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ALUBRAT - Associao Luso Brasileira de Transpessoal
CESBLU - Centro de Educao Superior de Blumenau
Regina Clia Sarmento
Psicologia Transpessoal e Espiritualidade: o caminho da
transformao a partir do dilogo entre
textos de Jean-Yves Leloup e prelees de um Centro Espiritualista
Cristo.
Campinas, SP.
2009
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ALUBRAT - Associao Luso Brasileira de Transpessoal
CESBLU - Centro de Educao Superior de Blumenau
Regina Clia Sarmento
Psicologia Transpessoal e Espiritualidade: o caminho da
transformao a partir do dilogo entre
textos de Jean-Yves Leloup e prelees de um Centro Espiritualista
Cristo.
Monografia apresentada no Curso de Ps-
Graduao em Psicologia Transpessoal Lato
Sensu do CESBLU Centro de Educao
Superior de Blumenau & ALUBRAT
Associao Luso Brasileira de Transpessoal,
como requisito para obteno do ttulo de
Especialista em Psicologia Transpessoal.
Campinas, SP.
2009
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Ao Esprito Amigo,
mgico peregrino a nos visitar...
sempre.
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Agradecimentos
Elosa Portes, por ter me chamado a realizar a Especializao em
Transpessoal
e, mais alm - pela amizade, pela sua poesia e pelo seu brilho de
pessoa amorosa
a nos alegrar e nos enternecer.
Arlete Silva, pela cuidadosa e generosa leitura desta monografia
e pelas suas
apropriadas sugestes.
equipe da ALUBRAT - Clia Lameiro, Mrcia Rosa, Adriana Cabello,
Camilla
Garcia, Flaviane Silva e Sueli Kondo - pelos acolhimentos e por
todas as
delicadezas.
Vera Saldanha, pelo tanto que nos encanta e pela gentil maneira
de se
comunicar e ensinar.
E ao Jean-Yves Leloup - profeta das mensagens que fazem brotar a
mais pura
esperana em nossos coraes.
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RESUMO
Este trabalho teve como objetivo tecer dilogos de vrios autores,
em especial da Psicologia Transpessoal, sobre o caminho da
transformao como smbolo do desenvolvimento humano e busca de
equilbrio. Desenvolveu-se uma pesquisa bibliogrfica sobre
determinados conceitos, tendo-se como base elementos tericos da
Psicologia Transpessoal principalmente, enfocando-se os seguintes
temas: Psicologia Transpessoal e Espiritualidade; processo tercirio
e princpio da transcendncia; conceito de ego; mapa da conscincia;
complexo de Jonas; e dessacralizao. Textos de Jean-Yves Leloup e de
prelees de um centro espiritualista cristo foram destacados como
mensagens de esclarecimentos e de escolhas possveis para o nosso
processo de individuao, de integrao e de equilbrio do nosso
ser.
Palavras-chave: Psicologia Transpessoal; transcendncia; mapa da
conscincia.
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ABSTRACT
This study aimed to make dialogues of several authors,
especially of Transpersonal Psychology, on the path of
transformation as a symbol of human development and search for
balance. A bibliographical research was developed about certain
concepts, taking as basis the theoretical elements of transpersonal
psychology mainly focusing on the following topics: Transpersonal
Psychology and Spirituality, tertiary process and the principle of
transcendence, concept of ego, map of consciousness, complex of
Jonah and desacralization. Texts by Jean-Yves Leloup and lectures
of a christian spiritual center were picked as clarification
messages and possible choices for our process of individuation,
integration and balance of our self. Keywords: Transpersonal
Psychology; transcendence; map of consciousness.
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SUMRIO
INTRODUO..........................................................................................................8
1. PSICOLOGIA TRANSPESSOAL E
ESPIRIRITUALIDADE................................20
1.1 O processo tercirio, o princpio da transcendncia
e a
espiritualidade.............................................................................................22
1.2 O conceito de ego e a configurao de ir-se alm do
ego.............................28
1.3 O mapa da
conscincia....................................................................................34
2. O CAMINHO DA
TRANSFORMAO...............................................................37
2.1 O conhecimento de si mesmo e o amor
prprio...............................................42
2.2 A busca da integrao: o desvelar da sombra e da
luz....................................47
2.3. Sendas a serem transpostas:
complexo de Jonas e
dessacralizao............................................................56
CONSIDERAES
FINAIS....................................................................................62
REFERNCIAS
BIBLIOGRFICAS.......................................................................67
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INTRODUO
Tudo est em levar a termo e, depois, dar luz. Deixar amadurecer
inteiramente, no mago de si,
nas trevas do indizvel e do inconsciente, do inacessvel a seu
prprio intelecto,
cada impresso e cada germe de sentimento e aguardar com profunda
humildade e pacincia
a hora do parto de uma nova claridade: s isto viver
artisticamente na compreenso e na criao.
A o tempo no serve de medida: um ano nada vale, dez anos no so
nada.
Ser artista no significa calcular e contar, mas sim amadurecer
como a rvore
que no apressa a sua seiva e enfrenta tranqila a tempestade da
primavera,
sem medo de que depois dela no venha nenhum vero. O vero h de
vir.
Mas vir s para os pacientes, que aguardam num grande silncio
intrpido, como se diante deles estivesse a eternidade.
Aprendo-o diariamente, no meio de dores a que sou agradecido: a
pacincia tudo.
Rainer Maria Rilke, Cartas a um jovem poeta, p.32.
Diante da escolha de realizarmos um trabalho de concluso de
curso, em
muitos de ns manifesta-se uma resistncia e interrogamos: mas h
muito que se
aprender, ainda muitas leituras para se fazer, a experincia do
novo que a cada
dia vem se revelando e - como express-lo se nossa alma
transborda em desejos
e em transcendncia, alm do nosso corpo que transita no limite de
um tempo e
de um espao ?
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No texto em epgrafe, o poeta nos acolhe nessa dvida e nos faz
perceber
a dimenso da capacidade de espera que, embora nos parea um
estado de
imobilidade, naturalmente constituda de movimentos plenos de
descobertas e
iluminaes - de tal forma que nos consentido viver artisticamente
na
compreenso e criao, perpassando nossos medos, caminhando nos
veres e
nas tempestades, decifrando o olhar de eternidade e incorporando
humildade e
pacincia em nossos dias.
Como nos diz Leonardo Boff, tudo no universo est caminhando e
nada
est pronto e, de certa forma, devemos nos aquietar - ainda que h
dentro de ns
um desejo constante de conhecer mais, um apelo permanente para o
crescimento,
um pulsar para a integrao das dimenses mais simblicas e mais
altas em
nosso ser (BOFF, 2000).
Dessa forma, a mensagem que nos chega no sentido de aprender
a
esperar; mas, ao mesmo tempo, de ir seguindo nossa jornada, de
ir plasmando
nossos sonhos, de ir descobrindo a lgica de nossas vidas e
realizando nossas
edificaes.
Assim, apesar das usuais recomendaes, pede-se licena para se
falar de
uma trajetria profissional nesta introduo - com o emprego de
referncias
pessoais - para dar a conhecer alguns caminhos percorridos que,
direta ou
indiretamente, impulsionaram a realizao do Curso de Ps-Graduao
em
Psicologia Transpessoal, como tambm a escolha dos temas que
constituem esta
monografia.
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Sou psicloga e durante trinta anos (de 1975 at 2005) fui
professora na
Faculdade de Cincias Mdicas da UNICAMP, nas funes de
atendimento
clnico, docncia e pesquisa.
Aps a aposentadoria, tem se configurado um sentimento muito bom,
algo
que toca fundo a alma em sua caminhada existencial e que a
preenche de muita
gratido: ou seja, a experincia de pertencimento comunidade da
UNICAMP,
centro de conhecimentos e progressos e, especialmente, de ter
percorrido um
tempo de trabalho no Departamento de Ginecologia e
Obstetrcia.
Hoje, mais do que nunca, a maturidade permite que se perceba a
grandeza
do trabalho realizado no hospital desse Departamento, que cuidar
do ser: estar
acolhendo diariamente pessoas no seu nascimento, nas vrias
etapas da sua vida
e nos instantes tristes e complexos da morte - e estar com a
disponibilidade que
nos torna parceiros no processo de possveis transformaes, que
nos vivifica e
nos torna to humanos.
No Departamento de Ginecologia e Obstetrcia transcorreram-se
momentos
de grande importncia para a minha vida profissional: estudos,
aprendizagens,
desenvolvimento da carreira docente, atendimento de inmeras
mulheres com
histrias tristes de muitas dores, mas tambm com histrias
incrveis de
perseverana, de leveza e de muita sabedoria.
Nessa trajetria, a principal interlocuo no campo da psicologia
foi com a
teoria psicanaltica: conhecimentos adquiridos no Curso de
Especializao em
Psicologia do Adolescente (UNICAMP), no mestrado em Psicologia
Clnica
(PUCC), no doutorado em Cincias Mdicas, (rea de Sade
Mental/UNICAMP),
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de tal forma que a teoria psicanaltica foi constituindo toda a
base do trabalho da
clnica psicolgica e tambm das funes referentes docncia/pesquisa.
Na
Obstetrcia trabalha-se com gravidez, parto e puerprio,
psicoprofilaxia do trabalho
de parto, gestantes adolescentes, paternidade na adolescncia,
casais grvidos,
perdas gestacionais, amamentao, relao me-beb; na Ginecologia
atende-se
mulheres com problemas variados, principalmente situaes de DST,
aborto,
esterilidade, disfunes sexuais e com cncer ginecolgico e
mamrio.
Dessa forma, os estudos sobre a teoria de Freud, assim como de
Melanie
Klein e Winnicott, sempre sustentaram a formao, o planejamento e
o
desenvolvimento dos trabalhos realizados, assim como supervises
e processos
de anlise pessoal. Portanto, na Psicanlise como conhecimento
cientfico, pode-
se encontrar uma orientao, um norte, uma trilha por onde foi
enveredando o
desejo de compreender o nosso modo de ser e estar no mundo, de
desvelar o
latente, o outro sentido: percursos marcados, sobretudo, pelo
resultado de
atendimentos de milhares de pessoas com as quais pode-se
perceber a difcil arte
de saber ouvi-las, de compreend-las e de aprender com elas, de
tal forma a
possibilitar o acolhimento das necessidades prprias quanto a
reestruturaes das
atividades profissionais e mudanas existenciais importantes.
H uma frase do antroplogo Carlos Rodrigues Brando que diz o
seguinte:
Pequenos so os riscos que fazemos na casca do planeta. Os homens
deixam e
os povos de passagem apenas breves marcas, mas elas so o nosso
nome, a
nossa alma. O trajeto de uma experincia pode constituir-se de
caminhos
percorridos durante muitos anos, por onde se arquitetaram tantos
desejos,
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trabalhos e descobertas. E reunir parte deles em algumas
palavras , talvez, dizer
pouco, mas tambm sustentar certas imagens e certas
sobrevivncias.
aventurar-se em falar de experincias humanas onde se precisou
de
pessoas...todo o tempo: ...seres generosos de carne e sal como
ns, em nome de
quem gravar sinais na pedra e na madeira. (BRANDO, 1982, p.
