros ou não. A reação dos armadores alemães foi imediata, ameaçando com a retirada dos seus navios do pavilhão Alemão.

É interessante fazer uma comparação com a situação com a “nossa” marinha mercante de registo convencional, em que os apoios financeiros previstos para 2011 foram cerca de 4,5 Milhões de Euros47 , os quais não cobrem a totalidade dos valores dos descontos para a segurança social e de IRS dos tripulantes, objetivo deste tipo de apoios, para estabelecer algum equilíbrio entre os registos convencionais e os registos ditos de conveniência ou os segundos registos. Para além disso não existe uma tonnage tax em vigor em Portugal, bastando para que tal fosse concretizado algo tão simples como “vontade”.

É também interessante lembrar que foram sempre os armadores alemães que maior pressão fizeram junto da Comissão Europeia para acabar com os apoios financeiros às novas operações e serviços ao abrigo de programas como o PACT48 e o seu sucessor Marco Pólo I e II, justificando essa reclamação clamando pela existência de distorção da concorrência, concluindo-se que a noção de distorção alemã só funciona para um lado. A chamada “lei” ou “regra do funil”.

Assim continuamos impávidos e serenos a assistir ao definhar da nossa frota de comércio e de não ver aparecer armadores portugueses, nem mesmo como simples operadores de transporte marítimo com navios afretados, nos tráfegos de contentores entre Portugal e o Norte da Europa.

Possivelmente sentem que não serão competitivos ou não estarão interessados em investir e correr riscos num mercado onde já existe uma oferta que cobre a procura e onde entrar poderá significar um grande esforço financeiro, não só de investimento como de tesouraria.

Uma coisa parece certa. A procura de transporte marítimo no tráfego Norte da Europa – Portugal deverá aumentar significativamente, quer por mérito próprio, pela qualidade e custo competitivo que tem vindo a apresentar, quer como resultado do aumento de

47 Fonte: IPTM Plano de Atividades 2011

48 PACT – Pilot Actions on Combined Transport

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custos e do tempo de trânsito do transporte rodoviário (ex: Eurovinheta, combustíveis, portagens, etc.), devido às várias imposições que estão a ocorrer e planeadas para o curto e médio prazo, com o objetivo de se obter uma transferência modal e uma absorção do crescimento das trocas comerciais intraeuropeias por alternativas intermodais e comodais, com base no transporte marítimo e no transporte ferroviário.

O problema, e aqui surge a opinião, é que as nossas trocas comerciais com o Norte da Europa, efetuadas maioritariamente (56% em 2011) por rodovia, são realizadas na sua maioria por empresas de transporte rodoviário portuguesas.

Caso se concretize a transferência modal preconizada, nem que seja apenas do crescimento das trocas comerciais, utilizando o transporte marítimo, onde não existe nenhuma empresa armadora portuguesa a operar, estaremos a passar de uma situação em que compramos serviços de transporte a empresas nacionais de transporte rodoviário para uma situação em que teremos de importar serviços de transporte a empresas estrangeiras de transporte marítimo, tal como hoje ocorre, com a inevitável consequência negativa na nossa balança de pagamentos.

O Dr. Rui Raposo, digníssimo presidente da Associação de Armadores da Marinha de

Comércio, referiu em tempos na newsletter diária da Cargo que “Estamos condenados a desenvolver o transporte marítimo”. Crê-se que o mais correto seria dizer que “o transporte marítimo em Portugal está condenado ao desenvolvimento”, resta saber se por nós ou por outros.

Comoresolveresteproblema?

Incentivando o aparecimento de empresas armadoras portuguesas, com navios nacionais e, porque não, construídos em estaleiros nacionais, para realizar estes serviços, dando-lhes as mesmas condições que todas as outras, suas congéneres europeias, possuem. Diria mais, dando-lhes simultaneamente “todas” as condições que as suas congéneres dos vários países da UE possuem. Desta forma ninguém nos poderia acusar de estarmos a dar condições que distorcessem o mercado, pois haveria sempre algum dos países da EU que estaria a aplicar esse tipo de condições. O cumulativo de condições não deverá ser razão de impugnação ou penalização.

Como arranjar o capital necessário para este investimento?

Talvez fosse um bom ponto de partida para o fundo de 100 Milhões de Euros que o Fórum do Mar estava a reunir, pois estaria a investir na construção naval nacional e no transporte marítimo de bandeira nacional.

Talvez fosse bom pensar nisto em vez de esperarmos que outros pensem por nós e se aproveitem da nossa massa crítica e dos nossos fluxos de carga.

Que não existam dúvidas da minha defesa inequívoca do transporte marítimo como melhor solução para os nossos fluxos de carga, no âmbito de um transporte intermodal ou comodal intraeuropeu. Que me perdoem os armadores estrangeiros que tão bem têm

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realizado estes serviços e a quem a nossa economia certamente muito deve (em ambos os aspetos). Mas temos de começar a reduzir as nossas importações e aumentar as nossas exportações e os serviços, como o transporte marítimo, são uma excelente oportunidade para o fazer.

Conhecimento (know-how) existe. Falta o capital necessário e acima de tudo a tal “vontade”, pública e privada, sem a qual nada se consegue.

Da parte pública requer-se simplificação, desburocratização, implementação das condições para o desenvolvimento desta atividade, conforme sugerido, aplicando “todas” as condições que os outros países membros da EU já possuem, tornando esta atividade mais atrativa do ponto de vista financeiro. Visto que do ponto de vista económico o seu interesse é mais do que comprovado.

Da parte privada requer-se o investimento e a visão necessárias para saber aproveitar a oportunidade de negócio existente e de futuro.

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8.5 E se o Canal do Suez fechasse?

Vítor Caldeirinha

A situação política no Egito e em todo o norte de África é muito complicada, em especial para aqueles que dependem do Canal de Suez, como é o caso dos operadores do tráfego da Europa com a Ásia. Não se deve ignorar a hipótese desta rota poder fechar.

De acordo com a Drewry, existe muita capacidade transporte dos navios para absorver a maior parte do choque deste tráfego através do Cabo da Boa Esperança, embora tal implicasse velocidades dos navios maiores que as atuais e logo maiores custos ou mais navios nas linhas.

A importância do canal de Suez em termos de tráfego pelas suas duas vias entre o Extremo Oriente e a Europa representou aproximadamente 20,1 milhões TEU no ano passado, em comparação com 5,2 milhões de TEU entre o Subcontinente Indiano / Médio Oriente e a Europa e 688.000 TEU entre a Australásia / Oceânia e a Europa.

No caso improvável do fecho do Suez, cada um dos 24 serviços semanais Ásia-Norte da Europa seriam obrigados a navegar pelo Cabo em ambos os sentidos, em vez de utilizarem o Canal de Suez como habitualmente, com uma quebra de produtividade até 17%.

Para continuar a fornecer a mesma capacidade de transporte, com uma frequência semanal, os grandes armadores teriam que adicionar 48 navios na rota Ásia-Europa do Norte, ou aumentar a velocidade de seus navios, ou uma combinação de ambos.

Se a velocidade média fosse aumentada em ambos os sentidos, a frequência semanal poderia ser mantida através do cabo, com o tempo de trânsito aumentado em apenas 2,5 a 3 dias em cada sentido.

Se for decidido manter as velocidades existentes para economizar combustível, o tempo de trânsito de uma viagem média entre a Ásia e o Norte da Europa seria aumentado numa semana e o tempo adicional necessário no retorno seria de 8,5 dias. No entanto, seriam necessários mais 48 navios, com maiores custos, afetando temporariamente a oferta de outras rotas de onde saíssem esses navios necessários.

Nem uma palavra da Drewry, grande consultor internacional no shipping, para o Canal do Panamá como alternativa ao Suez no Ásia-Europa, mesmo no futuro próximo.

Nota: Elaborado a partir de artigo da Drewry, http://ciw.drewry.co.uk/features/what-if-the-suez-canal-was-shut/#.U0phPfldUZk

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8.6 Alternativas ao Suez

Vítor Caldeirinha

É sabido que os grandes terminais de contentores intermédios de ligação entre origens e destinos, os designados hubs, possuem caraterísticas em comum como sendo: (a) os grandes fundos de acesso marítimo, (b) a propriedade por parte de grandes armadores de contentores ou por grandes operadores globais de contentores, e (c) possuem como função principal ligar as redes designadas hub-and-spoke, entre redes principais distintas ou entre estas e redes secundárias de distribuição e recolha marítima, e mesmo terrestre.

Estes terminais intermédios ou hubs possuem localizações privilegiadas entre as principais origens e destinos das cargas nas Caraíbas, no Mediterrâneo e na Ásia. Muitas vezes localizam-se em zonas importantes de passagem e cruzamento de rotas, como seja o Estreito de Gibraltar, o Canal do Suez, o Canal do Panamá e o Estreito de Malaca.

Não sendo estes terminais importantes em termos de valor acrescentado direto para as economias onde se localizam, no que se refere a serviços prestados às cargas e contentores em trânsito marítimo, são no entanto muito importantes porque permitem que a região onde se localizam passe a possuir ligações diretas ao resto do mundo em navios de rota principal, evitando os custos dos navios feeders menores ou do trânsito terrestre rodo ou ferroviário.

A região pode beneficiar de várias formas, seja através da possibilidade de aceder a matérias primas mais baratas e a bens de consumo mais económicos, bem como pode ser mais competitiva nas suas exportações para mercados mais alargados, o que também é um atrativo para o investimento estrangeiro na região do terminal portuário, permitindo cumprir o tradicional papel dos portos como polos de desenvolvimento local e regional.

Recentemente, Notteboom escreveu sobre a possibilidade de crescimento da rota do Cabo com utilização do hub de Ngura na África do Sul, entre a Ásia e a América do Sul, a África Ocidental e a Europa, em concorrência com o Canal do Suez, que hoje detém a quase totalidade do tráfego entre a Ásia e a Europa/África Ocidental.

A rede de transporte marítimo global baseia-se principalmente na rota equatorial em que o Canal de Suez é um ponto fulcral de passagem. 6852 navios porta-contentores passaram pelo Canal de Suez em 2010. Cerca de 646 milhões de toneladas de carga passaram através do Canal em 2010 (Notteboom, 2012). Quase 93% desses fluxos de contentores estão relacionadas com as rotas comerciais Europa-Ásia. O tráfego América do Norte (East Costa) - Ásia comércio representa cerca de 5,3% do Canal de Suez.

Apesar do Canal do Suez ser um importante ponto de trânsito marítimo, está confrontado com uma série de desafios:

• A recente onda de pirataria tem gerado grande preocupação entre armadores

e carregadores. O número de ataques registrados perto Somália e no Golfo de Aden aumentou muito nos últimos anos, sendo uma ameaça à segurança, com crescentes taxas de seguro para as embarcações que transitam pela região e aumento dos custos de guarda de segurança;

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• O Canal de Suez tem uma capacidade finita. Para o futuro próximo não há restrições de capacidade ou limitações de calado para navios porta-contentores. Mas a configuração do Canal continua a restringir o número de embarcações que podem transitar por dia devido aos picos de procura. A autoridade do Canal do Suez está a considerar uma estratégia de gestão de capacidade com base em um sistema de preços variável em momentos de pico.

O aumento dos preços dos combustíveis tem levado os armadores a reduzir a velocidade dos navios e a encurtar as distâncias, apostando em ligações mais diretas e menor utilização de grandes hubs, pelo que pode compensar a ligação Ásia-América do Sul via Cabo.

A geografia macroeconómica tem contribuído significativamente para o sucesso do Canal de Suez, que é cada vez mais desafiado pela nova geografia económica do crescimento comércio mundial, que se deslocou para sul e para Oriente.

É expectável que o Canal do Suez continue dominante na ligação da Ásia com a Europa, mas irá enfrentar um certo grau de concorrência a partir de um certo número de alternativas planeadas ou em operação para acomodar parte dos volumes comerciais entre Europa e na Ásia. As principais rotas alternativas poderão ser, segundo Notteboom, a Rota do Cabo, a Rota do Mar do Norte e do transporte ferroviário nos corredores euro-asiático.

Fonte: Notteboom, 2012

A Rota do Mar do Norte refere-se às rotas marítimas entre o Oceano Atlântico e o Oceano Pacífico ao longo da costa russa da Sibéria e do Extremo Oriente. A redução futura dos gelos abrirá novas possibilidades para o transporte comercial nesta rota, reduzindo cerca de 40% a distância da Ásia para a Europa, em comparação com a rota tradicional de Suez. Em termos de custos, a rota é ainda desfavorável devido à necessidade de ajuda pelos navios de assistência para o gelo e às velocidades mais lentas.

O potencial comercial dos corredores ferroviários leste-oeste, um conjunto de linhas ferroviárias que ligam o leste da Ásia e da parte ocidental da Rússia à parte oriental da Rússia, está bem identificado. As principais artérias são a ferrovia Transiberiana, a ferrovia Transmanchuriana e o Trans-Mongolian Railway.

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Em 2011, o porto de Antuérpia criou um serviço ferroviário de Chongqing, na China passando por Duisburg. Outros portos do norte da Europa tem seguido este exemplo, com vantagens de tempo para os carregadores, mas as capacidades permanecem baixas em comparação com serviços marítimos regulares de contentores.

De acordo com um estudo 2011, sobre a ligação Ásia-Europa, os volumes de transporte ferroviário poderão chegar a 1 milhão de TEUs anualmente até 2030. Mas Hilletofth et al. (2007) demonstrou que as ineficiências na cadeia intermodal impedem essas alternativas de alcançar seu potencial.

Outra alternativa é a ponte terrestre do Golfo Pérsico via Irão para a Rússia, mas que parece ser consideravelmente mais cara que o percurso do Suez para a Europa do Norte (Mohsenpour, 2006). As alternativas do canal do Panamá e da rota pelo norte do Canadá não são analisadas em detalhe por Notteboom neste artigo de 2012, embora sejam apontadas.

Fundos de Acesso dos principais terminais Hub/Transhipment

Notteboom, 2012

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8.7 O canal do Panamá I

Vítor Caldeirinha

O Canal do Panamá vai comemorar seu centenário, um evento que corresponde a uma nova fase em suas operações. O projeto de expansão estimado em biliões de dólares irá permitir lidar com navios porta-contentores de 12.000-15.000 TEU, dependendo da configuração do navio.

Este projeto tem vindo a provocar uma ampla discussão sobre o impacto na distribuição de mercadorias a nível global, havendo quem defenda um forte impacto e outros que defendem que a expansão terá um limitado impacto percetível.

Estas dúvidas surgem da complexidade e inter-relação das cadeias globais, pelo que não é muito claro para muitos atores qual o verdadeiro impacto da expansão do canal. Permanece incerto o que acontecerá aos fluxos de comércio e às configurações de rede de transporte, bem como ao crescimento das linhas round-the-world (RTW) e fluxos de transhipment.

Existem muitas incógnitas nesta equação, ou seja, não se sabe como os múltiplos atores vão reagir e até que ponto estratégias convergentes e divergentes levarão a reconfigurações dos serviços de transporte marítimo.

Até que ponto o atual fluxo de carga asiática por via ferroviária a partir dos portos da Costa Oeste para a Costa Leste dos EUA passará para o mar? Até que ponto serão afetados os fluxos com a América do Sul?

Pode-se inferir que a expansão do Canal do Panamá vai ser uma mudança grande, mas as novas regras não são claras. Uma coisa é certa, o projeto de expansão ocorre num ambiente económico de incertezas desde a crise financeira de 2008-2010, com perspetivas de crescimento futuro do comércio em reavaliação.

Uma das principais incertezas será a economia americana, que tem sido um importante motor para o tráfego do canal ao longo do século passado.

Enquanto vários países da Ásia tem verificado um crescimento económico global há

décadas (por exemplo o Japão, Coreia do Sul, Taiwan e Hong Kong), com um impacto já conhecido, a economia chinesa tem tido um impacto profundo e novo na estrutura global da produção e no comércio, cujos efeitos ainda estão por conhecer na sua totalidade. O “efeito China” foi acompanhado por um aumento no comércio transpacífico e da carga movimentada pelos portos da Costa Oeste dos EUA.

O Canal do Panamá beneficiou de crescimento principalmente na rota marítima entre o Leste da Ásia e Costa Leste dos EUA, que ganhou popularidade na década de 2000, após as incertezas relacionadas com a mão de obra portuária do portos da Costa Oeste e com a capacidade da ferrovia americana para lidar com volumes de carga muito elevados.

Uma dúvida importante é em que medida as limitações de mercado dos EUA, nesta fase de crise, poderão ser compensadas pela procura emergente da América do Sul. Mas

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um dos novos concorrentes no Panamá nestes mercados será a Rota do Cabo para os fluxos comerciais entre Ásia e países sul-americanos, como o Brasil e a Argentina.

Uma questão importante com a expansão do Canal do Panamá diz respeito à melhoria das economias de escala no transporte marítimo transporte. Uma parte crescente da frota mundial de contentores é incapaz de usar o Canal do Panamá atual. Em 2014, espera-se que 48% da capacidade global da frota porta-contentores seja composta por navios pós-Panamax (Rodrigue e Notteboom, 2011). A expansão do canal tem a vantagem de colocar a sua capacidade a par com as tendências ao nível das economias de escala das rotas do transporte marítimo de longa distância.

O transporte marítimo é também muito sensível aos custos dos combustíveis, que representam entre 45% e 50% dos custos operacionais. Prevê-se a redução da velocidade padrão dos navios da faixa de 20 a 25 nós, para velocidades entre 18 e 20 nós, ou mesmo 14 nós. Na rota transpacífico a redução de velocidade pode implicar mais cerca de 6 dias em tempos de trânsito e requerer mais navios para o serviço de pêndulo, de forma a manter a frequência de escalas, o que pode prejudicar o Canal do Panamá.

Com a expansão do Canal do Panamá, espera-se um aumento das taxas da Panamá Canal Authority, mas também uma resposta dos concorrentes no tráfego entre a Ásia e a América do Norte, designadamente nos custos da ponte terrestre (ferroviária) nos EUA e nas taxas do canal de Suez, que igualmente serve a Costa Leste dos EUA e a América do Sul, embora de forma marginal.

