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O estudo do potencial humano na Psicologia contempornea: A
corrente Humanista e a corrente Transpessoal.
Elias Boainain Jr.
Disponvel em: http://www.encontroacp.psc.br/estudo.htm
A leitura histrica que contextualiza este artigo, inicialmente
proposta por Abraham
Maslow, afirma que a Psicologia se desenvolveu, e
contemporaneamente se estabelece,
em quatro grandes Foras, isto , grandes correntes ou movimentos
congregadores de
teorias, escolas, estudiosos e praticantes da cincia psicolgica.
De acordo com essa
classificao, a Primeira Fora o Behaviorismo, ou Psicologia
Comportamental, corrente
iniciada por John Watson e cujo maior expoente talvez seja B.
Skinner, sendo a
Psicanlise, criada por Sigmund Freud, apontada como a Segunda
Fora. No obstante o
inegvel valor e importncia das contribuies dessas duas primeiras
Foras para a
compreenso psicolgica do ser humano, elas despertaram, no meio
cientfico psicolgico,
diversas oposies ao mecanicismo de suas propostas deterministas
de compreenso do
psiquismo e ao pouco otimismo de suas concepes relativas
natureza humana e suas
potencialidades intrnsecas. Estas potencialidades, afirmam os
opositores, teriam sido
negligenciadas, ignoradas ou deturpadas nas propostas de
Psicologia do Behaviorismo e
da Psicanlise, cujas principais descobertas e teorias
fundamentaram-se,
respectivamente, no estudo de animais e de doentes mentais.
Assim, congregando
diversas escolas e investigadores, dois outros grandes
movimentos, em que o estudo do
potencial humano privilegiado, tem emergido nas ltimas dcadas e
sido apresentados e
propostos como novas Foras da Psicologia: A Psicologia
Humanista, ou Terceira Fora, e
a Psicologia Transpessoal, ou Quarta Fora. O objetivo deste
artigo apresentar, de forma
didtica e sinttica, o histrico e as caractersticas principais
dessas duas correntes da
Psicologia contempornea que enfatizam o estudo e o
desenvolvimento das
potencialidades do psiquismo humano.
Ao contrrio do Behaviorismo e da Psicanlise, entretanto, nem a
Psicologia
Humanista nem a Psicologia Transpessoal podem ter suas origens
associadas a
determinado autor ou escola, embora lderes e expoentes possam
ser identificados.
Ambas se constituem, na verdade, como movimentos congregadores
de profissionais e
abordagens de origem, por vezes, bastante diversa e
independente. A articulao e
institucionalizao, tanto do Movimento Humanista quanto do
Transpessoal, nasce da
insatisfao e sensao de isolamento de investigadores, tericos e
praticantes no
identificados com as tendncias predominantes no cenrio psi e
traduz seu anseio de
constituir um grupo de pertena, intercmbio, atuao e
fortalecimento mtuo, a partir da
convergncia em torno de algumas propostas, tendncias,
posicionamentos, interesses,
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pontos de vista e mesmo linguagem assumidos em comum, mas sem
prejuzo das
perspectivas mais particulares e das diferenas entre as escolas
especficas com que se
identificam.
Essa heterogeneidade tpica das duas correntes, e que d margem a
caracterizaes
e definies por vezes bastante discrepantes entre os autores que
as apresentam, acaba
por vezes confundindo o estudante ou profissional de Psicologia
que se prope a entender
o que afinal a Psicologia Humanista ou a Psicologia
Transpessoal.
Sem a pretenso de poder acabar com essa confuso, mas desejando
lanar alguma
luz sobre o assunto, a caracterizao que aqui apresento no ter a
preocupao de
discriminar ou comparar os posicionamentos e as contribuies de
cada autor ou escola
que se identifica ou identificado como humanista ou
transpessoal. O enfoque adotado
ser o de, aps uma sinttica exposio dos aspectos histricos e
contextuais a que o
nascimento de cada um dos movimentos esteve associado, centrar a
exposio nas
tendncias mais gerais e consensuais, examinando-as em quatro
tpicos, ou dimenses,
que me parecem essenciais na caracterizao de qualquer escola ou
corrente de
Psicologia: a Temtica Privilegiada; o Modelo de Cincia; a Viso
de Homem; e os
Mtodos e Tcnicas.
No caso da Psicologia Humanista, como esta, em suas diversas
abordagens, hoje
bem mais difundida e estabelecida no meio acadmico e
profissional da Psicologia de
nosso pas, a exposio ser mais resumida e menos fundamentada em
citaes e
esclarecimentos. Preferi ocupar um espao maior na apresentao da
Psicologia
Transpessoal, a qual, no obstante o crescente interesse que vem
despertando
(demonstrado, por exemplo, no aumento da traduo e edio de livros
sobre o assunto),
ainda bem pouco conhecida e aceita nos meios mais oficiais da
Psicologia no Brasil.
A PSICOLOGIA HUMANISTA
HISTRICO
O Nascimento da Psicologia Humanista
A Psicologia Humanista, conforme historia DeCarvalho (1990),
surgiu, com esse
ttulo, no final da dcada de 50 e incio os anos 60. Foi sobretudo
graas ao trabalho de
dois homens, Abraham Maslow e Anthony Sutich, que o Movimento
Humanista pode ser
articulado, organizado e institucionalmente fundado como a
Terceira Fora da Psicologia.
No incio da dcada de 50, Maslow era um promissor psiclogo
experimental e
professor de Psicologia na Universidade de Brandeis, mas seus
interesses pouco ortodoxos
e pouco afinados forte predominncia do Behaviorismo no ambiente
acadmico, apenas
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confrontado pela influncia da Psicanlise nos meios clnicos,
tendiam a lev-lo ao
isolamento profissional e intelectual. Era-lhe inclusive difcil
arranjar veculo adequado
para publicar seus artigos, que no encontravam ressonncia na
linha editorial e terica
adotada pela maior parte das revistas tcnicas de ento. Como
forma de contornar o
problema, em meados dos anos 50, organizou uma lista de nomes e
endereos de
psiclogos e grupos envolvidos em vises menos ortodoxas e mais
afinados com suas
prprias idias, para com eles manter intercmbio de artigos e
discusses, na forma de
uma rede de correspondncia, a que chamou Rede Eupsiquiana e que
viria a ser o
embrio do Movimento Humanista.
Sutich, psiclogo que conhecera Maslow no final dos anos 40 e que
nos anos 50
tornara-se ativo participante da Rede e intenso colaborador na
discusso das novas
idias, veio a ter fundamental papel no lanamento e
institucionalizao da Psicologia
Humanista. De suas discusses com Maslow nasceu a percepo de que
uma nova Fora
estava se configurando e j era a hora, ao final dos anos 50, de
fundarem uma revista
prpria que difundisse e veiculasse a proposta. Sutich foi
encarregado de encabear o
empreendimento, dedicando-se intensamente tarefa de articulao e
organizao. Aps
considervel deliberao sobre o nome da nova revista - foram
sugeridos Ser e Tornar-se,
Crescimento Psicolgico, Desenvolvimento da Personalidade,
Terceira Fora, Psicologia do
Self, Existncia, e Orto-Psicologia - foi adotado o ttulo Revista
de Psicologia
Humanista, sugerido por S. Cohen, e que desde ento passou a
designar o Movimento,
oficialmente lanado com o primeiro nmero da revista, em
1961.
O sucesso da revista acabou levando organizao da Associao
Americana de
Psicologia Humanista, fundada em 1963, consolidando-se o
movimento de forma
definitiva em 1964 quando, em uma conferncia realizada na cidade
de Old Saybrook,
compareceram em aberta adeso grandes nomes inspiradores do
movimento. Com sua
rpida e slida difuso a Psicologia Humanista se mostra hoje uma
Fora firmemente
estabelecida e respeitada no panorama da Psicologia mundial,
generalizadamente
reconhecida nos campos tericos, acadmicos e de aplicao.
Principais Influncias e Adeses
Ao contrrio das Foras anteriores, a Psicologia Humanista no se
identifica ou inicia
com o pensamento de um determinado autor ou escola. Tratando-se
primariamente de
um movimento congregador de diversas tendncias, unidas pela
oposio ao
Behaviorismo e Psicanlise, assim como pela convergncia em torno
de algumas
propostas comuns, vrias afluncias, adeses e influncias podem ser
apontadas,
destacando-se as que se seguem:
Teorias Neo-Psicanalticas
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A crtica que a Psicologia Humanista faz Psicanlise, centra-se
sobretudo na viso
pessimista, determinista e psicopatologizante que atribui teoria
de Freud, assim como
na impessoalidade da tcnica transferencial. J algumas teorias de
discpulos dissidentes
de Freud so vistas com bons olhos e citadas como importantes
influncias em relao ao
trabalho de destacados humanistas. So vistas com simpatia as
teorias de Adler, Rank,
Jung e Reich, assim como so bem recebidas contribuies da
Psicanlise americana,
representada por Horney, Sullivan, Erikson, e toda a corrente de
Psicanalistas do Ego e
Culturalistas em geral. Psicanalistas no ortodoxos, como Nuttin
e Fromm, chegam
mesmo a tornar parte ativa no Movimento.
Gestaltistas e Holistas
A Psicologia Humanista retoma em grande parte as propostas da
Psicologia da
Gestalt alem, em especial a viso holista (que privilegia o todo
em detrimento das
partes, opondo-se ao elementarismo e ao reducionismo) do ser
humano e seu
envolvimento ambiental. Trazida aos Estados Unidos pelos seus
criadores - Wertheimer,
Koffka e Khler - e outros psiclogos imigrantes, fugitivos das
conturbaes polticas
europias, a influncia da Psicologia da Gestalt est presente em
praticamente todos os
psiclogos humanistas. Para citar apenas os principais autores
envolvidos no surgimento
da Psicologia Humanista e para os quais a formao gestltica foi
decisiva lembremos
Goldstein, Angyal e Lewin, sendo que este ltimo, ao lado das
propostas do Psicodrama
de Moreno, foi tambm uma das principais influncias no
extraordinrio desenvolvimento
e aplicao de tcnicas de trabalho grupal, que to
caracteristicamente marcaram o
movimento da Psicologia Humanista. E, ainda neste tpico da
influncia gestltica, no
pode ser esquecido Perls, o polmico Fritz, que em suas originais
leituras da Psicanlise,
da Psicologia de Gestalt e do Existencialismo, foi, com a
Gestalt-Terapia por ele criada,
uma das presenas mais marcantes no extraordinrio sucesso e
desenvolvimento da
Psicologia Humanista nas dcadas de 60 e 70.
