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VICTOR MARCELO OLIVEIRA MENDES
A problemtica do desenvolvimento em Salvador:
Anlise dos planos e prticas da segunda metade do sculo XX
(1950-2000).
Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Ps-Graduao
em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de
Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo
de doutor em Planejamento Urbano e Regional.
Orientador: Prof. Mauro Kleiman
Doutor em Arquitetura e Urbanismo / USP
Rio de Janeiro 2006
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Ficha Catalogrfica
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VICTOR MARCELO OLIVEIRA MENDES
A problemtica do desenvolvimento em Salvador:
Anlise dos planos e prticas da segunda metade do sculo XX
(1950-2000).
Tese submetida ao corpo docente do Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano e
Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como
parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Doutor em
Planejamento Urbano e Regional.
Aprovado por:
Prof. Dr. Mauro Kleiman - Orientador Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano Doutor em Arquitetura e Urbanismo / USP Prof.
Dr. Hermes Magalhes Tavares Doutor em Poltica Econmica / Unicamp
Prof. Dr. Rainer Randolph Doutor em Cincias Econmicas e Sociais /
Universidade de Erlangen. Alemanha Prof. Dr. Sonia Maria Taddei
Ferraz Doutora em Comunicao e Cultura / UFRJ Prof. Dr. Sylvio
Bandeira de Mello e Silva Doutor em Geografia / Universit de
Toulouse, Frana
Rio de Janeiro
2006
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Dedico este trabalho aos meus pais.
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AGRADECIMENTOS
Quero inicialmente agradecer ao meu orientador professor Mauro -
pelo estmulo e
orientaes. Seu apoio foi fundamental para a concluso desta tese.
A ele terei
sempre carinho e admirao.
No poderia deixar de destacar a importncia dos professores Ana
Clara (minha
querida orientadora do mestrado), Hermes (por cada uma das
conversas que
tivemos ao longo do curso), Jorge Natal (pela clareza como
mostrava o pensamento
econmico), Rainer (por toda ateno), Tmara (pelo carinho nas
provocaes) e
Vainer (pela dureza fraterna no debate) na minha formao. Saibam
que guardo na
mente algumas aulas que me fizeram pensar e repensar conceitos e
categorias.
Quero, tambm, agradecer aos meus avs (os que moram aqui e os que
moram em
cima), Adolfo, Renato, Carol, Janana, amigos da cidade e de
outras cidades pelo
apoio e carinho dado ao longo desses anos. Saibam que este
trabalho tem um
pouco de cada um.
Agradeo, ainda, aos funcionrios do IPPUR pelo carinho e ateno,
bem como
meus colegas de curso pela oportunidade de calorosos
debates.
Porm, o maior agradecimento que fao a Deus. Obrigado pela sade
e
oportunidade de cumprir esta jornada.
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RESUMO
Este trabalho trata do planejamento do desenvolvimento em
Salvador no perodo de 1950 a 2000. Assim, verifica-se que o Estado
da Bahia esteve frente do planejamento em quase todos os momentos.
Neste sentido, a compreenso do planejamento em Salvador s possvel
compreendendo o planejamento no Estado da Bahia. Neste contexto,
visando romper com um modelo agrrio exportador de desenvolvimento,
o estado assume a partir dos anos 1950 o modelo industrial de
desenvolvimento, tendo como marcos os Centro Industrial de Aratu
nos anos 1960 e o Complexo Petroqumico de Camaari nos 1970, e a
partir de 1991 o modelo ps-industrial de desenvolvimento, tendo
como atividade principal o turismo. A periodizao do planejamento
tem um rebatimento na escala do planejamento: enquanto o modelo
industrial de desenvolvimento tem como referncia espacial a Regio
Metropolitana de Salvador, ainda num contexto de planejamento
regional, o modelo ps-industrial de desenvolvimento articula
diversas escalas (como estado da Bahia, a cidade de Salvador, as
zonas tursticas da Costa dos Coqueiros e Baa de Todos os Santos).
Mas a mudana de paradigma de desenvolvimento no se estabelece
apenas no plano espacial. Conceitualmente, a opo pelo modelo
ps-industrial de desenvolvimento foi fundamentada em dois modelos
estratgicos e competitivos: o porteriano (clusters) e o city
marketing. Ambos possuem forte tendncia exgena. Apesar da mudana de
paradigma de planejamento do desenvolvimento, a capital baiana no
conseguiu se desenvolver, tendo como resultado um quadro de
profundas desigualdades sociais, expressas em indicadores como
desemprego e baixa escolaridade. Este trabalho aponta trs causas
principais para este quadro: a) a manuteno de uma perspectiva
exgena de desenvolvimento, no favorecendo a reteno dos benefcios
gerados pela dinmica econmica; b) processo migratrio para a
capital, contribuindo para um quadro de favelizao; c) baixas
condies sociais da populao, sendo este ponto no apenas causa, mas
tambm conseqncia do quadro apresentado, perpetuando um circulo
vicioso.
PALAVRAS-CHAVE: Cluster; desenvolvimento; servios; estratgia;
Salvador.
-
ABSTRACT This work talks about the developments planning in
Salvador between 1950 and 2000. Thus, we can realize that the state
of Bahia was heading the planning almost all the time. In this
manner, the comprehension of the planning in Salvador is only
possible if we comprehend the planning in the state of Bahia. In
this context, pretending to break the agrarian-export development
model, the state has adopted since the 1950s the industrial
development model, having as its marks The Aratus Industrial Center
in the 1960s and The Camaaris Petrochemical Complex in the 1970s,
and from 1991 on, the post-industrial development model, having as
its main activity the tourism. The periodization of the planning
has a reflection on the planning scale: while the industrial
development model has as a space reference the Salvadors
Metropolitan Region, still in a context of regional planning, the
post-industrial development model links several scales (like Bahia
state, Salvador city, Costa dos Coqueiros tourist zones and Bahia
de Todos os Santos. But the change of developments paradigm does
not settle only in the space basis. Conceptually, the option for
the post-industrial development model was based on two strategical
and competitive models: the porteriano (clusters) and the city
marketing. Both have strong exogenous tendencies. In spite of the
development-planning-paradigm change, the Bahias capital did not
get to develop itself, having as a result a picture of deep social
unequalities, expressed by indicators like unemployment and low
education level. This work shows three main causes for this
picture: a) the maintenance of a exogenous perspective of
development, disfavouring the retention of benefits created by the
economic dynamics; b) existence of few medium-importance cities in
the interior of the state, wich caused the migratory process to the
capital, cooperating to create slums; c) low social conditions of
the population, not only being this point a consequence of the
picture exposed, but mainly the cause of it, producing an
everlasting vicious circle.
KEY WORDS: Cluster; development; service; strategy;
Salvador.
-
SUMRIO
INTRODUO 15 CAPTULO 1: ESTADO, PLANOS E DESENVOLVIMENTO 33 1.1.
O ESTADO KEYNESIANO E O DESENVOLVIMENTO 36 1.2. O ESTADO NEOLIBERAL
39 1.3. DESENVOLVIMENTO E ESTADO BRASILEIRO 42 1.4. O PENSAMENTO
CEPALINO SOBRE DESENVOLVIMENTO ECONMICO
45
1.4.1. O pensamento de Celso Furtado 50 1.4.2. O pensamento em
torno da teoria da dependncia 53 1.5. DESENVOLVIMENTO NO BRASIL E A
SUDENE 56 1.5.1. A SUDENE e o contexto da sua criao 62 1.6.
DESENVOLVIMENTO LOCAL: DISCURSOS E CONCRETUDE 69 1.7. PLANEJAMENTO
URBANO: MODELO TRADICIONAL 72 1.7.1. Planejamento urbano e o modelo
tradicional no Brasil 74 1.8. MODELOS COMPETITIVOS 79 1.8.1. A
origem da competio e da estratgia 81 1.8.2. As diversas abordagens
sobre estratgia 82 1.8.3. Breve discusso sobre o conceito de cidade
global e aplicao do conceito estratgia cidade
84
1.8.4. Empreendedorismo urbano e cidade-empresa 87 1.8.5. City
Marketing 91 1.8.6. Modelo catalo 95 1.8.7. O pensamento porteriano
102 1.8.7.1. O modelo porteriano para desenvolvimento de
localidades 106 1.8.7.2. O modelo porteriano na periferia, sua
perspectiva exgena e seus limites
119
1.8.8. Confrontando os modelos competitivos 121 1.9. ESTADO E
PLANEJAMENTO: BREVE PROBLEMATIZAO 124 CAPTULO 2: A CIDADE DE
SALVADOR: PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DE 1950 A 1991. DO
PLANEJAMENTO URBANO S PROMESSAS DE DESENVOLVIMENTO
128
2.1. SALVADOR: CARACTERIZAO DEMOGRFICA E ESPACIAL 128 2.2. A
BAHIA, A CIDADE DE SALVADOR E SUA REGIO METROPOLITANA: A
PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO E O TRAO EXGENO
137
2.3. O EPUCS MARCO DO ESFORO INICIAL DE PLANEJAMENTO URBANO EM
SALVADOR
143
2.4. A MONTAGEM DO PROCESSO DE PLANEJAMENTO NA BAHIA E O
PLANDEB
149
2.5. O PLANEJAMENTO INDUSTRIAL: O CIA E O COPEC 153 2.5.1.
Principais caractersticas estruturais da indstria incentivada na
Regio Metropolitana de Salvador
163
2.6. DE VOLTA AO PLANEJAMENTO URBANO: O PLANDURB 168 2.7. O
PLANEJAMENTO URBANO NORMATIVO 175 2.8. UM BALANO DO PERODO 182
-
CAPTULO 3: A POLTICA DE DESENVOLVIMENTO COM NFASE NO SETOR DE
SERVIOS: TURISMO, ENTRETENIMENTO E CULTURA NA SALVADOR PS 1991
189
3.1. O PRODETUR 201 3.2. PRODETUR BAHIA 208 3.2.1. O PRODETUR-NE
II 214 3.3. A IMPLANTAO DO CLUSTER TURISMO, ENTRETENIMENTO E
CULTURA
219
3.3.1. Pelourinho: associao entre espao, cultura e turismo 225
3.4. RESULTADOS DA ESTRATGIA IMPLEMENTADA 230 3.4.1. A perspectiva
do crescimento 231 3.4.2. A perspectiva do desenvolvimento 240
3.4.2.1. Vazamentos por conta de compras realizadas fora do local
241 3.4.2.2. Possveis transferncias de excedentes 244 3.4.2.3.
