Número XIX – Volume II – dezembro de 2016 www.ufjf.br/eticaefilosofia ISSN : 1414-3917 4 OS LIMITES DA PALAVRA: PARMÊNIDES E O INDIZÍVEL THE LIMITS OF THE LANGUAGE: PARMENIDES AND WHAT IS NOT UTTERABLE Nicola Stefano Galgano 1 RESUMO: A importância do papel de Parmênides na história da filosofia foi evidenciada por Hegel, quando chegou a considerá-lo o primeiro verdadeiro filósofo. No entanto, o hegelianismo e, com ele, a moderna história da filosofia acentuaram a descoberta parmenidiana do ser, deixando de lado a complexa noção de não-ser. Mas o próprio Parmênides, ao introduzir aquelas noções, se dedica mais à explicitação e à argumentação do não-ser, mostrando algumas características peculiares que acabam tendo consequências sobre a estruturação do discurso cognitivo. Uma destas características é a indizibilidade do não ser, demonstrada por Parmênides indiretamente. Com a afirmação da indizibilidade, Parmênides estabelece, pela primeira vez na história do pensamento ocidental, um limite para o uso da linguagem e, portanto, um critério para o desenvolvimento do discurso epistêmico, uma autêntica regra metalinguística. A presente análise procura evidenciar os argumentos de Parmênides a partir do texto do poema, revelando a sutileza da reflexão do eleata, o primeiro a introduzir a problemática da linguagem epistêmica na cultura ocidental. Palavras-chave: Parmênides, eleatismo, não-ser, linguagem, indizível, Platão. ABSTRACT: The importance of the role of Parmenides in the history of philosophy was enphasised by Hegel, who considered him the first real philosopher. However, hegelianism and the modern history of philosophy gave proeminence to the discovery of ‘being’, putting aside the complex notion of ‘non-being’. But, introducing those notions, Parmenides explains and argues more about non-being, showing some peculiar characters that have consequences on the structure of cognitive discourse. One of these characters is the fact that non-being it is unutterable. Saying that non-being is unutterable Parmenides sets, for the first time in the history of Western thought, a limit to the language that wants to express the truth and hence a criterion to the development of epistemic discourse, an authentic metalinguistic rule. The analysis presented here tries to make clear Parmenides’ arguments in the text of the poem, revealing the subtle reflection of the philosopher of Elea, the first who introduces the problematic of epistemic language in Western culture. Keywords: Parmenides, Eleaticism, non-being, language, unutterable, Plato. 1 Pós-doutorando em Filosofia pela USP. E-mail: [email protected].
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OS LIMITES DA PALAVRA: PARMÊNIDES E O INDIZÍVEL · Os humanos pensam que os deuses se parecem com eles próprios, de fato, os deuses dos egípcios (povo negro) são representados
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ISSN 1414-3917
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OS LIMITES DA PALAVRA PARMEcircNIDES E O INDIZIacuteVEL
THE LIMITS OF THE LANGUAGE
PARMENIDES AND WHAT IS NOT UTTERABLE
Nicola Stefano Galgano1
RESUMO A importacircncia do papel de Parmecircnides na histoacuteria da filosofia foi evidenciada por
Hegel quando chegou a consideraacute-lo o primeiro verdadeiro filoacutesofo No entanto o
hegelianismo e com ele a moderna histoacuteria da filosofia acentuaram a descoberta parmenidiana
do ser deixando de lado a complexa noccedilatildeo de natildeo-ser Mas o proacuteprio Parmecircnides ao introduzir
aquelas noccedilotildees se dedica mais agrave explicitaccedilatildeo e agrave argumentaccedilatildeo do natildeo-ser mostrando algumas
caracteriacutesticas peculiares que acabam tendo consequecircncias sobre a estruturaccedilatildeo do discurso
cognitivo Uma destas caracteriacutesticas eacute a indizibilidade do natildeo ser demonstrada por Parmecircnides
indiretamente Com a afirmaccedilatildeo da indizibilidade Parmecircnides estabelece pela primeira vez na
histoacuteria do pensamento ocidental um limite para o uso da linguagem e portanto um criteacuterio
para o desenvolvimento do discurso epistecircmico uma autecircntica regra metalinguiacutestica A
presente anaacutelise procura evidenciar os argumentos de Parmecircnides a partir do texto do poema
revelando a sutileza da reflexatildeo do eleata o primeiro a introduzir a problemaacutetica da linguagem
ABSTRACT The importance of the role of Parmenides in the history of philosophy was
enphasised by Hegel who considered him the first real philosopher However hegelianism and
the modern history of philosophy gave proeminence to the discovery of lsquobeingrsquo putting aside
the complex notion of lsquonon-beingrsquo But introducing those notions Parmenides explains and
argues more about non-being showing some peculiar characters that have consequences on the
structure of cognitive discourse One of these characters is the fact that non-being it is
unutterable Saying that non-being is unutterable Parmenides sets for the first time in the
history of Western thought a limit to the language that wants to express the truth and hence a
criterion to the development of epistemic discourse an authentic metalinguistic rule The
analysis presented here tries to make clear Parmenidesrsquo arguments in the text of the poem
revealing the subtle reflection of the philosopher of Elea the first who introduces the
problematic of epistemic language in Western culture
Keywords Parmenides Eleaticism non-being language unutterable Plato
1 Poacutes-doutorando em Filosofia pela USP E-mail nicolagalganouspbr
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A insistecircncia da tradiccedilatildeo criacutetica da historiografia filosoacutefica de Hegel em diante em
acentuar a descoberta do lsquoserrsquo elevou Parmecircnides do lugar secundaacuterio reservado aos
pensadores anteriores a Platatildeo e Soacutecrates a uma posiccedilatildeo proeminente na histoacuteria da filosofia
para Hegel (1836) Parmecircnides foi o primeiro verdadeiro filoacutesofo Esta visatildeo funcional agrave
concepccedilatildeo hegeliana de histoacuteria da filosofia se manteve ateacute o seacuteculo passado e de certa forma
ainda constitui o clichecirc das visotildees simplificadas onde se tende a considerar Parmecircnides o
filoacutesofo do ser em oposiccedilatildeo a Heraacuteclito o filoacutesofo do devir No entanto apesar da forte
influecircncia do pensamento de Heidegger a reforccedilar a ideia de uma filosofia do ser os estudos
parmenidianos comeccedilaram a focar em outros aspectos antes de tudo o forte contexto miacutetico-
religioso no qual ele estava inserido e depois a forte componente naturalista ou como diriacuteamos
hoje cientiacutefica presente no seu poema sua uacutenica obra2
A estas duas componentes timidamente comeccedilou a ser acrescentada uma terceira feita
de discussotildees mais estritamente filosoacuteficas Por um lado na metafiacutesica comeccedilou a ser resgatada
a oposiccedilatildeo radical e sem intermediaccedilatildeo entre ser e nada redescobrindo Parmecircnides como o
primeiro autor a evidenciar esta oposiccedilatildeo (Severino 1964) Por outro lado os estudos de loacutegica
desde a retomada em chave anti-aristotelista do seacuteculo XIX com o ponto alto ndash embora seguido
de parcial insucesso ndash na obra de Russell e o reiniacutecio sobre novas e mais radicais bases com
Godel a loacutegica comeccedilou a adotar francamente as visotildees contra-intuitivas e voltou a reconhecer
em Parmecircnides um pioneiro visionaacuterio digno de dialogar com a mais avanccedilada loacutegica
contemporacircnea
A novidade desta terceira componente se apoiava na valorizaccedilatildeo da noccedilatildeo de lsquonatildeo-serrsquo
como o chamava Parmecircnides ou lsquonadarsquo como o chamava Melisso e como eacute preferido pela
nossa linguagem atual No iniacutecio desses estudos o nada eacute ainda uma noccedilatildeo subordinada e
funcional ao lsquoserrsquo mas em breve comeccedila a revelar seu potencial autocircnomo e desnorteador Nos
anos 70 aparece pelo que me consta o primeiro estudo dedicado exclusivamente agrave primazia do
lsquonadarsquo em Parmecircnides (Colombo Il primato del nulla e le origini dela metafisica)3 E desde
2 Para Dioacutegenes Parmecircnides pertence agravequele grupo de pensadores que escreveram uma obra soacute (DL Vitae
Philosophorum 1167-8) 3 Embora de linguagem datada que pode incomodar o leitor desacostumado este livro mereceria ser redescoberto
em suas teses essenciais
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entatildeo aos poucos estaacute sendo possiacutevel aceitar melhor as ideias destes filoacutesofos preacute-socraacuteticos
os quais natildeo hesitavam em se lanccedilar em especulaccedilotildees ousadas e totalmente contra a lsquoopiniatildeo
comumrsquo (paradoxos)
O que haveria de paradoxal na filosofia de Parmecircnides A resposta tradicional a esta
pergunta constitui tambeacutem a suacutemula das acusaccedilotildees que satildeo dirigidas a ele uma delas eacute aquela
que nos interessa de perto A primeira acusaccedilatildeo a Parmecircnides eacute que o lsquoserrsquo uacutenico por ele
preconizado que rejeita radicalmente o lsquonatildeo serrsquo por constituir a uacutenica realidade estaria em
flagrante contradiccedilatildeo com o proacuteprio enunciado pois a deusa do poema seu disciacutepulo e o
ensinamento configuram uma pluralidade a qual negaria aquela unidade ou visto de outro lado
a unidade tornaria impossiacutevel a pluralidade expressa pelo proacuteprio ensino do poema
Outras acusaccedilotildees se referem aos outros supostos caracteres do lsquoserrsquo o natildeo ter sido
gerado e natildeo perecer a imutabilidade a natildeo temporalidade a homogeneidade a unidade a
continuidade
Mas as acusaccedilotildees natildeo se limitam agraves caracteriacutesticas do lsquoserrsquo elas se estendem ao lsquonatildeo
serrsquo De fato no fragmento DK 2 que em breve veremos em detalhes Parmecircnides diz que o
natildeo ser natildeo pode ser conhecido e nem dito (DK B 27-84)
οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)
οὔτε φράσαις
pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)
nem o dirias 5
4 Todas as citaccedilotildees de Parmecircnides se referem agrave ordenaccedilatildeo de Diels-Kranz e todas as traduccedilotildees satildeo de Cavalcante
de Souza (1978) exceto onde indicado onde propus alguma pequena variaccedilatildeo 5 Uma traduccedilatildeo mais literal destes versos eacute aquela de Santoro (2011) todavia ela necessitaria de explicaccedilotildees
filoloacutegicas que natildeo podemos reportar aqui portanto seja para noacutes suficiente a ainda excelente traduccedilatildeo de
Cavalcanti de Souza que eacute tambeacutem a mais difundida no meio acadecircmico brasileiro Santoro traduz ldquopois nem ao
menos se reconheceria o natildeo ente pois natildeo eacute realizaacutevel nem tampouco indicariardquo No que diz respeito ao nosso
tema teriacuteamos que explicitar a traduccedilatildeo de φράσαις de φράζω Este verbo significa lsquoindicarrsquo e tambeacutem lsquodizerrsquo
Segundo Aristarco em Homero nunca significa lsquodizerrsquo e este eacute um bom motivo para traduzir lsquoindicarrsquo ao inveacutes de
lsquodizerrsquo No entanto a poesia agrave moda arcaica de Parmecircnides faz referecircncia sim a Homero mas tambeacutem a Hesiacuteodo
e aos liacutericos Considerando que lsquoindicarrsquo aqui significa a expressatildeo vocal acompanhada do gesto natildeo se deve
entender num sentido mais moderno de lsquoindicar sem mostrarrsquo como poderia ser predicado de sinais indicadores
por exemplo os quais apenas apontam a direccedilatildeo Natildeo eacute este o sentido grego Para o grego da eacutepoca de Parmecircnides
significa lsquodizerrsquo remetendo a um sentido arcaico de lsquodizer enquanto se indica com a matildeorsquo
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A acusaccedilatildeo eacute a seguinte a deusa do poema diz que o lsquonatildeo serrsquo (τό μὴ ἐὸν) natildeo pode ser
conhecido e nem dito mas ao fazer isto ela proacutepria estaacute dizendo lsquonatildeo serrsquo o que implica que
o lsquonatildeo serrsquo pode ser dito logo Parmecircnides pela voz da deusa estaria em contradiccedilatildeo
Esta acusaccedilatildeo abre caminho para o nosso tema a afirmaccedilatildeo dos limites da linguagem
pela demonstraccedilatildeo do indiziacutevel em Parmecircnides pela primeira vez na histoacuteria do pensamento
ocidental Propriamente teriacuteamos que tomar com cautela a palavra lsquodemonstraccedilatildeorsquo porque
naqueles tempos uma tal noccedilatildeo natildeo existia No entanto por outro lado natildeo eacute possiacutevel deixar
de enfatizar a intenccedilatildeo de Parmecircnides de fornecer um tipo de persuasatildeo de maacuteximo vigor e
perfeitamente aderente agrave nossa mente que ele chama de lsquopersuasatildeo que acompanha a verdadersquo
(DK B 24) e que noacutes chamariacuteamos de lsquodemonstraccedilatildeorsquo
Por que Parmecircnides sentiu a necessidade de lsquodemonstrarrsquo Porque em seu tempo as
explicaccedilotildees a respeito do mundo se multiplicavam na medida em que com o desenvolvimento
da navegaccedilatildeo se ampliava o mundo conhecido e suas diferentes crenccedilas Assim Xenoacutefanes
um dos mestres de Parmecircnides6 ao constatar crenccedilas diferentes a respeito do mesmo fato natildeo
apenas apontou a contradiccedilatildeo mas tambeacutem indicou qual poderia ser o motivo desta contradiccedilatildeo
Ele notou que as figuras dos mesmos deuses eram diferentes de povo para povo e que afinal
cada povo representava os deuses segundo as suas proacuteprias caracteriacutesticas eacutetnicas Eis os
fragmentos DK 21 B 14-167
14 Mas os mortais acreditam que os deuses satildeo gerados
que como eles se vestem e tecircm voz e corpo
15 Mas se matildeos tivessem os bois os cavalos e os leotildees
e pudessem com as matildeos desenhar e criar obras como os homens
os cavalos semelhantes aos cavalos os bois semelhantes aos bois
desenhariam as formas dos deuses e os corpos fariam
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Jocircnia e todos eles recusando as explicaccedilotildees religiosas e buscando criticamente as explicaccedilotildees
naturais Xenoacutefanes tambeacutem era jocircnico e embora poeta era considerado tambeacutem um saacutebio
mas um saacutebio do novo tipo de sabedoria aquela naturalista pois ele por exemplo encontrando
conchinhas marinhas numa montanha mais do que gritar ao milagre concluiu que aquela regiatildeo
em outras eras devia ter sido submersa no mar
Quando Xenoacutefanes critica o antropomorfismo dos povos acaba pondo implicitamente
uma outra questatildeo Natildeo somente ele diz que os deuses nos quais os homens depositam sua feacute
satildeo uma invenccedilatildeo dos proacuteprios povos pois cada povo os imagina dotados de suas proacuteprias
feiccedilotildees como tambeacutem se aventura numa ideia muito nova de um deus uacutenico para todos e sem
as feiccedilotildees que os homens imaginam Mas estando assim as coisas como eacute possiacutevel escapar ao
engano dessas crenccedilas Esta eacute a questatildeo trazida implicitamente pelas pesquisas de Xenoacutefanes
e eacute nesse ponto que se insere a proposta de Parmecircnides
Parmecircnides nos conta em seu poema que o disciacutepulo iraacute aprender tudo mas nesse tudo
haacute uma divisatildeo por um lado haacute as crenccedilas dos mortais isto eacute as histoacuterias natildeo dignas de
confianccedila como aquelas contadas por Xenoacutefanes a respeito das feiccedilotildees dos deuses por outro
lado haacute os conhecimentos dignos de feacute porque a maneira como persuadem eacute de natureza
diferente pois satildeo portadores de uma persuasatildeo que anda acompanhando a verdade Em suma
traduzindo a sua linguagem arcaica para a nossa linguagem corrente Parmecircnides diz que haacute
dois tipos de conhecimentos um feito de meras opiniotildees e outro certificado como verdadeiro
Vejamos mais de perto essas questotildees
O programa de ensino de Parmecircnides
Em sua uacutenica obra Parmecircnides fala de um jovem disciacutepulo que recebe instruccedilatildeo de uma
deusa anocircnima9 No fragmento B 128-30 ela diz
eacute preciso que de tudo te instruas
9 Conveacutem lembrar que o poema de Parmecircnides foi parcialmente reconstruiacutedo com fragmentos obtidos a partir de
citaccedilotildees extraiacutedas dos doxoacutegrafos embora uma pequena parte dos fragmentos possua uma posiccedilatildeo jaacute esclarecida
dentro da obra a disposiccedilatildeo da maior parte eacute arbitraacuteria constituindo um autecircntico puzzle que deixa os criacuteticos em
seacuterias dificuldades muitas das quais insuperaacuteveis ateacute hoje
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do acircmago inabalaacutevel da verdade bem redonda
e de opiniotildees de mortais em que natildeo haacute feacute verdadeira 10
O jovem iraacute aprender tudo (paacutenta) tanto os conhecimentos soacutelidos de verdade bem
conexa quanto as opiniotildees do mortais nas quais natildeo haacute certeza confiaacutevel11 Um pouco adiante
no poema a deusa diraacute que aos mortais falta um certo recurso um mecanismo mental que
permite distinguir ser de natildeo ser e evitar que sejam tidos como o mesmo e natildeo o mesmo (DK
B 65) Este recurso eacute ensinado no fragmento DK B 2 e constitui o coraccedilatildeo da filosofia de
Parmecircnides consiste num meacutetodo ndash segundo o nome que ele mesmo coloca lsquocaminhosrsquo (de
hodoacutes em grego) e que desde entatildeo ficaraacute consagrado para indicar procedimentos especiacuteficos
ordenados para conseguir um fim ndash que permite diferenciar o conhecimento confiaacutevel daquele
natildeo confiaacutevel Sucessivamente esse mesmo meacutetodo mas em outra formulaccedilatildeo consagrada por
Aristoacuteteles receberaacute o nome de princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo12
Vamos antecipar que o meacutetodo de Parmecircnides eacute uma distinccedilatildeo simples mas irredutiacutevel
entre ser e natildeo ser Cabe enfatizar que tanto a noccedilatildeo de lsquoserrsquo quanto aquela de lsquonatildeo serrsquo satildeo
noccedilotildees novas introduzidas por Parmecircnides no pensamento ocidental ou seja satildeo invenccedilotildees
parmenidianas13 Apesar de sugestotildees de alguns estudiosos que apontam para a origem oriental
destas noccedilotildees eu penso que haacute uma explicaccedilatildeo mais razoaacutevel indicada indiretamente mais uma
10 Parm DK 28 B 1 28-30 χρεὼ δέ σε πάντα πυθέσθαι ἠμὲν Ἀληθείης εὐκυκλέος ἀτρεμὲς ἦτορ ἠδὲ βροτῶν
δόξας ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθής 11 O sentido destas palavras que poreacutem natildeo posso justificar aqui eacute que o jovem aprenderaacute dois tipos de
conhecimentos aquele expresso por discursos coerentes e aquele expresso pelo discurso contraditoacuterio do
pensamento comum (as opiniotildees dos mortais) Na verdade haacute controveacutersias a respeito desses versos (como de
resto a cada palavra do poema) Na versatildeo mais aceita contudo Parmecircnides configura dois tipos de saberes um
verdadeiro e outro opinativo Isto estaacute estabelecido de forma razoavelmente segura pela doxografia e pela criacutetica
atual embora natildeo com unanimidade 12 A versatildeo de Parmecircnides possui menos elementos daquela do Estagirita mas eacute mais profundamente ontoloacutegica 13 Existe uma discussatildeo a respeito da origem de noccedilotildees tatildeo fortes e tatildeo abruptamente novas na literatura grega Ao
menos desde Burkert (mas antes natildeo faltaram defensores dessa tese) haacute uma forte corrente de estudiosos que
buscam os elementos orientais na filosofia grega No caso especiacutefico de Parmecircnides ser e natildeo ser como noccedilotildees
primordiais se encontram nos Vedas mais antigos (como o Rig Veda) No entanto haacute um problema de datas e
tambeacutem um problema de difusatildeo Natildeo se tem certeza de que os Vedas sejam mais antigos do poema de Parmecircnides
e por outro lado natildeo aconteceram muitas chances de contato entre os povos grego e indiano Uma das mais
concretas pode ter acontecido na constituiccedilatildeo do Impeacuterio dos Persas que ia desde a Greacutecia ateacute a Iacutendia Os
embaixadores de todas as regiotildees do impeacuterio se reuniam em Perseacutepolis cidade fundada para este fim Eacute este o
lugar possiacutevel de contato entre as duas culturas Mas nesta eacutepoca Parmecircnides jaacute tinha florescido portanto pode
ser ateacute mesmo que as referecircncias ao ser e ao natildeo ser tenham ido da Greacutecia agrave Iacutendia Aleacutem das duas hipoacuteteses de
difusatildeo num sentido ou no outro haacute tambeacutem uma terceira de descobertas independentes nas duas aacutereas culturais
