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OS SEGREDOS DO GOLGOTA - Visionvox€¦ · Web viewMelhor ainda, Clemente de Alexandria, discípulo de Pantenio, que era por sua vez um discípulo imediato do apóstolo Marcos (portanto,

Jul 08, 2020

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ROBERT AMBELAIN

OS SEGREDOS DO GÓLGOTA

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ÍNDICE

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Introdução

PRIMEIRA PARTE : OS ZELOTES

Os zelotes. Origem do movimento. As sucessivas insurreições. O testemunho dos manuscritos do

mar Morto.

Os filhos de Aarão. O duplo poder entre os zelotes. A verdade sobre Zacarias.

Os filhos de David. Os irmãos e lugares-tenentes de Jesus. Os que continuaram a luta contra

Roma, e os que desertaram.

Ezequías-har-Gamala. O antepassado de Jesus. Suas operações contra Síria. É capturado e

mandado crucificar por Herodes, o Grande.

Juda-har-Gamala. Filho de Ezequias, pai de Jesus. O que se sabe dele. Sua morte no curso da

Revolução do Censo, no ano 6.

Os irmãos Santiago. Sobre a incerteza reinante no que concerne a seu posto dentro da família

davídica. Sua morte na Palestina e em Jerusalém. A mistificação de Santiago de Compostela.

André, aliás Eleazar, aliás Lázaro. Irmão de Simão-Pedro e, portanto, de Jesus. Relacionado com

um "tema de ressurreição".

A ressurreição de Lázaro. Sobre a dúvida de tal milagre, ignorado por Mateus, Marcos, Lucas e

Paulo. Possível explicação.

Judas-bar-Judas, o irmão gêmeo de Jesus, aliás Tomás, aliás Lebeo, aliás Tadeu. O procurador

Cuspio Fado o manda decapitar.

Felipe. É dos que abandonaram o movimento depois da morte de Jesus. O que a história ignora

dele.

Mateus. É dos que desertam do movimento. Provavelmente tio de Jesus, possivelmente pai de

João da Gischala, outro chefe zelote que destacará durante o assédio de Jerusalém.

Bartolomeu, aliás Bar-Thalmai. Executado por ordem do procurador Cuspio Fado, depois de sua

captura em Iduméia.

Iochanan ou João o Evangelista. Também irmão de Jesus. Não esteve jamais em Roma, mas foi o

chefe religioso dos zelotes. Morreu em Jerusalém ao mesmo tempo que Santiago o Menor.

As "línguas de fogo" do Pentecostes. O que foi em realidade o "dom de línguas". Significado

psiquiátrico da "glossolalia". O que era o ritual de Tikun Chabouth.

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Menahem, o "consolador" anunciado por Jesus. Neto de Judas da Gamala, toma Massada, logo

Jerusalém, faz-se proclamar rei, cai em uma tirania sangrenta e por último é executado pelos

israelitas.

Simão-bar-Cleofás. Descendente de David também, é crucificado em Jerusalém depois de um

novo levantamento.

Simão-bar-Kokheba. Chamado o "filho da estrela", apoiado pelo Rabbi Skiba, desencadeia a

grande revolução do ano 135. A princípio obtém a vitória, mas logo é esmagado pelas legiões

romanas, e será o responsável pelo fim de Jerusalém como nação.

Maria, mãe de Jesus. Sua genealogia. Suas dúvidas referentes à divindade de seu filho

suscitaram a criação do personagem imaginário de Maria de Magdala. Morreu também em

Jerusalém.

As grandes famílias: asmonea, davídica, herodiana, disputam o trono de Israel. A meio-irmã de

Maria mãe de Jesus não é outra que Mariamna II, aliás Cleópatra de Jerusalém, novena esposa

de Herodes o Grande. Seus complôs e seu final.

O verdadeiro Herodes Filipo II: Lysanias, meio-irmão de Salomé II e seu marido real. O por que do

embrulho criado pelos monges copistas.

SEGUNDA PARTE : OS SEGREDOS DO GÓLGOTA

Jesus-bar-Juda. Como se censurou a Tácito, Suetonio e Flavio Josefo, para melhor sustentar a

lenda de um deus encarnado.

Jesus-Barrabás. Impossibilidade de uma substituição penal em Jerusalém naquela época. Por que

se criou esse personagem imaginário, destinado a mascarar a atividade zelote de Jesus.

O crime do Templo. O caminho de Jericó à Jerusalém. O ataque dos mercados e dos peregrinos.

A maquiagem das palavras nos relatos iniciais.

A verdade sobre a Paixão. Impossibilidade da farsa da zombaria, contrária às leis romanas, e sua

explicação; os fatos reais sobre os quais se abordou ulteriormente.

O segredo de Simão de Cirene. Uma controvérsia discreta entre os exegetas dos primeiros

séculos. O que mascarava essa discussão.

A evasão de Jesus. Capturado seis semanas antes de Pascal, evadido com o acordo tácito de

Pilatos, revolta a Samaria. É capturado de novo em Lydda e devolvido à Jerusalém, onde é

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crucificado.

Duas quedas em desgraça bastante misteriosas. Pilatos é denunciado pelos saduceus por ter

permitido a evasão de Jesus e, por conseguinte, a revolução dos samaritanos. É exilado à Vienne,

onde morre. Por sua vez, Herodes Antipas é também exilado à Vienne. Motivos reais.

Quando morreu Jesus? Por que são errôneos os dados avançados pelos exegetas oficiais. Como

calcular exatamente o dia e o ano da morte de Jesus.

O mistério da tumba. Teve Jesus o privilégio de contar com uma tumba ritual, ou foi arrojado à

fossa da infâmia, como todos os condenados à morte?

Sobre a incineração do cadáver de Jesus em Makron, Samaria, em 1 de agosto de 362, por

ordem do imperador Juliano. Impossibilidade de que se tratasse de João, o Batista.

Ressuscitados da sexta-feira santa. Impossibilidade de admitir tal conto. Tratava-se de

combatentes zelotes ocultos no cemitério ritual do Monte das Oliveiras.

A sombra de Tibério. Por que o imperador pensava fazer de Jesus um tetrarca, ou inclusive um rei

de Israel. Jesus era um peão em sua estratégia contra os partos.

Aos mortos da Massada

Reprova-me que, de vez em quando, entretenha-me com Tasso, Dante e Ariosto. Mas é que não

sabem que sua leitura é a deliciosa beberagem que me ajuda a digerir a grosseira substância dos

estúpidos Doutores da Igreja? É que não sabem que esses poetas me proporcionam brilhantes

cores, com ajuda dos quais suporto os absurdos da religião? ...

BENEDICTO XIV, Papa

Resposta ao R.P. Montfaucon (1)

Introdução

Um iniciado pode ser o instrumento de uma fatalidade assassina, cujo fim escapa a nossa

compreensão...

MAURICE MAGRE, Priscilla d'Alexandrie

No recinto do Templo reservado aos homens, os judeus piedosos se reuniram já, voltados

para o este, com a cabeça coberta pelo taleth, com os tephilim em mão, a ponto de salmodiar a

oração ritual logo que despontasse o sol: "Louvado seja, Oh Eterno, nosso Deus, Rei do Universo,

Você que criou a luz e conservou as trevas... Louvado seja, Oh Eterno, nosso Deus, Rei do

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Universo, que deu ao galo a inteligência para distinguir o dia da escuridão ..."

Na noite escura do último dia de Nisán, o escuro veludo azul do céu estava salpicado

ainda por mil diamantes. No poente, mais escuro, declinavam as estrelas de Khus, o Arqueiro,

enquanto que no levante, mais claro já, viam-se ascender pouco a pouco as de Ab Menkhir, a

Baleia. Foi então quando o grande galo solitário do Templo, o único tolerado na Cidade Santa, e

ao que alimentavam com trigo as mãos frágeis das filhas dos cohanim, aquele ao que chamavam

o Avisador, aquele galo cantou, advertindo deste modo aos levita de guarda da saída do sol.

Então, de toda a cidadela Antonia se elevou um clamor ritmado. A coorte da Legião I,

formada em quadrados atrás de sua águia e seus pendões, e conforme era costume em Síria,

saudava a aparição do sol, e os veteranos, com o braço direito levantado, de cara ao astro rei,

repetiam a tripla saudação ao "sol invictus". Não era acaso ele, sob o nome de Mitra, quem partia

invisivelmente a cabeça deles, assegurando assim a glória de Roma em todos os combates? (2)

Com tonalidades amareladas, amarantáceas e alaranjadas a crescente luz alagava o

horizonte em amplos mantos paralelos e ascendentes, e Jerusalém, como respondendo à

chamada do profeta: "recuperava sua luz ..." (3) Logo chegaria a alvorada; o frescor noturno

desvanecia-se progressivamente, e mil aromas diversos se misturavam ao desejo da brisa e de

suas mudanças de humor, jogando como um gatinho jovem por ruelas e encruzilhadas. Ao aroma

de metzo, ferik, rechta ou difna, que coziam lentamente da véspera no forno das famílias ricas

(pois Judéia sofria o açoite da fome), acrescentava-se o aroma, algo ácido, da intimidade das

mansões que ao fim tornaram-se a abrir ao exterior, e também o perfume de ervas aromáticas

procedentes dos bosques próximos. Nos abrigos das velhas dependências do exterior da cidade,

sacudindo-se de sua pelagem poeirenta o frescor da noite passada, os pequenos asnos cinzas

sopravam sob os primeiros raios de sol, liberando o acre vapor de suas camas de palha. E aqui,

dominando tudo, flutuava esse poderoso aroma, formado pelo suor, o couro e as armas

engraxadas, que acompanham em qualquer parte aos soldados.

Os cavaleiros do I Augusto estavam, efetivamente, ali, fiéis à terra, completamente

silenciosos, na cabeça de suas guarnições alinhadas ao longo dos fossos de defesa. Atrás deles,

à sombra rosa e ocre das fortificações muradas, estava totalmente aberto à porta de Damasco,

que eles jamais franquearam montados em suas cavalgaduras, dado que a entrada à Cidade

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Santa estava vedada aos cavalos, tanto por respeito aos costumes religiosos judaicos, como por

sua inutilidade em uma cidade tão acidentada como Jerusalém. E a asa legionária, acampada

muito perto da cidade, acudira simplesmente ao encontro do tribuno de cavalaria, seu chefe, que

aconchegou-se no palácio do procurador, em uma operação preliminar a uma mudança de

guarnição.

Os homens e seus chefes foram equipados exatamente igual à seus companheiros fiéis.

Um grande escudo oblongo cobria o flanco esquerdo do cavalo, a longa espada regulamentar

pendia da cela ao mesmo lado. A sua direita o legionário conservava a adaga curta e larga. Mas

além da lança dos legionários fiéis, este levava em bandoleira um aljava de couro com três flechas

de ferro cortante como uma navalha de barbear.

Separado deles, perto de um grupo de oficiais silenciosos, o Tribuno de Cavalaria ia e

vinha lentamente: parecia estar esperando algo. De repente ouviram os passos de uma pequena

tropa armada, chocando-se contra as pedras do caminho, e pouco depois apareceram, à luz do

amanhecer, uma trintena de homens. Era o destacamento explorador que o Tribuno enviara em

vanguarda.

A cavalaria do I Augusto devia abandonar seu acampamento próximo à Jerusalém, onde

era de pouca utilidade em caso de distúrbios urbanos, para instalar-se em Cesaréia Marítima, nos

limites da planície do Saron, frente ao mar. E o Tribuno se alegrou de abandonar Jerusalém, essa

cidade de fanáticos, para encontrar-se de novo com a tranqüilidade das guarnições romanas e

também com os corpos quentes e mórbidos das cortesãs iduméias. Porque os quadros superiores

de Roma não tinha direito a levar consigo a suas esposas aos territórios de ultramar; o império

temia, e com razão, que o clima, ao que as sensuais romanas resistiam bem pouco, e as

influências sobre o caráter, abrandassem às guarnições legionárias.

Não obstante, antes de empreender a marcha, à alvorada, pelo caminho sinuoso que

descendia através do vale do Terebinto, ainda meio escuro, e no que tanto cavaleiros como

cavalos constituíam uns alvos ideais para os arqueiros da dissidência judia, o tribuno de cavalaria

mandou um destacamento a efetuar um reconhecimento até uma certa distância. Depois, uma vez

o sol estivesse no alto, a asa legionária cavalgaria por um terreno descoberto, onde estaria em

condições de responder a qualquer emboscada, e de castigar severamente a seus eventuais

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agressores.

O centurião que estava ao mando das três decúrias de exploradores, reordenou as filas,

ordenou o alto, e logo, rígido sob sua capa escarlate, com o braço direito levantado, saudou o

magistrado militar:

- Centurião, como está o caminho?

- Tranqüilo e seco, tribuno ...

Nessas regiões mediterrâneas, bastante baixas de latitude, as auroras e os crepúsculos

são muito curtos. E o sol nascente já começava a lançar seus brilhos pelo horizonte, irradiando

uma nova luz que abraçava com seus raios as avermelhadas muralhas da antiga cidade de Adoni

Tsedek.

No alto, dominando a Cidade Santa, o ouro e o cobre vermelho do teto e das gigantescas

portas do novo Templo lançavam um insuportável e deslumbrante fulgor. E sob o ligeiro calor que

insidiosamente se deixava sentir, a brisa de repente levou um aroma ao mesmo tempo adocicado

e nauseabundo.

Farejando esse ligeiro vento com um gesto de asco, o tribuno se dirigiu lentamente para o

ângulo do recinto novo, de onde podiam distinguir-se, ao longe, as massas da torre Psephinos.

Entre esta e a porta de Damasco se elevava um montículo que os judeus chamavam Gólgota,

uma palavra hebréia que significa crânio. Segundo uma de suas inverossímeis lendas, era ali

onde repousava o corpo incorruptível de Adão, e era precisamente o crânio deste o que estava

revestido pela terra daquela colina estéril. Calva como um lugar maldito pelo céu e pelos homens,

a colina tinha, tanto de dia como de noite, um aspecto sinistro. Ali era onde, de dia, precipitavam-

se em busca de pasto os corvos e abutres. Ali era onde, de noite, rondavam com o mesmo fim o

chacal e a hiena. Pois assim é o destino dos lugares de execução, que faz que a morte alimente à

vida.

No topo do monte calvo se erguiam alguns postes patíbulos, que pareciam esperar sua

sinistra travessa, e também duas cruzes completas, recortando-se sobre o céu claro da Judéia. O

tribuno de cavalaria, seguido por alguns oficiais, aproximou-se lentamente, e, ao chegar a curta

distância, deteve-se e olhou.

Nas cruzes havia dois crucificados. Estavam mortos. E possivelmente já da antevéspera.

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Mas longe estavam já os tempos em que Roma, em sua tolerância religiosa, permitia às famílias

dos condenados a morte não escravos que descessem do ignominioso patíbulo o cadáver do ser

querido antes do pôr-do-sol, para, segundo a lei judia, "não manchar a terra Santa de Israel". (4)

Por isso era que, apoiados sobre sua lança, com o nariz tampado por sua capa de sua

classe marrom, alguns soldados da III Cyrenaica, embora lhes revolvesse o estômago, montavam

um guarda, apesar de tudo vigilante, frente à Gólgota. E é que, por ordem do Tibério Alexandre,

os corpos tinham que permanecer nas cruzes patíbulas até que a putrefação e os rapazes

levassem a termo sua ação natural. Assim, conforme tinha declarado o procurador, já não se veria

renascer jamais aquela absurda lenda que tinha seguido à execução de Jesus, o "rei dos judeus",

filho primogênito de Judas o Galileu, e crucificado quatorze anos antes, em tempos do procurador

Poncio Pilatos. Porque seus faccionários, os zelotes, bem corrompendo ou embebedando à tropa

do Templo encarregada da vigilância da tumba, conseguiram apartar a laje sepulcral, recuperando

o cadáver, previamente embalsamado com mirra e aloés para este fim, e o levaram em segredo à

Samaria, onde os judeus não podiam penetrar nem efetuar pesquisa alguma. Ali o tinham

inumado secretamente em uma tumba na aparência ocupada já por um tal Ioannes, ao que os

judeus chamavam o Batista. E logo seus seguidores afirmaram que ressuscitara.

Esta vez os criadores de lendas o deixariam francamente difícil, já que não havia muitas

possibilidades de que, ante os imundos despojos que ficassem fixados a cada um dos patíbulos,

pudessem montar semelhantes fantasias.

Cada uma das cruzes levava, atrás da cabeça do crucificado, uma placa em que se gravou

a fogo uma inscrição trilingüe. Na da esquerda podia ler-se: "Simão-bar-Judá, crimes e

banditismo". Na da direita inscrito: "Jacob-bar-Juda, chefe zelote, idem".

Complacente, o tribuno comentou para aqueles dos centuriões que não sabiam ler:

- O da esquerda é o famoso Simão, chamado também "a pedra"; era o irmão de Jesus, o

rei dos judeus, e lhe aconteceu como rival do Herodes Agripa, como pretendente ao trono de

Israel. O da direita é Jacobo, seu outro irmão, que ao final foi o preferido de suas bandas, mas sua

morte tampouco resolve nada, porque deixa um neto, Menahem... Enquanto Roma não tenha

aniquilado esta família, não teremos paz nestas regiões.

Silenciosos, envoltos em suas capas vermelhas, os centuriões contemplavam os corpos

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dos justiçados, pois a asa legionária aquartelada na Betânia não havia nem assistido nem

participado da execução, já que lhe mantiveram em reserva para o caso de que se produzissem

possíveis distúrbios. Ao redor das duas cruzes, manchadas pela urina e os excrementos dos

condenados, formavam redemoinhos se enxames de moscas zumbindo. E o tribuno de cavalaria,

por sua parte, revivia a espantosa cena dessa dupla crucificação.

Naquela manhã, muito cedo, a turma de guarda na cidadela Antonia arrojou as notas de

congregação geral, notas repetidas pelos outros diversos aquartelamentos. Pouco depois, as

grades de Antonia abriu-se ao alto da dupla escada de pedra, e apareceram, em filas apertadas,

os manípulos. Os homens foram em equipe de assalto, levando unicamente a espada curta e o

pilum ou lança, e o escudo ao braço esquerdo. Tomaram a direção do Gólgota, lugar incomum

das execuções, para o que convergiam deste modo todos os outros destacamentos. Centúria

atrás centúria, o som rítmico de seus passos sobre o pavimento tinha congregado pelas ruelas e

detrás das janelas às multidões judias de todos os bairros próximos, silenciosas e graves.

Formados em quadrado, os dois terços da coorte dos veteranos colocaram-se ao redor da

fúnebre colina, dando-lhe as costas e fazendo frente à multidão, mantida a respeitosa distância.

De Antonia à Gólgota as tropas ordinárias estavam cotovelo a cotovelo, apertando aos curiosos

contra as muralhas, e bloqueando em tripla fila àqueles que, em quantidades inumeráveis, vinham

amontoar-se pelas ruelas transversais. Esperaram longo momento. No intervalo, da cidadela tinha

saído uma carreta atirada por um escravo, escoltada por alguns legionários ligeiramente armados.

Na carreta havia dois braseiros, sacos de carvão de lenha, foles, e meia dúzia de flagra, espécie

de grandes maços, cuja manga de madeira se convertia em ferro no extremo superior e levava

quatro caixas com bolas de bronze e cujos anéis eram planos e oblongos. E um longo murmúrio

temeroso tinha deslocado então entre a multidão: "Os látegos de fogo... Os látegos de fogo...".

Uma vez chegados à Gólgota, os soldados que, segundo o costume romano, deviam

exercer o ofício de verdugos, dispuseram os braseiros, colocaram carvão, acenderam e atiçaram

o fogo com ajuda dos foles de couro. Quando o carvão já não era mais que brasas ardentes

inundaram nele as cadeias dos flagra, cuidando que as mangas de madeira não estivessem ao

alcance das faíscas acesas.

Bruscamente a multidão se agitou, e, voltando-se, os legionários a retiveram e a fizeram

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retroceder a golpes de escudo ou de mangas de pilum. Acabava de sair de Antonia um novo

cortejo.

Precedidos e emoldurados pelos homens de um manípulo completo, dois homens de idade

avançada caminhavam lentamente, com o torso nu. Tinham-lhes baixado as vestimentas até os

rins, e avançavam com os braços em cruz, atados a uma madeira que, à maneira de jugo,

repousava sobre seus ombros e sua nuca. Do pescoço de cada um deles pendurava uma prancha

que levava uma inscrição em latim, grego e hebreu: a que devia figurar atrás de suas cruzes.

Seus rostos estavam pálidos e marcados, envoltos por uma cabeleira e uma barba hirsutas, seus

olhos ardiam de febre, e de seus flancos palpitantes sobressaíam das costelas.

O curto trajeto de Antonia à Gólgota realizou-se, em um silêncio de morte, ao passo lento

dos condenados. Para dar maior solenidade à dupla execução, Tibério Alexandre tinha proibido o

habitual acompanhamento das chorosas. Ao pé da colina, o manípulo deteve-se sob uma ordem

breve, e só uns poucos soldados empurraram com suas lanças aos dois homens para o topo, ao

encontro com seus verdugos.

Primeiro despiram completamente aos condenados, logo lhes conduziram para o poste

vertical de sua futura cruz. Ali, de uma rasteira, fizeram-lhes cair de bruços, de cara contra a

madeira.

Sujeitaram-lhes fortemente a cintura com uma cadeia, e o pescoço com outra, os braços

seguiam atados à travessa que levavam em cima. Dois casais de verdugos tiraram, cada um, um

flagrum do fogo do braseiro e colocaram em ambos os lados de cada condenado. O situado à

esquerda devia golpear em primeiro lugar, e o outro devia seguir. Voltaram a cabeça e esperaram;

o centurião exactor mortis levantou a mão, e baixou-a. Os verdugos situados à esquerda

balançaram suas cadeias, ao vermelho branco, e, com toda sua força, golpearam os flancos dos

dois condenados. Um horrível alarido brotou do peito dos condenados, mas os verdugos, depois

de um breve lapso de tempo, arrancaram a carne viva dos flagra, e já os dos segundos

executantes batiam do outro lado, com o mesmo breve lapso de espera e o mesmo golpe para

sua extração da carne. E as elásticas e pesadas descargas de ferro vermelho vivo continuariam

abatendo-se com cadência, em meio aos gritos de sofrimento e de um aroma de carne

chamuscada, abrindo nos flancos e rins dos condenados longos sulcos negruscos, onde, como

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magras lágrimas, destilavam o soro e o sangue. A intervalos regulares voltavam a introduzir seus

flagra no fogo dos braseiros, e os recuperavam de novo quando estavam bem vermelhos.

A lei judia (que em matéria de castigo não utilizava mais que o látego de couro) limitava a

trinta e nove o número de chicotadas que um condenado podia receber. Mas a lei romana não

fixava nenhum limite no caso de uma condenação a morte. De todo modo, e a fim de que os

condenados não morressem sob os espantosos sofrimentos do flagra e padecessem

integralmente a crucificação que devia seguir, o exactor mortis responsável pela execução, ao ver

que um dos dois homens se desvaneceu, ordenou ao fim: "Satis..." (5). Os verdugos se detiveram,

mas não obstante um deles cruzou uma última vez as costas de sua vítima. O látego de videira do

centurião assobiou e lhe golpeou em pleno rosto. "Hei dito bastante ...", exclamou irado. O homem

se levou com a mão a sua cara tumefacta, e não pronunciou palavra.

Desataram aos condenados e os separaram dos postes.

A continuação desenvolveu-se como todas as crucificações. Fez-se beberem aos dois

homens a bebida calmante oferecida pelas mulheres de uma confraria judia que assistia aos

condenados a morte. Continuando, sem olhares, puseram-os de costas contra o chão, e a areia e

o cascalho sujo penetraram nas feridas supurantes, pelo próprio peso do corpo, fazendo estalar

as ampolas e arrancando longos gemidos dos dois desafortunados.

Simultaneamente cravaram os verdugos um grosso prego nas palmas de suas mãos, e os

dobraram a golpes de martelo, fazendo penetrar a cabeça dos pregos na carne dos dedos. Depois

levantaram cada homem, de maneira que a madeira ao qual assim parecia introduzira-se no oco

disposto para tal fim no poste patíbulo. Ataram-no todo em diagonal, e, para que o peso do corpo

não rasgasse a palma da mão, cravaram, sempre a martelada limpa, uma enorme espiga sob as

partes sexuais de cada homem, a fim de que suportasse a carga. E o fio do ângulo de semelhante

suporte, ao ferir o períneo, acrescentava ainda mais dor ao suplício do condenado. Por último, e

com ajuda de um novo prego para cada um, fixaram ambos os pés, fazendo ranger os ossos, e

logo desataram os antebraços das ligaduras anteriores. A fim de que os futuros cadáveres

pudessem ser atacados comodamente pelos animais carnívoros, seus pés estavam a menos de

dois palmos do chão.

A tudo isso terei que acrescentar que os membros inferiores e superiores dos dois

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rebeldes não foram previamente quebrados, sem dúvida para que os condenados

permanecessem mais tempo com vida. A sede, o calor, as moscas deveriam aumentar os dores

físicas, já terroríficas por si mesmos, pois o sangue e o soro que destilava as costas faziam que se

aderissem à rugosa madeira as feridas em carne viva. Continuava a febre.

Para o entardecer acenderam diante deles um abundante fogo de lenha, tanto para

iluminar o Gólgota para permitir aos legionários da legião siria (6) que se esquentassem no frio

das noites de Nisán. Além disso, e por prudência, outras duas tochas ardiam permanentemente

detrás das cruzes, no alto de umas varas plantadas no chão. E pouco a pouco, com a noite, as

mãos dos crucificados se crisparam ao redor das enormes pontas dos calvos, e os dedos, já

mortos, produziam o efeito de uma aranha encolhida sobre si mesmo. As cabeças pendiam sobre

o peito, e os corpos desabados, em ziguezague, causavam a impressão de uma suprema

renúncia à vida. Para os dois moribundos, que tremiam de febre e aos que a asfixia ganhava

pouco a pouco, cada hora equivalia a um dia, e cada dia a uma semana.

Apesar disso, pela segunda vez lhes negou uma morte piedosa e doce. Por volta do meio-

dia seguinte, obedecendo às ordens recebidas, o chefe da patrulha de controle deu uma ordem, e

um legionário de rosto curtido pela idade e as campanhas aproximou-se dos imóveis crucificados.

Fez deslizar-se e descer a ponta de seu pilum sob a axila direita e, apoiando-a, o soldado foi

encontrando o relevo das costelas. À altura de uma delas se deteve e, lentamente, introduziu sua

lança: da ferida fluiu um pouco de sangue. O agonizante estremeceu-se ligeiramente e voltou a

respirar. A seguir o legionário dirigiu-se à segunda cruz, e repetiu o processo. E assim o suplício

durou mais.

Timidamente, um centurião perguntou: "Tribuno, não foi a conseqüência do nascimento

dessa superstição judia sobre a pseudo-ressurreição daquele Jesus, por isso Tibério César

promulgou o decreto que castigava à pena capital aos que deslocassem a laje das tumbas para

tirar os cadáveres delas ...?".

O tribuno refletiu um instante: "Sem dúvida, provavelmente foi isso. Mas também para

evitar que os da seita de Hécate se apoderem dos despojos fúnebres que necessitam para suas

invocações maléficas ...".

Seguiu um silêncio. Logo, acompanhado por seus oficiais, o tribuno de cavalaria retornou

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sossegadamente à Porta de Damasco, onde esperavam os cavaleiros e cavalos, procedentes de

seus aquartelamentos de Betfage e Betânia. Fez um sinal a um centurião, ouviu-se uma breve

ordem, e todos montaram em suas cavalgaduras. Houve uma segunda ordem e, em silêncio, a

asa legionária ficou em movimento, ao passo, na claridade da manhã, com o único ruído dos

cascos de seus cavalos ou o tinido de suas armas.

O fogo da noite acabava de morrer em suas brasas ainda avermelhadas, e dos últimos

ramos com que o alimentaram se elevava ainda, às vezes, um magro fio de fumaça cheirosa e

azul, símbolo de uma doçura estranha a esses lugares, e que não chegava a cobrir o

nauseabundo aroma que chegava das cruzes patíbulas.

A certa distância, posados nos postes que ainda estavam livres, grasnaram um casal de

corvos, e logo alisaram suas plumas. Invisível, mas alegre, um grilo lançou desde sua minúscula

toca seu canto para o sol.

Então uma sombra vaga pareceu descer ante a luz. Em um vôo silencioso e elástico,

levantando com suas asas o pó amarelo do Gólgota, vários abutres abatiam-se pesadamente

sobre os crucificados. Os primeiros em chegar lançavam já para o abdômen, à maneira de seu

látego, seus pescoços largos e cortados terminados em um pescoço farpado e cortante. E com

raivosos grunhidos os abutres pinçavam nos cadáveres, afundando sua cabeça até o coração

mesmo das vísceras, salpicando-se mutuamente com as vísceras, e com sua plumagem já

manchada.

Os legionários sírios contemplavam tranqüilamente este terrível espetáculo, apoiados

negligentemente em seu pilum. E um deles, depois de ter bocejado de aborrecimento e de sono,

pronunciou o velho provérbio aramaico: "Esteja onde esteja a carniça, os abutres se reunirão em

volta dela ...".

Um pouco afastado, o decurião que estava ao mando do pequeno grupo de guarda se

voltou, com desprezo, e colocando sua mão por cima da viseira de seu quepe, contemplou o céu.

Altíssimo, sobre as nuvens, acabava de aparecer um vôo de cegonhas. Estas aves

brancas, em formação, batiam suas asas negras a um ritmo majestoso e regular, e se dirigiam por

volta do mar. Vinham de muito longe, de além das ruínas de Babilônia e de Persépolis, e logo que

começaram os dias de bonança, quando o clima era ainda temperado, empreenderam a fuga para

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evitar o tórrido verão dessas regiões.

O decurião seguia-as com o olhar, silencioso e grave. Era um grego, um dos últimos

descendentes dos bactríadas, destronados e dispersados antigamente pela invasão dos Sakas,

que desceram de uma parte longínqua da Ásia, e nunca pisaram no chão da Grécia. Oprimiu-lhe o

coração, com seu pesar. As cegonhas foram sobrevoar sua verdadeira pátria; elas atravessariam

possivelmente o céu de Hélade por cima de Corinto, ou, roçando a harmonia dórica do Partenon,

iriam aninhar no coração da Acrópoles pelo Pelargikon das nove portas que, como suprema

honra, os atenienses tinham batizado como a "Muralha das Cegonhas". E à manhã seguinte,

quando remontassem o vôo, iriam beber, sedentas, às águas proféticas do vale do Delfos.

Eram os símbolos viventes da Piedade e da Bondade no mundo antigo, e conheceriam,

sem compreendê-la e sem apreciá-la, uma paz que o decurião ainda não conhecera jamais, em

uma pátria ainda não manchada por dogmatismos limitados nem por fanatismos sanguinários, e

onde o pensamento do sábio permanecia livre e imortal.

Por orgulho ante seus homens, o bactríada se tragou as lágrimas que pugnavam por

aparecer em seus olhos, e, com seu pesar, seus lábios murmuraram, pensando nos formosos

pássaros que se perdiam no espaço, a saudação e o desejo da antiga Acaya: "Sede felizes ...".

Mas, devido à emoção daquele instante, não advertiu o fúnebre presságio. Com efeito, as

cegonhas voavam da mão direita à mão esquerda, e isso era o anúncio de desgraça para a terra

que acabavam de sobrevoar.

NOTAS COMPLEMENTARES

Para falar a verdade, os cavalos não estavam absolutamente proibidos na Cidade Santa,

embora o Deuteronômio (17, 16) precisa: "O rei não deverá multiplicar seus cavalos". Entretanto,

parece que sua circulação foi regulamentada e, sobretudo, proibida nos bairros próximos ao

Templo; isto era por causa de seus excrementos, que sujavam as sandálias de quão fiéis subiam

ao santuário. Por isso as quadras de Salomão (se é que se tratava realmente das quadras deste

rei, e não simplesmente das dos templários, coisa que em troca sim que é certa) foram

construídas nos limites do recinto sudeste da cidade, o mais longe possível do Templo, e

limítrofes com a Porta da Fonte, frente ao monte do Escândalo (veja-se plano de Jerusalém, cap.

27).

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Primeira parte - Os zelotes

Tudo está tirado de seus próprios autores! Para que necessitamos de outros testemunhos,

se já lhes contradizem bastante entre vós mesmos ...

Celso, Discurso verdadeiro

1 - Os zelotes

O mundo só será salvo, se o for, por insubmissos.

André Gide

Dá-se o nome de "discípulos" aos que estão submetidos a uma disciplina. Esta palavra

vem do latim disciplina, que significa regra, lei. Entre os judeus, esta disciplina é a Lei, a Torá. E

agora sabemos que os messianistas, os zelotes ou os sicários eram fanáticos da Lei. Queriam

instaurar em Israel uma teocracia em que não haveria mais rei que Deus, e não haveria Mestres,

a não ser juízes simplesmente. Rechaçavam rotundamente toda prestação de juramentos.

Releiamos os Evangelhos:

"Mas não lhes façam chamar rabbi, porque um só é seu Mestre..." (Mateus, 23, 8).

"Mas eu lhes digo que não jurem de maneira nenhuma (...) Seja sua palavra: sim, sim; não,

não; tudo o que sucede disto, do mal procede". (Mateus, 5, 34-37).

Pois bem, entre os manuscritos descobertos perto do mar Morto, nas grutas do Khirbet-

Qumran, encontra-se um "Manual de disciplina", espécie de ritual de uma estratégia militar

mesclada com ritos ocultos e cabalísticos. Nele se "ordena" o combate, como uma liturgia oculta,

os estandartes levam nome de anjos, que são ao mesmo tempo nomes de poder (como uma

cabala), e esse ritual de uma batalha ao mesmo tempo oculta e militar evoca indevidamente o

local de Jericó (Josué, 6, 5).

Se o depósito de Qumran se realizou para pôr os manuscritos portadores das Escrituras

sagradas em lugar seguro, é porque importantes distúrbios ameaçavam sua existência.

Essas Escrituras sagradas, compostas por manuscritos de diversas épocas antes de nossa

era, deveram gozar do privilégio de todas as Santas Escrituras entre os judeus. Expressam a

palavra divina, ou a dos profetas do Senhor. Seriam transcritas sobre peles de animais puros, com

a tinta ritual, por escribas especialistas. Se estes cometiam algum engano de transcrição,

detinham-se imediatamente, não podia efetuar-se nenhuma retificação (nem raspar),

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simplesmente se relegava o texto interrompido e imperfeito a um lugar especial, chamado ginnza,

junto com os quais lhe precederam, e voltava a começar a citada transcrição. Uma vez terminada,

seria objeto de uma espécie de veneração por parte dos fiéis da comunidade israelita. O leitor

seguiria o texto linha por linha, palavra por palavra, com ajuda de um instrumento especial, a "mão

da Torá". Esta consiste em uma vara de madeira preciosa, terminada em uma minúscula mão de

bronze, prata ou ouro.

Uma vez efetuado o depósito de Qumran, as Escrituras sagradas seriam envoltas

cuidadosamente em um pano de linho, e depositadas em vasilhas de terra cozida, no seio da

gruta. Tendo em conta o respeito imenso que testemunham os fiéis à tais Escrituras sagradas, é

inimaginável supor que para envolver tomassem qualquer trapo usado. Isso constituiria uma

autêntica mancha ritual para os manuscritos, que, assim profanados, fossem inutizáveis. Portanto,

o que se utilizaria para envolver os citados textos seriam peças de linho novo. Prática que, em

realidade, é universal neste campo.

Pois bem, em janeiro de 1951, no Instituto de Estudos Nucleares da Universidade de

Chicago, procedeu-se a uma análise dos elementos vegetais que formavam esse tecido, com

ajuda do "carbono 14". Este procedimento, descoberto pelo doutor W. Libby, é já clássico para as

investigações arqueológicas, e se apóia no seguinte princípio: todo ser vivo, vegetal ou animal,

absorve ao respirar "carbono 14", corpo radioativo que permanece no organismo inclusive depois

da morte do vegetal ou do animal. Mas o grau de radioatividade diminui de forma regular à medida

que o tempo passa, e esse grau pode medir-se. Ao apreciar desta maneira o resíduo, pode

estabelecer-se com uma considerável precisão a data em que a matéria orgânica (vegetal ou

animal) deixou de viver. Este método foi suficientemente controlado como para que já não fique

em dúvida seu valor.

E no que concerne às malhas novas que serviram para envolver os manuscritos do mar

Morto, quando foram postos em lugar seguro nas grutas de Khirbet-Qumran, o "carbono 14"

permite afirmar que o linho com o qual estão elaborados foi compilado 1917 anos antes do

experimento de Chicago. Deduzamos 1917 de 1951, e teremos o ano 34 de nossa era, data

média da crucificação de Jesus pelos romanos (7). Mas com o "carbono 14" há uma margem

possível de engano de meio século, antes ou depois dessa data. De modo que esses documentos

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puderam ser ocultos desde ano 15 antes de nossa era, aos 85 desta. Tenhamo-lo em conta.

Isto demonstra, não obstante, que posto em lugar seguro os manuscritos foi efetuado em

pleno período de distúrbios. Agora bem, os Evangelhos não nos falam nem da sangrenta

revolução do Censo, quando teve lugar o pretendido nascimento de Jesus em Presépio, nem de

uma revolução que coroasse o período em que foi crucificado em Jerusalém pelos romanos. E em

lugar de uma época bucólica, cheia de doçura e de paz, à beira do lago do Genezaret,

encontramo-nos historicamente inundados em uma das inumeráveis e sangrentas revoluções

judias. O leitor que estude a história do cristianismo nos livros piedosos continuará ignorando que

do ano 68 antes de nossa era ao ano 6 desta (a famosa Revolução do Censo, da qual não se fala

jamais) houve trinta e seis revoluções judias, que essas revoluções representam milhares de

judeus messianistas crucificados por Roma, cidades e povos incendiados e arrasados várias

vezes, campos desolados, rebanhos aniquilados e uma fome sangrenta. Esse leitor continuará

ignorando que se estabeleceram oficialmente governos judeus.

Entre o ano 66 e o 58 a.C., quer dizer, em oito anos, contam-se na Judéia vinte e seis

movimentos surgidos. E isso que as fontes que nos falam do tema emanam de Flavio Josefo,

partidário da colaboração com Roma, cujos manuscritos perderam-se e foram substituídos por

cópias dos séculos IX e XII de nossa era, efetuadas no fundo dos conventos pelos famosos

monges copistas.

Membros da dinastia asmonea, expulsos do poder por Pompeyo, arrastaram ao povo à

revolução oito vezes entre o ano 58 e o 27 a.C. Organizaram-se umas "guerrilhas" que tentavam

periodicamente golpes de força. No ano 43 a.C., Ezequías, pai de Judas da Gamala, de estirpe

real e davídica, já fazia tempo que perseguia às legiões romanas. No final o capturaram e

crucificaram. Costobaro (27 a.C.), Bagoas (6 a.C.), Judas da Gamala e Matthiatas (5 a.C.)

continuaram a luta contra Roma.

No ano 6 a.C. Levantou-se um governo federal judeu, frente aos estabelecidos por Roma,

que agrupavam por uma parte a Traconítide, a Batania e a Auranítide, por outra parte Galiléia e

Perea, e por último Judéia, Iduméia e Síria. Esse governo judeu é o de Simão em Jericó, do

pastor Athronge na Judéia e de Judas da Gamala, filho de Ezequías, em Séforis.

As legiões romanas esmagaram este último movimento, e dois mil patriotas judeus foram

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crucificados. Coponio, futuro procurador, aniquilou aos combatentes Galileus dentro do mesmo

Templo, onde se tinha entrincheirado. No curso desse combate foi onde pereceu Zacarias, pai do

futuro Batista, "entre o Templo e o Altar".

Finalmente, a cidade foi tomada, incendiada, e seus habitantes deportados e vendidos

como escravos (Cf. Alphonse Séché: Histoire de nation juive). Sem dúvida, Maria, seus filhos e

suas filhas escaparam a esta sorte mediante uma fuga organizada de antemão, já que voltaremos

a encontrá-los mais tarde, quando retornaram à Galiléia. Não é menos evidente que, quando o

imperador Juliano declararia mais tarde a São Cirilo de Alexandria, seu antigo condiscípulo, em

uma carta citada por este último: "O homem que foi crucificado por Poncio Pilatos era sujeito do

César, e vamos demonstrar...". (Cf. Cirilo de Alexandria: Contra Juliano), empregou o termo

servus, que significava escravo, ou obnoxius, que significa o mesmo, porque o termo de sujeito,

no sentido que lhe damos agora, traduziria-se por civis, cidadão. E, evidentemente, Jesus não era

cidadão romano!

Por conseguinte, os habitantes de Séforis se converteram todos em "escravos de César",

quer dizer, em servos e servas do Império romano, igual a todos os deportados. Este era o caso

de todos quão fugitivos foram então considerados como escravos contumazes. Cirilo de

Alexandria ressaltou a demonstração do imperador Juliano, a fim de não revelar essa condição.

Porque, com efeito, ela implicava a crucificação inevitável para Jesus e todos os seus, e mais

ainda quando à este caso se acrescentava o agravante de rebelião contra Roma. Mas naquela

época terei que fazer recair a responsabilidade da morte de Jesus sobre os desgraçados judeus.

Essa foi, provavelmente, uma das razões do segundo casamento de Maria, desta vez com o

misterioso Zebedeu. (8)

E essa condição de escravo contumaz, de deportado convertido em servo do Império, é-

nos confirmada pelo Comodiano de Gaza, o mais antigo poeta cristão, que viveu no século III, e

que nos declara que Jesus era "inferior", que pertencia a uma classe "abjeta" (em latim abjectus

significa rechaçado, e aplica-se a uma classe social, não a uma categoria moral), e precisa além

disso: "espécie de escravo" (cf. Comodiano: Carmen apologeticum).

Está muito claro. Jesus estava, pois, classificado pela polícia romana dentro da categoria

dos rebeldes contumazes, quer dizer, dos "escravos de César" em fuga, por ter escapado à

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deportação do ano 6.

Esta vida de guerrilheiros à margem da lei, tendo em conta as exigências da sobrevivência,

implicava por parte dos zelotes, indevidamente, requisições ou inclusive pilhagens. Por isso Flavio

Josefo, como bom fariseu aristocrata, julga-os com severidade:

"Quando Festo chegou à Judéia, encontrou-a destroçada por bandoleiros que incendiavam

e saqueavam todos os povos. Aqueles aos quais se chamava sicários -eram bandoleiros- fizeram-

se então muito numerosos. Serviam-se de adagas curtas, pouco mais ou menos da mesma

longitude que os acinaces persas, mas estavam curvados, como os que os romanos chamam

sicae, e com eles esses bandidos matavam muita gente, e a eles devem seu nome". (Flavio

Josefo: Antigüidades judaicas, XX, VIII. 10.)

Logo vem essa misteriosa revolução que o exame das malhas da gruta de Khirbet-Qumran

com a ajuda do "carbono 14" fez-nos descobrir providencialmente, e cujo relato - coisa curiosa-

desapareceu de todas as cópias dos autores antigos. Essas malhas datam aproximadamente dos

anos 32-34 de nossa era.

Abramos aqui um parêntese. Entre os numerosos documentos chamados "do mar Morto",

existem uns cilindros de cobre cujo texto hebreu pôde ser decifrado em 1456, em Grã-Bretanha,

pelo Wright Baker, na universidade de Manchester. São do século I de nossa era. Estão redigidos

em um dialeto coloquial, o de Michna, parte mais antiga do Talmud, e não em hebreu neoclássico.

Sabe-se (Dupont-Sommer em seus Manuscrits de mer Morte) que os zelotes estiveram

constituídos pela fração política militante dos essênios, dos quais por ultimo se separaram. Para

Cecil Roth, os homens de Qumran (lugar onde foram descobertos todas esses manuscritos) eram

zelotes. Pois bem, esses cilindros nos falam de um tesouro considerável, composto de umas

duzentas toneladas de ouro, prata e outras matérias preciosas, oculto em sessenta pontos

diferentes de Terra Santa. Compreende-se que Nero, a quem apesar de tudo repugnava as

execuções inúteis, preferisse fazer pagar aos chefes enormes resgates, e aos militantes ordinários

os abandonasse às leis romanas e às terríveis práticas que estas implicavam. Aqui, uma vez mais

Flavio Josefo demonstra ser um excelente historiador, pois como se vê, suas afirmações estão

corroboradas pelos cilindros de cobre de Qumran. Mas voltemos para a luta dos zelotes.

Quatorze anos mais tarde, Judéia e Galiléia foram açoitadas pela fome: o contrário seria

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de sentir saudades. E no ano 47 de nossa era, nova revolução importante (houve outras e quanto

a isso, já as veremos). E Tibério Alexandre, procurador da Judéia, cavaleiro romano, sobrinho de

Filón, manda crucificar aos chefes do movimento, em Jerusalém. Como se chamam? Chamam-se

Jacobo (quer dizer, Santiago...), e Simão, e também eles são "filhos de Judas da Gamala".

Conforme nos diz Flavio Josefo, e irmãos de Jesus (Cf. Marcos, 6, 3). E a revolução do ano 47 é a

continuação da de 34, que era a continuação da do ano 6 (revolução do Censo), que por sua vez

era a continuação das precedentes.

Observar-se-á que Judas da Gamala, ao proclamar uma espécie de república judia, no ano

6 de nossa era, cunhou umas moedas que levavam em enxerto esta qualificação. Deste episódio

permanece um eco discreto no seio dos Evangelhos:

"Então retiraram-se os fariseus e celebraram conselho para ver o modo de surpreendê-lo

em alguma declaração. Enviando seus discípulos com herodianos para dizer-lhe: "Mestre,

sabemos que és sincero e que com verdade ensinas o caminho de Deus, e não se te dá de

ninguém, e que não fazes acepção de pessoas. Dize-nos, pois, teu parecer: É lícito pagar tributo

ao Cesar, ou não?". Jesus, conhecendo sua malícia, disse: "Por que me tentais, hipócritas?

Mostrai-me a moeda do tributo". Eles lhe apresentaram um denário. E lhes perguntou: "De quem é

esta imagem e esta inscrição?". Responderam-lhe: "De César". Disse-lhes então: "Pois dai a

César o que é de César, e a Deus o que é de Deus"..." (Mateus, 22, 15-21).

Havia, pois, uma moeda que, aos olhos de Jesus, era "ortodoxa", e outra que não o era.

(9) Desta filiação davídica Roma sempre desconfiará, muito ou pouco. É testemunho disso a

seguinte passagem de Eusébio da Cesárea: "Ficavam ainda, da raça do Salvador, os netos de

Judas, de quem se dizia que era seu irmão carnal. Denunciou-lhes também como membros da

raça de David e o evocatus os transferiu ante o Domiciano César..." (Eusebio da Cesárea, História

eclesiástica, III, XX, I).

Recordemos que Judas era o verdadeiro nome de taoma, o irmão gêmeo de Jesus (10)

como contam Taciano e São Efrén.

Mas é muito difícil desentranhar as verdadeiras personalidades de todo este mundo

confuso, ou que se fez intencionalmente confuso. Julgue-se: "Depois da Ascensão de Jesus,

Judas, chamado também Tomás, enviou ao Abgar, rei de Edesa, ao apóstolo Tadeu, um dos

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setenta discípulos ...". (Eusebio da Cesárea, História eclesiástica, XXX, XX, I.) Como se vê,

Eusebio confirma ao Taciano e a São Efrén no que diz respeito ao verdadeiro nome do gêmeo de

Jesus.

Assim, quando lemos um episódio evangélico no que se fala de um tal Judas, é possível

que se trate de Tomás. Porque havia dois personagens com tal nome entre os discípulos de

Jesus.

Do mesmo modo, quando nos encontramos com o nome do Alfeu, pai de Santiago o

Menor, não prestamos atenção a maioria das vezes ao fato de que se tratava de um apelido, e de

um apelido em língua grega. Porque essa palavra designa a um homem afetado de psoriasis

(alphos: herpes branco). Seu verdadeiro nome possivelmente era Simão o Leproso, o da Betânia

(Mateus, 26, 6; Marcos, 14, 3).

E do mesmo modo, quando nos encontramos com um tal Simão o Cananeu (Marcos, 3,

18; Lucas, 6, 15; Atos, 1, 13), não estabelecemos relação alguma com Simão, o Zelote, aliás

Simão o Sicário. Pois bem, em hebreu um cananeu é o que é do Caná, e Caná, em hebreu,

significa zelo, fanatismo, ciúmes. Caná, cidade da Galiléia onde têm lugar as famosas bodas, é,

portanto, o centro de reunião dos zelotes, os sicários, o centro do integrismo judaico (do grego

zelotes: ciumento, fanático). E Simão o Cananeu e Simão o Zelote são um só e único

personagem. E, o que é mais, esse personagem é um apóstolo (Atos, 1, 12-14) e um "irmão do

Senhor" (Marcos, 6, 3).

Em Caná se encontravam em família, como o prova o texto de João: "Ao terceiro dia houve

umas bodas em Caná da Galiléia, e estava ali a mãe de Jesus. Foi convidado também Jesus com

seus discípulos à bodas..." (João, 2, 1-2.)

As relações entre galileus e zelotes são evidentes, e inclusive indiscutíveis. Flavio Josefo

nos diz deles: "Logo os galileus, ao cessar a guerra civil, consagraram-se aos preparativos contra

os romanos". (Cf. Flavio Josefo, Guerra dos judeus, manuscrito eslavo, II, XI.)

Porque, conforme nos diz mais tarde: "Os galileus são guerreiros ..." (Op. cit., III, tt.)

Por outro lado, em nossa época, o cardeal Jean Daniélou nos diz em sua obra Théologie

du judéo-christianisme, que: "...Aqui os galileus parecem ser outro nome dos zelotes..." (Op. cit.,

P. 84), e "... Galiléia parece ter sido um dos principais focos do zelotismo.» (Op. Cit., P. 84.)

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O historiador protestante Oscar Cullmann observa deste modo em seu livro Dieu et César

que "aos galileus mencionados em Lucas, 13, 1, terá que identificá-los como zelotes ...".

Agora bem, antes de todas essas autoridades, o imperador Juliano, no século IV, utilizava

o termo de galileu para designar aos cristãos. Portanto, zelotes, galileus, cristãos, foram os termos

que designaram sucessivamente aos primeiros partidários de Jesus, antes de que a heresia

paulina tivesse estendido sua confusão sobre os gentis e sobre os judeus da Diáspora.

Nem sequer o verdadeiro nome de Batista deixou que ser matéria de investigação: "O

domínio de Arquelao foi confiado por César a um de seus oficiais chamado Coponio, com poder

de vida e morte sobre o que quisesse. E houve em seus tempos um homem da Galiléia que

reprovava aos judeus descendentes de Abraham o que trabalhassem agora para os romanos, que

lhes pagassem tributo, e que tivessem assim uns donos mortais, por haver-se privado do Dono

imortal. O nome deste homem era Judas, e tinha decidido viver afastado, sem parecer-se com

ninguém mais..." (Flavio Josefo, Guerra dos judeus. II, II). Esse Judas era, evidentemente, Judas

o Gaulanita.

"E naqueles tempos apareceu João, o Batista, pregando pelo deserto da Judéia. Vestia

uma pele de camelo, com um cinturão de couro ao redor dos rins, e se alimentava de gafanhoto e

também de mel silvestre ..." (Mateus, 3, 1 e 4.)

Não se apresenta aqui, enganosamente, ao mesmo personagem com outro homem? A

verdade é que alguém se perde, e essa é a finalidade perseguida.

O outro Santiago, chamado o Maior, tem por pai a um tal Zebedeu. Agora bem, esse nome

é totalmente desconhecido na tradição judia do Antigo Testamento. Encontramos Zabdi (que

significa dotado), Zabud (filho de Natan, I Reis, 4, 5), Zabulon (que significa morada), Zebul

(Juízes, 9, 28), Zebach (Juízes, 5), Zeeb (Juízes, 7, 25), com o significado de "mão direita", quer

dizer, o membro viril paterno, e isso é tudo.

Em sua versão francesa da Bíblia católica, Lemaistre de Sacy traduz Zebedeu por dom,

dotada (em feminino), mas o Dictionnaire hébreu-français de Sander (Paris, 1859), destinado aos

rabinos, não conhece nenhum Zebedeu, e em hebreu traduz dom por três letras: zain-beth-daleth,

e isso se pronuncia Zabad. Depois vem Zabdiel, que significa "Dom de Deus". Assim, há um

mistério sobre esse Zebedeu, pai de Santiago, o Maior (ou seja, de Jacobo o Primogênito), quem

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também leva um nome que não é hebreu, como Alfeu, pai de Santiago, o Menor (Jacobo, o

Benjamim).

Toda esta embrulhada selva de nomes que às vezes se substituem por apelidos, apelidos

que trocam ao desejo dos copistas, ou inclusive nomes que não têm nenhuma realidade em

Israel, tudo isso não tem outro objetivo que desviar o leitor que sinta, embora não seja, senão um

mínimo de curiosidade, e que esteja desejoso de verificar dados. Porque não se trata de

compreender mas sim de acreditar.

E aqui o que importa, já seja apagando o estado da Galiléia e da Judéia sessenta anos

antes de nossa era e sessenta depois (quer dizer, cento e vinte anos de guerras, de rebeliões

desumanas e de repressões sangrentas, agravadas ainda pelo horror de uma guerra civil

permanente entre os terroristas integristas, zelotes-sicários, e os judeus colaboradores, fariseus-

saduceus), ou embrulhando as pistas nominais e as genealogias, é impedir ao leitor perspicaz que

desemboque onde nós desembocamos: no fato de que Jesus é o filho legítimo de Judas da

Gamala e de Maria, sua esposa, o neto de Exequias, pai de Judas da Gamala, e como tal,

descendente de David, e rei legítimo de Israel.

Desde onde esta frase dos Atos dos Apóstolos: "Reunidos lhe perguntavam: "Senhor, é

agora quando vais restabelecer o reino de Israel? Ele lhes disse: 'Não é para vós conhecer os

tempos e os momentos que o Pai fixou em virtude de seu poder...'." (Atos, 1, 6-7).

O texto grego de quão feitos chegou até nós é do século IV. Inicialmente estava "o Pai", ou

simplesmente "meu pai"? Porque neste ultimo caso teríamos uma alusão evidente ao Judas da

Gamala. Não esqueçamos que ao Jesus lhe chama "filho do carpinteiro" (Mateus, 13, 55), mas em

hebreu, heresh significa ao mesmo tempo carpinteiro e mago. Se o termo que terá que ter em

conta é este último, teríamos uma alusão a um aspecto particular do pai de Jesus, e não seria

nada desatinado supor que tinha deixado, de antemão, umas instruções, das quais se afirmou que

eram proféticas, que davam o desenvolvimento cronológico das guerras zelotes, quer dizer, uma

espécie de plano de campanha que abrangia um período de tempo bastante longo.

Pilatos, que representava ao César e ao Império Romano, não se equivocou ao fazer

transcrever em três línguas (judia, grega e latina) a identidade oficial de Jesus: "Jesus de

Nazaréh, rei dos judeus".

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Por outra parte, observa-se que o vinho, na religião de Zoroastro, fonte primitiva da de

Mitra, e especialmente nesta última, simboliza a realeza. Pois bem, o que é o que declara Jesus?

O seguinte: "Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor..." (João, 15, 1)

E em Mateus (17, 24-26), pretende-se "filho de rei". De modo que, ou Jesus copia seu

simbolismo da religião de Mitra (religião que para os judeus piedosos era maldita), ou um escriba

que estava à corrente desta imaginou tal passagem, no curso de sua redação no século IV, e as

palavras atribuídas ao Jesus são inventadas. Assim, em quem confiar?

NOTAS COMPLEMENTARES

Sobre a analogia dos termos galileus e zelotes, possuímos outro exemplo, extraído dos

próprios Evangelhos. Lucas (13, 1-4) conta-nos que na ocasião da queda da torre de Siloé, Pilatos

mesclou o sangue de dezoito galileus com a de seus sacrifícios.

Esta torre, próxima à piscina de Siloé, formava parte do recinto sudoeste da cidade de

Jerusalém, frente ao monte do escândalo. Ao vir de Qumran, o centro zelote onde foram

descobertos os manuscritos chamados do mar Morto, desembocava-se na porta da Fonte, e ao

penetrar na cidade, na torre. Se esta se derrubou, matando assim a dezoito galileus, e se Pilatos

foi o responsável por isso, é que se entrincheiraram ali, porque não se derrubou sozinha.

Esses homens eram, portanto, os zelotes, e como os únicos sacrifícios admitidos pela Lei

judia eram exclusivamente os oferecidos no Templo de Jerusalém, a gente pode perguntar-se de

que natureza eram esses sacrifícios que os zelotes ofereciam no seio de uma torre fortificada, e

que suscitaram uma intervenção armada da potência ocupante.

2 - Os filhos de Aarão

Acaso não está seu irmão Aarão, o levita?... Aarão, seu irmão, será seu profeta...

Êxodo, 4, 14, e 7, 1

Esta simples frase nos fala da existência de um sacerdócio independente e individual, ao

mesmo tempo adivinhatório e mágico, muito antes de que Moisés tivesse instaurado um

pontificado no seio de Israel, ainda inexistente como nação organizada. O leitor se convencerá

disso se reler a história de Mica no Livro dos Juízes, nos capítulos 17 a 19, ambos inclusive,

porque: "Essa Mica tinha uma capela para Deus; fez, portanto, um ephod e um teraphim, isto é

vestidura sacerdotal e ídolos: e consagrou a um de seus filhos, que lhe serve de sacerdote.(11)

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Porque naquele tempo não havia rei em Israel, e cada um fazia o que lhe parecia bom". (Juízes,

17, 5-6).

Consagrados por Moisés, Aarão e seus filhos converteram-se no tronco da filiação

sacerdotal e nos antepassados carnais de todos os cohanim (em hebreu: sacerdotes, pontíficees).

A genealogia os mostra como primos dos filhos de David:

Abraham se casa com Sara

Isaac se casa com Rebeca

Jacob se casa com Lea

Judá se casa com Bath-Schua Leví se casa com X ...

David se casa com Bath-Scheba (12) Aarão se casa com Elischeba

Exequias se casa com X ...

Judá se casa com Myrhiam Zacarias se casa com Elischeba

Jesus-bar-Judá Iochanan-bar-Zacariah

Sabemos que a corrente integrista dos zelotes estava invariavelmente dirigida:

a) Por um descendente de David, em posse do poder temporário.

b) Por um descendente de Aarão, em posse do poder espiritual.

E assim, conforme nos diz Flavio Josefo, com o Judas da Gamala houve um fariseu

chamado Saddoc. Com o Simão-bar-Kokba esteve Rabbi Akiba. E com o Jesus-bar-Juda esteve

Iochanan-bar-Zacariah, aliás João, o Batista. Por isso o primeiro se submeteu ao batismo,

administrado pelo segundo. Esta subordinação de Jesus ao João aparece, além disso, sublinhada

pela frase impaciente de Batista, que envia à seus discípulos a repreender ao Jesus, quem,

depois da detenção de João, retirou-se à Galiléia (Mateus, 4, 12), logo à Tiro e ao Sidón, em vez

de passar à ação direta: "É você o que tem que vir, ou (afinal) teremos que esperar a outro...?

(Mateus, 11, 1 a 4).

Essas diversas constatações vão permitir-nos agora indagar quem podia ser esse

misterioso Saddoc, nome que em hebreu significa "o justo", e que portanto devia ser

necessariamente cohen (sacerdote), e descendente de Aarão. Para isso, estudaremos

atentamente a vida do pai de João, o Batista.

Trata-se de Zacarias, em hebreu Sacaria. O proto-evangelho de Santiago nos fala dele, e

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associa sua morte, por ordem de Herodes, o Grande, à famosa Matança dos Inocentes, sobre a

que já fizemos luz na obra precedente. (13) Vejamos o que diz disso esse apócrifo célebre:

"Herodes procurava João, e enviou a seus servidores junto ao Zacarias, dizendo: "Onde

escondeste a seu filho?...". Ele lhes respondeu: "Estou ao serviço de Deus, e ligado ao Templo do

Senhor; não sei onde se encontra meu filho". Os servidores se afastaram e contaram tudo isto ao

Herodes. E este, irritado, disse-lhes: "Seu filho deve reinar sobre Israel". E lhes enviou de novo

junto ao Zacarias, dizendo: "Diga a verdade! Onde está seu filho?...". Os servidores partiram e

contaram tudo isto ao Zacarias. E Zacarias disse: "Eu serei mártir de Deus se derramas meu

sangue. Porque o Todo-poderoso receberá meu espírito, porque é um sangue inocente a que

você dispõe a derramar à porta do Templo do Senhor...". E, ao amanhecer, deram morte ao

Zacarias, e os filhos de Israel não sabiam que lhe tinha dado morte. Na hora da saudação os

sacerdotes foram ao Templo. E Zacarias não veio, como era costume, ante eles para benzê-los.

Os sacerdotes se detiveram, esperaram ao Zacarias para saudá-lo na oração e benzer ao

Altíssimo. Como demorava, todos foram presa do medo; um deles, mais valoroso, entrou no

Templo e viu, perto do altar, sangue coagulado. Uma voz dizia: "deram morte ao Zacarias, e seu

sangue não se apagará até que chegue seu vingador". Ao ouvir estas palavras sentiu medo, e

saiu para levar a notícia aos outros sacerdotes".

Se tivéssemos alguma dúvida, aqui teríamos confirmação de sobra que toda esta história

refere-se na realidade, não a pseudo Matança dos Inocentes de Belém da Judéia, mas à agitação

zelote. Porque nos diz: "Seu filho deve reinar..." Portanto, Herodes está ciente da existência desse

duplo poder no partido zelote, porque o filho de um cohen como Zacarias não pode acessar ao

trono de Israel, por ser filho de Aarão, e não filho de David. Mas Herodes sabe que o pretendente

ao trono temporário estará respaldado pelo pretendente ao pontificado, e que os dois co-príncipes

serão ipso ipso os adversários da dinastia Iduméia dos Herodes.

Esse texto do Proto-evangelho de Santiago pode comparar-se com o de Lucas: "Zacarias,

seu pai, encheu-se do Espírito Santo e profetizou dizendo: "Bendito o Senhor, Deus de Israel,

porque visitou e redimiu a seu povo, e suscitou a nosso favor um poder salvador na casa de

David, seu servo, como tinha prometido pela boca de seu santos profetas desde antigamente, um

salvador que nos libera de nossos inimigos e do poder de todos os que nos aborrecem..." (Lucas,

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1, 67-71).

Pois bem, trata-se de seu próprio filho, o futuro Batista, e não de Jesus. Além disso, El

Salvador assim anunciado é nada menos que um messias guerreiro, e não um cordeiro... Houve

rivalidades entre as duas famílias? Não seria impossível, ao menos em um período dado. No

século IV, os copistas de Eusebio fizeram desaparecer tudo isso.

Por outro lado, nesse relato se fala de deixar a mancha de sangue de Zacarias sobre as

lajes do Santo Templo, até que chegue "seu vingador"... Aqui do que se trata é, indubitavelmente,

de represálias zelotes, em virtude da lei mosaica de talião, porque o de um vingador não tem nada

de evangélico. (14)

Esse vingador será seu filho Iochanan, o Batista, e para convencer-se disso, o leitor não

terá mais que reler uma certa passagem de Flavio Josefo que trata, justamente, do chamado

Batista: "A seu redor se reuniram gente, porque se sentiam muito exaltados para lhe ouvir falar.

Herodes (Antipas) temia que semelhante faculdade de persuasão suscitasse uma rebelião, já que

as multidões pareciam dispostas a seguir em todo os conselhos desse homem..." (Flavio Josefo:

Antigüidades judaicas, XVIII, v, 118).

Herodes, o Grande, tinha mandado matar Zacarias por prudência. Seu filho Herodes

Antipas fará, pois, matar ao Batista pelo mesmo motivo. Veja-se a este respeito o capítulo

consagrado ao tema na obra precedente. (15)

E nova confirmação de tudo o que está relacionado com as atividades zelotes,

imediatamente depois das passagens do Proto-evangelho de Santiago citados antes. O texto

termina assim: "Pois bem, eu, Santiago, que tenho escrito esta história, como se produziram

distúrbios em Jerusalém à morte de Herodes, retirei-me ao deserto, até que a agitação se

acalmou em Jerusalém." (Cf. Protoevangelio de Santiago, 25).

Herodes, o Grande, morreu no ano 6 antes de nossa era.

Esses distúrbios foram, em realidade, o resultado da primeira revolta dirigida pelo Judas da

Gamala, pai de Jesus, contra Arquelao, filho de Herodes o Grande e seu sucessor designado;

iniciaram-se no ano 5 antes de nossa era. E essa foi a verdadeira "fuga ao Egito" de Maria e de

seus filhos menores. Foram enviados lá, em lugar seguro, longe dos combates que liberava o

chefe da família, Judas da Galiléia. Porque naquela época, Santiago era ainda um menino, e não

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um homem feito, como tende a fazer acreditar, ao silenciar a presença de sua mãe e de seus

irmãos e irmãs. Ele, ou os escribas anônimos do século IV...

Ao redigir seu Apocalipse, Jesus recordará essa fuga: "E estando grávida, gritava com as

dores do parto e as ânsias de parir (...) A mulher fugiu ao deserto, aonde tinha um lugar preparado

por Deus, para que ali a alimentassem durante mil duzentos e sessenta dias". (Apocalipse, 12, 2 e

6). O que equivale a quarenta e dois meses.

Essa permanência no Egito foi, portanto, de uns três anos e meio. O dragão vermelho que

persegue à mulher simboliza Roma, porque os pretorianos da guarda imperial tinham a cota de

armas vermelhas e os centuriões ordinários um manto da mesma cor. As sete cabeças do dragão

são as sete colinas da capital do Império romano, e os dez chifres são os dez reis vassalos. E,

efetivamente, foram as legiões de Publio Quintilio Varo, legado de Roma em Síria do ano 6 ao ano

4 de nossa era, quem reprimiu sem piedade esta revolução. Foram crucificados mais de dois mil

rebeldes ao redor de Jerusalém. Portanto, foi no curso desta repressão quando foi assassinado

Zacarias, tio de Jesus, marido de Isabel, prima de Maria. Morreu no 8° dia do mês de Thot,

segundo um fólio do manuscrito n° 1.305 da Biblioteca Nacional, redigido em copto sahídico. Isto

nos dá em 5 de agosto do ano 4 antes de nossa era, quer dizer, o segundo ano da revolução, o

de seu afastamento final por Varo, e este abandonou a seguir Síria, com direção à Germânia.

Como vimos, o combate final desenvolveu-se no Templo de Jerusalém, transformado em

fortaleça pelos insurretos, e Jesus fez alusão à morte de Zacarias, se dermos crédito ao texto de

Mateus: "... Para que caia sobre vós todo o sangue inocente derramado sobre a terra, do sangue

do justo Abel até o sangue de Zacarias, filho de Baraquias, (16) a quem mataram entre o Templo

e o altar... Na verdade lhes digo que tudo isto virá sobre esta geração...". (Cf. Mateus, 23, 35-36).

Como se vê pelo texto, uma vez mais nos encontramos em presença de um Jesus zelote,

rancoroso, que em modo algum praticava o perdão das ofensas, pelo contrário, a lei de talião,

coisa que politicamente constituía seu direito e seu dever. Mas é muito provável que esse texto

fora hábil pelos escribas do século IV, que eram muito anti-semitas, e, além disso, estavam

obrigados a dar adulação aos romanos. Porque Zacarias não foi assassinado pelos judeus, como

lhe faz dizer ao Jesus no evangelho de Mateus, mas sim pelos legionários de Varo ou pelos

mercenários gregos de Arquelao, filho e sucessor de Herodes, o Grande.

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Sobre o fato de que o Zacarias assassinado "entre o Templo e o altar" fora o pai de

Batista, e não o profeta "filho de Baraquías, filho de Addo", que viveu sob o Darío, quer dizer, no

século V antes de nossa era, basta-nos como prova o testemunho de Orígenes, quem em seu

tratado XXVI, capítulo XXIII, sobre "São Mateus", diz-nos que o profeta foi lapidado (Cf. II

Paralipomenos, XXIV, 20 e seguintes), enquanto que o pai de Batista foi assassinado pelas

costas.

Em suas Antigüidades judaicas (XVII, IX, manuscrito grego), Flavio Josefo nos diz que os

rebeldes, tomando como pretexto que Arquelao não mandava castigar aos oficiais de Herodes, o

Grande, que queimaram vivos a quão jovens arrancaram do frontispício do Templo a águia de

ouro que Herodes ordenara inserir, entrincheiraram-se no Templo de Jerusalém, que, por sua

colossal arquitetura, constituía uma verdadeira fortaleza.

Uma tropa de soldados mercenários, mandada por um quiliarca, foi enviada ao Templo

para apaziguar aos insurretos, mas estes mataram a todos os soldados. Então foi quando se

iniciou a repressão, no curso da qual se combateu inclusive dentro do santo lugar, e resultou

morto Zacarias "entre o Templo e o altar", coisa que estritamente não quer dizer nada, tão

somente significa que sucumbiu entre o altar e o santo, e por conseguinte, no próprio santuário.

Segundo Nicolás de Damasco, o número de insurretos superava os dez mil. Quanto aos mortos,

crucificados ou cansados em combate (como no caso de Zacarias), estes se elevaram a mais de

três mil. E aqui se expõe um problema histórico, uma tentativa de recuperação da verdade.

Agora é seguro que esse tal Zacarias desempenha, ao lado de Judas, o Gaulanita, o papel

de possuidor do poder espiritual, já que é cohen (sacerdote), e portanto filho de Aarão, quão

mesmo o chamado Judas tem a autoridade temporária como filho de David.

Não é menos certo que Iochanan, o Batista, seu filho, desempenhou o mesmo papel ao

lado de Jesus, filho de Judas o Gaulanita. Por conseguinte, seu companheiro de equipe (de

Jesus) não foi Judas, seu irmão gêmeo, aliás Tomás (tôama: gêmeo em hebreu), a não ser o

chamado João. E isto varre a hipótese que, como último recurso, poderiam sustentar alguns de

nossos leitores, que, depois da revelação da existência de tal irmão gêmeo, imaginariam um

Jesus todo doçura (e além deificado) e um Jesus, provavelmente Barrabás, todo violência,

manchado de numerosas mortes, pilhagens e saqueador desumano de pedágios e prostitutas.

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Porque Jesus e João foram, como se viu, chefes tão violentos tanto um como outro, do mesmo

modo como fossem, irmanados pela mesma paixão, Simão-bar-Kokba e Rabbi Akiba, e muito

antes que eles Judas da Gamala e Rabbi Saddoc. E esta nova constatação nos abre horizontes

inesperados. Qual era, então, o verdadeiro nome de Zacarias, ou, melhor ainda, qual era o

verdadeiro nome de Rabbi Saddoc? Porque, evidentemente, trata-se do mesmo personagem...

Zacarias significa em hebreu "memória de Deus". É uma alusão ao fato de que a mancha de

sangue não deverá apagar-se até que chegue "seu vingador". Em realidade, seria mais adequado

dizer Sakariel, nome de um dos sete arcanjos às ordens da justiça divina.

Saddoc significa em hebreu "o justo", termo evocado pela frase de Mateus (23, 35-36), é

também cohen, e portanto filho de Aarão, de modo que seu título oficial é o de Rabbi Saddoc. E

isso se lê: "Mestre Justo". Seria ele o "Mestre de Justiça" dos manuscritos do mar Morto? Não.

Porque o que citam os textos de Qumran é submetido ao suplício pelo "sacerdote ímpio",

Aristóbulo II, rei e supremo sacerdote de Israel por volta dos anos 65-63 antes de nossa era.

Trata-se provavelmente de Onías, e, segundo a lenda, também ele apareceu a seus discípulos

depois de morto. Mas como o "Mestre de Justiça" recebe também o qualificativo de "Messias de

Aarão e de Israel" (enquanto que o liberador temporário espera-se simplesmente sob o nome de

Messias), pensamos que aqui se trata de um título que designa uma função, e não de um nome,

que qualificasse uma individualidade. Flavio Josefo nos conta que, com efeito, o nome de

"Legislador" era, depois do de Deus, objeto de máxima veneração. Quem blasfemasse sobre ele

ou o injuriasse, no seio da comunidade dos essênios seria réu de morte". (Cf. Guerra dos judeus,

II, VIII, 145-152).

Por conseguinte, no seio dos zelotes, que como se sabe procediam da corrente essênia

primitiva, da qual constituíam a ala guerreira, o nome do possuidor do poder espiritual não se

pronunciava; utilizavam-se circunlóquios, análogos à regra pitagórica: autos épha, ou seja, "Ele há

dito..." Assim, é provável que esses nomes de Zacarias e de Saddoc fossem subterfúgios que nos

velem o verdadeiro nome do companheiro de guerra de Judas da Gamala. Mas é bem certo que

esse personagem foi o pai de Batista e o marido de Isabel, prima de Maria.

Fica ainda um último ponto que precisamos dizer de Jesus que é "sacerdote segundo a

ordem de Melquisedec" (Salmos, 110, 4; Hebreus, 10, 6; 20; 7, 17), é reconhecer implicitamente

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que possuía um sacerdócio comum a toda a descendência de Abraham, que foi o primeiro

investido com tal sacerdócio (Gênese, 14, 18), que é quão mesmo não dizer nada. Porque em

virtude desta ordenação hereditária um israelita podia efetuar, no seio de sua família, a cerimônia

da noite sábado (sabbat), com a bênção de Kidduch, efetuada sobre a taça de vinho, e a do ha-

Motzi, pronunciada sobre dois pães. E isso é o que permitiu ao David comer os pães já

consagrados ao Yavé pelo pontífice Aquimelec (cf. I Samuel, 21, 1 a 6).

Observar-se-á que, no segundo livro de Enoc, diz-se que esse Melquisedec foi o filho de

Sophonim, esposa de Nir e irmã de Noé. Foi concebido em sua velhice sem que ela houvesse

"dormido com seu marido", e o iluminou de forma milagrosa, porque estava destinado a ser "chefe

dos sacerdotes de outra raça". (41, 3-4) Agora bem, este apócrifo é judeu, e foi descoberto

também em Qumran. Portanto, dele tirou a lenda de Jesus ao que se refere a sua concepção e

nascimento milagrosos.

Por outro lado, em função da filiação judaica dos altos graus da franco-maçonaria

tradicional, é pelo que se pode celebrar O Jantar melquisedeciano nos capítulos do 18° grau,

onde se congregam os "Cavaleiros da Rosacruz". Porque o fundador imaginário dos Rosacruzes,

Rosenkreutz, não é outra coisa que um epônimo, deformação do hebreu rocem Koroz, que

significa "príncipe arauto"...(17) Jesus, portanto, não detinha a não ser uma espécie de sacerdócio

laico, se esses dois termos não se acoplarem.

3 - Os filhos de David

Todo homem é uma guerra civil ...

JEAN LARTÉGUY, Os Libertadores

Actus Apostolorum... Praxeis Apostolón ...

Quem quer que esteja, embora um pouco, versado em latim ou em grego, traduzirá

corretamente estes títulos por Atos dos Apóstolos. Mas esse plural, ao ler a obra, resultará

bastante decepcionante.

Com efeito, salvo a segunda parte dos Atos, que trata exclusivamente da ação de Saulo,

aliás Paulo, dos onze apóstolos restantes só se trata na primeira parte; os quinze primeiros

capítulos são tipicamente petrinos, e só, e de forma muito breve, no primeiro se fala deles. No

curso do texto encontraremos simplesmente Simão, chamado o Zelote, quer dizer, Pedro (e já

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demonstramos na obra anterior que se trata do mesmo personagem, [18]) ao Santiago, o Maior

(Jacobo em hebreu) e Santiago, o Menor. Porque o Felipe chamado em 7,5 e em 21,8, não é

outro que o diácono, eleito com outros seis em 6,5. Não é portanto o apóstolo, chamado

entretanto, em 1, 13, e que desaparecera não se sabe onde nem como. Quão mesmo André,

Tomás, Bartolomeu e Judas, sobre os quais não subsistiu no corpus neotestamentário nada que

seja historicamente válido. Por isso, sobre todos esses homens que não foram nunca outra coisa

que irmãos e parentes de Jesus, e agentes da resistência judia nacional, (19) um não pode a não

ser somar-se à conclusão de monsenhor Dúchense, membro do Instituto, que em sua obra Les

origines du culte chrétien nos diz que: "Os apóstolos missionários, com a única exceção de São

João, tinham desaparecido sem deixar nenhuma lembrança concreta. A lenda que logo se

apoderou deles, parece havê-lo feito com tanta mais liberdade, quanto que não chocavam a não

ser com tradições muito fugazes..." (Cf. Dúchense, Les origines du culte chrétien, Paris 1903, pp.

14 e 15).

Terá que acreditar que este bispo letrado não era um historiador muito curioso, já que se

fosse tão tenaz como nós, terminaria por descobrir a verdade. A menos que, no interesse do

corpo ao qual pertencia, preferisse silenciar seus próprios descobrimentos.

Melhor ainda, Clemente de Alexandria, discípulo de Pantenio, que era por sua vez um

discípulo imediato do apóstolo Marcos (portanto, não há mais que dois elos entre Clemente e

Marcos), diz-nos o seguinte, que confirma a opinião de monsenhor Dúchense, mas que nos põe

no caminho de futuros descobrimentos sensacionais: "Escolhidos, não todos confessaram ao

Senhor pela palavra, e não todos morreram em seu nome. Entre eles se contam Mateus, Felipe,

Tomás, e muitos outros... (Cf. Clemente de Alexandria, Stromates, IV, IX).

Terá que entender que este autor, um dos grandes escritores eclesiásticos dos primeiros

séculos (foi o Mestre de Orígenes), sugere com meias palavras que esses homens, tanto

apóstolos como discípulos, desinteressaram-se rapidamente da missão que lhes confiara Jesus?

Porque nos Atos dos Apóstolos não se conta nada deles, e é verdadeiramente curioso.

Possivelmente possuamos a explicação desta prudente retirada por sua parte em uma

passagem muito curiosa do Evangelho segundo Mateus: "Os onze discípulos foram à Galiléia, ao

monte que Jesus lhes indicara, e, vendo-lhe, prostraram-se, embora alguns vacilaram...

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Aproximando-se, Jesus lhes disse...". (Mateus, 28, 16-17).

Assim, ao vê-lo enfim a plena luz, ele ou seu sósia, o irmão gêmeo (20), alguns deles, os

menos ingênuos, acreditam que pode tratar-se de um engano. Não é exatamente Jesus, ao

menos não o que foi crucificado em Jerusalém. Há diferenças, a maquiagem das pseudo-chagas

não é perfeita, ou se diluiu um pouco, e alguns estigmas da Paixão, do rosto ou à frente, estão

ausentes ou são diferentes; e possivelmente o irmão gêmeo não é um sósia rigorosamente exato.

E daí essa dúvida discreta, essa reticência cortês mas significativa, que condicionará logo sua

retirada da lenda que já está em curso de elaboração. Agora se compreende o motivo do

desaparecimento do primeiro Evangelho de Mateus, simples recopilação em aramaico de

sentenças, máximas, frases lapidárias, pronunciadas por Jesus enquanto ainda estava vivo. O

desaparecimento desse texto se produziu já na época em que o grande Orígenes recolhia todo o

hábeas judeu-cristão existente. Naquela época deplora e reconhece não ter à mão a não ser o

segundo Mateus, o nosso, o pseudo-Mateus. E mais ainda, há um fato muito estranho: sobre a

pretendida chegada de Simão-Pedro à Roma e sobre sua crucificação de cabeça para baixo, a

seu pedido, (21) as Epístolas de Paulo, de João, de Santiago, e os Atos dos Apóstolos, guardam

um mutismo total. E no século VI, Eusebio da Cesaréia poderá nos dizer, cheio de dúvidas: "Os

assuntos dos judeus estavam nesse ponto. Quanto aos Santos apóstolos e discípulos de nosso

Salvador, estavam dispersos por toda a terra habitada. Tomás, segundo conta a tradição, obteve

na partilha o país dos Partos, André a Escitia, João a Ásia, onde viveu. Morreu em Éfeso. Pedro

parece ter pregado em Ponto aos judeus da Diáspora, e na Galacia, Bitinia, Capadocia e Ásia".

(Cf. Eusebio da Cesaréia, História eclesiástica, III, I, 1).

Rufino, em sua tradução latina da obra de Eusebio da Cesaréia, acrescenta o seguinte

depois de Tomás: "Mateus obteve Etiópia, e Bartolomeu a Índia anterior". Pouco antes, Eusebio

nos assinalou, possivelmente involuntariamente, a ambigüidade da tradição petrina: "Conta-se

que sob seu reinado (de Nero César), ao Paulo cortaram a cabeça na mesma Roma, e que

aparentemente Pedro foi crucificado ali. E isto confirma o fato de que, até agora, dá-se os nomes

de Pedro e Paulo aos cemitérios de tal cidade". (Cf. Eusebio da Cesaréia, História eclesiástica, II,

XXV, 5).

Suponhamos que um cataclismo destruíra nossas bibliotecas. Dentro de dois milênios

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aproximadamente se deduziria que as ruínas do Arco do Triunfo albergam a tumba de um general

chamado De Gaulle, apoiando-se com todo argumento em:

a) a presença de uma tumba e de um esqueleto, ou de suas cinzas;

b) o culto rendido em 11 de novembro de cada ano, durante lustros, ao homem ali inumado;

c) o fato de que semelhante monumento não podia em modo algum ter sido ereto sobre a tumba

de um soldado de segunda classe, e para o cúmulo, completamente desconhecido de identidade

e de comportamento guerreiro;

d) o nome mesmo, dado ao lugar sobre a que tinha sido ereto o Arco.

E isso é o que aconteceu, pouco a pouco, com o nome dado a esse cemitério em Roma,

quatro séculos depois da morte dos interessados.

De fato, os "Santos apóstolos do Senhor" não escreveram jamais nada de todo o

legendário que nos apresenta e administra há vinte séculos bem cumpridos. Se duvidássemos

disso nos bastaria relendo o Dictionaire de théologie catholique: "Clemente de Alexandria

conheceu também algumas tradições orais procedentes, não dos próprios apóstolos, mas sim do

meio apostólico..." Em outras passagens recorda esse caráter oral: "Os presbíteros não

escreviam". (Cf. Clemente de Alexandria, Ecogloe propheticae, XXVII). "Esta doutrina chegou até

nós verbalmente (não escrita) dos apóstolos..." (Cf. Clemente de Alexandria, Stromates, VI, VII,

61). Por essas declarações sem ambigüidade se vê o que terá que acreditar sobre a autenticidade

dos pseudo-Evangelhos redigidos pelos mesmos apóstolos.

4 - Ezequias-har-Gamala

Os mortos das batalhas perdidas são as razões para esperar que tenha vencidos ...

MARCEL PAGNOL: La Fille du puisatier

No ano 46 antes de nossa era, Herodes, segundo filho de Antipater, é o governador da

Galiléia por ordem de César. Tem então uns vinte e sete anos. Depois de inumeráveis

perseguições e combates, seus mercenários idumeus e sírios conseguem capturar Ezequias, que

causa estragos em Síria, então província romana, desde seus inexpugnáveis redutos da Alta

Galiléia; Herodes o manda crucificar. (Cf. Flavio Josefo, Antigüidades judaicas, XVII, X). Este

episódio situa-se, provavelmente, no ano 43 antes de nossa era.

Em seguida, Herodes é chamado a comparecer ante Hircano II, pontífice e rei de Israel, da

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dinastia asmonéia (os macabeus), quem lhe reprova verbalmente a morte de Ezequías. Herodes

consegue fazer-se absolver, tanto graças a uma boa defesa, como à sombra enfurecida de Roma,

que Hircano não se atreve a confrontar apesar de tudo (cf. Flavio Josefo, Antigüidades judaicas,

XIV, XVII); com efeito, o legado imperial intervém em seguida em seu favor: "Que fique isento

Herodes de todo processo, tanto se tiver incorrido em falta como se não". Esta é a imperativa

ordem que Sexto César, governador de Síria e parente de Julio César, dirigiu nesta ocasião ao

Hircano II. (Cf. Flavio Josefo, Guerra dos judeus, manuscrito eslavo, I, IV).

Tanto se tiver incorrido em falta como se não... Sexto César reconhecia aqui

implicitamente o caráter legítimo do combate levado a cabo por Ezequías. E então se expõe outra

questão: Como Hircano II, pontífice e rei de Israel, pôde sentir-se indignado pelo fato de que

Herodes mandasse executar ao cabeça de uns bandoleiros? Pois simplesmente porque esse

"bandoleiro" era, em realidade, o chefe da estirpe real, um "filho de David"; esse rei "em potência"

provavelmente tinha recebido já a unção entre seus seguidores, e seu banditismo era, de fato, a

manifestação da resistência judia. Hircano II, embora tinha um sucessor legítimo na pessoa de

seu irmão Aristóbulo II, não esqueceria que a dinastia asmonéia era uma usurpadora do trono de

Israel, e que a legitimidade real e religiosa, associadas, repousavam no seio da filiação davídica.

Porque, como pontífice supremo, não esqueceria a promessa divina, essa promessa que o profeta

Natan recebeu do Eterno e que tinha ordem de comunicar ao David: "Quando seus dias tenham

chegado ao cúmulo e tenha repousado com seus pais, eu farei subsistir a semente que sairá de

suas vísceras... Por isso serão estáveis sua casa e seu reino para sempre ante mim... (Cf. II

Samuel, 7, 12, 16). Pois bem, esse Ezequias tinha um filho, que lhe sucederia em cabeça do

movimento.

5 - Juda-har-Gamala

A Guerra e a Fome vagavam por nossas cidades,

E nós gritávamos, desesperados, nos suplícios:

Quando virá a nosso lado, Liberdade?

Quanta demora, Justiça!

MAURICE MAGRE, Le Poète et la Cité, la Liberté

"Havia deste modo um tal Judas, filho de Ezequías, aquele temível cabeça de bandoleiros

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a quem antigamente Herodes não conseguisse apreender a não ser depois das maiores

dificuldades. Esse Judas reuniu ao redor de Séforis, na Galiléia, uma tropa de desesperados, e

efetuou uma incursão no palácio real. Apoderou-se de todas as armas que se encontravam ali,

equipou com elas a todos quantos lhe rodeavam, e se levou todas as riquezas que recolhera de

tal lugar. Aterrorizava a todos em volta por causa de suas invasões e seus saques, que tinham

como meta alcançar uma elevada fortuna e inclusive as honras da realeza, já que esperava

elevar-se a tal dignidade, embora não mediante a prática da virtude, a não ser precisamente

mediante os excessos da injustiça" (Cf. Flavio Josefo, Antigüidades judaicas, XVII, X).

Deixemos ao Flavio Josefo e seu rancor (porque as teve com os zelotes), e constatemos

que, de fato, ao apoderar do palácio real de Séforis, e ao expulsar dele àqueles aos quais

considerava usurpadores (Herodes, o Grande, e toda sua corte), Judas-bar-Ezequías não fez a

não ser vingar a seu pai e recuperar seus legítimos bens. Ainda mais que há uma zona de

sombras bastante misteriosa em tudo isso. Logo o veremos. Maria-Bath-Ioachim, a mãe de Jesus

e a esposa de Judas da Gamala, nascera em Séforis, e nessa primeira fase que entrou em

guerra, Judas-bar-Ezequías possivelmente tinha outras contas que arrumar das quais já não

sabemos nada, pois Maria era também de filiação davídica, e sua família era rica, como logo

veremos. E isto tende a demonstrar que Judas da Gamala e seu pai Ezequías não foram uns

bandoleiros ordinários, como pretende Flavio Josefo, mas sim existiu uma doutrina, que foi

elaborada por ele e que logo se converteu na de todo seu movimento. Em suas Antigüidades

judaicas, Flavio Josefo nos descreve quatro seitas que se repartem o povo hebreu. Primeiro cita

aos fariseus e os saduceus, logo aos essênios. E a seguir uma quarta: "Mas um tal Judas o

Gaulanita, da cidade da Gamala, acompanhou-se de um fariseu chamado Saddoc, e se precipitou

na rebelião. Pretendiam que tal censo não trazia consigo a não ser uma servidão completa, e

apelavam ao povo a que reivindicasse sua liberdade... A quarta seita filosófica teve como autor a

esse Judas, o Galileu. Seus sectários concordam em geral com a doutrina dos fariseus, mas

sentem um invencível amor pela liberdade, já que julgam que Deus é o único chefe e o único

senhor".( Cf. Flavio Josefo, Antigüidades judaicas, XVIII, I).

Esse Judas da Gamala, chamado também Judas da Galiléia ou Judas, o Galaunita, cujo

nome de circuncisão era Judas-bar-Ezequias, morreu no curso da segunda revolução do ano 6 de

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nossa era. Teve vários filhos, dos quais pelo menos seis pereceram de morte violenta, em mãos

de Roma e de seus procuradores. O mais célebre foi, evidentemente, Jesus, seu filho primogênito.

6 - Simão-Pedro

Alguns eruditos dizem que São Pedro não esteve jamais em Roma; e o Papa se viu em

dificuldades na hora de replicar a tais sábios... Só São Paulo é indubitável que esteve ali...