O sucesso do novo Canal do Panamá está sujeito a várias incertezas relacionadas com o preço da energia, as taxas do Canal do Panamá e dos concorrentes, bem como as capacidades dos corredores ferroviários interiores.

Os portos da Costa Oeste dos EUA tendem a perceber a expansão do Canal do Panamá como uma ameaça à sua quota de mercado no hinterland, particularmente para o Centro-Oeste, sendo de esperar uma reação. Por outro lado, é incerto até que ponto a carga movimentada por ferrovia a partir dos portos da Costa Oeste é transponível para a esfera marítima.

Ainda assim, a expansão do Canal do Panamá abre uma nova fase para o transbordo na região das Caraíbas, sendo importante sublinhar que a nível global apenas 17% das relações comerciais globais envolvem ligações diretas entre portos, pelo que o transbordo é um aspeto fundamental das redes de transporte marítimo (Rodrigue e Notteboom, 2011).

Em anos recentes, surgiu no Panamá e Caraíbas um mercado novo de transbordo ligado ao crescimento da América Latina, no cruzamento das linhas transatlânticas com os fluxos comerciais norte-sul, conciliando as duas redes.

Se nos EUA, é incerto o impacto do Canal do Panamá, mais incerto é no que se refere às ligações entre a Ásia e a Europa, uma vez que a distância China-Europa pelo Panamá é superior à da rota do Suez, e atualmente apenas 1% dos fluxos do Panamá estão relacionados com a rota Ásia-Europa, já que os navios que cruzam o Pacífico tem carregamentos com principal destino aos EUA e América do Sul, sendo marginal o espaço para a carga Europeia, ainda que a linha esteja integrada num serviço RTW.

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Alguns consultores preveem que poderá existir algum aumento de contentores com cargas de menor valor dos fluxos Ásia-Europa que possam passar a preencher espaço vazio da rota transpacífico, através do Panamá. Com destino à Europa, desconhecendo-se ainda o potencial e a probabilidade de tais fluxos, já que a rota do Suez tem menor distância.

No entanto, com esta ampliação é provável que as empresas de transporte marítimo intensifiquem as linhas RTW, nos sentidos Leste e Oeste, com o Suez a aumentar o serviço para as Américas e o Panamá a aumentar os serviços para a Europa, com a utilização de portos intermédios de transhipment no Mediterrâneo ou mesmo em Portugal, onde Sines deve estar preparado e muito atento às alterações das linhas.

Não sendo fácil de avaliar este potencial, é quase certo que o grande fluxo Ásia-Europa deverá continuar a utilizar o Suez, que pode ser prejudicado pela pirataria, e que deverá ter como principais concorrentes, de menor dimensão, a rota do Cabo, onde a África do Sul está a criar grandes hubs intermédios muito eficientes, a rota do Mar do Norte em redor da Rússia, com a redução dos gelos, o Estreito de Ormuz com a rota terrestre Norte- -Sul do Golfo Pérsico até à Rússia, bem como o comboio transiberiano ligando diretamente a China ao Centro da Europa.

PrincipaisRotasMundiaisdoComércio

http://people.hofstra.edu/geotrans/eng/ch3en/appl3en/circumhemispheric.html

Fontes:Rodrigue e Notteboom (2011), Port Technology Internacional, ed. 53http://www.pancanal.com/esp/plan/estudios/0165-exec.pdfhttp://www.pancanal.com/eng/expansion/index.html

2012

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8.8 O canal do Panamá II

João Soares

A expansão do Canal do Panamá e as análises do seu impacto no eventual aumento de tráfego de contentores nos portos da costa Atlântica Portuguesa.

Têm sido recorrentes várias opiniões em artigos ou apresentações sobre o eventual impacto que a expansão do Canal do Panamá poderá ter, em termos de aumento de tráfego de contentores nos portos da costa Atlântica Portuguesa, resultando num mix de ideias e conceitos que mereceriam um pouco mais de reflexão.

É de facto uma matéria interessante e certamente um bom tema de tese de Mestrado ou quiçá de Doutoramento, devido ao tão grande número de opiniões e conclusões, que decerto seria bom haver um estudo sério e isento sobre o assunto, para que não se incorram em erros de investimentos com base em objetivos irreais e inalcançáveis.

Não se pretende aqui estabelecer mais uma opinião ou defender ou opor a qualquer opinião, mas pretende-se apenas chamar a atenção para alguns factos que são simples de entender, fáceis de interpretar e de obter e que devem fazer parte de qualquer análise, mesmo que básica ou simples.

O Plano Mestre do Canal do Panamá, acessível na página da internet da ACP - Autoridade do Canal do Panamá (www.pancanal.com), contém toda a informação sobre a ampliação da capacidade do canal através da construção do terceiro conjunto de comportas para navios Pós-Panamax.

É de salientar que este plano foi concebido em 2006, quando o maior navio que estava a ser construído era da Cosco e tinha uma capacidade para 10.000 TEU’s com 349 m de comprimento, 46 m de boca e 14,5 m de calado máximo.

Segundo o projeto, esta terceira comporta poderá receber navios com as seguintes dimensões máximas: 366 m de comprimento, 49 m de boca e 15 m de calado.

No entanto o calado será restrito a valores inferiores, dependendo da altura do ano e das condições do lago Gatún, sendo, para além disso, calados de água doce. Ou seja. Em água salgada, os calados máximos terão restrições entre 13,5 m e 14,8 m

A boca dos navios será também restringida a 46,3 m para navegação unidirecional no canal, ou 75 m na soma das duas bocas de dois navios que se cruzem, no caso de navegação bidirecional.

Parece um preciosismo, mas quando se fala sobre o assunto tudo parece muito claro e simples, no entanto quando se indaga melhor e se olha com olhos de ver, nem tudo é tão claro e simples como parecia.

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Isto significa que, por exemplo, os navios de grande dimensão da MSC que têm escalado Sines, com 366 m de comprimento e 48 m de boca e 15,5 m de calado máximo, não deverão poder utilizar as novas comportas do canal do Panamá, caso se apresentem com um calado de serviço superior aos 13,5 m, e mesmo que tenham um calado inferior vão ter certamente restrições devido à boca, pelas razões acima descritas.

No caso dos maiores navios da MERSK, então nem vale a pena pensar pois com os seus quase 400 m de comprimento e 56 m de boca, não entram nas comportas.

Como se sabe a atual tendência reside na construção de navios de contentores de maior dimensão, ficando estes impossibilitados de utilizar o Canal do Panamá, sendo aliás uma situação com que os armadores já contavam.

Por isso quando se diz que o Canal do Panamá poderá dar origem ao surgimento do serviço around the world, com passagem pelo canal do Panamá em ambas as direções, em vez dos atuais serviços pendulares, talvez não seja tão simples de concretizar, pois esse serviço só faria sentido com a utilização de navios de grandes dimensões.

Pensar que o Canal do Panamá poderá ser uma alternativa ao Suez no tráfego do Extremo Oriente com a Europa, será um pouco irreal.

Primeiro porque as distâncias a percorrer, por exemplo, de Xangai até à costa Portuguesa, através do Canal do Panamá (12.780 milhas) são muito superiores do que a rota através do Canal do Suez (9.448 milhas), representando mais uma semana de tempo de viagem.

Só para se ter uma noção de comparação, o Canal do Suez não tem restrições quanto ao comprimento máximo dos navios que nele transitam, tendo limites para a boca de 77,49 m e 18,9 m de calado, não possuindo qualquer sistema de comportas.

É um facto que a construção de mais um conjunto de comportas, ao qual se denominou alargamento do Canal do Panamá, trás grandes benefícios, mas essencialmente para o tráfego entre o Extremo Oriente e a Costa Leste dos EUA, tal como o referido plano faz menção, referindo que este projeto tem como um dos objetivos manter o canal competitivo face às alternativas de transporte intermodal dos EUA, referindo-se certamente ao transporte ferroviário, como complemento do transporte marítimo, na ligação entre as costas Oeste e Leste.

Neste caso é notória a redução de distâncias, pois a distância, por exemplo, entre Xangai e Nova Iorque é de 10.582 milhas através do Canal do Panamá e de 12.370 milhas através do Suez, representando menos 4 dias de viagem.

Podem ainda utilizar-se argumentos como a eventual instabilidade do Médio Oriente que possa levar ao encerramento do canal do Suez e a usar-se o Canal do Panamá como

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alternativa, mas mesmo assim a distância a percorrer seria muito semelhante à rota pelo Cabo da Boa Esperança a qual totaliza 12.816’ (+36 milhas do que no caso de Xangai – Europa via Canal do Panamá).

A probabilidade de instabilidade no Médio Oriente poderia ainda comparar-se à probabilidade de avaria nas comportas do canal do Panamá ou instabilidade política na zona da américa central.

Fica agora ao critério de cada um fazer o mix da informação e tirar as suas conclusões sobre a possibilidade de se registarem eventuais aumentos de carga contentorizada a passar pelos nossos portos utilizando a nova comporta do Canal do Panamá.

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8.9 O canal do Panamá III

O Canal do Panamá e as rotas alternativas

J. Augusto Felício

Enquadramento

A compreensão da importância do Canal do Panamá tem a ver com o negócio marítimo, na medida em que numa lógica de globalização as economias diferenciam-se pela competitividade, com reflexos na sua capacidade de crescimento em termos de comércio externo. A construção do Canal procurou ser uma resposta à diminuição das distâncias a percorrer e tempos de transporte e ao aumento do tráfego na ligação entre economias de diferentes continentes, na razão direta da maior dimensão dos navios. Os efeitos refletem-se diretamente no custo dos produtos e responde à lei da oferta e da procura. Em consequência, Kumar & Hoffman (2002)49 referem a crescente importância do transporte e comércio marítimo correspondendo hoje a quase dois terços do transporte relacionado com o comércio mundial, percebendo-se que onde reside o centro do comércio mundial reside também o centro do mundo da navegação.

O Canal começou a ser construído em 1904 e terminou em 1914 ficando sob a jurisdição dos Estados Unidos que o devolveu à República do Panamá em 1999. Porém, a história da construção do Canal remonta ao século XVI e a Carlos V quando colocou pela primeira vez a possibilidade de realizar uma travessia entre o Oceano Atlântico e o Oceano Pacífico através da América Central, verificando-se, à época, a impossibilidade de realizar tal obra.

No século XIX os Estados Unidos retomaram a ideia de realizar a travessia entre oceanos através do istmo da América Central no seguimento da descoberta de grandes quantidades de ouro na Califórnia, cerca de 1848, intenção que levou a um acordo assinado com os franceses em 1878 para a construção de um Canal no Panamá, obra prevista iniciar dois anos mais tarde, o que não ocorreu por desacordo técnico acerca do plano de construção.

Decorridos tantos anos desde a sua entrada ao serviço em 1914, já na soberania do governo do Panamá, foi decidida a expansão do Canal, em 2006, cujas obras prevêem-se concluir em 2014, ficando com uma capacidade duas vezes superior à anterior, aposta realizada para responder às novas necessidades para a travessia de navios pós-Panamax, contribuindo ainda mais para a expansão do comércio marítimo mundial.

Dadas as condicionantes do Canal na sua largura e calado, ao tempo suficientes para a navegação, mais tarde, à medida que os navios ganhavam dimensão para o transporte de maior volume de cargas por unidade de transporte, com efeito na diminuição dos custos por unidade de mercadoria transportada, verificou-se a impossibilidade de construir navios acima de certa dimensão para atravessar o Canal, o que impôs regras na sua construção

49 Kumar & Hoffman (2002).

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e dimensão, em especial na sua largura e calado, dando origem aos denominados navios Panamax, com um comprimento máximo de 965 pés (294 m), uma largura de 106 pés (32,3 m) e um calado de 39,5 pés (12,04 m). Para os padrões catuais trata-se de um navio de tamanho médio (Figura 1).

Figura 1 – Embarcações numa das travessias do Canal do Panamá

Fonte: Wikipédia

Segundo informação recolhida na wikipédia, «o mais longo navio mercante até hoje operado pelo Canal do Panamá foi o San Juan Prospector, hoje Marcona Prospector, um graneleiro-tanque de 296,57 metros (973 pés) de comprimento com uma boca (largura) de 32,3 metros (106 pés). Os mais largos navios a passar pelo canal foram os navios da marinha norte-americana o USS North Carolina e o USS Washington, com 33,0 metros (108 pés e 3,9 polegadas)».

Uma perspetiva interessante da gestão do Canal tem a ver com os tipos de navio que o utilizam. Praticamente todas as diferentes ‘embarcações’ que necessitam atravessar do Oceano Atlântico para o Oceano Pacífico recorrem ao Canal, navios de carga e navios de cruzeiro, com exceção dos navios petroleiros e transporte de gás, em especial de cargas perigosas ou com probabilidade de constituírem perigo.

A Autoridade do Canal do Panamá (ACP) determinou oito segmentos de mercado para classificar os diferentes tipos de transporte que atravessam o Canal e que são o transporte de contentores, graneis secos, graneis líquidos, veículos, frigoríficos, navios de cruzeiro, navios de carga geral e os navios diversos. Destes oito segmentos os quatro primeiros são aqueles que representam os maiores volumes e número de trânsitos através do canal e têm o maior impacto nas receitas do Canal (ACP, 2006)50 .

50 (ACP, 2006).

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Características do canal do Panamá

O Canal do Panamá, com o comprimento total próximo de 80 km, é um fator dos mais importantes com implicações no transporte marítimo internacional, onde operam para cima de 14.000 navios por ano na sua travessia pelo istmo da América Central do Oceano Atlântico para o Oceano Pacífico ou o inverso (Figura 2). Em 2007 passaram pelo canal 14.721 navios. Este número representa aproximadamente 5% do comércio mundial.

Figure 2- Traçado do Canal do Panamá

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Panama-Canal-rough-diagram-quick.jpg

Entrando a partir do Oceano Atlântico, um canal de entrada leva o navio para o primeiro conjunto de eclusas, a comporta Gatún, elevando a travessia para 26 metros acima do nível do mar para o colocar no lago Gatún.

Depois de atravessar o lago entra-se no rio Chagres em direção a Gaillard, originalmente Culebra Cut, alteração em honra do engenheiro americano David Gaillard responsável pela construção desta parte do Canal (ACP)51 . Daqui segue-se para o segundo e terceiro conjuntos de eclusas, a comporta Pedro Miguel seguida da comporta Miraflores, levando os navios outra vez ao nível do mar para entrar no Oceano Pacífico.

51 Autoridade do Canal do Panamá (ACP).

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As dimensões das câmaras de bloqueio são de 33,34 metros de largura, 304,8 metros de comprimento e com uma profundidade que varia entre as diferentes comportas, em que a câmara da comporta Miguel Pedro regista 12,55 metros de profundidade, a de menor profundidade (ACP). Isto faz com que se coloquem restrições sobre o calado dos navios que o Canal suporta que em água doce tropical pode ir aos 12 metros. Outras restrições relacionadas com as dimensões das embarcações referem-se ao facto de não poderem ter mais de 32,3 metros de largura ou 294,1 metros de comprimento, dependendo do tipo de navio, correspondendo à dimensão dos navios classificados como Panamax, os maiores que podem operar no Canal.

Rotas alternativas

As limitações do Canal do Panamá, em termos de largura, calado e comprimento, exigiram o recurso a outras rotas com navios post-Panamax, incluindo-se os navios do tipo Capesize, alternativas utilizadas pelo Cabo da Boa Esperança (África do Sul) ou pelo Cabo Horn (América do Sul), por excederem as dimensões do Panamax. Ou seja, a mais óbvia alternativa ao trânsito através do Canal do Panamá é uma rota que contorna a América do Sul pelo Cabo Horn ou através do Estreito de Magalhães, situado entre Chile e Argentina na América do Sul (Figura 3).

Figure 3 – Canal do Panamá e alternativa pelo Estreito de Magalhães

Fonte: Rodrigue, J.-P., Comtois, C., & Slack, B. (2006). The Geography of Transport Systems. New York: Routledge.

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No entanto, esta alternativa aumenta a distância entre o Ocidente e o Oriente pelo menos em 13.000 km, dependendo dos portos a operar. As outras rotas alternativas são as que contornam o Cabo da Boa Esperança na África do Sul e a rota pelo Canal do Suez, via Mediterrâneo, para ligar a Ásia à Europa e América do lado leste. As características dos percursos fazem com que o grande concorrente ao Canal do Panamá seja a rota do Canal do Suez nas ligações entre a Ásia e os EUA na costa leste (Figura 4).

Figura 4 – Distancias entre percursos

Fonte: WorldShippingRegister. (2008)

A distância entre Nova Iorque e Hong Kong difere em cerca de 386 milhas náuticas, cerca de 715 km, o que não é representativo. A via pelo Canal do Panamá como a menor opção representa uma distância de 11.207 milhas náuticas (20.755 km). Porém, consoante outras alternativas de portos a escalar na Ásia assim variam as distâncias o que pode fazer com que a menor distância entre Ásia e USA costa leste seja a via do Canal do Suez. Entre os portos do Nordeste da Ásia e os EUA na costa leste a via do Canal do Panamá é a mais curta. A questão essencial reporta-se à condicionante da dimensão das embarcações que podem atravessar o Panamá, só podendo operar os navios Panamax correspondendo a 4.800 contentores, restrição que o Suez não possui, hoje em dia, onde operam navios pós-Panamax capazes de transportar 16.000 contentores e mais.

Krakenes (2008)52 refere que a utilização do Canal do Panamax e de navios Panamax, como alternativa ao Suez, incorre numa poupança cerca de 23% do custo total do transporte por contentor (ida e volta). Porém, utilizando navios pós-Panamax de 6.000 TEU essa poupança reduz-se a cerca de 14%.

