Top Banner
Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE Introdução a uma categoria para a teoria constitucional no século XXI Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Direito do Departamento de Direito da PUC-Rio como parte dos requisitos parciais para a obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: José Ribas Vieira Rio de Janeiro Março de 2007
156

Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

Dec 03, 2018

Download

Documents

vanhuong
Welcome message from author
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
Page 1: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

Paulo Roberto dos Santos Corval

EXCEÇÃO PERMANENTE Introdução a uma categoria para a

teoria constitucional no século XXI

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito do Departamento de Direito da PUC-Rio como parte dos requisitos parciais para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: José Ribas Vieira

Rio de Janeiro Março de 2007

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 2: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

Paulo Roberto dos Santos Corval

EXCEÇÃO PERMANENTE Introdução a uma categoria para a

teoria constitucional no século XXI Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito do Departamento de Direito da PUC-Rio como parte dos requisitos parciais para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Prof. José Ribas Vieira Orientador

Departamento de Direito – PUC-Rio

Prof. Renato de Andrade Lessa SBI/IUPERJ e UFF

Prof.ª Gisele Guimaraes Cittadino Departamento de Direito – PUC-Rio

Prof. João Pontes Nogueira Vice-Decano de Pós-Graduação do Centro

de Ciências Sociais – PUC-Rio

Rio de Janeiro, 21 de março de 2007

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 3: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador.

Paulo Roberto dos Santos Corval

Graduou-se em Direito na PUC-Rio em 2004. Advogado. Assessor na Procuradoria Regional da República – 2ª Região/Ministério Público Federal.

Ficha catalográfica

CDD: 340

Corval, Paulo Roberto dos Santos Exceção Permanente: Introdução a uma categoria para a teoria constitucional no século XXI / Paulo Roberto dos Santos Corval; orientador: José Ribas Vieira. – Rio de Janeiro: PUC, Departamento de Direito, 2007. viii.; 156f.:il.: 29,7 cm

1. Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Direito.

Inclui referências bibliográficas. 1. Direito – Teses. 2. Constituição. 3. Normatividade; 4. Norma. 5. Realidade. 6. Exceção permanente. 7. Direitos fundamentais. 8. Hermenêutica. 9. Tribunais constitucionais. I. Vieira, José R. (José Ribas). II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Direito. III. Título.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 4: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

Agradecimentos

A Deus, rocha minha, toda honra, toda glória, todo louvor!

À minha esposa Amanda, pela compreensão, amizade e amor imprescindíveis à

conclusão deste trabalho. Foram penosas as horas em que, por causa dos livros e

textos, tive de me afastar de sua maravilhosa companhia.

A meus pais. Jamais poderei pagar a “dívida” que tenho com vocês. Obrigado

pelo apoio e, principalmente, pelas numerosas vezes que, esforçando-se para

entenderem as idéias confusas que lhes expunha, ouviram-me com grande

dedicação.

Ao estimado Prof. José Ribas Vieira, pelo auxílio, otimismo, inspiração e

inacabáveis indicações de leitura.

A Enzo Bello. Lutar ao lado de grandes homens nos engrandece.

A todos os companheiros que ingressaram comigo no mestrado. Vocês tornaram

mais agradáveis esses dois últimos anos. Um grande abraço!

Aos professores do Departamento, pelos muitos ensinamentos, conversas e

auxílio.

A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a

Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade de vocês seria difícil chegar ao final.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 5: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

Resumo

Corval, Paulo Roberto dos Santos; Vieira, José Ribas. Exceção

Permanente – introdução a uma categoria para a teoria constitucional no século XXI. Rio de Janeiro, 2007 156p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Sobre a teoria constitucional desenvolvida na segunda metade do século XX

(a teoria pós-1945) está assentada a produção teórico-dogmática hegemônica no

direito constitucional brasileiro. Quer na sua matriz valorativa quer naquela

direcionada por princípios e procedimentos é pressuposto que as constituições

detêm uma espécie de normatividade autônoma capaz de regular a vida,

harmonizando, pela via da reciprocidade, a tensão entre norma e realidade. Num

momento de globalização, risco, estado de guerra, Império e neoliberalismo,

entretanto, o consenso teórico alcançado com a tese da normatividade autônoma

da constituição acha-se desestabilizado. Necessária sua reestruturação. A isso se

propõe Exceção Permanente: introdução a uma categoria para a teoria

constitucional no século XXI. A categoria exceção permanente, apresentada nesta

dissertação em suas linhas introdutórias, aponta, ao invés da reciprocidade, em

direção à imanência entre norma e vida, bem assim a um âmbito de

indiscernibilidade em que o discurso jurídico-constitucional é redimensionado,

abrindo horizontes à ação emancipatória e a uma nova compreensão da própria

normatividade. Ilumina a difícil e obscura equação entre constituição e vida,

encontrando-se nela chave adequada para compreender o processo histórico

contemporâneo, diretivas teóricas e mecanismo para articular questões centrais da

teoria constitucional, v.g., constituição, direitos fundamentais, hermenêutica

constitucional e jurisdição constitucional.

Palavras-chave

Constituição; normatividade; norma; realidade; exceção permanente; direitos; hermenêutica; tribunais constitucionais.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 6: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

Abstract

Corval, Paulo Roberto dos Santos; Vieira, José Ribas. Exceção

Permanente – introdução a uma categoria para a teoria constitucional no século XXI. Rio de Janeiro, 2007 156p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

The constitutional theory developed in the second half of the XX century

(the theory of post-1945) bounds the hegemonic theoretic-dogmatic tradition in

the constitutional Brazilian Law. Whether in the valued matrix or in the one

guided by principles and procedures is based on the assumption of the

Constitution’s autonomous normativity that is able to regulate life, harmonizing,

by the way of reciprocity, the tension between norm and reality. However, in a

period of globalization, risk, war state, Empire and neo-liberalism, the theoretic

consensus achieved by the autonomous normativity theory of the constitution is

non-stabilized. Urging a new structure. It is the aim of Exceção Permanente:

introdução a uma categoria para a teoria constitucional no século XXI. Instead of

the reciprocity post-1945 theory, the permanent exception category introduce in

this dissertation points in the direction to the immanence between norm and life,

and to a space of indiscernability whose legal-constitutional speech is re-

dimensioned opening new horizons to the emancipatory action and to a new

comprehension of the normativity. Clarify the difficult and obscure equation

between the constitution and life. As a consequence of that, it is found inside this

permanent exception category an appropriated key to comprehend the

contemporaneous historical process, theorical directives and mechanism to

articulate central questions of the constitutional theory, v.g., constitution,

fundamental rights, constitutional hermeneutic and constitutional jurisdiction.

Key words Constitution; normativity; norm; reality; permanent exception; rights;

hermeneutics; courts constitutional.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 7: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

Sumário

1. Introdução ..............................................................................................09

2. A teoria constitucional pós-1945 e a problemática da normatividade

autônoma da constituição ............................................................................14

2.1. Dinâmica: constituição, direitos fundamentais,

hermenêutica/interpretação, tribunais constitucionais e normatividade

autônoma ....................................................................................................14

2.2. A normatividade autônoma na base da teoria constitucional pós-

1945: Hesse, Häberle, Müller e Zagrebelsky ...............................................27

2.3. Normatividade autônoma em crise .......................................................38

3. Um novo contexto: situação de exceção permanente ...........................44

3.1. Globalização..........................................................................................44

3.2. Risco .....................................................................................................50

3.3. Estado de guerra e Império ..................................................................56

3.4. Neoliberalismo ......................................................................................60

4. Exceção pemanente: uma categoria para pensar a Teoria

Constitucional no século XXI .......................................................................68

4.1. Origens: Carl Schmitt e a República de Weimar ..................................68

4.2. De 1945 a 2001: uma síntese dos novos rumos ..................................82

4.3. Revitalização: o debate norte-americano sobre a constituição de

emergência ..................................................................................................87

4.4. (Re)construindo a exceção ...................................................................95

5. Exceção pemanente: algumas implicações .............................................110

5.1. Pensando o Brasil ................................................................................110

5.2. Constituição, direitos fundamentais, hermenêutica/interpretação,

tribunais constitucionais ..............................................................................119

6. Conclusão ..............................................................................................135

7. Referências bibliográficas .......................................................................143

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 8: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

Lista de Ilustrações

Quadro 1 – Constitucionalistas alemães pós-1945 sobre o papel da

constituição e fatores de sua contextualização social .................................27

Quadro 2 – Resumo do debate sobre a globalização, seu conceito e

suas principais implicações .........................................................................47

Quadro 3 – Fragmentos da decomposição da modernidade ao longo

do século XX segundo Alain Touraine ........................................................48

Figura 1 – Taxas de crescimento global por ano e década no período

de 1960 a 2003 ...........................................................................................62

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 9: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

1

Introdução

Não é equivocado afirmar que a difusão recente das constituições e do

constitucionalismo segue lado a lado, porquanto a pressupõe, com a maneira de

compreender a relação entre a força normativa da constituição e a realidade, a

vida. A história político-constitucional do ocidente no século passado, marcada

por um acelerado desenvolvimento econômico e tecnológico, por regimes

totalitários, por duas guerras mundiais, pela exploração contínua de países pobres

por grandes potências econômicas e militares e por uma certa incapacidade da

constituição de servir de meio estabilizador da vida, aguça a curiosidade sobre tão

delicada problemática.

A curiosidade dá lugar à perplexidade quando na segunda metade do século

XX, ainda latentes no imaginário individual e coletivo as atrocidades nazistas e

facistas, alcançou-se, em doutrina, sob o que denominamos teoria constitucional

pós-1945, significativo consenso quanto à tese de que as constituições detêm uma

espécie de vida ativa autônoma não instrumentalizada pelos fatores reais de poder

que Lassalle sustentava, no século XIX, constituírem a essência das constituições,

harmonizando-se, com isso, a tensão entre norma e realidade.

Iniciado um novo milênio com novos ou renovados e fortificados problemas

e desafios, entretanto, o difícil equilíbrio entre norma e vida construído com a tese

da normatividade específica ou autônoma da constituição é desestabilizado,

afigurando-se necessária sua reestruturação. Num momento histórico de

globalização, risco, estado de guerra, Império e neoliberalismo, ou seja, numa

situação de exceção permanente, em que a constituição e sua normatividade

autônoma se encontram, mais uma vez, em crise, portanto, há de se perscrutar se

deve ser mantido o consenso teórico pós-1945 ou estabelecida uma reflexão

crítica, ainda que propedêutica, capaz de lançar luz renovadora sobre a difícil e

obscura equação entre constituição e vida.

Esse o propóstio que inspira este trabalho e nos conduzirá, na linha de

pesquisa em teoria constitucional contemporânea, à análise da seguinte

problematização: numa situação de exceção permanente impõe-se construir uma

renovada categoria que, expondo a imanência da realidade no âmbito normativo e

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 10: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

10

a existência de um espaço de indiscernibilidade entre norma e vida, redimensione

o discurso jurídico-constitucional e abra horizontes à ação emancipatória extra-

jurídica e a uma nova compreensão da própria normatividade, servindo de chave

adequada para compreender as mudanças do cenário sócio-políco-econômico do

século XXI, de sinalizador de diretivas teóricas e de mecanismo para articular

questões centrais da teoria constitucional: a categoria da exceção permanente.

Tem-se em vista, assim, a situação de exceção permanente que se

consolidou – ou se vem consolidando – no início do século XXI e a necessidade

de se erigir, por causa disso, uma categoria capaz de reequacionar normatividade e

vida.

Voltar os olhos à exceção permanente mantém acesa a relação entre direito

e política no bojo da teoria da constituição erguida após a Segunda Guerra

Mundial, especificamente no que concerne à atuação dos tribunais ou cortes

constitucionais, ao tema dos direitos humanos, à hermenêutica/interpretação

constitucional e à própria definição de constituição.

Além disso, a categoria da exceção permanente ajudará a compreender por

que as pretensões normativas da teoria pós-1945, que influenciou – e influencia –

a Constituição brasileira de 1988, não se concretizam, deixando à vista, ainda que

de modo implícito, incongruências da democracia liberal capitalista.

A exceção permanente, em síntese, nos levará a refletir sobre a possível

insuficiência da teoria pós-1945 que, atada à normatividade autônoma da

constituição, não abre maior espaço à complexidade da vida e à problemática do

poder.

Objetiva a dissertação, dessa sorte, introduzir a categoria da exceção

permanente no debate constitucional por nela encontrar adequada chave de

compreensão do momento histórico neste início de milênio e mecanismo crítico e

renovador da teoria constitucional e de suas questões centrais, v.g., constituição,

direitos fundamentais, hermenêutica constitucional e jurisdição constitucional.

Metodologicamente, é ver que a pesquisa se desenvolve num âmbito teório

de análise. Situa-se, no seu aspecto histórico, no discurso da teoria da constituição

dos últimos 60 anos, direcionando a atenção, de forma especial, à influência das

tradições norte-americana e romano-germânica e aos debates formulados no eixo

Estados Unidos e Europa – notadamente Alemanha – sem, contudo, deixar de

inserir as questões aí levantadas no contexto brasileiro. Assume, além do mais,

um enfoque multidisciplinar tanto para apontar aquela que seria a deficiência

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 11: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

11

maior da teoria constitucional pós-1945 – o pressuposto da normatividade

específica ou autônoma da constituição, que mantém separadas norma e realidade

– como para indicar uma nova leitura da problemática mediante a introdução da

categoria da exceção permanente.

A empreitada será viabilizada, num primeiro momento, ao se identificar

que a teoria constitucional da segunda metade do século XX está centrada no

pressuposto da normatividade autônoma da constituição e se contextualizar a

noção de exceção permanente no cenário mundial e brasileiro: daí a referência a

uma situação de exceção permanente. Não se fará, quanto a esse aspecto, exame

exaustivo da temática, uma vez que a dissertação apresenta caráter propedêutico

quanto à inserção da categoria da exceção no discurso teórico-constitucional.

Enfatizar-se-á, principalmente, a necessidade de proporcionar maior abertura à

imanência da realidade na norma, à dinâmica histórica e à lógica do poder e de

criar mecanismos de crítica ao pressuposto básico da normatividade autônoma.

No segundo momento desenvolver-se-á de maneira mais detida a categoria

da exceção permanente e, a título exemplificativo, expor-se-á, brevemente,

alguma repercussão sua no debate referente à noção de constituição, à

hermenêutica/interpretação constitucional, aos direitos fundamentais e à atuação

dos tribunais constitucionais.

Necessário esclarecer que essa estrutura da dissertação não corresponde ao

projeto aprovado, em meados de 2006, no exame de qualificação perante a

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

No projeto levantava-se a problemática de que o Supremo Tribunal Federal,

no decorrer do mandato do Presidente Lula, seguindo postura pragmático-

conseqüencialista de decisão, tem se pronunciado de modo favorável às políticas

do governo, ratificando, assim, uma das principais características do cenário

sócio-político de exceção permanente deste início de século, a saber, a

centralização de poder, notadamente, no Executivo.

Objetivaria a dissertação, dessa sorte, analisar, no início do século XXI,

tendo por marco a categoria exceção permanente, a atuação do Supremo Tribunal

Federal naqueles casos em que deliberou sobre políticas que afetavam,

diretamente, os interesses do Executivo a fim de comprovar que o Supremo

Tribunal, não sem assumir uma perspectiva pragmático-conseqüencialista na

aplicação do direito, tem se pronunciado de modo favorável às políticas do

governo, ratificando, repita-se, o que seria uma das características do cenário

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 12: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

12

sócio-político de exceção permanente no início do milênio: a centralização de

poder.

No exame de qualificação ponderou a banca, principalmente, no sentido de

que se deveria assegurar distância histórica mais segura para a pesquisa e maior

isenção política, não restringindo o exame ao período do governo Lula. Apontou-

se, ademais, a necessidade de se ampliar o conjunto de decisões do Supremo

Tribunal Federal a serem analisadas.

A exceção permanente emergia, aí, somente como marco teórico para

arrimar a análise da problematização.

Estimava-se que no período de maio a novembro de 2006 conseguir-se-ia

levar a termo a pesquisa. O desenvolvimento do marco teórico e o levantamento e

análise dos acórdãos do Supremo Tribunal Federal e dos votos de seus ministros,

entretanto, na medida em que a empreitada avançava, consumia tempo maior do

que aquele fixado no projeto, de modo que não se mostrava viável concluir a

dissertação na data azada. Isso implicou redefinir o projeto e transmutar aquilo

que seria apenas um marco em problemática central de nossas investigações – não

se pode negar que essa inversão, na verdade, consubstanciava minha pretensão

primeira, nascida em meados de 2005 nas aulas de teoria constitucional

contemporânea ministradas pelo Professor José Ribas Vieira.

Disso resultam conseqüências não desconhecidas do iniciante na pesquisa

jurídica. Antecipo, assim, que ao longo da dissertação serão encontradas

dificuldades no que concerne, notadamente, ao levantamento bibliográfico e à

organização do texto. Nada, contudo, que prejudique o exame da problematização

e do objetivo propostos.

No capítulo seguinte procurar-se-á, por dois caminhos, deixar claro que a

teoria constitucional pós-1945 é caracterizada por uma específica leitura da

normatividade da constituição, a saber, sua força normativa ou, como preferimos,

sua normatividade autônoma: (i) ao se atentar para a articulação dinâmica –

voltada ao fenômeno jurídico-político – de quatro temas importantes da teoria

constitucional: constituição, direitos fundamentais, hermenêutica/interpretação,

tribunais constitucionais; (ii) ao se analisar textos de quatro autores que se

destacaram, no âmbito da tradição romano-germânica, na construção da teoria

constitucional pós-1945 e que servem de arrimo à sua internalização e

desenvolvimento no Brasil. Além disso, indicar-se-á que vivenciamos

modificações no cenário sócio-político-econômico que exigem, no início do

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 13: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

13

século XXI, uma nova compreesão da normatividade se se almeja um horizonte

emancipatório.

O terceiro capítulo é dedicado a esboçar, sinteticamente, as recentes

modificações sociais em escala planetária que têm conduzido à crise da

normatividade específica ou autônoma da constituição e à imprescindibilidade de

uma nova categoria para compreender a normatividade e a dinâmica do fenômeno

jurídico-político: a exceção permanente. A imagem dessa situação será

apresentada por intermédio de cinco noções – globalização, risco, estado de

guerra, Império e neoliberalismo –, deixando mais clara a conclusão do capítulo

primeiro no sentido de que, ante um cenário de agudização do risco, gerador de

dominação, propagador de violência e contrário à criatividade constituinte do ser

humano, em que se reafirma, ainda que implicitamente, o discurso da

insuficiência do regime democrático, a normatividade autônoma que serve de

fundamento da teoria constitucional pós-1945 se vê, realmente, em crise.

Espera-se no quarto capítulo sedimentar a conclusão de que enfrentamos,

hoje, no mundo e também em nosso país, um contexto transformador da

normatividade autônoma que mantém a realidade como dado exterior à

constituição. É o que sinalizada a experiência norte-americana hodierna.

Extraindo as origens da exceção em Schmitt almeja-se, com Aganbem,

(re)construir a categoria – adjetiva, agora, pela permanência e direcionada à

reconstrução do normativo, à exposição da imanência entre vida e norma, da zona

de indiscernibilidade não apreendida, em sua totalidade, pelo discurso jurídico-

constitucional que, por si só, é incapaz de conquistas emancipatórias e, por isso,

deve proporcionar maior abertura à política.

O capítulo quinto volta-se, em específico, à esboçar algumas implicações da

categoria da exceção permanente para a teoria constitucional no século XXI,

promovendo, com destaque, uma breve incursão no debate referente aos tribunais

constitucionais.

Na seqüência, a conclusão.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 14: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

2

Breve esboço da teoria constitucional pós-1945: a

problemática da normatividade autônoma da constituição

Sumário do capítulo: 2.1. Dinâmica: constituição, direitos fundamentais, hermenêutica/interpretação, tribunais constitucionais e normatividade autônoma; 2.2. A normatividade autônoma na base da teoria constitucional pós-1945: Hesse, Häberle, Müller e Zagrebelsky; 2.3. Normatividade autônoma em crise.

Neste capítulo, ainda que de maneira não exaustiva, destacar-se-á que a

teoria constitucional pós-1945 é caracterizada por uma específica leitura da

normatividade da constituição: sua força normativa ou, como preferimos, sua

normatividade autônoma. Isso é revelado, inicialmente, ao atentarmos para a

articulação dinâmica – voltada ao fenômeno jurídico-político – de quatro

dimensões importantes da teoria constitucional: constituição, direitos

fundamentais, hermenêutica/interpretação, tribunais constitucionais. Constatar-se-

á a normatividade autônoma, além disso, mediante a análise de textos de autores

que se destacaram, no âmbito da tradição romano-germânica, na construção da

teoria constitucional pós-1945 e que serviram de arrimo à sua internalização no

Brasil. Sinaliza-se, enfim, que vivenciamos modificações no cenário sócio-

político-econômico que exigem, no início do século XXI, uma nova compreesão

da normatividade se se almeja um horizonte emancipatório.

2.1

Dinâmica: constituição, direitos fundamentais,

hermenêutica/interpretação, tribunais constitucionais e

normatividade autônoma

Na segunda metade do século XX, ao término dos anos da grande crise

ocidental, sob o que denominamos teoria constitucional pós-1945, é reafirmada e

consolidada a tese do constitucionalismo clássico no sentido de que as

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 15: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

15

constituições detêm uma espécie de normatividade autônoma, de vida ativa

própria, não instrumentalizada pelos fatores reais de poder que Lassalle

sustentava, no século XIX, consubstanciarem a essência das constituições.1

Reitera-se, num nível elevado de complexidade, após a traumática

experiência das Grandes Guerras Mundiais e do avanço dos regimes totalitários,

notamente do nacional-socialismo alemão, o processo histórico da modernidade

que reveste sob a forma jurídica o universo simbólico responsável pela

reprodução da vida em sociedade. Não se trata, contudo, de uma forma jurídica

pura. Essa judicialização é multifacetada e influenciada por um plexo de

variáveis, tendo em vista, de modo específico, que o direito, além de autorizar,

permitir, regulamentar, sancionar e proibir condutas, cumpre importante função

social integradora, apoiando-se num nexo interno entre ordenação e

fundamentação.2

A judicialização opera, principalmente nesses últimos 60 anos, pela via da

constituição e de seu entrelaçamento com a moral e a política, nada a obstar se

possa mesmo falar, sem equívocos e talvez numa metonímia, apenas em

constitucionalização. Isso se deve, indicam as experiências alemã dos anos de

1930 e norte-americana do New Deal, ao desgaste da(s) noção(ões) liberal(is) de

lei e de legalidade que, na primeira metade do século XX, viram aumentar a

atuação legiferante do Executivo e a materialização ou substancialização do

ordenamento, bem assim a necessidade de se incorporar essa flexibilização numa

forma que mantivesse a segurança e a estabilidade necessárias ao

desenvolvimento do capitalismo e do próprio ordenamento político-jurídico –

ainda que uma segurança e estabilidade conquistadas ou construídas em meio à

fragmentariedade e à heterogeneidade do mundo.

A constituição é reapresentada para harmonizar essa problemática e manter

as pretensões de controle do poder do Estado num ambiente que não mais

suportava o excessivo formalismo da legalidade e do constitucionalismo

1 LASSALLE, Ferdinand, A essência da Constituição, p. 32: “Esta é, em síntese, a Constituição de um país: a soma dos fatores reais do poder que regem uma nação”. 2 HABERMAS, Jürgen, Direito e democracia: entre facticidade e validade, v. I, p. 94-112. Habermas atribui a Max Weber o desvendar dessa característica do direito racional que, ele, Habermas, irá utilizar na sua compreensão do direito: “Max Weber faz jus a esse nexo interno entre princípio de ordenação e de fundamentação no nível da teoria da ação (...)” (p. 101). Por ordenação se ressalta a dimensão empírica, objetiva, reguladora do agir social. Por fundamentação, volta-se à dimensão subjetiva, axiológica, “justificadora” da ordem.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 16: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

16

clássicos.3 Daí – acreditamos – a constituicionalização, pela qual a própria noção

de constituição é transformada.

Segundo esclarece Paolo Comanducci, um direito constitucionalizado “(...)

se caracteriza por una Constitución invasiva, que condiciona la legislación, la

jurisprudencia, la doctrina y los comportamientos de los actores políticos”. E,

citando Riccardo Guastini, arrola as principais condições desse processo:

1) existencia de una Constitución rígida, que incorpora los derechos fundamentales; 2) la garantía jurisdiccional de la Constitución; 3) la fuerza vinculante de la Constitución (que no es un conjunto de normas programáticas sino preceptivas); 4) la ‘sobreinterpretación’ de la Constitución (se le interpreta extensivamente y de ella se deducen principios implícitos); 5) la aplicación directa de las normas constitucionales, también para regular las relaciones entre particulares; 6) la interpretación adecuadora de la ley.4

Simbolizando a constituição, assim, todo o direito, pode-se nela identificar

uma normatividade ampla, ou seja, uma dimenção ordenadora que, superando a

legalidade clássica, viabiliza promover a integração social sob a forma jurídica.

Atendo-se, contudo, às condições referidas por Guastini é possível verificar que,

nesse processo de mutação, a própria idéia de constituição é atualizada,

aperfeiçoando-se, a partir do Estado de Bem-Estar Social da segunda metade do

século passado, uma normatividade específica, autônoma, sobre a qual se sustenta

ser a constituição mesma detentora de uma especial capacidade de regular, dirigir

e influir na vida, na realidade.5 6

3 Sobre o tema confira-se ZABREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil: ley, derechos, justícia, 1995. Também: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Resende. Neoconstitucionalismo: constitucionalização do ordenamento jurídico e a releitura do princípio da legalidade administrativa. In: Perspectivas da teoria constitucional contemporânea. VIEIRA, José Ribas (coordenador). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. 4 COMANDUCCI, Paolo, Formas de (neo)constitucionalismo: un análises metateórico, 2002, p. 16. Ver, também: CARBONELL, Miguel, Neoconstitucionalismo(s), 2003. 5 A noção de normatividade decorre dos embates referentes à relação entre direito e política, especialmente, em razão das diferentes maneiras como cada uma dessas esferas de conhecimento aborda o poder. Sobre o assunto ver BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2000. p. 159-265. 6 Bastante ilustrativo sobre a teoria pós-1945, distinguindo a teoria formal da constituição, em que esta é considerada “simples instrumento de governo, definidor de competências e regulador de procedimentos”, da teoria material, segundo a qual a constituição “deve aspirar transforma-se num plano global que determina tarefas, estabelece programas e define fins para o Estado e para a sociedade”, além de tratar das concepções procedimentalistas confira-se BERCOVICI, Gilberto, Constituição e política: uma relação difícil, 2004. Segundo o autor: a “questão da normatividade da Constituição tornou-se crucial para a Teoria da Constituição, não com relação às críticas mais conservadoras ou ao debate entre teorias materiais e processuais da Constituição, mas tendo em vista o papel dos novos tribunais constitucionais (...) O resultado foi a revalorização da normatividade constitucional também pelas teorias materiais da Constituição.” Em seguida, assumindo postura crítica sobre o tema: “A Constituição não pode ser entendida como entidade normativa independente e autônoma, sem história e temporalidade próprias (...) adequada ao

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 17: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

17

Essa específica normatividade serve de base às principais noções da teoria

constitucional – constituição, direitos fundamentais, hermenêutica/interpretação

constitucional7 e tribunais constitucionais (jurisdição constitucional) – que, por

sua vez, são manejadas por distindas orientações políticas.8 Vejamos tal

articulação, ainda que em breve síntese, de molde a desde agora enfatizar a

necessidade de voltar a atenção à perspectiva dinâmica do fenômeno jurídico-

político.9

A Assembléia Constituinte e seu resultado – a Constituição de 1988 – foram

influenciados sobremaneira, acentua Gisele Cittadino,10 pelo constitucionalismo

comunitário brasileiro que, por sua vez, reproduz em muitos aspectos a teoria

constitucional européia pós-1945. De acordo com essa perspectiva – sem

pretenção alguma de adentrar em suas distinções intestinas – a pretensão

normativa da constituição não só é restabelecida como ampliada na tentativa de

compreender questões referentes à justiça social. Abertura constitucional, apelo a

valores, função dirigente da constituição e corte constitucional são produtos dessa

orientação teórica. Força normativa da constituição11 e axiologia constitucional

são seus pressupostos.

A constituição, nessa linha de entendimento, condensa e conecta valores

compartilhados em uma determinada comunidade. Expressa uma ordem de

preferências – e nela se arrima – sobre o que determinado grupo considera bom.

Os direitos fundamentais, aí, não consubstanciam simples limitações ao Estado.

Tratam de restrições impostas pela soberania popular aos poderes constituídos do

Estado, revelando uma dimensão objetiva que incorpora no direito positivado –

espaço. (...) O pensamento constitucional precisa ser reorientado para a reflexão sobre conteúdos políticos. Talvez devamos retomar a proposta de Loewenstein, que entendia a Teoria da Constituição como uma explicação realista do papel que a Constituição joga na dinâmica política.” 7 Por razões didáticas, empregamos hermenêutica e interpretação em sentido equivalente. Não se olvide, contudo, a acepção distinta dos termos na literatura jurídica contemporânea. 8 As orientações comunitária, liberal e procedimental-deliberativa mereceram destaque por estarem mais presentes no ambiente teórico-constitucional brasileiro, não esgotando, de modo algum, a multiplicidade do cenário político, marcado por diferenças de tradição (liberal, elitista, holista), de enfoque (crítico, empírico, normativo, institucionalista, desconstrutivista, ambiental, feminista, etc) e de método. 9 A expressão é aqui utilizada, notadamente, na falta de outra melhor, para salientar que a categoria da exceção permanente sobre a qual se disserta e se especificará nos capítulos seguintes é contrária à sistemática de entendimento calcada numa normatividade autônoma da constituição. 10 Referimo-nos a CITTADINO, Gisele, Pluralismo, direito e justiça distributiva, 2004, p. 11 passim. Confira-se, ainda: CITTADINO, Gisele. Judicialização da política, constitucionalismo democrático e separação de poderes. In: A Democracia e os Três Poderes no Brasil. Luiz Werneck Viana (org.). 1ª reimpressão. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003. 11 É célebre o debate dos escritos de Konrad Hesse e Lassale: HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991. LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 18: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

18

“público” e “privado” – aqueles valores em comum. Escrevendo sobre a situação

do direito constitucional alemão na década de 90 do século passado, Konrad

Hesse deixa clara a influência dessa dimensão objetiva – que se soma à subjetiva

– na composição dos direitos fundamentais:

La interpretación atual de los derechos fundamentales como principios objetivos no sólo del ordenamiento constitucional, sino del ordenamiento jurídico en su conjunto, supera ampliamente dichos planteamientos originários. (...) la Ley Fundamental, que no quiere ser de ningún modo un orden neutral de valores, ha erigido en la sección correspondiente a los derechos fundamentales un orden axiológico objetivo, y él se expressa con valor de principio un robustecimiento de la fuerza normativa de los derechos fundamentales (....)12

E, embora o autor não ignore as críticas dirigidas a tal dimensão valorativa,

reconhece que “esta interpretación produces efectos de gran calado que aparecen

por doquier en la jurisprudencia constitucional.”13

Os direitos fundamentais fazem parte da consciência ética e jurídica.

Concretiza-os a decisão política da comunidade histórica mediante efetiva

participação do grupo de intérpretes da Constituição.

Ao tribunal constitucional incumbe, por instrumentos processuais

específicos e por uma hermenêutica concretizadora,14 assegurar a efetividade dos

valores e dos direitos deles derivados.

A norma de direito, especialmente a da constituição, não está pronta e

acabada somente com a elaboração do texto legislativo. Cuida, em vez disso, de

um “núcleo materialmente circunscritível da ordem normativa”15 que será

concretizado no caso individual, na norma de decisão dos tribunais.16 Ao não

consubstanciar a norma, portanto, procedimento apenas cognitivo, imprescindível

voltar os olhos também aos tribunais constitucionais. É o que deixa claro a

tradição norte-americana do judicial review que fomentou, naquele país, uma

espécie de direito jurisprudencial, materializado, que se difundiu no ocidente e

pode ser sintetizado da seguinte maneira: “a existência da Constituição como lei

12 HESSE, Konrad, Constitución y Derecho Constitucional, 2001, p. 91-92. 13 Ibid., p. 93. 14 Sobre a concretização no âmbito da jurisprudência dos valores alemã ver LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3ª ed. Tradução José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. Alinhado à escola hermenêutica concretizadora, que não aceita um sistema de valores deduzidos racionalmente, mas suscetível de ser apreendido nos dados da cultura ou no ‘domínio do normativo’, tem-se MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. 3ª ed. rev. e ampl.. Renovar: Rio de Janeiro/São Paulo/Recife, 2005. 15 MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional, p. 48. 16 Idem.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 19: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

19

suprema implica a sua metamorfose: a jurisdição, chamada a defendê-la,

necessariamente a transforma.”17

Uma constituição que capta e expressa os valores da comunidade conduziu,

na vertente pós-1945, exatamente por isso, em direção à normatividade autônoma.

Via de regra os textos jurídicos hão de refletir uma certa axiologia subjacente. No

discurso comunitário que serviu de base ao desenvolvimento da teoria

constitucional no Brasil, todavia, a constituição passa de receptora à produtora da

vida em comum. A constituição que, num primeiro momento, capta os valores da

comunidade, há de expressar, ativamente, diretivas capazes de os salvaguardar e

controlar as inovações. Daí certa preferência no sentido de que os direitos

fundamentais sejam exigidos com mais intensidade no âmbito comedido dos

tribunais e a hermenêutica se revele imprescindível espaço de ação.

Como acentua Ingeborg Maus, estaria a se disfarçar um decisionismo dos

órgão oficiais de interpretação da constituição – em específico dos tribunais

constitucionais – sob o manto de uma ordem valorativa.18

A realidade, nada obstante, é externa à norma. Inicialmente a alimenta para,

em seguida, filtrada pelo discurso institucional do direito, ser por ela ativada.

Haveria nessa perspectiva, ademais, excessiva confiança antropológica nas

tradições.19 Noutras palavras: uma exagerada necessidade de que o legado sócio-

cultural seja confiável e aceito pelos cidadãos para que se possa fazer valer uma

ordem constitucional arrimada em valores compartilhados.

Não indica nossa história, contudo – e esse é o maior problema – a

existência de alguma “confiança” em instituições, tradições ou princípios nem

haver sido a normatividade constitucional capaz de encontrar correspondência

adequada com a realidade. Tem-se, em vez disso, um Estado assentado na

exploração, na segregação, na racialização, no privilégio de grupos econômicos,

no autoritarismo e num certo militarismo.20

De semelhante conclusão não escapa a visão liberal, que manifesta a crença

numa constituição não delineada por valores, mas por princípios assegurados,

17 VIEIRA, J. R., Da vontade do legislador ao ativismo judicial: os impasses da jurisdição constitucional, p. 227. 18 MAUS, Ingeborg, Judiciário como superego da sociedade: o papel da atividade jurisprudencial na ‘sociedade órfã’, 2000, p. 192. 19

Cf. CITTADINO, Gisele, Princípios constitucionais, direitos fundamentais e história, p. 101-108. 20 Sobre o tema, de modo sintético, confira-se VIEIRA, José Ribas, O autoritarismo e a ordem constitucional no Brasil, 1988. Ao Prof. Ribas deve-se atribuir o ineditismo de tratar a constituição sob a categoria da exceção, ainda que utilizado o sintagma num sentido diferente daquele a que se refere a categoria da exceção permanente aqui postulada.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 20: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

20

precipuamente, por intermédio da atuação de bloqueio do tribunal constitucional.

De acordo com a pespectiva liberal contemporânea, a constituição

estabelece um procedimento capaz de assegurar direitos e liberdades básicas.

Destaca John Rawls, arrimado nas idéias de Agresto, que “uma constituição

democrática é a expressão, fundada em princípios, na lei mais alta, do ideal

político de um povo de se governar de uma certa maneira”.21 Esse ideal, para

Rawls, é articulado pela razão pública.

A sociedade política e todo agente razoável e racional22 têm, na visão do

autor,

uma fórmula de articular seus planos, de colocar fins numa ordem de prioridade e de tomar suas decisões de acordo com esses procedimentos. A forma como uma sociedade faz isso é sua razão; a capacidade de fazê-lo também é sua razão, embora num sentido diferente: é uma capacidade intelectual e moral, baseada nas capacidades de seus membros humanos.23 (grifou-se)

A razão da sociedade é a “razão de seus cidadãos, daqueles que

compartilham o status da cidania igual”24, mostrando como as coisas devem ser.25

Seu objetivo é o bem público: “aquilo que a concepção política de justiça requer

da estrutura básica das instituições da sociedade e dos objetivos e fins a que

devem servir”.26 27

21 RAWLS, J., O pluralismo político, p. 282. 22 Ibid., p. 93-97: “As pessoas são razoáveis em um aspecto básico quando, entre iguais, por exemplo, estão dispostas a propor princípios e critérios como termos eqüitativos de cooperação e submeter-se voluntariamente a eles, dada a garantia de que outros farão o mesmo. Entendem que essas normas são razoáveis a todos e, por isso, as consideram justificáveis para todos, dispondo-se a discutir os termos eqüitativos que outros propuseram”. Isso corresponderia a um desejo moral básico do ser humano. O razoável, por sua vez, “é um elemento da idéia de sociedade como um sistema de cooperação eqüitativa (...) Os agentes razoáveis e racionais são normalmente as unidades de responsabilidade da vida política e social (...) O racional é uma forma distinta do razoável; aplica-se a um agente único e unificado (quer seja um indivíduo ou uma pessoa jurídica), dotado das capacidades de julgamento e deliberação ao buscar realizar fins e interesses peculiarmente seus. O racional aplica-se à foma pela qual esses fins e interesses são dotados e promovidos, bem como à forma segundo a qual são priorizados. Aplica-se também à escolha dos meios (...) Na justiça como eqüidade, o razoável e o racional são considerados duas idéias básicas distintas e independentes. (...) Dentro da idéia da cooperação eqüitativa, o razoável e o racional são noções complementares. Ambos são elementos dessa idéia fundamental, e cada um deles conecta-se com uma faculdade moral distinta – respectivamente, a capacidade de ter um senso de justiça e com a capacidade de ter uma concepção de bem. (...) Outra diferença básica entre o razoável e o racional é que o razoável é público de uma forma que o racional não é. Isso significa que é pelo razoável que entramos como iguais no mundo público dos outros (...)”. 23 Ibid., p. 261. 24 Idem. 25 Ibid., p. 262. 26 Idem. 27 Em síntese, expõe o autor na página 309 que a estrutura básica é “a maneira pela qual as principais instituições sociais se encaixam no sistema, e a forma pela qual essas instituições distribuem os direitos e deveres fundamentais e moldam a divisão dos benefícios gerados pela cooperação social”.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 21: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

21

A razão, assim, é pública, segundo Rawls, em três sentidos:

[E]nquanto a razão dos cidadãos como tais, é a razão do público; seu objeto é o bem público e as questões de justiça fundamental; e a sua natureza e conceito são públicos, sendo determinados pelos ideais e princípios expressos pela concepção de justiça política da sociedade e conduzidos à vista de todos sobre a base.28

A razão pública depositada na constituição, no entanto, não há de impor

limites a todos os setores da vida e a todas as questões políticas. Restringe-se, em

vez disso, aos elementos constitucionais essenciais e às questões de justiça básica.

A constituição liberal é, dessa sorte, constituição-garantia, afigurando-se “melhor

não sobrecarregá-la com muitos detalhes e qualificações”.29

Os direitos fundamentais – que compõem a razão pública – referem-se às

liberdades básicas. Abrangem, via de regra, aqueles direitos que a doutrina

jurídica costuma adjetivar de direitos de primeira geração/dimensão sem

descuidar, ao menos em nível teórico, de inserir garantias existenciais mínimas.30

A razão pública incide em um espaço determinado, um fórum público, que

integra cidadãos e autoridades do Estado. Os tribunais constitucionais aplicam a

razão pública – limitada às questões essenciais – e evitam que a lei seja corroída

pela legislação de maiorias transitórias. Não agem, entretanto, sustenta Rawls, de

maneira apenas defensiva. Antes, conferem “uma existência apropriada e contínua

à razão pública, ao servir de exemplo institucional”31. O papel de instituição

exemplar decorre, para Rawls, de se reconhecer que a “constituição não é o que a

Suprema Corte diz que ela é, e sim, o que o povo, agindo constitucionalmente por

meio de outros poderes, permitirá à Corte dizer o que ela é.”32

Se a constituição expressa a razão publica limitada às questões mais

essenciais e se os direitos outra sorte não têm senão as liberdades básicas, em

28 RAWLS, John, loc. cit.. 29 Ibid., p. 282. 30 Para Rawls está pressuposto em seu primeiro princípio de justiça a noção de garantias básicas de existência: “(...) o primeiro princípio, que trata dos direitos e liberdades básicos e iguais, pode facilmente ser precedido de um princípio lexicamente anterior, que prescreva a satisfação dessas necessidades básicas dos cidadãos, ao menos à medida que a satisfação dessas necessidades seja necessária para que os cidadãos entendam e tenham condições de exercer de forma fecunda esses direitos e liberdades. É evidente que um princípio desse tipo tem de estar pressuposto na aplicação do primeiro princípio”. (pp. 49-50) Ver também BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, notadamente as páginas 123-139. E: LOBO TORRES, Ricardo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In: Teoria dos direitos fundamentais. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. 31 Ibid., p. 286. 32 Ibid., p. 288. Rawls, nesse ponto, segue bem de perto a tese exposta em ACKERMAN, Bruce. We the people: Foundations. Cambridge: The Belknap Press & Harvard University Press, 1991.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 22: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

22

muito pouco – só o mínimo, quem sabe –, poderá contribuir o povo por

intermédio dos canais institucionais ou não.

A interpretação constitucional deverá, com efeito, instrumentalizar os

juízes para que reflitam a razão pública, viabilizando que os magistrados se

utilizem dos “valores políticos que julgam fazer parte do entendimento mais

razoável da concepção pública e de seus valores políticos de justiça e razão

pública”33.

Esclareça-se, como orienta o próprio Rawls, que valores, aqui,

diferentemente da pespectiva comunitária, não representam uma concepção ética,

mas um conjundo de princípios deontológicos influenciados, sem dúvidas, por

ideais. Isso não obstante, ainda que uma axiologia constitucional não seja

invocada na perspectiva liberal, sob a razão pública permanece a difícil separação

ente os planos axiológico e deontológico.

O pressuposto da normatividade autônoma na visão liberal é evidente. Mais

ainda, talvez, do que na perspectiva comunitária. Para “só” se concretizarem

princípios deontológicos a normatividade específica da constituição é

imprescindível. Uma constituição que aspira a ser portadora de normas tem de

atuar, ela própria, sobre a vida, dirigi-la. Não por outro motivo, acreditamos, os

liberais brasileiros sempre pugnaram pela diminuição da constituição.

A realidade, também aqui, é externa à norma, servindo, por vezes, para se

aprisionar ou desestabilizar mais ainda a vida ativa da constituição e, com isso,

reprimir impulsos de criatividade e inovação que residem fora da constituição.

Via alternativa é apresentada por um procedimentalismo centrado,

especificamente, em premissas discursivas muito bem lançadas por Habermas,34

para quem, nas sociedades contemporâneas, a democracia não pode se fundar nem

em princípios substantivos nem em valores compartilhados, mas apenas em

procedimentos garantidores da formação da vontade democrática – e essa seria a

substância da constituição.35

33 Ibid., p. 287. 34 Especialmente HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, v. I e II. Também: VELASCO, Juan Carlos. Para ler Habermas. Madrid: Allianza Editorial, 2003. 35 Destaque-se que a visão de Habermas, ainda que aqui esteja agrupada no marco teórico pós-1945, apresenta complexidade e peculiaridades que, apesar de não serem objeto de análise nesta dissertação, colocam-na, sem dúvida, numa etapa de transição teórica. A superficialidade com que se esboçou as conclusões do autor, contudo, não deixará defasada a pesquisa. Diga-se isso, principalmente, porque a virada em direção a um procedimentalismo já se expressava em Kelsen e Bobbio, como bem aduz Boaventura de Souza Santos e Leonardo Avritzer em: SANTOS, B. de S. (org.), Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa, p. 44 et. seq.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 23: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

23

Opera-se, nesse caso, na direção da moral social kantiana, segundo a qual,

assevera Maus, a conduta seria determinada pela sua compatibilidade com um

processo de verificação:

Kant enprega a faticidade da construção da moral social à ‘antropologia empírica’ e desenvolve na sua filosofia da moral, com o princípio do imperativo categórico, um processo de verificação da universalidade das máximas de agir, o qual deve ser enfrentado por todos os indivíduos. A utilização de uma instância moral pretende nesse sentido romper com a linha tradicional dos arranjos morais empíricos exatamente pelo fato de submeter expectativas de condutas, normais morais e modelos éticos às máximas do processo de verificação do imperativo categórico, em vez de considerá-los vinculantes e indicá-los como modelos a serem seguidos.36

Habermas assume que representações – individuais – distinguem-se de

pensamentos – que ultrapassam os limites da consciência singular, empírica – para

dizer que uma proposição formulada por interlocutares se assenta num substrato

de “idealidade”. O conteúdo do pensamento está vinculado – e é determinado –

por um estado de coisas que pode ser expresso numa proposição assertórica.

Além do conteúdo assertivo, há uma determinação ulterior: “se ele é

verdadeiro ou falso”. O sentido veritativo, destaque-se, não se remete à existência

do objeto sobre o qual se faz a assertiva, mas à “permanência de um estado de

coisas correspondente”37 reconhecido intersubjetivamente, um certo conteúdo

ideal que, embora só possa ser acessado de maneira aproximada, precisa ser

admitido no âmbito dos fatos.

Adota Habermas o pressuposto de que no interior de um mundo

compartilhado pelos sujeitos, numa comunidade de interpretação, é que se

formam as proposições e se produzem os pensamentos. A verdade – ou o

verdadeiro – é explicitada a partir da pretensão existente de que a proposição

formulada por alguém será por outrem, não sem crítica, compreendida, tendo-se

em conta uma espécie de “consenso obtido por condições ideais”. A verdade

emerge como resgate de um pretensão de validade criticável e o real é o que

“pode ser representado em proposições veritativas”.38

Na sociedade, essa estrutura lingüística-comunicacional é igualmente

constatada por Habermas.

O agir comunicativo, que tem em vista “o entendimento lingüístico como

mecanismo de cordenação da ação, faz com que as suposições contrafactuais

36 MAUS, Ingeborg. op. cit., p. 189. 37 HABERMAS, J., op. cit., p. 32. 38 Idem.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 24: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

24

daqueles que orientam seu agir por pretensões de validade adquiram relevância

imediata para a construção de ordens sociais”.39 A tensão entre faticidade e

validade, nesse contexto, seria estabilizada, segundo Habermas, na “integração

social realizada por intermédio do direito positivo”.40 Isso é esclarecido pelo autor

pela referência ao mundo da vida, ao risco de dissenso e à regulamentação

normativa de interações.