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vez por Aristoacuteteles Diz ele na Metafiacutesica que os antigos pitagoacutericos estudavam as oposiccedilotildees
de iniacutecio a principal o determinado e o indeterminado e depois algumas outras que eles
circunscreveram a uma taacutebua de dez oposiccedilotildees14 Parmecircnides teve um mestre pitagoacuterico
Amiacutenias que ele reverenciou ao ponto de dedicar-lhe uma herma (DL Vitae 9211) levando-
se isto em conta eacute bastante razoaacutevel pensar que Parmecircnides tambeacutem se dedicou agraves oposiccedilotildees
e numa generalizaccedilatildeo audaciosa (como era a ordem de generalizaccedilatildeo das dez oposiccedilotildees do
pitagorismo antigo) excogitou a oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser Seja como for natildeo haacute registro de
noccedilotildees similares a ser e natildeo ser antes de Parmecircnides e ele eacute o primeiro a introduzi-las
Uma outra distinccedilatildeo necessaacuteria antes de entrar no vivo do nosso tema eacute aquela referente
aos dois diversos usos que Parmecircnides faz das expressotildees lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo Assim como em
portuguecircs o grego permite a substantivaccedilatildeo do verbo Entatildeo o eleata utiliza as duas formas
tanto ser e natildeo ser como verbos quanto lsquoo serrsquo e lsquoo natildeo serrsquo como substantivos Como no
portuguecircs isto pode gerar ambiguidades (assim como tambeacutem as gera o texto parmenidiano)
eacute necessaacuterio tomar cuidado para natildeo confundir as duas formas sintaacuteticas
Uma outra advertecircncia ainda que o leitor jaacute deve ter notado eacute o uso que faccedilo ou deixo
de fazer no hiacutefen entre natildeo e ser na expressatildeo lsquonatildeo serrsquo Em portuguecircs a expressatildeo natildeo-ser
recebe um hiacutefen a indicar a ligaccedilatildeo estreita entre as duas partes natildeo e ser Inclusive o dicionaacuterio
registra a expressatildeo como devida a Parmecircnides e em consonacircncia com este entendimento toda
literatura em portuguecircs referente a Parmecircnides manteacutem o hiacutefen entre natildeo e ser De meu lado
em sede criacutetica e portanto em revistas cientiacuteficas ou textos criacuteticos acadecircmicos como o
presente eu proponho o natildeo uso do hiacutefen pela razatildeo que passo a explicar A razatildeo eacute a origem
gramatical da noccedilatildeo ou seja haacute um algo que recebe uma accedilatildeo de negaccedilatildeo explico melhor
quando se diz natildeo-ser se pensa em um objeto linguiacutestico jaacute acontecido e consolidado numa
relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel Mas se se diz natildeo ser esta relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel
14 Metaph 986ordf 15-26 Tambeacutem estes parecem considerar que o nuacutemero eacute princiacutepio natildeo soacute enquanto constitutivo
material dos seres mas tambeacutem como constitutivo das propriedades e dos estados dos mesmos Em seguida eles
afirmaram como elemento constitutivo do nuacutemero o par e o impar dos quais o primeiro eacute limitado e o segundo eacute
ilimitado O Um deriva desses dois elementos porque eacute par e impar ao mesmo tempo Do Um procede depois o
nuacutemero e os nuacutemeros como dissemos constituiriam a totalidade do universo Outros pitagoacutericos afirmavam que
os princiacutepios satildeo dez distintos em seacuterie ltde contraacuteriosgt limite-ilimite impar-par um-muacuteltiplo direito-esquerdo
(οὐ γὰρ ἀνυστόν) οὔτε φράσαιςrdquo A traduccedilatildeo de Cavalcante de Souza recebeu um pequeno ajuste meu pelo qual
substitui ldquode todo incriacutevelrdquo por ldquonatildeo de todo escrutaacutevelrdquo
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que a deusa se refere com estas palavras Antes de tudo a deusa se dirige a quem se preocupa
com pesquisa (dizeacutesis inqueacuterito pesquisa) trata-se entatildeo de palavras destinadas a quem natildeo
sabe e estaacute em busca de saber Nesta atividade de pesquisa o pensamento segue percursos em
nossa mente ou seja monta sequecircncias de proposiccedilotildees a estabelecer um entendimento aquilo
que hoje chamamos de argumento Em outras palavras a deusa afirma que haacute dois uacutenicos
percursos argumentativos para o pensar que pesquisa Um detalhe gramatical nos leva agrave
compreensatildeo dos proacuteximos passos o verbo noecircsai (de noeicircn pensar16) eacute ativo e se coordena
com os proacuteximos versos no verso 23 pensar [o primeiro] que no verso 25 pensar [o outro]
que esta configuraccedilatildeo ficaraacute mais clara a seguir
Os argumentos de pesquisa diz a deusa satildeo de dois tipos aqueles determinados pelos
dois caminhos que o pensar investigativo pode seguir um pensar que eacute outro pensar que natildeo
eacute Aqui o pensar natildeo eacute qualquer pensar mas eacute o ato especiacutefico do pensar cognitivo aquele
voltado agrave investigaccedilatildeo Entatildeo este tipo de pensar natildeo pode ser deixado fluir livremente mas
deve ser submetido a regras que ofereccedilam uma seguranccedila cognitiva e gerem argumentos fiaacuteveis
Por ser um meacutetodo para o pensar cognitivo necessariamente se refere agrave maneira de pensar e
natildeo ao pensado Isto eacute natildeo se trata de julgar o resultado do pensar que satildeo as vaacuterias teorias
mas manter a criacutetica sobre o argumento que leva agravequelas teorias Parmecircnides daraacute o exemplo
no fragmento 8 onde a descriccedilatildeo das caracteriacutesticas do lsquoserrsquo (tograve eoacuten) eacute acompanhada de
argumentos que seguem o meacutetodo exposto anteriormente Vamos entatildeo agrave exposiccedilatildeo do meacutetodo
do fragmento 2
Haacute somente estes caminhos um pensar que eacute e que natildeo pode natildeo ser outro pensar
que eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja Satildeo palavras enigmaacuteticas e haacute seacuteculos despertam imenso
interesse nos estudiosos Vejamos o primeiro (23-4) um [pensar] que eacute e que natildeo pode natildeo
ser eacute caminho de persuasatildeo que acompanha a verdade Haacute vaacuterias linhas interpretativas que
em geral se baseiam na interpretaccedilatildeo que se quer dar ao primeiro lsquoeacutersquo se existencial predicativo
veritativo ou outro Como pela minha leitura confortada da anaacutelise dos proacuteximos versos o lsquoeacutersquo
parmenidiano eacute existencial proponho aqui uma interpretaccedilatildeo provisoacuteria embora ainda natildeo
16 A traduccedilatildeo e o sentido da noccedilatildeo de pensar em Parmecircnides satildeo objeto de grandes controveacutersias haacute muito tempo
e um excelente resumo da problemaacutetica desta passagem pode ser encontrado em Cordero (2005 p 56-59) De
minha parte aceito que seja um verbo ativo e que se refira agrave atividade propriamente psicoloacutegica ou seja aos
mecanismos do pensar e natildeo ao pensamento enquanto atividade completa (pensador-pensar-pensado) ou ao
resultado da atividade do pensar (como na expressatildeo lsquoo pensamento filosoacutefico ocidentalrsquo)
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justificada lsquoeacutersquo para Parmecircnides eacute lsquoo que eacutersquo o que tem existecircncia o que estaacute presente17 Ora lsquoo
que eacutersquo natildeo pode natildeo ser isto eacute natildeo pode ser anulado nulificado negado (entenda-se aqui
negado no sentido ontoloacutegico e natildeo no sentido predicativo) Para Parmecircnides pensar que lsquoo
que eacutersquo natildeo pode ser nulificado significa seguir o percurso argumentativo que garante a
persuasatildeo verdadeira aquela investida de verdade
Vejamos o segundo caminho (25-8) outro [pensar] que natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo
seja este eacute caminho natildeo de todo escrutaacutevel pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute
exequiacutevel) nem o dirias Chegamos aqui no acircmago de nosso tema vamos examinar entatildeo
detidamente O segundo caminho consiste em pensar lsquoo que natildeo eacutersquo Deste caminho eacute necessaacuterio
pensar que natildeo seja porque lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) natildeo pode ser conhecido (natildeo eacute exequiacutevel)
e nem pode ser dito A primeira coisa a notar eacute o fato de que enquanto o primeiro caminho eacute
somente descrito neste segundo a descriccedilatildeo recebe o suporte de um argumento introduzido por
gar que eacute uma conjunccedilatildeo causal e significa ldquopoisrdquo ldquoporquerdquo pois (gar) nem conhecerias o que
natildeo eacute e nem o dirias Como ele sabe que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito
Vamos responder a esta pergunta
A meditaccedilatildeo da negaccedilatildeo do ser
Como eacute possiacutevel ver todo o fragmento 2 eacute dedicado ao pensar a um certo tipo de pensar
ao como eacute possiacutevel pensar segundo a persuasatildeo verdadeira e ao como eacute impossiacutevel pensar o
lsquonatildeo serrsquo Este fragmento eacute inteiramente dedicado ao pensamento Se Parmecircnides diz que soacute haacute
estes dois caminhos para o pensar investigativo isto indica que ele pesquisou os mais variados
caminhos do pensar e soacute dois resultaram adequados para seu propoacutesito Se ele diz que pensar o
lsquoeacutersquo se encontra em conjunccedilatildeo indissoluacutevel (tegrave kaiacute duas conjunccedilotildees uma reforccedilando a outra)
com pensar ldquoque natildeo pode natildeo serrdquo e que pensar ldquonatildeo eacuterdquo eacute um atalho que natildeo pode ser
escrutado pois natildeo eacute possiacutevel conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo significa que ele se dedicou intensamente
agrave observaccedilatildeo do comportamento da mente humana especificamente na atividade cognitiva18
17 A justificaccedilatildeo completa eacute complexa e natildeo pode ser apresentada aqui Aqui mais adiante seratildeo oferecidos alguns
argumentos sumaacuterios 18 Para notiacutecias sobre um Parmecircnides estudioso da mente e portanto um Parmecircnides psicoacutelogo dada a ausecircncia
de outros estudos mais completos me seja permitido enviar o leitor a Galgano (2017)
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Estamos diante de um conjunto de observaccedilotildees do comportamento da mente que Parmecircnides
deve ter extraiacutedo tambeacutem de sua proacutepria atividade de reflexatildeo
A descriccedilatildeo dos caminhos estaacute apoiada num argumento entatildeo eacute a ele que temos que
dirigir as nossas atenccedilotildees para entender o inteiro fragmento O argumento eacute pois (gar) nem
conhecerias o que natildeo eacute (tograve megrave eoacuten) e nem o dirias Parmecircnides de alguma forma chegou agrave
conclusatildeo de que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido Eu penso que para chegar a esta
conclusatildeo ele tentou conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo Para tanto antes de tudo deve ter tentado pensar
lsquoo que natildeo eacutersquo
Antes de tentar reproduzir a tentativa de Parmecircnides vamos esclarecer o sentido da
expressatildeo lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) Esta expressatildeo eacute composta pelo artigo definido neutro
singular toacute (em portuguecircs lsquoorsquo) pelο adveacuterbio de negaccedilatildeo me (em portuguecircs lsquonatildeorsquo) e pelo
substantivo eoacuten obtido da substantivaccedilatildeo do particiacutepio de verbo eimiacute que significa ldquoserrdquo (em
portuguecircs lsquoque estaacute sendorsquo ou lsquoque eacutersquo) Unindo as trecircs partes temos lsquoo que natildeo eacutersquo Eacute preciso
atentar para o fato de que eoacuten em Parmecircnides embora singular natildeo se refere a um uacutenico ente
mas ao ente em geral Podemos ver isto tanto pela intenccedilatildeo inicial de falar de tudo (paacutenta 128)
quanto e principalmente pelo tratamento dado ao eoacuten no fragmento 8 onde ele representa o
todo da realidade
Embora o significado do eoacuten em Parmecircnides natildeo tenha sido inteiramente esclarecido19
e embora natildeo haja unanimidade entre os estudiosos em relaccedilatildeo ao alcance de sua noccedilatildeo eacute
bastante razoaacutevel que esta uacuteltima natildeo fique restrita a um uacutenico ente mas seja generalizada em
suma para Parmecircnides eoacuten eacute um termo geral e significa lsquotudo que eacutersquo incluindo tanto o ente
individual quanto todos os entes (paacutenta) Entatildeo na versatildeo negativa tograve megrave eoacuten podemos aceitar
a noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo desde que se entenda em sentido absoluto lsquoo tudo que natildeo eacutersquo (ou lsquoo
todo que natildeo eacutersquo) Que Parmecircnides se refira ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo serrsquo tomados em sentido absoluto
estaacute claro pela estrutura ontoloacutegica de sua filosofia ademais uma confirmaccedilatildeo histoacuterica vem
do proacuteprio Platatildeo o qual diante das dificuldades filosoacuteficas postas pela noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo
absoluto de Parmecircnides acaba introduzindo no seu diaacutelogo lsquoO sofistarsquo a noccedilatildeo de natildeo-ser
enquanto outro ou seja do natildeo-ser relativo Apoacutes essas palavras preliminares podemos analisar
a reflexatildeo parmenidiana
19 Jaacute Platatildeo declarava natildeo ter certeza de ter entendido Parmecircnides (Theet 184a)
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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a
noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo
o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a
mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele
livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa
portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa
no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele
mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe
Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo
que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo
aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela
aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia
do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo
Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo
lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo
deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo
acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo
mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo
a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia
imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem
evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente
tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado
2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto
sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo
pode ser conhecida
Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No
primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que
natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas
condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a
proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos
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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel
Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do
pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo
meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar
aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se
reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado
negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo
eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a
negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo
ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo
cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo
O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar
comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais
minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise
gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel
porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do
pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico
por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples
os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo
eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute
cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade
estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por
ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20
A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo
Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o
fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz
20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria
expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)
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claramente
pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)
nem o dirias
A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo
de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de
lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na
discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e
principalmente da linguagem epistecircmica
Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e
tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode
ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar
mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo
serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz
Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22
E ainda em 88-9 ele diz
pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel
eacute que natildeo eacute23
E ainda em 817-19
estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio
uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira
via natildeo eacute24
Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre
apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel
como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam
exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente
consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em
sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo
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megrave eoacuten para que natildeo se use tograve megrave eoacuten no discurso epistecircmico Parmecircnides expotildee explicitamente
portanto conscientemente uma regra de metalinguagem com fundamento ontoloacutegico
Conclusotildees
Em nosso percurso ateacute aqui analisamos principalmente a noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo de
Parmecircnides relacionada ao nosso tema do indiziacutevel Para tal fim comeccedilamos dizendo que a
criacutetica tradicional desde Hegel privilegiou o estudo do lsquoserrsquo parmenidiano deixando de lado
o lsquonatildeo serrsquo Vimos poreacutem que a partir principalmente da segunda metade do seacuteculo XX os
estudos do lsquonatildeo serrsquo comeccedilaram a surgir e a evidenciar aspectos do eleata que tinham ficado de
lado pela influecircncia platocircnica que no Sofista ao considerar sem sentido a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo
a descarta totalmente de sua visatildeo de mundo
Ao voltarmos a nossa atenccedilatildeo ao poema a partir da nova visatildeo criacutetica que quer ir aleacutem
das sugestotildees platocircnicas e do historicismo idealista de marca hegeliana abordamos a proposta
explicitada por Parmecircnides no fragmento 1 Seu programa de ensino se propotildee a ensinar todas
as coisas (paacutenta) expressatildeo que se deve natildeo a uma megalomania do autor mas ao assunto
predileto dos preacute-socraacuteticos que consistia em encontrar os princiacutepios de todas as coisas Assim
esse paacutenta significa todas as coisas no sentido de todo A respeito desse todo o disciacutepulo
aprenderaacute tanto o saber que procede da verdade bem conexa quanto as opiniotildees dos mortais
nos quais natildeo haacute feacute verdadeira
Noacutes nos dedicamos entatildeo ao meacutetodo que ele expotildee para identificar a persuasatildeo que
acompanha a verdade e podecirc-la distinguir da crenccedila sem fundamento Vimos que esse meacutetodo
eacute composto por duas vias a primeira somente descrita e a segunda descrita e justificada por
argumentos Dedicamos nossa atenccedilatildeo aos argumentos da segunda via e vimos que o principal
se refere a lsquoo que natildeo eacutersquo e dele se diz que natildeo pode ser conhecido e nem dito Ao procurarmos
entender o que poderia significar lsquoo que natildeo eacutersquo antes de tudo estabelecemos que eacute uma
expressatildeo no singular mas que deve ser generalizada a todo ente e sucessivamente dissemos
que esta negaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo absoluta
Prosseguimos nossa anaacutelise tentando reproduzir a meditaccedilatildeo que levasse agraves conclusotildees