146).
A despeito de toda a satisfao que se pode experimentar no
trabalho na
UNICAMP, assim como de todo o crescimento vivenciado nos
momentos de
crises, dificuldades e desencantos, algo sempre trouxe uma
inquietao: como se
abrir para a dimenso da transcendncia em meio s exigncias
acadmicas de
orientao positivista, assim como de determinadas vertentes
psicanalticas que
se colocam cticas nas questes da f e que no contemplam a
experincia
mstica?
Durante muitos anos, coordenamos centenas de seminrios com
alunos do
5 ano de Medicina, sobre a relao mdico-paciente em Ginecologia
e
Obstetrcia. Esses seminrios abordavam temticas relacionadas
com
atendimento de gestaes normais, atendimento de gestaes de risco
(de onde
decorrem patologias e bitos fetais), acompanhamento de trabalho
de parto e
acompanhamento de mulheres com doenas ginecolgicas e com cncer.
Quase
sempre nesses seminrios, os alunos expressavam angstias frente
s
dificuldades de acolher uma demanda emocional e perguntavam:
como consolar
uma mulher em prantos que perdeu o seu beb? O que dizer a uma
pessoa com
prognstico ruim de cncer quando percebemos nela olhares de
interrogaes e
medos? Como estar ao lado de uma pessoa nos momentos finais de
sua vida
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quando ela expressa tanta dor, revolta e desassossego? Certa
vez, uma aluna ao
relatar sua experincia de atendimento de uma paciente que
vivenciava um
desses momentos de perda, faz a seguinte colocao: Professora, eu
no sei o
que a senhora vai achar, a senhora pode at me criticar, mas
diante dessa
situao to triste eu comecei a falar de Deus pra ela e foi a que
ela foi ficando
mais tranqila, e eu fui descobrindo que esse pode ser um caminho
pra ajudar os
pacientes. Seu relato foi acolhido com muito respeito e carinho,
dando-se
prosseguimento ao seminrio e, a partir da coragem dessa aluna de
se
manifestar, tudo foi se clareando, nossos rostos se iluminando e
a todos foi
permitido falar sobre a importncia da espiritualidade nos
cuidados teraputicos no
campo da sade.
Tenho percorrido um trajeto de uma tradio religiosa crist - de
um
caminhar do catolicismo para o espiritismo kardecista e algumas
pessoas j me
perguntaram o seguinte: como voc concilia seu trabalho de
orientao
psicanaltica com suas crenas religiosas? Apesar das inquietaes j
referidas,
essa pergunta sempre provocou uma reflexo e no era difcil
integrar polaridades
acerca de contedos tericos psicanalticos com tudo o que se vivia
e se
observava no campo da religiosidade - principalmente no que se
referia
evoluo humana, ao desenvolvimento da capacidade de amar e aos
possveis
caminhos de autoconhecimento e transformao; e isto pacificava e
trazia alento.
H um artigo muito bom do psicanalista Jurandir Freire Costa,
sobre
Psicanlise e Religio, que refora especialmente esse alento.
Neste artigo, ele
inicia falando do psicanalista Hlio Pellegrino e de algumas de
suas expresses:
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sua imprevisibilidade, sua postura de sempre se colocar onde a
conveno nunca
o mandava estar e de se apresentar publicamente como religioso.
E Jurandir
Freire faz as seguintes perguntas: Pode a Psicanlise coexistir
pacificamente com
a religio? possvel afirmar a verdade de uma, sem negar a verdade
da outra?
Ele ainda nos diz: a figura de Hlio Pellegrino nos deixa essas
questes como
legado desse seu esprito inquieto e criador e, em um universo
desencantado e
dessacralizado como o nosso, isso pode no fazer sentido para
uns, mas para
outros suscita interrogaes, desejo de saber, desejo de adentrar
nos mistrios e
acreditar em outras possibilidades (FREIRE COSTA, 1988).
Neste mesmo artigo, Jurandir Freire continua discorrendo sobre
os
impasses da teoria freudiana frente s questes religiosas e nos
leva s seguintes
reflexes: 1. Freud, ou por circunstncias biogrficas e
scio-culturais, ou ainda
por uma busca permanente do rigor cientfico, especialmente
reconhecido como
um terico anti-religioso. 2. Para ele, religio era basicamente
uma forma de
defesa frente ao sentimento de impotncia e desamparo de que
padece o ser
humano desde que nasce; e, na vida adulta, a ameaa de sofrimento
e morte
reedita o desamparo infantil e o conduz inveno de deuses nos
quais projeta
seu desejo de proteo. 3. Um outro padro de interpretao freudiana
que, em
uma representao simblica, a religio seria derivada de um
sentimento de culpa
pelo assassinato mtico do pai primitivo. 4. Freud acreditava,
portanto, que a
religio era uma iluso, uma fantasia como qualquer outra, e seu
motor era ou o
desejo de proteo contra a morte e o sofrimento ou o desejo de
expiao da
culpa. 5. No entanto, h uma fresta na teoria freudiana,
destacada em algumas
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anlises, que poderia conduzir ainda para uma outra interpretao,
ou seja, o fato
de que no texto sobre Moiss e o monotesmo, Freud ressalta a
importncia da
interdio de representar Deus atravs de imagens, postada na
religio mosaica.
Com isso, de certa maneira, privilegiou-se a idia abstrata de
Deus sem
denominaes relacionadas a qualificativos humanos, abrindo-se,
portanto, para a
dimenso do mistrio e para a possibilidade de se pensar a
religiosidade como
busca e liberdade espiritual do humano, sem idias de represso e
freio (FREIRE
COSTA, 1988).
Evidentemente, como nos diz Freire, essas teses mostradas, de
maneira
resumida, no nos do a dimenso da complexidade da teoria
freudiana sobre a
religio, mas pode criar espaos para indagaes e reflexes
oportunas (FREIRE
COSTA, 1988).
Em um outro de seus textos, Jurandir Freire Costa nos diz que
preciso
reinventar novos modos de ser e buscar caminhos que nos liberte
do controle
positivista de previsibilidade, para apreendermos o mundo em
permanente
evoluo, em movimento constante de dialtica e reflexo (FREIRE
COSTA,
1994).
Nessa linha profissional acima descrita, frente a essas pulses
e
questionamentos todos, foram me chegando alguns textos de
Jean-Yves Leloup;
e, desde as primeiras leituras, as idias foram se organizando de
forma natural e
lgica, propiciando um reencantamento com a Psicologia, uma
sensao de
sempre ter estado ali - em um espao de comunho e entendimentos
de uma
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teoria organizada e sistematizada, mas que tambm d espao para
o
impondervel e para o sutil.
Muitos dos ensinamentos psicanalticos continuam a ancorar
minha
compreenso do ser humano: a teoria do desenvolvimento
psicossexual, a
importncia dos meandros do inconsciente e dos contedos
reprimidos, a origem
das angstias de abandono e de morte, os caminhos possveis para
a
interpretao dos sonhos, entre outros.
No entanto, a opo por cursar a formao em Psicologia Transpessoal
e
estudar o seu campo terico tem enriquecido sobremaneira meu
trabalho como
psicoteraputa, que continuou sendo desenvolvido em uma clnica
particular aps
a aposentadoria.
Como j mencionado, tenho realizado uma trajetria de
experincias
religiosas e convivncia em uma comunidade esprita, na cidade de
Campinas. O
espao no qual se estrutura esse grupo religioso denominado Casa
de Orao
F e Amor, carinhosamente tambm conhecido como Casinha. L,
semanalmente as pessoas se renem para a leitura do evangelho,
para
participarem de palestras e para ouvir a preleo de uma entidade
que se
apresenta como Esprito Amigo e que se manifesta atravs da
mediunidade da
dirigente do grupo, Eliana dos Santos.
Cada uma dessas mensagens so editadas semanalmente desde 1997
at
a presente data, com o ttulo de Boa Nova, e se constituem em um
convite
reflexo sobre o sentido de nossas vidas, sobre a busca da nossa
transformao e
sobre os possveis caminhos para a criao de um novo homem e de
uma nova
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17
sociedade. O principal eixo condutor das idias apresentadas o
processo cristo
de reforma ntima, perpassando por temas como: os dilemas frente
a atual
existncia, os enfrentamentos dolorosos de um cotidiano
dessacralizado e
desprovido de esperana, a lei moral do amor ao prximo, os
cuidados
necessrios para o despertar da nossa conscincia, o
reconhecimento da nossa
sombra e da nossa luz interior; assim como temas contemporneos
relacionados
com a cultura da paz, a violncia e o drama ambiental com sua
dimenso
ecolgica mais profunda (Esprito Amigo Euripedes Barsanulfo/
Eliana Santos,
2007).
Desde as primeiras leituras dos textos de Jean-Yves Leloup, as
correlaes
de seus ensinamentos com as prelees da Casinha foram sendo
feitas e
assinaladas, destacando-se semelhanas relacionadas com certos
componentes
de um roteiro para um caminho de transformao, fundamentado nos
evangelhos
cristos.
Dessa forma, optou-se por apresentar parte dessa matria
apreendida,
buscando o que existe de comum entre os dois universos -
distantes, mas ao
mesmo tempo to prximos - objetivando-se registrar essas
semelhanas e
procurando tecer um dilogo e uma reflexo sobre suas mensagens.
E, num pacto
de reconhecimento e esperana, optou-se, tambm, agregar outros
olhares
possveis a essas duas propostas principais, em recortes que
complementam e
iluminam.
Como nos diz o poeta Severino Antnio, um reconhecimento da
interdependncia e da irmandade que nos aproxima, uma tessitura
de ensaios
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com vidas prprias, mas interligados por uma nova tica que busca
sempre novas
possibilidades de humanizar a nossa histria - e que representam
uma
reeducao da sensibilidade e da inteligncia, com novas formas de
raciocnio
alm da lgica da causalidade linear, de tal forma a transformar o
nosso modo de
viver e conviver (ANTNIO, 2009).
As prelees escolhidas esto entre aquelas publicadas em um
tempo
transcorrido de julho de 2007 a novembro de 2008. Por que essa
escolha? Por
terem sido estudadas durante esse perodo, de forma mais
sistemtica e
cuidadosa, como parte das leituras propostas em um curso regular
realizado na
referida instituio.
Assim, esta monografia teve como objetivo geral tecer dilogos
entre vrios
autores, em especial da Psicologia Transpessoal, sobre o caminho
da
transformao como smbolo do desenvolvimento humano e busca de
equilbrio.
E, atravs de uma reviso bibliogrfica, identificar propostas
tericas sobre
roteiros que possam orientar prticas teraputicas, na sade e na
educao, no
mbito do trabalho dos cuidadores - destacando-se, especialmente,
em textos de
Jean-Yves Leloup e das prelees escolhidas, mensagens de
esclarecimentos e
de possveis escolhas para o nosso processo de individuao e de
integrao.