Psicologias Existenciais
As articulaes para o lanamento da Psicologia Humanista
coincidiram, no final da
dcada de 50, com a maior difuso nos Estados Unidos do trabalho
que havia dcadas
vinha sendo realizado na Europa por diferentes escolas de
Psicologia e Psicoterapia
inspiradas em filsofos existencialistas e fenomenlogos(1). Essa
difuso ocorre no s
pela traduo para o ingls de obras de psiclogos existenciais,
como Boss, Binswanger e
Van Den Berg, mas tambm pelo trabalho de divulgao realizado no
meio psicolgico
pelos escritos de Tillich e Rollo May, tendo este ltimo
organizado, em 1959, o primeiro
simpsio sobre Psicologia Existencial realizado nos Estados
Unidos, para o qual foram
convidados expoentes e futuros lderes do Movimento Humanista,
como Maslow e Rogers.
No tardaram a serem encontrados pontos em comum nas respectivas
propostas e,
sobretudo pela participao ativa de May e outros psiclogos
existenciais que aderiram ao
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movimento, como Bugental e Bhler, a Psicologia Humanista foi
amplamente enriquecida
com a perspectiva fenomenolgica e existencial, a ponto de por
vezes ser denominada
Psicologia Humanista-Existencial (Greening, 1975). No cabe aqui
uma discusso mais
aprofundada do relacionamento nem sempre fcil e pacificamente
aceito entre a
perspectiva humanista americana - em muitos sentidos muito mais
essencialista, ligada
antes a Rousseau que a Heidegger e Sartre, menos filosoficamente
sofisticada, mais
otimista e vinculada a interpretaes biolgicas da natureza humana
- e a perspectiva
existencial europia. Entre os filsofos existencialistas cujas
idias foram mais
abertamente abraadas pelos humanistas americanos, destacam-se
Kierkegaard e Buber,
sem contar com a influncia de Nietzche que, sobretudo por via
indireta (as idias de
Adler), notada em algumas propostas da Terceira Fora. De uma
maneira geral, o
Movimento Humanista acabou por absorver a maioria dos psiclogos
existenciais
americanos e, do outro lado, a proposta humanista recebeu a
adeso de pelo menos um
terico europeu de destaque, Viktor Frankl, criador da
Logoterapia, que posteriormente
integraria tambm o Movimento Transpessoal. Ronald Laing, o
anti-psiquiatra ingls que
sofreu forte influncia das idias de Sartre, pode tambm ser
apontado como interlocutor
e simpatizante da Psicologia Humanista e, semelhana de Frankl,
assduo freqentador
do meio transpessoal.
Escolas Americanas de Psicologia da Personalidade
Outra importante influncia na constelao do Movimento Humanista,
diz respeito
afluncia de importantes escolas de Psicologia da Personalidade
desenvolvidas nos
Estados Unidos. Afora a sempre lembrada homenagem pstuma aos
pragmatistas John
Dewey e Willian James, destacados tericos independentes como G.
Allport, G. Murphy,
Murray, Kelly, Ellis, Maslow e Rogers, assim como toda a escola
de Psicologia do Self e a
corrente de fenomenlogos americanos, associaram-se ao movimento,
em diferentes
graus de apoio e envolvimento.
Outras Afluncias como movimento aberto e inclusivo de novas
tendncias, idias e
experimentaes pouco ortodoxas, a Psicologia Humanista no tardou
a integrar em suas
fileiras de simpatizantes e proponentes toda sorte de marginais
contestadores do sistema.
A espetacular revoluo que o movimento propiciou no campo das
psicoterapias,
entendidas a partir de ento na perspectiva ampliada de tcnicas
de crescimento pessoal
ou de desenvolvimento do potencial humano, estimulou o estudo,
experimentao e
aplicao - infelizmente de modo nem sempre to srio e criterioso
como seria de se
desejar - de novas formas de ajuda psicolgica. Entre as
tendncias que se aproximaram
da Psicologia Humanista, destacam-se as novas psicoterapias que
vinham se
desenvolvendo a partir do trabalho mais ou menos independente de
seus criadores, como
a Terapia Primal de Arthur Janov, a Anlise Transacional de Eric
Berne, e a Psicossntese
de Roberto Assagioli (que posteriormente abraaria o Movimento
Transpessoal); as
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escolas e tcnicas de trabalho no verbal e corporal, com suas
propostas de relaxamento,
sensibilizao e desbloqueio psquico e energtico; as variadas
formas de trabalho
intensivo com grupos que se associaram no que ficou conhecido
como Movimento dos
Grupos de Encontro; e enfim toda sorte de touchy-feelly
terapeutas envolvidos na
experimentao alternativa de tcnicas de desenvolvimento pessoal
ou simplesmente
navegando em uma superficial e consumista adeso nova onda.
Influncias matizadas
de aspectos que em breve dariam origem ao Movimento
Transpessoal, especialmente
relativas ao estudo e aplicao de tcnicas de meditao e
experimentao psquica com
drogas psicodlicas, tambm podem aqui ser includas, embora alguns
humanistas mais
ortodoxos as rejeitem como parte das superficiais e pouco srias
contribuies e adeses
que o movimento acabou por atrair, em grande parte devido ao
clima cultural mais amplo
a que o surgimento da Psicologia Humanista esteve associado e
que examinaremos a
seguir.
A Questo da Contracultura
A institucionalizao e o rpido desenvolvimento e aceitao da
Psicologia
Humanista coincidiu, no contexto cultural da dcada de 60, com os
anos de acentuado
questionamento e mudana nas sociedades ocidentais. Anos de
revoltas polticas e de
costumes, sobretudo entre a juventude, e em que mais do que
nunca a contestao ao
Sistema e aos valores estabelecidos esteve na ordem do dia. Anos
marcados pelo que, na
expresso cunhada por Theodore Roszak (s. d.), foi chamado de
Contracultura: revoltas
estudantis, movimento hippie, mobilizao pacifista contra a
guerra do Vietn, ativismo
poltico, organizao de minorias raciais e feministas, desafio
autoridade, revoluo
underground nas artes, oposio ao materialismo consumista,
valorizao do corpo, do
sentimento, do amor livre, da experimentao psquica atravs das
drogas psicodlicas,
da ecologia, da auto-expresso espontnea, e das experincias
meditativas e espirituais.
Essas tendncias todas convergiam na rejeio aos modelos
tradicionais de famlia, de
trabalho, de escola, de relaes interpessoais, de igreja, de
governo, de instituies em
geral, e da prpria cultura ocidental.
Muito do extraordinrio sucesso da Terceira Fora da Psicologia se
deve ao Esprito
do Tempo, o Zeitgeist, desse momento histrico, ao qual de vrias
maneiras suas
propostas eram ressonantes e coincidentes, ao ponto de, em
diversos sentidos, ter sido o
Movimento da Psicologia Humanista abarcado como uma das facetas
da Contracultura.
Apesar dos excessos, equvocos, ingenuidades e superficialidades
cometidas no calor da
revoluo cultural, no compartilho a opinio daqueles (como Smith,
1990) que lamentam
como infeliz distoro a associao da imagem da Psicologia
Humanista aos movimentos
contestatrios dos anos 60. Na Verdade, mais do que qualquer
outra corrente da moderna
-
Psicologia, a Psicologia Humanista marcada por um compromisso de
engajamento em
favor da mudana social e cultural, em direo a uma sociedade de
valores mais
humanos, menos controladora, mais atenta s necessidades
intrnsecas de auto-
realizao, mais criativa e ldica, envolvendo relaes pessoais mais
abertas, autnticas,
auto-expressivas e prazerosas, em que a explorao alternativa das
dimenses humanas
da intimidade corporal e emocional fosse sancionada ao invs de
reprimida; enfim, onde a
pessoa, em sua liberdade e auto-determinao no desenvolvimento de
suas
possibilidades, fosse o valor supremo, contra todos os dogmas,
valores e autoridades
externamente constitudos. Ora, em grande parte, isso me parece
coincidir com as
propostas e os valores abraados pelos movimentos contraculturais
de ento.
CARACTERSTICAS
Temtica Privilegiada
Alm da oposio ao Behaviorismo e Psicanlise, e da absoro de
escolas no
identificadas com essas correntes, o Movimento Humanista
caracterizado pela
congregao de estudiosos em torno de alguns tpicos e interesses
que podem ser
apontados como temticas tpicas e preferenciais da Psicologia
Humanista. Sutich (1991),
relembrando o incio do Movimento e o lanamento da Revista de
Psicologia Humanista,
informa como uma definio de Terceira Fora formulada por Maslow
em 1957, foi
utilizada na introduo da primeira edio, para assim descrever a
proposta:
A Revista de Psicologia Humanstica foi fundada por um grupo de
psiclogos e
profissionais de outras reas, de ambos os sexos, interessados
naquelas capacidades e
potencialidades humanas que no encontram uma considerao
sistemtica nem na teoria
positivista ou behaviorista, nem na teoria psicanaltica clssica,
tais como criatividade,
amor, self, crescimento, organismo, necessidades bsicas de
satisfao, auto-realizao,
valores superiores, transcendncia do ego, objetividade,
autonomia, identidade,
responsabilidade, sade psicolgica, etc. (p. 24).
Nessa significativa listagem elaborada por Maslow como resumo
dos interesses
editoriais do veculo oficial do movimento, pode-se perceber o
delineamento das principais
tendncias e nfases temticas que, relacionadas entre si,
caracterizam-se como tpicas
da Psicologia Humanista.
Em primeiro lugar, a Psicologia Humanista destaca-se como a
corrente que,
afastando-se do tradicional enfoque clnico de privilegiar o
estudo das psicopatologias,
passa a enfatizar a sade, o bem estar, e o potencial humano de
crescimento e auto-
realizao. J em seu livro Introduo Psicologia do Ser, de 1957,
Maslow (s. d.)
aponta para a necessidade do desenvolvimento de uma Psicologia
da Sade, criticando as
teorias, como a Psicanlise, que generalizam suas concluses sobre
o ser humano a partir
-
de dados obtidos quase que exclusivamente no estudo de indivduos
mentalmente
perturbados, resultando conseqentemente em um retrato pessimista
e desabonador da
natureza humana. Maslow, ao contrrio, se prope o estudo das mais
saudveis e
admirveis pessoas, por ele denominadas personalidades
auto-atualizadoras, dando incio
tradio humanista de abordar a Psicologia a partir do prisma da
sade e do
crescimento psicolgico. To forte essa tendncia que forneceu o
termo Eupsicologia,
cunhado nas primeiras tentativas de articulao e caracterizao do
movimento. Tambm,
em sua proposta de enfatizar o desenvolvimento das melhores
capacidades e
potencialidades do ser humano, a Psicologia Humanista muitas
vezes identificada como
o Movimento do Potencial Humano. Assim, ao invs de empenhar-se
em exaustivas
descries e teorizaes sobre os mecanismos das enfermidades
psquicas, reservando
sade a definio negativa de ausncia de doena, mais tpico da
Psicologia Humanista
buscar definir as caractersticas do pleno e saudvel exerccio da
condio humana, em
distanciamento do qual as patologias podem ento serem
entendidas.