reportadas no fragmento 2 e encontramos que ontologicamente eacute impossiacutevel pensar o lsquonatildeo serrsquo
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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas
neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito
cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo
por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para
Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico
portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido
Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar
algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa
ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos
que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute
expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma
autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento
ocidental
Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco
exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no
Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro
exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria
platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica
com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto
significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e
que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram
Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a
apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo
de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica
para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias
inovaccedilotildees que estava trazendo
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A insistecircncia da tradiccedilatildeo criacutetica da historiografia filosoacutefica de Hegel em diante em
acentuar a descoberta do lsquoserrsquo elevou Parmecircnides do lugar secundaacuterio reservado aos
pensadores anteriores a Platatildeo e Soacutecrates a uma posiccedilatildeo proeminente na histoacuteria da filosofia
para Hegel (1836) Parmecircnides foi o primeiro verdadeiro filoacutesofo Esta visatildeo funcional agrave
concepccedilatildeo hegeliana de histoacuteria da filosofia se manteve ateacute o seacuteculo passado e de certa forma
ainda constitui o clichecirc das visotildees simplificadas onde se tende a considerar Parmecircnides o
filoacutesofo do ser em oposiccedilatildeo a Heraacuteclito o filoacutesofo do devir No entanto apesar da forte
influecircncia do pensamento de Heidegger a reforccedilar a ideia de uma filosofia do ser os estudos
parmenidianos comeccedilaram a focar em outros aspectos antes de tudo o forte contexto miacutetico-
religioso no qual ele estava inserido e depois a forte componente naturalista ou como diriacuteamos
hoje cientiacutefica presente no seu poema sua uacutenica obra2
A estas duas componentes timidamente comeccedilou a ser acrescentada uma terceira feita
de discussotildees mais estritamente filosoacuteficas Por um lado na metafiacutesica comeccedilou a ser resgatada
a oposiccedilatildeo radical e sem intermediaccedilatildeo entre ser e nada redescobrindo Parmecircnides como o
primeiro autor a evidenciar esta oposiccedilatildeo (Severino 1964) Por outro lado os estudos de loacutegica
desde a retomada em chave anti-aristotelista do seacuteculo XIX com o ponto alto ndash embora seguido
de parcial insucesso ndash na obra de Russell e o reiniacutecio sobre novas e mais radicais bases com
Godel a loacutegica comeccedilou a adotar francamente as visotildees contra-intuitivas e voltou a reconhecer
em Parmecircnides um pioneiro visionaacuterio digno de dialogar com a mais avanccedilada loacutegica
contemporacircnea
A novidade desta terceira componente se apoiava na valorizaccedilatildeo da noccedilatildeo de lsquonatildeo-serrsquo
como o chamava Parmecircnides ou lsquonadarsquo como o chamava Melisso e como eacute preferido pela
nossa linguagem atual No iniacutecio desses estudos o nada eacute ainda uma noccedilatildeo subordinada e
funcional ao lsquoserrsquo mas em breve comeccedila a revelar seu potencial autocircnomo e desnorteador Nos
anos 70 aparece pelo que me consta o primeiro estudo dedicado exclusivamente agrave primazia do
lsquonadarsquo em Parmecircnides (Colombo Il primato del nulla e le origini dela metafisica)3 E desde
2 Para Dioacutegenes Parmecircnides pertence agravequele grupo de pensadores que escreveram uma obra soacute (DL Vitae
Philosophorum 1167-8) 3 Embora de linguagem datada que pode incomodar o leitor desacostumado este livro mereceria ser redescoberto
em suas teses essenciais
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entatildeo aos poucos estaacute sendo possiacutevel aceitar melhor as ideias destes filoacutesofos preacute-socraacuteticos
os quais natildeo hesitavam em se lanccedilar em especulaccedilotildees ousadas e totalmente contra a lsquoopiniatildeo
comumrsquo (paradoxos)
O que haveria de paradoxal na filosofia de Parmecircnides A resposta tradicional a esta
pergunta constitui tambeacutem a suacutemula das acusaccedilotildees que satildeo dirigidas a ele uma delas eacute aquela
que nos interessa de perto A primeira acusaccedilatildeo a Parmecircnides eacute que o lsquoserrsquo uacutenico por ele
preconizado que rejeita radicalmente o lsquonatildeo serrsquo por constituir a uacutenica realidade estaria em
flagrante contradiccedilatildeo com o proacuteprio enunciado pois a deusa do poema seu disciacutepulo e o
ensinamento configuram uma pluralidade a qual negaria aquela unidade ou visto de outro lado
a unidade tornaria impossiacutevel a pluralidade expressa pelo proacuteprio ensino do poema
Outras acusaccedilotildees se referem aos outros supostos caracteres do lsquoserrsquo o natildeo ter sido
gerado e natildeo perecer a imutabilidade a natildeo temporalidade a homogeneidade a unidade a
continuidade
Mas as acusaccedilotildees natildeo se limitam agraves caracteriacutesticas do lsquoserrsquo elas se estendem ao lsquonatildeo
serrsquo De fato no fragmento DK 2 que em breve veremos em detalhes Parmecircnides diz que o
natildeo ser natildeo pode ser conhecido e nem dito (DK B 27-84)
οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)
οὔτε φράσαις
pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)
nem o dirias 5
4 Todas as citaccedilotildees de Parmecircnides se referem agrave ordenaccedilatildeo de Diels-Kranz e todas as traduccedilotildees satildeo de Cavalcante
de Souza (1978) exceto onde indicado onde propus alguma pequena variaccedilatildeo 5 Uma traduccedilatildeo mais literal destes versos eacute aquela de Santoro (2011) todavia ela necessitaria de explicaccedilotildees
filoloacutegicas que natildeo podemos reportar aqui portanto seja para noacutes suficiente a ainda excelente traduccedilatildeo de
Cavalcanti de Souza que eacute tambeacutem a mais difundida no meio acadecircmico brasileiro Santoro traduz ldquopois nem ao
menos se reconheceria o natildeo ente pois natildeo eacute realizaacutevel nem tampouco indicariardquo No que diz respeito ao nosso
tema teriacuteamos que explicitar a traduccedilatildeo de φράσαις de φράζω Este verbo significa lsquoindicarrsquo e tambeacutem lsquodizerrsquo
Segundo Aristarco em Homero nunca significa lsquodizerrsquo e este eacute um bom motivo para traduzir lsquoindicarrsquo ao inveacutes de
lsquodizerrsquo No entanto a poesia agrave moda arcaica de Parmecircnides faz referecircncia sim a Homero mas tambeacutem a Hesiacuteodo
e aos liacutericos Considerando que lsquoindicarrsquo aqui significa a expressatildeo vocal acompanhada do gesto natildeo se deve
entender num sentido mais moderno de lsquoindicar sem mostrarrsquo como poderia ser predicado de sinais indicadores
por exemplo os quais apenas apontam a direccedilatildeo Natildeo eacute este o sentido grego Para o grego da eacutepoca de Parmecircnides
significa lsquodizerrsquo remetendo a um sentido arcaico de lsquodizer enquanto se indica com a matildeorsquo
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A acusaccedilatildeo eacute a seguinte a deusa do poema diz que o lsquonatildeo serrsquo (τό μὴ ἐὸν) natildeo pode ser
conhecido e nem dito mas ao fazer isto ela proacutepria estaacute dizendo lsquonatildeo serrsquo o que implica que
o lsquonatildeo serrsquo pode ser dito logo Parmecircnides pela voz da deusa estaria em contradiccedilatildeo
Esta acusaccedilatildeo abre caminho para o nosso tema a afirmaccedilatildeo dos limites da linguagem
pela demonstraccedilatildeo do indiziacutevel em Parmecircnides pela primeira vez na histoacuteria do pensamento
ocidental Propriamente teriacuteamos que tomar com cautela a palavra lsquodemonstraccedilatildeorsquo porque
naqueles tempos uma tal noccedilatildeo natildeo existia No entanto por outro lado natildeo eacute possiacutevel deixar
de enfatizar a intenccedilatildeo de Parmecircnides de fornecer um tipo de persuasatildeo de maacuteximo vigor e
perfeitamente aderente agrave nossa mente que ele chama de lsquopersuasatildeo que acompanha a verdadersquo
(DK B 24) e que noacutes chamariacuteamos de lsquodemonstraccedilatildeorsquo
Por que Parmecircnides sentiu a necessidade de lsquodemonstrarrsquo Porque em seu tempo as
explicaccedilotildees a respeito do mundo se multiplicavam na medida em que com o desenvolvimento
da navegaccedilatildeo se ampliava o mundo conhecido e suas diferentes crenccedilas Assim Xenoacutefanes
um dos mestres de Parmecircnides6 ao constatar crenccedilas diferentes a respeito do mesmo fato natildeo
apenas apontou a contradiccedilatildeo mas tambeacutem indicou qual poderia ser o motivo desta contradiccedilatildeo
Ele notou que as figuras dos mesmos deuses eram diferentes de povo para povo e que afinal
cada povo representava os deuses segundo as suas proacuteprias caracteriacutesticas eacutetnicas Eis os
fragmentos DK 21 B 14-167
14 Mas os mortais acreditam que os deuses satildeo gerados
que como eles se vestem e tecircm voz e corpo
15 Mas se matildeos tivessem os bois os cavalos e os leotildees
e pudessem com as matildeos desenhar e criar obras como os homens
os cavalos semelhantes aos cavalos os bois semelhantes aos bois
desenhariam as formas dos deuses e os corpos fariam
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Jocircnia e todos eles recusando as explicaccedilotildees religiosas e buscando criticamente as explicaccedilotildees
naturais Xenoacutefanes tambeacutem era jocircnico e embora poeta era considerado tambeacutem um saacutebio
mas um saacutebio do novo tipo de sabedoria aquela naturalista pois ele por exemplo encontrando
conchinhas marinhas numa montanha mais do que gritar ao milagre concluiu que aquela regiatildeo
em outras eras devia ter sido submersa no mar
Quando Xenoacutefanes critica o antropomorfismo dos povos acaba pondo implicitamente
uma outra questatildeo Natildeo somente ele diz que os deuses nos quais os homens depositam sua feacute
satildeo uma invenccedilatildeo dos proacuteprios povos pois cada povo os imagina dotados de suas proacuteprias
feiccedilotildees como tambeacutem se aventura numa ideia muito nova de um deus uacutenico para todos e sem
as feiccedilotildees que os homens imaginam Mas estando assim as coisas como eacute possiacutevel escapar ao
engano dessas crenccedilas Esta eacute a questatildeo trazida implicitamente pelas pesquisas de Xenoacutefanes
e eacute nesse ponto que se insere a proposta de Parmecircnides
Parmecircnides nos conta em seu poema que o disciacutepulo iraacute aprender tudo mas nesse tudo
haacute uma divisatildeo por um lado haacute as crenccedilas dos mortais isto eacute as histoacuterias natildeo dignas de
confianccedila como aquelas contadas por Xenoacutefanes a respeito das feiccedilotildees dos deuses por outro
lado haacute os conhecimentos dignos de feacute porque a maneira como persuadem eacute de natureza
diferente pois satildeo portadores de uma persuasatildeo que anda acompanhando a verdade Em suma
traduzindo a sua linguagem arcaica para a nossa linguagem corrente Parmecircnides diz que haacute
dois tipos de conhecimentos um feito de meras opiniotildees e outro certificado como verdadeiro
Vejamos mais de perto essas questotildees
O programa de ensino de Parmecircnides
Em sua uacutenica obra Parmecircnides fala de um jovem disciacutepulo que recebe instruccedilatildeo de uma
deusa anocircnima9 No fragmento B 128-30 ela diz
eacute preciso que de tudo te instruas
9 Conveacutem lembrar que o poema de Parmecircnides foi parcialmente reconstruiacutedo com fragmentos obtidos a partir de
citaccedilotildees extraiacutedas dos doxoacutegrafos embora uma pequena parte dos fragmentos possua uma posiccedilatildeo jaacute esclarecida
dentro da obra a disposiccedilatildeo da maior parte eacute arbitraacuteria constituindo um autecircntico puzzle que deixa os criacuteticos em
seacuterias dificuldades muitas das quais insuperaacuteveis ateacute hoje
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do acircmago inabalaacutevel da verdade bem redonda
e de opiniotildees de mortais em que natildeo haacute feacute verdadeira 10
O jovem iraacute aprender tudo (paacutenta) tanto os conhecimentos soacutelidos de verdade bem
conexa quanto as opiniotildees do mortais nas quais natildeo haacute certeza confiaacutevel11 Um pouco adiante
no poema a deusa diraacute que aos mortais falta um certo recurso um mecanismo mental que
permite distinguir ser de natildeo ser e evitar que sejam tidos como o mesmo e natildeo o mesmo (DK
B 65) Este recurso eacute ensinado no fragmento DK B 2 e constitui o coraccedilatildeo da filosofia de
Parmecircnides consiste num meacutetodo ndash segundo o nome que ele mesmo coloca lsquocaminhosrsquo (de
hodoacutes em grego) e que desde entatildeo ficaraacute consagrado para indicar procedimentos especiacuteficos
ordenados para conseguir um fim ndash que permite diferenciar o conhecimento confiaacutevel daquele
natildeo confiaacutevel Sucessivamente esse mesmo meacutetodo mas em outra formulaccedilatildeo consagrada por
Aristoacuteteles receberaacute o nome de princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo12
Vamos antecipar que o meacutetodo de Parmecircnides eacute uma distinccedilatildeo simples mas irredutiacutevel
entre ser e natildeo ser Cabe enfatizar que tanto a noccedilatildeo de lsquoserrsquo quanto aquela de lsquonatildeo serrsquo satildeo
noccedilotildees novas introduzidas por Parmecircnides no pensamento ocidental ou seja satildeo invenccedilotildees
parmenidianas13 Apesar de sugestotildees de alguns estudiosos que apontam para a origem oriental
destas noccedilotildees eu penso que haacute uma explicaccedilatildeo mais razoaacutevel indicada indiretamente mais uma
10 Parm DK 28 B 1 28-30 χρεὼ δέ σε πάντα πυθέσθαι ἠμὲν Ἀληθείης εὐκυκλέος ἀτρεμὲς ἦτορ ἠδὲ βροτῶν
δόξας ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθής 11 O sentido destas palavras que poreacutem natildeo posso justificar aqui eacute que o jovem aprenderaacute dois tipos de
conhecimentos aquele expresso por discursos coerentes e aquele expresso pelo discurso contraditoacuterio do
pensamento comum (as opiniotildees dos mortais) Na verdade haacute controveacutersias a respeito desses versos (como de
resto a cada palavra do poema) Na versatildeo mais aceita contudo Parmecircnides configura dois tipos de saberes um
verdadeiro e outro opinativo Isto estaacute estabelecido de forma razoavelmente segura pela doxografia e pela criacutetica
atual embora natildeo com unanimidade 12 A versatildeo de Parmecircnides possui menos elementos daquela do Estagirita mas eacute mais profundamente ontoloacutegica 13 Existe uma discussatildeo a respeito da origem de noccedilotildees tatildeo fortes e tatildeo abruptamente novas na literatura grega Ao
menos desde Burkert (mas antes natildeo faltaram defensores dessa tese) haacute uma forte corrente de estudiosos que
buscam os elementos orientais na filosofia grega No caso especiacutefico de Parmecircnides ser e natildeo ser como noccedilotildees
primordiais se encontram nos Vedas mais antigos (como o Rig Veda) No entanto haacute um problema de datas e
tambeacutem um problema de difusatildeo Natildeo se tem certeza de que os Vedas sejam mais antigos do poema de Parmecircnides
e por outro lado natildeo aconteceram muitas chances de contato entre os povos grego e indiano Uma das mais
concretas pode ter acontecido na constituiccedilatildeo do Impeacuterio dos Persas que ia desde a Greacutecia ateacute a Iacutendia Os
embaixadores de todas as regiotildees do impeacuterio se reuniam em Perseacutepolis cidade fundada para este fim Eacute este o
lugar possiacutevel de contato entre as duas culturas Mas nesta eacutepoca Parmecircnides jaacute tinha florescido portanto pode
ser ateacute mesmo que as referecircncias ao ser e ao natildeo ser tenham ido da Greacutecia agrave Iacutendia Aleacutem das duas hipoacuteteses de
difusatildeo num sentido ou no outro haacute tambeacutem uma terceira de descobertas independentes nas duas aacutereas culturais
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vez por Aristoacuteteles Diz ele na Metafiacutesica que os antigos pitagoacutericos estudavam as oposiccedilotildees
de iniacutecio a principal o determinado e o indeterminado e depois algumas outras que eles
circunscreveram a uma taacutebua de dez oposiccedilotildees14 Parmecircnides teve um mestre pitagoacuterico
Amiacutenias que ele reverenciou ao ponto de dedicar-lhe uma herma (DL Vitae 9211) levando-
se isto em conta eacute bastante razoaacutevel pensar que Parmecircnides tambeacutem se dedicou agraves oposiccedilotildees
e numa generalizaccedilatildeo audaciosa (como era a ordem de generalizaccedilatildeo das dez oposiccedilotildees do
pitagorismo antigo) excogitou a oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser Seja como for natildeo haacute registro de
noccedilotildees similares a ser e natildeo ser antes de Parmecircnides e ele eacute o primeiro a introduzi-las
Uma outra distinccedilatildeo necessaacuteria antes de entrar no vivo do nosso tema eacute aquela referente
aos dois diversos usos que Parmecircnides faz das expressotildees lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo Assim como em
portuguecircs o grego permite a substantivaccedilatildeo do verbo Entatildeo o eleata utiliza as duas formas
tanto ser e natildeo ser como verbos quanto lsquoo serrsquo e lsquoo natildeo serrsquo como substantivos Como no
portuguecircs isto pode gerar ambiguidades (assim como tambeacutem as gera o texto parmenidiano)
eacute necessaacuterio tomar cuidado para natildeo confundir as duas formas sintaacuteticas
Uma outra advertecircncia ainda que o leitor jaacute deve ter notado eacute o uso que faccedilo ou deixo
de fazer no hiacutefen entre natildeo e ser na expressatildeo lsquonatildeo serrsquo Em portuguecircs a expressatildeo natildeo-ser
recebe um hiacutefen a indicar a ligaccedilatildeo estreita entre as duas partes natildeo e ser Inclusive o dicionaacuterio
registra a expressatildeo como devida a Parmecircnides e em consonacircncia com este entendimento toda
literatura em portuguecircs referente a Parmecircnides manteacutem o hiacutefen entre natildeo e ser De meu lado
em sede criacutetica e portanto em revistas cientiacuteficas ou textos criacuteticos acadecircmicos como o
presente eu proponho o natildeo uso do hiacutefen pela razatildeo que passo a explicar A razatildeo eacute a origem
gramatical da noccedilatildeo ou seja haacute um algo que recebe uma accedilatildeo de negaccedilatildeo explico melhor
quando se diz natildeo-ser se pensa em um objeto linguiacutestico jaacute acontecido e consolidado numa
relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel Mas se se diz natildeo ser esta relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel
14 Metaph 986ordf 15-26 Tambeacutem estes parecem considerar que o nuacutemero eacute princiacutepio natildeo soacute enquanto constitutivo
material dos seres mas tambeacutem como constitutivo das propriedades e dos estados dos mesmos Em seguida eles
afirmaram como elemento constitutivo do nuacutemero o par e o impar dos quais o primeiro eacute limitado e o segundo eacute
ilimitado O Um deriva desses dois elementos porque eacute par e impar ao mesmo tempo Do Um procede depois o
nuacutemero e os nuacutemeros como dissemos constituiriam a totalidade do universo Outros pitagoacutericos afirmavam que
os princiacutepios satildeo dez distintos em seacuterie ltde contraacuteriosgt limite-ilimite impar-par um-muacuteltiplo direito-esquerdo
(οὐ γὰρ ἀνυστόν) οὔτε φράσαιςrdquo A traduccedilatildeo de Cavalcante de Souza recebeu um pequeno ajuste meu pelo qual
substitui ldquode todo incriacutevelrdquo por ldquonatildeo de todo escrutaacutevelrdquo
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que a deusa se refere com estas palavras Antes de tudo a deusa se dirige a quem se preocupa