MARTIN LUTERO, Wider das Papsttum vom Teufel gestiftet

De fato, a lenda da morte de Simão-Pedro em Roma não apareceu nem tomou corpo até

princípios do século III. Já precisamos as circunstâncias em uma obra precedente. (22) Por isso é

que o Papa Pio XI (cardeal Achille Ratti, 1857-1939) pôde declarar, em privado, naturalmente, que

em sua opinião "era seguro que São Pedro não pôs jamais os pés em Roma...". É evidente.

E, com efeito, Simão-Pedro desaparece bruscamente, em só algumas linhas, dos Atos dos

Apóstolos. Fora detido por ordem de Herodes Agripa I (rei da Judéia desde ano 37, rei da Judéia e

de Samaria desde o ano 41, morto em 44). Simão-Pedro estava encadeado, dormindo entre

quatro soldados do chamado Herodes Agripa. Um anjo lhe apareceu no curso da noite, e as

cadeias se soltaram. Seguiu ao anjo, e as comportas abriram-se sozinhas, misteriosamente, ante

ele. Uma vez na rua, o anjo desapareceu e Pedro recuperou o contato com a realidade. dirigiu-se

então, a toda pressa, a casa de “Maria, mãe de João, de apelido Marcos", deu-se a conhecer à

servente Rodeh através da porta, e mandou aviso ao Santiago e a seus irmãos de sua liberação.

Isso significa que: "Depois saiu e se foi a outro lugar...". (Cf. Atos dos Apóstolos, 12, 6 a 17). E já

está... (23)

Isso é tudo, e nunca mais ouviremos falar de Simão-Pedro no relato apostólico. E Dom J.

Dupont O. S. B., cuja versão dos Atos dos Apóstolos seguem na Bíblia de Jerusalém, conclui,

tranqüilizado no que se refere à sorte de Simão-Pedro, mas sem demonstrar tampouco muita

curiosidade pelo que segue: "Encontramos aqui uma pequena história cheia de vida, de detalhes

pitorescos, de prodígios populares...". (op. cit., pág. 115). De prodígios populares. Recordemos o

termo, é perfeito. Ao menos este exegeta não é vítima de toda essa perpétua fantasmagoria.

Porque relatar o fim de Simão-Pedro e de Jacobo-Santiago, crucificados ambos no ano 47 em

Jerusalém, por ordem de Tibério Alexandre, procurador de Roma, "por ser filhos de Judas de

Gamala, (24)" seria descobrir o bolo. Mas é evidente que o tal Simão, como todos outros, morreu

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na Palestina.

Por tratar-se de uma região submetida por excelência à revoluções esporádicas, esta

província estava sujeita a uma vigilância especial por parte das autoridades romanas. E se se têm

em conta os postos militares, com barreiras, e às vezes inclusive leva (como as famosas Portas

cilícias que separavam Síria de Cilícia e obturavam um estreito desfiladeiro), postos que cortavam

todas as vias de comunicação, e que terei que franquear necessariamente para passar de uma

província a outra (abonando as inevitáveis taxas de passagem, como é óbvio, tanto para os

homens como para os animais), tendo em conta que terei que justificar de maneira válida uma

petição de embarque com destino à Itália, a causa do decreto de Tibério César (no ano 19),

confirmado pelo de Claudio (em 49), pelo que se expulsava da Itália aos judeus livres, e não se

permitia que permanecessem ali mais que os escravos do lugar e que eram propriedade de um

dono, tendo em conta todas essas consideráveis dificuldades, não vemos como Simão-Pedro,

chamado o Zelote, quer dizer, o Sicário, ou também Simão Ishkarioth, quer dizer, o "matador"

(Lucas, 6, 15, e Atos, 1, 13), com tal reputação, obteria das autoridades romanas ocupantes a

permissão e o visto que facilitassem uma viagem à Roma, capital do Império Romano.

E além disso, a que teria ido ali? Todo o movimento zelote, que desde que se produzira a

morte de Jesus, seu irmão maior, (25) o dirigia ele, ajudado por Jacobo-Santiago, "irmão do

Senhor" (Cf. Paulo, Epístola aos gálatas, 2, 9), tinha seus interesses e seus motivos, assim como

as atividades políticas que resultavam de tudo isso, exclusivamente na Palestina. Recordemos a

recomendação de Jesus: "Não vão aos gentis nem penetrem em cidade de samaritanos; mas vão

às ovelhas perdidas da casa de Israel ..." (Mateus, 10, 5-6, e 15, 24).

E Clemente de Alexandria (Stromates, VI, V, 43), e Eusebio de Cesaréia (História

eclesiástica, V, XVIII), contam que Jesus ordenou aos apóstolos que não se afastassem de

Jerusalém durante doze anos. Isto nos leva ao ano 47 de nossa era, e este ano é precisamente o

da morte de Pedro e de Santiago, crucificados em Jerusalém. Como se vê, esses versículos

constituem a negação mesma da missão que se atribuirá logo Saulo-Paulo, e justificarão a

desconfiança, e logo a hostilidade, que lhe testemunharão os sucessores de Jesus na cabeça do

messianismo político.

Por outro lado, tentando afirmar essa estadia de Pedro em Roma, o Papa Pio XII fez

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efetuar longas e custosas escavações a fim de provar que seus restos foram descobertos sob a

basílica de São Pedro de Roma. De fato, só se encontraram, em um esconderijo das muralhas da

base, algumas ossaturas não identificadas. Também podia tratar-se dos vestígios de um sacrifício

de fundação, rito trágico que os colégios romanos de construtores conservaram durante longo

tempo, já que, inclusive sob os imperadores cristãos, as famílias proibiam aos meninos e aos

adolescentes que, ao cair a noite, aproximassem-se das grandes pedreiras de construção. Por

certo que, depois desta burla oficial, o R.P. Maxime Gorce, arqueólogo e provincial dos

dominicanos, abandonou indignado a Igreja católica, e passou à Igreja anglicana.

De todo modo, esses restos tão penosamente descobertos seriam a contradição do que se

oferece à veneração dos fiéis na basílica de São João de Letrán, ou seja, um tabernáculo, em

cima do altar papal, que encerra, segundo a tradição da Igreja, os crânios de Pedro e de Paulo.

Tal basílica, construída originariamente pelo Papa Milcíades por ordem de Constantino, destruída

e restaurada várias vezes, incendiada no ano 1308, reconstruída por Clemente V, volta a

incendiar em 1360, volta a reconstruir sob Urbano V, deve possivelmente todas suas desgraças

ao bem conhecido antagonismo desses dois apóstolos, que não podiam sofrer-se mutuamente. E

essa inflamada antipatia se perpetuaria então post mortem, sobretudo se Saulo-Paulo estava

detrás da detenção e a execução de Pedro e de Santiago, como tudo tende a fazer acreditar.

Estudamos em outra obra a técnica das "interpolações com reengaje" que utilizaram (e das

que abusaram) nossos falsificadores anônimos do século IV. (26)

Aqui nos limitaremos a pôr de manifesto a que foi utilizada pelos mesmos para fazer

acreditar que Jesus confiou a direção de sua "igreja" ao Simão-Pedro. Pretensão que, por outra

parte, cai por si mesmo se se recordar que, para ele, a criação de uma organização religiosa com

projeção no futuro era absolutamente impensável, já que o chamado Jesus afirmava que o fim do

mundo estava próximo e que tudo isso devia acontecer "antes de que esta geração passe".

(Mateus, 24, 34; Marcos, 13, 30; Lucas, 21, 32).

Coloquemos, pois, em evidência a impostura dos escribas "às ordens de...". Tomamos

nossas citações da versão católica romana de Lemestre de Sacy: Marcos, 8, 27-30; Mateus, 16,

13-20; Lucas, 9, 18-21: "Ia Jesus com seus discípulos às aldeias de Cesaréia de Filipo, e no

caminho lhes perguntou: Quem dizem os homens que sou eu? Eles lhe responderam: Uns, que

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João Batista; outros que Elias, e outros, que um dos profetas. Ele lhes perguntou: E vós, quem

dizem que sou eu? Respondendo Pedro, disse-lhe: Você é o Messias".

Fragmento interpolado

"E lhes encarregou que a ninguém dissessem isto Dele".

"Vindo Jesus à região de Cesaréia de Filipo, perguntou a seus discípulos:

Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?

Eles responderam: Uns, que João o Batista; outros, que Elías, outros, que Jeremías ou

outro dos profetas. E Ele lhes disse: E vós, quem dizem que sou eu? Tomando a palavra Simão-

Pedro, disse: Você é o Messias, o Filho de Deus vivo".

"E Jesus, respondendo, disse: Bem-aventurado você, Simão-bar-jona, porque não é a

carne nem o sangue quem isto te revelou, a não ser meu Pai, que está nos céus. E eu digo a tí

que você é Pedro, e sobre esta pedra edificarei eu minha Igreja, e as portas do inferno não

prevalecerão sobre ela".

"Então ordenou aos discípulos que a ninguém dissessem que Ele era o Messias".

"Aconteceu que, orando Ele a sós, estavam com Ele os discípulos, aos quais perguntou:

Quem dizem as multidões que sou eu? Respondendo eles, disseram-lhe: João Batista; outros,

Elías; outros, que um dos antigos profetas ressuscitou. Disse-lhes Ele: E vós, quem dizem que

sou eu? Respondendo Pedro, disse: O Ungido de Deus".

"Jesus lhes proibiu com ameaças dizer isto".

É fácil constatar que a famosa passagem conhecida como o das "chaves" foi interpolada, e

isso em uma época em que terá que impor a supremacia do bispo de Roma sobre todas as

demais. O Evangelho de João, por sua parte, ignora tudo isto. Em conclusão, além do princípio

dos Atos dos Apóstolos (1, 13), onde se evoca sua existência embora de forma muito rápida, não

sabemos nada canonicamente válido sobre esses onze homens, já que o que compunha doze

fora executado por eles ou por ordem deles, como conseqüência de sua traição (sobre a morte de

Judas Iscariotes remetemos ao leitor à obra precedente). (27)

Tal como assinala monsenhor Duchesne, e antes dele Clemente de Alexandria, todos

desapareceram de repente e sem fazer ruído na história. Esse silêncio foi intencionado. Muitos

séculos depois, um dominicano italiano, Jacques de Voragine, que morreu em 1298, redigiu um

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amplo compêndio hagiográfico ao qual intitulou, com toda franqueza, Legenda áurea, quer dizer,

A lenda dourada. Portanto, não se trata mas sim de lendas e de nada mais, do contrário teria

intitulado seu livro História aurea, História dourada. Além disso, a gente pode perguntar-se de que

documentos, ignorados ou desconhecidos, disporia no século XIII, além dos arquivos secretos do

papado. E se essas peças existissem como deve ser, e fossem conservadas, não deixariam de

nos expor isso ainda em nossos dias. E tal não é o caso.

Mas o método histórico deve ser implacável, e não se deve deter nem limitar por nenhum

tabu. Além disso, o verdadeiro historiador e curioso por natureza; há nele um pouco de juiz de

instrução. E, como deformação profissional, todo silêncio lhe parece suspeito, pois é uma negativa

a dar resposta. Por conseguinte, essa negativa oculta algo muito importante, e portanto é aí onde

terá que afundar. Em contrapartida, o historiador conformista não é mais que um simples

historiógrafo, um dócil compilador, e seu papel é muito diferente.

Partindo desses princípios básicos, nós aprofundaremos na segunda parte o "secreto da

Igreja" (28), esse segredo evocado pelo juramento do bispo o dia de sua consagração, e é tão

secreto que o pontifical romano só fala em singular: concilium vero ...

Esta segunda parte do segredo tem relação com os "filhos de David", portanto, é

conveniente estudar antes suas características genealógicas.

Voltemos, pois, agora aos outros filhos de Judas da Galiléia, e vejamos o que diz a

respeito Flavio Josefo: "Foi sob este último precursor (Tibério Alexandre) quando sofreu Judéia a

enorme carência de mantimentos que fez que a rainha Elena (rainha de Abdiadena) comprasse

trigo do Egito a elevado preço para distribui-lo aos indigentes, tal como disse antes. Foi também

naquele momento quando capturaram aos filhos de Judas da Galiléia, que incitaram ao povo a

rebelar-se contra os romanos quando Quirino procedia ao censo de Judéia, como contamos

precedentemente. Esses dois eram Jacobo e Simão. Alexandre ordenou crucificá-los..." (Cf. Flavio

Josefo, Antigüidades judaicas, XX, V, 2).

É evidente que Jacobo, nome hebraico, é nosso Santiago apóstolo (em latim: Jacobus; em

grego: Jacobos). Seu companheiro é nosso Simão, por apelido Pedro. E por esta razão é que não

se encontra já nenhum rastro mais dele depois do sínodo de Jerusalém (Atos dos Apóstolos, 15),

nem tampouco de seu irmão Santiago, aliás Jacobo.

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Eusebio da Cesaréia, em sua História eclesiástica, quão único confirma é que se achava

em Jerusalém "durante a época da fome" (op. cit., III, VII, 8), o que nos confirma que se trata,

efetivamente, de nosso personagem. Encontramo-nos, pois, nos anos 46-47, e tudo coincide à

perfeição. Assim, Simão-Pedro e Santiago, o Maior, (29) aliás Simão-bar-Juda e Jacobo-bar-Juda

segundo seus nomes de circuncisão, foram crucificados juntos, em Jerusalém, sob o procurador

Tibério Alexandre.

Observe-se também que sempre lhes cita como inseparáveis: "Logo, passados três anos,

subi à Jerusalém para conhecer Cefas (aliás Simão-Pedro), a cujo lado permaneci quinze dias. A

nenhum outro dos apóstolos vi, se não foi ao Santiago, o irmão do Senhor". (Cf. Paulo, Epístola

aos Gálatas, 1, 18-19).

Simão-Pedro não morreu, portanto, em Roma no ano 64 ou 67 (não se está muito seguro

da data), crucificado de cabeça para baixo a pedido dele. Faltaria, pois, saber onde esteve e o que

fez durante os dezessete ou vinte anos que separam o ano 47, em que desaparece do novo

Testamento, sob o Claudio César, de sua pretendida morte em Roma, no 64 ou 67.

Agora bem, Simão-Pedro e Santiago, seu irmão, têm outros vários irmãos mais, e isto não

o inventamos: "Não é acaso o carpintero, (30) filho de Maria, e o irmão de Santiago, de José, de

Judas e de Simão? E suas irmãs não vivem aqui entre nós...? (Marcos, 6, 3).

Jesus, por outro lado, faz uma alusão muito clara à suas relações familiares e de sangue

com Simão-Pedro, quando lhe diz: "Bem-aventurado você, Simão-bar-jona (em acádio: o

anarquista, o fora da lei), porque não é a carne nem o sangue quem isto te revelou, a não ser meu

Pai, que está nos céus ..." (Mateus, 16, 17).

O que quer dizer claramente que o fato de que Jesus seja o Cristo, em hebreu o Messiah

tão esperado, Simão-Pedro o reconhece não por efeito de uma simples tradição familiar, por

causa dos laços da carne e do sangue, mas sim por uma verdadeira intuição espiritual de origem

divina. O que implica, por outra parte de Jesus, a confissão implícita dos laços familiares e de

sangue com Simão-Pedro, coisa que nos ocultou sempre cuidadosamente.

Sobre a absoluta certeza de que os termos de irmãos e irmãs não devem tomar-se no

sentido de primos e primas, e sobre a demonstração que disso fizemos, remetemos à obra

precedente. (31)

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Esse "carpinteiro" do qual fala Marcos é Jesus.

E então, silogismo inatacável, se Santiago (Jacobo) e Simão (Simão) são irmãos de Jesus,

e se forem deste modo filhos de Judas da Galiléia, é que este último também o é. E se este

descobrimento satisfaz ao historiador equilibrado e sincero, é porque pode concluir que Maria, sua

mãe carnal, concebeu-o como se concebe a todos os filhos dos homens. Nenhum arcanjo veio a

fecundá-la em nome de um Espírito Santo, terceira "pessoa" de uma trindade divina desconhecida

em Israel, já que semelhante hipótese constituiria uma blasfêmia sobre a unicidade divina. E, o

que é mais, os discípulos de João, o Batista ignoraram sempre que houve um Espírito Santo: "Ele

(Paulo) achou ali alguns discípulos e lhes disse: "recebestes o Espírito Santo ao abraçar a fé?".

Eles lhe responderam: "Nem sequer ouvimos que exista um Espírito Santo?..." (Cf. Atos dos

Apóstolos, 19, 1-3).

Observemos de passagem que Maria foi milagrosamente fecundada pela orelha, como

assegura às vezes o povo ordinário em são de brincadeira: "No mesmo instante, enquanto a

virgem Santa dizia essas palavras e se humilhava, o Verbo de Deus penetrou nela por sua

orelha ... E no mesmo momento começou o embaraço da Santa virgem". (Cf. O livro armênio da

infância, V, 9).

Terá que confessar que para a população judia, imbuída da célebre salmodia ritual:

"Schema Israel! Adonai elohenou! Adonai echad!...", quer dizer, "Escuta, Oh Israel! Yavé é nosso

Deus, Yavé é UM SÓ..." (Deuteronômio, 6, 4), ver que lhes ensinassem que há três deuses

diferentes em um só representaria pura e simplesmente uma blasfêmia. Por outra parte, a

afirmação injuriosa, lançada ulteriormente por alguns talmudistas, de que Jesus foi o bastardo

adultério de Maria e de um legionário sírio chamado Bar-Panteros, não tem fundamento, uma vez

descoberto seu marido real, pai legítimo de seus filhos.

E agora vamos poder estabelecer a ficha de filiação de cada um dos outros apóstolos, e

ver o que foi deles. Para relembrar à memória, recordemos seus nomes dados por Mateus (10, 2),

Lucas (22, 14), e Atos (1, 2). São: Simão, André, Santiago, o Maior, João, Felipe, Bartolomeu,

Mateus, Tomás, Santiago, o Menor, Tadeu, Judas Iscariotes.

Não fazemos figurar ao décimo segundo, chamado Simão, porque já demonstramos sua

identidade como Simão-Pedro. Não obstante, parece-nos necessário efetuar um último resumo

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em relação a ele, já que há contradições que não podem reduzir-se ao silêncio se não se

contribuírem com argumentos apropriados: por lógica, o Simão apelidado o Zelote (Lucas, 6, 15;

Atos,1, 13), o Cananeu (Marcos, 3, 18), ou o Iscariotes (João, 6, 70), ao que Jesus chama bar-

jona (em acádio: fora da lei), ao que Herodes Agripa I faz capturar em Jerusalém no ano 45 de

nossa era (Atos, 12, 3), é o mesmo personagem que Simão filho de Judas da Gamala, e portanto,

zelote como seu pai, e a quem o procurador Tibério Alexandre mandou crucificar com seu irmão

Jacobo (Santiago) no ano 47 em Jerusalém (Cf. Flavio Josefo, Antigüidades judaicas, XX, c, 2).

Negar esta identidade parece-nos, portanto, uma grande imprudência, já que seria sublinhar que

Jesus não se rodeava mas sim de extremistas, partidários de toda violência.

Não podemos deixar o personagem de Simão-Pedro sem mostrar uma vez mais a

desavergonhada falsificação sofrida pela história, ao passar pelo cálamo dos escribas anônimos

do século IV. Vejamos um mesmo episódio, relatado primeiro por Flavio Josefo, e logo por eles:

"Aconteceu que um judeu de Jerusalém, chamado Simão, que tinha a reputação de conhecer bem

a lei, convocou à multidão a uma assembléia enquanto o rei (Herodes Agripa I) tinha partido para

à Cesaréia, e ousou acusá-lo de impuro e de merecer ser expulso do Templo, cujo acesso não

estava permitido a não ser às pessoas do país. Uma carta do prefeito da cidade fez saber ao rei

que Simão discutira assim ao povo, o rei lhe mandou acudir à Cesaréia e, como então se

encontrava no teatro, fez-lhe tomar assento a seu lado. Logo, com calma e suavidade, disse-lhe:

"me diga se houver aqui algo que esteja proibido pela Lei..." O outro, não sabendo o que

responder, rogou-lhe que lhe perdoasse. Então o rei se reconciliou com ele mais rápido do que se

esperava, posto que julgava que a suavidade era mais digna de um rei que a cólera, e sabia que à

grandeza convém mais a moderação que o arrebatamento. E deixou ir Simão, depois de lhe haver

devotado inclusive um presente". (Cf. Flavio Josefo, Antigüidades judaicas, XIX, VIII, 4).

É evidente que este episódio é o equivalente daquele dos Atos no que vemos o Simão-

Pedro e aos outros que "estando todos reunidos no pórtico de Salomão, ninguém dos outros se

atrevia a unir-se a eles, mas o povo os tinha em grande estima". (Cf. Atos dos Apóstolos, 5, 12-

13). Porque se não se atreviam a unir-se a eles, é que suas arengas eram muito

comprometedoras, não se tratava dos lugares comuns sobre o amor ao próximo ou a boa conduta

moral. E por isso o prefeito de Jerusalém, que representava ao rei Herodes Agripa I, acreditou-se

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na obrigação de advertir a este último. A continuação, como acabamos de ler em Flavio Josefo,

reza com aquilo de que bem está o que bem acaba, e esse relato está dentro da plausibilidade

mais evidente. Mas vejamos no que se converte essa história sob a pluma de nossos piedosos

falsificadores: "Por aquela mesma época, o rei Herodes maltratou alguns membros da Igreja, e

deu morte, pela espada, ao Santiago, irmão de João. (32) Vendo que isto era do agrado dos

judeus, mandou capturar também ao Pedro. Isto acontecia durante os dias do pão ázimo. Depois

de havê-lo capturado e encarcerado, pô-lo sob a guarda de quatro esquadras de quatro soldados

cada uma, com a intenção de fazê-lo comparecer ante o povo depois de Páscoa. Assim, Pedro

estava na prisão, e a Igreja não cessava de dirigir orações a Deus, rogando por ele.

"A noite que precedeu ao dia em que Herodes ia fazê-lo comparecer, Pedro, preso por

duas cadeias, dormia entre dois soldados; e havia uns sentinelas diante da porta, guardando a

prisão. E eis que apareceu um anjo do Senhor, e uma luz brilhou na masmorra. O anjo despertou

Pedro, dando-lhe uns toques no flanco e lhe dizendo: "te levante rápido!". As cadeias caíram de

suas mãos. E o anjo lhe disse: "Ponha o cinturão e as sandálias". E assim o fez. O anjo lhe disse

ainda: "te envolva com seu manto e me siga". Pedro saiu e o seguiu, sem saber que o que fazia o

anjo era real, e imaginando que era vítima de uma visão. Quando passaram pelo primeiro guarda,

e logo o segunda, chegaram à porta de ferro que conduz à cidade, e esta se abriu sozinha diante

deles, saíram e entraram em uma rua. E em seguida o anjo abandonou Pedro.

"Então Pedro, voltado em si, disse: "agora me dou conta de que realmente o Senhor

enviou seu anjo e me arrancou das mãos de Herodes e de toda a espera do povo judeu". Depois

de ter refletido, foi à casa de Maria, a mãe de João, por apelido Marcos, onde estavam muitos

reunidos e orando. Golpeou a porta do vestíbulo e saiu uma serva chamada Rodeh, que logo

reconheceu a voz de Pedro, fora de si de alegria, sem abrir a porta, correu a anunciar que Pedro

estava no vestíbulo. Eles lhe disseram: "Está louca". Insistia ela em que era assim, e então

disseram: "Será seu anjo". Pedro seguia golpeando, e quando lhe abriram e lhe conheceram,

ficaram estupefatos. lhes fazendo sinal com a mão de que calassem, Pedro lhes contou como o

Senhor lhe tirara do cárcere, e acrescentou: "Contem isto ao Santiago e aos Irmãos". Depois saiu

e foi a outro lugar". (Cf. Atos dos Apóstolos, 12, 1-17). Todo comentário seria, evidentemente,

inútil. Mas ainda assim, permitimos nos assombrar de que Simão-Pedro, que estava tão

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severamente vigiado, conservasse ao alcance da mão toda seu pequeno equipamento: manto,

cinturão e sandálias. E do mesmo modo, é igual a surpresa que o redator anônimo dos Atos dos

Apóstolos, que nos afirma que foi Lucas, secretário de São Paulo (33), quem freqüentou ao Pedro,

ignore tudo que se refere ao lugar aonde acudiu este último, assim como as atividades posteriores

deste. Porque jamais volta a aparecer Pedro nos relatos dos Atos, e tão somente nos inteiramos

de sua sorte última através de Flavio Josefo.

Há ainda um ponto a assinalar sobre a inexistência da noção de um pontífice a princípio do

século IV: Eusebio da Cesaréia, ao redigir sua célebre História eclesiástica, em sua primeira

metade, não conhece outra coisa em Roma que um bispo como outros. Julgue-se: "Os mesmos

recomendaram ao Irineu, que então era o sacerdote da cristandade de Lyon, ao bispo de Roma

do que se acaba de tratar... (op. cit. V, IV, 1).

O cônego Bardy, em suas notas às traduções de Eusebio, observa (op. cit, V, IV, 2): "O

título de padre não é aqui a não ser um termo de respeito. Sabe-se que, mais tarde, sob a forma

de "Papa", converter-se-á no título reservado ao bispo de Roma".

Isto aparece sublinhado ainda por outra passagem de Eusebio: "Para mim, recebi esta

regra e este modelo de nosso bem-aventurado Papa Heraclas" (Op. cit. VII, VII, 41).

Agora bem, Heraclas era simplesmente bispo de Alexandria. Daí a nota do cônego Bardy:

"A palavra Papa aplica-se ainda nesta época a todos os bispos".

Sobre o de "bispo de Roma", simplesmente, e não "o Papa", citemos ainda, do mesmo

Eusebio da Cesaréia: História eclesiástica, V, XXIV, 9; XXV, 14; XL, III, 3; VI, XLVI, 3; IV, V, 2; VII,

V, 3, VI; VII, VII, 6; V, 21, etcétera.

Assim, no século IV, para o historiador oficial da Igreja dos primeiros séculos, não existe

nenhuma Papa cabeça da Igreja, só há um bispo de Roma, sem mais, igual, mas não superior, a

todos outros. E necessitar-se-ão séculos e séculos para chegar a ver os fiéis, ignorando tudo da

história de sua religião, prosternar-se ante um homem quase deificado, e beijar devotamente sua

sandália, com grande escândalo dos primeiros doutores da Reforma.

NOTAS COMPLEMENTARES

Nos Atos dos Apóstolos (9, 36-42), vemos Simão-Pedro ressuscitando a um tal Tabitha-

Dorcas, que figura "entre os discípulos" (sic) e que vive em Joppe.

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Agora bem, em Guerra dos judeus, de Flavio Josefo, vemos um tal João (Iochanan), da

cidade de Gischala da Galiléia, chefe zelote insurreto, levantado contra Roma, que "... querendo

matar também àqueles, enviou a um assassino chamado Tabitha...". (op. cit., IV, II, manuscrito

eslavo). E o manuscrito grego da mesma obra o diz: "... filho de Dorcas", quer dizer, em hebreu:

X...-bar-Tabitha. A partir daí é fácil estabelecer nosso silogismo.

a) maior: Tabitha-Dorcas é um discípulo de Jesus (Atos, 9, 36), e figura entre eles, em Joppe;

b) menor: este Tabitha-Dorcas tem um filho, chamado X...-bar-Tabitha, que é um sicário, sob as

ordens de João da Gischala, chefe zelote insurreto;

c) conclusão: esses "discípulos de Jesus" não são, pois, outra coisa que zelotes, que contam

entre eles elementos ainda mais extremistas (sicários), coisa que a continuação nos confirmará

(veja o capítulo 8), já que, segundo Flavio Josefo, esse João era: Galileu, mago e aspirante à

realeza, o que demonstra que era, mais que provavelmente, "filho de David" ele também.

Como se vê, caímos sem cessar nos mesmos ambientes, e não saímos da mesma família.

Sobre a pseudo-tumba de Pedro em Roma, cf. MAXIME GORCE, La verité avant tout (Paris,

1959, J. Vitiano édit.).

7 - Os irmãos Santiago

São os ricos os que lhes oprimem e lhes arrastam ante os tribunais, e são eles os que

blasfemam do formoso Nome que foi invocado sobre vós.

Epístola de Santiago, II, 6-7

Se duvidássemos de que Santiago da Epístola é um zelote, bastar-nos-ia continuando a

leitura, pois é muito edificante sobre este particular: "Agora lhes toca a vós, ricos! Chorem, gritem

pelas desgraças que vai abater sobre vós! Suas riquezas estão podres, e suas vestimentas roídas

pelos vermes. Seu ouro e sua prata estão oxidados, e sua ferrugem se elevará em testemunho

contra vós: como um fogo devorará sua carne. Amassastes seus tesouros nos últimos dias! Grita

contra vós o salário dos operários que têm feito a colheita em seus campos e do que lhes

privastes! E os gritos desses colhedores chegaram até os ouvidos do Senhor dos Exércitos..."(34)

(Op. cit. V, 1-5).

Está muito claro, e tão mais que a citada Epístola está dirigida "às doze tribos que estão

dispersas", quer dizer, a toda a Diáspora. Como observa muito exatamente Charles Guignebert:

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"...O interesse que lhe concede é grande, porque aparece como muito pouco cristão, muito

judaizante, e antipaulino). (Cf. Charles Guignebert, O Cristo, I, I.)

Sobre os dois apóstolos que levam esse nome, o Maior e o Menor, reina uma confusão

provavelmente intencionada, e organizada para o século IV. Eusebio da Cesaréia nos diz, com

efeito, o seguinte: "Houve dois Santiagos: um era o Justo, que foi precipitado do pináculo do

Templo e golpeado até a morte com uma fortificação de batanear, e o outro, que foi decapitado".

(Cf. Eusebio da Cesaréia, História eclesiástica, II, I, 5.)

Seja o que for, para o Teofilacto, bispo de Acrida, em Bulgareia, antes de 1078, a "Maria,

mãe de Santiago" citada em Lucas (24, 10), e evocada em João (19, 24-27), não é outra que a

"Théotokôs", quer dizer, Maria mãe de Jesus (cf. Seu Comentário sobre o Protoevangelio de

Santiago, citado pelo abade Emile Amann em Protévangile, Paris, 1910, Letouzey édit.,

Imprimatur Paris, 1910).

Temos, pois, um bispo do Oriente que, no século XI, ignora, ou nega, a perpétua

virgindade de Maria, e o que é pior, sabe que Jesus e Santiago são verdadeiros irmãos, no

sentido de consangüinidade da expressão.

O cônego G. Bardy, tradutor, comentarista e anotador da obra de Eusebio da Cesaréia

(Imprimatur: Divione, 1951), ao pé da página 50 do quarto tomo acrescenta as seguintes nota: (9)

"Nesta passagem, Clemente (Hypotyposes, livro VII) parece não conhecer mais que a dois

Santiagos: o Justo e o irmão de João. Haveria, pois, que concluir que identifica ao Justo com o

filho de Alfeu, que é mencionado nos Evangelhos como um dos Doze; cf. M-J. Lagrange, op. cit.,

página 87. Esta conclusão não se impõe absolutamente. Em outro lugar (Stromates, VII, 93-94),

Clemente faz de Santiago, o Justo, um filho de José. E o mesmo Adumbrat.in epist. Canonicas,

fragmento 13, Staehlin edit., III, 206". "(10) Clemente de Alexandria, Hypotyposes, fragmento 13,

Staehlin edit., III, P. 199. Staehlin atribui inclusive a frase seguinte a Clemente. Pelo contrário, os

editores de Eusebio atribuem-na ao historiador. Sobre estes fragmentos das Hypotyposes, veja-se

Th. Zahn, Forschungen, III, P. 73 e ss."

Tentemos ver claro, embora não seja nada fácil.

Herodes Agripa I morreu em Cesaréia, na primavera, e provavelmente em 10 de março do

ano 44 (no calendário gregoriano, quer dizer, o 1 no calendário Juliano), de uma morte muito

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digna, como nos precisa Flavio Josefo (Antigüidades judaicas, XIX, VIII), e não escandalosa,

como pretendesse o anônimo autor dos Atos dos Apóstolos (12, 21-24). Seria ele quem mandou

decapitar ao Santiago "irmão de João", e portanto "filho de Zebedeu", se dermos crédito aos

mesmos Atos (12, 1-2), e isso teria lugar em Jerusalém, ao mesmo tempo que procedia à

detenção de Simão-Pedro. Já vimos que tudo isso era falso (veja o capítulo 6).

Desde esse momento, permitimo-nos expor algumas questões bastante embaraçosas:

a) Se Santiago (Jacobo), filho de Zebedeu e irmão de João, foi segundo os Atos dos Apóstolos,

decapitado em finais do ano 43 ou princípio do ano 44 em Jerusalém, por ordem de Herodes

Agripa I, como pôde evangelizar a Espanha e morrer nela, se sua tumba se encontrar oficialmente

na basílica de Santiago de Compostela, na extrema ponta noroeste da Espanha atlântica, o que

implica que tinha que passar necessariamente pelas "colunas de Hércules" (Gibraltar), coisa que,

naquela época, era uma verdadeira aventura marinha?

Na realidade, até o século VII não começaria a difundir a lenda de Santiago evangelizando

a Espanha, e foi na primeira metade do século IX quando uma estrela resplandeceu acima de um

campo, assinalando assim a tumba do apóstolo, até então ignorada. O rei Alfonso II de Astúrias

aproveitou em seguida a ocasião e mandou erigir uma igreja que os árabes infiéis, insensíveis ao

piedoso engano, fizeram demolir a seguir.

b) Se foi só seu cadáver o que foi milagrosamente transportado pelos ares ao famoso campo de

"compostella", como pôde evangelizar a Espanha uma vez morto?

c) Se de verdade evangelizou em vida a Espanha, depois da morte de Jesus, e se, depois de

retornar imediatamente à Judéia, foi decapitado ali nos anos 43 ou 44, expõem-se outras

perguntas:

1) Como pôde em tão pouco tempo evangelizar essa mesma Espanha, e uma região

desconhecida, onde a própria Roma logo que tinha acesso?

2) Por que retornou imediatamente à Judéia, para que ali lhe decapitassem, ignorando assim a

sorte que lhe esperava?

3) Por que, depois dessa execução, foi transferido milagrosamente seu cadáver à ponta atlântica

extrema dessa "província" romana, que não o era mais que de nome, e que virtualmente se

limitava à suas regiões mediterrâneas?

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Porque, afinal de contas, o santuário de Compostela representa, há numerosos séculos,

um imenso ingresso para a cristandade, e a venda do Livro dos Atos dos Apóstolos também.

Então, pois, qual dos dois obtém uma arrecadação ilícita, e portanto impura?

Como se vê por tudo isto, os escribas iniciais, desejosos de velar a qualquer preço a

verdadeira personalidade dos dois Jacobo-Santiago, embrulharam-se mutuamente em suas

redações trucadas. E isso aconteceu por falta de uma sincronização de seus trabalhos comuns,

impossível de obter naquela época pela ausência de comunicações regulares. A verdade, como

sempre, é muito mais singela. Recapitulemos.

Santiago, o Maior, foi crucificado no ano 47, com Simão-Pedro, à saída do sínodo de

Jerusalém, durante a época de fome que seguiu à nova insurreição dos zelotes (veja o capítulo 6).

Não foi absolutamente decapitado por ordem do rei Herodes Agripa I, porque o rei benevolente e

generoso que nos descreve Flavio Josefo, o rei que perdoa injúrias e as calúnias de Simão-Pedro

e o deixa partir logo após dando-lhe inclusive alguns presente (veja o capítulo 6), não tinha

nenhuma razão para fazer cortar a cabeça a seu irmão, e é ao Tibério Alexandre, procurador de

Roma, a quem terá que imputar esta dupla crucificação.

E se dermos crédito à Clemente de Roma em sua I Epístola e à carta de Ignacio de

Antioquía aos romanos, Simão-Pedro foi executado depois de ser denunciado (cf. Clemente de

Roma, I Epístola, V). Não é necessário procurar nada, o responsável por tal denúncia foi Saulo-

Paulo (35), e nela estava incluído também Santiago.

Santiago, o Menor, por sua parte, foi lapidado no ano 63, por ordem de Ananías, pontífice

de Israel e saduceu, quer dizer, da casta conservadora e pró-romana, e bastante materialista, já

que rechaçava a imortalidade da alma e as recompensas póstumas. Esta execução, como teve

lugar durante a suspensão do jus gladii, por ordem de Roma, e situou-se no intervalo de tempo

que separou a saída do procurador Festo e a chegada de seu sucessor Albino, foi a causa da

destituição de Ananías. De todo modo, a condenação foi aplicada por crimes de direito comum:

banditismo, saques, ataque a mão armada, embora inspirados por motivos indiscutivelmente

políticos, e os crimes de direito comum dependiam da justiça romana, não da do Sanedrín, pois

este não julgava a não ser os delitos religiosos. Daí a sanção contra Ananías. E aqui temos a

prova: "Uma vez morto Festo, Nero deu o governo da Judéia ao Abino, e o rei Agripa tirou o

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supremo sacerdócio de José, para dar ao Ananías, filho de Ananías. Esse Ananías pai foi

considerado como um dos homens mais afortunados do mundo, já que gozou tanto como quis de

tal dignidade, e teve cinco filhos, que a possuíram, todos, depois dele, coisa que jamais aconteceu

a nenhum outro. Ananías, um deles, e de que falamos agora, era um homem audaz e

empreendedor, e da seita dos saduceus, que, como dissemos, são os mais severos de todos os

judeus, e os mais rigorosos em seus julgamentos. Escolheu o período em que Festo tinha

morrido, e Albino ainda não tinha chegado, para reunir um conselho ante o que fez apresentar-se

ao Santiago, irmão de Jesus, de apelido o Cristo, e a alguns outros, acusou-os de ter transgredido

à Lei, e os condenou a ser lapidados. Esta ação desagradou extraordinariamente a todos aqueles

habitantes de Jerusalém que tinham piedade e um verdadeiro amor pela observância de nossas

leis. Enviaram secretamente ao rei Agripa, para lhe rogar que ordenasse ao Ananías que não

voltasse a fazer nada semelhante, já que o que fizera não tinha desculpa. Alguns deles foram ante

Albino, que fora à Alexandria, para lhe informar do que acontecera, e lhe comunicar que Ananías

não poderia nem deveria reunir esse conselho sem sua permissão. Ele entrou em seus

sentimentos e escreveu ao Ananías encolerizado e ameaçando-lhe com que o faria castigar.

Agripa, ao lhe ver tão irritado contra ele, retirou-lhe o supremo sacerdócio, que não tinha exercido

mais que durante quatro meses, e o concedeu ao Jesus, filho de Damneus.

"Quando Albino chegou à Jerusalém, empregou toda sua atenção em devolver a calma à

província, mediante a morte de uma grande parte desses ladrões. Nesses mesmos tempos,

Ananías, que era um supremo sacerdote de grande mérito, ganhava o coração de todo o mundo.

Não havia ninguém que não o honrasse, por causa de sua liberalidade". (Cf. Flavio Josefo,

Antigüidades judaicas, XXI, VIII).

É perfeitamente evidente que todo esse fragmento do manuscrito de Flavio Josefo sofreu

modificações dos monges copistas, e além modificações pouco inteligentes. Porque:

a) Nos diz que Ananías e seus filhos sucederam no supremo sacerdócio, e ao mesmo tempo que

um deles sucedeu a um tal José. Há, portanto, contradição;

b) Nos diz que Santiago, irmão de Jesus (é Santiago, o Menor, porque o Maior morrera com

Simão-Pedro no ano 47), foi lapidado junto com alguns outros por ter transgredido à Lei judia.

Agora bem, essa mesma Lei judia, da qual os saduceus eram observadores tão estritos,

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proíbe pronunciar várias condenações de morte no mesmo dia. Contra isso é contra o que

protestaram os habitantes de Jerusalém, mas não contra o fato de condenar a violadores da Lei,

porque o fato de protestar por isso seria violar também a Lei... Santiago, o Menor, e esses "outros"

foram, pois, julgados e condenados por outros motivos? Quais? Aqui estão:

c) O último parágrafo dessa citação nos diz que Albino "empregou toda sua atenção em devolver

a calma à província, mediante a morte de uma grande parte desses ladrões." Mas, onde se tinha

falado de ladrões em todo o texto precedente? Em nenhuma parte. Ao menos não no relato dos

monges copistas, porque no de Flavio Josefo sim que se falava! Quão mesmo nos capítulos

precedentes, já que nos detalha as exações dos sicários.

De fato, a passagem que os monges copistas suprimiram cuidadosamente nos dava, com

efeito, o relato da execução de "Santiago (Jacobo), irmão de Jesus, de apelido o Cristo", mas não

se tratava somente da violação dos usos religiosos da Lei judia, mas sim de uma violação do

direito comum puro e simples. Nessa passagem retirada pelos copistas figurava o termo de

"ladrões", já que a ele se refere a continuação. Mas nossos copistas mais ou menos ignorantes,

tendo em conta a época (alta Idade Média), soletrando penosamente linha por linha, seguindo

com o dedo, palavra a palavra, não liam tão comodamente como nós, e não viram que sua

interpolação não enquadrava com a continuação do texto.

A fim de evitar utilizar uma tradução contemporânea que pudesse refletir os apliques

ideológicos e as preferências religiosas dos tradutores, tomam o texto de Flavio Josefo na

tradução de Arnauld d'Andilly (1588-1674), tradutor de várias obras religiosas, irmão maior de

Antoine Arnauld, o "grande Arnauld", defensor dos jansenistas contra os jesuítas, e de Angélique,

sua irmã, abadessa de Port-Royal.

Santiago, o Maior, morreu, pois, numa idade bastante avançada, por volta do ano 63 de

nossa era. E sua morte será muito rapidamente vingada por seu sobrinho Menahem, neto de

Judas da Gamala, e esse Menahem fará dar morte ao Ananías, em Jerusalém no curso da

revolução de março do ano 64, que preludiou a grande guerra judia que se declarou oficialmente

no ano 66. (36)

"Toda sua vida -conta-nos Epifano- Santiago se absteve de banhos, e não cortou nem os

cabelos nem a barba". Sua morte foi a de um judeu ortodoxo somente, segundo Flavio Josefo.

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Mas Hegesippo, citado por Eusebio da Cesaréia (cf. História eclesiástica, II, XXIII), assegura-nos

que foi a de um bom cristão. Pouco limpo, em todo caso. E fica o "irmão Santiago", chamado o

Maior. Segundo os Atos dos Apóstolos (12, 1), Herodes Agripa I o mandou decapitar em

Jerusalém. Isso é pouco provável, dado que tal soberano era piedoso, indulgente e bom (cf. Flavio

Josefo, Antigüidades judaicas, XIX, VII). "A natureza desse rei o inclinava a ser benevolente por

seus dons e a tentar dar a seus vassalos um alto conceito de sua soberania... Alegrava-lhe

agradar às pessoas, gostava que lhe elogiassem seu modo de vida, coisa em que era totalmente

diferente do rei Herodes (o Grande), seu predecessor". (Op. Cit.) Seu comportamento com Simão-

Pedro confirma o fato por Flavio Josefo (veja o capítulo 6).

Como conclusão diremos que Santiago, o Menor, foi lapidado, efetivamente, por ordem de

Ananías, pontífice de Israel, por atividades zelotes e como guerrilheiro mais ou menos misturado

com atos de banditismo, no ano 63 de nossa era, e que Santiago, o Maior, fora crucificado no ano

47, por ordem de Tibério Alexandre.

8 - André, aliás Lázaro

Santo André, crucificado, prega durante dois dias à vinte mil pessoas. Todos lhe escutam,

cativados, mas ninguém pensa em liberá-lo...

JULES RENARD, Journal

Este fim em uma cruz em forma de sinal de multiplicação concorda com a tradição mais

comum. De todo modo, São Pedro Crisólogo, em seu Sermão 133, assegura que foi pendurado

numa árvore.

Veremos no que segue que houve uma terceira solução, a crucificação romana,

provavelmente.

Esse personagem aparece citado em Mateus (4, 18, e 10, 2), Marcos (1, 29; 3, 18; 13, 3),

João (1, 41; 6, 9; 12, 22), e nos Atos (1, 13).

Eusebio da Cesaréia o cita deste modo em sua História eclesiástica, em III, I; II, e em III,

XXXIX, 4. Este autor declara que os Atos de André são considerados como apócrifos em sua

época, dado que só o receberam seitas heréticas cristãs já separadas da grande Igreja geral.

Em III, 2, 1, já citado, diz simplesmente que André, "por isso conta a tradição, obteve a

Escitia". Citado também ao Papías, "ouvinte de João e discípulo de Policarpo", diz-nos Irineu, mas

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cujas obras, claro está, desapareceram, o que faz com que possa ficar em sua boca o que alguém

queira. E a prova é: "Papías, no prefácio de seus livros, não se mostra jamais a si mesmo como

se fosse alguma vez ouvinte ou espectador dos Santos apóstolos. Mas nos diz que ele recebeu

quanto se refere à fé dos que os conheceram... Se em algum lugar chegava alguém que estivera

em companhia dos presbíteros, eu me informava das palavras dos presbíteros: o que dissera

André, ou Pedro, ou Felipe, ou Tomás, ou Santiago, ou João, ou Mateus, ou algum outro dos

discípulos do Senhor; e o que dissera Aristion, e o presbítero João, discípulo do Senhor". (Eusebio

da Cesaréia, História eclesiástica, III, XXXIX, 2-4). E isso é tudo o que nos diz sobre André. É

pouco.

Observemos, entretanto, que esse vocábulo não é um nome judeu de circuncisão. Deriva

do grego Andrôs (homem), e mais concretamente de Alexandrôs (homem vencedor). Agora bem,

segundo opinião de Dom J. Dupont, O. S. B., professor da abadia de Saint-André, que traduziu e

anotou os Atos dos Apóstolos no marco da Bíblia de Jerusalém, esse nome não seria em

realidade a não ser a forma helenizada de Eleazar (cf. Os Atos dos Apóstolos, Editions du Cerf,

Paris, 1964, P. 58, nota referente ao IV, 17). Em Dom J. Dupont, beneditino, podemos confiar!

Alexandrôs, em grego, deu Andreas em latim, e Alexis e Alex em diversas línguas, especialmente

eslavas, e em grego seguiu como Andreas. Pois bem, Eleazar, no Novo Testamento, nos

apresenta sempre sob a forma contraída de Lázaro. (37) Ele foi o compadre da famosa

"ressurreição"; voltaremos para isso no próximo capítulo. E não em vão as diversas correntes do

iluminismo dos Rosacruzes fizeram dele o patrão dos iniciados, quer dizer, daqueles que estão no

segredo.

Por conseguinte, e primeira constatação, o misterioso André, cujo nome de circuncisão nos

oculta, não é outro que Eleazar, aliás Lázaro. Ele é o pseudo-ressuscitado. Desde onde seu papel

esotérico no corpus dos alquimistas, onde se encontram símbolos como o Phenix, que renasce de

suas próprias cinzas, e, como por acaso, sobre uma pira composta por quatro ou dois troncos de

madeira, dispostos em forma de cruz de Santo André. Também é o "X", imagem da incógnita em

um problema sem resolver. Para nós, leitor, esse problema por fim já está resolvido.

A Epístola de Clemente de Roma menciona a lenda de fênix para simbolizar a

ressurreição: "Consideremos o estranho prodígio que se opera nas regiões do Oriente, quer dizer,

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na Arábia. Ali se vê um pássaro, chamado fênix. É o único de sua espécie, e vive quinhentos

anos. Quando se aproxima seu fim, constrói-se com incenso, mirra e outros aromas, um sepulcro,

onde penetra para morrer nele, quando se cumpriu seu tempo. De sua carne em putrefação nasce

um verme que se alimenta da podridão do pássaro morto, e logo se cobre de plumas. Quando se

fez forte, levanta o féretro onde repousam os ossos de seu progenitor e, com esse casulo, voa da

Arábia ao Egito, até a cidade de Heliópolis. Ali, em pleno dia, aos olhos de todos, vai voando a

depositá-lo sobre o altar do Sol, depois do qual empreende o vôo de volta. Então os sacerdotes,

consultando seus anais, constatam que retornou após quinhentos anos". (Cf. Clemente de Roma,

Epístola aos Corintios, XXV).

Assim, na época da redação da Epístola (século I) não se ignorava que André e Lázaro

não eram a não ser uma mesma pessoa, já que a fênix constituía a chave esotérica da lenda. Por

outro lado, a partir do século XVIII e a aparição dos graus elevados da franco-maçonaria, vemos

que os manuscritos rituais mais velhos nos representam um grau hierárquico que leva esse

vocábulo: "Cavaleiro Rosacruz, e é o título que lhe convém melhor); Cavaleiro da Águia (...),

Cavaleiro do Pelicano (...), Maçom de Heredom (...), Cavaleiro de Santo André (...)". (Cf.

Manuscrito da Instruction générale du grade de Chevalier Rosacruz, pelo Devaux D'Hugueville,

datado de 1746, no G. Bord, La Francmaçonnerie le France, Paris, 1908, P. 512 e ss.). Em seu

Introduction, Devaux D'Hugueville recorda que a jóia habitual, que representa ao santo em sua

cruz típica, às vezes é substituída em certos Estados por "uma medalha da Ressurreição" (sic). A

jóia maçônica que adorna o sautor vermelho vivo distintivo desse grau representa, além disso, um

compasso coroado, apoiado sobre um quarto de círculo, que leva em sua cara um pelicano

alimentando a seus pequenos, e na outra cara uma fênix sobre sua fogueira de ressurreição.

Observar-se-á que o manuscrito transcreve Rosacruz com um z, e não Rose-Croix.

Lembrança discreta da verdadeira origem do termo. O hebreu "rosen-koroz" significa "príncipe

arauto", e rôz (rosah) significa secreto, quer dizer, "arauto secreto" ou "arauto do segredo". Desde

aí é de onde nasceu o nome, puramente imaginário, do personagem chamado Rozenkreutz ou

Rosenkreutz.

Assim, os franco-maçons do século XVIII, ou ao menos os que codificaram o ritual

iniciático, não ignoravam que o apóstolo André estava associado em sua lenda a um tema de

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ressurreição. E quem no Novo Testamento, além de Jesus, ressuscitara, a não ser Lázaro? (38) E

mais ainda quando Jesus estava representado na outra cara da jóia como o pelicano que se

sacrificava por seus pequenos. (39)

Sobre o fato de que ele fora também o patrão dos iniciados (latim: initium, começo) temos

a prova nos Evangelhos canônicos. Ele é, com efeito, quem vai se ver antes, quando deseja ser

apresentado ao Jesus. Para este, rei legítimo, senão legal, de Israel, Eleazar-Lázaro é algo assim

como o grande chambelán. Isto nos precisa João (12, 20-22). Mas além disso tem em seu poder

umas temíveis chaves, e os escribas anônimos que no século IV, sob a vigilância de Eusebio da

Cesaréia e de outros diversos bispos, compuseram por ordem de Constantino os atuais

Evangelhos canônicos (fazendo desaparecer a seguir os antigos, chamados apócrifos), esses

escribas enredados nas redes de suas censuras, interpolações e extrapolações, sem querer

deixaram subsistir algumas palavras da verdade. Julgue-se: Nos diz que André é o irmão de

Simão-Pedro: "Caminhando, pois, junto ao mar da Galiléia, viu dois irmãos: Simão-Pedro, e

André, seu irmão..." (Mateus, 4, 18, e Marcos, 1, 16). Está muito claro. Esses dois irmãos o são no

sentido familiar do termo.

Muito embaraçados, como é de supor, pelo assunto, os exegetas modernos pretendem

que esse irmão não seja a não ser um associado. Mas subsistem outros textos que provam que

se tratava de perfeitos irmãos no sentido carnal e familiar do termo, já que em princípio inclusive

tinham a mesma moradia familiar: "Logo, saindo da sinagoga, vieram à casa de Simão e André,

com Santiago e João. A sogra de Simão estava deitada, com febre". (Marcos, 1, 29-31). Assim,

esses dois irmãos tinham a mesma moradia familiar.

Por outra parte, as Homilias clementinas confirmam que tinham o mesmo pai, e que a

morte deste os deixara órfãos. "Porque eu e André, meu irmão ao mesmo tempo carnal e ante

Deus, não só fomos criados como órfãos..." (Cf. Clemente de Roma, Homilias clementinas, XII,

VI). Que mais faltaria?...

E o Evangelho de Pedro nos diz o mesmo: "Quanto a mim, Simão-Pedro, e André, meu

irmão, tomamos as redes e fomos ao mar". (Cf. Evangelho do Pedro, 58 a 60).

Agora recapitulemos de forma definitiva:

a) André, aliás Eleazar, aliás Lázaro, é o irmão de Simão-Pedro, e ambos são órfãos. Porque,

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com efeito:

b) Simão é o filho de Judas da Gamala, morto no ano 6 de nossa era, no curso da célebre

revolução do Censo.

c) Agora bem, Simão é o irmão de Jesus: "Não é acaso o carpinteiro, filho de Maria, e o irmão de

Santiago, de José, de Judas e de Simão? E suas irmãs não vivem aqui entre nós?" (Marcos, 6, 3).

Por conseguinte:

d) Jesus, Simão, Santiago, André, José e Judas são, portanto, todos irmãos, e todos filhos de

Judas da Gamala.

Por outra parte, tiveram irmãs (Marcos, 6, 3). Quais são?

Voltemos para os Evangelhos:

"Havia um doente, Lázaro, da Betânia, da aldeia da Maria e da Marta, sua irmã. Era esta

Maria a que ungiu ao Senhor com ungüento e lhe enxugou os pés com seus cabelos, cujo irmão

Lázaro estava doente. Enviaram, pois, as irmãs a lhe dizer: "Senhor, que amas está doente"...

(João, 11, 1-4).

"Marta, pois, assim que ouviu que Jesus chegava, saiu-lhe ao encontro; mas Maria ficou

sentada em casa. Disse Marta ao Jesus: 'Senhor, se tivesse estado aqui, não tivesse morrido meu

irmão',"... (João, 11, 20-21).

"Assim Maria chegou onde estava Jesus, vendo-lhe, ajoelhou-se a seus pés, dizendo:

'Senhor, se estivesse aqui, não morreria meu irmão'..." (João, 11, 32-33).

Agora bem, como acabamos de ver, João nos fala da unção que Maria tinha conferido ao

Jesus. Mas onde comunicou antes este acontecimento? Em nenhuma parte! Temos que dar um

salto para diante, para encontrar o relato da união nos versículos 1 a 7 do capítulo 12. Além disso,

os textos antigos não pareceram tomar-se muito a sério seu trabalho.

E tanto mais que as duas passagens de João citados são absolutamente contraditórias no

que se refere à atitude de Maria...

E aqui é onde nos espera a maior surpresa, e também o maior escândalo! Evocamo-lo

discretamente na obra precedente. Ao final do presente capítulo levantaremos o véu. Aí o leitor

poderá constatar a veracidade do que dizíamos ao princípio deste estudo, ou seja, que André

tinha as chaves de muitos mistérios... Vamos agora a sua sorte final, e para isso joguemos à mão

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de nosso Flavio Josefo.

"Quando o rei Agripa morreu, como contamos no livro precedente, o imperador Claudio

enviou ao Cassio Longino, (40) para suceder ao Marso, rendendo assim comemoração à memória

do rei que, estando com vida, tinha-lhe pedido em numerosas cartas que Marso não presidisse

mais os assuntos de Síria.

"Quando Fado chegou como procurador à Judéia, encontrou aos judeus de Perea em luta

contra os Filadelfos (41) por causa de uma aldeia chamada Zia, cheia de pessoas belicosas, e

cujos limites eram disputados por uns e por outros. As pessoas de Perea tinham tomado as

armas, contra o parecer de seus chefes, e mataram numerosos filadelfos. Ao inteirar-se disto,

Fado se irritou muito porque não lhe deixaram a seu cuidado decidir se foram ultrajados pelos

filadelfos, e porque não temessem recorrer às armas.

"Fez-se, pois, com três de seus notáveis, que eram também responsáveis pela revolução,

e os mandou encadear. A seguir mandou matar um deles, chamado Aníbal, e castigou com o

exílio aos outros dois, Amram e Eleazar. Fez perecer deste modo ao Tholomaios, cabeça dos

bandoleiros que, pouco depois, fora encadeado, e que causara os maiores males à Iduméia e aos

árabes. A partir desse momento, Judéia ficou inteiramente purgada de bandoleiros graças ao zelo

e à prudência de Fado. Este então mandou ir aos grandes pontífices e aos príncipes de Israel, e

lhes convidou a depositar na cidadela Antonia as vestimentas sagradas e as roupas pontificais

que o costume permitia revestir ao supremo sacerdote, para que estivessem, como antes, em

poder dos romanos...". (Cf. Flavio Josefo, Antigüidades judaicas, XX, I, 1 a 6).

Mas as coisas não acabam aí. Sigamos relendo ao Flavio Josefo:

"Na Judéia as coisas adotavam, de dia em dia, uma aparência pior, já que o país estava de

novo cheio de bandoleiros e de impostores que enganavam ao povo. Cada dia Félix capturava a

muitos destes e os fazia perecer como a bandidos. Eleazar, filho de Dinaios, que reunira a seu

redor uma equipe de bandoleiros, foi capturado com vida graças a um estratagema. Depois de lhe

dar sua palavra de que não lhe faria nenhum dano, persuadiu-lhe de que se apresentasse ante

ele, e logo, depois de lhe fazer encadear, enviou-o à Roma..." (Cf. Flavio Josefo, Antigüidades

judaicas, XX, VIII, 5).

Vejamos agora o manuscrito grego da Guerra dos judeus: "Apenas Félix ocupou seu

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cargo, declarou a guerra a esses ladrões que causavam estragos em todo o país desde fazia vinte

anos, capturou ao Eleazar, seu chefe, e a outros vários com ele, e os enviou prisioneiros a Roma,

e deu morte a outro número incalculável de bandidos..." (Cf. Flavio Josefo, Guerra dos judeus, II,

XXI, manuscrito grego).

Antonio Félix foi procurador da Judéia no ano 51 de nossa era, e fazia já vinte anos que o

chamado Eleazar causava estragos no país. A coisa remontava-se, por conseguinte, ao ano 30

aproximadamente, ano em que começa a revolução judia dirigida por Jesus, quem seria

crucificado no ano 35. Tudo concorda cronologicamente, e mais ainda quanto que o ano 31 é o da

detenção de João, o Batista. Ao inteirar-se Jesus, refugiou-se prudentemente em Tiro e Sidón.(42)

Notemos, por outro lado, em que os manuscritos eslavo e grego da Guerra dos judeus não

levam indicação alguma sobre um suposto pai de Eleazar chamado Dinaios, ou Dineus no

manuscrito de Antigüidades judaicas. Nós afirmamos que se trata aí de uma interpolação dos

monges copistas medievais (os manuscritos são da Idade Média, não há outros). Porque que

plausibilidade há em que Flavio Josefo desse a indicação referente ao pai de Eleazar nas

Antigüidades judaicas, e não a repetisse na Guerra dos judeus, que foi posterior?

E como um judeu chamado Eleazar pode ter um pai chamado Dinaios ou Dineus, que são

nomes respectivamente grego e latino, admitindo, além disso, que esses nomes estivessem em

uso na Grécia e na Itália? Em hebreu há um nome feminino desse tipo: DINA, que significa "justa"

(Gênese, 30, 21, e 34, 1). Há também um nome comum, ao mesmo tempo hebreu e caldeu: din',

que significa "justiça" e "justo". E se tentamos reconstruir o vocábulo que designa ao chefe desses

zelotes, temos então Eleazar-bar-ha-Din', quer dizer, Eleazar-filho-do-Justo. Dinaios ou Dineus

não são então a não ser a tradução de apelidos hebraicos em grego e em latim, e não nomes. E

esse "justo", que é o pai de Eleazar, irmão de Simão-Pedro, de Jacobo-Santiago, e dos outros

irmãos, é evidentemente Judas da Gamala, o "herói" (em hebreu geber) da revolução do Censo.

Voltemos agora para a sorte de Eleazar aliás André, e sigamos com o Flavio Josefo: "Ele

também (Nero César) nomeou procurador a esse mesmo Félix que capturou seiscentos bandidos

com seu chefe e uma multidão de cúmplices deles, e os enviou ao César (Nero). Este fez

crucificar a essa gentinha; quanto aos chefes, retirou-lhes incalculáveis riquezas e os deixou em

liberdade". (Cf. Flavio Josefo, Guerra dos judeus, manuscrito eslavo, II, V).

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Traduzamos: Os "cúmplices" desses seiscentos "bandidos" não eram outros que os

camponeses que lhes abasteciam, e esses "bandidos" eram os guerrilheiros zelotes. De todo

modo, é difícil imaginar o traslado por mar de semelhante multidão naquela época. Foram,

efetivamente, crucificados, mas na Judéia, por ordem do procurador Félix, e só os chefes foram

enviados à Roma, dado que Félix lhes prometera astutamente que ele não lhes faria mal. Eleazar-

André caiu nesta armadilha. Não obstante Nero, a quem repugnavam as execuções inúteis,

preferiu lhes fazer pagar fortes resgates, em troca da promessa de que se mantivessem

tranqüilos, como acabamos de ver.

E a prova de que isto aconteceu efetivamente assim a temos em que aqui perdemos o

rastro nominal de Eleazar-André. Dele nunca mais se voltou a ouvir falar, e para paliar esta

carência da história verídica, entrou em cena a lenda, como declara monsenhor Dúchense em seu

livro Les Origines du culte chrétien. E daí a aceitação cortês mas reticente do alto clero ortodoxo

quando o Vaticano lhe fez restituir o crânio do apóstolo André, depois do encontro de Paulo VI e

Atanágoras.

Entretanto, uma vez retornados à Judéia, depois de pagarem o resgate exigido por Nero,

nossos zelotes não se mantiveram tranqüilos por muito tempo, e suas vinganças se exerceram

imediatamente. Julgue-se: "Quando retornaram, entregaram-se à crimes de outro estilo,

golpeando às pessoas em pleno dia em meio da cidade (Jerusalém), e sobretudo durante as

festas; mesclavam-se com o povo, e sob suas vestimentas ocultavam umas adagas agudas (a

sicca palestina), com os quais atravessavam seus adversários; a seguir plantavam-se diante da

vítima e fingiam lamentar o que lhe acontecera e procurar o assassino. Sua primeira vítima foi o

supremo sacerdote Jonathan, e seguiram muitos outros. Um medo horrível apoderou-se de todos,

e cada um esperava cada dia a morte, como na guerra". (Cf. Flavio Josefo, Guerra dos judeus, II,

V, manuscrito eslavo).

No que concerne às riquezas que serviram para pagar o enorme resgate desse irmão de

Jesus e de seus discípulos imediatos durante seu curto cativeiro em Roma, procediam do imenso

saque acumulado pelas lutas zelotes desde fazia quase um século. Demonstramos sua existência

real, documentos em mão, no capítulo referente aos zelotes (capítulo 1).

Tudo isto, entretanto, demonstra-nos que:

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a) Eleazar-André, seus seiscentos "bandidos" e a "multidão de cúmplices" deles, não eram

bandidos ordinários e de direito comum, a não ser simplesmente guerrilheiros zelotes.

b) A natureza de suas atividades e o parentesco os relaciona ipso ipso com os zelotes do

movimento anteriormente dirigido por Jesus, já que este último era seu chefe indiscutível, como

demonstramos na obra precedente (segundo a obra do historiador protestante Oscar Cullmann,

em seu livro Dieu et César). São os mesmos, o que explica que esse Eleazar-André, irmão de

Jesus e de Simão-Pedro, fora também um de seus dirigentes, e com maior razão depois da

crucificação de seus dois irmãos Simão e Santiago em Jerusalém, no ano 47.

Com eles estava também outro membro do estado maior primitivo de Jesus, e membro

também, sem lugar a dúvida, da grande família davídica, já que formava parte dos Doze;

nomeamos ao Bartolomeu, que durante as atividades de Eleazar-André ocupava-se de

"evangelizar" a Iduméia e a Ambatenha de uma maneira muito peculiar. Logo estudaremos seu

destino, depois da morte de Jesus.

Quanto à cruz em crucifica sobre a que teria morrido no Patras, aparece no século VIII,

quando se converteu em patrão de Escócia.

9 - A ressurreição de Lázaro

Sendo o primeiro na ressurreição dos mortos, tinha que anunciar a luz ao povo e aos

gentis.

Atos, 26, 23

Acabamos de ver que André, apóstolo, não é outro que Eleazar, cuja abreviatura é Lázaro.

Ele é o "ressuscitado" célebre. Sem dúvida, os espíritos desconfiados há muito tempo,

observaram que essa viagem mais à frente não lhe deu a conhecer nada novo, e que, tudo o

mais, comportou-se como um homem comum, emergindo de um profundo sonho, natural ou

provocado. Vejamos um pouco mais de perto o relato dos fatos.

Este não nos contribui isso mais que o evangelho citado por João. Antes aparecera o

episódio da filha de Jairo, chefe da Sinagoga (Lucas, 8, 41), mas como nos precisa que a menina

dormia e não estava morta (Jesus disse; Lucas, 8, 52), não se trata somente de um fenômeno de

catalepsia, e não de uma ressurreição.

No caso de Lázaro, aliás Eleazar, aliás André, (43) a coisa é muito distinta. Este episódio

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só figura em João, 11, 1 a 44. Aqui está: "Havia um doente, Lázaro, da Betânia, da aldeia de

Maria e de Marta, sua irmã. Era esta Maria a que ungiu ao Senhor com ungüento e lhe enxugou

os pés com seus cabelos, cujo irmão Lázaro estava doente. Enviaram, pois, às irmãs a lhe dizer:

"Senhor, que amas está doente". Ouvindo-o Jesus, disse: "Esta enfermidade não é de morte, a

não ser para Glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por ela".

"Jesus amava a Marta e a sua irmã e ao Lázaro. Embora ouviu que estava doente,

permaneceu no lugar em que se achava dois dias mais, passados os quais disse a seus

discípulos: "Vamos outra vez à Judéia". (44)

Os discípulos lhe disseram: "Rabbi, os judeus lhe buscam para o apedrejar, e de novo vai

lá?". Respondeu Jesus: "Não são doze as horas do dia? Se algum caminhar durante o dia, não

tropeça, porque vê a luz deste mundo; mas se caminhar de noite, tropeça, porque não há luz

nele". Isto disse, e depois acrescentou: "Lázaro, nosso amigo, está dormido, mas eu vou

despertar-lhe". Dizendo então os discípulos: "Senhor, se dormir, sarará". Falava Jesus de sua

morte, e eles pensaram que falava do descanso do sonho. Então lhes disse Jesus claramente:

"Lázaro morreu, e me alegro por vós de não ter estado ali, para que acreditassem. Mas vamos lá".

Disse, pois, Tomás, chamado Dídimo, aos companheiros: "Vamos também nós morrer com ele".

"Foi, pois, Jesus, e se encontrou com que levava já quatro dias no sepulcro. Estava

Betânia perto de Jerusalém, como a uns quinze dias, (45) e muitos judeus tinham vindo a Marta e

a Maria para consolá-las por seu irmão.

Marta, pois, assim que ouviu que Jesus chegava, saiu-lhe ao encontro; mas Maria ficou

sentada em casa. Disse Marta ao Jesus: "Senhor, se estivesse aqui, não teria morrido meu irmão;

mas sei que quanto peça a Deus, Deus o outorgará". Disse-lhe Jesus: "Ressuscitará seu irmão".

Marta lhe disse: "Sei que ressuscitará na ressurreição, no último dia". Disse-lhe Jesus: "Eu sou a

ressurreição e a vida; quem acredita em mim, embora morto, viverá; e tudo o que vive e acredita

em mim, não morrerá para sempre. Você crê nisto?". Disse-lhe ela: "Sim, Senhor, eu acredito que

você é o Messias, o Filho de Deus, que veio a este mundo". (46)

"Dizendo isto, foi e chamou a Maria, sua irmã, dizendo-lhe em segredo: 'O Mestre está aí,

e chama-a'. Quando ouviu isto, levantou-se imediatamente e se foi a Ele, pois ainda não tinha

entrado Jesus na aldeia, mas sim se achava ainda no local onde encontrara Marta. Quão judeus

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estavam com ela consolando-a, vendo que Maria se levantava com pressa e saía, seguiram-na

pensando que ia ao monumento a chorar ali.

"Assim Maria chegou onde estava Jesus, vendo-lhe, ajoelhou-se a seus pés, dizendo:

"Senhor, se estivesse aqui, não morreria meu irmão". Jesus vendo-a chorar, e que choravam

também quão judeus vinham com ela, comoveu-se profundamente e se turvou, e disse: "Onde o

pusestes?". Disse-lhe: "Senhor, vêm e vê".

"Chorou Jesus.

"E os judeus diziam: "Como lhe amava!". Alguns deles disseram: "Não pôde este, que

abriu os olhos do cego, fazer que não morra?".

"Jesus, outra vez comovido em seu interior, chegou ao monumento, que era uma cova

tampada com uma pedra. Disse Jesus: 'Tirem a pedra'. Dizendo-lhe Marta, a irmã do morto:

'Senhor, já fede, pois está há quatro dias'. Jesus lhe disse: 'Não disse que, se acreditar, verá a

glória de Deus?'. Tiraram, pois, a pedra, e Jesus, elevando os olhos ao céu, disse: 'Pai, dou-te

graças porque me escutaste; eu sei que sempre me escuta, mas pela multidão que me rodeia o

digo, para que acreditem que me enviaste'. Dizendo isto, gritou forte: 'Lázaro, sai fora!'. Saiu o

morto, atado com bandagens pés e mãos, e o rosto envolto em um sudário. Jesus lhes disse: 'lhe

soltem e deixem ir'." (João, 111, 1 a 44).

Aqui expor uma pergunta embaraçosa: Como um homem, com a cara envolta, os membros

atados com ataduras, e reduzido ao estado de múmia impotente, pôde levantar-se, caminhar,

dirigir-se a nenhuma parte?

Voltemos agora atrás, e tomemos de novo ao João, no capítulo 10, e leiamo-o inteiro, até o

versículo 39. Tudo o que conta se desenvolve em Jerusalém: "...celebrava-se então em Jerusalém

a Dedicação. Era inverno. E Jesus passeava no Templo pelo pórtico de Salomão". (Op. cit., 10,

22-23).

Agora passemos aos versículos 39 a 42 do mesmo capítulo: "(Jesus) Partiu de novo ao

outro lado do Jordão, ao local em que João batizara a primeira vez, e permaneceu ali". (Op. cit.,

10, 40-41).

O lugar "em que João tinha batizado a primeira vez" é o vau "da Betânia, ao outro lado do

Jordão" (João, 1, 28), quer dizer, um lugar situado na Perea, território chamado, efetivamente,

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"mais à frente do Jordão" (veja o mapa nº 8 do Atlas biblique pour tous, de R.P. Grollenger, O.P.,

Editions Sequoia). Mas não é a Betânia dos arredores de Jerusalém, situada na Judéia... Assim, a

"Betânia, do outro lado do Jordão" (João, 1, 28) é desconhecida, e Enon (mais ou menos: "regiões

de fontes"), onde João batizava "porque havia muita água", "perto de Salim" (João, 3, 23),

tampouco pode localizar-se com certeza, conforme nos diz R.P. Grollengerg. Mas uma vez mais,

e de todo modo, não é a que está situada a uns dois quilômetros de Jerusalém, mas sim essa

outra está ao menos a quarenta quilômetros, a vôo de pássaro, do outro lado do chamado Jordão.

João, o Batista, portanto, encontrava-se em Perea, e isso está bem estabelecido. Agora

saltemos de João 10, 42 ao capítulo 12,1: "Seis dias antes da Páscoa, veio Jesus à Betânia, onde

estava Lázaro, a quem Jesus ressuscitara dentre os mortos". (João, 12, 1). Mas se já estava ali!

Se todo o capítulo precedente o mostra precisamente em Betânia! Decididamente, essa localidade

converteu-se para nossos piedosos falsificadores em uma verdadeira obsessão, e não sabendo já

como sair da miscelânea de mentiras que elaboraram de maneira tão imprudente, caíram por

último na incoerência.

E, com efeito, do mesmo modo que o episódio da mulher adúltera (João, 8, 3) não foi

introduzido nesse Evangelho até que acessou ao pontificado o Papa Calixto (217-222), a pseudo-

ressurreição de Lázaro tampouco apareceu nos "acertos" dos monges copistas até os séculos IV

e V. (47) Porque é de todo ponto evidente que se Mateus, Marcos, Lucas e os Atos dos Apóstolos,

assim como todas as Epístolas de Paulo, Pedro, Santiago, João e Judas ignoram semelhante

prodígio (como é o caso), é que na época de sua redação ninguém conhecia tal relato. E fica em

pé uma prova peremptória, a passagem seguinte dos Atos dos Apóstolos, na qual Paulo, então

em Cesaréia Marítima, no ano 58, declara ao rei Agripa e à rainha Berenice: "Graças ao socorro

de Deus persevero firme até hoje, dando testemunho a pequenos e a grandes e não ensinando

outra coisa a não ser o que os profetas e Moisés disseram que aconteceria: que o Messias tinha

que padecer, que sendo o primeiro na ressurreição dos mortos, tinha que anunciar a luz ao povo e

aos gentis". (Cf. Atos dos Apóstolos, 26, 23). (48)

De modo que Paulo ignora que o primeiro ressuscitado dentre os mortos foi Lázaro, e não

Jesus. Pelo visto ignora que no instante do último suspiro deste na cruz da infâmia, ressuscitaram

também numerosos mortos, que até então jaziam nas tumbas do cemitério ritual de Jerusalém,

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próximo às Oliveiras, porque: "A terra tremeu e fenderam as rochas; abriram-se os monumentos,

e muitos corpos de Santos que dormiam, ressuscitaram; e saindo dos sepulcros, depois da

ressurreição Dele, vieram à cidade Santa e apareceram a muitos". (Cf. Mateus, 27, 52-53). Por

conseguinte, se dermos crédito ao João e ao Mateus, Jesus não pôde ser o primeiro ressuscitado

dentre os mortos. A menos que tudo isso fora imaginado nos séculos IV e V. Mas se as

testemunhas do prodígio que constituiu a ressurreição de Lázaro tiveram uma existência real,

convém desvelar o engano de que foram vítimas ou cúmplices, pois vamos ver a forma em que se

operou: Em todo o Egito, e principalmente na península do Sinai, existe uma solanacea chamada

sekaron, quer dizer, "a embriagadora". Pertence ao subgrupo dos belenos, é a Hyoscyamus

muticus. Dela, os antigos extraíam o banj ou bang, que, segundo a dose utilizada, era um potente

narcótico ou um simples alucinógeno.

Por outro lado, convém saber o que era o que se entendia por tumba ritual naquela época,

em Israel.

Em uma parede rochosa, escavava-se primeiro um estreito corredor em suave pendente e

a céu aberto, freqüentemente provido de degraus, a fim de alcançar mais rapidamente a

profundidade requerida. Então, na fachada da frente à qual desembocaria o corredor, praticava-se

uma abertura muito baixa, que geralmente se obturava com uma laje de pedra. Se a tumba era

importante, utilizava-se um molar de grão, que se fazia rodar comodamente por uma sarjeta

aberta a direita ou a esquerda.

Depois da abertura assim começada na parede, fazia-se uma primeira câmara funerária,

no centro da qual se escavava uma pequena fossa. Ao redor desta fossa corria um alzapié,

espécie de caminho de ronda que permitia circular.

Na parede do fundo desta primeira câmara, abria-se outra porta, e escavava-se atrás dela

uma segunda câmara funerária. As paredes desta última tinham nichos, nos quais se depositava

aos mortos. Esses nichos tinham um pendente destinado a facilitar o fluxo dos líqüidos orgânicos

procedentes da decomposição dos cadáveres, e esses líqüidos eram recolhidos em canais que

desembocavam na fossa central da primeira câmara.

Quando os esqueletos estavam totalmente descarnados e secos, retirava-os de seu nicho

e encerrava-os em pequenos ossários análogos a nossos "féretros de redução". Os líqüidos

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orgânicos evaporavam-se pouco a pouco na fossa central, mas enquanto esta não secasse,

segundo os termos da Lei judia devia-se pintar de branco, com cal vivo, todo o exterior da tumba:

escada, laje de fechamento, canal, marco da porta. Desde onde a expressão de "sepulcro

branqueado", sinônimo de "lugar impuro". Quando Jesus tratava a seus adversários com este

mesmo termo, a injúria não era leve, como se vê. Isto equivalia, com efeito, a qualifica-los de

"carniça", ou de "podridão".

Voltemos agora para o Lázaro. Suponhamos que este último aceitasse desempenhar o

papel de "compadre" em um engano destinado a inflar desmesuradamente a reputação

taumatúrgica de Jesus, e a facilitar assim o recrutamento e a ação do movimento zelote. (49)

Absorveria o banj ou um potente narcótico equivalente. Depois de um simulacro de enfermidade

de evolução rápida e morte oficial, levar-lhe-iam à uma tumba, sempre dormido, e abandonariam

no rodapé funerário, enrolado dentro do sudário habitual e provido das bandagens rituais, e a

seguir fechariam a tumba. O herbário secreto do vodu africano ou antilhano possui receitas que

permitem fazer acreditar em uma morte aparente sem discussão possível. Era com semelhantes

procedimentos que se obtinha, não faz ainda muito tempo, aos famosos zumbis, e o Código penal

haitiano se viu na obrigação de ditar penas extremamente severas para lutar contra estes

assassinos mentais. No caso de Lázaro não se trata mas sim de um soneca. A permanência de

quatro dias nessa capela funerária seria facilitada mediante a contribuição de alimentos e de água

por Marta e Maria. A impureza ritual e o medo supersticioso aos mortos descartavam qualquer

indiscrição noturna. Não ficava já a não ser acautelar ao Jesus e esperar sua chegada, o "milagre"

estava pronto. Quanto ao aroma de putrefação, era fácil de obter no último momento com uma

peça de carne passada, no fundo da cova. Quem pode sabê-lo? Possivelmente a pseudo-

ressurreição de Lázaro não foi em realidade outra coisa que uma tentativa de ensaio da qual

projetava Jesus. A crucificação veio a transtorná-lo todo.

NOTAS COMPLEMENTARES

Observar-se-á que:

1. Maria é a irmã de Lázaro, aliás André (João, 11, 1-4).

2. André é irmão de Simão-Pedro, portanto o é também de Jesus (veja o capítulo 8).

3. Maria é portanto a irmã de Jesus, por via de conseqüência, quão mesmo Marta. Essas são as

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irmãs anônimas citadas em Mateus (13, 56), e Marcos (6, 3).

4. Agora bem, Maria é a mulher que unge ao Jesus com nardo em Betânia (João, 1-4).

5. E a mulher que unge ao Jesus é precisamente a pecadora pública da cidade, uma prostituta,

segundo Lucas (7, 38).

6. Maria, irmã de Jesus, é portanto uma mulher de má vida.

7. E Jesus anima-a a perseverar, apesar das recriminações de Marta, sua outra irmã (Lucas, 10,

42).

Começa-se a compreender aqui por que Jesus declara, em Mateus (20, 31 e 32), que as

prostitutas adiantarão aos outros crentes no reino de Deus, e por que as pessoas "de má vida"

oferecem-lhe um festim na casa de Levi (Mateus, 9, 10; 11, 19; Marcos, 2, 15-16; Lucas, 5, 30; 14,

1; 15, 2).

10 - Judas-bar-Judas, o gêmeo

Ainda existiam, da raça do Salvador, os netos de Judas, a quem chamavam irmão carnal

daquele...

EUSEBIO de Cesaréia, História eclesiástica, III, XX, 1

Esse Judas (em hebreu: Juda, aliás Iehuda, louvor), citado em Marcos (6, 3) como irmão

de Jesus, não deve ser confundido com o Judas chamado o Iscariotes (em hebreu: "homem do

crime"): "Disse-lhe Judas, não o Iscariotes: "Senhor...". (Cf. João, 14, 22). Não é outro que Tomás

(em hebreu: Taôma, quer dizer, gêmeo). Taciano, discípulo de São Justino, em seu Diatessaron

(síntese dos quatro Evangelhos canônicos), declara, por volta do ano 175 de nossa era, que

Judas é em realidade seu verdadeiro nome. Mais tarde, São Efrén (306-375), um dos padres da

Igreja siriaca, confirmará em seus Hinos.

Terá que saber que Tomás não é, em hebreu, um nome próprio, a não ser simplesmente

um adjetivo e um nome comum: taôma, no plural taômim, significa, como dissemos antes, gêmeo.

Daí o epíteto de dídimo (em grego: gêmeo) que lhe associa João (11, 16 e 20, 24). A existência de

um irmão gêmeo de Jesus foi já longamente demonstrada, textos antigos em mão, em uma obra

precedente, a que remetemos a lector. (50) Aqui nos limitaremos a citar, simplesmente, um

evangelho muito velho, em seu manuscrito copto do século V, o Evangelho de Bartolomeu: "Ele

(Jesus) falou com eles em língua hebraica, dizendo: "Saúde a ti, Pedro, meu zelador, saúde a ti,

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meu gêmeo, segundo cristo!"... (Cf. Evangelho de Bartolomeu, 2º fragmento, Imprimatur: Paris,

1904, Firmin-Didot, édit.).

Outro irmão de Jesus, cuja identidade continua um mistério, aparece citado por Hipólito de

Tebas e por José, o Eclesiástico, sob o nome de Sidonios, "o de Sidón". (Cf. Abade Mine,

Patrologie, XVI, P. 187). Possivelmente foi em sua casa onde se refugiou Jesus quando fugiu à

Fenícia (Mateus, 15, 21). (51) Também poderia ser o mesmo que os Evangelhos canônicos citam

como Jesus-bar-Aba ou Barrabás, já que o grande Orígenes assegura que em manuscritos

antigos se dava a esse bandido o nome de Jesus. (52)

O que tem que particular no caso do Judas é que os escribas anônimos do século IV, que

lhe puseram a máscara de Tomás sobre o rosto para dissimular que Jesus, "Filho único do

Altíssimo", tinha um irmão gêmeo, é que aqueles falsificadores lhe deram diversos nomes.

Cita-lhe, efetivamente, com o sobrenome de Tomás em Mateus (13, 55), Marcos (6, 3),

Atos (1, 13), Judas (1, 1). O fato de que se tratasse do mesmo personagem que o irmão gêmeo

de Jesus nos confirma isso Eusebio da Cesaréia: "O mesmo Domiciano ordenou suprimir aos

descendentes de David. Uma antiga tradição conta que alguns hereges denunciaram aos

descendentes de Judas, que era um irmão carnal do Salvador, como pertencentes à raça de

David e aparentados com o próprio Cristo". (Cf. Eusebio da Cesaréia, História eclesiástica, III,

XIX). Eusebio contribuía aí o texto exato de Hegesipo em suas Memórias, compostas por cinco

volumes, e que Eusebio declara tê-lo em suas mãos. E este Hegesipo, judeu converso, viveu de

110 a 180 de nossa era na Palestina, visitou diversas igrejas, entre as quais se achava a de Roma

sob o Papa Aniceto (155-166), e, uma vez retornado à sua pátria, compôs seus Hypomnemata,

aonde se documentou amplamente Eusebio da Cesaréia.

Por conseguinte, se por um lado Tomás é o mesmo que Judas, e é deste modo o irmão

gêmeo de Jesus, o nome deste último é, efetivamente, como diziam Taciano e São Efrén, Judas,

em hebreu Iehuda ou Juda, como seu pai carnal Judas de Gamala. Onde tudo isto se complica,

embora resulte bastante revelador, é na versão protestante da Bíblia do pastor Louis Segond,

quem nos diz que Judas é também a mesma pessoa que Lebeo, citado em Mateus (10, 3), e que

é Tadeu (op. cit.). E é também o sobrinho de Levi, aliás Mateus. Dessas relações familiares se

desprende, pois, que o chamado Mateus-Levi era o tio de Jesus (e provavelmente o irmão de

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Judas da Gamala ou de Maria), já que era tio do gêmeo do chamado Jesus... Como se vê, entre

os "apóstolos" nos encontramos realmente "em família".

Em uma obra precedente, (53), já assinalamos que esse Tomás, taôma em hebreu, ou

gêmeo, fora vendido como escravo a fim de lhe permitir atravessar as fronteiras da Judéia sem

temor de ser identificado e detido pela polícia romana, depois de ter interpretado seu papel de

pseudo-ressuscitado. Mas a seguir teve que voltar forçosamente ao terreno das atividades

zelotes, já que o encontramos executado por ordem de Cuspio Fado, procurador de Roma em

Judéia, em finais do ano 45 e princípio de 47 de nossa era. Também neste ponto, consultemos ao

Flavio Josefo: "Enquanto Fado era procurador de Roma, um mago chamado Theudas (54)

persuadiu uma grande multidão de gente para que lhe seguisse, levando seus bens até o Jordão.

Pretendia ser profeta e que, por ordem dele, as águas do rio se dividissem para assegurar a todos

uma passagem fácil. Dizendo isto, seduziu à muitas pessoas. Mas Fado não lhes permitiu

abandonar-se a sua loucura. Enviou contra eles um esquadrão de cavalaria, que os surpreendeu,

matou a muitos deles e capturou com vida a muitos outros. Quanto ao Theudas, que foi feito

prisioneiro, os a cavalo cortaram a cabeça e levaram à Jerusalém. Isto é, pois, o que aconteceu

aos judeus durante o tempo em que Cuspio Fado foi procurador". (Cf. Flavio Josefo, Antigüidades

judaicas, XX, V, 1).

Para encobrir melhor a verdadeira personalidade do irmão gêmeo de Jesus, deram-lhe,

pois, vários nomes: Judas, Theudas, Tadeu, Lebeo, Tomás. Mas, o que é pior, pouco a pouco

fizeram dele um filho de Santiago, o Menor, pretendido "filho de Alfeu", quem seria decapitado em

Jerusalém no ano 44. E todos os exegetas católicos e protestantes, ao mesmo tempo, estiveram

de acordo.

Acabamos de ver, à luz de uma verificação precisa, o crédito que pode conceder-se a

conclusões tão "autorizadas" como "unânimes" quando são interessadas, porque é bem evidente,

tendo em conta os documentos antigos que contribuíram as provas necessárias, que Tomás não

foi outro que o irmão gêmeo de Jesus, e não um vago parente longínquo.

De todo modo, fica um ponto de pé, muito importante, e que se deve sublinhar. No relato

do fim trágico de Judas, aliás Tomás, aliás Lebeo, aliás Tadeu, encontramos o princípio e o

costume de colacarem a disposição comum dos bens próprios dos fiéis do movimento zelote,

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entre as mãos dos chefes da comunidade, e que ilustra tão bem o assassinato de Ananías e de

Saphira, sua esposa, à mãos dos jovens da guarda de Simão-Pedro. (55) Isto explica a

configuração progressiva, desde Ezequías e Judas da Gamala, desse enorme tesouro zelote cuja

existência nos revelam os documentos do mar Morto e que já encontramos (veja o capítulo 1).

NOTAS COMPLEMENTARES

A gente poderia sentir saudades de que o irmão gêmeo de Jesus aceitasse esse papel de

ressuscitado, tendo em conta sua incredulidade. De fato, esse episódio foi fabricado

integralmente, e precisamente para descartar em adiante qualquer caráter de verossimilhança no

referente à existência do chamado gêmeo... Para prova, basta-nos com o que segue: De Troas,

Ignacio, bispo de Antioquia, redigiu por volta do ano 110 ou 115 de nossa era uma Epístola aos

Esmirnos, quando se encontrava em caminho para Roma, onde seria executado. Pois bem, nessa

carta dirigida à comunidade da Esmirna, contribui-nos a prova de que o episódio dessa

incredulidade de Tomás, todavia não se imaginou naquela época: "Para mim, eu sei e acredito

que, inclusive depois de sua ressurreição, Jesus Cristo tinha um corpo. Quando se aproximou de

Pedro e a seus companheiros, o que lhes disse?: "me toquem, me apalpem, e vejam que não sou

um espírito sem corpo". Imediatamente todos lhe tocaram, e ao contato íntimo de sua carne e de

seu espírito, acreditaram". (Cf. Ignacio de Antioquia, Epístola aos Esmirnos, III).

Porque esse mesmo episódio da incredulidade de Tomás não o encontramos mais que no

evangelho de João (20, 24). Agora bem, esse evangelho era desconhecido antes do ano 190. E

nós não o possuímos materialmente até o ano IV. Antes o cético era Simão-Pedro! E Mateus,

Marcos e Lucas ignoram a incredulidade de Tomás, e com razão!

Se a gente recordar que Ignacio foi o discípulo daquele Simão-Pedro, o que faz dele um

dos quatro "Padres apostólicos", ver-se-á obrigado a admitir que aquele se achava nas fontes

mesmas da tradição oral.

Quanto a Tomás, discretamente evacuado fora da Palestina, em um convento de escravos,

guardou-se bem de continuar esse perigoso jogo. Podemos ler a seu respeito o seguinte nos

Stromates de Clemente de Alexandria: "Escolhidos não todos confessaram ao Senhor pela

palavra, e não todos morreram em seu nome. Entre eles se contam Mateus, Felipe, Tomás, e

muitos outros... " (Cf. Clemente de Alexandria, Stromates, IV, IV).

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Se se recordar que Clemente era o discípulo direto de Pantenio, quem por sua vez era

discípulo direto do apóstolo Marcos, vê-se que o chamado Clemente se achava nas fontes

mesmas da tradição oral ele também. E confirma implicitamente o que antecede. Uma tradição

eclesiástica pretende que o beijo de Judas Iscariotes teve como finalidade designar realmente ao

Jesus, e evitar aos legionários romanos que procedessem a deter seu sósia, quer dizer, a seu

irmão gêmeo. Mas para esta tradição o sósia era "seu primo irmão, Santiago, o Menor". Nos

contentemos sabendo que tinha um sósia, isso já constitui uma confissão ...