Em segundo lugar, outra importante orientao temtica geral da
Psicologia
Humanista, diz respeito ao privilegiar das capacidades e
potencialidades caractersticas e
exclusivas da espcie humana. Criticam os humanistas, sobretudo
ao Behaviorismo, a
tendncia a generalizar concluses obtidas a partir de
experimentos realizados quase que
exclusivamente em pesquisa animal; assim como a forte tendncia
da psicologia
experimental em, mesmo quando dedicada a trabalhos com pessoas,
centrar-se em
aspectos fisiolgicos, ou muito parcializados, perdendo de vista
a prpria dimenso
psicolgica caracterstica do ser humano, que deveria em princpio
ser o enfoque
prioritrio de uma cincia dedicada ao estudo da mente e da psiqu.
A volta ao humano
como objeto de estudo uma das bandeiras do Movimento, importante
a ponto de
fornecer-lhe o ttulo designativo. Qualidades e capacidades
humanas por excelncia, tais
como valores, criatividade, sentimentos, identidade, vontade,
coragem, liberdade,
responsabilidade, conscincia, auto realizao, etc., fornecem
temas de estudo tpicos das
abordagens humanistas. Essas e outras temticas, igualmente
caractersticas (organismo,
self, significados, intencionalidade, necessidades bsicas,
experincia subjetiva, encontro,
etc.), esto tambm associadas viso de homem, proposta de Cincia,
e aos mtodos
e tcnicas desenvolvidos e assumidos pela Psicologia Humanista,
que sero examinados
nos prximos itens, e representam as diversas influncias
recebidas pelo Movimento,
sucintamente referidas nos itens anteriores.
Ao leitor mais atento no ter por certo escapado a incluso, na
listagem de Sutich,
do tema transcendncia do ego. Tal assunto, embora em algumas
abordagens possa ser
entendido como a mera superao da identificao com uma defensiva e
socialmente
imposta imagem de si, em seu sentido mais amplo, caracteriza
antes uma temtica
transpessoal, cuja incluso aqui serve para ilustrar a vinculao
dessa tendncia ao
-
Movimento Humanista, no qual era inicialmente vista como uma
faco ou topifio de
interesses, assunto que ser melhor esclarecido quando tratarmos
do surgimento da
Psicologia Transpessoal.
Viso de Homem
De forma bem mais declarada que as Foras anteriores, a
Psicologia Humanista,
enquanto movimento organizado, reconhece, assume e prope a
inevitabilidade da
adoo de um Modelo de Homem, ou seja, uma concepo filosfica da
natureza humana,
como ponto de partida e princpio norteador de qualquer projeto
de construo da
Psicologia. Neste tpico, talvez mais que em qualquer outro,
destila a Psicologia
Humanista suas maiores crticas e discordncias s escolas a que se
ope, contestando
veementemente os modelos de homem que identifica nas formulaes
psicanalticas e
behavioristas.
Opem-se os humanistas concepo psicanaltica do homem como um
animal
lbrico e feroz, movido por necessidades instintivas de prazer e
agresso, ao qual s a
custa de muitas restries e sublimaes da natureza animalesca
bsica se pode, na
melhor das hipteses, trazer algum verniz de racional
sociabilidade, mas no sem um
inevitvel nus de frustrao, infelicidade e Mal-Estar da
Civilizao. Recusam-se tambm
a conceber o ser humano como uma espcie de mquina, rob ou
marionete, cuja
natureza passiva e amorfa, assim prope o Behaviorismo,
absolutamente moldada,
manipulada e controlada pelas contingncias de estimulao e
condicionamento
ambiental, a quem na melhor das hipteses se poder oferecer a
escolha (ela prpria
condicionada) entre um condicionamento fortuito e um planejado.
Negando-se a aceitar
que o homem seja assim reduzido por to pessimistas e
desalentadoras vises, a
Psicologia Humanista se afirma em um compromisso com uma viso
otimista e
engrandecedora, na qual as melhores qualidades e potenciais
positivos manifestados
pelos homens sejam valorizados como a prpria essncia da natureza
humana.
Grosso modo, a viso psicanaltica costuma ser comparada, pelos
humanistas
americanos, pessimista opinio de Hobbes (o homem o lobo do
homem), e a viso
behaviorista concepo de Locke, que v o ser humano como uma
tabula rasa; ao passo
que seu prprio modelo considerado como uma reedio da generosa
viso de
Rousseau: O homem naturalmente bom, a sociedade que o
corrompe.
Vejamos, em algumas tendncias e consensos das abordagens
humanistas, um
sucinto esboo da viso de homem que elas propem:
Enxergando o homem como um todo complexo e organicamente
integrado, cujas
qualidades nicas vm de sua configurao total, rejeitam os
humanistas as concepes
elementaristas e fragmentadoras da psiqu. Retomando para o
Movimento a proposta
holista que Adler foi buscar em Smuts, e que de outra parte
caracterizou a Psicologia da
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Gestalt, vem no homem uma natureza tal que a totalidade da
pessoa humana sempre
maior que a soma de suas partes tomadas isoladamente. Em
especial nas teorias
desenvolvidas nos Estados Unidos - o ramo americano e mais
caracteristicamente
humanista do Movimento, e para o qual as idias do neurologista e
terico gestaltista
Goldstein foram especialmente influentes - a compreenso
organsmica do ser inclu suas
razes biolgicas. Assim, concebem o homem como marcado pela
necessidade, que vem
como intrnseca a todo organismo vivo, de atualizar seu potencial
e se tornar a totalidade
mais complexa, organizada e autnoma que for capaz. Esta hiptese
da necessidade de
auto-realizao fornece, em diversas verses, a teoria bsica de
motivao da maioria das
psicologias humanistas. Mesmo que as escolas existenciais, dada
sua nfase na liberdade
e sua compreenso do ser humano como criatura cuja natureza
consiste em criar sua
prpria natureza (Sartre), rejeitem a considerao de tendncias
biolgicas
determinantes, h quem remonte vontade de potncia de Nietzsche a
origem da
formulao humanista da existncia de uma tendncia intrnseca de
busca da auto-
realizao. Igualmente associada concepo holista, est a compreenso
que os
humanistas em geral tem do homem como implicado e
indissociavelmente configurado -
mas no determinado - em seu relacionamento com o ambiente, seja
este fsico,
fenomenolgico-experiencial, interpessoal, ou
scio-histrico-cultural.
O ser humano, na viso humanista-existencial, proposto como um
ser livre e
intencional, recebendo esta noo especial destaque nas
psicologias existenciais, as quais
por vezes rejeitam a concepo mais essencialista e rousseauniana
dos americanos, que
crem ser a natureza humana positivamente orientada, devendo as
relaes psicossociais
deletrias ser responsabilizadas por qualquer desvio dessa
bondade original. Para os
existencialistas, sendo o homem livre e auto-orientado pelos
propsitos e sentidos que d
prpria existncia, no pode eximir-se de se responsabilizar
plenamente pelo que ,
apesar da inevitvel angstia que esse assumir-se evoca, pois
qualquer outra atitude
seria auto-engano, m f, inautenticidade no existir. De qualquer
forma, de uma maneira
geral, as teorias humanistas propem que o comportamento do ser
humano no pode ser
adequadamente entendido a partir de referncias exclusivas a
influncias determinantes
externas sua conscincia e aos significados atuais que imprime ao
mundo, sejam essas
influncias provenientes do ambiente, do passado, ou do
inconsciente. Associadas
portanto aceitao da liberdade, da responsabilidade e da
intencionalidade como
caractersticas intrnsecas condio humana, resultam a nfase nas
interpretaes
teleolgicas (que enfocam a finalidade ao invs da causa passada)
do comportamento; o
privilegiar da dimenso consciente e do vivenciar da experincia
presente; assim como o
enfoque fenomenolgico (que se atem experincia subjetiva e
consciente) e
compreensivo (que contrape a compreenso por empatia explicao por
referenciais
exteriores); os quais, com maior ou menor destaque, so
defendidos pelos humanistas.
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Enfim, vendo o homem como um ser em busca e construo de si
mesmo, cuja
natureza continuamente se desvela e exprime no realizar de suas
possibilidades e na
atualizao de seu potencial, compreendem os humanistas que s se
pessoa, s se
realmente humano, no autntico, livre e integrado ato de se
desenvolver. Da o
generalizado consenso, que alguns entendem como a caracterstica
mais marcante da
viso de homem que a Psicologia Humanista apresenta, em rejeitar
concepes estticas
da natureza humana, considerada antes como algo fluido: uma
tendncia para crescer,
um movimento de sair de si, um projetar-se, um devir, um
incessante tornar-se, um
contnuo processo de vir a ser.
Modelo de Cincia
O desenvolvimento da Psicologia Humanista caracteristicamente
marcado por uma
reflexo e tomada de posies em questes filosficas e
epistemolgicas sobre a natureza
da Psicologia enquanto Cincia. , sob alguns novos aspectos e
nuances, retomada a
discusso que envolveu o nascimento e as primeiras dcadas da
Psicologia Cientfica
contempornea, em torno da questo do modelo, dos mtodos e do
objeto dessa nova
cincia. A controvrsia principal referia-se adequao do Modelo de
Cincia, at ento
bem sucedido nas modernas cincias naturais, estender-se s
nascentes cincias
humanas, as quais, justificadas pela singularidades de seu
objeto de estudo,
congregavam arrebatados defensores do desenvolvimento de um
modelo prprio e
diferenciado. Embora na Europa o debate tenha prosseguido e
frutificado, principalmente
no desenvolvimento de escolas de psicopatologia e psicoterapia
inspiradas na
Fenomenologia e no Existencialismo, no panorama americano a
discusso parecia ter
estagnado, com a aparente vitria dos modelos naturalistas, fosse
o modelo positivista de
determinismo ambiental adotado pelo Behaviorismo, com sua nfase
na experimentao
animal e na observao objetiva; fosse o modelo mdico, mecanicista
em sua nfase no
determinismo psquico, de inspirao darwiniana, e igualmente
naturalista, da
Psicanlise. Os humanistas, reeditando em novas verses propostas
da Psicologia
Compreensiva de Dilthey, da perspectiva holista da Psicologia da
Gestalt, da primeira
Fenomenologia de Husserl, e dos questionamentos existencialistas
sobre a a singularidade
e irracionalidade da existncia concreta, tendem a acordar que a
Psicologia deve se
afirmar em um modelo de cincia do homem, respeitando e se
adaptando s
especificidades de seu objeto de estudo. Embora a este respeito
no se possa encontrar
unanimidades indiscutveis entre as diversas propostas que se
articulam no movimento
humanista, algumas tendncias parecem se destacar, sobretudo em
decorrncia do
Modelo de Homem que, como vimos, esse movimento defende.