Outras alternativas ao canal do Panamá são por terra, com recurso ao sistema intermodal, caso da travessia dos EUA, da costa nordeste da Ásia - EUA oeste serviço para a costa leste, tendo como principal vantagem a possibilidade de utilizar navios de

52 Krakenes (2008)

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grande dimensão com capacidade para transportar mais de 10.000 TEU. A Autoridade do Canal do Panamá (ACP, 2006) refere que neste caso o sistema intermodal absorvia 61% do tráfego com destino ao leste dos EUA contra 38% do tráfego via Canal do Panamá e 1% via Canal do Suez. Porém, esta tendência tem-se alterado a favor do Canal do Panamá por razões de redução de tempos de trânsito, devido a reparos e melhorias do Canal.

O sistema intermodal não consiste em um sistema operacional integrado, mas depende de vários operadores, tais como operadores portuários, empresas ferroviárias e empresas de transporte rodoviário. O recurso a diferentes operadores torna o sistema menos confiável e também uma alternativa mais onerosa (ACP, 2006).

Conclusões

Verifica-se que o Canal do Panamá é um fator da maior importância e determinante do transporte marítimo internacional nos percursos que ligam a Ásia à costa leste americana.

As alternativas mais competitivas resumem-se à travessia do Canal do Suez, na medida em que contornar a África do Sul e a América do Sul demoram mais tempo e têm custos muito superiores. Também a alternativa com recurso ao serviço intermodal através dos EUA está a cair em desuso, tanto mais quanto a nova expansão do Canal do Panamá seja concluída em 2014.

Lisboa, 21 de Julho de 2011

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8.10 Portos do Sul: Porque não são Portas da Europa?

Vítor Caldeirinha

No texto mais recente de Gouvernal, Rodrigue e Slack, 2013, ainda não publicado, “THE DIVERGENCE OF REGIONALIZATION: THE CHALLENGES OF THE MEDITERRANEAN PORTS OF EUROPE”, os autores analisam o modelo de regionalização criado para portos do norte da Europa que servem as regiões mais ricas do centro europeu, adaptando-o aos portos do sul da Europa.

Referem que os portos do Mediterrâneo antes da década de 1990 foram ignorados pelos grandes armadores envolvidos no comércio Ásia-Europa. Mas nos últimos vinte anos, verificou-se o estabelecimento de centros de transhipment, cujo crescimento superou o tráfego de contentores do norte. Referem no entanto, que a realidade não pode ser simplificada entre gateways de entrada no continente a norte e centros de transhipment a sul.

Apesar do crescimento do comércio Ásia-Europa pelo Canal de Suez dever ser uma oportunidade para portos europeus do Mediterrâneo capturarem tráfego adicional e desenvolverem as suas regiões, a realidade mostra que são os portos do norte da Europa que capturaram a maior parte desse tráfego (NEA, 2011). Os portos do norte, como gateways para distribuição de mercadorias na Europa, foram capazes de expandir seu hinterland longe dentro da Europa, até mesmo às regiões junto dos portos do sul.

Uma grande parte do crescimento a sul teve lugar em portos dedicados ao transhipment como Algeciras, Gioia Tauro e Marsaxlokk. Os portos do norte da Europa beneficiam da vantagem das economias de escala no lado do terminal marítimo e no interior do hinterland, ligados através de formas massificadas de acessibilidade regional, como as barcaças fluviais e os serviços ferroviários. A verdade é que os portos do norte foram capazes de contrariar a vantagem de proximidade dos portos do Mediterrâneo para o comércio da Ásia, expandindo seu acesso ao interior, servindo todo o continente.

Apesar disso, alguns portos do Mediterrâneo estão a começar a seguir uma estratégia de regionalização, embora em menor escala. Como se pode verificar na figura 1, existe um mercado potencial para cada região de portos do sul e do norte da europa, distintas e onde cada conjunto de portos possui vantagens competitivas face à distância. São os hinterlands naturais dos portos europeus, com um raio médio de 600 kms.

Mas, como se tem verificado, os portos do norte da Europa partiram de uma posição de destaque em termos de movimento de contentores, servindo hinterlands alargados até ao Mediterrâneo, estando no entanto tendencialmente a perder quota de mercado nos últimos anos, em especial devido ao transhipment (ver figura 2).

Se a norte tem havido uma dinâmica muito forte de crescimento, baseada em especial nos portos de Antuérpia, Roterdão e Hamburgo, já no Mediterrâneo ocidental, a dinâmica está instalada em especial nos portos de Valência, Algeciras e Tanger, numa lógica de

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transhipment nos dois últimos e de hub/Gateway no caso de Valência, por servir Madrid e boa parte da Península Ibérica (ver figura 3).

Gouvernal et al., 2013

Fonte: Gouvernal et al., 2013

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Fonte: Gouvernal et al., 2013

Fonte: Gouvernal et al., 2013

http://people.hofstra.edu/jean-paul_rodrigue/downloads/Divergence_Regionalization-Final.pdf

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Os casos mais impressionantes são os dos portos da Ligúria, como La Spezia, que apesar da forte densidade económica do seu hinterland natural, não conseguem obter crescimentos significativos, nem penetrar pelo seu próprio hinterland, sofrendo a concorrência dos portos do norte da Europa na sua região próxima.

O transhipment tornou-se uma característica importante no transporte de contentores hoje em dia, pois ajuda a equilibrar os objetivos de conectividade das redes marítimas com o objetivo de obtenção de economias de escala. No entanto, o cuidado deve ser regra na identificação dos centros de transbordo, pois, como Slack e Gouvernal (2012) notaram, os contentores de transhipment são duplamente contados nestes portos. Por isso, apenas os portos com mais de 66,5% de transhipment no seu tráfego podem ser considerados centros de transbordo.

Existem três grandes grupos de centros de transbordo no Mediterrâneo, que respondem por grande parte do crescimento entre 2000 e 2010: (a) Damietta e Port Said junto ao Suez, (b) junto a Gibraltar, Algeciras e Tânger Med e (c) Cagliari, Giaoa Tauro, Marsaxlokk e Taranto no centro do Mediterrâneo.

Para além dos portos puros de transbordo, este movimento tornou-se também uma componente importante dos portos que servem o hinterland, como é o caso de Barcelona, Valência, Piraeus, Ambarli e Beirute. Isto também acontece com muitos dos principais portos do norte da Europa, que viram os transbordos aumentar ao longo da década, apesar de servirem também o hinterland.

Face à sua localização, os portos do Mediterrâneo deviam ter sido a escolha lógica como gateways para servir o mercado europeu, mas isso não ocorreu. Eles foram incapazes de expandir devido a restrições físicas, tanto nos portos e nas acessibilidades ao interior.

Os portos ao longo da Ligúria e no mar Adriático têm uma situação paradoxal. A sua localização deveria torná-los gateways eficazes para entrada na Europa, mas seu desvio ao eixo Ásia-Europa prejudica sua seleção como portos de escala para os serviços marítimos principais.

Ao contrário do Canal do Panamá, o Canal de Suez pode acomodar os maiores navios de contentores existentes e previstos, o que é um incentivo para as linhas de transporte marítimo irem diretamente escalar os portos mais próximos do destino final da carga no norte da Europa.

Uma outra restrição em vários portos do Mediterrâneo é a falta de área para expansão. Rodeados por montanhas e/ou zonas urbanas, os portos do Mediterrâneo têm possibilidades de expansão limitadas, reduzindo o seu interesse. Já os portos do norte têm conseguindo ser bem-sucedidos na implementação de grandes projetos de expansão.

Nos últimos quinze anos tem havido um interesse crescente dos armadores em estender os serviços marítimos diretos para os portos do Mediterrâneo Ocidental. Marselha, Génova, La Spezia, Barcelona e Valencia servem cidades portuárias populosas e têm cada vez mais escalas diretas de grandes navios, que aproveitam a carga de hinterland

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para realizar operações de transhipment, fazendo escalas com grandes navios de linha intercontinental.

A possibilidade de desenvolvimento das regiões de hinterland permitida pelo acesso direto a navios de linha intercontinental não tem sido devidamente aproveitada pelas economias junto aos portos de puro transhipment, uma vez que grande parte dos portos de transhipment não passam disso mesmo. Estes portos ocupam locais muito estratégicos (perto do Suez e Gibraltar) e servem os interesses dos armadores e não o interesse dos seus clientes no interior terrestre.

Tânger Med por exemplo foi inicialmente bem-sucedida, mas questões com a mão de obra levaram a Maersk a mudar em 2011 uma quantidade substancial de tráfego para Algeciras, tendo voltado mais tarde parcialmente.

O texto de Gouvernal et al., 2013 conclui que o saldo do tráfego entre os portos do Sul do Mediterrâneo e do Norte continua a ser um jogo de soma zero sujeito às flutuações do contexto político. Ainda assim, os portos do Sul do Mediterrâneo que têm um desvio reduzido relativamente às principais rotas de navegação, têm potencial para atrair tráfego de transbordo adicional, especialmente se os armadores têm também, em conjugação, a oportunidade de expandir o tráfego interior, como é o caso de Valência que serve Madrid.

À luz de todos estes desenvolvimentos, incluindo a divergência observada no processo de regionalização dos portos da Europa, várias questões permanecem sem resposta. Em primeiro lugar, é importante perguntar se a vantagem da riqueza do hinterland do norte é permanente? Com a evolução em curso no shipping, aumento da dimensão dos navios e a redução das velocidades de navegação, o equilíbrio existente pode altera-se? Em segundo lugar, os portos do Mediterrâneo estão bem cientes das suas desvantagens e estão a definir estratégias de investimentos incluindo o processo de regionalização que antes era menos considerado. Poderá isto contribuir para um novo equilíbrio entre portos do norte e do sul da Europa?

AnáliserealizadaapartirdotextodeGouvernaletal.,2013,disponívelemhttp://people.hofstra.edu/jean-paul_rodrigue/downloads/Divergence_Regionalization-Final.pdf

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9. REGISTOS SOBRE LUIS FILIPE DUARTE

9.1 “Faleceu o Luis Filipe Duarte”

Vítor Caldeirinha

Faleceu o Luis Filipe Duarte.

Quando entrei para o setor em 1994 já era a Cargo que divulgava os portos.

E o Luis Filipe Duarte já era um lutador contra tudo e contra todos, para poder manter o seu projeto com sucesso. Um projeto de serviço ao público, como aconteceu nestes 21 anos.

Quantas vezes teve que enfrentar muito para manter a Cargo e conseguiu. Dizia que não ganhava dinheiro com a revista e com o projeto, o que era fácil confirmar fazendo a contas, mas que lhe dava muito gozo e que gostava muito do setor.

Os portos devem muito, mas muito, em termos de divulgação pública da sua atividade à Cargo e ao Luis Filipe Duarte nestes 21 anos, seja através da revista, pela sua qualidade e isenção, seja através dos colóquios onde o Luis Filipe tinha o seu estilo pessoal encantador.

Gostava de manter o rigor e a qualidade técnica e científica da revista Cargo e de manter com fidelidade os seus articulistas. Apesar das pressões que pontualmente sucediam, não cedeu e manteve a equipa. Ao dia 10 de cada mês não falhava e pedia os artigos finalizados para serem publicados. Exigente e lutador, procurava ter sempre as novidades académicas sobre o setor a nível internacional. Publicou regularmente os meus artigos desde 1999, todos os meses. Era um amigo de confiança.

Dos momentos mais bem passados com ele foram as reuniões no seu escritório junto ao mar a falar sobre tudo e mais alguma coisa do setor. Ou as inúmeras conversas ao telefone. E as parcerias nos seminários do porto de Setúbal.

Com quem vou eu agora falar sobre portos, sobre o que se passa nos portos, sobre o que pode e deve ser feito pelos portos, sobre eventos e colóquios públicos relacionados com os portos, sobre eventos internacionais académicos sobre portos em Portugal, sobre a promoção dos portos cá e lá fora, sobre os temas dos meus artigos sobre portos, sobre as coisas boas e as coisas más dos portos, sobre como cumprir o serviço público e apoiar a economia? Com quem vou falar sobre a publicação de livros sobre portos e transportes?

A maior homenagem que podemos fazer ao Luis Filipe Duarte é ajudar o seu projeto a manter-se e prosperar. Ele preparou o caminho autónomo para a sua revista, que desconfiava poderia ser necessário a breve prazo, deixando à frente excelente técnicos que têm vindo a desenvolver tudo praticamente com total autonomia neste último ano. A dinâmica ficou lançada e espero que daqui a mais 21 anos continue a existir a Cargo do Luis Filipe Duarte.

2012

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9.2 “Evocar Luís Filipe Duarte”

Evocar Luís Filipe Duarte

J. Augusto Felício

Evoco o SENHOR Luís Filipe Duarte. Na base reside o mérito da iniciativa em criar e manter a revista CARGO, como referência do setor marítimo e portuário. Uma revista de portos e transportes. Reside, também, o HOMEM simples e íntegro, que soube granjear o respeito de muitos, com independência e isenção, a par de características pessoais que marcam a diferença e o reconhecimento. Com tantas discussões irrealizáveis, sinto a sua falta.

Persistência,independênciaevalores “Chamo-me Luís Filipe Duarte, tenho 55 anos. Depois de alguns anos na universidade,

período em que mantive colaborações jornalísticas várias, fui convidado a ingressar num jornal do Porto, entretanto extinto: “O Comércio do Porto”, jornal de grandes tradições na região norte do País, que soçobrou ao fim de quase século e meio de edições. Aí me iniciei na profissão, em full time, com 20 anos acabados de fazer. Já depois de me ter instalado em Lisboa, fundei a empresa Cargo Edições, em 1991, com o fito de editar a revista CARGO, dando continuidade a esparsas colaborações no setor dos transportes.

Daí para cá dediquei-me inteiramente à revista CARGO, uma publicação mensal que é hoje a referência do setor em Portugal, por ser a mais antiga, ainda em edição, e a única que sai 11 vezes por ano. Desde há cerca de cinco anos passou a editar uma newsletter diária, sendo também aqui pioneira em Portugal.

Do historial da Cargo Edições consta a realização de mais de uma vintena de colóquios em vários pontos do país, tanto nacionais como internacionais, com destaque, nestes últimos, para a International Port Training Conference, em 2005, que teve lugar em Setúbal, e a International Association of Maritime Economists 2010, em Lisboa, ambos realizados em cooperação com Ana Cristina Casaca.”

Nasceu em 1957 e faleceu no dia 24 de junho de 2012.

A nota curricular singela que se conhece, escrita pelo “Filipe Duarte”, espelha uma faceta da sua personalidade53 . Um homem de iniciativa que soube manter a revista CARGO focalizada, ultrapassando muitas vicissitudes, sempre preocupado em adaptar-se aos novos desafios colocados pelas tecnologias de Mídea, em busca de outras fontes e iniciativas que suportassem e alargassem a influência da revista. Em cada mês reclamava dificuldades. Uma luta persistente, resiliente e de sacrifícios.

53 Todos os textos que escrevo descrevem a narrativa no plural. Este centra-se no singular (Eu e Ele). Trata-se da minha experiência pessoal e conhecimento acumulado de muitas discussões controversas, informações e partilha de pontos de vista, ao longo de 15 anos.

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Conhecedor da debilidade da sua saúde enfrentava cada dia como se fosse a eternidade, com ânimo e espírito de missão, com plena noção de que nada resolveria deixando-se vencer pela adversidade quanto à irreversibilidade da sua doença. Apenas um transplante o salvaria e conseguiu-o no limite, após longo internamento. Depois de longa espera, por razões de compatibilidade com o doador, assumiu a vida como sempre o fez olhando para o futuro. Mas sabia claramente da fragilidade em que vivia. Fazia tudo, ou quase tudo, ou o que podia realmente fazer, como se estivesse a meio da maratona da vida, ao seu ritmo, mas com elevada energia.

A sua vida pessoal mais específica, no período mais cruel, tornou-se também adversa. Viveu nos limites da sobrevivência física e da resistência mental, de forma reservada.

Em minha opinião, apenas pessoas especiais resistiriam como ele o conseguiu, mantendo a lucidez e capacidade para superar o sofrimento físico e psíquico. O que acontecia, em cada momento, era sempre do passado. Simultaneamente conseguia impulsionar esse próprio momento para o futuro como se o passado não existisse, para onde canalizava toda a sua energia, perfeitamente consciente da elevada probabilidade de o momento seguinte deitar tudo a perder. Vivia com esperança, procurando disfrutar o dia a dia.

Eu falava-lhe com alguma regularidade. Mantinha-se atualizado. Apenas no período de internamento, por não conseguir respirar, falávamos breves momentos pedindo para enviar mensagens. Após a operação, no limite da sobrevivência, após tantos meses de espera, continuou igual a si próprio, realista mas a fazer o trabalho que sempre fez, com adaptações, certamente. Teve a lucidez, com tempo, de partilhar com a Susana Rebocho, soluções para a revista CARGO.

Espera-se que consiga prosseguir o projeto, sempre que possível melhorar, tendo a noção da necessidade de adaptação no tempo certo. Nada se consegue sem muito esforço, suor e, por vezes, muitas lágrimas. Não vale a pena queixarmo-nos das dificuldades e adversidades, sempre certas. O caminho reside na procura de soluções, sabendo que no centro estão sempre interesses diversos e perspetivas cruzadas, centrados em muitas almas e corações “donos” do mundo, orgulhosas e cheias de certezas. Pior, ainda, são aqueles “estômagos” sempre disponíveis e obedientes para se alimentarem, qualquer que seja a comida desde que a sirvam.

A afirmação da personalidade deriva de muitos fatores e características de comportamento dependente, entre outros, da cultura, instrução, conhecimento e experiências, de oportunidades surgidas, percecionadas e aproveitadas, de estímulos que orientam para iniciativas e, sobretudo, da mentalidade própria. Esta grande complexidade faz com que cada um seja diferente dos demais e se projete na sociedade de forma distinta, consoante as suas relações e como se observa e compreende o mundo, do nível de energia dedicado e decisões tomadas em cada momento. Na base residem valores, princípios e normas que cada um segue ou recusa e da capacidade para estimular e desenvolver interações ou de fomentar e motivar interesse nos outros.