11 - Felipe

Eu conheço outros escritos, um pouco menos antigos (por poucos séculos) que os textos

de Qumrân, mas mais ricos, e que ilustram, com extremada abundância de detalhes, um dos

lados mais obscuros desses primeiros séculos de nossa era.

Jean Doresse, Les Livres secrets des gnostiques d'Egypte, Introdução

Com efeito, em 1947 descobriu-se em Nag-Hamadi, no Alto o Egito, uma biblioteca

gnóstica-cristã extremamente rica. Recebeu o nome de biblioteca de Khenoboskion, antiga

Shenessit do antigo o Egito, e estava composta por quarenta e nove manuscritos, redigidos bem

em subakhmímico, bem em saídico. Um deles leva por título: Epístola de Pedro ao Felipe, seu

irmão maior e seu companheiro". Está redigido em saídico, dialeto do Alto Egito, chamado

também copto tebano.

Contribui-nos a prova de que no século V, época de sua transcrição costumavam-se ainda

correntemente os laços de parentesco carnal entre Jesus e seus "discípulos". Nós já

demonstramos, por exemplo, que Simão-Pedro era o irmão menor de Jesús. (56) Se Felipe era

irmão de Pedro, é que o era também de Jesus.

Sobre este apóstolo dispomos de um duplo testemunho de Clemente de Alexandria. Era de

Betsaida, "a cidade de André e de Pedro" (João, 1, 44), o que dá a entender que devia ser mais

ou menos primo ou irmão destes, e portanto de filiação davídica também. Vejamos o que diz

Eusebio de Cesaréia: "Não obstante, Clemente, cujas palavras acabamos de ler, enumera a

seguir o que acaba de ser dito, àqueles dos apóstolos que estiveram casados, por causa daqueles

que condenam o matrimônio: 'Rechaçarão também aos apóstolos? Pedro e Felipe tiveram filhos.

Felipe inclusive deu à suas filhas à homens. E Paulo não vacilou em saudar em uma Epístola a

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sua companheira, a quem não levava consigo, para maior comodidade de seu ministério'." (Cf.

Eusebio de Cesaréia, História eclesiástica, III, XXX, 1).

O cônego G. Bardy observa que Clemente confunde o apóstolo Felipe com o diácono

Felipe, citado em Atos dos Apóstolos (21, 9), e essa confusão já cometera Polícrato de Éfeso, em

sua carta ao Papa Víctor. Foi o diácono quem teve quatro filhas, por certo que profetisas

(videntes). Este foi enterrado em Hierápolis, assim como duas de suas filhas (op. cit., III, XXXI,3).

Deixemos, pois, ao diácono e voltemos para apóstolo, sobre o que não sabemos nada, salvo a

observação de Clemente, já citada: "Escolhidos, não todos confessaram ao Senhor pela palavra,

e não todos morreram em seu nome. Entre eles se contam Mateus, Felipe, Tomás, e muitos

outros..." (Cf. Clemente de Alexandria, Stromates, IV, 9).

O que equivale a dizer que esses personagens, depois da morte de Jesus e o fracasso da

revolução dirigida por ele, voltaram para seus assuntos, menos perigosos e mais proveitosos que

as insurreições zelotes. À exceção, entretanto, de Tomás, o irmão gêmeo de Jesus, aliás Dídimo,

aliás Judas, aliás Tadeu, o taôma hebreu. Este, como agora sabemos, embora não "confessasse

ao Senhor pela palavra", morreu apesar de tudo decapitado, sob o nome de Theudas, e por

ordem de um tribuno que estava ao mando da cavalaria legionária enviada em sua perseguição

por ordem de Cuspio Fado, procurador de Judéia. Como não "confessou ao Senhor pela palavra",

foi executado por direito comum.

Sem dúvida, Mateus, Felipe, Tomás, eram daqueles apóstolos que não caíram na

armadilha da pseudo-ressurreição; e Tomás com maior motivo, já que durante vários dias, e

adotando certas precauções, interpretou o papel de Jesus "saído da tumba". Porque em Mateus

lemos o seguinte, sobre depois da ressurreição: "Os onze discípulos foram à Galiléia, ao monte

que Jesus lhes indicara, e, vendo-lhe, prostraram-se, embora alguns vacilaram... (Cf. Mateus, 28,

16-17).

Daí o final desenganado do Evangelho de Pedro: "O último dia dos ázimos, muitas

pessoas retornaram a suas casas, uma vez terminada a festa. E nós, os doze discípulos do

Senhor, chorávamos e estávamos afligidos. E cada um, entristecido pelos acontecimentos,

retornou a sua casa. Quanto a mim, Simão-Pedro, e André, meu irmão, tomamos nossas redes e

fomos ao mar. E conosco estava Levi, filho de Alfeu, que o Senhor...". (Cf. Evangelho do Pedro,

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58 a 60).

Nenhum deles acreditava, pois, na próxima ressurreição, apesar dos "milagres".

Deste fragmento final, interrompido bruscamente, teremos em conta, entretanto, que os

apóstolos continuam doze; portanto, Judas Iscariotes ainda não foi executado. No que concerne

ao final de Felipe, a Lenda dourada o faz morrer em Hierápolis, em Frigia, crucificado e rematado

sob uma chuva de pedras, a instigação dos sacerdotes dos santuários pagãos. Mas para admitir

este fim, terei que saber o que tal Felipe fazia em Frigia, e o ignoramos. Além disso, se não

participou da propaganda e na agitação zelote depois da morte de Jesus, no que incomodava aos

sacerdotes dos outros cultos? Deixemos a lenda e concluamos que não sabemos nada sobre

esse personagem misterioso, quanto mais que outras tradições escolásticas o fazem morrer de

enfermidade, também em Hierápolis, e que outras o fazem perecer crucificado.

NOTAS COMPLEMENTARES

Teve Mateus-Levi descendência? Não é impossível. Na versão eslava da Guerra dos

judeus de Flavio Josefo observamos esta passagem, relativo ao célebre João da Giscala, que se

ilustrou de diversas maneiras durante o local de Jerusalém: "João (Iochanan), filho de Levi, mago

e homem de maus pensamentos, desejoso de honras e sedento de guerra para dominar sobre

todos... (Cf. Guerra dos judeus, IV, 1, manuscrito eslavo).

Observemos que esse nome é de origem Galileu (Giscala está na Galiléia), que é o filho de

um Leví, e Mateus, aliás Leví, é Galileu; que esse João, aliás Iochanan-bar-Leví, é mago, e a

família de Jesus, seus irmãos e ele mesmo têm essa reputação; que João da Giscala está

desejoso de receber honras e de dominar, e que quer reinar.

Agora bem, para justificar tais desejos terá que possuir títulos que o permitam, portanto,

provavelmente é "filho de David" também ele. Porque naquela época só havia três dinastias que

pudessem apresentar candidatos válidos: a davídica, a asmonea e a herodiana, igual na França

era preciso proceder dos Borbones, os Orléans ou os Bonaparte para ser um candidato sério à

coroa. Por isso, se João da Giscala é filho de Mateus-Leví, e se este último é um tio de Jesus (em

opinião geral), isso significa que o chamado Mateus-Leví se casou com Maria III, filha de Salomão

e de Hannnah (Ana), e meio-irmã de Maria I, mãe de Jesus (ver quadro genealógico, cap. 19). E

então o terrível João da Giscala teria sido primo de Jesus, embora teria nascido muito tempo

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depois dele. Nas famílias às vezes há cada embrulho... Como vemos, também aí, e como nós

afirmamos sempre, nas inumeráveis insurreições zelotes nos encontramos sempre ante a mesma

família, os chefes são todos parentes próximos. E como no caso de Judas Iscariotes, a traição do

tio Leví-Mateus explica-se muito bem: Tentou fazer acontecer a sucessão dinástica à cabeça de

seu próprio filho. Esta traição, que surpreenderá ao leitor, logo a encontraremos, é facilmente

demonstrável, e está confirmada pelo Celso em seu Discurso verdadeiro veja o capítulo 27).

12 - Mateus

Falou-se do descobrimento do original de Mateus na tumba de Bernabé, no Chipre...

tentaram nos fazer aceitar diversos farrapos de papiro como os restos da edição original de

Mateus... e tudo sem a menor verossimilhança!

CHARLES GUIGNEBERT, O Cristo, I, IV

Não transcreveremos o nome de Mateus com dois "t", já que em espanhol se escreve com

uma só quando é um simples nome próprio, e que em hebreu leva só um taw em Mathan (II Reis,

11, 18 e Jeremías, 38, 1), quer dizer, mem-taw-nun, pontuados respectivamente pelo patah e o

quamats.

Mateus aparece chamado por Clemente de Alexandria entre aqueles que não se

preocuparam com o apostolado depois da morte de Jesus (veja o capítulo 3) e retornaram a seus

assuntos pessoais. Quer dizer, que o primeiro "evangelho" que leva seu nome, e que

desapareceu muito em breve, segundo Orígenes, que não o conheceu mais que de ouvido, assim

como o segundo, que nós conhecemos agora com esse nome, igual ao Pseudo-Mateus, ou Livro

das infâncias de Maria e de Jesus, todos esses textos não puderam ter como autor ao

personagem chamado sob esse nome em nossos canônicos ou nos apócrifos.

E conservamos para o final uma opinião autorizada: "Os detalhes que dá a tradição sobre

seu apostolado e seu martírio não têm valor histórico". (Cf. Dictionnaire de théologie catholique,

tomo X, 1ª. Parte, P. 359; imprimatur em 26-3-1928, Paris, Letouzey édit., 1929).

Assim, como o que se afirma a respeito do apostolado de Mateus encontra-se desprovido

de todo fundamento histórico, é óbvio que o mesmo acontece com o "Evangelho segundo São

Mateus", já que não há apostolado sem evangelho. Em uma palavra, Mateus jamais compôs texto

algum com esse nome, ao menos não o Mateus citado em Mateus (9, 9 e 10, 3), Marcos (3, 18),

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Lucas (6, 15) e nos Atos (1, 13).

É o mesmo personagem que Levi, e para convencer-se basta ler em Marcos (2, 14) e

comparar com Mateus (9, 9). E sob esse nome de Levi aparece citado em Lucas (5, 27), o que

confirma a observação seguinte:

a) "Passando Jesus dali, viu um homem sentado ao telonio, de nome Mateus, e lhe disse: "me

siga". E ele, levantando-se, seguiu-lhe...". (Cf. Mateus, 9, 9).

b) "depois disto (Jesus) saiu e viu um publicano por nome Levi sentado ao telonio, e lhe disse:

"me siga". Ele, deixando tudo, levantou-se e seguiu-lhe". (Cf. Lutas, 5, 27-28).

Segundo Eusebio e Epifano, citados pelo cardeal Jean Daniélou, S. J., o Evangelho dos

Hebreus, chamado também Evangelho dos Nazarenos, não seria outro que a versão aramaica do

Evangelho de Mateus (Cf. J. Daniélou, Théologie du judéo-christianisme, P. 34).

Terá que ter em conta a tradição eclesiástica, segundo a qual este seria um tio de Jesus?

No caso afirmativo, devia tratar-se, ou do irmão de Judas da Gamala, ou do de Joaquim, o pai de

Maria. Como diz, acerbo, Clemente de Alexandria, nesta indiferença prudente para as instruções

de um sobrinho "iluminado", pode classificar-se ao Levi-Mateus entre aqueles que na montanha,

ante o pseudo-ressuscitado, duvidaram. (veja o capítulo 3).

Por outro lado, suas funções de pedágio, aliás publicano, quer dizer, de cobrador de

impostos indiretos, ao serviço dos ocupantes romanos, faziam dele um pequeno "arrendatário

geral", o que implica a posse de uma certa fortuna como ponto de partida, fortuna investida na

aquisição do cargo. Este detalhe pareceria descartar tal possibilidade em um homem jovem,

enquanto que resultaria mais plausível no caso de um homem amadurecido. Por isso a tradição

nos apresenta isso como o tio de Jesus (e não como um irmão ou um primo, e menos ainda como

um estrangeiro), coisa que deveremos ter em conta, assim como essa prudência no fato de não

querer correr o risco de perder tudo em agitações estéreis.

Segundo uma tradição mais que legendária, evangelizou entretanto a Palestina e Etiópia, e

ali encontrou o martírio por querer opor-se ao matrimônio do príncipe Hirtace com sua parenta

Ifigenia; isso é o que acontece meter-se onde a um não importa. Não obstante, como há grandes

possibilidades de que ninguém se chamou jamais assim em Etiópia, voltaremos para a opinião

autorizada do Dictionnaire de théologie catholique já citado, ou seja, que não sabemos nada sobre

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Mateus, e que não redigiu nada. O que parece muito mais sensato.

Observe-se, por outra parte, que Eusebio de Cesaréia, ao citar com muita reserva em seu

livro III, capítulo I, as regiões nas quais teriam evangelizado os apóstolos, tem muito cuidado em

nos fazer compreender, dúbio, que daqueles que nos conta, não se faz absolutamente

responsável. Pois bem, nessa passagem não diz nenhuma palavra sobre Mateus.

Limitemo-nos, pois, à afirmação de Clemente de Alexandria, ou seja, que o citado Leví-

Mateus, à morte de Jesus, retornou tranqüilamente a seus frutíferos pedágios, mais remunerantes

e menos perigosos que o prosseguimento das lutas zelotes, que terminavam invariavelmente no

tradicional suplício da crucificação.

Sobre sua morte real não sabemos nada válido, evidentemente Mateus morreu em Luch,

ou em Hierópolis, ou em Naddaver (cf. G. Las Vergnas, Jésus-Christ a-t-il existé? Heraclion nega

o martírio que alguns lhe adjudicam, quão mesmo o grande Dictionnaire de théologie catholique.)

Em um próximo capítulo veremos que o silêncio da Igreja está mais que motivado, e que é

prudente não insistir muito sobre a vida de "São Mateus", já que, uma vez mais, também aqui nos

espera um escândalo explosivo...

13 - Bartolomeu

Os Evangelhos não são, evidentemente, novelas, mas tampouco são livros de história...

DANIEL-ROPS, Jesus em seu tempo, Introdução

Já imaginávamos ligeiramente. Mas os governos se esforçam em fazer acreditar o

contrário, através da imprensa, das emissões religiosas, dos espetáculos televisionados, etc. E

aqui temos outra vez a ocasião de surpreender a muito famosa "tradição" em estado de total

impostura.

O apóstolo Bartolomeu citado em Mateus (10, 3), Marcos (3, 18), Lucas (6, 14), nos Atos

(1, 13). Eusebio da Cesaréia nos diz isto a respeito dele: "Entre esses homens esteve Pantenio, e

se diz que foi às Índias. Também se diz que lhe antecipara o evangelista Mateus, já que alguns

indígenas do país conheciam Cristo. Àquelas pessoas, Bartolomeu, um dos apóstolos, pregou-

lhes, e deixara-lhes, em caracteres hebraicos, a obra de Mateus, que conservaram até a época da

qual falamos". (Cf. Eusebio da Cesaréia, História eclesiástica, V, X, 3-4).

Sabemos por Orígenes, o grande doutor e exegeta morto no ano 254, que já em seu

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tempo o texto inicial em aramaico ou hebreu do Evangelho de Mateus perdeu-se e era totalmente

desconhecido. Supunha-se que estava composto pelos "ditos" de Jesus, sentenças lapidárias,

axiomas, etc., mas em todo caso não tinha nada em comum com o relato que Orígenes tinha em

mãos. Pois bem, Orígenes era discípulo direto de Clemente de Alexandria, quem o era de

Pantenio. E o chamado Pantenio, que estivera "nas Índias", não trouxera a mínima cópia desse

precioso documento inicial de Mateus? Incrível!

E tanto mais que possivelmente poderia inclusive adquirir o original, então em mãos dos

habitantes das Índias, dado que Bartolomeu, apóstolo, tinha-lhes deixado esse texto imensamente

precioso em "caracteres hebraicos". Coisa que, para os índios, que não conheciam a não ser os

alfabetos indi e sânscrito, e ignoravam o hebreu como linguagem, não representava

evidentemente nenhum interesse. (E além disso, o cristianismo sempre fracassou nas Índias, em

presença das doutrinas tradicionais ou do Islã. Logo que há cristãos, e só entre os órfãos

recolhidos e logo educados "conforme"). Então, que interesse podia ter Bartolomeu em lhes deixar

um exemplar em hebreu?

Tudo isso soa fabulação.

Observemos que o cônego G. Bardy, em sua tradução de Eusebio de Cesaréia e em suas

notas complementares, diz-nos, página 39 do tomo II (livros V a VII de Eusebio de Cesaréia):

"Trata-se realmente da Índia, ou da Arábia do Sul?..." Esta observação é muito pertinente, se se

considerar quantas vezes os célebres contos de As Mil e uma Noites chamam a Índia ao que não

é mais que o conjunto das regiões ao sul do mar Vermelho. Mas ao mesmo tempo é muito

perigosa para a lenda oficial, como veremos logo.

Voltemos agora para misterioso personagem de Bartolomeu. Em hebreu é Bar-Thalmai,

mas sem o nome de circuncisão prévio, quer dizer, X...-bar-Thalmai. Esse nome aparece citado

em livro dos Números (13, 22), Josué (15, 14), em II Samuel (3, 3 e 13, 37) e em I Crônicas (3, 2).

Lemaistre de Sacy lhe dá como significado "filho daquele que detém as águas". Thalmai não

significa exatamente isso, porque também pode ser "filho das fontes de cima", de tal (em hebreu:

altura), e de may (em hebreu: fontes, águas). Então seria "filho das águas do alto".

A versão sinodal protestante nos precisa, em sua oitava revisão (Paris, 1962, Société

biblique française édit.), que Bartolomeu era provavelmente o mesmo personagem que Natanael,

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citado em João (1, 45 a 50), ao qual Jesus encontraria entre a Betânia do outro lado do Jordão e

Galiléia, para onde volta. Então seria Natanael-bar-Thalmai.

Sobre a sorte final de Bartolomeu, a Lenda dourada quer nos fazer acreditar que morreu

em Albanópolis, em Armênia, esfolado vivo. Mas Armênia não está no caminho das Índias, nem

no da Arábia meridional, mais curto. Consultemos, pois, de novo ao Flavio Josefo, quem nos

revelará seu destino final, ao mesmo tempo que o de André, aliás Eleazar, aliás Lázaro, como

vimos na passagem já citada. Vejamos, agora, o parágrafo que vem imediatamente depois, e que

se refere ao Bartolomeu: "Algum tempo depois (do desterro de Eleazar), ele (o procurador Cuspio

Fado) mandou capturar deste modo ao Bartholomaeus, cabeça dos bandidos que causara tantos

males aos idumeus e aos árabes, e que fora encadeado. Cuspio Fado condenou-o a morte e

purgou assim a toda a Judéia desses inimigos da segurança pública..." (Cf. Flavio Josefo,

Antigüidades judaicas, XX, I). É evidente que Bartholomaeus é a forma greco-latina de nosso

Bartolomeu; parece, pois, que nos aproximamos da verdade. Retrocedamos um pouco e

examinemos a opinião do cônego G. Bardy, quem considera que a viagem evangélica às Índias

do apóstolo de tal nome é pouco provável, e que se tratou simplesmente da Arábia do Sul, a

Arábia meridional, constituída pela Iduméia e a Nabatea, esta última reino de Aretas IV, que

possuía além disso a cidade de Damasco, cujo etnarca, e não os judeus, tentaria capturar Saulo-

Paulo quando este foi ali. (Cf. II Epístola aos Corintios, 11, 32). E a opinião do erudito cônego é

muito plausível! Já demonstramos antes a impossibilidade e a falta de lógica de uma viagem às

Índias do apóstolo Bartolomeu. Se a este lhe ocorreu evangelizar a Arábia do Sul (Iduméia e

Nabatea), fez de uma maneira muito particular. Ali, o evangelho cheio de doçura que

conheceremos partir do século IV, para os árabes idumeus e nabateos se apresentará sob a

forma de bandos de zelotes bem armados, perfeitamente treinados para o combate e os saques

consecutivos; o fogo do Espírito Santo lhes transmitia com tochas, e a imposição das mãos se

realizava com a sicca, aquele sabre curto, meio adaga, meio cimitarra, e que deu nome aos

sicários, ex-zelotes. Já encontramos, pois, ao Bartholomaeus citado por Flavio Josefo, e que

causara "tantos males aos idumeus e aos árabes" (op. cit.).

Por outra parte, Cuspio Fado (e não Astyage, irmão do rei de Armênia), o procurador que

mandou executar Bartholomaeus, entrou em funções no ano 45 de nossa era, um ano depois da

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morte do rei Herodes Agripa I, e por designação de Claudio César. Portanto, provavelmente

Bartholomaeus foi executado em princípio do ano 47, já que Tibério Alexandre, sucessor de

Cuspio Fado, entrou em funções no segundo trimestre do ano 47, e em seguida fez crucificar ao

Simão-Pedro e ao Jacobo-Santiago, no mesmo período.

De modo que parece evidente que essa tripla execução pertence a um episódio global da

repressão romana. Os protagonistas estão relacionados pelos fatos, e Bartolomeu, Simão-Pedro e

Jacobo-Santiago foram capturados e condenados por suas atividades comuns: uma guerrilha

nacionalista, complicada por necessidade vital com banditismo puro e simples aos olhos de Roma.

Porque não esqueçamos que as incessantes guerras civis terminaram, naquela época concreta,

por levar a fome a toda Judéia. E daí as invasões dos zelotes na Arábia meridional. Bartolomeu

estaria encarregado da intendência e do aprovisionamento dos grupos ofensivos.

No que concerne a seu tipo de morte, devia ser o habitual: a cruz. Mas precedida

obrigatoriamente de uma terrível flagelação. Também seria precedida de um interrogatório

submetido a tortura. E, através dos autores antigos, sabemos que os verdugos romanos usavam

em todo o Império luvas de crinas, manoplas ou manoplas de pele de tubarão, inclusive unhas de

ferro, para depois da flagelação. E isto pôde dar nascimento à lenda de um Bartolomeu esfolado

vivo.

14 - Iochanan, ou João o Evangelista

Não importa se forem partidários de Pascal ou de Voltaire, sua fé não será séria até que

não tenha resistido à confrontação com um adversário...

JEAN GHEHENNO, Ce que je crois

Para a clareza da exposição, observaremos acima de tudo que convém distinguir a vários

Joãos. Em primeiro lugar está João, o Batista, evidentemente. Foi encarcerado por ordem de

Herodes Antipas na cidadela de Maqueronte, à beira do mar Morto, em 28 de maio do ano 31 de

nossa era, e foi decapitado em 29 de março do ano 32, menos de um ano mais tarde.

Logo está João, o apóstolo, a quem se chama também "o discípulo bem-amado". Este será

o que estudaremos aqui.

Está também João, o presbítero, de quem foi ouvinte Papias. Devia ser um dos setenta e

dois discípulos enviados por Jesus de dois em dois (Lucas, 10, 1 e 17, fala de setenta, alguns

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manuscritos falam de setenta e dois).

Está, por último, João, de apelido Marcos, companheiro de Bernabé e de Saulo, de quem

alguns exegetas declaram que é o mesmo que o Marcos evangelista, discípulo de Simão-Pedro, e

de quem outros afirmam que é um personagem diferente. Os docetas (57) usavam

preferentemente o evangelho de Marcos (cf. Irineu, Contra as heresias, III, XI, 7), para o versículo

31 do capítulo V, que contribuíam os discípulos de Valentín, e que sugeria que Jesus, enquanto

estava com vida, tinha já o mesmo "corpo ilusório" afirmado implicitamente por João, 20, 17.

Sobre as origens familiares de João, o "apóstolo bem-amado", em Mateus descobrimos

isto: "Passando (Jesus) mais adiante, viu outros dois irmãos, Santiago filho de Zebedeu, e João,

seu irmão, em um barco, com seu pai Zebedeu, que compunham as redes, e os chamou. Eles,

deixando logo o barco e seu pai, seguiram-lhe". (Mateus, 4, 21).

É evidente que se Jacobo (Santiago) e Iochanan (João) obedecem instantaneamente a

esta chamada de Jesus, é que lhe conhecem já. A menos que fique em jogo uma fascinação

hipnótica, não se vê como dois homens normais podem comportar-se assim, e menos ainda

quando o pai, a quem com semelhante desenvoltura deixam plantado, com suas redes e seu

barco, não estranha, nem protesta. Portanto, não é a primeira vez que Jesus os chama, o fato é

habitual; reconhecem ao "filho de David", como mais tarde o reconhecerá a juventude judia de

Jerusalém, a sua chegada em Jericó (cf. Mateus, 21, 9, e Marcos, 11, 9); a seus olhos é o rei

legítimo, senão legal, e esta chamada é uma ordem formal.

Mas, quem é esse Zebedeu? Porque não o voltaremos a encontrar em nenhuma outra

parte. Cita-lhe como pai de Santiago e de João, sem mais, em Mateus (20, 20-27, 56), em Marcos

(3, 17), Lucas (5, 10), João (21, 1-3). Os Atos dos Apóstolos ignoram-no. Portanto, é evidente que

os escribas anônimos do século IV não quiseram estender-se sobre este personagem. Isso

significa que para o historiador, curioso e desprovido de complexos dogmáticos, apresenta muito

interesse. Voltemos, pois, ao Mateus, e vejamos mais de perto: "...entre elas Maria Madalena e

Maria a mãe de Santiago e José e a mãe dos filhos de Zebedeu" (Mateus, 27, 56).

A priori há três mulheres diferentes. Não obstante, sejamos desconfiados e vamos ao texto

grego original: "En aîs Maria è Magdalenè kai Maria è toû Iakobous kai'Iosef mèter kai è méter tôn

uiôn Zebedaiou ..." (Mateus, 27, 56).

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Isto nos dá, traduzido corretamente:

"Entre elas estavam Maria Madalena, e Maria, a mãe de Santiago e de José, e mãe

também dos filhos de Zebedeu ..." (op. cit.).

A mãe dos filhos de Zebedeu é a Maria mãe de Santiago e de José, pelos motivos que

seguem: Por que se nomeia a todos os personagens em questão, salvo a essa "mãe dos filhos de

Zebedeu"? Porque constituiria uma repetição, porque a acaba de nomear, e não se pode voltar a

repetir. Porque se a È, em grego, significa o ou a, também significa ele ou ela, e se emprega

correntemente para ele mesmo ou ela mesma. (Cf. Gran Dictionaire français-grec et grec-

çfrançais, de G. Ozanneaux, Recteur d'Academie, Inspecteur général de l'Université, Paris, 1863,

tomo II, página 607). Portanto, deve traduzir-se: "... e Maria, mãe de Santiago e de José, ela

mesma mãe dos filhos de Zebedeu... "; e não ou e mãe dos filhos de Zebedeu..."; "e a mãe..." a

mãe dos filhos de Zebedeu ..."

Esta última tradução falseia totalmente o sentido da frase, e tanto mais que não é correto

repetir o artigo, dobrando-o. Esse truque é uma prova mais de que quer ocultar cuidadosamente

que em realidade era a mãe dos filhos desse Zebedeu, porque se tratava da Maria, a mãe de

Jesus. Não é acaso o carpinteiro, filho de Maria, e o irmão de Santiago, de José, de Judas e de

Simão?... (Marcos, 6, 3).

Por outra parte, em Lucas lemos isto: "E igualmente Santiago e João, filhos de Zebedeu,

que eram companheiros de Simão..." (Lucas, 5, 10).

O grego koinonoi tem o sentido de companheiros, associados. Em seu Vulgata latina, São

Jerônimo traduz: "... que eram socii Simonis", quer dizer, associados.

Assim, os filhos de Zebedeu estão associados com os filhos de Judas da Gamala, e têm

um barco em comum. Este barco se acha necessariamente na borda de Cafarnaum, já que a

moradia de Simão-Pedro se encontra nessa localidade, tal como nos diz Marcos (1, 16 a 31), e

Simão vive ali com André, seu irmão (Marcos, 1, 29).

Como não deduzir que se trata também do barco de Santiago e de João? Acontece o

mesmo quase em todas partes, nos portos pesqueiros. O ou os proprietários de um barco

geralmente empregam primeiro a seus irmãos ou a seus primos; assim, o barco e a pesca são

coisas familiares. Mas isto implica, como é natural, uma proximidade de moradia. Além disso,

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Cafarnaum, ao noroeste do lago de Genezaret, chamado às vezes pomposamente o mar da

Galiléia, é o porto de atraque de Jesus. Para convencer-se disso, basta relendo ao Marcos (4, 13;

8, 5; 11, 23; 12, 24), Marcos (1, 21; 2, 1), Lucas (4, 23), João (2, 12; 4, 46; 6, 17).

Provavelmente inclusive nasceu ali, porque se Nazaréh não existia naquela época, (58)

bem teve que nascer em alguma parte. Agora bem, alguns exegetas protestantes modernos

pensam que foi em Cafarnaum, e fundamentam sua opinião nesta passagem: "... e você,

Cafarnaum, levantar-se-á até o céu?" (Mateus, 11, 23).

Esta elevação gloriosa da cidade a que Jesus acusará de ingratidão para a graça que foi

outorgada (quer dizer, seu próprio nascimento), aparece explicitada nesta outra passagem: "...

nos termos de Zabulon e Neftalim, cidade situada à beira do mar, (...) ao outro lado do Jordão, (...)

esse povo viu uma grande luz..." (Mateus, 4, 13 a 16).

Pois bem, Cafarnaum está situada perto do mar e no território de Zabulon e de Neftalim,

isso é exato. Não obstante, faremos observar a nossos distintos colegas que o país do outro lado

do Jordão se chama hoje Transjordânia, e que também pode tratar-se da Besaida-Julias, situada

em território de Neftalim, mas na borda oriental do Jordão. E em Betsaida possuíam bens, sem

dúvida familiares, Simão-Pedro e André-Lázaro: "Era Felipe de Betsaida, a cidade de André e de

Pedro" (cf. João, 1, 44).

Poderia recordar-se também a casa-forte (59) que a família davídica possuía deste modo

em Gamala. De fato, a lenda dos humildes carpinteiros insuficientemente alojados em Nazaré terá

que relegá-la ao campo das mentiras piedosas. A família de Judas-bar-Ezequías era rica, rica por

atar ao longo das guerras sustentadas desde fazia mais de meio século à custas dos sírios, e

também pelos dízimos cobrados às facções que permaneceram fiéis aos descendentes dos

antigos reis. (Veja-se a este respeito a negativa de pagar o pedágio à entrada de Cafarnaum,

precisamente porque ele era filho de rei. (cf. Mateus, 17, 24).

Até agora só conhecíamos, como irmãos de Jesus, aos quais nos citaram os Evangelhos,

ou seja, ao Simão, Santiago, Judas e José. Nós descobrimos um quinto, André, aliás Lázaro. Mas

esse segundo Santiago (chamado o Menor) e João, seu irmão, eram-no também de Jesus? Por

isso descobrirmos sobre os "filhos de Zebedeu", resulta que eram meio-irmãos, nascidos do

segundo matrimônio de Maria, depois da morte de Judas da Gamala, seu primeiro marido.

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Remetemos ao leitor a nossos argumentos anteriores, na obra precedente.

Com efeito, no Apocalipse fala-se da voz de "sete trovões": "Quando tiveram falado os sete

trovões..." (Apocalipse, 10, 4). "Sela as coisas que falaram os sete trovões..." (op. cit., 10, 5).

Em um volume precedente demonstramos que esses sete trovões eram sete irmãos, (60) e

temos em João um eco disso: "depois disto apareceu Jesus aos discípulos junto ao mar de

Tiberíades, e apareceu assim: estavam juntos Simão-Pedro e Tomás, chamado Dídimo; Natanael,

o de Caná da Galiléia, e os de Zebedeu e outros dois discípulos. Disse-lhes Simão-Pedro: "vou

pescar". Os outros lhe disseram: "Vamos também nós contigo". Saíram e entraram no barco..."

(João, 21, 1-3).

Sabemos que Natanael é o mesmo personagem que Bartolomeu (veja o capítulo 13).

Estes últimos sete discípulos são, pois: Simão-Pedro, Judas, aliás Tomás, aliás Dídimo, aliás o

Gêmeo (Taôma em hebreu), Bartolomeu, aliás Natanael, Santiago, o Menor, João, e outros dois

que não se nomeiam. Por que? Porque que se trata, indubitavelmente, de André, aliás Eleazar,

aliás Lázaro (irmão de Simão), e de Santiago, o Maior (irmão também de Simão-Pedro), o que faz

sete, a família está completa, e aí estão os "sete trovões". Só falta Jesus, que seria o oitavo, mas

como é substituído por seu irmão gêmeo, Tomás, desempenhando o papel de pseudo-

ressuscitado, voltamos para sete.

O termo empregado para dizer "filho do trovão" é boanerges, e só no evangelho de Marcos

(3, 17). São Jerônimo, contrariado, reproduz esta palavra em seu Vulgata latina, por não lhe

conhecer nenhuma tradução possível nesta língua. O que significa isso? Pois simplesmente que

essa palavra é intraduzível, tanto em grego como em latim como em hebreu. Assim, procuremos:

Boan é um termo grego associado a toda expressão que evoque ruído ou fragor de algo.

Anergastos designa todo ruído desordenado, tumultuoso, inarmônico. Quanto a erges, designaria

a idéia de ativar, de estimular, de inspecionar uma obra qualquer, do grego ergon. Pelo contrário,

em dialeto cretense, ergatones ou ergaones designa aos operários encarregados de inumar aos

mortos no campo. E assim, com boanergaones, não teríamos a um manipulador do raio, a não ser

a um cantor de salmodias fúnebres. Quanto ao Boanergastos, em um jargão muito popular esse

pleonasmo poderia designar um ruído repetido, como um trovão rugindo ao longe. Mas nada em

tudo isto nos demonstra que os "filhos do trovão" possuíssem o manejo oculto do raio, como

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pretendem nos fazer acreditar em Lucas (9, 54): "Senhor, quer que digamos que baixe fogo do

céu que os consuma?..." Na antigüidade existia, efetivamente, uma seita, por certo que de caráter

internacional, que dava em alguns lugares sacerdotes, e em outros bruxos, que conheciam o

manejo do raio. É um fato provado, e ainda existia no seio do lamaísmo tibetano, na seita bon-po,

os bonés negros, por volta de 1950, no Tibet oriental, antes da ocupação a China.

De todo modo, um erudito investigador britânico, John Marco Allegro, professor da

universidade de Manchester (estudos bíblicos), acaba de proporcionar uma explicação tão

sensacional como inesperada. Ele foi o primeiro representante de Grã-Bretanha na equipe

internacional encarregada de preparar a publicação dos célebres manuscritos do mar Morto. Em

sua obra, traduzida em oito idiomas, e intitulada De Champignon sacré et a Croix (Paris, 1971,

Albin Michel éidt.), estuda o papel da Amanita muscaria nos antiqüíssimos cultos da fecundidade

do Próximo Oriente. E aqui temos o que podemos conservar para nosso estudo: O termo de

boanerges, como acabamos de ver, não significa nada do que Jesus pretende expressar em sua

frase, relatada por Marcos em seu evangelho (3, 17), ao menos em grego. Por outro lado, não

procede de nenhum dos dialetos aramaicos conhecidos. Pois bem, como já observamos em uma

obra precedente, o hebreu conservou em seu vocabulário palavras procedentes das línguas mais

antigas: caldeu, assírio, acádio, e inclusive sumério. Isso aconteceu com todas as línguas,

constituídas por contribuições sucessivos. E John Marco Allegro, familiarizado com essas

línguas mortas, descobriu que boanerges procedia diretamente do sumério, e que essa palavra

não era a não ser a contração de uma curta frase nesse mesmo dialeto: GESH-PU-AN-UR,

convertida logo em PU-AN-UR-GES, de onde esse termo, incompreendido pelos escribas dos

séculos IV e V: BU-AN-ER-GES, convertido em boanerges, barbarismo que se tomava por grego.

Esta curta frase, em sumério, significa simplesmente "filho do trovão", e era tão somente o

nome de um cogumelo alucinógeno, a Amanita muscaria, ou Amanita phalloide, a amanita

matamoscas, a célebre Muchamore dos xamãs siberianos ou kamtchadales, nossa perigosa "falsa

oronja". Esse nome, ou apelido, como se queira, deriva da crença própria dos homens da

Suméria, segundo a qual nascia da voz mesma do raio ou do estrondo do trovão, já que se

constatava sua aparição no chão imediatamente depois das tormentas.

Aqui deixaremos por um momento as revelações de John Marco Allegro, para voltar para

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nossa gramática acadia de M. Rutten, do Museu de Louvre (Paris, 1937, Adrien-Maisonneuve

édit.), Eléments d'accadien. Os textos acadios mais antigos se remontam à dinastia semítica de

Acad, quer dizer, a 2.800 anos antes de nossa era, e os últimos ao século I desta. Quer dizer, que

não é surpreendente encontrar termos procedentes de Acad nos diversos dialetos aramaicos. O

grupo oriental acadio das línguas semíticas deu nascimento ao assírio e ao babilônio. E no acadio

(como no assírio), não há mais que quatro vocais, ou seja, a, i, u, e, que constituem o tetragrama

sagrado por excelência, o nome divino dos hebreus: IEUA (iéuhah), em hebreu iod-he-vaw-he.

Estes, apoiando-se nessa tradição, tinham-no só no cativeiro da Babilônia.

Agora bem, se houver uma tradição fundamental na exegese do Antigo Testamento, essa

é a que qualifica ao deus de Israel elohim da tormenta, porque Yavé é, efetivamente, o deus do

raio. Citemos simplesmente, como justificação: "O trovão anuncia que vem..." (Jó, 36, 33). "E

mostrará (Yavé) como fere seu braço... (...) entre nuvens, tempestade e furiosos granizos" (Isaías,

30, 30). "No terceiro dia, ao amanhecer, houve trovões, relâmpagos, e uma densa nuvem sobre o

monte (Sinai) (...). Todo o monte Sinai estava fumegando, porque sobre ele tinha descido Yavé no

meio de fogos..." (Êxodo, 19, 16-18).

Recorde o papel do peyotl no México, ou dos cogumelos alucinógenas e teóforas da

América do Sul.

Por outro lado, é seguro que, esotericamente, esse cogumelo, a Amanita muscaria, é o

misterioso fruto do Jardim do Éden. Em Plaincourault, perto de Mérigni (Indre, França), ela é a

que, engrandecida desmesuradamente, flanqueada por Adão e Eva, que velam seus sexos com

as mãos. Esse afresco se remonta ao século XII. Portanto, o papel secreto da amanita ainda era

conhecido naquela época nos ambientes cristãos heterodoxos mais ou menos "iniciados".

Conseqüência imediata disso, para um primitivo, é evidentemente que o cogumelo que

aparece depois da tormenta, sem que nada justifique seu broto do chão, é "filho do trovão", seu

sinal e o testemunho da materialidade do deus do raio.

Conseqüência secundária: ao utilizar suas propriedades alucinógenas impregna-se da

natureza, alguém se diviniza. E então aparecem os fenômenos de intoxicação psíquica.

Aproximadamente uma hora depois da absorção da Amanita muscaria, o indivíduo é objeto de

puxões nervosos, de tremores de todos os membros; seguem sacudidas tendinosas. Ao princípio

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permanece consciente; psíquica e interiormente está de bom humor. Logo começam as

alucinações, os sonhos em vigília, as visões. O indivíduo empalidece, seus olhos se voltam

frágeis. Ainda são possíveis alguns gestos voluntários e conscientes, logo sobrevêm uma tristeza

ou uma alegria extremadas. Às vezes o indivíduo parece ébrio, dança ou salta sobre o lugar.

Experimenta também a necessidade de confessar-se publicamente, de esvaziar-se literalmente de

todos seus segredos. É uma verdadeira liberação, um desafogo. Todos estes dados os tiramos de

um grande especialista, L. Lewin, em sua obra Phantastica (op. cit., cap. IV).

Não recorda isto nada ao leitor? Voltemos para os Evangelhos, a passagem no que se diz

que se tinha ao Jesus por louco: "Ouvindo isto seus parentes, saíram para apoderar-se dele, pois

dizia-se: Está fora de si..." (Marcos, 3, 21).

São Jerônimo, em seu Vulgata latina, texto oficial da Igreja católica, traduz por furorem

versus, quer dizer, louco furioso. E nos Atos de João, apócrifo do século IV, redigido em grego,

mostra Jesus dançando antes de sua captura ante seus discípulos e explicando-lhes o porquê em

um curto discurso, totalmente incoerente: "Quem não dança, não sabe o que vai acontecer! ...

Você que dança, olhe em mim, que falo, e vendo, participando, mantenho silencio sobre meus

mistérios..." (Atos de João, XCIV).

Assim, e para resumir, nossos místicos extremistas, chefes da corrente zelote, eram

drogados. Daí as "visões" proféticas. E ao qualificar Santiago e João de "filhos do trovão"

(boanerges), Jesus lhes dá simplesmente o nome de sua droga, assimila-os a ela, algo assim

como se a um bêbado inveterado lhe chamasse "bota de vinho", ou a um devorador de carnes

semi-cruas, "rosbife". E a isso se reduz provavelmente todo o mistério dos pretendidos

"manipuladores do raio". (Cf. JOHN MARCO ALLEGRO, Le champignon sacré et la croix, em

concreto as páginas 225 a 230, onde o autor demonstra que os zelotes faziam uso da Amanita

muscaria).

Maria, mãe de Jesus, aproveitava também as propriedades desse cogumelo sagrado? Não

é impossível. Porque há documentos muito antigos que lhe atribuem a qualidade de profetisa: "E o

anjo Gabriel entrou em casa da profetisa, e ela concebeu e iluminou a um filho".

Esta qualificação, in extenso, aparece reproduzida por São Epifanio, bispo de Salamina, e

encontra-na em Codex sinaiticus e em Alexandrinus, conforme nos diz o abade E. Amann em sua

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tradução do Protoevangelio de Santiago. (Protévangile de Jacques, P. 19, nota 1).

Pode então admitir-se que, quando Maria concebeu Jesus de seu legítimo marido Judas

da Gamala, e enquanto ignorava ainda que estava grávida, ao utilizar com fins vaticinadores

segundo seu costume (profetisa) o cogumelo sagrado, teve a visão de um personagem fabuloso,

que ela identificou logo com o anjo Gabriel, e percebeu intuitivamente que estava grávida, que

daria a luz um filho, etcétera.

O que explicaria que, continuando, ao retornar desse estado ao estado de vigília habitual,

não recordasse já tal alucinação. E daí a frase do Protoevangelio de Santiago: "Mas Maria tinha

esquecido os mistérios que lhe revelara o anjo Gabriel", e o fato de que ela não revelasse jamais

nada dessa concepção milagrosa aos irmãos menores de Jesus. (61)

Sobre o fato de que João o Evangelista é irmão de Simão-Pedro, e por conseguinte irmão

também de Jesus, dado que Pedro o era, (62) temos a prova definitiva na Crônica de George

Hamortholos, documento do século IX, e que tende a demonstrar que seu autor possuía ainda os

cinco livros de Papias: Comentários às palavras do Professor. Voltemos para Evangelho de João:

"Disse-lhe Jesus: "Apascenta meus cordeiros (...) Na verdade, na verdade te digo: Quando foi

jovem, você se rodeava e foi aonde queria; quando envelhecer, estenderá suas mãos e outro

rodará e se levará aonde não queira". Isto o disse indicando com que morte havia (Pedro) de

glorificar a Deus. Depois acrescentou: "me siga ... "(João, 21, 15, 18-19).

Então vem a passagem em que Jesus diz de João: "Eu quero que ele fique assim até que

eu venha; que tens tu com isso? Segue-me tu". (João, 21, 22). E nesses versículos trata-se

unicamente de Simão-Pedro e de João, o Evangelista. Pois bem, em sua Crônica, Georges

Hamortholos nos diz de João que foi "morto pelos judeus, cumprindo, igual a seu irmão, a palavra

que Cristo pronunciara sobre eles..." (Op. Cit.) Esse irmão é, portanto, evidentemente Simão, e

não é de Santiago de quem se trata aqui.

Por conseguinte, João é irmão de Simão-Pedro, e portanto irmão de Jesus, e morreu em

Judéia, como eles, o que suprime toda indecisão sobre as diversas tumbas que se afirma que são

as suas. Mas, sobretudo, isso implica que tiveram a mesma mãe (e possivelmente o mesmo pai),

de onde a frase de João confirma: "Jesus, vendo sua mãe e ao discípulo a quem amava, que

estava ali, disse à mãe: 'Mulher, eis aí a seu filho'. Logo ao discípulo: 'Eis aí a sua mãe'..." (João,

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19, 26).

E isto expõe então outro problema, o das relações de identidade entre o misterioso Alfeu e

Simão, o Leproso.

Em Mateus (10, 3), Marcos (3, 18), Lucas (6, 15), e Atos (1, 13) inteiramo-nos de que há

um Santiago (Jacobo) que é filho de Alfeu, e esse Leví, sentado no posto de pedágio, e por

conseguinte publicano, é o mesmo que Mateus, como já vimos precedentemente (veja o capítulo

12). Isso confirma que o chamado Alfeu é também da família, e seu filho Santiago outro tanto.

Agora bem, o grego alphos significa herpes branco, quer dizer, psoriasis. Não é difícil

adivinhar que se trata de um nome helênico que acompanhava, como era costume, o nome

hebreu de circuncisão, e que tal nome era deste modo um apelido. Qual era então o nome de

circuncisão?

Estamos em nosso direito de supor que se tratava de Simão, o Leproso, cuja moradia se

achava em Betânia, e que vivia com Marta e Maria, irmãs de Lázaro, aliás André, irmão de Jesus,

irmãs do chamado Jesus (Mateus, 26, 6; Marcos, 14, 3) como foi demonstrado antes (veja o

capítulo 9). Então seria um mesmo personagem, com diversos nomes, provavelmente um tio avô

de Jesus, já que era o pai de Mateus-Leví, por sua vez tio do chamado Jesus. E ao estudar a

personalidade da jovem Maria, irmã de Jesus, veremos por que o ostracismo legal comprometido

por seu apelido (a psoriasis naquela época freqüentemente era tomada como uma lepra),

impondo-lhe uma vida à parte, fora de Jerusalém, como ela.

Por outro lado, Alfeu é a forma helenizada do hebreu Eliphas, que significa "deus o

purificado". Seria então o famoso nome de substituição que se impunha em Israel a um doente, no

curso de um ritual especial, em lugar do nome de circuncisão, a fim de desviar uma enfermidade

ou um perigo. Eliphas tinha substituído então ao Zebedeu, ameaçado de lepra (em realidade de

psoriasis), e logo traduzido ao grego por Alfeu, de alphos (herpes branco), porque significaria a

purificação.

Dos versículos nos quais se cita aos dois irmãos, Santiago e João, como "filhos de

Zebedeu", resulta que Santiago é provavelmente o maior. Acabamos de ver que procediam do

segundo matrimônio de Maria, mãe de Jesus, já que a morte de Judas da Gamala, seu primeiro

marido, situar-se-ia por volta do ano 6 de nossa era, data da revolução do Censo. Esse segundo

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matrimônio, conforme à lei judia, pode situar-se portanto por volta do ano 7 de nossa era.

Santiago teria nascido no ano 8, e João, que viria em seguida, por volta do 9 ou 10.

O prazo legal que separaria a morte, publicada e certificada, de Judas o Gaulanita, e o

novo matrimônio de Maria deveria ser muito curto, já que com esta segunda união do que se

tratava era de dar um protetor legítimo e eficiente aos filhos do chefe zelote morto em combate.

Os romanos, com efeito, esforçavam-se por suprimir por todos os meios possíveis à descendência

davídica, conforme diz Eusebio da Cesaréia em sua História eclesiástica (III, XII, XX, XXXII).

E fica um eco das privações que esta morte conduziu ao lar familiar na obra atribuída a

Clemente de Roma: "A essas palavras, Pedro respondeu: '... Porque eu e André, meu irmão ao

mesmo tempo carnal e ante Deus, não só fomos criados como órfãos, mas sim além disso, por

causa de nossa pobreza e de nossa situação penosa, acostumamos desde a infância ao

trabalho...'." (Cf. Clemente de Roma, Homilias clementinas, XII, VI).

Por conseguinte, João contaria uns vinte e quatro ou vinte e cinco anos na época da

crucificação de seu meio-irmão maior Jesus, no ano 35 de nossa era, época de tal morte, quando

Jesus teria, como já se disse, e segundo São Irineu, uns cinqüenta anos de idade.

Segundo a tradição eclesiástica, João teria morrido sob o reinado de Trajano, quer dizer,

por volta do ano 98, que foi quando começou tal reinado. João contaria, por conseguinte, oitenta e

oito anos. Isto nos parece muito, tendo em conta os acontecimentos trágicos nos quais se viu

necessariamente envolto. Porque seu irmão Santiago (o Menor) morreu no ano 63, quer dizer, à

idade aproximada de cinqüenta e cinco anos. A opinião de vários historiadores é que João

morrera na Palestina, e portanto muito antes do que diz a lenda.

Sobre este tema citaremos, uma vez mais, Georges Hamartholos (chamado Jorge, o

Monge), quem, em sua Crônica do ano 850 nos conta que "Papias, testemunha do acontecimento,

diz que João morreu às mãos dos judeus". (Cf. Migne, Patrologie grecque).

O Martirológio de Síria, que é do século IV, fixa em 27 de dezembro a morte dos dois

irmãos, Santiago e João, que passaram juntos a melhor vida. Tudo isto implica uma dupla

inverossimilhança, das duas tumbas eretas em Éfeso. Haveria, pelo menos, uma a mais. (Cf.

Eusebio da Cesaréia, História eclesiástica, III, XXXIX, e e VII, XXV, 16).

À morte de Jesus, seu irmão maior, João teria recebido dele a missão de velar por Maria, a

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mãe de ambos; e daí a célebre passagem: "Jesus, vendo sua mãe e ao discípulo a quem amava,

que estava ali, disse à mãe: 'Mulher, eis aí a seu filho'. Logo disse ao discípulo: 'Eis aí a sua

mãe'...".(João, 19, 26). O texto acrescenta que, a partir desse momento João tomou em sua casa,

o que implica que antes devia viver em casa de seus outros filhos, e confirma o que dizíamos

antes, ou seja, que João era filho de Maria, e portanto irmão de Jesus.

Entretanto, esse texto parece falseado, por causa de um manuscrito descoberto

recentemente. David Flusser, em seu livro Jesus, citando o descobrimento desse apócrifo, (63) diz

que as palavras reais de Jesus deveriam ser: "Pega seus filhos e vai!". (op. cit., P. 28).

A presença verossímil, ao pé da cruz, de Simão, Santiago e Judas, conhecidos como

discípulos de Jesus, e portanto, sujeitos ao risco de ser capturados pelos legionários de guarda

naquele lugar, faz-nos duvidar da veracidade de tal episódio. A menos que o manuscrito estivesse

mal traduzido, que a passagem fora mais ou menos decifrável, e que terei que ler: "Pega suas

filhas e vai...", porque segundo os canônicos ao pé da cruz patibular só há mulheres.

Seja o que for, o episódio de João tendo que encarregar-se de Maria em sua casa parece

muito suspeito aos olhos do historiador desconfiado. Com efeito, segundo São Irineu, discípulo e

ouvinte dos "padres apostólicos" ("que conhecera os apóstolos"), Jesus morreu com cinqüenta

anos, "próximo à velhice". Como foi crucificado por volta do ano 34 ou 35 de nossa era, nasceu

em 16 ou 17 antes desta. Maria, sua mãe, núbil legalmente com idade de doze anos e meio, pôde

tê-lo quando tinha uns quinze anos. Ela nascera, portanto, por volta do ano 32 antes de nossa era,

o que significaria que nesse momento contaria aproximadamente sessenta e cinco anos.

Pois bem, a quem se fará acreditar que João se ocupou de evangelizar a Ásia, e que viveu

nela, como assegura Eusebio da Cesaréia? (Cf. História eclesiástica, III, I). Quer dizer, que esteve

sempre caminhando, velando, cuidando e subserviente às necessidades de uma mãe anciã.

Porque naquela época, e mais ainda em todo o Oriente Médio, uma mulher de mais de sessenta e

cinco anos, e depois de passar por todas as tragédias que sabemos, aparentaria muito mais.

Achamo-nos historicamente muito longe da imaginária de Saint-Sulpice, em que Maria aparenta

sempre uns quinze anos, e nos apresenta como uma jovem tímida e bem educada. Seguro que o

apostolado itinerante de João não podia acompanhar-se de semelhante carga. (64) Mas isto não é

tudo. Igual a Simão-Pedro e que Jacobo-Santiago, seus meio-irmãos, desaparece totalmente dos

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Atos dos Apóstolos depois do sínodo de Jerusalém, no ano 47. O que se faz dele? Mistério.

Porque vinte e três anos mais tarde, se dermos crédito ao Tertuliano, encontra-se em Roma, no

ano 70, quer dizer, seis anos depois do incêndio da cidade e do varrido efetuado entre quão

cristãos residiam ali. Que fazia, pois? Apostolado, claro! Mas, neste caso, por que não se sabe

nada de seu trabalho na capital do Império romano?

Chega então o reinado de Domiciano, segundo filho de Vespasiano, que governará o

Império desde ano 81 até o 96. Em 81, João teria uns setenta e um anos. Ao comprometer-se na

perseguição ordenada por esse imperador contra todas as seitas e sociedades secretas, sejam as

quais forem (os cristãos não são os únicos afetados), João e outros sofrerão o martírio, segundo a

história oficial. Será submerso em uma cuba de azeite fervendo, às portas de Roma. Mas sairá

dela fresco e bem disposto, claro está, Tertuliano chega inclusive a acrescentar que "revigorado",

e conseguirá fugir, apesar da guarda e dos espectadores, pela Porta Latina, de onde seu nome de

São-João-porta-latina. Aqui caímos em pleno delírio piedoso; julgue-se, se não. A Porta Latina.

Porta Latina, abre-se, efetivamente, sobre o caminho que, ao sul de Roma, conduz para as

catacumbas de São Calixto.

Está próxima às termas de Caracalla, e se situa a apenas mil e quinhentos metros do

Coliseu. Pois bem, está aberta na muralha de defesa construída por ordem do imperador

Aureliano, muralha que foi construída entre os anos 270 e 275 de nossa era, quer dizer, finais do

século III, a fim de proteger à capital do Império romano das invasões bárbaras. Ao lado desta

porta se levanta a capela de São Giovanni in Oleo, quer dizer, "São João no azeite", lugar

tradicional no qual se afirma que teve lugar o milagre. Porque, como milagre, é e bem gordo isso

de sair intacto de um banho em uma cuba de azeite em ebulição, e logo fugir por uma porta que

ainda não existe, quão mesmo a muralha da qual forma parte.

Observar-se-á, além disso, que Eusebio da Cesaréia, que redige sua História eclesiástica

no século IV, ignora totalmente a vinda de João à Roma, e a fritura em azeite fervendo.

Entretanto, Eusebio leu De praescript haeretic de Tertuliano, morto no ano 240, onde figura este

episódio. E não o teve em conta. Por outra parte, a tradição oriental situava este episódio em

Éfeso. Alguém perde, a verdade! O mais provável (se é que João foi à Roma, coisa que resulta

bastante duvidosa) é que, importunados por suas prédicas e escandalizados por seus ataques

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contra a religião do Império, os paroquianos agarrassem-no e atirassem-no dentro de um

recipiente de azeite frio ou, mais simplesmente ainda, esvaziaram-lhe uma ânfora de azeite em

cima da cabeça. E tentou fugir, todo viscoso, não seria pela Porta Latina, ainda inexistente. Logo

lhe apanhariam de novo, já que o encontramos em Patmos, uma das ilhas Espóradas, ao norte do

mar Egeu. O que prova que a aventura do azeite, se admitir sua realidade, não procedia de uma

condenação a morte legal, já que o banho de azeite fervendo não é um castigo ordenado por um

magistrado, e no caso de uma condenação a morte prévia, não teria visto tal pena comutada por

uma deportação livre, depois do novo delito de fuga. Toda esta lenda não descansa sobre nada

plausível.

Foi relevado desta deportação à Patmos no ano 98, primeiro ano do reinado de Nerva,

imperador muito benevolente, e foi residir em Éfeso, cidade de Jonia, também sobre o mar Egeu.

Em sua estadia em tal cidade foi onde morou, claro está, que: "O dia do Senhor (um domingo), à

terceira hora (às nove da manhã), produziu-se um grande tremor de terra, uma nuvem se elevou

de repente ante os olhos de todos e o transportou à Jerusalém, ante a soleira da moradia se

achava a Virgem Maria, mãe de Deus. Empurrando a porta, entrou..." (Cf. Méliton, Livre du

Passage de Très-Sainte-Vierge Marie, Mère de Dieu, capítulo IV e seguintes). E o bom São

Melitón, que foi bispo de Sardes, em Lídia, conta-nos, maravilhado todo ele, como os santos

apóstolos, apesar de estarem "dispersos por toda a terra", chegaram com os mesmos meios

sobrenaturais que João à mansão de Maria, quem subiu aos céus levada pelos anjos, deixando-

lhes dessa ascensão memorável um testemunho evidente: seu formoso cinturão azul.

Conhecemos outros exemplos destes: em Constantinopla, em Soissons, em Quintin, em

Notre-Dame de Paris, em Chartres, em Assis, em Prato (Italia), em Montserrat (Cataluña), quer

dizer, quatro na Francia, do total de oito. Não em vão a França é a "filha maior da igreja".

Como isto nos ares, por cima de Jerusalém, desenvolvia-se no ano 98, e Maria nasceu,

aproximadamente, como estabelecemos antes, no ano 32 antes de nossa era, quando teve lugar

essa ascensão aos céus ela contaria, portanto, 32 + 98 = 130 anos. O que é muito para uma

viagem assim. Não ria você, leitor. Porque, ante o grande estupor do mundo protestante, e dos

consternados teólogos e exegetas católicos, o Papa Pio XII fez desta lenda da Ascenção da

Virgem, em carne e osso, um dogma definitivo, e um artigo de fé para toda a Igreja católica. Mas

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terá que observar que, quando o bom São Melitón compôs ou recolheu esse relato, chamado

inicialmente Transitus Mariae, quer dizer, no século IV, ignorava ainda que os escribas anônimos,

que operavam ao mesmo tempo que ele, imaginariam confiar ao João sua mãe Maria no

Evangelho de João (19, 27), já que os mostra separados desde fazia muito tempo, nem que mais

tarde morresse em Éfeso, em lugar de Jerusalém.

Para concluir, recordando que em Éfeso não faz ainda muitos anos mostravam-se várias

tumbas diferentes do apóstolo João, e sabendo por outra parte que houve vários personagens

com este nome na história balbuciada dos primeiros séculos, nós manteremos uma prudente

reserva.

E mais quando, igual à Crônica de Georges Hamartholos, um manuscrito do século IV de

Felipe de Sida (por volta do ano 430) contribui-nos a afirmação de Papias, quem ensinava que

"João morreu em Judéia, muito antes da destruição de Jerusalém por Tito, no ano 70". O que

destrói, evidentemente, toda a lenda.

Deixemos, pois, esses relatos infantis acumulados sobre essa figura tão interessante do

discípulo "que Jesus amava", deixemos aos historiadores eclesiásticos enredar-se a mais não

poder em suas múltiplos contradições, e nos limitemos a considerar simplesmente que Iochanan-

bar-Zabdi, aliás João filho de Zebedeu, morreu na Palestina, no curso das represálias romanas

exercidas contra o movimento messianista ou zelote, como todos seus irmãos e meio-irmãos, e

que se a lenda aceitar a mentira, a história, pelo contrário, exige ter aparelhada a verdade. Porque

o que em troca sim é certo, é que João participou também na luta messianista. E na História

eclesiástica de Eusebio da Cesaréia lemos o seguinte, que resulta bastante desconcertante:

"Também João, aquele que repousou sobre o peito do Senhor e que foi sacerdote (em hebreu:

cohen), e levou o petalon, que foi mártir e didascalo, repousa em Éfeso". (Cf. Eusebio da

Cesaréia, História eclesiástica, III, XXXI, 3).

"O trono (em grego: tronos) de Santiago, daquele que foi o primeiro que recebeu do

Salvador e dos apóstolos o episcopado da Igreja de Jerusalém, e a quem as divinas Escrituras

designam habitualmente como o irmão de Cristo, conservou-se até nossos dias". ((Cf. Eusebio da

Cesaréia, História eclesiástica, VII, XIX). O petalon era uma insígnia pontifícia, própria do supremo

sacerdote de Israel. Está descrito no Êxodo (28, 36-38) como uma lâmina de ouro puro, com a

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inscrição gravada "Consagrado ao Yavé", e estava fixado sobre a tiara do pontífice, em meio de

sua cinta frontal. (65)

Assim, João seria, em uma espécie de heresia associado à corrente zelote, o equivalente

do pontífice supremo da ortodoxia judia. Mas se tratava de um cisma, embora dentro da grande

linha da Lei recebida do Sinai. E ante esta constatação de um João, rival do cohen-ha-gadol, por

lógica devemos varrer a imagem de um João enquadrando-se dentro de todas as elucubrações

heréticas dos fundadores cristãos de Saulo-Paulo. Porque esta rivalidade entre o João e o

pontífice supremo saído das classes dos saduceus implica que jamais o citado João imaginou um

Deus em três pessoas, uma das quais constituiria seu próprio irmão. E logo, em seus discípulos,

acharemos a prova, quando estes dizem: "Nem sequer ouvimos que exista um Espírito Santo..."

(Cf. Atos dos Apóstolos, 19, 2).

Por outra parte, os tronos episcopais não aparecerão sob o aspecto de cadeiras, de pedra

ou de mármore, até que os cristãos possuam basílicas, quer dizer, pelo menos até o século IV.

Esse trono de Santiago, que na opinião dos exegetas católicos devia ser de madeira, e

provavelmente de cedro, era significativo da autoridade de Santiago, do mesmo modo que o

petalon o era de João. Era, portanto, um trono real, e não uma cadeira que simbolizasse a

autoridade espiritual.

Observemos, além disso, que na passagem de Eusebio citada anteriormente, Santiago

recebera "do Salvador e dos apóstolos" a autoridade sobre a igreja de Jerusalém, quer dizer, toda

a Igreja primitiva. O que varre definitivamente a pretendida "primazia de Simão-Pedro", tão

cômoda para assentar as pretensões da futura Igreja de Roma, embora Simão-Pedro não

estivesse jamais em Roma, e embora foi indiscutivelmente o primeiro bispo da Antioquia, o que o

situaria esta última imediatamente depois da de Jerusalém. Foi, efetivamente, quem consagrou ao

Evod, primeiro bispo de Antioquia. (Cf. Eusebio da Cesaréia, História eclesiástica, III, XXII).

Voltando para o duplo poder da corrente zelote, constataremos que o chefe temporário

está sempre acompanhado de um chefe espiritual:

- Judas da Gamala com o cohen fariseu Saddoc.

- Jesus-bar-Juda (Jesus) com o Iochanan-bar-Zakariah (o Batista). (66)

- Jacob-bar-Juda (Santiago) com o Iochanan-bar-Zabdi (João).

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- Simão-bar-Kokheba com rabbi Akiba-Ben-Ioseph.

E isto é uma prova mais de que João, "o apóstolo bem-amado" jamais foi outra coisa que

um militante zelote, como todos seus irmãos. Não obstante, ainda nos parece necessário aqui um

último resumo, como aconteceu com a biografia de Simão-Pedro.

É evidente que se o apóstolo João morreu na Judéia muito antes do ano 70 (data da

destruição de Jerusalém), tal como testemunha Papias, citado por Felipe de Sida, quem no século

IV ainda possuía sua Exegese das sentenças do Senhor, é que foi executado ali pelos romanos

como zelote, já que naquela época Roma só perseguia a estes, dado que a perseguição do ano

64 consecutiva ao incêndio da capital do Império ainda não transbordara os limites da cidade. (67)

E tinha outras coisas que fazer, em lugar de redigir um evangelho que não aparece citado mais

que, pela primeira vez, na obra de Irineu, quer dizer, por volta do ano 190 de nossa era...

Conclusão inevitável: o fato de que os irmãos e discípulos de Jesus fossem todos zelotes

militantes, e perecessem no curso dos combates que respondiam a esta mística, como acabamos

de demonstrá-lo, prova de maneira definitiva que o próprio Jesus não foi jamais outra coisa que o

chefe supremo desse movimento, tal como já desenvolvemos extensamente em uma obra

precedente.

15 - As "línguas de fogo" do Pentecostes

Receberá seu batismo! Esse segundo batismo anunciado por Jesus, e que caiu sobre os

apóstolos um dia de tormenta que a janela estava aberta!...

GUSTAVE FLAUBERT, La Tentation de Saint Antoine, IV

"Quando a água curva um bastão, minha razão o endireita...", disse La Fontaine em seu

Animal dans la Lune. E é bastante evidente; mas só o é para a gente com sentido comum, e a

ingenuidade humana, a credulidade faminta de coisas sobrenaturais "a todo custo", não o

entendem assim.

Neste breve estudo consagrado ao "milagre" do Pentecostes, e que não tem outro objetivo

que restabelecer o clima real no que pôde nascer sua lenda, nos limitaremos a citar os textos

concretos, e que não podem ser discutidos. Releiamos, pois, os Atos dos Apóstolos: "Ao cumprir o

dia do Pentecostes, estando todos juntos em um lugar, produziu-se de repente um ruído

proveniente do céu como o de um vento que sopra impetuosamente, que invadiu toda a casa em

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que residiam (os apóstolos). Apareceram, como divididas, línguas que pareciam de fogo, que se

posaram sobre cada um deles, ficando todos cheios do Espírito Santo; e começaram a falar em

línguas estranhas, conforme o Espírito outorgava-lhes expressarem-se. Residiam em Jerusalém

judeus varões piedosos, de quantas nações há sob o céu, e havendo-se deslocado a voz, juntou-

se uma multidão, que ficou confusa para lhes ouvir falar com cada um em sua própria língua.

Estupefatos de admiração, diziam: 'Todos estes que falam, não são galileus? Pois como nós os

ouvimos cada um em nossa própria língua, em que nascemos? Partos, Medos, Elamitas, os que

habitam Mesopotâmia, Judéia, Capadócia, o Ponto e a Ásia, Frígia e Panfília, o Egito e as partes

de Líbia que estão contra Cirene, e os forasteiros romanos, judeus e partidários, cretenses e

árabes, ouvimo-los falar em nossas próprias línguas as grandezas de Deus!'. Todos, fora de si e

perplexos, diziam-se uns aos outros: 'O que quer dizer isto?'. Outros, escarnecendo, diziam:

'Estão carregados de mosto'..." (Cf. Atos dos Apóstolos, 2, 1 a 13).

Antes de mais nada, e dirigido aos leitores que desconheçam as diversas liturgias, tanto

judias como cristãs, recordaremos que a Páscoa judia tem lugar na lua cheia que segue ao

equinócio da primavera. O sol encontra-se então no signo de Áries (mês de Nisán), e a Lua, ipso

facto, no signo de Libra. A Páscoa segue um período de cinqüenta dias (cinqüenta, em grego:

Pentekostès), que constitui um ciclo de sete semanas (sete vezes sete dias), seguido de que faz

cinqüenta, dia crucial para os cabalistas e os místicos judeus. Essa Páscoa comemora a "saída do

Egito". O dia que faz cinqüenta, chamado Chabuoth em hebreu, corresponde à entrega das

pranchas da Lei ao Moisés em Monte Sinai: Matan Torah. Para realizar na alma do cabalista uma

"ascensão" simbólica para Deus e receber a iluminação pessoal, existe um ritual, que por certo

variou no curso dos séculos, e é o ritual do Tikun Chabuoth, observado fielmente na noite do

Pentecostes por místicos e cabalistas judeus. E é isso, e nenhuma outra coisa, o que observaram

os díscipulos e irmãos de Jesus naquela noite do Chabuoth do ano de sua crucificação.

É seguro que, antigamente, esse ritual compreendia fumigações compostas por produtos

vegetais anagógenos, (68) e a ingestão de vinhos de ervas nos quais se puseram em infusão

produtos vegetais alucinógenos. Sobre o uso desses produtos, basta relendo tudo o que concerne

às escolas de profetas e à embriaguez em rituais dos cohanim: I Samuel, 9, 9; 10, 10; 19, 20;

Isaías, 28, 7; Salmos, 75, 9; Isaías, 29, 9; Miquéias, 2, 11; Êxodo, 15, 20; Juízes, 4, 4; II Reis, 22,

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14; Nehemías, 6, 14; Isaías, 8, 3.

Por isso é que dom J. Dupont O.S.B., professor na abadia beneditina de Saint-André,

tradutor e anotador dos Atos dos Apóstolos no marco da Bíblia da Escola bíblica de Jerusalém,

esclarece discretamente as coisas em suas notas, que nós resumiremos:

a) há uma afinidade entre o Espírito e o vento, já que em hebreu Espírito significa sopro;

b) a forma das chamas se relaciona aqui com o dom das línguas; por sua forma e sua mobilidade,

a língua simboliza a chama;

c) o fenômeno do Pentecostes "vincula-se no carisma da glossolalia, freqüente nos primeiros anos

da Igreja". Encontram-se antecedentes no antigo profetismo israelita. Estavam anunciados

"transportes" desse mesmo estilo para o fim dos tempos;

d) no que concerne à compreensão da mensagem expressa por um dos "possuídos" pelo Espírito

Santo, e isso para todos os olhares, fosse qual fosse sua nacionalidade, tratava-se de uma

repetição alegórica do que acontecera no Sinai, onde a voz de Deus ouvia-se em setenta e duas

línguas diferentes, tantas como nações conhecidas havia então. Por último, diz-nos dom Dupont,

o milagre das línguas aparece aqui como "o símbolo e a antecipação maravilhosa da missão

universal dos apóstolos".

Moderemos, pois, nosso entusiasmo. Tal como sublinha dom Dupont, é indubitável que,

por tudo o que acabamos de ver, tal relato foi "hábil", deu-lhe uma trama simbólica, e é inútil

querer encontrar nele uma realidade histórica concreta.

Quanto à embriaguez verbal dos apóstolos, que acabavam de sair da noite do Tikun

Chabuoth e de suas fumigações e ingestões de alucinógenos, o R.P.J. Dupont a qualifica, de

forma bastante plausível, de glossolalia: "O fenômeno do Pentecostes vincula-se no carisma da

glossolalia, freqüente nos primeiros anos da Igreja..." (Cf. Actes des Apôtres, Editions du Cerf,

Paris, 1964, P. 2, nota A.).

E o que é a glossolalia? Perguntar-se-á o leitor. O Nouveau Petit Larousse, em sua edição

de 1969, dará-lhe de forma bastante sucinta sua definição: glossolalia, N. F. "Enfermidade

perturbadora da linguagem, pela qual o doente cria palavras, dotando-as de significado." (Grande

Enciclopédia Larousse, t.5, P. 273).

É tudo, e é mais que suficiente. Isso significa que "certos doentes mentais" formulam, em

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um jargão próprio deles, "ensinos" recebidos do mesmo Deus, e que alguns ingênuos se esforçam

por encontrar nisso significados proféticos. Em 1785, o cândido Willermoz foi vítima de uma

alucinação deste tipo, e seu jargão demencial incitou inclusive ao L.C. de Saint-Martin a jogar ao

fogo, entusiasmado, seus próprios livros! (69) (Cf. Alice Joly, Un mystique lyonnais, páginas 230 a

240).

O manuscrito da biblioteca de Grenoble (papéis de Prunelle de Lière, Livre del Initiés, P.

25) proporciona-nos numerosos casos. Citemos, por exemplo: "Ser puro, ser sozinho, plenitude

em triplo ur, inacessível ao sentido, vista infinita, inocente amor, vivam nele...? (1), perturbações

dos ur, são inacessíveis a sua emanação, três vezes afastada do centro do ser. Ousou, esse ser

saído do ser mesmo, atribuir-se à produção. O voulia, seus puros ornos, que tinha em seus

seos..."

O ritual da Ordem Martinista de Papus, composto pelo Teder, conservou alguns ecos

disso, com a chamada a um certo Noudo-Roabts (op. cit., páginas 32 e 80), termo que está

diretamente extraído dessa assombrosa linguagem.

16 - Menahem o "consolador"

...e Menahem, que fora criado com Herodes, o Tetrarca, e Saulo. Atos dos Apóstolos, 13, 1

Contrariamente ao que se está acostumado a afirmar, Menahem não era um filho de Judas

da Galiléia, a não ser só um de seus netos, e a cronologia histórica está aí para demonstrá-lo.

Mas de quem era filho? No estado de nossa documentação, não podemos avançar nenhum nome

válido. É um "filho de David" e um membro da família real, isso é tudo. Mas afirmar que é o filho

de Simão-Pedro, de Santiago ou de André, é impossível. Tudo o que sabemos dele o devemos ao

Flavio Josefo, como sempre: "Não obstante, Menahem, filho de Judas, o Galileu, aquele grande

sofista que em tempos de Quirino reprovara os judeus que, em lugar de obedecer só a Deus,

eram tão covardes para reconhecer aos romanos como amos, Menahem, depois de atrair junto a

ele algumas pessoas de alta condição, tomou pela força Massada, onde se achava o arsenal do

rei Herodes, e depois de armar numerosas pessoas que não tinham nada a perder, e a ladrões

que lhe uniram e aos que utilizava como guarda, retornou à Jerusalém como rei, erigiu-se em

chefe da revolução, e ordenou continuar o assédio do alto do palácio..." (Cf. Flavio Josefo, Guerra

dos judeus, II, XXXII). (70)

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Isto tem lugar sob o procurador Gessio Floro, que entrara em funções no ano 63, nono ano

do reinado de Nero. Esse ano, Saulo-Paulo fora absolvido em Roma, pelo tribunal imperial ante o

qual pedira a comparecer. E a revolução de Menahem se produziu na primavera do ano 64, pouco

antes da Páscoa, como sempre. A grande guerra judia estalaria dois anos mais tarde, no ano 66,

e terminaria com a destruição total de Jerusalém, no ano 70.

A fim de estimular aos combatentes palestinos em sua luta contra Roma, e a fim de lhes

fazer acreditar na predição do Apocalipse (difundida já desde o ano 28, em vida de Jesus -seu

autor confessado- e não em 94 ou 96) (71) realizar-se-ia, e que seguiria à chegada do famoso

"reino de Deus" na terra, incendiaram Roma. Este incêndio seria o anúncio do final dos tempos.

Saulo-Paulo seria quem deu a ordem. E não lhe podia negar isso ao Menahem, com quem fora

criado, e que além disso o tinha sujeito por uma espécie de chantagem que já desvelamos em “O

homem que criou ao Jesus Cristo.”

No momento, recordemos simplesmente uma determinada passagem dos Atos dos

Apóstolos: "Havia na igreja de Antioquia 72 profetas e doutores: Bernabé e Simão, chamado

Níger, Lucio de Cirene, e Menahem, irmão de leite do tetrarca Herodes e Saulo..."(Cf. Atos dos

Apóstolos, 13, 1).

A chegada desse Menahem fora anunciada pelo próprio Jesus, em vida: "E eu rogarei ao

Pai, e lhes dará outro consolador..." (João, 14, 16).

"Se eu não me for, o consolador não virá a vós..." (João, 16, 7).

Esse termo de consolador (em grego: paraklétôs) não significa somente isso, mas também,

e sobretudo, defensor, conselheiro. E em hebreu, o grego paraklétôs, que deu nosso Paráclito,

diz-se simplesmente menahem! Uma vez mais, os escribas anônimos que compuseram nos

séculos IV e V os atuais evangelhos nos fizeram tomar, astutamente, o Pireo por um homem, mas

invertendo a fórmula. A um homem, sucessor do mais humano de Jesus, fizeram-no passar por

uma entidade, espécie de deus secundário, que com muita dificuldade podem explicar e justificar

frente à Israel. E no ponto no qual pretendiam fazer esperar uma intervenção celeste, Jesus

queria dizer, simplesmente: "Enviar-lhes-ei a meu sobrinho...".

Mas continuemos a leitura de Flavio Josefo, embora esteja censurado e interpolado:

"Como (ao Menahem) faltavam-lhe máquinas, e não podia ir abertamente a sapa por causa dos

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disparos que os assediados (legionários romanos, mercenários de Agripa, levita regulares)

lançavam do alto, recorreu a uma mina. Começaram a trabalhar de longe, e quando a conduziram

até debaixo de uma torre, saparam os fundamentos e a sustentaram depois com peças de

madeira, às quais prenderam fogo antes de retirar-se. Quando essas madeiras se queimaram, a

torre se desmoronou. Mas os assediados previsram o que podia acontecer, e uma parede que

tinham construído com extrema diligência surpreendeu e deteve os assediantes. Assediados não

deixaram de enviar recado ao Menahem e aos outros chefes dos sediciosos, para lhes pedir que

pudessem retirar-se com segurança, e o concederam somente aos judeus e às tropas do rei

Agripa". (Cf. Flavio Josefo, Guerra dos judeus, II, XXXII).

Menahem continua então cercando às tropas romanas que ficaram sozinhas, e estas

evacuaram então o Stratopedon, e se retiram às torres reais de Hippicos, de Fazael e de

Mariamna. Isto aconteceu no 6º dia de setembro do ano 64. Fazia, portanto, seis meses que

Roma tinha ardido. Ao dia seguinte, os partidários de Menahem, depois matar uma parte da

guarnição de Roma e incendiado o Stratopedon, capturaram Ananías, o supremo sacerdote,

assim como Ezequías, seu irmão, refugiados nos esgotos do palácio, e executaram-nos, vingando

assim a morte de Santiago, o Menor, lapidado por ordem do citado Ananías no ano precedente. A

seguir sitiaram as três torres reais, onde os romanos continuaram resistindo.

Mas Menahem, envaidecido por seus êxitos, perdeu de vista a doutrina dos zelotes: "Deus

é o único rei", e logo se tornou um insuportável tirano, que chegou inclusive a revestir a púrpura

real e a coroa de ouro. Então Eleazar, filho de Ananías, reuniu a seus partidários saduceus e,

aproveitando que o citado Menahem entrara com grande pompa ao Templo santo para oferecer ali

um sacrifício, atacou ao guarda de Menahem, capturou-o ou matou-o. Alguns fugiram para a

cidadela de Massada, entre eles outro Eleazar, parente de Menahem. Quanto ao próprio

Menahem, foi procurado ativamente, e por último o capturaram em uma localidade chamada

Ophlas, onde estava escondido. Conduziram-no à Jerusalém "e o executaram em público, depois

de fazer-lhe sofrer uns torturadores inauditos. Do mesmo modo trataram aos principais ministros

de sua tirania, e em especial ao Absalón". (Cf. Flavio Josefo, Guerra dos judeus, II, XXXI).

Assim morreu Menahem, neto de Judas da Gamala e sobrinho de Jesus, sobre cujo nome,

e devido a uma surpreendente confusão, construir-se-ia a lenda da existência de uma pessoa

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divina nova: o Espírito Santo. O que logo surpreenderia muito aos discípulos de João, o

Evangelista, já que nos Atos dos Apóstolos lemos o seguinte: "No tempo em que Apolo se achava

em Corinto, Paulo, atravessando as regiões altas, chegou a Éfeso, onde achou alguns discípulos,

e lhes disse: 'recebestes ao Espírito Santo ao abraçar a fé?'. Eles lhe responderam: 'Nem sequer

ouvimos que exista um Espírito Santo!'... "Disse-lhes: 'Pois que batismo recebestes?'. Eles lhe

responderam: 'O batismo de João'..." (Cf. Atos dos Apóstolos, 19, 1-3).

Evidentemente, arrumaram-as para fazer acreditar que se tratava de discípulos de João, o

Batista. Mas isso acontecia no ano 54, ano em que Saulo-Paulo estava em Éfeso. Como imaginar

que o Batista, que morreu no ano 31, tivesse então discípulos nessa cidade de Jonia, assentada à

beira do mar Egeu? Jamais houve mandeanos (nome dos discípulos de Batista) na Grécia. Em

troca, Éfeso está associada à estadia de João, o Evangelista, e é simplesmente aos seus a quem

encontra Saulo-Paulo. E, por conseguinte, a gente não pode a não ser assombrar-se ante o fato

de que o discípulo "que Jesus amava", que devia escrever o "evangelho espiritual", ignorasse a

existência do Espírito Santo, conclusão aniquilam-lhe, já que nesse mesmo evangelho fala dele. E

aí é onde surpreenderemos uma vez mais aos falsificadores anônimos do século IV com as mãos

na massa.

Porque, tenhamos em conta a versão oficial de discípulos de João, o Batista, em Éfeso, no

ano 54, embora tivesse morrido vinte e dois anos antes. Não lhes ensinou a existência do Espírito

Santo? Então, como pode lhes falar dele em João (1, 29 a 34), em Mateus (3, 11), em Marcos (1,

8), em Lucas (3, 16)?

Se, pelo contrário, e mais plausivelmente, em Éfeso do que se trata é de um grupo de

discípulos de João, o Evangelista, resulta igualmente incoerente. Porque, se João ignorar a

existência de um Espírito Santo, como pode falar dele em seu evangelho? E se conhecer sua

existência, como seus discípulos imediatos podem ignorar semelhante postulado teológico de

partido?

A verdade é que o evangelho de João não é de João. Aparece com São Irineu, no ano

190, citado pela primeira vez, e desconhece-se seu autor.

E, como faz observar Ernest Renan com razão, se esse evangelho existisse na época de

Marcion, quer dizer, por volta do ano 150, data média de sua doutrina pessoal, que emprego não

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faria dele, em lugar do de Lucas, e que conclusões não tiraria! Mas o fato de que Marcion ignore

totalmente o evangelho atribuído ao João demonstra que naquela época, e em todas as

comunidades cristãs em que Marcion passou um tempo, especialmente em Roma, desconhece-se

ainda esse texto capital. E essas comunidades marcionitas são precisamente as principais bases

de partida da nova religião: Sinope, Éfeso, Hierápolis, Esmirna, etcétera.

O que nos reforça em nossa opinião de partido nesta disgressão, ou seja, que no

pensamento de Jesus, esse "consolador" cuja vinda previa para depois da sua, esse paraklétôs,

era um homem de carne e osso, seu próprio sobrinho, Menahem, consolador em hebreu. Quem

acabou muito mal, como vimos na leitura de Flavio Josefo.

NOTAS COMPLEMENTARES

Sem afirmar nada de maneira absoluta, pode supor-se que Menahem bem podia ser o filho

de Eleazar, aliás Lázaro, aliás André, à leitura das duas velhas versões de Flavio Josefo: "Porque

nesses dias, Maneo, sobrinho de Lázaro, a quem Jesus ressuscitou da tumba, já podre..." (Cf.

Flavio Josefo, Guerras da Judéia, V, VII, manuscrito eslavo).

Esse texto foi manipulado pelos monges copistas ortodoxos, já que não há nenhuma

possibilidade de que Flavio Josefo falasse da pseudo-ressurreição de Lázaro. Tomemos, portanto,

a versão grega: "Maneo, filho de Lázaro, depois de ter fugido para o Tito, contou-lhe que desde o

décimo quarto dia de abril, até o primeiro dia de julho, tinham evacuado 115.880 corpos mortos

pela porta em que ele tinha o mando". (Cf. Flavio Josefo, Guerra dos judeus, V, XXXVII,

manuscrito grego).

Se esse nome de Maneo é a forma helenizada de Menahem, este último seria, pois, um

neto de Judas da Gamala, e seria o filho de André, aliás Lázaro, sobrinho de Jesus, quão mesmo

o Menahem oficial. E então não seria o fato de querer proclamar-se rei o que provocou sua

execução, a não ser o de transgisir com Tito, coisa que foi considerada como uma traição.

17 - Simão-bar-Cleofás

Deus não tem necessidade de nossas mentiras. LEÃO XIII

Aqui temos a outro membro da estirpe davídica que, por isso mesmo, terminou

tragicamente sua vida, sob o reinado de Trajano. "Depois de Nero e Domiciano, sob o reinado

daquele cujo tempo examinamos agora (Trajano), levantou-se uma perseguição contra nós

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parcialmente e em algumas cidades, segundo conta a tradição, a conseqüência de um

levantamento dos povos. Simão, filho de Cleofás os povos, por isso sabemos consumiu sua vida

no martírio. Com toda segurança alguns de seus hereges acusaram ao Simão, filho de Cleofás, de

ser da raça de David e cristão. Como era cristão (messianista, e portanto zelote N. do A.) foi

atormentado de diversas maneiras durante vários dias, e depois de assombrar profundamente ao

juiz e a quem rodeava, teve um final semelhante à paixão do Senhor". (Cf. Eusebio da Cesaréia,

História eclesiástica, III, XXXII).

O Chronicon Paschale situa esta morte no ano 105, precisando-nos que Simão foi também

crucificado: "...Simeon, filius Cleophae, qui in Hierosolymis episcopatum tenebat crucifigitur cui

succedit lustus..." (Cf. Chronicon Paschale: ad annum 107).

Isto acontecia em Jerusalém, onde o citado Simão era "bispo e teve como sucessor Justo".

Tratou-se, portanto, de uma nova revolução zelote, que terminou com uma execução de tipo

rigorosamente romano: a cruz.

Mas Simão era bispo de Jerusalém tão somente in partibus infidelium, porque a igreja de

tal nome (a comunidade messianista zelote) não podia residir ali, dado que a aproximação à

cidade estava proibida a todo judeu de raça, sob pena de morte. De fato, desde ano 70, a Igreja

de Jerusalém tinha sua sede em Bolota, na Perea (cf. Eusebio da Cesaréia, História eclesiástica,

III, V, 3), mas foi nessa cidade onde crucificaram ao Simão.

A revolução do ano 105, no curso da qual foi crucificado tal Simão, "filho de Cleofás", foi

seguida de outra, nos anos 115-117, por parte dos judeus do Egito. (73) Esta tampouco teve

futuro. E agora chegamos à última, a que abocou na dispersão total da nação judia, ao ficar

Jerusalém totalmente arrasada, e sem que pudesse identificar-se absolutamente nada de sua

antiga topografia, no ano 70 de nossa era, segundo Flavio Josefo; mais de um milhão de mortos,

perto de cem mil prisioneiros levados como escravos: esse foi o balanço da revolução de

Menahem, o "consolador" anunciado por seu tio Jesus. E desse pseudo-profeta uns ardilosos

astuciosos souberam fazer um terceiro deus, em menos de quatrocentos anos.

18 - Simão-bar-Kokheba

O trágico na vida dos homens são menos seus sofrimentos que seus fracassos.

THOMAS CARLYLE

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Também aqui encontramamo-nos em presença de uma verdadeira "guerra Santa", e

poderemos seguir, até o aplastamento final, o afã contínuo por observar religiosamente a Lei

mosaica.

Ainda existem poucos documentos descobertos sobre a revolução de Simão-bar-Kokheba.

Resumiremos aqui os trabalhos dos diversos especialistas neste tema:

- de M.P. Prigent, professor na faculdade de teologia protestante da universidade de Estrasburgo,

autor de duas conferências no Centro de Estudos Orientais da universidade de Genebra;

- de M. Valentín Nikiprowelszky, professor do Collège de France, especialista em história da

corrente zelote, e que prefaciou a reedição das obras de Flavio Josefo, em sua tradução de

Arnauld d'Andilly, no Editions Lidis;

- de M.A. Dupont-Sommer, professor em Sorbone, diretor na Ecole des Hautes-Etudes, em seus

Nouveaux aperçus sur les manuscrits de la Mer Morte;

- de M. Gérard Nahon, em seu livrinho Les Hébreux, etcétera.

Antes que nada, terá que estabelecer o clima particular no qual viviam Judéia e Galiléia,

depois da terrível repressão de Tito.

O Templo está arrasado. E, tal como diz o Talmud: "os chacais se instalaram na

convocação do Sancta Santorum..."

Nas moedas romanas cita-se a Judéia como "Judéia capta", quer dizer, Judéia cativa.

Como Jerusalém e seus extensos arredores estavam proibidos a todo judeu de raça, o Sanedrín,

convertido agora em simples corte de justiça religiosa, deslocar-se-ia sucessivamente, ao desejo

das suspeitas romanas, de Yabné a Uscha, ao Schefaram, ao Beth-Sheorim, ao Séforis, ao

Tiberíades.

Eram tempos de luto. Os chefes de Israel ordenaram então penitência para comemorar o

aniquilamento do santo Templo, e criaram o Ticha b'Ab, jejum total e pés descalços durante vinte

e quatro horas, leitura das Lamentações de Jeremias, e luzes das sinagogas apagadas. Durante

os oito dias que precediam ao Ticha b'Ab, não se comia carne, não se bebia vinho, não se cortava

o cabelo, e se postergavam bodas e noivados. Isso constituiria, na Idade Média, o famoso "Sabbat

negro" das comunidades judias da Alemanha.

Apesar do enorme golpe demográfico causado pela derrota, tentaram voltar a cultivar as

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terras afastadas de Jerusalém; teriam que viver apesar de tudo, por Israel do manhã, porque não

se perdeu a esperança.

Os camponeses judeus, convertidos em "escravos de César", não eram outra coisa que

servos medievais. Alguns "colaboradores" prudentes, em geral os saduceus, conservaram graças

a sua covardia durante a revolução seu patrimônio familiar, e às vezes inclusive o aumentaram. A

história é um eterno voltar a começar. E estavam também os cristãos ...