Gerao e perfil dos empregos 249 CONCLUSO 254 REFERNCIAS 265
-
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Diamante de Porter 109 Figura 2 Influncias dos governos
sobre os clusters 114 Figura 3 Influncia da firmas sobre os
clusters 115 Figura 4 Modelo espacial de Planejamento de Salvador
proposto no EPUCS
143
Figura 5 - Abertura da Avenida Garibaldi, construda entre
1969-1972 147 Figura 6 - Abertura da Avenida Bonoc, inaugurada em
1970 147 Figura 7 Concepo de Implantao do CIA, fase final 156
Figura 8 Abertura da Avenida Paralela, inaugurada em 1974 159
Figura 9 Condomnio Caminho das rvores nos anos 1970 178 Figura 10:
Cluster Turismo, Entretenimento e Cultura em Salvador 223
-
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 - Crescimento da populao de Salvador, 1872 1991
177Grfico 2 Distribuio dos recursos do PRODETUR-BA por setores
214Grfico 3 - Receita gerada e impacto no PIB em milhes de US$
(1991 2004)
232
Grfico 4 - Evoluo das taxas de desemprego total na RMS (dez 1996
- dez 2005)
252
-
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 Localizao de Salvador 16 Mapa 2 Municpios da Regio
Metropolitana de Salvador - RMS 17 Mapa 3 rea de atuao da SUDENE 65
Mapa 4 Vetores de crescimento e distribuio de renda em Salvador
130Mapa 5 Zoneamento de Salvador definido pelo EPUCS (DL n 701/48)
146Mapa 6 Vetores de Expanso Urbana definidos pelo PLANDURB 170Mapa
7 Nucleao das Atividades e Transporte de Massa segundo o
PLANDURB
172
Mapa 8 Transporte e Sistema Virio segundo o PLANDURB 174Mapa 9
Evoluo da Mancha Urbana de Salvador, 1940 1980 176Mapa 10 - Regies
Administrativas (RAs) de Salvador, segundo o Decreto n 7.791 de 16
de Maro de 1987
186
Mapa 11- Distribuio espacial das Zonas Tursticas do PRODETUR-BA
211Mapa 12 Plos de Turismo definidos no PRODETUR/NE II 216
-
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Declogo do Consenso de Washington 40 Tabela 2: Pactos
Polticos e Modelos de Desenvolvimento 43 Tabela 3 - Estratgias de
Prebisch para o desenvolvimento da Amrica Latina
48
Tabela 4 - Reviso histrica das experincias de planejamento
econmico brasileiro
59
Tabela 5 - Projetos de investimentos empresariais concludos
segundo estado (1959-1999)
66
Tabela 6 - ndice de Desenvolvimento Humano Municipal IDHM
segundo os estados nordestinos e o Brasil 1991/2000
66
Tabela 7 - Produto Interno Bruto Real a preos de 2000 segundo
estados nordestinos e o Brasil 1990/ 1995/ 2000
67
Tabela 8 Abordagens Estratgicas 82 Tabela 9 Estratgias bsicas
para o Empreendedorismo Urbano 90 Tabela 10 Novas atividades-meio
preconizadas pelo modelo catalo para os governos locais
100
Tabela 11 Opes de estratgias globais para empresas segundo
Porter 105 Tabela 12: Comparao entre servios avanados e servios
bsicos 121 Tabela 13: Comparativo de modelos de gesto de cidades
123 Tabela 14: Os dez municpios com maior populao na Bahia (Populao
estimada em 01.07.2005)
131
Tabela 15: Crescimento populacional na Bahia (1900 1980) 132
Tabela 16: Crescimento populacional em Salvador (1620 1980) 133
Tabela 17: Participao da populao de Salvador na Bahia (1900-1980)
134 Tabela 18: Origem do crescimento da Populao de Salvador
(1950-1970) 134 Tabela 19 Populao de 1996 e Populao Projetada Regio
Metropolitana e Municpio do Salvador (1996 -2020)
135
Tabela 20 Nmero Mdio de Habitantes por Domiclio Salvador -
1980/1991/1996
135
Tabela 21 Estratgias do PLANDEB para a industrializao do Estado
151 Tabela 22 Estrutura Setorial (%) do PIB da Bahia, 1950-1990 161
Tabela 23 Participao (%) da indstria baiana na indstria nacional,
1950-1980
162
Tabela 24: Distribuio relativa do nmero de empresas e do valor
das vendas segundo o tamanho dos Empreendimentos, pelo critrio do
Nmero de Empregados 1986
163
Tabela 25: Origem do controle acionrio do capital da indstria
incentivada 164 Tabela 26: Procedncia dos insumos e Destino das
vendas 164 Tabela 27: Salrios mdios mensais e salrios mnimos da
poca, segundo grupos industriais (1986)
167
Tabela 28 - Tipos de Planos segundo a Lei de Processo de
Planejamento e Participao Comunitria - Lei n 3.345 de 1983
178
Tabela 29 - Hierarquia da rede viria do Municpio segundo a LOUOS
180 Tabela 30 Produto Municipal de Salvador em 1991 por Atividade
Econmica
182
Tabela 31 - Populao Residente Salvador, Regio Metropolitana,
Estado da Bahia e Brasil - 1960/1970/1980/1991
184
-
Tabela 32 - Taxa de Crescimento Geomtrico Mdia Anual - Salvador,
Regio Metropolitana, Estado da Bahia e Brasil -
1960/1970/1980/1991
184
Tabela 33 - Participao Percentual da Populao dos Municpios da
Regio Metropolitana no Total da Populao da RMS 1960/1991
185
Tabela 34 Distribuio Espacial da Populao e da Renda dos Chefes
de Famlia em Salvador em 1991 por Regio Administrativa
187
Tabela 35: Comparao entre a dinmica industrial e a dinmica de
servios 191 Tabela 36 Distribuio dos recursos aplicados no
PRODETUR/NE I (posio em 15.03.2004)
207
Tabela 37 - Objetivos do PRODETUR- BA 209 Tabela 38 Zonas
Tursticas, centros tursticos e destinos-ncora no PRODETUR
210
Tabela 39 - PRODETUR/BAHIA I Aes concludas (posio em 09/2005)
212 Tabela 40 Plos de Turismo criados em 2001 e as correspondentes
Zonas Tursticas
217
Tabela 41: Variao da receita gerada e do impacto no PIB derivado
do turismo (Em US$ milhes). Salvador e Bahia (1991-2004)
234
Tabela 42: Distribuio da Renda turstica na Bahia 2004 234 Tabela
43 - Resultados do Turismo Salvador (1991-2004) 236 Tabela 44 -
Fluxo Turstico Global em Salvador - 1991-2004 238 Tabela 45 -
Mercado comparado dos quinze principais hotis de grande porte
comparveis da cidade de Salvador Bahia (2002)
246
Tabela 46 - Origem dos quinze principais hotis de grande porte
comparveis da cidade de Salvador Bahia (2002)
246
Tabela 47 - Taxa de ocupao dos meios de hospedagem classificados
em Salvador (1995 2000)
247
Tabela 48: Pessoal Ocupado nos Hotis e Salrios, de acordo com a
Procedncia das Pessoas. Salvador 2000
250
Tabela 49 - Taxas de Participao e de Desemprego na Regio
Metropolitana de Salvador (Dezembro/05)
251
Tabela 50 - Taxas de desemprego total Regies Metropolitanas e
Distrito Federal (junho/2005 novembro/2005)
253
Tabela 51: Comparao entre os modelos de desenvolvimento vigentes
ao longo do sculo XX
259
-
INTRODUO
As aes do Estado visando o desenvolvimento econmico capitalista
por meio de
Planos compreendem as dimenses do mbito nacional, regional e
urbano.
Experincias histricas de planos para desenvolvimento nos nveis
nacional e
regional podem ser destacados no caso dos Estados Unidos o New
Deal como
resposta recesso da crise de 1929 e o de planificao indicativa
na Frana ps
2 Guerra Mundial.
Planos a nvel urbano consubstanciam-se de maneira plena no corpo
do modelo
nacional-funcionalista no sentido de dar ordem ao caos da cidade
- mant-la sobre o
controle rgido das leis - liberando-a de entraves ao
desenvolvimento, fazendo-a
progredir.
No Brasil o marco do planejamento o Programa de Metas, tambm
conhecido
como Plano de Metas, de 1956, pois o primeiro plano que no se
restringe a
aspectos parciais da realidade econmica ou visando determinado
setor ou regio
especfica, mas medidas coordenadas para orientar tanto o setor
pblico como o
privado para a consecuo de objetivos previamente definidos.
Mas j desde a dcada de 1930 planos destinados ao mbito urbano so
delineados
trazendo no seu corpo o instrumental do zonemaneto que organiza
a cidade por
reas de especificidade segundo suas funes (habitao, comrcio,
indstrias...) e
controla o uso do solo urbano, sob os conceitos do modelo
racional-funcionalista.
Tratava-se de readequar as cidades brasileiras industrializao de
base urbana,
-
com o Estado como figura central de sua gesto. Quando das
transformaes
econmicas introduzem o sistema flexvel de produo o modelo
racional-
funcionalista encontra seus limites, e planos com base nos
conceitos do modelo
estratgico passam a ser aplicados como forma de nova reorganizao
das cidades.
Neste contexto, o objeto desta tese a problemtica do
desenvolvimento na cidade
de Salvador a partir da interveno do estado atravs de diferentes
polticas,
destacando a poltica industrial, numa perspectiva regional e a
poltica de servios,
numa perspectiva local.
Situada na regio nordeste do Brasil (latitude -1258'16'' e
longitude 3830'39''),
possui a terceira maior populao do pas, com cerca de 2,7 milhes
de habitantes e
tem uma estrutura econmica tipicamente terciria, com atividades
ligadas ao
comrcio e servios, destacando-se o turismo e o entretenimento.
Outras atividades
como a construo civil e outras indstrias de transformao, a
exemplo da txtil,
alimentcia, qumica, couro, fumo e cacau aparecem com algum
destaque.
Mapa 1 Localizao de Salvador Fonte: Urbe Planejamento Urbano,
Regional e Projetos Estratgicos LTDA.
-
A dinmica econmica da cidade est ainda bastante associada sua
Regio
Metropolitana1, especialmente por conta do Centro Industrial de
Aratu (CIA) e do
Complexo Petroqumico de Camaari.
Mapa 2 Municpios da Regio Metropolitana de Salvador - RMS Fonte:
CONDER
Fundada em 1549 para ser a capital do Brasil, posio que manteve
durante 214
anos (1549-1763), a cidade possui museus e monumentos artsticos
de grande
importncia para a cultura e histria do pas.
A conscincia libertria da populao de Salvador deu origem a vrios
movimentos
de contestao, com destaque para a Conjurao dos Alfaiates, em que
um grupo
de revoltosos, inconformados com o domnio portugus, tentou
fundar a Repblica
Bahiense. Em 1823, mesmo depois da proclamao da Independncia do
Brasil, a
1 So 10 municpios (Camaari, Candeias, Dias Dvila, Itaparica,
Lauro de Freitas, Madre de Deus, Salvador, So Francisco do Conde,
Simes Filho e Vera Cruz).
-
Bahia continuou ocupada pelas tropas portuguesas do brigadeiro
Madeira de Mello.
No dia 2 de julho do mesmo ano, as milcias patriticas entraram
na Cidade pela
Estrada das Boiadas, atual Avenida Lima e Silva, no bairro da
Liberdade. A data
passou a ser referncia cvica dos baianos, comemorada anualmente
com intensa
participao popular.