O “Filipe Duarte” detinha, à sua medida, muitos destes requisitos. No essencial era um lutador confiante, com princípios e valores, ou pelo menos tentava defender e prosseguir nessa linha, contra a adversidade da vida profissional e pessoal, inclusive tendo em

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conta a doença que o perseguia, irreversível. Sempre com ESPERANÇA. Fomentava a relação num certo quadro de exigências, com lealdade e cumplicidade, que procurava assegurar ao longo do tempo. Ouvia de todos sem colocar em causa divergências de terceiros com quem privava informação e compreendia interesses. Reconheci-lhe grande sensibilidade ao nível dos relacionamentos. Detestava a ambiguidade e a falsidade. Exigia ser respeitado. Neste particular, sempre que não ocorria tomava posições e muitos não gostavam, no exercício do seu poder ou posição. No meu caso, foi sempre confiável na relação que mantivemos. Sinto que perdi alguém que estimulava o desafio e a informação conducente ao conhecimento, num setor marítimo-portuário que ainda não encontrou o seu modelo, adequado ao país.

Pensamentoeconhecimento

Compreender o “Filipe Duarte” exige, também, conhecer o seu pensamento e forma como percecionava os modelos de sociedade, com os seus valores e atribulações. Dispunha de pensamento próprio em muitos campo, especialmente no setor das atividades marítimas e portuárias e da atividade económica. Diremos que seria natural para alguém que lia, escrevia e discutia com tantas personalidades e especialistas. Vejamos o que pensava sobre a crise internacional que considerava, e muito bem, também na minha perspetiva, uma escada de interesses em que cada país mais forte em termos económicos procura subtrair interesses dos mais frágeis, colocando-os ao seu serviço. Trata-se do colonialismo moderno, descarado como sempre foi a atitude de quem detém a força. O que segue retrata em síntese uma realidade que muitos ignoram., referindo-se à crise mundial. “Toda esta crise não é mais, no fundo, que o fruto de uma nova distribuição da renda mundial com a chegada à mesa de novos comensais para a mesma quantidade de comida”. “ O Reino Unido, EUA, Alemanha, etc. querem que a parte que lhes toca do sacrifício seja satisfeita pela Espanha, Portugal, Grécia e países do Terceiro Mundo. Os EUA querem a Europa a pagar, a Europa rica quer que seja a Europa pobre a pagar. A manta já não dá para todos, para se cobrir a cabeça, têm que ficar os pés de fora…” (Editorial, Cargo, n.º 223, maio 2011).

Quanto à crise em Portugal, com grande lucidez fala do essencial e prognostica situações muito difíceis na senda de um passado relativamente recente que os cidadãos, em geral, não quiseram perceber em resultado da propensão para a ostentação e da ganância. A crise nacional “deve-se, aparentemente, ao excesso de dívida pública, que nos consome inexoravelmente o PIB, obriga o Governo a lançar mais e mais impostos. Esta receita não augura nada de bom…” “Uma família que gasta mais do que ganha está condenada à falência. No início poderá vender os anéis. A seguir hipoteca a casa e depois, já sem fontes a que recorrer… vai viver para debaixo da ponte, porque ninguém lhe emprestará dinheiro”. “Agora, descemos à terra. Vai ser preciso voltar aos sacrifícios dos tempos das vacas magras, que a geração dos mais velhos bem conhece. E que os mais novos vão aprender, quer queiram quer não, porque vamos arrastar a dívida como um grilhão” (Editorial, Cargo, n.º 217, novembro 2010).

Fala das consequências conducentes à pobreza dos cidadãos, à criação de pobres em elevado grau, precisamente o que as principais forças políticas nacionais sempre

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disseram querer resolver. A realidade sobrepôs-se e tem vindo a desmentir. A pobreza extrema voltou em extensão. Relaciona esse estado de pobreza com a decadência económica dos transportes de mercadorias e logística nacional. “Os constrangimentos financeiros que o país atravessa, têm originado uma série de cortes que estão a provocar, lenta e inexoravelmente, a asfixia do tecido económico…”. “No período anterior ao euro, o problema foi resolvido com a desvalorização da moeda nos países de economia mais frágil. Hoje, o único ajuste possível seria através da redução dos salários que… como diria La Palisse, vai fazer os pobres ainda mais pobres…”. “O que é que isto tem a ver com o transporte de mercadorias e com a logística? Não teria nada, não fora o facto do transporte e da logística serem uma atividade indexada ao consumo. E este estiola se o país entrar em «coma induzido», por redução dos salários” (Editorial, Cargo, n.º 220, fevereiro 2011).

A discussão dos grandes investimentos nacionais tem gerado grandes paixões e enormes interesses nacionais e estrangeiros. É normal. O que não é normal decorre da polémica baseada em critérios pouco claros, não por falta de conhecimento técnico de elevada qualidade mas pelo facto dos interesses se sobreporem sistematicamente ao interesse do Estado, com decisões atribularias. No caso específico do investimento na alta velocidade ferroviária (AV), depois de um modelo proposto em pi, ou L, ou T deitado, para cobrir todo o país com equipamentos Rolls Royce ultramodernos e velocidades de 350 Kms/hora, para distâncias curtíssimas, abaixo dos 300 Kms, ao nível da maior cobertura por quilómetro quadrado do mundo, sem que se disponha de uma rede ferroviária que cubra o país real, passou-se para opção quase zero (será zero). Sobre este tema escreveu o “Filipe Duarte”. “Já com o FMI dentro de portas, o país viveu mais um episódio (pouco) edificante sobre o projeto da alta velocidade ferroviária (AV): a desistência, melhor, o adiamento sine die da ligação entre Poceirão e Lisboa, o último troço da única linha que estoicamente se mantinha em cima das secretárias dos decisores”. “Mas para nós, que vivemos no mundo do transporte de mercadorias, a linha de AV era muito mais que a modernidade a entrar-nos portas adentro. Ela era a possibilidade de chegar ao mercado espanhol, e daí ao coração da Europa…” (Editorial, Cargo, n.º 222, abril 2011).

Alargando a discussão da alta velocidade ferroviária associada com opções logísticas envolvendo a criação da plataforma logística do Caia referiu o seguinte: “A Plataforma Logística do Sudoeste Europeu (PLSWE), que vai nascer em Badajoz, integra-se no eixo Lisboa-Madrid…”. Porém, “no âmbito do projeto de construção das estruturas transfronteiriças da linha de alta velocidade Lisboa-Madrid, Portugal obteve a localização, no Caia, da plataforma intermodal de tratamento de mercadorias…” “Pergunta-se: a construção da PLSWE, que dista menos de uma dúzia de quilómetros da plataforma projetada para o Caia, não será uma desnecessária duplicação de estruturas, que conduzirá inevitavelmente à falência anunciada de uma delas a curto ou médio prazo?” “Muito provavelmente, seremos confrontados com uma situação de facto consumado, que deitará por terra a construção da plataforma de Elvas/Caia” (Editorial, Cargo, n.º 219, janeiro 2011).

O “Filipe Duarte” tinha ideias próprias sobre os grandes temas e não fugia a tomar posição crítica sobre os mesmos, recorrendo ao editorial para estabelecer as orientações da revista. Algumas vezes confrontou-se com atitudes agressivas que lhe criaram sérias dificuldades, mas soube manter a sua linha editorial. Era o seu pensamento. Dispunha de

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conhecimento e assumia as opções de forma isenta e independente como se exige a um jornalista que se prese.

Assumiu-se sempre como jornalista independente. Nesta linha observe-se o que refere sobre um acontecimento político de grande alcance, envolvendo o setor rodoviário. “O país esteve sequestrado durante dois dias a meio de março, em virtude de uma jornada de luta dos empresários de transporte”. “Uma vez mais, o país viveu tristes cenas de selvajaria (praticamente) impune, com profissionais do volante a ser atacados pelas eufemisticamente designadas «comissões de luta» …”. “Representantes das três associações empresariais irmanaram-se nos protestos, que não nas exigências”. “O Governo cedeu em tudo, menos no que para as duas era o mais importante – o preço do combustível que, em Portugal, é dos mais altos que se pratica na Europa. Isto é, tudo ficou praticamente na mesma” (Editorial, Cargo, n.º 221, março 2011).

Incentivava a cooperação com os países da CPLP. Neste particular enalteceu a iniciativa dos encontros portuários. “O III Encontro dos Portos da CPLP, que Luanda acolheu neste início de dezembro, confirmou definitivamente a valia de tal iniciativa, a que Portugal deu o tiro de partida há dois anos, em Leixões. A semente germinou…” (Editorial, Cargo, n.º 218, dezembro 2010).

Outro tema na agenda política ao nível mais elevado da hierarquia do estado era e é ainda o «MAR». Considera, no entanto, a forma como está a ser tratado redundar numa quimera. “De há uns tempos para cá, o mar passou a figurar na agenda de (quase) todos os políticos e opinion makers como o último trunfo de um baralho em que só nos têm saído duques e… cenas tristes…” “Porque não voltamos nós ao mar? O que nos impede?” “O mar funciona hoje para nós como um refrigério…” “Pena é que as coisas não sejam tão lineares, e que o nosso regresso ao mar, salvo num ou outro aspeto marginal, não passe de uma quimera” (Editorial, Cargo, n.º 216, outubro 2010).

Entre tantos e tantos temas abordados na sua linha editorial escolheram-se apenas alguns circunscritos ao período final da sua atividade editorial, entre setembro de 2010 e maio de 2011 (9 revistas). Entre esses temas encontra-se o das Autoestradas do

Mar. Sem tergiversações esclarece em poucas palavras o essencial para compreender as razões porque não se concretizam. “Mais uma vez veio ao de cima a dificuldade em estabelecer serviços marítimos pendulares rápidos, fiáveis e atrativos para os carregadores e transportadores terrestres…” porque “os armadores recusam-se, e estão no seu direito, a pagar do seu bolso o funcionamento da A.E. do Mar”. Pretendem na cintura de navegação «intraeuropeia» que sejam “ dispensados de toda a panóplia de controlos de segurança e sanitários, no cotejo com o rodoviário”. “Sem isso, que se reivindica há mais de duas décadas, o navio nunca mais largará verdadeiramente as amarras” (Editorial, Cargo, n.º 216, setembro 2010).

Estes excertos não pretenderam senão evocar facetas do pensamento do “Filipe Duarte”, para que fique registado tratar-se de um jornalista íntegro, independente e consistente, com conhecimento profundo sobre uma plêiade de temas e assuntos que ultrapassam a especialidade da atividade dos portos, transportes e logística. Conseguia

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fazê-lo com ideias precisas e em poucas palavras. Fica para a sua memória e o grande respeito que lhe devotava. Este breve registo significa a minha homenagem ao HOMEM e ao PROFISSIONAL.

Uma última palavra de incentivo para a Susana Rebocho e equipa, no sentido de continuar o projeto. Vale a pena seguir um caminho sério. É uma opção com custos não despiciendos. No final da linha muitos, certamente atentos, apreciarão com profundo respeito. Será sempre um caminho difícil.

Lisboa, 17 de julho de 2012

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10. TRABALHOS DE INVESTIGAÇÃO

10.1 Fusão dos Portos de Lisboa e Setúbal, partilha de um hinterland comum

Fernanda N. Ferreira

A questão principal deste trabalho reside em analisar a viabilidade da fusão dos portos de Lisboa e Setúbal na perspetiva de partilha de um hinterland comum, com base no ponto de vista de profissionais da área marítima e portuária.

Relevânciadotema

O desenvolvimento das atividades que se exercem no mar e nas zonas costeiras é, simultaneamente, uma oportunidade e um desafio para País. Portugal atualmente dispõe de oportunidades no setor marítimo-portuário, exigentes na implementação de uma estratégia nacional, que assegure a articulação entre todos os agentes, aproveitando o que cada um tem de melhor e para o que está maioritariamente vocacionado.

O interesse crescente de Portugal pelos assuntos do mar não constitui novidade contemporânea, muito embora atualmente assuma um papel mais vincado, em virtude da urgente necessidade de alavancagem económica que o País carece, considerando que uma nova aposta no Mar pode significar uma parte da solução.

Este interesse tem-se vindo a confirmar através do surgimento crescente de uma linha de pensamento promovida por diversos setores da sociedade civil com raízes académicas associativas e empresariais, as quais se constituem como motores do desenvolvimento de estudos económicos, iniciativas empresariais e apostas abrangentes no setor. Existem políticas de iniciativa governamental que, posicionam o mar como pilar estruturante de uma economia sustentável.

As zonas costeiras onde se localizam os portos marítimos, detêm papel preponderante na economia do Mar, a par da importância para a componente empregadora,“ (…) para além do emprego associado direta e indiretamente a estas atividades, o mar e as zonas costeiras têm um papel essencial no bem-estar e qualidade de vida da sociedade (…) ” (Gomes, 2007:5).

Assim, pretende-se destacar que existem mais-valias a retirar da otimização de recursos, sejam eles de caráter humano, financeiro, entre outros tantos.

Os portos nacionais necessitam de agilizar os seus processos (Quaresma Dias, 2003), em todas as áreas, para uma maior eficácia dos seus recursos, e é nesta perspetiva que se enquadra uma eventual fusão entre os Portos de Setúbal e Lisboa na partilha de um hinterland comum. Contudo, de acordo com o Presidente da Associação Comercial do Porto, não existem modelos de fusão nos principais portos europeus. De facto, esta Associação solicitou um estudo à Universidade Católica, por forma a comparar os modelos de governação existentes nos países europeus. O referido estudo demonstra que não existem modelos de fusão - “ (….) aquilo que o estudo da Universidade Católica demonstra

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é que, bem pelo contrário, em cada um dos países os portos são complementares ou concorrentes entre si, havendo naturalmente depois uma coordenação (…) “ (Moreira, 2012).

Os portos mais centrais do País podem reunir esforços e sinergias para se complementarem entre si, e o Porto de Lisboa e o Porto de Setúbal podem ser disso um bom exemplo de partida. Os portos podem então criar relações de sinergia e tornarem-se complementares, quer pelos serviços que prestam, quer pela sua posição geográfica.

O Porto de Setúbal é líder no segmento de carga Roll On-Roll Off e tem potencialidades para receber mais carga contentorizada, sendo que detém zonas logísticas no seu hinterland que podem ser aproveitadas e dinamizadas. Este porto dispõe ainda de boas acessibilidades terrestres, não criando zonas de conflito com as principais vias terrestres da cidade, permitindo o descongestionamento de trafego com a movimentação de carga que realiza, resultante da sua atividade logística. Por outro lado, o Porto de Lisboa encontra-se congestionado em face das suas difíceis acessibilidades terrestres, estando ainda limitado o seu crescimento, uma vez que não possui áreas de expansão próximas, sem que as soluções possíveis (eventuais obras no terminal de Alcântara ou um novo terminal de contentores na Trafaria) não possam significar investimentos bastante consideráveis, em termos financeiros.

A sinergia possível entre os portos de Lisboa e Setúbal, como a partilha de um hinterland comum, pode visar ganhos conjuntos. Possibilita, por um lado, ao Porto de Setúbal rentabilizar a sua oferta de terrenos logísticos e viabilizar a extensão do Porto de Lisboa. Assim, será possível um vasto campo de atuação e fomentar o trabalho em equipa (com processos multidisciplinares e de produtividade).

Metodologia

De modo a realizar a análise sobre o tema em causa, desenvolveu-se um plano de estudos com uma metodologia de investigação qualitativa, no que respeita tanto à recolha de dados como à sua análise. Foram assim recolhidos e analisados dados primários, através de um questionário aberto e semiestruturado. Relativamente à análise dos dados foi realizada a análise de conteúdo.

OquerefereaLITERATURA

OrientaçõeseestratégiasdasPoliticasparaoMar

A crescente importância do tema do Mar em Portugal permitiu a elaboração de várias orientações, quer políticas, quer estratégicas de como estruturar e aproveitar todo o potencial do Mar. Efetivamente, a nível nacional existem diretrizes sobre este tema, sendo que os sucessivos Governos têm intenções de realizar um mega projeto logístico a longo prazo, extensível a mais de 20 anos em articulação com algumas medidas mais imediatas que visem uma maior dinâmica da logística interna (Quaresma Dias, 2003). Os portos

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nacionais, consequentemente terão um papel importante a desempenhar, por forma a aumentar a eficácia das empresas já instaladas e promover em simultâneo a implantação de outras empresas.

No setor marítimo portuário (importante elo das cadeias logísticas em estudo neste trabalho, na componente dos portos) observam-se também a nível internacional, politicas europeias que pretendem dinamizar toda a Economia do Mar. A comissária Europeia para os assuntos do Mar, em declarações na 1ª Conferência do Atlântico, dizia a propósito desta “vaga” crescente sobre a importância do Mar, que as atividades marítimas no seu todo empregam em toda a Europa mais de 2 milhões de pessoas, permitindo assim ter uma visão da representatividade da Economia do Mar (Damanaki, 2011).

A salientar, a existência de políticas europeias afetas ao Mar e diretamente relacionadas com Portugal como; a extensão da plataforma continental portuguesa (o aumento de área na fachada atlântica) e a otimização do transporte curta e média distância. Referenciam-se ainda documentos de orientação como o “Livro Branco dos Transportes-Horizonte 2050” e o Livro Verde da Política Marítima Europeia. Quanto às novas formas de governação marítima, essas obras referem que os novos modelos de governação devem ser transversais seja a nível nacional, europeu ou mesmo internacional, dando uma orientação clara sobre o caminho a seguir.

Nesta linha de estratégias para o Mar, a nível nacional existem já orientações, através de documentos como o Hyper Cluster da Economia do Mar (conjunto de entidades relacionadas entre si, que visam ganhos conjuntos), Orientações Estratégicas para o Setor Portuário do MOPTC, a Estratégia Nacional para o Mar e o PET-Plano Estratégico dos Transportes, que mais em detalhe se dá nota neste trabalho, e que nos remetem novamente para uma otimização e partilha de recursos disponíveis.

O MOPTC elaborou um documento orientador denominado, “Orientações estratégicas para o Setor Marítimo Portuário” (2006), em que refere a necessidade de potenciar o desempenho competitivo do sistema portuário. Acrescenta ainda o referido documento, que devem existir soluções de “gestão colaborativa ou integrada”, onde a visão de fusão pode ter enquadramento.