Gozavam de um certo número de privilégios, porque a maioria, se não todos, eram sírios

ou gregos, o que lhes permitia residir na nova Jerusalém, proibida aos judeus. E esse favor

acentuaria um pouco mais o ódio entre essas duas facções religiosas.

Mas, como diria mais tarde Gérard de Nerval em Aurélia, "existe um segundo sentido dos

acontecimentos humanos..." Assim, estimulado pelas provas de um longínquo passado, às quais

aconteceram consoladoras glórias, Israel rogava pela reconstrução do santo Templo, "logo e em

nossos dias...", como reza a fórmula ritual. Mas da esperança à ilusão às vezes não há mais que

um passo, e a pressa é má conselheira. O ingênuo povo imaginará rapidamente que os "dias do

Messias" não estiveram jamais tão próximos. Foi então quando a corrente zelote, essa corrente

que se acreditava definitivamente extinta dos suicídios de Massada, os queimados vivos da

Cesaréia Marítima e os crucificados de Jerusalém, reapareceu de novo, como se levantaria de

repente um tufão vingador. Um "príncipe de Israel", Simão-bar-Kokheba, reuniram aos "maquis"

da Alta Galiléia, aos dos estepes desérticos, e levantou o estandarte da última revolução judia

cunhada com a estrela de David. Era de estirpe davídica, porque descendia também ele de Judas

da Gaulanita. Era, portanto, um sobrinho neto de Jesus, e prova disso é que Rabbi Akiba-Ben-

Ioseph, o célebre doutor e cabalista, (74) o apresenta como o Messias-Rei, liberador da nação

judia. Deu-lhe o nome místico de Simão-bar-Kokheba, quer dizer, Simão filho da Estrela, alusão a

célebre profecia: "Um astro se levanta de Jacob, um cetro se eleva de Israel, ferirá os flancos de

Moab, abaterá a todos os filhos de Set, Edom se converterá em sua posse, e se apropriará de

Seir, seu inimigo. Israel manifesta sua força; e aquele que sai de Jacob, reinará como soberano...

(Cf. Números, 24, 17-19, Oráculo de Balaam, filho de Beor). (75)

Também o espectro de Judas da Galiléia devia estremecer-se de alegria quando se

remontava ao Sheol cada tarde de cada Sabbat, já que seus princípios se respeitavam

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escrupulosamente: o poder espiritual o exercia Rabbi Akiba, e o poder temporal Simão-bar-

Kokheba.

De todo modo, esse entusiasmo geral tropeçou também com alguns céticos. E Rabbi

Iochanan-Ben-Torta não vacilou em declarar, zombador: "Akiba, antes te brotará erva das

mandíbulas, que o Filho de David chegue..." (Cf. Talmud de Jerusalém, Ta'anith, IV, 7). Esta

ironia, conservada pelos historiadores talmudistas, contribui-nos entretanto, a prova da filiação

davídica de Simão-bar-Kokheba, porque, senão fosse assim, Rabbi Akiba jamais o apoiasse e

assistido com sua autoridade nesta revolução. Mas esse cepticismo era próprio dos intelectuais,

fartos de tantas guerras inúteis, porque o povo, entretanto, seguia. Encontramo-nos no ano 132,

sob o imperador Adriano.

E de repente, a tempestade brotada dos guerrilheiros zelotes varreu literalmente as legiões

de Tineius Rufus, legado imperial. A insurreição generalizou-se. Simão-bar-Kokheba, "príncipe de

Israel" (já não ocultava esta condição) cunhou moedas oficiais que levavam em cunho: "Pela

liberdade de Jerusalém". Constituiu a seguir um exército regular, nomeou governadores regionais,

percebeu os impostos em dinheiro e os dízimos em espécies.

Mas três anos mais tarde, a "última batalha" tocou a seu fim, e no ano 135 Julio Severio

aniquilou aos últimos rebeldes. Fugindo de Ein-Gueddi, nas bordas desoladas do mar Morto,

quartel general do "Filho da Estrela", resultaram dizimados pouco a pouco, perseguidos pelas

legiões romanas, superiores em número e armamento, e fortificaram-se nas grutas de Nahal

Hevert e de Murrabaat, para morrer nelas.

Como acabaram? Não se sabe exatamente. O que é seguro é que foram vencidos sobre

tudo pela fome. Julio Severio dispunha de 65.000 homens. De modo que puderam rodear

facilmente todo o maciço.

No curso das escavações de 1953 descobriram nessas grutas, que se abriam a

escarpados vertiginosos, esqueletos, sobretudo de mulheres e de meninos, mortos de fome e de

sede. Ainda estão em estudo os arquivos e os manuscritos. O saque dos rebeldes, composto de

objetos que provinham de templos pagãos, de baixela e de vasilhas de cobre, estava

acompanhado de cestos que continham crânios e ossaturas humanas. De onde procediam?

Mistério. Eram provavelmente os restos de mortos judeus, em espera do pequeno sepulcro de

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pedra, arca final de todos os defuntos em Israel.

O que fizeram de Simão-bar-Kokheba? Morreu no curso dos últimos combates, e sua

cabeça provavelmente foi levada ante Julio Severio, segundo o costume da época. Quanto ao

Rabbi Akiba, foi feito prisioneiro e mantido encarcerado durante dois anos, e no ano 135, quando

caiu Beitar, onde morreu o "Filho da Estrela", foi esfolado vivo, e logo assado a fogo lento, na

Cesaréia Marítima, ante as autoridades romanas. Suas últimas palavras foram para proclamar sua

fé: "Escuta, Oh, o Israel: Yavé é nosso Deus, Yavé é um só..." (Cf. Deuteronômio, 6, 4).

Outros nove doutores, discípulos deles, sofreram suplício com ele, e só um escapou aos

romanos: o célebre Simão-bar-Iochai. Para isso, viveu doze anos, com seu filho, nas pedreiras

próximas à Cafarnaum, à beira do lago de Genezaret. Seria ali, nas trevas só rasgadas pela luz da

lamparina de azeite, onde comporia o Sepher-ha-Zohar ou Livro do Esplendor, conforme reza uma

lenda tardia.

Esta última revolução, que inicialmente se suscitou com a intenção de opor-se à

reconstrução de Jerusalém sob o aspecto de uma cidade totalmente pagã e vedada aos judeus

por ordem do imperador Adriano, custou a vida de seiscentas mil pessoas de ambos os sexos.

Nasceu judia desapareceu como entidade política e geográfica, e a população foi vendida nos

mercados de escravos de todo o Império romano, ou foi deportada por cidades inteiras, em

qualidade de "escravos de César".

O nome de Simão-bar-Kokheba, ou "Filho da Estrela", converteu-se então no Simão-bar-

Kozab, ou "Filho da Mentira" através de um trocadilho, já que Koseba voltava Kozab (em hebreu:

mentira). E aqui voltaremos a encontrar Jesus, seu tio avô, com seu conhecimento dos truques

sabidos por todos os titeriteiros ambulantes.

No Apocalipse encontramos a seguinte "revelação de Jesus Cristo" (op. cit. 1, 1),

importante alusão a um indiscutível ilusionismo: "Mandarei minhas duas testemunhas para que

profetizem, durante mil duzentos e sessenta dias, vestidos de saco. Estes são duas oliveiras e os

dois castiçais que estão diante do Senhor da terra (adonai-ha-aretz). Se alguém quiser lhes fazer

mal, sairá fogo de suas bocas, que devorará a seus inimigos" (Apocalipse, 11, 3-5).

Pois bem, em seu Discurso preliminar ao Dictionnaire des hérésies, des erreurs et des

schismes, dedicado ao monsenhor de Choiseul, arcebispo de Albi (Besançon, 1817), o abade

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Pluquet diz o seguinte a respeito de Simão-Ben-Koseba: "Quando Adriano quis enviar uma

colônia a Jerusalém, o impostor Barcochebas (sic) anunciou-se aos judeus como um Messias.

Com a estopa acesa que levava na boca, e por meio da qual soprava fogo, persuadiu ao povo de

que, com efeito, era o Messias; os principais rabinos publicaram que era o Cristo, e os judeus o

ungiram e o proclamaram seu rei". (Op. cit., P. 131).

Aqui terá que entender o termo Cristo no sentido judaico tradicional: Messiah, Messias em

hebreu. Não há nenhuma alusão ao Jesus Cristo, por parte dos judeus, claro está. Mas voltemos

para Apocalipse. Que o redigisse Jesus em vida, por volta do ano 27 ou 28 de nossa era, como

demonstramos em uma obra precedente, (76) ou ditado depois de sua morte ao João, "o discípulo

bem-amado" não muda o fato de que fora ele seu autor oficial: "Revelação de Jesus Cristo, que

Deus lhe deu para instruir a seus servos sobre as coisas que têm que acontecer logo".

(Apocalipse, 1, 1).

Pois bem, a nafta e o petróleo conhecem-se da mais remota antigüidade. Nas civilizações

da mesopotâmia e em Fenícia se utilizava o asfalto para o calafetado dos navios e a construção

das estradas. O petróleo servia deste modo para o sistema de iluminação, para a limpeza e para

fins medicinais. (Cf. Michel Mourre, Dictionnaire d'histoire universelle, tomo II, P. 1.638: Pétrole). A

nafta é uma espécie de betón líqüido, transparente, ligeiro e muito inflamável. O petróleo destilado

parece-lhe enormemente. Encontra-se na Persia, nas bordas do mar Caspio, na Sicilia e na

Calabria.

É evidente que essa misteriosa "água" que verte o profeta Elias sobre a lenha de seu altar,

no topo do monte Carmelo, (77) e que se acende imediatamente, ante sua prece, não é outra

coisa que nafta, acesa com ajuda de uma lupa, ou de um cristal que fizesse as vezes dela. E o

"truque" de Simão-Ben-Koseba consistia em conservar em sua boca uma bola de estopa cheia de

petróleo, e cuspi-lo repentinamente, através da chama de uma pequena tocha sustentada diante

dele. Mas para a época e a um ignorante, o rosto queimado do adversário o seria por um prodígio

inexplicável, e a profecia do Apocalipse se realizou...

Evidentemente, em nossos dias todo mundo viu um ilusionista que, nas feiras, nos circos

ambulantes, ou inclusive em uma praça pública de bairro, "cospe fogo" desta maneira. Mas

retrocedamos vinte séculos, nos situemos no centro de uma massa popular totalmente subjugada

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pelas superstições mais comuns, e admitiremos que o problema se expõe desde outro ângulo.

Pois bem, em uma obra precedente já vimos que o segredo da pólvora era conhecido

pelos sanedritas. (78) Acabamos de estabelecer que o emprego do petróleo e da nafta, em

matéria de "milagres" religiosos, também o era. Assim, ao afirmar com antecedência que esses

dois representantes oficiais, essas duas "testemunhas", cuspirão com sua própria boca fogo sobre

seus adversários, Jesus em seu Apocalipse nos demonstra que se acostumara com esses

truques, que provavelmente ele utilizou, (79) e Celso tinha razão em seu terrível Discurso

verdadeiro ao classificá-lo entre os magos, termo que, em nossos dias, é sinônimo de ilusionista,

já que há truques que ainda não foram explicados.

E isto nos leva ainda mais longe na via das constatações. Ao adotar e realizar o truque

discretamente aconselhado no Apocalipse para assentar melhor suas pretensões de Messias

liberador, Simão-Ben-Koseba, príncipe de Israel, revelou-se não só como filho de David

(indispensável para desempenhar esse papel), mas também como discípulo de Jesus de Nazaré,

cujo verdadeiro nome era Jesus-bar-Juda, já que, acompanhado pelo Rabbi Akiba, pretendia

cumprir a profecia da "testemunha" que cuspiria um fogo mortal.

E em Eusebio da Cesaréia lemos o seguinte: "Um homem chamado Barchochebas estava

então à liderança dos judeus. Esse nome significa estrela. Pelo resto, era um ladrão e um

assassino, mas, com seu nome, impunha-se aos escravos como se fora uma luz vinda do céu

para lhes ajudar, e milagrosamente destinada a iluminá-los em suas desgraças". (Cf. Eusebio da

Cesaréia, Histórias eclesiásticas, IV, VI, 2).

Traduzamos: era um zelote, um sicário (de onde a acusação de que era um assassino),

cobrava o dízimo messianista, (80) de onde a acusação de ladrão. Mas continuemos: "O mesmo

Justino, recordando a guerra que teve então lugar contra os judeus, acrescenta isto: 'E

efetivamente, na guerra judia que teve lugar agora, Bar-Cochebas, o chefe da revolução dos

judeus, conduziu a terríveis suplícios só aos cristãos, se não renegavam e não blasfemavam de

Jesus Cristo'... " (Cf. Eusebio da Cesaréia, História eclesiástica, IV, VIII, 4, citando ao Justino, em I

Apologético, XXXI, 6).

Pode demonstrar-se melhor que o "Jesus Cristo" do ano 135, época da revolução de

Simão-Ben-Koseba, é o criado integralmente por Saulo-Paulo, quer dizer, um Jesus totalmente

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estranho ao ideal zelote e, sobretudo, ao Jesus da história real, ao filho de David crucificado por

Poncio Pilatos, e que se Simão-Ben-Koseba acreditou ter que realizar a promessa do Apocalipse

é que se sentia sucessor de seu verdadeiro autor, e não queria ouvir nada sobre esse cristianismo

obra de Saulo-Paulo, e que a seus olhos isso constituía a maior traição ao nacionalismo judeu? O

ódio que os judeus extremistas sentiam para Saulo-Paulo provavelmente estava relacionado com

a morte de Simão-Pedro e de Jacobo-Santiago, no ano 47. Suspeitavam que foram entregues por

Saulo-Paulo ao Tibério Alexandre, quem os fez crucificar em Jerusalém, como já vimos no

começo. De todo modo, a acusação de Eusebio da Cesaréia contra Bar-Kokheba nos oferece

algumas dúvidas, se se tiver em conta que seu alter ego, Rabbi Akiba, era um feroz adversário da

pena de morte.

Agora bem, Saulo-Paulo não fora durante tanto tempo seu desumano adversário, chefe de

uma tropa ao serviço de Roma e dos Herodes, como para não achar-se na necessidade de ter

que justificar aos olhos de Roma seu passo ao judaísmo nazareno, e para isso deveria mostrar-se

como fiel vassalo, e pactuar alguns compromissos importantes.

A um ex-colaborador é muito difícil escapar a seu passado e liberar-se da tutela de seus

antigos chefes. E ainda lhe é mais difícil apagar tal passado e converter-se em amigo daqueles a

quem se perseguiu. A história é um eterno voltar a começar.

Acreditam útil resumir brevemente a sorte de cada um dos personagens evangélicos, à luz

do que descobrimos no curso de nossas investigações. Vejamos, pois, essa recapitulação do mais

eloqüente:

Jesus: crucificado no ano 35 em Jerusalém, sob o procurador Poncio Pilatos.

Judas Iscariotes: enforcado e estripado no ano 35, em Jerusalém, por ordem dos discípulos

imediatos. (81)

Mateus, aliás Leví: desaparecido sem deixar rastro imediatamente depois da morte de Jesus.

Poderia ser executado pelos discípulos.

Felipe: desaparecido sem deixar rastro imediatamente depois da morte de Jesus.

Judas, aliás Tadeu, aliás Lebeo, aliás Tomás: decapitado no ano 45 na Judéia, sob o procurador

Cuspio Fado.

Bartolomeu, aliás Natanael: crucificado no ano 47 em Jerusalém, sob o procurador Cuspio Fado.

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Simão-Pedro: crucificado no ano 47, sob o procurador Tibério Alexandre, ao mesmo tempo que

seu irmão Santiago o Maior.

Santiago o Maior: crucificado no ano 47, em Jerusalém, sob o procurador Tibério Alexandre, ao

mesmo tempo que seu irmão Simão-Pedro.

André, aliás Lázaro: capturado no ano 51 pelo procurador Antonio Félix, enviado à Roma, ante o

imperador, liberado em troca de um resgate por Nero César, voltado para a Judéia e desaparecido

no ano 56.

João: quase com toda segurança lapidado em Jerusalém, no ano 63, ao mesmo tempo que seu

irmão Santiago o Menor.

Santiago o Menor: lapidado em Jerusalém, no ano 63, ao mesmo tempo que seu irmão João, sob

Ananás, supremo sacerdote saduceu, sendo procurador titular Albino.

Ao terminar a redação deste capítulo, o autor quer render uma justa comemoração a todos

esses homens que souberam morrer, de uma morte freqüentemente espantosa, para que seus

compatriotas e seus filhos gozassem do bem mais prezado: a liberdade. A desmitificação do

cristianismo inserida necessariamente em uma desmitificação das massas das quais abusou.

Pascal evocou muito bem, em uma de suas frases, sabiamente evocadora, o aspecto aberrante

de toda guerra militar, justificada pelo fato de que o adversário vive "ao outro lado do rio..." Mas

Henri de Montherlant justificou por sua vez outro aspecto dos combates sem quartel que

enfrentam às vezes aos homens: "A guerra civil é a boa guerra, aquela em que se sabe a quem

se mata e por que se mata..."

A guerra militar nem sempre pode justificar-se. Recordemos as palavras amargas de

Anatole France: "A gente crê morrer pela pátria, e morre por alguns industriais!..."

Mas a que levaram a cabo os ferozes zelotes contra os ocupantes romanos e suas tropas

mercenárias foi uma guerra "Santa", justa, embora o obscuro destino não lhes proporcionasse a

vitória. Por isso, deveria respeitar sua memória, embora terei que lavar sua história de todas as

imposturas acumuladas pelos séculos. E isto, o autor destas páginas devia dizê-lo.

19 - Maria, mãe de Jesus

Ela elevou os olhos ao céu e disse: Quem sou eu, Senhor, para que todas as nações da

Terra um dia me benzam?..." Porque Maria esquecera os mistérios que lhe revelara o arcanjo

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Gabriel...

Protoevangelio de Santiago, XII, 2

O capítulo que tratasse dos "filhos de David" e não desse o máximo de informações

inéditas sobre Maria, a mãe de todos eles, seria um capítulo incompleto. Por isso é importante

apresentar todo um pequeno universo humano que, a partir de agora, permanecerá à margem da

religião nova montada por aquele aventureiro de quão místico foi Saulo-Paulo. (82)

Como já dissemos em nossa primeira obra, (83) e segundo as afirmações dogmáticas da

Igreja católica, ignoramos tudo que possa referir-se aos pais de Maria, mãe de Jesus; e tal Igreja,

considerando este terreno como terrivelmente perigoso para a lenda cristã, nega-se, por

conseguinte, a ensinar nada oficial a este respeito. Não obstante, nós, que não nos atenemos a

essa prudente reserva, e por motivos diametralmente opostos, abordaremos o problema das

origens familiares da mãe de Jesus da história.

As genealogias reproduzidas nos evangelhos de Mateus e de Lucas, por contraditórias que

sejam, só se aplicam ao pai oficial de Jesus, quer dizer, ao evanescente José da lenda, cujo

suposto nome de circuncisão, segundo Lucas (3, 24), era Ioseph-bar-Heli, e segundo Mateus (1,

16), era Ioseph-Ben-Iacob. Como se vê, os escribas do século IV não ficaram de acordo ao

compor seus relatos.

Nos canônicos não têm nada sobre Maria, e é um apócrifo célebre, do qual a Igreja tira

abundante informação para suas necessidades iconográficas, o Protoevangelio de Santiago, que

nos diz que seu pai se chamava Joaquim e sua mãe Ana, em hebreu Hannah.

Esse silêncio reprovador e rabugento dos exegetas oficiais nos oculta, evidentemente,

algo, coisa que cabe ao historiador sincero, curioso por natureza, a desentranhar o motivo secreto

de tal silêncio. Em primeiro lugar afirmaremos que Maria procedia de uma família bastante rica,

por surpreendente que resulte esta afirmação. Este fato o estabelecemos seriamente a partir de

uma constatação do mais corriqueiro: a da riqueza indiscutível da família davídica em geral, quer

dizer, a importância dos bens que possuía, mais a importância dos diversos ganhos recebidos por

seus membros. Sobre estes, remetemos ao leitor a nossa obra precedente e a seu capítulo

intitulado "O dízimo messianista". (84) Sobre os bens imóveis desta família podemos tomar já em

conta com toda certeza a casa familiar de Gamala, aquele ninho de águias penduradas por cima

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da borda oriental do mar da Galiléia; a moradia de Cafarnaum, citada em Mateus (4, 13) e em

Marcos (1, 29) como propriedade de Simão e André, irmão de Jesús; (85) a de Séforis, destruída

durante os anos 6 aos 4 antes de nossa era pelas legiões de Varo, legado de Síria, durante a

primeira revolução de Judas da Gamala, marido de Maria e pai de Jesus; esta moradia

desapareceu, evidentemente, no incêndio de tal cidade. Podemos acrescentar a de Betsaida, "a

cidade de André e de Pedro" (João, 1, 44), já que, repitamo-lo, eram irmãos de Jesus, no sentido

carnal de termo. (86)

Conhecemos também a passagem da História eclesiástica de Eusebio da Cesaréia, no

qual o autor mostra aos "parentes carnais do Salvador, bem para vangloriar-se, ou simplesmente

por dizê-lo..." (cf. Eusebio da Cesaréia, op. cit., I, VII, 11-14), que nos revela as verdadeiras

origens da família herodiana. Pois bem, para conhecer a genealogia de uma família, para

vangloriar-se, terá que ser familiar dela, mais ou menos próximo. E mais tarde abordaremos o

problema do matrimônio de Herodes, o Grande, com uma "filha de David", parenta de Jesus, por

ser meio-irmã de sua mãe Maria.

Observaremos, de passagem, que Tischendorf considera como autênticos os nomes dos

pais de Maria (cf. Tischendorf, De evangeliorum apocryphum origine et usu). E, efetivamente, nas

lendas judias, Maria chamam-na filha de Heli, aliás Jehohakim, que de fato é o mesmo nome

(Heliakim). Assinalaremos, a este respeito, a concordância do Talmud de Babilônia (op. cit.,

Sanedrín: f° 67) com o Talmud de Jerusalém (op. cit., fº 77).

O Protoevangelio de Santiago nos diz o seguinte: "Havia um homem rico, rico em excesso,

chamado Joaquim, que levava suas oferendas ao Templo em quantidade dupla, dizendo: 'O que

sobre será para todo o povo' (depois dos sacerdotes)..." (Cf. Protoevangelio do Santiago, 1, 1). E

Eustaquio, bispo de Antioquia e mártir († 360), contribui os mesmos dados, sem considerá-los

como legendários, a não ser dando-os por certos. (Cf. Commentaire sur l'oeuvre des six jours, in

Patrologie grecque, tomo XVIII, col. 772).

Sobre a filiação real e davídica de Maria, observemos de passagem que o mesmo

Protoevangelio de Santiago nos mostra à faxineira da Ana, mãe de Maria, aconselhando a sua

ama que rodeie a diadema real que possui, para afastar a tristeza causada por sua esterilidade

(cf. Protoevangelio de Santiago, II, 2). Sua união com Joaquim, da mesma filiação davídica que

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ela, está testemunhada por outro documento antigo: "Quando ele (Joaquim) tinha vinte anos,

tomou por esposa Ana, filha de Isacar, e de sua própria tribo, quer dizer, da raça de David..." (Cf.

Pseudo-Mateus, I, 2).

Do mesmo modo, o abade Emile Amann, doutor em teologia, ao traduzir e comentar o

Protoevangelio de Santiago consagrado à Maria, à suas origens e à sua infância, pode observar

que, segundo o próprio texto: "Joaquim (o pai de Maria) é 'extremamente rico'; eis aí uma resposta

direta às acusações judias sobre a pobreza de Maria..." (Cf. E. Amann, Protoevangelio de

Santiago, P. 181, Imprimatur de 1 de fevereiro de 1910, Letouzey Edith., Paris, 1910).

Encontramo-nos, pois, muito longe da família miserável que nos apresenta sem cessar para nos

enternecer.

Conhecemos, com efeito, a acusação injuriosa de Toledoth Ieshuah (A geração de Jesus),

que afirmava que este era o filho bastardo de Maria e de um mercenário romano chamado

Pantero. Paralelamente, o Talmud nos contribui um eco disso: "Descobri em Jerusalém um

manuscrito genealógico no qual está escrito que este (Jesus) é o filho bastardo de uma mulher

adúltera..." (Cf. Rabbi Simão-Ben-Azzai, Talmud).

Estimamos que se trata aí de uma ignorância voluntária da verdadeira acusação inicial,

porque é indubitável que semelhante delito por parte de Maria conduzisse-lhe sérias dificuldades,

por crime de adultério. A Lei de Moisés implicava, com efeito, a lapidação para a mulher a que se

reconhecia culpada de tal delito (cf. Levítico, XX, 10). Em troca, nenhum autor judeu pretendeu

jamais que esta arriscasse nada neste campo. Pelo contrário, e como já se sublinhou, Jesus conta

ao menos com quatro mulheres culpadas desse importante delito em Israel entre sua mais ilustre

antepassada, (87) e sua indulgência para elas se estende inclusive às prostitutas, que entretanto

são severamente rechaçadas pela Lei de Moisés e pelos profetas. Provavelmente ao que os

talmudistas faziam alusão era a essa ascendência molesta, mas logo mal compreendida pela

tradição oral.

Seja o que for, e ao escolher semelhante ascendência, o "filho de Deus" estaria muito mal

inspirado se logo condenasse à mulher adúltera que um dia lhe apresentou para que a julgasse

(João, VIII, 3 a 11). Mas voltemos para Maria, sua mãe. (88)

Segundo São João Damasceno, em sua Homilia sobre o Natal da Bem-aventurada Virgem

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Maria (Patrologia, XCVI, col. 664-667), Maria teria nascido em Séforis, na Galiléia, a alguns

quilômetros de Nazaré atual (então inexistente), e muito perto de Presépio da Galiléia. Para

embrulhar melhor o problema, os escribas anônimos que "arrumaram" os evangelhos antigos no

século IV, tiveram a idéia de situar o nascimento de Jesus em Belém da Judéia, a uns dez

quilômetros ao sul de Jerusalém, e não já na Galiléia, e sim na Judéia. E tudo isso a fim de que

nascesse na cidade onde o próprio David tinha nascido. Mas, já que era descendente de David

por linha de sangue, Jesus podia muito bem prescindir de tal mentira para continuar sendo-o,

indiscutivelmente, do mesmo modo que jamais um Delfin da França precisou nascer em Paris, em

l'Île de la Cité, berço dos Capetos, para ser logo rei legítimo. Porque entre Presépio da Galiléia e

Belém da Judéia há, a vôo de pássaro, uns cento e dez quilômetros...

É evidente que semelhantes enganos foram premeditados. É muito provável que Maria,

galiléia de nascimento, como precisa João Damasceno, permanecesse em sua província natal e

entre sua família para iluminar a seu "primogênito" (Lucas, 2, 6-7), e sem dúvida também aos

seguintes (Marcos, 6, 3). E o famoso censo de Quirino não serve para nada, como já

demostramos, (89) e menos quando se tem em conta que Jesus não nasceu nessa época, a não

ser uns vinte e três anos antes.

Observemos de passagem que em dezembro de 1969, o professor Harmut Stegemann,

doutor em teologia protestante da universidade de Bonn, publicou uma tese segundo a qual Jesus

não teria nascido nem em Belém da Judéia nem Nazaré da Galiléia, e sim em Cafarnaum, quer

dizer, na Galiléia, à beira do lago de Genezaret, e ao extremo norte deste. Teria se falado de

"Jesus de Nazaré" porque (no século IV) ignorava-se a raiz aramaica de tal nome. Este

significaria, em realidade, mais ou menos: "Guardião da justiça de Deus". Observemos também

que tal doutor protestante nos contribui aqui uma confirmação do papel tipicamente messiânico,

no sentido zelote do termo, de Jesus da história.

A imprensa da Alemanha federal reproduziu numerosas passagens dessa tese, às vezes

em primeira página, em especial a Kölnische Rundeschau, que pouco antes do Natal de 1969

consagrou um editorial a essa autêntica "bomba" lançada por um teólogo conhecido. Assim, o

teólogo Stegeman considera que há motivos fundados para pensar que Jesus nasceu em

Cafarnaum, onde se estabeleceram seus parentes. Por nossa parte, estamos de acordo com esse

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exegeta sobre o fato de que Jesus não nasceu, em modo algum, em Belém da Judéia. Mas sim

que pôde ter nascido em Presépio da Galiléia, perto de Séforis, onde nasceu sua mãe, muito perto

dessa Nazaré que se criaria no século VIII para dar satisfação aos peregrinos, depois de havê-la

imaginado simplesmente no século IV.

Mas Presépio da Galiléia é uma localização perigosa para a verdade, quão mesmo Séforis,

já que se acham a pouco menos de trinta e cinco quilômetros a vôo de pássaro da Gamala, a

cidade refúgio dos zelotes, pendurada de seu esporão rochoso, como um falcão escrutinando a

planície, ao outro lado do lago de Genezaret. É a famosa "montanha" que sai repetidamente nos

evangelhos, montanha que se guardam bem de nos nomear... E Cafarnaum está a menos de

quinze quilômetros, muito perto do feudo familiar de Judas da Gamala, aliás Judas, o Gaulanita,

ou Judas da Galiléia (Atos, V, 37), o herói da revolução do Censo, o primeiro marido de Maria, o

pai de seus cinco primeiros filhos e de suas duas filhas.

Por isso é provavelmente que o primeiro ato deste último, quando levantará o estandarte

de sua primeira revolução, no ano 6 de nossa era, consistirá em apoderar-se de Séforis, do

palácio de Herodes, de seu arsenal e de seu tesouro. E, por essa eleição, pode suspeitar

existência de uma relação entre a primeira investida das unidades de zelotes que descendiam do

ninho de águias da Gamala, e a localidade aonde nasceu Maria, esposa de Judas da Galiléia, seu

chefe, e mãe de seus filhos. Segundo o Protoevangelio do Santiago, ela nasceria no ano 14 antes

de nossa era, de modo que quando teve lugar a crucificação de Jesus contaria quarenta e nove

anos, e vinte e seis quando este foi submetido, à idade de doze anos, ao exame de sua maioria

de idade civil e religiosa ante os doutores da Lei. Então ele se convertia, como todos os pequenos

judeus do mundo, em um Ben-ha-torah, um "filho da Lei". (90) Esta cronologia daria como

resultado que Maria deu a luz à idade de quatorze anos.

Mas estes dados são falsos. De toda nossa investigação, dos desacoplados e das severas

confrontações cronológicas às quais nos entregamos há uns dez anos, resulta que Jesus nasceu

por volta do ano 16 ou 17 antes de nossa era, (91) e se Maria deu a luz quando contava quinze

anos (as meninas, em Israel, eram núbiles a partir dos doze anos e meio), ela deveria nascer ao

redor do ano 32 antes de dita era. Por outra parte, o mesmo João Damasceno nos dá em seu De

fide orthodoxia (IV, Patrologia, XCIV, col. 21.157) a genealogia de Maria. Como é natural, só nos

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fala de José, e não de Judas da Gamala. Vejamo-la reproduzida a seguir:

David

teve de Betsabé, esposa de Uria Estirpe de Salomão Estirpe de Natán

Mathan Mathat Pantheros

Jacob...(irmãos carnais) ... Heli Bar-Pantheros

Joaquim

José (quem se casou com) Maria

No concernente à vida de Maria depois da crucificação de Jesus, sua morte e a época

desta, já tratamos estes temas no estudo do destino de João (veja o capítulo 14), portanto não

voltaremos sobre isso.

Por outra parte, no primeiro volume já chamamos a atenção do leitor sobre a inexistência

de uma mulher apresentada sob o nome de Maria de Magdala. Com efeito, Tertuliano, que

investiga à própria Magdala (aliás Tariquea segundo alguns, e que nós consideramos errôneo),

não pôde recolher ali informação alguma; Maria Madalena era totalmente desconhecida naquele

lugar. Esta investigação, efetuada entre os ambientes cristãos, deveria recolher, entretanto, uma

tradição, por mínima que fosse, se esta mulher tivesse existido. Mas não houve nada disso.

Tertuliano nasceu por volta dos anos 150/160 de nossa era, e morreu por volta de 240. Sua

viagem produziu-se por volta do ano 200. E logo nada mais... Pois bem, os Atos dos Apóstolos, as

Epístolas de Paulo, as de Pedro, de Santiago, de João e de Judas, a História eclesiástica de

Eusebio da Cesaréia, todos estes textos, que se afirmam que são sérios, todos eles ignoram

também a existência de tal mulher.

O mesmo acontece com a maioria dos apócrifos neotestamentários. O que é pior ainda:

alguns deles identificam Maria, mãe de Jesus, com aquela que os evangelhos canônicos

denominam como Maria de Magdala, quando, na ressurreição de Jesus, este pede a sua primeira

interlocutora que não lhe toque fisicamente, por não ter remontado ainda até seu Pai.

Comparemos simplesmente esses textos, e o leitor ficará informado. Vejamos, primeiro, o

evangelho de João: "No primeiro dia da semana, Maria Madalena veio muito de madrugada,

quando ainda era de noite, ao sepulcro, e viu retirada a pedra (...) Maria ficou junto ao

monumento, do lado de fora, chorando. Enquanto chorava, inclinou-se para o monumento, e viu

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dois anjos vestidos de branco, sentados um à cabeceira e outro aos pés de onde estivera o corpo

de Jesus. Disseram-lhe: "por que choras, mulher?" Ela lhes disse: "Porque levaram a meu Senhor

e não sei onde o puseram". Dizendo isto, voltou-se para atrás e viu Jesus que estava ali, mas não

reconheceu que fosse Jesus. "Disse-lhe Jesus: "Mulher, por que choras? A quem buscas?" Ela,

acreditando que era o hortelão, disse-lhe: "Senhor, se tu o levastes, dize-me onde o puseste, e eu

o levarei". Disse-lhe Jesus: "Maria!". Ela, voltando-se, disse-lhe em hebreu: "Rabboni!", que quer

dizer Mestre). Jesus lhe disse: "Não me toques, porque ainda não subi ao Pai"... (João, 20, 1 a

17).

Observar-se-á que a hipotética Maria de Magdala fora à horta de José de Arimatéia com a

intenção de retirar dele o cadáver de Jesus, e levar-lhe. E isto, extraído do mais célebre dos

evangelhos canônicos, aquele no qual se apóiam todos os mistagogos das seitas cristãs

heterodoxas mais descabeladas quão mesmo os fiéis das igrejas ortodoxas até não poder mais,

isto confirma o que já demonstramos no primeiro volume deste estudo, (92) ou seja, que os fiéis

de Jesus contavam levando seu cadáver para retirar a seu destino final o que levava de lhe

denigrirem a primeira inumação. Se não lhe podia deixar na tumba oferecida por José de

Arimatéia, era porque esta, em realidade, não era outra coisa que a fossa infamante (fossa

infâmia), em que se tornava aos corpos dos condenados a morte depois de sua execução.

Segunda conclusão, José de Arimatéia era, efetivamente, o Ioseph-har-ha-mettim, o "José

da fossa dos mortos" que já desvelamos em uma obra precedente, e não um "conselheiro distinto"

como pretende Marcos (15, 43). (93)

Mas voltemos para a misteriosa Maria de Magdala: Vejamos agora o Evangelho dos Doze

Apóstolos, que o grande Orígenes considerava como um dos mais antigos evangelhos

conhecidos, anterior inclusive ao Lucas atual: "As mães deste país viram a morte de seus filhos e

vão à tumba para ver o corpo daqueles aos que choram... Ela abriu os olhos, porque os tinha

baixados, para não olhar ao chão por causa dos escândalos. Disse com alegria: 'Mestre! Meu

Senhor e meu Deus! meu filho! ressuscitaste, ressuscitaste de verdade...' E queria agarrá-lo e

beijá-lo na boca. Mas ele a impediu e lhe rogou, dizendo: 'Mãe, não me toque. Espera um

pouco ... Não é possível que nada carnal me toque até que eu vá ao céu. Entretanto, este corpo é

aquele com o que passei nove meses em seu seio... Sabe estas coisas, OH minha mãe, sabe que

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sou eu, a quem você alimentou. Não duvide, mãe, de que eu sou seu filho. Sou eu, quem a deixou

em mãos de João quando eu estava pendurando da cruz. Agora, minha mãe, apresse em advertir

a meus irmãos e dizer-lhe (Cf. Evangelho dos Doze Apóstolos, 14º fragmento).

Pois bem, o evangelho de João, no versículo 17 do capítulo XX, menciona a mesma ordem

de Jesus a Maria de Magdala, de que fosse advertir a seus irmãos. Todo o desenvolvimento é,

portanto, idêntico nos dois evangelhos. Só que, enquanto no dos Doze Apóstolos a interlocutora

de Jesus é sua mãe Maria, nos de João, de Lucas, de Marcos e de Mateus, trata-se de Maria

Madalena.

Vejamos agora o Evangelho de Bartolomeu. Seguimo-nos encontrando ante o sepulcro, a

manhã da ressurreição: "E Jesus gritou na língua divina: "Marikha! Marima! Thiath!. O que

significa: 'Maria! Mãe do Filho de Deus!' Maria conhecia o significado destas palavras. Virou-se e

disse: 'Mestre! Filho de Deus Todo-poderoso!... Meu Senhor e meu filho!...' E El Salvador lhe

disse: 'Saúde a ti, que levaste a vida do mundo inteiro! Saúde, minha mãe, minha arca Santa!

Saúde a ti, minha mãe, minha cidade e meu lugar de repouso!... Vá junto a meus irmãos para lhes

dizer que ressuscitei que entre os mortos'..." (Cf. Evangelho de Bartolomeu. 2º fragmento).

Vejamos ainda o Evangelho de Gamaliel, que ainda não foi publicado com divisão em

capítulos e versículos. Foi descoberto no ano 1956, em um convento de Etiópia, pelo R.P. Van

den Oudenrijn, da universidade de Friburgo, com outros quatro manuscritos. Forma parte do que

se chama os apócrifos etíopes, e, como todos os outros já conhecidos, pertenceu ao velho fundo

primitivo dos cristãos coptos do Egito e da Abisinia, junto com o Evangelho dos Doze Apóstolos e

o de Bartolomeu. E este Evangelho de Gamaliel nos confirmará também o valor de nosso

descobrimento.

Muito cedo, Maria, mãe de Jesus, foi junto à tumba de seu filho. Coisa que resulta ainda

muito mais plausível, porque é mais humano que o fato de nos apresentar a uma mulher de

costumes duvidosos, que não pertencia à família, como a primeira em apresentar-se com o

defunto, deixando à mãe alheia a este piedoso dever. E Maria, mãe de Jesus, segundo este

evangelho não encontrou o corpo de seu filho, mas sim discutiu com um desconhecido, que ela

supôs que era o hortelão, igual nos textos canônicos já citados.

"Isto senhor é o que entristece, porque nessa tumba não encontrei o corpo de meu filho

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bem-amado, para chorar sobre ele, o que teria consolado minha tristeza... E agora, se forem o

guardião desta horta, vos conjuro a que me informem"... E Jesus lhe disse: "Maria... Já

derramaste suficientes lágrimas até agora... Olhe-me no rosto, minha mãe, para te convencer de

que sou seu filho..." E ela disse então: "Então ressuscitaste, Oh, meu senhor e meu filho...". (Cf.

Evangelho de Gamaliel, extratos).

É perfeitamente evidente, para qualquer que o veja com boa fé, que a cena relatada por

esses três evangelhos antigos é absolutamente idêntica à descrita em João (20, 1-18), mas lá

onde este último põe em cena a uma tal Maria de Magdala, desconhecida pelos textos

neotestamentários posteriores (Atos dos Apóstolos, Epístolas diversas, História eclesiástica, etc.),

os antiqüíssimos manuscritos coptos citados nos falam por sua vez, de Maria, mãe de Jesus...

E vamos ver agora um argumento que reforçará o que demos na obra precedente (94)

sobre a identidade absoluta entre a Maria, mãe de Jesus, e Maria de Magdala.

Tomemos para isso o importante estudo que o abade Loisy, ilustre exegeta e probo

historiador, consagrou precisamente a esse episódio de Maria na tumba, na manhã da

ressurreição, em seu enorme trabalho intitulado Le quatrième évangile: "Segundo São Efrén

(Exposé de la concordance des évangiles, Moesinger, 268), as palavras: 'Não me toque...', etc.,

Jesus dirigiu-as à sua mãe, e parece seguro que o Diatessaron de Ticiano contava da mãe de

Jesus o que nosso Evangelho conta de Maria de Magdala. O mesmo acontece com um tratado da

Antioquia do século IV, falsamente atribuído ao Justino Mártir (Questions et réponses de

l'orthodoxie, Q. 48, cf. Harnack, no Theol.-Literatur-Zeitung, 1899, P. 176), que não depende de

São Efrén, mas sim poderia depender também de Diatessaron. É lícito, portanto, perguntar se

Taciano, em lugar de interpretar nosso evangelho (de João) por uma tradição apócrifa, não

conheceria, pelo contrário, por um ou outro caminho, o dado primitivo, e se o evangelista que

conduziu à mãe de Jesus ao pé da cruz não lhe teria dado um papel capital no relato da

ressurreição, e logo esse papel seria atenuado em uma redação posterior, e transladado a Maria

de Magdala para concordar com a tradição sinótica... Efrén diz que Maria duvidara da

ressurreição, tal como lhe havia predito Simão (cf. Lucas, 2, 35). (Sobre essa "dúvida", veja-se

nosso livro: Évangiles synoptiques, tomo I, P. 359)". (Cf. Alfred Loisy, Le quatrième évangile,

Paris, 1921, E. Nourry, édit., P. 504).

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Já lemos São Efrén: "Maria duvidava da ressurreição..." Efrén é o pai da Igreja siríaca,

assistiu ao concílio de Nicéia, foi amigo de São Basilio e o pai da Escola mística da Edesa.

Nasceu por volta do ano 306, e morreu em 373. Suas conclusões exegéticas fizeram chiar os

dentes a alguns mistagogos de pequenos cenáculos heterodoxos. Pior para eles; este tipo de

problemas ultrapassa seu entendimento.

Porque se Maria, efetivamente (segundo a profecia do velho Simão quando teve lugar a

apresentação de Jesus ao templo pouco depois de seu nascimento [Lucas, 2, 25 e 34-35]: "e uma

espada atravessará sua alma...", deveria sofrer a pena mais terrível que possa sentir uma mãe, é

que então tinha que enfrentar-se com o mais horrível desespero ante a morte de seu filho, e isso

implicava que não acreditasse em sua futura ressurreição nem na deificação que lhe aconteceria,

e portanto, que jamais dera fé a suas palavras. O que aparece confirmado por Mateus (12, 46-50),

Marcos (3, 21), João (7, 2-4). Realmente, esquecera ao arcanjo Gabriel, se é que alguma vez

houve tal arcanjo.

O certo é que toda a documentação contribuída pelo abade Loisy e citada in extenso

antes, reforça nossa tese, ou seja, que na tradição primitiva era a Maria, mãe de Jesus, a quem se

dirigiu Jesus ressuscitado, e não a Maria de Magdala. E esta ignorância geral dos textos

neotestamentários ulteriores, como a dos Padres da Igreja já citados, prova-nos que jamais houve

uma mulher com tal nome no séquito de Jesus, ao menos não uma mulher distinta à sua mãe.

Maria, mãe de Jesus, e Maria de Magdala são uma só e mesma pessoa.

Por outro lado, uma tradição eclesiástica pretende que esta Maria de Magdala morreu em

Éfeso, onde foi inumada. Em finais do século IX, o imperador Leão VI o Sábio devolveu seus

restos à Constantinopla. É fácil compreender que se tratava de Maria, mãe de Jesus, morta e

inumada em Éfeso... As lendas provenzais do desembarque das três "Marias" em Saintes-Maries-

de-la-Mer e dos trinta e três anos de penitência lacrimosa de Maria de Magdala no topo do pico de

Sainte-Baume, (95) onde morreu, foram elaboradas no século XI para esconder a verdade. Logo

voltaremos para este tema das diversas tumbas de Maria.

E agora voltamos de novo, através de outra série de argumentos, às conclusões de nossa

obra precedente, quer dizer, que Maria, esposa de Judas da Gamala, mãe de Jesus e de suas

irmãs e irmãos, é a mesma Maria Madalena, e portanto que jamais existiu uma cortesã de alta

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linhagem que levasse tal nome.

Quanto à explicação admitida pelo abade Loisy, ou seja, que se transferiu um personagem

real a outro puramente imaginário, simplesmente para que o evangelho de João concordasse com

os de Mateus, Marcos e Lucas, não acreditam que seja válida. Porque então ficaria por justificar a

criação inicial de uma Maria de Magdala. Esta explicação é muito singela, já a demos em nossa

primeira obra. (96) Só faltaria:

a) suprimir toda alusão que permitisse adivinhar que o Apocalipse era em realidade muito anterior

aos evangelhos, e que a história dos "sete trovões" era uma perigosa chave do problema;

b) suprimir a prova de que esses "sete trovões" eram sete irmãos, um dos quais era Jesus, o

primogênito, e que todos eram filhos de Maria, quão mesmo as jovens às quais os evangelhos

canônicos chamam "suas irmãs" (cf. Marcos, 6, 3). Fazendo isto podia ao fim afirmar a virgindade

perpétua de Maria;

c) fazer acreditar que a mulher que no sepulcro, ante aquele a quem ela toma pelo hortelão,

desespera-se pela morte de Jesus, e por conseguinte não crê absolutamente na ressurreição

prometida, não podia ser Maria, sua mãe. E por parte de uma mulher estranha à família, isso

resultava mais plausível.

Claro que ficam outros pontos curiosos nesta impostura dos escribas do século IV. Por

exemplo, magdala pode significar também penteadora, perfumeira, em aramaico. Maria, em um

momento dado de sua vida, depois da morte de seu marido Judas da Gamala, bem pôde ver-se

na obrigação de fazer subsistir a seus filhos, e ficar a exercer esta profissão junto a algumas

mulheres da aristocracia Iduméia.

Com efeito, segundo o Talmud de Babilônia (cf. Shabbath, 104 B, e Hagigag, 4 b), Maria

teria exercido a profissão de penteadora, mas segundo o mesmo Talmud de Babilônia (Sanedrín

106 b), ao descender dos reis de Israel, teria se comprometido com um héresch, palavra hebréia

que significa bem um carpinteiro, bem um mago. (97)

Por outra parte, a aldeia de tal nome evoca curiosamente a cidade zelote, já que, com uma

só letra de diferença, Magdala é o anagrama da Gamala, só sobra a letra daleth. E é sabida a

importância das transposições de letras na cabala. Não se atreveriam a falar de Maria de Magdala

e acrescentariam a daleth (d) para velar melhor esse nome que convinha não voltar a pronunciar

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jamais: Maria de Gamala, porque senão se estabeleceria imediatamente uma relação evidente

com Judas da Gamala.

Temos um exemplo dessas transposições de letras na toponimia da França, e é o da

célebre gruta de Lourdes. Na época de Maria Bernarda Soubirous ainda se chamava a essa gruta

Massabielle. Pois bem, esse nome não é mais que a transposição anagramática de Beelissama,

espécie de Astarté importada pelos navegantes fenícios, e cujo nome não era outra coisa que a

deformação afeminada de Bell-Samîn, o "Senhor dos Céus". E na gruta de Massabielle, no

começo de nossa era, celebrava-se o culto a essa mesma deusa Beelissama. Durante muito

tempo, na gruta onde Bernarda acreditou ver a Virgem Maria, quando contava uns quinze anos,

houve um bloco de mármore desconhecido nos Pirineus, e que era um resíduo dessas liturgias

pagãs. Esse bloco desapareceu rapidamente. Possivelmente foi o condensador daquele que se

desprendeu, em 11 de fevereiro de 1858, forma-pensamento que impressionou o psiquismo da

menina. Um altar religioso sempre está mais ou menos carregado magneticamente. (98)

Voltando para a Maria, mãe de Jesus, constataremos que os manuscritos mais antigos do

evangelho de Mateus nos precisam que "Jacob engendrou ao José, o marido de Maria, e José

engendrou ao Jesus" (cf. Mateus, 1, 16). Fato confirmado por Saulo-Paulo: "... a respeito de seu

filho, nascido da semente de David segundo a carne". (cf. Paulo, Epístola aos Romanos, 1, 3). É

evidente que esta semente não vem de Maria, mas sim de José, afirmação que prova que naquela

época dava ao Jesus ainda um pai perfeitamente carnal, o que excluía a virgindade de sua mãe.

Se duvidássemos disso, não teríamos mais que reler a Vulgata latina de São Jerônimo, versão

oficial da Igreja católica, e leríamos nela que: "...de Filio suo, qui factur est ei ex-semine David

secundum carnem..." (cf. Epistula ad Romanos: I, 3). Os originais gregos mais antigos utilizam o

termo spermatos, que significa o esperma masculino, quão mesmo o termo semine utilizado por

Jerônimo.

Ocumenius (cf. Patrologia grega, CXVIII, col. 217) e Teofilacto, bispo da Acrida na Bulgária

antes de 1078 (cf. Patrología grega, CXXII, col 293), dizem-nos: "Santiago, a quem o Senhor

designou com antecedência bispo de Jerusalém, era o filho de José o carpinteiro, o pai segundo a

carne, do N. S. Jesus Cristo".

Assim, até finais do século XI, nas igrejas do Oriente não se ignorava que Jesus tivera um

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pai perfeitamente carnal, e que o Espírito Santo não tinha tido nada a ver nesta geração.

Voltemos, pois, a genealogia de Maria, dada por João Damasceno (supra, p. 138). Vemos

nela que seu pai chamava-se Joaquim, e seu avô X...-bar-Pantheros. Trata-se, evidentemente, do

mesmo Panthero da Toledoth Ieshuah que já vimos. E é avô de Maria, o pseudo-amante

mercenário de Roma.

E se Maria nasceu no ano 32 antes de nossa era, se seu pai a engendrou aos vinte anos,

se ele mesmo foi engendrado pelo seu quando este contava também vinte anos (a idade limite do

matrimônio dos jovens no Israel antigo), isso nos dá a data descoberta por Daniel-Rops em Jesus

em seu tempo (P. 68), porque 32 + 20 + 20 = 72, data muito próxima a de 78 dada por tal autor

(evidentemente antes de nossa era).

E portanto, teria morrido no curso das lutas civis que rasgaram durante seis anos à nação

judia sob o reinado sangrento de Alexandre Janeo. Este rei, que pertencia à dinastia asmonea (os

macabeus, 99) contemplou sadicamente, de terraço de seu palácio em Jerusalém, e rodeado de

suas concubinas, a crucificação de oitocentos de seus adversários, enquanto se procedia, ante

seus olhos, a degolar suas esposas e filhos (cf. Flavio Josefo, Antigüidades judaicas, XIII, XXII). O

avô de Maria devia participar dessas lutas fratricidas, porque, ao helenizar seu nome, segundo o

costume judeu da época, fez-se de Panthero, Pantherôs, em grego pantera. E este nome não

podia designar a um homem particularmente pacífico.

Pelo que antecede podemos admitir que a família de Maria pertencia também ao clã dos

kanaim, ou zelotes, o que justifica que lhe escolhessem um marido dentro do mesmo meio, ou

seja, Judas-bar-Ezequías, futuro Judas da Galiléia.

No que concerne à virgindade perpétua de Maria, "antes durante e depois" dessa união tão

humana com o herói judeu que devia ilustrar seu nome com grande rapidez, acreditam que

fizemos justiça a esta inverossimilhança em nossa primeira obra. (100) E nem sequer o moderno

tema da partenogênesis, mediante o qual uma fêmea se fecunda e dá a luz sem a colaboração de

um macho, afirmação muito discutida no que se refere a sua possibilidade no seio da humanidade

ou dos animais superiores, este tema não poderia sustentar-se como explicação plausível para

essa concepção milagrosa por parte da Maria dos evangelhos. Porque se o fato pode produzir-se

em teoria no seio da humanidade, a mulher não poderia parir jamais outra coisa que uma criatura

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de seu próprio sexo, quer dizer, uma filha. E jamais se pôs em dúvida o sexo masculino de Jesus,

quanto mais que a Igreja católica possui em seus templos, religiosamente conservados pelo clero

e os fiéis, dezenove prepúcios do menino divino, todos eles o qual mais autêntico, o que constitui

uma prova definitiva de tal masculinidade.

Não obstante, aos argumentos apresentados na primeira obra, (101) convém acrescentar a

confissão implícita dos teólogos. Nos Diaconales de monsenhor Bouvier, bispo de Le Mans,

membro da congregação do Indice, inseridos em Dissertatio in sextum decalogi praeceptum et

Supplementum ad Tractatum de Matrimonio (Le Mans, 1827, exemplar da Bibloteca real),

descobrimos este estudo de um caso particular:

"Pergunta-se: 1º) Se um homem e uma mulher, bem instruídos de sua comum impotência

ou de um deles, podem contrair matrimônio com a intenção de prestarem-se mútuo socorro e de

permanecer sempre na castidade.

"R. Sánchez (I; 7, disp. 97, nº 13) e muitos outros teólogos que cita, afirmam que o

matrimônio é lícito neste caso, e apóiam sua opinião nas provas seguintes: os que contraíram

matrimônio, embora afetados por uma mesma enfermidade, podem viver juntos como irmão e

irmã, evitando o perigo de cair no pecado; portanto, se pensarem razoavelmente que não terá que

temer tal perigo, podem casar-se com vistas a ajudarem-se mutuamente, apesar do conhecimento

que têm de sua impotência. Assim foi como a bem-aventurada Virgem e São José contraíram

verdadeiro matrimônio, com a intenção formal de conservarem-se castos e de não fazer uso do

coito.

"Mas a opinião mais geral de outros teólogos é que semelhante matrimônio não é lícito, já

que, conforme dizem, um matrimônio assim seria nulo se não houvesse esperança de consumá-

lo. Seria uma verdadeira impostura, uma profanação das cerimônias religiosas, e por conseguinte

um sacrilégio, o fato de contrair voluntariamente um matrimônio nulo; jamais devem autorizar-se

semelhantes uniões. Quanto ao exemplo contribuído mais acima, negam que seja aplicável nesse

caso, já que o matrimônio da bem-aventurada Maria e de São José era válido". (Op. cit.,

Supplementum, 1º Quest.).

Era válido... Do que antecede, umas quantas conclusões se impõem por si mesmas:

a) o marido verdadeiro de Maria não era impotente, e ela não era estéril, já que seu matrimônio

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seria nulo, o que a maioria dos doutores católicos negam, como acabamos que ver;

b) não se trataria, pois, do tal José, já que no momento de sua união com Maria contaria uns

oitenta e um anos, (102) se se der crédito aos diversos Evangelhos da Infância. Pelo visto

morreria por volta dos cento e onze anos, e uns trinta anos antes é duvidoso que se achou ainda

em estado de procriar. Além disso, o matrimônio de um homem em estado de impotência sexual

estava proibido pela Lei judia, e o desgraçado marido não tinha então mais que duas semanas

para lhe devolver a liberdade a sua esposa; (103)

c) se os teólogos cristãos afirmarem em sua grande maioria (op. cit., dixit) que o matrimônio de

Maria era válido, e o marido não podia ser José, essa união se consumou, pois, com o Judas da

Galiléia, aliás Judas da Gamala, de onde o nascimento de Jesus e de seus irmãos e irmãs

menores.

Ficam ainda um conjunto de documentos ainda mais provadores a este respeito, e não os

silenciaremos, tendo em conta a autoridade de seus autores.

Sabemos por Eusebio da Cesaréia que Orígenes, o grande didáscalo alexandrino, a quem

o Papa Leão XIII qualificava de "o maior dos Padres da Igreja do Oriente", adquirira em

propriedade as Escrituras conservadas pelos judeus e redigidas em caracteres hebreus. Para as

ler, aprendeu tal língua. Logo "fez-se à busca das diversas edições daqueles que, além da versão

chamada dos Setenta, traduziram as sagradas Escrituras; e, além das traduções correntes e em

uso, as de Aquila, de Simmaco e de Theodotion". (Cf. Eusebio da Cesaréia, História eclesiástica,

VI, XVI, I, 2).

Dessas quatro versões do Antigo Testamento conformou seus célebres Tetraples, texto

sinótico onde os versículos de cada versão estão dispostos frente a frente em quatro colunas, com

o fim de estabelecer comparações.

A versão chamada dos Setenta (setenta tradutores "inspirados" dão uma versão idêntica

do texto, mas a história de tal "inspiração" está fundada na carta de Aristeo, apócrifo do século II)

foi realizada a pedido de Ptolomeo, filho de Lagus, no século III antes de nossa era, para a

célebre Biblioteca de Alexandria. Nesse texto, a célebre passagem de Isaías (7, 14) aparece

traduzido assim: "Por isso o Senhor lhes dará ele mesmo um prodígio: uma virgem conceberá, e

dará a luz a um filho que será chamado Emmanuel".

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Pois bem, esta é a única versão dos Setenta que utiliza a palavra grega parthenos

(virgem). As outras versões utilizam o termo neanis, quer dizer, jovem. Quem foram seus autores?

Simmaco, Theodotion e Aquila.

Simmaco era ebionita (aliás nazareno). Tinha legado suas obras a uma tal Juliana, que as

deu diretamente ao Orígenes (cf. Eusebio da Cesaréia, História eclesiástica, VI, XVII). Portanto

era quase contemporâneo de Orígenes, e vivia, pois, no século II, tenhamo-lo em conta.

Ao Theodotion de Éfeso não lhe conhecemos apenas, mas devia ser um personagem

importante do cristianismo, já que o grande Orígenes conserva sua tradução de Isaías.

Este, original de Sinope, a cidade onde nasceu Marción, viveu também no século II de

nossa era. Primeiro foi discípulo de Taciano, fez-se marcionita e logo ebionita em Éfeso. A Igreja

ortodoxa não rechaçou sua tradução da Bíblia, e sua versão de Daniel ainda em nossos dias

continua utilizada pelas igrejas do Oriente.

Fica Aquila de Ponto. Arquiteto originário também de Sinope, parente do imperador

Adriano, recebeu deste o encargo de reconstruir Jerusalém por volta dos anos 130-135. Primeiro

sentiu-se seduzido pela religião judia, mas a seguir converteu-se ao cristianismo, cuja comunidade

estava autorizada a residir nessa cidade, proibida aos judeus. Logo voltou para judaísmo, e por

volta do ano 138 de nossa era redigiu uma versão da Bíblia que leva seu nome e que durante

muito tempo preferiu-se à dos Setenta.

Assim, no século II, notemos bem, estamos em presença de quatro textos gregos da

mesma passagem de Isaías, e os quatro se apoiavam em um texto hebreu inicial. A lógica nos

impõe, portanto, recorrer simplesmente a este último. Tomemos por conseguinte a Bíblia do

rabinato francês, em Isaías, 7, 14, e vejamos que termo hebreu utilizou o profeta. O texto francês

da versão masorética está redigido assim: "Ah, certo! O Senhor lhes dá um sinal de si mesmo. Eis

aí que a moça está grávida, e dará a luz a um filho, ao que chamará Immanuël". (Isaías, 7, 14).

O hebreu não permite distinguir quem tem razão, dentre a versão do rabinato francês

(moça) ou da de Theodotion de Éfeso, de Aquila do Ponto, e de Simmaco (jovem). Mas há outros

argumentos, estes irrefutáveis, que não permitem admitir nem por um instante a tradução dos

Setenta: virgem. Porque moça ou jovem, no espírito do profeta Isaías, é necessário e

indevidamente o mesmo, já que segundo a Lei judia a jovem não podia conceber fora do

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matrimônio, sob pena de morte, e portanto converter-se em moça.

Se se tratava de uma virgem a quem nenhum homem tinha fecundado, é que foi o Eterno,

através de seu ruah elohim (espírito santo), o progenitor do menino por nascer. Tese

dogmaticamente afirmada pela Igreja católica, as igrejas do Oriente e o protestantismo.

Agora bem, para um profeta do século VIII antes de nossa era (Isaías viveu sob o reinado

de Ezequías), imaginar que Yavé se rebaixasse e se degradasse, através de seu ruah, violando

as leis naturais que ele estabelecera, e atuasse sobre o sistema reprodutor de uma adamita,

contrariamente a suas prescrições do Sinai, era algo pura e simplesmente impensável... (104)

Com efeito, no Deuteronômio lemos o seguinte: "Se não se encontraram os sinais da

virgindade da jovem (no matrimônio), levarão a jovem à porta da casa de seu pai, e as pessoas da

cidade a lapidarão até que mora" (Deuteronômio, 22, 20-21).

Dito de outro modo, Yavé ditou uma lei no Sinai, segundo a qual quão virgem fora

depositária de sua oculta atividade fecundadora deveria ser lapidada até a morte, assim que se

constatasse que levava o futuro Emmanuel... A isso chama-se tentar ao diabo!

Por outra parte, Yavé administra a si mesmo uma severa sanção, porque na Gênese se lê

isto: "Quando os homens começaram a multiplicar-se sobre a superfície da terra e nasceram

filhas, então os filhos de Deus (os anjos) viram que as filhas dos homens eram agradáveis e

tomaram por esposas quantas preferiram..." (Gênese, 6,. 1-2).

Desse incubado coletivo, o célebre livro de Enoch nos proporciona todos os detalhes: esta

obra, muito antiga, aparece já citada por dois fragmentos recolhidos no século I antes de nossa

era por Alexandre Polyhistor, e conservados por Eusebio da Cesaréia (cf. Princípios evangélicos,

IX, XVII, 8). Além disso, o Livro dos jubileus, composto pouco depois do ano 135 antes de nossa

era, cita-o sob o título de Livro da queda dos anjos.

"E o Senhor disse ao Gabriel: 'Vá a esses bastardos e a esses réprobos, e aos filhos das

cortesãs, e os faz desaparecer, a esses filhos dos Veladores do Céu'..." (Op. cit., 10, 9).

"E o Senhor disse ao Mikael: 'Vê, encadeia Semyaza e a seus companheiros, que se

uniram às mulheres a fim de manchar-se com elas em toda sua impureza. E quando todos seus

filhos estejam degolados, e quando eles mesmos virem o fim de seus bem-amados, encadeia-os

para setenta gerações sob as colinas da terra, até o dia que se consome o Julgamento eterno'..."

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(Op. cit., 10, II).

"Logo Mikael, Gabriel, Rafael e Phanuel se apoderarão deles nesse grande dia, e os

precipitarão à fogueira ardente, a fim de que o Senhor de todos os Espíritos os castigue por sua

iniqüidade..." (Op. cit., 54, 6).

Esse texto é, portanto, a condenação formal de toda fecundação de uma mulher por uma

criatura espiritual. Partindo desse princípio, a Igreja católica afirmou a possibilidade dos demônios

de fecundar a uma mulher (incubat), ou de acoplar-se de noite com um homem (succubat). (105)

Não inventamos nada. Tomás de Aquino estudou esses fatos com detalhe em sua Suma

teológica, esses princípios são de fé, porque também aí "Roma falou", mas como, para um

católico de estrita observância, não oferece discussão possível.

Vejamos o texto oficial de Tomás de Aquino: "Terá que dizer, com São Agustín, que muitos

afirmam saber por sua própria experiência, ou pelo que contam outros, que os Faunos e os

Silvanos, chamados íncubos pelo vulgo, freqüentemente foram maus para com as mulheres, e

obtiveram delas gozos sexuais; portanto, seria imprudente negá-lo. Agora bem, se do coito

demoníaco houver algum que nasça, não é pelo esperma dos demônios nem pelo corpo que

estes revestem, mas sim pelo esperma do homem, que serve de súcubo ao demônio que

desempenhou logo o papel de íncubo com uma mulher..." (106)

Tira-se daqui e fica de lá... O célebre teólogo não nos deu o motivo dessas copulações

diabólicas nem o interesse que o diabo podia ter nelas. Acrescentemos que todos os Padres da

Igreja, em sua cândida ingenuidade, acreditavam na existência de glifos, de dragões, etc. São

Jerônimo nos afirma que "Toda Alexandria pôde ver um sátiro vivo...". O mesmo o contemplou! E

uma manada de centauros, ao encontrar Jesus no deserto, renderam-lhe comemoração (cf. Vieu

de Paul l'ermite, VII, VIII). São Agustín nos diz: "Eu era já bispo de Hipona, quando fui à Etiópia

com alguns servidores de Cristo para pregar ali o evangelho. Vimos muitos homens e mulheres

sem cabeça, com dois grandes olhos no peito..." (cf. São Agustín, Sermões, XX-XIII). Não nos

burlemos deles; a televisão francesa, no curso de um debate, apresentou a um catedrático do

Instituto des Hautes Etudes, que afirmou sua crença no valor dos pactos selados com Satanás,

embora estes não apareceram "a não ser na época em que tinha lugar os contratos em sua boa e

devida forma...". O diabo mantém-se comum na atualidade, ele não é um espírito retrógrado!

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Quão mesmo o Livro de Enoch, o Zohar Hadash (seção Yitro) precisa-nos que Samael, o

anjo tentador, e seu par feminino Lilith, corromperam o primeiro casal humano, Samael com Eva,

e Lilith com Adão. O Sepher Ammudé-Schiba nos conta a mesma lenda, mas Lilith chama-se

Heva, e Samael converte-se em Leviathan. Outro texto, o Sepehr Emmeck-Ameleh nos transmite

o mesmo tema. Como se vê, a sexualidade "de grupo" não é nada novo.

Então, tendo em conta essa tradição religiosa que considera com horror toda copulação

psico-pneumática entre uma criatura humana e uma criatura espiritual, como supor nem por um

instante que o profeta Isaías pudesse imaginar a fecundação de uma mulher, embora virgem, pelo

Eterno, o Deus inacessível de Israel? E mais quanto que o "Messias" dos cristãos não se chamou

Emmanuel, a não ser só Jesus, e que não viveu jamais em um tempo em que Israel tivesse que

temer uma dupla ocupação, "procedente do Egito e de Assíria" (op. cit., 7, 18-20), a não ser uma

única ocupação, a de Roma, quer dizer, do outro lado dos mares. A profecia não coincide com os

fatos históricos e sua época, e o Messias anunciado não se chama Jesus.

Voltemos para Maria, mãe de Jesus. A primeira esposa do pseudo-José teria chamado

Salomé, teria sido a filha de Aggeo, irmão de Zacarias, e portanto prima irmã de João, o Batista,

conforme nos diz Nicéforo, citando ao Hipólito de Porto. Ou também teria chamado Escha,

traduzido às vezes por Estha ou por Esther, segundo outras tradições. Tampouco aqui os

fabricantes de lendas puderam ficar de acordo, tendo em conta as dificuldades da época em

matéria de relações epistolares.

Por outra parte, um certo número de observações complementares contribuem com provas

mais contundentes neste terreno. E é indubitável que o que nossos teólogos modernos constróem

sobre a "divinização" da mãe de Jesus deixaria absolutamente estupefatos aos discípulos de seu

filho.

Em primeiro lugar, Jesus despreza a sua mãe. Julgue-se:

1. "Mulher, o que há em comum entre eu e você?..." (João, 2, 4). Observar-se-á que se situa, de

forma bastante descortês, antes dela na frase.

2. "Alguém lhe disse então: 'Sua mãe e seus irmãos estão fora e desejam te falar'. Ele,

respondendo, disse ao que lhe falava: 'Quem é minha mãe e os quem são meus irmãos?...' E

estendendo sua mão sobre seus discípulos, disse: 'Eis aqui minha mãe e meus irmãos. Porque

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quem fez a vontade de meu Pai, que está nos céus, esse é meu irmão, e minha irmã, e minha

mãe'..." (Mateus, 12, 47-50).

Essa passagem, muito precisa, demonstra-nos perfeitamente que no caso de seus irmãos,

não se trata de discípulos, porque estes acreditariam nele. (107)

Agora bem, segundo o dogma clássico, Jesus é uma das três "pessoas" da Trindade, em

qualidade de Filho; portanto, participou "antes do tempo" (Concílios de Éfeso, da Calcedonia, de

Constantinopla II) na dotação privilegiada que foi próprio da alma lhe preexistam de Maria, ou

seja, sua concepção imaculada, livre de pecado original. (Cf. Tomás de Aquino, Suma teológica,

XXVII; Pio IX, Definição do dogma da Imaculada Concepção).

E entretanto, de tudo isso, Jesus, deus encarnado, não se lembra. E daí seu desprezo

pelas mulheres em geral, e por sua mãe em particular: "Simão-Pedro disse: 'Que Maria saia

dentre nós, porque as mulheres não são dignas da vida eterna...'. E Jesus disse: 'Eu a atrairei a

fim de voltá-la varão, para que se converta em um espírito lhe vivifiquem semelhante a vós, os

varões... Porque toda mulher masculinizada entrará no Reino dos Céus'..." (Cf. Evangelho

conforme Tomás, manuscrito copto do século IV, P. 118).

"E Tomás perguntou: 'Quando oramos, de que maneira devemos orar?'. E Jesus

respondeu: Orem no lugar onde não haja nenhuma mulher'..." (Cf. Diálogo do Salvador,

manuscrito copto, P. 142).

"A mulher não é digna da vida eterna..." (Cf. Jesus: Loggion, 101).

Devemos convir que tudo isto contradiz muito nossos dogmas modernos.

E mais quando no instante de sua morte, segundo o novo dogma do Encargo, promulgado

pelo Papa Pio XII, ela entraria "em carne e osso", a instâncias de seu Filho, no Paraíso, levada

por uns anjos que vieram procurá-la. E tampouco disto se lembra Jesus, o Filho, quem de acordo

com o Pai e com o Espírito Santo lhe concedeu de antemão esse privilégio inaudito. E entretanto,

essa decisão, anterior ao nascimento de Maria, tomaram em comum as três "pessoas" da

Trindade.

Por último, Maria não concedeu nenhum valor às revelações do arcanjo Gabriel. Vejamos

de novo o que dizem os Evangelhos:

1. "Porque Maria esquecera os mistérios que lhe revelara o arcanjo Gabriel..." (Cf. Protoevangelio

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de Santiago, XII, 2).

2. "Porque seus irmãos tampouco acreditavam nele..." (Cf. João, 7, 5).

Assim, Maria não lhes revelara quem era em realidade seu irmão maior, e isso porque

formulara em alta voz sua aceitação de ser fecundada pelo Espírito Santo, e seu parto foi tão

milagroso como essa mesma fecundação, porque logo permaneceu igual virgem como antes. E

tudo isso não a surpreendia o mínimo!

Entretanto, se ela não lhes tinha crédulo tudo que de maravilhoso tinha acompanhado à

chegada de seu filho maior, mediante essa revelação ela lhes evitava duvidar dele, e Judas, seu

neto, (108) não poderia já entregar ao Jesus e prejudicar-se ao fazê-lo, já que essa traição não

era necessária para a Redenção, dado que a ameaça de crucificação, procedente dos romanos,

pesava sempre sobre a cabeça de Jesus.

Voltando para a mistificação do Encargo, "em carne e osso", pois o é, e grande, embora se

tenha elevado ao nível dogmático, ante o estupor de todo o mundo protestante, expor agora aos

católicos de estrita observância algumas pergunta embaraçosas:

O que pensar, por exemplo, disto?:

"Mas não se tem nenhuma prova da partida de João; pode inclusive conjeturar-se que a

viagem de João à Éfeso não foi anterior ao ano 58. Nessa data Paulo se deteve, passou um

tempo ali e evangelizou a Igreja de Éfeso, apesar de que tinha como regra não compilar no campo

de outro, isso significa que, naquela época, o apóstolo João não tinha adquirido ainda os direitos

sobre a Igreja de Éfeso. Pois bem, no ano 58 Maria estava com setenta e seis anos, e nessa

idade parece bastante inverossímil uma mudança de residência que conduzisse uma viagem tão

fatigante e tão longa como a de Jerusalém à Éfeso; portanto, Maria não teria abandonado

Jerusalém, e teria morrido ali". (Cf. Dom H. Leclercq, Dictionnaire d'archéologie chrétienne et de

liturgie, VIII, col. 1.382).

Deixemos a Dom Leclercq com suas ilusões cronológicas e atentemos só às suas

conclusões, lógicas até não poder mais.

Aqui citaremos Patrice Bousset, conservador da Biblioteca histórica da Cidade de Paris:

"No século IV se ignora tudo referente às circunstâncias de tal morte, mas no século seguinte há

duas teorias opostas, a da sepultura em Jerusalém e a de sepultura em Éfeso. E no século VI se

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afirma a existência de uma tumba e de uma igreja consagrada à Virgem em Getsemani, tumba

que estaria convocada no mesmo lugar da casa em que viveu e morreu Maria. A basílica,

reconstruída em princípio do século VII, seria destruída no século XI. Segundo a tese da morte em

Éfeso, Maria passou os últimos anos de sua vida em uma casa que João construira para ela nos

arredores da cidade, teria morrido em tal casa e enterrada pelos apóstolos. Naturalmente, umas

escavações permitiram encontrar "a casa da Santíssima Virgem" em Éfeso, do mesmo modo que

em Jerusalém se mostrava aos peregrinos o terreno sobre o qual Maria emitiu seu último suspiro".

(Cf. Patrice Boussel, Des reliques et de leur bon usage, 8.) E por que não? Terei que atrair aos

peregrinos.

O leitor convirá em que essas contradições e esses testemunhos opostos fazem cair toda

a lenda Mariana. Porque ainda no século VI, Grégoire de Tours assinala a presença de relíquias

do corpo da Virgem em uma igreja de Auvernia, e no século IX se fala de outras novas em Luçon.

Mais adiante, como é evidente, e à medida que ia perfilando a lenda da ascensão de Maria, mãe

de Jesus, aos céus, levada pelos anjos, fez-se desaparecer essas comprometedoras relíquias.

Mas esqueceram de censurar os numerosos manuscritos existentes.

E, o que é mais, em 1952 descobriram no monte das Oliveiras, perto de "Dominus Flevit",

convocações de tumbas contemporâneas à época de Jesus. Nelas se acharam um certo número

de sepulcros pequenos, de redução, nos quais se depositava os ossos descarnados e secos,

depois de uma permanência mais ou menos longa nas tumbas clássicas de duas câmaras

funerárias. Sobre esses pequenos sepulcros de redução estava inscrito o nome do defunto, ou em

grego, ou em aramaico. Entre eles descobriram, agrupados, os de Jairo, Marta, Maria, Simão-bar-

Jona (aliás Simão-Pedro), Jesus, Salomé e Filón de Cirene (cf. R.P. Luc H. Grollengerg, Atlas

biblique pour tous, P. 177). É evidente que são falsos, que foram rubricados em uma época para

os séculos IV-V- no qual do que se tratava era de deslumbrar aos peregrinos. E isso demonstra

que naquela mesma época a lenda cristã não possuía ainda todo seu caráter maravilhoso. E

concretamente a ascensão de Jesus não tinha sido ainda establecida. (109) E partindo dessa

base, como imaginar a de Maria, sua mãe?... E se eram autênticos é ainda mais grave, já que nos

demonstra que Jesus foi inumado em carne e que não houve jamais ressurreição alguma, já que o

cadáver se decompôs e logo os ossos foram juntados em um sarcófago de redução. E então a

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mesma conclusão se impõe para o caso de sua mãe, Maria. Se duvidássemos disso, não

teríamos mais que recordar as questões provocadas pelas três tumbas diferentes situadas em

Jerusalém, Getsemani e Éfeso, e pelas relíquias corporais conservadas em Auvernia e em Luçon.

Em outro campo, o da arte, temos a mesma constatação.

Nenhuma tradição cristã, nenhum documento canônico mostra Maria recebendo em seus

braços o corpo de Jesus, à descida da cruz. Nenhum documento deste tipo pinta a Maria banhada

em lágrimas ante seu filho crucificado. E isso é significativo. (110)

Para chorar a seus filhos mortos, as mães antigas tiveram às vezes acentos de uma

trágica beleza. E o primeiro voccero corso, aquele hino imprecatório com o que se abria toda

vingança, punho em alto, na soleira do famoso "palácio verde", foi indubitavelmente clamado por

uma delas, sob o fúnebre mezzaro negro.

Sempre ignoraremos como se comportaria Maria a noite da morte de Jesus. Conforme nos

conta Flavio Josefo, os zelotes tinham como princípio não lamentar-se jamais, nem em seu

próprio suplício nem ao contemplar o de outros. E tanto por seu passado familiar, que acabamos

de ver, como pelo exemplo do marido morto em combate, Myrhiam-bath-Ioachim teria como

máxima o verso de seu antepassado o salmista: "Que o eterno seja sempre a rocha de meu

coração..." (Cf. Salmos, 73, 26). E semelhante atitude engrandece àquela mulher que foi a muito

digna esposa de Judas o Gaulanita, muito mais que as afetações lacrimosas das pseudo-

tradições marianas. Maria, "mãe dos sete trovões", não podia derramar lágrimas.

NOTAS COMPLEMENTARES

Enquanto corrigíamos as provas da presente obra, nosso amigo Francis Mazières nos

indicou que se acabava de abrir a tumba da Virgem Maria em Éfeso. Essa tumba resultou estar

completamente vazia, o que demonstra a veracidade do encargo de Maria em carne e osso.

Absolutamente luminosa idéia! Agora não fica já mais que abrir as de Jerusalém, de Getsemani,

recuperar os fragmentos corporais que se disputaram as cidades da Idade Média, e ninguém

poderá negar já o prodígio. Quão mesmo nós, o leitor se persuadirá de que a tumba de Éfeso foi

já aberta no século IX pelo imperador Leão VI, e que os restos que esta continha foram

transferidos à Constantinopla. Sob o nome de Maria de Magdala... Inumada já em Saint-Maximin,

perto de Sainte-Baume... Um milagre mais!

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20 - As grandes famílias

Aquele que possui mulher e filhos proporcionou reféns à Fortuna, já que são obstáculos

para as grandes empresas, tanto virtuosas como malignas...

FRANCIS BACON Du mariage au célibat

Em sua primeira obra, L'Enigme de Jésus-Cristo, Daniel Massé, fazendo-se eco das tese

anteriores de Arthur Heulhard (de verdadeiro nome Arthur Nivernoys), diz-nos que Maria, mãe de

Jesus, foi durante um tempo a filha política de Herodes, o Grande: "sua mãe, viúva, tornara a

casar-se, com Herodes, o Grande", (op. cit., P. 98).

Daniel Massé equivoca-se uma vez mais. Mas terá que reconhecer a este autor que,

através de uma massa enorme de afirmações diversas, às vezes incontroladas ou errôneas, em

ocasiões teve brilhos de uma intuição absolutamente fulgurantes. Como nas obras que sucederam

não nos contribuiu a prova desta aliança matrimonial, vimo-nos na obrigação de procurá-la. Não

foi uma tarefa nada fácil, já que os monges copistas manipularam suficientemente o texto inicial

de Flavio Josefo para que os manuscritos medievais que chegaram até nós (os únicos, lástima!)

constituam um labirinto de contradições e de incoerências totalmente desconcertante.

Necessitamos de uma maior paciência, de inumeráveis horas (a maioria delas noturnas), de

reflexão e de verificações, para chegar a estabelecer essa prova desencorajadora da aliança

matrimonial entre as famílias davídica e herodiana, que, não obstante, não afeta diretamente

Maria, mãe de Jesus.

Mas a conclusão é realmente gratificante, porque faz que este último, durante um tempo,

fora sobrinho de Herodes, o Grande, primo por aliança de seu filho e sucessor Herodes Arquelao,

de seus outros filhos Herodes Antipas e Herodes Filipo I, tio por aliança das princesas Berenice e

Drusilla, sem esquecer a seu amável primo Saul-bar-Antipater, futuro "São Paulo". Quanto a sua

mãe Maria, esposa e viúva de Judas da Gamala, converte-se não na esposa, a não ser na irmã

política do próprio Herodes, o Grande... (111)

Como bem se vê através desta breve exposição genealógica, o problema merecia que lhe

consagrassem numerosas horas de investigação. De todo modo, e sem antecipar conclusões,

podemos já assegurar ao leitor que, por parte da família davídica, não se tratava de outra coisa

que de um plano bem maturado e preconcebido, que tinha como objetivo a retomada do trono de

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Israel, então composto pelos reino da Judéia e da Samaria. E disso permanece uma confissão de

Jesus, confissão que demonstra que jamais pensou em outra coisa: "Jerusalém, Jerusalém, que

matas aos profetas e apedreja aos que lhe são enviados! Quantas vezes quis reunir a seus filhos

à maneira que a galinha reúne a seus frangos sob as asas, e não quis!..." (Cf. Mateus, 23, 47).

E daí as relações com o território impuro de Samaria, apesar das proibições judias. Porque

se, frente ao poderio romano, conseguia reunificar a Judéia e a Samaria, Israel podia esperar sua

liberação, enquanto que se um filho de Herodes continuava ocupando o trono e reinando sobre

esse conjunto, Roma continuava sendo a potência ocupante.

E agora passemos à demonstração histórica desta assombrosa aliança.

O abade Migne, em seu Dictionnaire des apocryphes (tomo II, Paris, 1858), diz-nos que a

Igreja do Oriente tomou como válido um texto intitulado Do nascimento da Virgem e atribuído a

São Cirilo da Alexandria. Segundo essa tradição manuscrita, Ana (em hebreu Hannah), a mãe de

Maria, era por sua vez filha de um tal Stolano e de sua esposa Emerantia, nomes gregos que,

segundo costume da época, acompanhavam aos sobrenomes hebreus, já que o nome de

circuncisão desse Stolano seria Mathan, como veremos seguidamente.

Segundo esse manuscrito, Ana casou-se com dezoito anos com Joaquim, que tinha vinte,

e de quem o Protoevangelio de Santiago diz que pertencia à estirpe de David como Ana, que era

um homem muito rico e que pertencia à estirpe sacerdotal, já que em certas épocas foi pontífice

no Templo (cf. abade Emile Amann, O Protévangile de Jacques, Paris, 1910, Letouzey & Ané,

Imprimatur do 1-2-1910).

Observemos que Eli, sua forma completa de Eliakim, e também Iehojakim são um mesmo

nome. (Cf. Talmud de Babilônia; Sanedrín, fº 67, e Talmud de Jerusalém, fº 77).

Recordemos tudo isto: filiação davídica, sacerdotal, e uma grande riqueza familiar. Essas

três qualidades são muito importantes, já que permitem situar à família de Maria e de Jesus em

um nível social bastante elevado.

Em primeiro lugar, e durante vinte anos, Ana não pôde conceber nenhum filho. E só aos

trinta e oito anos pôde dar a luz por fim a uma filha, que recebeu o nome de Maria (em hebreu

Miryâm), filha que mais adiante se converteria em esposa de Judas da Gamala e mãe de Jesus.

Esse mesmo ano Ana enviuvou, e então se casou em segundas núpcias, "conforme mandava o

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Senhor" (op. cit.), com seu cunhado, um tal Clopas, porque não tinha podido dar um filho ao

Joaquim, seu primeiro marido. E este era, efetivamente, o costume que se impunha

imprescritivelmente em Israel. (Deuteronômio, 25, 5).

O mesmo ano desse novo matrimônio legal, Ana deu a luz uma segunda filha, a que se

deu deste modo o nome de Maria (II) em lembrança de quão prodígios tinham precedido (segundo

a lenda) ao nascimento da primeira, e que nos relata o Protoevangelio do Santiago.

Esse segundo marido, necessariamente irmão do primeiro, morreu antes do nascimento da

Maria II, e Ana o chorava ainda quando um anjo lhe apareceu e a ameaçou a que se preparasse a

contrair novas núpcias. De fato, ela seguia na obrigação legal de casar-se com o terceiro irmão,

ao não ter podido dar a luz a nenhum varão que pudesse perpetuar o nome do pai defunto, e não

é absolutamente necessário imaginar uma aparição angélica para obter a aplicação da lei judia,

coisa comum naquela época.

E temos, pois, Ana casada com seu segundo cunhado, que se chamava Salomão (e não

Salomé, como põe por engano o texto grego). Um ano mais tarde nascia uma terceira filha, a que

se voltou a pôr o nome de Maria (III). E pouco depois, conforme nos diz o Livro do nascimento da

Virgem, Ana era viúva pela terceira vez.

Isto é muito menos seguro, e o constataremos em seguida, no exame de outros

documentos que nos contribuirão o por que das mortes dos dois primeiros maridos, tão próximas

que não podiam a não ser estar integradas em uma catástrofe geral.

Completando a tradição desse texto do Nascimento da Virgem, o Dictionnaire de Bible do

abade Vigouroux (tomo I, Paris, 1925, Letouzey & Ané, Imprimatur do 28-10-1891, 1ª edição), diz-

nos que Ana era filha de Mathan, cohen, quer dizer, sacerdote pontífice, nascido em Belém da

Judéia, e que ela era a última das três filhas do chamado Mathan, chamadas Maria, Sovei e Ana.

Como se vê, a árvore genealógica começa a perfilar-se.

Provavelmente para mascarar este caminho, que resultará ser do mais revelador, a Igreja

católica declararia de uma vez por todas "fazer profissão de fé de não saber nenhuma das

circunstâncias que acompanharam o natal de Maria, e não nos dizer nada dela já que a Escritura

e a tradição apostólica não lhe tinham contribuído nada..." (cf. O Protévangile de Jacques, op. Cit.,

P. 49, citando ao célebre hagiógrafo Adrien Baillet). Entretanto: "Não vacilo em considerar esses

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nomes (os dos familiares de Maria) como autênticos -diz-nos o não menos célebre exegeta

Tischendorf. Com efeito, em meados do século II (por volta de 150) lhes podia conhecer melhor.

Que necessidade havia, pois, de forjar outros novos?..." (Cf. Tischendorf, De evangeliorum

apocryphorum origine et usu, 1851).

O historiador independente tem interesse em ser mais curioso.

Para isso é necessário estudar um pouco esse nome de Maria, sobretudo do ponto de

vista onomástico, já que se converterá em uma das chaves do enigma por resolver. Maria não é

nome hebreu comum. Não se encontra citado mais que uma só vez no Antigo Testamento, no

caso da irmã de Moisés (cf. Êxodo, 15, 20; Números, 12, 1; 20, 1; 26, 59; Deuteronômio, 24, 9;

Miquéias, 6, 4). E isso é bastante estranho: uma só mulher se chamou assim em toda a história de

Israel, ao menos dentre os personagens históricos conhecidos.

Hiller, em seu Onomasticum sacrum (Tubinga, 1706, P. 173), demonstrou que na forma

hebréia Miryâm, a terminação am não tem nenhum significado preciso, que é uma simples forma

final. Esse nome derivaria simplesmente do árabe marja (o j tomado aqui por um i, quer dizer,

acentuando o caráter gutural de r). Teria o significado de "grossa, forte", termos sinônimos de

beleza feminina nessas regiões do Oriente Médio. A forma assíria é marû. Hiller nos precisa além

que a pontuação masorética -os pontos vocais em hebreu- dá miryâm, mas versões diversas

fazem supor que dá maryâm. Já o temos! Quando mais adiante nos encontrarmos em presença

de um nome de origem hebraica que se pronuncie Mariamna, recordaremos que Flavio Josefo

simplesmente compilou aos historiadores e panegiristas de Herodes, o Grande, Nicolás de

Damasco e seu irmão Ptolomeo de Ascalon, e que estes eram sírios, quer dizer, árabes. Eles

utilizaram a forma árabe de marja (Maria em grego), acrescentando a desinência helênica am, já

que redigiam suas Histórias em língua antiga.

Voltemos agora para segundo marido de Ana chamado Clopas, aliás Cleophas (cf. João, 19, 25, e

Lucas, 24, 18). Nos manuscritos iniciais dos evangelhos canônicos, redigidos como se sabe em

grego, esse nome aparece transcrito como Klopa, contração do grego Kleopatros, que significa

"(nascido) de um pai ilustre"; portanto, tem o mesmo significado que Antipas ou Antipater, em

grego Antipâtros: "(nascido) de um pai ilustre".

O nome hebreu Abraham, que significa "pai elevado de uma multidão", e que procede de

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Abram, que significa "pai elevado", é o que melhor lhe corresponde. Em língua árabe dá Ibrahim.

Pelo contrário, a forma ortográfica da Klopa mostra uma derivação de uma raiz aramaica.

Passemos agora a seu feminino Cleópatra (em grego Kleopâtra), que logo encontraremos

como duplo helênico de Mariamna em hebreu. Numerosas princesas egípcias levaram esse nome

entre as procedentes das dinastias selêucida e ptolemaica. A mais célebre foi, indubitavelmente,

Cleópatra VII, nascida em Alexandria no ano 66 antes de nossa era, e morta na mesma cidade no

ano 30 antes da mesma, aos trinta e seis anos de idade. Foi filha de Ptolomeo XI o Auletes, e se

casou, segundo o costume do Egito, com seu próprio irmão Ptolomeo XII. Foi amante

sucessivamente de Julio César e de Antonio, corrompeu literalmente a este último e fez com ele

iniciando-o nas orgias, clássicas e homossexuais, comuns e compartilhadas, nas quais ela era

perita. Uma rainha de Síria levou também esse nome. Significava, quão mesmo Klopa, "(nascida)

de um pai ilustre".

Concluamos já que, quando vemos aparecer esse nome aplicado a uma princesa judia,

esposa de Herodes, o Grande, é que haverá uma possível associação de idéias com a do Egito, e

provavelmente pelas mesmas razões. (112)

E agora voltemos para a história.

No evangelho de João se diz que Clopas tinha uma esposa chamada Maria: "Estavam,

junto à cruz de Jesus sua mãe e a irmã de sua mãe, Maria a de Cleofás..." (Cf. João, 19, 25). Pois

bem, os manuscritos gregos dos evangelhos canônicos jamais apresentam uma construção

gramatical deste tipo para explicar semelhantes relações conjugais.