Refletir sobre as origens do povo baiano, sua tradio na luta por
ideais e
preservao da cultura de grande relevncia para o estudo do atual
quadro scio
econmico da cidade de Salvador. Sem dvida, podemos afirmar que a
histria
deste povo explica e o credencia a preservar e propagar seus
costumes e hbitos, j
que estes correspondem a uma construo identitria profunda e, em
grande parte,
nica. Isto ainda mais vlido ao considerarmos que o
desenvolvimento local um
fenmeno que depende da cultura local, da histria de seu povo, do
tempo passado
e do presente, articulando num movimento interdependente com a
dinmica local,
regional e global.
Especialmente a leitura de sua histria e cultura possibilita
compreender o novo
dinamismo econmico e urbano que se impe na cidade. A adaptao
e
transformao da cidade para as atividades do turismo alteraram
sua centralidade.
Assim, Santos (1995, p. 16) indica como o turismo impacta sobre
a cidade de
Salvador:
[...] o turismo vai aparecer como um fato extremante importante
na compreenso da centralidade, porque, ao lado dos habitantes que
tm uma lgica de consumo de centro ligada ao seu poder aquisitivo e
sua capacidade de mobilizao, vm os turistas, que so os homens de
lugar nenhum, dispostos a estar em toda parte e que comeam a
repovoar, recolonizar, a refuncionalizar e a revalorizar, com sua
presena e o seu discurso, o velho centro.
-
Entretanto, o turismo aparece de forma mais enftica sobre a
dinmica
soteropolitana nos ltimos anos. J a preocupao com o planejamento
do
desenvolvimento da cidade mais antiga. Na segunda metade do
sculo XX
algumas experincias foram implementadas, variando as escalas de
planejamento
(regional x local) e os agentes do planejamento (governo federal
especialmente
atravs da SUDENE e BNB, governo estadual e governo
municipal).
Mas uma srie de aspectos histricos ajuda a explicar as
alternativas adotadas e os
resultados para a sociedade. Neste sentido, dois podem,
inicialmente, ser
destacados para este trabalho. O primeiro diz respeito economia
baiana
marcadamente caracterizada como agro-exportadora at o incio dos
anos 1950. O
segundo indica uma concentrao econmica no litoral, ajudando a
explicar o
pequeno nmero de cidades mdias no estado da Bahia.
Assim, verificava-se que, no perodo colonial, a economia se
concentrou no litoral,
favorecida pelo clima, solo e por questes logsticas como a
facilidade para a escoar
a produo. Deste modo, foi se fortalecendo a cultura da cana de
acar na regio
da Bahia de Todos os Santos. J no interior, especialmente na
regio do Semi-rido
ocorria uma economia de subsistncia com caractersticas de
policultura. Este
padro (dinmica econmica que oferecia condies urbanizao no
litoral,
possibilitando mais a frente um processo de industrializao e
economia de
subsistncia no interior) apresentava como principal exceo as
atividades
mineradoras na Chapada Diamantina. Neste sentido, a Bahia foi se
posicionando de
forma secundria no processo de desenvolvimento do pas, mesmo com
a forte
cacauicultura.
-
Uma reviso das principais aes ligadas ao planejamento do
desenvolvimento
mostra a criao de uma Comisso Externa pelo Senado Baiano, em
1891, que
poca considerava que havia uma crise de escassez de oferta de
trabalho na
lavoura da cana, que tinha sido estruturada em torno do trabalho
escravo, sendo o
governo identificado como o principal responsvel pela crise, por
no ter adotado
mecanismos de compensao para as perdas dos senhores de
escravos.
J nos anos 1930 so criados, pelo governo estadual, o Instituto
Baiano do Fumo e
o Instituto de Cacau da Bahia para organizar os principais
produtos da sua
economia, e com uma idia de cooperao mtua entre os produtores.
No perodo
compreendido entre 1943 e 1947 o Escritrio do Plano de Urbanismo
da Cidade do
Salvador - EPUCS estabeleceu diretrizes de planejamento urbano,
ordenando o
crescimento da capital baiana. Destaca-se que nos anos 1940 a
Bahia produzia 95%
do cacau, 30% do fumo, 20% do algodo e 7% do acar no Brasil.
Havia neste
momento um quadro de profunda insatisfao por parte da elite
local: o pas j havia
iniciado um processo de industrializao e a Bahia ainda era um
estado agro-
exportador.
Nos anos 1950, no Governo Balbino, a idia do planejar o
desenvolvimento ganha
efetivamente fora entre os polticos, lideranas empresariais e
intelectuais da
poca, tendo como marcos a instituio do Conselho de
Desenvolvimento da Bahia
CONDEB e da Comisso de Planejamento Econmico CPE, em 1955.
Naquele
momento a Bahia experimentava um cenrio favorvel industrializao
em funo
da explorao do petrleo no Recncavo, gerando uma infra-estrutura
que foi
dinamizando a Regio Metropolitana de Salvador, inclusive
fortalecendo o comrcio.
-
Autores como Carvalho Neto (2002, pg. 07) defendem os anos 1950
como marco
institucional do planejamento na Bahia:
O planejamento, como instrumento de orientao do desenvolvimento
econmico e social, surge na Bahia nos anos 50 do sculo passado.
Conquanto se possam localizar algumas iniciativas anteriores, o
marco institucional do planejamento no Estado foi a criao do
Conselho de Desenvolvimento do Estado da Bahia e a Comisso de
Planejamento Econmico CEP, em 1955.
Nesta perspectiva, nas dcadas de 50 e 60 do sculo XX, com os
investimentos da
Petrobrs e o Centro Industrial de Aratu (CIA), bem como a criao
da SUDENE
pelo governo federal, surgem as primeiras promessas reais de
desenvolvimento, que
so renovadas nos anos 1970 e 1980 com o Complexo Petroqumico de
Camaari.
Assim, podemos considerar que as promessas de desenvolvimento do
Centro
Industrial de Aratu CIA e do Complexo Petroqumico de Camaari se
inserem
espacialmente num contexto de impacto de todo estado no sentido
que acelerou
os fluxos migratrios e especialmente na Regio Metropolitana de
Salvador. J
nos anos 90, houve ainda uma busca pelo fortalecimento da
indstria baiana,
seguindo uma lgica agressiva de guerra fiscal, tendo como marco
a implementao
de uma unidade da Ford (Projeto Amazon Bahia).
Em todos esses momentos o governo do estado teve um destacado
papel no que se
refere ao planejamento do desenvolvimento. Quando da criao do
CIA, o estado
preparou boa parte da infra-estrutura necessria para sua
implantao, alm de
incentivos fiscais e financeiros. J nos anos 1970, o Complexo
Petroqumico de
Camaari foi constitudo num modelo tripartite (estado, capital
nacional e capital
estrangeiro). Neste momento, mais uma vez foram utilizados
incentivos fiscais e
financeiros. Da mesma forma, verifica-se no Projeto Amazon
(Ford) incentivos e
-
concesses que vo da doao do terreno a uma poltica agressiva de
renncia
fiscal, passando ainda por melhorias na infra-estrutura de
transporte.
Portanto, o perodo de poltica de desenvolvimento industrial foi
caracterizado por
uma ao efetiva do governo com subsdios, financiamento,
incentivos fiscais,
chegando participao acionria. E justamente esta ltima
caracterstica -
participao acionria do governo reduziu em alguma medida o trao
exgeno do
perodo. O perodo pode ser ainda caracterizado pela influncia da
perspectiva do
planejamento regional, no sentido que havia um objetivo de
descentralizao
industrial no pas, tendo como referncias a SUDENE e o BNB.
J a partir de 1991, mesmo com o esforo oportunista para a captao
da Ford, o
que marcou o processo de planejamento foi o fortalecimento de
uma poltica com
nfase no turismo em todo o estado, sobretudo na capital. Assim,
tinha-se um
cenrio em que: a) a sociedade contempornea passou a valorizar
cada vez mais os
bens simblicos e a dinmica dos servios foi assumindo um papel de
destaque na
economia ocidental, dentro de um contexto de perda de dominncia
do setor
secundrio-industrial (HARVEY, 1992; 1996); b) a emergncia de
modelos
competitivos e estratgicos de desenvolvimento local como
alternativas
hegemnicas (VAINER, 2000).
Para se ter uma idia da penetrao do turismo na sociedade local,
em 1999, cerca
de 10,4% das pessoas ocupadas na Regio Metropolitana de Salvador
estavam
vinculadas a atividades do turismo ou correlatas (no Brasil a
participao de 6,1% ,
-
enquanto no Nordeste 5,2%) de acordo com estimativas do
Instituto da
Hospitalidade.
Portanto, uma perda relativa do dinamismo industrial, foi
encontrada a nova
alternativa de desenvolvimento que operaria um modelo estratgico
e competitivo no
local: o cluster do turismo. O novo choque industrial exgeno que
Teixeira (2000) se
referia no veio, mas sim uma poltica de servios exgena.
Esgotados os efeitos multiplicadores desses investimentos, e na
ausncia de uma dinmica econmica endgena, o processo de
industrializao fica aguardando um novo choque exgeno que derrube a
apatia e desperte um outro perodo de otimismo. (TEIXEIRA, 2000, p.
87).
Assim, aproveitando-se de um programa federal (Programa de
Desenvolvimento
Turstico Prodetur), contando com recursos nacionais e
internacionais realizado
um esforo para o desenvolvimento desta atividade no estado.
Dentro desta mesma
linha, passou a ser necessrio trabalhar em duas frentes que por
fim se mesclavam:
Vender a cidade, utilizando ferramentas de marketing. Logo, o
modelo do marketing city ganhou fora.
Formatar o produto cidade atravs da dinmica econmica, incluindo
fornecedores, pessoal e outros atores. Logo, passou a ser
estimulado o
Cluster Turismo, Entretenimento e Cultura.
Por marketing city compreende-se a transposio do marketing do
contexto
empresarial para o dos lugares. Como mostra Kotler (1997) o
marketing city
tratado originalmente na escala nacional, mas pode ser ajustado
escala local.
-
Entretanto alguns fundamentos devem ser observados como a
necessidade dos
lderes governamentais aplicarem os conceitos e ferramentas
estratgicas para guiar
o desenvolvimento do local/ regio / nao, bem como observar o
comportamento
dos produtores, distribuidores e consumidores de um mercado para
elaborao das
polticas pblicas, construdas ento a partir da compreenso do
real;
Kotler (1997) destaca ainda a existncia de seis estratgias
genricas que podem
ser utilizadas para que os lugares possam melhorar suas posies
no ambiente
competitivo que se encontram: a) atrair turistas e visitantes a
negcios; b) atrair
negcios de outros lugares; c) manter e expandir os negcios j
existentes; d)
promover pequenos negcios e apoiar a criao de novos; e) aumentar
as
exportaes e os investimentos estrangeiros; f) aumentar a populao
ou mudar a
combinao de moradores.
Associado ao uso do city marketing, utiliza-se o cluster. Com
isto, so articuladas as
atividades ligadas ao turismo, cultura e entretenimento.