Ainda o documento “Estratégia Nacional para o Mar” do Ministério da Defesa Nacional (2006), refere que é necessária política de otimização dos recursos existentes, na ótica de partilha de todos os meios disponíveis.

O PET-Plano Estratégico dos Transportes (2011) faz o enquadramento dos portos portugueses em que refere a importância do setor marítimo-portuário em Portugal, com a prioridade que se atribui ao setor no contexto das políticas públicas, recomendando inclusive também a otimização de recursos.

SetorMarítimoPortuário

O setor Marítimo Portuário, em estreita ligação com os Transportes Marítimos, é uma importante componente da Indústria do Mar, sendo que a Economia do Mar depende

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em boa parte dessa componente, através das ligações a todos os territórios e todos os continentes. Para Portugal, esta componente é da maior relevância, dado que a maior parte das exportações são realizadas por via marítima,” Grande parte das mercadorias chega por via marítima e, ao nível das exportações (…) ” (Pereira, 2011). Assim é necessário um bom desempenho dos portos, para que dinamizem e promovam ações que ajudem a alavancar o setor marítimo-portuário e os fluxos de comércio internacional.

A agilidade dos portos nos seus processos, na desburocratização dos seus procedimentos permite que as cargas neles movimentados circulem mais rapidamente, possibilitando um maior desembaraço de mercadorias e evitando congestionamentos.

Este setor de atividade é inequivocamente representativo da maior importância estratégica para qualquer Estado, tanto no que concerne à sua atividade macroeconómica bem como á atividade macrologística. De facto, segundo Quaresma Dias (2003), o transporte marítimo de curta distância, associado intermodalmente ao rodoviário, poderá constituir uma excelente solução de compromisso. Adicionalmente, a Secretaria de Estado dos Transportes refere que, “O transporte marítimo, sendo o mais internacional meio de transporte de mercadorias, assume uma importância vital para o desenvolvimento económico, uma vez que grande parte das importações e exportações do comércio mundial é feita por via marítima” (MOPTC, 2006).

No contexto nacional, face à posição geográfica de relevo internacional que Portugal detém e à crescente utilização dos meios de transporte marítimos, (também e muito

incrementados pelas políticas ambientais internacionais), urge reavaliar o desempenho das infraestruturas marítimo portuárias, relativamente às respostas que podem dar à exigente procura neste setor de atividade económica.

A reavaliação do desempenho das infraestruturas portuárias, cabe não só às autoridades competentes, como a toda a cadeia de intervenientes presentes no setor marítimo portuário, cuja diversidade de agentes económicos é tanto alargada quanto a abrangência deste setor na economia (Nigra, 2010). Importa por isso repensar o papel dos portos nacionais por forma a otimizar os recursos que cada um dispõe e como pode servir a comunidade nacional e internacional.

Por conseguinte, cabe enumerar aqueles de relevância direta e essenciais aos aspetos funcionais de toda a cadeia de valor da estrutura do setor marítimo portuário, podem contribuir para essa reavaliação: Administrações Portuárias, Capitanias, Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, Serviços de Sanidade Marítima e Inspeção Veterinária, Terminais Portuários, Agentes de Navegação, Despachantes Oficiais, Transitários, Guarda Fiscal, Estivadores, Rebocadores, “ShipChandler” (empresas abastecedoras e de manutenção de navios), são alguns exemplos das entidades que operam no setor marítimo portuário, não descurando tantos outros que perifericamente também exercem a sua influência.

Numa visão sumária, sintetizando a identidade do setor marítimo portuário, pode afirmar-se que este se identifica com o entendimento que se faz da marinha mercante,

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nos transportes que lhe são conexos de pessoas e mercadorias, nas vertentes das vias marítimas e fluviais de navegação em rios, canais e lagos, bem como nas atividades de recreio e desporto, não esquecendo as ligadas ao setor das pescas.

Em face de tamanha abrangência sectorial é inegável a necessidade de repensar, por reavaliação, a modernização e adaptação do setor marítimo portuário às atuais exigências dos mercados internacionais, na procura de alavancagem económica interna e externa (Esteves, 2009). O setor marítimo portuário adquiriu um estatuto relevante nos últimos anos ultrapassando inclusivamente o setor rodoviário, que detinha outrora um papel dominante no quadro logístico internacional. A questão cada vez mais preocupante com o impacto ambiental e a emissão de dióxido de carbono para a atmosfera, influenciou uma nova realidade e os transportes rodoviários foram perdendo o seu domínio e dando lugar a um espaço de manobra para o transporte marítimo (Comissão das Comunidades Europeias, 2006).

O setor marítimo portuário tem vindo a beneficiar de investimentos que os portos, a nível mundial têm realizado, em capital humano e financeiro para melhorar as suas estruturas e permitir uma eficácia no manuseamento de cargas e descargas. Com esses investimentos os portos potenciaram também as ofertas logísticas adjacentes à sua periferia, com o armazenamento de várias tipologias de produtos, tornando assim as zonas portuárias num importante elo da cadeia logística. Acrescente-se que, o polo portuário deve estabelecer ligações logísticas a outras áreas terrestres que acrescentem valor, em exemplo de armazéns. Deve ainda ter como objetivo prioritário, uma modernização com que vise a integração dos portos nos sistemas metalogísticos globais e que adicione valor às cadeias logísticas, (Quaresma Dias,2003).

O domínio crescente do setor marítimo portuário em Portugal apela a que se atente na costa marítima portuguesa, como uma frente comum marítima europeia, para que os portos nacionais possam servir a maior parte de Europa e que o foco seja no potencial logístico que possuem.

OsPortosMarítimos

Define-se por porto marítimo, a área que se localiza junto a um rio ou oceano, onde os navios acostam, permitindo que permaneçam imoveis e possibilitando desse modo que se realizem operações de carga, descarga e transbordo de mercadorias e passageiros, (Caldeirinha, 2006). Um porto marítimo define-se através da sua localização; posição geoestratégica no quadro nacional; componente técnica (meios de que dispõe); e área logística complementar. Desse modo, “os portos têm como principal missão servir os navios…” (Caldeirinha, 2006:73).

Os portos são geridos por Administrações Portuárias (Sousa, 1994) e essas entidades têm como principal missão: assegurar a segurança no acesso a navios, através de trabalhos de dragagens; a defesa do meio ambiente; o garante das acessibilidades rodoviárias e ferroviárias; controlar e regular os serviços das empresas que prestam serviços ao porto (em exemplo, empresas de reboques, empresas de amarração); atrair novos clientes.

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Cada porto inclui atualmente um cabaz de produtos ou serviços oferecidos num local dotado com infraestruturas e meios e presta serviços necessários ao navio e à carga, aos quais acrescenta valor.

Os portos modernos passaram a ser ainda locais onde se cruzam cadeias logísticas,

e nos quais, ou junto aos quais, as mercadorias sofrem diversos processos de alteração da forma ou de conteúdo, aproveitando a proximidade ou a estadia em trânsito por mar ou terra para outros lugares. Os portos são ainda entidades que desempenham cada vez mais um dos importantes elos da cadeia logística para o fornecimento de serviços logísticos (Caldeirinha, 2010).

Quaresma Dias (2003:320) salienta ainda quanto à relevância dos portos como elos da cadeia logística, que “A economia e Logística como as faces da mesma moeda de criação e potenciação de riqueza ou portos logísticos como novo paradigma de vantagem competitiva das nações que sabem dar valor ao seu «mar» envolvente global”.

O objetivo de um porto marítimo antes de mais deve ser satisfazer o cliente que nele opera (por exemplo, um exportador ou armador). Para tal deverá adaptar os seus serviços às necessidades do cliente, através de fatores como a qualidade de serviços, uma adequada fatura portuária, a integração na cadeia logística a montante e jusante, (Bandeira, 2009). Assim deve visar a procura de soluções e ir ao encontro das necessidades específicas que o cliente tem e precisa, numa relação cliente-porto, sendo que em redor dos portos (área de hinterland) existe uma significativa quantidade de pequenas e médias empresas que funcionam em rede e colaboram entre si. É por isso relevante a dinâmica da relação portos e tecido empresarial (Quaresma Dias, 2012).

Os portos desempenham um papel essencial na cadeia logística agregando valor ao nível das importações e exportações. São por isso motores de desenvolvimento de várias operações e processos logísticos que fomentam um desenvolvimento sustentável para a economia gerando postos de trabalho. Refira-se que (Quaresma Dias, 2003:220) “ (…) um porto não é propriamente um elo; pode ser. Mas pode também ser um interface cujo funcionamento é a resultante de um conjunto interior e complexo de sistemas e subsistemas, influenciando a cadeia envolvente, a montante e jusante, comportando-se como uma rutura de tração na circulação do conjunto”.

PortosMarítimosemPortugal

A rede nacional de portos em Portugal classifica-se em portos principais e portos secundários, em face do volume de carga que movimentam. Os portos de, Lisboa e Setúbal fazem parte dos denominados portos principais. Na figura 1 identificam-se os vários portos nacionais, plataformas logísticas e rede de alta velocidade.

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Figura 1 - Mapa dos Portos Marítimos em Portugal

Fonte: estivadoresaveiro.blogspot.pt

Aprofundando a caracterização dos portos nacionais nota-se que detêm uma importância relevante face às tonelagens de carga que movimentam, significando por isso que são um motor impulsionador da economia nacional, através das suas trocas comerciais com outros países através das importações e exportações. De acordo com Cunha (2004:48),“Se hoje os portos nacionais são basicamente utilizados para as nossas trocas comerciais e para servir os hinterland regionais que os circundam, (…)” potenciando deste modo toda uma economia de escala, na indústria do Mar.

O movimento de mercadorias (carga geral, graneis sólidos e graneis líquidos) que foi registado desde início de 2012, nos portos nacionais, está na ordem dos 35 milhões de toneladas, tabela 1. Através dessa tabela pode ainda observar-se que os granéis líquidos registaram 39,1% do movimento total; a carga geral registou 35,5% os granéis sólidos 25,3%; O Porto de Sines é o que apresenta um maior número de tonelagem movimentada com 40,7 % do total.

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Tabela 1 – Movimentação de mercadorias (1º semestre 2012)

Fonte: IPTM

Nos gráficos seguintes (figura 2) pode verificar-se a posição do Porto de Lisboa e do Porto de Setúbal no contexto nacional, em face das diversas tipologias de carga movimentadas no mês de junho de 2012. No que concerne ao movimento de mercadorias por porto a nível nacional, pode observar-se que o Porto de Lisboa e o Porto de Setúbal têm movimentos de carga semelhantes diferenciando-se essencialmente na carga geral, onde o Porto de Lisboa tem maior expressão. No entanto, no que respeita ao movimento por porto e tipo de mercadoria, no total a nível nacional, observa-se que, tanto o Porto de Lisboa como o Porto de Setúbal estão razoavelmente equiparados, relativamente aos seus movimentos em carga geral (Anexos 5, 6 e 7).

Figura 2 - Movimentos dos Portos Nacionais

Viana do Castelo Douro e Leixões Aveiro Figueira da Foz Lisboa Setúbal SinesCarga Geral 161 689 3 342 892 652 653 584 824 2 896 192 1 583 936 3 232 017 12 454 203 35,50%Granéis Sólidos 78 372 1 173 478 486 635 316 756 2 423 095 1 565 731 2 839 748 8 883 815 25,30%GranéisLíquidos 19 900 3 772 321 522 707 6 889 894 232 291 404 8 210 204 13 717 657 39,10%

259 961 8 288 691 1 661 995 908 469 6 213 519 3 441 071 14 281 969 35 055 675 100,00%0,70% 23,65% 4,70% 2,60% 17,70% 9,80% 40,70% 100%

Total

Total

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Fonte: IPTM

Pode concluir-se deste modo que os portos nacionais movimentam um número significativo de toneladas de carga e que os portos de Lisboa e Setúbal na totalidade dos seus movimentos conjuntos têm um papel importante nesta cadeia logística portuária (Belmar, 2012).

PortodeLisboa

O Porto de Lisboa teve o seu grande desenvolvimento após o início do transporte de mercadorias por contentores na década de 70, especializando-se e adaptando-se às realidades evolucionistas do comércio internacional, providenciando o início do importante hub logístico que representa atualmente na região metropolitana de Lisboa (Anexo 1).

Situado no entrosamento das principais rotas marítimas do Atlântico, o estuário do rio Tejo (bacia hidrográfica com 32000ha de área) confere ao Porto de Lisboa condições naturais de navegabilidade que permitem o tráfego de qualquer tipo de navio ao longo de uma parte significativa do rio Tejo, bem como entre as duas margens do estuário.

O Porto de Lisboa detém uma excelente posição geográfica no panorama nacional, na Península Ibérica e na Costa Atlântica portuguesa, mas está congestionado face às suas acessibilidades terrestres (Caldeirinha,2006). Este porto tem o seu crescimento condicionado a possíveis melhoramentos de Alcântara, ou até na possibilidade de um novo terminal na Trafaria (em fase de estudo a viabilidade da sua construção).

As atividades do Porto de Lisboa, embora tuteladas pelo Ministério das Obras Públicas e Comunicações, através da Secretaria de Estado dos Transportes, são geridas pela sociedade anónima APL – Administração do Porto de Lisboa, SA. Por conseguinte, a

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APL é dotada de autonomia na gestão de todos os seus recursos, humanos, financeiros, patrimoniais e comerciais, assumindo assim os riscos, custos e proveitos inerentes às suas atividades económicas, promovendo-se e promovendo os seus ativos de forma isolada.

Conforme o plano estratégico do Porto de Lisboa, a dotação dos mais recentes equipamentos, métodos e processos para a operação das suas atividades portuárias, bem como de terminais aptos à receção dos diversos tipos de carga, distribuídos pelas duas margens do estuário do rio Tejo, confere ao porto de Lisboa a aptidão necessária na resposta e exigências dos seus utilizadores (APL,2007).

O Porto de Lisboa possui vários terminais, com diversificadas valências, conforme se dá nota na tabela 2.

Tabela 2 – Terminais do Porto de Lisboa

Fonte: MOPTC

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As valências dos terminais do Porto de Lisboa vão desde a movimentação de carga Roll-On Roll-Off, passando pela movimentação de granéis líquidos combustíveis até à limpeza e desgaseificação (Anexo 2).

Desses terminais, para além de dois Terminais de Cruzeiros, destacam-se, o terminal de contentores de Santa Apolónia (TCSA), terminal de contentores de Alcântara (TCA), terminal Multiusos do Beato (TMB) destinado a carga de granéis sólidos e fracionada, terminal multiuso do Poço do Bispo (TMPB) destinado a carga de granéis sólidos e fracionada, terminal de granéis sólidos do Beato, terminal de granéis sólidos agroalimentares da Trafaria e o terminal de granéis alimentares de Palença, todos eles a operar em regime de concessão.

O Porto de Lisboa está ainda extraordinariamente vocacionado para o turismo de cruzeiros. Prova disso é o que se tem vindo a observar nos últimos anos. A chegada de navios de cruzeiros à capital, movimentando e fomentando uma outra Economia do Mar - o Turismo de Cruzeiros, que potencia toda a economia vocacionada para o setor do turismo. No entanto, torna-se necessário reavaliar as acessibilidades terrestres comuns às áreas do Porto de Lisboa, onde confluem simultaneamente camiões com carga e autocarros com turistas, sendo que parte de estes últimos advém dos cruzeiros que escalam o Porto de Lisboa.

O Porto de Lisboa encontra-se congestionado e asfixiado sendo que as atividades da cidade o absorvem, salientando ainda que as atividades logísticas e portuárias afetas à movimentação de cargas devem ser transferidas para outro local, preferencialmente fora da cidade de Lisboa (Caldeirinha,2006:68).

As autarquias e alguns grupos de cidadãos tomaram já iniciativas que vão no sentido de desativar parte da atividade comercial do porto de Lisboa, para naturalmente fomentar a vinda de mais navios de cruzeiros ao porto. O futuro do Porto de Lisboa estará garantido em boa parte através mercado dos navios de cruzeiros, segmento onde já é o primeiro porto da Costa Atlântica da Europa (Quaresma Dias, 2003:267).

PortodeSetúbal

Na sua génese este porto está intrinsecamente ligado à origem da cidade, dando mote ao início da constituição da cidade de Setúbal através da radicação de populações que, para esta afluíram na procura de labores ligados às atividades comerciais marítimas (Anexo 3).

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O Porto de Setúbal está situado na abrangente área metropolitana de Lisboa e Vale do Tejo, concedendo ao porto e às suas atividades marítimo portuárias, espaços de atuação mais alargados, em face do vasto território onde se insere.

As atividades do Porto de Setúbal, embora tuteladas pelo Ministério das Obras Públicas e Comunicações, através da Secretaria de Estado dos Transportes, são geridas pela sociedade anónima APSS – Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, SA.

Por conseguinte, a APSS é dotada de autonomia na gestão de todos os seus recursos, humanos, financeiros, patrimoniais e comerciais, assumindo assim os riscos, custos e proveitos inerentes às suas atividades económicas, promovendo-se e promovendo os seus ativos de forma isolada.

Integrado no meio urbano da cidade de Setúbal e estendendo-se por 12 quilómetros na direção nascente da península da Mitrena, este porto detém uma ampla área disponível ao acondicionamento de cargas, a qual se encontra subaproveitada e detém ainda a caraterística de dispor de boas vias de acesso terrestres, rodoviárias e ferroviárias (Lopes, 2010). Esta característica confere-lhe ausência de conflitualidade com o meio urbano. Refira-se que (Quaresma Dias, 2003:267) ”Quanto a Setúbal possui a maior oferta de terraplenos do País, tem muita área de expansão, é polivalente, tem boas acessibilidades terrestres (…) ”.

Da sua posição geográfica privilegiada, distando apenas 40 quilómetros a sul de Lisboa, a qual se constitui numa referência Ibérica, destacam-se as características naturais do estuário do rio Sado que, muito embora limitado nos seus metros de calado, não inibem o Porto de Setúbal ser uma excelente opção de ancoragem.