com pesquisa (dizeacutesis inqueacuterito pesquisa) trata-se entatildeo de palavras destinadas a quem natildeo
sabe e estaacute em busca de saber Nesta atividade de pesquisa o pensamento segue percursos em
nossa mente ou seja monta sequecircncias de proposiccedilotildees a estabelecer um entendimento aquilo
que hoje chamamos de argumento Em outras palavras a deusa afirma que haacute dois uacutenicos
percursos argumentativos para o pensar que pesquisa Um detalhe gramatical nos leva agrave
compreensatildeo dos proacuteximos passos o verbo noecircsai (de noeicircn pensar16) eacute ativo e se coordena
com os proacuteximos versos no verso 23 pensar [o primeiro] que no verso 25 pensar [o outro]
que esta configuraccedilatildeo ficaraacute mais clara a seguir
Os argumentos de pesquisa diz a deusa satildeo de dois tipos aqueles determinados pelos
dois caminhos que o pensar investigativo pode seguir um pensar que eacute outro pensar que natildeo
eacute Aqui o pensar natildeo eacute qualquer pensar mas eacute o ato especiacutefico do pensar cognitivo aquele
voltado agrave investigaccedilatildeo Entatildeo este tipo de pensar natildeo pode ser deixado fluir livremente mas
deve ser submetido a regras que ofereccedilam uma seguranccedila cognitiva e gerem argumentos fiaacuteveis
Por ser um meacutetodo para o pensar cognitivo necessariamente se refere agrave maneira de pensar e
natildeo ao pensado Isto eacute natildeo se trata de julgar o resultado do pensar que satildeo as vaacuterias teorias
mas manter a criacutetica sobre o argumento que leva agravequelas teorias Parmecircnides daraacute o exemplo
no fragmento 8 onde a descriccedilatildeo das caracteriacutesticas do lsquoserrsquo (tograve eoacuten) eacute acompanhada de
argumentos que seguem o meacutetodo exposto anteriormente Vamos entatildeo agrave exposiccedilatildeo do meacutetodo
do fragmento 2
Haacute somente estes caminhos um pensar que eacute e que natildeo pode natildeo ser outro pensar
que eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja Satildeo palavras enigmaacuteticas e haacute seacuteculos despertam imenso
interesse nos estudiosos Vejamos o primeiro (23-4) um [pensar] que eacute e que natildeo pode natildeo
ser eacute caminho de persuasatildeo que acompanha a verdade Haacute vaacuterias linhas interpretativas que
em geral se baseiam na interpretaccedilatildeo que se quer dar ao primeiro lsquoeacutersquo se existencial predicativo
veritativo ou outro Como pela minha leitura confortada da anaacutelise dos proacuteximos versos o lsquoeacutersquo
parmenidiano eacute existencial proponho aqui uma interpretaccedilatildeo provisoacuteria embora ainda natildeo
16 A traduccedilatildeo e o sentido da noccedilatildeo de pensar em Parmecircnides satildeo objeto de grandes controveacutersias haacute muito tempo
e um excelente resumo da problemaacutetica desta passagem pode ser encontrado em Cordero (2005 p 56-59) De
minha parte aceito que seja um verbo ativo e que se refira agrave atividade propriamente psicoloacutegica ou seja aos
mecanismos do pensar e natildeo ao pensamento enquanto atividade completa (pensador-pensar-pensado) ou ao
resultado da atividade do pensar (como na expressatildeo lsquoo pensamento filosoacutefico ocidentalrsquo)
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justificada lsquoeacutersquo para Parmecircnides eacute lsquoo que eacutersquo o que tem existecircncia o que estaacute presente17 Ora lsquoo
que eacutersquo natildeo pode natildeo ser isto eacute natildeo pode ser anulado nulificado negado (entenda-se aqui
negado no sentido ontoloacutegico e natildeo no sentido predicativo) Para Parmecircnides pensar que lsquoo
que eacutersquo natildeo pode ser nulificado significa seguir o percurso argumentativo que garante a
persuasatildeo verdadeira aquela investida de verdade
Vejamos o segundo caminho (25-8) outro [pensar] que natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo
seja este eacute caminho natildeo de todo escrutaacutevel pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute
exequiacutevel) nem o dirias Chegamos aqui no acircmago de nosso tema vamos examinar entatildeo
detidamente O segundo caminho consiste em pensar lsquoo que natildeo eacutersquo Deste caminho eacute necessaacuterio
pensar que natildeo seja porque lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) natildeo pode ser conhecido (natildeo eacute exequiacutevel)
e nem pode ser dito A primeira coisa a notar eacute o fato de que enquanto o primeiro caminho eacute
somente descrito neste segundo a descriccedilatildeo recebe o suporte de um argumento introduzido por
gar que eacute uma conjunccedilatildeo causal e significa ldquopoisrdquo ldquoporquerdquo pois (gar) nem conhecerias o que
natildeo eacute e nem o dirias Como ele sabe que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito
Vamos responder a esta pergunta
A meditaccedilatildeo da negaccedilatildeo do ser
Como eacute possiacutevel ver todo o fragmento 2 eacute dedicado ao pensar a um certo tipo de pensar
ao como eacute possiacutevel pensar segundo a persuasatildeo verdadeira e ao como eacute impossiacutevel pensar o
lsquonatildeo serrsquo Este fragmento eacute inteiramente dedicado ao pensamento Se Parmecircnides diz que soacute haacute
estes dois caminhos para o pensar investigativo isto indica que ele pesquisou os mais variados
caminhos do pensar e soacute dois resultaram adequados para seu propoacutesito Se ele diz que pensar o
lsquoeacutersquo se encontra em conjunccedilatildeo indissoluacutevel (tegrave kaiacute duas conjunccedilotildees uma reforccedilando a outra)
com pensar ldquoque natildeo pode natildeo serrdquo e que pensar ldquonatildeo eacuterdquo eacute um atalho que natildeo pode ser
escrutado pois natildeo eacute possiacutevel conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo significa que ele se dedicou intensamente
agrave observaccedilatildeo do comportamento da mente humana especificamente na atividade cognitiva18
17 A justificaccedilatildeo completa eacute complexa e natildeo pode ser apresentada aqui Aqui mais adiante seratildeo oferecidos alguns
argumentos sumaacuterios 18 Para notiacutecias sobre um Parmecircnides estudioso da mente e portanto um Parmecircnides psicoacutelogo dada a ausecircncia
de outros estudos mais completos me seja permitido enviar o leitor a Galgano (2017)
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Estamos diante de um conjunto de observaccedilotildees do comportamento da mente que Parmecircnides
deve ter extraiacutedo tambeacutem de sua proacutepria atividade de reflexatildeo
A descriccedilatildeo dos caminhos estaacute apoiada num argumento entatildeo eacute a ele que temos que
dirigir as nossas atenccedilotildees para entender o inteiro fragmento O argumento eacute pois (gar) nem
conhecerias o que natildeo eacute (tograve megrave eoacuten) e nem o dirias Parmecircnides de alguma forma chegou agrave
conclusatildeo de que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido Eu penso que para chegar a esta
conclusatildeo ele tentou conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo Para tanto antes de tudo deve ter tentado pensar
lsquoo que natildeo eacutersquo
Antes de tentar reproduzir a tentativa de Parmecircnides vamos esclarecer o sentido da
expressatildeo lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) Esta expressatildeo eacute composta pelo artigo definido neutro
singular toacute (em portuguecircs lsquoorsquo) pelο adveacuterbio de negaccedilatildeo me (em portuguecircs lsquonatildeorsquo) e pelo
substantivo eoacuten obtido da substantivaccedilatildeo do particiacutepio de verbo eimiacute que significa ldquoserrdquo (em
portuguecircs lsquoque estaacute sendorsquo ou lsquoque eacutersquo) Unindo as trecircs partes temos lsquoo que natildeo eacutersquo Eacute preciso
atentar para o fato de que eoacuten em Parmecircnides embora singular natildeo se refere a um uacutenico ente
mas ao ente em geral Podemos ver isto tanto pela intenccedilatildeo inicial de falar de tudo (paacutenta 128)
quanto e principalmente pelo tratamento dado ao eoacuten no fragmento 8 onde ele representa o
todo da realidade
Embora o significado do eoacuten em Parmecircnides natildeo tenha sido inteiramente esclarecido19
e embora natildeo haja unanimidade entre os estudiosos em relaccedilatildeo ao alcance de sua noccedilatildeo eacute
bastante razoaacutevel que esta uacuteltima natildeo fique restrita a um uacutenico ente mas seja generalizada em
suma para Parmecircnides eoacuten eacute um termo geral e significa lsquotudo que eacutersquo incluindo tanto o ente
individual quanto todos os entes (paacutenta) Entatildeo na versatildeo negativa tograve megrave eoacuten podemos aceitar
a noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo desde que se entenda em sentido absoluto lsquoo tudo que natildeo eacutersquo (ou lsquoo
todo que natildeo eacutersquo) Que Parmecircnides se refira ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo serrsquo tomados em sentido absoluto
estaacute claro pela estrutura ontoloacutegica de sua filosofia ademais uma confirmaccedilatildeo histoacuterica vem
do proacuteprio Platatildeo o qual diante das dificuldades filosoacuteficas postas pela noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo
absoluto de Parmecircnides acaba introduzindo no seu diaacutelogo lsquoO sofistarsquo a noccedilatildeo de natildeo-ser
enquanto outro ou seja do natildeo-ser relativo Apoacutes essas palavras preliminares podemos analisar
a reflexatildeo parmenidiana
19 Jaacute Platatildeo declarava natildeo ter certeza de ter entendido Parmecircnides (Theet 184a)
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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a
noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo
o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a
mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele
livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa
portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa
no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele
mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe
Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo
que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo
aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela
aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia
do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo
Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo
lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo
deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo
acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo
mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo
a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia
imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem
evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente
tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado
2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto
sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo
pode ser conhecida
Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No
primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que
natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas
condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a
proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos
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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel
Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do
pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo
meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar
aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se
reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado
negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo
eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a
negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo
ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo
cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo
O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar
comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais
minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise
gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel
porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do
pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico
por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples
os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo
eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute
cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade
estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por
ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20
A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo
Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o
fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz
20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria
expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)
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claramente
pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)
nem o dirias
A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo
de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de
lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na
discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e
principalmente da linguagem epistecircmica
Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e
tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode
ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar
mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo
serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz
Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22
E ainda em 88-9 ele diz
pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel
eacute que natildeo eacute23
E ainda em 817-19
estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio
uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira
via natildeo eacute24
Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre
apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel
como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam
exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente
consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em
sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo
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megrave eoacuten para que natildeo se use tograve megrave eoacuten no discurso epistecircmico Parmecircnides expotildee explicitamente
portanto conscientemente uma regra de metalinguagem com fundamento ontoloacutegico
Conclusotildees
Em nosso percurso ateacute aqui analisamos principalmente a noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo de
Parmecircnides relacionada ao nosso tema do indiziacutevel Para tal fim comeccedilamos dizendo que a
criacutetica tradicional desde Hegel privilegiou o estudo do lsquoserrsquo parmenidiano deixando de lado
o lsquonatildeo serrsquo Vimos poreacutem que a partir principalmente da segunda metade do seacuteculo XX os
estudos do lsquonatildeo serrsquo comeccedilaram a surgir e a evidenciar aspectos do eleata que tinham ficado de
lado pela influecircncia platocircnica que no Sofista ao considerar sem sentido a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo
a descarta totalmente de sua visatildeo de mundo
Ao voltarmos a nossa atenccedilatildeo ao poema a partir da nova visatildeo criacutetica que quer ir aleacutem
das sugestotildees platocircnicas e do historicismo idealista de marca hegeliana abordamos a proposta
explicitada por Parmecircnides no fragmento 1 Seu programa de ensino se propotildee a ensinar todas
as coisas (paacutenta) expressatildeo que se deve natildeo a uma megalomania do autor mas ao assunto
predileto dos preacute-socraacuteticos que consistia em encontrar os princiacutepios de todas as coisas Assim
esse paacutenta significa todas as coisas no sentido de todo A respeito desse todo o disciacutepulo
aprenderaacute tanto o saber que procede da verdade bem conexa quanto as opiniotildees dos mortais
nos quais natildeo haacute feacute verdadeira
Noacutes nos dedicamos entatildeo ao meacutetodo que ele expotildee para identificar a persuasatildeo que
acompanha a verdade e podecirc-la distinguir da crenccedila sem fundamento Vimos que esse meacutetodo
eacute composto por duas vias a primeira somente descrita e a segunda descrita e justificada por
argumentos Dedicamos nossa atenccedilatildeo aos argumentos da segunda via e vimos que o principal
se refere a lsquoo que natildeo eacutersquo e dele se diz que natildeo pode ser conhecido e nem dito Ao procurarmos
entender o que poderia significar lsquoo que natildeo eacutersquo antes de tudo estabelecemos que eacute uma
expressatildeo no singular mas que deve ser generalizada a todo ente e sucessivamente dissemos
que esta negaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo absoluta
Prosseguimos nossa anaacutelise tentando reproduzir a meditaccedilatildeo que levasse agraves conclusotildees
reportadas no fragmento 2 e encontramos que ontologicamente eacute impossiacutevel pensar o lsquonatildeo serrsquo
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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas
neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito
cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo
por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para
Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico
portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido
Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar
algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa
ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos
que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute
expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma
autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento
ocidental
Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco
exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no
Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro
exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria
platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica
com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto
significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e
que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram
Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a
apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo
de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica
para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias
inovaccedilotildees que estava trazendo
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GALGANO NS O preceito da deusa o natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleia Tese de doutorado
USP 2015
GALGANO NS Parmecircnides psychologist part 1 and 2 In Archai 19 (part 1) e 20 (part 2) 2017
HEGEL G W F Vorlesungen uumlber die Geschichte der Philosophie 1836 Trad italiana de CODIGNOLA E e
SANNA G (1967) Lezioni sulla storia della filosofia Ed La nuova Italia Firenze 1967
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1982 pp 19ndash61
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entatildeo aos poucos estaacute sendo possiacutevel aceitar melhor as ideias destes filoacutesofos preacute-socraacuteticos
os quais natildeo hesitavam em se lanccedilar em especulaccedilotildees ousadas e totalmente contra a lsquoopiniatildeo
comumrsquo (paradoxos)
O que haveria de paradoxal na filosofia de Parmecircnides A resposta tradicional a esta
pergunta constitui tambeacutem a suacutemula das acusaccedilotildees que satildeo dirigidas a ele uma delas eacute aquela
que nos interessa de perto A primeira acusaccedilatildeo a Parmecircnides eacute que o lsquoserrsquo uacutenico por ele
preconizado que rejeita radicalmente o lsquonatildeo serrsquo por constituir a uacutenica realidade estaria em
flagrante contradiccedilatildeo com o proacuteprio enunciado pois a deusa do poema seu disciacutepulo e o
ensinamento configuram uma pluralidade a qual negaria aquela unidade ou visto de outro lado
a unidade tornaria impossiacutevel a pluralidade expressa pelo proacuteprio ensino do poema
Outras acusaccedilotildees se referem aos outros supostos caracteres do lsquoserrsquo o natildeo ter sido
gerado e natildeo perecer a imutabilidade a natildeo temporalidade a homogeneidade a unidade a
continuidade
Mas as acusaccedilotildees natildeo se limitam agraves caracteriacutesticas do lsquoserrsquo elas se estendem ao lsquonatildeo
serrsquo De fato no fragmento DK 2 que em breve veremos em detalhes Parmecircnides diz que o
natildeo ser natildeo pode ser conhecido e nem dito (DK B 27-84)
οὔτε γὰρ ἂν γνοίης τό γε μὴ ἐὸν (οὐ γὰρ ἀνυστόν)
οὔτε φράσαις
pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)
nem o dirias 5