No turismo, por exemplo, a qualidade da experincia do visitante
depende no s do apelo da principal atrao (como praias ou
localidades histricas), mas tambm do conforto e do servio dos
hotis, restaurantes, lojas de souvenires, aeroportos, outros meios
de transporte e assim por diante. Como ilustra o exemplo, as partes
do aglomerado so, em geral, efetivamente dependentes entre si. O
mau desempenho de uma delas compromete o xito das demais. (PORTER,
1999, pg. 230).
De acordo com Porter (1999), gera-se neste momento uma
expectativa pelos
benefcios potenciais de um cluster como a reduo de custos pela
especializao
e/ou aumento de escala, diminuio de riscos pela especializao
e/ou diviso dos
investimentos; aumento da qualidade por meio da competio, inovao
e aes
-
conjuntas; maior qualidade e flexibilidade da mo-de-obra pelo
aumento e melhoria
da oferta de oportunidades profissionais e treinamento
integrado, bem como a
melhora do dinamismo empresarial pela criao e atrao de novas
empresas/lderes. Neste contexto, com influncia dos ciclos
econmicos e do papel
da inovao tecnolgica no processo de destruio criadora de
Schumpeter, Porter
(1999, p.239) explicita assim a teoria dos clusters:
A Teoria dos Clusters focaliza a maneira como a justaposio de
empresas e instituies economicamente interligadas numa localidade
geogrfica especfica afeta a competitividade [...] tambm proporciona
um meio de relacionar de modo mais estreito as teorias das redes,
do capital social e dos envolvimentos cvicos com a competio entre
empresas e a prosperidade econmica ampliando seu escopo.
Mantendo uma perspectiva empresarial para o desenvolvimento de
um cluster,
associando a uma preocupao com questes como coeso social e
poltica verifica-
se que na viso de Beni (2003, p. 74) um cluster de turismo pode
ser definido como:
[...] conjunto de atrativos com destacado diferencial turstico,
concentrado num espao geogrfico delimitado dotado de equipamentos e
servios de qualidade, de eficincia coletiva, de coeso social e
poltica, de articulao da cadeia produtiva e de cultura associativa,
e com excelncia gerencial em redes de empresas que geram vantagens
estratgicas comparativas e competitivas.
Portanto, na segunda metade do sculo XX verificamos dois
momentos que se
destacam neste contexto: um primeiro que chamamos de perodo de
poltica de
desenvolvimento industrial, tendo o CIA e o Complexo Petroqumico
de Camaari
como cones e o segundo, a partir de 1991, que chamamos de perodo
de poltica de
desenvolvimento com nfase no setor de servios com tnica no
turismo, cultura e
entretenimento.
-
Neste contexto, esta tese de doutorado em planejamento urbano e
regional tem
como objetivo central refletir sobre a problemtica do
planejamento do
desenvolvimento na cidade de Salvador, observando o impacto na
dinmica
econmico-social local e na forma de planejar a cidade. Tal
reflexo leva em conta a
observao sobre uma passagem de uma poltica do planejamento
do
desenvolvimento no local: de uma poltica com nfase no industrial
para uma poltica
com tnica no setor de servios.
So ainda objetivos especficos deste trabalho:
Verificar como os dois perodos de polticas de desenvolvimento
(industrial e de servios) mantiveram ou alteraram seus padres de
relacionamento com a
sociedade e a economia local, particularmente se as opes de
desenvolvimento se apoiaram em perspectivas endgenas ou exgenas
e
quais impactos de tais perspectivas;
Analisar criticamente o uso do modelo estratgico em Salvador,
identificando limites ao desenvolvimento econmico e social;
Articular a perspectiva do planejamento e do desenvolvimento
dinmica scio-econmico-espacial de Salvador;
Articular a perspectiva do planejamento e do desenvolvimento
dinmica scio-econmico-espacial de Salvador (micro escala) com o a
dinmica do
capitalismo (macro escala).
Construmos algumas hipteses para orientar nosso trabalho. A
primeira delas trata
da existncia de uma passagem de poltica de Estado para o
desenvolvimento
-
daquela com base na industrializao para outra com base nos
servios. Nesta
passagem necessita ser qualificado o grau de perda de dominncia
da poltica para
desenvolvimento pela industrializao, e aquele da emergncia e
impulso da poltica
de servios pela atividade de turismo associado a cultura.
Considera-se que a partir
dos anos 1990 a atividade turstica alavancou-se de tal forma que
passa a ser
dominante, ainda que interpenetrando-se com a atividade
industrial. A segunda diz
respeito ao limite dos modelos estratgicos e competitivos,
especialmente o
marketing city e o porteriano (dos clusters) no que tange relao
entre crescimento
e desenvolvimento em localidades perifricas.
Neste sentido, verifica-se um esforo governamental para acelerar
as taxas de
investimento, muitas vezes apoiadas em algum tipo de renncia
fiscal. Assim, so
valorizados os grandes empreendimentos, os quais assumem uma
perspectiva
exgena, considerando a condio duplamente perifrica da localidade
(pas
perifrico e local perifrico em relao ao pas). Como conseqncia
o
desenvolvimento no alavancado tendo entre suas causas principais
a
transferncia de excedentes para outras localidades
(transferncias periferia
centro).
No caso especfico de Salvador, com a poltica com nfase no setor
de servios
visando o desenvolvimento a lgica de transferncia potencializada
medida que
so implementados novos empreendimentos com servios avanados para
atender
a turistas com renda elevada (ou turistas qualificados,
observando a denominao
de rgos oficiais, como a Bahiatursa). Assim, cada vez mais se
tem um fluxo
turstico com elevado padro de exigncia que atendido por empresas
que
-
conseguem romper as barreiras entrada (como redes internacionais
de hotis,
grandes grupos de locadoras de automveis e operadoras de
turismo).
Ainda em relao a esta segunda hiptese pode-se compreender que o
modelo
porteriano foi concebido no (e para o) o centro. A sua
transposio (centro para
periferia) poderia gerar uma srie de limitaes ao prprio conceito
e condies para
sua efetivao como defendido por Porter (1999) como a
interrelao,
encadeamento, interdependncia e correlao entre empresas e
setores
componentes, alm da presena de instituies financeiras locais
fortes.
A segunda hiptese considera que a poltica baseada no setor de
servios para o
desenvolvimento tem seu efeito reduzido, entre outros motivos
pelo padro de
precarizao da mo de obra tpico do setor turstico.
Neste sentido, tem-se no local Salvador, atravs da operao de
atividades como
hotelaria, a ponta das cadeias de valores ligados ao turismo,
havendo uma demanda
por pessoal com baixa qualificao. Esta hiptese considera que a
estrutura das
cadeias de valores do turismo tm na sua operao uma dinmica
que
caracterizada por pessoal no qualificado e relaes precarizadas
de trabalho. Com
isto, considera-se a possibilidade de ser necessrio estratgia
adotada (o cluster
do turismo) a existncia de um grande contingente de pessoal com
baixa ou
nenhuma qualificao. Desta forma, mantendo o princpio da
eficincia econmica
tem-se um baixo custo de mo de obra, tendendo os salrios ao
mnimo possvel.
-
Portanto, o quadro de elevadas taxas de desemprego no local
apresenta-se como
uma importante vantagem comparativa na perspectiva porteriana -
ou como um
importante atributo na perspectiva do city marketing - para as
empresas que se
instalam no local.
Para verificarmos se tais hipteses so vlidas e para alcanarmos
os objetivos
estabelecidos definimos como metodologia bsica a anlise de
planos e documentos
oficias, bem como informaes disponibilizadas em sites oficiais.
Utilizamos ainda
trabalhos e pesquisas realizadas. Destacamos que a interlocuo
com
pesquisadores e profissionais das reas envolvidas neste trabalho
foi importante
para desvendar alguns processos.
No que se refere ao recorte do objeto so utilizados dois
recortes analticos:
a) espacial: a cidade de Salvador;
b) temporal: a segunda metade do sculo XX.
O recorte espacial justificado pela importncia da capital baiana
na histria e
cultura brasileira, na referncia do estado no que diz respeito
ao planejamento do
desenvolvimento e forma como o planejamento se adaptou s novas
tendncias
de poltica industrial para a de servios, e de desenvolvimento
regional para
desenvolvimento local apoiado em modelos competitivos e
estratgicos. Chamamos
a ateno dos leitores deste trabalho que o recorte geogrfico a
cidade de
Salvador, mas pela sua importncia econmica para o estado baiano
e pela sua
condio de capital muitas vezes fomos forados a ampliar este
recorte. Verifica-se
-
que o processo de desenvolvimento de Salvador est bastante
associado ao CIA e
ao Complexo Petroqumico de Camaari, ambos na Regio
Metropolitana.
Quando a anlise aponta para a emergncia de uma nova poltica com
tnica nos
servios de turismo, verificam-se trs pontos crticos: a) os dados
disponibilizados
pelos rgos oficiais de turismo so, muitas vezes, aferidos/
estimados a partir de
Salvador e extrapolados para todo o estado; b) a cidade de
Salvador se articula com
os municpios mais prximos, especialmente pelo fato de possuir
aeroporto
internacional (o outro do estado fica em Porto Seguro, a cerca
de 700km de
distncia); c) a estratgia de desenvolvimento a partir do turismo
foi basicamente
formatada no governo do estado, tendo mesclado em alguns
momentos as escalas
de anlise.
Julgamos ainda vlido trabalharmos a anlise do processo de
planejamento do
desenvolvimento no perodo de 1950 a 2000, observando resultados
at 2004 como
recorte temporal. O incio do recorte justificado pela importncia
que a referida
dcada teve no planejamento no estado e na cidade de Salvador. J
o fim do recorte
(2000) foi definido no apenas por fechar um perodo de meio
sculo, mas por
termos como premissa que um dado planejamento de desenvolvimento
tende a
gerar mais resultados a mdio e longo prazo do que a curto prazo.
Neste sentido,
valorizamos as decises, concepes e modelos at 2000. Desta forma,
evitamos
analisar, por exemplo, o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano
(PDDU 2004), da
Prefeitura Municipal de Salvador.
-
Quanto forma, esta tese estrutura-se em trs captulos. No
primeiro captulo,
fazemos uma reviso sobre as relaes entre Estado, Planos e
Desenvolvimento
com nfase no Brasil e na Regio Nordeste. Neste captulo
enfatizado o macro
planejamento econmico, dando destaque a questes que marcaram o
pensamento
acerca da relao entre planejamento e estado. Inclumos ainda
neste captulo uma
breve reviso do pensamento econmico brasileiro e a perspectiva
CEPALINA,
chegando ao final analisando o papel da SUDENE enquanto a
principal experincia
de planejamento regional no pas. Ainda no segundo captulo,
reduzimos a escala de
anlise e destacamos alguns modelos de desenvolvimento e
planejamento local,
especialmente aqueles que situam como modelos estratgicos e
competitivos.
Assim, fazemos um paralelo entre esses modelos e os modelos
tradicionais de
planejamento urbano. Dentre os modelos apresentados destacam-se
o catalo, o
city marketing e o porteriano. Ainda neste captulo, procuramos
discutir os limites de
tais modelos, indicando a lgica subjacente s decises de
utiliz-los.