O Porto de Setúbal está dotado de uma estrutura de terminais de carga, associada

às indústrias envolventes, sublinhando valências bastante vincadas desde o segmento roll-on rol-off até às cargas de produtos perecíveis. De dar nota que se encontra também sob a jurisdição da APSS o Porto de Sesimbra, existindo para além dos terminais de carga, outras infraestruturas relacionadas com o setor das pescas, turismo e recreio náutico.

O Porto de Setúbal compreende um leque de vários terminais com características específicas de que se dá nota através da tabela 3.

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Tabela 3 – Terminais do Porto de Setúbal

Fonte: MOPTC

Dos terminais concessionados, referem-se os terminais zona 1 e 2, Tersado e Sadoport, terminal AutoEuropa – Roll-on Roll-off e Sapec – granéis líquidos e sólidos, como os terminais que movimentam mais cargas (Anexo 4).

O terminal da Auto-Europa torna o porto de Setúbal, um porto característico, líder no segmento de carga Roll On-Roll Off, (Lopes,2011).

O crescimento do Porto de Setúbal pode estar condicionado sendo que está localizado entre outros dois grandes portos nacionais, Lisboa e Sines. Não obstante a sua localização, poder constituir um enorme desafio, pode significar uma estagnação, tornando difícil o seu crescimento, nomeadamente na vertente contentorizada.

A limitação do seu calado atual, constitui também um desafio, sendo que (Quaresma Dias, 2003:267) “ (…) os seus fundos na barra estão dimensionados apenas a (-12) m ZH

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numa largura de 200m e (-11) m ZH no canal norte (…) ”, impossibilitando o recebimento de navios de grande porte, dando como exemplo o Porto de Lisboa com receção de navios de calado de 15,5m.

Refira-se que o Porto de Setúbal serve essencialmente o tecido empresarial da sua região, sendo um polo dinamizador e atrativo para as empresas exportadoras que gravitam à sua volta, como é o caso da Auto-Europa, da Portucel e da Secil.

A oferta logística do Porto de Setúbal pode representar a alternativa ao congestionamento de movimentação de carga do Porto de Lisboa, “ (…) movimentação de cargas, devem ser transferidas para outro local, preferencialmente fora da cidade, podendo o Porto de

Setúbal ser essa nova localização, fora da cidade de Lisboa (Caldeirinha, 2006:68).

AtualmodelodegovernaçãodosportosemPortugal Atualmente o modelo de governação de portos vigente em Portugal assenta em sete

autoridades portuárias; Viana do Castelo e Leixões; Aveiro e Figueira da Foz; Lisboa; Setúbal; e Sines. A entidade reguladora dos portos nacionais é o IPTM- Instituto Portuários dos Transportes Marítimos.

Este modelo atual reside essencialmente no critério de autonomia de cada porto, mas não dá resposta a uma coordenação eficaz e eficiente de recursos que possam ser partilhados, como o caso concreto dos portos de Lisboa e Setúbal que detêm um hinterland comum (Caldeirinha, 2012a).

O Porto de Lisboa e o Porto de Setúbal são atualmente geridos por administrações portuárias independentes, sendo assim autónomos, ainda que ambos sejam tutelados pelo Estado. Deste modo não aproveitam os seus recursos conjuntos, como o hinterland, sendo que distam entre si apenas cerca de 40 quilómetros (Belmar,2012).

Modelodosportosfranceses-HAROPA

Os portos devem cooperar entre si, sendo competitivos a nível internacional, mas partilhando e promovendo a nível nacional sinergias, por forma a ajudarem-se mutuamente.

Existe já uma situação semelhante a um modelo de fusão, união entre portos, a nível internacional através do modelo da HAROPA (junção dos portos franceses de Le Havre, Rouen e Paris). Neste caso foi possível um modelo de fusão/união entre os três portos, que tendo obviamente as suas especificidades, demonstram que é exequível a partilha de um hinterland comum entre portos.

Estes três portos têm em comum e como recurso primário da sua existência a via de comunicação fluvial em que se constitui o rio Sena (Amaral, 2012). O rio Sena, através das suas características naturais, (776 quilómetros de via fluvial navegável que culmina no Oceano Atlântico, com ligação direta a Inglaterra) concede a estes três portos, uma mais-valia bastante significativa para o sucesso deste projeto de integração.

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A ideia de esta integração advém da necessidade de projeção à escala Europeia dos portos de Havre, Rouen e Paris, a par da necessidade de complementaridade na eficiente gestão de recursos entre estes três portos. Esta integração permitiu que os três portos se posicionassem como um importante hub marítimo da Europa.

Segundo Jean-Pierre Bernard, representante do porto de Le Havre, o principal objetivo desta integração, era possibilitar promover os três portos com um complexo, “ (…) apresentá-los, tanto internamente quanto no exterior, como um grande complexo portuário e importante hub marítimo da Europa”, mencionando ainda que os três portos se completam entre si e podem por isso apresentar soluções de serviços completas e integradas (Amaral, 2012).

O projeto HAROPA, apesar da sua ordem de grandeza e complexidade, acaba por ser simplificado através de uma visão diferente do modelo de gestão portuária, da qual resultou a constituição do agrupamento de interesses económicos em que se configura a HAROPA – Harbous of Paris, permitindo também a otimização de todos os recursos de cada um dos três portos. Esta visão é de tal forma dirigida à resposta concreta europeia que, não obstante o seu contexto económico, teve a particular atenção de que no próprio nome fosse passível de distinguir a identidade dos portos constituintes, através das suas iniciais silábicas - (HA) para Havre, (RO) para Roeun e (PA) para Paris.

A integração foi positiva para os três portos, sendo que foi direcionada a especialização

de carga de cada um, possibilitando apresentar serviços em conjunto para o exterior, tendo isso vindo a representar uma mais-valia na promoção internacional (Bernard, 2012).

Na figura 3 observa-se a localização geográfica dos três portos, e a disponibilidade de recursos, e dos terminais, que rodeia cada um dos três portos.

Figura 3 – Mapa da localização dos portos que compõem a HAROPA

Fonte: Guia Marítimo

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O modelo da HAROPA vem assim permitir, através de sinergias dos recursos diferenciados e da sua complementaridade, a obtenção de ganhos de eficiência que vão para além da gestão interna da organização, facultando proveitos significativos a todo o tecido empresarial externo que lhe é adjacente.

Este modelo integra portos com complementaridade semelhante aos portos em estudo neste trabalho, sendo que partilham de igual modo um hinterland comum constituindo por isso um exemplo de modelo em destaque.

A HAROPA é assim um agrupamento de interesses económicos, o qual envolve por participação ativa todos os intervenientes das atividades portuárias, otimizando e partilhando recursos, tornando-o num projeto de sucesso competitivo.

Existem outros modelos internacionais que evidenciam a modernização e dinamização dos portos, como os modelos do Reino Unido, Espanha e China. Embora distintos entre si e nas prioridades, dimensão e presenças internacionais, bem como nos aspetos políticos que lhes são implícitos, individualmente não deixam de encerrar aspetos a observar:

- No modelo do Reino Unido, enfatiza-se o aspeto liberatório deste, constatando-se

a tendência para a privatização total dos serviços portuários, não obstante o papel regulador e fiscalizador do Estado estar devidamente assegurado;

- No modelo Espanhol, (Puertos del Estado) observa-se uma gestão portuária autónoma, descentralizada regionalmente dos poderes centrais do estado, no entanto afeto a esses quanto às orientações de caráter objetivo e generalista, na coordenação das atividades portuárias;

- No modelo Chinês, embora munido de aspetos autocratas, não deixa de revelar características interessantes quanto à forma que, lhe caracteriza algum grau de autonomia e disciplinas metodológicas que o direcionam no sentido da integração internacional indispensável ao setor e à presença externa da própria economia chinesa, protegendo e alavancando a sua economia interna e regional.

Em nota conclusiva aos modelos de governação anteriormente referidos, importa continuar a referir que se deve atentar às particularidades de cada porto e analisar qual o modelo correto a aplicar em cada caso.

Modeloproposto-Fusão,paraapartilhadeumhinterlandcomum

Neste trabalho é perspetivada a possibilidade de uma fusão entre os portos de Lisboa e Setúbal, num modelo que visa a partilha de um hinterland comum. Um modelo de fusão concreto em todas as suas vertentes seja por incorporação ou concentração visa a partilha de todos os recursos (sejam eles, humanos, estruturais, financeiros entre outros). O modelo de fusão deverá ser objeto de um estudo por parte da tutela, porque se trata de duas empresas do setor público do estado.

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A opção em estudo recaiu na vertente que pode para já ser explorada, propondo um modelo de fusão que vise a partilha do hinterland. A partilha do hinterland visa otimizar não só o espaço disponível que o Porto de Setúbal detém, como possibilitar ao Porto de Lisboa utilizar esse mesmo espaço disponível, sendo que a sua possibilidade de expansão é diminuta, senão mesmo inexistente. Pode evitar-se assim que tenham de ser efetuados elevados investimentos.

Os novos modelos de governação dos portos que se entendam aplicáveis mediante as circunstâncias e características específicas de cada porto devem visar antes mais as condições de cada porto (Caldeirinha, 2012b), tais como:

- Posição geográfica, a área onde se encontram inseridos e os meios logísticos que disponibilizam;

- A economia local, com base nas empresas exportadoras que o circundam (como é o caso concreto do porto de Setúbal);

- A satisfação do cliente, indo ao encontro das suas necessidades especificas.

Ainda, segundo Langen (2004), para além dos fatores como a localização e as acessibilidades marítimas, os modelos de governação dos portos são de extrema importância no desempenho dos mesmos.

Presentemente, existem recomendações nacionais e internacionais sobre a possibilidade de modelos de governação dos portos, alternativos aos atuais em vigor, sendo possível aumentar a colaboração entre os portos portugueses, permitindo também sinergias como a partilha de recursos administrativos comuns. Saliente-se ainda que devem ser definidos os modelos a seguir, mediante alguns critérios como; a proximidade; a agilidade; a autonomia e a estratégia comum. Esses, sendo objetivos partilhados pelos portos, à partida remetem para uma colaboração viável.

Assim e ainda no contexto de evidenciar a necessidade de adequar um modelo de governação a cada porto, deve observar-se cada realidade em particular e a política nacional do Estado em geral, a par dos interesses locais e regionais das comunidades onde os portos estejam inseridos (Felício, 2011).

Lopes (2010) salientou a importância da dimensão da plataforma portuguesa, face à sua tipologia e à qualidade dos seus recursos, englobando os portos marítimos nacionais no que considerou ser, “ (…) um novo paradigma para o desenvolvimento da economia portuguesa.”. O autor referiu ainda a importância para o futuro do País, do que essa aposta na Economia do Mar, pode significar, “o mar tem todas as condições para constituir um dos motores da sua dinamização no futuro”.

Os portos, parte integrante da Economia do Mar, através de uma visão distinta sobre o setor, podem demonstrar que da associação de fatores sinérgicos a par da inovação e da otimização dos recursos disponíveis, é possível uma produção de melhorias de operacionalidade e rentabilidade.

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Segundo Quaresma Dias (2003), é necessário produzir o mesmo, mas com menos recursos humanos, permitindo desse modo o aumento da produtividade portuária, remetendo para alguns anos mais tarde, aquilo que considera o problema da solvência das sociedades anónimas, como é o caso dos portos em Portugal. Refere ainda que o risco de falência técnicas dessas sociedades anónimas, que gerem os portos pode vir a ser uma realidade em algumas das administrações portuárias, caso não sejam encontradas soluções, que visem aumentar a produtividade dessas sociedades, por forma a otimizarem os recursos portuários existentes.

Posto isto será possível encontrar uma solução que permita uma maior agilidade do desempenho dos portos, permitindo um novo modelo de governação que fomente a colaboração entre os portos, beneficiando os portos para a otimização dos seus recursos e partilhando-os com outros portos, como o caso do hinterland comum.Segundo Caldeirinha (2012b), existem vários modelos de governação de portos que podem ser equacionados e aplicados mediante as necessidades e os fins a que destinam. Neste âmbito, o autor refere-se concretamente quanto ao modelo de fusão o seguinte, “Fusão dos portos em 3 ou 2 autoridades portuárias nacionais: (a) Norte e Centro; Lisboa e Setúbal; e Sul; (b) Norte e Centro; e Sul. Esta solução permite uma maior coordenação entre portos que estão próximos e que partilham hinterlands, conferindo massa crítica e harmonização, sem criar grande distanciamento, centralismo, nem ferir a agilidade e a autonomia de forma intensa.”. Concluindo que o foco deverá incidir numa maior cooperação entre os portos nacionais, sendo que o necessário, é existir mais cooperação a par de maior coordenação, reavaliando o atual modelo de governação, para uma eventual alteração mais profunda, e até centralizadora de um novo modelo de governação.

Quando é referido um modelo de fusão, podem existir vantagens e desvantagens que representem as fusões e aquisições entre entidades institucionais e/ou empresarias. Por vezes corre-se o risco de inutilizar a eficiência de uma estrutura menor, mais diferenciada na sua atuação, mais determinada e especializada no seu mercado e/ou atividade alvo, ao desvia-la para áreas que o seu conhecimento não domina, (Ferreira,2002).

Dos modelos instituídos de fusões dá nota o Código das Sociedades Comerciais, através da alínea a) e b), do n.º 4, do artigo 97.º, Capitulo IX, serem por incorporação ou concentração, os quais conforme definição dada e excluindo os pressupostos jurídicos, implicam sucintamente:

A. Na fusão por Incorporação, também designada por fusão-aquisição, uma determinada sociedade A, designada como sociedade incorporante, integra uma ou várias sociedades, por absorção do seu património. Pode-se assim representar este modelo de fusão, pela fórmula A+B=A.

B. Na fusão por Concentração, as sociedades fundem-se na constituição de uma nova sociedade, por transferência do património de ambas para a nova sociedade. Pode-se assim representar este modelo de fusão, pela fórmula A+B=C.

Esta interpretação é dada de igual modo por Neves (1999:12), dando nota dos modelos comuns para a fusões;

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“Fusão - Incorporação - através da transferência global do património de uma ou mais sociedades para outra que se designa sociedade incorporante. A sociedade incorporante entrega por contrapartida aos sócios ou acionistas das empresas incorporadas, quotas ou ações representativas do seu capital social, na base do valor atribuído durante as negociações ao património das empresas alvo em relação ao valor da incorporante;

Fusão - Concentração - mediante a constituição de uma nova sociedade para a qual se transferem os patrimónios das empresas fundidas e se atribuem aos sócios e acionistas da nova empresa as respetivas partes de capital em função do valor atribuído durante as negociações a cada uma das empresas a serem fundidas na nova sociedade. Para além das partes de capital podem ser atribuídas aos sócios das empresas incorporadas ou fundidas quantias em dinheiro que não podem exceder 10%.”.

Por outro lado, os conceitos atribuídos às fusões são flexíveis na combinação dos modelos a adotar, permitindo a variação para subformas por concertação entre as entidades intervenientes. Este aspeto particular interessa equacionar para o caso em estudo, ou seja, o da fusão por concentração na partilha do hinterland que é comum aos portos de Lisboa e Setúbal, bem como na partilha e complementaridade de recursos. Existem inúmeras expressões para referir um conjunto de realidades, que representem ações de combinação entre empresas. Não obstante a necessidade do rigor que na definição seja preciso, por norma engloba-se na expressão fusão (Ferreira,2002:130).

Neste contexto pode-se equacionar um novo conceito de fusão, o de fusão por união join venture, em que A+B=AB, mantendo-se a personalidade jurídica e a autonomia das instituições na determinação da exploração de um objetivo comum, pela partilha de recursos. De iniciativa análoga, já testada e de sucesso relevante, confere-nos o exemplo da HAROPA. Como se referiu em 1.5., este é um triângulo associativo complementar e estrutural.

Não obstante, o modelo de fusão importa objetivar o expectável na criação de valor que, possibilite reforçar e melhorar o posicionamento competitivo dos agentes económicos envolvidos.

Segundo Brooks e Richie (1996) as fusões e aquisições podem constituir uma alternativa para o crescimento corporativo, criando valor de acordo com as atividades que potenciam, internamente.

Por conseguinte, a base da criação de valor de uma fusão, reside na melhoria da eficiência dos processos operacionais e na obtenção de sinergias só assim é possível uma relação custo benefício. Nesse sentido torna-se necessário atender mais aos aspetos intangíveis da fusão, pois esses aspetos representam os alicerces do sucesso requerido. A perceção e confiança, segurança, tranquilidade e satisfação dos agentes económicos envolvidos, constituem pilares motivadores e determinantes para a sustentação a longo prazo.

Dos fatores externos a ter em conta para o sucesso de uma fusão, no tempo, destacam-se aspetos sociais envolvidos na procura de maior eficiência operacional que conduza à redução de custos e por conseguinte á necessária competitividade.

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O receio do desemprego localizado é desde logo um dos fatores primários relacionados, se não evitado pode pôr em causa o nível de empreendedorismo e desempenho de competências dos ativos laborais, podendo refletir-se como uma desvantagem na estratégia de fusão, pelo que se deverá objetivar a condução do processo sob a perspetiva da oportunidade e sinergia (Souza,2009).

Neste contexto parece correto afirmar-se que de um processo de fusão pretende-se a otimização de recursos que conduzam à melhoria dos serviços e atendimento aos clientes e consequente aumento sustentado desses, ao aumento da rentabilidade e valor de mercado para os investidores. Um processo de fusão pressupõe ainda um elevado grau de satisfação dos colaboradores, em pertencer e deter a oportunidade de desenvolvimento profissional que lhes venha conferir a melhoria das condições de trabalho, constituindo-se desta forma em fatores de vantagem às fusões entre entidades institucionais e/ou empresariais.

A possibilidade de uma fusão entre os portos de Lisboa e de Setúbal visaria a otimização de recursos que permitam a agilidade de processos. Num processo de fusão entre os dois portos, a rentabilização de recursos tende a ser maior, podendo o Porto de Lisboa alargar o seu hinterland e o Porto de Setúbal otimizar o seu hinterland.