4 Todas as citaccedilotildees de Parmecircnides se referem agrave ordenaccedilatildeo de Diels-Kranz e todas as traduccedilotildees satildeo de Cavalcante
de Souza (1978) exceto onde indicado onde propus alguma pequena variaccedilatildeo 5 Uma traduccedilatildeo mais literal destes versos eacute aquela de Santoro (2011) todavia ela necessitaria de explicaccedilotildees
filoloacutegicas que natildeo podemos reportar aqui portanto seja para noacutes suficiente a ainda excelente traduccedilatildeo de
Cavalcanti de Souza que eacute tambeacutem a mais difundida no meio acadecircmico brasileiro Santoro traduz ldquopois nem ao
menos se reconheceria o natildeo ente pois natildeo eacute realizaacutevel nem tampouco indicariardquo No que diz respeito ao nosso
tema teriacuteamos que explicitar a traduccedilatildeo de φράσαις de φράζω Este verbo significa lsquoindicarrsquo e tambeacutem lsquodizerrsquo
Segundo Aristarco em Homero nunca significa lsquodizerrsquo e este eacute um bom motivo para traduzir lsquoindicarrsquo ao inveacutes de
lsquodizerrsquo No entanto a poesia agrave moda arcaica de Parmecircnides faz referecircncia sim a Homero mas tambeacutem a Hesiacuteodo
e aos liacutericos Considerando que lsquoindicarrsquo aqui significa a expressatildeo vocal acompanhada do gesto natildeo se deve
entender num sentido mais moderno de lsquoindicar sem mostrarrsquo como poderia ser predicado de sinais indicadores
por exemplo os quais apenas apontam a direccedilatildeo Natildeo eacute este o sentido grego Para o grego da eacutepoca de Parmecircnides
significa lsquodizerrsquo remetendo a um sentido arcaico de lsquodizer enquanto se indica com a matildeorsquo
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A acusaccedilatildeo eacute a seguinte a deusa do poema diz que o lsquonatildeo serrsquo (τό μὴ ἐὸν) natildeo pode ser
conhecido e nem dito mas ao fazer isto ela proacutepria estaacute dizendo lsquonatildeo serrsquo o que implica que
o lsquonatildeo serrsquo pode ser dito logo Parmecircnides pela voz da deusa estaria em contradiccedilatildeo
Esta acusaccedilatildeo abre caminho para o nosso tema a afirmaccedilatildeo dos limites da linguagem
pela demonstraccedilatildeo do indiziacutevel em Parmecircnides pela primeira vez na histoacuteria do pensamento
ocidental Propriamente teriacuteamos que tomar com cautela a palavra lsquodemonstraccedilatildeorsquo porque
naqueles tempos uma tal noccedilatildeo natildeo existia No entanto por outro lado natildeo eacute possiacutevel deixar
de enfatizar a intenccedilatildeo de Parmecircnides de fornecer um tipo de persuasatildeo de maacuteximo vigor e
perfeitamente aderente agrave nossa mente que ele chama de lsquopersuasatildeo que acompanha a verdadersquo
(DK B 24) e que noacutes chamariacuteamos de lsquodemonstraccedilatildeorsquo
Por que Parmecircnides sentiu a necessidade de lsquodemonstrarrsquo Porque em seu tempo as
explicaccedilotildees a respeito do mundo se multiplicavam na medida em que com o desenvolvimento
da navegaccedilatildeo se ampliava o mundo conhecido e suas diferentes crenccedilas Assim Xenoacutefanes
um dos mestres de Parmecircnides6 ao constatar crenccedilas diferentes a respeito do mesmo fato natildeo
apenas apontou a contradiccedilatildeo mas tambeacutem indicou qual poderia ser o motivo desta contradiccedilatildeo
Ele notou que as figuras dos mesmos deuses eram diferentes de povo para povo e que afinal
cada povo representava os deuses segundo as suas proacuteprias caracteriacutesticas eacutetnicas Eis os
fragmentos DK 21 B 14-167
14 Mas os mortais acreditam que os deuses satildeo gerados
que como eles se vestem e tecircm voz e corpo
15 Mas se matildeos tivessem os bois os cavalos e os leotildees
e pudessem com as matildeos desenhar e criar obras como os homens
os cavalos semelhantes aos cavalos os bois semelhantes aos bois
desenhariam as formas dos deuses e os corpos fariam
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Jocircnia e todos eles recusando as explicaccedilotildees religiosas e buscando criticamente as explicaccedilotildees
naturais Xenoacutefanes tambeacutem era jocircnico e embora poeta era considerado tambeacutem um saacutebio
mas um saacutebio do novo tipo de sabedoria aquela naturalista pois ele por exemplo encontrando
conchinhas marinhas numa montanha mais do que gritar ao milagre concluiu que aquela regiatildeo
em outras eras devia ter sido submersa no mar
Quando Xenoacutefanes critica o antropomorfismo dos povos acaba pondo implicitamente
uma outra questatildeo Natildeo somente ele diz que os deuses nos quais os homens depositam sua feacute
satildeo uma invenccedilatildeo dos proacuteprios povos pois cada povo os imagina dotados de suas proacuteprias
feiccedilotildees como tambeacutem se aventura numa ideia muito nova de um deus uacutenico para todos e sem
as feiccedilotildees que os homens imaginam Mas estando assim as coisas como eacute possiacutevel escapar ao
engano dessas crenccedilas Esta eacute a questatildeo trazida implicitamente pelas pesquisas de Xenoacutefanes
e eacute nesse ponto que se insere a proposta de Parmecircnides
Parmecircnides nos conta em seu poema que o disciacutepulo iraacute aprender tudo mas nesse tudo
haacute uma divisatildeo por um lado haacute as crenccedilas dos mortais isto eacute as histoacuterias natildeo dignas de
confianccedila como aquelas contadas por Xenoacutefanes a respeito das feiccedilotildees dos deuses por outro
lado haacute os conhecimentos dignos de feacute porque a maneira como persuadem eacute de natureza
diferente pois satildeo portadores de uma persuasatildeo que anda acompanhando a verdade Em suma
traduzindo a sua linguagem arcaica para a nossa linguagem corrente Parmecircnides diz que haacute
dois tipos de conhecimentos um feito de meras opiniotildees e outro certificado como verdadeiro
Vejamos mais de perto essas questotildees
O programa de ensino de Parmecircnides
Em sua uacutenica obra Parmecircnides fala de um jovem disciacutepulo que recebe instruccedilatildeo de uma
deusa anocircnima9 No fragmento B 128-30 ela diz
eacute preciso que de tudo te instruas
9 Conveacutem lembrar que o poema de Parmecircnides foi parcialmente reconstruiacutedo com fragmentos obtidos a partir de
citaccedilotildees extraiacutedas dos doxoacutegrafos embora uma pequena parte dos fragmentos possua uma posiccedilatildeo jaacute esclarecida
dentro da obra a disposiccedilatildeo da maior parte eacute arbitraacuteria constituindo um autecircntico puzzle que deixa os criacuteticos em
seacuterias dificuldades muitas das quais insuperaacuteveis ateacute hoje
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do acircmago inabalaacutevel da verdade bem redonda
e de opiniotildees de mortais em que natildeo haacute feacute verdadeira 10
O jovem iraacute aprender tudo (paacutenta) tanto os conhecimentos soacutelidos de verdade bem
conexa quanto as opiniotildees do mortais nas quais natildeo haacute certeza confiaacutevel11 Um pouco adiante
no poema a deusa diraacute que aos mortais falta um certo recurso um mecanismo mental que
permite distinguir ser de natildeo ser e evitar que sejam tidos como o mesmo e natildeo o mesmo (DK
B 65) Este recurso eacute ensinado no fragmento DK B 2 e constitui o coraccedilatildeo da filosofia de
Parmecircnides consiste num meacutetodo ndash segundo o nome que ele mesmo coloca lsquocaminhosrsquo (de
hodoacutes em grego) e que desde entatildeo ficaraacute consagrado para indicar procedimentos especiacuteficos
ordenados para conseguir um fim ndash que permite diferenciar o conhecimento confiaacutevel daquele
natildeo confiaacutevel Sucessivamente esse mesmo meacutetodo mas em outra formulaccedilatildeo consagrada por
Aristoacuteteles receberaacute o nome de princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo12
Vamos antecipar que o meacutetodo de Parmecircnides eacute uma distinccedilatildeo simples mas irredutiacutevel
entre ser e natildeo ser Cabe enfatizar que tanto a noccedilatildeo de lsquoserrsquo quanto aquela de lsquonatildeo serrsquo satildeo
noccedilotildees novas introduzidas por Parmecircnides no pensamento ocidental ou seja satildeo invenccedilotildees
parmenidianas13 Apesar de sugestotildees de alguns estudiosos que apontam para a origem oriental
destas noccedilotildees eu penso que haacute uma explicaccedilatildeo mais razoaacutevel indicada indiretamente mais uma
10 Parm DK 28 B 1 28-30 χρεὼ δέ σε πάντα πυθέσθαι ἠμὲν Ἀληθείης εὐκυκλέος ἀτρεμὲς ἦτορ ἠδὲ βροτῶν
δόξας ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθής 11 O sentido destas palavras que poreacutem natildeo posso justificar aqui eacute que o jovem aprenderaacute dois tipos de
conhecimentos aquele expresso por discursos coerentes e aquele expresso pelo discurso contraditoacuterio do
pensamento comum (as opiniotildees dos mortais) Na verdade haacute controveacutersias a respeito desses versos (como de
resto a cada palavra do poema) Na versatildeo mais aceita contudo Parmecircnides configura dois tipos de saberes um
verdadeiro e outro opinativo Isto estaacute estabelecido de forma razoavelmente segura pela doxografia e pela criacutetica
atual embora natildeo com unanimidade 12 A versatildeo de Parmecircnides possui menos elementos daquela do Estagirita mas eacute mais profundamente ontoloacutegica 13 Existe uma discussatildeo a respeito da origem de noccedilotildees tatildeo fortes e tatildeo abruptamente novas na literatura grega Ao
menos desde Burkert (mas antes natildeo faltaram defensores dessa tese) haacute uma forte corrente de estudiosos que
buscam os elementos orientais na filosofia grega No caso especiacutefico de Parmecircnides ser e natildeo ser como noccedilotildees
primordiais se encontram nos Vedas mais antigos (como o Rig Veda) No entanto haacute um problema de datas e
tambeacutem um problema de difusatildeo Natildeo se tem certeza de que os Vedas sejam mais antigos do poema de Parmecircnides
e por outro lado natildeo aconteceram muitas chances de contato entre os povos grego e indiano Uma das mais
concretas pode ter acontecido na constituiccedilatildeo do Impeacuterio dos Persas que ia desde a Greacutecia ateacute a Iacutendia Os
embaixadores de todas as regiotildees do impeacuterio se reuniam em Perseacutepolis cidade fundada para este fim Eacute este o
lugar possiacutevel de contato entre as duas culturas Mas nesta eacutepoca Parmecircnides jaacute tinha florescido portanto pode
ser ateacute mesmo que as referecircncias ao ser e ao natildeo ser tenham ido da Greacutecia agrave Iacutendia Aleacutem das duas hipoacuteteses de
difusatildeo num sentido ou no outro haacute tambeacutem uma terceira de descobertas independentes nas duas aacutereas culturais
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vez por Aristoacuteteles Diz ele na Metafiacutesica que os antigos pitagoacutericos estudavam as oposiccedilotildees
de iniacutecio a principal o determinado e o indeterminado e depois algumas outras que eles
circunscreveram a uma taacutebua de dez oposiccedilotildees14 Parmecircnides teve um mestre pitagoacuterico
Amiacutenias que ele reverenciou ao ponto de dedicar-lhe uma herma (DL Vitae 9211) levando-
se isto em conta eacute bastante razoaacutevel pensar que Parmecircnides tambeacutem se dedicou agraves oposiccedilotildees
e numa generalizaccedilatildeo audaciosa (como era a ordem de generalizaccedilatildeo das dez oposiccedilotildees do
pitagorismo antigo) excogitou a oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser Seja como for natildeo haacute registro de
noccedilotildees similares a ser e natildeo ser antes de Parmecircnides e ele eacute o primeiro a introduzi-las
Uma outra distinccedilatildeo necessaacuteria antes de entrar no vivo do nosso tema eacute aquela referente
aos dois diversos usos que Parmecircnides faz das expressotildees lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo Assim como em
portuguecircs o grego permite a substantivaccedilatildeo do verbo Entatildeo o eleata utiliza as duas formas
tanto ser e natildeo ser como verbos quanto lsquoo serrsquo e lsquoo natildeo serrsquo como substantivos Como no
portuguecircs isto pode gerar ambiguidades (assim como tambeacutem as gera o texto parmenidiano)
eacute necessaacuterio tomar cuidado para natildeo confundir as duas formas sintaacuteticas
Uma outra advertecircncia ainda que o leitor jaacute deve ter notado eacute o uso que faccedilo ou deixo
de fazer no hiacutefen entre natildeo e ser na expressatildeo lsquonatildeo serrsquo Em portuguecircs a expressatildeo natildeo-ser
recebe um hiacutefen a indicar a ligaccedilatildeo estreita entre as duas partes natildeo e ser Inclusive o dicionaacuterio
registra a expressatildeo como devida a Parmecircnides e em consonacircncia com este entendimento toda
literatura em portuguecircs referente a Parmecircnides manteacutem o hiacutefen entre natildeo e ser De meu lado
em sede criacutetica e portanto em revistas cientiacuteficas ou textos criacuteticos acadecircmicos como o
presente eu proponho o natildeo uso do hiacutefen pela razatildeo que passo a explicar A razatildeo eacute a origem
gramatical da noccedilatildeo ou seja haacute um algo que recebe uma accedilatildeo de negaccedilatildeo explico melhor
quando se diz natildeo-ser se pensa em um objeto linguiacutestico jaacute acontecido e consolidado numa
relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel Mas se se diz natildeo ser esta relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel
14 Metaph 986ordf 15-26 Tambeacutem estes parecem considerar que o nuacutemero eacute princiacutepio natildeo soacute enquanto constitutivo
material dos seres mas tambeacutem como constitutivo das propriedades e dos estados dos mesmos Em seguida eles
afirmaram como elemento constitutivo do nuacutemero o par e o impar dos quais o primeiro eacute limitado e o segundo eacute
ilimitado O Um deriva desses dois elementos porque eacute par e impar ao mesmo tempo Do Um procede depois o
nuacutemero e os nuacutemeros como dissemos constituiriam a totalidade do universo Outros pitagoacutericos afirmavam que
os princiacutepios satildeo dez distintos em seacuterie ltde contraacuteriosgt limite-ilimite impar-par um-muacuteltiplo direito-esquerdo
(οὐ γὰρ ἀνυστόν) οὔτε φράσαιςrdquo A traduccedilatildeo de Cavalcante de Souza recebeu um pequeno ajuste meu pelo qual
substitui ldquode todo incriacutevelrdquo por ldquonatildeo de todo escrutaacutevelrdquo
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que a deusa se refere com estas palavras Antes de tudo a deusa se dirige a quem se preocupa
com pesquisa (dizeacutesis inqueacuterito pesquisa) trata-se entatildeo de palavras destinadas a quem natildeo
sabe e estaacute em busca de saber Nesta atividade de pesquisa o pensamento segue percursos em
nossa mente ou seja monta sequecircncias de proposiccedilotildees a estabelecer um entendimento aquilo
que hoje chamamos de argumento Em outras palavras a deusa afirma que haacute dois uacutenicos
percursos argumentativos para o pensar que pesquisa Um detalhe gramatical nos leva agrave
compreensatildeo dos proacuteximos passos o verbo noecircsai (de noeicircn pensar16) eacute ativo e se coordena
com os proacuteximos versos no verso 23 pensar [o primeiro] que no verso 25 pensar [o outro]
que esta configuraccedilatildeo ficaraacute mais clara a seguir
Os argumentos de pesquisa diz a deusa satildeo de dois tipos aqueles determinados pelos
dois caminhos que o pensar investigativo pode seguir um pensar que eacute outro pensar que natildeo
eacute Aqui o pensar natildeo eacute qualquer pensar mas eacute o ato especiacutefico do pensar cognitivo aquele
voltado agrave investigaccedilatildeo Entatildeo este tipo de pensar natildeo pode ser deixado fluir livremente mas
deve ser submetido a regras que ofereccedilam uma seguranccedila cognitiva e gerem argumentos fiaacuteveis
Por ser um meacutetodo para o pensar cognitivo necessariamente se refere agrave maneira de pensar e
natildeo ao pensado Isto eacute natildeo se trata de julgar o resultado do pensar que satildeo as vaacuterias teorias
mas manter a criacutetica sobre o argumento que leva agravequelas teorias Parmecircnides daraacute o exemplo
no fragmento 8 onde a descriccedilatildeo das caracteriacutesticas do lsquoserrsquo (tograve eoacuten) eacute acompanhada de
argumentos que seguem o meacutetodo exposto anteriormente Vamos entatildeo agrave exposiccedilatildeo do meacutetodo
do fragmento 2
Haacute somente estes caminhos um pensar que eacute e que natildeo pode natildeo ser outro pensar
que eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja Satildeo palavras enigmaacuteticas e haacute seacuteculos despertam imenso
interesse nos estudiosos Vejamos o primeiro (23-4) um [pensar] que eacute e que natildeo pode natildeo
ser eacute caminho de persuasatildeo que acompanha a verdade Haacute vaacuterias linhas interpretativas que
em geral se baseiam na interpretaccedilatildeo que se quer dar ao primeiro lsquoeacutersquo se existencial predicativo
veritativo ou outro Como pela minha leitura confortada da anaacutelise dos proacuteximos versos o lsquoeacutersquo
parmenidiano eacute existencial proponho aqui uma interpretaccedilatildeo provisoacuteria embora ainda natildeo
16 A traduccedilatildeo e o sentido da noccedilatildeo de pensar em Parmecircnides satildeo objeto de grandes controveacutersias haacute muito tempo
e um excelente resumo da problemaacutetica desta passagem pode ser encontrado em Cordero (2005 p 56-59) De
minha parte aceito que seja um verbo ativo e que se refira agrave atividade propriamente psicoloacutegica ou seja aos
mecanismos do pensar e natildeo ao pensamento enquanto atividade completa (pensador-pensar-pensado) ou ao
resultado da atividade do pensar (como na expressatildeo lsquoo pensamento filosoacutefico ocidentalrsquo)
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justificada lsquoeacutersquo para Parmecircnides eacute lsquoo que eacutersquo o que tem existecircncia o que estaacute presente17 Ora lsquoo
que eacutersquo natildeo pode natildeo ser isto eacute natildeo pode ser anulado nulificado negado (entenda-se aqui
negado no sentido ontoloacutegico e natildeo no sentido predicativo) Para Parmecircnides pensar que lsquoo
que eacutersquo natildeo pode ser nulificado significa seguir o percurso argumentativo que garante a
persuasatildeo verdadeira aquela investida de verdade
Vejamos o segundo caminho (25-8) outro [pensar] que natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo
seja este eacute caminho natildeo de todo escrutaacutevel pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute
exequiacutevel) nem o dirias Chegamos aqui no acircmago de nosso tema vamos examinar entatildeo
detidamente O segundo caminho consiste em pensar lsquoo que natildeo eacutersquo Deste caminho eacute necessaacuterio
pensar que natildeo seja porque lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) natildeo pode ser conhecido (natildeo eacute exequiacutevel)
e nem pode ser dito A primeira coisa a notar eacute o fato de que enquanto o primeiro caminho eacute
somente descrito neste segundo a descriccedilatildeo recebe o suporte de um argumento introduzido por
gar que eacute uma conjunccedilatildeo causal e significa ldquopoisrdquo ldquoporquerdquo pois (gar) nem conhecerias o que
natildeo eacute e nem o dirias Como ele sabe que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito
Vamos responder a esta pergunta
A meditaccedilatildeo da negaccedilatildeo do ser
Como eacute possiacutevel ver todo o fragmento 2 eacute dedicado ao pensar a um certo tipo de pensar
ao como eacute possiacutevel pensar segundo a persuasatildeo verdadeira e ao como eacute impossiacutevel pensar o
lsquonatildeo serrsquo Este fragmento eacute inteiramente dedicado ao pensamento Se Parmecircnides diz que soacute haacute
estes dois caminhos para o pensar investigativo isto indica que ele pesquisou os mais variados
caminhos do pensar e soacute dois resultaram adequados para seu propoacutesito Se ele diz que pensar o
lsquoeacutersquo se encontra em conjunccedilatildeo indissoluacutevel (tegrave kaiacute duas conjunccedilotildees uma reforccedilando a outra)
com pensar ldquoque natildeo pode natildeo serrdquo e que pensar ldquonatildeo eacuterdquo eacute um atalho que natildeo pode ser
escrutado pois natildeo eacute possiacutevel conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo significa que ele se dedicou intensamente
agrave observaccedilatildeo do comportamento da mente humana especificamente na atividade cognitiva18
17 A justificaccedilatildeo completa eacute complexa e natildeo pode ser apresentada aqui Aqui mais adiante seratildeo oferecidos alguns
argumentos sumaacuterios 18 Para notiacutecias sobre um Parmecircnides estudioso da mente e portanto um Parmecircnides psicoacutelogo dada a ausecircncia
de outros estudos mais completos me seja permitido enviar o leitor a Galgano (2017)