No segundo captulo, fazemos uma recuperao do planejamento do
desenvolvimento em e para Salvador no perodo de 1950 a 1990,
destacando o
lugar Salvador e sua insero num ambiente com uma srie de
dificuldades a serem
enfrentadas.
No terceiro captulo, apresentamos o modelo de desenvolvimento
apoiado no
turismo que vem sendo aplicado em Salvador, especialmente aps
1991,
destacando as perspectivas da cidade frente ao contexto de
planejamento apoiado
numa lgica empresarial.
-
Por fim, chegamos s concluses. Nelas, valorizamos, inicialmente
se as hipteses
estipuladas confirmam-se e, a partir do quadro atual, a reflexo
de tendncias para o
futuro, abrindo possibilidades para novos trabalhos e anlises.
Procuramos na
concluso voltar a uma dimenso mais ampla, inter relacionando os
diversos
aspectos e questes que percebemos ao longo do trabalho.
-
CAPTULO 1: ESTADO, PLANOS E DESENVOLVIMENTO
Em um contexto de fluxos econmicos e sociais vinculados a uma
ordem global,
marcado pelo modo capitalista de produo, temos a concepo de
Estado
associada muitas vezes a algum tipo de discurso ou prtica acerca
do seu
desenvolvimento, seja econmico, territorial ou social.
Entretanto, a insero da
questo do desenvolvimento como assunto e atividade do Estado
bastante recente
em termos histricos, tendo seu marco temporal os anos 30 do
sculo passado. At
ento, seguindo a viso clssica de Ricardo, se admitia que o
mecanismo de preos
associados ao livre comrcio tendia a fazer com que os recursos
produtivos fossem
utilizados da forma mais eficiente possvel, garantindo o
progresso econmico dos
pases. Foi a Teoria Geral de Keynes que influenciou alm de
questes ligadas
renda e emprego de curto prazo o interesse pela teoria do
crescimento econmico
(KEYNES, 1982).
Neste contexto, trabalhos como o Harrod (Inglaterra) e Domar
(Estados Unidos),
com forte influncia keynesiana, estiveram no incio do pensamento
acerca do
desenvolvimento econmico. Harrod e Domar analisaram o
crescimento em termos
da evoluo da demanda de longo prazo, identificando a demanda
efetiva (gasto) e
seus impactos via acelerador e multiplicador com motor do
crescimento econmico.
Assim, j no ps-guerra, a preocupao com o crescimento e
desenvolvimento
econmico est no centro do pensamento econmico.
De fato, o debate acerca do conceito de desenvolvimento bastante
rico no meio
acadmico, principalmente quanto distino entre desenvolvimento e
crescimento
-
econmico, pois muitos autores atribuem apenas os incrementos
constantes no nvel
de renda como condio para se chegar ao desenvolvimento, sem, no
entanto, se
preocupar como tais incrementos so distribudos. Deve-se
acrescentar que apesar
das divergncias existentes entre as concepes desenvolvimento,
elas no so
excludentes. Na verdade, em alguns pontos, elas se completam
(SCATOLIN, 1989,
p.24).
Muitos autores procuram associar desenvolvimento econmico
com
desenvolvimento social. Na viso de Vasconcelos e Garcia (1998,
p. 205), o
desenvolvimento, em qualquer concepo, deve resultar do
crescimento econmico
acompanhado de melhoria na qualidade de vida, ou seja, deve
incluir "as alteraes
da composio do produto e a alocao de recursos pelos diferentes
setores da
economia, de forma a melhorar os indicadores de bem-estar
econmico e social".
Para Sandroni (1994), desenvolvimento econmico pode ser
compreendido como
crescimento econmico (incrementos positivos no produto)
acompanhado por
melhorias do nvel de vida dos cidados e por alteraes estruturais
na economia.
Assim, o desenvolvimento depende das caractersticas de cada pas
ou regio.
Portanto, depende do seu passado histrico, da posio e extenso
geogrficas, das
condies demogrficas, da cultura, bem como dos recursos naturais
que possuem.
Observando a viso de Bresser-Pereira (2003) o desenvolvimento um
processo de
transformao econmica, poltica e social, no se referindo portanto
apenas
economia, mas tambm, no mbito social, poltico e cultural, sendo
que nestes
mbitos as mudanas constantes e significativas esto diretamente
ligados ao
-
processo de desenvolvimento. O desenvolvimento, portanto, um
processo de
transformao global. Neste sentido, o crescimento do padro de
vida da populao
est ligado ao processo de transformao global.
Ainda de acordo com Bresser-Pereira (2003), as transformaes
devem levar ao
aumento do padro de vida automtico, autnomo e necessrio, ou
seja, auto-
sustentado. No desenvolvimento o aspecto dominante de seu
processo a
transformao econmica e, como resultado por excelncia, o
crescimento do
padro de vida da populao no seio da qual ocorre o
desenvolvimento.
J Furtado (1961, p.115-116) define desenvolvimento como sendo
basicamente,
aumento do fluxo de renda real, isto , incremento na quantidade
de bens e servios
por unidade de tempo disposio de determinada coletividade. Mais
tarde o
prprio Furtado alertou que a busca incessante por taxas elevadas
de crescimento
econmico podem dar a falsa impresso de um maior bem estar das
pessoas da
sociedade. Desta forma, Furtado (1974, p.75) alerta que a idia
de desenvolvimento
econmico um simples mito. Graas a ela tem sido possvel desviar
as atenes
da tarefa bsica de identificao das necessidades fundamentais da
coletividade e
das possibilidades que abrem ao homem os avanos da cincia, para
concentr-las
em objetivos abstratos como so os investimentos, as exportaes e
o crescimento.
Portanto, so as pessoas - e seu nvel de vida que devem estar no
propsito final
do desenvolvimento.
-
1.1. O ESTADO KEYNESIANO E O DESENVOLVIMENTO
Quando se quer abordar como o tema do desenvolvimento
incorporado ao
conceito de Estado, por meio de suas polticas, se faz necessrio
trazer a tona a
contribuio do economista ingls John Maynard Keynes (1883-1946).
Contribuio
esta no circunscrita, apenas, a sua principal obra - A teoria
geral do emprego, do
juro e da moeda publicado em 1936 -, mas tambm oriunda da sua
prpria trajetria
profissional.
O ano de 1929 marca, ainda que simbolicamente, o fim do
liberalismo econmico
enquanto doutrina hegemnica nas sociedades capitalistas. E
conseqentemente,
como ressaltado anteriormente, o declnio do sistema poltico
correspondente: o
modelo de Estado Liberal.
O sculo XIX descobriu a questo social. Tendo falhado ao mesmo
tempo em moral e em competncia, o liberalismo duvidou de si mesmo e
da justeza de seus valores. Somente uma reforma generalizada poder
salvar as aparncias. A afirmao de um direito natural propriedade,
assim como a liberdade de competio, leva sem nenhuma dvida
concentrao dos bens em mos de uma classe privilegiada: conseqncia
ao mesmo tempo imoral e perigosa para a prpria liberdade de
concorrncia, o desenvolvimento dos monoplios bem como do destino da
classe operria provocou inquietao... Cincia e moral so postas em
questo (CHTELET; DUHAMEL; PISIER-KOUCHNER , 2000, p.182).
As conseqncias da I Guerra Mundial e da Crise da Bolsa de
Valores de Nova
Iorque de 1929, somadas presso social que a Igreja Catlica vinha
fazendo,
desde o final do sculo XIX, sobre a conduta dos governos dos
pases capitalistas
centrais por meio das suas encclicas, faz com que estes Estados
nacionais
-
assumam uma postura mais firme na conduo da (des)ordem econmica
e na
resoluo dos problemas sociais crescentes, sobretudo o
desemprego.
Diante de tal quadro econmico e social, da ameaa do socialismo
sovitico ps-
revolucionrio e da incapacidade da doutrina liberal dar
respostas eficazes a estas
questes dentro do seu prprio arcabouo terico, novas idias, novas
teorias
econmicas ganhem mais espao na sociedade dos anos de 1930.
Parecia muito distante da realidade a imagem de funcionamento de
um sistema econmico criado pelos clssicos e neoclssicos: o pleno
emprego seria o nvel norma de operao da economia, e as distores que
surgissem teriam correo oriunda de remdios gerados pelo prprio
sistema econmico (PINHO, 1998, p. 48).
deste contexto internacional que as idias de Keynes comeam a
reverberar. De
incio na Gr-Bretanha nos anos seguintes ao trmino da Primeira
Guerra Mundial,
ento uma potncia econmica decadente em comparao ascenso dos
Estados
Unidos, para se tornar o pensador econmico mais influente da
Europa a partir da
publicao do livro A teoria geral do emprego, do juro e da moeda,
em 1936:
A teoria geral modificou o modo como a maior parte dos
economistas entendia o funcionamento das economias. Nesse sentido,
foi explicitamente revolucionrio e teve xito. Tambm teve um efeito
revolucionrio sobre a poltica. [...] uma explorao profunda da lgica
do comportamento econmico sob incerteza, combinada com um modelo de
determinao de renda, no curto prazo, que enfatizava a quantidade e
no o preo como varivel de ajuste (SKIDELSKY,1999, p.43).
Segundo Skidelsky (1999) a influncia de suas idias comeara de
fato desde o final
da I Guerra com o livro As conseqncias econmicas da paz de 1919,
no qual
criticou duramente a postura dos negociadores aliados em extrair
da Alemanha
derrotada um grande volume de dinheiro em indenizaes de guerra e
propunha
-
cancelar todas as dvidas de guerra entre os aliados [...] e
opunha-se
inflexivelmente a que europeus fizessem emprstimos aos Estados
Unidos para
liquidar dvidas impagveis (SKIDELSKY,1999, p.33).
No decnio de 1920 esta influncia aumenta devido obra Tratado
sobre a reforma
monetria de 1923 que defendia um regime monetrio britnico livre
da vinculao
da libra esterlina padro-ouro, que havia sido suspensa durante a
guerra e que
estava prestes a ser reinstitudo. Diante da consistncia da idias
de Keynes e dos
constantes acertos dos seus prognsticos seu pensamento econmico
se transforma
em hegemnico j em 1930 a ponto da expresso Revoluo Keynesiana
ser
cunhada.
Tal a sua fora que passa a servir como adjetivao para um novo
modelo de
Estado o Estado Keynesiano. Estado este caracterizado pela
consolidao do
carter de interveno na economia via polticas fiscal, monetria e
cambial e seus
instrumentos macroeconmicos - cobrana de impostos, contratao
de
emprstimos e aumento dos gastos pblicos para estimular o pleno
emprego,
controle da taxa de juros e emisso de moeda - e, ainda, promover
a proteo social
dos indivduos. Toda esta atuao como forma de garantir as condies
de
reproduo da fora de trabalho e a estabilidade social, uma paz
social.