Assim, por exemplo, em Mateus (27, 19), à esposa de Pilatos a chama em grego guné

(mulher, esposa); em Lucas (17, 32), à esposa de Lot a chama igual; e em João (4, 7), a mulher

de Samaria recebe o mesmo qualificativo. Assim: "...Juana, mulher de Chuza, intendente de

Herodes...", traduz-se: "... Iokana, guné Kouza ..." (op. Cit.) Pelo contrário, a frase de João (19,

25): "... Maria, mulher de Cleofás...", está composta de modo totalmente distinto: "... Maria é tou

Klopâ...", quer dizer: "... Maria (filha) de Klopa ...", e não "mulher de".

Essa é a antiga tradução da citada passagem do evangelho de João. A nova versão não é

mais que uma modificação mais, destinada a nos fazer perder o fio do enigma. Vejamos a prova:

Existem uns Atos apostólicos (Actus apostolorum) atribuídos a um tal Abdías, que seria bispo de

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Babilônia, quer dizer, em realidade de Roma, segundo o vocabulário petrino convencional. Esses

Atos, redigidos primeiro em hebreu, logo traduzidos por seu discípulo Eutropio ao grego, e logo do

grego ao latim por Julio, o Africano, a Igreja católica os considera apesar de tudo como uma obra

redigida inicialmente em latim, e datada do século VI (cf. J.A. Fabricius: Codex Apocryphum,

Novum Testamentum, Hamburgo, 1703). E nesses Atos apostólicos de Abdías, Maria II aparece

não como a mulher, mas sim como a filha de Clopas, como afirmávamos antes. E há ainda outro

testemunho disso: "Clopas era irmão de José, e ao morrer Clopas sem filhos, José, segundo

alguns, casou-se com sua mulher e procurou filhos a seu irmão. Maria (Maria de Clopas), aqui

mencionada, seria um de seus filhos". (Cf. Teofilacto, bispo de Acrida na Bulgaria, por volta do

ano 1078, na Patrología grega, tomo CXXIII, col. 293).

Este autor confunde, portanto, ao José e àquele Salomão com o que Ana, mãe da Maria I,

teria se casado em terceiras núpcias. Como já demonstramos a inexistência de tal José, (113)

imaginado para fazer desaparecer ao Judas da Gamala, temos que voltar para o Salomão citado

pelo documento atribuído ao Cirilo de Alexandria e intitulado O Nascimento da Virgem. Mas segue

em pé o segundo testemunho: Maria II era a filha de Clopas, e não sua esposa.

Voltamos, portanto, a estar em posse das ferramentas e as chaves necessárias para forçar

a porta do tenebroso calabouço aonde a Igreja dos primeiros séculos encerrou a verdade

histórica. Retornemos, pois, à dinastia herodiana, e, para começar, façamos o inventário do

verdadeiro harém que possuiu Herodes, o Grande, conforme os costumes de sua época, já que

Flavio Josefo nos diz a respeito que "esse príncipe gozava com o abuso da liberdade que nos dá

a Lei de possuir várias esposas..." (Cf. Flavio Josefo, A guerra dos judeus, I, XVII).

Terá que acrescentar, em favor dele, que foi durante toda sua vida um grande amante da

beleza feminina, e que jamais escolheu a suas esposas por suas riquezas familiares, a não ser

acima de tudo por sua beleza, e já só por isso lhe será perdoado muito! Não obstante, tampouco

esqueceu associar a isso nobres origens, já que Flavio Josefo nos diz que mandou queimar as

genealogias dos hebreus, depositada no Templo, a fim de não permitir que nenhuma delas

pudesse, como no caso da primeira Mariamna, humilhá-lo incessantemente, tendo em conta suas

próprias origens não reais.

A lista de suas esposas e dos filhos que estas lhe deram nos proporciona o texto das

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Antigüidades judaicas (XVIII, I) e o Da guerra dos judeus (I, XVII), em sua versão grega. O mesmo

pode dizer-se da versão eslava: Herodes, o Grande se casou, pois, sucessivamente, com:

1º: Doris, que foi mãe de Antipater. Foi repudiada pela primeira vez quando o rei decidiu casar-se

com Mariamna I, que lhe segue. À morte desta, Doris foi reintegrada a pedido de seu filho no favor

e o leito de Herodes, e logo repudiada pela segunda vez quando teve lugar o complô de Antipater,

e então foi despojada de todos seus bens e jóias. Era provavelmente uma grega de Decápolis,

federação helenística de dez cidades, situadas ao leste do lago de Tiberíades, e que Pompeyo

tinha liberado da dominação judia no ano 62 antes de nossa era. Com efeito, este nome se

encontra, em sua forma balcânica de Dorisca, na Hungria, Yugoslavia e Transilvania, onde

visivelmente é de origem grega.

2º: Mariamna I, filha do rei Alexandre e da rainha Alexandra. Era, pois, a neta de Hircano II, rei e

supremo sacerdote, e de Aristóbulo II, rei e supremo sacerdote. Pertencia, portanto, à dinastia

asmonea, chamada dos macabeus. Foi executada por uma falsa acusação de adultério, por

ordem de Herodes, o Grande, quem, quando teve reconhecido seu engano, esteve a ponto de

perder a razão. O rei teve dela cinco filhos: duas filhas e três filhos. O maior, Alexandre, casou-se

com Glapyra, filha de Arquelao, rei da Capadocia, e o menor, Antígono, casou-se com a filha de

Salomé I, irmã de Herodes, o Grande, quão mesma tinha acusado de adultério a Mariamna I.

3º: Mariamna II, filha de Simão, cohen e pontífice, e que foi elevado ao pontificado pelo Herodes

com ocasião de tal matrimônio. Teve um filho chamado Herodes Filipo I (que se casaria com

Herodias, neta por sua vez de Mariamna I e de Herodes), e que morreu no ano 34 de nossa era.

Primeiro foi criado em Roma, e designado mais tarde como sucessor de Herodes, o Grande, em

segunda posição, depois de seu meio-irmão Arquelao. Entretanto, foi apagado desta sucessão

quando descobriu o complô no qual participou sua mãe Mariamna II, e sobre o que teremos que

voltar.

4º: Malthaké, a Samaritana, possivelmente, apesar de tudo, de origem grega também (Decápolis),

já que seu nome, Maltakia em grego, significa "doçura, brandura". Deu ao rei dois filhos: Arquelao

e Antipas, e uma filha, Olympia. Morreu durante os enfrentamentos contra Roma, frente a César

Augusto, dos membros da dinastia herodiana e seu filho Arquelao. Possivelmente aproveitaram a

ausência destes para suprimi-la. Também pôde perecer durante a guerra civil que enfrentou aos

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partidários de Achiab, tio avô de Salomé II, aos de Arquelao. Já analisamos este episódio das

lutas dinásticas em nossa primeira obra. (114)

5º: Cleópatra de Jerusalém. Esta indicação de origem e de residência precisam que foi judia. Teria

um filho, segundo os historiadores modernos (em seguida teremos a prova), e dois segundo seus

predecessores, chamar-se-iam Herodes e Filipo. Este último teria sido educado em Roma

também, quão mesmo seu meio-irmão Herodes Filipo I, filho de Mariamna II. E então se expõe a

pergunta: por que ele, e não seu irmão maior? Como não se encontra nenhum rastro válido

desses dois personagens, geralmente se considera que se trata simplesmente de um texto

corrompido nos manuscritos gregos, ao ter dado lugar um mau declínio à introdução da "e" entre o

Herodes e Filipo, quando terei que ler simplesmente Herodes Filipo. Mais adiante veremos que,

com efeito, não é mais que o mesmo personagem que Herodes Filipo I, filho de Mariamna II, o

que implica que esta última não seja outra que a citada Cleópatra de Jerusalém.

6º: Pallas, de quem Herodes teve um filho chamado Fazael.

7º: Fedra, que foi mãe de uma filha chamada Roxana.

8º: Elpide, que lhe deu uma filha chamada Salomé (Salomé III).

9º: X ..., filha de um de seus irmãos, e portanto sua própria sobrinha. O costume do Oriente Médio

permitia a um tio casar-se com a filha de seu irmão ou de sua irmã. Sob o Claudio César e a

proposição de Vitelio, o Senado romano confirmou por unanimidade este costume e a legalizou

(cf. Tácito, Annales, XII, VI-VII). Desta união Herodes não teve filhos.

10º: X' ..., sua prima irmã, provavelmente nabatea e filha de um irmão ou de uma irmã de sua mãe

Cypros I, tampouco desta união teve Herodes descendência.

Pois bem, primeira observação: Flavio Josefo enumera com toda precisão a dez esposas,

e antes tinha declarado que Herodes, o Grande, tinha tido nove (cf. Antigüidades judaicas, XVII, I),

portanto há uma repetida. E isso é assim nas diversas versões de Flavio Josefo, tanto na grega

como na eslava, tanto nas Antigüidades judaicas como na guerra dos judeus. Este engano terá

que imputá-lo aos copistas medievais, quem em sua paixão por fazer desaparecer de tal autor

tudo que pudesse revelar a verdade histórica, jamais tiveram a suficiente inteligência e fria razão

para controlar suas censuras, interpolações, etcétera.

Sabendo que procuramos uma esposa da dinastia davídica, vejamos quais das esposas de

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Herodes, o Grande, respondem a dita exigência. Observar-se-á que a versão eslava da guerra

dos judeus fala apenas de uma Mariamna, filha de um supremo sacerdote. Por instinto, o copista

retificou o número das esposas, mas fazendo-o cometeu outro engano!

Vejamos agora em que condições se casou Herodes, o Grande, com a segunda Mariamna,

depois de mandar executar à primeira, fundando-se em uma denúncia caluniosa de sua irmã

Salomé I, quem queria desembaraçar-se dessa cunhada a que odiava e de seu marido, de quem

fez o amante daquela. Flavio Josefo nos diz o seguinte: "Ele (Herodes) pensou em voltar a casar-

se, e como não procurava seu prazer na mudança, quis escolher a uma pessoa em quem

pudesse depositar todo seu afeto. E assim tomou uma puramente por amor, à maneira que vou

contar. Simão, filho de Boeto Alexandre (115) que era pontífice e de uma raça muito nobre, tinha

uma filha de uma beleza tão extraordinária que não se falava de outra coisa em Jerusalém. O

rumor chegou até Herodes. Quis vê-la, e jamais amor algum a primeira vista foi maior que o que

este sentiu por ela. Julgou que não devia abusar de seu poder raptando-a, como poderia fazê-lo,

por medo de passar por um tirano, e acreditou que melhor seria casar-se com ela. Mas como

Simão não era de uma tão grande qualidade como para tão alta aliança, nem tampouco de uma

condição nada desprezível, quis elevá-lo a uma grande honra a fim de fazê-lo mais considerável.

assim, privou do supremo sacerdócio ao Jesus, filho de Phabet, a deu, e se casou com sua filha".

(Cf. Flavio Josefo, Antigüidades judaicas, XV, XII).

Israel jamais teve a não ser duas dinastias reinantes em toda sua história. A dinastia

asmonea, chamada dos macabeus, que precedeu a não judia dos Herodes, não reinou mais de

um século, do ano 135 aos 37 antes de nossa era. Não se beneficiava de nenhuma profecia

ilustrativa. Em troca era muito distinta no caso da dinastia dos filhos de David, que governou Israel

desde ano 1015 até o 107 antes de nossa era, bem de fato, bem legitimamente. Em seu caso

possuía a promessa de Yavé, expressa ao rei David pelo profeta Natán: "Ocorrerá que quando

seus dias tenham chegado ao cúmulo e tenha repousado com seus pais, eu farei subsistir a

semente que sairá de suas vísceras e farei estável seu reino (...) E eu farei estável o trono de seu

reino para sempre (...) Por isso serão estáveis sua casa e seu reino para sempre ante mim. Seu

trono permanecerá firme para sempre!" (Cf. Samuel, 7, 12 a 16).

Esta promessa se realizou durante mais de um milênio, às boas ou às más. Tudo isso

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está, pois, muito claro. A "raça muito nobre" a que faz alusão Flavio Josefo para referir-se a

Mariamna II e a seu pai Simão é, indubitavelmente, a de David, tanto mais que, por outro lado, é

de filiação sacerdotal, e por conseguinte descendente deste modo de Aarão. E daí que fora

elevado ao supremo sacerdócio. A nova esposa de Herodes, o Grande, era assim de sangue real

e filha do pontífice de Israel.

Temos, pois, por conseguinte a prova absoluta de que o rei contou efetivamente, entre

suas esposas, com uma "filha de David". Mas quais podiam ser os laços familiares diretos desta

Mariamna II com a Maria, mãe de Jesus? Essa é a segunda parte do enigma que temos que

resolver.

Antes que nada convém precisar quem essa era "Cleópatra de Jerusalém" com a que se

casou depois de Malthaké a Samaritana, com quem o tinha feito por volta do ano 21 antes de

nossa era.

Necessariamente, e apesar de seu nome, Cleópatra era judia, já que nos precisa que era

"de Jerusalém". Sabemos que naquela época era já antigo o costume de levar um nome grego

acrescentado no nome hebreu. Sabemos deste modo que Cleópatra significa "(nascida) de um pai

ilustre" (em grego Kleopâtra). Quão mesmo Clopas (em grego Klopâ). Quem podia ser, pois, essa

judia "nascida de um pai ilustre", de suficiente "nobre raça" para ser tomada por esposa pelo rei

Herodes, o Grande? Conhecendo as deformações fáceis utilizadas pelos monges copistas quando

desejavam obscurecer um ponto da história, podemos imaginar que seu nome era, em hebreu,

Bath-Clopas ("filha de Clopas"), quão mesmo essa Maria de Clopas, em grego "Maria é tou

Klopâ", que os Atos apostólicos de Abdías, bispo de Babilônia, afirmam que foi a filha de Clopas,

e não sua esposa, como diz João (19, 25). Dado que este evangelho apareceu por volta do ano

190 de nossa era, que ignoramos de que João se trata (em todo caso não do apóstolo),

concederemos nosso voto ao Abdías. Possivelmente houve além outro motivo para o apelido

helênico dado a essa filha de Clopas, uma alusão à Cleópatra rainha do Egito, e em seguida o

analisaremos.

Por outra parte, Mariamna não é outra coisa, como vimos anteriormente, que uma

desinência grega do hebreu Miryâm, aliás Maria. Se podemos estabelecer que Mariamna II e

Cleópatra foram uma mesma e única mulher, teremos desatado completamente o nó do enigma.

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De sua união com Herodes, o Grande, Mariamna II tivera um filho chamado Herodes Filipo I, que

se casou com Herodias, sua prima, neta de Mariamna I e de Herodes, o Grande. Cleópatra de

Jerusalém, por sua parte, tivera um filho chamado Herodes Filipo II, quem se casaria com Salomé

II, filha de Herodes Filipo I e de Herodias. Daniel-Rops, em Jesus em seu tempo, adere-se,

evidentemente, a esta cômoda solução para afogar a verdade histórica (op. cit.; III, Um canton

dans l'Empire).

"Dos quatro filhos de Herodes, todos estavam vivos quanto Jesus, mas nenhum tinha seus

poderes. O maior, Herodes Filipo I, neto por parte de mãe do supremo sacerdote Simão, tinha

sido explicitamente deserdado; a falta de território, esperava obter o soberano pontificado, mas a

mitra branca e o peitoral sagrado, em lugar de recompensar sua espera, recaíram sobre seus tios

avós, um após o outro..., deixando a ele, simples sacerdote, como presa dos sarcasmos de sua

ambiciosa esposa Herodias". (Op. cit.)

E, em outro capítulo, Daniel-Rops não vacila em dar a Salomé II como esposa ao fantasma

Herodes Filipo II: "E Filipo-Herodes Filipo II-, irmão do tetrarca, e tetrarca a sua vez de Gaulanítide

e a Traconítide, que pouco depois se casaria com Salomé..." (Op. cit.: V, A sémence d l'Eglise).

Todas estas afirmações de Daniel-Rops constituem uma série de enganos interessados, e

tudo isto é falso, contrário aos textos antigos, já que Flavio Josefo jamais deu o nome da esposa

do pseudo-Herodes Filipo II. E, em primeiro lugar, Daniel-Rops reconhece que Herodes não teve

mais que quatro filhos.

Nomeemo-los:

1º: Antipater, filho de Doris,

2º: Herodes Filipo I, filho de Mariamna II,

3º: Herodes Antipas, filho de Malthaké a Samaritana,

4º: Herodes Arquelao, filho da mesma.

Tendo em conta que os dois filhos de Mariamna I, Alexandre e Aristóbulo, estão já mortos,

isso não dá a não ser quatro filhos, e aí estamos de acordo com Daniel-Rops. Mas como pode

falar então desse Herodes Filipo II, filho de Cleópatra de Jerusalém, o que elevaria a cinco o

número dos filhos de Herodes, o Grande, vivos naquele tempo? Quão mesmo os monges copistas

da Idade Média, Daniel-Rops se embrulhou em seu esforço por dissimular a verdade...

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E vejamos outras provas de que este Herodes Filipo II jamais existiu.

Na versão eslava da guerra dos judeus de Flavio Josefo, é Herodes Filipo I, filho de

Mariamna II, o marido de Herodias, quem é o tetrarca, e isto o confirma o relato, no mesmo Flavio

Josefo, da partilha do reino de Herodes, o Grande, por César Augusto, assim como um velho

evangelho apócrifo copto, mais antigo que o segundo Lucas, se dermos crédito ao Orígenes, e

que nós denominamos O evangelho dos Doze Apóstolos.

Aqui estão esses textos definitivos que varrem ao mesmo tempo por todas as

interpretações "arrumadas" de Daniel-Rops: "Você confiscará ao Filipo, tirará sua casa, dará

procuração de seus bens, de seus servidores, de seu gado, de todas suas riquezas, de tudo o que

é dele; e você me enviará essas coisas à sede de meu império. Todos seus bens, você os contará

para mim, e não lhe deixará nada, exceto sua vida, a de sua mulher e de sua filha. Isto é o que diz

Tibério ao ímpio Herodes Antipas". (Cf. Evangelho dos Doze Apóstolos, 2º fragmento).

Trata-se, pois, sem lugar a dúvida, de Herodes Filipo I, o tetrarca, marido de Herodias e pai

de Salomé II, aquele ao que Daniel-Rops converte em um pobre cohen, sem nenhuma tetrarquia.

Continuemos: "Filipo, achando-se em sua província, teve um sonho: uma águia lhe tinha

arrancado os dois olhos. Reuniu a seus sabios. (116) Como todos explicavam o sonho de forma

diferente, esse homem que representamos antes, que ia vestido com peles de animais e que

desencardia ao povo nas águas do Jordão, acudiu subitamente a seu encontro sem ser chamado,

e disse: 'Escuta a palavra do Senhor. Nesse sonho que viu, a águia é seu amor ao lucro, porque

esse pássaro é violento e rapace, e esse pecado te arrancará seus olhos, que são sua província e

sua mulher'." (Cf. Flavio Josefo, A guerra dos judeus, II, 4, manuscrito eslavo).

Também aqui, como se vê, trata-se de Herodes Filipo I, marido de Herodias e pai de

Salomé II, e que é tetrarca, como sublinha Flavio Josefo. A águia designa Roma, e neste caso

concreto ao Tibério. Continuemos. À morte de Herodes, o Grande, e ao ser protestado seu

testamento, a família herodiana acudiu à Roma para levar o litígio ante o imperador Augusto.

Depois de ter ouvido as partes, o imperador resolveu assim o problema: "Não proclamou rei ao

Arquelao, mas sim da metade do reino que antes estava submetido ao Herodes (o Grande) fez

uma etnarquia que lhe concedeu, prometendo honrá-lo mais tarde com o título de rei se por sua

virtude se mostrava digno disso. Depois de dividir a outra metade em duas partes, as deu aos

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outros dois filhos de Herodes, ao Filipo e ao Antipas... Antipas teve por sua parte a Perea e a

Galiléia, que anualmente lhe rendiam duzentos talentos. A Batanea, com a Traconítide e a

Auranítide, e uma parte do que se chamou o domínio de Zenodoro reportaram ao Filipo cem

talentos". (Cf. Flavio Josefo, Antigüidades judaicas, XVII, XI, manuscrito grego).

O quarto filho de Herodes, o Grande, tinha morrido, efetivamente, pouco antes do

desaparecimento de seu pai, executado por ordem dele e com o consentimento do imperador, por

complô criminal contra o rei. Era Antipater, filho de Doris. Não ficavam, pois, mais que três:

Arquelao, Herodes Filipo I e Herodes Antipas.

Como se vê, este Herodes Filipo I, filho de Mariamna II, que fora deserdado pelo Herodes,

o Grande, em ocasião do complô de sua mãe, foi restabelecido em seus direitos de herdeiro

parcial por César Augusto, porque não participara da conjuração materna. E foi efetivamente ele o

primeiro marido de Herodias, o pai de Salomé II, que mais tarde foi despojado por Tibério César

de sua tetrarquia, por causa da acusação caluniosa de seu meio-irmão Herodes Antipas.

Mas, perguntará o leitor, e Herodes Filipo II, do que Daniel-Rops fazia um tetrarca e o

marido de Salomé II? É, simplesmente, o mesmo personagem que Herodes Filipo I, que foi

desdobrado pelos monges copistas e Daniel-Rops, para fundamentar a existência dessa

Cleópatra de Jerusalém, personagem tão imaginário como ele, e duplo engano de Mariamna II,

como acabamos de demonstrar. Para isso inventou um filho. Quanto ao verdadeiro personagem

de tal nome, encontraremo-lo em outro lugar, no próximo capítulo.

E uma nova pergunta aflora nos lábios, ou seja, o por que dessa nova falsificação de

Flavio Josefo por parte dos copistas medievais. A armadilha é muito hábil. Naquela época as

fortalezas possuíam sempre vários recintos murados, ou ao menos seu torreão. O mesmo

aconteceu aqui. Porque vamos descobrir a uma "filha de David", parente próxima de Maria, mãe

de Jesus, e cujo comportamento, inclusive justificado por uma conjuração política, é simplesmente

escandaloso. Ao criar a um dupla de tal personagem, sempre lhe poderá dissociar de Jesus e de

sua mãe, e a honra davídica ficará a salvo... Se um historiador curioso consegue estabelecer que

uma meio-irmã de Maria se casou com Herodes, o Grande, argumentar-se-á amplamente sobre o

rigor moral de seu comportamento, muito diferente ao da outra, escandaloso, e a base estará

jogada. Em montaria a isto lhe chama por parte da caça, "dar o cambalacho", e as trombas de

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caça o assinalam mediante uma formosa e forte fanfarra...

Recapitulemos, pois, sobre o resultado de nossas investigações:

1) Mariamna II não é outra que uma Miryâm, filha de David, esposa indiscutível de Herodes, o

Grande, mãe de Herodes Filipo I, e portanto sogra de Herodias e avó de Salomé II.

2) Cleópatra de Jerusalém não tem existência histórica, quão mesmo seu pseudo-filho Herodes

Filipo II, quem jamais foi, e com razão, nem tetrarca nem marido de Salomé II. O nome desta

esposa imaginária deriva do apelido helênico de seu pai Clopas (em grego Klopâ) e, como ele

(Kleopatrâ), ela é "de pai ilustre". Trata-se, portanto, de Mariamna II.

3) Mariamna II, aliás Miryâm, filha de David, chamar-se-á Maria em nosso idioma, e Maria em

grego. Como é o mesmo personagem que a Cleópatra de Jerusalém, é efetivamente a "Maria de

Cleofás" do evangelho de João (19, 25), no texto grego deste: "Marie é tou Klopâ".

4) Como Maria de Cleofás era a segunda filha de Ana, mãe de Maria, mãe de Jesus, embora de

pai diferente (seu tio, segundo a lei judia), era, pois, meio-irmã de Maria I, mãe de Jesus, e tia

deste último.

5) Por seu matrimônio com Herodes, o Grande, Mariamna II, aliás Maria de Cleofás, meio-irmã de

Maria mãe de Jesus, fez deste último o sobrinho por aliança do rei Herodes, o Grande, e primo

por aliança de seus filhos, os tetrarcas Herodes Antipas e Herodes Filipo I.

Agora, e segundo a técnica habitual de l'Ecole des chartes, método comprovadamente

válido, convém controlar e delimitar cronologicamente todas essas assombrosas conclusões:

- Maria I, mãe de Jesus, teria nascido por volta do ano 30 ou 32 antes de Cristo. Sua mãe, Ana,

contaria então 38 anos, segundo os textos já citados.

- Jesus nasce por volta dos anos 15 ou 17 antes de nossa era (segundo São Irineu), e morre

aproximadamente aos cinqüenta anos de idade, no ano 35 de nossa era.

- Se Joaquim morreu no ano 30 ou 32 a.C., Clopas (Cleofás) teria morrido no -28.

- Ana, mãe de Maria I, nascera por volta dos anos - 68 ou -70. Herodes, o Grande, viera ao mundo

no ano -73; portanto, contava mais ou menos a mesma idade que Ana, pois só era três ou quatro

anos maior que ela.

- Ana teve uma segunda filha com Cleofás, aproximadamente no ano -28. Esta (aliás Mariamna II,

aliás Cleópatra de Jerusalém) teria nascido, por conseguinte, por volta do ano -28.

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- Em -28 Herodes, o Grande, contava com 45 anos. Casou-se com Mariamna I (filha de Hircano)

no ano -37, e a mandou executar no ano -29, oito anos mais tarde. Casaria com Mariamna II no

ano -13 ou -11, portanto ela contava então quinze anos de idade, conforme era costume naquelas

regiões, e teria nascido nos anos -28 ou -26. Como Maria I, mãe de Jesus, tinha nascido por volta

do ano -30, os dados coincidem.

- Herodes, o Grande, morre no ano -4, aos sessenta e nove anos de idade. Mariamna conta então

uns vinte e dois anos. Caíra em desgraça no -5, e Antipater, filho de Doris, tinha morrido no -4.

- Herodias tinha nascido no -7 e morreu no ano 39 de nossa era; portanto contava doze anos

quando se casou com Herodes Filipo I, no ano 5 ou 7 de nossa era. Ele morreu no 34 do mesmo,

e tinha nascido por volta do ano -10.

- Salomé II, a filha de ambos, nasceu por volta dos anos 6 ou 8 de nossa era, e morreu em 73

desta, quando contava uns sessenta e cinco anos de idade; portanto, tinha 28 anos à morte de

Jesus.

E quando teve lugar tal execução, no ano 35 de nossa era, as três Marias (117) contavam

portanto:

- Maria I, mãe de Jesus, nascida por volta do ano -30 ou -32, uns sessenta e cinco anos.

- Maria II, aliás Mariamna II, aliás Cleópatra de Jerusalém, nascida por volta do ano -28, uns

sessenta e três anos de idade.

- Maria III, outra meio-irmã, nascida por volta do ano -26, uns sessenta e um anos de idade.

Também aqui coincide tudo.

Por outra parte, se como dizem os textos eclesiásticos, Mariamna II, aliás Maria II, é a filha

de Cleofás, e se Cleofás for o irmão de José, em realidade Judas da Gamala, Mariamna II, aliás

Cleópatra de Jerusalém, é nem mais nem menos que a tia de Jesus. Como foi esposa de

Herodes, o Grande, dos anos -13 ou -11 ao -5, quer dizer, durante seis ou oito anos, Jesus foi o

sobrinho de Herodes, o Grande, durante todo esse tempo... E foi primo de seus filhos: Antipater,

Herodes Antipas, Herodes Filipo I, de suas filhas: Olympia, Roxana, Salomé III, Cypros III,

Salampsio; de suas netas: as princesas Drusilla e Berenice, e, especialmente, daquela que cedeu

sua cama e seu mesa: (118) a princesa Salomé II, viúva de Herodes Lysanias, ao que logo

estudaremos, e futura esposa de Aristóbulo III, rei de Armênia...

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Tudo isto explica muito melhor que o sonho premonitório da esposa de Pilatos o fato de

que este quisesse "liberar o Jesus" (cf. Lucas, 23, 20, e João, 19, 12). Coisa que nos oculta

cuidadosamente.

E tudo o que é mais ainda, esse parentesco "por aliança" (porque, apesar de tudo, não é

mais que isso) estende-se de Jesus a Saulo-Paulo. Como este último era o neto de Herodes, o

Grande, por parte de sua mãe Cypros II, e seu sobrinho neto por parte de seu pai Antipater II,

(119) se estabelece um laço de parentesco entre ambos personagens, queira ou não. Porque a

irmã de Herodes, o Grande, a vingativa e ciumenta Salomé I, converteu-se em tia de Mariamna II,

aliás Cleópatra de Jerusalém, aliás Maria II, quando esta se casou com Herodes, o Grande, nos

anos -13 ou -11; e Salomé não morreu até um ano mais tarde, no 10 antes de nossa era. De todo

modo, se Cleofás era o pai de Mariamna II, este morreu, conforme nos dizem, antes do

nascimento de sua filha. E então, como pôde Herodes, o Grande, fazer dele um pontífice de Israel

quando se casou com sua filha Mariamna II doze ou quinze anos mais tarde, por volta do ano 11

antes de nossa era? E além disso, como podia chamar-se Simão?

Vejamos a explicação, que é muito singela, Cleofás, segundo marido de Ana, mãe de

Maria I, realmente tinha morrido, e foi seu irmão, que por seu matrimônio com Ana se converteu

no padrasto de sua filha Mariamna II, quem a deu em matrimônio ao Herodes, o Grande, e por

esse fato se converteu em supremo sacerdote. É que o hebreu utiliza a mesma expressão para

designar ao pai e ao padrasto.

Esta função de supremo sacerdote a recebeu necessariamente sob o nome hebreu de

Simão, aliás Simão, seu nome de circuncisão, portanto ritual (e não de Salomé, que é um nome

feminino, como diz equivocadamente o texto grego do livro Do nascimento da virgem). Os nomes

de circuncisão iniciais às vezes eram modificados no curso da vida, em certas circunstâncias

graves, e seguindo um ritual concreto. Então do que se tratava era de desviar para um nome que

já não era levado por nenhum ser vivente, ameaças de ordem particular ou geral. Assim, por

exemplo, Flavio Josefo nos diz que Caifás, o pontífice que julgou ao Jesus do ponto de vista

religioso, chamava-se inicialmente Josefo (cf. Flavio Josefo, Antigüidades judaicas, XVIII, II, 35).

Por outra parte, o leitor não deixará de assombrar-se ante essa série de mortes entre os

maridos sucessivos da desafortunada Ana, condenada pelo destino a uma viuvez permanente. E

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a priori isso parece incrível. Primeiro nós acreditamos em uma lenda construída por contistas

dotados da clássica simplicidade infantil, comum antigamente a essas regiões. Mas ante a

verdade histórica tudo se explica, pelo contrário, muito bem. Se partirmos da cronologia cristã

clássica, com um Jesus nascido no ano 1 de nossa era, temos uma Maria sua mãe nascida

provavelmente por volta do ano 15 de nossa era. Agora bem, neste período da história judia, nada

justifica a morte de seu pai, logo a de seu padrasto, em dois anos sucessivos.

Se, pelo contrário, levassemos em conta a afirmação de São Irineu, de um Jesus "morto

na soleira da velhice, e próximo aos cinqüenta anos de idade", é que nascera por volta do ano 17

antes de nossa era, e sua mãe, Maria I, por volta do ano 34 ou 32 antes desta. E precisamente

essa época é um período especialmente cruel para Israel, e logo vamos poder julgá-lo.

Antígono, filho de Aristóbulo, disputa com seu tio Hircano o trono da Judéia. Expulso da

Galiléia por Herodes, o Grande, futuro rei dessa província, Antígono se refugia entre os partos e

vai, junto com seu rei, apoderar-se de Jerusalém. Hircano e Fazael caem prisioneiros. Fazael,

carregado de cadeias, se suicidará partindo o crânio contra os muros de sua cela. Em caso de

necessidade, ajudaram-lhe. Ao Hircano cortaram as orelhas por ordem do Antígono, a fim de que,

por tal mutilação infamante, seja indigno do supremo sacerdócio. E Antígono ocupa então o trono

da Judéia. Mas Herodes, que primeiro se refugiou no Egito, vai à Roma implorar o apoio de

Antonio, e este último o faz proclamar rei da Judéia pelo Senado romano. Além disso,

proporciona-lhe tropas mercenárias para expulsar por sua vez ao Antígono e aos partos de seu

novo reino. Achamo-nos no ano 39 antes de nossa era.

Herodes embarca então com seu exército romano e estabelece moradia em Jerusalém.

Durante essa operação se casa com Mariamna I, filha de Hircano, tanto por sua beleza para

legitimar com dita aliança seu acesso ao trono, já que mediante ela se converte, efetivamente, no

genro do rei legítimo.

Ao cabo de seis semanas de moradia, Jerusalém cai em poder dos assediantes; todos os

inimigos de Herodes caem, degolados, e apesar da intervenção do próprio Herodes saqueiam a

cidade, devastam o Templo, multiplicam-se as pilhagens, as violações e os assassinatos à medida

que se ocupa à Cidade Santa por parte dos mercenários. Antígono é capturado e imediatamente

enviado à Roma, onde Antonio o manda executar. Mas na Judéia, Herodes enfrenta sérias

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oposições, sobretudo no âmbito fariseu. Então é quando manda dar morte a todos os militantes da

oposição, degolar a todos os membros do Sanedrín, e afogar no Jordão a seu cunhado Aristóbulo,

irmão de Mariamna I, sua própria esposa. Não lhe perdoará nada de tudo isto. Tais fatos são

relatados por Flavio Josefo em sua Guerra dos judeus (manuscrito eslavo, 1, 16, e manuscrito

grego, I, XII).

Encontramo-nos no ano 37 de nossa era. Avancemos sete anos e nos encontramos no

ano 30 antes da mesma. Uma série de terríveis tremores de terra devasta toda Judéia, mal

reposta ainda dessa desumana guerra. Contam-se mais de trinta mil mortos, e perece quase todo

o gado. Por causa das dezenas de milhares de cadáveres de homens e de animais, a cólera faz

sua aparição, e ipso facto a febre tifóide, devido às fontes e cisternas poluídas. Ao ver isto, os

árabes nabateos, caso que o Israel se achava muito debilitada por tais desgraças, invadiram o

território nacional e, como não resistiram melhor às diversas epidemias, aumentaram o número

dos mortos (cf. Flavio Josefo, Antigüidades judaicas, XV, VII).

Tendo em conta que se produzem inexatidões em matéria cronológica (em todo esse

período as datas estabelecidas o são com um ano, como mínimo, de margem de engano; o

monge Denys-le-Petit se equivocou efetivamente em seus cálculos, já que nossa era teria que ter

começado, em realidade, cinco anos antes), pode supor-se que as mortes dos maridos de Ana,

mãe de Maria I, produziram-se nessa terrível época que vai da proclamação de Herodes como rei

da Judéia, no ano 39 antes de nossa era, até a tomada de Jerusalém dois anos mais tarde (no

ano -37), as matanças que a seguiram, os sismos, as epidemias, e logo a invasão árabe no ano -

32.

Por conseguinte, e por muito surpreendente que pareçam por sua cercania no tempo, as

viuvez sucessivas de Ana não foram inventadas pelos cronistas que redigiram o livro Do

nascimento da Virgem, atribuído a São Cirilo de Alexandria e tido como válido pela Igreja do

Oriente. São, como se vê por seu marco histórico geral, algo do mais plausível. E voltemos agora

para Mariamna II. Fica ainda por precisar o verdadeiro rosto dessa inesperada tia. É, quando

menos, estranhamente curioso, mas para compreendê-lo terá que voltá-lo para situar dentro do

conjunto dos personagens desse surpreendente afresco.

Em sua Guerra dos judeus (manuscrito grego, I, XIX), Flavio Josefo mostra ao Herodes, o

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Grande, expulsando de sua corte a seu irmão Feroras, porque não queria repudiar a sua esposa,

que tramava um complô contra o rei. Feroras morreu pouco depois em seus domínios. Herodes

descobriu então que queria envenená-lo à instâncias de Antipater, filho de Doris, e repudiou esta

pela segunda vez. Logo apagou de seu testamento ao Herodes Filipo I, filho de Mariamna II

(Maria de Cleofás) e destituiu ao Simão, supremo sacerdote, pai desta. O manuscrito eslavo da

Guerra dos judeus nos dá os mesmos detalhes, e seria uma lástima não publicá-los, e agora vai

poder se ver por que: "Essas palavras foram como uma punhalada para o rei. Submeteu a tortura

a todas as mulheres que estavam em sua casa. Uma delas, em meio dos torturas, exclamou:

'Deus que rege o céu e a terra, faz recair sua vingança sobre a mãe de Antipater (Doris), pois ela

é a autora de todos nossos males...'. O rei recolheu estas palavras e seguiu interrogando para

tentar saber a verdade. A mulher contou então quanto se amavam a mãe de Antipater (Doris) e

Feroras (irmão de Herodes, o Grande) e como se reuniam às escondidas Antipater, Feroras e as

damas: 'Ao voltar de sua casa bebiam durante a noite, sem admitir junto a eles a nenhum escravo

nem homem livre, nem homem, nem mulher'. Depois de falar assim esta mulher, Herodes ordenou

que se submetesse a tortura às escravas, mas todas em separado. E sob os golpes deram todas

uma resposta unânime: quão mesma dera aquela mulher". (Cf. Flavio Josefo, Guerra dos judeus,

manuscrito eslavo, I, 12).

O texto grego das Antigüidades judaicas nos confirma a relação eslava da Guerra dos

judeus, o que demonstra que a convicção do autor estava perfeitamente fundada: "As torturas

dessas mulheres (faxineiras) revelaram-no tudo: as orgias, as reuniões clandestinas, e inclusive

as palavras ditas em segredo pelo rei Herodes a seu filho (Antipater), e contadas às mulheres de

Feroras..." (Cf. Flavio Josefo, Antigüidades judaicas, XVII, IV, manuscrito grego). Essas palavras

secretas demonstram a exatidão das afirmações das serventes, e elas não inventaram nada sob a

tortura, e mais tendo em conta que foram interrogadas em separado. Portanto, tratava-se de

orgias sexuais e mágicas, no curso das quais se tentava enfeitiçar ao Herodes, o Grande. Há uma

confirmação disso nos Salmos de Salomão, documento composto no século que coroava o início

de nossa era, dado que nisso lemos o seguinte: "Em ocultos subterrâneos cometiam suas

exasperantes iniqüidades; uniam-se o filho com a mãe, e o pai com a filha. Fornicavam cada um

com a mulher de seu vizinho, e faziam entre eles pactos baixo juramento a este respeito..." (Cf.

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Salmos de Salomão, VIII, 9-11, Paris, 1911, Letouzey & Ané édit.).

Como se vê, tudo se produz do mesmo modo que nas cerimônias mágico-sexuais do

tantrismo ou nos sabbats medievais: a violação dos tabus através da liberação alimentar e sexual,

as conjurações, os julgamentos de obediência, etcétera.

Pois bem, Mariamna II, aliás Maria de Cleofás, meio-irmã de Maria e tia de Jesus, era

membro de tal conjuração e participava de sortes orgias: "Parecia que os emane do Alexandre e

de Aristóbulo120 erravam por toda parte para fazer descobrir as coisas mais ocultas, e tirar

testemunhos e provas da boca daqueles que estavam mais afastados de toda suspeita. Porque ao

submeter a tortura aos irmãos de Mariamna, filha de Simão, supremo sacerdote, descobriu por

suas confissões que ela era culpada de tal conspiração. Herodes fez pagar aos filhos o crime de

sua mãe, e apagou de seu testamento ao Herodes Filipo I, o filho que tivera dela e a quem tinha

declarado seu sucessor. (Cf. Flavio Josefo, Guerra dos judeus, I, XIX, manuscrito grego).

Herodes, com efeito, não podia englobar em sua vingança a seu próprio filho, já que

Herodes Filipo I não contava então mais que cinco anos de idade, dado que sua mãe Mariamna II

caiu em desgraça no ano 5 antes de nossa era, e ele tinha nascido no ano 10. Assim, Maria de

Cleofás, tia de Jesus por ser meio-irmã de Maria sua mãe, e esposa de Herodes com o nome de

Mariamna II, participara do complô encaminhado à morte deste e às orgias sexuais e mágicas

celebradas com tal fim. Tendo em conta tudo que develamos em nosso primeiro volumen, (121)

pode supor-se que isso o realizava em benefício da dinastia davídica em geral, e de seu sobrinho

Jesus em particular. Como tinha nascido no ano -17, no ano -5, quando teve lugar o complô de

sua tia, contava já doze anos, quer dizer, a maioridade civil e religiosa. E é bastante duvidoso que

Maria, sua mãe, ignorasse a conspiração que se realizava em favor de seu filho primogênito. E

isto confirma o que sustentamos desde o começo de nossa investigação, ou seja, que o judeu-

cristianismo primitivo não foi jamais outra coisa que uma extensa empresa política, e nada mais, e

em modo algum uma predicação mística, como nos tentam fazer acreditar há vinte séculos.

Convém observar a este respeito que o repúdio de Mariamna II e os motivos de tal sanção

não alteraram em modo algum as relações entre ela e sua meio-irmã Maria I, mãe de Jesus.

Temos a prova disso nos próprios evangelhos canônicos: "Estavam junto à cruz de Jesus sua

mãe e a irmã de sua mãe, Maria a de Cleofás..." (Cf. João, 19, 25).

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Agora sabemos que terá que ler "filha de" Cleofás.

Não obstante, esse grupo permanecera relativamente herodiano, já que entre as mulheres

que seguiram Jesus "e lhe serviam" quando estava na Galiléia, achava-se Salomé II (cf. Marcos,

15, 41), quem durante um tempo foi a concubina de Jesus (veja o capítulo 27), e "Juana, mulher

de Chuza, intendente de Herodes" (cf. Lucas, 8, 3). Aqui se trata, evidentemente, de Herodes

Antipas, e não de Herodes, o Grande, que morrera já fazia tempo.

A presença de Salomé II, neta de Herodes, o Grande, viúva de Lysanias, tetrarca de

Abilene, a da Juana, mulher de Chuza, intendente de Antipas, junto à Maria, mãe de Jesus, e

Maria, filha de Cleofás, aliás Mariamna II, esposa repudiada de Herodes, o Grande, em resumo,

tudo o que se costuma chamar "ás santas mulheres" segundo a tradição cristã, situa-nos em

presença de um ambiente do mais curioso. Porque sua santidade está ainda por demonstrar.

No caso da Maria II, filha de Cleofás, as orgias sexuais e mágicas nas quais participou da

vida de Herodes excluem toda santidade, é bem evidente. Salomé II foi a concubina de Jesus

como o demonstra o Evangelho conforme Tomás, isto não a desprestigia, já que ela foi viúva

naquela época, e Jesus não estava casado, conforme se supõe. Mas esta situação, batizada pelo

judeu-cristianismo com o nome de fornicação, não implica tampouco nada de santidade... Sobre a

Juana, esposa de Chuza, intendente de Herodes Antipas, a gente poderia perguntar-se por que

seu marido a deixava vagabundear assim desde a Galiléia, no seio de um grupo zelote, que

praticava não só a comunidade de bens, mas também a de mulheres, como veremos em seguida.

Possivelmente era a donzela de Salomé II, ou possivelmente fora repudiada por Chuza, por sua

conduta. O que fica disso é que as "santas mulheres" como as qualifica piedosamente Daniel-

Rops, não constituem a não ser uma lenda mais.

Agora bem, com sua presença em Jerusalém durante a execução de Jesus, contribuem

uma explicação complementar a todos esses favores e amparos misteriosos das que ele se

beneficiou até o dia em que, aos olhos de Roma e de seu procurador, a taça ficou cheia. Em uma

obra cunhada com o Imprimatur (Paris, 15-1-1957) e intitulada La Date de Cène, Annie Jaubert faz

alusão a isso (P. 129), e Oscar Cullmann, pastor protestante, demonstrou em seu livro Deus e

César que o processo de Jesus tinha sido um processo puramente zelote. Como se vê, nossa

tese se mantém.

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Vamos agora abordar um tema particularmente delicado, e cujas conclusões causarão

escândalo, embora não tenham escapatória possível: o da comunidade de bens que incluía... as

mulheres, nos meios apostólicos primitivos.

Sabemos por Flavio Josefo, que durante três anos foi membro de sua seita, que os

essênios aceitavam, não o matrimônio, a não ser simplesmente a união sexual, com vistas à

procriação de filhos e a renovação de seus membros, mas com mulheres cuidadosamente

escolhidas, e purificadas cada vez, antes do coito, mediante ritos bem precisos (cf. Flavio Josefo,

Guerra dos judeus, II, VII, IX; II, VIII, X; Antigüidades judaicas, XVIII, I, 5).

Como os essênios estavam repartidos em quatro classes separadas, é fácil compreender

que unicamente os membros da classe mais baixa, por conseguinte os mais jovens, tinham a

possibilidade de copular. Mas, dirão vocês, como conciliar isto com a afirmação de Filón de

Alexandria, quem nos assegura, por outra parte que: "Nenhum essênio pode tomar mulher..."?

(Cf. Filón, Quod omnis probus liber, XII). E tanto mais que Plinio o confirma: "...sine ulla femina,

omni venere abdicata..." (cf. Plinio, Natura historiarum, V, XVII).

Captar-se-á melhor o matiz recordando que praticavam o comunismo absoluto. Qualquer

que entrasse na sociedade, abandonava tudo o que possuía em mãos da comunidade, e isso é o

que com toda segurança impressionou mais ao Flavio Josefo e o que possivelmente lhe moveu a

sair dela (cf. Flavio Josefo, Guerra dos judeus, II, VIII, 3).

Podemos, pois, concluir que os essênios efetivamente não se enredavam nos laços do

matrimônio legal e segundo a tradição corrente em Israel, expressa pela lei judia, mas sim

assumiam simplesmente a procriação, necessária para perpetuar sua seita, fecundando mulheres

que tinham em comum, quando tinha lugar seu passo pelo grau mais baixo, umas mulheres que,

entretanto, eram escolhidas e purificadas com este fim. E isso é, provavelmente, o que explica

que os membros dos graus superiores da Ordem se achassem na necessidade de purificar-se por

sua vez quando tinham contato material com os dos graus inferiores, aos que consideravam como

impuros por causa de sua vida sexual.

Pois bem, nós sabemos agora que os zelotes procediam inicialmente dos essênios. Igual a

eles, rechaçavam um bom número de tabus legais, mas, pelo contrário, observavam muitos outros

costumes de maneira particularmente integral. E a comunidade de bens a encontramos entre os

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discípulos de Jesus: "A multidão dos que tinham acreditado tinha um coração e uma alma

sozinha, e nenhum tinha por própria coisa alguma, antes o tinham tudo em comum (...) Quantos

eram donos de fazendas ou casas, vendiam-nas e levavam o preço da venda, e o depositavam

aos pés dos apóstolos, e a cada um lhe repartia segundo sua necessidade." (Cf. Atos dos

Apóstolos, 4, 32-35).

Esta apreciação, nossos apóstolos sabiam orientá-la perfeitamente segundo seus próprios

interesses, já que lemos um pouco mais adiante: "Por aqueles dias, tendo crescido o número dos

discípulos, surgiu uma falação dos helênicos contra os hebreus, porque as viúvas daqueles eram

mal atendidas no serviço cotidiano..." (Cf. Atos dos Apóstolos, 6, 1). (122)

E vamos agora constatar que nosso santos discípulos do Senhor não só praticavam, mas

sim, além disso, exigiam, colocarem a disposição comum de suas esposas, e muito

provavelmente também de suas filhas. Tomemos uma vez mais a História eclesiástica de Eusebio

da Cesaréia: "Naqueles tempos nasceu também a heresia chamada dos nicolaítas, que durou

muito pouco (123) e da que também faz menção o Apocalipse chamado de São João. (124) Esses

hereges pretendiam que Nicolás era um dos diáconos, companheiros de Estêvão, escolhidos

pelos apóstolos para o serviço dos indigentes". (Cf. Atos dos Apóstolos, 6, 5). Ao menos Clemente

de Alexandria, no terceiro Stromate, conta com seus próprios termos o seguinte a respeito: "Diz-

se que tinha uma mulher na flor de sua vida. Depois da ascensão do Salvador, os apóstolos lhe

reprovaram que estivesse ciumento. Então conduziu a sua esposa ao centro da assembléia e a

abandonou a quem queria casar-se com ela. Diz-se que essa ação se ajustava à fórmula: "Terá

que fazer pouco caso da carne...". E quando imitam sua ação e suas palavras, sem exame, os

que seguem sua heresia, se prostituem de maneira vergonhosa... Estando assim as coisas, o

abandono em meio dos apóstolos de sua mulher, que era um objeto de ciúmes, era sinal de

renúncia à paixão, e a continência frente aos prazeres procurados com mais afinco ensinava a

fazer pouco caso da carne. Em meu parecer, não queria, conforme ao mandamento do Senhor,

servir a dois amos: ao prazer e ao Senhor". (Cf. Eusebio da Cesaréia, História eclesiástica, III,

XXIX, 1-2, citando Clemente de Alexandria, Stromates, III, 52-53).

Este texto exige já várias observações:

a) Nicolás o diácono, que recebera o Espírito Santo (cf. Atos, 6, 5-6), estava não obstante muito

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ciumento de sua bonita esposa. Sem dúvida tinha razões para isso, já que via que a desejavam,

conforme era costume, posto que:

b) os apóstolos, que também receberam ao Espírito Santo, o reprovam, o que demonstra que há

entre eles homens que desejam possui-la por sua vez, segundo o habitual entre sua comunidade

de bens. Mas isso prova deste modo que tampouco eles estão liberados dos "gozos grosseiros da

carne"...

c) conforme ao uso apostólico e zelote, procedente dos essênios, Nicolás o diácono se inclina, e

conduz a sua bonita esposa ao centro da assembléia apostólica e dos discípulos, abandonando-a

a eles;

d) Clemente de Alexandria "pensa" que se deve interpretar sua decisão no sentido de um

desprendimento das coisas carnais, mas, como se vê, não está do todo seguro, não o afirma. E,

efetivamente, se Nicolás estava ciumento de sua formosa mulher, é porque a queria, e tinha boas

razões para estar em guarda e passar por um ciumento. Entretanto, a execução sumária, por

ordem de Simão-Pedro, de Ananías e de Saphira, sua esposa, por infração grave das regras

comunitárias, fizeram-lhe reflexionar; (125)

e) a mulher de Nicolás não foi oferecida em matrimônio a quem queria tomá-la por esposa (que já

era o cúmulo!), tal como diz Eusebio da Cesaréia, e seu tradutor, o cônego G. Bardy retrocedeu

ante a enormidade escandalosa da frase exata, já que o texto grego desse Stromate de Clemente

de Alexandria emprega o termo épétrepem, que vem de épitrepo, que significa entregar, ceder,

abandonar e de maneira nenhuma casar-se. De fato a jovem foi entregue à comunidade dos

"Santos homens de Deus". Rasputín existiu em todas as épocas, como se vê.

Essa comunidade das mulheres se estendia deste modo às moças, o que exclui, igual no

seio dos essênios, a constituição de casais duradouros e legais. Vejamos uma vez mais o

testemunho de Clemente de Alexandria, contribuído por Eusebio da Cesaréia: "Não obstante,

Clemente, cujas palavras acabamos de ler, enumera a seguir do que acaba de ser dito, àqueles

dos apóstolos que estiveram casados, por causa daqueles que condenam o matrimônio:

"Rechaçarão também aos apóstolos? Pedro e Felipe tiveram filhos. Felipe inclusive deu suas

filhas a homens. E Paulo não vacilou em saudar em uma Epístola a sua companheira, a quem não

levara consigo para maior comodidade de seu ministério..." (Cf. Eusebio da Cesaréia, História

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eclesiástica, III, XXX, 1, citando a Clemente da Alexandria, Stromates, III, 25-26).

Pois bem, aqui está o texto grego de Clemente: "Philippe dé kai tas Tugatéras andrasin

exedoken" (op. cit.).

E exedoken vem de ekdidomi, que significa tanto entregar (um escravo ou uma mulher),

como dar em matrimônio. Dado que acabamos de ter a prova de que os meios apostólicos

primitivos punham em comum às esposas, não pode se ter em conta o segundo sentido de

ekdidomi, a não ser só o de entregar, abandonar como foi também o caso da muito formosa

esposa de Nicolás o diácono, "objeto de ciúmes" (sic), entre os discípulos. E tanto mais que uma

forte corrente majoritária condenava o matrimônio. Não ficava, então, como única solução

possível, mais que o concubinato sucessivo.

NOTAS COMPLEMENTARES

Um fato parece não surpreender ninguém no mundo dos historiadores do cristianismo: o

fato de que Jesus, modesto carpinteiro em parada perpétua, e que dizia ser de origem muito

humilde, fora julgado por Pilatos, procurador de Roma.

Em Jesus em seu tempo, Daniel-Rops escreve: "De fato, esta história não teve para o

cidadão de Roma que viveu sob o Tibério mais importância da que teria para nós a aparição de

qualquer obscuro profeta em Madagascar ou a Reunião" (Op. cit.: Introduction. Ce qu'en su les

contemporains).

Pois bem, em Roma é o imperador, pontifex maximus (pontífice supremo) e César

(sagrado), quem delega os poderes de oferecer sacrifícios aos deuses do Império, assim como de

justiçar e de pronunciar sentenças; dele emanam e descendem os diversos poderes religiosos,

civis e militares, até os mais humildes magistrados romanos, como uma cascata legalista. Como

imaginar ao Pilatos, que representava ao César na Judéia, e que portanto constituía a máxima

autoridade romana, sancionando roubos de galinhas, agressões diurnas e noturnas, e crimes

diversos? Isso é algo simplesmente impensável. Em todas as cidades dependentes de Roma

havia magistrados encarregados de repartir a justiça romana segundo as leis de Roma e os

costumes locais, combinadas e associadas.

Se Jesus fosse um obscuro agitador, uma vez capturado podia ser executado ou

crucificado sobre o terreno, por ordem de um simples centurião, por havê-lo surpreso com as

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mãos na massa, e sobrou exemplos disso. Em caso de ser um personagem mais importante,

podia ser enviado ao magistrado romano da cidade mais próxima, para o exercício do jus gladii.

Se era ainda mais importante, uma vez conduzido à Jerusalém bastava fazendo-o comparecer

ante o tribuno das coortes, governador de Antonia e chefe de armas de Jerusalém. O tribuno das

coortes, como magistrado militar, conservava ainda sob o Império os privilégios honoríficos que,

sob a República, davam-lhe classe de cônsul, a falta dos poderes deste.

Quer dizer que, como chefe de todo o movimento zelote, e inclusive como "filho de David"

e pretendente do trono de Israel, se se fazia comparecer ao Jesus ante o governador de Antonia

lhe concedia, já só com isto, uma enorme importância, e a sentença do tribuno das coortes fosse

deste modo igual de regular e legal que se pronunciada pelo procurador de Roma. (126)

Isso significa, pois, que Jesus era efetivamente um pouco muito distinto a um simples

chefe rebelde, e por isso foi levado a comparecer ante Pilatos. Ao fazê-lo, não ignoravam que ia

gozar de poderosas influências, e que unicamente o procurador imperial estava em posição de

apreciar o valor e o interesse destas, para tê-las em conta ou ignora-las. (127) Coisas todas que

um tribuno das coortes não podia permitir-se confrontar. E isto o que faz não é mais que vir em

apoio de tudo que dissemos sobre as relações que uniam as dinastias herodiana, asmonea,

davídica, ante as autoridades, tanto romanas como judeus e religiosas.

21 - O verdadeiro Herodes Filipo II

É bem sabido que a verdade não sempre é verossímil ...

François, marquês De SADE, Histoire secrète d'Ysabelle de Bavière, reine de France

Como se acaba de ver pelo estudo que foi objeto do precedente capítulo, o personagem de

Herodes Filipo II foi criado integralmente para justificar a existência de uma pseudo-Cleópatra de

Jerusalém, e velar deste modo que não era outra que a Maria de Cleofás dos textos apostólicos,

meio-irmã de Maria mãe de Jesus, aliás Mariamna II, esposa de Herodes, o Grande, e mãe de

Herodes Filipo II, este perfeitamente real, já que foi o primeiro marido de Herodias, mãe de

Salomé II.

E então se expõe um novo problema, o de determinar a identidade do primeiro marido

desta última, antes de que se convertesse na egeria de Jesus, (128) e logo na esposa de

Aristóbulo III, rei de Armênia.

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Este importante problema, que uma vez resolvido podia projetar uma nuvem de descrédito

sobre a família davídica, primeiro por causa dessa aliança matrimonial, e logo pelas libertinagens

nas quais participou a citada Mariamna II, os historiadores eclesiásticos dos primeiros séculos

resolveram a sua maneira, invariável. Desta vez não criaram um personagem imaginário, mas sim

o suprimiram. E assim, é inútil procurar algum rastro de Salomé II nas obras de João Cristóstomo,

de Atanasio de Alexandria, etc. Para eles, a dançarina que pediu a cabeça de Batista foi Herodias,

ignoram Salomé, sua filha... E o mesmo acontece com Eusebio da Cesaréia, quem em sua

História eclesiástica (I, VIII, 13) menciona Salomé I, irmã de Herodes, o Grande, mas ignora por

completo que Herodias que ele cita em tal obra (op. cit., I, XI, 1; I, XI, IV, 1) teve uma filha

chamada Salomé, e que esta foi a dançarina responsável pela decapitação de João, o Batista,

segundo os evangelhos canônicos (cf. Mateus, 14, 6, e Marcos, 6, 22). Pareceria como se o bispo

da Cesaréia, historiador da igreja primitiva, panegirista de Constantino, copista e difusor dos

evangelhos oficiais, não os lesse jamais. (129)

De fato, tais reticências, omissões, encobrimentos e mentiras são, para o historiador,

sempre mais gratificantes.

Encontramo-nos no ano 29 de nossa era, já que Tibério foi imperador no ano 14. Da morte

de Herodes, o Grande, e a interpretação de seu terceiro testamento por César Augusto em Roma,

em presença de toda a família herodiana, seu reino foi dividido em três partes, ou seja:

- uma metade para Arquelao, que compreendia Judéia e Samaria;

- uma quarta parte para Herodes Antipas (daí seu nome de tetrarca), que compreendia Galiléia e

Perea;

- uma quarta parte (a última) para Herodes Filipo I, que compreendia Batanea, Traconítide,

Gaulanítide e Auranítide. Este era então o marido de sua sobrinha Herodias, que se converteria

na concubina oficial de Herodes Antipas quando este repudiou à filha de Aretas, rei do Nabatene.

portanto Herodes Filipo era do mesmo modo, devido a este fato, o pai de Salomé II. Considerando

que Herodes Filipo II, filho de Cleópatra de Jerusalém, ambos os personagens imaginários, não

pôde ser marido desta, quem foi, então, o primeiro cônjuge de Salomé II? Não fica mais que um,

Lysanias, a quem também lhe chama Herodes Lysanias.

Tomemos pois em mão o problema dos documentos históricos, e releiamos atentamente a

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passagem de Lucas: "No décimo quinto ano do império de Tibério César, sendo governador da

Judéia Poncio Pilatos, tetrarca da Galiléia Herodes, e Filipo, seu irmão, tetrarca da Iturea e da

Traconítide, e Lysanias tetrarca do Abilene, sob o pontificado de Anás e Caifás, foi dirigida a

palavra de Deus ao João, filho de Zacarias, no deserto". (Cf. Lucas, 3, 1-2).

Há que reconhecer que quem redigiu esta passagem parece querer provocar

controvérsias, porque não deixou de levantá-las durante séculos. E inclusive nas origens!

Começando por Luciano de Samosata, o terrível ironista grego, quem nas seitas em leilão se mofa

assim: "O 7 do mês em curso, sendo Zeus pritano, Poseidon proedro, Apolo epistato, e Momo,

filho da Noite, cartulario, o Sonho propôs o que segue...". Durante muito tempo os exegetas da

crítica liberal sustentaram que Lucas, ou quem falasse em seu nome, tinha dado uns nomes ao

azar, e que isso não se tinha em pé frente a verificações. Mas não há nada disso, e o Dictionnaire

d'archéologie chrétienne de Dom Cabrol e Dom Leclercq nos contribui a prova.

O nome do Abilene procede do da cidade de Abila, hoje Souq-wadi-Barada, situada no

lado oriental do Anti-Líbano, no caminho de Beirut à Damasco. Esta cidade gozava de uma certa

notoriedade em princípio de nossa era, e foi a capital de uma pequena dinastia local que

desempenhou um papel na história do Oriente Médio.

Segundo Flavio Josefo (cf. Antigüidades judaicas, XIII, XV, XVI; XIV, III, VII, XIII; XV, IV;

Guerra dos judeus, I, IX, XIII), Ptolomeo, filho de Meneo, emir dos beduínos nômades dos

arredores de Damasco, foi o fundador desta família. Viveu por volta do ano 85 antes de nossa era,

e se fez muito temível ante os damascenos. Flavio Josefo o considera capaz de todas as

maldades, e mais ainda devido ao fato de ser parente de Dionisio, tirano de Trípoli, por isso tinha

a quem parecer-se. Não obstante, quando Pompeyo penetrou em Síria, no ano 63 antes de nossa

era, assolou totalmente o pequeno reino de Ptolomeo, fez-lhe pagar um enorme resgate, devastou

Calcis (hoje Andjor), Heliópolis (hoje Baalbeck), e fez decapitar a seu terrível parente Dionisio de

Trípoli.

Ptolomeo conseguiu pagar o exorbitante tributo, e assim conservou seu feudo. Depois da

morte trágica de Aristóbulo II (no ano 49 antes de nossa era), Ptolomeo recolheu em seus estados

à família deste útlimo, e casou a seu filho Filipion com Alejandra, filha de Aristóbulo II. Logo, ao

encontrar a de seu gosto, e lamentando não havê-la conservado para si mesmo, fez assassinar a

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seu filho Filipion e tomou por esposa. Morreu no ano 40 antes de nossa era, e seu filho Lysanias

sucedeu-lhe.

O novo "dinasta" (título que lhe dá Flavio Josefo) sustentou os direitos do Antígono, filho de

Aristóbulo II, e para isso se aliou com os partos. Cleópatra do Egito fez que Antonio lhe desse

morte no ano 34 antes de nossa era, o que lhe permitiu apoderar-se de uma parte de seus

Estados, entre os quais provavelmente se encontravam Calcis e Abila, e possivelmente inclusive

também Paneas e a região do lago Ulatha.

Ao defunto Lysanias sucedeu-lhe Zenodoro, chamado às vezes também Zenón, quem,

com o título de "eparca", possuiu a Traconítide, a Batanea, o Hauran, e extensos domínios ao

redor da Jamnia. De todo modo, e como seu caráter belicoso e saqueador era incorrigível, César

Augusto, para castigá-lo por suas invasões, confiscou-lhe a Traconítide, a Batanea e o Hauran, e

confiou esses territórios ao Herodes, o Grande. Zenodoro encontrou-se com que era

simplesmente proprietário de um território reduzido, sito no país do lago Ulatha, aliás Houleh, com

o Paneas e seus arredores imediatos.

A sua morte, este território, assim reduzido pelo rigor romano, voltou para o Herodes, o

Grande, cujo favor aumentava sem cessar. Mas a lembrança de seus direitos subsistiu durante

muito tempo ainda, já que Flavio Josefo, no ano 4 antes de nossa era, à morte do Herodes, o

Grande, menciona que Herodes Filipo recebeu, para a constituição de seu tetrarquia, "uma parte

dos domínios de Zenodoro", e mais tarde ainda, no ano 36 de nossa era, menciona no lote de

Herodes Agripa I, "a tetrarquia de Lysanias"; logo, no ano 52, Claudio César retira Calcis ao

Herodes Agripa I, e lhe dá, em compensação "a Abilene de Lysanias". Mas, como penetrar na

Abilene de Lysanias se, no mesmo dia, retira-se ao Calcis?

Outros autores antigos nos falam de Ptolomeo e de Zenodoro, por exemplo Estrabón e

Dion Cassius. Mas nada disto justifica como Lucas pôde citar a um Lysanias, tetrarca do Abilene,

sob o reinado de Tibério César, se o Lysanias mais próximo tinha morrido no ano 34 antes de

nossa era, como já vimos.

Felizmente chegaram até nós, duas inscrições antigas que nos provaram que houve outro

Lysanias, mais próximo a nós. A primeira foi descoberta em Nebi-Abil, aliás Abila, por Pococke. A

segunda em Souq-wadi-Barada, por R.P. Savignac, em abril de 1912. Estava gravada sobre a

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parede da montanha, no bordo de um antigo atalho que, procedente da localidade, conduzia a um

templo cujas ruínas se vêem ainda na rocha que domina o vale. Vejamo-la na tradução do grego

antigo: "À saúde dos senhores Augustos e de toda sua Casa, Nymphaios, filho do Abimmeos,

liberto do Tetrarca Lysanias, criou este caminho, construiu o templo e plantou todas as plantações

com seus próprios meios. Ao deus Cronos e à Pátria, em testemunho de piedade".

Como vemos, o templo estava dedicado ao Cronos (Saturno), e devia estar rodeado de um

bosque sagrado, já que os carvalhos verdes que ainda subsistiam em 1912 continuam

considerados pelos indígenas como sagradas (cf. Revue biblique, 1912, nova série, tomo IX, pp.

534-536).

Pelos trabalhos de Dittenberger (cf. Orientis graeci inscriptiones, 606, nota I) se sabe agora

que a expressão "senhores Augustus" designava ao imperador e a toda sua família. Não pode

tomar-se em conta ao Nero e a sua mãe Agripina, porque no ano 37 a tetrarquia desaparecera, e

sob o Claudio não se considerou jamais como Augusta a Messalina; portanto, não ficam mais que

Tibério César e a imperatriz Livia, que foi declarada com justiça Augusta depois da morte de

Augusto, e que morreu no ano 29. A dedicatória de Nymphaios, "liberto do Tetrarca Lysanias", é

por conseguinte anterior ao ano 29 de nossa era e posterior ao ano 14, ano da morte de Augusto.

Esta nos prova que um tetrarca reinava então em Abilene e chamava-se Lysanias, evidentemente

o segundo deste nome. E simplesmente foi ele o primeiro marido de Salomé II, filha de Herodes

Filipo I e de Herodias.

Mas como terei que afiançar a existência de um Herodes Filipo II com o fim de creditar a

uma Cleópatra de Jerusalém, diferente à escandalosa Mariamna II, e cortar assim toda prova de

uma aliança matrimonial entre os filhos de David e os herodianos, fez-se desaparecer a este

Lysanias por ser muito revelador, e deu-se à Salomé II em matrimônio ao imaginário Herodes

Filipo II.

Nós, pacientemente, procuramos ao Lysanias dentro do extenso panorama dos membros

da dinastia herodiana, e acreditam que o encontramos.

Convém admitir, com efeito, que a existência de um fragmento de território no seio de uma

tetrarquia governada por um Herodes, e que entretanto continua propriedade de um dos

"dinastas" descendentes de Ptolomeo, filho de Meneo, é mais que improvável. Este enclave

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tornaria rapidamente, sob um pretexto qualquer, ao tetrarca herodiano proprietário do conjunto.

Portanto temos que admitir razoavelmente que o dono desse pequeno feudo interior era, também

ele, da família dos Herodes. Uma vez admitido isto, podemos buscá-lo. E provavelmente aqui o

temos: "O imperador, depois de havê-los ouvido, levantou a sessão do conselho (...) A Batanea,

com a Traconítide, a Auranítide, e uma parte do que se chamou o domínio de Zenodoro,

reportavam ao Filipo cem talentos". (Cf. Flavio Josefo, Antigüidades judaicas, XII, XI, 4).

"Esses foram os filhos dos filhos de Herodes. Quanto à Herodias, sua irmã, esta se casou

com Herodes (Herodes Filipo I), que Herodes, o Grande, tivera Mariamna (II), a filha do supremo

pontífice Simão, e tiveram por filha Salomé (II), depois de cujo nascimento Herodias, desprezando

as leis nacionais, e detrás separar-se de seu marido, ainda vivo, casou-se com Herodes (Herodes

Antipas), irmão consangüíneo de seu primeiro marido, e que possuía a tetrarquia da Galiléia. Sua

filha Salomé (II) casou-se com Filipo, filho de Herodes, tetrarca de Traconítide. E como morreu

sem deixar filhos, voltou a casar-se, desta vez com Aristóbulo, filho de Herodes irmão de Agripa.

dele teve três filhos: Herodes, Agripa e Aristóbulo". (Cf. Flavio Josefo, Antigüidades judaicas,

XVIII, V, 4).

Recapitulemos sobre tudo isto: "Sua filha Salomé se casou com Filipo, filho de Herodes,

tetrarca de Traconítide...". Isto explica tudo! O tetrarca de Traconítide é Herodes Filipo I, primeiro

marido de Herodias, e ambos tiveram uma filha, Salomé II, antes de que tal Herodias o

abandonasse para viver com seu meio-irmão Herodes Antipas. Mas como se viu anteriormente, a

má construção da frase faz acreditar que Salomé II se casou com o tetrarca, quer dizer, com seu

próprio pai!

Agora bem, além de Salomé II, esse mesmo tetrarca de Traconítide teve outro filho,

chamado também Filipo, e como também era um Herodes, trata-se do verdadeiro Herodes Filipo

II, e este não foi imaginário, nem filho da imaginária Cleópatra de Jerusalém. Como tinha por pai

ao mesmo que engendrasse à Salomé II, ainda admitindo que fossem de mães diferentes (coisa

muito possível, e inclusive muito comum naquela época), Salomé II era meio-irmã dela, e ele era

seu marido... Coisa que era deste modo muito corrente naquela época, e não só entre os

soberanos egípcios. E ele é Herodes Lysanias tetrarca de Abilene. Quando morre, deixando

Salomé II viúva e sem filhos, ela será durante um tempo a amiga de Jesus, segundo precisa o

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terrível Evangelho segundo Tomás, (130) e mais tarde contrairá segundas núpcias, como se há

dito antes, com Aristóbulo III, a quem Nero converterá em rei de Armênia. (131)

Mas como pôde Lucas saber da existência desse filho de Herodes Filipo I, cujo minúsculo

feudo inseria-se na tetrarquia de seu pai, e que foi um personagem tão apagado que Flavio

Josefo, que se informava tão abundantemente nas Histórias do Ptolomeo do Ascalón e do Nicolas

de Damasco, biógrafos da dinastia herodiana, nem sequer o menciona? Pois simplesmente por

Saulo-Paulo, de quem ele era o secretário e o companheiro de confiança. E isto constitui uma

prova mais de que este último não era absolutamente um judeu obscuro, deportado ou nascido

em Tarso, a não ser a mesma pessoa que o príncipe herodiano Saúl, irmão de Costobaro, e neto,

por parte de sua mãe Cypros II, do rei Herodes, o Grande, e cuja verdadeira existência já

analisamos em um precedente volume. (132) Porque o judeu obscuro não conheceria todos os

membros desta família, tão numerosa, e de filiações extremamente complicadas, enquanto que o

príncipe herodiano não poderia ignorar a nenhum de seus primos. E essa frase terrivelmente

reveladora de Lucas (III, 1-2), precisa-nos além disso a data exata em que começou a revolução

anti-romana que Jesus devia comandar pessoalmente, fazendo pregar previamente a guerra

Santa por seu primo João, o Batista, ou seja, "o décimo quinto ano do reinado de Tibério César",

ou seja no ano 28 de nossa era. Esta revolução, provavelmente esporádica, caminho pela retirada

à Fenícia, por desigualdades, pela retirada aos maquis da Alta Galiléia ou à solidão desértica da

selvagem Judéia, para terminar na fuga à Samaria, durou de fato uns seis anos

aproximadamente. (133)

Permanece um testemunho sobre a virulência da citada armas lançadas por Batista, de

Flavio Josefo: "As pessoas reuniram-se em torno dele, porque estavam muito exaltadas lhe

ouvindo falar. Herodes (Antipas) temia que semelhante faculdade de persuasão não suscitasse

uma revolta, já que a multidão parecia disposta a seguir em tudo os conselhos deste homem ..."

(Cf. Flavio Josefo, Antigüidades judaicas, XVIII, V, 118).

Como se vê, nos discursos reais de Batista não se tratava de prédicas morais ou

devocionais. Tratava-se clara e sinceramente de varrer aos ocupantes romanos e a seus homens

viciados, os reyezuelos herodianos. Porque as predicações religiosas não podiam suscitar a

desconfiança, e menos a ira de Herodes Antipas, antes ao contrário. Não podia ser o mesmo no

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caso de discursos incendiários de caráter político.

Segunda parte

Os segredos do Gólgota

Tranqüilize-os, Oh Mistos! Seu deus ressuscitou Suas penas e seus sofrimentos Assegurarão sua salvação ...

JULIUS FORMICUS MATERNUS De Errore: XVIII, ritual do deus Mitra

22 - Jesus-bar-Juda

Em todas partes se viu a povos arrastados por um só milagre falso; e Jesus Cristo não pôde fazer nada do povo judeu, com uma infinidade de milagres verdadeiros?... Esse milagre, o da incredulidade dos judeus, é o que convém explicar !

DIDEROT, Pensées philosophiques, addition

Jesus-bar-Juda, aliás Jesus da Galiléia, mais tarde Jesus de Nazaré, é um nome que

vemos aparecer no cânone neotestamentário. No Antigo Testamento o voltamos a encontrar,

evidentemente, numerosas vezes, mas sob a forma de Josué, já que Jesus é Josué, quão mesmo

Josué é também Jesus. Em hebreu esse nome se pronuncia Ieoshuah, e se escreve exatamente

assim: iod-he-waw-shin-ain, e não iod-he-shin-waw-he, como alguns místicos cristãos do século

XVII quereriam nos fazer acreditar, seguidos mais adiante pelos martinistas contemporâneos e os

seguidores do “professor” Philippe de Lyon. Jamais, e insistimos neste termo, jamais um rabino,

cabalista ou não, permitir-se-ia semelhante sacrilégio: romper o NOME SAGRADO introduzindo

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nele uma quinta letra! E o que é mais, modificar assim seu valor numeral, quer dizer, 26, fazendo-

o passar a 326. De fato, foi por ignorância no campo teúrgico pelo que nossos modificadores do

Tetragrama divino introduziram-no em seu centro. Em cabala prática, a letra shin significava no

esquema operativo, e no centro do tetragrama circular, muito diferente, mas isso o mundo não

sabe.

Em uma obra precedente consagramos um capítulo a esses famosos “Anos obscuros de

Jesus”.

Contribuímos a prova de que, a princípio de nossa era, quando não contava ainda mais

que vinte e três anos aproximadamente, houve uma insurreição dirigida por ele que implicou a

tomada de Jericó, e, ao abandonar essa cidade, execuções de prisioneiros ou de reféns.

Por outra parte, o procedimento chamado do carbono 14 não nos proporcionou a não ser

uma data média sobre o momento da ocultação clandestinamente dos manuscritos de Qumran, o

ano 34 de nossa era, mas o período se estende antes e depois, em uma “franja” de uns cinqüenta

anos. E isto confirma o que recordávamos antes.

Por outro lado, quando Jesus chama Simão-Pedro barjonna (em acadio: anarquista, fora

da lei), este pequeno detalhe sublinha que o chamado Simão-Pedro está envolto faz tempo que

(como precisam seus outros apelidos: canaíta, zelote) em uma luta a mão armada contra os

ocupantes romanos e contra os saduceus, seus “colaboradores”.

Este período dos “anos obscuros de Jesus” seria o mais violento. Primeiro porque ele era

jovem, quão mesmo seus irmãos e discípulos, logo porque seu pai Judas da Gamala e seu tio

Zacarías já não estavam ali para moderar a toda essa juventude ardente.

Diversas provas disso subsistem ao contrário. Nem Suetonio em sua Vida dos Doze

Césares, nem Tácito em suas Histórias ou em seus Annales nos contam nada referente à Judéia

nesse período. Os relatos se interrompem bruscamente, ou aparecem anormalmente cortados em

comparação com os capítulos precedentes ou seguintes. À olhos vistos os ciumentos monges

copistas passaram por ali.

Mas apesar de tudo, subsiste uma prova de sua intervenção, uma última prova; encontra-

se nas Antigüidades judaicas de Flavio Josefo: “Para o mesmo tempo, sobreveio na Judéia uma

grande comoção, e um grande escândalo em Roma”. (Cf. Flavio Josefo, Antigüidades judaicas,

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XVIII, IV, manuscrito grego).

Seria inútil procurar outros detalhes no que fica de capítulo; a censura dos monges

copistas se exerceu de forma total. Mas a apertada comparação com os textos correspondentes

de Tácito em seus Annales (libero I, cap. LXXXV) demonstra que se trata do período coberto por

dito livro II, quer dizer, do ano 16 de nossa era (769 de Roma) ao ano 19 da mesma (772 de

Roma). E mais concretamente essa grande comoção que sobreveio a Judéia teve lugar no ano 19

de nossa era, sendo cônsules em Roma Julio Silano e Norbano Flacco, e procurador na Judéia

Valerio Grato. Jesus estava em sua melhor idade, e naquele lugar. Mas não saberemos jamais o

que aconteceu ali. Seria muito grave nos dizer isso já que permitiria que a verdade subsistisse.

Em todo caso, foi bastante violento para justificar o decreto de Tibério César expulsando aquele

ano a todos os judeu da Itália... E se tivéssemos alguma dúvida, bastar-nos-ia relendo o próprio

texto dos evangelhos canônicos e compará-los desde esta perspectiva que se desenha agora

pouco a pouco.

Tomemos, pois, ao João. Depois do célebre prólogo no que o texto que falsamente lhe é

atribuído identifica ao Jesus e o Verbo divino, tomando essas afirmações de textos pagãos mais

antigos, vemos aparecer ao Jesus, na história do cristianismo, no instante mesmo de seu batismo

pelo João Batista, quando fazia já longo tempo que tinha chegado à idade adulta. De seu

nascimento milagroso, de sua juventude, João não sabe nada ou não nos conta nada (op. cit., I,

29).

Tomemos agora ao Lucas. Este faz nascer ao Jesus no ano 6 de nossa era, quando teve

lugar o censo de Quirino, quer dizer, doze anos depois da morte de Herodes, o Grande. Não há

nada dos reis magos, da matança dos inocentes, etc. Quanto à fuga ao Egito, não nos diz

nenhuma palavra disso. Simplesmente que “o menino (Jesus) crescia e se robustecia no espírito e

vivia nos desertos até o dia de sua manifestação ao Israel” (op. cit., 1, 80). Logo voltamos

imediatamente para episódio do censo, o que é de todo incoerente, assistimos a seu exame

catequístico pelos doutores da Lei, passa-se rapidamente sobre sua infância e nos encontramos,

também aqui, frente ao batismo de Jesus, sem que nos tenha contado nada de sua adolescência

ou de sua juventude.

Passemos ao Marcos. Aqui, quão mesmo em João, encontramo-nos bruscamente em

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presença de um Jesus que vai da Galiléia à Judéia para fazer-se batizar pelo João, o Batista.

Como se trata de um “batismo de penitência em remissão dos pecados” (Lucas, 3,3), terá que

supor que Jesus não tinha a consciência tranqüila e que tinha pecados a perdoar. Mas de

nascimento milagroso, dos reis magos, da matança dos inocentes, da fuga ao Egito, Marcos não

sabe nada, ou ao menos não nos informa nada.

Fica Mateus. Ele é quem nos conta tudo concernente à maravilhosa fecundação de Maria,

o milagroso natal, o episódio dos reis magos, a matança dos inocentes, a fuga ao Egito, etc. Mas,

não obstante, faz nascer ao Jesus no ano 6 antes de nossa era, em vida ainda de Herodes O

Jesus do Mateus conta, pois, doze anos quando o do Lucas nasce! Isto não tem importância, o

problema não é de uma só incoerência. Mas depois da fuga ao Egito, também Mateus nos põe em

presença de um Jesus adulto, que acode ao João para que lhe batize.

Assim, nenhum evangelista canônico nos diz o que fez Jesus desde sua primeira infância

até sua maturidade (trinta anos, segundo uns, e cinqüenta segundo São Irineu). Ignoramos a sorte

da santa família durante os pesados e perigosos anos nos que aconteceram as indomáveis

revoluções judias e as implacáveis repressões romanas. Agora sabemos o porquê desse silêncio,

tendo em conta o que Flavio Josefo nos dá a entender, comparado cuidadosamente com Tácito.

Da juventude guerreira de Jesus vale mais não dizer uma palavra.

23-Jesus-Barrabás

A verdade é sempre estranha, mais estranha que a ficção ...

LORDE BYRON, Dom João, XIV

Os evangelhos canônicos nos contam o episódio da substituição de Jesus por um

amotinador que fora encarcerado por um assassinato que cometera no curso de uma rebelião, e

que por tal motivo também ele fora condenado à crucificação.

“Era costume que o procurador, com ocasião da festa, desse à multidão a liberdade de um

detento, que pedissem. Havia então um prisioneiro famoso chamado Barrabás. Estando, pois,

reunidos, disse-lhes Pilatos: ‘A quem querem que lhes solte? A Barrabás ou ao Jesus, o chamado

Messias? Pois sabia que por inveja o entregaram. (...) Eles responderam: ‘Ao Barrabás!’...”

(Mateus, 27, 15-18, 21).

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Alguns detalhes complementares, inclusive com algumas diferenças muito ligeiras,

podemos encontrá-los no Marcos (15, 6 a 15), no Lucas (23, 17-19), e no João (18, 39-40). Mas

nenhum versículo contribui com contradição alguma a breve narração feita pelo Mateus.

Os manuscritos iniciais que possuímos (e que, recordemo-lo, remontam-se todos ao século

IV, como mínimo) transcrevem esse nome de quatro maneiras diferentes: Varaba, Barabas,

Barrabás e Bar-Rabban.

Desde onde estas diversas significações:

1 – Bar-rabba ................. Filho do doutor

2 – Bar-rabban ............... Filho de nosso doutor

3 – Bar-Abba .................. Filho do Pai

4 – Bar-Abban ................ Filho de nosso Pai

5 – Bar-Abba .................. Filho de Abba

Observaremos, antes que nada, que não se sabe nenhuma outra coisa deste nome, salvo

que, segundo Mateus, era um prisioneiro famoso, segundo Marcos um sedicioso que cometera

um assassinato durante um motim, Lucas precisa que esse assassinato fora cometido “na cidade”,

quer dizer, em Jesus, e João se limita a qualificar de bandido, termo que, com o de “galileu”,

designava então aos insurretos zelotes em geral.

O nome próprio de Jesus, que Orígenes afirma que era o de Barrabás, vem testemunhado

por alguns dos manuscritos mais antigos, como:

a) o Codex Korideth (séculos VII-IX);

b) o Groupe do Minuscules, publicado pelo K. Lake em 1902;

c) o palimpsesto do monastério de Santa Catalina no Monte Sinaí, encontrado pelo Lewis e

Gibson, e que se remontaria ao século IV.

Como observa muito acertadamente R.P. Lucien Deiss em sua obra Synopse des

Evangiles, é impossível imaginar que ninguém se atreveu a inventar, ulteriormente, semelhante

identidade de nomes próprios. Quanto mais que o grande Orígenes, que morreu no ano 254,

assegurou, como já dissemos antes, que tal nome figurava em certos manuscritos que obravam

em seu poder, com o que deste modo nos contribui a prova de que, já no século III, existiam

documentos mais antigos que os três que aqui citamos, e que aplicavam o nome de Jesus a esse

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misterioso Barrabás.

Daniel-Rops, examinando essa possibilidade de proceder à substituição legal de um

condenado por outro por ocasião da Páscoa judia, diz o seguinte no Jesus em seu tempo:

“discutiu-se muito sobre esse direito de graça que o povo podia reclamar, e que o procurador,

segundo o evangelho, teria possuído. A graça era, em Israel, muito estranha; os reis não

dispunham dela, e em troca tinham o poder de aumentar uma pena que eles julgassem

insuficiente. E, com efeito, a remissão das penas não é conciliável com o princípio mesmo da lei

mosaica, que vê na falta uma ofensa a Deus. Em Roma só podia apelar-se aos Comícios em

caso de sentença capital, mas não se vê que o povo tomase a iniciativa de pedir a graça sem

petição prévia do condenado. Agora bem, um papiro que data do ano 86 ou 88 de nossa era

confirmou o episódio evangélico ao mostrar a um prefeito do Egito perdoando a um culpado “por

causa da multidão”. O fundamento jurídico do ato de graça importa pouco, tanto se se trata de

uma forma da abolitio, anistia que os imperadores promulgavam por ocasião de suas vitórias ou

de certas festas, como de uma indulgentia, direito de graça que estava na mão da pessoa do

imperador, e que este fizesse extensivo a seu representante. Neste caso parece que se tratou

de uma medida excepcional, resultante de uns hábitos locais dos quais nós não estamos

informados...” (Cf. Daniel-Rops, Jésus et su temps, X, “O processo de Jesus”).

Toda esta longa exposição, verbosa e vaga, em realidade está destinada exclusivamente a

nos fazer admitir uma inverossimilhança histórica, e vamos demonstrar o porque, em suas obras,

Flavio Josefo não faz alusão nenhuma só vez a semelhante costume, ele que era tão prolixo no

que concernia às tradições judias.

E, em primeiro lugar por que Daniel-Rops não nos dá as referências exatas desse papiro?

Pois simplesmente porque não lhe poderia alegar como argumento em apoio da substituição de

Jesus por Barrabás, e nosso autor não quer que o leitor possa lhe contradizer seu falacioso

argumento.

É que tal documento não é outro que o papiro de Florência nº 50, que data do ano 85 de

nossa era, e que nos proporciona um exemplo de graça concedida a um acusado por um

magistrado romano a pedido da multidão. Contém, com efeito, o processo verbal de um

julgamento ditado pelo G. Septimius Vegetus, governador do Egito, em favor de um tal Fibion,

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quem, por sua própria autoridade, e estimando-se acima da lei, tinha encarcerado a um homem

honorável e a sua esposa, que eram seus devedores. E o governador declarou então: “Mereceria

ser flagelado! Mas te entregarei ao povo” (Cf. A. Deissmann; Licht vom Osten, de Neue Testament

und die neu entdeckten Texte der hellenistisch-römischen Welt, Tubinga, 1908, pp. 193-194).

É óbvio que o chamado Fibion merecia a flagelação legal por tal crime de seqüestro

arbitrário, mas se era civis romanus era impossível, já que a lex Valeria do ano 509 antes de

nossa era proibia golpear a um cidadão romano sem uma decisão popular prévia e decisiva, e a

lex Porcia, do ano 248, também de antes de nossa era, proibia fazer uso em nenhum caso dos

açoites lictoriais.

A sentença do governador Septimius Vegetus, que declarava ter em conta a decisão

popular, aplicava aqui, portanto, a lex Valeria do ano 509 a.C., e isso demonstra irrefutavelmente

que o tal Fibion era um civis romanus, coisa que a audácia de seu ato já fazia presumir.

Neste caso o episódio em questão não pode, pois, levar-se em conta para justificar a

chamada de Pilatos solicitando a opinião do povo judeu, pois é evidente que Jesus não é cidadão

romano, e muito mais tarde, o imperador Juliano, em sua carta ao Cirilo, bispo de Alexandria e

antigo seu condiscípulo nas escolas de Atenas, declararia que: “O homem que foi crucificado pelo

Pôncio Pilatos era servo de César, e vamos demonstrar...” (Cf. Cirilo da Alexandria, Contra

Julianum).

De fato, o termo exato era escravo de César (servur caesaris), alusão ao provável

nascimento de Jesus em Séforis e à deportação da população de tal cidade pelo Varus. Mas

voltemos para problema da autenticidade de tal substituição.

O Dictionnaire da Bible, do F. Vigouroux, sacerdote de Saint-Sulpice (tomo I, 2ª. Parte,

1926, Letouzey & Ané, Imprimatur inicial de 26 de outubro de 1891), diz-nos o seguinte: “Esse

costume de dar a liberdade a um prisioneiro por ocasião das festas da Páscoa não aparece

mencionada em nenhuma outra parte, nem nas Sagradas Escrituras nem no Talmud (...)

Costumes similares existiam entre os romanos durante os dias das Lectisternes, e entre os gregos

durante as solenidades do Bacchus Eleuthereus”.

Entre os gregos, Baco era o mesmo deus que Dionisos, quem levava o apelido de

liberador (liber), dado que a embriaguez possui, com efeito, o dom de liberar das preocupações e

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de exagerar as paixões habitualmente refreadas.

Quanto às Lectisternes, tratava-se de uma cerimônia propiciatória decidida em um período

de grandes calamidades públicas, e celebrada em Roma e nas grandes cidades do Império para

obter o afastamento de tais provas. Aquele dia se oferecia um banquete ritual aos principais

deuses de Roma, suas efígies apareciam reclinadas sobre leitos para comer na mesma sala em

que se desenvolvia esse autêntico “jantar dos Invisíveis”. Daí o furor de Saulo-Paulo ante a

participação de seus discípulos nesses ágapes tipicamente pagãos: “Porque se algum vir , que

tem ciência, sentado à mesa em um santuário de ídolos, na fraqueza de sua consciência, não se

acreditará induzido a comer as carnes sacrificadas aos ídolos?...”. (Cf. I Epístola aos Corintios, 8,

10).

Tendo em conta o que precede, fica excluída a possibilidade de que semelhante festa

pudesse jamais haver-se celebrado na cidade Santa de Jerusalém, e menos ainda no Templo

aonde residia a Shekinah, “a Presença divina”. Isso suscitaria tais sublevações por parte dos

judeus, que a nenhum procurador romano lhe passasse nem sequer pela cabeça tal idéia.