Nesse sentido e a par de um vasto espaço disponível a ser aproveitado para as atividades logísticas existentes no hinterland do Porto de Setúbal, pode o Porto de Lisboa beneficiar da oferta de hinterland que dispõe o Porto de Setúbal. Desse modo beneficia também o Porto de Setúbal, da rentabilização das suas áreas adjacentes.

Metodologia

O desenho da investigação permite delinear os elementos que fazem parte do esquema geral da pesquisa. De acordo com Fortin (2003) a fase metodológica permite operacionalizar o estudo, definindo-o nas vertentes das variáveis; o meio e a população em estudo.

Assim, uma vez apresentado o quadro de referência, parte-se agora para a metodologia de forma a dar seguimento prático à pesquisa, tendo em conta a justificação do estudo, a sua finalidade, os objetivos e as questões de investigação, bem como a população, a amostra e os procedimentos realizados na investigação.

A metodologia assenta no conjunto de métodos e técnicas que orientam o percurso do processo de investigação científica (Fortin, 1999). A metodologia refere-se ao conjunto de procedimentos que visa obter o conhecimento. Através da aplicação desses procedimentos é garantida a veracidade do conhecimento obtido (Barros e Lehfeld, 2000).

Tendo por base a natureza do problema e as questões de investigação, optou-se por uma metodologia qualitativa, de caráter descritivo, com o intuito de obter resposta à questão de investigação.

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Amostra

Para Fortin (2003) a descrição da população e da amostra permite ter uma noção sobre a generalidade dos resultados. A caracterização da população e os critérios de seleção permitem definir o conjunto de sujeitos que podem integrar o estudo. Ainda segundo Fortin (2003), a população advém de um grupo de sujeitos corretamente identificado, que em comum detém uma ou várias caraterísticas semelhantes, em que a investigação se sustenta.

A população em estudo neste trabalho caracteriza-se por ser um grupo de sujeitos que têm em comum a caraterística de exercerem, ou terem exercido, a sua atividade profissional no setor marítimo portuário, operando direta ou indiretamente, com os portos de Lisboa e Setúbal. Definiu-se esse critério pois entendeu-se que seriam aqueles que possibilitariam que os sujeitos tivessem uma visão abrangente sobre os portos em estudo.

A investigação qualitativa tende a produzir uma grande diversidade de dados descritivos, pelo que se torna impraticável utilizar amostras representativas e de grandes dimensões para se obter os dados (Polit, Beck e Hungler, 2004). Na medida em que os estudos qualitativos se interessam pelo estudo do fenómeno em profundidade, o critério subjacente à seleção da amostra populacional reside na qualidade do informante, e não propriamente, na quantidade (Gauthier, 2003).

Desta forma, o essencial é obter uma informação rica e útil que permita a concretização de um estudo em profundidade e que esclareça o fenómeno, uma vez que a riqueza dos dados nem sempre vem de alguém, habitualmente designada por expert, mas de alguém com capacidade de refletir e descrever, pormenorizadamente, o fenómeno (Morse citado por Frias, 2003).

Nesta perspetiva, Polit, Beck e Hungler (2004) referem que, a pesquisa qualitativa tende a produzir grandes quantidades de dados narrativos, tornando-se impraticável para o pesquisador utilizar amostras grandes e representativas para obter dados. Reforçando este ponto de vista, Polit, Beck e Hungler (2004: 237) consideram que, “na pesquisa qualitativa, o tamanho da amostra deve ser determinado a partir da necessidade de informações”.

O presente estudo é caracterizado por uma amostra de oito sujeitos, do género masculino com faixa etária compreendida entre os 44 e os 61 anos.

Relativamente à técnica de amostragem foi de conveniência, por via da relação profissional privilegiada com os sujeitos que constituem a amostra. Todos os sujeitos são profissionais de diversas áreas do setor marítimo portuário, com contributos relevantes no desempenho dos cargos que profissionalmente ocupam.

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Instrumento

Cabe ao investigador selecionar o método de recolha de dados, que melhor responda às suas questões de investigação. Optou-se por um inquérito por questionário de autopreenchimento com estrutura aberta, como método de recolha da informação.

O inquérito por via de um questionário permite a recolha de dados para a verificação de hipóteses teóricas. Essa técnica é utilizada sempre que se pretende analisar um fenómeno social (Quivy & Campenhoudt,1995:188).

A metodologia deste trabalho recaiu sobretudo na tipologia de pesquisa qualitativa (análise de documentação e analise às respostas obtidas por via do inquérito) e o tipo de pesquisa descritiva (interpretação da realidade pela observação dos factos). Adota o processo de observação indireta/não-participante com recurso a fontes primárias (documentos originais que, remetem para o que se está a investigar) fazendo sempre prevalecer os critérios de avaliação dos documentos e que são: autenticidade; credibilidade; qualidade do autor; representatividade; significado; influência pessoal.

Houve, ainda, necessidade de se proceder à elaboração de uma pergunta abrangente, como forma de enriquecer e aprimorar uma proposta concreta. Deste modo, e através de dados primários – inquérito – foram recolhidas oito respostas de agentes influentes no setor marítimo, segundo uma única pergunta abrangente- “Que vantagens/desvantagens vê numa eventual Fusão dos Portos de Setúbal e Lisboa?”.

Nessa pergunta abrangente houve necessidade de a tornar não-estruturada, uma vez que é um modelo mais flexível e onde a organização das perguntas pode ser feita devido à disponibilidade horária dos entrevistados. Portanto, a inquirição foi constituída por uma única questão aberta, permitindo a plena liberdade de resposta do entrevistado.

A informação de natureza qualitativa obtida foi analisada através da técnica de análise de conteúdo. Esta técnica é muito usada em ciências humanas, permitindo favorecer a apreensão da realidade estudada quando o assunto é complexo.

De acordo com Bardin (2004: 133), os principais objetivos da análise de conteúdo são: a superação da incerteza e o enriquecimento da leitura. Para o mesmo autor, “a análise de conteúdo aparece como um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos da descrição do conteúdo das mensagens”.

Neste contexto, a análise de conteúdo pressupõe a produção de um sistema de categorias, cujo objetivo é conseguir uma representação mais simplificada dos dados obtidos. Esta ideia é reforçada por Gauthier (2003), quando refere que a análise de conteúdo interpreta o material com a ajuda de algumas categorias analíticas, realçando e descrevendo as suas particularidades específicas, residindo a sua significação na especificidade das mensagens analisadas, mantendo-se os investigadores, desta forma, fiéis às particularidades dos conteúdos.

Segundo Bardin (2004), o campo, o funcionamento e o objetivo da análise de conteúdo, não são mais do que a descrição da mensagem dos sujeitos em estudo, bem como a reflexão sobre as informações pertinentes (categorias/subcategorias e indicadores referidos nas respostas), a par das variáveis em destaque. Assim e de acordo com o

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anteriormente mencionado, Vala (2007:110) destaca que a análise de conteúdo visa simplificar as respostas dos sujeitos, o que vai no sentido da afirmação de Bardin, na transformação da mensagem dos sujeitos em categorias.

De acordo com Vala (2007), a análise de conteúdo é subjetiva e permite ao entrevistador que analisa as respostas, inferir sobre o material que é objeto de estudo ou seja, as respostas dos inquiridos. Esteves (2006) salienta ainda que, na análise de conteúdo, o importante é fazer-se uma categorização defensável, ou seja, esta deve obedecer a determinados princípios, que são: exclusão mútua; homogeneidade; exaustividade; pertinência; produtividade e objetividade.

A análise de conteúdo inclui as seguintes etapas (Amado, 2000):

1. Definição de objetivos do trabalho: é com base na definição dos objetivos centrais do estudo que se baseará todas as restantes fases.

2. Explicitação de um quadro de referência teórico: a revisão bibliográfica, tem como principal intuito, permitir que se realize o trabalho explicativo e interpretativo, sendo através do levantamento das principais teorias sobre o tema em estudo.

3. Constituição de um “corpus” documental: determina a razoabilidade do tamanho da amostra. Daval (1963:479, citado por Amado, 2000), preconiza “que seja suficientemente grande a quantidade de textos a analisar”, mas nem sempre esta exigência tem de ser satisfeita. Na constituição deste corpo há que ter em conta a:

a) Exaustividade: levantamento completo do material suscetível de ser utilizado;

b) Representatividade: os documentos devem ser um reflexo fiel de um universo maior;

c) Homogeneidade: os documentos devem referir-se a um tema e possuir outras características semelhantes, tais como, terem sido produzidos com a mesma técnica (por ex. entrevistas);

d) Adequação: devem ser adequados aos objetivos da pesquisa;

4. Leituras atentas e ativas: várias leituras sucessivas, verticais, documento a documento, cada vez mais minuciosas, a fim de possibilitar destacar os temas mais relevantes, bem como, os conceitos mais utilizados. Parece ser, ainda, nestas leituras que o investigador pode dar conta de um subconjunto de áreas temáticas que poderão dar diversos rumos à análise, sobretudo se o tema inicial for muito abrangente e a recolha de dados se traduzir em grande volume (como acontece, habitualmente numa observação participante ou em entrevistas semidiretivas).

5. Formulação de hipóteses: esta fase coloca-se se as hipóteses estiverem na base da codificação - estudos diferenciais e funcionais. Em estudos estruturais e exploratórios pode não haver lugar para a formulação de hipóteses prévias. Relativamente, a este estudo específico, como se trata de um estudo exploratório, que possui uma escassez de recursos bibliográficos, não se enunciaram hipóteses.

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6. Codificador: ou seja, “O processo pelo qual, os dados brutos são transformados e agregados em unidades que permitem uma descrição exata das características relevantes do conteúdo” (Holsti, 1969, citado por Bardin,1977: 103). É evidente que tem de se definir, com antecedência, o que se considerar como “as características relevantes do conteúdo”; e para tal, é necessário recorrer ao quadro de referência teórico.

Por sua vez, esta codificação é um processo faseado de decisões e ações que deve ser

adaptado às características do material a estudar, dos objetivos do estudo, e das hipóteses formuladas (caso as haja). Trata-se de um processo de esquartejamento do texto e do seu sentido imediato, visível, com o objetivo de se descortinarem outros sentidos. As fases da codificação consideradas, habitualmente, são as seguintes:

A - Determinar as Unidades de Registo ou de Significação - Há que tomar uma decisão (tendo em conta os objetivos do trabalho e, por consequência, também a natureza do material a analisar), sobre o que se vai procurar: palavras, proposições (leitura literal), tema (leitura interpretativa e acontecimentos). No primeiro caso podem ser todas as palavras de um texto, certas palavras-chave, ou certas categorias como verbos, substantivo, adjetivos entre outros.

B - Determinar a Unidade de Contexto - O que permite apreender o significado exato da unidade de registo, sem que se deixem de revelar as opiniões, atitudes e preocupações dos seus autores. Para uma palavra a unidade de contexto pode ser a frase; para o tema pode ser o parágrafo.

C - Determinar a Unidade de Enumeração ou Contagem - Trata-se de definir os critérios que determinam, o como contar (todas as vezes que a mesma unidade surge no mesmo contexto), e o que contar (por exemplo, a presença ou a ausência de certas unidades de registo).

D - Categorização - Esta é, como diz Bardin (1977: 117), “uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e seguidamente, por reagrupamento segundo o género (analogia) com os critérios previamente definidos”.

Destes critérios fazem parte as fases A,B e C anteriormente referidas e a definição de cada categoria, se elas já existirem previamente (“categorias a priori”). A palavra - chave que traduz a categoria deve ser escolhida de modo a representar, com exaustividade e precisão, o sentido dos indicadores. Isto é, do item ou conjunto de itens que explicitam as características da comunicação a abranger nessa mesma categoria - por isso o mesmo autor chama à A+C “uma técnica de compressão dos dados”. A elaboração de um conjunto de subcategorias pode ser um recurso para explicar melhor todo o sentido da categoria.

Assim, a codificação é o processo pelo qual os dados em bruto são transformados sistematicamente e agregados em unidades, as quais permitem uma descrição exata das características pertinentes do conteúdo (Lopes,2010).Na prática, as primeiras leituras da documentação permitem um esboço preliminar das áreas temáticas e do sistema de categorias possível. A passagem deste esboço a resultados progressivamente mais refinados, satisfatórios e definitivos, implica, também, a passagem das leituras verticais

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dos documentos (a diferenciação de que fala a definição de Bardin (1977: 177), às leituras horizontais, permitindo a “comparação constante” das unidades de significação (palavra, proposição, tema ou incidente) com sentido igual ou próximo entre os diversos documentos (o reagrupamento, segundo a mesma citação). Neste confronto comparativo decide-se, então, qual a palavra- chave ou a expressão curta e abrangente com que se designará a categoria, quais as subcategorias que especificarão as suas qualidades, quais os indicadores que traduzirão o mais adequado e exaustivamente o sentido das unidades de registo.

Como já foi referido, o trabalho de interpretação que é preciso fazer dos textos, quer no que respeita à delimitação da unidade de registo, quer na sua colocação sob certos indicadores e não noutros, exige muita atenção e boa memória.

Devido a estas dificuldades que traduzem a necessidade de rigor e de objetividade, existem autores que aconselham fazer tabelas de significações, com todas as unidades de registo e o indicador que as compreende. Essas tabelas permitem uma mais fácil comparação durante o processo de análise, nas fases de síntese e de apresentação, e, contrariam a exigência de concentração dos dados. Da natureza dos indicadores, pelo que eles emprestam de sentido a comunicação, depende a maior ou menor riqueza do estudo, é o conjunto de subcategorias, e respetivos indicadores, que constitui uma definição operacional e “compreensiva” de categoria, definição válida em função dos critérios que presidem à análise.

ANÁLISEEDISCUSSÃODOSRESULTADOSAnálisedosresultadosobtidos

A análise e discussão dos resultados subdividem-se em duas tabelas (Tabela 4 e Tabela 5), sendo que a primeira tabela aborda as vantagens e desvantagens do hinterland comum e a segunda tabela destaca as principais vantagens e desvantagens da fusão entre o Porto de Lisboa e o Porto de Setúbal. Esta subdivisão foi realizada, uma vez que, apesar da temática em análise se basear essencialmente na partilha do espaço comum (hinterland) entre os portos de Lisboa e Setúbal, os oito inquiridos, referiram-se também às vantagens e desvantagens da fusão destes dois portos marítimos, de um modo mais abrangente e aprofundado.

Esta temática é bastante complexa e controversa, uma vez que a opinião sobre a fusão entre os portos de Lisboa e Setúbal é bastante diversificada e envolve uma multiplicidade de fatores, não sendo uma temática unânime entre os vários profissionais da área marítima.

Ainda neste sentido, é possível referir que, existem opiniões contrastantes sobre as vantagens e desvantagens da partilha de um hinterland comum e vantagens e desvantagens sobre a fusão dos portos de Lisboa e Setúbal de modo mais abrangente. Porém os inquiridos mantiveram uma posição generalizada de acordo com as respostas dadas relativamente ao tema. Esta controvérsia de pontos de vista não é algo recente, todavia, só há relativamente pouco tempo começou a ser perspetivada de outro modo, permitindo a alguns autores (referidos neste trabalho) fazerem algumas análises sobre esta matéria, através de artigos de opinião e alguns trabalhos publicados, ainda que essas análises, sejam pouco aprofundadas.

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Através de leitura da Tabela 4, é possível identificar as principais vantagens e desvantagens da partilha do hinterland comum, de acordo com as respostas obtidas ao inquérito realizado aos sujeitos, que constituem a amostra.

Tabela 4- Vantagens e desvantagens do hinterland comum

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De acordo com a tabela 4, que destaca as vantagens e desvantagens da partilha de um hinterland comum entre o Porto de Lisboa e o porto de Setúbal, constata-se que, relativamente às vantagens enunciadas, os inquiridos manifestaram respostas mais abrangentes, não destacando apenas vantagens relativas, mas também outras vantagens (ex: à gestão de recursos e de pessoas).

Assim de um modo geral, destacaram-se como principais vantagens da partilha do hinterland, as seguintes: • Otimização dos recursos comerciais e económicos; • Uniformização operacional; • Desenvolvimento territorial;

• Diminuição de custos portuários.

Todavia, os sujeitos destacam outras vantagens da partilha desse espaço comum, nomeadamente, com os seguintes indicadores:

• Marketing conjunto; • Planeamento de ações conjunto;

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• Complementaridade da expansão;

• Proximidade das instalações;

• Redução dos custos em ambas as Administrações.

Deste modo, verifica-se que na sua maioria, os inquiridos tendem a considerar a partilha do hinterland comum entre estes dois portos como sendo uma mais-valia, enunciando diversas vantagens para que tal ocorra.

No que concerne às desvantagens da partilha do hinterland comum os inquiridos referem essencialmente a concorrência comercial, a inexistência de políticas de desenvolvimento local e a atividade comercial distinta.

Todavia, os sujeitos destacam outras desvantagens da partilha desse espaço comum, nomeadamente, com os seguintes indicadores: • Ausência de uma política comercial integrada pode dificultar uma fusão • Ambos os portos têm ainda de melhorar a sua relação com a “comunidade local”.

Por forma a efetuar o balanço das respostas obtidas que permitiram a elaboração da tabela anterior importa referir que, no caso das estruturas portuárias de Lisboa e Setúbal, podem ocorrer sinergias de recursos complementares entre as duas infraestruturas.

Dessas sinergias, destacam-se os recursos de meios humanos, permitindo alterações vantajosas dos modos de funcionamento, a revisão dos custos portuários e a partilha de equipamentos, a viabilidade de uma promoção conjunta de ambos os portos e a proximidade entre si que detém os dois portos. No entanto convém atentar no que pode ser a dificuldade na gestão de recursos comuns, e ainda a eventualidade da resistência a mudanças em termos operacionais e funcionais.

Saliente-se ainda que a localização da região metropolitana de Lisboa e Vale do Tejo vinca uma vantagem geoestratégica, na partilha de um hinterland comum, constituindo-se num importante hub de circulação de mercadorias a sul do país.

Através de leitura da Tabela 5 é possível identificar as principais vantagens e desvantagens da partilha da fusão entre os portos de Lisboa e Setúbal, de acordo com as respostas obtidas ao inquérito realizado.