Assim, cabe ao Estado, segundo Keynes, a funo bsica de regular a
economia, procurando suavizar as flutuaes econmicas e complementar
a iniciativa privada no que tange a realizao do investimento,
evitando a estagnao no longo prazo, em face da tendncia declinante
(SOUZA, 1999, p.159).
-
1.2. O ESTADO NEOLIBERAL
Depois de cerca de trs dcadas de predomnio na forma do Estado
intervir na
economia, o keynesianismo j no conseguia dar respostas adequadas
s
mudanas que passaram a ocorrer no modo de produo capitalista no
decnio de
1970. Mais uma vez se trata do sistema poltico ter que se
adequar ao sistema
econmico. Adequao esta que se conforma num novo modelo de
Estado, o
Neoliberal.
Assim, verifica-se a passagem do modelo fordista de acumulao
para o modelo
neoliberal, com implicaes no campo poltico-econmico (reduo do
papel do
estado, desregulamentao, ajuste fiscal) e tambm empresarial (a
exemplo do
sistema de produo flexvel, o qual implica numa fragmentao de
fases e funes
na produo articulados pelo mtodo just-in-time).
A partir de 1973, o modelo keynesiano de crescimento econmico do
perodo ps-guerra comea a dar sinais de esgotamento. O mundo
capitalista avanado entra num processo de estagflao, ou seja, numa
longa e profunda recesso combinada, pela primeira vez, com altas
taxas de inflao. Segundo Hobsbawn (1995) a maioria dos governos
considerava a crise passageira. No haveria porque mudar polticas
que haviam funcionado to bem por toda uma gerao. No fundo, essas
concepes se baseavam na crena do poder ilimitado de expanso da
produo, na possibilidade de um crescimento permanente e linear da
acumulao de capital (SPINOLA, 2004, p. 105).
A combinao de uma srie de fatos ajudou a formar o atual quadro
poltico-
econmico no mundo. Trs fatos eminentemente polticos parecem
marcar
decisivamente o incio do Estado Neoliberal que tem como auge, e
cone, o
Consenso de Washington:
-
a) a eleio de Thatcher, em 1979, com um forte programa
neoliberal;
b) a chegada em 1980 do republicano Reagan presidncia dos
Estados
Unidos; e
c) o fim da experincia de estados centralizados socialistas na
Europa
Oriental e na Unio Sovitica, em 1989.
Como aponta Fiori (2001), o Consenso de Washington refere-se a
um conjunto de
idias e polticas econmicas defendidas unanimemente pelas
principais burocracias
econmicas norte-americanas e pelos organismos internacionais
sediados na cidade
de Washington. A Tabela 1 traz o conhecido declogo do Consenso
de Washington.
Tabela 1 - Declogo do Consenso de Washington
Medida Contedo
1 Disciplina Fiscal caracterizada por um significativo supervit
primrio e por dficits operacionais de no mais de 2% do PIB.
2
Priorizao dos gastos pblicos, atravs de seu redirecionamento de
reas politicamente sensveis, que recebem mais recursos do que seria
economicamente justificvel como a manuteno da mquina
administrativa, a defesa ou os gastos como subsdios indiscriminados
-, para setores com maior retorno econmico e/ou com potencial para
melhorar a distribuio de renda, tais como sade, educao e
infra-estrutura.
3 Reforma fiscal, baseada na ampliao da base tributria e na
reduo de alquotas marginais consideradas excessivamente
elevadas.
4
Liberalizao do financiamento, com vistas formao de taxas de
juros pelo mercado, ou como objetivo intermedirio mais realista e
at mesmo mais conveniente no curto e mdio prazos - para evitar
taxas muito elevadas - , procurando o fim de juros privilegiados e
visando a obteno de uma taxa de juros real positiva e moderada.
5 Unificao da taxa de cmbio em nveis competitivos, como o fim de
eliminar sistemas de taxa de cmbio mltiplos e assegurar o rpido
crescimento das exportaes.
6 Liberalizao comercial, atravs da substituio de restries
quantitativas por tarifas de importao, que, por sua vez, deveriam
ser reduzidas para um nvel baixo ...de 10% ou, no mximo, perto de
20%.
7 Abolio das barreiras ao investimento externo direto. 8
Privatizao. 9 Desregulamentao.
10 Garantia do direito de propriedade, atravs da melhoria do
sistema judicirio. Fonte: Ferraz et al (2002 apud SPINOLA,
2004)
-
De fato, o Consenso de Washington parece ter marcado
decisivamente o modo de
pensar o Estado e o modo de como o Estado passa a pensar a
economia, por meio
das prticas de planejamento ou ausncia delas. Servindo como
arcabouo terico,
em ltima anlise ele se encarregou de difundir o modelo de Estado
Neoliberal para
todas as outras economias capitalistas centrais ou perifricas -
de forma
indiferenciada como alternativa crise econmica internacional.
Antes mesmo deste
receiturio neoliberal ficar pronto no incio dos anos 1990, desde
o decnio de 1970
o Estado Neoliberal j comeara sua escalada na Amrica Latina,
pelo governo
ditatorial chileno, passando nos anos de 1980 por pases como
Mxico, Peru,
Bolvia, Argentina, Venezuela e, por fim, chega ao Brasil no
governo Collor
(SPNOLA, 2004).
A crise desse Estado surgida em meados de 70 atribuda, entre
outros fatores, agenda sobrecarregada, o que significa que as
presses foram tantas e to fortes, presses sociais como demandas por
melhores escolas, equipamentos de sade mais atualizados, tipos de
exames mdicos cada vez melhores e cobertos pelo Estado que ele
ficou incapacitado financeiramente de dar todas estas respostas.
[...] o Estado no conseguindo arrecadar mais o suficiente para dar
respostas na mesma vazo que chegavam-lhes as demandas. E recriada
assim uma nova crise sistmica, comeando ento uma pregao de retorno
aos ideais liberais. (PINHO, 2001, p.30).
-
1.3. DESENVOLVIMENTO E ESTADO BRASILEIRO
O Estado brasileiro tem um forte histrico de planejamento
governamental,
especialmente entre as dcadas de 1940 e 1970. J no ps-guerra
verificava-se o
Plano Salte (sade, alimentao, transportes e energia). Mais
adiante o Plano de
Metas de Juscelino Kubitschek, a criao da Sudene enquanto
instrumento de
planejamento regional at os mais recentes planos plurianuais,
determinados
constitucionalmente, mostram que o Estado brasileiro procurou em
diversos
momentos alavancar o desenvolvimento econmico atravs de
planejamento.
Historicamente verifica-se que as experincias de planejamento
mais conhecidas e
ambiciosas foram, no regime militar (1964-1985). Tais
experincias propiciaram
taxas expressivas de crescimento, mas a sociedade brasileira
permaneceu desigual.
Seguindo a viso de Bresser-Pereira (2003) pode-se fazer uma
anlise histrica do
processo de desenvolvimento no Brasil observando duas
ferramentas: a idia de
`modelo de desenvolvimento `, ou seja, de padres de acumulao, de
regime de
poltica econmica e de distribuio de renda, e a de `pacto
poltico`, ou seja , de
alianas informais de classe Bresser-Perereira (2003, p. 16).
Mais que isto, Bresser-Pereira sinaliza que, mesmo que
imperfeita, exista uma
relativa correlao entre os dois planos. Nesta viso, observa-se
que os modelos de
desenvolvimento adotados no Brasil caminharam desde os mais
estatizantes aos
mais liberais; voltados para a substituio de importaes ao
fomento as
exportaes; mais concentradores de renda a modelos com uma
perspectiva de
afirmao dos direitos sociais. Entretanto, sempre se percebeu a
existncia de
-
pactos envolvendo as trs classes sociais bsicas das sociedades
capitalistas
modernas: burguesias, classe mdia profissional (ou burocrtica) e
a classe
trabalhadora. A seguir apresentada uma tabela elucidativa em
relao aos
modelos de desenvolvimento econmico e pactos polticos.
Tabela 2: Pactos Polticos e Modelos de Desenvolvimento
Anos Modelos Econmicos Pactos Polticos 1930-1959 Substituio
de
importao Popular-Nacional
1960-1964 Crise-econmica Crise-poltica 1964-1977
Subdesenvolvimento
industrializado Burocrtico autoritrio
1977-1986 Subdesenvolvimento industrializado
Popular-Democrtico (crise)
1987-1989 Crise econmica Crise poltica 1990-2002
Liberal-dependente
(crise) Burocrtico-Liberal
2003-... Liberal-dependente Popular-Nacional Fonte: Elaborada
pelo autor adaptada de Bresser-Pereira (2003)
Se a partir de 1822 tem-se no Brasil um quadro que sinaliza
pacto poltico
oligrquico baseado num modelo primrio exportador, no perodo de
1930-1959
observa-se um forte processo de industrializao com um Pacto
Popular- Nacional.
De acordo com Bresser-Perereira (2003), aps o perodo de crise
econmica e
poltica (1960-1964) o pas experimenta um Pacto Burocrtico-
Capitalista ou
Burocrtico Autoritrio, reunindo a burguesia, a burocracia
militar e civil, e excluindo
a maior parte dos trabalhadores.
Ao se observar os perodos e os respectivos pactos, percebe-se
que o Pacto
Popular-Nacional de Vargas foi o primeiro momento em que a
participao dos
trabalhadores ocorreu ainda que de forma limitada
(Bresser-Pereira, 2003, p. 17).
J no perodo compreendido entre 1977 e 1986 tem-se um modelo
de
-
subdesenvolvimento industrializado que esgotado, tendo como
resultado a crise
econmica e poltica de 1987-1989. Assim, o pas experimente uma
ruptura no seu
modelo econmico e no pacto poltico, assumindo um modelo
liberal-dependente e
um pacto burocrtico-liberal. Portanto, a compreenso dos modelos
de
desenvolvimento econmico no Brasil est associada compreenso dos
pactos
polticos estabelecidos.
-
1.4. O PENSAMENTO CEPALINO SOBRE DESENVOLVIMENTO ECONMICO
A partir dos anos 1930 a discusso sobre desenvolvimento aparece
na Amrica
Latina no quadro econmico formado pelas repercusses da Crise de
1929 e da
Segunda Guerra Mundial e fixa-se, sobretudo, em trs pases:
Mxico, Argentina e
Brasil. Assim, o debate acerca da questo do desenvolvimento
econmico no ficou
restrito produo dos pensadores norte-americanos e europeus.
nesse contexto de reorganizao da economia mundial que mais um
modelo de
desenvolvimento pensado tendo como pressuposto norteador, de
maneira
pioneira, o embate entre os pases industrializados ou
desenvolvidos e os pases
que ainda no haviam se industrializado. Ele formulado e levado a
termo pela
Comisso Econmica para a Amrica Latina e Caribe CEPAL criada
pelas Naes
Unidas no final dos anos 1940 com o intuito de realizar estudos
que pudessem
promover um processo de desenvolvimento desta regio (SOUZA,
1999), o que j
diferencia do tratamento dispensado ao continente europeu
beneficiado amplamente
pelo Plano Marshall.