Em um primeiro captulo, so apresentadas algumas idias principais
sobre
Psicologia Transpessoal, Transcendncia e Espiritualidade. E, em
um segundo
captulo, partindo de uma reflexo sobre os sentidos do caminho
da
transformao, procura-se tecer uma interlocuo entre os autores,
dando
enfoque a possveis olhares que possam nos desvelar esse caminho,
ou seja: o
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conhecimento de si mesmo; a busca da integrao; a identificao da
sombra e da
luz; sendas a serem transpostas (complexo de Jonas e
dessacralizao);
normose; e o apocalipse como metfora do vir a ser.
Em tempos idos, quando a Transpessoal ainda no tinha tocado
minha
alma, foi me solicitado escrever um pequeno texto de apresentao
para um
evento de Psicologia da UNICAMP. Entre as palavras proferidas, a
redescoberta
desse fragmento como um pressentir do movimento ntimo de nossas
procuras.
O corpo frgil, o corpo forte, amante, desejante. Saltamos.
Queremos a transcendncia do Amor entre o cotidiano dos
gestos.
Ansiamos pela liberdade e nossos pensamentos habitam as
estrelas.
Ansiamos pelo encontro e o nosso Ser anima o horizonte
utpico.
O que nos falta?
Que vazio esse que queremos preencher?
Um pouco de ns percorre as ruas e canta.
Um pouco de ns descobre as iluses e sofre.
Lutamos, sangramos,
juntamos nossos fragmentos e espreitamos a inteireza.
Nossas certezas? Existem?
Mas um tanto de alegria faz eco em nossos coraes:
renascemos todos os dias.
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1. PSICOLOGIA TRANSPESSOAL E ESPIRITUALIDADE
No estudo da natureza deve-se considerar cada coisa
isoladamente,
assim como o todo. Nada est dentro, nada est fora;
porque o que est dentro tambm est fora. Assim, preciso ir em
frente e tentar captar o Sagrado Segredo universalmente visvel.
Goethe
Freud, ao lhe perguntarem certa vez sobre o que pensava que uma
pessoa
normal estava habilitada a fazer bem, responde: Amar e
trabalhar. O amor
significando a sntese dos gozos da generosidade e da potncia
orgstica, e o
trabalho significando a produo sem perda do gesto amoroso
(ERIKSON, 1976).
Ao amor e trabalho, Reich acrescenta o saber: Amor, trabalho e
saber
so as fontes de nossa existncia. Devero reg-la tambm. O saber
significando
a conscientizao, o tornar-se lcido (REICH, 1980).
Hoje, um olhar contemporneo evidencia para a Psicologia o
aspecto
transpessoal e algo ressoa alm: amar, trabalhar, saber e
transcender. Alm
do corpo, da inteligncia e da emoo, tornou-se possvel falar da
experincia de
transcendncia dentro de um referencial terico no campo da
Psicologia. Mais do
que falar, a vivncia da transcendncia, da espiritualidade e a
sacralizao do
cotidiano passam a ser considerados como caminhos de
auto-conhecimento, de
transformao, de realizao, de equilbrio e de integrao.
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21
Apesar de ser considerada atual, a Psicologia Transpessoal tem
uma
trajetria histrica que vem sendo construda desde o sculo 19. Ela
rene um
conjunto de conhecimentos advindos de vrias concepes tericas e
prticas,
encontradas em William James, Freud, Jung, Reich, Carl Rogers,
Abraham
Maslow, Jacov Levy Moreno, Victor Frankl, Ken Wilber, Stanislav
Grof, Pierre Weil,
Jean-Yves Leloup e outros (SALDANHA, 2008).
Para Abraham Maslow, a Psicologia Transpessoal considerada a
quarta
fora entre as correntes de estudo psicolgico, sendo a primeira o
Behaviorismo, a
segunda a Psicanlise e a terceira o Humanismo (SALDANHA,
2008).
H, em vrios autores da Psicologia Transpessoal, um
reconhecimento da
importncia da teoria psicanaltica na anlise e compreenso do
psiquismo; no
entanto, ressalta-se o fato de que Freud ao deter-se muito mais
na doena e na
misria humana, deixou uma lacuna a ser preenchida por um outro
olhar que
pudesse considerar os aspectos mais saudveis e valorosos da vida
(SALDANHA,
2008).
Abraham Maslow foi um dos autores que mais nfase deu observao
e
aos estudos desses aspectos positivos. Formulou conceitos como
auto-
atualizao relacionado com o reconhecimento e o uso das
potencialidades, dos
talentos, das capacidades para o caminho da transformao que,
como
caractersticas inerentes do ser humano, de certa maneira vo
sendo inibidas e
amortecidas no transcorrer da histria de vida; redescobri-las e
reconhecer
defesas que distorcem a auto-imagem atitude bsica para o bom
desenvolvimento da pessoa. Para Maslow, os mecanismos de defesa
so fortes
impedimentos internos para o crescimento e, alm daqueles que
foram definidos
-
22
pela teoria psicanaltica, ele acrescentou dois outros, a
dessacralizao e o
complexo de Jonas - constitudos por influncias negativas de
experincias
passadas, a partir das quais decorrem comportamentos
improdutivos, medos,
estagnaes e inflexibilidades (FADIMAN & FRAGER, 2002;
SALDANHA, 2008).
Estas idias sero retomados no segundo captulo como pontos de
reflexo, de reconhecimento e de entendimento dos possveis
obstculos
evoluo pessoal, social e da humanidade como um todo.
A seguir, como fundamentos deste captulo, so destacados trs
temas
principais da Psicologia Transpessoal, assinalando-se tambm
algumas
referncias psicanalticas, ou seja: o processo tercirio, o
princpio da
transcendncia e a espiritualidade; o mapa da conscincia; e o
conceito de ego.
1.1 O processo tercirio, o princpio da transcendncia e a
espiritualidade.
Segundo a teoria freudiana, h dois princpios que regem o
funcionamento
mental: o princpio do prazer e o princpio da realidade. No
principio do prazer a
atividade psquica, no seu conjunto, tem por objetivo evitar
desprazer e
proporcionar prazer. No princpio da realidade a procura da
satisfao se faz por
caminhos mais tortuosos, pois se impe um componente regulador
que adia o
resultado em funo das condies impostas pelo mundo exterior.
Esses
princpios tm correspondncia com outro conceito freudiano, ainda
sobre os
modos de funcionamento mental, ou seja, o processo primrio e o
processo
secundrio. No processo primrio as energias psquicas fluem
livremente sem
-
23
encontrar barreiras, seguindo as leis que regem o inconsciente e
o princpio do
prazer; no processo secundrio, as energias psquicas esto mais
presas,
circulam de forma mais compacta e, com significaes e
representaes, operam
ligadas ao princpio da realidade e determinam uma lgica de
pensamento
(LAPLANCHE e PONTALIS, 1979; ZIMERMAN, 2001).
Para a Transpessoal, no entanto, dentro de sua perspectiva de
considerar
todo o manancial positivo que a alma humana traz e que incorpora
em sua
trajetria evolutiva, existe algo alm, algo que possibilita um
reencantamento do
mundo, a emergncia de valores benficos, o redespertar da
confiana, a
ocorrncia do desejo mais profundo que o florescimento do Ser
algo que se
realiza atravs do que denominado processo tercirio e que se
relaciona com
o princpio da transcendncia (SALDANHA, 2008).
O processo tercirio definido como um conjunto de referenciais
inerentes ao desenvolvimento do ser humano que favorece o despertar
da dimenso espiritual, propiciando a atualizao experiencial de
valores positivos, saudveis, curativos, tanto individual como
coletivo, caracterizando um processo regido pelo princpio da
transcendncia (SALDANHA, 2008, p. 144).
Pensar a transcendncia, segundo Leonardo Boff, perceber o ser
humano
como um projeto ilimitado, que possui uma dimenso de abertura,
um desejo de ir
alm, de romper limites, de exercer sua liberdade criativa e sua
capacidade de vo
(BOFF, 2000).
Como telogo, pensador humanista e pessoa corajosa e destemida,
ele faz
crticas idia preconizada por algumas religies que afirmam que l
em cima
est Deus, o Cu, os santos e a transcendncia, e aqui embaixo fica
a imanncia,
-
24
como estado permanente de limitao do humano: proposio esta que
nos
coloca em dicotomias, em polaridades. Na verdade, imanncia e
transcendncia
no so aspectos inteiramente distintos, mas dimenses de uma nica
realidade
que somos ns (BOFF, 2000, p.26).
Leonardo Boff nos remete metfora do enraizamento e abertura:
Primeiramente nos sentimos seres enraizados. Temos raiz, como
uma rvore. E a raiz nos limita, porque nascemos numa determinada
famlia, numa lngua especfica, com um capital limitado de
inteligncia, de afetividade, de amorosidade. (...) Mas somos
simultaneamente seres de abertura. Ningum segura os pensamentos,
ningum amarra as emoes. (...) Ento, possumos essa dimenso de
abertura, de romper barreiras, de superar inderditos, de ir para
alm de todos os limites. isso que chamamos de transcendncia. Essa
uma estrutura de base do ser humano (BOFF, 2000, p. 27-28).
H, ainda, uma ponderao importante que Leonardo Boff nos
apresenta:
trata-se de identificarmos em nosso meio as
pseudotranscendncias, ou seja, as
idolatrias criadas pelos meios de comunicao de massa, as
religies que
constroem transcendncias artificiais, as drogas etc. Para
sabermos se a
transcendncia legitima necessitamos observar o que ela
potencializa em ns:
amplia nossa liberdade? Nos d mais energia para os
enfrentamentos? Nos torna
mais generosos, compassivos, solidrios? Pois a est um bom
parmetro para a
verdadeira transcendncia: uma experincia fecunda, que cure nosso
lado
doentio, que nos torne essencialmente humanos (BOFF, 2000).
A transcendncia esclarecedora, promove auto-conhecimento,
indica
direo evolutiva e desvela fora espiritual. integradora e
relaciona-se com uma
expresso saudvel do ser (SALDANHA, 2008).
-
25
Para a Psicologia Transpessoal, a necessidade de transcendncia
envolvida
pela espiritualidade: considerada como um aspecto central no
desenvolvimento
humano e como busca de um sentido significativo para a
existncia; a
espiritualidade no deve ser confundida com a prtica religiosa,
com instituies e
dogmas, mas sim como um meio legtimo que possa favorecer uma
tica de
confiana e torne possvel a perspectiva de uma sociedade melhor
(SALDANHA,
2008, p.149).
Segundo Leonardo Boff, espiritualidade tem a ver com experincia,
no com
dogmas, no com ritos, no com celebraes, pois essas prticas
podem
favorecer a vivncia da espiritualidade, de certa maneira
nasceram da
espiritualidade, mas no so a espiritualidade (BOFF, 2001,
p.66).
Ao interrogarem Dalai Lama sobre como ele definiria
espiritualidade, sua
resposta foi: aquilo que produz no ser humano uma mudana
interior (apud
BOFF, 2001, p.16).