De uma maneira geral, a Psicologia Humanista no se ope aos
parmetros de
racionalidade e objetividade emprica, quando utilizados na busca
de explicao, controle
-
e previso dos fenmenos do mundo das coisas. Entretanto, quando
se trata do homem,
que os humanistas entendem como to distinto do restante da
criao, ope-se, em maior
ou menor grau, a diversos princpios e procedimentos consagrados
em modelos de cincia
natural e nas propostas de Psicologia das Foras a que se ope. H
considervel consenso
na crtica da aplicao, ao estudo do homem, de abordagens
reducionistas, deterministas,
elementaristas e objetivantes; ao passo que o racionalismo
emprico-indutivo e hipottico-
dedutivo , com adaptaes, menos rechaado. Vejamos brevemente
estas questes.
Opondo-se ao reducionismo, que vem como associado aos modelos de
homem do
Behaviorismo e da Psicanlise, recusam-se os humanistas a
entender o ser humano como
um mero jogo de foras instintivas e culturais, ou interminveis
cadeias de estmulo-
resposta, sujeito aos mesmos processos comportamentais que os
animais de laboratrio.
Reconhecem os humanistas na pessoa humana uma complexidade tal
que implica numa
mudana qualitativa, e no apenas quantitativa, em relao s espcies
inferiores, de tal
ordem que o princpio metodolgico de se compreender pelo mais
simples o mais
complexo deva, no caso do homem, ser invertido, pois at os
processos psquicos mais
simples e primitivos adquirem novos sentidos na configurao total
da personalidade
humana. Ao determinismo e mecanicismo ser desnecessrio nos
estendermos, pois para
abordagens que enfatizam a liberdade e a intencionalidade como
condio humana,
evidente que o determinismo no vai ser de muito auxlio ou
relevncia.
A questo da objetividade cientfica, em nome da qual o
Behaviorismo mais radical
tentou esterilizar de toda vida psquica a cincia da Psicologia,
talvez a posio que
recebe maiores ataques, pois justamente a dimenso subjetiva dos
sentimentos, das
emoes, dos valores, das inter-relaes, dos significados, da
vontade, dos anseios, da
criatividade, da experincia e vida consciente, o objeto de
estudos que prioritariamente a
Psicologia Humanista quer abordar. Como se pode ento, em nome da
Cincia, fechar os
olhos ao que de mais significativo e caracterstico h para se
investigar no objeto que se
tem para estudo?
No que tange a levar a maiores extremos ainda o questionamento
da natureza da
investigao cientfica da psiqu humana, mesmo dentro do prprio
Movimento Humanista
as posies tendem a divergir. A maioria das escolas humanistas
americanas se inclina a
professar f na Cincia, e seus investigadores, muitos com slida
formao emprica e
experimental, so bastante criativos em renovar e adaptar formas
de pesquisa, inclusive
experimentos laboratoriais, s dimenses do ser que desejam
estudar, enquanto a
tradio fenomenolgica europia tem possibilitado a enorme ampliao
de vias no
desenvolvimento de procedimentos para Psicologia, e fornecido
talvez os principais
subsdios para a discusso da natureza desta, enquanto cincia do
homem. entretanto
em algumas propostas existencialistas que talvez se encontrem as
posies mais radicais
do questionamento. Tomadas at as ltimas conseqncias, certas
concepes bsicas da
-
viso existencial de homem e de universo, como as que prope o
carter singular e nico
de cada existncia, a imprevisibilidade das possibilidades e dos
projetos decorrentes da
liberdade e escolha autnticas, assim como a irracionalidade de
um universo que, afora os
mutantes sentidos que cada homem a cada momento lhe imprime, de
uma absurda e
absoluta gratuidade, parecem tornar irrelevante qualquer noo de
previsibilidade,
constncia, replicabilidade, generalizao, racionalidade e mesmo
comunicao de
resultados, no estudo do humano. Sem se aceitar uma
possibilidade mnima dessas
condies, de fato difcil acreditar que seja possvel chegar a
algum tipo de verdade
cientfica, o que leva alguns psiclogos existenciais ao
questionamento ctico da utilidade
de investigaes empricas, formulaes tericas, ou mesmo da
Psicologia enquanto
Cincia. Deste ponto de vista mais extremado, algumas abordagens
mantm-se muito
mais prximas da Antropologia Filosfica que da Psicologia
Cientfica, qual parecem se
manter ligadas apenas pelas preocupaes de natureza clnica de
suas propostas de
psicoterapia.
Enfim, no pode deixar de ser dito, os questionamentos e
respostas que a Psicologia
Humanista levanta e esboa sobre a natureza da Psicologia
enquanto Cincia e sua
possibilidade de contribuir para a felicidade, sade e
auto-realizao humana, encontram-
se no cerne de todo um processo mais amplo que marca a crise da
moderna Civilizao
Ocidental. Se a Cincia colaborou para esvaziar e isolar o homem,
reduzindo-o sua mera
dimenso material e aos frios mecanismos lgico-racionais a servio
de consideraes
mesquinhas e doentias, a justa revolta cultural contra esse
estado de coisas que nos tem
retirado o sentido, a maravilha e a profundidade da experincia
de ser humano entre
humanos, mobilizou tambm os psiclogos. Assim, a Psicologia
Humanista se
compromete, em seu projeto de Cincia, a estar sempre voltada a
favorecer o movimento
da aprisionada alma humana, em sua busca de um mundo que se
possa chamar humano,
e em que, entre os da nossa espcie, seja realmente um prazer
viver.
Mtodos e Tcnicas
Mantendo-se fiel s suas opes temticas, e tendo sempre em vista
as dimenses
do ser que seu enfoque privilegia, a Psicologia Humanista
desenvolve, adapta e renova
variadas tcnicas e metodologias de abordagem da pessoa, com
finalidades de estudo ou
interveno. Os questionamentos e posies assumidas sobre a
natureza da Cincia
Psicolgica e seu objeto prprio de estudo, fazem do projeto
humanista de construo da
Psicologia uma fonte de inspirao e parmetros no desenvolvimento
de abordagens
adequadas, sendo sobretudo o compromisso com sua viso de homem
que orienta a
criao e desenvolvimento de novas formas de estabelecer a sade
psquica e promover o
desenvolvimento dos melhores potenciais humanos.
-
No campo da pesquisa, a Psicologia Humanista marcada no s pela
eleio de
temas e faixas da experincia humana at ento negligenciadas como
objeto de
investigao, mas tambm pelo desenvolvimento e utilizao de inovaes
metodolgicas.
O instrumental de pesquisa e investigao desenvolvido e utilizado
sob a gide da
Terceira Fora bastante rico e diversificado. Para um breve
apanhado das contribuies
mais significativas e caractersticas, podem ser brevemente
lembradas as variaes dos
mtodos inspirados na Fenomenologia, a includas as chamadas
pesquisas qualitativas; a
crescente considerao da influncia da pessoa do investigador nos
experimentos, que em
muitos estudos complementada com a inscrio dos sujeitos da
pesquisa como co-
investigadores; a larga realizao de estudos idiogrficos
(interessados nas
singularidades, ao invs das caractersticas generalizveis do
sujeito da investigao); e
o ecltico e criativo uso com que investigadores humanistas
renovam abordagens mais
tradicionais de pesquisa, desde os experimentos laboratoriais at
o consagrado recurso do
estudo de caso.
entretanto no campo das psicoterapias e tcnicas de crescimento
pessoal, mais do
que em qualquer outro, que a contribuio da Psicologia Humanista
especialmente
exuberante e espetacular, resultando em uma verdadeira revoluo
nos conceitos e
formas de ajuda psicolgica. O espao aqui seria pequeno, caso eu
desejasse fazer a
mnima justia da citao nominal das novas escolas e propostas que
foram desenvolvidas
na vanguarda ou na esteira do Movimento Humanista. Optei ento
por me restringir
apenas discriminao comentada de algumas das principais tendncias
que se associam
ao Movimento.
Embora a diversidade das teorias e tcnicas psicoterpicas
abrangidas pela
Psicologia Humanista seja quase inumervel, o reconhecimento do
potencial positivo e
saudvel da natureza humana tende a congreg-las em um objetivo de
trabalho comum,
distinto do apresentado pelas Foras anteriores. Para a concepo
psicanaltica de ser
humano, a psicoterapia visa obter um equilbrio entre a
voracidade irracional das foras
do Id, as restries culturais internalizadas no Superego, e as
condies objetivas da
realidade, mediante as articulaes parcialmente conscientes do
Ego e seus mecanismos
de defesa, resultando, na melhor das hipteses, na transformao,
como afirmou certa
vez Freud, de uma infelicidade neurtica em uma infelicidade
normal. Para o
Behaviorismo, o conceito determinista e valorativamente neutro
que faz da natureza
humana, implica que a terapia bem sucedida ao propiciar o
descondicionamento dos
comportamentos indesejados e a aprendizagem do repertrio que
propicie melhor
adaptao e atenda ao desejado, sendo que as questes desejado por
quem? ou adaptado
a que? no encontram no Behaviorismo resposta, que deve ser
buscada na ideologia da
moda ou no senhor de escravos que estiver de planto. J para a
Psicologia Humanista, o
objetivo de qualquer tratamento pode ser formulado numa frase
quase redundante: levar
-
a pessoa a ser ela mesma. Propiciar ao cliente, ou estudante, a
conquista de uma
existncia autntica, auto-consciente, transparente, espontnea,
verdadeira, congruente e
natural, sem mscaras, jogos, couraas ou divises (splits)
internas: eis o que pretendem
os humanistas.
A nfase na sade ao invs de na doena, assim como a proposta
de
desenvolvimento do potencial humano, tem levado as terapias
humanistas a entender
suas tcnicas de ajuda muito mais como formas de estimular o
desenvolvimento e a
aprendizagem do que como tratamento de enfermidades, disfunes ou
anomalias
psquicas. A troca do modelo mdico pelo de auto-realizao tem
levado muitas
abordagens a se apresentarem - no obstante o tradicional
designativo psicoterapia
mantenha sua fora - como sendo mtodos e tcnicas de
desenvolvimento ou crescimento
pessoal. De qualquer forma bastante generalizada a concepo de
que toda psicoterapia
bem sucedida um processo de aprendizagem profunda e ampla, assim
como toda
aprendizagem verdadeiramente significativa profundamente
liberadora e curativa, sendo
diversos dos mtodos humanistas utilizados quase que
indiferenciadamente no consultrio
e na sala de aula.