O mundo da vida, “um complexo de tradições entrelaçadas, de ordens

legítimas e de identidades pessoais (...) preconizado pelo agir comunicativo”,41

incorpora a idealidade pressuposta pelas pessoas que se comunicam. Há, contudo,

embutido no entendimento comunicativo, um risco de ruptura, de dissenso,

resultante da própria tomada de posição crítica do receptor da mensagem. Risco

que se agrava nas sociedades secularizadas e complexas, uma vez que num

universo de maior pluralização de formas de vidas e de individualização de

histórias de vida, no qual não há mais espaço para ordens normativas mantidas por

referências meta-sociais, as zonas de convergência que se encontram na base do

mundo da vida são inibidas.42

Para obstar a dissolução é necessário se estabelecer uma regulamentação

normativa de interações marcada por duas condições contraditórias: de um lado, a

necessidade de estabelecer modificações que façam alguém, ainda que o ator

estratégico, adaptar seu comportamento a um linha desejada; de outro, mister

desenvolver, por essa regulamentação, uma força integradora – entra em cena o

direito.

O direito apresenta tanto uma dimensão de validade social, ou seja, da sua

possível aceitação pelos membros da coletividade e controle de suas condutas,

como de legitimidade (ou só validade), medida pela “resgatabilidade discursiva de

sua pretensão de validade normativa”, pela fundamentação das normas: a

aceitação da ordem jurídica é distinta da aceitabilidade dos argumentos sobre a

qual ela se apóia. Dessa sorte, por intermédio do direito, que funciona como uma

ordem capaz de mediar a comunicação e manter unidas pessoas que atuam de

maneira estratégica, preocupadas com seu próprio sucesso, e aquelas que agem

desinteressadamente, alcança-se a almejada integração social.

39 Ibid., p. 35. 40 Idem. 41 Ibid., p. 42. 42 Ibid., p. 44.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 25: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

25

A normatividade, nesse contexto, emerge como um tipo de pressuposto da

faticidade, porquanto o direito extrai sua força do entrelaçamento entre a

aceitação, garantida pela coerção e pela orientação induzida da conduta, e a

aceitabilidade, a pretensão de legitimidade que se acenta na idéia de

autolegislação.

Mas não é só o direito que promove integração. Mecanismos de mercado e

de poder adminitrativo – o sistema – também produzem integração social. O

direito com eles interage, por vezes promovendo-os – nível externo da tensão

entre faticidade e validade. O direito mantém, como meio organizacional de uma

dominação política, característica extremamente ambígua. Com freqüência, “o

direito confere a aparência de legitimidade ao poder ilegítimo”43. Por outro lado,

por se vincular a uma instância de solidariedade, assentado também no mundo da

vida, o direito é capaz de funcionar como um elemento transformador do sistema.

A evitabilidade da instrumentalização do direito e da constituição, sua

metonímia contemporânea, passa, especialmente, pela associação da produção do

direito a um Estado Democrático de Direito, em que se conciliam as leis de

coerção e de liberdade pela fixação de direitos fundamentais e, ao mesmo tempo,

da produção do direito pelos cidadãos. O direito não vale apenas porque é posto,

mas porque é posto de acordo com um procedimento democrático.

Nada disso obstante, ainda que flexibilizado ou relativizado, aí também se

detecta o pressuposto da normatividade específica ou autônoma da constituição

que caracteriza a teoria pós-1945.

A constatação de o direito e, por conseguinte, a constituição ser capaz de

funcionar como um elemento transformador do sistema no Estado Democrático de

Direito recebe especial relevância. Para resguardar o procedimento democrático –

assim como para garantir valores e princípios – tomar a constituição como norte

da vida se torna imprescindível. Isso é acentuado quando se constata que a

realidade continua exterior, representada, no dizer de Habermas, em proposições

veritativas.

A identidade social, nessa perspectiva, é promovida por uma cidadania

juridicamente participativa que se expressa por canais jurisdicionais e também,

diretamente, pela mobilização e pressão política sobre os tribunais e outras

instituições, consolidando o discurso jurídico como imprenscindível mecanismo

de racionalização do poder e das relações sociais. E a crença na potencialidade do

43 Ibid., p. 62.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 26: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

26

discurso jurídico se mostra assentada no pressuposto da específica normatividade

da constituição, na sua capacidade de ordenar, por si só, a realidade política e

social.

Os direitos fundamentais representam princípios universais que, positivados

na constituição e na legislação infraconstitucional por mecanismos democráticos,

viabilizam a comunicação intersubjetiva44 e o procedimento mesmo de formação

da vontada política.

Os tribunais constitucionais, mediante técnicas de interpretação e

hermenêutica de caráter principiológico, servem à proteção do processo de

criação democrática do direito. Funcionam como arenas de debates e deliberações

sobre assuntos públicos e coletivos, ensejando a participação dos atores sociais no

processo decisório mediante a apresentação de argumentos racionais.45 Os

tribunais vêem-se invadidos pela presença de diversos grupos sociais e compõem

uma espécie de instância intermediadora – pois intermediador também é o direito

– entre os impulsos comunicativos do mundo da vida, o entorno simbólico e

cultural em que as pessoas compartilham pré-compreensões de experiências e que

dá sentido à vida, e o sistema, o domínio em que as ações das pessoas são

determinadas por lógicas de interesse e de utilidade, em específico, a lógica do

dinheiro, do mercado, do poder e do Estado.

A solução tem forte teor conciliatório e se propõe a harmonizar tutela de

direitos fundamentais e democracia, bem como superar a problemática confiança

antropológica nas tradições. Ainda assim, contudo, além da falácia de que

procedimentos se veriam isentos de alguma substancialização principiológica, em

países de cidadania enfraquecida, brutal desigualdade social, instituições

ineficazes e com boa parte da população relegada à formalidade do voto sem ter

protegidas sequer as condições sociais mínimas de autonomia pública e privada é

difícil crer na sua viabilidade, embora muitas de suas contribuições – destacando-

se a valorização da ação humana pela via do discurso – mereçam, senão inconteste

acolhimento, especial atenção.

44 Cf. HABERMAS, Jürgen. Sobre a legitimação baseada nos direitos humanos. Tradução por Gisele Cittadino e Maria Celina Bodin de Moraes da versão espanhola Acerca de la legitimación basada en los derechos humanos, capítulo 5 do livro La constelación posnacional, Madrid, Editorial paidós, 2000. E ainda: HABERMAS, Jürgen. Soberania popular como procedimento. In: Novos estudos CEBRAP. Trad. de Márcio Suzuki. São Paulo, n.º 26, março, 1990. Sobre os direitos fundamentais em Habermas confira-se NASCIMENTO, Rogério Soares do. A ética do discurso como justificação dos direitos fundamentais na Obra de Jürgen Habermas. In: Legitimação dos direitos humanos. Lobo Torres (org.). Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 451-498. 45 HABERMAS, Jürgen. Soberania popular como procedimento, p. 322.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 27: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

27

Tudo considerado, embora sem pretender análise exauriente da dinâmica

das múltiplas orientações políticas, é ver que tanto a perspectiva comunitária

como a liberal e a procedimentalista sustentada, de maneira peculiar e, ao que

tudo indica, com maior sofisticação, por Habermas, revelam a comum crença

numa normatividade autônoma da constituição.

Não se ignora, em momento algum, a óbvia existência de uma dimensão

normativa, por menor que seja, na só referência ao direito ou à moral. Ao

acentuarmos a crença na força normativa autônoma do direito nas perspectivas

citadas objetivamos salientar, tão somente, a ênfase especial que se tem conferido

à dimensão normativa da constituição e à sua “espetacular” capacidade de

regulação das vicissitudes do mundo.

2.2

A normatividade autônoma na base da teoria constitucional pós-

1945: Hesse, Häberle, Müller e Zagrebelsky

A restauração da pretensão normativa autônoma no âmbito da teoria

constitucional pós-1945 não se evidencia apenas na dinâmica do fenômeno

jurídico-político. Na tradição romano-germânica que entre nós se difundiu por

autores como Hesse, Müller e Häberle ela se mostra bem clara e a tônica de seu

discurso é enfatizada e resumida no quadro elaborado por José Ribas Vieira no

artigo A contribuição das trajetórias constitucionais americana e alemã para

redefinir o conceito de Constituição pós-4546 e que aqui tomamos de empréstimo,

acrescentando-se, mas adiante, referências a Gustavo Zagrebelsky:

QUADRO 1: CONSTITUCIONALISTAS ALEMÃES PÓS-45 SOBRE O PAPEL DA

CONSTITUIÇÃO E FATORES DE SUA CONTEXTUALIZAÇÃO SOCIAL

Variáveis/Autores Hesse Müller Härberle Obra A força normativa da

constituição Métodos de trabalho do

direito constitucional Hermenêutica

Constitucional – a sociedade aberta

Data 1959 1972 1975 Ciência

Constitucional Valorizada,

prevalente é o “sollen”

É um dos elementos na concretização da norma

– a teoria da constituição

Filtragem Constitucional

46 RIBAS VIEIRA, José (org.), Perspectivas da teoria constitucional contemporânea, p. 197-209.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 28: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

28

Variáveis/Autores Hesse Müller Härberle Intérpretes Rechtfrage vesus

Machtfrage (Direito versus Poder)

Concretizadores – igualdades dos entes

públicos competentes e presença dos atingidos

Predomina o papel do juiz

Papel da Constituição

Jurídico como guia da constituição aberta

Dado de entrada de um conjunto de prescrições a serem concretizadas em cotejo com seu âmbito

Fundamentos da teoria constitucional

na filtragem constitucional

Foco da doutrina Controle da constitucionalidade

das normas/leis

Controle e método de decisões judiciais em

sede

Controle da Constitucionalidade

das normas/leis

Esclareça-se que embora outros autores contribuam para o desenvolvimento

do constitucionalismo pós-1945 – poder-se-ia adicionar, por exemplo, os mestres

lusitanos e espanhóis – selecionamos textos de Hesse, Häberle, Müller e

Zagrebelsky porque serviram e têm servido de base à construção da teoria

constitucional pós-1945 na tradição romano-germânica e, em específico, ao

pensamento brasileiro sob a Constituição de 1988. Além disso, neles se detecta o

momento inicial da onda neoconstitucionalista que, nos últimos anos, com a

aproximção das teorias do direito e da constituição, desenvolve e dissemina os

pressupostos da construção jurídica levada a efeito a partir da segunda metade do

século XX.

Não nos detivemos no exame do dirigismo constitucional de Canotilho,

autor de inegável influência na doutrina brasileira, por ser bastante conhecida,

entre nós, suas obras e teses, bem assim por se inspirar e se compatibilizar o autor

com a tradição e a teoria expressas nos textos acima indicados. Registre-se, tão

somente, que o autor de Constituição dirigente e vinculação do legislador47, de

1982, com a flexibilização e as inserções de idéias veiculadas no prefácio à 2ª

edição do livro, em 2001,48 muitas delas indicativas de conclusões que se

divisarão aqui, embora por caminho distinto, continua a assentar suas reflexões na

confiança de uma normatividade constitucional autônoma. É ler:

(...) a Constituição dirigente era um projeto da modernidade (...). Quer queiramos quer não, quanto a essa Constituição dirigente temos de ser humildes e dizer que ela acabou. Mas isto não pode significar que sobreviveram algumas dimensões importantes da programaticidade constitucional e do dirigismo constitucional (....). Portanto, quando se colocam essas questões de ‘morte da constituição’, o importante é averiguar por que é que se ataca o dirigismo constitucional. Uma

47 CANOTILHO, J. J. G., Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas, 1982. 48 Id., Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas, 2001.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 29: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

29

coisa é dizer que estes princípios não valem e outra é dizer que, afinal de contas, a constituição já não serve para nada, já não limita nada. O que se pretende é uma coisa completamente diferente da problematização que vimos efectuando: é escancarar as portas dessas políticas sociais e econômicas a outros esquemas que, muitas vezes, não são transparentes, não são controláveis. Então eu digo que a constituição dirigente não morreu.49

Não se fará exame detalhado da vasta produção teórica de cada autor.

Buscar-se-á, em vez disso, idéias centrais lançadas em textos ou livros que, pelo

menos no cenário brasileiro, têm inegável difusão.

Voltemo-nos, inicialmente, para Hesse e sua obra de referência sobre a

normatividade específica ou autônoma da constituição.

Konrad Hesse, criticando o isolamento entre realidade fática e

normatividade – que, no seu entender, seria postulado por Jellinek, Schmitt e, em

especial, Ferdinand Lassalle – argumenta que esses elementos se condicionam

reciprocamente, conferindo à constituição, não sem limitações, força normativa

autônoma, força própria motivadora e ordenadora da vida social.

Segundo Hesse “a norma constitucional não tem existência autônoma em

face da realidade (...) sua essência reside na sua vigência, ou seja, na circunstância

de que a situação por ela regulada pretende ser concretizada na realidade”.50 A

pretensão de eficácia (vigência) implica vinculação às condições históricas de sua

realização e ao elemento valorativo, ou “substrato espiritual”, de um determinado

povo. Isso opera, na visão do autor, como um limite à constituição jurídica ou

normativa, pois não é possível descartar o real. Não se cuida, todavia, apenas de

uma espécie de adaptação inteligente à realidade:

A norma constitucional somente logra atuar se procura construir o futuro com base na natureza singular do presente. Tal como exposto por Humboldt alhures, a norma constitucional mostra-se eficaz, adquire poder e prestígio se for determinada pelo princípio da necessidade. Em outras palavras, a força vital e a eficácia da Constituição assentam-se na sua vinculação às forças espontâneas e às tendências dominantes do seu tempo, o que possibilita o seu desenvolvimento e a sua ordenação objetiva. A Constituição converte-se, assim, na ordem geral objetiva do complexo de relações da vida. Mas, a força normativa da Constituição não reside, tão somente, na adaptação inteligente a uma dada realidade.51 (grifou-se)

A constituição pode impor tarefas e, dessa sorte, consubstanciar, ela mesma,

uma força ativa se existir a disposição de orientar efetivamente a própria conduta

49 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.), Canotilho e a constituição dirigente, 2003, p. 14 e 31. 50 HESSE, K., op. cit, p. 14. 51 Ibid., p. 18-19.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 30: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

30

segundo a ordem nela estabelecida, ou seja, se houver o que Hesse denomina

vontade de constituição, originada de três vertentes:

(...) na compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrantável, que proteja o Estado contra o arbítrio desmedido e disforme. Reside, igualmente, na compreensão de que essa ordem constituída é mais do que uma ordem legitimada pelos fatos (e que, por isso, necessita estar em constante processo de legitimação). Acrescenta-se também na consciência de que, ao contrário do que se dá com uma lei do pensamento, essa ordem não logra ser eficaz sem o concurso da vontade humana.52 .”53 (grifou-se)

Interessante observar que a vontade de constituição, a disposição de orientar

a própria conduta de acordo com a constituição, é um elemento fático, sujeito à

dimensão do conflito e que, em Hesse, acaba neutralizada pela sua própria

origem: (i) compreensão da necessidade de uma ordem inquebrantável, (ii) que

não se legitima por fatos e (iii) que depende de a vontade ser exercida sobre algo

que, em si mesmo, já é capaz de força normativa.

Não bastasse esse limite consistente em se se assentar a constituição jurídica

sobre a realidade, indica Hesse, também, dois pressupostos da constituição: de

conteúdo e de práxis.

No que tange ao conteúdo, assevera que a constituição pode estar vinculada

a elementos sociais, políticos, econômicos e espirituais (axiológicos) de tal modo

que, alterados esses, ela também se modifica, mantendo-se como força ativa

autônoma. Assim, de acordo com o autor, quanto mais se aproximar a substância

da constituição da realidade mais se desenvolverá, em segurança, sua força

normativa. Isso depende, todavia, de se estabelecer uma constituição sintética,

limitada, se possível, “ao estabelecimento de alguns poucos princípios

fundamentais, cujo conteúdo específico, ainda que apresente características novas

em virtude das céleres mudanças na realidade sócio-política, mostre-se em

condições de ser desenvolvido”54. E mais, a Constituição deve ser capaz de

incorporar, mediante ponderação, estruturas que lhe são mesmo contrárias. No

dizer de Hesse:

Se pretende preservar a força normativa dos seus princípios fundamentais, deve ela incorporar, mediante meticulosa ponderação, parte da estrutura contrária. Direitos

52 Ibid., p. 19-20. 53 HESSE, K., loc. cit. 54 Ibid., p. 21.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 31: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

31

fundamentais não podem existir sem deveres, a divisão de poderes há de pressupor a possibilidade de concentração de poder (...).55

Quanto à práxis, cuida-se de observar a vontade de constituição, tendo em

vista que quem sacrifica um interesse em favor da preservação de um princípio

constitucional fortalece o respeito à constituição. Daí ser perigoso para a

normatividade constitucional a revisão constante e ser “a estabilidade condição

fundamental de eficácia da Constituição.”56

Com base nisso Hesse sustenta que, embora a constituição jurídica esteja

condicionada pela realidade histórica e que a pretensão de eficácia de suas normas

somente possa ser realizada se observada essa realidade, ela logra conferir forma e

modificação à vida social, sendo nas situações de necessidade e emergência que

ela tem a oportunidade de se impor e fazer valer sua preponderância sobre os

elementos puramente fáticos:

Se os pressupostos da força normativa encontram correspondência na Constituição, se as forças em condições de violá-la ou de alterá-la mostrarem-se dispostas a render-lhe homenagem, se, também em tempos difíceis, a Constituição lograr preservar a sua força normativa, então ela configurara verdadeira força viva capaz de proteger a vida do Estado contra as investidas do arbítrio (...) Importante, todavia, não é verificar, exatamente durante o estado de necessidade, a superioridade dos fatos sobre o significado secundário do elemento normativo, mas, sim, constatar, nesse momento, a superioridade da norma sobre as circunstâncias fáticas.57

Da breve síntese que se vem de apresentar extrai-se que a reciprocidade de

Hesse atesta, tão só, a contextualização da normatividade da constituição, isto é, a

necessidade de se ver o dado normativo sobre uma base fática exterior. A

normatividade específica da constituição caminha, por assim dizer, ao lado da

realidade e com ela mantém constante troca.

Disso não se distanciam Härberle e Müller.

Segundo Häberle, a cultura, numa acepção descritiva, tem seu núcleo

formado por um conjunto complexo de conhecimentos, crenças, artes, leis,

costumes e usos sociais que, por um lado, decorrem de certas ações e, de outro, as

condicionam. Os elementos mais relevantes para estabelecer a noção de cultura,

entretanto, devem ser apresentados numa acepção multidimensional: em nível

histórico, a tradição, o legado social; em nível normativo, regras e usos sociais,

55 Idem. 56 Ibid., p. 22. 57 Ibid., p. 25.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 32: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

32

incluindo valores e ideais de conduta; em nível psicológico, adaptação superadora

de problemas, processo de aprendizagem; em nível estrutural, como símbolo ou

como modelos de organização da própria cultura58. Há, assim, na seara da cultura,

aspectos tradicionais, inovadores – consistentes no desenvolvimento da tradição –

e plurais, uma vez que diferentes grupos humanos produzem tradição e a inovam.

Sob essa inspiração, Härberle sustenta que a teoria constitucional faz

referência constante a um arquétipo – a constituição democrática no ocidente –

que se compõe de elementos ideias, reais, estatais e sociais voltados a alcançar a

realização ótima de um dever-ser, a saber: (i) a dignidade humana derivada da

cultura de todo um povo e de direitos humanos universais, entendidos como

vivências de um povo que obtém sucesso na consolidação de sua identidade na

tradição histórica e nas suas próprias experiências, representando esperanças na

forma de desejos e aspirações para o futuro; (ii) soberania popular como forma de

identificação por colaboração que se renova de forma cada vez mais aberta e

responsável; (iii) a constituição como pacto, sobre o qual se formula objetivos

pedagógicos e valores de orientação possíveis e necessários; (iv) divisão de

poderes no âmbito estatal e social; (v) Estado de Direito e Estado Social de

Direito, nos quais se mantêm uma cultura constitucional aberta, que sustenta o

pluralismo como verdadeiro princípio.59

A constituição, dessa sorte, num regime democrático,

no se limita sólo a ser un conjunto de textos jurídicos o un mero compendio de reglas normativas, sino la expressión de um certo grado de desarrollo cultural, un medio de autorrepresentación propria de todo un pueblo, espejo de su legado cultural e fundamento de esperanzas y deseos. Las Constituiciones de letra viva, entendiendo letra viva aquellas cuyo resultado es obra de todos los intérpretes de la sociedade abierta, son en su fondo y en su forma expressión e instrumento mediador de cultura, marco reprodutivo y de recepciones culturales, y depósitos de futuras ‘configuraciones culturales, experiencias y vivencias, y saberes.60

E mais:

La Constitución es pues, sobre todo, expresión viva de un statu quo cultural ya logrado que se halla en permanente evolución, un medio por el que el pueblo pueda

58 HÄBERLE, P., Teoía de la constitución como ciencia de la cultura, p. 25. 59 Ibid., p. 33-34. Ver, também: HÄBERLE, Peter. Libertad, igualdad, fraternidad: 1789 como historia, actualidad y futuro del Estado constitucional. Trad. Ignacio Gutiérrez. Madrid: Trotta, 1998. 60 Ibid., pp. 34-35.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 33: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

33

encontrarse a sí mismo a través de su propria cultura; la Constitución es, finalmente, fiel espejo de herencia cultural y fundamento de toda esperanza.61

A constituição e o direito como um todo são apenas um aspecto do universo

cultural e a “aceptación de una Constitución (...) nunca presupone, de por si,

garantía alguna de que el Estado constitucional se encuentre ‘de hecho’ realizado

hier et nunc (...)”:62

la realidad jurídica de todo Estado constitucional es tan sólo un fragmento de la realidad de toda Constituição viva, que a lo largo y ancho de su texto y contexto no es sino una de sus formas culturales. De ahí que los proprios textos de la Constituición deban ser literalmente cultivados (la voz cultura como sustantivo procede del verbo latino cultivare) para que devengan auténtica Constituición.63

A normas da constituição, destarte, densificam um agregado cultural mais

amplo que, nos termos do que se expôs até aqui, são para Häberle um “concepto

extrajurídico de Constitución (...)”,64 sobre o qual se manifesta uma cultura

constitucional. A constituição consubstancia, nesses termos, um processo público

cultural e é desvendada, de acordo com o autor, por uma interpretação

pedagógica. Cláusulas de permanência outra coisa não objetivariam, nesse

contexto, senão preservar e ampliar para o futuro legados sociais apreendidos pelo

povo.

A constituição democrática estaria, então, para Häberle, arrimada num

processo político que, ao longo de gerações, vem se consolidando no ocidente. E,

dessa forma, diferencia-se da mera constituição política, ainda que,

historicamente, essa possa preceder a constituição cultural hoje sedimentada e em

constante densificação.

A interpretação/hermenêutica constitucional, seguindo Häberle, deve se

voltar para essas especificidades culturais, colocar o ato normativo no tempo e

integrá-lo à realidade pública. Mas, salienta o próprio autor, não constitui espécie

de “varita mágica que resuelva en un abrir y cerrar de ojos cualesquiera problemas

hermenéuticos (....)”.65

A relação entre constituição e vida leva Häberle a direcionar o olhar aos

agentes conformadores da “realidade constitucional”, isto é, a quem a interpreta, e

61 Ibid., p. 145. 62 Ibid., p. 35. 63 Idem. 64 Ibid., p. 36. 65 Ibid., p. 47.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 34: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

34

não apenas à indagação referente às tarefas e métodos da interpretação. Sustenta

que no processo de interpretação constitucional participam indivíduos, grupos e

órgãos estatais, em síntese, todas as potências públicas, não sendo possível

estabelecer um elenco cerrado de intérpretes, tendo em vista que “quem vive a

norma acaba por interpretá-la ou pelo menos por co-interpretá-la.”66

Não restringe a interpretação, portanto, ao um sentido estrito – dirigida à

explicitação de sentido de uma norma, de um texto – mas a amplia em direção à

atualização da constituição, na qual os operadores do direito apenas detêm

primazia, mas não exclusividade. Aspira a obter uma “interpretação orientada pela

realidade democrática”, fazendo plural tanto a formação como o desenvolvimento

do direito ao mesmo tempo em que reconhece que o intérprete também está

inserido na esfera pública e na realidade.

Os métodos e princípios servem para disciplinar – ao mesmo tempo em que

são disciplinados – o processo de interpretação. Ademais, atuam como filtros da

opinião pública, “filtros sobre os quais a força normatizadora da publicidade (...)

atua e ganha conformação”.67 Os tribunais constitucionais devem zelar por esse

processo e para manter a integração social pela constituição.

Postula Häberle, ainda, que a “democracia do cidadão está muito próxima

da idéia que concebe a democracia a partir dos direitos fundamentais e não a partir

da concepção segundo a qual o Povo soberano limita-se apenas a assumir o lugar

do monarca.”68

Reforça o autor a noção de constituição como um processo público.

Há, sem dúvida, inegáveis ganhos nessa concepção, ampliando-se

significativamente o entendimento do fênomeno jurídico-político ao se abrir a

norma à realidade e ao poder. O que Häberle chama de forças pluralistas da

sociedade, que “representam um pedaço da publicidade e da realidade da

Constituição”,69 são incorporadas, pela via da interpretação, à própria

constituição, que atua como um espelho do real. Todavia, assevera o autor, a

constituição “não é (...) apenas um espelho. Ela é, se se permite uma metáfora, a

66 HÄBERLE, P., Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da constituição, p. 13. 67 Ibid., p. 43 e 44. 68 Ibid., p. 38. 69 Ibid., p. 33.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 35: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

35

própria fonte de luz (...). Ela tem, portanto, uma função diretiva eminente”70

(grifou-se).

A específica normatividade constitucional, ainda que mitigada, em Häberle,

pela integração do direito no âmbito cultural, perdura na forma da reciprocidade.

Norma e vida, por mais próximas que se possam encontrar na teoria do autor,

continuam separadas. O elemento jurídico-normativo é visto, sem dúvida, como

parte do real, mas mantém sua autonomia, sua força ativa, conduzindo à crença de

uma imprescindível força emancipatória do direito – leia-se: da constituição.

Também Friedrich Müller nos serve de exemplo do tratamento que a teoria

constitucional pós-1945, não sem conquistas e importantes construções, confere à

tensão entre norma e realidade: reciprocidade.

Pretende Müller, por sua metódica, termo que abrange hermenêutica,

interpretação, métodos de interpretação e metodologia, conscientizar os

operadores do direito da relevância de suas formas de trabalho. Faz isso a partir de

uma crítica da teoria tradicional da interpretação, calcada na lógica silogística de

resolução de casos, e da atuação do Tribunal Constitucional Federal alemão nas

questões concernentes aos direitos fundamentais, notadamente quanto ao

tratamento axiológido desses direitos.

Müller se volta à normatividade constitucional específica para desenvolver

sua metódica concretizadora e, como Häberle, admite um círculo mais amplo de

intérpretes da constituição para sustentar que a

tarefa da práxis do direito constitucional é a concretização da constituição por meio da instituição configuradora de normas jurídicas e da atualização de normas jurídicas no Poder Legislativo, na administração e no governo; ela é a concretização da constituição que primacialmente controla, mas simultaneamente aperfeiçoa o direito na jurisprudência, dentro dos espaços normativos.71

Esclarece o autor que se deve separar a norma do texto da norma,

distinguindo-se o programa da norma e o âmbito da norma, o teor literal e a

normatividade. É bastante trabalhoso explicitar, em poucas linhas, toda a tese do

autor. Naquilo que aqui nos interessa, entretanto, é ver que Müller, na linha da

reciprocidade de Hesse, ensina que o

teor literal da norma expresa o ‘programa da norma’, a ‘ordem jurídica’ tradicionalmente assim compreendida. Pertence adicionalmente à norma, em nível

70 Ibid., p. 34. 71 MÜLLER, F., Métodos de trabalho do direito constitucional, p. 36.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 36: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

36

hierarquico igual, o ‘âmbito da norma’, i. é, o recorte da realidade social na sua estrutura básica que o programa da norma ‘escolheu’ para si ou em parte criou para si como seu âmbito de regulamentação (...). O âmbito da norma pode ter sido gerado (prescrições referentes a prazos, datas (...) regras institucionais e processuais) ou não-gerado pelo direito.72

A realidade encontra expressão no direito apenas em parte, recortada,

podendo por ele também ser gerada. Revela-se, aí, portanto, ainda que já se

sustente uma certa correspondência originária entre normatividade e vida, a

vinculação de Müller à concepção teórica pós-1945 de uma normatividade

autônoma da constituição. Segundo Müller, o âmbito da norma, isto é, o

fragmento do âmbito material destacado pelo programa da norma “transcende a

mera facticidade de um recorte da realidade extrajurídica (...) não é (...) uma

‘força normativa do fático’.”73

Isso resta mais claro quando o próprio Müller, após analisar o que denomina

elementos de concretização da norma, com especial atenção para a norma

constitucional, conclui que o trabalho do direito constitucional está embebido em

pontos de vista de política constitucional, mas

com isso nem o caráter vinculante do direito constitucional, lá onde ocorreu uma pré-decisão normativa, nem a racionalidade e objetividade exigidas pelo Estado de Direito, até onde ela é em princípio possível na ciência jurídica, devem ser questionados.74

Não se pode desconhecer, no entanto, que Müller já apresenta uma visão

transformadora da comprensão da reciprocidade entre norma e realidade expressa

nas noções de força normativa, força ativa ou normatividade autônoma da

constituição. A normatividade – explicita no texto que se encontra no apêndice da

3ª edição de seu Métodos de Trabalho do Direito Constitucional (Concretização

da Constituição) – “não é nenhuma propriedade substancial dos textos no código

legal, mas um processo efetivo, temporalmente estendido, cientificamente

estruturável”,75 a saber: “o efeito dinâmico da norma jurídica, que influi na

realidade que lhe deve ser atribuída (normatividade concreta) e que é influenciada

por essa realidade (normatividade materialmente determinada).” 76

Acrescente-se aos autores citados Gustavo Zagrebelsky.

72 Ibid., p. 42. 73 Ibid., p. 44. 74 Ibid., p. 90. 75 Ibid., p. 130. 76 Idem.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 37: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

37

O autor, que abre sua obra El derecho dúctil afirmando que os grandes

problemas jurídicos jamais se encontram nas constituições, nos códigos, nas leis

ou nas decisões dos juízes, mas em outro âmbito, naquilo que está pressuposto e

além do direito,77 é categórico ao afirmar que “las Constituciones contemporaneas

intentam poner remedio a estos efectos destructivos del ordenamiento jurídico

mediante la previsión de un derecho más alto, dotado de fuerza obligatória incluso

para el legislador.”78

Zagrebelsky vê na constituição a função normativa ampla que no início

mencionamos, a integração social,79 sem, com isso, querer impor a constituição

como uma nova figura abstrata de soberano. O autor é sensível ao fato de a

unidade promovida pela constituição ser de caráter compromissário, tendo em

conta a fragmentariedade, a série de divisões que caracterizam o Estado na

segunda metade do século XX.

Vislumbra, sem embargo, sua normatividade autônoma ao tratar da

dualidade entre lei e direito manifestada na concepção francesa de direitos –

“estatalista, objetivista y legislativa” – e norte-americana – “preestatalista,

subjetivista y jurisdicional”.80

A atual constituição de matriz européia, para Zagrebelsky, se situa entre

ambas concepções. Atribui dignidade constitucional tanto à lei como aos direitos.

Obsta, ao mesmo tempo, um jusnaturalismo centrado na supervalorização dos

direitos e a concepção que supervaloriza a lei. A constituição, dessa sorte, não

consubstancia só manifestação de poder. Na visão constitucionalista pós-1945 do

autor se destaca

la capacidad de la Constitución, planteada como lex, de convertirse em ius; fuera de formalismos, em la capacidad de salir Del área Del poder y de lãs frías palabras de un texto escrito para dejarse atraer a la esfera vital de las convicciones y de las ideas queridas, sin las cuales no se puede vivir y a las que se adhiere con calor.81

77 ZABREBELSKY, G., El derecho dúctil: ley, derechos, justícia, p. 9: “Lo que es verdaderamente fundamental, por el mero hecho de selo, nunca puede ser puesto, sino que debe ser siempre pressupuesto. Por ello, los grandes problemas jurídicos jamás se hallan en las constituciones, en los códigos, en las leyes, en las decisiones de los jueces o en otras manifestaciones parecidas del ‘derecho positivo’ con las que los juristas trabajan, ní nunca han encontrado allí solución. Los juristas saben bien que la raíz de sus certezas y creencias comunes, como la de sus dudas y polémicas, está en otro sitio. Para aclarar lo que de verdad les une o les divide es preciso ir más al fondo o, lo que es lo mismo, buscar más arriba, en lo que no aparece expresso.” 78 Ibid., p. 39. 79 Ibid., p. 40: “En la nueva situación, el principio de constitucionalidad es el que debe asegurar la consecución de este objetivo de unidad.” 80 Ibid., p. 58. 81 ZABREBELSKY, Gustavo. La ley, el derecho y la Constitución, p. 23.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 38: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

38

A constituição não pode ser deixada ao mundo exclusivo das leis ou posta

em seu lugar, como fonte mais alta e abstrata. De acordo com Zagrebelsky,

devemos fazê-la “fuerza constitutiva de um idem sentire político, difundido em

todos los estratos sociales”, de modo que esteja presente em todas as relações

interpessoais, nos pequenos grupos, na coletividade que conforma o Estado e,

mais além, em contextos transnacionais, difundindo princípios e valores

universais.

Esse o ponto de partida de Zagrebelsky: uma constituição que dirige a vida,

mas que se encontra aberta, flexível; que não traça um projeto de vida em comum,

mas estabelece suas condições de possibilidade. Sobre ele o autor sustenta a

imprescindibilidade de se resgatar o processo histórico – numa linha semelhante à

noção de cultura de Häberle – na compreensão da teoria constitucional.82

Nada disso obstante, ao se dirigir à história, Zagrebelsky, não sem alguma

ambigüidade, avança em direção à superação da normatividade autônoma da

constituição. Para Zagrebelsky, nos últimos anos a absoluta presunção de

legitimidade da constituição vem perdendo força. Já não se deve construir o

pensamento, sustenta o autor, a partir da constituição em direção à vida. Antes, o

ponto de início da reflexão há de ser o próprio real, invertendo-se o sentido do

vetor: da realidade à constituição:

há caído la presunción absoluta de legitimidad de la constitución. Su valor ya no es un a priori de la vida política y social. Se ha operado un derribo que no condena necessariamente la constitución, pero que le impone una conversión: ya no es desde la constitución desde onde se puede mirar la realidad, sino que es desde la realidad donde se debe mirar la constitución. (...) La legitimidad de la constitución depende entonces de quiem la ha hecho y ha lablado por medio de ella, sino de la capacidad de ofrecer respuestas adecuadas a nuestro tiempo (...). En resumen: la constitucion no dice, somos nosotros los que la hacemos decir.

Mantém o autor, assim, a realidade como exterior, como dado paralelo ao

normativo.

82 Expresso nesse sentido ZABREBELSKY, Gustavo. Historia y constitución. Trad. Miguel Carbonell. Madrid: Mima Trottta, 2005. O texto original, publicado na Itália, é do ano de 1996. Concepção similar se encontra na teoria norte-americana em autores como Stephen Griffin, Bruce Ackerman, Mark Tusnet e Cass Sustein. Excelente resumo sobre o tema se lê em DUARTE, Fernanda; VIEIRA, José Ribas. (Orgs.). Teoria da Mudança Constitucional. Sua Trajetória nos Estados Unidos e na Europa. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2005.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 39: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

39

Zagrebelsky e todos os autores aqui mencionados, no entanto, ainda que

apresentem especificidades e, por vezes, já avistem a insuficiência da

normatividade autônoma da constituição – e sua reciprocidade – tem-na como

imprescindível referência.

Mudanças do cenário sócio-político-econômico neste início de século estão

a exigir, contudo, uma postura crítica em face da crença na específica força

normativa da constituição, ou seja, na normatividade autônoma que lhe assegura a

teoria pós-1945.

2.3

Normatividade autônoma em crise

A globalização crescente das últimas décadas do século XX traz à tona

mudanças no cenário político, econômico e cultural. As fronteiras dos Estados-

nação e de sua soberania são esgarçadas pela força do capital financeiro,

expandindo-se, em anos recentes, o projeto neoliberal. Vive-se, no limiar do

século XX, numa sociedade do risco que vê emergir uma nova articulação da

soberania e dos meio de produção da vida: o Império.

A coerção é reorganizada e a guerra consubstancia recurso e lógica

constante de poder no Império,83 em especial por parte de seu principal agente, os

Estados Unidos, que, sob o impacto do 11 de setembro de 2001, não titubeiam em

se utilizar de medidas de exceção que ano após ano vem adquirindo inevitável84

permanência. Ressurge o discurso de que a estabilidade apenas é assegurada pela

aplicação de poderes e métodos de exceção.

O ataque do dia 11 de setembro, o atentado ao sistema metroviária inglês, a

recente determinação do l'etat d'urgence na França (2005), as ondas de violência

83 É ler HARDT, M.; NEGRI, A., Multitude, 2004; HARDT, M.; NEGRI, A., Império, 2004; NEGRI, A., Cinco lições sobre Império, 2003. Também: GUIMARAENS, Francisco de. O poder constituinte na perspectiva de Antonio Negri: um conceito muito além da modernidade hegemônica. Dissertação de mestrado. Orientador Carlos Alberto Plastino; Co-orientador Adriano Pilatti. Rio de Janeiro: PUC, Departamento de Direito, 2002. 84 A “inevitabilidade” e permanência seriam inerentes à própria noção de terrorismo. Segundo Bruse Ackerman os ataques terroristas farão parte do futuro ocidental, requerendo, urgentemente, novos conceitos constitucionais para assegurar a democracia e proteger as liberdades civis. No seu entender, “o projeto auto-consciente de um regime de emergência talvez seja a melhor defesa disponível contra um ciclo de pânico-dirigido de permanente destruição”: ACKERMAN, B., The emergency constitution, p. 1029.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 40: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

40

no Estado de São Paulo em meados de 2006 e, nos últimos dias de dezembro

desse ano, no Estado do Rio de Janeiro, a manutenção da exploração econômica e

do programa neoliberal nos governos dos países ocidentais acentuam a tensão do

modelo de Estado Democrático que tem na constituição seu instrumento político-

jurídico para superar os problemas da vida em sociedade e no tribunal

constitucional seu guardião.

Achamo-nos ante um cenário político e econômico global-nacional, gerador

de dominação, propagador de violência e contrário à criatividade constituinte do

ser humano, que revela características semelhantes àquelas encontradas em

estados de exceção, emergência ou sítio da primeira metade do século XX, nos

quais os preceitos fixados na ordem jurídica, embora vigentes, não são efetivados.

Reafirma-se a lógica da insuficiência do regime democrático.

Bastante interessantes são as referências de Hardt e Negri.

Este novo alicerce de legitimidade inclui novas formas e novas articulações do exercício da força legítima (...) Essa espécie de intervenção continua, portanto, ao mesmo tempo oral e militar, é realmente a forma lógica do exercício da força, que deriva de um paradigma de legitimação baseado num Estado de exceção permanente e de ação policial. As intervenções são sempre excepcionais, apesar de ocorrerem continuamente; elas tomam a forma de ações policiais, porque são voltadas à manutenção da ordem interna. Dessa forma, a intervenção é um mecanismo eficaz que mediante ações policiais contribui diretamente par a construção da ordem moral, normativa e institucional do Império. 85 (grifou-se)

A problemática se intensifica se nos ativermos ao cenário brasileiro. Afinal,

não são estranhas as características da anunciada situação de exceção permanente

num país marcado pela inoperância da legislação protetora dos direitos

fundamentais, pela concentração de poder no Executivo, pela sucessão de planos

milagrosos para salvar a economia, por ocupar a periferia do capitalismo, pela

acumulação do capital estruturada na exploração do subdesenvolvimento e que se

vê governado por uma lógica de exceção permanente86 e por uma crescente

retórica do binário medo/segurança.87

Vivemos, segundo Denninger, num momento histórico de reorganização do

projeto constitucional da modernidade. A constelação liberdade, igualdade e

85 HARDT, M.; NEGRI, A., Império, p. 57. 86 Bercovici vislumbra entre nós um estado de exceção econômica permanente. Cf. BERCOVIVI, G., Constituição e Estado de exceção permanente: Atualidade de Weimar, 2004. 87 É significativo nesse sentido haver se decidido no referendo do dia 23 de outubro pela manutenção do comércio de armas de fogo no Brasil.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 41: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

41

fraternidade dá lugar a outra: segurança, diferença e solidariedade88.

Isso não obstante, a nova tríade não deve ser compreendida nem como

“‘valores básicos’ para uma nova geração de textos constitucionais”89 nem como

um novo conjunto de ideais constitucionais ou como um modelo de uma política

internacional de direitos humanos – e nisso nos distanciamos de Denninger. Trata-

se, antes, de um desafio decorrente das alterações do processo histórico que, no

capítulo que se segue, tentaremos exemplificar reportando-nos à situação de

exceção permanente.

Crer na força normativa autônoma das constituições, na sua capacidade

reguladora da vida conforme propugna a teoria pós-1945, é bastante difícil – e

talvez leviano – no início deste milênio. Direitos fundamentais são vilipendiados e

por vezes, servem para encobrir e legitimar sua própria violação. A jurisdição

constitucional, as novas técnicas hermenêuticas e as próprias constituições não

podem, por si, autonomamente, fazê-los efetivos, quer em escala local quer em

nível mundial. Não é sem motivo que Canotilho discorre sobre uma possível

mudança na maneira de compreender a constituição dirigente. Segundo o autor:

a Constituição dirigente está morta se o dirigismo constitucional for entendido como normativismo constitucional revolucionário capaz de, só por si, operar transformações emancipatórias (...) Contra os que erguem as normas programáticas a ‘linha de caminho de ferro’ neutralizadora dos caminhos plurais da implantação da cidadania, acreditamos que os textos constitucionais devem estabelecer as premissas fundantes das políticas públicas num Estado e numa sociedade que se pretendem continuar a chamar de Direito, democráticos e sociais.90

Ainda quando prevalecem os direitos é duvidoso que isso se tenha

conseguido sem ação política, pela imposição da força ativa da constituição ou de

tratados e normas internacionais que, simbolicamente, são por vezes a ela

equiparados ou integrados. Nem se pode dizer que houve uma vontade de

constituição, na linha de Konrad Hesse, uma vez que o agir da multidão, via de

regra, não se volta a implementar algo já garantido pela norma, mas a instituir

possibilidades que não se apresentam à mente sem uma boa dose de impulso

88 DENNINGER, Erhard. ‘Segurança, Diversidade e Solidariedade’ ao invés de ‘Liberdade, Igualdade, Fraternidade’, 2003. Em sentido contrário: HABERMAS, Jürgen. Remarks on Erhard Denninger’s triad of diversity, security and solidarity, 2000, pp. 524 e ss. E ainda: ROSENFELD, Michael. American Constitutionalism Confronts Denninger’s New Constitutional Paradigm, 2000. 89 DENNINGER, Erhard. ‘Segurança, Diversidade e Solidariedade’ ao invés de ‘Liberdade, Igualdade, Fraternidade’, p. 44. 90 CANOTILHO, J.J. G, Constituição dirigente e vinculação do legislador, 2001, prefácio.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 42: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

42

criativo e emancipador.91

A normatividade autônoma da constituição revela, na sua estrutura, a

característica que Zizek, citando Alain Badiou, atribuiu ao século XX: a paixão

pelo real92. Pretende manter contato pleno com a realidade, mas, ao enfrentá-la,

manifesta certa repugnância pelo que está diante de si e se isola na mera

reciprocidade. Almeja emancipação e conquistas por intermédio de sua

capacidade regente, mas, confrontada com o real, transmuta-se em imobilidade.

A solução da aporia, na linha de Zizek, não está no movimento de

descortinar a aparência ou, traduzindo para nossos propósitos, em simplesmente

abandonar a força normativa, a normatividade autônoma, e desvendar a realidade

que sob ela se esconde. Tudo indica ser a eventual resposta mais complexa:

Geralmente dizemos que não se deve tomar ficção por realidade (...). Aqui a lição da psicanálise é o contrário: não se deve tomar a realidade por ficção – é preciso ter capacidade de discernir naquilo que percebemos como ficção, o núcleo duro do Real que só temos condições de suportar se o transformarmos em ficção. Resumindo, é necessário ter a capacidade de distinguir qual parte da realidade é ‘transfuncionalizada’ pela fantasia, de forma que, apesar de ser parte da realidade, seja percebida num modo ficcional. Muito mais difícil do que denunciar ou desmascarar como ficção (o que parece ser) a realidade é reconhecer a parte da ficção na realidade ‘real’.93

A normatividade, portanto, não precisa ser abandonada, mas reconstruída ou

mesmo “recompreendida”.

A normatividade na versão pós-1945, como força ativa própria, outra coisa

não é senão a construção de um período histórico cada vez mais chocado pela

realidade que nele mesmo se produz. Seguindo o paradoxo de Zizek, trata-se de

uma ficção real. Esclareça-se: (i) o núcleo duro do real consiste em saber que a

constituição (metonímia contemporânea do próprio direito), por si só, em nada

afeta e dirige a vida (e esse parece haver sido o grande trauma da primeira metade

do século XX e que ainda perdura); (ii) afigurando-se insuportável a “descoberta”,

transmuta-se, transfuncionaliza-se esse dado real de modo que a incapacidade

91 A multidão, esclarecem Hardt e Negri, teria pelo menos três demandas no contexto hodierno: cidadania global como direito de controle do movimento num espaço mundializado; um salário social e uma renda garantida para todos; um direito à reapropriação (um telos) caracterizado por cinco aspectos: controle do sentido, do significado e das redes de comunicação; controle de máquinas, de tecnologia; criação coletiva da história; complexidade da vida; poder constituinte, o produto da imaginação criadora da multidão. Cf. HARDT, M.; NEGRI, A., Império, p. 421-437. 92 ZIZEK, Slavoj. Bem-vindo ao deserto do real: cinco ensaios sobre o 11 de setembro e datas relacionadas. 1ª reimpressão. Trad. Paulo Cezar Castanheira. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 19 et. seq. 93 Ibid., p. 34.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 43: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

43

regulatória da constituição é vista como ficção. Para simplificar o percurso cria-se

a idéia de força normativa da constituição ou, como preferimos, de normatividade

específica ou autônoma.