Leonardo Boff nos traz ainda uma profunda reflexo sobre a
espiritualidade
de Jesus, estimando duas experincias bsicas que ancoram o
cristianismo. A
primeira como sendo a mstica de sentir-se Filho de Deus, Abb
Pai, que vem
como expresso prpria de Jesus e denota uma linguagem infantil
como forma de
chamar ao pai e ao av - um Pai de infinita bondade, misericrdia
e perdo que
nos irmana em amorosidade e nos reveste de suprema dignidade
como condio
de famlia de Deus, de carregarmos Deus dentro de ns e de Deus
carregar-nos
dentro Dele. A segunda experincia anunciada como o Reino de Deus
que est
no nosso meio, a partir do interior de cada ser humano, alegria
de todo o povo
como diz So Lucas em seu evangelho (BOFF, 2001, p.32-35).
-
26
A converso que Jesus nos anuncia a transformao espiritual, em
essncia
a transformao em nosso interior:
Mas essa transformao no comea e termina no interior de cada ser.
A partir do interior, ela desencadeia uma rede de transformaes na
comunidade, na sociedade, nas relaes com a natureza e com o
universo inteiro (BOFF, 2001, p.36).
A separao do divino e do humano, a oposio entre o cu e a terra,
o sentido
dualista da espiritualidade so idias que determinam um
desequilibro no ser
humano: por um lado, a escolha de ir-se contra o corpo e contra
o mundo terreno;
por outro lado, um culto exclusivo matria, uma falta de sentido,
um vazio
existencial.
Para Jean-Yves Leloup, o desenvolvimento da espiritualidade
pressupe a
integrao da imanncia e da transcendncia, a no oposio entre o cu
e a
terra, o ser espiritualista sem esquecer-se da dimenso corporal
e o ser
materialista sem esquecer-se da dimenso espiritual: Porque o cu
e a terra
foram feitos para as npcias. Assim como a matria e o esprito so
feitos para se
unirem (LELOUP, 2000 a, p.92).
Muito da vida religiosa separada do corpo, determinando uma
dicotomia da
pessoa e um conseqente sofrimento: sente-se uma falta, uma
perda, uma
ausncia. Faz-se necessrio, portanto, cuidar do corpo e do
esprito, em
integrao, pois ora estamos cuidando intensamente do esprito e
ora estamos
cuidando intensamente do corpo. A ciso e a separao entre os
mundos faz
parte desta poca doente, dessa sociedade compartimentada que se
prolonga
em vivncias de desencontro e desunio (ESPIRITO AMIGO, B.N. 570,
2008, p.7).
-
27
Na Psicologia Transpessoal, so definidos dois eixos que
constituem seu corpo
terico, apresentados como idias importantes para a compreenso do
nosso
processo integrativo e de transformao, simbolicamente
representado por uma
cruz, imanncia e transcendncia: eixo evolutivo e eixo
experiencial. A linha
horizontal representando o eixo experiencial, que contm a
integrao de quatro
funes psquicas: razo, emoo, intuio e sensao (REIS), que devero
se
harmonizar como elementos do desenvolvimento humano, sem
preponderncia de
um em detrimento do outro, sob pena de se criar situaes que
possam
determinar desequilbrio e desintegrao. A linha vertical
representa o eixo
evolutivo que se relaciona com percepes mais sutis da realidade,
sentimento
de unio com a totalidade e expresso da natureza amorosa do ser
(SALDANHA,
2008).
Esse simbolismo da cruz nos remete ao sentido cristo e nos
lembrado por
Jean-Yves Leloup e Leonardo Boff: o eixo horizontal
representando nossos braos
abertos para a humanidade, para os animais, para os vegetais,
enfim, para tudo
que est contido no planeta que habitamos, numa reverncia amorosa
de paz e de
puro acolhimento; e o eixo vertical representando nosso caminho
do enraizamento
abertura, nossa elevao transcendncia, ao divino, a Deus (LELOUP,
2000 a;
BOFF, 2001).
-
28
1.2 O conceito de ego e a configurao de ir-se alm do ego.
Procuro despir-me do que aprendi, procuro esquecer-me do modo de
lembrar que me ensinaram,
e raspar a tinta com que me pintaram os sentidos, desencaixotar
as minhas emoes verdadeiras,
desembrulhar-me e ser eu... (...)
Sou o Descobridor da Natureza. Sou o Argonauta das sensaes
verdadeiras.
Trago ao Universo um novo Universo porque trago ao Universo
ele-prprio.
Fernando Pessoa (Alberto Caeiro) - O Guardador de Rebanhos.
O conceito de ego e a configurao de ir-se alm do ego se
constituem em
formulaes relevantes do campo terico da Psicologia Transpessoal,
como
indicativas do progresso no desenvolvimento da pessoa, ampliando
as definies
freudianas.
A priori, quando se fala em conceito de ego logo vem aos nossos
pensamentos
as proposies de Freud e no se pode discordar que ele foi o
pioneiro em
estabelecer relaes sobre este conceito. Em seus primeiros
escritos, Freud j
mencionava a existncia do ego, mas no o especificava com tanta
riqueza de
detalhes, at porque o descrevia como a personalidade em seu
conjunto - sendo
que esta noo foi se renovando no decorrer de sua obra pelos
estudos
decorrentes da elaborao da teoria psicanaltica e,
principalmente, pela
experincia clnica com o tratamento das neuroses.
-
29
Freud, provavelmente imbudo pela viso mdica, utilizou o termo
aparelho
psquico para caracterizar organizaes de funcionamento mental
divididas em
sistemas interligados, cada uma com funes especficas.
O primeiro modelo de aparelho psquico proposto por Freud
(denominado
topogrfico) composto por: inconsciente, pr-consciente e
consciente.
Posteriormente, ele apresenta um segundo modelo de aparelho
psquico
(denominado estrutural) composto por: id, ego e superego. O id
entendido como
reservatrio e fonte de energia, regido pelo principio do prazer
e,
conseqentemente, pelo processo primrio; e coincide com o
inconsciente. O
superego se origina quase totalmente a partir do inconsciente e
constitudo por
introjees e identificaes, principalmente de contedo proibitivo e
ameaador,
que ficam armazenadas no inconsciente, provocando sentimentos de
culpas, com
conseqentes angstias e medos, e configuraes de quadros
melanclicos e
obsessivos. Entanto, um aspecto positivo do superego assinalado
pela teoria
psicanaltica, ou seja, quando est aliado ao ego no
estabelecimento do senso de
realidade, de tal forma a ajudar a pessoa a conviver com normas,
costumes e leis
da cultura (LAPLANCHE & PONTALIS, 1979; ZIMERMAN, 1999;
ZIMERMAN,
2001).
Algumas vezes, encontramos o termo ideal do ego como sinnimo
de
superego. No entanto, a psicanlise contempornea faz uma
distino:
conceitualiza o superego como o herdeiro direto do Complexo de
dipo e o ideal
do ego como uma subestrutura do superego, constituda de
mandamentos
internos relacionados com iluses narcisistas, introjees das
figuras parentais
(idealizadas, ausentes e punitivas) ou de demais figuras. A
pessoa fica submetida
-
30
s aspiraes dos outros sobre o que deve ser - e da decorrem
sentimentos de
vergonha, de culpa, de inferioridade, depresses etc (ZIMERMAN,
2001).
O ego, por sua vez, tambm como instncia psquica, tem a funo
de
mediador, integrador e harmonizador, entre as pulses do id, as
exigncias e
ameaas do superego e as demandas da realidade exterior. Ego,
portanto, um
conceito psicanaltico utilizado para designar um conjunto de
processos psquicos
e de mecanismos atravs dos quais o organismo entra em contato
com a
realidade objetiva, respondendo s demandas do id e dos seus
desejos, tendo a
funo de satisfazer ou no essas demandas de acordo com as
possibilidades
oferecidas por essa realidade. O ego seria ento, um guia do
comportamento do
organismo, luz da realidade; neste sentido, toda a conscincia
cabe ao ego, mas
o ego no s conscincia, nele h tambm funes inconscientes
(LAPLANCHE
& PONTALIS, 1979; ZIMERMAN, 1999; ZIMERMAN, 2001).
Dessa maneira, entre as funes do ego que se relacionam com a sua
parte
inconsciente podemos destacar: a formao de ansiedades ou
angstias (como
angstias de desamparo, de perda, de separao e de castrao,
sentimentos de
culpa e medos do superego, de desintegrao, de morte, entre
outras); os
mecanismos de defesa (formas de negao da tomada de conhecimento
de
experincias emocionais ansiognicas); a formao de smbolos
(principalmente
relacionada com a capacidade de suportar ausncias e perdas, de
abstrair, de
construir metforas); a aquisio do sentimento de identidade
(processo ativo
de tornar-se idntico ao outro, de introjeo de figuras parentais,
de gnero
sexual, de identificaes sociais e profissionais) (ZIMERMAN,
1999).
-
31
Alm disso, vale destacar-se que aquilo que se apreende sobre o
conceito de
Freud sobre ego que as idias foram sendo revisadas e
complementadas - fatos
decorrentes de uma postura sua, assumida de forma geral durante
toda a
elaborao de sua teoria.Tanto assim que, no livro O ego e o id de
1923,
considerado o ltimo de seus grandes trabalhos tericos, ele faz
um
reconhecimento importante:
A pesquisa patolgica dirigiu nosso interesse de modo
excessivamente exclusivo para o reprimido. Gostaramos de aprender
mais sobre o ego, agora que sabemos que ele pode ser inconsciente
no sentido correto da palavra. At agora, a nica orientao que
tivemos durante nossas investigaes foi a marca distinguidora de ser
consciente ou inconsciente; acabamos por ver quo ambguo isso pode
ser. (FREUD, 1987, p.33).
Na teoria junguiana, o ego o centro da conscincia e um dos
maiores
arqutipos da personalidade. Ele fornece um sentido de
consistncia e direo
em nossas vidas conscientes e tende a contrapor-se a qualquer
coisa que
ameace esta consistncia. Alm disso, o ego tenta nos convencer
que
necessrio planejar e analisar conscientemente nossas
experincias. Segundo a
teoria junguiana, no ego encontram-se s contedos conscientes
derivados da
experincia pessoal (FADIMAN&FRAGER, 2002, p.52).
Ressalta-se, ainda, um outro conceito junguiano relacionado com
o ego que
a persona, que representa a forma pela qual nos apresentamos ao
mundo. So os
papis que desempenhamos, roupas que usamos, nossas expresses
faciais. A
palavra persona tem significado equivalente a mscara. A persona
tem aspectos
tanto positivos quanto negativos, ou seja: se, em certa medida,
representa um
-
32
sistema til de defesa para proteger o ego e a psique de diversas
foras e atitudes
sociais que nos invadem, por outro lado, medida que comeamos a
agir de
determinada maneira, a desempenhar um papel, nosso ego se
altera
gradualmente nesta direo, havendo, portanto, uma interferncia no
nosso modo
autntico de ser. Dessa forma, quanto mais a persona aderir pele,
mais dolorosa
ser a operao para despi-la (SILVEIRA, 1996; FADIMAN&FRAGER,
2002).