Uma das conseqncias da viso holista, e da concepo do homem como
um todo
bio-psquico-social, o destacado desenvolvimento das chamadas
tcnicas e abordagens
corporais, em que massagem, toque, sensaes, dana e movimento,
catarses
expressivas de clera, choro, riso, vmito, grito e orgasmo
instrumentalizam o
crescimento psquico e a maior vivncia de si. Ainda neste tpico
do enfoque
pluridimensional, podem ser includas as tcnicas no verbais, o
uso do poder da
expresso artstica, e at mesmo prticas meditativas e espirituais,
cujo potencial
curativo viria a ser posteriormente assumido como um dos
principais recursos da terapias
transpessoais.
Noes existencialistas do homem como um ser de natureza dialogal,
que s se
mostra - e verdadeiramente - no encontro pessoal, tem favorecido
as terapias
relacionais, em que o terapeuta abdica das posturas e defesas
profissionais, para entrar
em relao como pessoa real, pois no encontro de pessoa para
pessoa, na relao Eu-
Tu, que, acreditam os humanistas, a mudana se d.
A aceitao da tendncia inata e intrnseca para o crescimento e
auto-realizao
favorece a compreenso do terapeuta como sendo antes um
facilitador, do que algum
que atua sobre o outro. A nfase no fluir constante, na liberdade
e na singularidade de
cada ser, tende a abolir os planejamentos, os objetivos e
estratgias, e a desenvolver
uma atitude abertura ingnua e incondicional ao que vem do outro
em seu processo de
desenvolvimento e auto-criao.
O extraordinrio desenvolvimento de terapias e tcnicas de
trabalho com grupos,
especialmente na forma de vivncia intensiva, uma das tendncias
que marca a
-
Psicologia Humanista. Alm das ricas e inovadoras contribuies
tericas e tcnicas a essa
modalidade de atuao, at ento negligenciada, o chamado Movimento
dos Grupos de
Encontro representou, ao menos nos anos 60 e 70, a faceta de
maior impacto da Terceira
Fora, traduzindo em aes efetivas o compromisso transformao
scio-cultural que a
Psicologia Humanista se impe.
Enfim, no teste emprico de suas idias, muitas vezes taxadas de
ingnuas ou
utpicas, e no sucesso e aceitao de suas prticas, que a
Psicologia Humanista tem se
consolidado como uma psicologia afinada ao Zeitgeist de nossa
poca, em que apesar de
toda crise, amargura, cinismo, solido e desesperana, o anseio
mudo e oculto por uma
vida mais autntica e humanizada torna-se eloqente e fulgura ao
encontrar quem nele
acredite e se disponha a ajudar.
A PSICOLOGIA TRANSPESSOAL
HISTRICO
Antecedentes
O reconhecimento da existncia e importncia, assim como o
interesse em seu
desenvolvimento, das potencialidades humanas relacionadas
espiritualidade, auto-
transcendncia e ampliao da conscincia - temtica que
contemporaneamente
caracteriza o objeto de estudos privilegiado da Psicologia
Transpessoal - imemorial nas
culturas e sociedades humanas. Embora esse interesse, assim como
a viso de homem e
universo a ele associada, sejam com justia habitualmente
relacionados ao campo da
Religio ou da Filosofia, igualmente justo e apropriado, sob uma
tica mais atual,
considerar grande parte da produo cultural desenvolvida nessa
rea como pertencente
ao campo do que hoje chamamos Psicologia. De fato, abstrada uma
leitura mais ingnua
dos aspectos mitolgicos, doutrinrios e ritualsticos especficos,
a maioria das religies e
tradies espirituais acaba propondo um modelo terico-operativo da
psiqu humana - ou
seja, uma teoria da personalidade - e tecnologias de mudana da
personalidade em
direo ao considerado mais saudvel pelo modelo adotado - ou seja,
um tipo de
psicoterapia.
Este ponto de vista de aceitar as tradies espirituais como
psicologias, e mais
ainda psicologias transpessoais, ponto pacfico dentro do
Movimento Transpessoal e,
mesmo fora deste, encontra hoje ampla aceitao, em grande parte
graas ao trabalho de
Jung , que em suas pesquisas sobre a Alquimia e as religies
orientais e ocidentais,
revolucionou a concepo cientificista com que tais tradies eram
encaradas. Assim
vemos hoje populares manuais acadmicos de teorias da
personalidade, largamente
utilizados fora do crculo transpessoal (como o de Fadiman e
Frager, 1979) e mesmo de
-
autores no identificados com a perspectiva transpessoal (como
Hall e Lindsey, 1984)
dedicarem captulos s chamadas Teorias Orientais.
Ainda examinando o passado histrico da Psicologia, vamos
encontrar nas
psicologias pr-cientficas desenvolvidas sob a gide da Filosofia,
toda gama de
concepes sobre a natureza humana e suas relaes com o universo
circundante, em
que so privilegiadas perspectivas metafsicas e enfatizado o
potencial de espiritualidade e
transcendncia da conscincia. Tais concepes, permanecendo atuais
e dando margem a
estudos adequados ao arcabouo terico e conceptual da Cincia
atual, podem ser
considerados como patrimnio pela moderna Psicologia cientfica e,
nos aspectos
relacionados espiritualidade, como contribuies Psicologia
Transpessoal.
Mesmo na histria recente de nossa ainda jovem cincia da
Psicologia, so
encontrados significativos precursores do atual Movimento
Transpessoal, sendo trs os
nomes mais amplamente reconhecidos:
Em primeiro lugar, lembrado o psiquiatra canadense Richard
Maurice Bucke, que
em fins do sculo passado realizou estudos sobre vivncias de
ampliao e transcendncia
da conscincia, as experincias msticas, de farto relato na
literatura religiosa e, mais
recentemente, tambm na psiquitrica. Foi Bucke quem adotou o
termo conscincia
csmica, como designativo mais ou menos genrico para a vivncia
subjetiva de abarcar o
cosmos como contedo da conscincia. Ttulo de seu livro Conscincia
Csmica, hoje um
clssico da Psicologia Transpessoal, o termo ainda largamente
utilizado, em grande
parte como uma homenagem a esse grande pioneiro no estudo
cientfico dos estados
superiores da conscincia humana.
Em segundo lugar, j na virada do sculo, fulgura William James,
que em seus
estudos sobre As Variedades da Experincia Religiosa (ttulo de
seu livro de 1902) e,
sobretudo, em suas teorias sobre a natureza da conscincia, seu
fluxo e estados,
formulou arrojadas concepes transpessoais que hoje so
recuperadas e revalorizadas
pelos psiclogos da Quarta Fora. No so poucos os que vem na
Psicologia
Transpessoal, a qual retoma a conscincia como objeto central da
Psicologia (nfase que
desde James havia sido abandonada), uma continuidade de seu
trabalho. Esse grande
luminar, cuja obra nas ltimas dcadas vem sendo redescoberta e
retirada das
empoeiradas pginas da Histria da Psicologia, aclamado como
precursor no s da
Psicologia Transpessoal, mas tambm do movimento fenomenolgico,
humanista e
existencial da Terceira Fora.
E por fim vamos encontrar o extraordinrio Carl Gustav Jung,
outro gnio cuja
filiao pstuma em suas fileiras, como membro honorrio e
precursor, disputada tanto
pelo Movimento Humanista como pelo Transpessoal. Psiclogo
adiante de seu tempo, em
muitas de suas revolucionrias concepes antecipou em dcadas
diversas tendncias
assumidas hoje pela Psicologia Transpessoal, sendo impossvel,
neste curto espao,
-
traar ainda que um resumo de suas contribuies ao estudo das
dimenses
transcendentes da conscincia - ou do inconsciente, como ele
preferiria dizer. Apenas
para citar, noes como arqutipo, inconsciente coletivo, psiqu
objetiva, Self,
sincronicidade, psicide, entre outras, assim como seus j
referidos estudos sobre
Religio e Alquimia - e mais, Parapsicologia, Astrologia e mtodos
divinatrios -
encontram-se, e por certo se mantero por muito tempo, na ordem
do dia para os
psiclogos transpessoais deste e do futuro sculo.
A Emergncia da Psicologia Transpessoal
No obstante o interesse milenar do ser humano pelas dimenses
superiores e
espirituais de sua psiqu e experincia, e do significativo
trabalho desenvolvido no campo
da Psicologia por pioneiros como os que foram referidos, somente
de meados para o
final da dcada de 60 que uma srie de fatores contribui para o
aumento de
investigaes, teorizaes e prticas psicolgicas relacionadas ao
tema, criando condies
para a emergncia e institucionalizao da Psicologia Transpessoal
enquanto movimento
organizado que se prope como a Quarta Fora da Psicologia.
Entre os fatores mais comumente apontados, e que examinaremos a
seguir, esto
as necessidades decorrentes de fenmenos da mudana scio-cultural;
as novas
perspectivas de compreenso e abordagem cientfica da realidade
abertas pelos
desenvolvimentos mais recentes das cincias naturais; e , no
mbito da Psicologia, certas
decorrncias do desenvolvimento da prpria Psicologia
Humanista.
Mudanas no Contexto Cultural
No contexto das intensas transformaes culturais observadas na
cultura ocidental
nas ltimas dcadas e que, como vimos, estiveram tambm associadas
ao
desenvolvimento da Psicologia Humanista, houve um crescente
interesse em
espiritualidade, assim como um significativo aumento do nmero de
pessoas envolvidas
em espetaculares vivncias de alterao e ampliao da conscincia.
Isto tem sido
explicado, ao menos em parte, pela difuso do uso de substncias
psicodlicas, pela
popularizao de prticas meditativas e espirituais importadas do
oriente ou difundidas a
partir da abertura de antigas tradies esotricas, e mesmo pela
crescente valorizao
cultural desse tipo de experincia, antes inibida e reprimida
como sinal de transtornos
mentais, ou ainda de ignorncia, primitividade, superstio e mesmo
farsa.
Fossem tais vivncias experienciadas como positivas,
perturbadoras, ou
meramente divertidas, o fato que colocaram os psiclogos e as
psicologias numa
desconfortvel posio. Chamados a explicar o que se passava e
interferir como
autoridades no assunto, pouco tinham a dizer ou fazer. Salvo
referncias a eruditos
estudos antropolgicos do que at ento podia ser considerado como
uma extica
curiosidade de culturas primitivas ou de fechados grupos
religiosos, os psiclogos s
-
tinham para repetir surradas lies de psicopatologia psiquitrica,
que logo se mostravam
como inadequadas respostas queles que os procuravam em busca de
explicaes e
ajuda para entender e integrar to extraordinrias vivncias. Mesmo
jovens psiclogos e
pesquisadores, dentro do caldeiro de auto-experimentao psquica
que caracterizou os
anos da Contracultura, vivenciavam essas alteraes dramticas,
desconcertantes,
intrigantes, e sobretudo instigantes, da prpria conscincia.
Viu-se ento a Psicologia
desafiada a abordar o fenmeno com todos os instrumentos tcnicos,
metodolgicos,
tericos e conceituais conhecidos, ou mesmo criando outros que se
fizessem necessrios.