Tudo aponta, então, no sentido de que se faz necessária uma nova categoria

para compreender os novos tempos. A exceção permanente, acreditamos,

permitirá entender de maneira adequada porque as pretensões normativas da teoria

pós-1945, que influenciou – e influencia – a Constituição brasileira de 1988, não

se concretizam. Deixará entrever, de igual modo, algumas incongruências da

democracia liberal capitalista, conforme bem apontam Domênico Losurdo – para

quem a tradição liberal, marginalizadora e elitista, é contrária à democracia94 – e

Ellen Wood, a qual, seguindo a tradição marxista ortodoxa, sustenta a também

manifesta contradição entre democracia e capitalismo95.

A exceção permanente, em síntese, nos levará a refletir sobre a possível

insuficiência da teoria pós-1945 que, atada à normatividade autônoma da

constituição, mantém uma indesejável ficção que dificulta a abertura do

pensamento constitucional às influências do poder, à complexidade das relações

humanas e à incorporação do processo histórico e da política.

Antes, contudo, mister esclarecer o contexto histórico de exceção que

reivindica essa nova categoria. Isso será realizado no capítulo que se segue, já

salientamos, referindo-se, brevemente, a cinco noções-chave: globalização, risco,

estado de guerra, Império e neoliberalismo.

94 Ver LOSURDO, Domenico, Democracia ou bonapartismo: triunfo e decadência do sufrágio universal, 2004. 95 WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico, 2003.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 44: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

3

Contexto: situação de exceção permanente

Sumário do capítulo: 3.1. Globalização; 3.2. Risco; 3.3. Estado de guerra e Império; 3.4. Neoliberalismo.

Afirmou-se no capítulo anterior que recentes modificações sociais em escala

planetária têm conduzido à crise da normatividade específica ou autônoma da

constituição, exigindo-se uma nova categoria para compreender a normatividade e a

dinâmica do fenômeno jurídico-político: a exceção permanente.

O contexto que reivindica essa nova categoria compõe o que se denomina, aqui,

situação de exceção permanente.

Adiante será traçada uma imagem dessa situação por intermédio de cinco noções-

chave (globalização, risco, estado de guerra, Império e neoliberalismo), deixando mais

clara a conclusão do capítulo primeiro no sentido de que, ante um cenário de agudização

do risco, gerador de dominação, propagador de violência e contrário à criatividade

constituinte do ser humano, em que se reafirma, ainda que implicitamente, o discurso da

insuficiência do regime democrático, a normatividade autônoma que serve de

fundamento da teoria constitucional pós-1945 se vê, realmente, em crise.

3.1

Globalização

A globalização é invocada de maneira exaustiva nos discursos políticos,

econômicos, culturais, sociológicos e jurídicos. Carece, contudo, de uma definição

única e universalmente aceita, afigurando-se mesmo contestável que sobre ela se

estabeleça concepção homogênea.

Segundo Ulrich Beck, globalização abarca, simultaneamente, idéias de

interconexão, de fluxos transfronteiriços e de superação de espaço e de tempo, bem

como uma transformação histórica que importa na renovação de conceitos com os quais

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 45: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

45

45

já se estava familiarizado: sociedade, identidade, Estado, soberania, legitimidade,

violência e domínio.1

E – indaga Beck – se vivemos em meio à transfomação, à passagem de uma

Primeira Modernidade, caracterizada por Estados-nação e relações territoriais, a uma

Segunda Modernidade, cosmopolita, como compreender a nova dinâmica mundial?

A resposta do autor passa pela concepção de risco, pela idéia de uma nova política

interior-mundial e de uma nova teoria crítica com intenção cosmopolita. Voltaremos a

Beck mais à frente, em específico à sua noção de sociedade do risco em escala

planetária. Por ora, concentrar-se-á no fenômeno da globalização, utilizando-nos, pela

objetividade e clareza, da exposição de David Held e Anthony MacGrew.2 3

Oferecem os autores um “conceito básico”, em certa medida operacional, de

globalização, repartindo-o em aspectos materiais, espaço-temporais e cognitivos.

O aspecto material se refere à identificação de fluxos de comércio, de capital e de

pessoas em todo o globo, que são facilitados por infra-estruturas

“física (como os transportes ou sistemas bancários), normativa (como as regras do comércio) e simbólica (a exemplo do inglês usado como língua franca) – que criam precondições para formas regularizadas e relativamente duradouras de interligação global”.4

Mais do que a ampliação de relações e atividades sociais, asseveram os autores,

tem-se uma magnitude ou intensidade crescente de fluxos globais de tal monta que

1 BECK, Ulrich, Poder y Contra-Poder en La era Glabal: la nueva economia política mundial, p. 13-14: “En el presente libro se acepatan ambos enfoques, pero al mismo tiempo se da un paso esencial más allá y se entiende y expone la globalización como una transformación histórica. En consecuencia, la atual visión del mundo, basada en la distinción entre nacional e internacional, queda disuelta en un espacio de poder de la política interior mundial todavia difuso. Sin embargo, fue en el horizonte de dicha distinción donde se acuño la imagen del mundo de la Primeira Modernidade, conceptos (y teorias), clave, como sociedad, identidad, Estado, soberania, legitimidad, violencia y dominio. De modo que en libro plantea la siguiente pregunta: ¿como traducir a conceptos un mundo, una dinámica mundial, en que los problemas causados por una modernización radicalizada suprimen los pilares y lógicas de acción del orden moderno (el orden del Estado nacional) así como determinadas distinciones fundamentales e instituciones básicas en la historia? La respusta (...) es: la nueva política interior mundial, que aqui y ahora va más allá de lo nacional e internacional, se ha convertido en un juego de metapoder de resultado totalmente abierto, un juego que estipulará de nuevo las fronteras, reglas y distinciones básicas no sólo de lo nacional y lo internacional, sino también de la economia mundial y el Estado, de los movimentos civiles transnacionales, de las organizaciones supranacionales y de los gobiernos y sociedades nacionales.” 2 HELD, David, MCGREW, Anthony, Prós e contras da globalização, 2001. 3 Confira-se sobre o tema BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999; BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. MAUS, Ingeborg. From nation-state to global state, or the decline of democracy. In: Constellations, v. 13, n.º 4, 2006, p. 465-484. 4 HELD, D.; MCGREW, A., Prós e contras da globalização, p. 12.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 46: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

46

46

Estados e sociedades ficam cada vez mais enredados em sistemas mundiais e redes de

interação.

Aí o aspecto espaço-temporal.

Espaços alargados – ainda que virtualmente – e tempo reduzido ao imediato. As

ações individuais e coletivas e as organizações alcançam escala inter-regional, senão

intercontinental, sem que isso signifique, necessariamente, que a ordem global descarte

os níveis locais, nacionais e regionais. Exemplos que não deixam dúvida: a internet, a

negociação em mercados financeiros e as crises econômicas (v.g. a crise asiática de

1997).

No seu aspecto cognitivo, a globalização se “expressa numa conscientização

popular crescente do modo como os acontecimentos distantes podem afetar os destinos

locais (e vice-versa), bem como em percepções públicas da redução do tempo e do

espaço geográfico.”5

Na medida em que enfatizado, reconstruído ou substituído um ou mais desses

aspectos, variam as posições sobre a globalização.

De acordo com Held e MacGrew é possível sintetizar todo o conjunto de

argumentos referentes à globalização – num dualismo um tanto “grosseiro”, não deixam

de assinalar – na dictomia globalistas e céticos. De um lado, os globalistas, que

consideram ser a globalização contemporânea um acontecimento histórico real e

significativo. De outro, os céticos, que a concebem como uma “construção

primordialmente ideológica ou mítica de valor explicativo marginal”6.

Isso não obstante, certos de que nem as teses dos céticos nem a dos globalistas

esgotam a complexidade e as sutilezas das divergentes interpretações da globalização,

de acordo com os autores os termos da dictomia servem de tipos ideais, “recursos

heurísticos que ordenam um campo de investigação e identificam as áreas primárias de

consenso e dissensão”, ajudando “a esclarecer as linhas mestras de argumentação e,

com isso, estabelecer pontos de discordância fundamentais.”7

Sob essa premissa constroem, em quadro, um resumo sobre o debate da

globalização que aqui, por seu forte caráter didático e clareza, tomaremos de

empréstimo:

5 Ibid., p. 13. 6 Ibid., p. 9. 7 Ibid., p. 10.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 47: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

47

47

QUADRO 2: RESUMO DO DEBATE SOBRE A GLOBALIZAÇÃO, SEU CONCEITO E SUAS

PRINCIPAIS IMPLICAÇÕES8

Céticos Globalistas 1. Conceitos Internacionalização,

não globalização Regionalização

Um só mundo, moldado por fluxos, movimentos e redes sumamente extensos, intensivos e rápidos através das regiões e continentes

2. Poder Predomina o Estado nacional Intergovernamentalismo

Desgaste da soberania, da autonomia e da legitimidade do Estado

3. Cultura Ressurgimento do nacionalismo e da identidade nacional

Surgimento da cultura popular global Desgaste das identidades políticas fixas Hibridização

4. Economia Desenvolvimento de blocos regionais Triadização Novo imperialismo

Capitalismo global informacional Economia transnacional Nova divisão global do trabalho

5. Desigualdade Defasagem crescente entre o norte e o sul Conflitos de interesse irreconciliáveis

Desigualdade crescente nas e entre as sociedades Desgaste das antigas hierarquias

6. Ordem Sociedade internacional de Estados Persiste inevitavelmente o conflito entre os Estados Gestão internacional e geopolítica Comunitarismo

Gestão global em camadas múltiplas Sociedade civil global Organização política global Cosmopolitismo

Da leitura que se fizer dessa transformação histórica contemporânea, mais ou

menos afastada do tipo globalista ou do tipo cético, será possível inferir e construir

conseqüências para uma compreensão que se almeja adequada da sociedade, da política,

da economia, da cultura e do direito – notadamente da teoria constitucional.

Adiantamos que se seguirá, sob o marco da exceção permanente, próximo do tipo

ideal globalista sem que disso se possa inferir algum compromisso com as premissas

dessa perspectiva teórica. Embora não se vá, aqui, ingressar a fundo no tema, a ele se

referindo com o singelo objetivo de traçar uma adequada contextualização deste início

de milênio, sob o marco da exceção permanente se transitará entre as duas vertentes, ora

aproximando-se dos globalistas, ora dos céticos, de modo que se deixará entrever, aos

poucos, as nuances que a idéia de exceção permanente permite trazer para o âmbito

8 Ibid., p. 92.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 48: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

48

48

jurídico.

Nova formas de tecnologia e de relações econômicas e culturais emergem na

segunda metade do século XX e desestabilizam conceitos e maneiras de compreender o

mundo que, até então, revelavam-se suficientes para que se pudesse saciar a curiosidade

humana.

Segundo Alain Touraine,9 quatro fragmentos expressam a decomposição da

modernidade ao longo do século XX: a sexualidade, o consumo, a empresa e a nação.

Relacioná-los é o desafio que, entende o autor, pode ser compreendido ao se distinguir

a ordem da mudança e a ordem do ser, separando, de igual modo, a ordem pessoal da

ordem coletiva.

De acordo com o sociólogo francês:

Essas duas dicotomias [mudança e ser / ordem pessoal e coletiva] integram-se facilmente. À esperança de uma modernização endógena, do triunfo das luzes da razão e das leis da natureza afastando ilusões da consciência, às falsidades das ideologias e à irracionalidade das tradições e dos privilégios sucede o reconhecimento brutal das forças cuja diversidade desorganiza o campo social e cultural. A idéia de modernidade é substituída pela ação modernizadora; esta mobiliza forças não modernas, liberta o indivíduo e a sociedade até então prisioneiros das leis impessoais da razão depois de terem ido da lei divina (...) Em segundo lugar, e mais simplesmente, vemos se separar a ordem pessoal da ordem coletiva (...).

Num esboço de suas idéias:

QUADRO 3: FRAGMENTOS DA DECOMPOSIÇÃO DA MODERNIDADE AO LONGO DO

SÉCULO XX SEGUNDO ALAIN TOURAINE

---- SER MUDANÇA

Ordem individual Sexualidade Consumo

Ordem coletiva Nação Empresa

Cada fragmento traz em si, simultaneamente, “a marca da modernidade e a da

sua crise.”10 Completa o modelo destacar que a racionalidade, em meio a essa

fragmentação, é reduzida, no pesamento moderno, à racionalidade instrumental, à

“procura dos meios mais eficazes para atingir os objetivos que escapam aos critérios da

9 TOURAINE, Alain. Crítica da Modernidade. 7ª ed. Petrópolis: Vozes, 2002. 10 Ibid., p. 109.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 49: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

49

49

racionalidade na medida em que dependem dos valores sociais ou culturais (...)”.11

A sexualidade refere-se à construção ou destruição do sujeito. O consumo

acentua as transformações econômicas, notadamente a produção e o consumo de massa,

dominados pelo marketing. A empresa traz à mente a organização da produção e a

nação os problemas de identidade e reconhecimento.

Destaque-se que a separação de Touraine entre mudança e ser é aqui utilizada por

seu caráter didático, sem preocupação em se manter fiel a todo o contexto em que são

inseridos os termos na obra do autor. Permite-nos, assim, principalmente, salientar a

idéia de que não se pode olvidar da inseparabilidade, no cenário hodierno, entre a

dimensão das lutas por reconhecimento – ser: sexualidade e nação – e por distribuição –

mudança: empresa e consumo – ambas atingidas pela globalização.

A produção da vida, assim, toda ela, é modificada no ambiente globalizado que

emerge na segunda metade do século XX e, na hipótese de vir a ser controlada ou ditada

por um centro produtor, ainda que ideológico, imaterial, ter-se-á configurada, conforme

expõe Boaventura de Sousa Santos, uma globalização hegemônica e

desemancipatória.12

A globalização atua sob esses distintos aspectos e, com isso, promove alterações

das formas e condições da vida. Enfraquece, principalmente, o elemento que Held e

Mcgrew denominaram cognitivo e desestabiliza o significado dos conceitos de

segurança, controlabilidade e certeza que marcam a época moderna.

Não basta, contudo, referir-se à globalização se se pretende, aqui, ainda que de

maneira sumária, compreender as nuances do atual momento histórico.

Por ela, é bem verdade, pode-se simplificar fenômenos que, sem dúvida,

encontram-se na base de qualquer reflexão atual sobre o universo político-jurídico –

mutações concernentes às idéias de Estado, poder, economia, cultura, política, etc. Sem

embargo, pelo menos na acepção aqui empregada, não apreende nem especifica o

conceito de globalização pormenores importantes do amplo espectro de transformações

contemporâneas. Daí referir-se, na seqüência, às noções de risco, estado de guerra,

Império e neoliberalismo na tentativa de melhor expressar o cenário neste início de

século.

11 Ibid., p. 109. 12 SANTOS, Boaventura de Sousa (org.) Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, pp. 13-84.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 50: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

50

50

3.2

Risco

Risco consubstancia, na visão de Ulrich Beck,

uma abordagem moderna para prever e controlar as futuras conseqüências da ação humana, as várias conseqüências não planejadas da modernização radicalizada. É uma tentativa institucionalizada, um mapa cognitivo, para colonizar o futuro. Toda sociedade tem, é claro, experimentado perigos. Mas o regime de risco é uma função da nova ordem: não nacional, mas global. Ele está mais intimamente conectado com um processo de tomada de decisão administrativo e técnico. Risco pressupõe decisão. Essa decisão foi previamente tomada com normas fixas de calculabilidade, conectando meios e fins ou causas e efeitos. Tais normas são precisamente o que a 'sociedade de risco mundial' invalidou. Tudo isso se tornou muito evidente com o seguro privado, talvez o melhor símbolo da calculabilidade e da segurança alternativa – que não cobre desastre nuclear, nem mudanças climáticas e suas conseqüências, nem a quebra econômica da Ásia, nem o risco pouco-provável e de elevada-conseqüência das várias formas de tecnologia futura.13

Encontrando na globalização seu ponto de partida, a categoria do risco traz a

possibilidade de se aprofundar na difícil empreitada de compreender a situação histórica

na virada do milênio: risco, acabou-se de transcrever, é uma “função da nova ordem”. A

concepção de risco, de modo especial de sociedade do risco mundial – sobre a qual nos

deteremos adiante – não se restringe a descrever e a indicar as mudanças

contemporâneas. Antes, combina o discurso descritivo ao construtivo, viabilizando

mesmo uma leitura enriquecida das alterações sociais, políticas, econômicas, culturais e

cognitivas apontadas pela referência que aqui se fez à globalização.

Sociedade do risco mundial, de acordo com Beck, pode ser sintetizada por oito

idéias-força:14 “(1) real virtuality”; (2) “lost the dualism between nature and culture”;

(3) “threatening future”; (4) “mathematicized morality”; (5) “manufactured

uncertainty”; (6) “knowledge or unawareness realized in conflicts of (re)cognition”; (7)

13 BECK, Ulrich, World Risk Society, p. 3-4. Segundo o autor: “But what does risk mean? Risk is the modern approach to foresse and control the future consequences of human action, the various unintended consequences of radicalized modernization. It is an (institucionalized) attempt, a cognitive map, to colonize the future. Every society has, of course, experienced dangers. But risk regime is a function of new order: it is not national, but global. It is rather intimately connected with an administrative an technical decision-making process. Risks presuppose decision. These decision were previously undertaken with fixed norms of calculability, connecting means and ends or cause end effects. These norms are precisely what ‘world risk society’ has rendered invalid. Al of this becomes very evident with private insurance, perhaps the greatest symbol of calculation and alternative security – which does not cover nuclear disaster, nor climate change and its consequences, nor the breakdown of Asian economies, nor the low-probability high-consequences risk of various forms of future technology.” 14 Ibid., pp. 133-152.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 51: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

51

51

“global and local reconstituted as the ‘globality’ of risks” e (8) “distinction between

knowledge, latent impact and symptomatic consequences”.

Real vituality, virtualidade real. Risco está entre segurança e destruição:

“não-mais-porém-não-agora – não mais confiança/segurança, não agora destruição/desastre – é o que o conceito de risco expressa e o que faz dele uma estrutura pública de referência. A sociologia do risco é a ciência das potencialidades e dos julgamentos de probabilidades (...). Destarte, riscos ‘são’ um tipo de realidade virtual, de virtualidade real (...). Apenas se pensarmos no risco em termos reais, ou melhor, um tornando-se real (uma virtualidade) pode a materialização social ser entendida”15.

Acentua-se, dessa forma, que a sociedade do início do século XXI há de ser

entendida pela materialização de potências virtuais, de fluxos – não de essências

definidas e estagnadas – e por mediações particulares da ciência, da política, da

economia e do conhecimento comum.

Tem-se, com isso, uma nova percepção da ontologia – rompendo-se o dualismo

entre natureza e cultura (lost the dualism between nature and culture) – e, também, da

decisão.

Partindo da problemática concernente à ecologia, ao meio-ambiente, Beck

enfatiza que se precisa amalgamar as visões realistas, que mais se preocupam em

diagnosticar mudanças da sociedade global, e construtivistas, que crêem na

possibilidade de construir um discurso de coalisão transnacional. Isso porque, destaca o

autor, o ambiente – e, por conseguinte, o universo do ‘ser’ de uma maneira geral – tem

aspectos naturais e culturais imbricados.16 Vivemos num mundo híbrido que, ao mesmo

tempo, é objeto de percepções culturais, julgamentos de moral, política e tecnologia, e

expressão da natureza. Um mundo complexo e ambivalente.

Indo um pouco além – se é que não se estará, implicitamente, em harmonia com o

discurso do autor – na sociedade do risco mundial deve-se compreender o ‘ser’, o

universo ontológico, como um vir-a-ser. Há determinações e limites naturais, diretivas

fixas; porém, a realização, a concretização dessas linhas de força determinadas está

aberta, passível de construção, destruição e/ou reconstrução no âmbito da cultura.

15 Ibid., p. 135-136: “no-longer-but-not-yet – no longer trust/security, not yet destruction/disaster – is what the concept of risk expresses and what makes it a public frame of reference. The sociology of risk is a science of potentialities and judgements about probabilities (…). So risks ‘are’ a type of virtual reality, real virtuality (…). Only by thinking of risk in terms of reality, or better, a becoming-real (a virtuality) can social materialization be understood”. 16 Ibid., p. 23-31.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 52: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

52

52

A tarefa de realizar linhas de força, virtualidades, é mediada pela potência criativa

do ser humano17 na política, na economia, no direito, etc. A consciência disso traz

responsabilidade e, por sua vez, decisão. É o que sugere Beck, ao comentar um exemplo

de subpolítica (política realizada fora dos canais representativos do sistema

institucional), decorrente do surgimento dos casos de BSE (bovine spongiform

encephalopathy) na Inglaterra:

O ‘tornar-se real’ do risco do BSE está diretamente relacionado com sua mediação. Agora que ‘nós’ sabemos que ‘existem’ riscos possíveis ‘nós’ assumimos uma responsabilidade. Essa responsabilidade toma a forma de uma decisão sobre comer bife ou outro produto bovino ou não (...) A despeito de o cálculo do risco se manter problemático, como uma virtualidade, ele opera exatamente na mesma direção. A inexperada acessibilidade ao ‘conhecimento’ no que se refere à possível relação entre o BSE e a CJD transformou um perigo em risco: nós agora temos uma decisão a tomar com conseqüências para nós mesmos, aqueles que amamos e possivelmente para o resto do mundo (...)18.

Essa decisão, destaque-se – e isso parece não haver sido percebido por Beck –

deve ser compreendida no sentido de que proporciona abertura à dinâmica do ingresso

da realidade, da vida, no normativo. Por outro lado, também é indicativa de que a

incerteza na sociedade do risco mundial pode levar à produção autoritária da decisão – o

que ocorre ao se agravar a sociedade do risco num contexto de guerra constante,

conforme se comentará adiante.

A terceira idéia-força se refere ao fato de a ação humana ter, agora, por parâmetro,

um threatening future, um futuro ameaçado de violência e destruição.

Risco relaciona passado, presente e futuro. Segundo Beck

O passado perdeu seu poder de determiner o presente. Seu lugar de causa da presente experiência e ação está sendo tomado pelo futuro, isto é, algo não-existente, contruído e fictício. Nós estamos discutindo e argüindo sobre algo que não está em cena, mas poderá acontecer se nós continuarmos navegando no mesmo curso.19

17 Sobre a criatividade humana é interessante a leitura de WINNICOTT, Donald Woods. O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 2005. 18 BECK, Ulrich, World Risk Society, p. 136-137. “The ‘becoming-real’ of the risk of BSE is directly related to its mediation. Now that ‘we’ know that there ‘are’ possible risks, ‘we’ face a responsibility. This responsibility takes the form of a decision whether to eat beef and other bovine products or not (...) Although the calculability of this risks has remained problematic, as a virtuality, it operates in exactly the same way. The sudden accessibility of the ‘knowledge’ regarding the possible relationship between BSE e CJD has thus transformed a hazard into risk: we now have a decision to make with consequences of ourselves, our loved ones and possibly the rest of our world (…)” 19 Ibid., p. 137. “The past loses it power to determine the present. Its place as the cause of present-day experience and action is taken by the future, that is to say, something non-existent, constructed and fictious. We are discussing and arguing about something which is not the case, but could happen if we continue to steer the same course.”

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 53: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

53

53

Problemas ambientais, financeiros, bélicos e identitários num cenário globalizado

trazem ao imaginário novas ameaças futuras e impõe que a ação humana as leve em

conta. E mais, na medida em que o futuro é, no presente, uma potencialidade,

invocando-o são abertas oportunidades de questionar noções e conceitos e, assim, vias

de atuação do poder na sociedade. Conforme salienta Beck: “O brilhante risco arranjado

da globalização, entretanto, já se tornou um instrumento para reabrir a questão do poder

na sociedade.”20

Por mathematicized morality o autor quer destacar que na sociedade de risco

mundial os discursos nem são fatuais nem somente valorativos. Ou expressam os dois

aspectos ao mesmo tempo ou algo entre eles.

Representam, à semelhança dos cálculos matemáticos, ponderações e avaliações.

Voltados, nada obstante, à resposta sobre vida humana e sua complexidade, os discursos

devem descrever aspectos da natureza combinando-os a percepções culturais

normativas.

Quinta idéia-força da sociedade do risco hodierna cuida do controle e da

manufactured uncertainty.

No primeiro estágio da modernidade, segundo Beck, risco significava

essencialmente um meio de calcular as conseqüências não previsíveis, apresentando-se

na forma de variáveis estatísticas, de probabilidades e de cálculos atuariais. Hoje, na

pós-modernidade ou, de acordo com o autor, na segunda modernidade, a natureza se vê

“industrializada” e as tradições e as ideologias relativizadas, produzindo novas

incertezas que não mais são desvendadas e calculadas na lógica probabilística-atuarial:

“quanto mais nos esforçamos para ‘colonizar’ o futuro com o auxílio da categoria do

risco, mas ele saia de controle”.21

Produz-se uma síntese entre conhecimento e incerteza numa dinâmica de luta por

reconhecimento (sexta idéia-força – knowledge or unawareness realized in conflicts of

(re)cognition). A manufactured uncertainty apresenta uma dupla referência. Em

primeiro lugar, quanto mais se desenvolve o conhecimento, mais se abrem esferas de

ação humana e novos riscos surgem. Para citar um exemplo do próprio Beck: por haver

alargado o saber sobre as funções do cérebro, não se consegue, atualmente, definir ao

certo o momento da morte. Em segundo, tem-se a circunstância de que do não- 20 Ibid., p. 138. “The brilliantly staged risk of globalization, however, has already become an instrument for reopening the issue of power in society.” 21 Ibid., p. 139. “[t]he more we attemp to ‘colonize’ the future with the aid of the category of risk, the more it slips out of control”.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 54: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

54

54

conhecimento ou do conhecimento potencial (que o autor denomina unawareness)

advém, de igual modo, novos riscos.

Toda a produção da vida se encontra imersa numa lógica de incertezas,

imprevisibilidades e de novas esferas de possibilidade a exigir que se redefina a atuação

política da sociedade e o debate sobre autoridade pública, cidadania, ética, definições

culturais, etc. Segundo Beck

Tudo cai sob um imperativo de evitabilidade. A vida diária, então, torna-se uma involuntária loteria de má sorte. A probabilidade de um ‘vencedor’ aqui não é provavelmente maior do que na loteria semanal, mas isso tornou quase impossivel não tomar parte dessa rifa de desgraças em que o ‘vencedor’ adoeça e talvez morra. (...) Uma coisa é clara: como alguém age nessa situação não é mais algo que possa ser decidido por especialistas. Riscos indicados (ou obscurecidos) por especialistas ao mesmo tempo os desarmam, porquanto levam todas as pessoas a decidir por si mesmas (...) Esses tópicos estabelecem questões concernentes à autoridade do público, às definições culturais, aos cidadãos, aos parlamentos, aos políticos, à ética e à auto-organização.22

Os novos riscos decorrem, simultaneamente, dos avanços e da ausência de saber

são globais e locais – essa a sétima idéia força.

A exemplo dos problemas relacionados à ecologia e às finanças, os novos riscos

não conhecem fronteiras. Nem por isso, contudo, tornam-se problemas apenas de

âmbito internacional. Alteradas as configurações de espaço e tempo, no mundo

globalizado é necesário que se enfrentem os riscos com medidas globais, regionais e

locais, difundindo-se o espaço da ação política. Como escreve Beck: “[n]a sociedade do

risco mundial a lógica do controle entra em colapso internamente. Assim, a sociedade

do risco é uma (latente) sociedade política.”23

Oitava idéia-força que auxilia a compreender o cenário contemporâneo de uma

sociedade mundializada e adjetivada pelo risco está, consoante Beck, em distinguir

“knowledge, latent impact and symptomatic consequences”.

Grosso modo, quer o autor ressaltar que o impacto do dano não se identifica,

necessariamente, com o local de sua origem, movendo-se, muitas vezes, sem que seja

22 Ibid., p. 141. “Everything falls under an imperative of avoidance. Everyday life thus becomes an involuntary lottery of misfortune. The probability of a ‘winner’ here is probably no higher than in the weekly lottery, but it has become almost impossible not to take part in this raffle of evils where the ‘winner’ gets sick and may even die. (…) One thing is clear: how one acts in this situation is no longer something that can be decided by experts. Risks pointed out (or obscured) by experts at the same time disarm these experts, because they force everyone to decide for themselves (…) These issues raise questions about the authority of the public, cultural definitions, the citizenry, parliaments, politicians, ethics, and self-organization.” 23 Ibid., p. 142. “In the world risk society the logic of control collapses from within. So, risk society is a (latent) political society.”

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 55: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

55

55

percebido. Além disso, a percepção do dano do risco e de seus sintomas é relativizada

pelas referências culturais. No local da origem pode não se conhecer ou simplesmente

não se levar em consideração o risco de uma determinada atividade ou de um fato que,

na zona de impacto, no local que suporta, diretamente, as conseqüências, poderá ser

devastador.

Mais uma vez, vê-se, no contexto hodierno, a necessidade de abrir, pela política,

mais espaços de interação humana para lidar com os novos riscos. Com razão destaca

Beck: “quanto menos riscos são reconhecidos publicamente, mais riscos são

produzidos”.24

Da menção à sociedade do risco mundial, portanto, extrai-se, notadamente,

enriquecendo o esboço que aqui se pretende fazer do atual momento histórico, a

imprescindibilidade de conferir maior espaço ao universo político se se objetiva

viabilizar ações emancipatórias. Num contexto em que a própria atuação humana

produz incertezas em escala planetária, requerendo um olhar para o futuro, amplia-se a

dinâmica política.

Bem enfatiza Ulrich Beck que na sociedade do risco mundial a responsabilidade e

a decisão são revalorizadas de forma a exigir que se redimensione o debate sobre

autoridade pública, cidadania, ética, identidades culturais, etc. No que toca,

principalmente, à normatividade autônoma da constituição, a politização que viemos de

sublinhar é forte indicativo de que se deve buscar uma nova compreensão da relação

entre norma e vida.

Determo-nos nas idéias de risco e de sociedade do risco mundial, no entanto,

ainda deixa de fora certas nuances.

Precisamos de uma visão mais larga para retratar os dois últimos decênios, uma

perspectiva que também considere as noções de estado de guerra, Império e

neoliberalismo, uma vez que, na virada para o século XXI, não parece haver dúvida

sobre o aumento da gravidade da situação de risco na sociedade global, afigurando-se

mesmo possível asseverar que o mundo pós-11/09 se encontra sob o “risco” do contínuo

estado de guerra e que, nele, a imprescindibilidade da política e da reconfiguração da

normatividade autônoma da constituição pressuposta na teoria pós-1945 será ainda mais

acentuada.

24 Ibid., p. 144. “(…) the less risks are publicly recognize, the more risks are product”.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 56: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

56

56

3.3

Estado de guerra e Império

Para Hardt e Negri, a possibilidade de se estender a democracia, hoje, está

obscurecida e ameaçada por um aparente estado de conflito permanente. Os ataques de

11 de setembro abriram uma nova era de guerra25 e pelo menos uma das chaves para se

entender esse violento estado de guerra global está na noção de exceção.26

Nos anos trinta do século XX, segundo os autores, a tradição germânica-européia

buscava isolar a guerra para as margens da sociedade, limitando-a a momentos

excepcionais. Baniu-se a guerra do interior do Estado-nação, dirigindo-a ao exterior ao

mesmo tempo em que se separava a guerra da política. A guerra seria exceção. Paz, a

normalidade.

Atualmente, contudo, espalham-se pelo globo numerosas guerras civis e conflitos

armados: da África Central à América Latina e da Indonésia ao Iraque e ao Afeganistão.

Isso nos conduz a refletir sobre a possibilidade de ruptura da separação entre guerra e

política. A guerra e o conflito são trazidos para o interior dos Estados num período em

que a própria distinção entre interno e externo se revela ultrapassada. A

excepcionalidade da guerra, com efeito, torna-se regra: “O estado de exceção tornou-se

permanente e geral; a exceção tornou-se a regra, pervertendo as relações internacionais

e internas.”27

A noção de estado de exceção na tradição germânica28 remete à suspensão

temporária da constituição e do direito. De modo semelhante o estado de sítio francês e

os poderes de emergência na Inglaterra.29 A constituição, aí, precisa ser suspensa para

que seja salva, evidente paradoxo remediado pela brevidade da exceção.

Na tradição norte-americana, segundo Hardt e Negri, tem-se o excepcionalismo,

expressão de duplo significado. De um lado, remete ao clamor dos anos da

independência no sentido de excepcionar a corrupção das formas européias de soberania

25 HARDT, M.; NEGRI, A., Multitude: war and democracy in the age of Empire, p. 4. 26 Ibid., p. 5: “The first key to undestanding our brutal global state of war lies in the notion of exception or, specifically, in two exceptions, one Germanic and the other American in origin. 27 Ibid., p. 6; “The state of exception has become permanent and general; the exception has become the rule, pervading both foreing relations and the homeland.” 28 Confira-se JAKAB, A., German Constitutional Law on State of Emergency – Paradigms and Dilemmas of a Traditional (Continental) Discourse, 2006. 29 Sobre o tema ROSSITER, C., Constitutional Dictatorship: Crisis government in the modern democracies, 2005.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 57: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

57

57

e domínio, revitalizando as virtudes republicanas. De outro, o excepcionalismo significa

exceção ao direito.30 É o caso, por exemplo, dos acordos internacionais (sobre meio-

ambiente, direitos humanos, desarmamento, etc) que os Estados Unidos, usualmente,

não observam. Aquele que comanda, assim, não está submetido à obediência.

As duas acepções caminham juntas. Para Hardt e Negri, os Estados Unidos, uma

vez impulsionados e norteados pelas virtudes republicanas, tendem a considerar corretas

apenas as suas ações e concepções de bem, não se afigurando necessário, por isso,

acolher normas internacionais postas por nações não virtuosas. Existe, aí, verdadeira

contradição, uma vez que as virtudes republicanas sempre se erigiram contra a tirania e

o domínio de alguém que se posiciona acima da lei e do direito.

Interconectadas as perspectivas germânica e norte-americana (notadamente no

segundo sentido do excepcionalismo), tem-se caraterizado o estado global de guerra

permanente, em que a guerra, promiscuída senão totalmente identificada com o poder e

a política, torna-se relação social permanente. Consoante Hardt e Negri, arrimados em

Foucalt,

Guerra, em outras palavras, tornou-se a matriz geral de todas as relações de poder e técnicas de dominação, esteja ou não envolvida a mortantade. Guerra transmutou-se num regime de biopoder, isto é, uma forma ou regra com o objetivo não apenas de controlar a população, mas de produzir e reproduzir todos os aspectos da vida social.31

As freqüentes metáforas de guerra – contra o terror, contra as drogas, contra a

pobreza, etc – apenas ratificam a assertiva.

Nada obstante, trata-se de uma nova perspectiva sobre a guerra que, bem se

destacou quando mencionada a problemática da globalização e da sociedade do risco

contemporânea, não conhece limites de espaço e tempo, sendo mesmo guiada pela

indeterminação e incerteza. A brevidade da exceção, caráter principal na perspectiva

germânica e européia do século XX, repercutindo até hoje na arquitetura jurídica, perde

todo o sentido ao iniciar o século XXI.

Conseqüência dessa “nova guerra”, além disso, é o desmonte da separação entre

relações políticas internas e internacionais, notadamente no que toca ao poder de

polícia. 30 HARDT, M.; NEGRI, A., Multitude: war and democracy in the age of Empire, p. 8. 31 Ibid., p. 13: “War, in the other words, becomes the general matrix for all relations of power and techniques of domination, whether or not bloodshed is involved. War has become a regime of biopower, that is, a form of rule aimed not only at controlling the population but producing and reproducing all aspects of social life.”

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 58: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

58

58

Atividade militar e de polícia se misturam e o “inimigo”, tradicionalmente o

estrangeiro, agora se encontra ao nosso lado: é o integrante da “classe perigosa”, o

marginalizado dos centros de poder e de capital. E mais, a identificação do “inimigo”,

ainda que supostamente se manifeste de forma concreta e objetiva, como pretendia

Schmitt32, é só isso: uma aparência. O terrorista e o marginal, por exemplo, são

inimigos abstratos e toda a humanidade, em razão disso, pode ser arregimentada na

sociedade de risco global para “guerrar” contra semelhante ficção.

Nesse contexto de transição para o século XXI se vê reestruturado o poder

soberano: o Império, pelo qual a situação mesma de exceção permanente é, acreditamos,

conservada.

Sobre o conceito de Império esclarecem Hardt e Negri:

Entendemos 'Império', entretanto, como algo completamente diverso de 'imperialismo' (...) [O] Império não estabelece um centro territorial de poder, nem se baseia em fronteiras ou barreiras fixas (...) O conceito de Império caracteriza-se fundamentalmente pela ausência de fronteiras: o poder exercido pelo Império não tem limites. Antes e acima de tudo, portanto, o conceito de Império postula um regime que efetivamente abrange a totalidade do espaço, ou que de fato governa o mundo 'civilizado' (...) o Império se apresenta (...) como um regime sem fronteiras temporais, e, nesse sentido, fora da História ou no fim da História (...) O objeto de seu governo é a vida social como um todo e assim o Império se apresenta como um paradigma de biopoder.33

Toda a produção e reprodução da vida é nele alcançada: economia, política,

cultura, religião, etc. O Império consubstancia um novo registro de autoridade capaz de

lidar com as transformações evidenciadas na sociedade do risco mundial ou

globalizado.

O poder no Império não se define em termos apenas negativos nem sobre um

exclusivo domínio sobre a morte. Bem acentuam Hardt e Negri sua feição positiva, de

produção da vida:

O poder soberano mantem-se apenas pela preservação da vida de seus súditos (...) Mais importante que as tecnologias negativas de aniquilação e tortura, assim, é o caráter construtivo do biopoder. Guerra global não deve somente trazer morte, mas também produzir e regular a vida.34

32 Ver: SCHMITT, Carl, Teologia Política, 2006; SCHIMITT, Carl. La defesa de la constitución: estudio acerca de las diversas especies y possibilidades de salvaguarda de la constitución, 1983; SCHIMITT, Carl. Teoria de la constitución, 1992. E também: DYZENHAUS, D., Legality and Legitimacy, 1997. 33 HARDT, M.; NEGRI, A., Império, p. 57. 34 HARDT, M.; NEGRI, A., Multitude: war and democracy in the age of Empire, p. 31: “Sovereign power lives only by preserving the life of its subjects (…) More important than negative technologies of

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 59: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

59

59

Isso resta ainda mais claro se observado que o clamor por segurança – perdida na

sociedade do risco – associa-se, no presente, à defesa e à conservação, requerendo, para

tanto, ação, atividade positiva do Estado para moldar e regular a sociedade. Um Estado

em constante ação para produzir e reproduzir a vida social, para tudo disciplinar e

controlar sob o sígno da guerra ou da exceção.

A violência é legítimada, no Império, pelo resultado.35 Não a partir de direitos

humanos, valores morais ou estruturas jurídicas. Dessa sorte, a violência do mais forte é

legítima enquanto a violência do mais fraco é marginalizada e enquadrada em algum

daqueles conceitos abstratos antes mencionados, em especial o de terrorismo. Nessa

empreitada pretende o Império tolher, em meio a uma situação de exceção permanente,

a potência humana criativa que viabilizou e é capaz de viabilizar, de modo constante,

mutações imprescindíveis à vida social.

A democracia, nessas circunstâncias, se vê desacreditada. É dominada por

mecanismos de exceção invocados para, supostamente, “salvá-la”. Mas não se trata de

salvamento; antes, de sua própria destruição. A democracia se vê operacionalizada por

mecanismos jurídico-constitucionais de exceção, e, por mais estranho que pareça, é não-

democrática: dominadora, racista, excludente dos pobres, etc. Segue, via de regra, como

bem escreve Domenico Losurdo, uma tradição liberal-conservadora que desde seu

início se revelava desemancipatória.36

Diferente do que ocorria no mundo bipolarizado, em que democracia

consubstanciava, grosso modo, antônimo de totalitarismo facista ou comunista, hoje

tudo leva a crer que o conceito mesmo de democracia ingressou num tormentoso

declive, demandando que se construa renovados modos de compreensão, instituições e

práticas democráticas.

Tem-se, assim, uma das mais importantes tranformações do contexto social,

político e econômico que nos inspirou a utilizar o sintagma exceção permanente.

Falta, todavia, mais um componente dessa situação complexa: o neoliberalismo,

que não deve ser entendido apenas por sua feição de teoria econômica em favor da

sociedade organizada pelo mercado, mas, notadamente, pelos seus aspectos ideológicos,

enaltecedores do individualismo, da livre empresa, da liberdade negativa e da proteção

de mínimos de subsistência. annihilation and torture, then, is the constructive character of biopower. Global war must not only bring death but also produce and regulate life.” 35 Ibid., p. 30. 36 Cf. LOSURDO, D., Democracia ou Bonapartismo, 2004, p. 15 et. seq.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 60: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

60

60

3.4

Neoliberalismo

Ideologia que se tem beneficiado da organização Imperial – e de certa forma sua

gestora – é o neoliberalismo. Na medida em que o poder soberano se organiza de

maneira difusa, em rede, e o mercado, principalmente na economia internacional,

consegue mitigar a soberania dos Estados em determinados assuntos, espraia-se o

discurso de que se tem de buscar, preponderantemente, a liberdade individual e a livre

empresa. Aos Estados incumbe manter, como no liberalismo clássico, a estrutura

administrativa básica, garantindo, por exemplo, serviços públicos de base – água,

saneamento e educação – a integridade da moeda e a segurança mediante utilização de

recursos militares e ações de polícia. A intervenção direta na economia e no mercado

deve ser evitada.

A liberdade, no neoliberalismo, é valor supremo. Liberdade negativa, saliente-se,

reforçando o individualismo e a atuação econômica sem amarras estatais. O

desenvolvimento do neoliberalismo a partir de 1970, todavia, aponta para caminhos

mais complexos do que a simples revitalização de uma acepção negativa da liberdade.

Primeiro, porque acolhe em sua visão de liberdade, sem maiores preocupações,

ações de evidente caráter autoritário para, com isso, difundir a liberdade e a dignidade,

construindo, mundo afora, estruturas de mercado livre. É o caso da intervenção no

Iraque. Bem acentua Harvey que a administração Bush, em 19 de setembro de 2003,

quando Paul Bremer era o líder da Coalisão Provisória que comandava o Iraque,

promulgou quatro ordens que incluíram ampla privatização de empresas públicas,

proteção dos direitos das empresas estrangeiras na região, abertura dos bancos

iraquianos e repatriação de ganhos.37

Segundo, porque o neoliberalismo encontrou um terreno favorável em meio a

distintas perspectivas políticas. O terror das Guerras Mundias e a destruição promovida

na Europa levaram a um espécie de acordo em favor de um Estado liberal-democrata

com algumas preocupações sociais para viabilizar a restabilização da ordem. O Estado

de Bem-Estar – que se consolidou como alternativa ao autoritarismo do início do século

37 HARVEY, D., A Brief history of neoliberalism, p. 6. Exemplo histórico citado por Harvey ocorreu no Chile. Segundo o autor, o primeiro experimento de formação do Estado neoliberal (…) ocorreu no Chile depois do golpe de Pinochet em 11 de setembro de 1973.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 61: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

61

61

XX – não obstou o predomínio livre-cambista,38 tendo em vista que erigido em

harmonia com os interesses do capital em face da crise da primeira metade do século

XX. A complexidade do desenvolvimento neoliberal é ainda acentuada por se verificar,

em sua base, uma espécie de dominação paradoxal. O pensamento neoliberal emerge,

não se pode negar, em meio a conquistas de identidade e liberdade. As mulheres

alcançaram maior espaço na sociedade, ampliaram-se as lutas contra o racismo e a

desigualdade. Destarte, as regras e os princípios normativos que integram hoje, no

ocidente capitalista, o Estado Democrático de Direito sob influência neoliberal

fomentam, à maneira do paradoxo, uma cultura contrária às garantias e aos valores que,

sedimentados na história, visam a assegurar a solidariedade e a vida digna de todos. De

acordo com Martin Hartmann e Axel Honneth:

Qualquer um que inicie hoje uma atividade específica para investigar as novas transformações das sociedades capitalistas do Ocidente enfrentará, imediatamente, dificuldades não esperadas em razão dos déficits dessa usual modalidade de trabalho. Não só as fronteiras entre cultura e economia, mundo da vida e sistema, não podem mais ser determinadas sem ambigüidade; hoje o que conta como progresso é mais contestado do que no passado. O que é confuso – de fato causa perplexidade – sobre a situação contemporânea talvez seja que, enquanto os princípios normativos das décadas passadas ainda possuem aceitação performativa, abaixo da superfície eles parecem haver perdido seu significado emancipatório ou terem sido transformados; em muitas instâncias eles se tornaram meros conceitos legitimadores de uma nova etapa da expansão capitalista. (...) hoje, a maior parte do progresso normativo das últimas décadas transmutou-se em seu oposto, uma cultura que reduz solidariedade e independência, e, sob pressão de uma neoliberal antidomesticação do capitalismo, torna-se mecanismo de integração social.39

Têm-se, ao que tudo indica, senão sinais de esgotamento ao menos de forte

debilitação do construto social, político, econômico e jurídico erigido sobre os pilares

do paradigma da modernidade, do qual é tributário o Estado Democrático de Direito,

38 BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G., Dicionário de política, op.cit., p. 717, v. 2: “(...) em sua acepção mais simples e limitada, o livre cambismo é uma doutrina favorável à liberdade econômica (...) é a visão mais pura e integral do liberalismo (...) O atual credo livre-cambista (...) é, pois, assim entendido, uma forma de individualismo que não há de se confundir, porém, com o anarquismo individualista (...)”. 39 HARTMANN, M.; HONNETH, A., Paradoxes of Capitalism, 2006, p. 41. No original: “Anyone who sets out to investigate the new transformations of Western capitalist societies today will quickly run up against the deficits of this long serving model. Not only can the borders between culture and the economy, life-world and system, no longer be unambiguously determined; today what counts as progress is more contested than ever before. What is confusing – indeed, perplexing – about the contemporary situation may be that, while the normative principles of past decades still possess a performative currency, beneath the surface they seem to have lost their emancipatory meaning or been transformed; in many instances they have become mere legitimating concepts for a new level of capitalist expansion. (…) today much of the normative progress of the last decades has been turned into its opposite, a culture that decreases solidarity and independence, and, under pressure of a neoliberal de-domestication of capitalism, has become a mechanism of social integration.”

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 62: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

62

62

configurando, ao nosso sentir, situação de exceção permanente cuja análise outro

objetivo não revela a não ser o de contribuir para o entendimento dos complexos

institutos e relações político-jurídicos num momento em que a sociedade vê crescer,

nem sempre oculto, políticas antiemancipatórias.