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Estamos diante de um conjunto de observaccedilotildees do comportamento da mente que Parmecircnides
deve ter extraiacutedo tambeacutem de sua proacutepria atividade de reflexatildeo
A descriccedilatildeo dos caminhos estaacute apoiada num argumento entatildeo eacute a ele que temos que
dirigir as nossas atenccedilotildees para entender o inteiro fragmento O argumento eacute pois (gar) nem
conhecerias o que natildeo eacute (tograve megrave eoacuten) e nem o dirias Parmecircnides de alguma forma chegou agrave
conclusatildeo de que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido Eu penso que para chegar a esta
conclusatildeo ele tentou conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo Para tanto antes de tudo deve ter tentado pensar
lsquoo que natildeo eacutersquo
Antes de tentar reproduzir a tentativa de Parmecircnides vamos esclarecer o sentido da
expressatildeo lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) Esta expressatildeo eacute composta pelo artigo definido neutro
singular toacute (em portuguecircs lsquoorsquo) pelο adveacuterbio de negaccedilatildeo me (em portuguecircs lsquonatildeorsquo) e pelo
substantivo eoacuten obtido da substantivaccedilatildeo do particiacutepio de verbo eimiacute que significa ldquoserrdquo (em
portuguecircs lsquoque estaacute sendorsquo ou lsquoque eacutersquo) Unindo as trecircs partes temos lsquoo que natildeo eacutersquo Eacute preciso
atentar para o fato de que eoacuten em Parmecircnides embora singular natildeo se refere a um uacutenico ente
mas ao ente em geral Podemos ver isto tanto pela intenccedilatildeo inicial de falar de tudo (paacutenta 128)
quanto e principalmente pelo tratamento dado ao eoacuten no fragmento 8 onde ele representa o
todo da realidade
Embora o significado do eoacuten em Parmecircnides natildeo tenha sido inteiramente esclarecido19
e embora natildeo haja unanimidade entre os estudiosos em relaccedilatildeo ao alcance de sua noccedilatildeo eacute
bastante razoaacutevel que esta uacuteltima natildeo fique restrita a um uacutenico ente mas seja generalizada em
suma para Parmecircnides eoacuten eacute um termo geral e significa lsquotudo que eacutersquo incluindo tanto o ente
individual quanto todos os entes (paacutenta) Entatildeo na versatildeo negativa tograve megrave eoacuten podemos aceitar
a noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo desde que se entenda em sentido absoluto lsquoo tudo que natildeo eacutersquo (ou lsquoo
todo que natildeo eacutersquo) Que Parmecircnides se refira ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo serrsquo tomados em sentido absoluto
estaacute claro pela estrutura ontoloacutegica de sua filosofia ademais uma confirmaccedilatildeo histoacuterica vem
do proacuteprio Platatildeo o qual diante das dificuldades filosoacuteficas postas pela noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo
absoluto de Parmecircnides acaba introduzindo no seu diaacutelogo lsquoO sofistarsquo a noccedilatildeo de natildeo-ser
enquanto outro ou seja do natildeo-ser relativo Apoacutes essas palavras preliminares podemos analisar
a reflexatildeo parmenidiana
19 Jaacute Platatildeo declarava natildeo ter certeza de ter entendido Parmecircnides (Theet 184a)
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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a
noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo
o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a
mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele
livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa
portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa
no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele
mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe
Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo
que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo
aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela
aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia
do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo
Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo
lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo
deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo
acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo
mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo
a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia
imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem
evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente
tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado
2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto
sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo
pode ser conhecida
Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No
primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que
natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas
condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a
proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos
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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel
Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do
pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo
meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar
aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se
reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado
negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo
eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a
negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo
ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo
cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo
O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar
comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais
minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise
gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel
porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do
pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico
por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples
os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo
eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute
cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade
estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por
ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20
A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo
Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o
fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz
20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria
expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)
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claramente
pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)
nem o dirias
A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo
de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de
lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na
discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e
principalmente da linguagem epistecircmica
Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e
tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode
ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar
mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo
serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz
Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22
E ainda em 88-9 ele diz
pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel
eacute que natildeo eacute23
E ainda em 817-19
estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio
uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira
via natildeo eacute24
Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre
apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel
como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam
exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente
consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em
sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo
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Jocircnia e todos eles recusando as explicaccedilotildees religiosas e buscando criticamente as explicaccedilotildees
naturais Xenoacutefanes tambeacutem era jocircnico e embora poeta era considerado tambeacutem um saacutebio
mas um saacutebio do novo tipo de sabedoria aquela naturalista pois ele por exemplo encontrando
conchinhas marinhas numa montanha mais do que gritar ao milagre concluiu que aquela regiatildeo
em outras eras devia ter sido submersa no mar
Quando Xenoacutefanes critica o antropomorfismo dos povos acaba pondo implicitamente
uma outra questatildeo Natildeo somente ele diz que os deuses nos quais os homens depositam sua feacute
satildeo uma invenccedilatildeo dos proacuteprios povos pois cada povo os imagina dotados de suas proacuteprias
feiccedilotildees como tambeacutem se aventura numa ideia muito nova de um deus uacutenico para todos e sem
as feiccedilotildees que os homens imaginam Mas estando assim as coisas como eacute possiacutevel escapar ao
engano dessas crenccedilas Esta eacute a questatildeo trazida implicitamente pelas pesquisas de Xenoacutefanes
e eacute nesse ponto que se insere a proposta de Parmecircnides
Parmecircnides nos conta em seu poema que o disciacutepulo iraacute aprender tudo mas nesse tudo
haacute uma divisatildeo por um lado haacute as crenccedilas dos mortais isto eacute as histoacuterias natildeo dignas de
confianccedila como aquelas contadas por Xenoacutefanes a respeito das feiccedilotildees dos deuses por outro
lado haacute os conhecimentos dignos de feacute porque a maneira como persuadem eacute de natureza
diferente pois satildeo portadores de uma persuasatildeo que anda acompanhando a verdade Em suma
traduzindo a sua linguagem arcaica para a nossa linguagem corrente Parmecircnides diz que haacute
dois tipos de conhecimentos um feito de meras opiniotildees e outro certificado como verdadeiro
Vejamos mais de perto essas questotildees
O programa de ensino de Parmecircnides
Em sua uacutenica obra Parmecircnides fala de um jovem disciacutepulo que recebe instruccedilatildeo de uma
deusa anocircnima9 No fragmento B 128-30 ela diz
eacute preciso que de tudo te instruas
9 Conveacutem lembrar que o poema de Parmecircnides foi parcialmente reconstruiacutedo com fragmentos obtidos a partir de
citaccedilotildees extraiacutedas dos doxoacutegrafos embora uma pequena parte dos fragmentos possua uma posiccedilatildeo jaacute esclarecida
dentro da obra a disposiccedilatildeo da maior parte eacute arbitraacuteria constituindo um autecircntico puzzle que deixa os criacuteticos em
seacuterias dificuldades muitas das quais insuperaacuteveis ateacute hoje
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do acircmago inabalaacutevel da verdade bem redonda
e de opiniotildees de mortais em que natildeo haacute feacute verdadeira 10
O jovem iraacute aprender tudo (paacutenta) tanto os conhecimentos soacutelidos de verdade bem
conexa quanto as opiniotildees do mortais nas quais natildeo haacute certeza confiaacutevel11 Um pouco adiante
no poema a deusa diraacute que aos mortais falta um certo recurso um mecanismo mental que
permite distinguir ser de natildeo ser e evitar que sejam tidos como o mesmo e natildeo o mesmo (DK
B 65) Este recurso eacute ensinado no fragmento DK B 2 e constitui o coraccedilatildeo da filosofia de
Parmecircnides consiste num meacutetodo ndash segundo o nome que ele mesmo coloca lsquocaminhosrsquo (de
hodoacutes em grego) e que desde entatildeo ficaraacute consagrado para indicar procedimentos especiacuteficos
ordenados para conseguir um fim ndash que permite diferenciar o conhecimento confiaacutevel daquele
natildeo confiaacutevel Sucessivamente esse mesmo meacutetodo mas em outra formulaccedilatildeo consagrada por
Aristoacuteteles receberaacute o nome de princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo12
Vamos antecipar que o meacutetodo de Parmecircnides eacute uma distinccedilatildeo simples mas irredutiacutevel
entre ser e natildeo ser Cabe enfatizar que tanto a noccedilatildeo de lsquoserrsquo quanto aquela de lsquonatildeo serrsquo satildeo
noccedilotildees novas introduzidas por Parmecircnides no pensamento ocidental ou seja satildeo invenccedilotildees
parmenidianas13 Apesar de sugestotildees de alguns estudiosos que apontam para a origem oriental
destas noccedilotildees eu penso que haacute uma explicaccedilatildeo mais razoaacutevel indicada indiretamente mais uma
10 Parm DK 28 B 1 28-30 χρεὼ δέ σε πάντα πυθέσθαι ἠμὲν Ἀληθείης εὐκυκλέος ἀτρεμὲς ἦτορ ἠδὲ βροτῶν
δόξας ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθής 11 O sentido destas palavras que poreacutem natildeo posso justificar aqui eacute que o jovem aprenderaacute dois tipos de
conhecimentos aquele expresso por discursos coerentes e aquele expresso pelo discurso contraditoacuterio do
pensamento comum (as opiniotildees dos mortais) Na verdade haacute controveacutersias a respeito desses versos (como de
resto a cada palavra do poema) Na versatildeo mais aceita contudo Parmecircnides configura dois tipos de saberes um
verdadeiro e outro opinativo Isto estaacute estabelecido de forma razoavelmente segura pela doxografia e pela criacutetica
atual embora natildeo com unanimidade 12 A versatildeo de Parmecircnides possui menos elementos daquela do Estagirita mas eacute mais profundamente ontoloacutegica 13 Existe uma discussatildeo a respeito da origem de noccedilotildees tatildeo fortes e tatildeo abruptamente novas na literatura grega Ao
menos desde Burkert (mas antes natildeo faltaram defensores dessa tese) haacute uma forte corrente de estudiosos que
buscam os elementos orientais na filosofia grega No caso especiacutefico de Parmecircnides ser e natildeo ser como noccedilotildees
primordiais se encontram nos Vedas mais antigos (como o Rig Veda) No entanto haacute um problema de datas e
tambeacutem um problema de difusatildeo Natildeo se tem certeza de que os Vedas sejam mais antigos do poema de Parmecircnides
e por outro lado natildeo aconteceram muitas chances de contato entre os povos grego e indiano Uma das mais
concretas pode ter acontecido na constituiccedilatildeo do Impeacuterio dos Persas que ia desde a Greacutecia ateacute a Iacutendia Os
embaixadores de todas as regiotildees do impeacuterio se reuniam em Perseacutepolis cidade fundada para este fim Eacute este o
lugar possiacutevel de contato entre as duas culturas Mas nesta eacutepoca Parmecircnides jaacute tinha florescido portanto pode
ser ateacute mesmo que as referecircncias ao ser e ao natildeo ser tenham ido da Greacutecia agrave Iacutendia Aleacutem das duas hipoacuteteses de
difusatildeo num sentido ou no outro haacute tambeacutem uma terceira de descobertas independentes nas duas aacutereas culturais
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vez por Aristoacuteteles Diz ele na Metafiacutesica que os antigos pitagoacutericos estudavam as oposiccedilotildees
de iniacutecio a principal o determinado e o indeterminado e depois algumas outras que eles
circunscreveram a uma taacutebua de dez oposiccedilotildees14 Parmecircnides teve um mestre pitagoacuterico
Amiacutenias que ele reverenciou ao ponto de dedicar-lhe uma herma (DL Vitae 9211) levando-
se isto em conta eacute bastante razoaacutevel pensar que Parmecircnides tambeacutem se dedicou agraves oposiccedilotildees
e numa generalizaccedilatildeo audaciosa (como era a ordem de generalizaccedilatildeo das dez oposiccedilotildees do
pitagorismo antigo) excogitou a oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser Seja como for natildeo haacute registro de
noccedilotildees similares a ser e natildeo ser antes de Parmecircnides e ele eacute o primeiro a introduzi-las
Uma outra distinccedilatildeo necessaacuteria antes de entrar no vivo do nosso tema eacute aquela referente
aos dois diversos usos que Parmecircnides faz das expressotildees lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo Assim como em
portuguecircs o grego permite a substantivaccedilatildeo do verbo Entatildeo o eleata utiliza as duas formas
tanto ser e natildeo ser como verbos quanto lsquoo serrsquo e lsquoo natildeo serrsquo como substantivos Como no
portuguecircs isto pode gerar ambiguidades (assim como tambeacutem as gera o texto parmenidiano)
eacute necessaacuterio tomar cuidado para natildeo confundir as duas formas sintaacuteticas
Uma outra advertecircncia ainda que o leitor jaacute deve ter notado eacute o uso que faccedilo ou deixo
de fazer no hiacutefen entre natildeo e ser na expressatildeo lsquonatildeo serrsquo Em portuguecircs a expressatildeo natildeo-ser
recebe um hiacutefen a indicar a ligaccedilatildeo estreita entre as duas partes natildeo e ser Inclusive o dicionaacuterio
registra a expressatildeo como devida a Parmecircnides e em consonacircncia com este entendimento toda
literatura em portuguecircs referente a Parmecircnides manteacutem o hiacutefen entre natildeo e ser De meu lado
em sede criacutetica e portanto em revistas cientiacuteficas ou textos criacuteticos acadecircmicos como o
presente eu proponho o natildeo uso do hiacutefen pela razatildeo que passo a explicar A razatildeo eacute a origem
gramatical da noccedilatildeo ou seja haacute um algo que recebe uma accedilatildeo de negaccedilatildeo explico melhor
quando se diz natildeo-ser se pensa em um objeto linguiacutestico jaacute acontecido e consolidado numa
relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel Mas se se diz natildeo ser esta relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel
14 Metaph 986ordf 15-26 Tambeacutem estes parecem considerar que o nuacutemero eacute princiacutepio natildeo soacute enquanto constitutivo
material dos seres mas tambeacutem como constitutivo das propriedades e dos estados dos mesmos Em seguida eles
afirmaram como elemento constitutivo do nuacutemero o par e o impar dos quais o primeiro eacute limitado e o segundo eacute
ilimitado O Um deriva desses dois elementos porque eacute par e impar ao mesmo tempo Do Um procede depois o
nuacutemero e os nuacutemeros como dissemos constituiriam a totalidade do universo Outros pitagoacutericos afirmavam que
os princiacutepios satildeo dez distintos em seacuterie ltde contraacuteriosgt limite-ilimite impar-par um-muacuteltiplo direito-esquerdo
(οὐ γὰρ ἀνυστόν) οὔτε φράσαιςrdquo A traduccedilatildeo de Cavalcante de Souza recebeu um pequeno ajuste meu pelo qual
substitui ldquode todo incriacutevelrdquo por ldquonatildeo de todo escrutaacutevelrdquo
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que a deusa se refere com estas palavras Antes de tudo a deusa se dirige a quem se preocupa
com pesquisa (dizeacutesis inqueacuterito pesquisa) trata-se entatildeo de palavras destinadas a quem natildeo
sabe e estaacute em busca de saber Nesta atividade de pesquisa o pensamento segue percursos em
nossa mente ou seja monta sequecircncias de proposiccedilotildees a estabelecer um entendimento aquilo
que hoje chamamos de argumento Em outras palavras a deusa afirma que haacute dois uacutenicos
percursos argumentativos para o pensar que pesquisa Um detalhe gramatical nos leva agrave
compreensatildeo dos proacuteximos passos o verbo noecircsai (de noeicircn pensar16) eacute ativo e se coordena
com os proacuteximos versos no verso 23 pensar [o primeiro] que no verso 25 pensar [o outro]
que esta configuraccedilatildeo ficaraacute mais clara a seguir
Os argumentos de pesquisa diz a deusa satildeo de dois tipos aqueles determinados pelos
dois caminhos que o pensar investigativo pode seguir um pensar que eacute outro pensar que natildeo
eacute Aqui o pensar natildeo eacute qualquer pensar mas eacute o ato especiacutefico do pensar cognitivo aquele
voltado agrave investigaccedilatildeo Entatildeo este tipo de pensar natildeo pode ser deixado fluir livremente mas
deve ser submetido a regras que ofereccedilam uma seguranccedila cognitiva e gerem argumentos fiaacuteveis
Por ser um meacutetodo para o pensar cognitivo necessariamente se refere agrave maneira de pensar e
natildeo ao pensado Isto eacute natildeo se trata de julgar o resultado do pensar que satildeo as vaacuterias teorias
mas manter a criacutetica sobre o argumento que leva agravequelas teorias Parmecircnides daraacute o exemplo
no fragmento 8 onde a descriccedilatildeo das caracteriacutesticas do lsquoserrsquo (tograve eoacuten) eacute acompanhada de
argumentos que seguem o meacutetodo exposto anteriormente Vamos entatildeo agrave exposiccedilatildeo do meacutetodo
do fragmento 2
Haacute somente estes caminhos um pensar que eacute e que natildeo pode natildeo ser outro pensar
que eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja Satildeo palavras enigmaacuteticas e haacute seacuteculos despertam imenso
interesse nos estudiosos Vejamos o primeiro (23-4) um [pensar] que eacute e que natildeo pode natildeo
ser eacute caminho de persuasatildeo que acompanha a verdade Haacute vaacuterias linhas interpretativas que