A preocupao bsica da CEPAL era a de explicar o atraso da Amrica
Latina em relao aos chamados centros desenvolvidos e encontrar as
forma de super-lo. Nesse sentido, a anlise enfocava, de um lado, as
peculiaridades da estrutura scio-econmica dos pases da periferia,
ressaltando os entraves ao desenvolvimento econmico, em contraste
com o dinamismo das estruturas dos centros avanados; e, de outro
lado, centrava-se nas transaes comerciais entre os parceiros ricos
e pobres do sistema capitalista mundial que, ao invs de auxiliarem
o desenvolvimento da periferia, agiam no sentido de acentuar as
disparidades. Com isso, a CEPAL questionava no apenas a diviso
internacional do trabalho vigente no mundo capitalista, como tambm
criticava o destino atribudo aos pases subdesenvolvidos pela Teoria
Clssica ou Neoclssica do Comrcio Internacional que sustentava esta
diviso. (MANTEGA, 1985, p. 34)
-
O pensamento cepalino acerca do desenvolvimento influenciaria
sobremaneira os
economistas latino-americanos e o prprio governo do Brasil, a
partir dos anos 1950.
No pas este tema foi traduzido na construo de uma verdadeira
ideologia nacional-
desenvolvimentista que atravessou o restante do sculo XX e,
ainda na atualidade,
serve como embasamento terico aos estatutos de alguns partidos
polticos e a
programas de governo.
Como todo modelo terico que carrega consigo uma determinada
ideologia a
CEPAL tambm teve pensadores responsveis pelas anlises da
realidade
econmica da Amrica Latina e fundamentadores da sua viso de
desenvolvimento
e, tambm, de subdesenvolvimento. So eles Raul Prebisch,
marcadamente, Hans
Singer e Celso Furtado, este ltimo como maior representante no
caso brasileiro.
Pode-se dizer que foi a obra de Prebisch de 1949 e o documento
Estudio Econmico
da America Latina da prpria CEPAL de 1951 que mais contriburam
para a
construo desta escola de desenvolvimento (MANTEGA, 1985).
Segundo Prebisch
a concepo clssica de David Ricardo acerca da Teoria das
Vantagens
Comparativas no mais deveria ser amplamente utilizada como
paradigma para a
estruturao da economia mundial, sobretudo no que diz respeito a
produo e
comercializao, visto que ela estava apenas reforando as
disparidades regionais
entre aquele conjunto de pases, dito especializados, na produo
de produtos
manufaturados e o outro conjunto de pases especializados na
produo de
alimentos e de matrias-primas por assim dizer.
-
Estudando a evoluo dos preos dos produtos agrcolas e dos
produtos industriais
entre 1880-1945 (Prebisch) e 1950-1977 (Singer), estes
economistas acabaram por
formular uma tese sobre a deteriorao dos termos de troca
(SOUZA,1999) ou
deteriorao dos termos de intercmbio (MANTEGA, 1985).
Esta constatao da relao dos termos de troca entre os pases
fornecedores de
produtos industrializados e os pases fornecedores de alimentos e
matrias-primas
se constitui na pedra angular de toda a teorizao empreendida na
construo do
pensamento cepalino para a superao da condio de explorao destes
ltimos
por parte dos primeiros. Condio esta ratificada pela verificao
que no estava
ocorrendo, historicamente, nenhuma transferncia de tecnologia
para as naes
no-industrializadas que permitissem o seu desenvolvimento.
Ento, Prebisch e a CEPAL realizam um diagnstico da realidade dos
pases latino-
americanos, enquanto periferia do sistema capitalista mundial,
onde se constatam
alguns problemas e obstculos ao desenvolvimento que precisavam
ser superados;
segundo Mantega (1985) e Souza (1999) aponta-se:
(I) a falta de dinamismo das suas estruturas produtivas
concentradas em alguns poucos produtos agrcolas ou primrios que no
possuam nenhum valor agregado; e disto resulta (II) a dependncia
comercial, pois estes produtos eram cotados nos mercados
compradores (economias centrais) e no nos fornecedores (periferia),
e a dependncia tecnolgica visto que era preciso importar mquinas,
equipamentos e outros insumos industriais essenciais; (III) a
inexistncia de um mercado interno entre as economias perifricas e
da a dependncia financeira em relao ao volume de importaes dos
pases centrais; (IV) a estrutura agrria fortemente caracterizada
pela concentrao fundiria e pelo modo de produo de subsistncia; (V)
a falta de uma infra-estrutura de transporte e de comercializao
eficientes que pudessem articular e potencializar os fluxos
econmicos; e
-
(VI) o excessivo crescimento demogrfico no meio rural que
resultou num aumento de pobreza generalizado, no deslocamento de
crescentes contingentes populacionais em direo aos centro urbanos
perifricos e, por conseguinte, no aumento do desemprego e dos
gastos sociais dos governos.
Diante deste quadro, o pensamento cepalino preconiza como
mecanismo para
desenvolver os pases latino-americanos, ou para acelerar o
incipiente
desenvolvimento existente, uma poltica de industrializao por
substituio de
importaes, sobretudo daqueles bens que mais sacrificassem as
economias latino-
americanas. A Tabela 3 traz as estratgias de Prebisch para o
desenvolvimento da
Amrica Latina. Estratgias estas que serviriam de base ao
pensamento econmico
brasileiro para a constituio do seu modelo de desenvolvimento a
partir dos anos
de 1950 com o Instituto Superior de Estudos Brasileiros -
ISEB.
Tabela 3 - Estratgias de Prebisch para o desenvolvimento da
Amrica Latina
Compresso do consumo suprfluo, principalmente de produtos
importados, por meio do estabelecimento de tarifas elevadas e de
restries quantitativas s importaes; Incentivo ao ingresso de
capitais externos, principalmente na forma de emprstimos de governo
a governo, a fim de aumentar os investimentos, sobretudo para a
implantao da infra-estrutura bsica; Realizao de reforma agrria,
para aumentar a oferta de alimentos e matrias-primas agrcolas, bem
como a demanda de produtos industriais, mediante expanso do mercado
interno; Maior participao do Estado na captao de recursos e na
implantao de infra-estrutura, como energia, transportes, comunicaes
etc.
Fonte: Souza, 1999
certo que ambos contriburam para a construo tanto do modelo de
substituio
de importaes como tambm do paradigma
nacional-desenvolvimentista. Mas se a
CEPAL foi responsvel pela elaborao de um diagnstico, no qual
o
subdesenvolvimento dos pases da Amrica Latina estava intimamente
ligado a sua
estrutura interna, e de um prognstico, pautado na
industrializao, reforma agrria,
-
desenvolvimento do mercado interno e no planejamento econmico
estatal, o ISEB
foi o organismo responsvel pela nacionalizao de parte deste
pensamento
cepalino tendo em vista superar o passado colonial e desenvolver
o Brasil
(SPINOLA, 2003).
Singer, como j citado, tambm corrobora na teoria da deteriorao
dos termos de
troca entre as economias centrais e perifricas. Entretanto, este
autor ressalta a
importncia das relaes de comrcio internacional para os pases
latino-americanos
defendendo, ento, uma postura mais estratgica para os dividendos
assim obtidos:
eles devem ser investidos na compra de mquinas e equipamentos
industriais, da
mesma forma que no setor de infra-estrutura. E mais, visto que a
taxa de poupana
interna na regio baixa ele preconiza que os pases em
desenvolvimento
deveriam atrair os lucros gerados nos pases desenvolvidos, na
forma de
investimentos diretos (SOUZA, 1999, p.205).
Conforme esta concepo, uma poltica de industrializao deve estar
baseada em
investimentos em educao e qualificao de mo-de-obra, em
investimentos em
infra-estruturas que propiciassem o incremento das atividades
econmicas e na
disponibilizao de recursos estrangeiros para a importao de bens
necessrios a
um processo de desenvolvimento econmico.
Apesar da riqueza da contribuio da CEPAL para as discusses sobre
o
desenvolvimento econmico na Amrica Latina, Mantega (1985, p. 42)
aponta uma
falha que foi de suma importncia para que a realidade
socioeconmica desta regio
permanecesse sem maiores modificaes.
-
A essa altura [final dos anos 1950] ficava claro que a CEPAL
deixara de analisar com maior profundidade a natureza das relaes de
classe do modo de produo capitalista que ela prpria receitara para
a Amrica Latina. E a revela-se a pouca ateno que vinha dedicando
aos aspectos sociais e polticos das transformaes em marcha neste
continente, preocupando-se quase que exclusivamente com os seus
aspectos econmicos.
Faltou, ento, o pensamento cepalino estabelecer de que forma o
produto social
advindo do processo de industrializao, dos aumentos de
produtividade e da
utilizao de novas tcnicas e tecnologias seria redistribudo no
conjunto da
populao para que esta alcanasse melhorias objetivas das condies
de vida.
1.4.1. O pensamento de Celso Furtado
No Brasil, os seguintes autores compartilhavam, em maior ou
menor grau, do
pensamento cepalino, entre eles esto Celso Furtado, Maria da
Conceio Tavares,
Fernando H. Cardoso, Carlos Lessa, Barros de Castro e Jos Serra
(MANTEGA,
1985). Dentre estes, pode-se apontar Celso Furtado como
principal representante do
pensamento cepalino no Brasil, visto que tendo sido um dos
diretores da CEPAL e
trabalhado com Prebisch acabou por incorporar o modelo de
desenvolvimento
preconizado por esta instituio nos seus diversos trabalhos
profissionais
envolvendo a questo do planejamento para o desenvolvimento no
setor pblico
brasileiro, dos quais o Plano de Metas do governo Kubitschek, o
relatrio do GTDN2
e a sua atuao na SUDENE como superintendente so emblemticos.
A partir dos anos 1950, quando os debates a respeito de como o
Brasil e seus
vizinhos deveriam proceder para que um processo de
desenvolvimento econmico
2 Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste.
-
fosse iniciado, Furtado apresenta, ao longo dos seus trabalhos,
a sua viso de
desenvolvimento econmico.
Este autor, que fez parte da dita corrente
nacional-desenvolvimentista (Souza,
1999), tambm era tributrio da doutrina que estabelecia a
industrializao, via
substituio de importaes, como chave para o desenvolvimento
latino-americano,
no obstante, j em 1990, tenha elencado algumas falhas na maneira
como esta
estratgia foi implementada pelos governos locais.
O seu vis nacionalista reside na concepo de um modelo de
desenvolvimento no
qual esta industrializao deveria ser planejada e coordenada pelo
Estado nacional
atravs da formulao e implementao de projetos prioritrios - nos
setores de
minerao, petrleo, energia, transportes, telecomunicaes e
indstrias de base -
que contariam com a participao de empresas estatais criadas para
estas
finalidades. E caso o capital nacional no fosse suficiente para
financiar esta poltica
de governo, vide a baixa taxa de poupana interna, capitais
estrangeiros deveriam
ser incorporados, mas no recorrendo aos organismos de
financiamento
internacionais e sim a outros governos (SOUZA,1999).