Essa crescente onda neoconservadora, esclarece Harvey, resulta do próprio

movimento neoliberal que, no final do século XX, almeja superar a insustentabilidade

de seus postulados, evidenciada ao se verificar que os dois gigantes econômicos que

têm dirigido o mundo em meio a recessão global depois de 2001, Estados Unidos e

China, atuam como Estados de economia keynesiana, mantendo alto déficit público para

financiar investimentos em ações militares, consumo e criação de infra-estrutura, bem

assim ao se observar países que, à semelhança do Brasil, aderiram à receita econômica

neoliberal e não alcançaram, de uma maneira geral, as espectativas de recuperação e de

desenvolvimento proclamadas por essa doutrina. É conferir o baixo crescimento global

nos últimos 40 anos:40

FIGURA 1: TAXAS DE CRESCIMENTO GLOBAL POR ANO E DÉCADA DE 1960 A 2003

Além disso, a principal “conquista” no processo neoliberal seria a redistribuição e

não a geração de bem-estar e de renda, o que se operou, segundo Harvey, por um

processo de acumulação por despossessão (accumulation by dispossession), “a

continuação e proliferação de práticas de acumulação que Marrz tratou como

‘primitivas’ ou ‘originais’ durante o nascimento do capitalismo”.41 Nesse processo se

insere a 40 HARVEY, D., A Brief History of Neoliberalism, p. 154. 41 Ibid., p. 159: “the continuation and proliferation of accumulation practices which Marrz had treated of as ‘primite’ or ‘original’ during the rise of capitalism”.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 63: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

63

63

ordinarização e privatização da terra e a forçada expulsão de populações de pequenos agricultores (compare os casos, descritos acima, do México e da China, onde 70 milhões de pequenos agricultores são considerados para remoção em tempos recentes); conversão de várias formas de direitos de propriedade (comum, coletiva, estatal, etc) em exclusivas propriedades privadas (representada de modo mais acentuado na China); supressão de direitos de áreas de uso comum; ordinarização da força de trablho e supressão de formas alternativas (nativas) de produção e consumo; processo colonial, neocolonial e imperial de apropriação de valores (incluindo recursos naturais); monetarização da troca/comércio e da tributação, particularmente da terra; o comércio escravo (que continua particularmente na indústria do sexo); a usura, a dívida nacional e, mais devastador de todos, o uso do sistema de crédito como meio radical de acumulação por despossessão. O Estado, com o monopólio da violência e das definições legais, exerce papel crucial tanto protegendo como promovendo esses processos.42

A acumulação por despossessão compõe-se, para o autor, de quatro características

principais: (i) privatization and commodification; (ii) financialization; (iii) the

management and manipulation of crisis; (iv) State redistributions.

Privatization and commodification, privatização e ordinarização. Quer dizer que o

processo de propagação neoliberal abre novos espaços para a acumulação de capital em

domínios até então não integrantes do universo da lucratividade. Utilidades públicas

(aguá, telecomunicações, transporte, energia), provisões de segurança social (educação,

previdência, saúde) e instituições públicas (universidade, laboratórios de pesquisa,

prisões) são abertos ao capital privado (aí a privatization). Em prol da lógica do

aumento da produção e do capital, o domínio privado de materiais genéticos e remédios,

bem como a exploração crescente do meio ambiente e a

ordinarização/banalização/massificação de formas culturais pela indústria de turísmo e

de entretenimento levam à ordinarização e à mercantilização da natureza e de formas

culturais minoritárias (aí a commodification). O Estado a tudo assiste e de tudo toma

parte. Ora se afasta, flexibilizando sua regulação, ora se aproxima mediante seu mais

eficaz “serviço público”: a força.

O crescimento do mercado financeiro e de uma economia voltada à exploração da

moeda (financialization) é característica a todo tempo comentada. Não parece haver ano

42 Idem.: “commodification and privatization of the land and the forceful expulsion of peasant populations (compare the cases, described above, of Mexico and China, where 70 milion peasants are thought to have been displaced in recent times); conversion o various forms of property rights (common, collective, state, etc.) into exclusive private property rights (most spectaculary represented by China); suppression of rights to the commons; commodification of labour power and suppression of alternative (indigenous) forms of production and consumption; colonial, neocolonial, and imperial processes of appropriation of assets (including natural resources); monetization of exchange and taxation, particulary of land; the slave trade (which continues particulary in the sex industry); the usury, the national debt and, most devastating of all, the use of credit system as radical means of accumulation by dispossession. The state, with its monopoly of violence and definitions of legality, plays a crucial role in both backing and promoting these processes.”

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 64: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

64

64

em que os bancos, pelo menos assim se tem acompanhado nas informações amplamente

divulgadas na imprensa brasileira, não atinjam lucro recorde, sem importar o cenário

econômico.

Por the management and manipulation of crises se refere Harvey, principalmente,

à armadilha das crises de débito e da dívida externa. Mediante empréstimos “de

salvação” países se tornam reféns da economia internacional e das potências dirigentes,

viabilizando a transferência de expressiva parcela de suas riquezas para países mais

ricos. Opera-se aqui, com toda a clareza, a acumulação por desposseção.

A quarta característica cuida da atuação redistributiva do Estado. A distribuição

de renda e de incentivos no Estado neoliberal privilegia o fomento de empresas em

setores econômicos específicos com o objetivo de manter acesa a economia, esteja ou

não em crise. Criam-se subsídios e benefícios tributários para empresas, flexibilizam-se

direitos trabalhistas e, às vezes, instituem-se alguns benefícios sociais simbólicos. Ao

mesmo tempo, cresce a marginalização em setores da sociedade que não conseguem se

incluir no mercado.

Tudo isso contribui, na verdade, para que sob o processo neoliberal se assista ao

que Harvey denomina commodification of everything, a ordinarização de todas as

coisas:

Presumir que os mercados e o sinal do mercado pode melhor determinar todas as decisões alocativas é presumir que todas as coisas podem, em princípio, ser tratadas como mercadorias/produtos. Ordinarização presume a existência de direitos de propriedade sobre processamentos, coisas, e relações sociais, que um preço pode lhes ser estipulado e que tudo isso pode ser tratado como parte num contrato. O mercado é imaginado para funcionar como um guia apropriado – uma ética – para toda ação humana.43

Não fica fora desse processo o meio ambiente, cuja degradação cresce ano-a-ano.

A exploração de recursos energéticos e a necessidade de se extrair o máximo de

matérias naturais possíveis para manter elevados níveis de consumo é constante no

período da dominação neoliberal.

No âmbito político-constitucional, não se pode olvidar que o neoliberalismo

cresce ao lado do discurso dos direitos humanos, em específico, dos direitos de primeira

43 Ibid., p. 165: “To presume that markets and market signal can best determine all allocative decisions is to presume that eveything can in principble be treated as commodity. Commodification presumes the existence of property rights over processes, things, and social relations, that a price can be put on them, and that them can be traded subject to legal contract. The market is presumed to work as an appropriate guide – an ethic – for all human action.”

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 65: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

65

65

geração: “indubitavelmente, a insistência neoliberal no individual como elemento

fundamental da vida política-econômica abre a porta para um ativismo de direitos

individuais”.44

Também não pode passar despercebido o fato de que o freqüente apelo à ação

jurídica se harmoniza com uma aparente preferência do processo neoliberal de levar os

debates políticos, em especial aqueles de relevância econômica, ao Judiciário e ao

Executivo, esquivando-se dos tormentosos processos de criação de normas no

Legislativo e de “ameaçadoras” mutações emergentes por vias não-institucionalizadas.

Trata-se de uma revalorização normativa de caráter apenas emancipatório ou de

uma forma bastante inteligente e aceitável para, em regimes democráticos, administrar-

se, com alguma previsibilidade, o domínio? A resposta aponta no sentido da

simultaneidade, como acreditamos restar claro ao se refletir sob o marco da exceção

permanente.

Essas particularidades do neoliberalismo, seus defeitos, não se impõem à

sociedade sem críticas. O 11/09 expõe exatamente isso. Com lucidez peculiar esclarece

José Maria Gomez:

(...) a partir de meados da década de noventa, a retórica dominante da celebração foi perdendo fôlego diante das duras réplicas da realidade. (...) o tripé direitos humanos individuais/modelo econômico neoliberal/democracias eleitorais passou a ser alvo de um acelerado processo de deslegitimação, contestação e busca de significados alternativos. Decerto, ele não deixou de ser dominante nos discursos e, no caso dos últimos anos, também na prática. (...) Mas uma nova fase só se perfila de maneira clara a partir dos atentados terroristas do 11 de setembro de 2001 e da conseqüente virada da estratégia de segurança dos Estados Unidos. Com efeito, o ataque inusitado aos símbolos do poder financeiro e militar norte-americano, no seu próprio território, por uma rede islãmica transnacional (e não por um Estado) e através de meios civis (e não militares convencionais) desencadeou uma forte reação do governo Bush, cujas expressões mais visíveis têm sido a realização de duas guerras (na Ásia Central e no Meio Oriente), a implantação de severos dispositivos de segurança nacional e global (...) e a formulação oficial, em novembro de 2002, da 'Nova Grande Estratégia Imperial' (...) Nessa reformulação estratégica, os Estados Unidos anunciaram ao mundo que não admitirão que nenhum Estado aspire à igualdade ou à supremacia militar, e que eles se auto-atribuem o direito exclusivo de usar a força militar (...) ainda que isso implique transgredir o direito internacional, não obter apoio dos aliados tradicionais (...) nem contar com a autorização da organização encarregada dos assuntos de paz e segurança internacional (ONU).45

44 Ibid., p. 176: “undoubtelly, the neoliberal insitence upon the individual as the foundation element in political-economic life opens the door to individual rights activism”. 45 GOMEZ, J. M., Direitos Humanos, Desenvolvimento e Democracia na América Latina, p. 82-83.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 66: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

66

66

Estar-se-ia, agora, bem frisou José Maria Gomez, ante um estado de exceção

permanente:

(...) o mais poderoso Estado do planeta (...) assume-se como um império belicoso global, uma espécie de Leviatã imperial que reivindicava para si o poder soberano absoluto de decretar o Estado de Exceção permanente, sem limites de espaço e tempo, nem entraves jurídicos, morais ou político-institucionais, toda vez que sua segurança nacional – irremediavelmente global – for considerada sob ameaça ou perigo.46

O estado de guerra a que, com Hardt e Negri, nos referimos, o estado de exceção

permanente, é, ao que tudo indica, expressão do neoconservadorismo autoritário citado

por Harvey:

A grande pergunta seria, dessa maneira, como está a extensão do expressivo descontentamento e como seria possível lidar com isso. A consolidação do autoritarismo neoconservador, assim, emerge como uma resposta potencial. Neoconservadorismo (...) sustenta o rumo neoliberal no sentido da construção do mercado assimétrico das liberdades, mas faz as tendências antidemocráticas do neoliberalismo explícitas por meio de uma virada para o autoritarismo, hierárquico, e feqüentemente munido de meios militares de manutenção da lei e da ordem. No Novo Imperialismo eu explorei a tese de Hanna Arendt de que a militarização difundida no estrangeiro e no âmbito doméstico caminham, de modo inevitável, de mãos dadas, e concluí que a aventura internacional dos neoconservadores, há tempos planejada e legitimada após os ataques de 9/11, dividiu tanto o corpo político nos EUA como a estratégia geopolítica de manutenção da hegemonia no controle sobre os recursos do petróleo. Medo e insegurança, interna e externamente, (...) são ambos muito facilmente manipulados por propósitos políticos.47

Muito maior razão se tem, portanto, na atual situação de exceção permanente,

para ratificar a tese de Hannah Arendt no sentido de que a sociedade que se formou no

século XX excluiu a capacidade humana de ação – ou de imaginação criativa, se nos

aventurarmos pela psicanálise – em favor do labor e do trabalho.48

46 Ibid., p.83. 47 HARVEY, D., A Brief History of Neoliberalism, p. 195: “The big question would then be how extensive an expressive the discontent is, and how it might be handle. The consolidation of neconservative authoritarianism then emerges as one potential answer. Neoconservatism (…) sustains the neoliberal drive towards the construction of asymmetric market freedoms but makes the anti-democratic tendencies of neoliberalism explicit through a turn into authoritarian, hierarquical, and even militaristic means of maintaining law and order. In The new Imperialism I explored Hannah Arendt´s thesis that militarization abroad and at home inevitably go hand in hand, and concluded that international adventurism of the neocoservatives, long planned and legitimized after the 9/11 attacks, had as much-divided body politic in the US as it did with a geopolitical strategy of maintaining global hegemony through control over oil resources. Fear and insecurity both internally and externally were all too easily (…) manipulated for political purposes.” 48 Confira-se: ARENDT, Hanna. A condição humana. 10ª ed.. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 67: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

67

67

Tudo considerado, globalização, risco, estado de guerra, Império e neoliberalismo,

ainda que abordados aqui em breves linhas, permitem uma imagem adequada dos

desafios e tendências que se colocam, neste início de século, para o direito, em

específico para o direito constitucional. Deixam manifesta a transformação da

constituição material, a alteração dos fatores reais de poder que condicionam e influem

de modo decisivo na normatividade jurídica e na sua crise.

Unidas, essas noções formam um contexto que desafia a capacidade reguladora da

constituição, indicando ser necessária sua reestruturação para abrir maior espaço a uma

dimensão política não-juridicializada ou, pelo menos, a uma perspectiva que não atribua

ao jurídico-constitucional a potência emancipatória que se lhe tem conferido a teoria

pós-1945.

Rumo à passagem da situação para a categoria da exceção atentar-se-á no próximo

capítulo, ainda que de maneira resumida, à experiência de crise na República de

Weimar e à abordagem schmittiana da exceção, bem assim ao ressurgir do discurso

emergencial (ou de exceção) nos Estados Unidos da América pós-09/11 e à

(re)configuração da idéia de exceção em Giorgio Agamben a fim de explicitar a

categoria da exceção permanente e indicar algumas de suas características.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 68: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

4

Exceção pemanente: uma categoria para pensar a Teoria

Constitucional no século XXI

Sumário do capítulo: 4.1. Origens: Carl Schmitt e a República de Weimar; 4.2. De 1945 a 2001: uma síntese dos novos rumos; 4.3. Revitalização: o debate norte-americano sobre a constituição de emergência; 4.4. (Re)construindo a exceção.

Exceção permanente, sustentamos, não se restinge a trazer à mente um contexto

sócio-político-econômico. Consubstancia mesmo uma categoria útil à reflexão em teoria

constitucional no início do século XXI.

Neste capítulo, destarte, espera-se sedimentar a conclusão de que enfrentamos,

hoje, no mundo, um contexto transformador da normatividade autônoma que mantém a

realidade como dado exterior à constituição. É o que sinalizada, de modo expresso, o

ressurgir do discurso emergencial (ou de exceção) nos Estados Unidos da América pós-

09/11. Além disso, percorrendo as origens da exceção em Schmitt almeja-se

(re)construir, com Agamben, a categoria – adjetiva, agora, pela permanência e

direcionada à reconstrução do normativo, à exposição da imanência entre vida e norma,

da zona de indiscernibilidade não apreendida, em sua totalidade, pelo discurso jurídico-

constitucional que, por si só, é incapaz de conquistas emancipatórias e, por isso, deve

proporcionar maior abertura à política.

4.1

Origens: Carl Schmitt e a República de Weimar1

Terminada a Primeira Guerra Mundial, em um contexto marcado pela desordem

interna e por significativa fragmentação política, submetida às restrições do Tratado de

1 Para uma visão geral da doutrina constitucional alemã sobre o estado de emergência ou de exceção, confira-se JAKAB, A., German Constitutional Law on State of Emergency – Paradigms and Dilemmas of a Traditional (Continental) Discourse, 2006.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 69: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

69

69

Versalhes e perante a ascensão do comunismo russo, a Alemanha redigiu sua

constituição.2

De acordo com Gilberto Bercovici, a Constituição de Weimar, denominada

“compromisso constitucional”, era criticada, principalmente, porque além de traçar a

estrutura básica do Estado, em consonância com as constituições erigidas sob a tradição

liberal, adotava em sua segunda parte um rol de direitos fundamentais individuais e

sócio-econômicos que se identificariam com as pretensões da esquerda social-

democrata e comunista. 3

A Constituição de Weimar pôs fim ao Segundo Reich, mas não ao legado

autoritário e militar do Império. A instauração de uma democracia liberal após a

Primeira Guerra Mundial não era evidente na Alemanha. A social democracia

representada pelo SPD (Partido Social Democrata) e pelo USPD (Partido Social

Democrata Independente) – sua dissidência à esquerda – o partido católico, de centro, e

o partido democrata (DDP – Partido Democrata Alemão) compunham a maioria na

Assembléia Constituinte, debatendo o projeto de constituição elaborado por Hugo

Preuss, no qual não havia capítulo relativo aos direitos fundamentais. Foi na

constituinte, em face da proposta de Friedrich Neumann, que se acrescentou a segunda

parte da constituição, estabelecendo-se os direitos e deveres dos alemães.

Aboliu-se o governo monárquico do Império e a soberania restou expressamente

conferida ao povo alemão. À semelhança da constituição anterior, contudo, manteve-se

a forma federal de Estado com caráter centralizador.4 O art. 48 da Constituição de

Weimar, na trilha do art. 68 da Constituição do Império, autorizava o presidente a tomar

2 Sobre o contexto daquele período esclarecem, de forma resumida, Igor de Abreu e Manuela Martins em DUARTE, F.; VIEIRA, J. R., op. cit., p. 181 passim.: “O período entre as Guerras Mundiais representou uma época de crise para os Estados da Europa central, não só de suas Constituições mas, também dos seus próprios Estados; estes, à época, imersos em um processo de transformação social (...). As bases da transição estatal se apresentaram na Alemanha de um modo bem distinto. (...) A população e o território da Alemanha permaneceram sustentavelmente inalterados. Seus problemas existenciais surgiram por outros motivos. Num ponto estava a transformação da identidade como estado: a Alemanha, que antes havia reivindicado a grandeza e o prestígio internacional de sua nação, havia sido uma monarquia constitucional; entretanto, a Alemanha que havia capitulado e que havia firmado humilhante tratado de paz era uma república nascida de uma revolução (...) A Alemanha era uma nação, porém uma 'nação dividida' e, no fundo, partida. Seu principal problema residia no fato de que o novo ordenamento político, instaurado com a república democrática, devia renunciar precisamente à sua função mais importante, a de unir eficazmente uma nação dividida (...) A Alemanha, em comparação, resistiu bem à derrota militar e, inclusive experimentou imediatamente depois da guerra, uma moderada melhora. Assim, a crise econômica e política só atingiu a República de Weimar a partir de 1920, potencializada posteriormente pelas dèbacles institucionais de 1931/1932. Este processo econômico teve efeitos óbvios sobre a legitimidade política e a estabilidade dos Estados”. 3 BERCOVICI, G., Constituição e Estado de exceção permanente: Atualidade de Weimar, p. 25 et. seq.. 4 Nesse sentido JACONBSON, A. J.; SCHILINK, B. (orgs). Weimar: A jurisprudence of crisis, 2002.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 70: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

70

70

as medidas necessárias para o restabelecimento da segurança e da ordem pública se

houvesse séria ameaça. Poderia, assim, valer-se das forças armadas e suspender direitos

fundamentais.

A fragmentação ideológica da Constituição de Weimar estava na base da

argumentação de seus críticos. Para Carl Schmitt, àquele tempo principal opositor da

constituição, nela havia numerosos dispositivos que não representavam uma decisão

política e, por conseguinte, prejudicavam a construção de uma comunidade nacional

homogênea.

Sua crítica estava centrada, principalmente, em dois argumentos: (i) na noção de

soberania como poder de decidir no estado de exceção e (ii) na crença de que o

“espírito”, a vontade do povo, somente se revelaria se houvesse

homogeneidade/totalidade. Nessa direção salientam Igor de Abreu e Manuela Martins:

“[a] propósito, o pensamento de Carl Schmitt (1996), nesses anos 20 do século passado,

apela para uma 'democracia homogênea' ou uma forma depurada de Estado de

exceção”.5

Quanto à soberania, é dizer, inicialmente – sem descuidar, com isso, das

dificuldades contemporâneas do conceito moderno, associado à dicotomia interno e

externo e aos Estados caracterizados por territórios delimitados e compostos por

agrupamentos relativamente homogêneos e identificáveis – que as noções nela

abarcadas não só facilitam a intelecção da exceção soberana schmittiana como reforçam

a existência da aporia concernente à tensão entre norma e vida. Vejamos.

Existiriam, de acordo com Nicola Matteucci, duas acepções fundamentais de

soberania na perspectiva político-jurídica. Em sentido amplo, “(...) o poder de mando de

última instância, numa sociedade política e, conseqüentemente, a diferença entre esta e

as demais associações humanas em cuja organização não se encontra esse poder

supremo, exclusivo e não derivado”.6 A soberania, aí, revela-se como racionalização

jurídica capaz de explicar a “transformação da força em poder legítimo, do poder de

fato em poder de direito.”7 Nessa acepção, a despeito das diferentes formas de

organização histórica, assinala-se um poder último de mando legitimamente aceito e

distinto de associações como a família.

Com o nascimento do Estado ter-se-ia, de acordo com Matteucci, o sentido estrito

5 DUARTE, F.; VIEIRA, J. R., op. cit., p. 191. 6 BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G., Dicionário de política, p. 1179. 7 Idem.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 71: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

71

71

de soberania: “o poder estatal, sujeito único e exclusivo da política”.8

Na sua acepção ampla, soberania relaciona-se com a paz e a guerra e o soberano,

titular do poder último, pretende ser exclusivo, onicompetente e onicompreensivo;

somente ele pode intervir em todas as questões e não permitir que outros decidam.

Isso é incorporado no sentido estrito da soberania, no Estado, pela distinção entre

interior e exterior. Internamente, o soberano moderno elimina os poderes que lhe são

contrários, “procura a eliminação de conflitos internos, mediante a neutralização e a

despolitização da sociedade, governada de fora, mediante processos administrativos,

antítese de processos políticos”.9 Externamente, decide, em relativa igualdade com

outros soberanos, a guerra ou a paz. Pela referência ao sentido estrito de soberania

avista-se, além do mais, a problemática de o soberano criador da lei não ser por ela

limitado. Ao poder soberano, à capacidade última de mando que restou identificada com

o Estado são atribuídas características de poder absoluto, perpétuo, indivisível,

inalienável e imprescritível, um poder originário e de conotação voluntarista.

Daí se impor, no conceito moderno de soberania, a necessidade de apreender e

definir a sua constituição, seu momento inicial manifestado na idéia de poder

constituinte seja na sua tipologia de ditadura soberana – um mero poder de fato – seja

na de soberania popular, síntese de poder e direito, de ser e dever-ser, de ação e

consenso que funda a criação da nova sociedade no iuris consensu.”10

A tensão entre normatividade e vida, já se vê, perpassa a própria natureza da idéia

de soberania moderna e das limitações que lhe objetivou impor o constitucionalismo.

Haveria na base do pensamento moderno aqueles que, na direção de Bodin,

identificam a soberania com o monopólio do direito, do poder de fazer e revogar leis, do

poder de legislar, e aqueles que, seguindo Hobbes, valorizam a soberania por seu

“momento de execução, isto é, o tipo de poder cogente”.11 Em outras palavras:

8 Idem. 9 Ibid., p. 1180. 10 MATTEUCCI, N., Dicionário de política, p. 1185. No primeiro caso, “pretende-se retirar a constituição vigente e impor uma outra, considerada mais justa e mais verdadeira, por parte de uma única pessoa, de um grupo de pessoas de uma classe social, que se apresentam como intérpretes de uma suposta racionalidade e atuam como comissários do povo, sem ter recebido dele nenhum mandato específico.” A soberania do povo, por outro lado, manifesta-se como poder constituinte que define numa Constituição “os órgãos e os poderes constituídos e instaura o ordenamento, onde estão previstas as regras que permitem sua transformação e sua aplicação.” Segundo o autor, se a “ditadura soberana constitui um mero fato, produtor do ordenamento, o poder constituinte do povo é uma síntese de poder e direito, de ser e dever ser, de ação e consenso, uma vez que funda a criação da nova sociedade no iuris consensu.” 11 Ibid., 1180. É interessante destacar a observação de Matteucci de que Hobbes “encontra a legalização deste monopólio da coerção física no contrato social; porém, seus sucessores confundiram este monopólio legal da sanção com a mera capacidade de se fazer obedecer, reduzindo, desta forma, a Soberania à mera

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 72: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

72

72

soberania como a mais alta autoridade do direito ou como poder de fato.

Equilíbrar esses dois extremos é o que se busca século-a-século.

Rousseau, por exemplo, que afirma ser inútil perguntar a quem toca fazer as leis –

pois elas são atos da vontade geral, leis gerais e abstratas – não consegue, ainda assim,

deixar de observar a inflexibilidade e a lentidão das leis ao discorrer sobre a ditadura

romana:

A inflexibilidade das leis, que lhe tolhe dobrar-se aos sucessos, pode em certas ocasiões fazê-las prejudiciais e causadoras da perda do Estado em crise. A ordem e a lentidão das formas requerem um espaço de tempo que as circunstâncias às vezes negam; sobrevêm mil acontecimentos a que não deu providências o legislador, e é muito necessária providência conhecer que não pode tudo antever. Cumpre consolidar as instituições políticas de sorte que nos privemos da faculdade de suspender os efeitos dela (...) Porém só os maiores perigos se podem contrapesar com o da alteração da ordem pública, e jamais se deve suspender o sacro poderio das leis, senão quando se trata da salvação da Pátria, e provê-se a segurança pública por um ato particular, que a incumbe ao mais benemérito cidadão (...).12

Não obstante atribuir superioridade ao momento legislativo, Rousseau reconhece,

em determinadas hipóteses, a insuficiência das leis, sua inaptidão para resolver

problemas emergenciais. Admite, destarte, em casos raros, medidas como a nomeação

de um chefe supremo com poder de suspender as leis existentes para evitar o

perecimento do Estado.

Também Locke enfrenta o problema. E, embora afirme ser o legislativo o poder

supremo da sociedade política, ao discorrer sobre a Inglaterra chama seu rei de

‘soberano’, uma vez que além de participar do poder legislativo detém ele, com o poder

executivo, o poder federativo (decidir acerca da guerra e da paz) e a prerrogativa ou

poder arbitrário em casos de exceção.

O Estado ou governo misto13 e a separação de poderes, conquanto enfrentem a

questão da indivisibilidade da soberania, em períodos de “guerra civil ou de crise

revolucionária (...) acabam sendo superados, possibilitando, desta forma, a afirmação de

um verdadeiro soberano de fato”.14 Isso é visível no debate norte-americano – que será

retratado à frente – em que a defesa da constituição de emergência encontra arrimo

argumentativo numa tentativa de harmonização das funções executiva, legislativa e

efetividade, isto é, à força”. (p. 1181) Veja-se, ainda: HOBBES, Thomas, Leviatã: ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil, 2004. 12 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social p. 113/114. 13 Ibid., p. 78 e ss. 14 MATTEUCCI, N., op cit., p. 1181.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 73: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

73

73

jurisdicional.

Sobre a limitação da soberania e sua relação com a maneira de equalizar poder de

direito e poder de fato, é ver, com Matteucci, que se pode avistar pelo menos três

posições sobre a temática: (i) os que sustentam a tese da soberania limitada, em que é a

lei uma ordem justa e o supremo poder, na linha defendida por Locke, acha-se

restringido, por uma lado, pelo contrato – ou pela constituição, com os direitos naturais

por ela tutelados – e, por outro, controlado pelo povo, do qual o Parlamento é simples

representante; (ii) aqueles que são favoráveis à soberania absoluta, quer na vertende de

Hobbes, da não arbitrariedade do poder em razão da racionalidade técnica ou da

adequação ao objeto útil, quer na de Rousseau, em que a soberania exprime uma

racionalidade substancial, uma moralidade que se opõe á vontade do particular,

expressando a vontade geral: aqui, a lei é uma ordem técnica, racional com relação ao

objetivo, ou é uma ordem intrinsecamente universal; (iii) os que advogam a tese da

soberania arbitrária. Nessa corrente inclui Matteucci autores como Jeremy Bentham,

john Austim, Benjamin Constant e Alexis de Tocqueville por sustentarem uma

onipotência do Parlamento que lhe assegura poderes para fazer, de direito, tudo aquilo

que pode fazer de fato, viabilizando, assim, coincidir a extensão de sua soberania com a

sua força: a lei consiste num capricho da subjetividade de alguém, do mais forte.

Tudo considerado, pode-se afirmar que a soberania moderna de matriz européia –

erigida sob a filosofia da transcendência que separa o homem da natureza, reduz o

conhecimento à mediação intelectual, neutraliza a esfera sentimental e inibe a potência

constituinte do ser humano – objetiva, notadamente, harmonizar a tensão entre norma e

realidade mediante o estabelecimento de um poder de mando centralizado e de um

maquinário de dominação e controle.

Na situação de exceção permanente descrita no capítulo anterior o conceito

moderno de soberania é, pelo menos em parte, modificado. Em tempos de Império, a

soberania é diluída; interior e exterior se fundem.15 Não se perde, todavia, a necessidade

de centralização e de um poder de controle, tendo em vista que os problemas

enfrentados agora, em meio à mobilidade, à fragmentação e à flexibilização não

demandam uma divisão, mas uma administração das diferenças para assegurar a ordem.

Bem sustentam Hardt e Negri:

15 HARDT, M.; NEGRI, A., Império, p. 206-210.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 74: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

74

74

‘Dividir e conquistar’ não é, portanto, a correta formulação da estratégia imperial. Com mais freqüência o Império não cria divisões mas reconhece as diferenças existentes ou potenciais, festeja-as e administra-as dentro de uma economia geral de comando. O triplo imperativo do Império é incorporar, diferenciar e administrar.16

Nessas circunstâncias, além disso, mantém o poder soberano seu aporte jurídico.

Afinal, com a difusão do constitucionalismo e do estabelecimento de constituições

escritas e supremas não se pôde evitar que no processo histórico do Estado moderno a

linguagem institucionalizada do direito, da constituição, fosse sua expressão

comunicativa preponderante.

Voltemos a Schmitt.

Dirige-se o autor ao soberano, porquanto para se compreender o conceito de

soberania de maneira adequada, em específico no que toca à problemática tensão entre

normatividade jurídica e poder de fato – a soberania em si, afirma –, deve-se fugir da

abstração e tratar do soberano, aquele que decide, em concreto, o caso de conflito e em

que consiste o interesse público ou estatal, a segurança, a ordem estatal, a saúde pública,

etc.

Daí a assertiva: soberano é quem decide sobre o estado de exceção. 17 18

Consoante Schmitt:

Não se pode indicar com clareza tipificável quando se apresenta um estado de necessidade, nem pode ser enumerado, substancialmente, o que pode ocorrer quando se trata, realmente, de um estado extremo de necessidade e de sua reparação. Os pressupostos são aqui, como conteúdo da competência, necessariamente ilimitados. Portanto, no sentido jurídico-estatal, não se apresenta nenhuma competência. No máximo, a Constituição pode indicar quem deve agir em tal caso. Não se submetendo a ação a nenhum controle, não há, de nenhuma forma, a divisão, como ocorre na práxis da Constituição jurídico-estatal, em diversas instâncias que se equilibram e se obstruem reciprocamente, de modo que fica claro quem é o soberano. Ele decide tanto sobre a ocorrência do estado de necessidade extremo, bem como o que se deve fazer para saná-lo. O soberano se coloca fora da ordem jurídica vigente, porém, a ela pertence, pois ele é competente para a decisão sobre se a Constituição pode ser suspensa in toto.19 20

16 Ibid., p. 220. 17 SCHMITT, Carl. Teologia Política, 2006, p. 7. 18 Ver ainda: SCHMITT, Carl. La defesa de la constitución: estudio acerca de las diversas especies y possibilidades de salvaguarda de la constitución, 1983; SCHMITT, Carl. Teoria de la constitución. Madrid: Alianza Editorial, 1992. 19 Op. Cit., p. 8. 20 Haveria certa ambigüidade, entretanto, observa David Dyzenhaus, na definição schmittina de soberania, associada à exceção. Não restaria claro se soberano é aquele que decidiu, de fato, na exceção ou se a decisão da soberania é distinta de quem a efetivou: Mas ainda que elaborada com cuidado, a definição de soberano tem, e talvez deliberadamente, elevado grau de ambigüidade. É ambígua entre a afirmação de que alguém que friamente decide sobre o estado de exceção é soberano e a assertiva de que soberano, em virtude de sua posição como soberano, é aquele que tem de decidir sobre o estado de exceção. Na primeira afirmação, nós nunca podemos saber quem é soberano no avançar do estado de

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 75: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

75

75

A soberania, aí, é expressa em dois momentos: na figura do poder constituinte e

do presidente, de molde a viabilizar que se concentre a análise no soberano que decide

sobre o estado de exceção.

Esclareça-se.

Schmitt em sua Teoria da Constituição apresenta quatro acepções de constituição:

absoluta, relativa, positiva e ideal.21

A constituição ideal refere-se às preferências políticas que, para determinado

grupo – segundo Schmitt a burguesia –, são verdadeiras e adequadas aos seus

postulados. Acentuado o contraste entre a realidade e as suas aspirações políticas, a

constituição ideal é aquilo que para o grupo seria, “de fato”, a verdadeira constituição.

A constituição no seu sentido relativo consiste nas leis constitucionais

particulares, na constituição formal que não se preocupa em determinar a vontade e a

unidade do Estado.

Em oposição direta à acepção relativa, a constituição absoluta trata, por sua vez,

de uma totalidade, seja a total unidade e ordenação política no Estado seja uma unidade

normativa, idealizada. Assim, tanto a constituição absoluta pode significar (a) uma

concreta maneira de ser, um status de unidade política, confundindo-se com o Estado,

(b) uma maneira de ordenar a vida social, ou seja, constituição como forma de governo

(c) e uma energia dinâmica de soerguimento da unidade e da integração como (d) um

sistema de normas, de “regulación legal fundamental”, um simples dever-ser que se

identifica com o Estado porque esse também é compreendido como um dever-ser

normativo.

Para fugir dessa polissemia sustenta Schmitt que a constituição só é válida quando

emana de um poder constituinte e estabelecida por sua vontade. Soberania e poder

constituinte, na doutrina do autor, confundem-se.

A constituição há de ser positiva, ou seja, decorrente de uma determinação

consciente da concreta forma de conjunto mediante o qual se decide a unidade política.

E mais, a constituição é a decisão política fundamental do titular do poder constituinte

exceção; na segunda, nós sabemos quem é o soberano, somente o conteúdo de sua decisão é desconhecido. Cf. DYZENHAUS, D., Legality and Legitimacy, p. 43: “But while carefully crafted, the definition of sovereign is highly, and perhaps deliberately, ambiguous. It is ambiguous between the claim that the one who has a matter of facts decides on the states of exception is sovereign and the claim that sovereign, in virtue of his position as sovereign, is the one who gets to decide on the state of exception. On the first claim, we can never know who is sovereign in advance of a state of exception; on the second, we do know who the sovereign is, only the content of his decision in unknown.” 21 SCHMITT, C., Teoria de la constitución, p. 29-62.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 76: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

76

76

que, de acordo com Schmitt,

(...) es la voluntad política cuya fuerza o autoridad es capaz de adoptar la concreta decisión de conjunto sobre o modo y forma de la propria existencia política, determinando así la existencia de la unidad política como un todo (...) Una ley constitucional es, por su contenido, la normación que lleva a la práctica la voluntad constituyente. Se encuentra por completo bajo el supuesto y sobre la base de la decisión política de conjunto contenida en esa voluntad. (...) Así como una disposición orgánica no agota el poder organizador que contiene autoridad y poder de organización, así tampoco puede la emisión de una Constitución agotar, absorver y consumir el Poder constituyente.”22

O titular do poder constituinte, o soberano, nos regimes democráticos é o povo,

cuja vontade não se manifestaria, consoante Schmitt, por eleições e semelhantes

procedimentos normativamente regulados. A voz da multidão reunida que compõe o

povo faz-se ouvir, precipuamente, pela aclamação e seria captada nas democracias

modernas, em linha de princípio, por uma assembléia constituinte.

Legítima seria a constituição “cuando la fuerza y autoridad del Poder

constituyente en que descansa su decisión es reconecida”.23

A democracia, para Schmitt, cuida de uma forma de assegurar a identidade do

povo como unidade política e, por conseguinte, do estabelecimento de métodos para a

participação popular – princípio da identidade.24 Na modernidade burguesa, pugna o

autor, os regimes democráticos associaram-se à noção de república no sentido de

divisão de poderes e não em oposição à monarquia (forma política). O princípio

monárquico de representação encontraria, assim, espaço nas democracias ao se

organizar o governo (monarquia como forma de governo) e a chefia do Executivo.

Dessa sorte, haveria para Schmitt uma combinação do princípio democrático com

o princípio monárquico no Estado de Direito burguês. E aí se começa a insinuar uma

certa dualidade da constituição de Weimar.

A Constituição de Weimar, defende Schmitt, teria adotado um parlamentarismo

com nuances de variados sistemas: parlamentarista estrito, de primeiro ministro, de

gabinete e presidencial. A maior preocupação na Assembléia Nacional de Weimar

estava em produzir uma sólida conexão entre o Parlamento e o Governo. Todavia, o

instituto da dissolução do Parlamento pelo presidente do Reich assegurado na

constituição consubstanciava o centro de toda a ordenação político-jurídica.

22 Ibid., p. 94. 23 Ibid., p. 104. 24 Ibid., p. 221.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 77: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

77

77

A Constituição de Weimar conferiu ao presidente, de forma expressa no art. 48, a

sua guarda. Ao presidente cabia equilibrar a pluralidade democrática para se efetivar o

mencionado princípio de identidade. Por seu intermédio superavam-se os vícios dos

métodos eleitorais normativamente regulados para instaurar a sistemática plebiscitária

capaz de captar a vontade constituinte do povo.25 Enquanto os tribunais evitariam os

riscos da contaminação política, o presidente seria o único capaz de garantir a total

unidade e ordenação política emanada da vontade constituinte, isto é: de guardar a

constituição.

Não expõe Schmitt, entretanto, que ao associar soberania, poder constituinte e

presidência fomenta a própria destruição do poder constituinte, reduzindo-o a poder

constituído e controlado pelo presidente.

As noções de soberania e de soberano em Schmitt, sua lógica e sua identificação

com o poder constituinte, sem embargo, completam-se apenas com a análise da

exceção.26

Estado de exceção é “conceito geral da teoria do Estado, mas não qualquer ordem

de necessidade ou estado de sítio”.27 O motivo de empregá-lo na definição de soberania

é, para Shimitt, sistemático e lógico-jurídico.

Decorre, em linha de princípio, da necessidade de se corrigir o raciocínio de que

“uma decisão, em sentido jurídico, deve ser completamente deduzida do conteúdo de

uma norma”28, tendo em vista, principalmente, que a “decisão sobre a exceção é, em

sentido eminente, decisão, pois uma norma geral (...) jamais pode compreender uma

exceção absoluta e, por isso, também, não pode fundamentar, de forma completa, a

decisão de um caso real, excepcional”.29 Na estratégica argumentação schmittiana,

entretanto, não implica a decisão deixar de inscrever o estado de exceção na órbita

jurídica.

A exceção prova que a decisão não pode ser deduzida do mero conteúdo da

norma, fazendo parte, ela própria, do conceito de soberania. E, para Schmitt, essa

particularidade já se encontrava presente em autores como Bodin e Pufendorff, de modo

25 SCHMITT, Carl. La defesa de la constitución: estudio acerca de las diversas especies y possibilidades de salvaguarda de la constitución, p. 213-251. 26 Segundo Agamben (2005, p. 53 ss) um primeiro momento da teoria da exceção schmittiana se tem no livro Da ditadura. Poder constituinte e constituído emergem como operadores da inscrição da exceção no normativo. 27 SCHMITT, C., loc. cit. 28 Idem. 29 Idem.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 78: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

78

78

que lhe afigura correto inferir que a ordem jurídica, como toda ordem, repousa também

“em uma decisão e não em uma norma.”30

Na exceção resta claro que o sujeito da soberania não está adstrito a um catálogo

de competências, mas à decisão – ou tem para si uma presunção de competência ou

poder ilimitado – circunstância apenas aferível num caso concreto. Disso resultaria, na

linguagem schmittinana, que o Estado se sobrepõe ao direito, à validade da norma

jurídica. O Estado, na exceção, suspende o direito por fazer jus à autoconservação.

Exceção, todavia, postula Schmitt, não se confunde com caos ou anarquia, na

medida em que “subsiste, em sentido jurídico, uma ordem, mesmo que não uma ordem

jurídica”.31 A norma, argumenta o autor, não é aniquilada. Continuam a existir na

exceção os dois elementos do conceito de ordem jurídica: norma e decisão. Exceção,

por conseguinte, não consistiria um conceito meramente sociológico. Ao mesmo tempo

em que se exclui da visão geral, revela a exceção “um elemento formal jurídico-

específico, a decisão (...)”, de modo que “o estado de exceção surge (...) somente

quando a situação deva ser criada e quando tem validade nos princípios jurídicos”.32

Não se tem um poder apenas fático. De acordo com Schmitt,

um poder supremo, ou seja, maior, irresistível (...) não existe na realidade política; o poder não prova nada ao direito (...) a vinculação do poder fático e jurídico é o problema principal do conceito de soberania. Aqui, repousam todas as suas dificuldades e trata-se de encontrar uma definição que compreenda esse conceito fundamental (...)33

A exceção não representaria, portanto, vácuo algum da lei. Antes, tendo em conta

que a ordem jurídica não decorre da norma, mas da decisão, no estado de exceção é que

se fundaria o ordenamento.

Acrescente-se que, para Schmitt, a normalidade, a ordem, é pressuposto da

existência da norma jurídica, inexistindo “norma que seja aplicável ao caos”. Somente

se for criada uma situação de normalidade a ordem juridica faz algum sentido. Ocorre

que é o soberano quem “decide, definitivamente, (...) se tal situação normal é realmente

dominante. Todo Direito é ‘direito situacional’”34.

E, nisso residiria a soberania: no monopólio decisório que se evidencia no estado

de exceção e que revela a autoridade estatal. 30 SCHMITT, Carl, op. cit., p. 11. 31 Ibid, p. 13. 32 Idem. 33 Ibid. p. 19. 34 Ibid, pp. 13-14.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 79: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

79

79

O paradoxo é a chave de entendimento na doutrina schmittiana: “a autoridade (...),

para criar direito, (...) não precisa ter razão/direito”.35 A norma suspende a si mesma.

A relação entre normatividade e realidade, destarte, não trata de uma via de mão

única nem de uma simples implicação recíproca. Na exceção, pressuposições

normativas são reconstruídas por alterações de fato que, por sua vez, dependem de

novas imagens normativas – nem sempre jurídicas, mas trazidas à lume, ou mesmo

criadas no imaginário coletivo, por força de uma decisão soberana.

Schmitt desvenda a exceção com o intuito de a incorporar ao discurso jurídico e,

com isso, romper suas amarras em favor de um poder unitário e homogêneo. A

preocupação maior de Schmit, ao que tudo indica, consiste em chamar atenção para o

fato de a decisão ser tema prioritário, politizando a ordem jurídica, ou talvez,

jurisdicizando a vida.

No que toca à crença de que o “espírito”, a vontade do povo, somente se

revelaria se houvesse homogeneidade – segundo argumento por nós destacado para se

compreender a crítica de Schmitt à Constituição de Weimar – trata-se de pôr em relevo

o conteúdo da decisão schmittiana.

A decisão soberana (constituinte) que, para Schmitt, delineia o âmbito do

político36 e institui a constituição, caracteriza-se por distinguir amigos e inimigos com a

finalidade de se alcançar a unidade e a homogeneidade necessárias à implementação de

um governo democrático:

A específica distinção política que é a base para toda a atividade e impulso é a distinção entre amigo e inimigo. Ela provê alguém com a definição, mas no sentido de um critério em vez de alguma coisa definitiva ou substantiva (...) A idéia expressa na distinção entre amigo e inimigo é denotar a intensidade mais elevada possível de uma união ou separação, de uma associação ou dissociação. Isso pode existir de maneira teórica e prática sem ao mesmo tempo ter de trazer para o jogo qualquer outra distinção como a moral, a estética, ou a econômica. O inimigo político não precisa ser moralmente cruel ou esteticamente feio; ele não tem de manter uma aparência de competidor econômico, e pode até ser vantajoso fazer negócio com ele. No entanto, ele é o outro, o estranho. Basta para sua existência que ele apresente algum sentido especialmente intensivo de alguma coisa existencialmente diferente e estranha, de maneira que no caso extremo de conflitos com ele não possa se decidir por normas gerais predeterminadas ou pelo pronunciamento oficial de algum 'desinteressado' e assim 'apartidário' partido.37

35 Ibid. p. 14. 36 SCHMITT, C., Teologia Política, p. 76. 37 DYZENHAUS, David. op. cit., p. 47: “The specific political distinction that is the basis for all activity and impulses is the distinction between friend and enemy. It provides one with a definition but in the sense of a criterion rather than something definitive or substantive (…) The point of the distinction between friend and enemy is to denote the highest possible intensity of a union or separation, of a association or dissociation. It can exist theoretically and practically without at same time having to bring into play any other distinction like the moral, the aesthetic, or the economic. The political enemy need not

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 80: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

80

80

Daí sua crítica à Constituição de Weimar que, no seu entender, configurava

apenas compromissos dilatórios, faltando-lhe separar “amigos” e “inimigos”. Une,

assim, à idéia de decisão soberana aquela de homogeneidade nacional de modo que a

soberania – associada ao poder constituinte – acaba por receber um modelo que, por sua

expressão de vontade, há de ser implementado.

Se a Constituição de Weimar carece de decisão política é porque, segundo

Schmitt, não foi elaborada por “amigos” que compartilham valores comuns, mas por

uma pluralidade de “amigos” e “inimigos” que impedem a homogeneidade necessária

ao desenvolvimento pacífico da nação.

Arrimado nessas premissas, por ocasião da depressão econômica ocasionada pela

crise de superprodução em 1929, cujos efeitos se alastraram por todo o ocidente,

aumentando a taxa de desemprego e levando à falência vários bancos e indústrias, a

saída para as democracias ocidentais seria, na visão de Schmitt, estabelecer um Estado

Total, forte e com autoridade bastante para agir de forma rápida e eficiente nas

circunstâncias de crise.

A representação política parlamentar, calcada na pluralidade de interesses e na

tensão política resolvida, unicamente, pelo debate e pela negociação, não conseguiria

expressar a vontade da nação colhida nas manifestações da opinião pública e vencer as

dificuldades decorrentes da crise econômica mundial.