Recorde-se que Pilatos, depois de penetrar de noite na cidadela Antonia, em Jerusalém, as

insígnias das legiões (que não terá que confundir com suas águias) que foram a acampar ali, teve

que as fazer sair do lugar ante a iminente rebelião, já que os sucessivos imperadores deram

ordem de respeitar na Judéia os princípios religiosos da população.

Pois bem, as insígnias legionárias ostentavam, ou o busto dos imperadores, ou símbolos

animais: andorinha, javali, águia, etc. além disso, nos acampamentos lhes rendia um culto público.

Coisas, todas elas, que a lei de Moisés reprovava.

Por outra parte, se em Roma podia exercer o direito da graça, isto tinha que acontecer

antes de ser pronunciada a sentença. Depois, não era costume desmenti-la, pois isso

comprometeria a falibilidade da Justiça. Não ficava, pois, ao condenado mais que a sorte de

encontrar-se pelo caminho para sua execução a uma vestal (estas possuíam o privilégio de

conceder a graça ipso facto a todo condenado com o que se cruzassem pelo caminho), ou

recorrer a indulgentia imperial. Por isso Suetonio nos conta que Nero, a quem horrorizava o

derramamento de sangue, um dia, ao princípio de seu reinado, no momento de referendar a

condenação a morte de um criminoso notório, deixou o “estilo” com o que se dispunha a assinar e

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murmurou abatido: “Ai! por que me ensinariam a escrever?...” (Cf. Suetonio, Vida dos Doze

Césares, Nero, 10). E Tácito observaria, além disso, que: “Quando não pode evitar uma

condenação, adiava tanto, que o acusado tem tempo de morrer de velho...” (Cf. Tácito, Annales,

XVIII, 33).

Tudo isso demonstra claramente que, uma vez pronunciada a sentença, não se

acostumava a modificá-la.

Fica o conceito de graça judicial no Israel antigo. Este não existia ali absolutamente, e

unicamente umas revelações novas podiam justificar a suspensão provisória de uma sentença

capital, e eventualmente uma revisão. Esse caráter definitivo da condenação fora precisado pelo

profeta Isaías:

Se se fizer graça ao ímpio, ele não aprende a justiça;

na terra corrompe a retidão,

não repara na majestade de Yavé ...

(Isaías, 26, 10)

Desde onde a hostilidade geral dos Mestres da Torah ante a pena de morte, porque é um

castigo irreversível. Estava acostumado a afirmar-se que um Sanedrín que pronunciasse onze

condenações de morte em sete anos era uma assembléia de assassinos. E Rabbi Eleazar-Ben-

Azaria chegava ainda mais longe: para sua escola, onze condenações à pena capital em setenta

anos justificavam já esse apelativo de “tribunal assassino”. Outros, como Rabbi Tarphon e Rabbi

Akiba eram contrários totalmente à pena de morte (cf. Talmud, IV, Nezikim, 5 Makkoth).

Quer dizer, que toda essa história de uma substituição legal de um culpado por outro, de

um condenado a morte por assassinato no curso de uma revolta, perdoado contrariamente à

todos os costumes, tanto judias como romanas, por um procurador tão rude e desumano como

parece que estava acostumado a ser Pôncio Pilatos, toda essa história não constitui a não ser

uma mentira mais dos escribas anônimos dos séculos IV e V, anti-semitas patentes e aduladores

interessados dos novos imperadores cristãos. Não obstante, ainda fica por ver outra misteriosa

substituição, problema que logo vamos abordar.

Porque, que prisioneiro famoso podia ter sido encarcerado por aqueles dias, além de

Jesus? Ninguém conhece Barrabás, fora dos textos evangélicos do século IV. Flavio Josefo, o

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Talmud de Babilônia, o Talmud de Jerusalém, todos ignoram dito personagem. Eusebio da

Cesaréia (falecido no ano 340), ao redigir sua História eclesiástica, uma obra enorme, não

conhece Barrabás. Sim que cita a um tal Agapios, quem figurava entre os mártires da Palestina no

curso da perseguição dos anos 306-307, e a quem a graça imperial preferiu frente a um escravo

obscuro que tinha assassinado a seu amo. E o texto nos diz que foi “julgado digno de piedade e

benevolência, quase da mesma maneira que o famoso Barrabás em tempos do Salvador...” (Cf.

op. cit., Des martyribus Palestinae, VI, 5). Mas existem duas resenhas diferentes desse texto, uma

curta e uma longa, a primeira em grego, a segunda em siríaco. “As relações entre as duas

resenhas são difíceis de determinar...”, diz-nos o P. Mondésert, S.J., e é evidente. Não estamos

absolutamente convencidos de que todo o conjunto proceda do Eusebio da Cesaréia. Porque só

nesse texto indeciso aparece uma alusão à Barrabás, e isso é algo muito surpreendente, tendo

em conta a importância do resto de sua obra, onde não faltaram as ocasiões para podê-lo citar.

Para nós, Jesus e Jesus-Barrabás não são a não ser a mesma pessoa, e essa substituição

não se imaginou até muito mais tarde, para fazer desaparecer o papel de outro misterioso bloco.

Nós citamos ao Simão de Cirene, quem substituiu em realidade ao Jesus e foi crucificado em seu

lugar, seis semanas antes da Páscoa, e a morte, desta vez bem real, deste último.

Quando o leitor chegar ao próximo capítulo, intitulado O crime do Templo, poderá constatar

que o “bandoleiro famoso, autor de um assassinato no curso de uma rebelião na cidade” não pôde

ser outro que Jesus, pois não havia nenhum mais.

24- O crime do Templo

Há homens nos que a vergonha se ceva além

da tumba é o primeiro autor da superstição judaica ...

FABIUS QUINTILIANUS, De institutione oratoria

Nos textos evangélicos aparece citado um documento que expõe todo o problema

referente à autenticidade do relato tradicional sobre a crucificação de Jesus. Trata-se do texto da

sentença abreviada que figurava sobre a cruz, e que se atribui ao próprio Pilatos. Coisa em si já

bastante duvidosa, pois dificilmente imaginamos ao procurador de Roma na Judéia fazendo o

trabalho dos auxiliarii e aplicando-se, inclusive de ser necessário com a língua fora, em riscar

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sobre uma prancha de madeira o motivo da condenação de um rebelde judeu, no que concorria

além disso o agravante de ser também um bandoleiro. Para este fim tinha a seus escribas, e seria

um deles o que se ocuparia do titulus legal.

A inautenticidade de tal texto vem sublinhada pelo fato de que os evangelhos sinóticos e o

do João não estão totalmente de acordo sobre ele. Vejamos as variantes:

- Mateus: “Eis aqui ao rei dos judeus” (27, 37),

- Marcos: “O rei dos judeus” (15, 27),

- Lucas: “Este é o rei dos judeus” (23, 38,

- João: “Jesus de Nazaré, rei dos judeus” (19, 19).

Os evangelhos iniciais que chegaram até nós estão redigidos em grego. Não é preciso ser

um grande letrado para compreender que, traduzidas ao latim, é impossível que essas quatro

inscrições diferentes dêem invariavelmente “I.N.R.I.”.

Mas foi esse o texto que figurou na cabeça da cruz de Jesus? Isso é algo perfeitamente

duvidoso, porque:

- não é possível que Pilatos dissesse que Jesus era originário de Nazaré, já que tal localidade

não existia naquela época, pois a criaram (trocando de nome a um lugar dado, para satisfazer

aos peregrinos iluminados) para o século VIII. O texto latino da Vulgata de São Jerônimo, texto

oficial da igreja católica, tampouco o diz. Qualifica ao Jesus de nazareus, quer dizer, de

nazareno, ou, o que é o mesmo, “consagrado ao Senhor”, em hebreu nazir. As leis do

nazareato estão precisadas no Livro dos Números (6, 2);

- Por outra parte, Pilatos não pôde dar este qualificativo ao Jesus, já que:

a) evidentemente, este não era um motivo de condenação aos olhos da lei romana, era algo

que não lhe podia reprovar ao Jesus;

b) Jesus jamais foi nazareno, ou não o era desde fazia já bastante tempo, porque tal

consagração lhe proibia beber vinho, comer carne, aproximar-se das pessoas ritualmente

impuras aos olhos da lei judia, e, sobretudo, aproximar-se de um cadáver ou tocá-lo.

Coisas todas elas das que ele nunca se privou. Pelos citados motivos, e com perdão dos

místicos mais heterodoxos, Jesus não foi jamais nazareno no curso de sua vida pública.

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Por conseguinte, se não podia ter sido originário de Nazaré, se não era nazareno, o texto

da condenação atribuído ao Pilatos é, pois, um texto mendaz. Os escribas anônimos dos séculos

IV e V, ao redigir, por ordem, uns evangelhos oportunistas, colocaram este texto em substituição

de um titulus real, mas infamante, que justificava o que Jesus tivesse sido crucificado cabeça

acima, como os malfeitores e os escravos, e não cabeça abaixo, como acontecia com os

rebeldes, o que tivesse sido seu caso se só lhe tivesse acusado de qualificar-se de “rei dos

judeus”.

Também é provável que a pancarta que acompanhava a toda execução na cruz tivesse ido

primeiro pendurada do pescoço do condenado, quem a levaria assim do lugar de sua detenção ao

de sua execução. Seus braços estariam então estendidos lateralmente e atados à madeira

transversal, que repousava sobre sua nuca à maneira de um jugo. Isso era tudo o que levava o

condenado, já que o poste vertical de tal cruz permanecia fincado no chão, na convocação

habitual das crucificações.

Esta formalidade legal justificava o que se dissesse que o desgraçado “levou sua cruz”,

como precisam os autores antigos (Séneca, Cicerón, Plutarco, etc.), mas é que se tinha em conta

que era impossível que o condenado carregasse com a totalidade, que representava um peso de

uns setenta quilogramas, às vezes depois inclusive de uma terrível flagelação que minava suas

últimas forças (a maioria das vezes, e com o fim de evitar tal risco, esta flagelação lhe infligia no

lugar mesmo da crucificação).

Essa travessa ao que estavam atados os braços do futuro crucificado impedia, além disso,

qualquer intento de evasão, já que não permitia uma fuga rápida pelas estreitas ruelas

transversais, embora lhe facilitasse tal fuga, e lhe dificultava deste modo o procurar refúgio em

alguma moradia amiga, dado que a abertura da porta não permitia uma penetração fácil. Além

disso, expor ao condenado às injúrias, bofetadas, escarros, pedradas e projeção de imundícies

por parte de seus adversários da véspera; e o mundo antigo não sabia o que era a piedade.

Voltando para os verdadeiros motivos da condenação de Jesus, é evidente que estes

foram muito numerosos. Está, sem dúvida, o fato de que se dissesse “rei dos judeus”, coisa que

se acrescenta às atividades zelotes e a seus habituais atos de violência, aos pagamentos de um

dízimo muito parecido a nosso moderno racket, e inclusive ao banditismo puro e simples. Não

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condenemos aos zelotes sem compreendê-los. Um guerrilheiro come também ao menos uma vez

ao dia, e o dinheiro foi sempre o nervo da guerra. E aqui vamos por fim a abordar o estudo desse

famoso crime, cometido no curso de uma rebelião pelo misterioso Jesus-Barrabás, “bandoleiro

famoso”, encarcerado com outros sediciosos (cf. Marcos, 15, 7).

Agora sabemos (veja o capítulo anterior) que Jesus e Barrabás são um mesmo

personagem. Não percamos, pois, nosso tempo epilogando de novo este problema.

Quando nosso chefe zelote faz sua entrada triunfal em Jerusalém, o famoso dia chamado

“de Ramos”, montado sobre um asno que caminhava ao lado de sua mãe asna, o fato nos parece

já suspeito. Com efeito, a fim de não manchar a cidade Santa, cavalos, asnos, cães, cordeiros,

cabras, etc., não podiam circular por dentro dela. Não esqueçamos que o verdadeiro nome da

cidade se mantinha em segredo, e não se podia pronunciar: Kedesha, “a Santa”. Se dizia

simplesmente Ierushalaim (Jerusalém), do mesmo modo que se dizia Adonai (Senhor), em lugar

do nome impronunciável do Iaweh, que era o tetragrama divino.

Portanto, os animais destinados ao sacrifício penetravam na cidade pela porta do Norte,

passavam por diante da cidadela Antonia e chegavam assim rapidamente ao recinto de espera do

interior do Templo. Mas passemos por cima esses enganos de nossos copistas, e vejamos como

os jovens judeus aclamavam ao Jesus como o esperado libertador:

“Hosanna ao filho do David! Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosanna nas alturas! ...”

(Cf. Mateus, 21, 9). O escriba se confunde com aleluia ...

Porque hosanna não significa, nem muito menos, “louvado seja”, a não ser “nos libere”, o

que implica que nossos jovens pertenciam, ao menos ideologicamente, à corrente dos zelotes. E

isso demonstra que o chamado episódio foi manipulado.

Então dispuseram diante de Jesus, pelo caminho, e à medida que ele avançava,

inumeráveis vestimentas, e as multidões cortavam ramos de Palmas e de árvores diversos e as

dispunham a seu passo. Não é difícil imaginar que todo esse grupo que acompanhava ao Jesus e

que, desde Jericó, recebia a parte de aclamações entusiastas que lhe correspondia, estava

composto por partidários da resistência judia contra Roma. Eram militantes zelotes...

Transcorreram alguns dias. Jesus fora detido, e outra multidão (mas, que não era a

mesma...) reclamou apaixonadamente ao procurador romano que lhe dessem morte, por blasfemo

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e sacrílego.

O que era, então, o que tinha acontecido? A que veio semelhante mudança de atitude?

Daniel-Rops, em Jesus em seu tempo, atribui-o à variabilidade popular. Isto poderia ser

certo no caso de uma multidão corrente, mas não no de uma massa de seguidores com os olhos

fixos -e com que violência!- em uma ideologia muito precisa, elaborada dotrinalmente. Voltemos,

pois, aos evangelistas...

“(Jesus) Estando sentado em frente do gazolifácio, observava como a multidão ia jogando

moedas no tesouro, e muitos ricos jogavam muitas... (Cf. Marcos, 12, 41).

E não ignora a existência do famoso “tesouro do Templo”, o Korban, alimentado tanto

pelas doações como pelos depósitos provisórios, já que numerosos judeus ricos preferiam confiar

sua fortuna a essa cidadela religiosa, antes que perdê-la em sua moradia em mãos de malfeitores.

Além disso, o Templo abrigava o arsenal dos levitas encarregados de sua defesa e da polícia de

seus recintos: arcos, flechas, lanças, escudos, espadas, fundas, etc., tudo estava ali. E terá que

reconhecer que o dinheiro e as armas constituem a riqueza essencial de todo movimento

revolucionário.

Indubitavelmente, nos dizem com freqüência que do que se tratava era de expulsar o

mercantilismo dos “mercados do Templo”. Mas por que atacou Jesus igualmente aos

desafortunados peregrinos que, ao chegar a Jerusalém e ver-se objeto de tal violência, não

entenderam absolutamente nada? Porque isso é o que aconteceu, se dermos crédito aos

evangelhos:

“Entrou Jesus no Templo e arrojou dali a quantos vendiam e compravam nele, e derrubou as

mesas dos cambistas e os assentos dos vendedores de pombas...” (Mateus, 21, 12; Marcos,

11, 15; Lucas, 19, 45; João, 2, 13-17).

De fato, tudo estava já preparado, minuciosamente, com antecedência. Jesus não atirou

ele sozinho todas as bancas dos cambistas e derrubou a todos os mercados que esperavam, na

sala de espera, a venda de seus animais. Porque não era dentro do Templo onde estavam

expostos os animais, pois semelhante coisa era impensável. Além disso, não podiam prescindir

desses fornecedores, porque sem eles, sem suas vendas, faziam-se impossíveis as oferendas de

sacrifícios. E se não se tratava mais que de reprimir esses sacrifícios, não era necessário agredir

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a esses desgraçados peregrinos que não deveram compreender nada de tal escândalo. Fazia

séculos e séculos que a Lei judia era assim, e se terei que modificá-la, o certo é que não tinha que

sê-lo entregando-se a semelhantes atos de violência.

Assim, esta briga fora organizada de antemão. E se desencadeou depois de umas

palavras de Jesus. A gente pode perguntar-se, tendo em conta tudo o que antecede, se todo o

dinheiro assim dispersado pelo chão, essas peças de ouro e prata rodando a centenas daqui para

lá, foram recuperadas a seguir por seus proprietários legítimos. Porque sabemos que o

“tesoureiro” era um tal Judas Iscariotes (João, 13, 29), que roubava na bolsa quanto se metia nela

(João, 12, 6), porque “era ladrão” (id.), e mais tendo em conta que seu nome significa “homem

criminal”. E apesar de todos esses inconvenientes, Jesus o conserva como tesoureiro.

Assombroso! Nesse ataque ao Templo, nesse escândalo, o leitor reconhecerá facilmente a

técnica habitual dos trapaceiros modernos, extorquindo aos proprietários dos salões noturnos, ou

saqueando seus estabelecimentos se se mostrarem recalcitrantes. Não há nada novo sob o sol.

Entretanto, é provável que o estrategista do Templo que estava ao mando da tropa levítica,

avisado dessa revolta a mão armada, enviasse imediatamente um destacamento armado para

restabelecer a ordem. E que, paralelamente, da próxima cidadela Antonia, que dominava o

Templo, a centúria legionária “de dia”, alertada por suas vigias, fosse a cortar a retirada ao Jesus

e a seus homens. E seria assim como nosso Barrabás e alguns de seus cúmplices cairiam em

mãos dos romanos, e se veriam encarcerados por homicídio cometido no curso de uma revolta,

na cidade (cf. Marcos, 15, 7). Assim, chegamos já à medula do problema que evoca o título deste

capítulo.

O grupo de exaltados e de homens dispostos a tudo que invadiu o Templo seguindo ao

Jesus ia armado com clavas, as armas elementares e clássicas de todo o mundo árabe sempre. O

próprio termo vem dessa língua: matrak, com o mesmo significado.

Com toda probabilidade foram armados deste modo com a sicca, essa adaga grande e

curva que lhes deu nome (sicarii).

Vejamos os textos dos evangelhos:

Mateus: “... outros, cortando ramos de árvores, estendiam-nas no meio-fio...” (op. cit., 21, 8).

Marcos: “... outros cortavam folhagem dos campos...” (op. cit., 11, 8).

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Lucas: este autor não fala de ramos, a não ser só das vestimentas estendidas sobre o caminho.

João: este nos apresenta outra versão, indubitavelmente muito mais verídica: “Ao dia seguinte, a

numerosa multidão que tinha vindo à festa, tendo ouvido que Jesus chegava a Jerusalém,

tomaram Ramos de palmeira e saíram a seu encontro gritando: Hosanna!” (Op. cit., 12, 12-13).

Não era questão de cobrir o caminho do Jericó a Jerusalém, já de por si bastante

rudimentar, com ramos de árvores, que não teriam feito a não ser entorpecer a marcha do jovem

asno sobre o que avançava Jesus. Mas na mão de seus seguidores constituíam perfeitamente

umas armas improvisadas, porque do sul de Marrocos, em país bereber, até o sul da Tunicia, e

em todo o Oriente Médio, a arma mais estendida é um ramo de palmeira, despojada de suas

folhas, e que se apresenta sob o aspecto de uma clava cujo extremo grosso pode medir de cinco

a seis dedos de largura, e a extremidade menor, a que se conserva na mão, uns dois dedos. A

flexibilidade de semelhante pau, que recorda um pouco a forma do pen-baz bretão, ou inclusive do

makila basco, faz dele uma temível arma contundente.

Agora bem, o texto inicial do João (2, 15) emprega o termo skoinion, que significa sogas,

para designar o molho de cordas com que Jesus teria golpeado àqueles “que compravam e que

vendiam”.

Se observarmos que em grego se utiliza skoidion para traduzir um ramo de árvore, é

evidente que alguém pode perguntar-se se sob o raspador perito e prudente dos ardilosos

escribas anônimos do século IV, a delta de skoidion não se converteria na inocente NY de

skoinion. Porque basta fazendo a parte superior da delta para obter uma NY muito

apresentável. Em uma palavra, Jesus teria ido armado também ele, igual a seus seguidores,

não de um simples molho de cordas recolhido sobre o terreno, mas sim de um ramo de árvore,

de uma clava, atalho e preparado com vistas a esta manifestação no seio do Templo.

Recordemos algumas de suas palavras: “E quanto àqueles inimigos meus que não quiseram

que eu reinasse sobre eles, tragam-me isso para cá e degolem em minha presença! E dito isto,

seguiu adiante, subindo para Jerusalém...” (Lucas, 19, 27-28).

“Eu vim jogar fogo na terra, e o que tenho que querer mas sim se acenda?...” (Lucas, 12,

49).

“Porque vim a separa ao homem contra seu pai, e à filha contra sua mãe, e à nora contra

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sua sogra, e os inimigos do homem serão os de sua casa...” (Mateus, 10, 35-36).

“Não pensem que vim a pôr paz sobre a terra; não vim pôr paz, a não ser espada...”

(Mateus, 10, 34).

“E quem não tenha espada, venda seu manto e compre uma...” (Lucas, 22, 36).

E isto é algo que desagradará a certos admiradores do famoso Sermão da montanha que

se limitam prudentemente aos versículos 20 a 23 do capítulo 6 do Lucas, omitindo, por prudência

e astúcia, as maldições que compõem, imediatamente depois, os versículos 24 a 26. Porque terá

que fazer desaparecer todo rastro de Jesus zelote, que amaldiçoava violentamente a seus

inimigos.

Voltemos agora para episódio do Templo. Jesus propinou golpes de clava a inimigos e a

mercados com os que se aprovisionavam. Teve mortos e feridos, em proporção ao número de

agressores e de vítimas. E esse seria o “crime” que lhe faria perder Jesus grande número de

partidários, que inclusive às vezes chegaram a somar-se ao número de seus adversários. Porque,

voltemo-lo para dizer, o grito de hosanna que clamam os jovens judeus a sua chegada à Porta

Dourada, procedente de Jericó, significa “nos libere...” em hebreu. O que todos esperam, por

conseguinte, é que Jesus os leve a assalto da cidadela Antonia, onde se acha entrincheirada a

guarnição romana de Jerusalém, e que, mediante os prodígios anunciados, expulse aos odiados

ocupantes fora da Cidade Santa. Em lugar disso o que faz é levá-los a atacar a seus próprios

correligionários, tanto aos comerciantes habituais como aos piedosos peregrinos! E no próprio

recinto do Templo, o lugar mais sagrado de todos, o que constitui um sacrilégio mais!

Por pouco que nossos zelotes roubassem aos cambistas, ou inclusive fraturassem aquelas

escovas que tanto interessavam ao Jesus, essa juventude apaixonada, mas idealista, descobriu

que, em lugar de achar-se frente a um liberador, o que tinham era a um simples guerrilheiro que

atuava além como bandoleiro.

Porque esse assassinato atribuído ao hipotético Barrabás, mas que sem lugar a dúvida foi

obra de Jesus, encontra-se na filigrana de nossos manuscritos gregos. E aqui temos a

demonstração. Em Marcos (15, 7) nos diz que Barrabás está encarcerado por assassinato, e no

manuscrito grego inicial esse termo vem dado pelo nome de phonon, com o mesmo significado

(crime, assassinato). Três versículos mais longe nos inteiramos de que os chefes dos sacerdotes

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tinham entregue Jesus ao Pilatos por inveja, quer dizer, por phtonon no grego do manuscrito

inicial. Entre phonon, que significa assassinato, e phtonon, que significa inveja, há no grego

cursivo uma similitude bastante incômoda. Basta inserindo, depois da phi de phonon, uma simples

theta, e então se obtém phtonon, que significa inveja. E assim ficará apagado todo rastro do crime

sacrílego cometido por Jesus.

Começamos a compreender por que nossos documentos mais antigos do cristianismo nos

chegaram sempre, não em aramaico, a não ser em grego. Porque é uma língua cuja grafia se

dispõe à muitos acertos, como pode constatar-se pelo que segue: É evidente que esta

comparação é particularmente demonstrativa, já que o escândalo causado por essas pilhagens e

esses assassinatos foi tal, como verdadeiro sacrilégio que violava a Casa do Eterno, que Jesus

teve que fugir e ocultar-se na cidade durante perto de seis meses. Aqui temos a prova.

No tomo II de seu Synopse des quatre Evangiles, R.P. Boismard, recolhendo uma tese

sustentada tempo atrás pelo cardeal Jean Daniélou, estima que nós situamos a festa de Ramos

em uma data muito diferente da realidade histórica, ao colocá-la oito dias antes de Páscoa. De

fato, a entrada de Jesus sob as aclamações da juventude judia desenvolveu-se seis meses antes,

durante a festa dos Tabernáculos, quer dizer, no outono precedente. Vejamos o que tem tudo

isso.

Inicialmente, duas grandes festas marcavam o ano judeu: a da Primavera e a do Outono,

que se converteram uma na Páscoa judia (aniversário da saída do Egito), e a outra na festa das

Cabanas, ou festa das Colheitas de uvas, convertida em festa dos Tabernáculos. A primeira se

desenvolvia invariavelmente durante a lua cheia do mês de Nisan, a segunda durante os primeiros

dias do mês de Tischri.

A Socoth, aliás festa dos Tabernáculos, que se observava desde tempos muito remotos

como uma festa da Natureza, implicava que os israelitas viveram durante sete dias em tendas ou

em cabanas, chamadas mais tarde tabernáculos.

Passaremos por cima o ritual das cerimônias próprias de Socoth, para sublinhar seu

significado messiânico. E aqui citaremos ao cardeal Jean Daniélou em seu livro Os symboles

chrétiens primitifs: “A festa parece ter, efetivamente, uma relação muito especial com as

esperanças messiânicas. As origens dessa relação são obscuras. Mas parece que a festa dos

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Tabernáculos estaria ligada, ou com a festa anual da instauração real, ou, como pensa Kraus,

com a renovação da aliança com o rei davídico. Os restos desintegrados desta festa seriam os

que subsistiriam nas três grandes festas judias do Tischri: Rosh-há-Shana, Kippur, e Sukkoth.

Esta festa teria adquirido no judaísmo um caráter messiânico, quer dizer, que se relacionava com

a espera do vindouro rei. Aqui não se trata das primeiras origens da festa, que parecem ser uns

ritos sazonais, mas sim de uma transformação que sofrera na época real e que teria introduzido

nela elementos novos” (Op. cit., P. 11).

“Assim, para os judeus, a festividade dos Tabernáculos, onde cada um comia e bebia com sua

família em sua choça adornada com ramos variados, apareciam como uma prefiguração dos

gozos materiais no reino messiânico. As esperanças messiânicas alimentadas pela festa

podem nos explicar que esta desse ocasião a uma certa agitação política, e que os Padres da

Igreja punham aos cristãos especialmente em guarda contra ela” (Op. cit., P. 13).

Sublinhamos algumas frases que no livro de João Daniélou não aparecem sublinhadas, ao

menos voluntariamente. Nós já demonstramos que Jesus reconhecera ante Pilatos que

reivindicara a realeza de Israel, sem discussão possível, e que fora necessária sua captura para

que ele considerasse então que se equivocou e se visse na obrigação de situar essa dignidade

real no outro mundo. Agora provamos que participara de uma agitação política comemorativa da

instauração da realeza em Israel, e que nessa circunstância se deixou aclamar como rei liberador

e como soberano, já que aparece sublinhada sua qualidade de “filho de David”. Pois bem, ele não

desautorizou essas manifestações de entusiasmo, essas aclamações tão precisas, essa

qualidade de “liberador”, antes ao contrário, prestou-se a elas complacente, ao subir de Jericó à

Jerusalém encabeçando seus partidários, depois de mencionar que teria que degolar a todos

aqueles que não o queriam reconhecer como rei. (Cf. Lucas, 19, 11 a 27).

E então, como admitir nem por um momento que o procurador representante de Roma na

Judéia não se sentisse na obrigação de castigar severamente, fosse qual fosse a simpatia que ele

pudesse sentir para o Jesus? Isto, evidentemente, não demorou para chegar, já que o abade

Laurentin, resumindo o texto de P. Boismard, diz-nos no periódico O Figaro de 25 de maio de

1972:

“Quanto a sua entrada em Jerusalém (os Ramos) parece que teve lugar muito antes do que

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dizem os evangelistas, durante a festa dos Tabernáculos (par. 273., P. 333), de modo que

Jesus teria passado seus últimos dias em Jerusalém, não como um homem que ensinasse

ainda com êxito, mas sim como um proscrito que se oculta e que finalmente será traído e

entregue por um dos seus”.

Aqui devemos particularizar. A festa dos Tabernáculos desenvolve-se em setembro, e

Jesus morreu na Páscoa, quer dizer, em abril; portanto, encontrou-se proscrito durante seis

meses, e se viu obrigado a ocultar-se em Jerusalém, literalmente pego na armadilha, sem poder

sair dela durante todo este período. Se a gente recordar que Jesus se viu já na obrigação de fugir

quando estava em Fenícia, e que logo, reconhecido pela mulher cananéia (Mateus, 15, 21-24), e

não podendo “seguir oculto ali” (sic) (Marcos, 7, 24-25), teve que fugir de novo, e tentar despistar

à polícia romana lançada atrás dele, convirá que esta atitude resulta mais surpreendente em um

“Filho de Deus” vindo a oferecer-se em sacrifício para aplacar a cólera de seu Pai. O leitor mais

indulgente considerará então que o “Filho de Deus” não tinha muita pressa por assegurar a

salvação da humanidade, já que, durante todo esse tempo perdido, e segundo a dogmática cristã,

esta continuava condenando-se, dado que: “Os meninos que nascem e que morrem sem receber

o sacramento do batismo não podem salvar-se, já que para eles, e segundo a ordem estabelecida

por Deus na sociedade dos homens, não existe outro meio que este para incorporar-se à Jesus

Cristo e receber sua graça, sem a qual não existe salvação entre os filhos do Adão”. (Cf. Tomás

de Aquino, Suma teológica, LXVIII, 3).

Esse caráter temeroso do pseudo-sacrifício voluntário também está reconhecido em

Daniel-Rops, já que nos diz no Jesus em seu tempo:

“Ela explica também o deslocamento repentino de Jesus, desejoso de passar à soberania

mais benevolente do tetrarca Filipo, passando ao outro lado do rio (o Jordão) para não

permanecer mais tempo em poder de Antipas, o assassino de São João Batista” (Op. cit., P.

257, La mort du Précurseur). Veja-se o compreendemos! E também como tudo resulta mais

claro ao voltar-se mais humano...

Quanto ao lugar onde se oculta Jesus em Jerusalém durante seis longos meses depois do

ataque ao Templo (segundo opinião de Daniel-Rops e de numerosos exegetas, houve dois

ataques deste gênero), ignoramo-lo. É pouco provável que se refugiasse em uma moradia amiga,

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porque havia sempre a possibilidade de uma denúncia por parte de um vizinho hostil, ou a quem

lhe atraíra a recompensa oferecida. E uma fuga assim implicava um percurso bastante longo pela

cidade inflamada de rumores. É mais provável que Jesus fugisse para a porta Norte (veja o

capítulo 27), e saísse da cidade em direção ao que Flavio Josefo chama as “cavernas reais”. A

poucos passos da atual porta de Damasco, sob a escarpada rocha coroada pela muralha da

cidade, observa-se uma pequena porta fechada; ali haveria antigamente as pedreiras de Bezatha,

de onde se extraíram em diversas épocas os formosos blocos de pedra empregados nas

construções do Templo ou dos palácios asmoneos e herodianos. Essas pedreiras foram

inauguradas pelo rei Salomão. O arqueólogo Clément Ganneau descobriu, do mesmo modo, um

graffiti fenício naquele lugar. No exterior, o orifício de entrada desemboca no fosso antigo da

cidade.

Foi indubitavelmente nestes amplos subterrâneos onde tiveram lugar aquelas assembléias

secretas às quais fazem alusão os Salmos de Salomão, no curso das quais tinham lugar orgias

sexuais de formas rituais que implicavam uma sobrevivência dos cultos à Astarté e à Baal,

tomados provavelmente das longínquas tradicionais do tantrismo hindu. Remetemos ao leitor ao

capítulo 20.

É pouco provável que os zelotes não conhecessem a existência de tais pedreiras, quanto

mais se se tem em conta que a tia de Jesus, Maria II (aliás Mariamna II, aliás Cleopatra de

Jerusalém), não ignorava, como já vimos, essas mesmas tradições orgiásticas, posto que as

praticara no palácio de Herodes, o Grande.

E, quando chegou o momento, foi ali de onde Jesus foi aos domínios de Ierahmeel, nas

Oliveiras, retiro que seu sobrinho Judas Iscariotes revelou ao tribuno das coortes, governador da

Antonio e chefe de armas de Jerusalém (cf. Jesus ou o segredo mortal dos templários, página 274

e seguintes). Porque a lenda do jantar pascal em Jerusalém e logo, imediatamente depois, a

saída em direção às Oliveiras, é inverossímil. As portas da cidade estavam fechadas e vigiadas,

patrulha romanas percorriam as ruas, porque a Páscoa era um período de agitação messiânica; e,

por último, o Êxodo (12, 22) especifica-o de forma cortante: depois da comida pascal estava

proibido sair da moradia até a alvorada seguinte. Todo judeu encontrado de noite pela cidade,

seria suspeito e detido pelas patrulhas.

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25- A verdade sobre a Paixão

Que o juiz não empreste ouvidos aos vãos clamores da multidão. Com muita freqüência

deseja perdoar ao culpado e condenar ao inocente... DIOCLECIANO, Axiomas jurídicos

Quando se lê nos evangelhos sinóticos o relato da Paixão de Jesus, em especial tudo o

que tem relação com a montagem de escárnio que aconteceu à flagelação legal, quando se for

aos legionários romanos revestindo ao Jesus com uma clámide escarlate, provavelmente tirada

dentre as roupas velhas de seu quartel, logo lhe pondo na mão um cano, a modo de cetro irrisório,

e por último coroando-o com uma coroa de espinhos; surpreende constatar que, no evangelho de

Lucas, esta frase, que entretanto é impressionante, é totalmente ignorada por seu redator. Mas

Lucas, de quem a Igreja afirma que foi o autor de tal relato, ateve-se ao de seu Mestre, que foi o

apóstolo Paulo. Se este se achava em Jerusalém no ano 36 de nossa era, quando teve lugar a

lapidação de Estêvão, estudando a Thora aos pés de seu Mestre o rabban Gamaliel, devia

encontrar-se também nesta cidade no ano precedente, o 35, quando se produziu a morte de

Jesus. E, entretanto, não sabe nada dessa exibição de escárnio. Que estranho!

Para a maioria dos historiadores conformistas, a historicidade deste episódio não oferece

nenhuma dúvida. E Daniel-Rops, em Jesus em seu tempo, diz-nos o seguinte:

“Esse outro suplício, Pilatos não o tinha ordenado. Mas a multidão humana é feroz com os

vencidos, e o que pode esperar-se de uma soldadesca desenfreada? Esses soldados eram

sírios, beduínos, mandados possivelmente por alguns oficiais romanos. Entregava-lhes um

judeu que não devia valer muito, já que o governador o tinha mandado flagelar.

“Aqui é onde pode defender a hipótese de uma imitação de costumes mais ou menos

carnavalescos. Algum daqueles soldados poderia achar-se em alguma guarnição de

Alexandria ou da Mesopotâmia, e ser ali testemunha de uma festa de origem estrita que se

conhecia com o nome de Sacaea: escolhia-se um rei de pantomina que, durante dois ou três

dias podia permitir-lhe tudo, incluído o utilizar às concubinas reais, mas, ao final da festa, era

despojado de suas vestimentas reais, açoitado e enforcado.

“Em algumas legiões romanas, durante a festa das Saturnais, escolhia-se ao acaso um

soldado como “rei Saturno”, e, depois de inumeráveis episódios de desenfreados bacanais,

lhe dava morte”. (Cf. Daniel-Rops, Jesus em seu tempo, X).

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Observemos que para o próprio Daniel-Rops os elementos deste relato parecem incertos,

emprega o termo de hipótese, que pode defender-se, embora Pilatos não tivesse ordenado esse

inesperado suplemento da flagelação legal. Na opinião do abade Loisy, que foi professor de

hebreu no Institut Catholique de Paris, professor de Sagradas Escrituras, e logo professor de

história das religiões no Collège de France (1857-1940), tudo isto não se tem em pé:

“Não há nem necessidade de assinalar que semelhante procedimento se ajustava muito pouco

aos hábitos da justiça romana, ao caráter de Pilatos e à verossimilhança do caso! Para o

evangelista isso não era a não ser um meio de alargar o drama e de acentuar o crime dos

judeus”. (Cf. A. Loisy, O quatrième évangile, Jean, XIX, 2-5, comentário).

E é exato até não poder mais. O direito romano, que subsiste ainda em bom número de

nossos textos legislativos europeus, era absoluto. Não havia fantasia alguma na aplicação das

penas, tudo estava previsto, catalogado, considerado. Unicamente, coisa que Daniel-Rops ignora

ou finge ignorar, é que o costume pedia que todo acusado, fosse qual fosse sua classe social, no

momento de comparecer ante seus juízes, despojasse-se de suas vestimentas habituais e se

revestisse de outras ignominiosas, proporcionadas pela prisão. Isto se fazia com o fim de incitar

aos juízes à piedade, assim para refrear a altivez de certos detidos cuja origem ou riqueza podiam

voltar insolentes. Esse foi o caso de Jesus, e lhe fez despir, como a todo mundo. Porque, à volta

de casa de Herodes Antipas, vestem-lhe com as roupas “deslumbrantes” que este lhe fez ficar, em

lugar de suas vestimentas feitas de farrapos no curso do combate das Oliveiras. Pois bem, estas

roupagens, segundo os exegetas, consistiam em uma túnica branca, idêntica a que revestiam os

tribunos das coortes antes do combate, ou os candidatos que aspiravam em Roma a um elevado

cargo público. Em função de dito uso legal, despojou-se Jesus de suas aduladoras roupas e lhe

fazer vestir roupas infamantes. Coisa que se fez, mas muito antes do comparecimento ante o

procurador, e muito antes da flagelação que lhe seguiu. E essas roupagens a seguir lhe foram

restituídas legalmente, já que são estes mesmos, tecidos sem costura (João, 19, 23), e portanto

de máximo luxo, os que os soldados romanos que atuaram de verdugos jogaram às tais quando

teve lugar a crucificação. (op. Cit.) Tudo isto desmente o episódio da exibição de brincadeira. Não

era absolutamente legal, já que o direito romano não deixava nada à fantasia dos verdugos. O juiz

era o único que decidia sobre tal ou qual pena, o instante de sua aplicação, e o de sua suspensão.

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Fica essas aparentes referências históricas às quais se remete Daniel-Rops para justificar a

identificação de Jesus com um “rei de Carnaval”.

É real o fato de que, entre os escitas, houvesse soberanos efêmeros sacrificados tal como

se disse. Mas Roma não dominava aquelas regiões, já que rapidamente fizesse desaparecer

semelhantes sacrifícios humanos, ela que os tinha extirpado sem piedade nas Galias druídicas, e

em todos os lugares onde plantava as insígnias de suas legiões. Recordemos que ao pai de

Tertuliano, que era centurião legionário, um dia lhe encarregou como exactor mortis que fizesse

crucificar a todos os sacerdotes de Cartago culpados de ter prosseguido clandestinamente com os

sacrifícios humanos habituais dedicados ao deus Moloch.

O fato de que as legiões romanas designasse, durante a festa das Saturnais, um deus

efêmero para o tempo que durasse a festa, não implicava que seus camaradas tivessem o direito

de sacrificá-lo a seguir. É preciso não conhecer absolutamente nada da implacável disciplina

existente naquelas regiões, para admitir, embora só seja um instante, a hipótese de tal crime

ritual, assim tolerado pelos tribunos das coortes e seus centuriões. Durante as Saturnais, em

Roma (primeiro durante um dia, logo durante três, mais tarde quatro, logo cinco e por último sete

dias), ficava perturbado o ritmo habitual da sociedade, os escravos recebiam o mesmo trato que

os amos, e alguns inclusive chegavam a abusar disso, sem que a seguir lhes pudesse castigar.

Por conseguinte, como imaginar semelhantes assassinatos no seio das legiões romanas? É

indubitável que em Roma havia também um Saturnalicius princeps, análogo ao “rei Saturno” dos

soldados, que encabeçava todas essas licenciosidades um pouco à maneira do rei Carnaval da

cidade de Niza. Mas nem ali nem em Roma se dava morte a ser humano algum. E é preciso

remontar-se às épocas mais longínquas para encontrar nos velhos cultos mediterrâneos o

sacrifício desse efêmero soberano, suposta encarnação do deus, cujo sangue derramado

asseguraria a fertilidade da Terra.

Por certo que Tácito nos conta que Nero, quando era ainda um adolescente, foi designado

pela sorte como “rei Saturno” no curso dessas mesmas festas Saturnais, e é evidente que a

ninguém lhe ocorreu a idéia de sacrificá-lo. (cf. Tácito, Annales, XIII, XV).

Nada disso existia, pois, na época de Jesus, e não temos nenhuma referência sobre essas

misteriosas legiões romanas nas quais um soldado se enfrentasse com o fato de ter que ser

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executado com ocasião da celebração das Saturnais. E possuímos a lista completa de tais

unidades, assim como suas localizações históricas em tal ou qual época. Como imaginar, então,

que algumas delas houvessem possuído o privilégio de levar a cabo assassinatos rituais, se todos

estes estavam proibidos em todo o Império, sob pena de morte? Por último, as Saturnais tinham

lugar a partir de 17 de dezembro; na época de Jesus duravam três dias, por isso finalizaram na

noite de 19. Simbolizavam o retorno ao caos primitivo, já que a partir do 20 ou de 21 de dezembro,

data média do solstício de inverno, o sol ao remontar-se sobre a eclíptica anunciava uma nova era

anual. Mas Jesus foi crucificado no mês de Nisán, que cobre a lunação da Páscoa judia, e se situa

entre 21 de março e 21 de abril. Estamos, pois, muito longe das Saturnais. De modo que a

hipótese de Daniel-Rops de que Jesus foi assimilado a um “rei de Carnaval” e sofresse, a dito

título, os vexames dos legionários, carece de fundamento.

Então, em que época se imaginou toda essa sádica montagem teatral? Indubitavelmente

em época bastante tardia, já que as Ata Pilati, célebre apócrifo copto, não o conhecem, mas o

Evangelho de Pedro, em troca, apresenta-nos isso sob outra forma, fora do pretório e fora de

Antonia, e desta vez é a multidão que submete Jesus à maus entendimentos e lhe impõe a coroa

de espinhos. Como se vê, todos esses relatos estão longe de concordar e abundam as

contradições. Vejamos esta passagem:

“E ele (Pilatos) entregou-o ao povo a véspera dos Ázimos, sua festa. E estes, depois de ter

tomado ao Senhor, empurravam-no correndo, e diziam: ‘Arrastamos ao filho de Deus, já que

está em nosso poder’...” (Cf. Evangelho do Pedro, 7).

Em realidade, provavelmente o fato de impor ao Jesus as vestimentas infamantes de

comparação ante os juízes, costume habitual e legal, e que, por pura casualidade, resultou ser

uma velha clámide militar usada, seria o que desencadeou o processo de elaboração da lenda, e

cada qual contribuiu algo à ela. Por outra parte, em seu livro Théologie du judéo-christianisme, o

cardeal Jean Daniélou nos diz o seguinte:

“A Epístola ao Bernabé contém uma série de entrevistas que parecem vir de um midrash cristão

sobre o Levítico e os Números. Os ritos judeus estão descritos neles de forma que ponham em

relevo os pontos de contato com o cristianismo...” (Cf. Jean Daniélou, Epístola ao Bernabé, III,

midrash chrétiens, P. 112).

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Os midrashim (plural de midrash) são paráfrase de textos do Antigo Testamento,

ligeiramente diferentes a estes últimos e redigidos pelos doutores da Lei de forma mais clara que

os textos iniciais, de modo que se pudessem suprimir os inevitáveis comentários. Incluem bom

número de ensinos preciosos sobre as tradições rituais judaicas, tradições que sem eles nós

ignoraríamos. E o exame desses midrashim, no que concerne a todo o ritual da vítima

propiciatória descrito em Levítico (capítulos 4, 9, 10 e 16), demonstra-nos que o episódio da velha

túnica escarlate imposta ao Jesus quando teve que comparecer, e em função do uso legal

romano, foi o que desencadeou o processo de criação da lenda da paixão. Julgue-se:

“O que diz o Senhor em casa do Profeta? Que comam do macho caibro devotado no Dia do

Jejum por todos os pecados. E tenham isto em conta: que todos os sacerdotes, e só eles,

comam as vísceras não lavadas com vinagre”. (Epístola do Bernabé, VII, 4).

Eis aí a origem da esponja e do vinagre ...

Desde aí procede deste modo o tema (ignorado por Jesus) da ingestão de sua própria

carne sob as formas eucarísticas, ao ser ele a vítima propiciatória por excelência, sacrificada por

todos os pecados do mundo. Continuemos:

“Prestem atenção ao que está prescrito: Tomem os machos caibros, formosos e semelhantes,

e ofereçam. Que o sacerdote tome um para o holocausto pelos pecados. Quanto ao outro, o

que farão dele? O outro, conforme está escrito, está maldito. Cuspam todos sobre ele, ferroem,

coroem sua cabeça com lã escarlate, e que seja assim expulso ao deserto”. (Epístola de

Bernabé, VII, 6-8).

“Quando todo isso se executou, que quem se leve a macho caibro o conduza para o deserto,

tire-lhe a lã, que porá sobre uma sarça”.(Epístola do Bernabé, VII, 8).

É evidente que todo isso sugeriu aos escribas cristãos um bom número de imagens

análogas. Como Jesus já estava prefigurado pelo carneiro pelo que Abraham substitui a seu filho

Isaac quando o sacrifício deste, e este carneiro tinha os chifres enganchados em umas sarças,

podia continuá-la composição dessa cena imaginária que é a Paixão. A clámide escarlate (o

escarlate, no simbolismo judaico, era a imagem do pecado) permitiu identificar ao Jesus com a

vítima propiciatória, a que se coroava com uma lã escarlate que representava os pecados do povo

de Israel. O arbusto de sarças sobre a que o encarregado enganchava a citada lã escarlate

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sugeriu a idéia de uma coroa de espinhos, ao que seguiu a esponja embebida de vinagre.

Muito mais tarde, Melitón, bispo de Sardes, em Lídia (morto por volta do ano 195), redigiria

uma Homilia sobre a Paixão, em que declarou audazmente: “Você (Deus) puseste o escarlate

sobre seu corpo, e o espinho sobre sua cabeça...” (Cf. Melitón de Sardes, Homilia sobre a Paixão,

XIII, 3-4).

Tanto mais que em Roma, além dos farrapos legais, os detidos compareciam com a

cabeça rodeada por duas cintas, uma branca e o outra escarlate, a primeira (velamenta) como

presunção de inocência, a segunda (infulae) de culpabilidade (cf. Tácito, Histórias, III, XXXI). É

muito possível que este costume legal fora observado durante o processo de Jesus ante um

procurador romano. E isto não o ignoravam os escribas anônimos dos séculos IV e V. E tiraram

bom partido disso.

A psicanálise moderna permitirá captar facilmente o processo pelo qual se criou a lenda da

Paixão de Jesus a partir de um fato corriqueiro, e o humilde legionário que lhe fez revestir uma

velha túnica regulamentar em desuso não podia imaginar que ia assegurar, durante séculos, um

imenso e frutífero comércio, o das efígies, quadros, gravados, etc., representando uma série de

feitos totalmente imaginários.

Sem dúvida nos apresentará como objeção as “visões” da irmã Anne-Catherine Emmerich.

Mas além de que visse o Pilatos a cavalo, em cortejo (devia confundi-lo com o centurião da

semana!) e que ignora ao Simão de Cirene, pois Jesus levava ele mesmo a cruz, também esteve

na Lua. Muito antes que os astronautas, evidentemente. E ali encontrou aos habitantes desta, que

são temerosos, tímidos, vivem em cavernas e não rendem nenhum culto a Deus, o que a seus

olhos não está bem, claro. (cf. Sex de Catherine Emmerich, III, 15 a 18). Não riamos, leitor!

Quando os primeiros foguetes soviéticos chegaram a nosso satélite, um douto cônego, diretor do

Osservatore Romano dominical, declarou gravemente no curso de uma conferência de imprensa e

a um grupo de jornalistas italianos assombrados, que quando chegássemos à Lua exporíamos o

problema de saber se seus habitantes “teriam conservado a graça quando Adão a perdeu, ou se,

pelo contrário, perderiam-na ao mesmo tempo que ele” (sic). Semelhante candura não precisa de

comentários, evidentemente.

Como é natural, possuímos todas as relíquias da Paixão, fragmentos da túnica escarlate,

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cano, coroa de espinhos, não faltam mais que os cuspes da soldadesca. Acrescentemos à Santa

Face, os pregos, a cruz, a pancarta, a lança, a esponja, os tecidos, e inclusive a escada do

pretório, que agora se acha em São João de Letrán. O leitor que se interesse pelo estudo da

ingenuidade humana encontrará tudo isso em Des reliques et cde leur bon usage, de Patrice

Boussel, conservador na Bibliothèque historique da Ville de Paris (Paris, 1971, Balland éd.).

Vejamos agora a verdade, leitor, e não se parece em nada à lenda.

E, em primeiro lugar, o que é essa coroa de espinhos que pusseram em Jesus os

legionários romanos, lhe acrescentando assim sofrimentos, e em sinal de brincadeira frente a

suas pretensões reais?

Ao princípio houve a seu respeito um silêncio de quatro séculos, ninguém falava dela, e os

historiadores não encontraram seu rastro até as afirmações de São Paulino, bispo de Nole, na

Companhia, em documentos do século V. Cem anos mais tarde, Gregorio de Tours nos afirma

que os espinhos têm fama de permanecer sempre verdes, e Saint Germain, à volta de uma

peregrinação à Jerusalém, diz-se que recebeu do imperador Justiniano um desses espinhos, que

ele depositou piedosamente nas arcas da igreja Saint-Vincent-et-Sainte-Croix, que logo se

converteria em Saint-Germain-des-Prés.

Se se der crédito à tradição, Carlos Magno seria recompensado com um certo número

delas pela imperatriz Irene, ou pelo então patriarca de Jerusalém. Não se puseram de acordo.

Onde o problema se converte em mistério é em 1239, quando chega a coroa a Paris, quase

totalmente intacta. O mistério se acrescentará quando constatarmos que, na mesma época,

Ruhault do Fleury nos afirma que os habitantes da cidade de Pisa, na Itália, fizeram construir a

igreja de Santa-maria-della-spina para abrigar nela duas partes dessa coroa. Porque 1239 é

precisamente o ano em que Luis IX, aliás são Luis, mandará construir a Sainte-Chapelle, para

albergar dito objeto, que uns ardilosos venezianos venderam a bom preço. Esse rei era um

ingênuo e um fanático. Foi ele quem decidiu que a partir de então se atravessasse a língua dos

blasfemos com um ferro ao vermelho vivo (incluindo entre eles aos hereges e aos judeus, claro

está), e que se queimasse vivo, com a Thora enrolada ao redor do peito nu, aos rabinos que se

negassem a admitir a divindade de Jesus. Luis IX, filho de uma mãe particularmente fanática,

dona Branca da Castilla, levava em suas veias sangue espanhol, o que explica muitas coisas. É

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óbvio que jamais se analisaram tais espinhos, não se sabe sequer se estiveram alguma vez

ensangüentadas; jamais se procurou com o carbono 14 a época de sua aparição no mundo

vegetal. Esse tipo de experimentos quase nunca os autorizam.

Hoje que os espinhos estão dispostos prudentemente por toda a Europa cristã, a relíquia já

não se apresenta mais que sob o aspecto de seu suporte de círculos de junco, o Juncus balticus

dos botânicos, trancados e atados uns aos outros por uma quinzena de ligamentos. Esse suporte

permitiria aos legionários romanos enrolar nele os ramos espinhosos propriamente ditos, feitos

com o Rhamus spina christi dos arqueólogos cristãos. Essa planta é muito comum na Judéia.

Daniel-Rops se pergunta se Jesus a levava ainda na cruz. Antes de resolver esta questão, expõe

outras, mais molestas.

Basta relendo o que todos os autores antigos sublinharam no referente à disciplina no seio

das legiões, a perfeita harmonia e a total limpeza dos acampamentos, embora estivessem

montados rapidamente de noite, depois de uma etapa fatigante, para imaginar o que devia ser a

cidadela Antonia, onde residiam seis centúrias de veteranos, um tribuno das coortes com classe

de cônsul e que exercia as funções de chefe de armas de Jerusalém, para negar-se a admitir que

se tolerou nem por um só instante a presença de matagais espinhosos e matas de juncos no pátio

de dita cidadela. Então, onde se teriam procurado os legionários ditos juncos e espinheiros? Os

fossos, por prudência, estavam cuidadosamente desprovidos de toda vegetação que pudesse

mascarar ao inimigo, e Herodes, o Grande tinha mandado revestir as muralhas exteriores com

placas de mármore branco, com o fim de impedir qualquer escalada, conforme nos diz Flavio

Josefo.

Por outra parte, essas pontas agudas vegetais têm uns oito centímetros de longitude;

enrolá-los ao redor da coroa de junco representaria indevidamente que o encarregado sofresse

feridas nas mãos, já que os legionários romanos não dispunham absolutamente de luvas de ferro

que lhes protegessem. E, uma vez mais, por que prodígio todos esses acessórios de uma “paixão”

absolutamente ilegal puderam ser recolhidos pelos discípulos, todos eles zelotes, procurados por

Roma? Ainda mais quando umas leis muito severas castigavam, inclusive com a pena de morte, a

quem quer que se procurasse elementos materiais que tivessem formado parte de uma execução

capital ou uma inumação: sangue do justiçado, restos corporais, ossos, pregos de cruz, etc., em

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vista a posteriores operações mágicas.

Pois bem, uma vez mais, nós possuímos milagrosamente todos esses objetos.

No mundo antigo era costume crucificar ou empalar ao condenado com a prova material do

delito que lhe reprovava, quando isso era possível, ou com as insígnias de sua função ou de sua

classe social. Assim por exemplo, quando Nabucodonosor, rei de Babilônia, saca os olhos ao

Sedecías, rei da Judéia (quem já tem a mandíbula perfurada com um anel soldado a uma cadeia

que sustenta Nabucodonosor), com um ferro de lança ao vermelho vivo, Sedecías leva ainda a

tiara real.

Este costume conheciam os romanos. No ano 69 de nossa era, a cidade de Terracina, na

Itália, que se rebelara contra Vitelio César, foi entregue por um escravo que pertencia a um tal

Vergilio Capito. Como recompensa, Vitelio lhe concedeu ao escravo o anel de ouro que fazia dele

um cavaleiro romano. Quando este imperador foi tombado, e logo assassinado pelos partidários

do Romaciano, o escravo que tinha traído a seu amo e que tinha entregue a cidade de Terracina,

foi crucificado, mas levando no dedo o anel de ouro da ordem eqüestre com o que Vitelio o tinha

honrado tão escandalosamente (cf. Tácito, Histórias, III, LXXII e IV, III). Esta forma legal não tinha

por objeto honrar ao condenado, a não ser sublinhar a força do poder que lhe podia dar a morte, e

a importância da cerimônia capital.

Esse foi, sem lugar a dúvida, o caso de Jesus. Estava condenado a morte por Roma por

haver-se proclamado rei de Israel e havê-lo reconhecido ante Pilatos. Não há nada de

surpreendente, portanto, no fato de que Jesus levasse a coroa real durante todo o cerimonial de

sua execução.

Mas, perguntarão, de onde saía essa coroa desconhecida? Observaremos que esse

símbolo da realeza antiga não se apresentava sob o aspecto das pesadas coroas européias que

conhecemos da Idade Média. Em todo o Oriente Médio se trata, simplesmente, da coroa chamada

“radiada”, composta por uma estreita banda que rodeava a cabeça e de onde brotavam, como

raios (de onde seu nome), umas pontas que se abriam para fora. Encontra-se nas moedas de

Antíoco Epífano, rei de Síria, e ainda era utilizada nos primeiros séculos de nossa era pelos

reyezuelos dessas regiões. Essa foi, como é natural, a coroa dos reis de Judá e de Israel.

O ouro da coroa principal, a das consagrações e as cerimônias grandiosas, fazia dela,

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tendo em conta sua densidade, um ornamento muito pesado. Aliviava-se, portanto, a banda de

suporte e o número de pontas. E para as cerimônias cotidianas se utilizava uma coroa de cobre,

que era uma réplica exata da coroa de ouro oficial. Uma coroa de cobre, de forma um pouco

diferente, foi descoberta no deserto de Judá, procedente sem dúvida do tesouro de Engaddi. Esse

tipo de coroa tinha a vantagem de que era muito mais leve, já que como a densidade do cobre é

de 8,92, e a do ouro de 19, 3, o peso era de menos da metade. Além disso, como esse metal era

muito comum, apenas se corria o risco de tentar aos ladrões, e sua cor, uma vez batido as asas

com o estanho, dava-lhe uma aparência muito próxima ao ouro, e o aliviava um pouco mais.

Possuiu Jesus uma coroa desse tipo e dessa natureza? Provavelmente. Faz alusão a ela em seu

Apocalipse, que redigiu em vida como já demonstramos. Assim lemos isto: “Vi, no meio do trono e

dos outros seres viventes, e em meio dos anciões, um cordeiro que estava ali como imolado.

Tinha sete chifres e sete olhos... (Cf. Apocalipse, 5, 6).

A versão de Lemaistre de Sacy precisa que o cordeiro estava de pé e como degolado. E

isto é uma prova mais de que o Apocalipse foi redigido em vida de Jesus. Esse texto não inclui

nenhuma alusão à crucificação, a maior parte dos manuscritos falam de uma degolação, e o

cordeiro está de pé. Agora bem, Jesus sabia perfeitamente que pereceria em mão dos romanos.

Mas não supôs nem por um instante que seria na cruz da infâmia, reservada aos criminosos

comuns e aos escravos rebeldes. Acreditava que figuraria no desfile triunfal de seu vencedor em

Roma, onde ele apareceria coroado, para logo, segundo o costume, ser degolado como

aconteceu com seus trágicos predecessores. A alusão aos sete chifres (o corno era símbolo de

poder) e aos sete olhos era simplesmente uma alusão às sete pontas da coroa “radiada” e às

pérolas ou às gemas que a terminavam. Que Jesus possuísse uma coroa de cobre entre seus

efeitos pessoais não é, em si, nada estranho.

Sua avó Ana, mãe de sua mãe Maria, possuía seu próprio diadema real, se dermos crédito

ao Protoevangelio de Santiago: “Ana se lamentava duplamente, dizendo: ‘Chorarei minha viuvez e

minha esterilidade’. Mas eis aqui o que aconteceu o dia do Senhor; Judith, sua faxineira, disse-lhe:

Até quando afligirá sua alma? chegou o dia do Senhor (o sabbat), e não se permite lamentar.

Vamos, toma esse diadema que me deu a ama de serviço e que não me permite rodear, porque

eu sou uma faxineira, e é uma banda real” (Abade. E. Amann, Protoevangelio de Santiago, II, 2).

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Esse tradutor observa com toda justiça que o termo grego utilizado no manuscrito é

kephalodesmion, que designa muito exatamente diadema no sentido etimológico da palavra, quer

dizer, “a banda mais ou menos adornada que serve para prender os cabelos e que, fixada na

parte baixa da tiara persa, converte-se em um ornamento real. Não sem intenção, o autor faz que

se proponha este adorno à mulher de Joaquim. Quer fazer pensar muito discretamente na

dignidade de Ana; só ela pode levar tal cinta, pois só a filha dos reis é digna dela”. (Op. cit.,

Comentário do abade E. Amann, tradutor do Protoevangelio).

E a coroa de cobre dos reis de Judá podia muito bem encontrar-se já na Antonia, com as

vestimentas sagradas, a tiara e a roupa do pontífice de Israel, como nos conta Flavio Josefo:

(Antigüidades judaicas, XX, I, 1 a 6).

Além disso, os filhos de David reivindicavam também o poder pontifício. Em Eusebio da

Cesaréia lemos o seguinte: “Também João, aquele que repousou sobre o peito do Senhor e que

foi sacerdote (em hebreu cohen), e que levou o petalon, que foi didáscalo e mártir...” (cf. Eusebio

da Cesaréia, História eclesiástica, VII, XIX).

O petalon era uma insígnia pontifícia, própria do supremo sacerdote de Israel. Está

descrito no Êxodo (28, 36-38) como uma lâmina de ouro que levava a inscrição “Consagrado ao

Yavé” e que estava fixado sobre a tiara do pontífice.

Por outra parte, e sempre em Eusebio, descobrimos um detalhe bastante importante:

“Também o trono de Santiago, daquele que foi o primeiro em receber do Salvador e dos

apóstolos, o episcopado da Igreja de Jerusalém, e ao que as divinas Escrituras designam em

geral como o irmão de Cristo, conservou-se até a atualidade”. (Cf. Eusebio da Cesaréia, História

eclesiástica, VII, XIX).

Agora bem, os tronos episcopais não aparecerão, sob o aspecto de cadeiras de pedra ou

de mármore, até que os cristãos possuam basílicas, quer dizer, no século IV. Esse trono, que na

opinião dos exegetas e dos arqueólogos devia ser de madeira, e quase com toda segurança de

cedro, era um sinal de autoridade de Santiago, irmão de Jesus, e essa autoridade era temporária,

já que João possuía a autoridade espiritual (o petalon). Era, portanto, um trono real, e não uma

cadeira episcopal, desconhecida naquela época. E então, por que os filhos de David não foram

possuir uma coroa, se existia entre eles um trono, e sua avó Ana levava às vezes, nos dias de

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grande solenidade, um diadema real?

Assim, é mais que provável que Jesus fora crucificado meio doido com essa coroa de

cobre. A coroa de ouro terá que exclui-la, já que seria confiscada, tendo em conta seu valor, e

logo enviada ao Tibério, e seu peso teria dissuadido aos zelotes de conservá-la permanentemente

no curso de seus movimentos e campanhas.

Jesus devia levá-la habitualmente, e este ornamento era o que fazia que as pessoas o

reconhecessem como o “Filho de David”.

Ocultou-se este detalhe pelo que se imaginou, muito mais tarde, a coroa de espinhos, cuja

morfologia se adaptava perfeitamente a de coroa “radiada” e aos sete chifres do cordeiro

vencedor descrito no Apocalipse.

É conveniente observar, por certo, que unicamente Mateus (27, 29), Marcos (15, 17), e

João (19, 2 e 5) conhecem o episódio da coroa de espinhos, em troca Lucas o ignora por

completo. Segundo os três primeiros, impuseram-na à Jesus no pretório, no seio da cidadela

Antonia, enquanto que segundo o Evangelho de Pedro (6 e 7), foi a multidão hostil a que lhe

coroou com ela, no caminho para o Gólgota, fora da fortaleza. Pelo contrário, nas Ata Pilati foi no

instante da crucificação quando Jesus recebeu essa dolorosa diadema: “Depois destas coisas,

Jesus saiu do pretório com os dois ladrões. Quando chegou ao lugar designado, lhe despojou de

suas vestimentas, lhe rodeou um linteum, e se colocou sobre sua cabeça uma coroa de espinhos.

De maneira similar foram crucificados os dois ladrões, Dimas a sua direita e Cestas a sua

esquerda”. (Op. cit., X).

Este velho apócrifo copto é o que mais se aproxima da verdade histórica; quando se

acabava de cravar o titulus que indicava que se tratava de Jesus rei dos judeus” (cf. Mateus, 27,

37), pôs ao condenado a coroa de cobre, da que provavelmente se deram procuração durante o

local dos domínios de Ierahmeel, depois do combate das Oliveiras. Tal costume se perpetuou

durante muito tempo ainda, já que mais de treze séculos mais tarde, em 10 de junho de 1358,

quando se teve vencido a Jacquerie, Carlos, o Mau, fez coroar a seu chefe, Guillermo Calot, com

um aro de ferro, previamente avermelhado ao vermelho vivo, antes de fazê-lo decapitar. E é que

Guillermo Calot fora proclamado “rei dos Jacques” ao princípio da insurreição.

Esta coroa de sete pontas adornadas com gemas é, por outra parte, um símbolo clássico

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do reino de Deus sobre o universo criado, como sublinham as orações judias cotidianas com sua

permanente alusão a tal realeza: “Seja louvado, Yavé nosso Deus, rei do Universo, Você que...

etcétera”. Aparece com freqüência representada na ornamentação litúrgica do judaísmo

tradicional. Possuímos um pequeno relicário de ferro forjado descoberto por um de nossos amigos

em Valência (Espanha), e nele domina a abertura de dois portinhas que descobrem um

pergaminho aonde está transcrito ritualmente o nome divino Shadai, quer dizer, “Todo-poderoso”.

De fato, as sete pontas ou corno da coroa radiada se referem esotericamente aos sete Sephiroth

inferiores: Geburah (o Rigor), Hoesed (a Misericórdia), Tipheret (a Beleza), Netzah (a Glória), Hod

(a Vitória), Iesod (o Fundamento), Malkuth (o Reino). Constituem o Microprosopio ou “Pequeno

Rosto”, o “Casal Inferior” da Cabala judia tradicional.

Esse nome de “coroa” é deste modo o da Sephirah suprema, chamada em hebreu Kether,

ou “Soleira da Eternidade”. As sete gemas ou pérolas que coroam as pontas figuram os sete

Espíritos ante o Trono (cf. Apocalipse, 4, 5), e os sete arcanjos clássicos: Miguel (o Sol), Gabriel

(a Lua), Anael (Vênus), Rafael (Mercúrio), Zaquiel (Júpiter), Orifiel (Saturno), Samael (Marte). No

ritmo quaternário, relativo aos arcanjos dos outros elementos, estão Miguel, Gabriel, Rafael, Uriel.

Ao reivindicar esta coroa, Jesus pretendia substituir ao Metatron-saar-ha-Panim (o “Príncipe dos

Rostos” de Deus), aliás Saar-ha-Olam (o “Príncipe do Mundo”), ou Saar-ha-Gadol (o “Grande

Príncipe”), a quem também lhe dá o nome de Miguel (“Semelhante a Deus”), chamado na profecia

do Daniel: “Naqueles tempos se levantará Miguel, o Grande Príncipe, protetor dos filhos de nosso

povo...”. (Cf. Daniel, 12, 1).

Neste caso, como podia permitir-se Jesus, sem cair em uma heresia blasfematória

indiscutível, rechaçar a esse Grande Príncipe, protetor de Israel segundo a vontade divina, e

reduzi-lo à classe de poder demoníaco, no evangelho do João?:

“Agora o Príncipe deste Mundo será arrojado fora...” (Cf. João, 12, 31).

“Porque vem o Príncipe do Mundo, que em mim não tem nada...” (Cf. João, 14, 30).

“O Príncipe deste Mundo já está julgado ...” (Cf. João, 16, 11).

Depois disto, à Igreja ainda lhe ocorrerá constituir uma Archicofradia de San Miguel, cuja

sede se acha precisamente no famoso monte de dito nome (Mont Saint-Michel), a “maravilhosa do

Ocidente”, e difundir um exorcismo especial colocado sob o patrocínio do arcanjo.

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NOTAS COMPLEMENTARES

Observar-se-á que os termos mais freqüentes utilizados nos Evangelhos canônicos para

designar os espinhos da coroa são (nos originais gregos) akanthon (Mateus, 27, 29, e João, 19, 2)

e akanthinon (Marcos, 15, 17). Lucas ignora a existência da citada coroa.

Pois bem, esse termo está muito próximo ao também grego de akanthos, que designa o

acanto ornamental, e não ao temível e doloroso rhamus spina christi, de espinhos de oito

centímetros de longitude. Porque o acanto possui uma espécie espinhosa e outra não espinhosa.

Por outro lado, o grego akane e akanès designa uma cesta, termos ambos que se aproximam de

akanea: espinheiro (arvorezinha). A coroa de espinhos da suposta Paixão seria uma corriqueira e

insignificante cesta de barriga para baixo, a que teriam arrancado o fundo? Neste caso, no lugar

da crucificação seria onde teria lugar este ilegal ultraje, mais tarde e por parte dos adversários

judeus de Jesus. Porque uma vez crucificado ficava abandonado às rapinas e urubus de todas as

espécies, a lei romana já não protegia o cadáver...

O famoso sudário do Turín (existem trinta e nove exemplares...) não prova nada, já que

desde sua aparição, na Idade Média, a Igreja proíbe que se faça ostentação dele, e o bispo de

Troyes declarou que recolhera a confissão do falsificador que o realizou.

26 - O segredo de Simão de Cirene

E logo Deus, às vezes, faz um milagre! Pionius

adormeceu à mão de seus verdugos... O sangue

de Policarpio apagava as chamas de sua fogueira!

GUSTAVE FLAUBERT, La tentation de Saint Antoine, IV

Qualquer que tenha lido o relato da Paixão de Jesus sabe que, debilitado pela flagelação

prévia, não pôde levar sua cruz até o lugar de sua execução, e que os legionários romanos

requereram para isso os serviços de um tal Simão, originário de Cirenaica. Tomemos o texto

mesmo dos evangelhos e anotemos cuidadosamente seus mínimos detalhes: “depois de haver-se

divertido com ele, tiraram-lhe o manto, puseram-lhe seus vestidos e lhe levaram a crucificar. Ao

sair encontraram a um homem de Cirene, de nome Simão, ao qual requereram para que levasse a

cruz”. (Mateus, 27, 31-32). “Depois de haver-se burlado dele, tiraram-lhe a púrpura e lhe vestiram

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seus próprios vestidos. Tiraram-lhe para lhe crucificar e requereram a um transeunte, um certo

Simão de Cirene, que vinha do campo, o pai de Alexandre e de Rufo, para que tomasse a cruz”

(Marcos 15, 20-21).

“Quando lhe levavam, jogaram mão de um certo Simão de Cirene, que vinha do campo, e

lhe carregaram com a cruz para que a levasse atrás de Jesus”. (Lucas, 23, 26-27).

João, em seu evangelho, ignora totalmente a existência desse Simão de Cirene, e o que é

mais ainda, viu o Jesus levar ele mesmo sua cruz: “Tomaram, pois, ao Jesus, que, levando sua

cruz, saiu no local chamado Calvário, que em hebreu se diz gólgota”. (João, 19, 16-17).

Assim, o “apóstolo bem-amado”, a mais possível testemunha ocular dos fatos, não viu a

não ser a um só portador da cruz patibular, e era o próprio Jesus. O mesmo acontece nos Atos

dos Apóstolos e nas Epístolas, tanto nas do Paulo, Simão-Pedro, ou João como nas do Santiago,

todos os quais ignoram a esse Simão de Cirene. E muito mais tarde, no século IV, Eusebio da

Cesaréia, em sua História eclesiástica, não o menciona tampouco.

O que explica que o Grand Dictionnaire de théologie catholique de Vacant não contém

nenhuma rubrica com dito nome, e que o Dictionnaire de Bible de Vigouroux se limita a resumir

em umas poucas linhas muito breves o que dizem Mateus, Marcos e Lucas.

Desse silêncio um pouco inquietante, e que permitirá sonhar ao exegeta liberal, habituado

às argúcias dos antigos tabeliães, Daniel-Rops consola-se rapidamente declarando: “Pode

admitir-se que o homem que levou pessoalmente a cruz recebeu dela a graça de sua conversão”.

(Cf. Daniel-Rops, Jesus em seu tempo, XI). Mas se seus filhos Alexandre e Rufo foram, como se

viu, ulteriores discípulos de Saulo-Paulo, que logo se retiraram dentre seus fiéis (I Timóteo, 1, 20;

II Timóteo, 4, 14), isso significa que o cristianismo de Paulo não correspondia ao que eles

esperavam dele, o que nos induz a tirar a conclusão de que Simão, seu pai, era um zelote, de

onde sua formação inicial, que os levou a abandonar a nova religião conservadora, pro-romana, e

contrária à lei de Moisés, do tal Saulo-Paulo.

E aqui se expõe já uma primeira pergunta. Os ensinos e os ritos da Igreja católica nos

falam de uma “Via Crucis” com o passar do qual Jesus, afligido pelo peso da cruz, caiu ao chão no

transcurso das quatorze “estações” do chamado “Caminho”. E se recomenda encarecidamente

que se faça partícipe de seus benefícios aos meninos em idade precoce: “Assim, também um

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bebê de três ou quatro anos de idade pode efetuar, com inteligência e emoção, uma rápido via

crucis” (Cf. Liturgie, Paris, 1947, Bloud & Gay, P. 989). Evidentemente, algo do mais apropriado

para sua idade!

No curso desta reconstituição de uma via dolorosa puramente imaginária, durante a qual

Jesus caiu supostamente um certo número de vezes, há inclusive uma mulher que, ao secar o

rosto do Mestre, encontrou-se com que este se fixou milagrosamente desenhado sobre o tecido

que ela utilizara. A essa santa mulher lhe dá o nome de Verônica, já que em latim verax significa

verdadeiro, e em grego ikon quer dizer imagem. Por outra parte, seria por causa dessas repetidas

quedas pelo que o centurião exactor mortis, a quem correspondia ordenar todo o aparelho judicial

para a execução, pediria ao Simão, o Cireneu, que aliviasse de sua carga ao Jesus, para lhe

permitir assim alcançar ainda com vida o lugar da crucificação.

Na leitura dos evangelhos canônicos e dos versículos que citaremos a seguir, constatar-

se-á que não há nada de tudo isso, e que nenhum texto apostólico nos contribui tais detalhes.

Interessados fabricantes da lenda cristã foram quem, ao longo dos séculos, imaginaram

semelhantes coisas. E como não deixaram de adjudicar suculentas indulgências, o “Via Crucis” se

converteu em uma cerimônia bastante lucrativa, sem omitir o aspecto comercial de seus

acessórios materiais. Porque também os evangelhos apócrifos mais antigos ignoram, igualmente

a seus irmãos os canônicos, esses detalhes destinados a sensibilizar às multidões crentes, assim

como a própria existência de Simão, o Cireneu. E, indevidamente, isso incitará ao historiador

curioso a aprofundar nesse estranho enigma.

É evidente que se os legionários romanos requeriam a ajuda de Simão à saída do pretório

(Mateus, 27, 31), toda a lenda da via dolorosa se vem abaixo, já que nada nos evangelhos evoca

a menor queda, nem tão somente a mínima dificuldade de marcha por parte de Jesus. E, portanto,

todo o ritual da “Via Crucis”, sua solene festa da primeira sexta-feira de março, suas

reconstituições em Jerusalém durante a Semana Santa, e em tantas cidades do mundo, só

repousam sobre uma tradição mendaz e um simples interesse comercial e turístico.

E nossa primeira pergunta será a seguinte: por que se inventou esse suplemento de

sadismo e se acrescentou a um conjunto já de por si bastante cruel?

Tudo o que agora vai seguir, permitirá lhe dar uma resposta.

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Quando a gente relê atentamente, pesando bem todos os termos, certos textos cristãos

dos primeiros séculos, fica surpreso por uma série de afirmações tendenciosas a consolidar a

tradição comum, quer dizer, que foi Jesus, e em modo algum nenhum outro personagem, quem foi

crucificado.

Coisa que seria bastante supérflua se a tradição clássica não tivesse discutido

antigamente. Pois bem, vejamos alguns desses textos: “Oh, insensatos gálatas! Quem lhes

fascinou a vós, ante cujos olhos foi apresentado Jesus como morto na cruz?...” (Cf. Paulo,

Epístola aos Gálatas, 3, 1).

“Foi realmente atravessado por pregos, em sua própria carne, sob o Pôncio Pilatos e

Herodes o Tetrarca...” (Cf. Ignacio da Antioquia, Epístola aos esmirnos, 1).

“Sabemos que foi ele quem foi crucificado, nos dias de Pôncio Pilatos e do príncipe

Arquelao, e que foi crucificado entre dois ladrões, e que junto com eles desceram-no da árvore da

cruz e foi sepultado no lugar chamado Qaranjo...” (Cf. Le Testament en Galilée, III, 20; apócrifo

etíope, Imprimatur em Paris, 1912).

É evidente que se a crucificação real de Jesus não fosse posta jamais em dúvida, essas

peremptórias afirmações resultariam das mais supérfluas. Por outro lado, a negação do fato surgiu

muito em breve, já que Ignacio da Antioquia, um dos quatro “Padres apostólicos”, era discípulo

direto de Simão-Pedro, e segundo a tradição eclesiástica viveu dos anos 35 a 107 de nossa era.

Também aqui seguimos encontrando nas fontes mesmas do movimento.

E outro apócrifo célebre abre uma primeira greta na trama da lenda clássica. Julgue-se, na

leitura dos Atos de João: “Essa cruz, pois, reúne nela todas as coisas com uma palavra, ela as

separa das coisas inferiores, e, ao ser única, conduz todas as coisas à Unidade. Mas não é a cruz

de madeira que verá ir daqui! E quem está sobre a cruz tampouco sou eu, a quem agora não vê, e

de quem só ouve a voz. Teve-me por quem não sou, ao não ser o que parecia ser a muitos

outros, já que me tinham por outra coisa, vil e indigna de mim...” (Cf. Atos de João, XCIX).

Por conseguinte, nesse estranho texto Jesus revelaria a seu bem-amado João que não foi

ele quem viu crucificado na cruz de madeira, a cruz material, a não ser outro personagem, vil e

indigno de ser sequer renomado. E se o leitor duvida ainda de nossa interpretação desta

passagem, vejamos o que segue, que contribui ainda mais prova: “Entretanto, eu não padeci

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nenhum dos sofrimentos que me viram sofrer... Em uma palavra, o que se diz de mim, não me

aconteceu, e o que não se diz, em troca, sofri-o ...” (Cf. Atos de João, CI).

Aqui vemos apontar uma interpretação oficial a que se deixou um tempo desenvolver-se

livremente, a fim de sufocar melhor a verdade histórica, muito embaraçosa. Trata-se da tradição

gnóstica chamada dos Docetas, segundo a qual o corpo de Cristo não foi a não ser uma pura

aparência, que o fez assim insensível ao sofrimento e à impureza próprios da natureza humana.

Permanece um eco disso em Corán, o que testemunha que Mahoma também consultou

abundantemente velhos documentos gnósticos no que concerne a sua concepção do personagem

de Jesus: “Não lhe deram morte, não lhe crucificaram! Um corpo fantástico enganou a sua

barbárie... Os que discutem sobre este respeito não têm mais que incertezas, e a verdadeira

ciência não lhes ilumina. O que eles seguem é uma opinião, mas não fizeram morrer ao Jesus...”

(Cf. Corán, IV, 156).

Esta tradição irracional, mas que enfebrecia o entusiasmo dos exaltados da mística, foi

professada por muito grandes doutores cristãos, gnósticos ou ortodoxos, até os séculos IV e V. De

um tratado perdido de Hipólito de Roma, reconstruído a partir dos textos do pseudo-Tertuliano

(capítulo I), de Philaster (Diversarum haereseon liber, XXXII), e de Epifanio (Adversus Haereses,

XXIV, 1-4 e passim), Eugène de Faye extrai a seguinte conclusão em seu livro Gnostiques et

Gnosticisme: “Conforme diz (Hipólito de Roma –N. do A.-), Basílides teria professado um

docetismo extremo em matéria de cristologia. Esse docetismo não tinha em si nada que pudesse

sentir saudades à Clemente de Alexandria. Não era muito menos doceta que Basílides! Quem não

o era mais ou menos no século II? Mas o que não deixou de indignar e de excitar seu espírito

crítico seria a fábula da substituição de Jesus Cristo por Simão o de Cirene. Não é mais estranho

que não o mencionasse em nenhuma parte? Se verdadeiramente seu autor era o próprio

Basílides, como perdera Clemente uma ocasião tão boa de confundi-lo? Como um Agrippa Castor

não faria, pelo menos parece, menção alguma? Carreguemos esta absurda invenção na conta

dos adeptos posteriores da seita, e estaremos provavelmente mais perto da verdade histórica ...”

(Cf. Eugène de Faye, Gnostiques et Gnosticisme, P. 53).

Nesta conclusão do pastor de Faye há possivelmente uma contradição. Clemente de

Alexandria provavelmente falou dela, quão mesmo Agrippa Castor, mas os monges copistas os

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censurariam espontaneamente, enquanto que os encarregados de copiar ao Epifano não

acreditaram útil. Por isso é pelo que podemos encontrar esta estranha tradição na Homilia XX de

Epifano e em Teodoredo (Hoer. fob., I), quem nos resume a opinião de Basílides: “Jesus na

realidade não se encarnou, simplesmente adotara a aparência de um homem, e, durante a

Paixão, burlava-se dos judeus e do crucificado, sem que eles o vissem. Logo ascendeu de novo

aos Céus, sem ser conhecido nem pelos anjos nem pelos homens...” (Cf. Epifano, Homilia, XXIV).

O que demonstra, sem discussão possível, que esta afirmação se transmitiu já aos meios

gnósticos de sua época, e que o célebre doutor a utilizava. Agora bem, Basílides ensinou em

Alexandria por volta dos anos 120-140 de nossa era. Assim, também aqui, encontramo-nos nas

fontes mesmas do cristianismo. Agora só fica, pois, examinar mais de perto estes ensinos

realmente curiosos.

Mas, acima de tudo, o que terá que acreditar de tudo isto?

Segundo Basílides, no momento da crucificação no Gólgota, Jesus “se burlava dos judeus

e do crucificado, sem que eles o vissem”.

Consultemos agora ao Paulo, em sua Epístola aos Colossences: “...Cancelou a ata escrita

contra nós com suas prescrições, que nos era contrária, e a tirou do meio, cravando-a na cruz; e

tendo despojado aos principados e às potestades, exibiu-os publicamente, triunfando deles pela

cruz...” (Cf. Epístola aos Colossences, 2, 13).

Como se vê, para o Basílides, Jesus se burla do crucificado; e, para o Paulo, Jesus faz

brincadeira dos Arkontes, cravados à cruz. Há aí mais que um paralelismo, se a gente quer tomar

por moléstia de remeter-se ao que nos dizem os já citados Atos de João, e voltá-los para ler

atentamente: “quem está sobre a cruz tampouco sou eu... O que se diz de mim, não me

aconteceu... “. E o que estava na cruz era um ser vil, indigno dele...

Além disso, ficam ainda as estranhas afirmações contrárias (que não se imporiam sem

uma razão de peso) do Testament no Galilée e da Epístola aos esmirnos, que nos asseguram que

foi Jesus o crucificado, e que foi realmente sua própria carne a que sofreu esse suplício, e não

outra pessoa.

Outra tradição, que procede diretamente da gnosis caínica, pretende que foi Judas

Iscariotes o crucificado em lugar de Jesus, esse Judas em quem tinha entrado Satanás quando foi

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devotado o pão molhado de vinho.

E, como novo eco dessa enigmática tradição, os maniqueos ensinavam que o Príncipe das

Trevas fora crucificado em lugar de Jesus...

Citaremos a este respeito a Epître du Fondement, de Manès, que nos proporcionam

Alexandre de Lycopolis e Evode d’Uzale. Pois bem, nós sabemos por fontes fidedignas que o

fundador do maniqueísmo fizera reunir por seus primeiros discípulos textos cristãos extremamente

antigos, textos que desapareceram com a destruição dos seus. Vejamos esta passagem: “O

inimigo esperava ter crucificado ao Salvador, Pai dos Justos. Mas foi ele quem se encontrou

crucificado. Nesta circunstância a realidade foi muito diferente às aparências. O Príncipe das

Trevas se viu, pois, sujeito à cruz; levou com seus companheiros a coroa de espinhos, e foi

revestido com as vestimentas de púrpura. Bebeu o fel e o vinagre que, segundo alguns, lhe deu a

beber ao Salvador. Todos os sofrimentos que este pareceu padecer, foram reservados aos

tenebrosos Arcontes. Eles sozinhos foram atravessados pelos pregos e a lança...” (Cf. Evode

d’Uzale, Des croyances manichéenes, 38).

É possível que os Templários recolhessem em Oriente ecos desta estranha tradição, o que

justificaria à seus olhos o cuspir sobre o crucifixo. Mas o que é seguro é que a cruz segura por

forquilhas, chamada também “cruz dos loucos” ou “cruz cornuda”, e que, por isso parece, foi o

talismã de Wallenstein, aonde fora necessariamente levada como paradigma iniciático pelos

cátaros, bogomilos e neomaniqueos.

Dito isto, e tendo em conta que os legionários romanos com toda segurança não

crucificaram a Lúcifer em lugar de Jesus, e com razão, terá que admitir que foi Simão, chamado

de Cirene, quem tomou seu lugar na cruz. E fez desaparecer essa realidade histórica, tão pouco

brilhante, por isso se deu nascimento à lenda do diabo crucificado! Tanto em um caso como no

outro era, pois, o “veículo” carnal do demônio o que tinha sofrido o suplício da cruz. Terá que

reconhecer que tudo isso, uma vez afastado o véu das fantasmagorias, é bastante estranho. E à

mente acode uma pergunta: Que fato oculto cuidadosamente, pôde justificar essa enigmática

questão entre exegeta, questão da qual quer apartar a todo custo ao simples crente, de onde o

voluntário aspecto nebuloso de suas afirmações recíprocas?

E uma vez mais será Celso, em seu terrível Discurso verdadeiro, quem nos porá sobre a

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pista. Como amigo de juventude do imperador Juliano, sabia, igual ao imperador, há que atener

no que este último chamava com desprezo os “galileus”, e sobre as origens do cristianismo. É

evidente que, ao estar os dois associados a uma reação filosófico-pagã, os arquivos da

chancelaria imperial, que normalmente estavam fechados às pessoas comuns, estavam-lhes

totalmente abertos. Pois bem, o que nos diz ele? Isto, que está muito claro: “Mas como receber

como Deus àquele que, entre outras coisas é motivo de queixa, não realizou nada do que

prometera? Àquele que, convencido, julgado, e condenado a suplício, escapou vergonhosamente,

e foi capturado de novo nas condições mais humilhantes, graças à traição daqueles mesmos aos

quais ele chamava seus discípulos?... (Cf. Celso, Discurso verdadeiro, II, 16, J.J. Pauvert, édit.,

Paris, 1965).

Como se observará, aqui não se trata já de Judas Iscariotes. Aquele não desempenhou

nenhum papel mais, além do da primeira detenção de Jesus, porque em realidade houve dois,

com seis semanas de intervalo, como logo veremos. Em sua segunda captura, foram alguns de

seus “discípulos” que o entregaram aos romanos, e também a estes tentaremos lhes dar um

nome. Houve, portanto, duas detenções de Jesus, separadas por uma evasão e uma fuga, o que

implica dois processos. E a brevidade de que narram os evangelhos, que é o segundo, brevidade

que sempre surpreendeu aos historiadores e que fez correr muita tinta, desprende-se do fato de

que não consistiu a não ser em uma simples e rápida identificação, cujas formalidades legais

eram muito singelas. Pilatos fez apresentar ao Jesus ante o Caifás e os principais sanedritas, que

representavam o poder religioso, e saduceu, e logo ante Herodes Antipas, tetrarca da Galiléia, de

quem dependia Jesus por seu nascimento (Lucas, 23, 7), o que implica que não nascera em

Presépio da Judéia, a não ser em Presépio da Galiléia, próxima ao Séforis, pátria de sua mãe

Maria. Continuando, quando tudo estava como devia ser, Pilatos o mandou crucificar sem mais

preâmbulos, e desta vez de maneira definitiva.

Daniel Massé conta que, em certas versões do Talmud de Babilônia, leu que Jesus foi

capturado pela primeira vez seis semanas antes da Páscoa. Assim se explicariam as contradições

entre os evangelhos sinóticos de Mateus, Marcos e Lucas, e o de João, já que se trataria do relato

de duas fases diferentes do final de Jesus. Isso justificaria que João não fale de Simão de Cirene,

quão mesmo os outros evangelhos apócrifos, e o fato de que o Evangelho de Pedro e outros

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apócrifos não citem jamais ao Judas Iscariotes. A razão é que uns e outros não relatam a mesma

fração das últimas semanas da vida de Jesus-bar-Juda.

Mas, qual foi, então, em realidade, o papel exato de Simão, o Cireneu?

Observaremos, em primeiro lugar, que a idéia da substituição se acha já em germe em

nossos evangelhos e na trama geral de todos os relatos para-evangélicos, com essa substituição

de Jesus-bar-Juda e Jesus-Bar-abbas. Porque, como admitir que este último, “culpado de

assassinato no curso de uma rebelião” (Marcos, 15, 6-15), na espera de ser executado na cruz,

encarcerado com seus cúmplices, possa ser indultado pelo procurador Pôncio Pilatos, verdadeiro

“governador à russa”, no sentido que podia dar-se a esse termo na época do zarismo? Pilatos era

um procurador de mão dura, justo mas implacável, que não dependia mas sim do legado imperial

de Síria, e por conseguinte era dono absoluto de toda a Palestina, dado que, ao ser superior

hierárquico dos tetrarcas colaboradores de Roma, estes estavam virtualmente à suas ordens. Por

que pretender que este homem sentisse escrúpulos frente a um rebelde, que era além guerrilheiro

com freqüentes tendências ao banditismo puro e simples, e que tocava diferentes meios, entre

eles o da prostituição? E como podia distinguir e oferecer, no lugar de Jesus, a um criminoso

qualificado como famoso, e que era igual de indesculpável ante as leis de Roma?