Surgia todo um novo campo de estudos, at ento negligenciado nos
meios mais
oficiais, e que agora se mostrava no descortinar de uma vasta
gama de desconhecidos
estados alterados da conscincia, para utilizar uma expresso
difundida no meio
transpessoal por Charles Tart (1977). Em consequncia dessa
situao, verificou-se o
explosivo aumento de pesquisas e teorizaes na rea, estudos estes
que no poderiam
ser adequadamente encaixados nos ramos de estudo anteriormente
delimitados para a
Psicologia, nem to pouco eram adequadamente abarcados pelas
formulaes tericas
mais correntes.
Da necessidade de intercmbio de pesquisas e pontos de vista
desses estudiosos
isolados e deslocados nos meios mais oficiais, como outrora
ocorrera com os psiclogos
que se associaram no lanamento da proposta humanista, emergiam
as condies para a
articulao de um novo movimento congregador, envolvido agora na
investigao
privilegiada das experincias inusuais e ampliadas da conscincia
humana.
Mudanas no Paradigma Cientfico
Entre os fatores extrnsecos mais comumente relacionados
emergncia da
Psicologia Transpessoal, apontado o extraordinrio
desenvolvimento observado neste
sculo no campo das cincias naturais, tais como a Fsica, a
Qumica, a Biologia e a
Fisiologia. Novas descobertas e teorias em ramos de ponta da
pesquisa cientfica tm a tal
ponto abalado as concepes estabelecidas de realidade e Cincia
que, recorrendo-se
conhecida concepo de histria da Cincia apresentada por Kuhn
(1987), tem sido
freqentemente apontado que estaramos em plena crise e revoluo
paradigmtica,
testemunhando o nascimento de um novo paradigma cientfico, isto
, uma nova
concepo de realidade e Cincia. Tal revoluo, de implicaes no s
cientficas como
scio-culturais, teria significados e conseqncias to
transformadoras, ou mesmo mais
ainda, que aquela iniciada outrora por Coprnico, que subvertendo
a cartografia da
realidade propiciou, entre outras coisas, o prprio nascimento
das cincias naturais e da
Civilizao Moderna. Est sendo solapada em suas prprias bases a
viso de mundo
cartesiano-newtoniana, cujos princpios de ordenao lgica e
causal, e de objetividade
-
confivel das dimenses espao-temporais, tinham at agora fornecido
alicerce seguro
para a paulatina e inexorvel construo do edifcio da Cincia. O
novo paradigma que se
insinua, e tem sido chamado de ps-moderno, holstico, hologrfico,
e mesmo
transpessoal, parece nos falar de um universo mais amplo, do
qual a realidade em que
at agora transitvamos em nossos projetos de investigao
cientfica, no passa de uma
estreita faixa, cuja existncia, ao invs de se revestir de
materialidade, parece dever
nossa conscincia tanto quanto as delirantes vises de um psictico
se associam sua
subjetividade doentia. Na nova perspectiva cientfica, tempo e
espao so conceitos
relativos; matria e energia, uma questo de ponto de vista; parte
e todo so sinnimos;
relao causa e efeito um conceito anacrnico; conscincia subjetiva
e objetividade
concreta, duas faces inseparveis e intercambiveis de uma mesma
realidade unitria.
Essa inslita viso de mundo, inicialmente restrita a esotricos
crculos de
pesquisadores e tericos, acabou por despertar curiosidade no
insatisfeito e questionador
panorama da cultura em crise e, atravessando as fronteiras
disciplinares, chega tambm
Psicologia, onde encontra eco e confirmao nos extravagantes
interesses e
interrogaes de isolados psiclogos envolvidos em estudar os
limites da conscincia.
Este surpreendente encontro entre cincias de to distinto campo -
o mago da matria e
os confins da alma humana - mediado por uma constatao mais
desconcertante ainda:
a nova viso de mundo e realidade, vislumbrada nas pesquisas mais
especulativas e
arrojadas, no era to nova assim, mas imemorialmente vivenciada
nas tradies
religiosas, na experincia dos msticos, e nos relatos
transpessoais.
Assim, contextualizando-se em um quadro de revoluo paradigmtica,
a Psicologia
Transpessoal recebe estmulo para se consolidar como movimento de
contribuio e
resposta da cincia psicolgica que se atualiza, ao desafio e
tarefa que - tradicionalmente
colocado a todo empreendimento cientfico - recebe agora
renovados significados:
conhecer, colocando este conhecimento a servio da humanidade, a
realidade do
universo que nos cerca.
A Psicologia Humanista e o Nascimento da Psicologia
Transpessoal
Embora auto-intitulada a Quarta Fora da Psicologia, a Psicologia
Transpessoal no
surge em oposio Psicologia Humanista. Pelo contrrio, como
movimento de proposta
mais inclusiva que contestatria, mantm estreita ligao com a
Psicologia Humanista e,
no obstante desta difira qualitativamente nas posies e
interesses a ponto de
caracterizar um novo movimento, a Psicologia Transpessoal em
geral entendida como
uma ampliao ou extenso do Movimento Humanista, a partir de
tpicos que haviam sido
apenas perifericamente considerados nas formulaes iniciais da
Terceira Fora. alis no
prprio seio da Psicologia Humanista que se iniciam as articulaes
para o lanamento do
novo movimento:
-
Na dcada de 60, durante o rpido desenvolvimento da psicologia
humanstica,
tornou-se evidente que uma nova fora emergia de seus crculos
internos. Entretanto, a
posio humanstica, enfatizando o crescimento e a auto-atualizao,
era muito restrita e
limitada para tal fora. A nova nfase residia no reconhecimento
da espiritualidade e das
necessidades transcendentais como aspectos intrnsecos da
natureza humana e no direito
de cada indivduo escolher ou mudar seu caminho. Muitos renomados
psiclogos
humansticos mostraram crescente interesse por vrias reas antes
negligenciadas e por
tpicos de psicologia como experincias msticas, transcendncia,
xtase, conscincia
csmica, teoria e prtica de meditao ou sinergia inter-espcie ou
interindividual. (Grof,
1988, p. 138).
Mais uma vez, a percepo de que as circunstncias favoreciam a
emergncia de
uma nova Fora, e a iniciativa de encabear as articulaes para seu
lanamento, coube a
Maslow e Sutich. Conforme relembra este ltimo (Sutich, 1991),
foi a partir das idias que
transpiraram em um seminrio sobre Teologia Humanstica promovido
em 1966, que
Maslow e ele amadureceram a constatao de que uma nova Fora
estava se impondo e
fora erroneamente identificada como parte da Psicologia
Humanista. De fato, em 1968,
Maslow assim se expressaria na introduo segunda edio de seu
livro Introduo
Psicologia do Ser:
Devo tambm dizer que considero a Psicologia Humanista, ou
Terceira Fora em
Psicologia, apenas transitria, uma preparao para uma Quarta Fora
ainda "mais
elevada", transpessoal, trans humana, centrada mais no cosmos
que nas necessidades e
interesses humanos, indo alm do humanismo, da identidade, da
individuao e
quejandos (...). Necessitamos de algo "maior do que somos"
(Maslow, s. d., p.12).
A proposta, divulgada em conversas, seminrios, artigos e troca
de
correspondncias, logo encontrou destacados adeptos, sendo
formado um comit para
organizao de uma nova revista, dedicada ao que quela altura
chamavam Psicologia
Trans-humanstica. Das discusses desse comit, presidido por
Sutich e integrado por,
alm de Maslow, nomes do calibre de James Fadiman, Sidney
Jourard, Michel Murphy e
Miles Vich, completa em finais de 1967 a definio e declarao de
objetivos da nova
Fora. Em 1968, em discusso de que participaram tambm Viktor
Frankl e Stanislav
Grof, adotado o ttulo Psicologia Transpessoal em substituio ao
anteriormente
proposto, e a revista lanada em 1969, sendo o movimento assim
apresentado :
Psicologia Transpessoal (ou "Quarta Fora") o ttulo dado a uma
fora emergente
no campo da Psicologia, representada por um grupo de psiclogos e
profissionais de
outras reas, de ambos os sexos, que esto interessados naquelas
capacidades e
potencialidades LTIMAS que no possuem um lugar sistemtico na
teoria positivista ou
behaviorista ( "Primeira Fora"), na teoria psicanaltica clssica
( "Segunda Fora"), ou na
psicologia humanstica ("Terceira Fora"). (Apud Sutich, 1991, p.
29).
-
Nos prximos itens, procurarei caracterizar a Psicologia
Transpessoal em termos dos
temas que privilegia em seus estudos; das posies que adota em
sua proposta de
Psicologia cientfica; da viso de natureza humana desenvolvida em
suas teorias; e das
tcnicas e mtodos que utiliza para investigao e atuao. Em todos
os tpicos, na
medida do possvel, sero enfatizadas as relaes e diferenas entre
as posies
transpessoais e humanistas.
2. CARACTERSTICAS
Temtica Privilegiada.
Na declarao dos contedos de interesse para publicao, impressa no
frontispcio
do primeiro numero da Revista de Psicologia Transpessoal,
pode-se ter uma expressiva
idia dos campos temticos caracteristicamente privilegiados na
proposta da Quarta
Fora:
A Revista de Psicologia Transpessoal ocupa-se da publicao da
pesquisa terica e
aplicada, de contribuies originais, estudos empricos, artigos e
estudos sobre meta
necessidades, valores ltimos, conscincia unitiva, experincia de
pico, xtase,
experincia mstica, valores B, essncia, felicidade, respeito,
milagre, auto-realizao,
significado ltimo, transcendncia do eu, esprito, sacralizao da
vida cotidiana, unidade,
conscincia csmica, jogo csmico, sinergia individual e da espcie,
mximo encontro
interpessoal, responsividade e expresso, e sobre os conceitos,
experincias e atividades
relacionadas. Como declarao de objetivos , esta formulao deve
ser entendida como
sujeita a interpretaes opcionais individuais ou de grupos, tanto
parcial quanto
totalmente, com relao aceitao de seus contedos como
essencialmente naturalistas,
testas, sobrenaturalistas, ou qualquer outra classificao que se
lhes d. (Apud Sutich,
1991, p. 31)
Trata-se de uma listagem bastante extensa, cuja topificao em
grande parte
refere-se a termos relacionados a certas perspectivas tericas
mais especficas, sendo
apresentada aqui mais pelo interesse histrico da declarao e para
que se tenha um
apanhado geral da amplitude e abertura de perspectiva dos
interesses do Movimento
Transpessoal. Ao invs de discorrer sobre cada um dos temas
relacionados, o que alm de
resultar demasiado extenso provavelmente forneceria uma viso em
tanto confusa e
dispersiva, optei em centrar minha apresentao em torno de trs
tpicos gerais que,
relacionados entre si, tem mais comumente sido apontados como a
rea privilegiada e
caracterstica das abordagens transpessoais: as potencialidades
ltimas; a espiritualidade;
e os estados alterados de conscincia, a includas as experincias
transpessoais.