em geral se baseiam na interpretaccedilatildeo que se quer dar ao primeiro lsquoeacutersquo se existencial predicativo
veritativo ou outro Como pela minha leitura confortada da anaacutelise dos proacuteximos versos o lsquoeacutersquo
parmenidiano eacute existencial proponho aqui uma interpretaccedilatildeo provisoacuteria embora ainda natildeo
16 A traduccedilatildeo e o sentido da noccedilatildeo de pensar em Parmecircnides satildeo objeto de grandes controveacutersias haacute muito tempo
e um excelente resumo da problemaacutetica desta passagem pode ser encontrado em Cordero (2005 p 56-59) De
minha parte aceito que seja um verbo ativo e que se refira agrave atividade propriamente psicoloacutegica ou seja aos
mecanismos do pensar e natildeo ao pensamento enquanto atividade completa (pensador-pensar-pensado) ou ao
resultado da atividade do pensar (como na expressatildeo lsquoo pensamento filosoacutefico ocidentalrsquo)
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justificada lsquoeacutersquo para Parmecircnides eacute lsquoo que eacutersquo o que tem existecircncia o que estaacute presente17 Ora lsquoo
que eacutersquo natildeo pode natildeo ser isto eacute natildeo pode ser anulado nulificado negado (entenda-se aqui
negado no sentido ontoloacutegico e natildeo no sentido predicativo) Para Parmecircnides pensar que lsquoo
que eacutersquo natildeo pode ser nulificado significa seguir o percurso argumentativo que garante a
persuasatildeo verdadeira aquela investida de verdade
Vejamos o segundo caminho (25-8) outro [pensar] que natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo
seja este eacute caminho natildeo de todo escrutaacutevel pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute
exequiacutevel) nem o dirias Chegamos aqui no acircmago de nosso tema vamos examinar entatildeo
detidamente O segundo caminho consiste em pensar lsquoo que natildeo eacutersquo Deste caminho eacute necessaacuterio
pensar que natildeo seja porque lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) natildeo pode ser conhecido (natildeo eacute exequiacutevel)
e nem pode ser dito A primeira coisa a notar eacute o fato de que enquanto o primeiro caminho eacute
somente descrito neste segundo a descriccedilatildeo recebe o suporte de um argumento introduzido por
gar que eacute uma conjunccedilatildeo causal e significa ldquopoisrdquo ldquoporquerdquo pois (gar) nem conhecerias o que
natildeo eacute e nem o dirias Como ele sabe que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito
Vamos responder a esta pergunta
A meditaccedilatildeo da negaccedilatildeo do ser
Como eacute possiacutevel ver todo o fragmento 2 eacute dedicado ao pensar a um certo tipo de pensar
ao como eacute possiacutevel pensar segundo a persuasatildeo verdadeira e ao como eacute impossiacutevel pensar o
lsquonatildeo serrsquo Este fragmento eacute inteiramente dedicado ao pensamento Se Parmecircnides diz que soacute haacute
estes dois caminhos para o pensar investigativo isto indica que ele pesquisou os mais variados
caminhos do pensar e soacute dois resultaram adequados para seu propoacutesito Se ele diz que pensar o
lsquoeacutersquo se encontra em conjunccedilatildeo indissoluacutevel (tegrave kaiacute duas conjunccedilotildees uma reforccedilando a outra)
com pensar ldquoque natildeo pode natildeo serrdquo e que pensar ldquonatildeo eacuterdquo eacute um atalho que natildeo pode ser
escrutado pois natildeo eacute possiacutevel conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo significa que ele se dedicou intensamente
agrave observaccedilatildeo do comportamento da mente humana especificamente na atividade cognitiva18
17 A justificaccedilatildeo completa eacute complexa e natildeo pode ser apresentada aqui Aqui mais adiante seratildeo oferecidos alguns
argumentos sumaacuterios 18 Para notiacutecias sobre um Parmecircnides estudioso da mente e portanto um Parmecircnides psicoacutelogo dada a ausecircncia
de outros estudos mais completos me seja permitido enviar o leitor a Galgano (2017)
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Estamos diante de um conjunto de observaccedilotildees do comportamento da mente que Parmecircnides
deve ter extraiacutedo tambeacutem de sua proacutepria atividade de reflexatildeo
A descriccedilatildeo dos caminhos estaacute apoiada num argumento entatildeo eacute a ele que temos que
dirigir as nossas atenccedilotildees para entender o inteiro fragmento O argumento eacute pois (gar) nem
conhecerias o que natildeo eacute (tograve megrave eoacuten) e nem o dirias Parmecircnides de alguma forma chegou agrave
conclusatildeo de que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido Eu penso que para chegar a esta
conclusatildeo ele tentou conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo Para tanto antes de tudo deve ter tentado pensar
lsquoo que natildeo eacutersquo
Antes de tentar reproduzir a tentativa de Parmecircnides vamos esclarecer o sentido da
expressatildeo lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) Esta expressatildeo eacute composta pelo artigo definido neutro
singular toacute (em portuguecircs lsquoorsquo) pelο adveacuterbio de negaccedilatildeo me (em portuguecircs lsquonatildeorsquo) e pelo
substantivo eoacuten obtido da substantivaccedilatildeo do particiacutepio de verbo eimiacute que significa ldquoserrdquo (em
portuguecircs lsquoque estaacute sendorsquo ou lsquoque eacutersquo) Unindo as trecircs partes temos lsquoo que natildeo eacutersquo Eacute preciso
atentar para o fato de que eoacuten em Parmecircnides embora singular natildeo se refere a um uacutenico ente
mas ao ente em geral Podemos ver isto tanto pela intenccedilatildeo inicial de falar de tudo (paacutenta 128)
quanto e principalmente pelo tratamento dado ao eoacuten no fragmento 8 onde ele representa o
todo da realidade
Embora o significado do eoacuten em Parmecircnides natildeo tenha sido inteiramente esclarecido19
e embora natildeo haja unanimidade entre os estudiosos em relaccedilatildeo ao alcance de sua noccedilatildeo eacute
bastante razoaacutevel que esta uacuteltima natildeo fique restrita a um uacutenico ente mas seja generalizada em
suma para Parmecircnides eoacuten eacute um termo geral e significa lsquotudo que eacutersquo incluindo tanto o ente
individual quanto todos os entes (paacutenta) Entatildeo na versatildeo negativa tograve megrave eoacuten podemos aceitar
a noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo desde que se entenda em sentido absoluto lsquoo tudo que natildeo eacutersquo (ou lsquoo
todo que natildeo eacutersquo) Que Parmecircnides se refira ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo serrsquo tomados em sentido absoluto
estaacute claro pela estrutura ontoloacutegica de sua filosofia ademais uma confirmaccedilatildeo histoacuterica vem
do proacuteprio Platatildeo o qual diante das dificuldades filosoacuteficas postas pela noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo
absoluto de Parmecircnides acaba introduzindo no seu diaacutelogo lsquoO sofistarsquo a noccedilatildeo de natildeo-ser
enquanto outro ou seja do natildeo-ser relativo Apoacutes essas palavras preliminares podemos analisar
a reflexatildeo parmenidiana
19 Jaacute Platatildeo declarava natildeo ter certeza de ter entendido Parmecircnides (Theet 184a)
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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a
noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo
o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a
mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele
livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa
portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa
no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele
mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe
Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo
que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo
aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela
aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia
do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo
Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo
lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo
deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo
acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo
mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo
a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia
imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem
evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente
tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado
2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto
sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo
pode ser conhecida
Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No
primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que
natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas
condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a
proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos
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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel
Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do
pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo
meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar
aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se
reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado
negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo
eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a
negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo
ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo
cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo
O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar
comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais
minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise
gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel
porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do
pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico
por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples
os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo
eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute
cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade
estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por
ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20
A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo
Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o
fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz
20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria
expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)
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claramente
pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)
nem o dirias
A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo
de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de
lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na
discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e
principalmente da linguagem epistecircmica
Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e
tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode
ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar
mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo
serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz
Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22
E ainda em 88-9 ele diz
pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel
eacute que natildeo eacute23
E ainda em 817-19
estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio
uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira
via natildeo eacute24
Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre
apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel
como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam
exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente
consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em
sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo
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Jocircnia e todos eles recusando as explicaccedilotildees religiosas e buscando criticamente as explicaccedilotildees
naturais Xenoacutefanes tambeacutem era jocircnico e embora poeta era considerado tambeacutem um saacutebio
mas um saacutebio do novo tipo de sabedoria aquela naturalista pois ele por exemplo encontrando
conchinhas marinhas numa montanha mais do que gritar ao milagre concluiu que aquela regiatildeo
em outras eras devia ter sido submersa no mar
Quando Xenoacutefanes critica o antropomorfismo dos povos acaba pondo implicitamente
uma outra questatildeo Natildeo somente ele diz que os deuses nos quais os homens depositam sua feacute
satildeo uma invenccedilatildeo dos proacuteprios povos pois cada povo os imagina dotados de suas proacuteprias
feiccedilotildees como tambeacutem se aventura numa ideia muito nova de um deus uacutenico para todos e sem
as feiccedilotildees que os homens imaginam Mas estando assim as coisas como eacute possiacutevel escapar ao
engano dessas crenccedilas Esta eacute a questatildeo trazida implicitamente pelas pesquisas de Xenoacutefanes
e eacute nesse ponto que se insere a proposta de Parmecircnides
Parmecircnides nos conta em seu poema que o disciacutepulo iraacute aprender tudo mas nesse tudo
haacute uma divisatildeo por um lado haacute as crenccedilas dos mortais isto eacute as histoacuterias natildeo dignas de
confianccedila como aquelas contadas por Xenoacutefanes a respeito das feiccedilotildees dos deuses por outro
lado haacute os conhecimentos dignos de feacute porque a maneira como persuadem eacute de natureza
diferente pois satildeo portadores de uma persuasatildeo que anda acompanhando a verdade Em suma
traduzindo a sua linguagem arcaica para a nossa linguagem corrente Parmecircnides diz que haacute
dois tipos de conhecimentos um feito de meras opiniotildees e outro certificado como verdadeiro
Vejamos mais de perto essas questotildees
O programa de ensino de Parmecircnides
Em sua uacutenica obra Parmecircnides fala de um jovem disciacutepulo que recebe instruccedilatildeo de uma
deusa anocircnima9 No fragmento B 128-30 ela diz
eacute preciso que de tudo te instruas
9 Conveacutem lembrar que o poema de Parmecircnides foi parcialmente reconstruiacutedo com fragmentos obtidos a partir de
citaccedilotildees extraiacutedas dos doxoacutegrafos embora uma pequena parte dos fragmentos possua uma posiccedilatildeo jaacute esclarecida
dentro da obra a disposiccedilatildeo da maior parte eacute arbitraacuteria constituindo um autecircntico puzzle que deixa os criacuteticos em
seacuterias dificuldades muitas das quais insuperaacuteveis ateacute hoje
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do acircmago inabalaacutevel da verdade bem redonda
e de opiniotildees de mortais em que natildeo haacute feacute verdadeira 10
O jovem iraacute aprender tudo (paacutenta) tanto os conhecimentos soacutelidos de verdade bem
conexa quanto as opiniotildees do mortais nas quais natildeo haacute certeza confiaacutevel11 Um pouco adiante
no poema a deusa diraacute que aos mortais falta um certo recurso um mecanismo mental que
permite distinguir ser de natildeo ser e evitar que sejam tidos como o mesmo e natildeo o mesmo (DK
B 65) Este recurso eacute ensinado no fragmento DK B 2 e constitui o coraccedilatildeo da filosofia de
Parmecircnides consiste num meacutetodo ndash segundo o nome que ele mesmo coloca lsquocaminhosrsquo (de
hodoacutes em grego) e que desde entatildeo ficaraacute consagrado para indicar procedimentos especiacuteficos
ordenados para conseguir um fim ndash que permite diferenciar o conhecimento confiaacutevel daquele
natildeo confiaacutevel Sucessivamente esse mesmo meacutetodo mas em outra formulaccedilatildeo consagrada por
Aristoacuteteles receberaacute o nome de princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo12
Vamos antecipar que o meacutetodo de Parmecircnides eacute uma distinccedilatildeo simples mas irredutiacutevel
entre ser e natildeo ser Cabe enfatizar que tanto a noccedilatildeo de lsquoserrsquo quanto aquela de lsquonatildeo serrsquo satildeo
noccedilotildees novas introduzidas por Parmecircnides no pensamento ocidental ou seja satildeo invenccedilotildees
parmenidianas13 Apesar de sugestotildees de alguns estudiosos que apontam para a origem oriental
destas noccedilotildees eu penso que haacute uma explicaccedilatildeo mais razoaacutevel indicada indiretamente mais uma
10 Parm DK 28 B 1 28-30 χρεὼ δέ σε πάντα πυθέσθαι ἠμὲν Ἀληθείης εὐκυκλέος ἀτρεμὲς ἦτορ ἠδὲ βροτῶν
δόξας ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθής 11 O sentido destas palavras que poreacutem natildeo posso justificar aqui eacute que o jovem aprenderaacute dois tipos de
conhecimentos aquele expresso por discursos coerentes e aquele expresso pelo discurso contraditoacuterio do
pensamento comum (as opiniotildees dos mortais) Na verdade haacute controveacutersias a respeito desses versos (como de
resto a cada palavra do poema) Na versatildeo mais aceita contudo Parmecircnides configura dois tipos de saberes um
verdadeiro e outro opinativo Isto estaacute estabelecido de forma razoavelmente segura pela doxografia e pela criacutetica
atual embora natildeo com unanimidade 12 A versatildeo de Parmecircnides possui menos elementos daquela do Estagirita mas eacute mais profundamente ontoloacutegica 13 Existe uma discussatildeo a respeito da origem de noccedilotildees tatildeo fortes e tatildeo abruptamente novas na literatura grega Ao
menos desde Burkert (mas antes natildeo faltaram defensores dessa tese) haacute uma forte corrente de estudiosos que
buscam os elementos orientais na filosofia grega No caso especiacutefico de Parmecircnides ser e natildeo ser como noccedilotildees
primordiais se encontram nos Vedas mais antigos (como o Rig Veda) No entanto haacute um problema de datas e
tambeacutem um problema de difusatildeo Natildeo se tem certeza de que os Vedas sejam mais antigos do poema de Parmecircnides
e por outro lado natildeo aconteceram muitas chances de contato entre os povos grego e indiano Uma das mais
concretas pode ter acontecido na constituiccedilatildeo do Impeacuterio dos Persas que ia desde a Greacutecia ateacute a Iacutendia Os
embaixadores de todas as regiotildees do impeacuterio se reuniam em Perseacutepolis cidade fundada para este fim Eacute este o
lugar possiacutevel de contato entre as duas culturas Mas nesta eacutepoca Parmecircnides jaacute tinha florescido portanto pode
ser ateacute mesmo que as referecircncias ao ser e ao natildeo ser tenham ido da Greacutecia agrave Iacutendia Aleacutem das duas hipoacuteteses de
difusatildeo num sentido ou no outro haacute tambeacutem uma terceira de descobertas independentes nas duas aacutereas culturais
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vez por Aristoacuteteles Diz ele na Metafiacutesica que os antigos pitagoacutericos estudavam as oposiccedilotildees
de iniacutecio a principal o determinado e o indeterminado e depois algumas outras que eles
circunscreveram a uma taacutebua de dez oposiccedilotildees14 Parmecircnides teve um mestre pitagoacuterico
Amiacutenias que ele reverenciou ao ponto de dedicar-lhe uma herma (DL Vitae 9211) levando-
se isto em conta eacute bastante razoaacutevel pensar que Parmecircnides tambeacutem se dedicou agraves oposiccedilotildees
e numa generalizaccedilatildeo audaciosa (como era a ordem de generalizaccedilatildeo das dez oposiccedilotildees do
pitagorismo antigo) excogitou a oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser Seja como for natildeo haacute registro de
noccedilotildees similares a ser e natildeo ser antes de Parmecircnides e ele eacute o primeiro a introduzi-las
Uma outra distinccedilatildeo necessaacuteria antes de entrar no vivo do nosso tema eacute aquela referente
aos dois diversos usos que Parmecircnides faz das expressotildees lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo Assim como em
portuguecircs o grego permite a substantivaccedilatildeo do verbo Entatildeo o eleata utiliza as duas formas
tanto ser e natildeo ser como verbos quanto lsquoo serrsquo e lsquoo natildeo serrsquo como substantivos Como no
portuguecircs isto pode gerar ambiguidades (assim como tambeacutem as gera o texto parmenidiano)
eacute necessaacuterio tomar cuidado para natildeo confundir as duas formas sintaacuteticas
Uma outra advertecircncia ainda que o leitor jaacute deve ter notado eacute o uso que faccedilo ou deixo
de fazer no hiacutefen entre natildeo e ser na expressatildeo lsquonatildeo serrsquo Em portuguecircs a expressatildeo natildeo-ser
recebe um hiacutefen a indicar a ligaccedilatildeo estreita entre as duas partes natildeo e ser Inclusive o dicionaacuterio