A partir da teorizao Centro-Periferia proposta por Prebisch,
Furtado oferece uma
importante contribuio analtica quando nos seus estudos realiza
uma separao
entre as teorias do desenvolvimento e o conceito de
subdesenvolvimento.
As teorias do desenvolvimento so esquemas explicativos dos
processos sociais em que a assimilao de novas tcnicas e o
conseqente aumento de produtividade conduzem a melhoria do
bem-estar de uma populao com crescente homogeneizao social.
(FURTADO, 1990, p. 6)
-
A teoria do subdesenvolvimento cuida do caso especial de
processos sociais em que aumentos de produtividade e assimilao de
novas tcnicas no conduzem homogeneizao social, ainda que causem a
elevao do nvel de vida mdio da populao. (FURTADO, 1990, p. 7)
Tendo em mente a realidade latino-americana, e a brasileira em
especial, entende-
se a importncia que este autor atribui aos aumentos de
produtividade em uma dada
economia e questo da utilizao de um progresso tcnico. Assim,
para Furtado,
em pases que possuem uma baixa produtividade um processo de
desenvolvimento
comea quando, utilizando-se de novas tcnicas, incrementos no
sistema econmico
como um todo tem incio, e no apenas para um setor especfico ou
subconjunto
econmico o que seria to somente um crescimento econmico
(FURTADO, 1983).
Esta maior produtividade tende a modificar a prpria estrutura
produtiva deste pas
via aumento da renda dos indivduos, sobretudo em economias
agrcolas, o que
tende a causar uma diversificao da procura por mercadorias
outros tipos de
alimentos e manufaturados. Da que novos investimentos so
realizados no sentido
de atender a esta nova demanda dando origem, ento, a um novo
aumento na
produtividade, na renda, na procura por mais produtos, na
diversificao da oferta e
assim sucessivamente.
Esta rpida sntese de um processo de desenvolvimento econmico
elaborado por
Furtado base que ele aplicou para distinguir as economias
desenvolvidas das
subdesenvolvidas. E o principal aspecto histrico desta distino
foi a predominncia
da simples importao de novas tcnicas/tecnologias de produo pelos
pases
latino-americanos quando da adoo da industrializao para
substituir importaes,
que o autor denominou de modernizao e acarretou uma maior
concentrao de
-
renda nas mos das elites agrcolas e da recm formada burguesia
industrial. E isto
em detrimento da opo pelos investimentos em educao e
capacitao
profissional para que assim fosse conseguida uma autonomia
tecnolgica, vide os
casos da Coria do Sul e Taiwan (FURTADO, 1983).
No por acaso Furtado afirmava que o subdesenvolvimento uma
variante do
desenvolvimento. A constatao de que o processo de modernizao
levado a termo
pelos governos locais no se traduziu no esperado progresso
tecnolgico das suas
estruturas econmicas, seja por no ter gerado aumento de
produtividade
significativo seja por no ter gerado a quantidade e qualidade de
empregos
necessrios dinamizao das suas economias, deve contribuir para
que outras
estratgias tipo homogeneizao social da populao e busca de uma
autonomia
tecnolgica - sejam tomadas como boas prticas para o
desencadeamento de um
processo de desenvolvimento econmico.
1.4.2. O pensamento em torno da teoria da dependncia
Analisando o pensamento cepalino e os seus desdobramentos
Cardoso e Falleto
(1969) oferecem uma crtica a este modelo de desenvolvimento,
pois para ele os
processos de transformao econmica possuem uma natureza
eminentemente
poltica, dimenso esta que no esteve presente nos estudos da
CEPAL para a
Amrica Latina.
Estes autores acreditam que se tenha formado uma verdadeira
crena entre os
economistas da regio visto que para eles o desenvolvimento
dependeria da
-
capacidade de cada pas para tomar as decises de poltica econmica
que a
situao requeresse (CARDOSO; FALLETO, 1969, p.11), isto quer
dizer que se
acreditava num modelo de desenvolvimento predominantemente
nacional no qual o
mercado interno, e no o externo, ditasse o ritmo deste processo
de
desenvolvimento.
Exacerbando a importncia do mercado interno para consumo de
produtos
industriais, da base industrial formada por indstrias leves de
consumo e de alguns
bens de exportao e do grande volume de recursos obtidos com a
exportao de
produtos primrios, aqueles economistas passaram a preconizar que
o
desenvolvimento da Amrica Latina se daria atravs da adoo de uma
poltica
econmica baseada em duas caractersticas - na melhoria contnua da
tecnologia
empregada nas atividades econmicas locais, ou seja, num
progresso tcnico
absorvido dos pases centrais; e na atuao direta do Estado no
provimento de toda
uma infra-estrutura necessria a acumulao capitalista local.
Diante da constatao de que, ainda nos final dos anos 1950 e no
decorrer dos anos
1960, o processo de desenvolvimento dos pases latino-americanos
no havia se
consolidado, apesar das condies ditas favorveis, Cardoso e
Falleto questionam o
que teria dado errado para o sucesso destas economias.
Ele aponta alguns fatores para este insucesso, entre eles: o
tipo de tecnologia
adotado na etapa de substituio de importaes que empregava pouca
mo-de-
obra; a forte desigualdade na distribuio de renda oriunda desta
etapa; a
participao crescente de capitais estrangeiros nas economias
nacionais, o que
-
chamou de internacionalizao do mercado interno; e, sobretudo, a
condio
desfavorvel, em termos da comercializao de produtos tipo
exportao, que o
mercado mundial passou a oferecer s economias latino-americanas
aps a Guerra
da Coria.
Cardoso e Falleto chegam mesmo a no reconhecer a questo do
desenvolvimento
dos pases latino-americanos nos termos das relaes de
Centro-Periferia e da
teoria do subdesenvolvimento decorrentes dos estudos de Prebisch
e Furtado. Ou
seja, para esses autores no podem existir pases perifricos ou
subdesenvolvidos,
pois esta teorizao coloca num mesmo patamar de anlise naes e
economias
que se formaram ao longo de um processo histrico bastante
diferenciado do
processo de formao das naes e economias latino-americanas.
De forma conclusiva, Cardoso e Falleto acreditam que somente a
anlise das
condies econmicas objetivas dos pases latino-americanos foi um
esforo
necessrio, mas no suficiente para a transformao daquelas
realidades. , pois,
atravs do entendimento do jogo de poder (1969, p. 142), isto ,
da dimenso
poltica subjacente s relaes de dependncia e de dominao externa
entre as
economias dependentes (em desenvolvimento) e as economias
desenvolvidas ou
dominantes, incluindo a os interesses polticos e econmicos das
elites nacionais,
que ocorrer a superao do quadro estrutural da dependncia.
-
1.5. DESENVOLVIMENTO NO BRASIL E A SUDENE
Tendo sido o processo de formao do estado brasileiro causador de
realidades
regionais to dspares houve uma convergncia intelectual - a
partir do momento no
qual a doutrina liberal, que tanto contribuiu para o ocaso do
colonialismo e da
economia escravocrata, se mostrou insuficiente para promover o
desenvolvimento
da jovem repblica brasileira - de que o Estado deveria tomar
para si esta tarefa.
Segundo Costa (2000), a formao e independncia do Estado-Nacional
brasileiro
decorreram de um amplo processo de transformaes que incluiu
movimentos
econmicos, polticos e culturais ao longo da sua colonizao. E no
desenrolar
destes movimentos que se assiste ao nascimento da questo do
subdesenvolvimento nordestino.
De fato diversos fatores fizeram com que houvesse o deslocamento
do eixo
econmico brasileiro, ainda sob o domnio de Portugal, do Nordeste
em direo ao
Centro-Sul. Entre eles destaca-se o declnio da economia
aucareira desde o final
do sculo XVII, o estabelecimento da atividade mineradora na
regio de Minas
Gerais, a transferncia da sede do poder central de Salvador para
o Rio de Janeiro
em 1763, e, j no Brasil Imprio, o crescimento da economia
cafeeira nos estados do
Centro-Sul, sobretudo So Paulo, levando esta regio em geral e
este estado em
particular vanguarda do processo de industrializao
brasileira.
Em razo de sua dimenso territorial, de sua formao econmica
fundamentada em distintos produtos e ciclos de exportao, a partir
dos quais foram criados espaos econmicos ou regies com diferentes
relaes de produo e dinamismo, o Brasil constitui um pas
privilegiado para o estudo do desenvolvimento desigual do
-
capitalismo. Formado por arquiplagos regionais, assiste-se, nos
ltimos cem anos, a um processo intenso de formao do mercado interno
nacional, de integrao econmica das regies, com distintos graus de
desenvolvimento, e de constituio de uma estrutura produtiva
complexa e hierarquizada. (CANO, GUIMARES NETO; 1986, p. 167).
Mas somente no bojo da Revoluo de 1930, que marca a ascenso ao
poder
poltico da recm formada burguesia industrial brasileira em relao
elite agrcola,
o que afeta o Nordeste, e da necessidade de se empreender um
planejamento que
pudesse conter os efeitos da Crise de 1929 que o Estado comea a
intervir
diretamente na economia brasileira, seja controlando a oferta de
caf ou
desvalorizando/controlando o cmbio. Mediante o volume de capital
acumulado com
exportaes de produtos primrios nos anos 1920 (ps-Primeira
Guerra) e as
dificuldades de importaes do mercado internacional em crise nos
anos 1930
comea a se intensificar a acumulao de capital em So Paulo
fazendo que este
estado passasse a exercer a importante funo de abastecimento do
mercado
interno (CANO, GUIMARES NETO; 1986).
No por acaso tambm a partir deste momento que o Estado comea a
ser
pressionado por grupos de interesses a respeito de seu papel na
economia, vide a
polmica travada entre os ideais liberalistas de Eugenio Gudin,
que representava as
oligarquias agro-exportadoras e a burguesia comercial a ela
associada, e os ideais
intervencionistas de Roberto Simonsen que representava a
burguesia industrial
emergente (MANTEGA, 1985),
desta conjuntura poltico-econmica em diante, determinada pelos
cenrios
internacional e nacional, que a questo nordestina assume
contornos mais
acentuados no que diz respeito aos contrates econmicos e sociais
desta regio
-
frente ao crescimento e desenvolvimento econmico experimentado
pelos estados
do Centro-Sul. Para que se tenha uma noo do abismo que se abriu
entre estas
regies basta dizer que na aurora da difuso do pensamento
cepalino, ou seja em
1949, o valor de transformao industrial do Nordeste correspondia
a 9,12% do total
nacional enquanto o do Sudeste equivalia a 76,48% (CANO,
GUIMARES NETO;
1986).
Nesse sentido, Spinola (2003) explana e argumenta acerca da
questo do
planejamento no Brasil dando nfase ao debate e atuao do governo
federal
frente ao problema do subdesenvolvimento nordestino, at o
momento histrico no
qual esta atuao sucumbiu perante a utilizao de um novo paradigma
pelos
governos em geral, sobretudo os ocidentais, o pensamento
neoliberal.
Fazendo uma recuperao histrica da experincia brasileira em
planejamento,
Spinola (2003) procura