O pluralismo parlamentarista e a homogeneidade democrática, assim, não

deveriam ser confundidos. A identidade do povo possibilitaria alcançar a decisão eficaz

em circunstâncias de emergência. Logo, para proteger o regime democrático nada

obstava que se recorresse a fórmulas de poder centralizado que estivessem em harmonia

com a necessidade da nação, afastando-se, tão só, a representação parlamentar.

O Estado Total seria a forma de salvar a democracia alemã. No entanto, haveria

nele um paradoxo. Consoante Bercovici:

[o] paradoxo que Schmitt vai encontrar no Estado total deve-se à confusão dos setores antes distintos da vida social e da autoridade estatal. A extensão e intensificação do político causa o Estado total, dotado de um poder inédito, que lhe permite um controle superior aos controles até então conhecidos. No entanto, este Estado total é, ao mesmo

be morality evil or aesthetically ugly; he doe not have to make an appearance as an economic competitor, and it can even be advantageous to do business with him. However, he is the other, the stranger. It suffices for his being that he is some specially intensive sense something existentially different and strange, so that in the extreme case conflicts with him are possible which cannot be decided by some predetermined general norm or by the pronouncement of some ‘disinterested’ and thus ‘unpartisan’ party”.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 81: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

81

81

tempo, um Estado invadido por reivindicações e projetos do corpo social, pois, com a politização de todos os domínios, cresce a pressão sobre o Estado. Multiplicam-se os interesses em competição e que demandam ação, a política se torna a luta de partidos organizados desejando prevalecer uns sobre os outros.38

Contra essa fraqueza do Estado Total de Weimar, meramente quantitativo,

Schmitt propõe um Estado Total Qualitativo:39 autoritário no domínio político,

garantindo a unidade em detrimento do pluralismo que emperra o funcionamento do

Estado, e fiador da liberdade individual econômica, capaz de evitar a politização da

economia – e seu indesejado pluralismo – e de intervir na esfera econômica apenas par

neutralizar conflitos. A economia, segundo Bercovici, fica subordinada às instâncias

estatais, mas é preservada como ordenamento social privado, certo que se trata de uma

administração econômica autônoma que separa o Estado de um domínio econômico

público, mas não estatal, distinto da democracia econômica defendida por Heller e o

partido social-democrata.

Nos anos que seguiram a crise de 1929 as idéias de Schmitt ganharam fôlego e

fundamentaram medidas de exceção econômica e militar implementadas pelo Poder

Executivo, bem como a quase absoluta exclusão da atuação do parlamento, dissolvido

diversas vezes no início dos anos 30 até a consolidação de Hitler e do partido nacional

socialista no poder.

Do que se vem de expor, não há dúvida de que Schmitt está apegado a um

excessivo estatismo (e o Estado se confunde com a esfera política), à valorização – nada

democrática – da autoridade personalizada e autoritária e a um inconteste voluntarismo.

Utiliza, além disso de um referencial de homogeneidade e unidade que serviram à

expansão dos regimes totalitários da primeira metade do século XX.

A maneira, entretanto, como o autor, se utilizada da idéia de exceção para

construir a relação entre a norma e a decisão na tentativa de mitigar a presença de uma

violência pura – um âmbito de ação humana não alcançado pelo registro jurídico, uma

força criativa imanente não guiada por vontade alguma de constituir um projeto abstrato

– pelo menos no seu aspecto estrutural prefigura, a nosso ver, ponto de partida para se

pensar o fenômeno político-jurídico nesses primeiros anos do século XXI.

Tudo considerado, num exercício de síntese é possível inferir alguns dos

principais argumentos utilizados para justificar a política alemã de salvação da

38 BERCOVICI, Gilberto, op. cit., p. 98. 39 Ibid., p. 101.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 82: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

82

82

democracia e que, hoje, nos ajudam a caracterizar a atual situação de exceção

permanente que ameaçam os Estados Democráticos de Direito no ocidente: (i)

insuficiência do sistema de representação parlamentar, devendo-se atentar para a

vontade do povo manifestada pela opinião pública; (ii) soberania fundada na decisão em

circunstâncias emergenciais, constituindo-se a ordem jurídica na exceção; (iii) rejeição

do pluralismo, uma vez que conduz à divergência de interesses e ao embaraço das

decisões políticas que levaram à pacificação e à unidade da nação; (iv) autoritarismo

político e neutralização do pluralismo indesejado no âmbito econômico, evitando

demasiada intervenção estatal na economia.

Extrai-se, além disso, que por se apresentar a exceção como uma das grandes

armadilhas teóricas contra a qual se deveria insurgir a teoria constitucional em meados

do século XX e contra a qual se levantou o pressuposto da normatividade autônoma da

constituição, consubstancia ela, a exceção, ainda que necessariamente reconfigurada

para expurgar o viés autoritário, caminho adequado se se busca reestruturar a

normatividade constitucional.

4.2

De 1945 a 2001: uma síntese dos novos rumos

Não nos pareceu importante resgatar, ainda que em breves linhas, esse período da

história do século XX apenas para dele se coletar a contribuição teórica de Schmitt. À

luz do que se argumentou no início do capítulo terceiro, a crise daquele e de outros

tempos jamais veio a ser extirpada em sua totalidade, mantendo-se sob novas bases e

com roupagem diferente. Um breve olhar sobre a história da constituição e do

constitucionalismo moderno nesses últimos sessenta anos, portanto, servirá para

ingressarmos com mais segurança no debate norte-americano pós-11/09, objeto de

análise em separado, bem assim para fortalecer a conclusão de que hoje se tem

configurado um novo contexto sócio-político-econômico, uma situação de exceção

permanente na qual se revigora a tensão entre normatividade e vida. Vejamos.

A filosofia liberal e o constitucionalismo clássico serviram de arrimo à construção

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 83: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

83

83

de um novo Estado, o Estado de Direito Constitucional,40 caracterizado, em síntese, pela

ascensão política da burguesia, pela organização capitalista da produção, pela existência

de uma constituição formal com supremacia no ordenamento político-jurídico, por

condicionar a atividade administrativa e a subordinação dos direitos do cidadão somente

à lei (governo das leis) e pela presença de juízes independentes para as aplicar na

resolução de eventuais litígios. De maior importância se afigura conter o exercício

absoluto do poder.41

Nessa etapa, em que se consolida a contra-revolução moderna e seu dualismo

transcendente,42 estabiliza-se a idéia, à primeira vista redundante, de constituição

normativa, cujos elementos são resumidos por Werner Kägi:43 (i) pretensão de ordenar

e limitar as relações estatais de maneira racional e objetiva, em que a Constituição “es

el sistema de normas jurídicas supremas e inquebrantables para el Estado”,

reconhecendo-se valores “pre y supra estatales”; (ii) garantia de liberdade “frente al

Estado” e “en Estado” – “autonormación”; (iii) perenidade e estabilidade – e, por

conseguinte, segurança e previsibilidade.

Superou-se, é verdade, o regime absolutista, ampliando as liberdades civis e

políticas além de criar ambiente propício ao desenvolvimento científico e econômico.

Nada obstante, ainda havia muito a ser realizado a fim de implementar melhores

condições de vida para a população – e não apenas para grupos e classes privilegiadas –

40 Segundo Ferrajoli, a expressão Estado de Direito está associada a dois sentidos distintos. Na acepção fraca ou formal designa “cualquier ordenamiento en que los poderes públicos son conferidos por la ley y ejercitados en las formas y con los procedimentos legalmente establecidos”. O sentido forte ou substancial, por sua vez, refere-se àqueles ordenamentos em que, além de agir pela lei, os poderes públicos se encontram submetidos às limitações formais e substanciais fixadas em princípios de estatura constitucional. Ao primeiro sentido corresponderia, de acordo com o autor, o modelo normativo do Estado legal “paleo-iuspositivista” e, ao segundo, o modelo “neo iuspositivista” de Estado Constitucional de Direito. Eslarece, ainda, que não se deve confundir Estado de Direito em Sentido Forte e Estado de Direito Constitucional, o qual se reporta, necessariamente, à existência de uma Constituição Formal. FERRAJOLI, Luigi. Pasado y futuro del Estado de Derecho. In: CARBONELL, Miguel (Org.). Neoconstitucionalismo(s), Madrid: Trotta, 2002, p. 13/29. 41 Sobre o constitucionalismo Nicola Matteucci é bastante claro ao asseverar que o principal sentido do termo – além de relacionado às noções históricas de separação de poderes e de garantias de direitos – reside na limitação do governo e do poder. É ver BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G., Dicionário de política. op. cit., p. 246/258, v. 1. 42 HARDT, M.; NEGRI, A., Império, p. 87 et. seq.. Segundo os autores, a modernidade nasce como um movimento humanista e emancipador. Já se inicia, contudo, em crise, vindo a ser sufocada pela filosofia da transcendência – que separa o homem da natureza, reduz o conhecimento à mediação intelectual, neutraliza a esfera sentimental e inibe a potência constituinte do ser humano. Nessa direção confira-se PLASTINO, Carlos. “Soberanias, erotismo e criatividade”. In: ARÁN, M. (Coord.). Soberanias. Rio de Janeiro: Contra-Capa, 2003. 43 KÄGI, W., La Constitución como ordenamiento jurídico fundamental del estado: Investigaciones sobre las tendencias desarrolladas en el moderno Derecho Constitucional, p. 79 passim.. O livro de Kägi compõe o rol de obras que iniciaram a teoria constitucional pós-1945.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 84: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

84

84

e afastar as mazelas há muito denunciadas.44

A primeira metade do século XX atestou a insuficiência do constitucionalismo

liberal e de seu modelo de Estado de Direito Constitucional. A crise social e política,

marcada por duas Guerras Mundias e depressões econômicas, estendeu-se pelo globo.

Dela não sairia incólume o pensamento jurídico-político, o qual, bem acentua Kägi, viu

crescer a desmontagem “de la Constitución normativa” manifestada

por un lado, en una declinación de la densidad normativa, es decir, en una marcada tendencia a reconecer tan sólo a unos cuantos preceptos el rango de normas constitucionales y, por el outro, en la diminuición de la firmeza y precisión de las normas, es decir, en la inclinación a debilitar la inviolabilidad de las normas fundamentales y a cuestionarles su sentido jurídico normativo.45

A desmontagem da constituição na primeira metade do século XX repercutiu em

temáticas que, de um modo geral, constam dos textos constitucionais. Segundo Kägi, as

normas que cuidam da relação cidadão-Estado são afetadas pelo avanço do Estado

“totalitário”, perdendo os direitos fundamentais seu sentido absoluto em detrimento da

“teoría de la falta de limites al poder de revisión de la Constitución”. Por mutação

constitucional a idéia de separação de poderes é reformulada, concedendo-se ao

Executivo maior importância na resolução dos problemas sócio-político-econômicos. A

lei é “desplazada como centro dominante de la vida constitucional; y en su lugar entran

las formas autoritarias del ‘acto de gobierno’ (Regierungsaktes) y de la ‘Medida-Ley’

(Massnahme)”. Também as normas concernentes ao regime democrático representativo

se vêem afetadas pelas tendências autoritárias de homogeneidade e totalidade. O

processo legislativo é abreviado em detrimento da urgência e da necessidade. O

princípio federativo é modificado em prol de uma maior centralização territorial do

poder.46

Para Kägi, a proliferação do constitucionalismo logo após a Primeira Guerra

Mundial era somente uma conjuntura incapaz de se manter “en la dura realidad”. A

aparente expansão do Estado Constitucional não encobria que o normativo, “la fuerza

determinante del Derecho”, se encontrava em franca decadência. No período entre as

44 Nesse sentido Rousseau, 2002, p. 227: “Possuímos físicos, geômetras, químicos, astrônomos, poetas, músicos, pintores, mas não temos cidadãos; ou então se ainda nos restam, dispersos nos campos abandonados perecem indigentes e desprezados. Tal é o estado a que estão reduzidos, tais são os sentimentos, concedidos por nós, aos que nos dão o pão e o leite de nossos filhos”. 45 KÄGI, W., op. cit., p. 137. 46 Ibid., p. 53/54.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 85: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

85

85

duas Guerras Mundiais “el ‘estado de excepción’ se convertió en munchos países algo

normal (…) La legislación bélica [na Primeira Guerra] aún no se habia normalizado del

todo cuando las crisis monetárias y económicas y las consecuentes tensiones políticas

nuevamente impulsaron a los Etados hacia el estado de excepción, lo que finalmente, de

una manera hasta entonces impensada, habrá de extenderse y acentuarse durante la

Segunda Guerra”.47

Alguns mecanismos de implementação de garantias e direitos sociais foram

concretizados no Estado Social ou Estado de Bem-estar como parte das medidas

destinadas a restaurar a estabilidade política e econômica, atentando-se às

reivindicações de movimentos operários e de partidos de orientação marxiana que se

viam fortalecidos com a crescente bipartição do globo e ao fato de a questão sócio-

econômica haver servido de recurso ideológico para legitimar a ascensão de governos

autoritários. Não foram suficientes, todavia, para reduzir as desigualdades verificadas,

principalmente, nos países de terceiro mundo e impedir o contínuo crescimento da

acumulação de capital nas mãos de parcela diminuta da população.

O Estado de Bem-estar – que se apresentou como alternativa ao autoritarismo do

início do século XX – não obstou o predomínio livre-cambista,48 hoje encarnado no

neoliberalismo, tendo em vista que erigido – explicita Eros Grau, seguindo lição de

Claus Offe – em harmonia com os interesses do capital em face da crise da primeira

metade do século XX:

A busca do desenvolvimento, ademais, impunha a formalização de uma aliança entre o setor privado – isto é, a burguesia – e o setor público, este a serviço daquele. Cumpre que se enfatize, de toda a sorte, a circunstância de que, embora o capitalismo reclame a estatização da economia, o faz tendo em vista a sua própria integração e renovação. Essa estatização não configura passo no sentido de socialização/coletivização. (...) é justamente a fim de impedir tal substituição – seja pela via do socialismo, seja mediante a superação do capitalismo e do socialismo – que o Estado é chamado a atuar sobre o plano econômico.49

Ainda assim, frente à traumática experiência da guerra e do terror nazista,

mudanças importantes ocorreram na estrutura político-constitucional dos regimes

47 Ibid., p. 52. 48 BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G.. Dicionário de política. op. cit., p. 717, v. 2: “(...) em sua acepção mais simples e limitada, o livre cambismo é uma doutrina favorável à liberdade econômica (...) é a visão mais pura e integral do liberalismo (...) O atual credo livre-cambista (...) é, pois, assim entendido, uma forma de individualismo que não há de se confundir, porém, com o anarquismo individualista (...)”. 49 GRAU, E. R., A Ordem Econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica, p. 24 e 30.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 86: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

86

86

democráticos. A tônica dos discursos dirigiu-se à dignidade humana e aos direitos

fundamentais que a concretizam, conquanto perdurassem os embates político-

ideológicos entre posições liberais e socializantes. As reivindicações em prol da

efetivação de direitos sociais fundamentais, da igualdade dos gêneros e das escolhas

sexuais, bem como os movimentos contra o racismo nos Estados Unidos e na África do

Sul revelaram a insuficiência das estruturas tradicionais do Estado e do direito em face

das novas demandas. Por influência da doutrina norte-americana e, em especial, da

crescente doutrina alemã da segunda metade do século XX, restabelece-se a noção de

normatividade da constituição contra o decisionismo que havia prevalecido nos anos de

guerra e de exceção. Na lei são inseridas expressões indeterminadas e de conteúdo

semântico aberto para ampliar e tornar mais eficaz a atuação do governo, migrando-se

da legalidade para a constitucionalidade.

As conquistas do Estado Social são acrescidas àquelas do modelo clássico de

Estado de Direito Constitucional. Vê-se emergir, enfim, na tentativa de conciliar

normatividade e decisão política, o Estado Democrático de Direito que, na lição de José

Afonso da Silva, consiste “na criação de um conceito novo, que leva em conta os

conceitos dos elementos componentes, mas os supera na medida em que incorpora um

componente revolucionário de transformação do status quo”.50 O direito inicia sua

trajetória de superação do positivismo e se reencontra com a moral, concebendo-se a

constituição como centro axiológico-normativo do sistema político-jurídico.

As décadas de 80 e 90 foram palco de alterações marcantes em todo o mundo. O

término da ordem bipolar, a globalização, os efeitos transestatais dos danos ao ambiente

e das crises do mercado financeiro são sinais de uma sociedade que se vê estigmatizada,

insista-se, pela noção de risco.51 Sem embargo, o Estado Democrático de Direito, não

sem experimentar abalos e alterações, vem se mantendo de pé. O direito, especialmente

em sede constitucional, caminhou rumo à flexibilização52 e à procedimentalização53 a

fim de viabilizar alguma abertura – sempre controlada pelos princípios da

proporcionalidade – à decisão político-jurídica.

Ao iniciar o século XXI, contudo, por motivos expostos no capítulo anterior,

acentua-se a tensão paradoxal desse modelo de Estado Democrático que tem na

constituição seu instrumento político-jurídico de superação dos problemas da vida em 50 SILVA, J. A. da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 123. 51 BECK, U., World Risk Society, p. 3-4. 52 Cf. ZAGREBELSKY, Gustavo. El Derecho Dúctil: Ley, derechos, justicia. Madrid: Trotta, 1995.. 53 HÄBERLE, P., op. cit..

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 87: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

87

87

sociedade.

Ressurgiu o discurso de que a estabilidade apenas é assegurada pela aplicação de

poderes e métodos de exceção, reafirmando-se a lógica da insuficiência do regime

democrático que, no Brasil, em vista da crescente retórica do binário medo/segurança,54

da hipertrofia do Poder Executivo e da estrutura de acumulação de capital que não se

mostra sequer preocupada em fomentar distribuição de renda, encontra terreno fértil

para sua expansão.

Achamo-nos ante a configuração de um cenário político e econômico global-

nacional gerador de dominação, propagador de violência e contrário à criatividade

constituinte do ser humano, que revela características semelhantes àquelas encontradas

em estados de exceção, emergência ou sítio da primeira metade do século XX, nos quais

os preceitos fixados na ordem jurídica, embora vigentes, não são efetivados. Na

avaliação de Zizek, hoje, a paixão pelo real, o desejo de romper as aparências,

acomodou-se à estética da violência, criando uma falsa imagem da realidade que

esconde o egoísmo individualista e a verdade desnorteante de que “o modelo de

prosperidade capitalista recente não pode ser universalizado”.55

Sob essa inspiração é que devemos observar o debate norte-americano pós-11/09.

4.3

Revitalização: o debate norte-americano sobre a constituição de

emergência

O 11 de setembro reacendeu o discurso dos poderes de emergência nos Estados

Unidos.

Segundo Bruce Ackerman, os ataques terroristas farão parte do futuro ocidental,

requerendo, urgentemente, novos conceitos constitucionais para assegurar a democracia

e proteger as liberdades civis. No seu entender, “o projeto autoconsciente de um regime

de emergência talvez seja a melhor defesa disponível contra um ciclo de pânico-dirigido

54 É significativo nesse sentido haver se decidido no referendo do dia 23 de outubro pela manutenção do comércio de armas de fogo no Brasil. 55 ZIZEK, S., Bem-vindo ao deserto do real: cinco ensaios sobre o 11 de setembro e datas relacionadas, p. 172.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 88: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

88

88

de permanente destruição”.56 57

Exemplo de mudança no cenário político norte-americano se observa na

administração Bush que, segundo Sanford Levinson, tem inspiração em Carl Schmitt e

em sua “teoria de um Executivo ditador que serve de 'guardião da Constituição'”.58

Ainda sobre a revitalização de um Poder Executivo forte e centralizado, Cass

Sunstein adverte sobre a composição conservadora da Suprema Corte norte-americana

com o ingresso do juiz Samuel Alito e sintetiza a doutrina do “Executivo unitário”

defendida por apoiadores do novo membro da Corte: “é a idéia de que o presidente pode

supervisionar e dirigir todas as operações do Executivo, mesmo instituições hoje

independentes, como a Comissão Federal de Comércio e a SEC, reguladora dos

mercados”.59

Sinalizando, de igual modo, a alteração no cenário político norte-americano, tem-

se o debate referente às garantias penais e à criminalização. Com o USA Patriot Act,

dentre muitas outras medidas, foram concedidos poderes mais amplos de investigação e

detenção às forças policiais, tornando-se o diploma excepcional em regra: “USA

PATRIOT Act está se tornando a nova normalidade e parâmetro para o restante da

legislação com a comunidade da inteligência a utilizar seus poderes e autoridades

instituídos sob o Act como a nova norma, procurando expandi-los ainda mais”.60

Concentremo-nos, sem embargo, na defesa da constituição de emergência levada

a efeito por Bruce Ackerman.

A argumentação desenvolvida em seu texto The Emergency Constitution pode ser

dividida em duas partes. Na primeira, o autor trata dos pressupostos que indicam a

adoção do estado de emergência como saída mais adequada ao problema inaugurado

com o ataque terrorista em 11 de setembro de 2001. No decorrer de sua dissertação

explicita como concretizar sua teoria no contexto norte-americano. Aqui, nos

56 ACKERMAN, B., The Emergency Constitution, p. 1029: “the self-conscious design of an emergency regime may well be the best available defense against a panic-driven cycle of permanent destruction.” 57 Cf. SCHEPPELE, Kim Lane. North American emergencies: the use of emergency powers in Canada and the United States, 2006; ARATO, A., Their creative thinking an ours: Ackerman’s emergency constitution after Hamdan, 2006. Em favor do modelo dualista de Ackerman confira-se ZUCKERMAN, Ian, One law for War anda Peace? Judicial Review and emergency powers beween the norm and the exception, 2006. 58 LEVINSON, S., Preserving Constitutional Norms in Times of Permanent Emergencies, p. 68. No original: “theory of an Executive dictator who serve as ‘guardian of the Constitution’.” 59 SUNSTEIN, C., Analista vê salto à direita no Supremo, 2006. 60 GROSS, Oren, What ‘Emergency’ Regime?, p. 80: “USA Patriot Act is becoming the new normality and benchmark for further legislation with the intelligence community taking its expanded powers and authorities under the Act as the new norm and seeking to expand them further”. Cofira-se, também: FISS, Owen. The war against terrorism and the Rule of Law, 2006.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 89: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

89

89

concentraremos na primeira discussão.

Se para Ackerman novos ataques terroristas irão, inevitavelmente, assolar o futuro

norte-americano, uma nova arquitetura jurídica, por conseguinte, deve ser forjada, tendo

em vista que os instrumentos jurídicos existentes – leis de guerra e direito criminal –

mostram-se inadequados para enfrentar o terrorismo.

A guerra ocorre entre Estados soberanos e os inimigos são facilmente

identificados. Situações de guerra, além do mais, caminham sempre para um termo e as

restrições aos direitos fundamentais são aceitas com maior facilidade. No terrorismo, ao

contrário, os inimigos não seriam passíveis de fácil identificação nem se espera que vá

ocorrer algum tipo de armistício.

De igual maneira, insuficiente se afigura o instrumental do direito penal. Há um

aspecto político nos atos terroristas que os distinguem das ações criminais comuns.

Enquanto a criminalidade ordinária se processa no âmbito das instituições do Estado,

com elas convivendo, nos atos de terrorismo se constataria uma força simbólica de

reação ao sistema político a merecer tratamento diferenciado.

Diante disso, Ackerman defende uma terceira alternativa que, protegendo os

direitos fundamentais de forma mais ampla do que se verifica nas situações de guerra,

contemplaria o caráter político do qual não dá conta o direito penal. Sob o fundamento

do que denomina reassurance function postula a necessidade de se constituir um estado

de emergência temporário capaz de afastar, nos momentos seguintes a algum ato

terrorista, o estado de medo e de insegurança dos cidadãos. É ler:

Chame isso 'função retranqüilizante' [reassurance function]: Quando um ataque terrorista coloca em dúvida a efetiva soberania do estado, o governo deve agir de maneira visível e decisiva para demonstrar aos cidadãos aterrorizados que a brecha aberta foi apenas temporária e que está tomando ações agressivas para conter a crise e lidar com a possibilidade de sua repetição. Mais importante, minha proposta por uma constituição de emergência autoriza o governo a deter suspeitos sem as proteções usuais da lei criminal da causa provável ou mesmo da suspeita razoável. O governo talvez possa afirmar outros poderes na realização da 'função retranqüilizante' [reassurance function], mas no desenvolvimento de meu argumento, eu focalizarei os aceitos poderes extraordinários de detenção como paradigma. (...) Meu propósito em projetar uma estrutura constitucional para um estado de emergência temporário que permita o governo descarregar a 'função retranqüilizante' [reassurance function] sem perpetrar danos de longo prazo aos direitos individuais.61

61 Ibid., p. 1034: “Call it the reassurance function: When a terrorist attack places the state’s effective sovereignty in doubt, government must act visibly and decisively to demonstrate to its terrorized citizens that the breach was only temporary, and that it is taking aggressive action to contain the crisis and to deal whit the prospect of its recurrence. Most importantly, my proposal for an emergency constitution authorizes the government to detain suspects without the criminal law’s usual protections of probable

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 90: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

90

90

Ackerman critica as previsões constitucionais de emergência da França e da

Alemanha, tendo em vista que, demasiadamente genéricas, serviriam de carta branca

para o abuso de poder. Aduz, além disso, que tais normas teriam sido estabelecidas com

base na lógica da existential rationale. Nessa perspectiva, poderes de emergência são

atribuídos ao governo para que sejam implementadas medidas extraordinárias na

tentativa de reagir a uma invasão inimiga ou a uma poderosa conspiração interna.

De acordo com sua proposta, ao contrário, as ações terroristas não devem nos

remeter às tradicionais causas de declaração de estado de exceção, exigindo uma

articulação dos poderes de emergência que melhor se compatibilizem com os princípios

democráticos. Trata-se de adotar o que chama de reassurance rationale:

De acordo com o 'racionalidade do existente' [existential rationale], parece um grande luxo se preocupar demais sobre a contínua derrocada de liberdades civis e políticas: Se a ordem constitucional desintegrar isso será para alguém se preocupar num momento futuro. De acordo com a 'racionalidade retranqüilizante' [reassurance rationale], entretanto, o regime de agora em diante cambaleará, e o desafio é providenciar isso com as ferramentas para uma resposta eficaz num futuro breve sem fazer desnecessários danos por tempo indefinido. 62

Ackerman alega, ainda, haver na história americana precedentes que arrimam a

necessidade de instituir uma previsão de estado de emergência em sede constitucional,

discorrendo, na segunda parte do artigo, sobre a estruturação de seu projeto de

constituição de emergência.

Em This Is Not a War63 – escrito logo após as críticas ao seu The Emergency

Constitution – Ackerman admite que sua proposta anterior não é perfeita. Afinal,

sublinha, seria impossível construir estruturas constitucionais hábeis a impedir de uma

vez por todas a proliferação de forças autoritárias.

cause or even reasonable suspicion. Government may well assert others powers in carrying out the reassurance function, but in developing my argument, I shall be focusing on the grant extraordinary powers of detection as the paradigm. (…) My aim to design a constitutional framework for a temporary state of emergency that enables government to discharge the reassurance function without doing long-term damage to individuals rights.” 62 Ibid., p. 1036: “According to the existential rationale, it seems a great luxury to worry too much about the long-run fate of civil and political liberties: If the constitutional order disintegrates, it will be up to somebody else to worry about the long run. According to the reassurance rationale, however, the regime is going to stagger onward, and the challenge is to provide it whit the tools for an effective short-run response without doing unnecessary long-run damage.” 63 ACKERMAN, Bruce. This Is Not a War, 2004. O texto responde ao artigo de L. Tribe e Patrick O. Gudridge The Anti-Emergency constitution. (2004) e ao artigo de David Cole The Priority of Morality: The emergency Constitution’s Blind Spot (2004). Nele, Ackerman frisa que sua proposta é destinada a conferir maior proteção às liberdades numa configuração das relações entre os poderes que não está atada à centralidade da atuação do Judiciário, mas que se mantém em sintonia com a perspectiva da mudança.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 91: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

91

91

Por essa razão – sem descuidar de sua concepção de mudança constitucional,

preocupado com a excessiva alusão do Chefe do Executivo à guerra contra o terrorismo

e com os resultados deletérios que daí poderiam advir às liberdades individuais na nova

realidade do pós-11 de setembro – assevera que seu pensamento está orientado por uma

postura conseqüencialista,64 que visa a alcançar um ideal de justiça realizável:

O professor Cole sugere que eu tenho traído os ideais que inspiraram Justiça Social no Estado Liberal, e que minha proposta poderia ser 'justificada somente na mais simples seara do utilitarismo'. Mas utilitaristas não estão sozinhos em pensar que as conseqüências importam. Essa visão alargada é compartilhada por qualquer um que rejeita a noção de outro mundo de que 'justiça deve ser feita a despeito da queda dos céus'. Eu estou feliz por me encontrar entre a multidão de homens de estado que rejeitam o perfeccionismo e resolutamente pretendem conseguir tanta justiça quanto possível – nem mais nem menos (...) O que é justiça? O que é possível? Esses dois problemas convocam a exercitar mentalidades diferentes. A questão da justiça requer toda a brilhante filosofia (...) A questão da possibilidade requer julgamento sadio mais do que filosofia brilhante – um sóbrio sentido dos mais cruciais problemas (...) confrontam uma sociedade particular num tempo particular. Ambas as mentalidades são necessárias para o florescer de uma sociedade liberal – brilhantismo sem julgamento pode ser quixotesco, julgamento sem brilhantismo pode ser desinteressante (...) Esse foi um trabalho na arte do possível.65

Dessa breve exposição é possível extrair alguns dos principais pressupostos que

fundamentam o pensamento de Ackerman: (i) a modificação do contexto histórico,

marcado, neste século, pela inevitabilidade de novos ataques terroristas semelhantes ao

11 de setembro; (ii) necessidade de resposta institucional imediata para evitar o medo e

a sensação de insegurança da população; (iii) inadequação dos instrumentos legais

existentes para lidar com o terrorismo, que não deve ser vinculado às situações de

guerra nem à criminalidade comum; (iv) necessidade de incluir na Constituição um

regime jurídico de emergência que, em caráter temporário e arquitetado com base nos

princípios democráticos e republicanos, assegure o máximo respeito aos direitos

64 Para uma introdução ao conseqüencialismo: BAYÓN, Juan Carlos. Causalidad, consecuencialismo y deontologismo, 1989. 65 Ibid., p. 1906/1907: “Professor Cole suggests that I have betray the ideals that spired Social Justice in the Liberal State, and my proposal could be 'justified, if at all, only on the crudest utilitarian grounds'. But utilitarians aren´t alone in thinking that consequences matter. This broad view is shared by anybody who rejects the otherworldly notion that 'justice should been done though the heavens fall'. I am happy to place myself among the multitude of practical states who reject perfectionism and resolutely aim to achieve as much justice as is possible – neither more, nor less (...) What is justice? What is possible? These two problems call upon exercise of different mentalities. The question of justice requires al the brilliant philosophy (...) The question of possibility requires sound judgment more than philosophical brilliance – a sober sense of the most crucial problems d prospects confronting a particular society at particular time. Both of this mentalities are necessary for the flourishing of a liberal society – brilliance without judgment can be quixotic, judgement without brilliance can be uninspiring (...) This has been a essay in the art of possible.”

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 92: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

92

92

fundamentais e sirva de resposta política eficaz ao ato terrorista; (v) pensamento

filosófico de cariz conseqüencialista.

No final da Segunda Guerra Mundial, Clinton Rossiter já defendia que

circunstâncias excepcionais requerem ações para as quais o instrumental jurídico do

regime democrático não consegue atender de forma eficaz, haja vista ser criado para

funcionar em situações de normalidade. Previa, além do mais, que na Era Atômica na

qual o mundo ingressava em meados do século XX a utilização dos poderes de

emergência se tornaria a regra e não a exceção.66

Partindo da idéia de que emergências são historicamente inevitáveis, asseverava o

autor que para a democracia se manter de pé deve recorrer a técnicas e a poderes típicos

dos governos autoritários. Daí que, antecipando Ackerman, Rossiter postula haver um

princípio de estabilização do governo democrático, o princípio da ditadura

constitucional: “[o] que o cidadão ordinário não pode vislumbrar é que seu governo

mais potente e menos gentil estava perseguindo de fato e em teoria um bem-

estabelecido princípio de governo constitucional, o princípio da ditadura

constitucional”.67

Segundo Rossiter, o princípio da ditadura constitucional se arrima em três pontos:

(i) o sistema de governo democrático é constituído para tempos de normalidade,

mostrando-se inadequado em circunstâncias emergenciais – guerras, rebeliões civis e

momentos de depressão econômica; (ii) com efeito, o governo constitucional deve ser

temporariamente alterado para, no grau necessário, restabelecer a ordem e as condições

normais de funcionamento do regime democrático, certo que a atribuição de maiores

poderes ao governo significa redução nos direitos civis; (iii) o forte governo instaurado

para solucionar a alegada crise não pode revelar outros propósitos que não os da

preservação da independência do Estado e da manutenção da ordem, objetivando

assegurar as liberdades políticas e sociais.

Acrescenta não serem apenas as situações de guerra que requerem a ditadura

constitucional, mas toda espécie de crise que vier a assolar os governos democráticos.

66 ROSSITER, C., op. cit., p. 297. “In the Atomic Age upon which the world is now entering, the use of constitutional emergency powers may well become the rule and note the exception.” 67 ROSSITER, C., op. cit., p. 4. No original: “What the ordinary citizen may not realize is that more potent and less gentle government of his was pursuing in fact and in theory a well-established principle of constitutional government, the principle of constitutional dictartoship.” Saliente-se que o autor esclarece no prefácio usar os termos constitutional e democratic praticamente como sinônimos. Igualmente, afirma que se utiliza da expressão ditadura na definição que lhe dá o dicionário Webster, isto é, como autoridade absoluta em um governo, especialmente em uma república.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 93: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

93

93

E, para ele, são três as espécies principais de crise que levam à adoção de instituições e

poderes de matriz autoritária: a guerra, especialmente aquela instaurada para repelir

invasão estrangeira; as rebeliões internas; e as depressões econômicas, a exemplo do

que ocorrera na implementação do New Deal nos Estados Unidos.

Essa última, aliás, não passou despercebida de Giorgio Agamben ao comentar o

governo do presidente Roosevelt:

A partir do momento em que o poder soberano do presidente se fundava essencialmente na emergência ligada a um estado de guerra, a metáfora bélica tornou-se, no decorrer do século XX, parte integrante do vocabulário político presidencial sempre que se tratava de impor decisões consideradas de importância vital. Franklin D. Roosevelt conseguiu, assim, em 1933, assegurar-se poderes extraordinários para enfrentar a grande depressão (...).68

Rossiter alega que ao Poder Executivo compete, de imediato, o papel principal

nos momentos de crise, arrolando algumas técnicas típicas de uma ditadura

constitucional: “o gabinete ditatorial, a presidência ditatorial, a expansão da

administração em tempos de guerra, a agência de planejamento emergencial em tempos

de paz, o gabinete de guerra, o comitê de investigação de congressistas, a dominação

executiva do processo legislativo”.69

Sustenta, ainda, que na história dos Estados Unidos, ao menos até 1948, as crises

se voltavam contra o governo e não contra a ordem constitucional. Tratava-se de

problemas concernentes muito mais a personalidades do que a instituições, fato que fez

da presidência instrumento fundamental em momentos de emergência.70

Diferencia-se de Ackerman, em especial, no que concerne às medidas de

concretização e ao contexto histórico – para Rossiter o final da II Guerra Mundial e a

anunciada Guerra Fria da segunda metade do século XX; para Ackerman o terrorismo.

Há, todavia, pelo menos dois pressupostos comuns aos autores que merecem destaque: a

noção de incapacidade do governo democrático de se manter em períodos de crise sem

recorrer a métodos de regimes autoritários e a prevalência da idéia de necessidade.

Aos argumentos de Ackerman responderam Laurence Tribe e Patrick O. Gudridge

no texto The Anti-Emergency Constitution.71

68 AGAMBEN, G., Estado de Exceção, p. 37. 69 ROSSITER, C., op. cit., p. 11: “(...) the cabinet dictatorship, the presidential dictatorship, the wartime expansion of administration, the peacetime emergency planning agency, the ‘war cabint’, the congressional investigating committee, the executive dominance of legislative process” 70 Ibid., p. 210. 71 TRIBE, L.; GUDRIDGE, P. O., The Anti-Emergency constitution, 2004.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 94: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

94

94

Os autores apresentaram três preocupações principais com a tese de Ackerman: (i)

se a adoção de uma constituição de emergência seria, realmente, um caminho plausível

para organizar a ação do governo; (ii) se a proposta de Ackerman estaria corroborando

para abandonar, ainda que temporariamente, um complexo corpo de conceitos,

argumentos e pontos de partida referentes aos debates em torno dos direitos individuais

que não fazem parte apenas de um emaranhado de leis, mas do sistema norte-

americano; (iii) se Ackerman teria desconsiderado os precedentes de tirania que podem

se seguir aos estados de emergência.

Dentre as críticas de Tribe e Gudridge, destacam-se aquelas dirigidas às alegações

de Ackerman no sentido de que o governo precisa responder aos ataques terroristas para

demonstrar sua capacidade de restaurar a confiança da população, abalada pelo medo.

Para eles, o sacrifício de direitos individuais em prol de maior segurança não seria

o único meio, nem sequer o prioritário, para manter o governo. Além do mais, na

eventualidade de ocorrerem novos ataques terroristas não adviria idêntica situação de

temor e pânico experimentada pela população em 2001. O 11 de setembro teria

estigmatizado os Estados Unidos porque pela primeira vez desde o final da Guerra Fria

a fragilidade do país em relação aos ataques externos foi revelada. Futuras ações

terroristas acabariam absorvidas pelo imaginário da população, não se vislumbrando,

então, emergências, mas situações de relativa normalidade.

Em suas conclusões advertem que não se deve deixar de lado toda a experiência

constitucional norte-americana, sua constitutional constellation:

Nós devemos querer reter a habilidade de reconhecer o que nós não suprimimos, estamos proibidos de suprimir, a partir do que Justice Jackson imaginou nossa conhecida 'constelação constitucional'. A experiência de vulnerabilidade permanente pode ter posto em dúvida nossa opinião de que são estrelas fixas no céu da noite (...).72

Verifica-se, portanto, nos Estados Unidos debate relativo aos pressupostos e à

viabilidade da adoção de um estado de emergência que, guardadas as especificidades do

cenário norte-americano, vem se expandindo para a grande maioria dos países do

Ocidente na forma de uma situação e de uma política de exceção permanente

sintetizadas, ao menos em seus aspectos principais, nos mencionados textos de

Ackerman e Rossiter.

72 Ibid., p. 1870: “We should want retain the ability to recognize what we have not deleted, must not deleted, from what Justice Jackon famously imagined as our ‘constitutional constellation’. The experience of permanent vulnerability may have put in doubt our belief that are fixed stars in the night sky (…)”.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 95: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

95

95

4.4

(Re)construindo a exceção

Aprofunda o exame da exceção Giorgio Agamben.

Segundo o autor, interpretados aqueles escritos de Schmitt destinados,

principalmente, a uma teoria do estado de exceção – Da Ditadura e Teologia Política73

– como respostas à tese da violência pura de Walter Benjamin esboçada,

principalmente, em Crítica da Violência: crítica do Poder,74 chegar-se-á à conclusão de

que Schmitt almeja, na verdade, não sem importantes avanços, inscrever a exceção na

ordem jurídica. E faz isso, ao que tudo indica, por intermédio da decisão soberana:

A doutrina da soberania que Schmitt desenvolve em sua obra Politische Theologie pode ser lida como uma resposta precisa ao ensaio benjaminiano. Enquanto a estratégia da ‘Crítica da violência’ visava a assegurar a existência de uma violência pura e anômica, para Schmitt trata-se, ao contrário, de trazer tal violência para um contexto jurídico. O estado de exceção é o espaço em que ele procura capturar a idéia benjaminiana de uma violência pura e inscrever a anomia no corpo mesmo do nomos.75

Esse espaço de exceção, em que a vida é abarcada e inscrita no elemento

normativo, é o que pretende Agamben revelar – assentado sobre as bases lançadas por

Walter Benjamin.

Em linhas gerais, a violência, segundo Benjamin, é pressuposto do direito e a

tarefa de uma crítica da violência seria expor a relação entre a violência e as relações

morais consubstanciadas, em específico, no par direito e justiça.

A relação fundamental de todo ordenamento expressar-se-ia, sobretudo, na

73 De acordo com Agamben, no livro Da ditadura o estado de exceção é representado pela figura da ditadura comissária, que objetiva defender ou restaurar a constituição vigente e tem, como operador da inscrição da exceção no normativo a distinção entre normas de direito e normas de realização de direito, e soberana, voltada ao estabelecimento de uma nova constituição e que apresenta os operadores poder constituinte e poder constituído. Na Teologia Política, o operador da inscrição do estado de exceção na ordem jurídica é a distinção entre norma e decisão – ambos elementos do âmbito jurídico. Cf. AGAMBEN, Giorgio, Estado de Exceção, p. 53 ss. 74 BENJAMIN, Walter. Para una crítica de la violencia. Disponível em www.ddooss.org/articulos/textos/walterbenjamin.pdf Acessado em 11 de Janeiro de 2007. Em portugês tem-se BENJAMIN, Walter. Crítica da violência, crítica do poder. In: Documentos de cultura, documentos de barbárie. Willi Bolle (org.). São Paulo: Cultrix, 1986. Por violência pura Benjamin pretende, segundo Agamben, romper com a “dialética entre violência que funda o direito e violência que o conserva (...)” em prol de uma violência “absolutamente ‘fora’ (ausserhalb) e ‘além’ (jenseits) do direito (...)” (p. 84). A decisão, para Benjamin, corresponderia, tão só, a uma experiência de indecidibilidade. 75 AGAMBEN, G., op. cit., p. 85-86.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 96: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

96

96

dicotomia meios e fins. Num sistema de fins justos – a que se reporta a filosófica do

direito natural – o critério a ser utilizado na crítica seria facilmente identificado: saber se

voltada para fins justos ou injustos. Tal critério, no entato, apresentaria falhas. Nele se

trata apenas da aplicação da violência em um caso concreto, nada se expondo para

solucionar a problemática da violência em si mesmo, ainda que voltada para fins justos.

A direção a ser seguida para se encontrar um critério mais acertado, dessa sorte,

há de se restringir ao âmbito exclusivo dos meios. Com efeito, o ponto de partida para a

crítica é o direito positivo, no qual o poder é considerado em sua transformação

histórica e o direito examinado por referência apenas a meios, ou seja, se se trata de

uma violência sancionada ou não-sancionada, legítima ou ilegítima.

Ocorre que as tradições da filosofia do direito natural e positivo manteriam em

comum o dogma fundamental de que “los fines justos pueden ser alcanzados por medios

legítimos, los medios legitimos pueden ser empleados al servicio de fines justos”.76 O

direito natural destinado a ‘justificar’ os meios legítimos pela referência à justiça dos

fins e o direito positivo a ‘garantir’ a justiça dos fins por intermédio da legitimidade dos

meios.

E, para Benjamin, haveria uma ambigüidade entre ‘meios legítimos’ e ‘fins justos’

a demandar uma nova perspectiva para direcionar a crítica da violência.

O autor, então, após percorrer as formas de classificação ou status da violência na

esfera exclusiva dos meios (legítima e ilegítima, criadora e conservadora) e se estribar

no fato de o direito moderno considerar a violência uma ameaça à sua própria

manutenção, bem assim depois de discorrer sobre a possibilidade de meios não-

violentos de solução dos conflitos humanos – meios puros, mediatizados –, assumindo a

violência como pressuposto do direito estabele um novo critério para a crítica assentado

na só manifestação, sem referência alguma à relação de meios e fins: violência mítica e

violência pura ou divina.

O mito e a violência mítica – analisada por Benjamin com o exemplo da lenda de

Níobe77 – é apenas manifestação da vontade, ou melhor, do próprio ser dos deuses. Não

76 BENJAMIN, Walter, Para una crítica de la violencia, 1999, p. 3. 77 Níobe, a irmã de Pélops (ambos filhos de Tântalo), saiu da Ásia para se casar com outro filho de Zeus, Anfíon, famoso músico que reinava em Tebas. Teve muitos filhos e filhas (a quantidade varia conforme a fonte), e estava tão orgulhosa e feliz com sua prole que cometeu o erro de declarar-se superior à deusa Letó, que tivera somente dois filhos, Apolo e Ártemis. A deusa se ofendeu e pediu aos filhos que a vingassem. Apolo matou então, com suas flechas, todos os rapazes; Ártemis fez o mesmo a todas as moças. Níobe, cheia de dor, voltou para a Ásia e tanto chorava que os outros deuses se apiedaram dela: transformaram-na numa rocha perto do Monte Sípilo, de onde uma nascente vertia água constantemente.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 97: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

97

97

é uma violência totalmente sangrenta e destruídora, visto que se deteve diante da vida

de Níobe, deixando-a culpada por causa da morte dos filhos, como um suporte mudo e

eterno da culpa e como um marco do limite entre homens e deuses. Não se trata, aí, de

um castigo decorrente de uma infração estabelecida numa normatividade já existente,

mas de uma manifestação originada de se haver desafiado o destino a uma luta na qual

sairá necessariamente vitorioso e, por sua vitória, engendrará um direito.

Essa violência exerceria uma dupla função na criação do direito:

La función de la violencia en la creación jurídica es, en efecto, doble en el sentido de que la creación jurídica, si ben persigue lo que es instaurado como derecho, como fin, con la violencia como medio, sin embargo – en el ato de fundar como derecho el fin perseguido – no depone en modo alguno la violencia, sino que sólo ahora hace de ella en sentido estrito, es decir inmediatamente, violencia creadora de derecho, en cuanto instaura como derecho, con el nombre de poder, no ya un fin inmune e independiente de la violencia, sino íntima y necesariamente ligado a ésta. Creación de derecho es creación de poder.78

A violência mítica se identifica com aquela violência fundadora do direito e,

portanto, do poder. Na violência mítica é o poder objeto de garantia da violência

criadora. Os limites do direito, nesse contexto, impõem-lhes o grupo dominador aos

dominados que, se violam a lei, ainda que não escrita, são culpados e castigados. É uma

violência sangrenta no sentido de que recai sobre a vida nua natural, massacra-a e fere.

Em oposição, tomando por referência o juízo de Deus sobre a tribo de Corá,79

cuida Benjamin da violência pura ou divina, destrutiva, sem limitações e exculpante,

que não se identifica com o poder. Violência purificante e sem derramamento de

sangue, a incidir sobre toda a vida nua em nome do ser vivente e não, como na violência

mítica, em nome da própria violência, do poder. Destrutiva de coisas – como o direito –

nunca do próprio ser vivente. Uma violência que destrói a culpa imposta pelo direito,

transcendendo-o, dirigindo-se para um âmbito além, fora do jurídico.