A escolha, nas primeiras definies, do designativo genrico de
potencialidades
LTIMAS como o objeto de estudo da Psicologia Transpessoal, assim
como a indicao de
-
temas anlogos (valores ltimos, experincias de pico, mximo
encontro interpessoal,
significado ltimo, estado final, conscincia sensorial mxima,
ponto mega, relaes
ltimas, etc.), parece relacionar-se s razes humanistas do
Movimento Transpessoal. Na
verdade, a vinculao do surgimento da Psicologia Transpessoal ao
Movimento Humanista
bem mais do que circunstancial, podendo, ao menos assim eu
entendo, ser vista como
uma decorrncia lgica das prprias propostas da Terceira Fora que,
ao se declarar
interessada em estudar e promover a sade, o bem estar e o
desenvolvimento do
potencial humano, estimulou muitos investigadores a se
questionarem sobre as
possibilidades mximas dessas qualidades, os estados e
potencialidades LTIMAS desse
desenvolvimento, ou aquilo a que Maslow chamou de as mais
longnquas buscas da
natureza humana (The Farther Reaches of Human Nature, Maslow,
1971). Nessa busca,
no raro, concluam os investigadores que a auto-realizao humana
no se esgota no ser
plenamente pessoa mas sim no ultrapassar da prpria condio
pessoal, acessando a
dimenso csmica, espiritual, ou transpessoal, do ser. Da mesma
forma que se pode dizer
que um rio - imagem a que freqentemente os humanistas comparam a
qualidade
processual ideal do crescimento psicolgico saudvel - no encontra
auto-realizao em
ser plenamente rio, mas que esta, em ltima instncia, s se
concretiza quando vai alm
de ser rio e se torna parte do mar; tambm para a perspectiva
transpessoal na
transcendncia dos prprios limites da pessoa que, paradoxalmente,
sua realizao ltima
pode ser obtida. Neste sentido, a proposta transpessoal
qualitativamente distinta da
humanista :
Isto , a orientao transpessoal tem como conceito fulcral a
"auto-
transcendncia", o que, em ltima anlise a diferencia da orientao
humanista, cujas
metas bsicas de desenvolvimento localizam-se na "auto-realizao".
Assim, na
psicoterapia transpessoal, a capacidade humana para
"auto-transcendncia", alm da
auto realizao, reconhecida como etapa final do desenvolvimento".
( Grof, 1988, p.
133)
A espiritualidade, ou a dimenso espiritual do homem, segundo
tpico de nossa
caracterizao temtica, identifica o Movimento Transpessoal como a
primeira corrente da
Psicologia contempornea que dedica ateno sistemtica e
privilegiada dimenso
espiritual da experincia humana, at ento ignorada, negada,
negligenciada ou reduzida
a derivaes secundrias de outras faixas inferiores do ser, como a
sexualidade e a
agressividade sublimadas, por exemplo. O prprio uso mais ou
menos freqente e
generalizado do termo espiritual que os transpessoais fazem,
tomando emprestado
Religio este e outros vocbulos, na falta de termos prprios na
tradio psicolgica
ocidental, fala-nos do desinteresse da Psicologia pelo assunto.
Como diz Maslow:
(...) quase impossvel falar "vida espiritual" (frase desagradvel
para um cientista,
em particular para os psiclogos) sem usar o vocabulrio da
religio tradicional.
-
Simplesmente ainda no existe outra linguagem satisfatria. Uma
excurso pelos lxicos
poderia demonstr-lo com rapidez (Maslow, 1964, p. 4)
Na verdade, a aceitao do homem como ser cuja auto-realizao final
envolve a
auto-transcendncia e o acesso a uma dimenso csmica ampliada de
participao
universal, naturalmente tende a aproximar a Psicologia
Transpessoal das concepes
religiosas da natureza humana, as Psicologias Espirituais como
denominou Tart (1979), as
quais imemorialmente defendem este ponto de vista como
pressuposto que fundamenta a
prpria Religio, conforme j constatara William James em seus
estudos sobre as
variedades da experincia religiosa:
Resumindo da forma mais ampla possvel as caractersticas da vida
religiosa, tais
como elas se nos deparam, encontramos as seguintes crenas:
1. Que o mundo visvel parte de um universo mais espiritual do
qual ele tira sua
principal significao;
2. Que a unio ou relao harmoniosa com este universo mais
espiritual nossa
verdadeira finalidade;
3. Que a orao ou comunho interior com o esprito desse universo
mais elevado -
seja ele "Deus" ou "ordem" - um processo em que se faz realmente
um trabalho, e em
que a energia espiritual flui e produz efeitos, psicolgicos ou
materiais, dentro do mundo
fenomnico. (James, 1991, p. 300).
Naturalmente, sendo a Psicologia Transpessoal uma proposta de
Psicologia
cientfica, e no se filiando enquanto movimento a nenhuma concepo
religiosa
especfica de mundo, sua abordagem do espiritual e do religioso
se far pela via do
emprico, pela ateno ao fenmeno experiencial em si, assim como
pela considerao de
seus efeitos psicolgicos e suas implicaes para a compreenso da
estrutura, da
dinmica e do desenvolvimento da personalidade.
No s no interesse despertado pela singular fenomenologia
relatada nas
experincias espirituais, msticas ou religiosas, mas tambm pela
abordagem de outros
fenmenos extraordinrios de alterao e ampliao da conscincia, os
quais, como
vimos, crescentemente se apresentam no contexto cultural atual
como desafio para a
Psicologia, que se pode caracterizar o campo de estudos
privilegiado da Psicologia
Transpessoal: Os estados alterados da conscincia. Pierre Weil
chega mesmo a definir :
A Psicologia Transpessoal um ramo da Psicologia especializada no
estudo dos
estados de conscincia; ela lida mais especialmente com a
"experincia csmica" ou os
estados ditos "superiores" ou "ampliados" da conscincia. (Weil,
1978, p. 9).
O estudo da conscincia como objeto central da Psicologia,
abandonado desde que
a objetividade behaviorista superou as propostas de Wundt e
William James, e que Freud,
descortinando a parte submersa do iceberg, apontou o
subconsciente como a dimenso
psquica predominante, j comeara a ser recuperado pela Psicologia
Humanista, com sua
-
nfase na experincia consciente, entendida como dimenso do
psiquismo onde a pessoa
exerce suas potencialidades de liberdade, escolha, autonomia e
intencionalidade. A
concepo transpessoal da existncia de outros estados de
conscincia alm dos
tradicionalmente aceitos pelas teorias correntes (viglia, sonho,
sono sem sonhos,
intoxicao, e alguns estados intermedirios), muitos dos quais
entendidos como estados
supra-conscientes cujas potencialidades na promoo da sade e
crescimento superariam
em muito as do estado normal de viglia e as derivadas da anlise
das faixas infra-
conscientes descobertas por Freud, faz da explorao das
possibilidades ltimas da
conscincia o interesse primordial das teorias, pesquisas e
aplicaes da Psicologia
Transpessoal. Coube a Charles Tart, pesquisador e terico cuja
contribuio notvel no
s no campo da Psicologia Transpessoal mas tambm no da
Parapsicologia, recuperar
para a Psicologia atual a anacrnica expresso estados de
conscincia, acrescentando-lhe
o adjetivo alterados, para definir conceitos que se mostraram de
largo uso, contribuindo
para o vocabulrio tcnico e operacional da Quarta Fora da
Psicologia. No obstante o
uso do adjetivo alterado tenha por vezes sido criticado por
parecer sugerir algo artificial
ou com conotaes patolgicas, estando mais em voga atualmente a
utilizao nos meios
transpessoais da expresso estados inusuais - ou no-ordinrios -
de conscincia e, no
obstante ainda, tambm ser por alguns questionado o prprio uso da
expresso estados
de conscincia por entenderem que a alterao desta se processa em
um contnuo e
no em estados delimitados, as definies de Tart permanecem
importantes e atuais:
De um modo bastante conciso, "um estado de conscincia" (SoC)
aqui definido
como um padro generalizado de funcionamento psicolgico. Um
"estado alterado da
conscincia" (ASC) pode ser definido como uma alterao qualitativa
no padro comum de
funcionamento mental em que o experienciador sente que a sua
conscincia est
radicalmente diferente do seu funcionamento "normal". Deve-se
notar que um ASC no
definido por um contedo particular da conscincia, por um
comportamento, ou por uma
modificao fisiolgica, mas em termos de seu padro total.(Tart,
1991, p. 41)
Embora os estados alterados de conscincia em geral interessem
Psicologia
Transpessoal, em especial naqueles em que a conscincia se
expande ou amplia para
alm dos limites usuais da viglia, que os estudos esto
concentrados. Mesmo que se
questione a existncia de estados realmente superiores - que a
rigor, para Tart seriam
aqueles em que no s todas as funes do estado habitual estivessem
mantidas, como
fossem ainda mais eficientes e/ou acrescidas de funes novas - o
conceito de
experincias transpessoais, definidas por Grof (1988) como
aquelas em que h o
sentimento de expanso da conscincia para alm das fronteiras
egicas comuns e das
limitaes do tempo e do espao (p. 104), pode esclarecer o campo
de interesses
caracterstico e exclusivo (no sentido de que a nica corrente que
sistematicamente o
aborda) da Psicologia Transpessoal.
-
Alm dos tpicos subentendidos nas orientaes temticas gerais
aqui
apresentadas, outros temas tpicos do Movimento Transpessoal esto
relacionados s suas
propostas epistemolgicas e cientficas; ou suas concepes da
natureza humana; ou
ainda s suas formas prprias de abordagem e atuao. Isto
examinaremos nos prximos
itens.
Modelo de Cincia
Da mesma forma que a Psicologia Humanista, a Psicologia
Transpessoal, enquanto
movimento, assume e defende posies epistemolgicas tpicas,
propondo para a
Psicologia a adoo de um modelo de cincia distinto do tradicional
modelo naturalista.