Sobre o modelo psicanaltico, a Transpessoal d nfase na boa
estruturao
egica, mas ressalta que se o ego torna-se rgido, haver um
impedimento de
percepes mais ampliadas e obstruo do processo de
transcendncia;
necessrio que haja espaos para a possibilidade do ego morrer -
como um
aniquilamento da individualidade numa experincia de aliana com a
alma
coletiva, com a totalidade, e com a profunda compreenso que a
conscincia
imortal (SALDANHA, 2008).
Para a Psicologia Transpessoal o ego um construto mental que tem
a
tendncia de solidificar a energia mental em uma barreira, em um
estado de
represso. Assim, no estado de represso do nosso ser mais
genuno,
desenvolvemos um construto artificial a ser aprovado pelo mundo
externo. O que
decorre da um ego rgido e inflexvel que dever passar por uma
diluio
circunstancial, de tal forma a favorecer a ampliao da conscincia
e o emergir de
um estado de despertar e de um processo de transcendncia.
Algumas vezes,
emprega-se o termo morte do ego para descrever-se essa diluio: a
morte da
forma estrangeira que a vida tomou em mim (SALDANHA, 2008).
Nas palavras de Jean-Yves Leloup, essa experincia transpessoal
pode levar a
pessoa a uma abertura: ela se abre, abre seu corpo, seu
psiquismo, seu Esprito,
-
33
quilo que a envolve e transborda. Mas para isso ela no necessita
destruir a
forma: para conhecer o que o cntaro contem, no vale a pena
quebr-lo, basta
apenas abri-lo. Assim, para conhecer o Self, no necessrio
destruir o ego, mas
apenas abri-lo, torn-lo transparente e, em primeiro lugar,
cuidar dele e cur-lo
(LELOUP, 1999 a, p.52).
Tolle afirma que ao nos identificarmos com a mente criamos uma
tela opaca de
conceitos, rtulos, imagens, palavras, julgamentos e definies que
bloqueiam as
relaes verdadeiras entre voc e seu eu interior, entre voc e o
prximo, entre
voc e a natureza, entre voc e Deus (TOLLE, 2002).
Com relao ao ego, Pierre Weil nos fala sobre a iluso da
dualidade ou
mundo exterior atravs de uma analogia do conceito de ego com o
mar, onde as
ondas so vistas com pluralidade e o mar por sua vez, seria a
unidade. As ondas
seriam comparadas com o nosso ego: cada ego olhando para outro
ego, assim
como cada onda olhando para outra onda, em um construto ilusrio
de diferena,
quando, na realidade, todas so parte do mesmo mar. Portanto, o
ego onda e
mar ao mesmo tempo; pluralidade e unidade. Com isso, pretende-se
ento colocar
que todos os seres humanos tem ambos os lados e embora, na
maioria das
vezes, estejamos com o ego voltado pluralidade (onde entendemos
que somos
diferentes do outro), temos tambm a ligao com esta unidade que
nos possibilita
enxergar uma integrao com o cosmos em todos os aspectos, abrindo
todas as
fronteiras e possibilitando uma ampliao do campo consciencial
(WEIL, 1976).
Pode-se dizer que a psicologia transpessoal a primeira tentativa
de integrar
as diferentes vises de homem em uma viso mais ampla e
abrangente, onde
divergncias no sejam mais vistas como antagonismos, mas como
vises
-
34
complementares e no-excludentes. O termo transpessoal significa
alm do
pessoal ou alm da personalidade; utilizando-se esse termo a
medida que se
entende que as capacidades humanas esto alm da esfera do ego. A
abordagem
transpessoal procura integrar em sua viso todo o potencial
humano que est
ainda por desenvolver: capacidades potenciais relacionadas
existncia de
estados superiores de conscincia. O caminho para atingir esses
estados o
caminho da autotranscendncia ou superao do ego individual. Da os
termos:
superao do ego, alm do ego, trans-ego, transpessoal.
1.3 O mapa da conscincia
Conforme j anteriormente referido, o primeiro modelo de aparelho
psquico
proposto por Freud (denominado topogrfico) composto por:
inconsciente, pr-
consciente e consciente. Essas instncias caracterizam uma
organizao
psquica, interligadas entre si, ocupando lugares na mente, por
assim dizer,
virtuais. O inconsciente designa a parte mais arcaica do
psiquismo, um
reservatrio de contedos reprimidos; o pr-consciente funciona
como uma
espcie de filtro que seleciona aquilo que pode ou no se tornar
consciente; e o
consciente tem a funo de receber informaes internas e externas,
percebidas
com prazer e/ou desprazer, segundo representaes do inconsciente,
e abriga as
funes do ego relacionadas com a percepo, a cognio e a atividade
motora
(LAPLANCHE e PONTALIS, 1979; ZIMERMAN, 1999; ZIMERMAN,
2001).
-
35
A Psicologia Transpessoal amplia este modelo e Kenneth Ring,
baseando-
se em pesquisas anteriores, realizadas por estudiosos
precursores deste tema
como Stanislav Grof, Timory Leary, Robert More e outros, prope o
seguinte
mapa da conscincia (apud SALDANHA, 2008, p. 180).
Viglia: formada por contedos conscientes da relao imediata com
o
mundo.
Pr-consciente: contedos facilmente acessados por evocao,
ligados
viglia.
Psicodinmico: corresponde ao inconsciente freudiano, com
contedos de
difcil acesso, ligados a experincias passadas.
Inconsciente ontogentico: relaciona-se com vivncias
intra-uterinas.
Inconsciente transindividual: experincias ancestrais, raciais e
arquetpicas,
relacionadas com a idia de inconsciente coletivo de Jung.
Inconsciente filogentico: experincias alm das formas
humanas,
relacionadas com a prpria seqncia evolutiva do planeta
Terra.
Inconsciente extraterreno: experincias que se estendem alm do
nosso
planeta, de estar fora do corpo, de encontro com entidades
espirituais e
guias, fenmenos medinicos.
Superconsciente ou supraconsciente: apreenso intuitiva do
fenmeno da
unidade e da relao homem-cosmo.
Vcuo: experincias de estar alm de qualquer contedo, estado de
puro
ser, conscincia que se funde mente universal.
-
36
Constata-se, portanto, que a Transpessoal atribui ao
inconsciente - alm dos
contedos reprimidos de sombra - experincias de ampliao de
percepes e de
uma dimenso superior que abriga sabedoria e adequao. Segundo
Maslow,
essa dimenso superior do inconsciente evidencia aspectos
saudveis, curativos,
desejveis de beleza e xtase - passvel de ser estimulada e
acessada sob
determinadas circunstncias ou, ainda, que pode manifestar-se
espontaneamente
(apud SALDANHA, 2008).
...o recalcado no so somente os traumatismos da infncia, mas o
prprio Ser e a origem do Ser que, invisivelmente, se d a ver, s
vezes, em ato na falha de um enunciado, de um sorriso, de um gesto,
de um olhar ou de uma palavra singular (LELOUP, 2001 a, p.12).
Outro diferencial que diz respeito a conceitos, relaciona-se com
o termo
conscincia: para a teoria psicanaltica conscincia uma qualidade
momentnea
de percepes, sendo que para a Transpessoal isto equivaleria ao
conceito de
conscincia de viglia e a conscincia, propriamente dita, vista de
forma mais
ampla e inclu contedos alm da viglia (SALDANHA, 2008).
-
37
2. O CAMINHO DA TRANSFORMAO
Lei do destino: que todos se aprendam.
Hlderlin
O senhor mire e veja:
o mais bonito, o mais importante do mundo
que as pessoas no esto nunca terminadas,
elas esto sempre mudando.
Guimares Rosa
Dentre os vrios significados da palavra caminho esto includos
os
sentidos de direo, rumo...destino. Dessa maneira, o caminho tem
sido usado
como metfora, como imagem para ilustrar a trajetria do nosso
desenvolvimento
e da nossa evoluo, dentre proposies de expresses religiosas, de
guias de
auto-ajuda e de correntes tericas da Psicologia. Em geral, essas
propostas
oferecem parmetros, princpios norteadores que possam nos
conduzir para a
organizao de experincias de vida produtiva, nos permitindo
expressar nossos
talentos, nossa natureza amorosa, nossas manifestaes como
pessoas mais
felizes e realizadas.
Jean-Yves Leloup, em um de seus livros, nos fala em caminho
da
realizao, como um percurso desde a identificao dos medos do eu
ao
mergulho no Ser, como um processo de estruturao e de
aperfeioamento, cujo
contedo estaremos abordando, em parte, mais frente (LELOUP, 2000
a).
-
38
Ney Prieto Peres d a conhecer um guia para a realizao do
auto-
aprimoramento com base na doutrina esprita, a ser estudado e
refletido em
grupos ou como exerccio individual. Neste guia, o autor rene um
material com o
objetivo de promover o que ele denomina reforma ntima: um
processo contnuo
de auto-conhecimento e auto-avaliao progressiva; de identificao
de vcios e
defeitos mas, tambm, de virtudes; de transformao do homem velho,
carregado
de tendncias e erros seculares, no homem novo, atuante na
implantao dos
ensinamentos do Divino Mestre, dentro e fora de si (PERES, 2007,
p.19).
O livro O caminho da autotransformao apresentado como uma
compilao de palestras de um ser desencarnado, pronunciadas
atravs de Eva
Pierrakos. Nele delineado todo um mapa do psiquismo humano onde
se orienta
a identificao de nossos demnios e nossos anjos, de frustraes e
iluses que
nos impedem o crescimento, como tambm das nossas foras amorosas;
enfim,
busca oferecer um material que possa gerar uma compreenso a nos
conduzir
para o despertar espiritual. Este livro tem sido amplamente
estudado, referendado
como importante guia para grupos teraputicos e reverenciado como
instrumento
de grande enriquecimento para a jornada da alma (PIERRAKOS,
2004).
Na teoria junguiana, em um de seus pontos centrais, ns vamos
encontrar o
conceito de processo de individuao: um desenvolvimento que
conduz a um
centro psquico profundo, o self, que tem como fora energtica
principal a pulso
de integrao. O processo de individuao de configurao complexa,
pois
constitudo por vrios fatores da histria de vida da pessoa, de
caractersticas
singulares, sociais e arquetpicas. de percurso longo e difcil e
considerado
-
39
como uma tendncia instintiva a realizar plenamente
potencialidades inatas
(SILVEIRA, 1996, p.92).
O processo de individuao da teoria junguiana, como caminho
de
transformao, traa um itinerrio em espiral, de regresses e
progressos, de
tentativas para se vencer as sombras, as falsas roupagens
(mscaras), as
grandes polaridades de claro e escuro, de consciente e
inconsciente, de
masculino e feminino, at chegar-se ao desvelamento do eu
essencial, de um ser
mais integrado, com vivncias mais conscientes e mais organizadas
quanto aos
diferentes fatores psquicos, mesmos os considerados mais
irreconciliveis at
ento (SILVEIRA, 1996).