Que o leitor se remeta ao capítulo 23, “Jesus-Barrabás”, e que releia tudo o que

contribuímos sobre a tese negativa da existência concreta desse tal Barrabás. Repetimos, Jesus-

Barrabás não é outro que Jesus-bar-Juda. Daí o fato de que seja ignorado em tantos textos

ulteriores.

Voltemos agora para o Simão o de Cirene, e para isso tomemos o texto grego e suas

diversas variantes nos mais antigos manuscritos evangélicos conhecidos:

1º. Cireneu aparece neles como Kurenaion, traduzido por Kureneo no texto grego dos Atos dos

Apóstolos (2, 10).

2º. diz-se nos evangelhos sinóticos que Simão, o Cireneu, “voltava do campo”, mas algum de

seus manuscritos gregos iniciais nos dizem que “vinha a seu encontro”, por exemplo, o Codez

Bezae, ou Codez Cantagrigiensis, que é do século V.

Pois bem, em grego kureo significa encontrar, e esse prefixo figura nos verbos que

significam lutar:

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- kurebasia: combate, pendência, enfrentamento, duelo, violências;

- kurebazo: brigar, combater, lutar, enfrentar-se.

Não procuremos mais! Esse termo de kurenaion, ao que quer fazer significar cireneo, não

resulta ser aqui a não ser uma expressão imprópria, que designa simplesmente o fato de que

Simão não voltava absolutamente dos campos, mas sim ia realmente “ao encontro” do manípulo

legionário que conduzia ao Jesus ao lugar de sua execução. E, além disso, com o sentido habitual

de oposição, combate, violências, etc., tal e como o relata o Codez Bezae.

E aí foi onde Jesus conseguiu fugir, no transcurso dessa nova revolta a mão armada,

enquanto que Simão, chefe do comando zelote liberador, foi capturado pelos romanos, quem

imediatamente depois lhe crucificou em lugar de Jesus.

Esses dois fatos, aparentemente distintos, mas perfeitamente relacionado pela lógica mais

absoluta, estão justificados historicamente por:

- Celso, quem em seu Discurso verdadeiro nos diz que Jesus conseguiu fugir, e fugir de

maneira vergonhosa, já que seu liberador Simão de Cirene foi crucificado em seu lugar, tal

como contam:

- Basílides de Alexandria, em seu Evaggelion, citado por Hipólito de Roma, São Epifano e

Teodoredo, e que assim, segundo o

- ao Flavio Josefo, em suas Antigüidades judaicas e sua Guerra dos Judeus, com o combate do

monte Garitzim, na Samaria.

Mas observemos já o fato de que não deixa de ser do mais surpreendente que o “Filho de

Deus”, vindo livremente aqui embaixo para oferecer-se em sacrifício e aplacar a cólera de seu Pai,

aproveitasse a primeira ocasião para fugir, e permitir que crucificassem em seu lugar a seu

humilde liberador.

Sobre o período da vida de Jesus que se estende desde essa evasão até sua captura

definitiva, obtemos o seguinte de Flavio Josefo; mas, em primeiro lugar, precisemos a data exata.

Em Jesus ou o segredo mortal dos templários, nos aderimos à tese do ano 35 de nossa era (789

de Roma, segundo Varron) para a morte de Jesus. Vejamos, pois, o que diz Flavio Josefo: “Os

samaritanos não careceram tampouco de distúrbios, pois estavam incitados por um homem que

não considerava grave o mentir, e que o combinava tudo com finalidade de agradar ao povo.

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Ordenou-lhes que subissem com ele ao monte Garitzim, ao que têm como a mais Santa das

montanhas, lhes assegurando com veemência que, uma vez chegassem ali, mostraria uns copos

sagrados enterrados por Moisés, quem os tinha colocado ali em depósito. Eles, acreditando que

suas palavras eram verídicas, tomaram as armas, e, depois de instalar-se em um povo chamado

Tirathana, aderiram à quantas pessoas puderam recolher, de forma que iniciaram a ascensão da

montanha em massa. Mas Pilatos se apressou a ocupar com antecipação o caminho pelo que

deviam efetuar a ascensão, e enviou ali cavaleiros e soldados à pé, e estes, carregando contra as

pessoas que se reuniram ao povo, mataram uns na refrega, puseram outros em fuga, e a muitos

os levaram prisioneiros, os principais dos quais foram executados por ordem de Pilatos, assim

como os mais influentes dentre os fugitivos”. (Cf. Flavio Josefo, Antigüidades judaicas, XVIII, IV, 1,

manuscrito grego).

Sobre o lugar da detenção de Jesus depois desta aventura do monte Garitzim, sobre as

próprias condições nas quais foi capturado, encontramos o seguinte no Talmud de Jerusalém:

“Para melhor espiar ao sedutor (das multidões), ocultou-se à duas testemunhas na câmara do

fundo, e colocou ao acusado na câmara exterior, deixando arder uma luz a seu lado, a fim de

poder vê-lo enquanto se escutava sua voz... Assim se fez com o Ben Sotada na Lydda! Ocultou-

se, para espiá-lo, a dois sábios doutores, logo lhe conduziu (em seguida) ante o tribunal, e foi

lapidado” (Cf. Talmud de Jerusalém, Sanedrín, 25, cf. Yebamoth 15 d.).

Sabemos que o apelido do Ben Sotada, em hebreu “filho da separação”, é um epíteto

injurioso que os talmudistas aplicaram ao Jesus daí em diante, durante suas polêmicas cristãs que

formavam os discípulos de Saulo-Paulo. O motivo era que Jesus descendia, através de Salomão,

de David, e de Betsabé, quer dizer, de um casal adúltero e assassino, o primeiro por ter mandado

matar Urias, marido da segunda, que consentiu isso; portanto, trata-se efetivamente de nosso

personagem, e não de um homônimo. Por outra parte, esta passagem nos dá o lugar de sua

captura final: Lydda, cidade situada a trinta quilômetros do monte Garitzim, no caminho de

Jerusalém ao Joppe. Por último, primeiro foi capturado e interrogado por seus adversários

saduceus nessa mesma cidade, e logo entregue por eles aos romanos. O que coincide com o

relato de Celso em seu Discurso verdadeiro, só que confunde a traição de Judas e a dos

saduceus, a quem toma por discípulos de Jesus. Pelo contrário, o Talmud de Jerusalém pretende

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que foi lapidado, com o fim de ocultar a crucificação por parte dos romanos de um “filho de David”

que lhes fora entregue pelos saduceus. Isto não lhes parecia muito honorável, e além disso era

ilegal. É provável que os saduceus cedessem ante o medo à represálias romanas em caso de

negarem-se.

Mas, como se vê, as diversas migalhas de informação que nos chegaram de fontes

diversas: judias gerais com o Talmud, particulares com o Flavio Josefo, romanas com o Celso,

concordam todas perfeitamente, incluída essa suposta em liberdade por parte de Pilatos,

imaginada pelos monges bizantinos, e depois continuada pelos copistas da versão eslava, para

dissimular melhor a fuga de Jesus à Samaria.

Logo Pilatos caiu em desgraça ante o Vitelio, cônsul e governador de Síria, por motivos

que logo analisaremos: conforme parece, foi devido às queixas desses samaritanos. Já veremos o

que devemos acreditar de tudo isso.

Recorreu Pilatos ao Cesare apello, a apelação ao César, privilégio de todo cidadão

romano, e seu em especial, por ser amicus Caesaris? É muito possível. Mas, do mesmo modo,

também Vitelio pôde não querer lhe aplicar uma sanção por si mesmo, e remeter-se ao imperador,

neste caso Tibério, que já estaria devidamente informado. Seja o que for, Pilatos embarcou em

direção à Roma, aonde, entretanto, não chegou até depois da morte do imperador, que não

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devemos esquecer que se converteu em seu sogro por aliança, ao haver-se casado (segundo

certas tradições) em terceiras núpcias com Julia, avó de sua esposa Claudia Procula. Este óbito

foi, evidentemente, muito contrário para Pilatos, como veremos a seguir.

De todo modo, aqui abriremos um parêntese. Além de Flavio Josefo, de Filón de

Alexandria e dos textos neo-testamentários (evangelhos, atos apostólicos, tão canônicos como

apócrifos), Pôncio Pilatos, procurador da Judéia, só aparece citado em Tácito, em seus Anais,

libero XV, XLIV. O que induz a certos historiadores racionalistas a negar sua existência real. É

muito fácil lhe dar uma resposta a isto: Tácito não nos dá os nomes de todos os procuradores que

governaram Judéia, e isso não significa que Roma deixasse às vezes a essa província, tão difícil

de governar, sem seu representante. Pois bem, nós conhecemos os nomes de todos os

procuradores, mas só através de Flavio Josefo, e Pilatos figura efetivamente entre eles, em várias

fases de ditos relatos.

Além disso, possui-se a placa dedicatória de um edifício construído em Cesaréia Marítima

em honra do imperador Tibério. Em tal inscrição permanecem ainda legíveis os nomes de Tibério

e de Pôncio Pilatos. Essa placa se conserva na atualidade no Museu de Israel, em Jerusalém, e

responde às dúvidas sobre a existência do procurador.

Pois bem, como dissemos antes, Tibério faleceu em 16 de março do ano 37 de nossa era,

em Misena. Se os fatos de Samaria relatados antes por Flavio Josefo se desenvolveram nos

primeiros meses do ano 35, pode admitir-se que a queixa dos samaritanos (se foi esse o

verdadeiro motivo da queda em desgraça de Pilatos, o que é muito duvidoso, como logo veremos)

não foi levada ao governador de Síria nem admitida até vários meses depois de tais

acontecimentos. Porque Vitelio jamais admitiria que se exigisse dele uma resposta imediata.

Então se ordenou uma investigação sobre os fatos alegados. A prudência romana não podia

deixar descuidada à Samaria, província em geral pacífica. Quanto tempo se demorou, depois da

admissão dessa queixa, em decidir tal investigação? Quanto tempo durou? Quanto tempo

transcorreu entre seus inícios e a decisão do governador Vitelio de enviar Pilatos ante Tibério

César? Quantas semanas, ou inclusive meses, passaram desde que se decidiu enviá-lo à Roma,

até que se embarcou? E quantas semanas no mar, desde sua partida até a morte de Tibério?

Entre o final de Jesus, em abril do ano 35, e o de Tibério, em março do 37, transcorreram

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dois anos. Se recordarmos que entre a apelação ao César formulada por Saulo-Paulo em

Cesaréia Marítima e a sentença final em Roma passaram-se no mínimo trinta e dois meses, na

opinião dos exegetas católicos mais qualificados, o lapso de tempo comprometido pelos fatos

antes citados não pode ser mais plausível, e inclusive resulta muito breve.

E agora voltamos para episódio narrado por Flavio Josefo. Quem era esse impostor (termo

usado por Arnauld d’Andilly em sua tradução do grego) que amotinou aos samaritanos? Por que,

se se tratava era simplesmente de encontrar uns copos sagrados ocultos antigamente pelo

Moisés, mandou-lhes tomar as armas? E esse impostor, de onde vinha? A resposta é fácil.

Chamava-se Jesus... E vinha, naturalmente, da Judéia, mais exatamente de Jerusalém, de onde

fugira depois de sua liberação pelos zelotes, deixando que crucificassem em seu lugar a seu

chefe, Simão, mais tarde chamado “de Cirene”.

A tradução de Arnauld d’Andilly nos diz que Pilatos “capturou alguns, e mandou cortar a

cabeça dos principais ...”.

Esse tipo de execução se reservava geralmente aos prisioneiros executados no próprio

campo de batalha, já que suas cabeças levavam a autoridade interessada, como prova. Não foi

isso, evidentemente, o que se aplicou ao Jesus, já que segundo nos diz foi “entregue pelos seus”

(Cf. Celso, op. cit.). A fim de mostrar ao povo judeu que Roma tinha sempre a última palavra,

tiveram-no encadeado a Jerusalém, e depois de havê-lo apresentado rapidamente às três

autoridades legais para sua identificação, crucificaram-no, desta vez definitivamente, tal como o

descrevemos já em uma de nossas obras precedentes. E isso justifica, além disso, que se citem

dois lugares como convocação de sua crucificação. Nos evangelhos canônicos trata-se do

Gólgota, ao noroeste da cidade, imediatamente depois da guerra do Efraim. Nas Ata Pilati trata-se

do Monte das Oliveiras, ao leste de Jerusalém, depois de ter franqueado a Porta Dourada. A

evasão teve lugar, forçosamente, enquanto conduziam Jesus para o Gólgota, e a verdadeira

crucificação teve lugar, portanto, nas Oliveiras. Agora veremos por que: Daniel-Rops, em Jesus

em seu tempo, capítulo X, descreve-nos o lugar onde se desenvolveu o pseudo-episódio da mofa,

no curso do qual os veteranos da coorte se burlaram de Jesus, “rei dos judeus”. Nesse lugar há

uma espécie de mosaico chamado lithostrotos. Pois bem, este se encontra situado “em um ângulo

do pátio de Antonia, perto de uma escada que conduzia ao corpo de guarda”, conforme segue nos

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precisando Daniel-Rops. Assim, para ir à Gólgota, Jesus passou com sua escolta legionária por

diante da Porta do Norte, de onde saía precisamente o caminho que conduzia à Samaria. E saiu

da cidadela Antonia, e não do palácio de Herodes, que se convertera em residência do

procurador. Pelo contrário, na segunda e definitiva saída para seu destino, foi desta última

convocação de onde se encaminhou para o monte das Oliveiras, ou, mais provavelmente ainda,

para o cemitério ritual de tal nome.

Dessas duas fases distintas das últimas semanas de Jesus, desses dois processos,

tentou-se realçar um só relato, com o fim de escamotear certa evasão, bastante irritante em um

“filho de Deus”. E isso explica as incoerências, as contradições e as divergências existentes entre

os textos neo-testamentários.

Além disso, nos meios gnósticos, que logo escapariam à disciplina escriturária da grande

Igreja, nasceria dessas mesmas mesclas tão torpes uma tradição bastarda que, ao perpetuar-se,

contaria que Jesus não apareceu na cruz, a não ser um tal Simão, chamado “de Cirene”, quem

também teria levado “a cruz de Jesus”. A levou, isso é certo, mas não no sentido que se daria a

esta expressão nos futuros acertos dos evangelhos.

Porque quando Basílides de Alexandria, que era discípulo de Glaucia, que por sua vez era

discípulo de Simão-Pedro, afirma-nos que “tudo aconteceu como dizem os evangelhos”, se

tivermos em conta que para ele não foi Jesus o crucificado, a não ser Simão “de Cirene”, este fato

nos demonstra ipso facto que tais evangelhos não são os que chegaram até nós, e que estes

últimos não são outra coisa que textos manipulados, elaborados no século IV sob a vigilância de

Eusebio da Cesaréia. Em sua época, por volta dos anos 120-140 de nossa era, havia outros

evangelhos, que desapareceram no século IV, e é a eles aos quais faz alusão Basílides.

Agora fica por estudar as condições daquela liberação momentânea de Jesus, liberação

que é óbvio que só pôde produzir-se com a ajuda de numerosas cumplicidades, e, sobretudo, com

o acordo tácito de autoridades romanas, acordo secreto sem o qual a evasão não podia sair bem.

E também aqui, como dizia Byron, a verdade é sempre estranha, mais estranha que a ficção...

27- A evasão de Jesus

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Com uma mentira como estímulo, pesca-se uma carpa de verdade...

Shakespeare, Hamlet

Se alguém consulta numerosos Indique bíblicos, constatará que um dos versículos mais

assombrosos do Novo Testamento não aparece mencionado neles. Com efeito, se um busca a

palavra “liberar”, a palavra “Pilatos”, ou o termo “liberar”, vê-se forçado a constatar que o versículo

12 do capítulo 19 do Evangelho de João não têm nenhuma referência. E isso conduz ao

historiador, curioso por natureza, e mais ainda se for imparcial, a procurar o porquê dessa

estranha omissão. Vejamos, pois, essa passagem: “Após, Pilatos procurará liberar ao Jesus...”

(Cf. João, 19, 12).

Mateus (27, 11-31), e Marcos (15, 1-20) dão a entender a mesma intenção de parte do

procurador. Mas em troca Lucas é igualmente categórico como João: “De novo Pilatos se dirigiu a

eles, querendo liberar ao Jesus...” (Cf. Lucas, 23, 20).

Tomemos agora o manuscrito eslavo da Guerra dos judeus de Flavio Josefo, que nesta

versão se intitula A tomada de Jerusalém. Trata-se de uma transcrição efetuada pelos monges

ortodoxos na Idade Média; os manuscritos datam dos séculos XV e XVI, sobre cópias perdidas

dos séculos XI-XII. A célebre interpolação relativa ao Jesus, que figurava habitualmente nas

versões gregas e árabes das Antigüidades judaicas, foi transferida aqui pelos escribas bizantinos

nos séculos IV e V, o que constitui com toda segurança a melhor prova dessa manipulação

intencional. Pois bem, na passagem que trata da insurreição samaritana do monte Garitzim, já

relatada, lemos o que segue, e são os monges copistas ortodoxos os responsáveis: “Este (Pilatos)

enviou homens, matou a muitos entre o povo, e se apoderou daquele fazedor de milagres.

Investigou sobre ele e soube que fazia o bem e não o mal, que não era nem rebelde nem ávido do

poder real, e lhe soltou, porque tinha curado a sua mulher, que morria. E quando retornou ao lugar

de costume, continuou fazendo ali as obras acostumadas. E de novo, como grande número de

gente se reuniam em torno dele, foi renomado por suas obras por cima de todos”. (Cf. Flavio

Josefo, Guerra dos judeus, manuscrito eslavo, II, 4).

Esta passagem é uma interpretação livre do Mateus, 27, 19.

Tínhamos ou não tínhamos razão, leitor, ao afirmar que o homem que revoltou aos

samaritanos fez tomar as armas sob um falacioso pretexto, entrincheirou-se em Tirathana e foi

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finalmente capturado, não era outro que Jesus? E nos diz que Pilatos o soltou.

Cometeríamos um grande equívoco se supuséramos que o que acabamos de revelar aqui

ao público em geral o ignoravam os exegetas católicos e protestantes. O fato de não mencionar

nos Indique bíblicos essa intenção de Pilatos de liberar o Jesus constitui a prova disso. E mais

quando Daniel-Rops, historiador oficial da Igreja católica, confessa-nos em Jesus em seu tempo:

“Ele (Pilatos) não desejava outra coisa que a liberação de Jesus...”, e “Mais que nunca quisesse

soltar àquele profeta que invocava o poder divino...” (op. cit., Le procès de Jésus X, Ecce Homo).

Quisesse? Mas se já o tinha feito uma vez!

Por outra parte, Epifano, em seu De Fide, aludindo ao culto que se celebra (em sua época)

“em certos lugares” durante a semana da Paixão, na quinta-feira santa, à nona hora, sabe de uma

tradição transmitida por alguns que afirmam que “essa quinta-feira, para a nona hora, os apóstolos

puderam reunir-se com Jesus em segredo, e este efetuou com eles em sua prisão a fração do

pão”. (Cf. Epifano, De Fide, fragmentos publicados por Holl, P. 206, 17-20), e citados por Annie

Jaubert, em La Date da Cène, P. 88).

Este surpreendente episódio nos confirma isso Victoris, bispo de Poetovio, em Pannonia,

falecido no ano 304, em seu tratado De fabrica mundi.

É perfeitamente evidente que para penetrar, e além várias pessoas, no calabouço de um

prisioneiro do Estado, terá que gozar de poderosos amparos, ou de cumplicidades tácitas. Pois

bem, além da benevolência secreta do procurador, Jesus tinha poderosos protetores no partido

fariseu, vale citar Nicodemos, “um dos principais entre os judeus” (cf. João, 3, 1), o que dá a

entender que era membro do Sanedrín, ou a esses fariseus anônimos que vão advertir Jesus de

que Antipas tem a intenção de fazê-lo assassinar (cf. Lucas, 13, 31). De fato, não tinha outros

adversários que os saduceus, seita que agrupava à classe materialista, rica, colaboradora de

Roma e inimizade dos zelotes.

Se a esses partidários lhes acrescenta as influências femininas, nada desprezíveis, para

citar só Salomé II, princesa herodiana, viúva de Herodes Filipo, enteada e ao mesmo tempo

sobrinha de Herodes Antipas, e Iochanah (Juana), mulher de Chuza, intendente do mesmo

tetrarca, e Claudia Procula, esposa de Pilatos, constatar-se-á que não está abandonado no

mundo das esferas oficiais influentes (cf. Jesus ou o segredo mortal dos templários, págs. 289 a

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303; O homem que criou Jesus Cristo, págs. 183 a 202). E mais, entre Salomé II e Jesus existiram

umas relações muito estreitas; estão testemunhadas por um evangelho muito antigo, que se

acreditava que tinha desaparecido para sempre, e que providencialmente foi encontrado de novo

no Alto Egito, em Nag-Hamadi, no ano 1947. O manuscrito é do século IV, está redigido em copto,

sobre um texto inicial de princípios do século III. E nele lemos este desanimador versículo: “Jesus

disse: ‘Dois repousarão lá, sobre um leito... Um morrerá, o outro viverá! E Salomé disse: ‘E você

quem é, homem? De quem saistes para te haver metido em minha cama e ter comido em minha

mesa?...’.” (Cf. Evangelho de Tomás, fólio 43, versículo 65).

Isto nos parece muito claro. Porque a hipótese de um leito para comer, dos utilizados nos

banquetes antigos, não é rentável. As mulheres estavam sentadas, os homens deitados, elas não

tinham leito próprio, e se se recostavam depois do festim, era por convite do homem (cf. Petronio,

O Satiricón, 67).

Por outro lado, pode admitir-se que no Talmud, e para evitar ser condenados à fogueira

por crime de lesa majestade divina, os talmudistas dispersassem tudo que concernia ao Jesus e

situassem todas as passagens que se referem a ele em épocas diferentes. Assim podiam argüir

que o Jesus que eles desprezavam não era o mesmo ao qual os cristãos deificaram.

Uma singela ordem oral, integrada na tradição secreta rabínica, permitia então aos

iniciados estabelecer a verdade histórica. E ante os juízes reais ou ante a Inquisição, sempre

podiam jogar com as palavras e sair bem liberados do atoleiro. No Talmud de Jerusalém, por

exemplo, lemos o seguinte: “Rabbi Abun disse: ‘Em presença de um partidário e de um renegado

que deseje voltar a ser judeu, este último terá a prioridade, a causa do fato sobrevindo’.” (Cf.

Talmud de Jerusalém, volume 6, tratado Horaioth, III).

É indubitável que o Jesus evocado aqui é o mesmo do Novo Testamento, embora o fato de

associá-lo ao Josué-Ben-Parabia tenda a dissociar o dele. Com efeito, Josué-Ben-Parabia viveu

no ano 60 antes de nossa era. Mas, admitindo que outro Jesus fosse herege naquela época, não

se vê bem como, no século IV, o fato de ser rechaçado em sua petição de reintegração ao

judaísmo pôde ser “grave por suas conseqüências” para os judeus de então. O único que

corresponde a essa definição é o nosso. Foi de sua história de onde saíram todas as

perseguições e as matanças que Israel teve que sofrer durante séculos.

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Além disso, todos os Jesus citados como hereges no Talmud foram executados numa

véspera de Páscoa. E essa é a chave que permite aos rabinos talmudistas orientar-se nesse

esoterismo histórico. Basta saber, porque só os romanos se permitiam violar assim a santidade da

semana pascal. Agora bem, no ano 60 a Judéia não era ainda província romana, e não o seria até

o ano 69, com a entrada de Pompeyo em Jerusalém.

Voltemos para a liberação de Jesus, afirmada pelos monges copistas ortodoxos.

Imaginar que este homem, cuja captura nas Oliveiras exigiu a mobilização de uma coorte

de veteranos, quer dizer, de seiscentos soldados de elite, acompanhados de um importante

destacamento de milicianos do Templo, e dirigidos por um tribuno militar, magistrado com classe

de cônsul, repito, imaginar que este homem pôde ter sido posto em liberdade pelo procurador de

Roma à vista e em presença de toda a cidade de Jerusalém, guarnição incluída, é um perfeito

disparate. Quão único pôde fazer Pilatos é facilitar uma evasão, adotando todas as medidas

oportunas para que esta fosse um êxito: debilidade numérica da escolta de execução, eleição de

um lugar e um itinerário especialmente propícios para uma fuga, acordo secreto com os

partidários, e acordo também com o interessado no que diz respeito a seu desaparecimento e a

sua neutralidade atrás dessa discreta “liberação”. E isso foi o que aconteceu em parte.

Os arquivos do Império romano compreendiam diversos tipos de documentos. Estavam as

Atas do Senado, o Jornal de Roma, e os Arquivos imperiais. Estes últimos estavam compostos

por notas redigidas pelo imperador ou por seus secretários, e os relatórios confidenciais enviados

a Roma pelos legados imperiais, governadores de províncias, etc. O próprio Tácito, apesar do

favor de que gozava por parte dos imperadores Nerva e logo Trajano, jamais pôde inteirar do

conteúdo de tais Arquivos imperiais (comentários principais), (cf. H. Goelzer, Tacite, Annales,

Introduction, XII-XIII), e foi o Papa Gregório I quem os mandou destruir, como dissemos antes.

Agora bem, houve um homem que, indubitavelmente, foi autorizado a informar-se nesses

documentos confidenciais, e foi Celsus, aliás Celso, o “terceiro Celso”, geralmente ignorado pelos

historiadores oficiais, e com razão. Celso, amigo do imperador Juliano, seu companheiro de

estudos nas escolas de Atenas, aluno, amigo e companheiro de Libanio, e a quem Julio César fez

governador das províncias da Capadocia e Cilícia, pretor de Bitinia, colaborou com o imperador na

reação pagã que se desenvolveu do ano 361 a 363. Aparece citado por Amiano Marcelino e por

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Libanio, contemporâneos deles, assim como por Paul Allard, historiador católico, em seu livro

Julien. Enquanto o jovem imperador (a quem os cristãos denominariam o Apóstata depois de fazê-

lo assassinar) redigia seu livro Contra os Galileus, Celso compunha seu famoso discurso

intitulado Aletès logos ou Discurso verdadeiro, logo mais conhecido com o nome de Contra os

cristãos; e pode admitir-se perfeitamente que seu poderoso amigo Juliano, para esta colaboração,

abrir-lhe-ia os Arquivos imperiais sem nenhuma dificuldade, ao menos no que correspondia ao

período sobre o que versava o trabalho que preparava Celso, quer dizer, os onze anos do

procurador Pôncio Pilatos. E no Discurso de verdade ou Discurso verdadeiro descobrimos esta

surpreendente passagem já citada: “Mas como receber como Deus àquele que, entre outras

coisas motivo de queixa, não realizou nada do que prometera? Àquele que, convencido, julgado e

condenado ao suplício, escapou vergonhosamente, e foi capturado de novo nas condições mais

humilhantes, graças à traição daqueles mesmos aos quais ele chamava seus discípulos...” (Cf.

Celso, Discurso verdadeiro, II, 16).

Que se tranqüilize o leitor, logo conheceremos o nome do segundo traidor que entregou

Jesus.

Esta evasão se conseguiu graças à cumplicidade tácita de Pôncio Pilatos, e provavelmente

também de Herodes Antipas, tetrarca bonachão, indeciso e ardiloso, que possivelmente cedeu às

instâncias de sua sobrinha e enteada Salomé II, assim como de Pilatos e Claudia Procula. Sobre

a cumplicidade de Pilatos existe ainda um documento, um velho apócrifo do século VI, apoiado

em um texto inicial muito mais antigo, e que recebe o nome de pseudo-Marcellus. Imprimatur de

8-9-1921, Paris, Letouzey & Ané édit., Paris, 1922).

Nos Atos de Pedro se fala de uma carta que Pôncio Pilatos teria dirigido ao imperador

Claudio, e que figura no pseudo-Marcellus. “Foi sugerida pelo Tertuliano, ou corria já em certos

círculos cristãos?...”, pergunta-se o abade Vouaux. Não pode dizer-se nada a respeito. Mas uma

alusão surpreendente já a primeira vista, e é o fato de que Pôncio Pilatos dirigisse uma carta ao

imperador Claudio. Porque Pilatos morreu em Vienne no ano 39, e Claudio não foi imperador até o

ano 41. Pensamos que se trata de um aplique de um copista muito ciumento. Não é impossível

que Pilatos redigisse um relatório (e não uma carta) dirigido à atenção de Claudio, mas este último

ainda não era imperador. Não esqueçamos que este passou por Vienne ao ir combater aos

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bretães, quando Pilatos estava ainda deportado nesta cidade (ou muito perto dela), no ano 39.

Este relatório, provavelmente uma queixa ou justificação, Pilatos o teria redigido com a esperança

de obter seu progresso, perdoado, quando Claudio passasse por Vienne, sendo então legado

imperial e cônsul.

No texto do pseudo-Marcellus que chegou até nós (e que provavelmente foi hábil e

embelezado pelos escribas anônimos em suas posteriores resenhas), Pilatos recorda os milagres

de Jesus, o ódio dos príncipes, dos sacerdotes, sua crucificação e sua ressurreição, que os

judeus teriam tentado fazer passar por uma mentira de parte dos guarianes.

Deixemos essa verborréia e tenhamos em conta que com toda probabilidade Pilatos dirigiu

um relatório justificativo ao Claudio, então simples cônsul. A benevolência do procurador para com

o Jesus seria justificada pelo fato de que Tibério, em um momento de seu reinado, teve a idéia de

dar a tetrarquia de Herodes Filipo, que acabava de ser destituído (no ano 34 de nossa era), ao

Jesus, com o fim de aplacar a resistência judia latente, ao lhes dar um “filho de David” como

soberano de Batanea, Traconítide, Gaulanítide e Auranítide. Dois evangelhos nos contam este

fato, o de João (6, 15), e o conhecido como Evangelho dos Doze Apóstolos fragmento II. Este

último estava considerado pelo grande Orígenes como muito anterior ao de Lucas.

Por outra parte, o que confirma esta decisão de Tibério (que fracassou a conseqüência de

intrigas locais na Palestina), é que uma Histoire da ville de Vienne, de Mermet, Sen., (Paris, 1828,

Didot édit.), contém uma História inédita da cidade de Vienne sob os Doze Césares de um tal

Trebonius Rufinus, senador romano, dirigida ao C. Plino Coecilio Secundo. Trebonius Rufinus diz

ser antigo administrador da cidade de Vienne. Este texto dataria do ano 109 ou 110 de nossa era.

Nele pode ler-se, no capítulo VII do livro VI, que Tibério tinha proposto ao Senado de Roma que

admitissem ao Jesus na classe dos deuses do Império. Depois de um exame atento da

informação que possuíam, o Senado rechaçou essa proposta, porque lhes parecia inconveniente

deificar, quão mesmo a um César romano, a um indivíduo que fora submetido ao suplício

reservado aos rebeldes e aos escravos, e além por sentença de um procurador de Roma. Vêm a

seguir algumas linhas sobre as perseguições que tiveram lugar sob o Nero.

De todo modo, e para ser objetivo, convém assinalar que o que pretendia Tibério não era

proclamar ao Jesus como deus no sentido que lhe dão ao termo os cristãos atuais. Não se tratava

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mas sim da apoteose, quer dizer, da apoteose ou glorificação póstuma que elevava a um morto à

categoria dos heróis divinizados; Zeus conservava o primeiro lugar na teogonia secular. Para

Tibério, este fato carecia de importância; Suetonio nos diz dele que tinha estudado astrologia em

Rodas, com o astrólogo Trasilo como professor, e que era “indiferente aos deuses e à religião, já

que se entregava à astrologia e acreditava firmemente que tudo obedecia à Fatalidade...”. (Cf.

Suetonio, Vida dos Doze Césares, Tibério, XIV e LXIX).

É evidente que, se este fato for verídico, os padres recrutas, responsáveis pela glória do

Império, não podiam pôr no mesmo pedestal a um rebelde judeu e a Augusto, o maior de seus

imperadores. Isto deveria lhes parecer impensável, ou inclusive ofensivo.

Mas um se perguntará através de quem tinha ouvido Tibério falar de Jesus? Pois

simplesmente através de um relatório de Pilatos. Quando teve lugar a destituição de Herodes

Filipo, por ocasião da denúncia de um pseudo-complô feita por seu primo irmão Herodes Antipas,

o procurador teve que prestar contas dos acontecimentos que a motivaram. Provavelmente foi

consultado sobre a eleição do possível sucessor. Impulsionado por sua esposa Claudia Procula,

possivelmente amiga de Salomé II (os membros da alta sociedade, como é natural, freqüentavam-

se, fosse qual fosse sua origem), pôde sugerir ao Jesus. Isso explicaria que fora primeiro inimigo

de Herodes Antipas, quem esperava ser o herdeiro dos bens de seu primo irmão. Porque essa

hostilidade aparece testemunhada nos evangelhos canônicos: “Naquele dia se fizeram amigos um

do outro, Herodes e Pilatos, pois antes eram inimigos”. (Cf. Lucas, 23, 12).

Entretanto, possivelmente há algo mais que essas relações entre Pilatos e Tibério, ou sua

esposa Claudia Procula, ou Salomé II. Com efeito, consultemos de novo o Evangelho dos Doze

Apóstolos, e voltemos para esse episódio da investigação de Tibério sobre o Jesus, relatada em

nossa primeira obra. Carios, enviado do imperador, tinha como missão estabelecer essa relação,

com o fim de nomear ao Jesus tetrarca, substituindo ao Herodes Filipo, destituído dessa

dignidade. E vejamos o que diz já sobre isso esse misterioso evangelho: “Quanto ao Carios,

enviou junto ao imperador ao apóstolo João, quem lhe relatou muitas coisas a respeito de Jesus.

O imperador Tibério concedeu grandes honras ao João e escreveu, sobre Jesus, que tomassem

para fazê-lo rei, segundo o que está escrito nos evangelhos, ou seja: ‘E Jesus, conhecendo que

viriam para lhe arrebatar e lhe fazer rei, retirou-se outra vez ao monte, ele sozinho...’.” (Cf. João,

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6, 15).

Temos, pois, que o Evangelho dos Doze Apóstolos confirma o que já nos dizia outro

apócrifo copto, os Atos de Pilatos. E em um fragmento conservado na Biblioteca Nacional de Paris

(manuscrito nro. 129/17, fólio 10), o mesmo Evangelho dos Doze Apóstolos contribui ainda outra

precisão: “depois deste tempo, quando Tibério César passou (pela Palestina), Herodes o Tetrarca

foi encontrar-se com ele, sendo Pilatos o prefeito da Judéia...”.

Sem dúvida não se encontra nenhuma estadia concreta de Tibério na Judéia. Mas antes

de ser imperador viajou muito. Nasceu em Roma em 16 de novembro do ano 42 antes de nossa

era, converteu-se em imperador no ano 14 de nossa era, morreu em Misene em 16 de março de

37. Foi cônsul no –20, e aquele mesmo ano foi à Armênia para restaurar ali o reino de Tigrano.

Logo foi governador de Galia Transalpina, e no ano –15 foi respaldar ao Druso com as legiões de

Rin e de Danubio. Do –15 aos –9 obteve numerosas vitórias sobre os ilirios e os panonios. No –12

se casou com Julia I, filha de Augusto, foi adotado por este imperador no ano 4 de nossa era, e

viveu então, do –16 até o 4 de nossa era, na ilha de Rodas, pois se afastou rapidamente de sua

esposa, por causa de seus adultérios. Quando retornou à Roma, no ano 4, partiu para a conquista

da Germania setentrional e chegou até o curso inferior de Elba. No ano 6 de nossa era efetuou

campanhas nas Bálcãs e em Iliria. Em 14 foi imperador, e se retirou em 27 à ilha de Capri.

Pois bem, Rodas está a pouco mais de 700 km. da Cesaréia Marítima, e isso só

representava uns dez dias de navegação, naquela época. Por que Tibério não teria que estar

jamais na Palestina, se esteve em Armênia, e logo em Rodas, mais perto? Deste homem não

sabemos tudo; os Anais de Tácito não começam, em seu primeiro livro, até o ano 14 de nossa

era, sob os consulados de Sexto Pompeyo e Sexto Apuleyo. E Suetonio, em sua Vida dos Doze

Césares, despacha em só quatro linhas as atividades anteriores de Tibério no Oriente Médio:

“Tomou suas primeiras armas na expedição contra os cántabros em qualidade de tribuno militar,

logo, depois de conduzir um exército ao Oriente, devolveu ao Tigrano o trono de Armênia e o

coroou com o diadema diante de seu tribunal. Recuperou deste modo as insígnias que os partos

tinham arrebatado ao M. Crasso”. (Cf. Suetonio, Vida dos Doze Césares, Tibério, IX).

Tenhamos em conta que os partos ocupavam Persia e Babilônia até o Éufrates, e que ali

se está muito perto de Antioquia de Síria. Por conseguinte, é seguro que Tibério esteve nessas

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regiões. Em que época? O Evangelho dos Doze Apóstolos lhes contribui uma precisão a que

parece que os exegetas não prestaram atenção: “sendo Pilatos prefeito da Judéia...”. Prefeito da

Judéia ou prefeito na Judéia?

Prefeito da Judéia faria dele um administrador civil, e Pilatos era militar. Prefeito na Judéia

o mostraria como simples prefeito legionário, quer dizer, algo assim como general, já que tinha

sob suas ordens os seis tribunos das coortes habituais em uma legião romana. Encontramo-nos,

pois, antes do ano 26 de nossa era, data na qual, sendo Tibério imperador, Pilatos foi renomado

procurador da Judéia. E nesse período Jesus contava já mais de quarenta anos, posto que tinha

nascido em 17 de nossa era.

Como se vê, não há nenhuma impossibilidade histórica no fato de que Tibério, no curso de

uma estadia mais ou menos longa em Síria ou Palestina, ouvisse falar de Jesus nos meios

aristocráticos onde necessariamente o receberam: dinastia herodiana (Herodes Antipas, tetrarca,

Salomé II, Herodias, etc.), hierarquia religiosa judia (membros do Sanedrín, pontífice, supremos

sacerdotes diversos, etc.), hierarquia militar ocupante (quadros da administração romana, civil e

militar). E não é impossível que a placa comemorativa descoberta em Cesaréia, que menciona

Tibério e Pilatos, não seja o testemunho de uma visita de Tibério à Jerusalém, e além na época

em que Jesus era da máxima atualidade, tanto pelo papel que desempenhava, como por suas

alianças familiares...

Quanto ao fato de que se enviasse ante o Tibério ao apóstolo João, o irmão mais jovem de

Jesus, por ordem de Carios, é evidente que se trata de uma pura invenção dos piedosos copistas.

Um simples relatório de tal Carios, enviado do imperador, bastava a este último para dar-se por

informado. Mas se Tibério teve a idéia de confiar um dia uma tetrarquia ao Jesus, este projeto

pôde muito bem germinar em sua mente no curso dessa estadia em Síria ou Palestina, sem

necessidade de interrogar ao tal João. Possuía muitos outros meios de investigação, por ser já

cônsul, legado de César, etcétera.

E agora podemos fazer o balanço de nossos descobrimentos:

1. Vimos que Pilatos desejava liberar Jesus, mas que não podia fazê-lo oficialmente.

2. Vimos que em sua mente havia em germe uma idéia de substituição, que os evangelhos

ocultaram, com o assunto de Jesus Barrabás.

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3. Vimos que numerosos textos combatem, com palavras de duplo sentido, uma tese que

pretendia que Jesus não fora crucificado.

4. Vimos que certas tradições afirmavam que Simão de Cirene fora crucificado em lugar de

Jesus.

5. Vimos que o texto de Celso afirmava que Jesus se evadiu e fora entregue por seus discípulos.

6. Sabemos que os evangelhos sinóticos de Mateus, Marcos, Lucas, afirmam que Simão de

Cirene levava a cruz de Jesus, enquanto que o de João afirma que Jesus chegara ao lugar da

execução levando ele mesmo sua cruz.

7. Sabemos que esses evangelhos não estão de acordo no que diz respeito ao dia da semana e

a hora da crucificação; esse é um problema que divide os exegetas há séculos.

8. Sabemos que uma tradição afirmava que Jesus tinha recebido em sua prisão a visita de

alguns de seus apóstolos.

9. Sabemos que as Ata Pilati afirmam que Jesus foi crucificado nas Oliveiras, fato confirmado

pelo relato da peregrina Eteria, enquanto que os evangelhos canônicos (arrumados no século

IV) afirmam que foi no Gólgota.

Em seu diário de viagem, intitulado Peregrinatio ad loca Sancta, peregrina Eteria nos

mostra, com efeito, que por volta do ano 400, quer dizer, ainda em princípio do século V, em

Jerusalém a oblação da quinta-feira santa se realizava de noite, no Gólgota, enquanto que a

comemoração da agonia e da morte de Jesus se realizava no Getsêmani e no monte das

Oliveiras. Isso prova que, naquela época, sabia-se que a execução tivera lugar nas Oliveiras, mas

que, apesar de tudo, algo tinha acontecido no Gólgota. O que? Já não possuíam a chave!

1. O Talmud de Babilônia afirmava que Jesus foi “detido” 40 dias antes de ser executado.

Tenhamos simplesmente em conta o fato de que a condenação e a execução estiveram

separadas por um período de aproximadamente seis semanas. Por certo que Lucas distingue

dois comparecimentos de Jesus ante Pilatos, em 23, 1 a 7, e em 23, 13 a 25.

2. Logo constataremos que os motivos alegados nas diferentes versões das Antigüidades

judaicas e da Guerra dos judeus de Flavio Josefo são incoerentes e contraditórias no que se

refere à queda em desgraça de Pôncio Pilatos e de Herodes Antipas.

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3. Sabemos que Pilatos teve que reprimir uma revolta armada de grande envergadura, dirigida

por um líder que se dizia profeta e mago, que revoltou boa parte de Samaria, depois da morte

“oficial” de Jesus segundo os evangelhos canônicos, e que esse profeta mago foi conduzido a

Jerusalém e executado.

Em vista de tudo isto, podemos concluir que:

Houve, efetivamente, duas detenções de Jesus. A primeira teve lugar umas seis semanas

(40 dias) antes da Páscoa e de sua verdadeira crucificação. Foi seguida de um processo romano

como deve ser, com todo o aparelho e as minúcias exigidas por esse direito romano do que ainda

estão impregnadas todas nossas legislações contemporâneas.

Foi condenado a morte e conduzido a um lugar de execução incomum, o Gólgota, com o

fim de fazê-lo passar, ao sair da Antonia, e do pretório, por diante da Porta do Norte, de onde

partia, imediatamente depois, o caminho que conduzia à Samaria, território proibido aos judeus

legalistas, e onde Jesus tinha amigos.

Para permitir a evasão, o destacamento que o conduzia para o Gólgota era de número

reduzido. Além disso, não era Jesus quem levava os pregos os quais deveriam estar atados pelos

punhos, a não ser um portador desconhecido. A flagelação ainda não lhe fora aplicada, já que nos

casos de condenação a morte freqüentemente tinha lugar na mesma convocação da execução.

assim, Jesus estava em posse de todas suas faculdades.

Ao passar diante da Porta do Norte, um comando zelote suscitou um motim entre os

partidários de Jesus, que foram em massa. O movimento libertador teve lugar do interior da

cidade para a Porta do Norte, e não da porta para a cidade, a fim de facilitar a fuga do condenado.

No curso da escaramuça, o chefe do comando cainita, um tal Simão, que não era de Cirene, mas

sim ia “ao encontro” dos legionários, ficou em mãos destes últimos, e foi executado no lugar de

Jesus, no Gólgota, aquele mesmo dia.

Bem a cavalo, bem em mula (a história do pequeno asno possivelmente investiu a

verdade), Jesus e sua gente conseguiram chegar à Samaria. Na prisão puseram-lhe a par dos

entendimentos que se realizaram em seu favor. Comprometeram-se em seu nome a renunciar a

toda atividade zelote, e a cair no esquecimento. Mas ele logo renunciaria a dobrar-se ante essa

cláusula e reempreenderia as hostilidades em Samaria.

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Pilatos se veria então na obrigação de enviar a suas tropas a reduzir esta nova insurreição.

Entre os prisioneiros figurava Jesus, entregue por alguns de seus discípulos, que identificaremos

ao final do presente volume. O prisioneiro foi conduzido à Jerusalém. E efetivamente tinham

transcorrido umas seis semanas desde sua fuga ou sua primeira condenação.

Jesus então, e só a fim de que lhe identificassem, foi apresentado às três autoridades

oficiais: as religiosas, com o Anás e Caifás e uma delegação do Sanedrín; a administrativa, com o

Herodes Antipas, tetrarca da Galiléia e Perea (pois Jesus era galileu); e as ocupantes, com o

Pôncio Pilatos. Isso explica a brevidade do prazo transcorrido entre o comparecimento e a

execução, brevidade que sempre deixou estupefato ao historiador e fez acreditar na ilegalidade

dessas formalidades. De fato, o processo tinha já lugar em sua forma regular, e Jesus era

simplesmente um contumaz, condenado a morte, e que escapara de seus guardas fazendo uso

da força. Não havia nenhuma necessidade de começar de novo com outro processo.

Jesus foi conduzido a seguir ao lugar habitual das execuções, quer dizer, ao cemitério das

Oliveiras, ao pé do monte, e foi crucificado entre dois bandidos salteadores de caminhos, segundo

os evangelhos canônicos, mas na realidade entre dois de seu guarda-costas. Seus nomes

tenderiam a relacioná-los com dois antigos gladiadores dados à fuga.

Das mesclas que se realizaram entre estes dois casos nasceram as contradições que se

encontram nos diferentes evangelhos, e as incoerências que neles descobriram é indubitável que

não se devem a outra coisa. Entretanto, é possível que essas mesclas fossem premeditadas,

posto que terei que fazer desaparecer a todo custo qualquer rastro de um Jesus prisioneiro e

evadido.

Desgraçadamente, havia muitas gretas na elaboração da fábula, e a verdade acaba

sempre saindo à luz.

Em Marcos temos precisões sobre seu desejo de permanecer oculto: “Jesus, partindo dali

(de Jerusalém), foi para os limites de Tiro e Sidônia. Entrou em uma casa, não querendo ser de

ninguém conhecido, mas não foi possível ocultar-se, porque logo, ouvindo falar Dele, uma mulher

cuja filhinha tinha um espírito impuro entrou e se prostrou a seus pés...” (Marcos, 7, 24-25).

De modo que desejava que ninguém soubesse quem era, e permanecer oculto. Estranha

atitude para um deus encarnado, vindo a proclamar a verdade às multidões, essa de fugir e meter-

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se “em uma casa”, e querer “ocultar-se” nela. Essa casa era, provavelmente, a do misterioso

irmão cujo nome ignoramos, e que vivia em Sidônia, com o apelido de Sidonios. Seria este o

misterioso filho oculto de que falamos no capítulo 10?

Conhecemos a continuação do assunto; Jesus, ao não poder permanecer mais tempo em

Fenícia, dado que lhe reconheceram, foge de novo: “Saindo de novo dos limites de Tiro, foi por

Sidônia por volta do mar da Galiléia, atravessando os limites de Decápolis...” (Marcos, 7, 31).

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Pois bem, se se examinar o mapa dessas regiões, constatar-se-á que Jesus tentou lhes

dar o cambalacho às pessoas de Tiro. Desde essa cidade se remontou, com efeito, para o norte,

com o passar do litorâneo mediterrâneo, até Sidônia, cidade situada a uns cinqüenta quilômetros

por cima de Tiro. Assim os tirios puderam supor que ia definitivamente da Palestina. E se

proporcionaram alguma informação sobre ele à delegacia romana, essa informação foi errônea.

De Sidônia voltou então, transversalmente para o este, mas por Decápolis, de novo à Galiléia.

Tudo isto é perfeitamente normal por parte de um homem cuja cabeça está posta a preço, e que

tem às legiões romanas em perpétua operação policial contra suas próprias tropas, mas é

totalmente ilógico por parte de um “predestinado”, vindo essencialmente para sacrificar-se. Na

realidade, essas retiradas estratégicas em Fenícia e Samaria serão sua segunda e terceira fuga,

já que, quando Jesus se refugiou no Egito, depois do fracasso da revolução dirigida por seu pai

Judas de Gamala, no ano 6 antes de nossa era, contava já doze anos (pois nascera por volta de –

17), e possuía portanto a maioridade civil e religiosa segundo os termos da lei judia. E três fugas

sucessivas é muito para um Messias.

Os deslocamentos de Jesus durante os quatro anos de sua vida pública não são, pois,

devidos ao azar. Estão necessariamente ligados a uma necessidade de segurança. Ao pretender

restaurar um reinado de caráter religioso, herdar o trono de David, e estar rodeado de zelotes,

alguns dos quais tinham bastante má reputação, se se tiver em conta seus apodos, não podia a

não ser estar vigiado pela polícia romana, a que se acrescentava a dos tetrarcas idumeos. Por

isso, quando vemos os historiadores cristãos dando o nome de “retiro” à sua viagem à Fenícia, e

no sentido piedoso do termo, não podemos deixar de nos assombrar, e entender essa palavra em

seu significado militar, quer dizer, “retirada”.

Com efeito, quando um se encontra em Jerusalém, a Cidade Santa, onde, como bom

judeu de raça, tem-se direito ao acesso ao penúltimo recinto, o dos homens, cada dia (e Jesus

não se priva disso), nesse templo que é o único lugar de culto regular, com exclusão de qualquer

outro, como justificar que fora realizar um retiro à Fenícia, Estado cuja população era sempre

hostil ao povo hebreu, cujos cultos eram essencialmente pagãos, e onde, indevidamente, a

impureza ritual espreitava a cada instante? No pior dos casos, podia meditar “à montanha”.

De fato, tratava-se de uma “retirada militar”, quer dizer, de uma fuga, e precisamente em

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uma região em que não se pensaria nem por um instante que Jesus pudesse refugiar-se. De

Jerusalém, onde se encontrava então, até Sidônia, através da Judéia, a Samaria hostil e Galiléia,

há em total uns cento e noventa quilômetros a vôo de pássaro, aproximadamente.

Sempre ignoraremos o caminho exato que seguiu Jesus, mas podemos supor que, junto

com os poucos discípulos que lhe acompanharam (sem dúvida os mesmos de sempre, Simão,

Santiago e João), mesclou-se a uma caravana de peregrinos que se dirigiam à Fenícia para as

cerimônias comemorativas da morte e ressurreição de Adonis. Porque se dermos crédito aos

trabalhos dos exegetas e historiadores católicos, foi precisamente em junho do ano 29 quando

Jesus se refugiou em Fenícia. E chegou ali justo para as cerimônias anuais, as quais se

desenvolveram, como veremos, no solstício de verão, quando floresce a “rosa de Damasco”, essa

anêmona consagrada ao Adonis.

Mas permaneceria ali pouco tempo, dez dias ao todo, já que foi reconhecido: “Saindo dali

Jesus (de Jerusalém), retirou-se as partes de Tiro e do Sidônia. Uma mulher cananéia daqueles

contornos começou a gritar, dizendo: ‘Tenha piedade de mim, Senhor, Filho de David: minha filha

é imperfeitamente atormentada pelo demônio...’ Mas não lhe respondia palavra. Os discípulos lhe

aproximaram e lhe rogaram, dizendo: ‘Despede-a, pois vem gritando detrás de nós...’. “ (Mateus,

15, 21-24).

E, com efeito, assim corriam o risco de ser identificados, o que, como é natural, não lhes

convinha absolutamente. Nossos personagens não tinham, pois, a consciência tranqüila do ponto

de vista político, dado que, em Tiro e Sidônia, não corriam absolutamente nenhum perigo por

parte das autoridades religiosas judias, assim, para ameaçá-los, não ficavam a não ser as

autoridades romanas, que não exerciam sobre a população do Oriente Médio nenhum controle

religioso, excetuando o que concernia aos sacrifícios humanos.

Fica agora o problema do segundo denunciante que, provavelmente com outros, mais

obscuros, decidiu entregar Jesus aos romanos, depois do fracasso da insurreição de Garitzim.

Quais são então “aqueles aos que ele chamava seus discípulos”?, segundo a expressão de Celso

em seu Discurso verdadeiro (op. cit., II, 16).

Não procuremos. Encontram-se entre aqueles que Clemente de Alexandria diz que

abandonaram “a missão que Jesus lhes tinha creditado”.

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“Escolhidos, não todos confessaram ao Senhor pela palavra, e não todos morreram em

seu nome. Entre eles se contam Mateus, Felipe, Tomás, e muitos outros...” (Cf. Clemente de

Alexandria, Stromates, IV, 9).

E para justificar esta traição está só o cansaço de sete anos de fracassos sucessivos, de

vida errante, de fugas consecutivas aos golpes de mão mais ou menos gratificantes, e estava

também o interesse. No que consistia? Primeiro, indubitavelmente, na certeza de que se

beneficiariam de impunidade pela participação naquela rebelião de Samaria, logo, provavelmente,

em uma importante recompensa, já que sem dúvida a cabeça de Jesus fora posta a preço. Do

mesmo modo, era preciso que o traidor possuísse uma certa autoridade hierárquica e moral sobre

a massa dos partidários, para poder pôr em marcha seu projeto.

Não podia ser Tomás, o gêmeo, aliás Judas, já que, como sabemos agora, logo

desempenharia o papel de Jesus ressuscitado. (Cf. Jesus ou o segredo mortal dos templários, pp.

263 a 267).

Não podia ser Felipe, já que a “tradição”, apesar de tudo, o faz morrer mais tarde pela

causa, e existe uma Epístola de Pedro ao Felipe, seu irmão maior e seu companheiro, manuscrito

do século V, redigido em copto tebano, e que tende a assentar a possibilidade de ulteriores

contatos entre esses dois irmãos de Jesus.

Não fica, pois, ninguém mais que Mateus, aliás Levi, tio de Jesus, funcionário de Roma, já

que era tributo e mantinha uma relação bastante curiosa com o “meio” dessas regiões, como nos

contam os próprios evangelhos canônicos: “E aconteceu que, estando Jesus sentado à mesa em

casa daquele (do Mateus), vieram muitos publicanos e pecadores sentar-se com Jesus e seus

discípulos”. (Cf. Mateus, 9, 10).

Marcos (2, 15) precisa-nos que se tratava da moradia de Levi-Mateus, e Lucas (5, 29), que

esse festim (sic) devotado pelo mesmo causou escândalo entre os judeus ordinários.

Se a gente recordar que o Talmud colocava aos tributos ao mesmo nível que os vadios e

os alcoviteiros, que para ser tributo era preciso ter comprado esse “pedágio” aos ocupantes

romanos, e que esse cargo, muito remunerador, implicava o fato de ter que espremer a seus

próprios compatriotas, convirá em que o personagem de Levi-Mateus não era do mais

recomendável, pois tinha apostado sobre os dois bandos e tinha jogado um duplo jogo, como

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tantos “colaboradores” de todas as épocas.

E o que fica então é que o tio Mateus, personagem pouco limpo a nível moral, pôde muito

bem ter sido o segundo traidor que entregou Jesus, seu sobrinho e seu rei legítimo. O que

justificaria então o silêncio total dos historiadores da Igreja a seu respeito, e sua negativa a afirmar

nada sobre seu fim. Possivelmente foi tão trágico como o de seu outro sobrinho, Judas Iscariotes!

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28 - Duas quedas em desgraça bastante misteriosas

No Paradosis Pilati, o imperador julga e manda executar ao Pilatos, a quem

esse documento oriental apresenta como um mártir, enquanto que os textos

ocidentais fazem dele um criminoso...

ABADE F. AMIOT, Les Évangiles apocryphes, 2ª. Parte, II

A Igreja copta e a Igreja grega santificaram ao Pôncio Pilatos, confirmando de maneira

definitiva o caráter de mártir que a maioria do igrejas orientais que não reconhecem à batata

concediam já ao procurador que fez crucificar ao Jesus. Se a gente recordar que a Igreja copta é

uma das mais antigas entre as igrejas orientais, que é a herdeira dos padres do deserto, que foi,

concretamente a Igreja de São Atanasio, e que não se aderiu definitivamente à doutrina monofisita

até meados do século V, com seu patriarca de Alexandria Dioscoro, sucessor de São Cirilo no ano

444, convirá em que devia possuir tradições saídas das mesmas fontes do cristianismo primitivo.

Então, seu culto de dulía para Pôncio Pilatos deve incitar ao historiador imparcial a elucidar esse

enigma. Nós não deixaremos de nos consagrar a ele, naturalmente.

Já um simples trocadilho de mau gosto nos demonstra que o texto latino da Vulgata de

São Jerônimo, versão oficial da Igreja católica, deve nos mover à desconfiança. Vejamos, pois,

uma vez mais os evangelhos: “Disse-lhe então Pilatos: ‘Logo você é rei? Respondeu Jesus: ‘Você

diz que sou rei. Eu para isto vim ao mundo, para dar testemunho da verdade; tudo o que é da

verdade ouça minha voz’. Pilatos lhe disse: ‘E o que é a verdade?...” (Cf. João, 18, 37-38).

Em latim, pergunta irônica de Pilatos: “O que é a verdade?”, traduz-se: “Quide est

veritas?...” (cf. Novum Testamentum Latine, secundum editionem Sancti Hieronymi, Londres,

1911). E a tradição eclesiástica pretende que a resposta se dê nos termos mesmos da pergunta:

“Qui est vir ad est...”, quer dizer, “Está diante de ti...”. Como imaginar que Jesus e Pilatos se

divertissem fazendo anagramas em semelhantes circunstâncias, porque não se trata de outra

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coisa?

Tudo isso nos demonstra que tais textos, pretensamente autênticos, foram triturados, a fim

de lhes fazer dizer o que a verdade inicial não dizia. E portanto, devemos desconfiar. Voltemos

para a história de Pilatos.

Citado por Tácito (Anais, XV, XLIV, 4), por Flavio Josefo (Antigüidades judaicas, XVIII, V,

VII; Guerra dos judeus, II) e por Filón de Alexandria, foi renomado procurador da Judéia por

Tibério César o décimo segundo ano de seu reinado, quer dizer, em 26 de nossa era.

Permaneceu no cargo durante onze anos, embora de fato sua procuradoria terminasse já no ano

36, quando Vitelio, seu superior hierárquico, governador de Síria, obrigou-lhe a justificar-se a

Roma, ante o imperador, quer dizer, um ano depois da morte de Jesus.

Pilatos pertencia à ordem eqüestre, que constituía a classe dos cavaleiros romanos.

Acredita-se que seu nome era Lucius Pontius Pilatus, e era filho de Marcos Pontius, quem,

durante a guerra dos Astures, aliados de Roma contra seus compatriotas, recebera certa eleição o

clássico pilum de honra, com a cidadania romana, já que inicialmente era de origem espanhola.

Seu filho, nosso Pôncio Pilatos, teria nascido em Sevilha, teria servido sob as ordens de

Germânico Julio César, o vencedor de Arminio e o vingador de Varo na Germania. Segundo o

Evangelho de Nicodemos, teria se casado com uma tal Claudia Procula. Dado que Daniel-Rops

reproduziu, e bastante mal, em seu livro Jesus em seu tempo, diversos dados históricos sobre

esta última, em especial as opiniões de Rosadi e de Aurelio Macrobio em seus Saturnais, vamos

estudar suas origens, a fim de apagar os enganos de Daniel-Rops, que a converte em filha de

Julia, e deste modo em neta de Augusto:

Houve, na realidade, duas Julias:

- Julia I, filha de César Augusto, nasceu no ano 27 antes de nossa era, da união desse

imperador com Scribonia. Esta se casou sucessivamente com Marco Claudio Marcelo, e logo

com Agripa Marcelo, de quem teve uma filha, Julia II, e, por último, em terceira núpcias, com

Tibério Claudio Nero, aliás Tibério, futuro César. Se se observar que Agripa Marcelo tinha tido

sob suas ordens na Espanha, a Marco Poncio, pai do futuro Pilatos (cf. Suetonio, Vida dos

Doze Césares, Augusto, LXV, e Tibério, IX), compreender-se-á melhor a união de seu filho

Lucio Pôncio Pilatos com a futura Claudia Procula.

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Julia I, da que se provou que cometera adultério com um tal Julio Antonio, foi internada por

ordem de seu pai Augusto na ilha de Pandateria, onde permaneceu cinco anos. Logo foi

transferida ao Reghium (estreito de Sicilia), onde morreu à idade de cinqüenta e dois anos, em 15

de nossa era.

- Julia II, sua filha, e por conseguinte neta de Augusto, teve por pai, como dissemos antes,

Agripa Marcelo. Casou-se com Lucio Paulo, e rapidamente foi acusada de adultério com um

tal D. Silano. Então foi deportada por sua vez, sempre por ordem de César Augusto, à ilha de

Trimera, perto da costa de Apulia, no ano 8 de nossa era, onde morreu à idade de uns

quarenta e cinco anos, em 28 de nossa era, depois de ter permanecido ali durante vinte. Tinha

nascido por volta do ano 17 antes de nossa era. Bem de sua relação com D. Silano, ou de

outra aventura, tinha tido uma filha, que Augusto lhe proibiu reconhecer e criar. (Cf. Suetonio,

Vida dos Doze Césares, Augusto, LXV). Foi:

- Claudia Procula. Esta era, portanto, a bisneta de Augusto, e não a neta. Nasceu por volta do

ano 3 de nossa era, e contava aproximadamente vinte e três quando Pilatos se converteu em

procurador da Judéia, no ano 26. Seu avô, Agripa Marcelo, tinha tido na Espanha sob suas

ordens a Marco Poncio, pai de Pôncio Pilatos. Não há nada de extraordinário, por

conseguinte, em que a neta do primeiro se casasse com o filho do segundo. Entre esses dois

homens existiam uns laços, lembranças de campanhas militares no seio das legiões.

Mas Julia I, avó de Claudia Procula, casou-se em terceira núpcias com Tibério, o futuro

imperador. E por esse fato, este último se convertia em avô por aliança de Claudia Procula. E, ao

casar-se com Claudia Procula, Pôncio Pilatos se converteu em seu neto por aliança. Não deve

nos surpreender, pois, que logo se beneficiasse de um cargo como o de procurador de Roma na

Judéia, e do título invejado em todo o Império de amicus caesaris, “amigo de César”. Porque não

era algo isso de ser o neto, embora fora por aliança, do imperador.

O leitor desejoso de verificar nossas afirmações poderá remeter-se à:

a) Tácito: Anais, I, 53; III, 24; IV, 44, 71.

b) Suetonio: Vida dos Doze Césares, II Augusto, 19, 31, 63, 64, 65, 72; III Tibério, 7, 10, 11, 50.

Aurelio Macrobio, em seu Saturnais, insinua que Julia II, mãe de Claudia Procula, teria

dado sua filha ao Tibério, seu padrasto, durante seu exílio à ilha de Trimera, e que este muito bem

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pôde corrompê-la. Mas se recordarmos que este imperador se retirou à Capri no ano 27 de nossa

era, quando Pôncio Pilatos era já procurador da Judéia fazia um ano, se Claudia Procula lhe

permitiu seguir a seu marido à Palestina, ignorou tudo referente a esses “quadros viventes” e

essas orgias, parece que indescritíveis, que constituíram o interesse dessa permanência na

encantadora ilha. Pelo contrário, se a Lex Oppia, que proibia às esposas dos altos funcionários de

Roma acompanhar seus maridos aos territórios de ultramar, foi aplicada, é evidente que pôde

seguir Tibério à Capri, e assistir ou participar dessas cenas desenfreadas. Acreditam, em

benefício da dúvida, que a lei não foi aplicada. Um senador chamado Severo Cecina propôs voltar

a aplicar estritamente a Lex Oppia, já em desuso. Contradisse-lhe Valerio Mesalino, e finalmente

Tibério resolveu a questão fazendo que o Senado romano rechaçasse a proposição de Severo

Cecina (cf. Tácito, Anais, III, 34).

Por conseguinte, nada impede de acreditar que Claudia Procula acompanhasse Pilatos à

Judéia. E seu matrimônio não fez a não ser preceder a esse costume que tanto os reis da França

observaram para com suas bastardas. Consistia em fazer casar-se com um oficial de velha mas

pequena nobreza, sem fortuna, quem, ao lhes dar um nome honorável, gozavam a seguir de

ascensões e de vantagens substanciais. Não há nada novo sob o sol.

Este é, pois, nosso procurador em funções na Judéia. É um governador ao mesmo tempo

firme e ardiloso, mas também flexível. Sabia castigar severamente, mas também sabia dobrar-se

por diplomacia. Julgue-se: “Continuando, Tibério enviou à Judéia um procurador que, em segredo

e de noite, fez introduzir em Jerusalém a imagem de César chamada semaia (era um busto do

imperador fixado no alto das insígnias). Mandou levantá-la na cidade. À manhã seguinte os

judeus, em vista disso, foram presa de um grande tumulto; estavam horrorizados ante esse

espetáculo, ao ver pisoteada sua lei. Porque esta proibia que houvesse na cidade imagem

alguma. As pessoas dos arredores, quando se informaram deste acontecimento, acudiram todos,

a toda pressa. Precipitaram-se à Cesaréia e suplicaram ao Pilatos que retirasse a semaia de

Jerusalém e que lhes permitisse manter os costumes de seus pais. Como Pilatos rechaçou seus

rogos, caíram prosternados e permaneceram assim, imóveis, cinco dias e cinco noites. Depois do

qual Pilatos se sentou em seu trono no grande hipódromo, e convocou ao povo para lhe dar sua

resposta. Logo ordenou a quão soldados rodeassem subitamente com suas armas aos judeus.

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Estes, à vista deste inesperado espetáculo das três coortes que lhes rodeavam, tremeram em

grande maneira. Pilatos, ameaçador, disse-lhes: ‘Degolar-lhes-ei a todos senão receberem a

imagem de César’. E ordenou a quão soldados desembainharem as espadas. Todos os judeus,

de comum acordo, tornaram-se ao chão e estenderam o pescoço, enquanto clamavam: ‘Estamos

dispostos a ser imolados como ovelhas, antes que transgredir a Lei...’, e Pilatos, surpreso ante

seu temor de Deus e sua pureza, mandou retirar de Jerusalém a semaia”.

Vejamos agora outro episódio, embora de conclusão muito diferente: “Pilatos conduziu

água à Jerusalém com cargo sobre o Tesouro sagrado, captando a fonte dos cursos de água à

duzentos estádios de lá. Os judeus ficaram muito descontentes pelas medidas adotadas com

respeito a esta água. Milhares de pessoas se reuniram e lhe gritaram que cessasse em dita

empresa; alguns chegaram inclusive a injuriá-lo violentamente, como costumam fazer às

multidões. Mas ele, depois de enviar ao lugar da reunião um grande número de soldados,

revestidos com as roupas judaicas e levando porretes ocultos sob suas vestimentas, ordenou-lhes

pessoalmente que se retirassem. Como os judeus faziam gesto de lhe injuriar, deu aos soldados o

sinal convindo antes, e os soldados golpearam ainda mais violentamente do que lhes tinha

prescrito Pilatos, castigando ao mesmo tempo os causadores da desordem e a outros. Mas os

judeus não manifestavam nenhuma debilidade, até o ponto que, ao ser surpreendidos

desarmados por gente que lhes atacavam com propósitos deliberados, morreram em grande

número naquele mesmo lugar, ou se retiraram cobertos de feridas. Assim foi como se reprimiu

esta rebelião”. (Cf. Flavio Josefo, Antigüidades judaicas, XVIII, III, 60-62, manuscrito grego).

O manuscrito eslavo de Guerra dos judeus (II, 4), diz-nos o seguinte: “Como o povo

clamava contra ele (Pilatos), enviou uns homens à golpeá-los com paus. Três mil foram

esmagados enquanto fugiam, e o resto se calou” (Op. cit.)

Faremos aqui uma primeira observação. Como puderam os legionários obter em

Jerusalém suficientes vestimentas judaicas rituais (novas, ou em desuso, compradas de

comerciantes de brechó) para vestir com elas aos homens do serviço de repressão, e como umas

compras de semelhante envergadura puderam acontecer desapercebidas à população judia?

Poderá supor-se que se fez aqui uso do famoso “telefone árabe” E como esses legionários, de

origem estrangeira (germanos, franceses, tracios, etc.), disfarçados com trajes típicos judeus,

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puderam passar desapercebidos? E, pode supor-se que um procurador de Roma recorresse a tal

subterfúgio, absolutamente ilegal, sem expor-se a que lhe reprovasse que desacreditava às

legiões do Império?

A verdade nos vem dada na versão eslava de Guerra dos judeus citada antes. Esta nos diz

“uns homens”, e não soldados, como faz a versão grega. De fato, Pilatos recorreu à sectários

tipicamente judeus, mas adversários dos fariseus e dos saduceus clássicos. Esta aliança sem

futuro devia tratar-se com indubitáveis contrapartidas. Mas também aqui Pilatos, procurador hábil

e ardiloso, soube manobrar. Roma não interveio oficialmente, e os mortos desta repressão foram

carregados à conta de um enfrentamento entre facções opostas. Isto liberou o procurador de toda

responsabilidade.

E agora se expõe o problema de saber com quem se aliou momentaneamente Pilatos. A

resposta é óbvia. Os essênios tinham entre seus costumes cotidianos a obrigação de entregar-se

a numerosas abluções; todos os autores antigos que trataram sobre eles nos relatam seu culto à

limpeza corporal. Provavelmente a facção saída desta seita e que se converteu na dos canaítas

ou zelotes foi a que se encarregou de tal repressão, sentindo-se além muito felizes de poder por

fim haver-lhe legalmente com seus mortais inimigos os saduceus e seus partidários. No pior dos

casos, poderia pensar-se em que se recrutou à voluntários samaritanos. Estes últimos, quão

mesmo os zelotes, tinham motivos de sobra para sentirem-se felizes de poder enfrentar-se aos

judeus legalistas em alvoroços nos quais a autoridade ocupante estava de sua parte. Não

obstante, a continuação de nosso estudo mostrará que é mais plausível que se tratasse dos

zelotes. Há alianças que, por mais surpreendentes que pareçam, não deixam de ter sua razão de

ser, por um tempo.

Agora vem um último argumento em favor dessa aliança episódica que, com toda

probabilidade, tratou-se” entre Pilatos e os próprios zelotes. No Talmud lemos o que segue:

“Rabbi Jossé e Rabbi Simeão estavam juntos, e com eles se encontrava Judas, o filho de um

partidário. Rabbi Judas abriu a boca e disse: ‘Que formosos são os trabalhos dessa nação

(Roma); têm aberto ruas, arrojadas pontes, edificado termas!’. Rabbi Jossé guardou silêncio, e

Rabbi Simeão respondeu: ‘Tudo isso que construíram, fizeram só para eles mesmos; têm aberto

ruas, mas para estabelecer ali a prostitutas, termas para seu prazer, e pontes para perceber

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pedágios...”. (Cf. Talmud, Sabbat, 33b).

É evidente que o mundo da prostituição e o das termas tinham uma necessidade comum: a

de abundante fornecimento de água. Pois bem, o partido zelote obtinha uns ganhos substanciosos

das alcoviteiras e das prostitutas; para nos convencer deles, tomemos de novo os evangelhos

canônicos: “E Jesus lhes disse: ‘Na verdade lhes digo que os publicanos e as meretrizes lhes

precedem no reino de Deus’...”. (Cf. Mateus, 21, 31).

“Estando sentado (Jesus) à mesa em casa deste (de Levi, o tributo), muitos publicanos e

pecadores estavam recostados com Jesus e com seus discípulos...” (Marcos, 2, 15; Lucas, 5, 29).

Volte-se para ler todo o capítulo intitulado O dízimo messianista, na primeira obra desta

série, e se constatará que as relações entre os zelotes e o “meio” daquela época não são uma

simples lenda. Por conseguinte, se as prostitutas, seus “protetores” e seus clientes necessitam

água corrente, se Pilatos tomar todas as medidas para realizar as canalizações correspondentes,

é lógico admitir que os zelotes tomariam partido em favor desses trabalhos, e se oporiam aos

sectários das outras correntes religiosas, adversários deles.

Releiamos agora o último episódio de Flavio Josefo sobre Pôncio Pilatos. Que o leitor pese

bem os termos, porque logo nos servirá para esclarecer todo o mistério do Gólgota: “Os

samaritanos não careceram tampouco de distúrbios, pois estavam incitados por um homem que

não considerava grave mentir, e que combinava tudo com fim de agradar ao povo. Ordenou-lhes

que subissem com ele ao monte Garitzim, ao que têm como a mais Santa das montanhas, lhes

assegurando com veemência que, uma vez chegassem ali, mostrar-lhes-ia uns copos sagrados

enterrados por Moisés, quem os colocara ali em depósito. Eles, acreditando que suas palavras

eram verídicas, tomaram as armas, e, depois de instalar-se em um povoado chamado Tirathana,

aderiram à quantas pessoas puderam recolher, de forma que iniciaram a ascensão da montanha

em massa. Mas Pilatos se apressou a ocupar com antecipação o caminho pelo que deviam

efetuar a ascensão, e enviou ali cavaleiros e soldados à pé, e estes, carregando contra as

pessoas que se reuniram ao povo, mataram uns na refrega, puseram a outros em fuga, e a muitos

levaram prisioneiros, os principais dos quais foram executados por ordem de Pilatos, assim como

os mais influentes dentre os fugitivos.

“Uma vez acalmado este distúrbio, o conselho dos samaritanos acudiu ao Vitelio,

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personagem consular, governador de Síria, e acusou Pilatos de ter massacrado às pessoas que

tinham perecido; porque não era para rebelar-se contra os romanos, a não ser para escapar à

violência de Pilatos, por isso se reuniram em Tirathana. Depois de enviar um de seus amigos,

Marcelo, para ocupar-se dos judeus, Vitelio ordenou ao Pilatos que voltasse para Roma para

prestar conta ao imperador dos atos dos quais lhe acusavam os judeus. Pilatos, depois de dez

anos de permanência na Judéia, apressou-se a ir à Roma, por obediência às ordens de Vitelio, às

quais não podia objetar em nada. Mas antes de que chegasse à Roma, sobreveio a morte de

Tibério. (Cf. Flavio Josefo, Antigüidades judaicas, XVIII, IV, 1-2).

Toda esta longa passagem soa manipulação, e uma manipulação bastante torpe, porque

durante onze anos Pilatos governou Judéia com mão de ferro. Pelas numerosas repressões que

assumiu nas diversas rebeliões, seu superior Vitelio jamais lhe repreendeu. Quando mandou

esmurrar e matar a três mil judeus em Jerusalém, no caso das canalizações de água, nenhuma

sanção esfriou seu zelo. E agora os samaritanos se reuniam e tomavam as armas, apoderavam-

se da cidade de Tirathana, recrutavam pessoas entre a população desta província, sob a direção

de um agitador que a redação medieval (quão única chegou a nós de Flavio Josefo) guarda-se

bem de nos descrever, entretanto, o que apresenta mais sob o duplo aspecto de um agitador e um

enganador. E o que faz Pilatos? Seu dever de procurador, quão mesmo antes. Reprime essa

mobilização a mão armada, essa ocupação e esse entrincheiramento no topo de um monte de

caráter sagrado, próprio para exacerbar o fanatismo religioso dos rebeldes. E se pretende que o

governador de Síria, seu chefe, o reprovasse? Isso, simplesmente, impensável. E tanto mais que

este último não ignora que Pilatos é o neto por aliança do imperador Tibério. E o escriba medieval

que “concerta” assim o texto de Flavio Josefo se enreda em suas mentiras, chegando inclusive a

confundir judeus e samaritanos! O que prova que não estava copiando um texto, mas sim estava

redigindo outro, com uma finalidade muito concreta.

Porque é evidente que os ricos e poderosos saduceus foram os que, depois de ter

acabado por inteirar-se da comédia do Gólgota e a evasão de Jesus, alertaram ao Vitelio, legado

imperial em Síria. Entre a elaboração de seu relatório e a queixa que apresentaram, pôde muito

bem transcorrer um ano, e daí que entre a morte de Jesus e a partida de Pilatos para Roma haja

uma margem de tempo que os separe, ou seja de abril do ano 35, a dezembro de 36.

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Pois bem, com Pôncio Pilatos acontece quão mesmo com Salomé, filha de Herodías e de

Herodes Filipo: numerosos textos patrísticos os silenciam prudentemente, havida conta do papel

que desempenharam na vida de Jesus. Por isso G. Ory, em seu livro Le Christ et Jésus (páginas

186 e 187) crê útil sublinhar alguns silêncios sobre o procurador romano. Nós estamos

acostumados, com efeito, a um credo clássico, que declara sem rodeios: “... foi crucificado por

Pôncio Pilatos...”, ignorando, em geral, que não há um só credo na tradição cristã.

Conhecemos a origem dessa fórmula. No Concílio de Nicéia (ano 325 de nossa era), para

não deixar aos hereges arianos nenhuma possibilidade escapatória, os padres conciliares

acreditaram por bem compor uma fórmula de fé que não era, afinal de contas, outra coisa que o

Símbolo dos Apóstolos, precisado e desenvolvido no espírito do Concílio. No de Constantinopla

(ano 381) acrescentou-se os artigos Dominum et vivificantem, e a continuação (salvo o Filioque,

que se acrescentou posteriormente), a fim de contrariar aos macedônios, que negavam a

divindade do Espírito Santo. Esse é o motivo pelo qual a esse segundo concílio chama-se também

Concilio Niceo-Constantinopolitano.

Nas liturgias orientais, as diversas fórmulas do credo utilizadas por elas não mencionam

sempre Pilatos, como por exemplo a bizantina, a armênia e a caldéia, enquanto que as liturgias

síria, maronita e copta fazem menção dele. O credo de Antíoco (século III) cita-o, o de Epifano

(século IV) também. Pelo contrário, o credo citado de Eusebio, quão mesmo o de Nicéia, ignoram-

no, e ainda mais o Concílio de Jerusalém (século IV). Irineu, em sua obra Contra os hereges não

cita Pilatos (século II), mas Tertuliano o nomeia O véu das virgens (século II).

Como se vê, alguns se sentem molestados pela presença deste personagem, enquanto

que outros não vêem nenhum mal em inclui-lo em seus relatos ou comentários. Assim, Eusebio da

Cesaréia, em sua Crônica, diz-nos por boca de São Jerônimo em seu texto latino que: “Pontius

Pilatus in multas incidens calamitates, propia se manu interficit, scribunt romanorum historici...” (cf.

Chronic. Ad annum 39, edit. Helm, P. 178). Ou seja: Pôncio Pilatos, por efeito de sua condenação,

afundou-se na miséria e se matou por sua própria mão, tal como dizem as histórias romanas.

Muito antes que Eusebio, Filón de Alexandria nos conta também que o procurador pereceu

de morte violenta.

Com efeito, quando Pilatos navegava rumo à Itália, e enquanto se achava ainda em alto

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mar, morreu Tibério César, em março do ano 37. Seu sobrinho neto Calígula foi quem lhe

sucedeu. Se Pilatos tinha esperado que seu avô por aliança Tibério César o deixasse facilmente

em liberdade, não aconteceu o mesmo com seu sucessor. Calígula condenou ao exílio em

Vienne, Galias, o procurador cansado, e este passou os últimos anos de sua vida entre as brumas

de Ródano. A presença romana nesta cidade se remontava à Julio César, e Vienne converteu-se

rapidamente em um lugar de exílio rigoroso.

Uma tradição, parece ser que bastante afiançada, sustenta que Pôncio Pilatos abriu as

veias, ou que se atirou ao Gier, no monte Pilatos, a umas três léguas aproximadamente de

Vienne, entre o Argental e Condrieu.

O mont Pilat, ou monte Pilatos, um dos mais altos de Cévennes, foi durante muito tempo,

até meados do século XIX, um maciço amplo e sombrio, coberto de bosques em seus pendentes

inferiores, e, mais acima, de pastos. Um de seus principais topos, a crista da Perdiz (crêt da

Perdrix), de 1.434 M., vê nascer ao Gier. As águas deste brotam de um verdadeiro poço artesiano

aberto pela natureza no topo desta montanha. No curso dos séculos se encheu parcialmente esse

poço com ajuda de fragmentos de rochas e de lenha morta, a fim de que o gado que ia a ele para

alimentar-se não corresse nenhum perigo. O Gier, durante muito tempo, levou sementes de ouro.

Primeiro atravessa penosamente algumas pradarias, logo seu pendente se inclina, e seu leito se

encontra obstruído pelos restos de rochas que o oprimem. Então se converte em corrente, grunhe,

joga espuma, e chega ao fim à cascata denominada o salto de Gier, onde suas águas se

precipitam de uma altura de mais de trinta metros, em massas deslumbrantes.

Segundo a tradição, Pilatos se teria precipitado em Gier, bem no abismo inicial de onde

brotavam então as águas deste rio, ou, mais provavelmente, em salto de Gier. Não é impossível

que se aberto antes as veias. Tampouco é ilógico que o procurador estivesse confinado

concretamente no monte Pilatos, já que naquela época um aqueduto romano conduzia até as

portas de Lyon, passando por Vienne, as águas deste rio. E, além disso, durante muito tempo se

considerou que as pedras que se encontram dispersas no topo de Pilatos, e que recebem ali o

nome local de chirats, não eram outra coisa que os restos de uma construção de vigilância

estabelecida pelos romanos. Um pequeno castrum lhes permitiria a estes vigiar a região, ao

mesmo tempo que lhes permitia proteger a fonte de Gier, que alimentava de água potável Vienne

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e Lyon.

Os historiadores antigos fixam a morte de Pilatos no ano 39 de nossa era; portanto,

permaneceu dois anos em todo o rigor do exílio, ao que se acrescentava possivelmente um

cativeiro localizado no monte Pilatos, sob a vigilância dos legionários aquartelados no castrum

daquele lugar.

Sua morte coincide com o passo de Tibério Claudio Nero Druso, futuro Claudio César, pelo

vale de Ródano, no ano 41. Este último, sobrinho de Tibério, sucederia Calígula depois do

assassinado deste. No momento conduzia às legiões romanas contra os bretães. Era portador de

uma ordem de execução contra Pilatos, mas este se inteirou e preferiu dar-se morte ele mesmo, a

fim de evitar o opróbio de ser atirado à fossa infâmia, como todo condenado a morte executado

legalmente? É muito possível. Tácito nos conta que, com efeito, aqueles que, condenados a

morte, tomavam a dianteira e a davam livremente eles mesmos, viam respeitado seu testamento e

tinham as honras funerárias (cf. Tácito, Anais, VI, XXXV). Seja o que for, Pilatos se suicidou

quando esteve naquela região o futuro Claudio César, e não pode descartar-se a priori uma

relação entre ambos os fatos.

Possivelmente foi à memória do procurador de Roma a quem se erigiu essa esteira

funerária anônima da época franco-romana, descoberta no século passado no vale de Ródano, e

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tão emotiva em sua simplicidade: “Se as cinzas faltarem nesta urna, Oh caminhante, ao menos

eleva seu coração para o espírito que a morte liberou, ao fim para sempre ...”

Porque este epitáfio tem ressonâncias cristãs, e não foram os seguidores dos deuses do

Império quem o mandou erigir, pois é anônimo. E então se expõe uma pergunta: por que não se

atreveram a nomear ao defunto?

Agora nos falta encontrar o verdadeiro motivo de sua queda em desgraça, que não radica

no fato de ter sufocado uma revolta a mão armada em Samaria, quando esta fora sempre sua

maneira de atuar, e fazia já onze anos. E se as igrejas do Oriente o consideram como um mártir,

se as igrejas copta e grega o santificaram, é porque sua morte estava relacionada,

favoravelmente, com a de Jesus...

Ao fazer isso, estabeleceram necessariamente um elo de causa e efeito entre esses dois

óbitos por ordem judicial. Se não se tratou mais que de recompensar a título póstumo uma certa

benevolência, que os próprios evangelhos canônicos nos relatam já, tivesse bastado com a

simples santificação. Mas o fato de considerá-lo como um mártir demonstra que reconheceram

implicitamente que a morte do procurador no monte Pilatos, perto de Vienne, precedida de seu

exílio, era conseqüência de suas intervenções em favor de Jesus.

A importância destas últimas aparece sublinhada mais ainda pelo fato de que, até o século

V, segundo testemunho de La Sex de Pierre l’Ibère, citada pelo Dictionnaire d’archeologie

chrétienne, de Dom Cabril e Dom Leclerq, houve em Jerusalém uma “igreja de Pilatos” (op. cit., no

artigo Prétoire). Esta igreja foi arrasada quando teve lugar a destruição de Jerusalém pelos persas

e os árabes, no ano 614. Elevava-se então na convocação do Pretorio, o que é muito significativo.

Santificado, inscrito no martirológio, com uma igreja dedicada a seu nome, o fato é que Pilatos

não pôde ter sido exilado, e logo haver-se visto obrigado a dar-se morte por ter esmagado uma

rebelião samaritana. Foi tão duramente sancionado por Roma porque, possivelmente

inconscientemente, foi manipulado e enganado em favor de Jesus.

E isto confirma além disso o que dizíamos sobre a primeira condenação de Jesus, sua

evasão organizada e facilitada, a comédia de sua crucificação prevista no Gólgota, lugar

incomum, a liberação por um comando zelote dirigido por um tal Simão, que não era de Cirene, a

captura deste, sua execução ali mesmo em lugar de Jesus, a fuga deste último à Samaria, e, em

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vez de cair no esquecimento, a nova insurreição. Daí a segunda captura e a verdadeira

crucificação final, mas desta vez nas Oliveiras.

Mas agora deixaremos momentaneamente ao procurador, para estudar uma desgraça

similar e paralela, e provavelmente justificada pelos mesmos motivos: a de Herodes Antipas.

Quando foi crucificado Jesus, no ano 35 de nossa era, nosso tetrarca governava a Galiléia

e a Perea da morte de seu pai, Herodes, o Grande. Contava aproximadamente cinqüenta e cinco

anos e sempre levara uma vida muito aprazível. Foi renomado tetrarca por César Augusto,

recebeu deste a melhor parte da herança de seu pai, e foi, como ele, um construtor. Edificou, em

especial, e tomando como modelo as cidades helenísticas, uma nova cidade, a que chamou

Tiberíades, em honra ao Tibério César, o imperador reinante. Foi paternal para com seu povo, e

ardiloso, mas sem excessiva vontade, e se deixava dominar facilmente por sua sobrinha e esposa

Herodías, a quem convencera de que fora viver maritalmente com ele quando caiu em desgraça

seu meio-irmão Herodes Filipo, primeiro marido desta. Assim era o homem, um reyezuelo a quem

gostava de viver bem e, a ser possível, sem complicações. Sem dúvida, a morte de João, o

Batista, foi imposta pela necessidade de manter a paz em seus domínios.

E agora nos encontramos de caminho para Roma, no ano 38, imediatamente depois do

comparecimento de Pilatos ante Calígula e de seu exílio em Vienne. O que ia fazer ali?

Consultemos ao Flavio Josefo. Herodes Agripa I acabava de ser renomado rei de toda uma parte

da Palestina. Com efeito, tinha recebido a tetrarquia de seu tio Herodes Filipo, morto no ano 34 de

nossa era. Esta compreendia a Batanea, a Traconítide, a Gaulanítide e a Auranítide; mais adiante

Roma acrescentaria a Galiléia e a Perea, e muito mais tarde, ao advento de Claudio César,

possuiria todo o reino de seu antepassado Herodes, o Grande.

No começo do favor romano que sucedeu a uma longa queda em desgraça, sua elevação

suscitou o ciúmes de sua irmã Herodías. Julgue-se: “Herodías, irmã do novo rei Agripa e mulher

de Herodes, tetrarca da Galiléia e Perea, não pôde olhar sem inveja esta prosperidade de seu

irmão, que o elevava acima de seu marido. Ardia em ciúmes ao ver aquele que antigamente se viu

obrigado a refugiar-se ao lado dela, porque não tinha sequer meios para pagar suas dívidas,

retornar cheio de honra e de glória. Uma mudança de fortuna tão grande lhe resultava

insuportável, principalmente quando o via caminhar vestido de rei, em meio de todo o povo. E não

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podendo dissimular o despeito que lhe roía sem cessar o coração, apressava de contínuo a seu

marido para que fosse à Roma a fim de obter uma honra semelhante, dizendo que ela não podia

continuar vivendo assim...” (Cf. Flavio Josefo, Antigüidades judaicas, XVIII, IX).

Adivinha-se a continuação de seus argumentos. Mas a que se torna bastante nebulosa é a

deste assunto e suas conclusões, ao menos no que diz respeito às suas justificações: “Como

Herodes gostava da tranqüilidade e desconfiava da corte romana, fez tudo o que pôde para

distrair a sua esposa desses pensamentos, mas quanto mais via-o resistir, mais lhe pressionava,

sem que houvesse nada que sua paixão por reinar não lhe impedisse de fazer para consegui-

lo ...” (Cf. Flavio Josefo, op. cit., XVIII, IX).

Herodías conseguiu persuadir ao Herodes Antipas de que apresentasse sua petição ante o

imperador, nesse momento Calígula. Ambos embarcaram, pois, para Roma. Mas Herodes Agripa I

teve a notícia das gestões de seu tio. Enviou um de seus libertos, um homem de confiança

chamado Fortunato, a que apresentasse ao imperador uma oposição solidamente fundamentada.