A violência pura, destaque-se, não se transmuta em uma simples violência total

recíproca. A uma ação – v.g. não matar – antecede um mandamento, que, no entanto,

não julga a ação, não é “criterio de juicio, sino una norma de acción para la persona o

comunidad actuante que deben saldar sus cuentas con el mandamiento en soledad y

78 Ibid., p. 14-15. 79 Alude o autor à narração bíblica sobre a rebelião de Corá, Datã e Abirão no livro de Números, capítulo 16 da Biblia Sagrada.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 98: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

98

98

asumir en casos extraordinarios la responsabilidad de prescindir de él.”80

A violência pura é aquela que rompe o ciclo dialético da violência criadora que,

com o passar do tempo, é debilitada pela violência conservadora e, em seguida, com o

aparecimento de novas forças, se opõe à conservação, inaugurando uma segunda ordem

‘destinada’, já no início, à decadência. A violência pura ou divina – insígnia e sinal, mas

nunca meio de execução sagrada – seria, assim, violência que, de fato, governa,

soberana.

Norma e realidade, aí, são imanentes e indiscerníveis, devendo-se hoje, numa

nova situação histórica, reconhecer a implosão da normatividade autônoma da

constituição com o objetivo de se estabelecer, de modo contundente, que além de

limites ao discurso constitucional existe um espaço de anomia, de indiscernibilidade,

uma zona não alcançada por um exclusivo elemento jurídico e aberta à ação renovadora

e criadora.81

Não sem motivo reconhece Nomi Claire Lazar que na exceção há um espaço

extrajurídico capaz, inclusive, de servir à manutenção do regime democrático. E,

analisando a ditadura romana, postula que os meios de controle do poder não são apenas

aqueles formal-institucionais do Estado de Direito. Além desses aduz que se deve levar

em conta os meios informais, extra-institucionais, como a consciência e a honra, um

resultado de sucesso nas eleições – que transmitiriam certa aprovação do candidato –,

vinculações transnacionais e disponibilidade de capital, que também limitam, conquanto

não no sentido jurídico estrito, o poder, afigurando-se insustentável, portanto, como

pretende Schmitt, inscrever a exceção na ordem jurídico-constitucional. 82

80 BENJAMIN, Walter, op. cit., p. 16. 81 Em sentido contrário argumenta ZUCKERMAN, Ian. One law for War anda Peace? Judicial Review and emergency powers beween the norm and the exception. In: Constellations, v. 13, n.º 4, 2006, pp. 522-545. Segundo o autor, que distingue os conceitos de emergência (situação imprevisível que demanda uma resposta temporária para restabelecer a segurança e a integridade da ordem legal), exceção (a suspensão, a ruptura ou a transformação de toda ou parte dos fundamentos formais ou informais das leis e da ordem política e que, com efeito, pressupõe a existência da norma) e poderes de emergência (a constelação de regras e medidas permitidas a um governo para vencer a emergência numa exceção), bem como três paradigmas de compreensão das emergências e da relação dos mencionados três conceitos (monista, Schmittiano e dualista) Agamben estaria equivocado a supor a exceção uma zona vazia – “black holes”. Haveria, em vez disso, segundo Zuckerman arrimado em lição de David Dyzenhaus, uma zona cinza – gray zone – na medida em que a exceção seria, como demonstra o exemplo dos prisioneiros de Guantánamo referido por Agaben, autorizada por uma medida legal: “Thus, what is striking here is not the absence or total suspension of law, but the proliferation of indeterminate, instrumentalized legal categories tha have an indisputably legal form” (p. 527). Com base nisso, ratifica Zuckerman os argumentos de Bruce Ackerman no sentido de ser possível e imprenscindível uma regulação constitucional normativa do estado de exceção. 82 LAZAR, Nomi Claire. Making emergencies safe for democracy: the romam dictatorship and de rule of law in the study of crisis government. In: Constellations, v. 13, n.º 4, 2006, pp. 506-521. Esclareça-se que

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 99: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

99

99

Esse, ao que tudo indica, o ponto de partida de Giorgio Agamben.

Para o autor, a relação política originária é o bando, que nasce na zona da

exceção. A soberania atua sobre a produção da vida nua. O sujeito que recebe o

impacto do poder e lança luz sobre o entendimento desse momento formativo da

exceção e do bando é representado pelo homo saccer. O campo de concentração

funcionaria como um paradigma da dominação biopolítica que, atualmente, se alastra. O

paradoxo é a chave lógica da soberania, em específico da problemática tensão entre

normatividade jurídica e poder de fato.

A exceção consubstancia o momento político originário, afastando qualquer

pretensão contratualista. Segundo Agamben:

É chegado, portanto, o momento de reler desde o princípio todo o mito de fundação da cidade moderna, de Hobbes a Rousseau. O estado de natureza é, na verdade, um estado de exceção, em que a cidade se apresenta por um instante (que é, ao mesmo tempo, intervalo cronológio e átimo intertemporal) tanquam dissoluta. A fundação não é, portanto, um evento que se cumpre de uma vez por todas (....) mas é continuamente operante no estado civil na forma da decisão soberana. Esta, por outro lado, refere-se imediatamente à vida (e não à livre vontade) dos cidadãos, que surge assim como o elemento político originário (...) mas esta vida não é simplesmente a vida natural reprodutiva, a zoé dos gregos, nem o bíos, uma forma de vida qualificada; é, sobretudo, a vida nua do homo sacer e do wargus (...) A tese (...) segundo a qual o relacionamento jurídico-político originário é o bando, não é apenas uma tese sobre a estrutura formal da soberania, mas tem caráter substancial, porque o que o bando mantém unido são justamente a vida nua e o poder soberano. É preciso dispensar sem reservas todas as representações do ato político originário como um contrato (...) Existe aqui, ao invés, uma bem mais complexa zona de indiscernibilidade entre nómos e phýsis, na qual o liame estatal, tendo a forma de bando, é também desde sempre não-estatalidade e pseudonatureza, e a natureza apresenta-se desde sempre como nómos e estado de exceção (...) É essa estrutura de bando que devemos aprender a reconhecer nas relações políticas e nos espaços públicos e que ainda vivemos (....) E, se na modernidade, a vida se coloca sempre mais claramente no centro da política estatal (que se tornou, nos termos de Foucault, biopolítica) (....) se todos os cidadãos apresentam-se virtualmente como homines sacri, isto somente é possível porque a relação de bando constituía desde a origem a estrutura própria do poder soberano. 83 (grifou-se)

Esclareçamos.

a autora objetiva, notadamente, argumentar em favor da manutenção do Estado de Direito. Ao discorrer sobre os meios informais de controle quer ela destacar que embora não se possa arrimar em argumentos ético-políticos – normativos – para se manter o Estado de Direito, assegurando os valores, instituições e tradições legados no decorrer do processo histórico, razões não-intrínsecas – instrumentais – contribuem para sua manutenção, porquanto derivam de um poder também informal. Ver também: ADLOFF, Frank. Beynd interests and norms: toward a theory of gift-giving and reciprocity in modern societies. In: Constellations, v. 13, n.º 4, 2006, pp. 407-427. 83 AGAMBEN, G., Homo sacer: o poder soberano e a vida nua, p. 115-117.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 100: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

100

100

Agamben entende que a categoria fundamental da política ocidental resume-se no

binário vida-nua e existência política – ou zoé e bios, exclusão e inclusão. E, inspirado

em Foucault, assume o pressuposto de que o homem moderno não é um simples animal

vivente capaz de uma existência política (animal político), mas um ser para quem a

política é inerente, uma vez que nela está em questão sua própria vivência.84 Daí a

biopolítica, o reconhecimento de que a vida natural, biológica, é incluída nos

mecanismos e nos cálculos do poder estatal.

O poder não é apenas analisado em suas formas e categorias jurídicas e

institucionais. É visto, também, em concreto, no modo como o Estado e os agentes

políticos em geral atuam sobre a vida natural e na influência que exercem nos processos

de subjetivação, de formação das identidades individuais. Agambem não exclui de sua

análise o poder soberano e a soberania, cujo núcleo originário consiste na implicação da

via nua na esfera política.

É fundamental para o autor desvendar porque a política no ocidente se

consubstancia por intermédio de uma exclusão e analisar, por conta disso, a relação

entre política e vida, que se apresenta como aquilo que deve ser incluído naquela por

uma exclusão.

A estrutura da exceção, segundo o autor, a isso responde e avança ainda mais:

A tese foucaltiana deverá, então, ser corrigida ou, pelo menos, integrada, no sentido de que aquilo que caracteriza a política moderna não é tanto a inclusão da zoé na pólis, em si antiqüíssima, nem simplesmente o fato de que a vida como tal venha a ser objeto eminente dos cálculos e das previsões do poder estatal; decisivo é, sobretudo, o fato de que, lado a lado com o processo pelo qual a exceção se torna em todos os lugares a regra, o espaço da vida nua, situado originariamente à margem do ordenamento, vem progressivamente a coincidir com o espaço político, e exclusão e inclusão, externo e interno, bíos e zoé, direito e fato entram em uma zona de irredutível indistinção (...) Tudo ocorre como se, no mesmo passo do processo disciplinar através do qual o poder estatal faz do homem enquanto vivente o próprio objeto específico, entrasse em movimento um outro processo, que coincide grosso modo com o nascimento da democracia moderna, no qual o homem como vivente se apresenta não mais como objeto, mas como sujeito do poder político. 85

A exceção, portanto, seria categoria mais adequada para explicitar o fenômeno

político-jurídico e suas aporias, pelo menos até que uma política integralmente nova

seja inaugurada. De acordo com Agamben:

84 Em sentido similar: ARENDT, Hannah. A condição Humana. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forenser Universitária, 2005. 85 AGAMBEN, G., op.cit. p. 16.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 101: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

101

101

Enquanto soberano, o nómos é necessariamente conexo tanto com o estado de natureza quanto com o estado de exceção (...) o que surge (no ponto em que se considera a sociedade tanquam dissoluta) é, na verdade, não o estado de natureza (como estágio anterior no qual os homens recairiam), mas o estado de exceção. Estado de natureza e estado de exceção são apenas as duas faces de um único processo topológico no qual (...) o que era pressuposto como externo (estado de natureza) resurge agora no interior (como estado de exceção), e o poder soberano é justamente esta impossibilidade de discernir externo e interno, natureza e exceção, phýsis e nómos. O estado de exceção, logo, não é tanto uma suspensão espaço-temporal quanto uma figura topológica complexa, em que não só a exceção é a regra, mas até mesmo o estado de natureza e o direito, o fora e o dentro transitam em pelo outro.86

O estado de exceção configura “um espaço anômico onde o que está em jogo é

uma força de lei sem lei (...) em que potência e ato estão separados de modo radical

(...)”.87

A chave lógica da soberania, sob a perspectiva da exceção permanente é o

paradoxo que já havia sido enunciado por Schmitt no sentido de que o soberano está, ao

mesmo tempo, dentro e fora do ordenamento jurídico, de que a lei ou a Constituição

pode ser suspensa por ela mesma. A exceção, sustenta Agambem,

é uma espécie da exclusão. Ela é um caso singular, que é excluído da norma geral. Mas o que caracteriza propriamente a exceção é que aquilo que é excluído não está, por causa disto, absolutamente fora da relação com a norma; ao contrário, esta se mantém em relação com aquela na forma da suspensão. A norma se aplica à exceção desaplicando-se, retirando-se desta. O estado de exceção não é, portanto, o caos que precede a ordem, mas a situação que resulta da sua suspensão. Neste sentido, a exceção é verdadeiramente, segundo o étimo, capturada fora (ex-capere) e não simplesmente excluída. (...) A exceção que define a estrutura da soberania é, porém, ainda mais complexa. Aquilo que está fora vem aqui incluído não simplesmente através de uma interdição ou um internamento, mas suspendendo a validade do ordenamento, deixando, portanto, que ele se retire da exceção (...) Não é a exceção que se subtrai à regra, mas a regra que, suspendendo-se, dá lugar à exceção e somente desse modo se constitui como regra, mantendo-se em relação com aquela. 88

A normatividade do direito, nesse ponto de vista, somente emergeria mediante

sua auto-suspensão, de molde que a exceção não pode ser definida nem como situação

de fato, nem como situação de direito, mas como uma zona paradoxal de indiferença.

Bem esclarece Agamben, “[n]ão é um fato, por que é criado apenas pela suspensão da

norma; mas, pela mesma razão, não é nem ao menos um caso jurídico (...)”.89

86 Ibid., p. 43. 87 AGAMBEN, G., Estado de exceção, p. 61. 88 Ibid., p. 25-26. 89 Ibid., p. 26.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 102: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

102

102

Analisando o iustititium romano, Agamben aponta, em resumo, quatro

caraterísiticas da exceção: (i) o estado de exceção é um espaço vazio de direito, em que

se suspende o direito, não se vinculando à doutrina da necessidade como fonte

originária ou da legítima defesa do Estado ou, ainda, à tentativa de increver a exceção

na ordem jurídica mediante a separação entre norma e decisão, norma de direito e de

realização, poder constituinte e poder constituído; (ii) esse vazio é essencial à existência

e compreensão da ordem constitucional; (iii) os atos, sob à perspectiva da exceção, não

são executivos, legislativos ou trangressivos, mas um não-lugar absoluto; (iv)

corresponde a esse não-lugar uma força de lei sem lei.90

Na exceção, assim, é revelado o equívoco do entendimento da moderna teoria

jurídica de matriz kantiana sobre a aplicação. A aplicação da norma não consubstancia

um simples caso de juízo determinante, em que, segundo Agamben, “o geral (a regra) é

dado e trata-se de se lhe subsumir o caso particular (no juízo reflexivo, em

contrapartida, o particular é dado e trata-se de encontrar a regra geral)”.91 Por

intermédio de uma analogia com a linguagem esclarece o autor que

na relação entre o geral e o particular (mais ainda no caso a aplicação de uma norma jurídica) não está em questão apenas uma subsunção lógica, mas antes de tudo a passagem de uma proposição geral dotada de um referente puramente virtual à referência concreta a um segmento da realidade (isto é, nada menos que o problema da relação atual entre linguagem e mundo). Essa passagem da langue à parabole, ou do semiótico ao semântico, não é de modo algum uma operação lógica, mas implica sempre uma atividade prática, ou seja, a assunção da langue por parte de um ou de vários sujeitos falantes e a aplicação do dispositivo complexo que Benveniste definiu como função enunciativa e que, com freqüência, os lógicos tendem a subestimar. No caso da norma jurídica, a referência ao caso concreto supõe um ‘processo’ que envolve sempre uma pluralidade de sujeitos e culmina , em última instância, na emissão de uma sentença, ou seja, de um enunciado cuja referência operativa à realidade é garantida pelos poderes institucionais.92

E a validade da norma, de acordo com essa perspectiva, funcionaria como algo

virtual, uma potência. Cuida-se, grosso modo, de uma “pressuposição” necessária para

que se possa afirmar o significado geral da norma num caso particular por ela suspenso.

Na regra que ordena, por exemplo, não fazer X, existe, virtualmente, ou nela

“pressuposto”, sua própria transgressão, ou seja, fazer X. O fato não-jurídico consistente

na conduta fazer X se juridiciza exatamente porque a norma o exclui mediante sua

inclusão. Disso resulta que a lei pressupõe o não-jurídico em tal medida que careceria

90 Ibid., p. 78-80. 91 Ibid., p. 61. 92 Ibid., p. 62.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 103: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

103

103

mesmo de sentido insistir em oposições entre norma e fato. Mais sensato, ao que tudo

indica, seria assumir a zona de indiferença que é revelada pela exceção e concluir que

norma e fato são reciprocamente indissociáveis ou imanentes.

A decisão de Schmitt, então, restaria superada, afastando tanto o seu siginificado

de expressão de vontade de um sujeito superior a qualquer outro como o seu sentido de

providência estratégica para inscrever a exceção na ordem jurídica. À decisão “não

concerne nem uma quaestio iuris nem em uma quaestio facti, mas a própria relação

entre o direito e o fato”,93 um vazio. O direito, assim, tem caráter normativo, é norma.

Não, contudo, porque prescreve e determina condutas, mas, seguindo Agamben, porque

deve, antes de mais nada, criar o âmbito da própria referência na vida real, normalizá-la. Por isto – enquanto, digamos, estabelece as condições desta referência e, simultaneamente, a pressupõe – a estrutura originária da norma é sempre do tipo: ‘Se (caso real, p. ex.: si membrum rupsi) , então (conseqüência jurídica, p. ex.: talio esto)’, onde um fato é incluído na ordem jurídica através de sua exclusão e a transgressão parece preceder e determinar o caso lícito. Que a lei tenha inicialmente a forma de uma lex talionis (talio, talvez de talis, quer dizer: a mesma coisa), significa que a ordem jurídica não se apresenta em sua origem simplesmente como sanção de um fato transgresivo, mas constitui-se, sobretudo, através do repetir-se do mesmo ato sem sanção alguma, ou seja, como caso de exceção. Este não é uma punição do primeiro, mas representa a sua inclusão na ordem jurídica, a violência como fato jurídico primordial (...). Neste sentido, a exceção é a forma originária do direito. (grifou-se) A chave desta captura da vida no direito é não a sanção (...), mas a culpa (não no sentido técnico que este conceito tem no direito penal, mas naquele original, que indica um estado, um estar-em-débito; in culpa esse), ou seja, precisamente, o ser incluído através da exclusão.94

A estrutura da soberania da lei tem a forma da exceção, em que fato e direito são

indistinguíveis e devem, todavia, ser decididos, permitindo a inclusão da vida no âmbito

político-jurídico. Não se cuida, no entanto, apenas de uma vigência de lei sem

significado. A isso se acresce uma consumação da lei que a torna mesmo indiscernível

da vida,95 permitindo resgatar a violência pura benjaminiana, um espaço além do direito

e da normatividade autônoma da constituição, em que se verifica “uma ação humana

sem relação com o direito (...) diante de uma norma sem relação com a vida.”96

É possível afirmar, destarte, que a regra vive somente da exceção e que a

soberania, que tem na exceção sua estrutura, não é

93 AGAMBEN, G., Homo sacer: o poder soberano e a vida nua, p. 33. 94 Ibid., p. 33-34. 95 Ibid., p. 61. 96 AGAMBEN, G., Estado de exceção, p. 131.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 104: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

104

104

nem um conceito exclusivamente político, nem uma categoria exclusivamente jurídica, nem uma potência externa ao direito (Schmitt), nem a norma suprema do ordenamento jurídico (Kelsen): ela é a estrutura originária na qual o direito se refere à vida e a inclui em si através da própria suspensão.97

À característica da lei de se manter na privação, de se aplicar desaplicando-se,

chama Agamben, seguindo Jean-Luc Nancy, de bando:

A relação de exceção é uma relação de bando. Aquele que foi banido não é, na verdade, simplesmente posto fora da lei e indiferente a esta, mas é abandonado por ela (...) É nesse sentido que o paradoxo da soberania pode assumir a forma: ‘não existe um fora da lei’. A relação originária da lei com a vida não é a aplicação, mas o Abandono. A potência originária do nómos, a sua originária ‘força de lei’, é que ele mantém a vida em seu bando abandonando-a.98

No bando se ligam os dois pólos da exceção soberana: a vida nua e o poder, o

homo saccer e o soberano. Essa estrutura, ao que tudo indica, transparece nos espaços

públicos em que vivemos, nos quais se vê, com abundância, cidadãos relegados,

abandonados por um poder soberano que os exclui da sociedade incluindo-os, via de

regra, pela ilusão da representatividade da democracia liberal, que, bem acentua

Losurdo, se revela um verdadeiro contra-senso, na medida em que a tradição liberal se

opôs, historicamente, à democracia e, hoje, vem se apresentando como um

bonapartismo soft:

Assim como o século XX se abre com a demonstração da superioridade do modelo americano no momento da intervenção no primeiro conflito mundial e, depois, no curso do seu desenvolvimento, ele também se concluiu com uma nova e brilhante vitória do bonapartismo soft, que tem no centro um líder, fortalecido pela sua investidura popular de tipo plebiscitário, pelos amplíssimos poderes que exerce e pode estender enormemente com o estado de exceção, pela auréola sagrada que lhe deriva do fato de ser intérprete de uma missão sagrada de liberdade, pela possibilidade de dispor de um gigantesco aparelho propagandístico e de persuasão oculta. (...) O bonapartismo soft se configura como um regime não só em virtude da sucesão ordenada e indolor de um líder para outro, mas também pelo fato de que a competição se desenvolve numa plataforma substancialmente unitária e comum aos diversos candidatos que concorrem ao cargo de guia e intérprete supremo da nação. (...) Nos nossos dias, assiste-se a um paradoxo: os que agitam a palavra de ordem da ‘democracia direta’, naturalmente não a que intervém nas fábricas e nos postos de trabalho mas a que prescinde da mediação dos partidos, são precisamente os adeptos do bonapartismo soft, segundo os quais quem designa o líder da nação (...) ou o líder de um determinado colégio eleitoral (...) deve ser diretamente o povo atomizado, privado dos meios mais modestos de autônoma produção espiritual e política e entregue, inerme, ao poder totalitário do mass-media monopolizado pela grande burguesia. (...)

97 AGAMBEN, G., Homo sacer: o poder soberano e a vida nua, p. 35. 98 Ibid., p. 36.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 105: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

105

105

O processo de emancipação que, nos últimos dois séculos, conquistou o sufrágio universal igual (uma cabeça um voto), reivindicou a representação proporcional (...), contestou o monopólio (...) dos órgão representativos por parte da riqueza, associou direitos políticos a direitos sociais e econômicos, viu e celebrou a democracia como emancipação das classes, ‘raças’ e dos povos mantidos em condição subalterna – tal processo parece ter sofrido uma grave interrupção. Neste sentido, estamos diante de uma fase de des-emancipação (...)99

O sujeito dessa relação é representado pela figura do homo sacer, insacrificável,

mas matável,100 o qual é figura originária da vida no bando soberano e conserva a

memória da exclusão por intermédio da qual se constitui a dimensão política:

O espaço político da soberania ter-se-ia constituído, portanto, através de uma dupla exceção, como excrecência do profano no religioso e do religioso no profano, que configura uma zona de indiferença entre sacrifício e homicídio. Soberana é a esfera na qual se pode matar sem cometer homicídio e sem celebrar um sacrifício, e sacra, isto é matável e insacrificável, é a vida que foi capturada nesta esfera.

101

O campo de concentração, enfim, é mencionado por Agamben como um modelo

da dominação biopolítica que, atualmente, se alastra, o nómos do espaço político em

que ainda vivemos. O campo “é um pedaço de território (...) colocado fora do

ordenamento jurídico normal, mas não é, por causa disso, simplesmente um espaço

externo”.102

O campo, explica Agamben, nasce do estado de exceção, da lei marcial. É o que

deixa entrever observação, ainda que superficial, do regime nacional-socialista alemão.

A Schutzhaft (custodia preventiva) servia de base jurídica da internação nos

campos de concentração,

um estatuto jurídico de derivação prussiana que os juristas nazistas classificavam às vezes como medida de polícia preventiva, na medida em que permitia ‘tomar sob custódia’ certos indivíduos independentemente de qualquer conduta penalmente relevante, unicamente com o fim de evitar um perigo para a segurança do estado.103

Para se decretar a Shutzhaft proclamava-se o estado de exceção, suspendendo-se,

99 LOSURDO, D., Democracia ou Bonapartismo, p. 51, 56, 300, 303, 329 e 333. 100 AGAMBEN, G., Homo sacer: o poder soberano e a vida nua, p. 90. 101 Ibid., p. 91. 102 Ibid., p. 177. 103 Ibid., p. 174. Destaque-se a advertência de Agamben de que a internação em campos com base na Shultzhaft nasceram dos governos sociais-democráticos que, em 1923, “após a proclamação de um estado de exceção, não apenas internaram com base na Shultzhaft, mas criaram também em Cottbus-Sielow um Konzentrationslanger für Ausländer que hospedava sobretudo refugiados hebreus orientais e que pode, portanto, ser considerado o primeiro campo para os hebreus do nosso século XX (...)”.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 106: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

106

106

com arrimo no art. 48 da Constituição, os dispositivos que nela asseguravam as

liberdades pessoais.

No campo, portanto, tudo era/é possível. Nele a exceção é a norma, revelando-se

o espaço indiscernível entre interno e externo, entre fato e direito. A vida humana para

aí arrastada com base na Shutzhaft é dominada na sua totalidade, inscrevendo-se na

ordem político-jurídica pela sua própria exclusão e degradação.

O campo serve de modelo exatamente porque, sob exceção permanente, é “o

espaço [da] absoluta impossibilidade de se decidir entre norma e aplicação, entre

exceção e regra, que entretanto decide incessantemente sobre eles”.104 A norma no

campo é ao mesmo tempo normatização e aplicação, confundindo-se a produção do

direito com a sua concretização.

O campo, assim, é o espaço político desse período de transição do século XX para

o XXI, em que a organização planetária marca uma localização sem ordenamento que

não está restrita ao âmbito internacional, mas se mostra de maneira clara no interior dos

próprios Estados, a exemplo da situação dos excluídos, moradoras das favelas do Brasil.

Mais do que ler de maneira adequada o funcionamento da lógica soberana,

atentando à exclusão que ela promove ao expandir o campo como imagem do espaço

político, a categoria da exceção – adjetiva pela permanência porque presente em

contínuo na composição do fenômeno jurídico-constitucional – permite destacar uma

zona de anomia, não subjugada pelo direito, em que se vê tanto uma vigência pura sem

aplicação como uma aplicação sem vigência, um espaço aberto à construção não

mediatizada por um direito instrumentalizado pelas forças dominantes na vida social ou

por perspectivas teleológicas; um direito que, na linha de Agamben, é manifestação de

um âmbito político redefinido.

Esse espaço vazio de anomia se revela, incisivamente, na articulação do elemento

jurídico – potestas – com o elemento anômico – autoritas – revelando-se a exceção

permanente, portanto, ainda mais imprescindível como categoria para se compreender,

hoje, o fenômeno político-jurídico:

O sistema jurídico do Ocidente apresenta-se como uma estrutura dupla, formada por dois elementos heterogêneos e, no entanto, coordenados: um elemento normativo e jurídico em sentido estrito – que podemos inscrever aqui, por comodidade, sob a rubrica potestas – e um elemento anômico e metajurídico – que poderíamos designar pelo nome auctoritas. O elemento normativo necessita do elemento anômico para poder ser aplicado,

104 Ibid., p. 180.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 107: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

107

107

mas, por outro lado, a auctoritas só pode se afirmar numa relação de validação ou de suspensão da potestas (....) O estado de exceção é o dispositivo que deve, em última instância, articular e manter juntos os dois aspectos da máquina jurídico-política, instituindo um limiar de indeterminação entre anomia e nomos, entre vida e direito, entre auctoritas e postestas. Ele se baseia na ficção essencial pela qual a anomia – sob a forma de auctoritas, da lei viva ou da força de lei – ainda está em relação com a ordem jurídica e o poder de suspender a norma está em contato com a vida. Enquanto os dois elementos permanecem ligados, mas conceitualmente, temporalmente e subjetivamente distintos – como na roma republicana (...) –, sua dialética – embora fundada sob uma ficção – pode, entretanto, funcionar de algum modo. Mas, quando tendem a coincidir (...) quando o estado de exceção em que eles se ligam e indeterminam torna-se a regra, então o sistema jurídico-político transforma-se em uma máquina letal (...) O estado de exceção, hoje, atingiu seu máximo desdodramento planetário. O aspecto normativo do direito pode ser, assim, impunemente eliminado e contestado por uma violência governamental que, ao ignorar no âmbito externo o direito internacional e produzir no âmbito interno um estado de exceção permanente, pretende, no entanto, ainda aplicar o direito.105 (grifou-se)

A categoria da exceção permanente, dessa sorte, além das características

condensadas nos subtítulos 4.1 e 4.3 – (i) paradoxos referentes à perspectiva normativa

construída nas sociedades capitalistas do Ocidente associados a uma maior influência da

decisão política, (ii) contexto globalizado, em que se vêem reestruturadas as relações de

poder em escala mundial, (iii) exploração, numa sociedade de risco, da sensação de

insegurança e de medo para viabilizar a (iv) instituição de um governo forte e

centralizado, expandindo-se a atuação do Executivo sob o alegado objetivo de garantir a

continuidade – ou “salvar” – as democracias constitucionais, (v) alteração e até a

suspensão de direitos e liberdades a fim de assegurar a manutenção do regime

democrático, (vi) déficit de representação e participação popular na formação da

vontade política dos Estados – traz consigo uma nova maneira de apreciar o fenômeno

político-jurídico que, acreditamos, é mais adequada para compreender a situação

contemporânea. Nela arrimado, não se há de duvidar da necessidade de se repensar

tópicos estruturais da teoria constitucional. A constituição, os direitos fundamentais, a

hermenêutica constitucional e os tribunais constitucionais requerem nova luz, certo da

insuficiência da teoria pós-1945 que, atada à normatividade autônoma da constituição,

deixa de abrir maior espaço à realidade e ao poder.

Trata-se, sem dúvida, de um novo registro num período de esgotamento do

construto sócio-político-econômico erigido sobre os pilares do paradigma da

modernidade. 106 107

105 AGAMBEN, G., Estado de Exceção, p. 130-131. 106 Paradigma, segundo Edgar Morin, trata de um certo tipo de relação lógica extremamente forte entre noções mestras, noções-chaves, princípios-chaves. Refere-se à “pedra angular” de todo um sistema de pensamento cuja afetação alcança, ao mesmo tempo, a “ontologia, a metodologia, a epistemologia, a

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 108: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

108

108

Segundo Morin, a ontologia moderna ocidental arrima-se em entidades fechadas,

como substância, identidade, causalidade (linear), sujeito e objeto, as quais não se

comunicam entre si, firmando oposições que levam à “repulsão ou à anulação de um

conceito pelo outro”.108 O real, afirma o autor, é apreendido em sua simplicidade e

homogeneidade, conhecido na sua essência por um indivíduo racional capaz de pensar a

natureza por “extensão e movimento” (dualismo), “passivamente submetida a

mecanismos cujos elementos é possível desmontar e relacionar sob a forma de leis”.109

As influências modernas na organização sócio-política são bem visíveis, por

exemplo, na obra de Thomas Hobbes, e se mantém ainda hoje. No entender de Simone

Goyard-Fabre, Hobbes expõe as linhas mestras, os princípios fundamentais da teoria do

Estado Moderno: “as capacidades de comando e de regulação do Poder procedem, no

âmago do humanismo jurídico, de uma concepção individualista e igualitarista da

existência pública, embasada num racionalismo estrito.”110

Capacidades de comando e de regulação do poder se referem, em síntese, à

problemática abarcada pelo conceito moderno de soberania – disso cuidaremos mais à

frente.

Por humanismo se quer dizer que o poder se edifica pelo homem. O homem

moderno está no centro. Todavia, aparece na modernidade cartesiana como um “novo

deus” transcendente.111 Conduz esse pressuposto antropológico – ou se produz em

conjunto com ele – a uma concepação individualista, igualitária e racionalista.

O Estado é pensado a partir dos átomos, dos indivíduos que o compõem,

passando-se da multidão de átomos individuais associais e apolíticos para a unidade do

ordenamento mediante a efetivação de um contrato social. 112 Não seria possível

lógica e por conseqüência a prática, a sociedade e a política.” Cf. MORIN, E., Introdução ao Pensamento Complexo, p. 54. 107 PLASTINO, C. A., Sentido e Complexidade, Corpo, Afeto, Linguagem: a questão do sentido hoje, 2001, p. 44: “dentre os conceitos-chave que organizam a concepção ontológica e epistemológica da modernidade, é preciso destacar dois: o que pressupõe no real uma essência redutível à razão lógica e apreensível pela razão humana e, indissociável dele, o que representa o real como cindido em dualismos tais como natureza-cultura e corpo-psique (...)”. Também: SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências, 2003; SANTOS, Boaventura de Sousa. La transición postmoderna: derecho y política, 1989. 108 Ibid., p. 54 109 Ibid., p. 47. 110 GOYARD-FABRE, S., Os Princípios Filosóficos do Direito Político Moderno, p. 75. 111 HARDT, M.; NEGRI, A., Império, p. 109: “Há uma rigorosa continuidade entre o pensamento religioso que concede a Deus um poder acima da natureza e o moderno pensamento ‘secular’ que concede ao Homem esse mesmo poder acima da natureza. A transcendência de Deus é simplesmente transferida ao Homem.(...)”. 112

Ibid., p. 79.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 109: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

109

109

sustentar essa individualização se não concebidos os homens como formalmente iguais

– em específico, iguais na capacidade de matar e de agir com prudência. Completa a

tríade a redução racionalista do homem, que se mostraria capaz de conhecer e controlar

a natureza mediante operação metódica de cálculo que permite a construção de

conceitos indispensáveis à compreensão funcional da sociedade.

A simplicidade moderna, sem embargo, vê sua derrocada surgir do próprio avanço

do conhecimento por ela fomentado, que a cada dia – de modo mais intenso na atual

situação de exceção permanente – descobre novas sendas de incerteza e dúvida. A

simplicidade, destarte, dá lugar à complexidade do real e à inevitável conseqüência de

que o saber produzido deve ser atualizado e, se for o caso, reafirmado sob renovada

fundamentação.

Não escapa à mudança a organização sócio-política, inserindo-se nesse impulso

de transmutação do paradigma da modernidade a categoria da exceção permanente. O

humano não é nela invocado como um absoluto transcendente nem como um ser cuja

razão é capaz de tudo controlar e subjugar. Reconhece-se pela categoria da exceção, em

vez disso, que a pessoa humana é preponderantemente caracterizada por sentimentos,

fragilidades, destrutividade e, ao mesmo tempo, capacidade de criar e inovar a

construção do mundo – produto de sua atuação, como esclarece Hanna Arendt.113

O indivíduo, o sujeito, não é substituído por uma perspectiva organicista, um ser

coletivo, mas preservado de maneira que não se estabeleça exclusivamente sobre ele a

construção da vida comum. Orienta-se a categoria da exceção permanente pela

problemática da subjetividade e das ingerências sobre sua formação, ampliando-se a

visão da igualdade de molde a abarcar exigências de distribuição econômica e de

composições identitárias. A capacidade de regulação do poder é redimensionada sob a

categoria da exceção permanente com a finalidade de resgatar, de forma especial, um

âmbito de ação não limitado ao discurso jurídico.

Aí já se vê quão amplo é o campo de reflexão aberto à categoria da exceção

permanente. Centrados, no entanto, na reestruturação do pressuposto da normatividade

da constituição, discorrer-se-á na seqüência, em caráter exemplificativo, sobre uma

possível aplicação da categoria exceção permanente na compreensão de alguns dos

tópicos centrais da teoria constitucional: constituição, direitos fundamentais,

hermenêutica/interpretação, tribunais constitucionais.

113 ARENDT, H., op cit., p. 15 passim. A autora diferencia a terra – dimensão natural – de mundo, espaço criado, construido pelo homen.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 110: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

5

Exceção pemanente: algumas implicações

Sumário do capítulo: 5.1. Pensando o Brasil; 5.2. Constituição, direitos fundamentais, hermenêutica/interpretação, tribunais constitucionais.

Acreditamos haver sido possível, nos dois últimos capítulos, traçar o contexto ao

qual se refere a categoria exceção permanente, bem assim caracterizá-la mediante breve

análise da experiência alemã dos anos 20 e 30 do século XX, das críticas dirigidas por

Schmitt à Constituição de Weimar, do debate norte-americano pós-11/09 e da

contribuição teórica de Giorgio Agamben. Sedimentou-se, dessa sorte, a conclusão no

sentido de que a categoria da exceção permanente viabiliza a reconstrução da

normatividade constitucional.

Neste capítulo apontaremos, por duas vias, as impressões resultantes da referência

à exceção permanente como categoria útil ao desenvolvimento da teoria constitucional

no século XXI: num primeiro momento, tentar-se-á refletir sobre o cenário brasileiro à

luz do renovado marco da exceção permanente, hábil a viabilizar que se alargue a

estreita visão da teoria e da dogmática jurídico-constitucional brasileira e a fomentar o

estudo multidisciplinar do direito; em seguida, trataremos da possível aplicação da

categoria na difícil tarefa de compreender tópicos centrais da teoria constitucional:

constituição, direitos fundamentais, hermenêutica/interpretação e, em específico,

tribunais constitucionais.

5.1

Pensando o Brasil

Ingressamos no século XXI – repita-se – com tendências à concretização de uma

nova ordem social, que aponta para a instituição de um sistema financeiro e produtivo

globalizado. Vê-se surgir um novo Império, reestruturação da soberania que busca na

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 111: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

111

111

forma de um Estado de exceção permanente, militarizado e economicista, assegurar sua

legitimidade.

Segundo Klaus Günther, na atual sociedade de mercado existe um “lado escuro”

da expansão da liberdade de consumo, consubstanciado em maior restrição às

liberdades tradicionais por intermédio do avanço da criminalização e de um estado de

segurança de caráter transnacional:

Ademais, liberdade consumista, como qualquer aumento de liberdade, tem seu ameaçador lado escuro: individualização crescente, a dissolução dos laços sociais e das tradições, o risco de falhar na competição econômica e assim se tornar um dos perdedores da modernização e da globalização. Está provavelmente fora da experiência desses riscos que ali desenvolva um medo maciço do crime, que amarre junto os medos da sociedade de multi-opção. O outro, com seu altamente individualizado conjunto múltiplo de opções, torna-se um risco da segurança. Aqui está onde o estado de segurança se insere. As reformas econômicas nos Estados Unidos sob Ronald Reagan e na Grã-Bretanha sob Margaret Thatcher foram acompanhadas por um aperto maciço do direito criminal e penal. A liberação da economia do estado descansou numa simultânea restrição dos direitos civis tradicionais que, nada obstante, foram afirmados como 'liberdade pelo estado' – a saber, como proteção da liberdade dos consumidores das ameaças dos terceiros envolvidos. Esses terceiros envolvidos são situados fora do espaço interno desregulamentado, e, portanto, excluídos em todo caso, ou excluídos na base de sua falta de sucesso em divulgar o poder de trabalho deles (...).1 (grifou-se)

Nessa ordem globalizada em que se utilizam instrumentos autoritários típicos dos

estados de exceção para manter a segurança e a ordem, o Estado Democrático de Direito

enfrenta forte tensão ao ver mitigada sua capacidade de assegurar direitos fundamentais,

de viabilizar eficaz participação popular na formação da vontade política e de

propulsionar justiça social.

Tem-se, portanto, uma nova configuração da ordem sócio-político-econômica

que, acreditamos, é passível de ser melhor compreendida pela referência à categoria da

exceção permanente e a algumas de suas principais características extraídas das

experiências da República de Weimar e do atual debate norte-americano: (i) paradoxos

1 GÜNTHER, K., World Citizens between Freedom and Security, p. 389: “In addition, consumerist freedom, like any increase o freedom, has its threatening dark side: increasing individualization, the dissolution of social ties and traditions, the risk of failing in economic competition and thus becoming one of modernizations and globalization’s losers. It is probably out of the experience of theses risks that there develops a massive fear of crime, which bundles together the fears of multi-option society. The other, with his highly individualized multiplicity of options, becomes a security risk. Here is where the security state comes in. The economic reforms in the United States under Ronald Reagan and in Britain under Margaret Thatcher were accompanied by a massive tightening of criminal and penal law. The liberation of economy from the state rested on a simultaneous restriction of traditional civil rights, which was nevertheless asserted as ‘freedom through the state’ – namely as protection of consumerists freedom from threats from third parties. These third parties are situated outside the deregulated internal space, and thus exclude in any case, or exclude on the basis of their lack of success in marketing their labor power (…).”

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 112: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

112

112

referentes à perspectiva normativa construída nas sociedades capitalistas do Ocidente

associados a uma maior influência da decisão política; (ii) contexto globalizado, em que

se vêem reestruturadas as relações de poder em escala mundial; (iii) exploração, numa

sociedade de risco, da sensação de insegurança e de medo para viabilizar a (iv)

instituição de um governo forte e centralizado, expandindo-se a atuação do Executivo

sob o alegado objetivo de garantir a segurança e a continuidade – ou “salvar” – as

democracias constitucionais; (v) alteração e até a suspensão de direitos e liberdades a

fim de assegurar a manutenção do regime democrático; (vi) déficit de representação e

participação popular na formação da vontade política dos Estados com ampliação dos

poderes governamentais, em específico do Executivo.

Como a exceção permanente se apresenta no contexto brasileiro de molde a

contribuir para um adequado entendimento de nossos problemas específicos?

Principal particularidade a ser levada em conta ao se refletir sobre exceção

permanente e Brasil – e que aqui, por razões de espaço e por necessidade de pesquisa

mais detida, não desenvolveremos – se refere ao processo histórico de construção do

Estado brasileiro.

Se adotarmos, apenas como hipótese referencial, abordagem semelhante àquela de

Charles Tilly sobre a criação e desenvolvimento dos Estados nacionais na Europa, a

importância de nossas particularidades é revelada de imediato. De acordo com Tilly,2

são variáveis do desenvolvimento histórico do Estado nacional europeu a concentração

de coerção e de capital, a preparação para a guerra e a posição dentro do sistema

internacional. Ainda que se possa em nossa realidade contestar a variável preparação

para guerra e, portanto, a maneira como ocorreu aqui a concentração de coerção, a

formação do Estado brasileiro, sem dúvida, perpassa a problemática tensão entre

coerção, capital e influência externa.

No Brasil, ao que tudo indica, algumas das identificadas características da

exceção permanente – o que fortalece o sentido de permanência – mostram-se há muito

na própria história do país. Para citar um exemplo, fiquemos com a ampliação de

poderes do Executivo. Bem destaca Marcos Antônio Striquer Soares ao examinar o

presidencialismo brasileiro que, no país,

[o] problema maior (...) não é exatamente o desequilíbrio exagerado entre os órgãos fundamentais do Estado, entre os Poderes do Estado, que existe e deve ser corrigido, mas

2 CHARLES, Tilly. Coerção, capital e estados europeus, 1996.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 113: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

113

113

uma conseqüência desse fato, a ausência de mecanismos de controle do chefe do Poder Executivo. No Brasil, ele tem controle sobre a produção legislativa, não sofre uma fiscalização adequada do Legislativo e, ainda, dificilmente será responsabilizado por seus atos, pois o mecanismo adotado por nós (crime de responsabilidade política), próprio do presidencialismo, depende de grande movimentação política da sociedade e das Instituições públicas, o que é dificultado pela excessiva hegemonia mantida pelo presidente. O presidencialismo brasileiro é bastante influenciado pelo sistema parlamentarista. Percebe-se que o chefe do nosso Executivo tem uma liberdade de atuação muito ampla, própria do parlamentarismo, mas somente pode ser afastado pelo mecanismo adotado no presidencialismo, de difícil sucesso. (...) O presidencialismo, no Brasil, ainda depende muito da pessoa que exerce o cargo de presidente, pois a ele são autorizados inúmeros poderes (competências). Isso porque nossas Instituições políticas ainda são muito frágeis, havendo hegemonia excessiva do Executivo, em detrimento dos demais Poderes, sem mecanismos apropriados de controle dos atos do presidente. (...) Em razão de excessivos poderes (competências) autorizados ao presidente, acabou-se atribuindo a ele a maioria das decisões sobre os caminhos de nosso país, o que caracteriza uma atuação sobranceira em relação aos demais Poderes.3 (grifou-se)

Razões para tanto são encontradas na peculiar forma como aqui se relacionaram a

concentração de capital e de coerção com a forte influência internacional.

Isso se verifica, de modo semelhante, no que toca à tensão paradoxal que,

acentuamos, aflige as sociedades capitalistas e seu atual regime de organização, o

Estado Democrático de Direito. Seguindo Honneth e Hartmann, conquistas

emancipatórias promovem, hoje, por vezes, seu próprio esvaziamento. De acordo com

os autores, por exemplo, a compreensão do “individualismo” como busca de

autenticidade e de individualização na segunda metade do século XX, serviu às

conquistas de reconhecimento e de identidade de minorias. Exigências de autenticidade,

todavia, fizeram com que trabalhadores compreendessem suas obrigações como forma

de auto-realização, “informalizando” as relações econômicas de trabalho. Vê-se que

uma demanda ilimitada por capacidades subjetivas de ação conduz à indefinição das

fronteiras entre as esferas privada e profissional e, por conseguinte, num movimento

contraditório, à instrumentalização das relações intersubjetivas.4

No Brasil, entretanto, muitas das conquistas emancipatórias que, paradoxalmente,

legitimam a configuração das democracias capitalistas contemporâneas, sequer foram

implementadas. O paradoxo, por vezes, não se realizou nem se realiza. Discursos e

políticas de emancipação social foram e ainda são implementados de modo obtuso,

escamoteados pela retórica da classe política.

É ver, nesse sentido, com Francisco de Oliveira, as peculiaridades da configuração

3 SOARES, M. A. S., Características do Presidencialismo no Brasil e Fragilidade Democrática: dificuldades de controle do Presidente da República no Brasil, 2003. 4 HARTMANN, M.; HONNETH, A., Paradoxes of Capitalism, p. 49/50.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 114: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

114

114

do capitalismo pátrio. Para o autor, o capitalismo industrial no país, construído sem

revolução burguesa, foi forjado de maneira que a acumulação capitalista depende,

necessariamente, da reprodução do subdesenvolvimento. Daí afirmar:

Ao rejeitar o dualismo cepalino, acentuava-se que o específico da revolução produtiva sem revolução burguesa era o caráter 'produtivo' do atraso como condômino da expansão capitalista. O subdesenvolvimento viria a ser, portanto, a forma de exceção permanente do sistema capitalista na sua periferia. 5 6(grifou-se)

Também assim quanto aos direitos fundamentais. No Brasil o conjunto de direitos

civis, políticos e sociais inerentes à concepção contemporânea de cidadania não

percorreu uma seqüência lógica nem se desenvolveu por completo. Em vez de começar

com os direitos civis para, em seguida, assegurar direitos políticos e sociais – sem ver

nisso caminho seguro e único para o desenvolvimento dos direitos da cidadania –

assevera José Maria Gómez que no Brasil se iniciou “muitas vezes com o

reconhecimento tardio e seletivo de direitos sociais (...) introduzindo ao mesmo tempo

fortes restrições aos direitos civis e graves distorções – quando não a supressão direta –

ao exercício dos direitos políticos”.7

E continua Gómez:

(...) não surpreende que, após as brutais experiências de ditadura militar dos sessenta e setenta, com a volta da democracia liberal, universalizaram-se rapidamente os direitos políticos para todos os adultos, mas os direitos civis e sociais, embora consagrados pelos textos constitucionais, não só não os acompanharam como, vários deles, não pararam de regredir. Os direitos sociais, em função da crise terminal do modelo desenvolvimentista e da ofensiva das políticas neoliberais – que desmontaram os precários e incompletos mecanismos de Estado de Bem-Estar Social –, aí onde existiram. E os direitos civis, porque o Estado de Direito – o império da lei – jamais logrou se universalizar, nem social nem territorialmente. Por outro lado (...) esses direitos e os mais elementares direitos humanos à vida e à integridade física sofreram violações sistemáticas, por motivos políticos, nas últimas ditaduras (....).8

Diversos elementos que utilizamos para definir a situação de exceção permanente

que se expande pelo globo, dessa sorte, integram nossa história, contribuindo seu estudo

para o melhor entendimento da tensão vivenciada pelo Estado Democrático de Direito

5 OLIVEIRA, F., Crítica à razão dualista e o ornitorrinco, p. 131. 6 Útil a uma abordagem inicial – e de forte teor histório – sobre o tema: TAVARES, José Antônio Giusti. De uma transição constitucional a outra. In: Instituições políticas comparadas dos países do Mercosul. TAVARES, José Antônio Giusti; ROJO, Raúl Enrique (orgs.). Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998, p. 203-228. 7 GÓMEZ, J. M., Direitos Humanos, Desenvolvimento e Democracia na América Latina, p. 92. 8 Ibid., 94.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 115: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

115

115

no Brasil do início do século XXI.