A nossa grandeza no significa uma ascenso de forma linear rumo
ao alto, sempre. A nossa ascenso, o nosso crescimento, o nosso
aperfeioamento, um movimento circular (ESPIRITO AMIGO, B.N. 566,
2008, p.7).
Assim, na tessitura do processo de individuao, segundo a
teoria
junguiana, prazeres e sofrimentos sero vivenciados num nvel mais
alto de
conscincia e o ser humano vai se tornado mais inteiro, mais
harmnico, tomando
a forma de mandala, em cores e brilhos, como expresso de sua
totalidade
psquica (SILVEIRA, 1996, p.105).
A partir de extensa experincia de trabalho clnico e educacional
com o
referencial terico da Psicologia Transpessoal, Vera Saldanha
sistematizou vrios
conceitos na denominada Abordagem Integrativa Transpessoal, como
um roteiro
para o processo psquico de desenvolvimento pessoal. Essa
abordagem
constituda de sete etapas que se estabelecem em conformidade com
aspectos
-
40
dinmicos, relacionados com o eixo experiencial e o eixo
evolutivo, j citados
anteriormente. A passagem pelas etapas propicia uma crescente
apreenso da
realidade, descobertas de novas possibilidades e de novas
respostas, fazendo
emergir valores positivos frente vida, tais como auto-confiana,
competncia,
felicidade etc., delineando um percurso que se configura da
seguinte maneira: 1.
reconhecimento (favorece a percepo de situaes, desafios,
conflitos); 2.
identificao (favorece a vivncia do que , possibilitando o como,
onde, quanto,
com quem); 3. desidentificao (permite a compreenso do que
externo,
separa o estar do ser); 4. transmutao (promove a percepo da
sntese,
relativiza-se o bem e o mal, sai-se do julgamento); 5.
transformao (h novas
respostas a situaes antigas e respostas adequadas a situaes
novas); 6.
elaborao (respostas novas se estabelecem e so incorporadas na
expresso
existencial da pessoa); 7. integrao (torna-se possvel a sntese,
o
aprimoramento do Ser e novos olhares para fatos que antes
geravam conflitos,
medos e desconfortos emocionais) (SALDANHA, 2008; ALUBRAT,
Apostila do
Mdulo VIII, 2008).
As proposies citadas foram apresentadas em poucas palavras, de
forma
bastante resumida e, evidentemente, merecem leituras mais
cuidadosas e
aprofundamento dos diversos temas que compem seus campos tericos
- de tal
forma a enriquecer, cada vez mais, a compreenso sobre a
antropologia e a
psicologia, alm de se constiturem em importantes instrumentos de
trabalho.
O caminho da transformao evoca nossos anseios mais ntimos,
nossa
natureza em equilbrio, nossa predisposio a conhecer e adentrar
os meandros
do oculto, do no dito, do no reconhecido. Evoca em ns o desejo
mais legtimo
-
41
de nos tornarmos pessoas melhores, de valorizar a beleza do
humano e do
mundo; evoca em ns a poesia e a rima espiritual em compasso de
esperana e
crena no amor: a nossa mais alegre unio.
E na poesia dos nossos tempos, o criado e o recriado vo
desenhando a
magia dos nossos sonhos, dos nossos dias, das nossas
reverberaes.
Nosso tempo
muitas vezes escrevemos:
mudar a vida, transformar o mundo.
as pginas se perderam,
mas as mos continuam.
as iluses de domnio
com a dor se dissiparam.
muitas coisas aprendemos,
nova escuta novo olhar,
e tambm a nossa entrega
ao que alm de ns,
em passagem ou permanncia.
aos poucos, recomeamos
a parte que nos cabe.
agora ainda h tempo
de salvar o que nos salva.
os que ainda no nasceram
aguardam uma boa nova.
Severino Antnio, 2008
-
42
2.1 O conhecimento de si mesmo e o amor prprio.
A conscincia una:
ela pesada na pedra,
floresce na rvore durante a primavera,
canta no pssaro,
late no co
e toma conscincia de si mesmo no homem.
O homem o lugar onde o universo
toma conscincia de si mesmo
Rumi
Ainda no estamos habituados com o mundo.
Nascer muito comprido.
Murilo Mendes
O sbio, na conscincia de si mesmo, desfruta da eternidade no
tempo -
mas antes, tem que aceitar em si o peso da pedra, o
florescimento da rvore, o
canto do pssaro, o latido do co (LELOUP, 2000 b), em um contnuo
aprender,
em um longo nascer e renascer.
Como nos diz o filsofo Gaston Bachelard, psicologicamente
conhecemos
nascimentos mltiplos; somos seres em constantes recomeos e
conhecer-se
adentrar no domnio das recordaes, das imagens amadas e no
amadas,
adentrar em uma infncia annima que revela muito mais coisas do
que a
infncia regular, tomada no contexto de uma histria familiar
(BACHELARD,
1988, p. 15).
-
43
O essencial que uma imagem seja acertada. Pode-se esperar, ento,
que ela tome o caminho da alma, que no se embarace nas objees do
esprito crtico, que no seja detida pela pesada mecnica dos
recalques. Como simples reencontrar a prpria alma no fundo do
devaneio! O devaneio nos pe em estado de alma nascente. (BACHELARD,
1988, p.15).
Para se conhecer verdadeiramente a si mesmo preciso deixar um
certo nmero de memrias com as quais confundimos a nossa identidade.
Deixar o conhecido, o reconhecido que cremos ser, pelo
desconhecido, o no-conhecido que somos. (...) reatar os laos com
aquilo que o homem tem de Eterno, este Eterno que ele mesmo, e se
acha velado pelas ocupaes e as preocupaes do tempo (LELOUP, 2001 b,
p.22).
O conhecimento de si mesmo, como ponto de partida para a
nossa
jornada da alma, traz em seu mago uma remota apreenso: somos
seres de luz.
No entanto, muitos bloqueios nos impedem de nos aproximarmos
dessa verdade,
pois nosso ser encurva-se sob o peso de nossas culpas, de nossos
rancores.
Dentro de ns h um amor adoentado, um amor machucado, ferido e
preso, de tal
forma que estamos impossibilitados, ainda que temporariamente,
de olhar com
claridade a grandeza de que somos constitudos. Estamos
impossibilitados de ver
que o nosso esprito signo de virtudes, que o nosso esprito signo
de sonhos,
utopias, esperanas vrias (ESPIRITO AMIGO, B.N. 509, 2007,
p.6).
Como um rubi oculto, a bondade j faz parte da nossa alma e
pode
resplandecer no brilho dos olhos, na suavidade das linhas de
generosidade. a
herana divina da potncia e do vir a ser ou do poder divino no
humano
(ESPIRITO AMIGO, B.N. 520, 2007, p. 12).
-
44
Vencendo nossas barreiras
veramos, como v o sbio nas entrelinhas das escrituras, o
subtexto, aquele texto que no foi dito, mas ali est, maravilhoso,
intudo, apenas colocado (...) veramos, nas entrelinhas do nosso
ser, no livro do nosso ser, esse cdigo grandioso de nossas
virtudes. E seramos desse modo transportados continuamente para as
regies da coragem! (ESPIRITO AMIGO, B.N. 509, 2007, p. 7).
O ser de luz que habita em ns chamado por Deepak Chopra de a lei
da
potencialidade pura: que o prprio eu, a verdadeira natureza, a
interao com
todos os elementos das foras vitais. A potencialidade pura est
alm do ego,
isenta de medo, de culpa, nem inferior e nem superior... pura
magia, mistrio e
encantamento (CHOPRA, 2006, p. 22).
Para a configurao de um bom estado de sade, Jean-Yves Leloup
nos
fala da importncia de se encontrar o nosso centro, o nosso Self
verdadeiro, a
chama, a chama de Pentecostes, o corao inteligente que integra
os opostos
(LELOUP, 1999 a; LELOUP, 2000 b).
Em um dos felizes momentos de interpretao de um trecho do
Apocalipse
de Joo, mais especificamente sobre a Jerusalm Celeste, Jean-Yves
Leloup se
interroga sobre o simbolismo das doze pedras que so mostradas
pelo anjo como
alicerces de uma nova terra. Que significado tem cada uma delas?
O que significa
a nova Jerusalm? Para Leloup, elas poderiam corresponder s
maneiras de
amar, s qualidades necessrias para a edificao do nosso Ser
inteiro. Ele nos
fala do aprendizado dos construtores que se processa atravs de
trs percursos
de trabalho, com quatro tempos cada um, perfazendo as doze
pedras: no primeiro,
-
45
o aprendiz talha a pedra bruta, ocupa-se de si mesmo e aprende a
se amar, no
reconhecimento de si, na aceitao de si, na confiana em si e no
desapego de si;
no segundo, o construtor une as pedras cbicas, que j foram
talhadas nas tarefas
anteriores e que podem agora se juntar a outras, e o amor e os
cuidados vo alm
de si mesmo, no reconhecimento do outro, na aceitao do outro, na
confiana no
outro, na fidelidade ao outro; na terceira etapa, a da pedra
filosofal, preciso
cuidar do Ser e do Amor, da Fonte, no reconhecimento de Deus, na
adorao a
Deus, no abandono a Deus, na confiana a Deus (LELOUP, 2003 b,
p.51).
O caminho da transformao comea, portanto, com a dedicao da
observncia a si mesmo, com a tarefa ntima e laboriosa de
construo do amor a
si mesmo e com a construo da conscincia da
auto-responsabilidade. Este
amor a si mesmo conduz s virtudes, brandura, grandeza da alma,
ao
infinito... Mas no percurso, o conhecimento de si mesmo conduz
tambm
percepo das nossas imperfeies e isso di muito. H um movimento de
neg-
las, de adiar perceb-las, de no enfrent-las; mas elas existem e
necessitam ser
cuidadas para que o crescimento acontea (ESPIRITO AMIGO, B.N.
563, 2008).
A pedra em nosso caminho pode ser escolhida como metfora dos
enfrentamentos. Qual o seu benefcio? Ela esmaga, fere, machuca,
mas sem ela
no teramos lares aquecidos, edificaes, nosso sentido humano e
cultural
(ESPIRITO AMIGO, B.N. 513, 2007).
Pedra: traduzida nos conhecimentos iniciticos como luz
condensada. Maravilhosa iniciao espiritual para todos ns! Como
pensaramos luz e pedra: o mais etreo, o mais incorpreo, o mais
sutil, no mais corpreo, no mais denso, no mais rijo? Mas os opostos
se completam, essa a verdade (ESPIRITO AMIGO, B.N. 513, 2007, p.
10).
-
46
Ao encontrar as pedras em nosso caminho, vamos olhar para elas
e
descobri-las como smbolo da capacidade humana de construir, de
edificar, de
armazenar conhecimento. E o conhecimento significa tempo:
primeiro tateio,
depois observo, reno, concluo, separo novamente, observo
novamente, coloco
em novos meios, notifico, leio, concluo... assim o processo
ntimo de conhecer
a vida, de colher o bem maior no fluxo de experincias que, de um
lado nos
alegram, e de outro nos fazem sofrer. Nascer doloroso! Um grito
acompanha o
nascimento, um choro, um pranto (ESPIRITO AMIGO, B.N. 513, 2007,
p.11).