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Tabela 5- Vantagens e desvantagens da fusão entre os portos de Lisboa e Setúbal

No que respeita à análise da tabela 5, que resume as vantagens e desvantagens da fusão entre o porto de Lisboa e o porto de Setúbal, é possível destacar que os inquiridos apontam como principal vantagem o aumento da eficiência operacional e produtiva a nível nacional e internacional.

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Todavia os restantes inquiridos destacam outras vantagens, de entre as quais refere-se a análise da reforma administrativa, a especialização competitiva com portos espanhóis e a eficácia ao nível de oferta de serviços.

Relativamente às desvantagens enunciadas pelos inquiridos, destacam-se:

• Fator económico (dívida do porto de Lisboa);

• Conflitualidade comercial entre o Porto de Lisboa e o Porto de Setúbal;

• Receio da perda do posto de trabalho.

Para além destas desvantagens, os inquiridos destacaram ainda como desvantagens inerentes à fusão dos Portos de Lisboa e Setúbal a redução do head count (número de colaboradores de ambos os portos) e a distância da decisão.

Ainda no que respeita à análise da tabela 5 constata-se que, apesar da relevância dada à temática, ainda não existe consenso relativamente ao termo “fusão”. Para além desse fator, é ainda de destacar que é considerado um tema polémico, sendo que dois sujeitos referiram inclusive, que é um tema que necessita de cautela, essencialmente no que respeita às implicações sociais que poderá ter.

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CONCLUSÕES,limitaçõesESUGESTÕES para estudos futuros

O presente trabalho analisou a perspetiva de profissionais do setor marítimo portuário quanto à possibilidade de uma eventual fusão entre o Porto de Lisboa e o Porto de Setúbal, no sentido da partilha de um hinterland comum.

O Porto de Lisboa e o Porto de Setúbal, pela proximidade que têm, podem partilhar o seu espaço de hinterland, remetendo para uma solução de fusão, que atenda às necessidades de cada um dos portos em estudo.

Relativamente ao objetivo geral para a partilha do hinterland dos portos marítimos de Lisboa e Setúbal, as vantagens mais destacadas foram a otimização dos recursos comerciais e económicos, uniformização operacional, desenvolvimento territorial e diminuição de custos portuários.

No que concerne às desvantagens verificou-se que as mais apontadas são a concorrência comercial, inexistência de políticas de desenvolvimento local e atividade comercial distinta.

De um modo geral, os inquiridos apontaram maioritariamente mais vantagens do que desvantagens para a ocorrência da fusão entre os portos de Lisboa e Setúbal e para a partilha de hinterland. Saliente-se que quando referem as desvantagens, destacam essencialmente as principais dificuldades na possível implementação da fusão entre os dois portos. Todavia, há que ter em consideração que o modelo proposto neste trabalho seria a fusão dos dois portos, no sentido da partilha do hinterland comum, pelo que alguns dos temas referidos nas desvantagens seriam deste modo ultrapassadas.

Neste sentido, destaca-se um maior número de vantagens na realização da fusão entre estes dois portos, sendo que ambos poderão ter ganhos operacionais. Desse modo uma eventual fusão das administrações portuárias de Lisboa e Setúbal possibilitaria a partilha de recursos e a otimização dos seus hinterlands.

Constata-se que existe uma visão mais alargada para a fusão dos portos em estudo, para além somente da partilha de hinterland. No entanto não existe consenso, no que respeita ao possível modelo de fusão a ser aplicado.

O modelo a adotar para os portos em estudo, seja por uma fusão, união ou outro, deve ser ajustado à realidade e à necessidade destes dois portos.

A possibilidade de uma fusão entre os dois portos em análise pode ser viável, de acordo com as orientações estratégicas nacionais, a par das recomendações europeias para o setor marítimo portuário, que “navegam” nessa direção, referindo a necessidade de partilhar recursos nos portos.

O problema concreto existente neste momento é o do congestionamento do Porto de Lisboa que está relacionado com as suas acessibilidades terrestres, limitadas e precárias em virtude da vertente urbana da cidade de Lisboa, criando, por isso, uma situação de

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conflito entre o tráfego de mercadorias e o tráfego de pessoas, para além da não existência de espaço a montante e a jusante que possa ser aproveitado para áreas logísticas. Por outro lado, o Porto de Setúbal detém ainda muito espaço adjacente para ser otimizado e tem acessibilidades terrestres que não criam conflito com a envolvente urbana da cidade de Setúbal. Verifica-se que não existe uma única solução, ou modelo de fusão que sirva a todos os portos.

Caso venha a concretizar-se a integração entre os dois portos, com uma estratégia clara, objetiva e devidamente estruturada, constituir-se-á sem dúvida num enorme desafio, face às particularidades de cada porto e de alguns considerandos sociais e culturais instalados. No entanto, em termos gerais, os resultados podem ser considerados promissores.

No que respeita às principais limitações deste projeto, é possível enunciar as seguintes. Por um lado, este tema é motivo de controvérsia, uma vez que a fusão entre estes dois portos marítimos implica um conjunto de alterações. Apesar de os inquiridos abordarem a temática mais além do que esta fusão, este trabalho, pretendeu-se centrar na partilha de um hinterland comum. Portanto sugere-se que, futuramente se estude mais aprofundadamente as implicações de uma fusão com uma visão mais alargada.

A análise da fusão dos portos em questão pode ser ainda explorada com mais abrangência, nomeadamente, analisando a perspetiva das empresas exportadoras que operam nos dois portos, sobre a circulação das suas cargas entre os dois portos, tal como analisando a perspetiva de trabalhadores das próprias administrações portuárias.

Considera-se que uma das limitações tem a ver com a própria a amostra, devendo alargar-se a mais profissionais do setor marítimo portuário.

Nota - Este texto foi elaborado a partir de tese de Mestrado da autora

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10.2 JUP-Janela Única Portuária, O Simplex do Mar

Uma melhoria para a simplificação do fluxo de informação portuária.

Fernanda Nunes Ferreira

Sistemasdeinformação

Os serviços logísticos integrados são condição essencial para o desenvolvimento do transporte marítimo e portuário. Esses serviços tornam-se mais céleres com a adoção de uma estratégica que passa pelos sistemas de informação e pela acessibilidade às novas tecnologias visando desta forma uma melhoria ao processo.

No transporte marítimo e portuário observamos uma complexidade de ações e intervenientes com funções díspares entre si pelo facto de ser também um meio de transporte internacional, logo com ligações a outros países e pelo facto de permitir estabelecer diversas e diferentes relações comerciais entre as entidades envolvidas.

Na Indústria Marítima e no caso concreto de Portugal a informação disponível até então não estava acessível a todos os intervenientes e a quem dela necessitasse.

Os sistemas de informação relacionados com este sector eram até há pouco tempo

deficitários, tornando-se então urgente que existisse um sistema de informação on-line que permitisse essa acessibilidade a dados tão importantes como o que entra e saí do nosso território pelos portos nacionais, surge assim a JUP-Janela Única Portuária.

LogísticaMarítimo-Portuário

A atividade logística ligada à Indústria Marítima e Portuária é diversa no que concerne às atividades e consequentemente com uma complexidade de ações e intervenientes.

Podemos falar de atividades relacionadas somente com os portos na sua componente hinterland, entenda-se, o que pode o território que cerca um porto oferecer a essa comunidade e falamos concretamente de:

- Acessibilidades rodoviárias, fazer entrar e sair mercadorias do porto de uma forma

rápida de e para os seus clientes. - As ligações com plataformas portuárias, criando a disponibilidade de um porto

(na sua área ou nas suas proximidades) oferecer espaços de armazenagem para mercadorias que fiquem em stock.

- Oferecer aos armadores que “visitam” um porto, serviços de complementaridade, como por exemplo, manutenção e limpeza de contentores e, serviços de ship shandlers (assistência a pessoal a bordo do navio).

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São inúmeras as possibilidades da logística nesta indústria, desde que sejam tidas em conta as mais valias a serem apresentadas a montante e jusante, entenda-se da terra para o mar e do mar para a terra.

PlataformaPortuária–InterfaceLogísticocomváriasfronteiras. As ligações entre diversas entidades que interagem num porto são múltiplas, os

serviços prestados pela comunidade portuária envolvem empresas privadas e organismos públicos. Entre todas estas entidades, falamos de Agentes de Navegação, Transitários ou Despachante Oficiais, enquanto entidades privadas e Autoridade Marítima, Capitania, Serviço Estrangeiros e Fronteiras, enquanto entidades Estatais, existe a necessidade da troca de informação, que sem um sistema de informação pode induzir em falsos erros, perda inclusivamente da própria informação ou até mesmo originar informação repetida.

É importante que todas as entidades intervenientes possuam igual acesso a uma base de dados, que permita o desenvolvimento de atividades e planeamento de tarefas inerentes a esta indústria, como, por exemplo, a marcação para os serviços da capitania de um pedido de pilotos para acompanhar um navio desde a sua entrada na barra até à acostagem na doca do porto (esta informação tem de ser do conhecimento de todos os intervenientes), do SEF para verificar quem vem a bordo, da Autoridade Portuária para marcar o cais, no caso das entidades privadas por exemplo do agente de navegação para preparar toda a documentação necessária para entrega na Alfândega e contactar com o cliente da carga, em suma é de vital importância que todo tenham simultaneamente acesso a esta informação.

Astecnologiasdeinformaçãocomofatordemelhoriaparaosprocessos.

As Tecnologias de Informação cresceram exponencialmente nos últimos anos, permitindo melhorar e otimizar processos, contribuindo assim dessa forma para a competitividade das empresas, facilitando a troca de informação entre parceiros de negócios, e visando a comunicação eletrónica entre empresas.

Em exemplo disso, falamos no contexto deste artigo do uso do EDI (Electronic Data Interchange), e que se baseia no movimento “virtual” entre duas aplicações informáticas com localizações diferentes, possibilitando desta forma eliminar o fluxo de documentação.

Na indústria marítima portuária, o EDI permite ainda reorganizar os processos, não se limitando somente a desencadear ações, mas a agilizar os próprios processos.

Aquando da estadia de um navio num porto é necessária a prestação de vários serviços, entre outros fornecimento de água, eletricidade, combustível e recolha de resíduos, deste modo urge que seja fornecida informação fiável e em simultâneo para todas as entidades, pessoas e empresas que possam assegurar este tipo de serviços, porque terão de ser realizados durante o mesmo período de tempo, ou seja enquanto o navio estiver ancorado, com autorização para o efeito.

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A transferência eletrónica de dados, EDI, tem já nesta Indústria do Mar o seu Upgrade para o XML, que utiliza um canal privilegiado, a Internet, obtendo assim dessa forma uma fiabilidade na troca de informação. Os processos são assim melhorados significativamente em face da celeridade com que decorrem e com que permitem a realização rápida de ações.

OPlanoTecnológico

Portugal deve cumprir Plano Tecnológico até 2015, que visa uma alteração profunda a vários níveis da nossa sociedade passando pelas pessoas empresas e instituições, no intuito de com um esforço transversal a todos, tomarmos consciência de que temos de inovar e modernizar, apresentando e implementando medidas viáveis e concretas para tal. Este plano deve ser entendido como uma estratégia que promova os nossos níveis de competitividade e desenvolvimento do nosso País, e que assenta em três grandes áreas:

1. Área do Conhecimento;

2. Área da Tecnologia, que visa fomentar o avanço tecnológico;

3. Área da Inovação, que visa fomentar a adoção de novos processos em face da globalização.

PORTMOS–IntegraçãodosistemaMarítimo-PortuárionasAuto-EstradasdoMar

Este sistema visa que sejam revistos os procedimentos em vigor, que são utilizados nos portos a nível administrativo e a nível operacional e que assentem em base informática, por forma a simplificar a componente administrativa e operacional, pretende-se assim deste modo facilitar as ligações entre todos os intervenientes, quer a nível da cadeia logística quer a nível das entidades privadas e estatais.

No contexto das Auto Estradas Marítimas, pretende-se que este sistema possibilite a integração de todos os terminais portuários europeus bem como das plataformas logísticas, visando agilizar todos os elos da cadeia logística.

Este sistema assenta num projeto que se divide em três fases: Fase 1 – visa definir o conceito e o modelo de requisitos organizacionais, operacionais,

de infra estruturas e de informação, assim como os procedimentos necessários á integração do sistema marítimo e portuário a nível nacional e que irá permitir a integração nas autoestradas marítimas.

Fase 2 – análise do desenvolvimento adequado no que concerne à informação e estruturas necessárias de apoio às autoestradas marítimas.

Fase 3 – Iniciativas que visem elaborar novas possibilidades de interação com entidades

internacionais apelando à participação dos portos nacionais.

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As fases 2 e 3 que decorrem em conjunto tornaram já possível que fosse elaborada a arquitetura da informação e permitiu já a acessibilidade a uma plataforma de serviços (PORTMOS) possibilitando assim desta forma a integração de todo o fluxo de informação.

JUP – Janela Única Portuária

A Janela Única Portuária é uma plataforma comum de transmissão de dados que visa garantir o fluxo de trafego marítimo por via a uma integração de processos agrupando todos os diferentes portos que estiverem associados.

A JUP permite ter a visibilidade a todas as entidades envolvidas na comunidade Marítima portuária, otimizando processos e ações tornando o sistema de acesso a informação Marítima Portuária mais rápido, eficaz e eficiente.

Esta plataforma comum a todos os membros da Comunidade Marítima Portuária possibilita que toda a informação (dados) seja tratada e processada antecipadamente à chegada do navio e mercadorias ao porto.

As entidades que necessitam de informação on-line em antecipação por parte das Autoridades do Estado são: Administração Portuária; Capitania; Direção Geral das Alfandegas; Serviço de Estrangeiros e Fronteiras; Sanidade Marítima e Inspeção Veterinária.

Como prestadores de serviços associados a esta plataforma temos: Terminais Portuários; Agentes de Navegação; Despachantes Oficiais; Transitários; Fornecedores de serviços diversos.

A JUP proporciona e possibilita ainda um serviço adicional ao Estado, porque permite o controlo em tempo real para o combate à fraude e evasão fiscal, sendo que é possível saber constantemente a localização dos contentores desde que entram na zona portuária até á sua saída.

JUPpermitiureduzir31horasnoprocessoalfandegário

A Janela Única Portuária foi um processo que demorou desde a sua conceção até á sua implementação cerca de 10 anos e neste momento funciona em todos os portos portugueses.

Anteriormente tínhamos já observado uma tentativa com um sistema piloto denominado PCOM (Plataforma Comum de Gestão Portuária) e que teve a sua estreia no porto de Lisboa. Este sistema esteve ainda em teste durante algum tempo e serviu de alavancagem para a atual Janela Única Portuária.

Esta plataforma é um sistema com grande nível de complexidade tecnológico e atualmente transformou-se numa ferramenta imprescindível a toda a comunidade Marítima

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Portuária, desde as administrações portuárias aos agentes económicos da Industria do Mar, sendo que simplificou procedimentos e tornou mais céleres os processos.

Hoje em dia não necessitamos de aguardar 2 a 3 dias para ter um despacho de um navio ou de mercadorias, sendo que a informação é transmitida em avanço, quando o navio chega existe já parte de um serviço administrativo e burocrático que teve lugar anteriormente, permitindo assim desta forma que o tempo de estacionamento do navio se tornasse substancialmente mais reduzido e otimizado, esta situação é de uma importância extrema para as nossas exportações e também importações. Todos os procedimentos aduaneiros foram agilizados. A simplificação de todo o sistema aduaneiro, pagamento de taxas e direitos tem um significativo impacto na nossa economia, assim desta forma tudo acontece mais rapidamente gerando proveitos também mais imediatos.

Este projeto foi liderado pelo Ministério das Obras Públicas Transportes e Comunicações (MOPTC) e pela APP (Associação dos Portos de Portugal) e foi suportado também pela Comissão Europeia através de Linha Orçamental das Redes Transeuropeias de Transporte (RTE-T).

A Direção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC) em conjunto com as administrações portuárias dos portos de Lisboa, Sines e Leixões estabeleceram um acordo de compromisso para a implementação da Janela Única portuária. Posteriormente deu lugar ao PIPE (Procedimento e Informação Portuária Eletrónica) o que permitiu estender a JUP aos restantes portos portugueses.

Existem ainda países europeus que não detém estes sistemas de informação integrada para o Sector marítimo, como Portugal, e que possuem pequenos sistemas alocados somente a um porto individualmente, mas não integrados e cobrindo todo o seu território.

Conclusões

Portugal é um país com natural vocação para os assuntos do Mar e é fulcral que invista no potencial que tem na sua Costa Atlântica. Economicamente será importante que dediquemos atenção a esta questão, das nossas ações podem advir benefícios desde que estrategicamente analisados.

Importa saber qual a melhor forma de conseguir juntar parceiros de uma mesma indústria, de um mesmo sector para que concorram em conjunto com as melhores práticas do que que faz a nível europeu e mesmo a nível mundial. Ter a noção exata de todas as cargas/mercadorias que entram e saem do nosso território, faz ter a possibilidade de analisar todo o potencial dos nossos portos.

Devemos no entanto salientar, que não menos importante é conseguir gerir todo o fluxo da informação para as entidades que estão envolvidas nesta Indústria do Mar. A globalização obriga-nos a ser mais competitivos, inovadores e empreendedores, a concorrência obriga-nos a estarmos atentos a todas as oportunidades.

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As tecnologias de informação bem geridas posicionam-nos numa situação vantajosa, permitindo estar ao lado de parceiros internacionais e se conseguirmos garantir que a gestão e controlo dessa informação é eficaz preparamo-nos para sermos mais competitivos a par dos nossos parceiros globais.

A JUP, Janela Única Portuária é somente o início de um longo caminho que nos colocará numa posição mais vantajosa em termos de conhecimentos de gestão, e que permitirá a todos os envolvidos tornar o fluxo de informação mais célere, otimizando os processos, aliviando a carga administrativa (paper less) e permitindo ações e tomadas de decisão em face dos serviços mais consistentes e com menos falhas.

Trabalho publicado pela Transportes e Negócios e Adfersit-2012

Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.