Assinalada tal peculiaridade, em pelo menos duas áreas a problemática da exceção

permanente há de ser destacada ao se pensar o quadro hodierno do país: na seara penal

assiste-se ao apelo à segurança e ao endurecimento das medidas estatais contra o

aumento da criminalidade; no âmbito político-econômico, sob o pálio da necessidade e

da urgência, tem-se a ampliação das atividades legislativas do Poder Executivo, bem

como a manutenção de uma estrutura econômica de acumulação de capital que não se

mostra sequer preocupada em fomentar distribuição de renda.

O recrudescimento de medidas policiais e do combate ao crime organizado e

‘desorganizado’ no Brasil é de todos conhecido, bem como a crescente proliferação dos

discursos de lei e ordem, de aumento de penas e de defesa do ‘direito à arma’. Opera

aqui, conforme aponta Thiago Bottino, a ‘cultura do medo’. Superdimensiona-se o

sentimento de pânico para legitimar a restrição de liberdades tradicionais e a maior

intervenção do Estado:

O termo “cultura do medo” representa o superdimensionamento do medo mediante a alteração da percepção da população no que tange à violência. Essa “cultura do medo” se transforma num discurso legitimador do aumento dos poderes do Estado, justificando ações e comportamento claramente antidemocráticos e nitidamente direcionados para um maior e mais estrito controle social. Com efeito, o pânico social provoca nos indivíduos seus “instintos mais primitivos”, razão pela qual proliferam discursos pleiteando que o criminoso seja despido de sua condição de ser humano e tratado de modo selvagem, mediante aplicação de medidas como tortura, esterilização forçada, diminuição da responsabilidade penal e até o assassinato de criminosos, numa reação igualmente violenta em retaliação ao crime (....) O uso político do medo para controle social é processo relativamente simples de ser entendido. Identifica-se um “inimigo” e cultiva-se o medo de que esse inimigo possa destruir o Estado e corromper a sociedade. O discurso envolve sempre expressões fortes como “guerra contra as drogas”, “combate aos bandidos”, “erradicação do crime” etc, bem como a demonização da figura do criminoso, num processo de negação da “normalidade social” do delito e de idealização de uma sociedade sem conflitos ou sem violência. Esse discurso esconde que violência e insegurança são problemas sociais distintos, com causas independentes (....) A conseqüência mais visível desse processo é a associação, feita por uma larga parcela da população de que sua segurança coletiva depende de punições mais severas para os delitos já praticados. Contudo, o discurso da falência social, da impotência do cidadão frente ao crime tem por resultado concreto apenas o fortalecimento do poder estatal e o endurecimento dos meios de controle social.9

Os recentes ataques a delegacias, a batalhões de polícia militar e de bombeiros, a

repartições e meios de transporte públicos promovidos em São Paulo e no Rio de

9 BOTTINO, Thiago, Direito de Segurança: segurança do Estado versus segurança do Cidadão, In VIEIRA, J. R. (org.), Perspectivas da teoria constitucional contemporânea, p. 116.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 116: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

116

116

Janeiro são indicativos de que a problemática tem, no país, espaço aberto para difusão.

Mais grave, no entanto, é que a fortificação do Estado policial ocorre em conjunto com

o crescimento da sociedade de mercado neoliberal. Sistemas administrativo e

econômico avançam lado a lado na colonização – paradoxal, como defendem Hartman e

Honneth – do mundo da vida. O controle ideológico derivado do “uso político do medo”

cristaliza o status quo e engessa a ação política de indivíduos e de coletividades.

No âmbito político-econômico, é ver que no Brasil o Legislativo não legisla, ou

melhor, legisla pouco. Otavio Amorin Neto e Fabiano Santos,10 citando Figueiredo e

Limongi, destacam que entre 1989 e 1998 apenas 14% das leis aprovadas foram de

autoria de deputados e senadores ou de comissões parlamentares.

Desse diminuto percentual, as pesquisas de Amorin Neto e Santos revelam que a

maior participação do Legislativo é verificada na área social de âmbito nacional –

códigos, direitos de minorias, salário-mínimo, educação e segurança. Além disso, tais

leis não afetariam “o status econômico e social do país, sendo mais propriamente

intervenções tópicas em questões pertinentes ao cotidiano do cidadão comum”.11

Nos decretos legislativos e resoluções do Senado Federal no período de 1985 a

1999 predominaram os assuntos econômicos. Todavia, também aqui é pouca a

influência no indigitado status econômico e social. Os decretos legislativos mostram

algum paroquialismo, configurando, na sua maioria, distribuição de direitos de

exploração de serviços de rádio e televisão. Quase todas as resoluções do Senado, por

sua vez, estão afetadas ao setor econômico – 98,3% – abrangendo questões locais e

regionais. Daí concluírem Amorin Neto e Santos que as resoluções do Senado servem

para tratar quase exclusivamente de questões econômicas da União, Estados e

Municípios. Mais especificamente, de problemas relativos ao endividamento dessas

entidades da Federação Brasileira.

Charles Pessanha12 salienta que de 1988 a 2001 foram submetidas 6.110 medidas

provisórias ao Legislativo, sendo 619 originais, 5.036 reedições e, ao final, 469

aprovadas. Acrescenta, ainda, que a legislação extraordinária e emergencial constitui

opção preferencial do Poder Executivo desde 1967. Para ele “não seria exagero afirmar

que, nos últimos 70 anos, a maioria das normas reguladoras da vida social e política

10 AMORIM NETO, Otavio; SANTOS, Fabiano, A produção legislativa do Congresso: entre a paróquia e a nação, p. 91/139. 11 Ibid., p. 134. 12 PESSANHA, Charles. O Poder Executivo e o processo legislativo nas constituições brasileiras, p. 141/195.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 117: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

117

117

brasileira é oriunda de legislação emergencial dos dois tipos analisados [decretos-lei e

medidas provisórias], configurando quadro de produção legal cuja característica

principal é a ausência de participação do Poder Legislativo.”13

Evidente aqui a transmutação da noção clássica de legalidade – obediência à lei

formal exarada pelo Legislativo – para albergar toda a produção normativa do governo,

inclusive os atos com “força de lei sem lei”.

Exemplo caricatural da complacência com a supremacia da função legislativa do

Poder Executivo constata-se na interpretação que o Supremo Tribunal Federal14 – cujos

ministros são nomeados pelo Presidente – faz dos conceitos de relevância e de urgência

que servem de pressupostos às medidas provisórias. Seguindo-se o entendimento do

Tribunal, os conceitos de relevância e de urgência estão submetidos ao quase

“intocável” poder discricionário do Presidente da República.

A Emenda Constitucional n.º 32 introduziu alterações no art. 62 da Constituição

Federal a fim de restringir a proliferação das medidas provisórias. Todavia, sua redação

vacilante deixa brechas suficientes para que, principalmente em matéria econômica, o

Executivo assuma papel central no exercício da função legislativa.

A supremacia legislativa do Executivo, notadamente nas questões econômicas,

associada à retórica emergencial do medo, causa preocupação. Não arrefece o problema

a crescente judicialização da vida social e política.15 O Brasil, submetido à contumaz

ineficácia da legislação protetora dos direitos fundamentais, à sucessão de planos

milagrosos para salvar a economia, a ocupar a periferia do capitalismo e à acumulação

do capital estruturada na exploração do subdesenvolvimento, vê-se governado pela

13 Ibid., p. 180. 14 Já em dezembro de 1989, nos autos da medida cautelar na ADI 162, Rel. Min. Moreira Alves, o Pleno do Supremo Tribunal Federal decidia: “Ação Direta de Inconstitucionalidade. Medida Provisória nº 111/89. Prisão Temporária. Pedido de liminar. - Os conceitos de relevância e de urgência a que se refere o artigo 62 da Constituição, como pressupostos para a edição de Medidas Provisórias, decorrem, em princípio, do Juízo discricionário de oportunidade e de valor do Presidente da República, mas admitem o controle judiciário quando ao excesso do poder de legislar, o que, no caso, não se evidencia de pronto. - A prisão temporária prevista no artigo 2º da referida Medida Provisória não é medida compulsória a ser obrigatoriamente decretada pelo juiz, já que o despacho que a deferir deve ser devidamente fundamentado, conforme o exige o parágrafo 2º do mesmo dispositivo. - Nessa oportunidade processual, não se evidencia manifesta incompatibilidade entre o parágrafo 1º do artigo 3º da Medida Provisória nº 111 e o disposto no inciso LXIII do artigo 5º da Constituição, em face do que se contém no parágrafo 2º do artigo 3º daquela, quanto à comunicação do preso com o seu advogado. (...) Pedido de liminar indeferido”. O Supremo tem mantido a orientação, decidindo, topicamente, quando há o alegado excesso do poder de legislar. Nesse sentido confira a ADI 2213 MC. 15 Sobre o tema ler CITTADINO, Gisele. Judicialização da política, constitucionalismo democrático e separação de poderes, 2003. Consoante a autora, “a promulgação da Constituição cidadã, cujo sistema de direitos fundamentais como vimos, informa todo o ordenamento jurídico, é certamente a expressão definitiva daquilo que Pierre Bouretz designa como movimento de retorno ao direito no país”.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 118: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

118

118

lógica de exceção permanente. É o que assinala Bercovici ao comentar a ditadura

constitucional de Rossiter:

Rossiter destaca que, além das leis de emergência promulgadas pelo Poder Executivo e da lei marcial (ou estado de sítio), uma nova característica dos poderes de emergência seria a interferência governamental nas liberdades políticas e econômicas, particularmente o direito à propriedade. Antes, limitavam-se aos direitos individuais tendo em vista o bem-estar coletivo. Hoje, dá-se o contrário: a utilização atual dos poderes de emergência caracteriza-se por limitar os direitos da população em geral para garantir a propriedade privada e a acumulação capitalista. 16 (grifou-se)

Ainda na seara que denominamos político-econômica, a exceção permanente que

aqui e nos demais países periféricos se imbrica com a urgência econômica e com a

exploração do subdesenvolvimento, é agravada pela supremacia da “capacidade norte-

americana de enquadramento econômico-financeiro e político-ideológico (...), impondo

a visão neoliberal dominante como única possível”.17

Em entrevista ao jornal O Globo do dia cinco de junho de2005 Leda Paulani,

autora do livro Modernidade e discurso Econômico, esclarece-nos o aspecto ideológico

do neoliberalismo, que nasce “como doutrina, e não como teoria econômica” e difunde

rapidamente “a crença de que a sociedade organizada pelo mercado é a melhor que o

homem já foi capaz de construir (...)”, sendo aceito com facilidade porque, continua

Paulani:

A doutrina neoliberal fala muito ao senso comum. Afirmações como ‘ninguém pode gastar mais do que ganha’ etc. podem ser verdadeiras no plano doméstico, mas são falaciosas no plano macroeconômico. Elas passam a ser vistas como verdade porque de fácil compreensão.18

Não é outro o motivo pelo qual o texto constitucional – de acentuada influência

comunitária – sucumbiu nos seus primeiros anos de vida ao neoliberalismo

implementado nos governos de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso.19 Basta

comparar as metas do Consenso de Washington20 com as emendas constitucionais de n.º

5 a n.º 15, n.º 19 e n.º 20 para comprovar a assertiva.

Combinados, (i) a acumulação capitalista estrutural – originada da força do capital

16 BERCOVICI, G. op. cit., p. 173. 17 Ibid., p. 174. 18 PAULANI, L., O neoliberalismo não era o único caminho, 2005. Entrevista. 19 Cf. OLIVEIRA, F. Balanço do neoliberalismo, 1995. 20 Para uma crítica sobre a adoção do plano econômico traçado no consenso de Washington ver FIORI, José Luís. Os moedeiros falsos. 5ª ed.. Petrópolis, Editora Vozes,1998, p. 11 a 21.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 119: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

119

119

globalizado e do próprio desenvolvimento do capitalismo nacional – , (ii) o desrespeito

a direitos fundamentais, notadamente civis e sociais, (iii) o uso político-ideológico do

sentimento de medo e (iv) a centralização da função legislativa no Poder Executivo

sintetizam a situação de exceção permanente no Brasil, sendo esse o “terrorismo” que

nos assola.

Não se vê saída desse “embróglio” pela via estreita do discurso constitucional.

Alternativas deverão ser procuradas, sustentamos, se se quer abrir espaço para

mudanças emancipatórias, a partir da reestrutução da normatividade constitucional

levada a efeito pela categoria da exceção permanente.

5.2

Constituição, direitos fundamentais, hermenêutica/interpretação,

tribunais constitucionais

Não nos aprofundaremos no exame específico das conseqüências da categoria da

exceção permanente em cada um dos temas da teoria constitucional destacados na

introdução: constituição, direitos fundamentais, hermenêutica constitucional e tribunais

constitucionais. Não só falta tempo hábil para elaborar tal empreitada no breve período

do mestrado, mas, deve-se admitir, conhecimento suficiente de alguém ainda iniciado

na pesquisa jurídica e no pensamento teorético-filosófico.

É possível, no entanto, consignar algumas noções princípais da categoria exceção

permanente que auxiliam, pelo menos, a indicar, num esforço de síntese, a contribuição

que a categoria traz para refletirmos sobre esses temas, em específico, sobre os tribunais

constitucionais.

A normatividade constitucional, à luz da categoria da exceção permanente, trata

da criação/inscrição do âmbito de sua própria referência na vida real, de molde que,

repita-se, a própria distinção entre normatividade e realidade, de tal maneira estão

jungidos ao se pensar no fenômeno político-jurídico, perde sua razão de ser. A

constituição, assim, serve de expressão regulatória da vida social em meio aos conflitos

de poder, não se afigurando adequado engessá-la num texto escrito ou em práticas e

tradições consolidadas no tempo. Ainda que escrita e que nela se encontrem positivados

valores e princípios históricos, de vocação universal ou particular, a constituição

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 120: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

120

120

mostra-se como um processo sócio-político-jurídico. Sua força depende do permanente

mover de lutas e embates que acabam por lhe conferir – aí sim – certo sentido

normativo e definidor de condutas.

A constituição jurídica e a constituição real se promiscuem e se indiscernem. Não

precisa ser configurada de modo sintético – como defendido por Konrad Hesse – nem

incorporar, mediante ponderação, estruturas que lhe são mesmo contrárias. Seu

pressuposto não é a simples estabilidade, mas servir de expressão regulatória da vida

social. Consolida valores, princípios e interesses de um grupo, num momento histórico

determinado e poderá se ater a princípios morais e de justiça, a valores universais ou

comunitários na medida em que se modelarem os embates sócio-político-econômicos.

A constituição, na perspectiva da exceção permantente, é constantemente

construída e defendida. Tem de ser mantida acesa se se quiser sustentar alguma vontade

de constituição. Sua eficácia não decorre de uma pretensão abstrata de concretizar

disposições escritas, mas do permanente mover de lutas e embates que acabam por lhe

conferir – aí sim – certo sentido normativo e definidor de condutas.21

Por intermédio da categoria exceção permanente, portanto, não se restringe o

fenômeno político-constitucional à normatividade e à formalidade da constituição.

Também não se cuida, simplesmente, de vislumbrar, em meio às transformações do

mundo no início do século XXI, a desformalização da constituição e a recomposição

dos valores liberdade e segurança, com um suposto predomínio daquele em detrimento

dos recentes avanços deste. Antes, por intermédio da exceção permanente se objetiva

captar o fluir do momento histórico e ver que para nos opormos às tendências

antidemocráticas, conservadoras e desemancipatórias crescentes neste milênio se faz

imprescindível adentrar na própria situação contemporânea de exceção e, dela, extrair as

linhas características do direito no sentido de uma constituição e de um

constitucionalismo voltados às bases materiais das composições de poder, da “inclusão

exclusiva” da vida no mundo jurídico-político, e, em especial, à necessidade de se

assumir o fato de que a constituição é conquista diária, não alcançada pela mera

estabilização e rigidez da forma escrita ou do costume.

Os direitos fundamentais, por sua vez, consubstanciam conquistas axiológicas e 21 Não é de se estranhar, portanto, que já na decada de 90 do século passado autores norte-americanos como Griffin e Ackerman sustentassem a mutabilidade da Constituição como característica a ser objeto de estudos teóricos mais amplos, promovendo novas maneiras de compreender o fenômeno político-constitucional, e, no Brasil, se venha desenvolvendo pesquisa nessa direção. É ler: DUARTE, Fernanda; RIBAS VIEIRA, José. Teoria da mudança constitucional: sua trajetória nos Estados Unidos e na Europa. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 121: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

121

121

deontológicas inscritas nas constituições ou nos costumes constitucionais de

determinado grupo. Rejeita-se qualquer espécie de imposição de direitos fundamentais

que, em verdade, sirvam de arrimo às intervenções militares e à dominação do cenário

econômico planetário. Pela exceção se vê que avanços qualitativos no âmbito dos

direitos humanos, notadamente os sociais, não dependerão de atuações de ordem

exclusivamente jurídicas. Antes, de ações fora do direito que dele se utilizem

instrumentalmente.

A tendência universalizante defendida nas perspectivas liberais e deliberativas é,

na exceção permanente, fruto da própria configuração do espaço e do tempo no

momento atual, bem como de uma nova percepção da ontologia que dissemos romper

com o dualismo natureza-cultura.

Em resumo, tem-se que o universo do ‘ser’ apresenta aspectos naturais e culturais

imbricados. Nós vivemos num mundo híbrido que, ao mesmo tempo, é objeto de

percepções culturais, julgamentos de moral, política e tecnologia, e expressão da

natureza. Um mundo complexo e ambivalente. O ‘ser’, o ontológico, se expressa na

exceção permanente como um vir-a-ser. Há determinações e limites naturais, diretivas

fixas que, nesse único sentido, são universais; a realização, a concretização dessas

linhas de força determinadas, contudo, está aberta, passível de construção, destruição

e/ou reconstrução no âmbito da cultura. A realização dessas linhas de força ou

virtualidades é mediada pela potência criativa do ser humano na política, na economia,

no direito, etc. E a consciência disso faz, na perspectiva da exceção, se revalorizar a

responsabilidade, a decisão e, por sua vez, o espaço extrajurídico de ação.

A hermenêutica constitucional, reduzida a importância do elemento normativo

autônomo, deverá se abrir à complexidade da vida, principalmente às disputas de poder

sem considerar isso, na linha do positivismo jurídico, elemento ou circunstância externa

ao direito. Por intermédio de técnicas argumentativas e de uma orientação do aplicador

de acordo com cenário político dever-se-á levar em conta as pressões de poder

envolvidas nas disputas perante os tribunais e as divergentes orientações político-

ideológicas que consolidam a técnica jurídica, tratando-as como partes integrantes da

estrutura normativa; não como recursos de retórica ou de simples esclarecimento, mas

parte da própria norma, que, já vimos, está em constante processo de criação, destruição

e recriação.

No que tange aos tribunais constitucionais, vejamos, com maior atenção, algumas

implicações da categoria da exceção permanente.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 122: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

122

122

Viu-se na introdução que os tribunais constitucionais têm atuação distinta em cada

uma das concepções político-constitucionais que o informam. Dentre aquelas que foram

destacadas, pode-se dizer, em linhas gerais, que, na perspectiva comunitária, aos

tribunais incumbe a proteção de opções valorativas inscritas na constituição. Na visão

liberal, os tribunais, no papel de instituição exemplar, protegem minorias de restrições

excessivas da vontade majoritária em questões essenciais à estrutura social. De acordo

com a posição procedimental-deliberativa, aos tribunais cumpre tutelar o processo de

criação democrática do direito.

Cada perspectiva, à sua maneira, busca compatibilizar o controle da

constitucionalidade e todo o avanço dos tribunais sobre o espaço político com o

princípio democrático de molde a harmonizar as funções (ou poderes) do Estado,

notadamente, o Judiciário e o Legislativo. Tenta-se solucionar, bem destaca Karina

Ansolabehere, um paradoxo, a saber, o fato de a consolidação dos regimes democráticos

na segunda metade do século XX, revalorizando o direito e os tribunais constitucionais,

estar despolitizando a democracia.22

As posições sobre o tema, no que tange, em específico, à atuação dos tribunais

constitucionais, variam, num espectro amplo, entre aqueles que defendem um poder

máximo desses entes, tendo em vista que a racionalidade do direito modela a paixão e a

política e, dessa forma, garante os direitos de grupos minoritários, e aqueles que

advogam a tese de um poder mínimo, não admitindo o fato de funcionários não eleitos

decidirem os problemas do governo democrático.

Roberto Gargarella, em breve exposição, atento à discussão no cenário norte-

americano, oferece-nos um resumo dos principais argumentos apresentados em defesa

da legitimidade da atuação dos tribunais constitucionais.23

Inicialmente aponta o argumento no sentido de que o controle ou a revisão pelos

tribunais não estabelece uma superioridade dos juízes em relação aos legisladores

eleitos, mas reafirma a vontade popular soberana contida nas constituições, a

superioridade da própria constituição. Em seguida, a tese de que o controle de

22 CF. ANSOLABEHERE, K., Jueces, política y derecho: particularidades y alcances de la politización de la justicia, p. 42: “La paradoja es el adveniemiento y la conslidación de la democracia nos conducen a la despolitización de la democracia. En los gobiernos democráticos, el poder judicial controla e revisa las acciones del poder político, de manera tal que se constituye en un actor clave del juego político.” 23 GARGARELLA, R. Crítica de la constitución: sus zonas oscuras, 2004. Também: MOREIRA, Vital. Princípio da maioria e princípio da constitucionalidade: legitimidade e limites da Justiça Constitucional. Disponível no endereço eletrônico <www.tribunalconstitucional.pt/tc/textos030212.html > Acesso em 07/11/2006.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 123: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

123

123

constitucionalidade não atenta contra a democracia se esta for entendida não pela regra

da maioria, mas como autogoverno de todas as pessoas atuando como partes de um

empreendimento cooperativo, no qual participam em pé de igualdade, uma democracia

constitucional. De acordo com essa maneira de compreender, os tribunais mesmos

serviriam para consolidar, ainda que de modo anômolo, a democracia. Terceiro

argumento: a via jurisdicional serviria para suprir a crise dos órgãos de representação

legislativos e executivos, minorando o déficit democrático. Quarto: no controle exercido

pelos tribunais se viabiliza a proteção dos direitos das minoriais (caráter

contramajoritário), preservando o regime democrático. Quinto: o procedimento dos

tribunais revela elevada racionalidade e, com isso, viabiliza decisões imparciais em

situações de conflito, contribuindo, também, para a manutenção do regime democrático.

O autor expõe, de igual modo, as críticas comumente dirigidas a cada um desses

argumentos. Contra a supremacia da constituição decorrente de se ver nela a

manifestação da soberania popular, objeta-se haver aí certa ficção, tendo em vista ser

difícil que na constituição se encontre o produto da “vontade geral” quando

“reconecemos las exclusiones sociales a partir de las cuales muchas de ellas fueron

generadas”.24 Além disso, ainda que a constituição fosse considerada a “voz do povo”,

ainda assim, não se pode olvidar a complexidade de sua interpretação e a dificuldade

resultante em definir quando se estaria ou não respeitando essa voz.

Contrário à tese de que os tribunais atuam em favor da democracia constitucional

alega-se que em “países en donde ese control no existe – países como Nueva Zeland,

Gran Bretaña, Irlanda e Holanda – los derechos ciudadanos, al menos, no parecen

menos resguardados”.25 Ademais, nem sempre os tribunais constitucionais atuam num

sentido protetor e promotor de direitos. Faltaria, destarte, uma evidencia empírica a

sustentar a tese do controle numa democracia constitucional. Não escapam os tribunais,

além disso, cujos membros, via de regra, sequer são eleitos, mas nomeados e se

encontram tão distantes do povo quanto os integrantes do Legislativo, da crise dos

órgãos de representação democrática.

O caráter contramajoritário da atuação dos tribunais é atacado, em linha de

princípio, porque não representam os juízes, necessariamente, os interesses das minorias

e, também, porque não há garantias institucionais de que em favor dessas agirão. E

mais, do respeito à constituição e à vontade popular nela inscrita não é correto inferir

24 Ibid., p. 72. 25 Ibid., p. 75.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 124: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

124

124

que os membros dos tribunais constitucionais sempre atuarão em favor dos direitos

minoritários assegurados no texto constitucional. Como já se expôs, existe certo grau de

incerteza na interpretação que obsta afirmar que determinada maneira de ler a

constituição é, sem dúvida, aquela que melhor salvaguarda os direitos das minorias.

A racionalidade do procedimento dos tribunais também não escapa à crítica. A

falta de abertura nos processos, isto é, da participação de todos os afetados pela norma e

pela sua invalidação – o que muitas vezes se mostrará, de fato, materialmente

irrealizável – é inegável e afeta a crença na imparcilaidade dos tribunais constitucionais.

Não se têm, com facilidade, diálogo razoável dos tribunais com a sociedade, na maior

parte das vezes ouvida, tão só, pela distorcida voz dos meios de comunicação de massa

e de seus controladores.

Stephen Griffin também nos auxilia a traçar um mapa – suscinto, não se nega – do

debate concernentes ao tribunais constitucionais e ao controle por eles exercido.26

Para o autor existem argumentos legais – assentados no texto da constituição, nos

precedentes e no intuito do legislador constituinte –, prudenciais, que vêem o controle

judicial em meio aos valores, crenças e circunstâncias políticas contemporâneas, e

morais ou abstratos, que tratam da revisão ou do controle realizado pelos tribunais a

partir de idéias e princípios fundamentais.27 Os dois últimos, segundo Griffin, são os

mais utilizados.

A dificuldade contramajoritária exposta por Alexander Bickel28 seria o mais

consistente e conhecido argumento prudencial/moral na tradição norte-americana.

Griffin sustenta, no entanto, que esse argumento se arrima na pressuposição de que o

governo americano é caracterizado pelo princípio majoritário, enquanto, no seu

entender, a história indicaria que a democracia no seu país é mais bem entendida em

termos de um complexo de princípios normativos. O debate tenderia, assim, em direção

aos argumentos morais.

No nível moral/abstrato menciona Griffin as ponderações de Samuel Freeman e

Riley. Freeman, inspirado na teoria da justiça de Rawls, postula que pessoas livres e

iguais direcionam seus interesses para a proteção do senso de justiça e de suas

concepções de bem, reforçando, por conta disso, um rol de direitos iguais básicos e de

liberdades, em especial o direito de igual participação política. Supondo, com Rawls,

26 GRIFFIN, S. American constitutionalism: from theory to politics, 1998. 27 Ibid., pp. 106-107. 28 O autor se refere ao livro de Bickel The last dangerous brach, publicado na década de 1970.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 125: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

125

125

uma posição original, alega que pessoas livres e iguais estabeleceriam direitos civis –

especialmente direitos de propriedade e garantias de devido processo legal –

protegendo-os mediante sua inscrição numa constituição. E, na medida em que se

entenda que o regime democrático exige a tutela desses direitos e liberdades básicas, o

controle que deles fizerem os tribunais constitucionais será legítimo.

Riley, a partir da tradição política norte-americana, aduz que o controle ou a

revisão judidical se legitima porque consubstancia uma das maneiras de se promover o

sistema de freios e contra-pesos, preotegendo os direitos fundamentais da regra da

maioria.

Para Griffin, no entanto, a história constitucional revelaria que os tribunais

falharam – e falham – como guardiões dos direitos e liberdades básicas, devendo-se

buscar numa visão institucionalista e alinhada à teoria da mudança constitucional novos

caminhos para o debate concernente à revisão levada a efeito pelos tribunais

constitucionais. No seu entender há de se promover uma nova crítica democrática do

controle judicial de modo a responder, especificamente, à pergunta sobre qual esfera

(Poder) do governo melhor atua na criação e proteção dos direitos, certo que, no curso

da hitória, nem sempre os tribunais se mostraram mais capazes de resguardar os direitos

e as liberdades básicas.29

Exemplifique-se, em linhas gerais, algumas das obervações apontadas por

Gargarella e Griffin.

Dispõe o art. 37, VII da Constituição de 1988, em sua redação original que: “o

direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei complementar”.

De acordo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Mandado de Injunção n.º

20, o preceito que

(...) reconhecer o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em conseqüência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição. A mera outorga constitucional do direito de greve ao servidor público civil não basta — ante a ausência de auto-aplicabilidade da norma constante do art. 37, VII, da Constituição — para justificar o seu imediato exercício. O exercício do direito público subjetivo de greve outorgado aos servidores civis só se revelará possível depois da edição da lei complementar reclamada pela Carta Política. A lei complementar referida — que vai definir os termos e os limites do exercício do direito de greve no serviço público — constitui requisito de aplicabilidade e de operatividade da norma inscrita no art. 37, VII, do texto constitucional. Essa situação de lacuna técnica,

29 GRIFFIN, S., Has the hour of democracy come round at last? The new critique of judicial review, 2005. E ainda: GRIFFIN, S., Constitutional theory transformed, 1999.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 126: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

126

126

precisamente por inviabilizar o exercício do direito de greve, justifica a utilização e o deferimento do mandado de injunção. A inércia estatal configura-se, objetivamente, quando o excessivo e irrazoável retardamento na efetivação da prestação legislativa — não obstante a ausência, na Constituição, de prazo pré-fixado para a edição da necessária norma regulamentadora — vem a comprometer e a nulificar a situação subjetiva de vantagem criada pelo texto constitucional em favor dos seus beneficiários (...).30

E decidiu, por maioria,

(...) reconhecer a mora do congresso nacional em regulamentar o art. 37, VII da Constituição Federal e comunicar-lhe a decisão, a fim de que tome as providências necessárias à edição de lei complementar indispensável ao exercício do direito de greve pelos servidores públicos civis.31

A emenda constitucional n.º 19/98 substituiu a exigência de lei complementar por

“lei específica”.32 Em nada alterou, contudo, a orientação da Corte.

Sem se ater ao desmonte do mandado de injunção promovido pelo Supremo

Tribunal33, quer haja lei complementar ou específica quer não as greves dos servidores

públicos, de fato, ocorrem, projetam-se na realidade e, por conta disso, levam o

Judiciário a se pronunciar. O Supremo, então, a despeito de haver decidido que “mera

outorga constitucional do direito de greve ao servidor público civil não basta — ante a

ausência de auto-aplicabilidade da norma constante do art. 37, VII, da Constituição —

para justificar o seu imediato exercício”, vê-se a julgar, por exemplo, a

constitucionalidade de decreto de Governador que, partindo da premissa da ilicitude da

greve promovida por servidores, disciplina suas conseqüências administrativas34 e,

ainda hoje, diverge sobre a aplicação supletiva da lei n.º 7.783/89 – que trata do direito

de greve dos trabalhadores da iniciativa privada – para sanar a omissão legislativa em

regulamentar o disposto no art. 37, VI da Constituição da República.35

30 MI 20, STF, Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 19/05/1994 e publicado no DJ no dia 20/11/1996. O inteiro teor do julgado está disponível no endereço eletrônico http://www.stf.gov.br/Jurisprudencia/It/frame.asp?classe=MI&processo=20&origem=IT&cod_classe=373. Acesso em 29 de julho de 2006. 31 Idem. 32 Art. 37 (...) VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica; 33 Um breve esboço do problema pode ser encontrado em BARROSO, Luís Roberto. O controle de Constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004, pp. 104-112. 34 Cf. ADI 1696, STF, Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 16/05/2002 e publicado no DJ em 14/06/2002: “Greve de servidor público: não ofende a competência privativa da União para disciplinar-lhe, por lei complementar, os termos e limites - e o que o STF reputa indispensável à licitude do exercício do direito (MI 20 e MI 438; ressalva do relator) - o decreto do Governador que - a partir da premissa de ilegalidade da paralisação, à falta da lei complementar federal - discipline suas conseqüências administrativas, disciplinares ou não (precedente: ADInMC 1306, 30.6.95).” 35 Síntese da retomada do debate encontra-se no informativo n.º 430 do Supremo Tribunal Federal. Disponível no endereço eletrônico <http://www.stf.gov.br/noticias/informativos/anteriores/info430.asp.>

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 127: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

127

127

Evidente, portanto, na direção defendida por Grffin, não bastar o exame estático

da constituição, de sua efetividade e interpretação. O fenômeno político-constitucional é

dinâmico e para dele se ter compreensão adequada é preciso observar, também, a

atuação dos tribunais constitucionais.

Ao alargar o universo de análise – incluindo as cortes – aprofunda-se o próprio

entendimento acerca dos problemas referentes à efetividade da constituição. É o que de

concreto se pode inferir do caso da greve dos servidores. De um lado, o Supremo

Tribunal reconhece que o exercício de direito inserto na Constituição de 1988 carece de

regulamentação do Legislativo. De outro, tem de enfrentar o fato da greve e de suas

conseqüências. Norma e realidade revelam a imbricação que perpassa todo o espectro

jurídico.

Considere-se a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)

n.º 45, sobre veto do Presidente da República à dispositivo que estabelecia diretrizes

para a lei orçamentária de 2004.36

O Supremo Tribunal Federal, tendo em conta que o dispositivo objeto de veto

veio a ser restaurado em Projeto de Lei do Presidente,37 julgou prejudicada a argüição.

No entanto, o Relator, Min. Celso de Mello, fez constar dos fundamentos do decisum

ser viável o controle de políticas públicas quando houvesse “abusividade

governamental”.38

Difícil é definir quando há abuso do governo. Volta-se, nesse ponto, à tensão entre

36 Trata-se do § 2º do art. 55 – posteriormente alterado para art. 59 – de Projeto convertido na lei 10.707/03: “§ 2° Para efeito do inciso II do caput, consideram-se como ações e serviços públicos de saúde a totalidade das dotações do Ministério da Saúde, deduzidos os encargos previdenciários da União, os serviços da dívida e a parcela das despesas do Ministério financiada com recursos do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza." O Presidente vetou o parágrafo porque a "exclusão das dotações orçamentárias do Ministério da Saúde financiadas com recursos do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza do montante de recursos a serem aplicados em ações e serviços públicos de saúde cria dificuldades para o alcance do equilíbrio orçamentário, em face da escassez dos recursos disponíveis, o que contraria o interesse público, motivo pelo qual se propõe oposição de veto a esse dispositivo." Disponível no endereço eletrônico <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/Mensagem_Veto/2003/Mv357-03.htm> 37 O Projeto foi convertido na lei n.º 10777/03, cujo art. 1º dispôs: “Art. 1º O art. 59 da lei n.º 10.707, de 30 de julho de 2003, passa a vigorar acrescido dos seguintes parágrafos: 'Art.59 (...). § 3º Para os efeitos do inciso II do caput deste artigo, consideram-se ações e serviços públicos de saúde a totalidade das dotações do Ministério da Saúde, deduzidos os encargos previdenciários da União, os serviços da dívida e a parcela das despesas do Ministério financiada com recursos do Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza. § 4º A demonstração da observância do limite mínimo previsto no § 3º deste artigo dar-se-á no encerramento do exercício financeiro de 2004.' (NR)." 38 É ler a ementa do julgado: “Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. A questão da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do Poder Judiciário em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de abusividade governamental. Dimensão política da Jurisdição Constitucional atribuída ao Supremo Tribunal Federal. Inoponibilidade do núcleo consubstanciador do ‘mínimo existencial’. Viabilidade instrumental da argüição de descumprimento no processo de concretização das liberdades positivas (direitos constitucionais de segunda geração)”.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 128: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

128

128

norma e realidade.

Arrimado no julgamento da ADPF n.º 45 há decisões no Supremo reconhecendo o

dever de o Poder Público, notadamente dos Municípios, garantir acesso e atendimento

às crianças de até seis anos em creches e unidades de pré-escola.39 Da ementa do

acórdão proferido no julgamento do RE-AgR 410715 extrai-se:

(...) Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. (grifou-se)

Também a corte assegurou a portador do vírus HIV medicamento gratuito do

Estado.40

Por que não levar a efeito o direito à moradia ou à prestação de serviço hospitalar

de qualidade? Não se encontram, de igual modo, definidos na Constituição? Não

consubstanciam núcleo do mínimo existencial? E o que dizer do entendimento da Corte

no sentido de que o “o artigo 7º, IV (...) da Constituição se refere à remuneração total

recebida pelo servidor em atividade e não apenas ao vencimento-base”,41 permitindo

que Estados e Municípios, por conveniências financeiras, paguem a seus agentes

remuneração-base menor que um salário mínimo?

Concorde-se ou não com a orientação do Supremo Tribunal Federal em cada um

39 RE-AGR 410715, STF, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 03/02/2006. 40 Confira o seguinte excerto da ementa do RE-AgR 271286, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 24/11/2000: “(...) O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. (...) O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. (...) O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF”. 41 RE-ED 455137 / RN, STF, Segunda Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 16/06/2006.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 129: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

129

129

desses julgados, impossível é enjeitar a realidade da disputa de preferências neles

instaurada ou afiançar que o Judiciário, especialmente o Supremo, sempre se

manifestará na direção dos anseios emancipatórios da comunidade. Ao menos nesse

ponto, com efeito, têm razão Griffin e aqueles que, de acordo com as ponderações

críticas indicadas por Gargarella, sustentam que nem sempre os tribunais constitucionais

atuam num sentido protetor e promotor de direitos.

Ilustrativa, a propósito, a experiência norte-americana da legislação do trabalho

infantil, na primeira metade do século XX.42

Em 1916 o Presidente Woodrow Wilson promulgou lei que proibia fossem

empregadas crianças na fabricação de produtos destinados ao comércio. Fundamentou-

se no dispositivo da Constituição que trata do poder de comércio inter-estadual.

Segundo Griffin, o diploma havia sido bem recebido na sociedade, encontrando apoio

dos partidos democrata e republicano na House of Representatives e no Senado.

Algumas indústrias do Sul dos Estados Unidos, que se utilizavam da mão de obra

infantil, levaram o caso à Suprema Corte que, em Hammer v. Dagenhart, declarou, por

cinco votos a quatro, a inconstitucionalidade da legislação. De acordo com o Tribunal,

ultrapassou a legislação a fronteira do poder de comércio inter-estadual.

A decisão veio a ser objeto de difundida crítica na imprensa. Sem questionar, no

entanto, que à Corte incumbia a última palavra em matéria de interpretação

constitucional, os defensores da lei contra o trabalho infantil mudaram de estratégia.

Voltaram-se, para obstar a exploração de crianças, ao âmbito tributário. Em 1919, com

efeito, o Congresso aprovou lei que impunha carga tributária mais elevada aos produtos

originados do trabalho infantil. A Suprema Corte, movida mais uma vez pelos

industriais dos Estados do Sul, tendo em vista que a Emenda n.º 10 obstaria a utilização

pelo Congresso do poder de tributar para implementar medidas que não poderiam ser

efetivadas em regulação direta da atividade econômica, julgou, em Bailey v. Drexel

Furnitue Co., por oito votos a um, inconstitucional o tributo.

Nos anos que se seguiram os defensores do diploma tentaram aprovar emenda

42 Segue-se adiante a narração do caso que se encontra em GRIFFIN, Stephen M. American Constitucionalism: from theory to politics. Princeton: Princeton University Press, 1996, pp. 88-89. No contexto atual de exceção são bastante interessantes os julgados concernentes à suspensão do habeas corpus e à prisão em Guantánamo. Sobre o tema confira-se FISS, Owen. The war against terrorism and the Rule of Law. In Oxford Journal of Legal Studies, v. 26, n.º 02, 2006, pp. 235-256. No cenário alemão, vale referir o caso da legislação de segurança aérea, que permitia o abate de aviões em situações de emergência e do “data screeningo of Muslim Sleepers”. Cf. KETT-STRAUB, Gabriele. Data screnning of muslim sleepers unconstitutional. German Law Journal, n.º 11, nov. 2006. Disponível em <www. germanlawjournal.com./article.php?id=770>. Acesso em: 08 dezembro 2006.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 130: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

130

130

constitucional que conferisse ao Congresso poderes para regular o trabalho de crianças.

Não obtiveram, contudo, o quorum de Estados que exige a rígida disciplina do poder de

revisão na Constituição norte-americana.

Somente em 1938, após as “ameaças” do Presidente Roosevelt de alterar a

composição da Suprema Corte, é que se veio a julgar constitucional, em United States v.

Darby Lumber Co., a proibição do trabalho infantil inserida no Fair Labor Standards

Act, editado no mesmo ano.

Bastante interessante – e bem mais recente – o reconhecimento, pelo Supremo

Tribunal da Argentina, da constitucionalidade da medida que restringiu, por causa da

crise econômico-financeira que assolou o país no início do século, o saque dos

depósitos bancários e estabeleceu a conversão, em pesos, dos depósitos efetuados em

moeda estrangeira (o corralito).

O tribunal, não sem desconsiderar os vícios de constitucionalidade indicados no

voto da Ministra Carmen M. Argay (não observância do procedimento legislativo de

urgência da constituição; violação do art. 17 da constituição, tendo em vista que atinge a

substância da garantia fundamental nele disposta; desnecessidade, ante as

peculiaridades do caso, de se afastar o processo legislativo comum; inaceitabilidade da

ratificação do Congresso três anos após expedição do decreto), manifestou-se no sentido

da constitucionalidade dos diplomas regulamentadores do corralito, notadamente o

decreto nº 214/02. Prevaleceu, na hipótese, argumentos pragmáticos que destacaram a

necessidade de se evitar uma eventual agravação da crise que, agora, já se mostrava

controlada e em via de superação.

Segundo o Ministro Carlos Fayt, a corte, afastando divergências individuais,

chegou a “una decisión consensuada entre los minisros” e, embora haja reconhecido o

direito de o autor ver devolvido o seu depósito em moeda estrangeira “convertido en

pesos a la relación de $ 1,40 por cada dólar estadunidense, ajustado por el CER hasta el

momento de su pago, más la aplicación sobre el monto así obtenido de interesses a la

tasa de 4% anual no capitalizable (...)”, deliberou sobre a constitucionalidade da

legislação de urgência, tendo em conta, de modo especial, a necessidade de se “ponderar

las consecuencias que derivan de las decisiones judiciales”.

Prevaleceu, aqui, a preservação da norma, com alguns ajustes, considerando-se a

dimensão da situação de emergência vivenciada na Argentina no início do século XXI e

o fato de as medidas tomadas estarem se mostrando eficazes. O tribunal constitucional

apenas chancelou, com temperos, a solução formulado pelo Executivo sem obedecer, ao

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 131: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

131

131

que tudo indica, às formalidades e limitações impostas pelo texto constitucional.

Nada disso obstante, ainda que os exemplos deixem claro não haver garantia de

que os tribunais constitucionais atuem num sentido emancipatório, o discurso jurídico

das últimas décadas, sob a teoria constitucional pós-45, quer na perspectiva liberal quer

na comunitária ou deliberativa, direciona-se no sentido de que se deve buscar nos

tribunais, com arrimo na normatividade autônoma da constituição, promover as

demandas sociais não atendidas pelas vias da representação política no Legislativo e no

Executivo.43

Resta ver, embora em seus traços mais amplos, como a categoria da exceção

permanente ingressaria no debate.

Ao traçar o marco da exceção permanente enfatizou-se como a normatividade do

direito e, por conseguinte, na forma de uma metonímia, da constituição, se apresenta. A

exceção aponta no sentido de uma zona de indiscernibilidade entre fato e norma, de

modo que se concluiu não haver, no sentido formulado pela teoria pós-45, uma força

normativa ou força ativa autônoma.

Se, na linha da abordagem da teoria pós-1945, pode-se sustentar posição

semelhante àquela de Canotilho em texto apresentado por ocasião do XX aniversário do

Tribunal Constitucional de Portugal no sentido de que uma das principais razões para a

atuação política dos tribunais deriva do avanço da normatização/jurisdização de

conteúdos políticos44, sob as lentes da categoria da exceção permanente, reestruturada a

normatividade, encontrar-se-ia à primeira vista mitigada a intervenção dos tribunais.

Não é essa, entretanto, a melhor leitura. Sob a categoria da exceção permanente tem-se

conseqüência distinta, talvez mais complexa: reduzida a normatividade autônoma, tende

43 Nesse sentido o seguinte excerto extraído de MELLO, Cláudio Ar, 2004, p. 190-192: “Mark Van Hoeck sustenta, ao meu ver com toda razão, que a legitimidade democrática da jurisdição constitucional está fundada na comunicação deliberativa que se forma entre os demais poderes do Estado, o próprio poder Judiciário e a sociedade em geral (...) O processo judicial, pela sua própria natureza forma ‘círculos comunicativos’ (communicative circles) em escala crescente de deliberação pública, desde o círculo que envolve apenas as partes e o juiz do caso concreto, passando pelo círculo que incorpora no diálogo os tribunais superiores (...) e depois, eventualmente, a doutrina, até círculos comunicativos que atraem o interesse da mídia e são discutidos pela opinião pública, e que podem envolver os poderes legislativo e executivo e até a sociedade como um todo. (...) Por fim, as decisões do poder Judiciário respondem a um requisito fundamental de legitimidade democrática, que consiste na racionalidade das discussões e decisões públicas.” Ver também BELLO, Enzo. Neoconstitucionalismo, democracia deliberativa e a atuação do STF. In Ribas Vieira, José (Org.). Perspectivas da Teoria Constitucional Contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, no prelo; SOUZA JÚNIOR, A. U. de. O Supremo Tribunal Federal e as questões políticas, 2004. 44 CANOTILHO, J. J. Gomes. Tribunal Constitucional, jurisprudências e políticas públicas. XX Aniversário do Tribunal Constitucional, 28 de novembro de 2003. Disponível no endereço eletrônico <www.tribunalconstitucional.pt/tc/textos030102.html>.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 132: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

132

132

a aumentar a atuação política dos tribunais.