Novamente, porm, vamos encontrar significativas diferenas, de
grau e qualidade, entre
a proposta humanista e a transpessoal. Os psiclogos humanistas,
em geral, defendem
para a Psicologia um modelo de cincia do homem, de base
compreensiva,
fenomenolgica, idiogrfica, holista e teleolgica; em contraposio
perspectiva
objetivante, explicativa, reducionista, normativa, elementarista
e determinista do modelo
tradicional das cincias naturais, o qual, entretanto, via de
regra respeitam como
abordagem adequada ao mundo das coisas, to distinto - assim
entendem - do mundo
humano. Grande parte alis do debate entre a Psicologia Humanista
e o Behaviorismo - e
tambm com certas concepes mecanicistas do modelo hidrulico da
Psicanlise - se
trava neste tpico de qual dos dois modelos, o naturalista ou o
humanista, adequado
para a Psicologia. Mas, enquanto este j quase montono e
repetitivo debate se
prolongava nos crculos da Psicologia, as cincias naturais
evoluam a passos - ou melhor,
saltos - enormes, tornando ultrapassadas as posies anteriormente
identificadas como
seu modelo cientfico, e generalizando em seu meio a convico de
estar em curso uma
revoluo do paradigma geral da Cincia. Assim, como vimos, o
Movimento Transpessoal,
assumindo a leitura de queest em curso uma revoluo paradigmtica,
ao invs de
contrapor cincias humanas e cincias naturais, realiza intensa
aproximao destas
ltimas, s que j entendidas dentro de um novo paradigma unificado
- holstico, ps-
moderno, hologrfico e transdisciplinar - da Cincia. Captulos
inteiros dedicados s novas
descobertas da Fsica, da Qumica, da Pesquisa Cerebral, entre
outras, so uma constante
em livros de Psicologia Transpessoal, onde citaes de cientistas
como Bohm, Bohr,
Einstein, Prigogine, Bell, Pauli, Heisenberg, Teilhard de
Chardin, Capra, Pribam,
Sheldrake, e muitos outros, chegam s vezes a ser mais freqentes
que as dos mais
renomados psiclogos. Do outro lado, nas modernas cincias
naturais, a aproximao
recproca. mesmo um fato curioso, que eu prprio tenho observado,
que a Psicologia
Transpessoal desperte menos interesse entre os psiclogos que
entre os praticantes
dessas cincias, os quais, talvez por dever de ofcio, em geral
encontram-se melhor
-
familiarizados com as novas perspectivas paradigmticas,
sintonizando com facilidade o
ponto de vista e o discurso adotado pelos psiclogos
transpessoais.
Atnitos e fascinados com a descoberta de uma realidade s
anteriormente
concebida nas esotricas tradies espirituais e nas mais
visionrias experincias msticas
e transpessoais de alterao da conscincia, s quais crescentemente
recorrem como
ilustrao, confirmao e mesmo inspirao de suas teorias
revolucionrias, os novos
cientistas cada vez mais assumem a constatao do fsico James
Jeans de que o universo
parece mais com um grande pensamento do que com uma grande
mquina. No estudo
desse novo mundo em que a realidade psquica parece inseparvel da
realidade material,
as cincias naturais recorrem crescentemente a modelos
desenvolvidos nas cincias
humanas - fala-se por exemplo em sociologia dos eltrons - a
ponto de se poder afirmar,
como o faz Boaventura de Sousa Santos (1988), que: No h natureza
humana porque
toda natureza humana. (p. 63). Mais que isto, temas como
conscincia - e no s
conscincia humana! - at h pouco impensveis em cincias que
primavam pela
objetividade emprica, passam a ser de crucial importncia no
desenvolvimento das
pesquisas e teorias. Comentando a clebre afirmao de Watson,
criador do
Behaviorismo, de que a Psicologia j estava apta a abandonar
qualquer meno
conscincia, tornando-se um ramo puramente objetivo e
experimental das cincias
naturais que necessita to pouca introspeco quanto as cincias da
fsica e da qumica, a
fsica e filsofa Danah Zohar (s.d.) afirma: Ironicamente, esta
linha de pensamento hoje
to obsoleta para a fsica quanto foi obsoleta para a psicologia
(p.57). Assim que,
tambm ironicamente, mutatis mutandis e de uma perspectiva
totalmente inversa, a
Psicologia Transpessoal reedita o ideal behaviorista de ver a
Psicologia irmanada s
cincias naturais dentro de um mesmo modelo e proposta de Cincia
unificada.
O paradigma cientfico emergente tem sido freqentemente
intitulado holstico ou
hologrfico. O termo holos (todo, em grego) foi utilizado pelo
estadista e pensador sul-
africano Jan Smuts, no seu livro publicado em 1926, para
formular a proposta do Holismo,
teoria que, opondo-se a concepes atomistas, prope como
caracterstica fundamental
da Natureza a tendncia para promover a evoluo no sentido de
totalidades cada vez
mais complexas e organizadas. Quase desapercebidas na poca, suas
idias influenciaram
Adler (um dos dissidentes de Freud cujas teorias antecederam e
influenciaram em
diversos aspectos o Movimento Humanista) e, sendo de resto
coerentes com a proposta
da Psicologia da Gestalt ( o todo mais que a soma das partes ),
o ponto de vista holista
obteria ainda maior apoio com a Teoria Geral dos Sistemas, de
Von Bertalanffy, cuja
concepo transdisciplinar do comportamento dos sistemas, tem
possibilitado inmeras
aplicaes e desenvolvimento nas psicologias que a adotam. Assim
essa perspectiva
generalizou-se entre as teorias humanistas, as quais, de uma
maneira geral,
caracterizam-se pela abordagem holista, ou organsmica, ou
sistmica, da pessoa
-
humana, em contraposio s posies elementaristas e reducionistas
que criticam nas
Foras precedentes.
Entretanto, a viso holstica do novo paradigma, que assume como
uma das
propostas centrais a superao de todas as fronteiras
disciplinares e mesmo o
rompimento da compartimentalizao das reas do saber humano (donde
se vem
crescentes aproximaes transdisciplinares entre Filosofia,
Cincia, Arte e Religio), difere
substancialmente - embora no contrarie - da viso holista do
Movimento Humanista.
Para compreender as semelhanas e diferenas entre as duas
perspectivas, que
aqui diferencio pelas denominaes de holista e holstica, convm
uma breve exposio
dos princpios da holografia, a tcnica de reproduo tridimensional
de imagens, cujas
caractersticas instigantes tm levado distintos proponentes do
novo paradigma a
apresent-lo a partir do modelo, ou metfora, da holografia.
A foto tridimensional foi pela primeira vez teoricamente
concebida em 1947 pelo
ganhador do Prmio Nobel Denis Gabor, mas s pode ser concretizada
em 1965, com a
inveno do raio laser. Ao invs de reproduzir imagens por pontos
localizados
espacialmente em superfcies quimicamente sensveis luz, como
ocorre na fotografia
comum, o que registrado no holograma ( a matriz da holografia )
so os padres de
interferncia de dois feixes de luz laser, a um dos quais foi
interposto o objeto que se
quer grafar. Exposto novamente a um feixe de luz, o padro
registrado no holograma,
projeta uma reproduo espectral tridimensional da imagem do
objeto, a chamada
holografia. Independentemente da compreenso deste processo -
confesso que eu prprio
ainda no entendi muito bem - o que nos relevante considerar a
interessante
caracterstica da holografia, que tem inspirado cientistas dos
mais variados campos
criao de modelos tericos anlogos:
Holografia um mtodo de fotografia sem lentes no qual o campo
ondulatrio da
luz espalhada por um objeto registrado em uma chapa sob a forma
de um padro de
interferncia. Quando o registro fotogrfico - o holograma -
exposto a um feixe de luz
coerente, como um laser, o padro ondulatrio original regenerado.
Uma imagem
tridimensional aparece.
Como no h focalizador, isto , lentes focalizadoras, a chapa tem
a aparncia de
um padro de espirais destitudo de significado. Qualquer pedao do
holograma pode
reconstruir a imagem inteira. (Wilber et al., 1991, p 12)
Assim, indo alm da proposta holista da viso humanista - o todo
mais que a
soma das partes - a viso holstica das novas cincias - a includa
a Psicologia
Transpessoal - afirma que a abordagem deve ser hologrfica, pois
a parte contm o todo,
ou seja, qualquer elemento de um todo como um holograma no qual,
ainda que em
menor detalhe, identificvel a qualidade isomrfica do padro de
complexidade e
interdependncia existente na configurao total.
-
Concepes radicais, em disciplinas distintas e independentes,
parecem convergir
em torno de uma concepo hologrfica da natureza da realidade.
Talvez a mais
conhecida destas coincidncias e complementariedade de concepes
tericas
independentes, seja o caso das teorias de Karl Pribram e David
Bohm. O primeiro,
destacado pesquisador do crebro, sugere um modelo hologrfico do
funcionamento
cerebral para superar o enigma da localizao da memria, pois
insistentes pesquisas
pareciam no deixar outra resposta intrigante constatao de que a
informao se
distribui por todo o crebro, sendo por inteiro recupervel a
partir de qualquer parcela. O
segundo, eminente fsico terico, na tentativa de integrar
inquietantes e paradoxais
teorias, pesquisas e concepes no campo da micro e da macro
fsica, prope uma teoria
hologrfica do universo, por ele concebido como um contnuo
dobrar-se e desdobrar-se
das formas aparentes - a ordem exposta - a partir de uma
realidade mais profunda,
transcendente e subjacente a tudo que existe: a ordem implicada
da qual tudo imagem
hologrfica. O encontro das idias dos dois cientistas originou a
proposta de que o crebro
era uma estrutura de funcionamento hologrfico que interpretava
um universo de
natureza igualmente hologrfica, produzindo a realidade - ou
realidades - em sua
construo espao-temporal de imagens da realidade unitria
transcendente. Alis, a
indissociabilidade da relao entre mente e realidade, implicada
em diversas concepes
das modernas cincias naturais, lana nova luz sobre o secular
problema mente-corpo,
tradicional e de longa histria no desenvolvimento da Psicologia.
As novas descobertas e
teorias, recuperando concepes milenares da Religio e Filosofia,
sugerem que as
realidades se constituem a partir de uma filtragem e reconstruo
hologrfica realizada
pela mente em sua relao com a realidade inefvel implicada no
mago do mundo
fenomenal ilusrio, no obstante a prpria mente no seja mais
entendida como
organicamente contida no crebro (algumas propostas crem ser a
mente, na verdade,
obstruda pelo crebro). As relaes mente/crebro/realidade
constituem alis uma das
principais temticas unificadoras dos novos interesses
cientficos
Escapa aos propsitos desta breve caracterizao formular um
inventrio, ainda que
resumido, das principais descobertas e tendncias que, semelhana
de um mosaico em
formao tem se associado, a partir de diversas cincias, na
configurao e emergncia
de um novo paradigma cientfico. Desejo me referir apenas a
algumas decorrncias
dessas novas vises, que me parecem implicar radicalmente a
Psicologia Transpessoal.
Mrcia Tabone (1988), em uma colocao bastante feliz, afirma que
podemos entender o
"movimento transpessoal" como o resultado de esforos para
ajustar a Psicologia
ocidental ao paradigma emergente, contribuindo para a assimilao
das novas premissas
em seu campo de pensamento (p. 160). Desse ponto de vista e
tambm na sua