Observe o beb no momento do parto: ele vem e precisa passar por
um canal estreito e ele se aperta para nascer. Toda descoberta tem
um movimento de contrao nela mesma; ela se contrai para depois
expandir-se. essa contrao essencial que ns chamamos dor e que ns
rejeitamos (ESPIRITO AMIGO, B.N. 578, 2008, p. 14).
A lgica da descoberta est ligada gestao, a engravidar-se,
engravidar-
se da procura, da busca... da percepo que h algo coberto:
atravessar o visvel,
para entrar e penetrar o invisvel. E o homem salta esse imenso
espao, qual
trapezista encantador: ele anda em vo, alado, no seu sonho, a
buscar as outras
mos (ESPIRITO AMIGO, B.N. 578, 2008, p.11).
O conhecer gera contentamento, alegria, pois ele nos revela a
lei do
progresso, a capacidade de superar quedas e iluses, o livre
arbtrio para as
escolhas com conscincia, a conscincia cada vez mais ampla, a
revelao de um
Deus de compaixo e misericrdia (ESPIRITO AMIGO, B.N. 570,
2008).
-
47
O caminho da transformao significa, portanto, o
auto-conhecimento, o
conhecimento do outro, o conhecimento do mundo e um longo
percurso de intenso
ato de amor, que vai se tecendo, se fazendo, se completando: Jac
encontrou
Raquel e a conheceu (ESPIRITO AMIGO, B.N. 518, 2007).
2.2 A busca da integrao: o desvelar da sombra e da luz.
Ver o outro lado das coisas
quase ver Deus.
Espirito Amigo
Onde mora o perigo,
Mora tambm o que salva.
Hlderlin
No transcorrer deste escrito, em muitos momentos, tem-se
mencionado a
importncia da integrao dos vrios aspectos da pessoa, no sentido
de tornar
possvel seu equilbrio e seu bem-estar. Mas, mesmo assim, pela
forma valorosa
com que o tema tem sido enfocado nos vrios campos do
conhecimento e pelo
seu uso cada vez mais freqente nos contedos das prticas
teraputicas,
educacionais e religiosas, optou-se por reservar algumas
consideraes especiais
a serem apresentadas neste item.
Seguindo uma definio junguiana, Jean-Yves Leloup prope como
bsico
para desenvolvermos uma boa sade - fsica, psicolgica e
espiritual - a
integrao de quatro dimenses do nosso ser: razo, sensao, intuio
e
-
48
sentimento. A doena consiste em viver em apenas uma parte de si
mesmo: viver
apenas em sua cabea, viver somente suas sensaes, viver somente
da sua
afetividade, viver somente de suas revelaes interiores (LELOUP,
1999 a, p.18).
Na potica de Bachelard:
Para analisar todas as potencialidades psicolgicas que se
oferecem ao solitrio do devaneio, ser preciso partir do lema: Estou
sozinho, portanto somos quatro. (BACHELARD, 1988, p.77)
Para o equilbrio e harmonia necessria a integrao. A palavra paz
em
hebraico shalom significa estar inteiro: matria e luz, corpo e
espiritualidade,
vacuidade e peso. Nossa matria procura a luz: a atrao de nossos
limites
aspirando ao infinito, nosso peso que deseja profundamente a
leveza. No outro
sentido, a atrao da luz em direo ao peso, em direo nossa
densidade
(LELOUP, 2005, p.70).
Qual o caminho? E o Anjo responde: Em um extremo, o amor; no
outro, a luz. E tu ests suspenso entre o amor e a luz; esse o seu
caminho. O amor nada sem a luz; por sua vez, a luz nada sem o amor
(LELOUP, 2005, p. 72).
Dois seres caminham conosco: Dom Quixote e Sancho Panza: um
arqutipo de sonhos, utopias, moinhos de vento; mas, tambm, um
caminhante,
um auxiliar que carrega nossas vestes. Nossa conscincia precisa
tecer essa
unidade e transmutar as energias sombrias, encontrando um estado
de
superao. Os gigantes ameaadores com os quais Dom Quixote lutava
podem
levar loucura, ao destrutivo, s guerras; mas, de outra forma
acolhidos, podem
-
49
conduzir loucura dos sonhos, loucura da coragem - a coragem de
tecer um
novo amanh, uma nova paisagem (ESPIRITO AMIGO, B.N.569,
2008).
A sonhada unidade comea dentro do nosso prprio corao, quando
compreendemos que as diversidades so irms do nosso crescimento.
E ao nos
depararmos com as diversidades, se no as transformamos em
adversidades e
divises, poderemos compor versos, potica das poticas, pois a
separao a
nossa pr-histria. ela que nos dificulta tocar, amar,
compreender, acolher,
sorrir! (ESPIRITO AMIGO, B.N.551, 2008, p.12).
Carregamos no ventre a esperana, no mais dualidade, mas a
unidade. No mais a separao dual, dicotmica, entre os avessos, mas
ao encontro, o respeito (ESPIRITO AMIGO, B.N.572, 2008, p.9).
O que nos impede de realizarmos a pressentida unidade? O que
nos
conduz para a separao, para os desencontros, para as
fragmentaes? O que
bloqueia nosso sentido da integrao de luz e sombra? Antes mesmo,
o que nos
torna cego para desvelar a sombra e a luz? Dois acidentes de
percurso, na nossa
caminhada existencial, tm sido expostos como possveis causas: a
normose e o
medo de reconhecermos as nossas sombras.
A normose um termo que tem sido usado de forma peculiar no mbito
da
Psicologia Transpessoal e os contedos de sua definio tem nos
orientado no
aprofundamento da questo desse desequilbrio, assim como na busca
de novos
paradigmas para transmut-lo.
Em vrios campos do conhecimento, sempre se registrou uma
preocupao
em se separar os variados modelos de comportamento, em
categorias ditas
-
50
normais e patolgicos, com o intuito de se conseguir uma certa
ordem social ou,
at mesmo, como controle das formas de expresso. E permeando
essa
classificao, esto comumente presentes determinados valores a
serem
seguidos e vivenciados nas relaes humanas.
No entanto, nossa sociedade foi adaptando convenientemente
essas
categorias, de tal forma a justificar atos que, embora firam a
dignidade humana,
so considerados normais e at mesmo preconizados como bons.
Essa composio distorcida que a sociedade vem fazendo nos
costumes
tem sido observada, estudada e interpretada por alguns autores
da Psicologia
Transpessoal, e criou-se o termo normose, que abarca um conceito
desenvolvido
por Leloup, Roberto Crema e Pierre Weil:
A normose pode ser definida como o conjunto de normas,
conceitos, valores, esteretipos, hbitos de pensar ou de agir, que
so aprovados por consenso ou pela maioria em uma determinada
sociedade e que provocam sofrimento, doena e morte. Em outras
palavras, algo patognico e letal, executado sem que os seus autores
e atores tenham conscincia de sua natureza patolgica (WEIL; LELOUP;
CREMA, 2003, p.22).
Pierre Weil nos exemplifica vrios tipos de normoses, tais como:
gerais (que
provocam represses e alienaes coletivas, como a constituio das
sociedades
patriarcais); especficas (programas alimentares, condutas
polticas, posturas
ideolgicas e blicas); religiosas (fundamentalismos dementes e
sanguinrios)
(WEIL; LELOUP; CREMA, 2003).
A normose se caracteriza, principalmente, por um esquecimento
dos
princpios ticos, levando as pessoas a acreditar que os fins
justificam os meios,
-
51
em posturas de ambio desvairada, de tal forma a ignorar-se a
sensibilidade e o
respeito ao outro. entendida como doena da normalidade e
propicia um estar
fora de si, uma cumplicidade com fatos que a princpio nem se
concorda. Muitas
vezes, a predominncia da normose que justifica atitudes que,
apesar de
assustarem e indignarem, so assimiladas e espalhadas na
sociedade como um
todo. Ela faz com as pessoas venham a preterir o Ser, em funo do
Ter.
Na definio de Roberto Crema:
Do ponto de vista sistmico, falamos em normose quando o que
prevalece o desamor, quando o dominante a falta de escuta, a falta
de viso, a injustia e a corrupo generalizada (WEIL; LELOUP; CREMA,
2003, p. 37).
A normose nos provoca uma perda da percepo do belo em ns, da
arte
de mir-lo e de nos revestirmos dele em abraos dirios, de tal
forma que nos
tornamos automatizados, repetitivos, ridos, como corda esticada
ao mximo que
qualquer movimenta arrebenta - porque o que d vida nossa
existncia a
maleabilidade, a flexibilidade, a capacidade de contornar
obstculos ou responder
s dificuldades com sabedoria e criatividade (ESPIRITO AMIGO,
B.N.521,
2007,p.5).
Vivemos em uma cultura de amor egostico, de falsa harmonia,
de
caminhantes solitrios, desintegrados em si mesmos, desconectados
de uma
autntica relao com os outros e com o mundo, em experincias de
pseudo
transcendncia, de pseudo sabedoria (ESPIRITO AMIGO, B.N.544,
2008,p.5).
Nosso ser est mergulhado na diminuio de si mesmo e de suas
capacidades, esquecido de que constitudo de vibraes muito
maiores. Nossa
-
52
vontade mais verdadeira foi capturada, foi nos roubada por uma
mdia
consumista, que nos toma os ouvidos, os olhos e nos abstrai da
condio real de
ser, inutilizando-nos, podando-nos de forma profunda,
dificultando a todos a
retomada dos caminhos naturais de suas vidas (ESPIRITO AMIGO,
B.N.559,
2008, p.16).
Como retomar esses caminhos? Como manter um estado de vigilncia
e de
ampliao de conscincia? Como vencer essa cegueira tica em que
nos
encontramos? Como arriscar um salto qualitativo e criar novos
paradigmas?
A Transpessoal tem procurado responder a essas indagaes,
agregando
reflexo sobre normose, alguns aspectos da psicologia humana
como: o apego, o
sentimento de abandono, o sentimento de paraso perdido.
Um dos medos principais do ser humano o medo de perder: perder
algo
que muitas vezes, ilusoriamente, pensamos que possumos e em
relao ao qual
nos apegamos, nos identificamos, nos fixamos: seja uma idia, uma
pessoa, um
status. Temer perder determinar estresse e vrias enfermidades:
Diga-me o
tamanho de seus apegos, e eu lhe direi o tamanho de seu
sofrimento. E a nossa
sociedade normtica uma sociedade de posses e de apegos
destrutivos (WEIL;
LELOUP; CREMA, 2003, p.56).