Fortunato, aproveitando melhores ventos que a nave de Herodes Antipas e Herodías, chegou ao

mesmo tempo que eles à capital do Império. No que consistiam seus argumentos? Nisto: Herodes

Antipas era acusado por Herodes Agripa I de participar do complô de Sejano contra Tibério, de

favorecer ao Artabán, rei dos partos, contra ele, Herodes Agripa I, e de reunir secretamente, em

um arsenal clandestino, material para armar e equipar a setenta mil guerreiros. Calígula,

impressionado ante tais acusações, perguntou então ao Herodes Antipas se tudo isso era

verdade, e este último confessou lastimosamente que, por desgraça, era a pura verdade. Então o

imperador lhe destituiu de sua tetrarquia, que deu ao Herodes Agripa I, confiscou toda sua fortuna,

e condenou à exílio perpétuo em Lyon, Galias. Não obstante, como soube que Herodías era a

irmã de Herodes Agripa I, Calígula decidiu lhe deixar a fortuna de seu marido, e a liberdade.

Nobremente, Herodías respondeu que seu amor para seu marido a obrigava a recusar e a lhe

seguir no exílio. Coisa que foi imediatamente concedida por Calígula.

Agora bem, nada disto resiste a um exame.

Em primeiro lugar, fazia oito anos que fora liqüidado o complô de Sejano. E como imaginar

que este último tivesse necessidade de incluir entre seus cúmplices a um obscuro príncipe

palestino, que além disso residia vários milhares de quilômetros de Roma, único centro vital do

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Império romano aonde valia a pena dirigir o golpe essencial da conspiração?

Em segundo lugar, imaginar que Herodes Agripa favoreceria a entrada das tropas de

Artabán na tetrarquia de Herodes Agripa I era lhe prestar o desejo de ser por sua vez despojado

por eles da sua. Porque isto não deixou acontecer; portanto, o segundo argumento não se tem

mais em pé.

Por último, supor que Herodes Antipas dispunha dos meios para recrutar, equipar, armar,

alimentar, alojar e pagar à setenta mil mercenários, era esquecer que seu feudo, por sua

exigüidade, dificilmente podia proporcionar-lhe; nem a população, nem os ganhos desta tetrarquia

o permitiam. Não esqueçamos que mais tarde, no ano 135, sob o imperador Adriano, quando

Roma deverá contar com um exército considerável para liqüidar a rebelião de Simeão-bar-

Koseba, reuniria dez legiões, quer dizer, exatamente setenta mil homens! De onde poderia tirar

Antipas semelhante exército?

Por outra parte, sublinha-se o fato de que Herodes Antipas era um homem aprazível, que

não tem nem quer complicações, e que resiste o melhor que pode às instigações de sua esposa.

Assim, como imaginá-lo na pele de semelhante conspirador? Isso não parece com ele.

Além de tudo isto, não omitiremos de assinalar ao leitor que, em Guerra dos judeus do

mesmo Flavio Josefo, os motivos dessa queda em desgraça são totalmente diferentes. Calígula

exila Antipas “por sua avareza” (op. cit., II, XVI).

Essas variantes são obra dos monges copistas católicos que, na Idade Média, “arrumaram”

as obras de Flavio Josefo em suas versões gregas. Mas se tomarmos a versão eslava de Guerra

dos judeus, que foi acomodada por monges copistas que pertenciam à Igreja ortodoxa,

inteiraremo-nos de que o imperador despojou Antipas de seus bens e o exilou com Herodías pelo

simples motivo de “sua insaciabilidade”. E, além disso, tudo isto não se desenvolve já durante o

reinado de Calígula, e sim durante o de Tibério, e Herodes Antipas e Herodías não foram exilados

em Lyon, Galias, a não ser à Espanha. (Cf. Flavio Josefo, Guerra dos judeus, II, IV, manuscrito

eslavo).

Assim, as incoerências, contradições, diferenças consideráveis que se vêem não fazem a

não ser sublinhar que os monges copistas que censuraram, interpolaram e maquiaram a obra de

Flavio Josefo na Idade Média, fizeram-no de qualquer maneira, tentando ocultar a todo preço

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algum fato importante: o verdadeiro motivo da queda em desgraça de Herodes Antipas.

Aqui chegamos no mesmo ponto do problema já exposto no caso de Pôncio Pilatos. Agora

nos corresponde, portanto, indagar a verdade, embora esta tenha que traumatizar e desolar às

almas místicas e sensíveis. Nestas circunstâncias devemos recordar o conselho de Anatole

France: “Aprendamos de Montaigne a verdadeira dúvida, a dúvida indulgente, que nos dispõe a

compreender todas as crenças, sem ser presa de nenhuma delas, e a não desprezar aos homens

quando se equivocam...”

Para concluir com o destino de Herodes Antipas e de Herodías, recordaremos

simplesmente que foram com efeito exilados ambos por Calígula no ano 38 de nossa era, que

chegaram em Lyon, ou, o que é mais provável, em Vienne, cidade de deportação, situada a 31

km. ao sul daquela, e que morreram no ano 39, quão mesmo Pilatos, e quase com toda

segurança a mesma vez que Claudio passou por ali, quando ia guerrear contra os bretães.

Eusebio da Cesaréia (cf. História eclesiástica, I, XI, 3) confirma-nos que se tratava, efetivamente,

de “Vienne das Galias”; Flavio Josefo diz Lugdunum, ou seja, Lyon em latim. Alguns, ante sua

afirmação na Guerra dos judeus (II, XVI), que situava dito exílio na Espanha, supuseram que se

tratava de Saint-Bertrand-de-Comminges, ao norte dos Pirineos, que em latim se chamava

Lugdunum Convenarum. Mas aquele lugar jamais esteve situado na Espanha, e todos os

historiadores sérios se aderiram à teoria de que se tratava de Lyon do vale de Ródano, ou mais

exatamente de sua cidade vizinha, Vienne, onde Eusebio da Cesaréia situa a deportação do

tetrarca e de Herodías.

Não obstante, antes de fechar este capítulo, recordaremos ao leitor que os livros VII, VIII,

IX, X e XI dos Anais de Tácito, que cobriam todo o período de Calígula imperador e de Claudio

cônsul, desapareceram providencialmente. É para acreditar que o historiador latino justificava,

com seus dados históricos, a tese que sustentamos aqui.

29 - Quando morreu Jesus?

Procurando provas é quando encontrei dificuldades!...

DIDEROT, Pensées, LXI

Para Lemaistre de Sacy, eminente tradutor de uma Bíblia católica a não poder mais, Jesus

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morreu no ano 33 de nossa era, décimo nono ano do reinado de Tibério César. Para a maioria dos

exegetas protestantes, isso aconteceu no ano 31, décimo sétimo ano desse mesmo reinado. Para

Daniel-Rops, historiador oficial da Igreja católica, foi no ano 30, décimo sexto do chamado

reinado. Nós sustentamos na obra precedente desta série que Jesus morrera no ano 35, ao ano

vinte e um do reinado de tal imperador. Alguns retrocederam muito mais e falaram do ano 27. Mas

ninguém chegou mais longe que São Irineu, discípulo dos “Padres apostólicos”, quem fez morrer

Jesus aos cinqüenta anos de idade, “próximo à velhice”, sob o Claudio César.

Já não se sabia quando tinha nascido Jesus, e resulta que tampouco se sabe muito menos

quando morreu. De modo que tentaremos, por nossa vez, contribuir com um pouco de claridade a

este problema.

Daniel-Rops, em Jesus em seu tempo, diz-nos o seguinte sobre o ano da crucificação: “Se

se seguir a indicação do quarto evangelho, cujas notas cronológicas são as mais precisas, deve-

se admitir que a morte teve lugar no mesmo dia de Páscoa (João, 18, 28), quer dizer, segundo o

calendário litúrgico judeu, em 14 de Nisán. Pois bem, a coincidência entre uma sexta-feira e a

Páscoa só se realizou, na época de Cristo, em 11 de abril do ano 27, em 7 de abril do ano 30 e

em 4 de abril de 33. Se se comparar esta informação com as indicações que temos já sobre seu

nascimento, e a duração do ministério público de Jesus, vemo-nos induzidos a escolher a

segunda destas três datas. A “semana Santa” começou, portanto, no domingo 2 de abril do ano

30, e foi na sexta-feira 7 quando Jesus foi elevado sobre a cruz, em uma colina nua, às portas de

Jerusalém” (Cf. Daniel-Rops, Jesus em seu tempo, cap. IX, P. 439).

E uma vez mais surpreendemos a este autor cometendo toda uma série de enganos, para

não dizer que sustentando uma tese sem preocupar-se das contradições que saem a seu

encontro.

Qualquer que, como o autor das presentes linhas, esteja familiarizado com os cálculos

cosmográficos, possui um jogo de efemérides planetárias que abrangem geralmente dois séculos,

de 1800 ao ano 2000, o que é mais que suficiente para toda investigação deste gênero. Porque é

óbvio que, para semelhantes cálculos, não podemos utilizar o cômputo eclesiástico habitual, muito

primário, mas sim devemos calcular de novo, muito matematicamente, as neomenias e suas

épocas exatas.

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Pois bem, em astronomia há uma lei, a que se denominou o Ciclo de ouro de Meton, pelo

nome do astrônomo ateniense que a descobriu por volta do ano 433 antes de nossa era. Esta lei

assegura que, cada dezenove anos, a Lua volta a encontrar-se, no mesmo grau e

aproximadamente à mesma hora, em conjunção com o Sol (lua nova), e na mesma posição

zodiacal. Esse é o ciclo lunar dos astrônomos. Quando, duas semanas mais tarde, chega ao

ponto oposto, quer dizer, cento e oitenta graus mais longe em seu curso, e ao signo zodiacal

oposto, é lua cheia.

Observemos de passagem (porque é bom rir um pouco) que os exegetas dos primeiros

séculos estavam todos, e por uma vez, de acordo em um ponto, ou seja, que quando o Senhor

criou, repentinamente e ao mesmo tempo, todas as constelações, a Lua foi criada e apareceu em

oposição ao Sol, toda redonda, e contando já quinze dias de idade.

Voltando para Ciclo de Meton, constataremos que portanto pode estabelecer-se por um

momento dado a longitude lunar, e assim se obtém facilmente a data do calendário, quer dizer, a

data da lua nova e da lua cheia. O dia da semana o precisará qualquer calendário perpétuo bem

conhecido, que se remonte até o século I.

E se entregamos às verificações descritas acima, vemo-nos forçados a constatar que tudo

o que Daniel-Rops nos afirma sobre a data da Páscoa judia dos anos 27, 30 e 33 de nossa era é

falso:

1. Ano 27 – Segundo ele, a Páscoa judia do Nisán (mês lunar que começa na lua nova que

segue ao equinócio da primavera), caiu em 11 de abril, sexta-feira. E é um engano; a

neomenia de Nisán recaiu, em realidade, em 2 de abril, e como a Páscoa judia tinha lugar 14

dias mais tarde (Cf. Números, 28, 16), isso a faz cair em 16 de abril, e esse dia era uma

quarta-feira.

2. Ano 27 – Segundo ele, a Páscoa judia do Nisán caiu em um 7 de abril e sexta-feira. E também

isso é falso, porque foi 12 e na quarta-feira, já que a neomenia teve lugar em 29 de março.

3. Ano 33 – Segundo ele, a Páscoa judia caiu em 4 de abril e sexta-feira. E continua errôneo,

porque a neomenia teve lugar em 27 de março, a Páscoa foi 10 de abril, e sexta-feira. Mas

como o dia não começava em realidade, segundo costume em Israel, até pôr-do-sol, e Jesus

morreu muito antes de que caísse a noite, segundo diz às quinze horas, isso faz que se

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encontrassem ainda na jornada da quinta-feira.

Se, pelo contrário, ficamos com a data do ano 35, como desenvolvemos em nossa primeira

obra, constatamos que a lua nova do Nisán tem lugar em 2 de abril, e que a lua cheia se situa em

16 de abril, quer dizer, um sábado; mas em virtude da regra judia recordada antes, como Jesus

morreu antes de pôr-do-sol, estamos ainda na jornada da sexta-feira. Como, por certo, anotaram

com toda exatidão os discípulos e seus sucessores, inicialmente todos judeus.

Jesus, portanto, morreu no ano 35 de nossa era, em 15 de abril, e não no ano 30, 31 ou

33, segundo os historiadores oficiais da Igreja.

Mas, por que toda essa série de enganos por parte dos exegetas? E por que essa eleição

preferencial, sem bases matemáticas exatas, de Daniel-Rops?

Tudo isso não é fortuito. Se alguns podem alegar, a modo de desculpa, que quiseram

respeitar uma tradição secular, não é menos certo que os que a estabeleceram o fizeram

intencionadamente. Nas origens, da Igreja dos primeiros séculos, houve historiadores e exegetas

que sabiam perfeitamente a que se ater sobre as verdadeiras origens do cristianismo. Não

ignoravam que o velho sonho messianista dos judeus integristas que aspirava à dominação das

nações pagãs, sonho aniquilado pela destruição de Israel no ano 135 de nossa era, e pela

dispersão de todo esse desafortunado povo, esse velho sonho fora transposto por uns ardilosos

compadres vindos da gentilidade em sua maior parte.

O sonho desmesurado de Saulo-Paulo, sua ambição de realizar uma religião nova que

coroaria um verdadeiro império oculto, esse sonho surpreendente começava a realizar-se. E terei

que alimentar o mito, fazer desaparecer a realidade histórica. Para isso, o Jesus da história devia

ceder seu lugar ao Cristo da lenda cristã.

Ficaram em mãos à obra. E com este fim, entre outras “modificações piedosas, cuidaram

bem de estabelecer o máximo tempo de separação possível entre a morte de Jesus e a queda em

desgraça de Pilatos, a fim de fazer desaparecer todo rastro dessa assombrosa relação entre a

morte do primeiro e a queda em desgraça do segundo. Porque a evasão à Samaria que

aconteceu ao “retiro” em Fenícia, que seguiu à “fuga” ao Egito, o passo prudente de uma

tetrarquia a outra quando se deteve o Batista, os seis meses oculto em Jerusalém, sem poder sair

dali, o perpétuo errante do norte ao sul e do sul ao norte, todos esses episódios são muito

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reveladores como para não ver o verdadeiro rosto daquele que não fora jamais outra coisa que o

chefe da resistência judia contra Roma, papel, por certo, perfeitamente honorável, mas que não

podia assumir um deus encarnado, vindo a propósito para oferecer-se em sacrifício.

Tudo isso confirma a existência no seio da Igreja desse misterioso “secreto” evocado pelo

juramento do bispo no curso da cerimônia da consagração, como já demonstramos no primeiro

volume desta série. E esse “segredo” encobre simplesmente o velho sonho de dominação

universal.

30- O mistério da tumba

Estamos em nosso direito de conjeturar que, a

tarde da Paixão, o corpo de Jesus foi desprendido da

cruz pelos soldados e arrojado em alguma fossa

comum...

ABBÉ LOISY, Quelques letres

Por desgraça para os redatores dos evangelhos, a lenda do enterro de Jesus em uma

tumba honorável está em contradição absoluta com o direito penal romano. E ninguém ignora o

caráter imprescritível deste. Tácito nos recorda esse aspecto severo das leis romanas em seus

Anais: “Como os condenados a morte, além do confisco de seus bens, eram privados de

sepultura, enquanto que aqueles que se executavam a si mesmos recebiam as honras fúnebres e

sabiam que seus testamentos seriam respeitados, valia a pena acelerar sua morte”. (Cf. Tácito,

Anais, VI, XXXV).

Por outra parte, a destruição de Séforis, pátria de sua mãe Maria, e a deportação de toda a

população dessa região, no ano 6 antes de nossa era, pelas legiões de Varo, faziam de todos

seus habitantes “escravos de César”, e esta desumana medida se aplicava tanto a seus filhos

como àqueles que, mais afortunados, empreenderam a fuga e escaparam.

Por isso o imperador Juliano podia responder ao bispo Cirilo de Alexandria, seu antigo

condiscípulo nas escolas de Atenas: “O homem era escravo de César, e demonstraremos...” (Cf.

Cirilo de Alexandria, Contra Julianum).

Quer dizer que Jesus, assim, aos olhos de Roma, era um simples escravo de César e um

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rebelde contumaz, sobre quem pudera exercer uma misteriosa benevolência saída de diversos

meios (o próprio Daniel-Rops o reconhece em seu Jesus em seu tempo) por razões igualmente

misteriosas, Jesus crucificado não podia esperar nesse oculto amparo. Inexoravelmente varrido

pela potência ocupante, definitivamente condenado a morte, e ao mais infamante dos suplícios

legais implicados por esta, as imbricações legais deviam escalonar-se em sua ordem imutável,

sem que nenhum motivo útil nem válido aos olhos de Roma pudesse suavizar. Por tudo isso, é

impensável que Jesus se beneficiou de uma tumba honorável e ritual, pois só a fossa infâmia dos

condenados a morte podia receber seu cadáver. E assim foi.

E, com efeito, ficam alguns testemunhos mais conhecidos desse importante detalhe. O

imperador Juliano, que tinha ao seu dispor os Arquivos imperiais, em sua Epístola ao Pothius

confirma que Jesus teve como sepultura a fossa comum legal para os condenados a morte. O

próprio Jesus não ignorava que iria parar ali, como todo justiçado, e o predisse com toda

claridade, em sua parábola de Mateus (21, 39) e Marcos (12, 8), quando os vingadores

assassinam ao filho do dono da vinha, “e lhe agarrando, mataram-lhe e lhe arrojaram fora da

vinha”.

Esta tradição se perpetuou durante longo tempo depois dos inícios do período apostólico.

Existe, com efeito, um velho evangelho já citado, que conhecemos como O Evangelho dos Doze

Apóstolos, onde lemos o seguinte: “Conduziram Pilatos e o centurião até o poço de água da horta,

poço muito profundo... Olharam para baixo, no poço, e os judeus gritaram: ‘Oh, Pilatos! O corpo

de Jesus, que morreu, não é esse daí...’.” (Op. cit., 15º fragmento).

Sem dúvida a continuação do texto arruma o assunto, pois Pilatos lhes diz: “Acreditam que

é o Nazareno?”. Eles responderam: “Acreditamos...”. Então ele disse: “Convém colocar seu corpo

em uma tumba, como se faz com todos os mortos” (Op. cit., 15º fragmento).

Por conseguinte, em princípio, os legionários romanos que desencravaram o cadáver de

Jesus (e não José de Arimatéia, segundo Mateus (27, 59), Marcos (15, 46), Lucas (23, 53) e João

(19, 38), pois é impensável que a polícia romana abdicasse suas obrigações legais e penais sobre

uns civis muito suspeitos), esses legionários jogaram o cadáver de Jesus à fossa infâmia.

Com o abade Loisy, antigo professor de hebreu do Institut catholique de Paris, o

acadêmico católico Edouard Le Roy negou que se concedeu uma tumba regular ao Jesus (cf.

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Dogme et Critique). E é evidente.

Esse fato que lhe precipitasse em uma fossa, que em realidade não era outra coisa que

um ossário legal (também existia um em Roma, no cemitério Esquilino), facilitou aos discípulos

desejosos de assentar a fábula da ressurreição o roubo do cadáver. É evidente que não todos

estiveram no segredo, mas sim houve uns quantos encarregados da operação. E o mesmo

evangelho copto nos contribui alguns ecos do fato: “Ele (Pilatos) chamou o segundo. Disse-lhe:

‘Sei que você é um homem veraz, mais que todos estes. Diga-me quantos apóstolos tiraram da

tumba o corpo de Jesus’. Este respondeu: “Vieram todos os onze, assim como seus discípulos,

tiraram-no furtivamente, e se separaram só deste outro (de Judas)’. Ele (Pilatos) chamou então ao

terceiro e lhe disse: ‘Valorizo seu testemunho muito mais que o desses outros. Quem tomou o

corpo de Jesus da tumba?’. Respondeu-lhe: ‘José com Nicodemos e seus parentes’. Chamou o

quarto e lhe disse: ‘Você é o mais considerado entre eles, e despedi todos. Diga-me agora o que

foi que aconteceu quando tiraram de suas mãos o corpo de Jesus na tumba’. Disse-lhe: ‘Nosso

senhor prefeito, isto foi: Nós dormíamos, descuidamo-nos e não pudemos saber quem o tinha

tirado. Em seguida nos levantamos, buscamo-lo e não o encontramos... E então foi quando

avisamos...’.” (Cf. Evangelho dos Doze Apóstolos, 15º fragmento).

Pilatos compareceu então à tumba, não convencido por todas essas contradições.

Observar-se-á que nem por um instante negam os apóstolos que o cadáver fora roubado; portanto

tampouco eles acreditam na ressurreição.

Na tumba, o procurador não vê a não ser as mortalhas atiradas no chão, e objeta: “Se

tivessem pego o corpo, teriam levado as mortalhas com ele...”.

Mas os judeus presentes lhe fazem observar: “Mas não vê que não são as suas, a não ser

outras, estranhas?...”.

Não se tratava, portanto, de mortalhas com as quais se ligavam as mãos e sustentavam o

queixo, mas sim de outras, cuja presença não se explica, a menos que se tratasse de ataduras.

Porque nesse velho evangelho, tão imprudentemente redigido, não se fala em nada de sudários E

aqui é onde vamos evocar outras hipóteses sobre a pseudo-ressurreição.

Na primeira obra desta série, demos nossa explicação pessoal desta. Uma vez morto

Jesus, substituíram-no por seu irmão gêmeo, provavelmente o que vivia em Sidônia, e conhecido

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pelo nome de Sidonios. Conhecemos sua existência através de Josefo, o Eclesiástico, e de

Hipólito de Tebas (cf. Migne, Patrologie, CVI, P. 187).

Mas existem outras explicações para essas manifestações tão discretas de Jesus depois

de sua morte. Porque é muito surpreendente que o “filho de Deus” ressuscitado não pudesse

manifestar-se em toda sua glória, tanto diante de Anás e Caifás como diante de todo o povo de

Israel... E é estranho também que essas poucas manifestações não fossem a não ser encontros

noturnos, em um caminho, em uma casa amiga, e que esse glorioso ressuscitado só circulasse

sob uma aparência que não permitisse reconhecê-lo a simples vista. E, o que é mais, alguns de

seus discípulos “duvidaram” dessa ressurreição (cf. Mateus, 28, 18), pois sabiam de antemão a

que se ater a esse respeito.

E, antes de mais nada, abordando outros trabalhos exegéticos, citaremos ao Schalom-

Ben-Chorin, quem em seu livro Jesus Bruder Jesus (Der Nazarener in Jüdischer Sicht) fala-nos,

entre outros autores, de H.S. Reimarus (1694-1768), o qual em seus Wolffenbütteler Fragmentem

(Lessing 1777), sob o título Von der Zwecke Jesu und seiner Jünger, seguia a tradição dos

Toledoth Jeschuah, fonte judia anônima segundo a qual o corpo fora roubado pelos discípulos.

Para Schalom-Ben-Chorin, a tese da ressurreição dataria da “visão” de Saulo-Paulo (cf. I

Epístola aos Corintios, 15, 14), quem nos apressa a escolher: “E se Cristo não ressuscitou, vã é

nossa predicação...”. O que emana de Saulo-Paulo, se não se houverem dissolvidos nos limbos,

fiquem tranqüilos! Nossa eleição aparece.

Sobre este mesmo tema possuímos ainda outras tradições.

Para o doutor Hugh J. Schoenfield, em sua obra The Passover Flot (Ed. Hutchison, 1965),

que foi o resultado de quarenta anos de investigações e confrontações de fatos, Jesus tinha

programado deliberadamente sua vida de maneira que se adaptasse perfeitamente, em todos os

pontos, às profecias do Antigo Testamento. Por outro lado, arrumaram-na para que fosse

executado numa sexta-feira, já que o sabbat se iniciava naquele mesmo dia ao pôr do sol, coisa

que obrigaria aos executores a retirá-lo da cruz antes do anoitecer. Deste modo, só teria

permanecido na situação de um crucificado durante algumas horas. Mas estes, por regra geral,

morriam muito depois de tão curto espaço de tempo, e daí o assombro de Pilatos ao inteirar-se de

que Jesus já tinha morrido. (Marcos, 15, 44). A razão terei que procurar na esponja molhada em

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vinagre, que em realidade fora embebida de um narcótico, com o que se provocou a inconsciência

de Jesus e uma certa catalepsia. Imediatamente depois da inumação, José de Arimatéia e

Nicodemos teriam procedido a levar o corpo da tumba. Sempre segundo o doutor Hugh J.

Schoenfield, Jesus teria recuperado ulteriormente o conhecimento, mas, muito debilitado pela

flagelação e a crucificação, haveria falecido algum tempo depois. Assim se explicariam os

contatos verbais e visuais com os discípulos, a exibição de suas chagas, etc., e logo seu

desaparecimento, que em seguida teriam transformado em ascensão corporal ao céu.

Citaremos ainda outro autor alemão: Kurt Berna, presidente da International Foundation for

the Holy Shroud, de Zurich, quem em seu livro, muito ilustrado, que se intitula Jesus nicht am

Kreuz gestorben (Jesus não morreu na cruz, de Ed. Hans Naber, Stuttgart, 1962), diz-nos, com

fotografias em seu apoio, que o sudário de Turín não seria um sudário fictício (conhecem-se

39 ...). A folha de pilum do legionário romano não havia tocado o coração, e como o fato de que

brotasse sangue e água não constituía jamais uma prova de falecimento, podia admitir-se que

Jesus estava vivo quando lhe depositou na tumba. A seguir fizeram-no voltar em si e teriam-no

vestido com roupas de jardineiro.

Todas essas explicações seriam aceitáveis, a condição de que Jesus pudesse ser

depositado em uma tumba com câmaras, como era costume no Israel antigo. Do momento em

que o corpo foi jogado à fossa infâmia, todas essas medidas de reanimação e de disfarce são

dificilmente aceitáveis. A fossa infâmia do cemitério das Oliveiras era visível de todas as partes, e

possivelmente inclusive colocavam ali um sentinela depois de cada execução. Pois bem, tudo

tende a nos demonstrar que Jesus, quão mesmo os dois ladrões crucificados a seu lado, foi

jogado a essa mesma fossa, e o imperador Juliano, que dispunha de arquivos e de leis para lhe

ajudar, não o afirmou sem provas ao Cirilo de Alexandria.

Agora, para explicar as “aparições” póstumas, não fica já mais explicação que a de um

cupincha que fizesse este papel, neste caso seu irmão gêmeo, cuja existência, se não seu papel,

não pode ficar em dúvida.

Recapitulemos.

Legalmente, o cadáver de Jesus foi depositado (ou melhor atirado) na fossa dos

condenados a morte, e os dos dois ladrões também. Quebraram-lhes as pernas, antes de

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desencravá-los, para que a asfixia acabasse rapidamente com eles, ao não poder sustentar-se

mais sobre seus pés, segundo a versão oficial. Mas as cruzes possuíam uma espécie de cavilha,

sobrando a que repousava o períneo dos condenados, o que acrescentava a todos os outros

sofrimentos o do “cavalete”. Por conseguinte, a ruptura das pernas não tinha por objetivo acabar

com eles, a não ser só impedir que, uma vez jogados na fossa infâmia, pudessem sair-se ou

rebelar-se. Para os cúmplices eventuais do exterior havia, sem lugar a dúvida, um ou dois

sentinelas de guarda.

Os dois ladrões seguramente agonizaram ali, e o tétano ou a gangrena acabariam o que a

crucificação não tinha terminado. No caso disto Jesus foi ainda mais singelo: estava

aparentemente morto, mas, por prudência, um decurião da patrulha de controle lhe afundou o

triângulo de sua lança no flanco. Porque tinha anunciado sua ressurreição, e também por medo

aos fenômenos de vampirismo, terror do mundo antigo, é pelo que lhe perfurou o flanco.

A seguir o cadáver foi reunir-se com os dois ladrões ainda vivos, na mesma fossa de

infâmia. Porque estes provavelmente ainda não tinham morrido, seus estertores, seus gemidos,

ainda eram audíveis. Quando os sentinelas não ouviram nenhum outro ruído, avisaram, e

abandonaram definitivamente seu posto de guarda. Então foi quando chegaram os zelotes, com

toda segurança de noite, apoderaram-se do corpo de Jesus, e o levaram, ao amanhecer, à

Samaria. Próximo contribuiremos a prova formal disso, com ajuda de um texto conhecido do

século II.

Em caso mais extremo pode admitir-se ainda que Pilatos aceitou, quando teve constatado

devidamente o óbito, que os discípulos ou a família retirassem o cadáver da fossa infâmia e o

depositassem em uma tumba ritual. Porque, apesar de tudo, era um “filho de David”, e tinha

gozado de numerosos e poderosos apoios. Isto Pilatos não ignorava, e no ponto em que se

encontravam, este último favor não conduzia nenhuma conseqüência. Além disso, se como

afirmam as Ata Pilati, em sua segunda detenção foi crucificado nas Oliveiras, o cemitério ritual se

encontrava ali, e não faltavam tumbas vazias.

Esta última hipótese vem confirmada no texto do Evangelho dos Doze Apóstolos, em seu

15º fragmento, onde se vê o procurador fazendo retirar pelos judeus (ou os discípulos?) o corpo

de Jesus fora da fossa comum, e aconselhando que lhe depositassem em uma tumba.

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Nossos contraditores habituais, por toda resposta, argüem por sua vez “que não estão de

acordo”.

Isto é pouco, em ausência de qualquer argumento, apoiado por um documento. Para eles,

que um homem fora flagelado com látegos de chumbo, que fora crucificado, que recebesse uma

lança no flanco, morrera, estivesse enterrado durante três dias, e logo ressuscitasse, fresco e

disposto, tudo isso é mais plausível. Mas que lhes diga que simplesmente roubaram

clandestinamente seu cadáver, e que uns quantos listillos montaram com destreza uma pequena

comédia que teve um perfeito êxito, havida conta da época e da ignorância geral do povo, e se

voltarão indignados, alegando que é impensável, ilógico e inverossímil.

“Acredito nas testemunhas que se deixam degolar...”, afirmava Pascal. Lástima! A história

demonstrou que também se pode morrer por uma causa estúpida, inclusive inepta. E a frase de

Jean Rostand conserva aqui toda sua sabedoria: “Freqüentemente é mais fácil morrer pelo que

alguém crê, que renunciar a isso ...”

31- Sobre a incineração do cádaver de Jesus

Digam ao rei: o formoso templo adornado está em ruínas, o louro mântico morreu, a fonte

gorgoteante emudeceu, Apolo não tem já morada...

SPIROS ALIBERTIS, Bizance et Thessalonique, le dernier Oracle de Delphes

Não queremos terminar esta parte sobre o mistério da tumba sem voltar, a pedido de

diversos leitores da obra precedente, ao problema da incineração dos restos de Jesus, no ano

362, em Sebasta, Samaria, e por ordem do imperador Juliano. Antes de mais nada releremos as

páginas que têm relação com esta sensacional destruição (que varre definitivamente a lenda da

pseudo-ressurreição), que aparece já relatada no primeiro volume.

Não terá que confundir este episódio do que com justiça se chama a reação pagã, com a

transferência dos restos do bispo Babylas, dos que se serviram os cristãos para manchar o templo

de Apolo em Dafne, nos subúrbios da Antioquia de Síria. Essa exumação teve lugar no mesmo

ano 362, em 21 de outubro, quando César, Juliano, achava-se na Antioquia. Mas entre a Sebasta

de Samaria e Dafne de Síria há aproximadamente 450 km a vôo de pássaro; portanto, trata-se de

dois fatos bem diferentes. Resumamos.

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Juliano, desejoso de abrir de novo o templo de Apolo em Dafne, e de restaurar o culto e

seu oráculo, deu a ordem de retirar dele o corpo do bispo de Antioquia Babylas, que estava

inumado ali. Consultado o oráculo vizinho, este respondeu, com efeito, que antes teria de purifica-

lo: “Tirem os cadáveres...”. Nessas regiões, e desde fazia milhares de anos, manchava-se e

profanava o lugar do culto odiado esparramando nele ossos e restos de cadáveres (Números, 19,

16; I Reis, 13, 2; II Reis, 21, 14-16; Ezequiel, 6, 5).

Os cristãos levaram então os restos de Babylas entoando cânticos, e, como vemos, sem

sofrer nenhuma perseguição nem moléstia.

De noite, e como por azar, o fogo do céu caiu sobre o santuário e o reduziu a cinzas, com

a estátua e todos os acessórios do culto de Apolo. E João Crisóstomo declarou ter sido

testemunha ocular deste acontecimento, em sua Quarta Homilia sobre o elogio de São Paulo, e

em seu Discurso contra os Gentis.

Concluamos que esperou de noite para ordenar lhe emprender fogo, porque que coisa

vaga e imprecisa podia estar esperando ali, nada menos que durante horas? E o mesmo

aconteceria no ano 404, a noite em que seria exilado de Bizancio por ordem da imperatriz

Eudoxia. Os cristãos incendiariam os monumentos mais formosos da cidade, e em especial sua

maravilhosa biblioteca.

Pouco antes, e nesse mesmo ano 362, mas em agosto, Juliano tinha ordenado abrir a

tumba daquele a quem ele chamava “o morto”, “a quem os judeus adoram como um deus...”, “a

quem pretendem ressuscitado...”. Fariam queimar seus restos e dispersar suas cinzas em

Samaria, e muito mais tarde os cristãos, para sair do apuro, afirmariam que se tratava

simplesmente dos restos de João, o Batista.

Mas ninguém pretendeu jamais que o Batista ressuscitara, e ninguém o adorou jamais

como a um deus, nem sequer seus próprios discípulos, os mandeanos, para quem não foi mais

que um profeta. O único personagem que corresponde à essas definições é Jesus.

Porque, ou a cabeça do Batista, que foi decapitado na fortaleza de Maqueronte, na

Transjordania, foi exposta às rapinas cravada na ponta de uma lança, no alto da torre mais

elevada, ou foi levada por um pequeno destacamento de cavaleiros à Jerusalém, ante Herodes

Antipas. Ambos os costumes se seguiam naquela época. No primeiro caso, os discípulos de João,

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o Batista, não obtiveram nenhum vestígio de seu Mestre. No segundo caso, puderam atacar o

pequeno destacamento pelo caminho de Jerusalém, e lhes roubar a cabeça do Batista. Mas esta

jamais foi conduzida à Samaria, por várias razões:

a) não há necessidade de uma tumba para guardar uma cabeça, bastam um relicário, uma urna

ou um pequeno sarcófago. Mas em Sabasta o que se abriu foi uma tumba. Além disso, não

se fala de restos no caso de uma cabeça, diz-se “o crânio” ou “a cabeça”. E o que os pagãos

incineraram em Sebasta, no ano 362, foi um esqueleto, os restos de um esqueleto. Nada de

uma cabeça;

b) Eusebio de Cesaréia, em sua História eclesiástica (I, XI), falando da execução de Batista,

ignora a lenda da cabeça entregue a seus discípulos, e não fala de nenhuma inumação;

c) Sozomenes, em sua História eclesiástica (VII, 21), diz-nos que a cabeça de Batista foi a única

que se salvou, foi transladada de Jerusalém à Cilícia, e dali à Constantinopla. Não se fala em

nada de Sebasta...

d) o que varre definitivamente a lenda da conservação da cabeça de João, o Batista, é que uma

segunda cabeça foi inumada, no século IV, na igreja de Teodosio, em Damasco. E ainda

hoje, na mesquita dos Omeyas, um edículo de mármore pretende conter outra. Três cabeças

para um só decapitado é muito...

e) segundo a lei judia, o corpo dos condenados a morte não era devolvido a seus familiares.

Foram, portanto, os restos de Jesus os que Juliano mandou incinerar em agosto do ano

362 em Makron de Samaria, e não os de Batista. No capítulo do primeiro volume consagrado a

este problema figuram outros argumentos. Em especial a confissão do pseudo Orígenes em seu

Contra Celsum. A ele remetemos ao leitor.

32 - Ressuscitados da sexta-feira santa

Quando ouviram falar da ressurreição dos mortos,

uns puseram-se a rir, outros disseram: “Ouviremo-lhe

sobre isto outra vez ...”

Atos dos Apóstolos, 17, 32

Cometeríamos um grande engano se supuséssemos por um instante que o público culto,

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os filósofos em particular, e todos os membros da classe aristocrática do Império romano,

constituíram uma massa considerável de ingênuos e papanatas. Tudo o mais terá que deixar isto

às populações semíticas do Oriente Médio daquela época. A dúvida cartesiana, o respeito pela

razão não nasceram no século XVII, mas sim era já próprio do mundo helênico e latino. Se

duvidássemos disso, bastar-nos-ia reler o que declarava um sábio imperador do século IV em

relação aos pseudo-ressuscitados da sexta-feira santa. Estamos nos referindo ao Juliano César:

“Como? Uma massa de defuntos que ressuscitam e que passeiam por Jerusalém à morte desse

deus (Jesus), sem que nenhum senador romano tenha sido informado jamais de nenhuma de

suas aventuras, nos tempos em que o Senado romano era o amo da Judéia, e fazia que seu

procurador e todos os comissionados lhe prestassem contas exatas de tudo o que acontecia?...

Como? Uns prodígios que teriam ocupado a atenção do mundo inteiro teriam sido ignorados em

toda a terra?... Como? O próprio nome do evangelho teria sido desconhecido pelos romanos

durante mais de dois séculos?...” (Cf. Juliano César, Contra os galileus, suplemento).

O evangelho ao que o imperador Juliano faz alusão neste texto é o de Mateus, em seu

capítulo 27, versículos 51 a 54. Acrescentemos que nem Flavio Josefo, que entretanto fora

submetido a tantas revisões e fora tão completado pelos monges copistas, nem os dois Talmuds,

tanto o de Jerusalém como o de Babilônia, nem nenhum autor antigo que tivesse tratado a história

dessas regiões, ouviram falar jamais dessa inesperada saída pela cidade dos mortos do cemitério

de Jerusalém. E, o que é mais, os outros evangelhos canônicos, tanto o de Marcos como o de

Lucas e o de João, ignoram esse pasmoso prodígio. Tomemos, pois, o texto de Mateus no

instante preciso em que nos descreve a morte de Jesus: “... a terra tremeu e se fenderam as

rochas; abriram-se os monumentos, e muitos corpos de Santos mortos, ressuscitaram, e saindo

dos sepulcros, depois da ressurreição Dele, vieram à cidade Santa e apareceram a muitos...” (Cf.

Mateus, 27, 51-54).

Os atenienses, membros de Areópago, célebre tribunal com sede na colina consagrada a

Ares (o Marte grego), burlaram-se de Saulo-Paulo quando este lhes falou da ressurreição de

Jesus. O que diriam se lhes anunciassem, além disso, a dos mortos do cemitério ritual de

Jerusalém?

Ante esta demencial afirmação do anônimo redator do evangelho segundo Mateus, os

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Padres da Igreja tentaram justificar os fatos supostos. Vamos, pois, tomar o conhecido

Dictionnaire de Bible, de F. Vigouroux, sacerdote de Saint-Sulpice (Paris, 1922, Letouzey & Ané,

Edith.), e ver o que tem de tudo isso aos olhos do dócil crente: “Embora o evangelista relaciona

essas ressurreições com a morte mesma do Salvador, estamos de acordo em admitir que estas

não se produziram antes da de Jesus Cristo, ‘o primeiro renascido entre os mortos’ (cf. I Corintios,

15, 20). Os sepulcros puderam abrir-se no momento do tremor de terra, mas os mortos

ressuscitados não tiveram que permanecer vivos durante umas quarenta horas. Apareceram a

seguir para testemunhar a ressurreição, e por conseguinte a divindade de Jesus. Não apareceram

com formas fictícias, como aquelas das quais se servem os anjos, mas com seus verdadeiros

corpos, de outro modo a abertura de seus sepulcros não teria razão de ser. Seus corpos estavam,

portanto, no estado que descreve São Paulo (cf. I Corintios, 15, 35, 44) para os corpos

ressuscitados”.

“Trata-se aqui de personagens Santos, provavelmente falecidos bastante recentemente

para ser reconhecidos por aqueles aos que se mostraram. São Mateus não diz o que foi deles

depois dessas aparições. São Agustín (Epist. –CLIV, 9; Ad Evod. XXXIII, col. 712) pensa que

retornaram às suas tumbas. Mas muitos outros acreditam que, associados à ressurreição corporal

de Cristo, acompanharam-lhe ao céu em corpo e alma no dia de sua Ascensão (Cf. São

Ambrosio, In PS. I, 54, tomo XIV, col. 951; Serm. LXI, 2, tomo XVII, col. 729; São Jerônimo, Epis.

CXX, 8, 2, tomo XXII, col. 993; São Epifanio, Haeres. LXXV, 8, tomo XLII, col. 513)”.

Dir-se-ia que estamos sonhando! Assim que uns mortos recentes ressuscitam no instante

em que Jesus exala o último suspiro na cruz. Suas tumbas se abrem por efeito do sismo, mas

eles permanecem deitados dentro, embora transmutados em seu “corpo de ressurreição”, até que

o próprio Jesus tenha ressuscitado. O que exige que esses mortos permaneçam deitados, a céu

aberto, desde sexta-feira santa até a alvorada do domingo, quer dizer, durante umas quarenta

horas. Sem mover-se, naturalmente, e sem padecer o frio das noites de Nisán na Palestina. Logo,

no domingo pela manhã, à alvorada, entram em bloco em Jerusalém, vão visitar seus parentes

mais amealhados, e logo voltam para seus sepulcros, a esperar ou o Julgamento final, ou a

Ascensão de Jesus, que não se produzirá até quarenta dias mais tarde. Como não nos diz que o

encarregado do cemitério comunal fechou de novo suas tumbas, deveriam sofrer muito frio

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noturno durante essas seis semanas. Por último, o dia solene da Ascensão, elevam-se pelos ares

e servem de cortejo de honra ao Jesus enquanto ascende. O molesto é que nem Mateus nem

João, em seus evangelhos, falam-nos de uma ascensão de Jesus, e só a citam Marcos e Lucas, o

primeiro a situa na Galiléia (Marcos, 16, 7), enquanto que o segundo a situa na Judéia. Só que

não está de acordo consigo mesmo, porque em seu evangelho tem lugar em Betania, povoado

situado a poucos quilômetros de Jerusalém (op. cit., 24, 50), e nos Atos dos Apóstolos a situa em

Jerusalém, no monte das Oliveiras (op. cit., 1, 9 e 12). Que o entenda quem pode.

Esta lenda com o tempo desenvolveu-se. Daniel-Rops, em Jesus em seu tempo, conta-nos

(op. cit., XI) que entre esses mortos havia dois filhos do santo ancião Simeão, presente quando

Maria e José subiram ao Templo, no natal de Jesus (cf. Lucas, 2, 25 a 35). Esses dois filhos de

Simeão, coisa curiosa, levam nomes latinos: chamavam-se Carinus e Leucius, e depois de sua

inesperada ressurreição instalaram-se em Arimatéia. Como essa palavra não faz a não ser velar o

cemitério das Oliveiras, em Jerusalém (har-ha-mettim, em hebreu, significa fossa dos mortos; o

povo de Arimatéia não tinha existência histórica naquela época), nossos dois ressuscitados

retornaram, pois, às suas tumbas. É o melhor que podiam fazer. Mas um autor apostólico antigo,

citado por Eusebio da Cesaréia, assegura que encontrou outros ressuscitados da sexta-feira santa

muito mais tarde em Alexandria. Como nossos fenômenos, segundo nos diz, tinham revestido seu

“corpo de ressurreição”, não puderam morrer de novo, e tiveram que passear-se pelo vasto

mundo na espera do Julgamento final.

O que nossos narradores apostólicos esquecem de nos dizer é o espanto que devia

apoderar-se da população de Jerusalém ante essa procissão alucinante de cadáveres brotados de

seus sepulcros. Não esqueçamos que o mundo antigo conhecia perfeitamente a lenda, de uma

vez fascinante e terrível, do vampiro que subsistia em uma vida larval em sua tumba, e cujo

“duplo” fluídico se desprendia de noite para ir literalmente bombardear o fluido vital dos humanos

dormindo, quão mesmo uma esponja absorvendo um pouco de água. O R.P. Dom Augustin

Calmet, da Ordem de São Benito, e abade de Senores, em Lorena, consagrou-lhes um curioso

tratado, intitulado Dissertations sur les apparitions des anges, démons, esprits, et sur les

revenants et vampires de Hongrie, Bohème, Moravie et Silèsie (Cf. Paris, 1746).

Pois bem, desse espanto tão natural, Mateus não nos diz nada. Nem dos problemas aos

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que deveriam enfrentar os herdeiros e sucessores desses mortos, que tinham “retornado” desta

guisa, e dos quais podia esperar-se que queriam recuperar seu antigo posto na casa, nem do lado

cômico da procissão, já que esses mortos, segundo o costume judeu, tinham os punhos e os

tornozelos atados com mortalhas, e além disso estavam estreitamente envoltos em seu sudário. E

esta dificultosa procissão devia parecer-se raivosamente a um monte de carreira de sacos. De

fato, e segundo os costumes antigos de toda a concha mediterrânea, todo morto saído de sua

tumba devia ter o coração atravessado e a cabeça atada. Logo se queimava definitivamente o

cadáver sobre uma fogueira.

E agora tentaremos encontrar a verdade por trás da lenda. Em primeiro lugar

observaremos que, prudentemente, Marcos, Lucas e João se guardaram bem de incluir este relato

em seus evangelhos.

Voltemos, pois a imprudente narração de Mateus. Nos diz que: “abriram-se os

monumentos, e muitos corpos de Santos mortos, ressuscitaram, e saindo dos sepulcros... vieram

à cidade Santa...” (Cf. Mateus, 27, 51-54).

Antes de nada, como sabiam, naquela época, que se tratava de Santos, se em Israel

antigo não conhecia a glorificação póstuma, análoga à apoteose praticada em Roma para seus

imperadores e por Atenas para seus heróis? De fato, a palavra santo se traduz em hebreu por

kadosh, e significa simplesmente separado, posto à parte. Nos Salmos de Salomão, composição

realizada em princípio de nossa era (um século a cavalo do ano 1, aproximadamente), esse termo

designa aos justos, aos possuidores da santidade legal, quer dizer, aos fariseus.

Os manuscritos do mar Morto apresentam às seitas de Qumran qualificando-se a si

mesmos assim. Por outra parte, os canaítas, ou zelotes, tiravam seu nome de zelador, o primeiro

termo do hebreu, e o segundo do grego.

Lemaistre de Sacy, além disso, em sua notável tradução francesa do Novo Testamento,

diz-nos simplesmente que esses Santos “estavam dormidos”.

Começamos já a ver um pouco mais claro. Resumamos.

O cemitério ritual situado nas Oliveiras era ipso facto um lugar totalmente impuro para os

judeus. Ali não se ia mais que para as inumações, e a seguir purificarem-se durante vários dias. É

evidente que para os zelotes, que não observavam o sabbat, que não lavavam ritualmente as

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mãos antes das comidas, uma violação a mais ou a menos dos tabus religiosos importava pouco.

E o cemitério ritual, com seus numerosos vazios, compostos cada um por duas câmaras

funerárias separadas por uma laje móvel, constituía um conjunto de redutos secretos onde não

corriam o risco de que ninguém lhes incomodasse. Essas são as “sepulturas dos Santos”, que sob

a pluma do pseudo-Mateus se converteram em milagrosas tumbas. Foi a ressurreição, em

realidade, uma saída em massa dos combatentes zelotes refugiados no cemitério, e que

penetrariam em Jerusalém com o fim de vingar ao Jesus, seu chefe e seu rei?

Foi simplesmente uma espécie de carga operada pelos legionários de Roma, alertados por

um adversário dos zelotes, e estes fugiram do cemitério para refugiar-se na cidade? Tratou-se,

pelo contrário, da aparição do comando zelote que liberou Jesus, sob as ordens de Simão,

persumido Cireneu? É muito tarde para precisá-lo. Nós, pessoalmente, inclinamo-nos pela

segunda hipótese, a do velho guarda zelote oculta no seio das tumbas e a que os romanos teriam

feito sair. Quanto aos “ressuscitados” da sexta-feira santa, os deixamos com muito gosto aos

amantes do fabuloso.

No evangelho de Marcos permanece um último eco desta explicação, embora sabiamente

deformado pelos colaboradores de Eusebio da Cesaréia em sua escola de copistas: “Chegaram

ao outro lado do mar, à região dos gerasenos, e assim que saiu Jesus do barco veio a seu

encontro, saindo dentre os sepulcros, um homem possuído de um espírito impuro, que tinha sua

morada nos sepulcros e nem ainda com cadeias ninguém podia atar-lhe, pois muitas vezes lhe

tinham posto grilhões e cadeias, mas ele tinha quebrado as cadeias e quebrado os grilhões, sem

que ninguém pudesse lhe sujeitar. Continuamente noite e dia ia entre os monumentos e pelos

monges gritando e atirando pedras. Vendo de longe Jesus, correu e se prostrou ante ele...” (Cr.

Marcos, 5, 1-6).

Em primeiro lugar, precisaremos que o R.P. de Tonquédec, da Companhia de Jesus, que

até sua morte, durante cerca de meio século, foi o exorcista oficial da diocese de Paris, declarou a

nosso chorado amigo Paul-Clément Jagot, que em toda sua carreira não tinha encontrado jamais

um só caso de posse, a não ser simplesmente doentes mentais. Pois bem, ele era doutor em

medicina, especialista em neuropsiquiatria. Observemos que a Igreja católica, em sua reforma das

Ordens menores, acaba de suprimir a dos exorcistas. Ou seja, que já não há mais demônios nem

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possessos.

Uma vez exposto isto, sentimos saudades de que um pseudo-possesso, necessariamente

subalimentado por causa dessa vida errante, tivesse apesar de tudo bastante força muscular para

romper umas cadeias que o sujeitavam estreitamente, e logo, com suas mãos, quebrar os grilhões

que lhe travavam os tornozelos. É algo digno de ver, sobretudo levando em conta que as cadeias

antigas não eram precisamente braceletes de adorno.

Além disso, naquela época, ante semelhante fenômeno humano de força, sempre podiam

baixar a esse louco furioso a qualquer masmorra bem profunda, onde, com ou sem cadeias,

estava seguro que não sairia.

De fato, esse conto evangélico veio a sobrepor-se ao fato histórico evidente, ou seja, que

uns escravos rebeldes, uns gladiadores que tinham quebrado com seus terríveis ludi, e uns

insurretos zelotes perseguidos por Roma, tinham quebrado simbolicamente suas cadeias e

estabelecido seus refúgios em tumbas.

33- A sombra de Tibério

Alguns estimam que, lendo no futuro, soube tudo isto adiantado, e que desde fazia tempo

tinha previsto que reprovação e que espantosa reputação lhe reservava o Destino.

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SUETONIO, Vida dos Doze Césares, Tibério, LXVII

Já vimos anteriormente que Tibério tinha projetado dar a tetrarquia de Herodes Filipo I ao

Jesus. Ficamos com a hipótese segundo a qual tinha ouvido falar dele em Síria, com ocasião de

sua campanha na Mesopotâmia, onde tinha vencido aos partos no Éufrates. Sabemos também

que Pilatos, seu neto por aliança, tinha protegido ao Jesus até o ponto de facilitar sua evasão. E

sobre este projeto de Jesus como tetrarca permanece um testemunho no evangelho de João: “E

Jesus, conhecendo que foram lhe arrebatar e lhe fazer rei, retirou-se outra vez ao monte ele

sozinho”. (Op. cit., 6, 15).

Sem dúvida Pilatos estivera submetido às pressões de certos elementos das dinastias

davídica e herodiana, ao que se acrescentaram influências dos fariseus igualmente poderosas.

Mas não era um homem que se comprometesse sem ter atrás dele a aprovação imperial; portanto

agora convém procurar no Tibério a sombra protetora que durante um tempo velou pelo Jesus, rei

legítimo, se não legal, de Israel.

Conhecemos imperador através de Tácito em seus Anais (I, 53; III, 24; IV, 44 e 71),

através de Suetonio em sua Vida dos Doze Césares (Cf. Augusto, 19, 31, 63, 64, 65, 72; Tibério,

principalmente, 7, 10, 11, 50), e por Aurelio Macrobio em seus Saturnais.

De tudo isto resulta que o homem era melhor que sua lenda. Chegou até nós uma frase

que demonstra seu liberalismo: “Em um Estado livre, a palavra e o pensamento devem ser

livres ...” (cf. Suetonio, Vida dos Doze Césares, Tibério, 28). Por outra parte, manifesta uma certa

atitude lassa para com outros, as separações de conduta de seus semelhantes lhe deixam

indiferente, e neste aspecto se opõe à severidade moral tradicional de Roma, e que o Senado

romano perpetua. Assim, por exemplo, ante os adultérios de sua esposa Julia não intervém, não a

acusa nem declara contra ela, e será Augusto, pai de Julia, quem adotará as medidas

necessárias para a sanção legal inevitável, já que a filha de um César não podia seguir

escandalizando ao Império. Tibério, além disso, fugia das multidões, e seus isolamentos

sucessivos em Rodas e logo em Capri o demonstram de forma indiscutível: procurou

inconscientemente as ilhas.

Mas o que o diferencia indiscutivelmente dos outros imperadores é a indiferença religiosa

que nos conta Tácito: com efeito, não acreditava nem na existência dos deuses nem no valor da

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religião do Império. Era fatalista, e não acreditava mais que no Destino, e se tinha obstinado a

essa opinião através de uma prática continuada da astrologia, que tinha estudado em Rodas, com

o astrólogo Trasilo como professor, e a quem sempre conservou a seu lado, entre seus íntimos.

Pode, portanto, sustentar a hipótese de um Tibério supersticioso, que descobriria nos

astros o futuro daquele modesto chefe zelote chamado Jesus, e, a partir de então, negaria ir

contra aquele Destino fatal que constituía sua única crença. Por outra parte, desprezava aos

covardes e aos servis: “conta-se que Tibério, cada vez que abandonava o Senado, exclamava em

grego: ‘Oh, homens! Sempre dispostos à escravidão!...’ Aparentemente, esse homem que não

aceitava a liberdade pública, sentia asco ante semelhante resignação de escravos”. (Cf. Tácito,

Anais III, 65). Podemos tirar a conclusão de que Tibério desejava a liberdade para aqueles que

eram dignos dela, assim é como pode conciliar-se ao Suetonio e a Tácito. E, desde esse suposto,

a indomável resistência judia não podia a não ser suscitar a admiração do imperador.

Por outro lado, o que reforçava a opinião de Tibério sobre o futuro de Jesus, era que umas

estranhas correntes ideológicas estavam percorrendo o velho mundo naquela época. Os judeus

esperavam a um Messias que dominaria ao mundo inteiro, e que governaria as nações com uma

vara de ferro (cf. Salmos, 2, 9). E o patriarca Jacob lhes havia predito: “Não será tirado o cetro de

Judá nem a fortificação de mando dentre seus pés, até que venha o Schilo ao qual darão

obediência os povos...” (cf. Gênese, 49, 10). Conclusão: o misterioso Schilo, palavra hebréia que

significa enviado, Messias, estava próximo, já que o cetro acabava de sair de Judá, no ano 6

antes de nossa era, e a Judéia se converteu em província romana. Em Israel ninguém ignorava

essas coisas; foi João, o Batista quem perguntou ao Jesus: “É você o que tem que vir, ou temos

que esperar a outro?...” (Lucas, 7, 19); e a samaritana responde ao Jesus: “Eu sei que o Messias

está por vir...” (João, 4,25). Flavio Josefo nos confirma esta idéia geral: “O que incitou aos judeus

à guerra, foi um oráculo equívoco das Escrituras, que anunciava que um homem saído do país se

converteria em dono do universo” (Cf. Flavio Josefo, Guerra dos judeus, VI, V, 4).

Reconheçamos que isso foi o que aconteceu depois, e que, do século IV, a vara de ferro

das profecias manteve o reino de um personagem em cujo nome se fez correr muito sangue e

muitas lágrimas! E quando o Papa Paulo VI, ajoelhado, pediu perdão ao mundo pelo triste

passado da Igreja, isto não reparou aquilo.

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Tibério reforçara também na idéia de um dominador universal saído da Palestina pela

ambígua arte das sibilas. Mas não devia ignorar as profecias judias, já que seu ex-ministro

Sejano, que era muito anti-semita, fazia expulsar aos judeus da Itália no ano 19 de nossa era, e,

evidentemente, naquela ocasião teriam dado procuração de alguns livros de profecias. Desse

conhecimento geral nos contribuem o testemunho Tácito (cf. Histórias, V, XIII) e Suetonio (cf. Vida

dos Doze Césares, Vespasiano, IV).

Por outra parte, esperava-se uma espécie de revolução geral no mundo conhecido. Já no

ano 43 antes de nossa era, enquanto Octavio estava em Roma, cunhou-se moedas que

anunciavam a volta da Idade de ouro, estimava-se que o grande círculo de Pitágoras se fechou, e

Virgilio saudava essa “grande volta” de maneira tão ambígua em sua IV Égloga, que os cristãos

transformaram sua alusão em profecia messiânica, em proveito dele.

Essas eram as obscuras razões que fizeram do supersticioso Tibério um protetor

inconsciente de Jesus. Mas teve outros amparos mais sérios, e mais claros também, porque eram

puramente políticos. E vamos agora examiná-las, porque no caso do imperador correspondiam a

um sentido político muito perito, ao que se aliava uma indiscutível ciência da estratégia.

Suetonio, em sua Vida dos Doze Césares (cf. Tibério, IX), diz-nos: “Recuperou deste

modo as insígnias que os partos tinham arrebatado ao M. Crasso”. Este autor não conta nada

mais sobre a citada campanha. Se Tácito, em seus Anais, não tivesse sido cuidadosamente

expurgado, agora disporíamos de uns relatos que se iniciariam antes da ascensão de Tibério a

púrpura imperial, e possuiríamos ainda os livros VII a XII, que desapareceram, providencialmente,

acrescentaríamos nós.

De todo modo, e também de maneira muito providencial, Suetonio conservou o rastro do

passo de Tibério por Síria antes de sua elevação a púrpura imperial, e quando ia combater aos

partos: “Quando empreendeu sua primeira expedição e atravessou a Macedônia para conduzir

seu exército a Síria...” (Cf. Vida dos Doze Césares, Tibério, XIV).

Tibério, portanto, desembarcou necessariamente em Selucia, porto da Antioquia de Síria;

dali não havia mais que 500 quilômetros até Jerusalém. Como supor nem por um instante que

Tibério não tentasse contemplar a prestigiosa cidade, e aquele templo extraordinário que se

contava entre as maravilhas da época? E mais quando terá que ter em conta que não possuímos,

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digamo-lo uma vez mais, os livros VII a XII dos Anais de Tácito, e que só chegou até nós um

fragmento do livro V. Possivelmente teve uma campanha contra os árabes nabateus, porque faz

tempo que nos testemunhou a existência de uma guerra entre Roma e estes. Já estava latente

desde tempos de Augusto, sogro de Tibério. E para ir combater a esses nabateus, terei que

passar pela Galiléia, Samaria e... Judéia.

A partir do ano 16 de nossa era (769 de Roma), os partos se agitam de novo, dirigidos

pelo Artabán. Este último, príncipe da dinastia dos Arsácidas, com suas manobras alimenta a

agitação de Armênia e em Cilícia. Mas será nos anos 34 e 35 (ano da morte de Jesus) quando a

guerra entre Roma e os partos alcançará seu ponto culminante. Artabán, expulso de seu reino,

será substituído pelo Fraates, e este pelo Tirídates. Tibério nomeia ao Vitelio legado imperial de

Síria. Roma consegue então o apoio dos armênios, dos albanos e dos iberos, estes dois últimos

assentados no sul do Cáucaso, ao oeste do mar Caspio. Artabán, vencido, vê-se obrigado a

refugiar-se em Escitia, e Tirídates, aliado de Roma, penetra na Mesopotâmia a instigação do

Vitelio, entra por último na Seleucia e é coroado em Ctesifon. Mas a nobreza parta toma a

decisão de restaurar ao Artabán no poder, põe em pé de guerra às tropas e obriga ao Tirídates a

retirar-se.

Se um consulta o mapa dessas lutas entre Roma e os partos, observará que para o

Império romano essa incessante guerra não podia tomar-se à ligeira. E mais quanto que ainda

terei que contar com as hostilidades dos árabes nabateus. E o território controlado pelas legiões

se limitava, de fato, a Síria, Galiléia, Samaria, a Decápolis e Judéia. Todo o norte da Ásia Menor

estava flutuante, e sua resistência aos partos estava em função da lealdade de suas nações a

Roma.

Agora bem, Tibério, por experiência histórica, não desconhecia o arrojo e o valor militar

dos combatentes judeus. Fazia muito tempo que os reinos do Egito empregavam para a vigilância

de suas fronteiras a unidades mercenárias judias, das que não tinham a não ser louvores. E se o

imperador desprezava aos cães lambedores (“Oh homens! Sempre dispostos à escravidão!“), em

troca apreciava em muito o valor. E atrás dessa atitude racional estava a inconsciente crença

nesse homem que devia vir da Judéia para governar o mundo com punho de ferro.

Acrescentemos a isso sua fé na astrologia, que praticava sem cessar, e seu perfeito

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conhecimento da estratégia militar daquele tempo, e tudo volta claro.

Por isso, quando Sejano, seu primeiro-ministro, decidiria no ano 19 de nossa era, e por

ódio às religiões egípcia e judia, expulsar da Itália a todos os judeus livres, Tibério César criaria,

com quatro mil jovens judeus libertos, uma legião destinada a reprimir o bandidismo e a anarquia

na Cerdeña, açoite que causavam estragos ali em estado latente. Este fato nos confirma Tácito

(Anais, II, LXXXV) e Suetonio (cf. Vida dos Doze Césares, Tibério, XXXVI).

De maneira que, se se podia unificar totalmente a Palestina, reunindo sob um só cetro,

legítimo e indiscutível, a Judéia, a Iduméia, a Samaria, a Decápolis e a Galiléia, possuir-se-ia um

sólido bastão, que seria ao mesmo tempo montanhoso e árido, de cara aos árabes nabateus, e

fértil e fecundo de cara à Síria romana.

Toda a borda oriental do Mediterrâneo ficava assegurada, deste modo, em mãos dos

romanos, sem necessidade de grandes efetivos militares. Então bastava armando somente o

norte da Ásia: Cilícia, Lycaonia, Galacia, Capadocia, Armênia, províncias que, desde fazia tempo,

ou ao menos algumas delas, abasteciam de excelentes unidades auxiliares, ficando assim

definitivamente jugulada a ameaça parta, assim como a procedente da Arábia Pétrea. Mas uma

aliança anti-romana alcançará seu apogeu no ano 614, quando Cosroes II, o Sasánida, rei da

Persia, e seus aliados árabes destruirão totalmente a nova Jerusalém de Adriano.

Quem pode dizer se o projeto de Tibério César de fazer dos judeus uma nação segundo a

fórmula “amiga e aliada do povo romano” não mudasse em face do velho mundo durante longo

tempo? Seu êxito tivesse economizado a guerra desastrosa dos anos 66-70, o nivelamento de

Jerusalém, logo a última revolução do ano 135, com a dispersão total do povo judeu, e milhões de

cadáveres...

Se a frase do evangelho de João já citada: “E Jesus, conhecendo que vieram para lhe

arrebatar e lhe fazer rei, retirou-se outra vez ao monte ele sozinho...” (João, 6, 15) é verídica, terá

que deplorar então a cegueira do chefe zelote ao refugiar-se na cidade familiar de Gamala, em

vez de aceitar o oferecimento romano. Porque se retirou ali sozinho, conforme nos diz o texto

evangélico. O que prova que seus discípulos não eram de sua opinião. E esse desacordo explica

possivelmente as traições sucessivas destes.

É certo que um só é traído pelos seus, conforme reza a sabedoria das nações, mas esse

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duplo abandono demonstra perfeitamente que os discípulos de Jesus jamais tinham ouvido falar

de um reino que não fosse deste mundo, e que ele sempre lhes tinha feito ver a restauração de

Israel unicamente do plano temporário. E assim foi inclusive depois da pseudo-ressurreição, já

que nos Atos dos Apóstolos lêem isto: Jesus aparece aos discípulos e lhes recomenda que não

se afastem de Jerusalém, o que contradiz aquela de “Vão, e batizem a todas as nações...” de

Mateus (28, 19). E eles lhe replicaram: “Senhor, é agora quando vais restabelecer o reino de

Israel?...” (Atos, I, 6). Como Tibério César, com seu conhecimento da “arte dos caldeus”, era

melhor profeta, propôs ao Senado romano que se concedesse a apoteose aos declarações de

Jesus...

Outro problema, o último, expõe-se no referente às circunstâncias da morte de Tibério

César. Consultemos de novo ao Suetonio: “Não atrevendo a arriscar nada sem achar-se em lugar

seguro, resolveu voltar para sua ilha (Capri) a todo custo. Mas, retido pelas tempestades e pelo

agravamento de seu mal, morreu pouco tempo depois na cidade de Lucullus, aos setenta e oito

anos de idade, vinte e três de seu principado, o décimo sétimo dia antes das calendas de abril,

sob o consulado de C. Acerronio Próculo e de C. Poncio Nigrinio. Alguns pensam que Gayo lhe

tinha administrado veneno que o minou lentamente”. (Cf. Suetonio, Vida dos Doze Césares,

Tibério, LXXIII).

Tácito, em seus Anais, precisa-nos outros detalhes: “O décimo sétimo dia antes das

calendas de abril, sua respiração se deteve, e se acreditou que completara seu destino mortal. No

meio já de uma afluência de felicitações, Gayo César saía para tomar posse do Império, quando

de repente lhe levaram a notícia de que Tibério tinha recuperado a palavra e a vista, e que tinha

mandado chamar àqueles que deviam lhe levar mantimentos para reanimar seu desfalecimento.

O espanto foi geral. dispersaram-se a toda pressa, e cada um adotou um ar de aflição ou de

ignorância. Gayo César, imóvel e silencioso, caiu do alto de suas esperanças e esperou os

últimos rigores. Macron, sem perder a cabeça, deu então ordem de asfixiar ao ancião sob seu

manto de cobertores, e de abandonar o lugar. Assim foi o final de Tibério, aos setenta e oito anos

de idade”. (Cf. Tácito, Anais, VI, LVI).

Resumamos.

Segundo Suetonio, Gayo, por apelido Calígula, diminutivo de caliga, termo que designava

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uma curta bota militar, teria mandado envenenar ao Tibério, e o confirma um pouco mais adiante

(Cf. Suetonio, Calígula, XII). Como o ancião (que o tinha designado como sucessor) parecia voltar

em si, Macron, prefeito das coortes pretorianas, ordenou asfixiar ao imperador. Agora bem,

Calígula era o amante da esposa de Macron, Ennia Naevia (e foi por ela que teve a seu lado ao

marido), e esta lhe prometeu por escrito e sob juramento que se casaria com ele se se convertia

em imperador. É provável que fora Macron quem animasse ao Tibério a escolher ao Gayo, aliás

Calígula, como sucessor. Porque o imperador tinha lido nos astros tudo o que faria Calígula, e

tinha declarado abertamente: “Que Gayo vivia para sua própria perdição (para ele, Tibério), e

para a de todos; que estava criando assim uma hidra para o povo romano, e um novo Faetón

para o universo...” (Cf. Suetonio, Vida dos Doze Césares, Calígula, XI e XII). Mas Tibério, sem

religião mas fatalista, aceitou o destino e fez de seu futuro assassino seu sucessor, porque

“estava escrito nos astros”.

Não obstante, não nos contentamos com essas conclusões dos historiadores antigos. Há

outra coisa, em função do que revelamos nas páginas precedentes; está o problema das lutas

incessantes entre Roma e os partos, e o das facções romanas. Como Tibério morreu em Misena,

na cidade de Lucullus, Calígula presidiu o duelo imperial. Ao retornar à Roma, o Senado, que

sempre esteve em surda rivalidade com o imperador defunto, anulou a cláusula de testamento

pela qual Tibério deixava como co-herdeiro do Império romano a seu outro neto, Tibério, filho de

Druso, ainda adolescente, e fez de Calígula o novo César. (Cf. Suetonio, Calígula, XIII, XIV).

E aqui é onde aparece a mão invisível da política, e onde voltamos para o que tínhamos

evocado precedentemente. Porque Gayo César seguiu exatamente a linha contrária de seu tio

avô Tibério. Sempre em Suetonio, lemos o seguinte: “Assim Artabán, rei dos partos, que

proclamava seu ódio e seu desprezo para Tibério, solicitou por si mesmo a amizade de Calígula,

teve uma entrevista com ele, e, atravessando o Éufrates, rendeu comemoração às águias, às

insígnias romanas e às efígies dos Césares”. (Cf., Suetonio, Calígula, XIV).

O vasto plano de Tibério ficara destruído definitivamente; apesar do passageiro êxito de

Trajano na Mesopotâmia, muito mais tarde, de novo as legiões romanas se bateriam em retirada

sob Adriano. A partir de então, a pax romana não transbordaria jamais o Éufrates.

30 de junho de 1971 – 15 de setembro de 1972.

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OBSERVAÇÃO AS NOTAS PERMENACEM CONFORME O ORIGINAL EM ESPANHOL.

NOTAS1 Prosper Lambertini, arzobispo de Bolonia, luego cardenal en el cónclave de 1740, a la muerte de Clemente XII, y luego también papa, de 1740 a 1758, fue el discreto protector de Voltaire. Como ese cónclave se eternizaba, y él no era candidato, declaró bromeando: "¿Quieren un santo? ¡Pues tomen a Gotti! ¿Un político? ¡Tomen a Aldobrandi! ¿Un tonto simpático? ¡Pues tómenme a mí ...!" Tras algunas vacilaciones, el Espíritu Santo se decidió e hizo elegir a Prosper Lambertini por sus pares, bajo el nombre de Benedicto XIV. Y fue un excelente papa, hombre de estudios y además escritor, como León X, aquel que consideraba al cristianismo como una fábula (cf. El hombre que creó a Jesucristo). Este arranque de Benedicto XIV lo hemos extraido de la Histoirde des Papes, de Pierre de Luz, París, 1960, Albin Michel édit., imprimatur París, 1960.2 Tácito, Historias, III, 24.3 Isaías, 60, 1.4 Deuteronomio, 21, 23.5 En latín: bastante.6 La I Augusta era de reclutamiento sirio, la III Cirenaica de reclutamiento argelino y tunecino, la III Augusta de reclutamiento íbero. Sólo la Cohors II Italica Civium Romanorum, a la que habría pertenecido el centurión Cornelio (Hebreos, 10, 1) era de reclutamiento italiano. Pero los altos mandos, suficientemente políglotas, cambiaban bastante fácilmente de unidad.7 Porque es falso que Jesús tuviera sólo dos años de actividades públicas, y san Ireneo tiene razón al hacerlo morir hacia la cincuentena. El episodio de la mujer adúltera narrado en Juan (7, 3 a 11) demuestra que el hecho tuvo lugar antes del año 30, ya que después de esa fecha los judíos no tuvieron ya derecho a condenar a muerte y a ejecutar.8 Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 85-86 (Ed. Martínez Roca, Barcelona, 1982).9 De esta moneda poseemos ejemplares, descubiertos en Massada, en abrigos situados bajo el muro de la casamata del segundo palacio, llamado "palacio del Oeste". Se descubrieron allí numerosas monedas, la mayor parte de las cuales datan del segundo y tercer año de la revolución judía contra Herodes, en especial tres "shekels" muy raros, fechados "año 5", y que fueron los últimos acuñados durante esa revolución. Esas informaciones las hemos extraido del Guide Blue "Israel", página 489, edición de 1966 (Hachette Edith.)10 Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 60-69.11 El papel de médium atribuido a un niño virgen, o al menos impúber, es clásico en todas las mancias del Oriente Medio, y Moisés no lo innovará con el joven Josué (Cf. Éxodo, 23, 11; Números, 27, 18).12 Es la forma hebraica de Betsabé, esposa de Urías, a quien David hizo matar en combate, a traición, a fin de quitarle a la mujer (II Samuel, 11, 1 a 27). Jesús descendía, por lo tanto, de una pareja adúltera y asesina, según Mateo, 1, 6. extraña elección para un dios encarnado deseoso de dar ejemplo. La Iglesia, que rechaza el divorcio, lo santificó y fijó su fiesta el 20 de diciembre. Hay que observar, por cierto, que el esposo (o la esposa) que asesina a su cónyuge puede volverse a casar, una vez purgada su pena de prisión. Porque en este caso no se trata de un divorcio, sino de una viudedad. Y las segundas nupcias son legimitadas por la Iglesia.13 Jesús o el secreto de los templarios, pp. 50-53.14 San Jerónimo, en su Comentario sobre el Protoevangelio de Santiago, nos afirma que en su época (347-420) los peregrinos cristianos veneraban todavía en Jerusalén, en el lugar donde se levantaba antaño el Templo destruido en el año 70, los restos de la sangre de Zacarías. Debían renovar con bastante frecuencia esta maculatura tan provechosa. Es cierto que en la Edad Media, en Europa, se vendían corrientemente botellas que contenían un fragmento del manto de san Jorge, embebido por su sudor cuando combatía al dragón, etcétera.15 Jesús o el secreto de los templarios, pp. 126-138.16 Si Zacarías es el alter ego de Judas de Gamala, su padre Baraquías pudo haberlo sido de Exequias, padre del citado Judas, del mismo modo que Juan el Bautista lo será de Jesús.17 En el siglo XVIII, los rituales masónicos transcribían el nombre con una "z", roze-croix.18 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 70-90.19 La palabra apóstol significa enviado, agente, misionero, mensajero. El latín apostolus podría, por lo tanto, sustituir a ángelus, que tiene el mismo significado. Se denominaba apostoli a las cartas de aplazamiento que iban de un tribunal a otro, al que se apelaba. Al exigir que le enviaran al tribunal imperial (cesare apello), Saulo-Pablo hacía el papel de apostoli.20 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 60-69.21 Los rebeldes políticos eran crucificados cabeza abajo (cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 225-226). Por lo tanto, no era necesario reclamarlo.22 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, p. 82.

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23 M. GUY FAU, crítico tan "racionalista" como distinguido, y que tuvo a bien hacernos el honor de atacarnos por nuestra tesis de un Jesús zelote, se tomó la molestia de redactar 522 páginas para demostrarnos la inexistencia del personaje (lo que exige, después de su lectura, varios comprimidos de Alka Seltzer). No obstante, en su inmerecida benevolencia, nos dice que "sin embargo parece que puede admitirse la existencia de los tres apóstoles, Santiago, Pedro y Juan". (op. cit. P. 333). Ya se ve que es posible tener discípulos sin necesidad de existir uno mismo.24 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, p. 81.25 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, p. 8126 Cf. El hombre que creó a Jesucristo, pp. 94-95. (Ed. Martínez Roca, Barcelona, 1985).27 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, p. 274-286.28 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, p. 16-17.29 Los exégetas no están de acuerdo sobre cuál es el Santiago a quien corresponde el sobrenombre de Mayor y a cual conviene aplicarle el de Menor. Uno era hermano de Jesús, el otro de Juan. Hablaremos de ello más adelante.30 En hebreo, heresh significa a la vez carpintero o mago; por lo tanto es difícil decir cuál de las dos acepciones debe tenerse en cuenta. Los escribas griegos del siglo IX eligieron, evidentemente, carpintero para sus traducciones de las fuentes judías, porque confesar que era mago ...31 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, p. 60 y ss.32 Ahora se sabe por Flavio Josefo que eso es falso (véase el capítulo 7).33 ¿Fue Lucas realmente el secretario de Pablo? Monseñor Ricciotti, historiador de la Iglesia, lo duda.34 Iawet Sabaoth, en hebreo. Es de espíritu zelote a más no poder.35 Cf. El hombre que creó a Jesucristo, pp. 79-92.36 Cf. El hombre que creó a Jesucristo, pp. 244-245.37 Alexandrôs (Al), tiene por analogía Eleazar (El). Su contracción recíproca da, pues, Andrós y Lázaro.38 El mosaico del templo de Dafne, que representa el fénix (Museo del Louvre), no lo muestra sobre una pira en forma de cruz, sino sobre un montículo. Sólo a partir de la época en que se asocia el fénix y san Andrés es cuando se sitúa a este pájaro sobre una hoguera en forma de aspa, símbolo de la resurrección. Eso es muy significativo.39 Por cierto que ahora se toma equivocadamente al pelícano como símbolo de la caridad y del sacrificio. ¡Porque la leyenda de esta ave jamás ha significado tal cosa! Nos dice simplemente que, al volver a su nido, el pelícano es atacado por sus polluelos, muertos de hambre. Al defenderse, los mata. Tres días mas tarde, al regresar al nido, se apiada de ellos, y al derramar sobre cada uno de ellos una gota de su propia sangre, los hace volver a la vida. Ese es el tema de toda iniciación. Los pequeños quieren dar muerte a su padre (el Iniciado matará al Iniciador, dice el viejo adagio esotérico); el Iniciador dará muerte al Iniciado, pero le hará revivir a continuación a un nuevo nivel de conciencia (el pelícano mata a sus pequeños y los resucita luego). Es todo el tema masónico de la "muerte de Hiram" en el ritual del grado de Maestre. Por otra parte, y en el mundo antiguo, esa leyenda a quien se atribuía era al buitre. Y fue el cristianismo quien la transfirió al pelícano.40 Casio Longino, célebre jurisconsulto, fue consul suffect en el año 30, procónsul de Asia en el 40, gobernador de Siria en el 45 a 50. Por lo tanto fue del 45 al 50 cuando Eleazar, alias Andrés, fue capturado por primera vez, y sin duda en el año 47, cuando sus hermanos Simón-Pedro y Santiago fueron crucificados, a la salida del sínodo de Jerusalén. Su adversario, Saulo-Pablo, sin lugar a dudas no fue ajeno a este fin.41 Filadelfia se convirtió en Amman, capital de Transjordania. Se observará que, para atacar la Idumea y la Arabia nabatea, había que tener un fondo de bandolerismo en mente. A menos que se tratara de simples operaciones de avituallamiento y de cobro de contribuciones, de grado o por fuerza.42 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 126-138, y 184-190.43 Véase el capítulo 8.44 ¡Como si Betania no estuviera en Judea! Los escribas ignaros del siglo IV no tenían ninguna idea de la geografía de Palestina. 45 Un estadio equivale a 185,015 metros.46 Observemos que el tema de una resurrección final estaba lejos de ser una creencia oficial en el Israel de aquella época. En cuanto a la idea de un Hijo de Dios en el sentido que nosotros le damos hoy, hubiera sido blasfematoria.47 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios: "Las piezas del expediente", catálogo de los manuscritos, pp. 24-36.48 Eso son afirmaciones gratuitas, y a un Doctor de la Ley de aquella época no le era difícil demostrar que Saulo-Pablo ignoraba todo sobre las Escrituras en lo que concernía al Mesías esperado.49 Durante las guerras tribales que desolaron el ex-Congo belga, los brujos vendían a los guerreros negros un "agua mágica" destinada a hacerlos casi inmortales.50 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 60-69.51 Op. cit., pp. 184-190.52 De hecho, veremos más adelante que hay muchas posibilidades de que se tratara del mismo Jesús.

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53 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 65-67.54 Theudas es la forma griega de Tadeo, en hebreo: Todah. El Talmud, sin embargo, no conoce más que a cinco (y no doce) discípulos de Jesús. Son: Matai (Mateo), Nagai (Nicodemo), Netzer (?), Nuni (Nun), y Todah (Tadeo).55 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 169-170.56 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 70-90.57 Docetismo: doctrina gnóstica según la cual Jesús sólo usó una materialización momentánea, sin realidad carnal, lo que implica que no hubo gestación intrauterina, ni nacimiento físico, ni sufrimientos corporales, ni muerte normal. Desapareció del mismo modo que había aparecido.58 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 85-86.59 Flavio Josefo, en sus Antigüedades judaicas, habla en diversas ocasiones de la "fortaleza de Gamala".60 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 111-112.61 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 58-59.62 Id., pp. 70 a 90.63 Cf. S. PINÈS, en The Jewish Christians of the Early Centuries of Cristianity, p. 61.64 El Transitus Mariae dice lo contrario.65 En hebreo K.A.E.S., es decir, "Kadosh Adonai Elohim Sabaoth" (Santo es el Señor, dios de los ejércitos).66 Estudiaremos este emparejamiento en otro capítulo.67 Por lo tanto habría muerto en Jerusalén, a la vez que Santiago el Menor, bajo el pontificado de Ananías, en el año 63 de nuestra era, entre la muerte del procurador Festo y la llegada de Albino, su sucesor.68 Anagógeno: que suscita un clima místico en la psique de un individuo. Todo producto anagógeno (incienso, gálbano, etc.) puede desencadenar un estado pre-mediúmnico en determinados individuos predispuestos a ello.69 Cf. Carta de L.C. de Saint-Martin a J.B. Willermoz del 29 de abril de 1785, reproducida por Papus, páginas 180 a 183 de su libro. L.C. de Saint-Martin (París, 1902, Chacornac Edit.)70 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 227 a 229.71 Id. Pp. 30-36.72 Asamblea se dice en griego ekklesia, y en hebreo es el kahal local, minúsculo reflejo del sanedrín. Los profetas son allí, más modestamente, roeh (videntes), y los doctores rabbis (maestros).73 El Cleofás del que se trata aquí no pudo ser, naturalmente, el contemporáneo de Jesús, citado en Lucas (24, 18).74 Rabbi Akiba, sabio cabalista, es uno de los cuatro doctores que penetraron en lo más profundo de esta ciencia, llamada "el jardín" (cf. Talmud, Chagigah, 14b). "Cuatro entraron en el Pardes (paraíso): Rabbi ben Asai contempló y murió; ben Soma miró y perdió la razón; Acher introdujo el desorden en las plantaciones, sólo Rabbi Akiba entró y salió sano y salvo". Una tradición tardía pretende que Rabbi Akiba fue el autor del Sepher Yezirah. Pero sólo fue su comentarista.75 Edom y Seir designan la Idumea geográfica, y sobre todo la dinastía idumea de los Herodes. Beor es el nombre caldeo del dios con cabeza de asno, y Balaam "hijo de Beir" monta una asna que habla y distingue al ángel del Eterno (Números, 22, 21-35). Los que estén familiarizados con el esoterismo comprenderán esos versículos de palabras veladas ...76 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 30-36.77 Cf. I Reyes, 23, 24-38.78 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 248-252.79 Id., pp. 139-150.80 Id., pp. 80-84.81 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 274-288.82 Cf. El hombre que creó a Jesucristo.83 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 55-56.84 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 162-183.85 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 54-69.86 Id., y capítulo 8.87 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 150-151.88 El Talmud de Babilonia (Sanedrín, 106), reconoce que María descendía de David.89 Op. cit., pp. 59-69.90 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 123-125. Ese es todo el prodigio de "Jesús ante los doctores de la Ley": el simple examen de un niño de primera comunión, una vez terminado de aprender el catecismo ...91 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 45-53.92 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 241-258.93 Id., pp. 210-212.94 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 109-114.95 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 109-111. El demencial relato de la leyenda de María Magdalena, colocada por los ángeles en un pico entonces inaccesible, y luego elevada por ellos cada

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mañana hasta la cima más alta, para que se secara, dado que la gruta era muy húmeda, es típico de la ingenuidad de las multitudes de la antigüedad.96 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 112-114.97 El pseudo-Orígenes, en su Contra Celso, niega explícitamente que el evangelio calificara a Jesús de carpintero. No obstante, Marcos lo afirma en su evangelio (6, 3), y con todas sus letras, en griego. Por lo tanto, el texto de Marcos que el pseudo-Orígenes conoció en su época, era diferente al nuestro.98 Se observará que Tomás de Aquino, san Bernardo, san Buenaventura y santa Catalina de Siena se alinearon en la Edad Media en las filas de los adversarios de la Inmaculada Concepción. Por lo visto a Catalina de Siena se le apareció la Virgen María para confirmarle que no era en modo alguno inmaculada. Pues bien, la Iglesia acaba de proclamar a Catalina de Siena "doctor de la Iglesia" ... ¿Cómo conciliar estas contradicciones"99 Cf. El hombre que creó a Jesucristo, p. 73, esquema genealógico de dicha dinastía, de la cual procedía Saulo-Pablo por vía femenina.100 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 54-69 y 104-114.101 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 54-69 y 104-114.102 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 37-44 y 54-59.103 Id., pp. 38 y 39 sobre las referencias en el Talmud en lo que respecta a esa restricción de matrimonio que sufría un hombre impotente. Es preciso observar que el hecho de haber confiado una joven de quince años, todo lo más, a un anciano impotente de ochenta y un años, hubiera causado escándalo en Israel. (cf. Talmud, San. 76a; Yeb. 101b; Deuteron. 29, 19s y 76b).104 En lo que se refiere a una virginidad conservada por María después del parto, basta con releer a Lucas (2, 22-24) para convencerse de que estuvo obligada a someterse a los ritos de purificación propios de las parturientas (Levítico, 12, 1-8).105 ¡El incubo es un demonio macho copulando con una mujer, a veces con un falo doble! La súcuba es un demonio hembra, que desempeña todas las funciones de una mujer ... ¡Hay, asimismo, demonios hermafroditas, para las personas 'ambivalentes'!. 106 Cf. san Agustín, De la Ciudad de Dios, XV, 23; santo TOMÁS DE AQUINO, Suma teológica, P. I., 9, 51, art. 3, ad. 6. 107 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 54-59.108 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 274 y 286-288.109 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 241-258.110 Los evangelios canónicos nos dicen que fue José de Arimatea quien desclavó el cuerpo y lo sepultó (Mateo, 27, 39; Marcos, 15, 46; Lucas, 23, 53; Juan, 19, 38).111 Cf. El hombre que creó a Jesucristo, pp. 110-123, y esquemas genealógicos de las páginas 72, 73 y 112-113.112 Mucho antes de Mesalina, tuvo Cleopatra de Egipto la costumbre de ir a veces a prostituirse durante noches enteras a un lupanar elegante de Egipto. También la duquesa de Orléans, cuyo nombre de soltera era Louise-Henriette de Bourbon-Conti, madre del futuro Philippe-Égalité, pudo confesar con franqueza que ignoraba quién era el padre de su hijo: 'Cuando uno cae sobre una zarza, ¿sabe acaso cuál es la espina que le ha pinchado? ..." (Cf. ANDRÉ CASTELOT, Philippe-Égalité, le prince rouge, p. 19, Sfelt. Édit., París, 1950). Esta naturaleza tan rica moriría a los treinta y dos años, agotada por tantos excesos.113 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 37-44 y 106-114.114 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 300-301.115 Y no "de Alejandría", como el texto griego alterado puede hacer creer, ya que tanto él como su hija eran de Jerusalén. ¡Un sacerdote del Templo no residía en Egipto!116 ¡Difícilmente puede uno imaginar a un simple cohen con onirománticos a su disposición! En cambio, en el caso de un tetrarca, es algo obvio.117 Sobre las tres Marías, consultar: HEMO DE HALBERSTADT (+ 853), discípulo de Alciuss y amigo de Raban Maur; GERSON y su Sermón sur la nativité de Marie; JEAN ECK en sus Acta Sanctorum.118 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 294-295.119 Cf. El hombre que creó a Jesucristo, pp. 72 y 73.120 Hijo de Herodes el Grande y de Mariamna I, ejecutado en Sebasta (Samaria), por orden de su padre, en el año 7 antes de nuestra era.121 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios. 122 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 162-183.123 La herejía nicolaíta perduraba todavía en el siglo IV, como demuestra san Epifano en su Tratado de las herejías. Lo que prueba que esa costumbre de las mujeres en comunidad estaba muy arraigada en los medios cristianos primitivos.124 Hemos demostrado en Jesús o el secreto mortal de los templarios (páginas 30 a 36) que el Apocalipsis fue redactado por Jesús en vida. Por consiguiente, esa costumbre que a continuación fue denominada nicolaísmo era practicada todavía en aquellos tiempos en los medios zelotes. Lo que es más, según san Ireneo (cf. Contra los herejes, I, XXVI, 3), esta costumbre se remontaba hasta el diácono Nicolás, por lo tanto hasta los propios tiempos apostólicos.

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125 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 169-173.126 El hecho de que Saulo-Pablo fuera príncipe herodiano es lo que movió al tribuno Claudio Lysias a enviarlo, escoltado, ante el procurador Antonio Félix (Cf. El hombre que creó a Jesucristo, páginas 36 a 48). Un príncipe de sangre real no podía ser juzgado por un simple tribuno. Del mismo modo fue enviado Andrés-Eleazar ante Nerón César. Otros, por el contrario, fueron ejecutados sobre el terreno, al ignorar los legionarios su rango ...127 Esto no es nada exclusivo del mundo antiguo, y un decano del colegio de abogados amigo nuestro nos ha explicado el mecanismo contemporáneo, que es de lo más sencillo ...128 Cf. Presentación de Gilbert Lely (París, 1953, Gallimard édit.), quien observa que Sade no se equivocó al llamarla así, ya que la firma de la reina era, efectivamente, Ysabel, y la forma de Isabeau era extremadamente rara en las actas oficiales.129 Sobre el carácter ilusorio de esta danza de Salomé II, cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 136-138.130 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 289-303.131 Cf. El hombre que creó a Jesucristo, pp. 185-186. Hay que observar que las hijas y los hijos eran educados totalmente aparte y separados. Cuando se hallaban en contacto, en la adolescencia, no se producía entre ellos esa repulsión instintiva que existe por regla general cuando crecen juntos. Además, a menudo eran de madres diferentes, pues se trataba de matrimonios por interés. De ahí las frecuentes uniones entre hermanos y hermanas en el mundo antiguo y en esas regiones.132 Cf. El hombre que creó a Jesucristo.133 Cf. Jesús o el secreto mortal de los templarios, pp. 126-138 y 184-190.

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