Na medida em que se passar a reconhecer a fragilidade da força normativa

autônoma das constituições e se assumir sua plena conexão com a moral e,

notadamente, com a política, retirar-se-á o véu que obsta seja o discurso jurídico-

constitucional entendido como manifestação de interesses e valores numa lógica de

constante luta de e por poder atual e em potência, permitindo ver a ação dos tribunais

constitucionais na sua complexidade social, econômica, política e jurídica.

Sob o marco da exceção permanente a constituição é concebida como instrumento

político-jurídico objeto de constante construção e defesa por parte daqueles que com ela

interagem, decorrendo sua eficácia do permanente mover de lutas e embates que lhe

conferem certo sentido normativo e definidor de condutas. Os tribunais constitucionais,

dessa sorte, refletirão os embates que definem, constantemente, o próprio sentido da

constituição, podendo ou não se apresentar como órgão de emancipação, promotor e

guardião de direitos. A proteção de minorias ou de direitos e liberdades básicas não lhe

é intrínseca – varia, por exemplo, com composição do tribunbal, com a ideologia

seguida por seus membros, com o grau de autonomia que lhe é conferido no

ordenamento jurídico, etc. Estará o tribunal, por vezes, longe de se idenficar com

alguma espécie de vontade popular soberana contida na constituição.

Não suprem os tribunais, além disso, déficits de outros órgãos de representação

democrática, apresentando, eles mesmos, deficiências. E mais, a maneira de julgar e os

seus procedimentos ainda que assegurem relativa racionalidade técnica, não promovem,

necessariamente, entendimentos comunicativos e bases de integração social solidárias.

Esses são resultados que, acaso obtidos, afiguram-se meramente contingentes.

Na maior parte das vezes, sob a categoria exceção permanente, restará

evidenciado, em crítica, que os tribunais têm assumido, neste início de milênio, postura

pragmático-conseqüencialista em seus julgamentos.45

Por postura pragmático-conseqüencialista entenda-se a primazia, nos fundamentos

da decisão, de argumentos e critérios de eficiência, utilidade, segurança, conveniência,

oportunidade ou governabilidade. Trata-se, em síntese, segundo Posner, de focalizar os

resultados práticos das decisões.46 Esclarece Oscar Vilhena Vieira, arrimado na

distinção weberiana entre ética de princípios e ética de resultados, que a decisão 45 Nesse sentido: VIEIRA, J. R. (Org.) ; DUARTE, Fernanda (Org.) ; CAMARGO, Margarida Maria Lacombe (Org.) ; GOMES, Maria Paulina (Org.) . Os direitos à honra e à imagem pelo Supremo Tribunal Federal - laboratório de análise jurisprudencial . Rio de Janeiro: Renovar, 2006. 46 POSNER, R. A., A Political Court, 2005.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 133: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

133

133

conseqüencialista é aquela que confere maior peso aos referidos critérios de “eficiência,

utilidade, conveniência, oportunidade, segurança ou governabilidade, do que à própria

normatividade (...)”.47

Canotilho, em texto já citado,48 destaca a existência de quatro espécies de

jurisprudência – quatro jurisprudências (pragmatismo, principialismo, contextualismo e

precedentalismo) – sustentando que a postura pragmática, algumas vezes preponderante

no Tribunal Constitucional português, reduz a complexidade do político e da política de

duas formas: (i) pela rejeição ou prudência quanto à utilização das grandes teorias; (ii)

pela parcimônia na abordagem dos problemas metodológicos de

interpretação/concretização das normas constitucionais.

Acrescenta Canotilho, seguindo Richard Posner, que o pragmatismo leva à duas

maneiras de autocontenção: (i) coloca “entre parênteses os fundamentos ou concepções

teóricas eventualmente antagônicas sempre que isso perturbe a sua autonomia de juízo;

(ii) busca uma solução prática, “operacional, aceitável e creditável para o problema

constitucional concreto – e apenas para este.

Na exceção permanente – destruída, senão reconfigurada, a normatividade

constitucional autônoma – a tendência a decisões pramáticas não há de revelar adesão

ao pragmatismo. Trata, antes, de uma postura crítica, acentuando o fato de a perspectiva

pragmática deixar transparecer, por vezes, as motivações políticas que subjazem em

questões que alguns acreditam meramente jurídicas.

Inspirados no marco da exceção permanente é possível arriscar, ainda, conclusão

no sentido de que nem mesmo aquelas decisões voltadas a um suposto principialismo, a

uma ética de princípios, escapam à politização e à necessidade de se redimensionar, no

âmbito jurídico-constitucional, o poder. Os argumentos principiológicos, atados à força

normativa autônoma da constituição, não fazem senão, na perspectiva da exceção

permanente, escamotear, com algumas limitações postas pela linguagem do direito, o

mover das lutas e embates que caracterizam a constituição.

Quanto à compatibilidade do controle realizado pelos tribunais constitucionais

com o regime democrático, embora não se tenha aqui buscado desenvolver espécie

alguma de teoria democrática sob a categoria exceção permanente, é possível asseverar

que a exceção permanente aponta no sentido da valorização de um regime que: (i) 47 VIEIRA, O. V., Supremo Tribunal Federal: jurisprudência política, 2002. 48 CANOTILHO, J. J. Gomes. Tribunal Constitucional, jurisprudências e políticas públicas. XX Aniversário do Tribunal Constitucional, 28 de novembro de 2003. Disponível no endereço eletrônico <www.tribunalconstitucional.pt/tc/textos030102.html>

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 134: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

134

134

ponha o homem como sujeito criador do aparelho de autoridade coletivo e que precisa

agir no mundo para fazer valer interesses seus e do grupo ao qual pertença; (ii) viabilize

maneiras de se abrir, constantemente, oportunidades reais de igualdade e de participação

daqueles que se vêem excluídos ou derrotados nas articulações de poder que

determinam as inclusões da vida no direito; (iii) não se restrinja à regra da maioria,

porquanto reconhece posições de domínio exercidas, na maior parte das vezes, por

falsas maiorias, em minoriais de classe e de feição elitista e (iv) proteja direitos

fundamentais civis, políticos, sócio-econômicos e ambientais como única maneira de

assegurar o exercício livre da potência humana criativa e sua ação.

Em linha de princípio, portanto, os tribunais constitucionais serviriam como uma

das possíveis arenas de luta para a determinação da constituição, nenhuma garantia

havendo de que eventual ativismo venha a ser ou não emancipatório. Cumpririam a

função, num sistema democrático com as características acima indicadas, de mais um

instrumento institucional na complexa realidade político-jurídica de implementação dos

direitos fundamentais necessários à garantia da potência criativa da ação humana sem,

contudo, apresentarem-se como seus únicos defensores e mecanismos de atuação.

Essa visão dinâmica da atuação dos tribunais constitucionais consubstancia

contribuição importante do marco da exceção permanente, lançando luz às crescentes

análises de tendências jurisprudenciais.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 135: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

6

Conclusão

Ao longo da dissertação sustentamos ser a exceção permanente categoria

adequada à compreensão e ao desenvolvimento da teoria constitucional do início do

século XXI.

Atentou-se, no capítulo segundo, para a articulação dinâmica de alguns temas da

teoria constitucional (constituição, direitos fundamentais, hermenêutica/interpretação,

tribunais constitucionais) e para a análise de textos de autores que, no âmbito da

tradição romano-germânica, destacaram-se na construção da teoria pós-1945 e serviram

de referência à sua internalização no Brasil, a fim de deixar claro que a perspectiva

teórica pós-1945 tem por pressuposto, na linha do constitucionalismo clássico, a crença

em uma específica ou autônoma normatividade da constituição.

Realidade e norma, aí, encontram-se em relação de reciprocidade: contextualiza-

se a constituição e se assenta o dado normativo sobre uma base fática. Pode-se dizer, em

linhas gerais, que a normatividade autônoma apenas caminha ao lado da realidade e

com ela mantém constante troca.

Novos tempos, todavia, sinalizam a crise desse pressuposto. Num cenário político

e econômico global-nacional gerador de dominação, propagador de violência e contrário

à criatividade constituinte do ser humano, que revela características semelhantes àquelas

encontradas em estados de exceção, emergência ou sítio da primeira metade do século

XX, nos quais os preceitos fixados na ordem jurídica, embora vigentes, não são

efetivados e em que se reafirma a lógica da insuficiência do regime democrático, a

capacidade de a constituição regular a vida é, sem dúvida, ameaçada.

Vivemos, hoje, uma situação de exceção permanente que, conforme desenvolvido

no capítulo terceiro, pode ser sintetizada pelas noções de globalização, risco, estado de

guerra, Império e neoliberalismo: um contexto planetário, dominado pela lógica da

incerteza e da insegurança, bem como pela difusão de políticas conservadoras e

contrárias à capacidade criativa humana. Unidos os conceitos, tem-se um contexto que

desafia a capacidade reguladora da constituição na sua atual configuração normativa

autônoma, indicando ser necessária sua reestruturação para abrir maior espaço a uma

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 136: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

136

dimensão não-juridicializada e à política ou, pelo menos, a uma perspectiva que não

atribua ao jurídico-constitucional a potência emancipatória que lhe tem conferido a

teoria pós-1945.

Nada melhor, então, do que buscar na idéia mesma de exceção – adjetivada, nos

últimos tempos, pela permanência – categoria capaz de contribuir para o entendimento

do fenômeno jurídico-político, em especial, do direito constitucional.

Características quer da situação quer da categoria exceção permanente

transparecem se observadas, ainda que de maneira bastante resumida, à experiência de

crise na República de Weimar e o ressurgir do discurso emergencial (ou de exceção)

nos Estados Unidos da América pós-09/11. É o que se fez no capítulo quarto,

indicando-se, a título exemplificativo, as seguintes: (i) paradoxos referentes à

perspectiva normativa construída nas sociedades capitalistas do Ocidente associados a

uma maior influência da decisão política, (ii) contexto globalizado, em que se vêem

reestruturadas as relações de poder em escala mundial, (iii) exploração, numa sociedade

de risco, da sensação de insegurança e de medo para viabilizar a (iv) instituição de um

governo forte e centralizado, expandindo-se a atuação do Executivo sob o alegado

objetivo de garantir a continuidade – ou “salvar” – as democracias constitucionais, (v)

alteração e até a suspensão de direitos e liberdades a fim de assegurar a manutenção do

regime democrático, (vi) déficit de representação e participação popular na formação da

vontade política dos Estados.

Acrescente-se o fato de o freqüente apelo da teoria constitucional pós-1945 à ação

jurídica se harmonizar com uma aparente preferência do neoliberalismo de levar os

debates políticos, em especial aqueles de relevância econômica, ao Judiciário e ao

Executivo, esquivando-se dos mecanismos e processos de deliberação democrática

exigidos no momento de se criarem as normas. Uma revalorização normativa de caráter

bastante inteligente e aceitável, ainda que expresse feições emancipatórias em questões

identitárias, para, em regimes democráticos, administrar-se, com alguma

previsibilidade, a dominação.

Ainda no capítulo quarto se desenvolveu, alinhado a um discurso de ruptura de

registro paradigmático, a categoria da exceção permanente.

O elemento antropológico, o humano, não é nela invocado como um absoluto

transcendente nem como um ser cuja razão é capaz de tudo controlar e subjugar – aí

também o elemento epistemológico. Reconhece-se pela categoria da exceção, em vez

disso, que a pessoa humana é caracterizada por fragilidades, por destrutividade e, ao

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 137: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

137

mesmo tempo, pela capacidade de criar e inovar a construção do mundo. O indivíduo, o

sujeito, não é substituído por uma perspectiva organicista, um ser coletivo, mas

preservado de maneira que não se estabeleça exclusivamente sobre ele a construção da

vida comum. Orienta-se a categoria da exceção permanente pela problemática da

subjetividade e das ingerências sobre sua formação, ampliando-se a visão da igualdade

de molde a abarcar exigências de distribuição econômica e de composições identitárias.

O universo do ‘ser’ – a ontologia – revela, na exceção permanente, encontrarem-

se imbricados aspectos naturais e culturais. Compartilhamos um mundo híbrido que, ao

mesmo tempo, é objeto de percepções culturais, julgamentos de moral, política e

tecnologia, e expressão da natureza. Um mundo complexo e ambivalente. O ‘ser’ se

expressa como um vir-a-ser. Há determinações e limites naturais, diretivas fixas que,

nesse único sentido, são universais; a realização, a concretização dessas linhas de força

determinadas, contudo, está aberta, passível de construção, destruição e/ou reconstrução

no âmbito da cultura. A realização dessas linhas de força ou virtualidades é mediada

pela potência criativa do ser humano na política, na economia, no direito, etc. E a

consciência disso faz, na perspectiva da exceção, revalorizar a responsabilidade, a

decisão e, por sua vez, a política.

A exceção permanente como categoria encontra ponto de partida na doutrina da

exceção sustentada por Carl Schmtti e é consolidada na formulação de Giorgio

Agamben, que, em apertada sintese, inspirado em Walter Benjamin, postula ser a

exceção, o momento político originário, um espaço vazio. Seguindo Agamben,

conforme se explicitou no capítulo quarto, o bando seria a relação política originária,

que nasce na zona da exceção. A soberania atua sobre a produção da vida nua. Ao

sujeito que recebe o impacto do poder e lança luz sobre o entendimento desse momento

formativo da exceção e do bando é representado pelo homo saccer. O campo de

concentração funcionaria como um paradigma da dominação biopolítica que,

atualmente, se alastra. O paradoxo é a chave lógica da soberania.

A relação entre norma e vida não é de simples reciprocidade, mas de imanência

ou de “imanência-recíproca”: o dado normativo não é autônomo, estando, como numa

linha paralela, em mera correspondência com a realidade. Em vez disso, a realidade é,

além de sua parte integrante, por ele também integrada, de modo que compõe um

espaço de indiscernibilidade a exigir o exercício de uma violência pura, criadora, capaz

de se viabilizar por meios não-jurídicos de entendimento.

A normatividade constitucional à luz da categoria da exceção permanente trata da

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 138: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

138

criação/inscrição do âmbito de sua própria referência na vida real, de modo que a

própria distinção entre normatividade e realidade, de tal maneira estão jungidos norma e

vida, perde sua razão de ser, emergindo espaços de solução de conflito não

juridicizados, únicos em que se poderia alcançar, realmente, uma não violência.

A normatividade autônoma pós-1945, portanto, revelaria hoje, na sua estrutura, a

característica que Zizek, acompanhando Alain Badiou, atribui ao século XX: a paixão

pelo real. Pretende manter contato pleno com a realidade, mas, ao enfrentá-la, manifesta

certa repugnância pelo que está diante de si e se isola na mera reciprocidade. Almeja

emancipação, conquistas pela sua capacidade regente, mas, confrontado com o real,

transmuta-se em imobilidade.

A normatividade, nessa versão, como força ativa autônoma, outra coisa não é

senão a construção de um período histórico cada vez mais chocado pela realidade que

nele mesmo se produz. À maneira de um paradoxo, trata de uma ficção real: (i) o

núcleo duro do real consiste em saber que a constituição (metonímia contemporânea do

próprio direito), por si só, em nada afeta ou dirige a vida (e esse parece haver sido o

grande trauma da primeira metade do século XX e que ainda perdura); (ii) afigurando-se

insuportável a “descoberta”, transmuta-se, transfuncionaliza-se, esse dado real de modo

que a incapacidade regulatória da constituição é vista como ficção. Para simplificar o

percurso cria-se a idéia de força normativa da constituição ou, como preferimos, de

normatividade específica ou autônoma.

Algumas implicações da categoria da exceção pemanente foram apresentadas no

quinto capítulo.

De molde a alargar a estreita visão da teoria e da dogmática jurídico-

constitucional brasileira e a fomentar o estudo multidisciplinar do direito discorreu-se

sobre o cenário brasileiro à luz do renovado marco da exceção permanente, constatando

que (i) a acumulação capitalista estrutural – originada da força do capital globalizado e

do próprio desenvolvimento do capitalismo nacional – (ii) o desrespeito a direitos

fundamentais, notadamente civis e sociais, (iii) o uso político-ideológico do sentimento

de medo e (iv) a centralização da função legislativa no Poder Executivo sintetizam, em

conjunto, a situação de exceção permanente no país.

Temas estruturais da teoria constitucional, além disso, foram objeto de atenção.

Sob a categoria da exceção permanente, a constituição se mostra como um

processo sócio-político-jurídico. Sua força depende do permanente mover de lutas e

embates que acabam por lhe conferir, então, certo sentido normativo e definidor de

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 139: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

139

condutas.

Os direitos fundamentais, por sua vez, são manifestação de conquistas axiológicas

e deontológicas inscritas nas constituições ou nos costumes constitucionais de

determinado grupo. A tendência universalizante defendida nas perspectivas liberais e

deliberativas é, na exceção permanente, fruto da própria configuração do espaço e do

tempo no momento histórico atual, bem como de uma nova percepção da ontologia que

dissemos romper, ao analisarmos a noção de risco, com o dualismo natureza-cultura.

Pela exceção se mostra que avanços qualitativos no âmbito dos direitos humanos,

notadamente os sociais, não dependerão de atuações de ordem exclusivamente jurídicas.

Antes, de ações fora do direito que dele se utilizem instrumentalmente.

A hermenêutica constitucional, reduzida a importância do elemento normativo

autônomo, deverá, sem deixá-lo de lado, abrir maior espaço às disputas de poder e aos

elementos da realidade. Não os considerar, na linha do positivismo jurídico, como

elementos ou circunstâncias externas ao direito, mas, sob a categoria da exceção

permanente, por intermédio de técnicas argumentativas e de uma orientação do

aplicador de acordo com cenário político, às pressões de poder envolvidas na disputa

levada ao tribunal e suas convicções – tratá-los como partes integrantes da estrutura

normativa mesmo: não como recursos de retórica ou de simples esclarecimento, mas

parte da prórpia norma que, já vimos, está em constante processo de criação, destruição

e recriação.

A despeito de arrefecida a força ativa da constituição, sob a categoria da exceção

permanente os tribunais constitucionais, objeto de análise mais detida, tendem a

aumentar sua atuação política. Por intermédio da exceção permanente o discurso

jurídico-constitucional é assumido, em nível teórico, como manifestação de interesses e

valores numa lógica de constante luta de e por poder social atual e em potência. A ação

dos tribunais constitucionais passa a ser analisada no seu sentido eminentemente

político.

Refletirão os embates que definem, constantemente, o próprio sentido da

constituição, podendo ou não se apresentar como órgão de emancipação, promotor e

guardião de direitos. A proteção de minorias ou de direitos e liberdades básicas não lhe

é intrínseca – varia, por exemplo, com composição do tribunbal, com a ideologia

seguida por seus membros, com o grau de autonomia que lhe é conferido no

ordenamento jurídico, etc. Estará o tribunal, por vezes, longe de se idenficar com

alguma espécie de vontade popular soberana contida na constituição.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 140: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

140

Na maior parte das vezes, sob a categoria exceção permanente, restará

evidenciado que os tribunais assumem postura pragmático-conseqüencialista em seus

julgamentos. Por postura pragmático-conseqüencialista entenda-se a primazia, nos

fundamentos da decisão, de argumentos e critérios de eficiência, utilidade, segurança,

conveniência, oportunidade ou governabilidade, bem como a atitude de rejeição ou

prudência quanto à vinculação às grandes teorias jurídicas e a parcimônia na abordagem

dos problemas metodológicos de interpretação/concretização das normas

constitucionais.

Isso não há de significar, contudo, que à luz da exceção permanente se adere ao

pragmatismo. O interesse em semelhante modo de decidir decorre do fato de nele se

tentar escamotear – sem sucesso – as motivações políticas que subjazem em questões

que alguns acreditam meramente jurídicas e econômicas.

Inspirados no marco da exceção permanente é possível inferir que nem mesmo

aquelas decisões voltadas a um suposto principialismo, a uma ética de princípios,

escapam à politização e à necessidade de se redimensionar, no âmbito jurídico-

constitucional, o poder. Sob a categoria da exceção permanente os argumentos

principiológicos, atados à força normativa, outra coisa não revelam senão formas que,

com algumas limitações postas pela linguagem do direito, objetivam forjar, mediante

constante construção e defesa por parte daqueles que com ela interagem, pelo

permanente mover de lutas e embates, uma constituição.

Concluiu-se, além do mais, não haver incompatibilidade entre o controle realizado

pelos tribunais constitucionais com o regime democrático. A exceção permanente

aponta no sentido da valorização de um regime que (i) ponha o homem como sujeito

criador do aparelho de autoridade coletivo e que precisa agir no mundo para fazer valer

interesses seus e do grupo em que se insere; (ii) viabilize maneiras de, constantemente,

abrir oportunidades reais de igualdade e de participação àqueles que se vêem excluídos

ou derrotados nas articulações de poder que determinam, principalmente pela função

legislativa, formas de inclusão da vida no direito; (iii) não se restrinja à regra da

maioria, porquanto reconhece posições de domínio exercidas, na maior parte das vezes,

por falsas maiorias, minorias de classe e de feição elitista e (iv) proteja direitos

fundamentais civis, políticos, sócio-econômicos e ambientais como única maneira de

assegurar o exercício livre da potência humana criativa e sua ação. Coaduna-se, dessa

sorte, não sem relevar suas peculiaridades, com o regime democrático.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 141: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

141

Os tribunais constitucionais consubstanciam arenas de luta para a determinação da

constituição, nenhuma garantia havendo de que eventual ativismo venha a ser

emancipatório ou desemancipatório. Cumpririam a função, num sistema democrático

com as características acima indicadas, de mais um instrumento institucional na

complexa realidade político-jurídica de implementação dos direitos fundamentais

necessários à criatividade e à ação humana sem, contudo, se apresentarem como seus

únicos defensores e mecanismos de atuação.

Sintetizado assim, em linhas amplas, o percurso seguido ao longo da pesquisa e

algumas de suas implicações mais imediatas no que toca aos quatro temas da teoria

constitucional aqui selecionados, resta pôr em destaque a contribuição da categoria da

exceção permanente para a elaboração e o desenvolvimento da teoria constitucional, a

contribuição, por assim dizer, “cognoscitiva” da categoria.

A exceção permanente, nesse aspecto, indica pelo menos três diretivas para a

teoria constitucional do século XXI, ainda que de modo introdutório: (i) reestruturação

da relação entre norma e realidade – objeto principal, aqui, de nossos esforços; (ii)

valorização do processo histórica na compreensão do fenômeno político constitucional;

(iii) ampliação do espaço destinado ao agir político.

Quanto à relação entre norma e realidade, é ler as páginas e capítulos

antecedentes. Essa problemática foi objeto da dissertação em razão de ser ela, em nosso

modo de ver, que arrima e conduz as outras.

A valorização do processo histórico encontra na teoria pós-1945 seu ponto de

partida, como vimos no capítulo primeiro, notadamente em Zagrebelsky. Todavia, na

medida em que redimensionada a própria compreensão da tensão entre normatividade e

vida não se poderá ler, de igual maneira, a influência do dado histórico. Bem adverte

José Ribas Vieira:

Em razão mesmo da grandeza desse denso fluir histórico, ao qual a constituição de forma constate defronta, não podemos, provavelmente, reduzir as fronteiras do atual constitucionalismo somente a um esgotamento, por exemplo, do paradigma constitucional pós-45, a uma única variável explicativa seja a de caráter valorativo ou de matriz política.1

Na óbvia referência pós-1945 o processo histórico é luz externa para a

compreensão do direito. Sob a categoria da exceção, em vez disso, por ele se sinaliza a

1 VIEIRA, J. R. (Org.), Perspectivas da teoria constitucional contemporânea, p. 199.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 142: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

142

insuficiência mesma das análises que se pretendem exclusivamente jurídicas no âmbito

da teoria constitucional.

A ampliação do espaço destinado ao agir político decorre de se reconhecer uma

zona de indiscernibilidade entre norma e realidade, em que não se afigura possível

inscrever no registro jurídico a totalidade do fenômeno político-constitucional. Trata-se,

grosso modo, de assumir que a emancipação perpassa, muito mais do que o âmbito de

um discurso único de direito, em específico de direito constitucional, nosso agir

político.

A atribuição de direitos, de uma cidadania jurídica, por mais desejável que possa

ser não é suficiente para viabilizar, qualitativamente, a emancipação e a conquista de

“novos” direitos, a exemplo dos intermináveis debates concernentes aos direitos

humanos sociais. É preciso explorar a violência pura benjaminiana, a potência

destrutiva e constituinte da multidão que se espalha pelo globo para alcançar ou manter,

em um nível que transcende a própria jurisdicidade, objetivos e conquistas que, em

determinado momento histórico, no discurso constitucional estrito, não se mostra

acessível.

É esperar, agora, que a tentativa de inserir uma nova categoria compreensiva da

situação exceção permanente deste início de milênio, ainda que não acolhidas as

ponderações aqui expostas, frutifique, mantendo acesos o pensamento crítico e o

sentimento de não conformação com os problemas e mazelas que afligem o Brasil e

mundo.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 143: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

7

Referências Bibliográficas

ACKERMAN, Bruce. The Emergency Constitution. In: The Yale Law

Journal, v. 113, n.º 05, 2004, p. 1029/1079.

_____. This Is Not a War. In: The Yale Law Journal, v. 113, n.º 08, 2004,

p. 1871/1907.

_____. We the people: Foundations. Cambridge: The Belknap Press &

Harvard University Press, 1991. 2 v.

AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. Tradução Iraci D. Poleti. São

Paulo: Boitempo, 2004.

_____. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. 1ª reimpressão.

Tradução Henrique Burigo. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002.

ANSOLABEHERE, Karina. Jueces, política y derecho: particularidades y

alcances de la politización de la justicia. In: Revista Isonomia, n.º

22, abr., 2005, p. 39-63. Disponível:<

http://descargas.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/01826296

872366177440035/015147.pdf?incr=1> Acesso em: 09 maio 2005.

ARENDT, Hannah. A condição Humana. 10ª ed. 5ª reimpressão. Rio de

Janeiro: Forense Universitária, 2005.

BAUMAN, Zigmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.

_____. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.

_____. Em busca da política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.

BAYÓN, Juan Carlos. Causalidad, consecuencialismo y deontologismo.

In: Doxa Cadernos de Filosofia do Direito, n.º 6, 1989.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 144: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

144

Disponível

em:<http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/01361620

813462839088024/index.htm>. Acesso em: 16 maio 2006.

BENJAMIN, Walter. Para una crítica de la violencia. Disponível em:

<http://www.philosophia.cl/biblioteca/Benjamin/violencia.pdf Acesso

em: 11 jan. 2007.

BECK, Ulrich. Poder y Contra-Poder en La era Glabal: la nueva

economia política mundial. Barcelona, Buenos Aires, México:

Paidós Estado y Sociedad, 2004.

_____. World risk society. Malden: Blackwell Publishers, 2001.

BELLO, Enzo. Os direitos fundamentais sociais na era do risco. In:

TORRES, Ricardo Lobo (Org.). Segurança dos direitos

fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, no prelo.

_____. VIEIRA, José Ribas; NUNES, Wanda Cláudia Galluzzi. (Orgs.).

Caderno de Estudos Constitucionais – Teoria Constitucional

Contemporânea e seus impasses. Rio de Janeiro: PUC-Rio, ano

XI, n.º 01, set., 2005.

BERCOVICI, Gilberto. Constituição e Estado de exceção permanente:

Atualidade de Weimar. Rio de Janeiro: Azougue, 2004.

_____. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a

partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005.

_____. Constituição e Política: uma relação difícil. In: Lua Nova: Revista

de Cultura e Política, v. 61, 2004, p. 5-24.

BEZERRA, Paulo César Santos. Mutação constitucional: processos

mutacionais como mecanismos de acesso à justiça. Disponível

em:<http://www.sefaz.pe.gov.br/flexplub/versao1/filesdirectory/sessi

ons579.pdf> Acesso em: 14 jun. 2005.

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do

direito. São Paulo: Ícone, 1995.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 145: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

145

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 14ª ed. São

Paulo: Malheiros, 2004.

CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação:

uma contribuição ao Estudo do Direito. 3ª ed. rev. e atual. Rio

de Janeiro: Renovar, 2003.

CANOTILHO, J. J. G.. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.

7ª ed., Coimbra: Almedina, 2003.

_____. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo

para a compreensão das normas constitucionais

programáticas. Coimbra: Coimbra editora, 1982.

_____. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo

para a compreensão das normas constitucionais

programáticas. 2ª ed.. Coimbra: Coimbra editora, 2001.

CARBONELL, Miguel (Org.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta,

2003.

CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva:

elementos da filosofia constitucional contemporânea. 3ª ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

_____. ‘Invisibilidade’, Estado de Direito e Política de Reconhecimento. In:

MAIA, Antonio Cavalcanti. et alli. Perspectivas atuais da filosofia

do direito. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005, p. 153/166.

_____. Princípios constitucionais, direitos fundamentais e história. In:

Manoel Messias Peixinho; Isabella Franco Guerra; Firly

Nascimento Filho. (Org.). Princípios Constitucionais. 1 ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2001, v. 1, p. 101-108.

COMANDUCCI, Paolo. Formas de (neo)constitucionalismo: un análises

metateórico. In: Revista Isonomia, n.º 16, abril de 2002, p. 16.

Disponível:<http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/90

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 146: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

146

250622101470717765679/isonomia16/isonomia16_06.pdf> Acesso

em: 09 maio 2005.

COSTA, Antônio Carlos. A saída é pela Democracia. In: O Globo, Rio de

Janeiro, 04 jun., 2005, Opinião, p. 07.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a

constituição dirigente. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

DENNINGER, Erhard. ‘Segurança, Diversidade e Solidariedade’ ao invés

de ‘Liberdade, Igualdade, Fraternidade’. In: Revista Brasileira de

Estudos Políticos, n.º 88, dez., 2003.

_____. ‘Security, Diversity, Solidarity’ instead of ‘Freedom, Equality,

Fraternity’. In: Constellations, v. 07, n.° 04, Oxford: Blackwell

Publishers Ltd., 2000.

_____. Diritti dell’uomo e legge fondamentale. Roma: G. Giappichelli

Editore, 1998, p. 75-93.

DUARTE, Fernanda; VIEIRA, José Ribas. (Orgs.). Teoria da Mudança

Constitucional. Sua Trajetória nos Estados Unidos e na Europa.

Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2005.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins

Fontes, 2002.

DYZENHAUS, David. Legality and Legitimacy. Oxford: Claredon Press,

1997.

FERRAJOLI, Luigi: Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. São

Paulo: RT, 2002.

_____. FERRAJOLI, Luigi. Pasado y futuro del Estado de Derecho. In:

CARBONELL, Miguel (Org.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid:

Trotta, 2002.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 147: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

147

FIGUEROA, Alfonso Garcia. La teoría del Derecho en tiempos del

constitucionalismo. In: CARBONELL, Miguel. (Org.).

Neoconstitucionalismo(s). 2ª. ed.. Madrid: Editorial Trotta, 2005.

FIORI, José Luís. Os moedeiros falsos. 5ª ed. Petrópolis: Editora Vozes,

1998.

GARGARELLA, Roberto. La justicia frente al gobierno: sobre el

carácter contramayoritario del poder judicial. Barcelona: Ariel,

1996.

_____. Crítica de la constitución: sus zonas oscuras. Buenos Aires:

Capital Intelectual, 2004.

GOMES, Luiz Flávio. Direito penal do inimigo. Disponível em:

<http://www.ultimainstancia.com.br/noticias/ler_noticia.php?idNotici

a=5232>. Acesso em: 15 março 2005.

_____. Críticas à tese do direito penal do inimigo. Disponível em:

<http://www.ultimainstancia.com.br/noticias/ler_noticia.php?idNotici

a=5504>. Acesso em: 15 março 2005.

GÓMEZ, José Maria. Direitos Humanos, Desenvolvimento e Democracia

na América Latina. In: Praia Vermelha: estudos de política e

teoria social. n.º 11. segundo semestre Rio de Janeiro: UFRJ,

Escola de Serviço Social, Programa de Pós-Graduação, 2004, p.

70/95.

GOYARD-FABRE, Simone, Os Princípios Filosóficos do Direito

Político Moderno. Martins Fontes: São Paulo, 2002.

GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988:

interpretação e crítica. 9ª ed. revista e atualizada. São Paulo:

Malheiros, 1990.

GRIFFIN, Stephen. American constitutionalism: from theory to

politics. New Jersey: Princeton University Press, 1998.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 148: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

148

_____. Has the hour of democracy come round at last? The new

critique of judicial review. Disponível em:

<http://www.law.umn.edu/constcom/v17n3.htm> Acesso em: 14

junho 2005.

_____. Constitutional Theory Transformed. In: Yale Law Journal, v. 108,

1999, p. 2115/2163.

GROSS, Oren. What “Emergency” Regime?. In: Constellattions, v. 13,

n.º 01, 2006, p. 74/88.

GÜNTHER, Klaus. World Citizens between Freedom and Security. In:

Constellations, v. 12, n.º 03, Oxford: Blackwell Publishing LTD.,

2005, p. 379/391.

HÄBERLE, Peter. Pluralismo y Constitución: estudios de Teoría

Constitucional de la sociedade abierta. Tecnos, 2002.

_____. Libertad, igualdad, fraternidad: 1789 como historia, actualidad

y futuro del Estado constitucional. Madrid: Trotta, 1998.

_____. Hermenêutica constitucional – a sociedade aberta dos

intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação

pluralista e ‘procedimental’ da Constituição. Tradução Gilmar F.

Mendes. Porto Alegre: Safe, 1997.

_____. Teoría de la constitución como ciencia de la cultura. Tradução

Emílio Mikunda. Madrid: Tecnos, 2000.

HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e

validade. v. I. Tradução Flávio Beno Siebeneichler. 2ª ed. Rio de

Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

_____. Remarks on Erhard Denninger’s triad of diversity, security and

solidarity. In: Constellations, v. 07, n.º 04, 2000, pp. 524 e ss.

_____. Três modelos normativos de democracia. In: Lua Nova, n.º 36,

1995, pp. 39/53.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 149: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

149

HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Império. 6ª ed. Trad. Berilo Vargas.

Rio de Janeiro: Record, 2004.

_____. Multitude: war and democracy in the age of Empire. New York:

Penguin Press, 2004.

HARTMANN, Martin; HONNETH, Axel. Paradoxes of Capitalism. In:

Constellations, v. 13, n.º 01, 2006, pp 41/58.

HARVEY, David. A Brief History of Neoliberalism. New York: Oxford

University Press, 2005.

HELD, David, MCGREW, Anthony. Prós e contras da globalização. Rio

de Janeiro: Jorge Zahar: 2001.

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar

Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.

HESSE, Konrad. Constitución y Derecho Constitucional. In: Manual de

derecho constitucional. Madrid/Barcelona: Marcial Pons, 2001. p.

91-92.

HOBBES, Thomas. Leviatã: ou matéria, forma e poder de um estado

eclesiástico e civil. São Paulo: Martin Claret, 2004.

HORTA, Raul Machado. Permanência, Mutações e Mudança

Constitucional. Disponível em: http://www.tce.mg.gov.br/revista.

Acesso em: 14 junho 2005.

HUQ, Aziz. Uncertain Law in Uncertain times: Emergency Powers and

Lessons from South Ásia. In: Constellations, v. 13, n.º 01, 2006, p.

89/107.

JACONBSON, Arthur J.; SCHILINK, Bernhard (Orgs.). Weimar: A

jurisprudence of crisis. Tradução Belinda Cooper e outros.

Berkeley: University of California Press, 2002.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 150: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

150

JAKAB, András. German Constitutional Law on State of Emergency –

Paradigms and Dilemmas of a Traditional (Continental) Discourse.

In: German Law Journal, v. 07, n.º 05, mai., 2006, p. 453/478.

LAZAR, Nomi Claire. Making emergencies safe for democracy: the romam

dictatorship and de rule of law in the study of crisis government. In:

Constellations, v. 13, n.º 4, 2006, p. 506-521.

LEVI, Lucio. Verbete Regime Político. In: BOBBIO, Norberto;

MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfanco. Dicionário de

política. 5ª ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000, v.

2, p. 1081/1084.

KÄGI, Werner. La Constitución como ordenamiento jurídico

fundamental del estado: Ivestigaciones sobre las tendencias

desarrolladas en el moderno Derecho Constitucional. Tradução

Sergio Díaz Ricci e Juan José Reyven. Madrid: Dykinson, 2005.

KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 3ª ed. 2ª tiragem.

São Paulo: Martins Fontes, 2000.

LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. 4ª ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 1998.

LEVINSON, Sanford. Preserving Constitutional Norms in Times of

Permanent Emergencies. In: Constellattions, v. 13, n.º 01, 2006,

p. 59/73.

LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o governo civil. In: Dois tratados

sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

LOSURDO, Domenico. Democracia ou Bonapartismo. Rio de Janeiro:

Editora UFRJ; São Paulo: Editora UNESP, 2004.

MAIA, Antônio Cavalcanti. Diversidade cultural, identidade nacional

brasileira e patriotismo constitucional. Disponível em:

<www.casaruibarbosa.gov.br>. Acesso em: 18 abril 2006.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 151: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

151

_____. Prefácio: teoria constitucional e reflexão jusfilosófica. In: SOUZA

NETO, Cláudio Pereira de. Jurisdição Constitucional,

Democracia e Racionalidade Prática. Rio de Janeiro: Renovar,

2002.

_____; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Os Princípios de Direito e as

perspectivas de Perelman, Dworkin e Alexy. In: PEIXINHO, Manuel

Messias. et. al. (Org.). Os princípios da Constituição de 1988.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

MADARASZ, Norman. O Estado de exceção e de segurança. Aula

inaugural dos Programas de Pós-Graduação em Direito e em

Filosofia proferida no dia 29 de março de 2005, na Universidade

Gama Filho. Mimeo.

MATTEUCCI, Nicola. Verbete Constitucionalismo. In: BOBBIO, Norberto

et alli. Dicionário de Política. Trad. Carmem C. Varriale et. alli. 5ª

ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004, pp. 246/258.

MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade: o papel da

atividade jurisprudencial na ‘sociedade órfã’. In: Novos Estudos

Cebrap, n.º 58, p. 183/202, nov., 2000.

MAUS, Ingeborg. From nation-state to global state, or the decline os

democracy. In: Constellations, v. 13, n.º 4, 2006, pp. 465-484.

MELO, Carolina de Campos. Reconhecimento/Redistribuição: Por Uma

Nova Teoria da Justiça. In: MAIA, Antonio Cavalcanti. et alli.

(Orgs.). Perspectivas Atuais da Filosofia do Direito. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2005.

MELLO, Cláudio Ari. Democracia Constitucional e Direitos

Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

MORAES, Maria Celina Bodin de. Princípio da solidariedade. In:

PEIXINHO, Manoel Messias. et al. (Orgs.). Os princípios da

constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p.

167/190.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 152: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

152

MONTERO, Alfred P.. From democracy to development: the political

economy of post-neoliberal reform in Latin America. In: Latin

American Research Review. v. 40. n.º 2, 2005, p. 253-267.

MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre:

Sulina, 2005.

MÜLLER, Friedrich. Métodos de Trabalho de Direito Constitucional.

Tradução Peter Naumann. 3ª ed. revista e ampliada. Rio de

Janeiro: Editora Renovar, 2005.

NEGREIROS, Teresa. A dicotomia público-privado frente ao problema da

colisão de princípios. In: TORRES, Ricardo Lobo (Org.). Teoria

dos direitos fundamentais. 2ª. ed., Rio de Janeiro: Renovar,

2001.

NEGRI, Antonio. Cinco lições sobre Império. Rio de Janeiro: DP&A,

2003.

NETO, Otavio Amorin; SANTOS, Fabiano. A produção legislativa do

Congresso: entre a paróquia e a nação. In: VIANNA, Luiz Werneck

(Org.). A democracia e os três poderes no Brasil. 1ª

reimpressão. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003, pp. 91/139.

OLIVEIRA, Francisco. Crítica à razão dualista e o ornitorrinco. São

Paulo: Editora Boitempo, 2003.

_____. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir e GENTILI, Pablo

(Org.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado

Democrático. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1995, pp. 24/29.

PAULANI, Leda. O neoliberalismo não era o único caminho. In: O Globo,

Rio de Janeiro, 05 jun., 2005, Economia, p. 38. Entrevista.

PESSANHA, Charles. O Poder Executivo e o processo legisltivo nas

constituições brasileiras. In: VIANNA, Luiz Werneck (Org.). A

democracia e os três poderes no Brasil. 1ª reimpressão. Belo

Horizonte: Editora UFMG, 2003, pp. 141/195.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 153: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

153

PLASTINO, Carlos Alberto. Soberanias, erotismo e criatividade. In: ARÁN,

M. (Coord.). Soberanias. Rio de Janeiro: Contra-Capa, 2003.

_____. Corpo, Afeto, Linguagem: a questão do sentido hoje. In:

PLASTINO, Carlos Alberto e BEZERRA JR., Benilton, (Orgs.).

Sentido e Complexidade. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001,

p.

POSNER, Richard A. Foreword: a Political Court. In: Harvard Law

Review, v. 119, n.º 01, nov., 2005.

RANGEL, Paulo Castro: Diversidade, Solidariedade e Segurança (notas

em redor de um novo programa constitucional). In: Revista da

Ordem dos Advogados Portugueses, ano 62, dez., 2002.

Disponível:<http://www.oa.pt/genericos/detalheArtigo.asp?ida=1688

7>. Acesso em: 17 março 2005.

RAWLS, John. O liberalismo político. 2ª ed. 2ª impressão. São Paulo:

Ática, 2000.

ROACH, Kent. Dialogue or defiance: Legislative reversals of Supreme

Court decisions in Canada and the United States. In: International

journal of constitutional law, v. 04, n.º 02, 2006.

ROSENFELD, Michael. American Constitutionalism Confronts Denninger’s

New Constitutional Paradigm. In: Constellations, v. 07, n.° 04,

Oxford: Blackwell Publishers Ltd., 2000.

ROSSITER, Clinton. Constitutional Dictatorship: Crisis government in

the modern democracies. 3ª ed. New Jersey: Transaction

Publishers, 2005.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo: Martin

Claret, 2004.

_____. O contrato social. 3ª. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1996.

SANTOS, Boaventura de Sousa; AVRITZER, Leonardo. Para ampliar o

cânone democrático. In: SANTOS, Boaventura de Sousa. (Org.).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 154: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

154

Democratizar a Democracia - Os Caminhos da Democracia

Participativa. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2002,

p. 39/82.

_____. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez, 2003.

_____. La transición postmoderna: derecho y política. In: Doxa:

Cuadernos de Filosofía del Derecho, n.º 6, 1989, pp. 223-263.

Disponível:<http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/01

361620813462839088024/index.htm> Acesso em: 18 out. 2005.

SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio

de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

SCHEPPELE, Kim Lane. North American emergencies: the use of

emergency powers in Canada and the United States. In:

International Journal of Constitutional Law, v. 4, n.º 02, 2006.

SCHEUERMAN, William. E.. Between the norma and the exception: the

frankfurt school and the rule of law. Cambridge, Massachusetts;

London, England: MIT Press, 1994.

SCHMITT, Carl. Teologia Política. Tradução Elisete Antoniuk. Belo

Horizonte: Del Rey: 2006.

_____. Teoria de la constitución. Madrid: Alianza Editorial, 1992.

_____. La defesa de la constitución: estudio acerca de las diversas

especies y possibilidades de salvaguarda de la constitución.

Tradução Manuel Sanchez Sarto. Madrid: Editorial Tecnos, 1983.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18ª

ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.

SOARES, Marcos Antônio Striquer. Características do Presidencialismo

no Brasil e Fragilidade Democrática: dificuldades de controle do

Presidente da República no Brasil. In: Semina Revista Cultural e

Científica da Universidade Estadual de Londrina: Ciências

Sociais e Humana, Londrina, v. 24, set., 2003, p. 01/24.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 155: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

155

SOUZA JÚNIOR, Antonio Umberto de. O Supremo Tribunal Federal e

as questões políticas. Porto Alegre: Síntese, 2004.

STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: uma

nova crítica do direito. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

SUNSTEIN, Cass R.. Analista vê salto à direita no Supremo. In: Folha de

São Paulo, São Paulo, 02 fev. 2006, Mundo, p. A14, Entrevista.

TILLY, Charles. Coerção, capital e estados eutorpeus. São Paulo:

EDUSP, 1996.

TOURAINE, Alain. Crítica da Modernidade. 7ª ed. Petrópolis: Vozes,

2002.

TRIBE, Laurence; GUDRIDGE, Patrick O. The Anti-Emergency

Constitution. In: The Yale Law Journal, v. 113, n.º 08, 2004, p.

1801/1870.

VELASCO ARROYO, Juan Carlos. Para ler Habermas. Madrid: Alianza

Editorial, 2003.

VIANO, Emilio. Medidas extraordinarias para tiempos extraordinarios:

política criminal tras el 11.09.2001. In: Revista Brasileira de

Ciências Criminais, n.º 52, São Paulo: RT, 2005.

VIEIRA, José Ribas. (Org.). Temas de constitucionalismo e

democracia. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

_____. (Org.). Perspectivas da Teoria Constitucional Contemporânea.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

_____. (Org.). Da vontade do legislador ao ativismo judicial: os impasses

da jurisdição constitucional. In: Revista de Informação

Legislativa, n.º 160, out/dez., 2003, p. 223-243. Disponível em:

http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/principal.htm. Acesso em:

17 out. 2006.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB
Page 156: Paulo Roberto dos Santos Corval EXCEÇÃO PERMANENTE … · 2013-01-30 · A todos os funcionários do Departamento, especialmente ao Anderson e a Carmen. Sem a ajuda e disponibilidade

156

_____. O autoritarismo e a ordem constitucional no Brasil. Rio de

Janeiro: Renovar, 1988.

VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal: Jurisprudência

Política. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

_____. A Constituição e sua reserva de justiça (um ensaio sobre os

limites materiais ao poder de reforma). São Paulo: Malheiros,

1999.

WILSON, Richard Ashby. (Org.). Human Rights in the “war on terror”.

Cambridge: Cambridge University Press, 2006.

WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo: a renovação

do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003.

ZAGREBELSKY, Gustavo. História y Constitución. Trad. Miguel

Carbonell. Madrid: Minima Trotta, 2005.

_____. El derecho dúctil. Ley, Derechos, Justiça. Trad. Marina

Gasarón. Madrid: Editorial Trotta, 1995.

ZIZEK, Slavoj. Bem-vindo ao deserto do real: cinco ensaios sobre o

11 de setembro e datas relacionadas. 1ª reimpressão. Tradução

Paulo Cezar Castanheira. São Paulo: Boitempo, 2005.

ZUCKERMAN, Ian. One law for War anda Peace? Judicial Review and

emergency powers beween the norm and the exception. In:

Constellations, v. 13, n.º 4, 2006, p. 522-545.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0510783/CB