Na teoria psicanaltica, h um construto terico sobre o
desenvolvimento da
pessoa que nos esclarece muito quanto ao sentido de determinados
apegos,
determinadas fixaes. O beb, inicialmente, vive em um estado de
absoluta
dependncia e desamparo um estado que responsvel, de certa
maneira, pela
configurao de seus afetos primitivos. As etapas evolutivas vo
acontecendo e
-
53
vo constituindo a formao da personalidade da criana em
sucessivas
transformaes; e esses diferentes momentos evolutivos deixam
impressos no
psiquismo aquilo que Freud denominou de pontos de fixao. Os
pontos de
fixao determinam muitos movimentos de regresso - impedindo a
pessoa de ter
a experincia de um crescimento natural e harmnico e so
formados
basicamente a partir de intensa gratificao ou de excessiva
frustrao. O que
acontece? Um espao protetor e gratificante fundamental, mas, ao
mesmo
tempo, deve propiciar criana autonomia, descoberta de si mesma
e
sentimentos de confiana; pois, com excessos de proteo, ela ficar
muito
dependente desse ninho primeiro, dificilmente desenvolver
tolerncia a
frustraes e voltar a ele sempre que se ver em dificuldades. Por
outro lado, as
contnuas e excessivas frustraes criam um vazio, buracos
existenciais e, da
mesma forma, desencadeiam regresses como uma tentativa de se
buscar o elo
perdido, ou melhor, o elo que nunca foi possibilitado de se
concretizar em um
gesto profundo e relacional de amor (ZIMERMAN, 1999, p.92).
Para Leloup, o paraso perdido a confiana perdida. E, sendo o
sentimento de confiana todo permeado por uma pulso de
criatividade, ele deve
ser reencontrado no aqui e no agora, para o nosso movimento de
transformao
(WEIL; LELOUP; CREMA, 2003). E a confiana, se em algum momento
foi
perdida, ela ainda est em ns, em nossa essncia; pois a criana
ferida, pela sua
sobrevivncia, sempre abrigar um lampejo de ntima segurana em
algum canto
de sua alma.
-
54
A sociedade normtica tambm responsvel, e em muito, pelo
contedo
de nossas sombras e, ao mesmo tempo, pela nossa dificuldade em
desvel-las.
A idia de sombra tem sido especialmente trabalhada entre os
conceitos da
teoria junguiana. Em sentido psicolgico, faz parte da
personalidade da pessoa e
tem em seus diversos componentes aspectos ligados a
fragilidades, complexos de
inferioridade, foras destrutivas e ameaadoras. So aspectos que
no aceitamos
em ns e a tendncia reprimi-los e projet-los no outro. Lanar luz
sobre os
recantos da sombra tem como resultado o alargamento da
conscincia, e a
percepo que a trave est no nosso olho. A sombra ultrapassa o
pessoal e
projeta-se no que chamado de sombra coletiva; compondo, em
massa, atitudes
de padres inferiores, altamente destrutivos, blicos, de
discriminaes sociais e
raciais e de barbrie. (SILVEIRA, 1996, p.96). Uma idia que se
apresenta em
enorme conformidade com o conceito de normose da
Transpessoal.
Mas a sombra, segundo da teoria junguiana, abriga tambm
traos
positivos:
...qualidades valiosas que no se desenvolveram devido a condies
externas desfavorveis ou porque o indivduo no disps de energia
suficiente para lev-las adiante, quando isso exigisse ultrapassar
convenes vulgares (SILVEIRA, 1996, p.97).
Jean-Yves Leloup, em seu livro Terapeutas do Deserto, apresenta
cinco
tipos de sombra, segundo Graf Drkheim. Entendendo-se a sombra
como essa
parte reprimida em ns, so assinalados os seguintes tipos de
represso:
represso da agressividade, represso da sexualidade, represso do
feminino,
represso da criatividade, represso da espiritualidade.
-
55
A agressividade reprimida pode voltar-se para a prpria pessoa ou
mesmo
direcionada de forma desordenada e violenta para outras pessoas.
Trata-se,
portanto, de orient-la de modo diferente, transform-la em
criatividade, em ao
construtiva. Nas palavras de Jean-Yves: com a mesma energia que
eu posso
bater em algum, eu carrego suas malas.
A represso da sexualidade no simplesmente a represso da
expresso
genital, mas tambm a represso dos gestos amorosos de ternura,
de
devotamento, de perdo, de gratido, de devotamento.
A represso do feminino compreende a represso da dimenso mais
profunda e mais contemplativa do nosso ser: nosso estado de
escuta, de espera,
de silncio. Em nosso modo atual de ser prevalece a forma
masculina de
expresso: a palavra, a tcnica, a anlise, o exterior.
A represso da criatividade intensa em nosso meio familiar,
educativo, de
comunicao. As pessoas so conduzidas a realizar tarefas
estereotipadas,
esquemas padronizados, dentro de concepes fechadas em certo e
errado. Em
decorrncia, desenvolvem-se insatisfaes, depresses, doenas. Como
no
reprimir a dimenso criadora? Como deixar fluir a imaginao, a
sensibilidade
artstica, a poesia que existe em ns?
A quinta dimenso da nossa sombra a represso da espiritualidade,
a
recusa do nosso ser essencial, do nosso desejo mais ntimo.
Se essa sociedade normtica cria em ns complexos e contedos
reprimidos, ao mesmo tempo cria tambm mecanismos que nos impede
de
reconhec-los; e o principal deles o mecanismo de iluso: iluso de
perfeio,
-
56
de separatividade, de dualidade, de poder, de ciso corpo e
esprito. As iluses:
pensando amar diamantes, vidros amei! (ESPIRITO AMIGO, B.N. 555,
p.10)
A Psicologia Transpessoal nos convida a olhar para essas
represses,
reconhec-las, identific-las, olhar para nossos vidros e
pressentir os possveis
vitrais, enfrentar nossos monstros interiores, enfrentar nossos
medos e deixar
nascer o ser autntico, centrado, algum em boa sade.
2.3 Sendas a serem transpostas: complexo de Jonas e
dessacralizao.
Um excesso de infncia um germe de poema... A criana sabe que a
lua, esse grande pssaro louro,
tem seu ninho nalguma parte da floresta. Gaston Bachelard
H uma crnica de Jose Saramago, belssima, que nos reverbera
especialmente por seus sentidos prprios e figurados, perfeitos,
relacionados com
nossos ritos de peregrinao. E, embora sem transcrev-la com toda
a sua fora
de expresso e encanto literrio que o autor nos oferece, ousou-se
aqui falar
sobre ela como metfora do nosso caminho de transformao. Conta a
histria
que, certo dia, um menino resolve aventurar-se sozinho, alm dos
limites das
terras que lhe eram conhecidas. Fica, de incio, com dvidas e
interroga-se se
deve mesmo ir ou no. Mas escolhe ir, finalmente. Afasta-se,
passa por bosques e
misteriosas sebes, sobe encostas, at que avista uma flor,
pequenina flor, solitria
e bela, mas to murcha, to cansada, que o menino resolve salv-la.
Empreende-
-
57
se em inmeras caminhadas em busca de gua para poder ajud-la a
reviver. Vai
e vem, percorre mundos, montanhas e rios, inmeras vezes,
trazendo do pouco
da gua que conseguia encontrar. Da ento, muito cansado, o sangue
nos ps
descalos, percebendo que a flor j se aprumava, adormece debaixo
de sua
sombra. Seus pais, que j sentiam muito a sua falta, vo sua
procura:
Saiu toda a famlia e mais vizinhos busca do menino perdido. E no
o acharam. Correram tudo, j em lgrimas tantas, e era quase sol-pr,
quando levantaram os olhos e viram longe uma flor enorme que ningum
se lembrava que estivesse ali. Foram todos de carreira, subiram a
colina e deram com o menino adormecido. Sobre ele, resguardando-o
do fresco da tarde, estava uma grande ptala perfumada, com todas as
cores do arco-ris. Este menino foi levado para casa, rodeado de
todo respeito, como obra de milagre. Quando depois passava nas
ruas, as pessoas diziam que ele sara da aldeia para ir fazer uma
coisa muito maior do que o seu tamanho e do que todos os tamanhos.
E essa a moral da histria (SARAMAGO, 1996, p.66).
O ninho da lua na floresta, a floresta, o menino, a grande flor
branca que
nos protege e nos reveste de intensa luz. Nossos sonhos. Nosso
caminho de
peregrinao. Nossas sendas a serem transpostas.
Na busca constante e inteligente de clarificar nossa possvel
experincia de
transmutao e transformao, a Transpessoal tem atualizado para a
psicologia
contempornea, duas idias iluminadas e divinas de pensamentos
seculares,
relacionados com a histria bblica de Jonas e a presena do
sagrado em nossas
vidas.
Essas idias ancoraram a formulao de dois conceitos
denominados
complexo de Jonas e dessacralizao - ambos desenvolvidos por
Abraham
-
58
Harold Maslow e entendidos como mecanismos de defesa que impedem
nosso
crescimento, nossa caminhada ao Self, ao nosso Ser
essencial.
Essa passagem bblica do profeta Jonas, pequenina, relatada em
alguns
versos apenas, nos convida a viajar por esses conceitos
psicolgicos. Jonas ouve
de Deus a ordenana para pregar em Nnive, mas pega o navio para
Trsis. Que
impulso h dentro de Jonas para que ele, em vez de ouvir a voz de
Deus e ir para
Nnive, toma a nave contrria e vai para Trsis? Como o arqutipo de
Jonas est
representado em ns? Quais so nossas transgresses histricas,
sociais e
pessoais, que negam as ordenanas do divino em nosso ser?
(ESPIRITO AMIGO,
B.N.558, 2008).
Na Psicologia Transpessoal, falando-se de maneira sucinta, o
complexo de
Jonas definido como o impedimento da pessoa em manifestar suas
plenas
capacidades, evitando responsabilidades e se recuando, por
medos, a
experimentar suas autnticas realizaes. A dessacralizao, por sua
vez, sugere
a falta de sentido do sagrado na vida diria, a recusa em tratar
qualquer coisa com
interesse profundo e seriedade, banalizando-se fatos importantes
e singulares da
vida, como por exemplo, a sexualidade, as experincias
espirituais, a morte etc
(SALDANHA, 2008, p.66).
Com muita clareza e ponderao, Jean-Yves Leloup tem nos trazido
uma
importante reflexo sobre esses mecanismos e nos apresenta uma
formulao
profunda sobre os arqutipos presentes na histria de Jonas, assim
como suas
representaes e manifestaes em nosso psiquismo e em nossa
sociedade. Em
seu livro Caminhos da Realizao, ele discorre sobre um panorama
terico e
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dialoga conosco em seu estilo sempre potico e compassivo de ser,
em um texto
que nos educa, nos emociona e nos revigora em nossa vontade de
evoluirmos
cada vez mais, no sentido da nossa vocao pessoal e da nossa
vocao de
cuidadores. Alguns aspectos dessa formulao foram escolhidos e,
com o devido
pedido de desculpas, seja pela simplificao ou pela reduo, so
referidos a
seguir:
Jonas, como personagem bblico, um arqutipo, uma imagem
interior, uma imagem do inconsciente. Sua histria nos faz pensar
e
sonhar,