registra a expressatildeo como devida a Parmecircnides e em consonacircncia com este entendimento toda
literatura em portuguecircs referente a Parmecircnides manteacutem o hiacutefen entre natildeo e ser De meu lado
em sede criacutetica e portanto em revistas cientiacuteficas ou textos criacuteticos acadecircmicos como o
presente eu proponho o natildeo uso do hiacutefen pela razatildeo que passo a explicar A razatildeo eacute a origem
gramatical da noccedilatildeo ou seja haacute um algo que recebe uma accedilatildeo de negaccedilatildeo explico melhor
quando se diz natildeo-ser se pensa em um objeto linguiacutestico jaacute acontecido e consolidado numa
relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel Mas se se diz natildeo ser esta relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel
14 Metaph 986ordf 15-26 Tambeacutem estes parecem considerar que o nuacutemero eacute princiacutepio natildeo soacute enquanto constitutivo
material dos seres mas tambeacutem como constitutivo das propriedades e dos estados dos mesmos Em seguida eles
afirmaram como elemento constitutivo do nuacutemero o par e o impar dos quais o primeiro eacute limitado e o segundo eacute
ilimitado O Um deriva desses dois elementos porque eacute par e impar ao mesmo tempo Do Um procede depois o
nuacutemero e os nuacutemeros como dissemos constituiriam a totalidade do universo Outros pitagoacutericos afirmavam que
os princiacutepios satildeo dez distintos em seacuterie ltde contraacuteriosgt limite-ilimite impar-par um-muacuteltiplo direito-esquerdo
(οὐ γὰρ ἀνυστόν) οὔτε φράσαιςrdquo A traduccedilatildeo de Cavalcante de Souza recebeu um pequeno ajuste meu pelo qual
substitui ldquode todo incriacutevelrdquo por ldquonatildeo de todo escrutaacutevelrdquo
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que a deusa se refere com estas palavras Antes de tudo a deusa se dirige a quem se preocupa
com pesquisa (dizeacutesis inqueacuterito pesquisa) trata-se entatildeo de palavras destinadas a quem natildeo
sabe e estaacute em busca de saber Nesta atividade de pesquisa o pensamento segue percursos em
nossa mente ou seja monta sequecircncias de proposiccedilotildees a estabelecer um entendimento aquilo
que hoje chamamos de argumento Em outras palavras a deusa afirma que haacute dois uacutenicos
percursos argumentativos para o pensar que pesquisa Um detalhe gramatical nos leva agrave
compreensatildeo dos proacuteximos passos o verbo noecircsai (de noeicircn pensar16) eacute ativo e se coordena
com os proacuteximos versos no verso 23 pensar [o primeiro] que no verso 25 pensar [o outro]
que esta configuraccedilatildeo ficaraacute mais clara a seguir
Os argumentos de pesquisa diz a deusa satildeo de dois tipos aqueles determinados pelos
dois caminhos que o pensar investigativo pode seguir um pensar que eacute outro pensar que natildeo
eacute Aqui o pensar natildeo eacute qualquer pensar mas eacute o ato especiacutefico do pensar cognitivo aquele
voltado agrave investigaccedilatildeo Entatildeo este tipo de pensar natildeo pode ser deixado fluir livremente mas
deve ser submetido a regras que ofereccedilam uma seguranccedila cognitiva e gerem argumentos fiaacuteveis
Por ser um meacutetodo para o pensar cognitivo necessariamente se refere agrave maneira de pensar e
natildeo ao pensado Isto eacute natildeo se trata de julgar o resultado do pensar que satildeo as vaacuterias teorias
mas manter a criacutetica sobre o argumento que leva agravequelas teorias Parmecircnides daraacute o exemplo
no fragmento 8 onde a descriccedilatildeo das caracteriacutesticas do lsquoserrsquo (tograve eoacuten) eacute acompanhada de
argumentos que seguem o meacutetodo exposto anteriormente Vamos entatildeo agrave exposiccedilatildeo do meacutetodo
do fragmento 2
Haacute somente estes caminhos um pensar que eacute e que natildeo pode natildeo ser outro pensar
que eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja Satildeo palavras enigmaacuteticas e haacute seacuteculos despertam imenso
interesse nos estudiosos Vejamos o primeiro (23-4) um [pensar] que eacute e que natildeo pode natildeo
ser eacute caminho de persuasatildeo que acompanha a verdade Haacute vaacuterias linhas interpretativas que
em geral se baseiam na interpretaccedilatildeo que se quer dar ao primeiro lsquoeacutersquo se existencial predicativo
veritativo ou outro Como pela minha leitura confortada da anaacutelise dos proacuteximos versos o lsquoeacutersquo
parmenidiano eacute existencial proponho aqui uma interpretaccedilatildeo provisoacuteria embora ainda natildeo
16 A traduccedilatildeo e o sentido da noccedilatildeo de pensar em Parmecircnides satildeo objeto de grandes controveacutersias haacute muito tempo
e um excelente resumo da problemaacutetica desta passagem pode ser encontrado em Cordero (2005 p 56-59) De
minha parte aceito que seja um verbo ativo e que se refira agrave atividade propriamente psicoloacutegica ou seja aos
mecanismos do pensar e natildeo ao pensamento enquanto atividade completa (pensador-pensar-pensado) ou ao
resultado da atividade do pensar (como na expressatildeo lsquoo pensamento filosoacutefico ocidentalrsquo)
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justificada lsquoeacutersquo para Parmecircnides eacute lsquoo que eacutersquo o que tem existecircncia o que estaacute presente17 Ora lsquoo
que eacutersquo natildeo pode natildeo ser isto eacute natildeo pode ser anulado nulificado negado (entenda-se aqui
negado no sentido ontoloacutegico e natildeo no sentido predicativo) Para Parmecircnides pensar que lsquoo
que eacutersquo natildeo pode ser nulificado significa seguir o percurso argumentativo que garante a
persuasatildeo verdadeira aquela investida de verdade
Vejamos o segundo caminho (25-8) outro [pensar] que natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo
seja este eacute caminho natildeo de todo escrutaacutevel pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute
exequiacutevel) nem o dirias Chegamos aqui no acircmago de nosso tema vamos examinar entatildeo
detidamente O segundo caminho consiste em pensar lsquoo que natildeo eacutersquo Deste caminho eacute necessaacuterio
pensar que natildeo seja porque lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) natildeo pode ser conhecido (natildeo eacute exequiacutevel)
e nem pode ser dito A primeira coisa a notar eacute o fato de que enquanto o primeiro caminho eacute
somente descrito neste segundo a descriccedilatildeo recebe o suporte de um argumento introduzido por
gar que eacute uma conjunccedilatildeo causal e significa ldquopoisrdquo ldquoporquerdquo pois (gar) nem conhecerias o que
natildeo eacute e nem o dirias Como ele sabe que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito
Vamos responder a esta pergunta
A meditaccedilatildeo da negaccedilatildeo do ser
Como eacute possiacutevel ver todo o fragmento 2 eacute dedicado ao pensar a um certo tipo de pensar
ao como eacute possiacutevel pensar segundo a persuasatildeo verdadeira e ao como eacute impossiacutevel pensar o
lsquonatildeo serrsquo Este fragmento eacute inteiramente dedicado ao pensamento Se Parmecircnides diz que soacute haacute
estes dois caminhos para o pensar investigativo isto indica que ele pesquisou os mais variados
caminhos do pensar e soacute dois resultaram adequados para seu propoacutesito Se ele diz que pensar o
lsquoeacutersquo se encontra em conjunccedilatildeo indissoluacutevel (tegrave kaiacute duas conjunccedilotildees uma reforccedilando a outra)
com pensar ldquoque natildeo pode natildeo serrdquo e que pensar ldquonatildeo eacuterdquo eacute um atalho que natildeo pode ser
escrutado pois natildeo eacute possiacutevel conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo significa que ele se dedicou intensamente
agrave observaccedilatildeo do comportamento da mente humana especificamente na atividade cognitiva18
17 A justificaccedilatildeo completa eacute complexa e natildeo pode ser apresentada aqui Aqui mais adiante seratildeo oferecidos alguns
argumentos sumaacuterios 18 Para notiacutecias sobre um Parmecircnides estudioso da mente e portanto um Parmecircnides psicoacutelogo dada a ausecircncia
de outros estudos mais completos me seja permitido enviar o leitor a Galgano (2017)
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Estamos diante de um conjunto de observaccedilotildees do comportamento da mente que Parmecircnides
deve ter extraiacutedo tambeacutem de sua proacutepria atividade de reflexatildeo
A descriccedilatildeo dos caminhos estaacute apoiada num argumento entatildeo eacute a ele que temos que
dirigir as nossas atenccedilotildees para entender o inteiro fragmento O argumento eacute pois (gar) nem
conhecerias o que natildeo eacute (tograve megrave eoacuten) e nem o dirias Parmecircnides de alguma forma chegou agrave
conclusatildeo de que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido Eu penso que para chegar a esta
conclusatildeo ele tentou conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo Para tanto antes de tudo deve ter tentado pensar
lsquoo que natildeo eacutersquo
Antes de tentar reproduzir a tentativa de Parmecircnides vamos esclarecer o sentido da
expressatildeo lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) Esta expressatildeo eacute composta pelo artigo definido neutro
singular toacute (em portuguecircs lsquoorsquo) pelο adveacuterbio de negaccedilatildeo me (em portuguecircs lsquonatildeorsquo) e pelo
substantivo eoacuten obtido da substantivaccedilatildeo do particiacutepio de verbo eimiacute que significa ldquoserrdquo (em
portuguecircs lsquoque estaacute sendorsquo ou lsquoque eacutersquo) Unindo as trecircs partes temos lsquoo que natildeo eacutersquo Eacute preciso
atentar para o fato de que eoacuten em Parmecircnides embora singular natildeo se refere a um uacutenico ente
mas ao ente em geral Podemos ver isto tanto pela intenccedilatildeo inicial de falar de tudo (paacutenta 128)
quanto e principalmente pelo tratamento dado ao eoacuten no fragmento 8 onde ele representa o
todo da realidade
Embora o significado do eoacuten em Parmecircnides natildeo tenha sido inteiramente esclarecido19
e embora natildeo haja unanimidade entre os estudiosos em relaccedilatildeo ao alcance de sua noccedilatildeo eacute
bastante razoaacutevel que esta uacuteltima natildeo fique restrita a um uacutenico ente mas seja generalizada em
suma para Parmecircnides eoacuten eacute um termo geral e significa lsquotudo que eacutersquo incluindo tanto o ente
individual quanto todos os entes (paacutenta) Entatildeo na versatildeo negativa tograve megrave eoacuten podemos aceitar
a noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo desde que se entenda em sentido absoluto lsquoo tudo que natildeo eacutersquo (ou lsquoo
todo que natildeo eacutersquo) Que Parmecircnides se refira ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo serrsquo tomados em sentido absoluto
estaacute claro pela estrutura ontoloacutegica de sua filosofia ademais uma confirmaccedilatildeo histoacuterica vem
do proacuteprio Platatildeo o qual diante das dificuldades filosoacuteficas postas pela noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo
absoluto de Parmecircnides acaba introduzindo no seu diaacutelogo lsquoO sofistarsquo a noccedilatildeo de natildeo-ser
enquanto outro ou seja do natildeo-ser relativo Apoacutes essas palavras preliminares podemos analisar
a reflexatildeo parmenidiana
19 Jaacute Platatildeo declarava natildeo ter certeza de ter entendido Parmecircnides (Theet 184a)
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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a
noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo
o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a
mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele
livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa
portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa
no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele
mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe
Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo
que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo
aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela
aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia
do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo
Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo
lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo
deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo
acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo
mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo
a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia
imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem
evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente
tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado
2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto
sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo
pode ser conhecida
Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No
primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que
natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas
condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a
proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos
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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel
Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do
pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo
meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar
aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se
reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado
negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo
eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a
negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo
ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo
cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo
O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar
comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais
minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise
gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel
porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do
pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico
por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples
os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo
eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute
cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade
estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por
ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20
A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo
Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o
fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz
20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria
expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)
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claramente
pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)
nem o dirias
A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo
de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de
lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na
discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e
principalmente da linguagem epistecircmica
Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e
tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode
ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar
mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo
serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz
Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22
E ainda em 88-9 ele diz
pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel
eacute que natildeo eacute23
E ainda em 817-19
estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio
uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira
via natildeo eacute24
Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre
apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel
como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam
exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente
consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em
sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo
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megrave eoacuten para que natildeo se use tograve megrave eoacuten no discurso epistecircmico Parmecircnides expotildee explicitamente
portanto conscientemente uma regra de metalinguagem com fundamento ontoloacutegico
Conclusotildees
Em nosso percurso ateacute aqui analisamos principalmente a noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo de
Parmecircnides relacionada ao nosso tema do indiziacutevel Para tal fim comeccedilamos dizendo que a
criacutetica tradicional desde Hegel privilegiou o estudo do lsquoserrsquo parmenidiano deixando de lado
o lsquonatildeo serrsquo Vimos poreacutem que a partir principalmente da segunda metade do seacuteculo XX os
estudos do lsquonatildeo serrsquo comeccedilaram a surgir e a evidenciar aspectos do eleata que tinham ficado de
lado pela influecircncia platocircnica que no Sofista ao considerar sem sentido a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo
a descarta totalmente de sua visatildeo de mundo
Ao voltarmos a nossa atenccedilatildeo ao poema a partir da nova visatildeo criacutetica que quer ir aleacutem
das sugestotildees platocircnicas e do historicismo idealista de marca hegeliana abordamos a proposta
explicitada por Parmecircnides no fragmento 1 Seu programa de ensino se propotildee a ensinar todas
as coisas (paacutenta) expressatildeo que se deve natildeo a uma megalomania do autor mas ao assunto
predileto dos preacute-socraacuteticos que consistia em encontrar os princiacutepios de todas as coisas Assim
esse paacutenta significa todas as coisas no sentido de todo A respeito desse todo o disciacutepulo
aprenderaacute tanto o saber que procede da verdade bem conexa quanto as opiniotildees dos mortais
nos quais natildeo haacute feacute verdadeira
Noacutes nos dedicamos entatildeo ao meacutetodo que ele expotildee para identificar a persuasatildeo que
acompanha a verdade e podecirc-la distinguir da crenccedila sem fundamento Vimos que esse meacutetodo
eacute composto por duas vias a primeira somente descrita e a segunda descrita e justificada por
argumentos Dedicamos nossa atenccedilatildeo aos argumentos da segunda via e vimos que o principal
se refere a lsquoo que natildeo eacutersquo e dele se diz que natildeo pode ser conhecido e nem dito Ao procurarmos
entender o que poderia significar lsquoo que natildeo eacutersquo antes de tudo estabelecemos que eacute uma
expressatildeo no singular mas que deve ser generalizada a todo ente e sucessivamente dissemos
que esta negaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo absoluta
Prosseguimos nossa anaacutelise tentando reproduzir a meditaccedilatildeo que levasse agraves conclusotildees
reportadas no fragmento 2 e encontramos que ontologicamente eacute impossiacutevel pensar o lsquonatildeo serrsquo
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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas
neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito
cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo
por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para
Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico
portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido
Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar
algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa
ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos
que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute
expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma
autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento
ocidental
Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco
exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no
Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro
exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria
platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica
com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto
significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e
que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram
Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a
apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo
de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica
para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias
inovaccedilotildees que estava trazendo
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GALGANO NS O preceito da deusa o natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleia Tese de doutorado
USP 2015
GALGANO NS Parmecircnides psychologist part 1 and 2 In Archai 19 (part 1) e 20 (part 2) 2017
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1982 pp 19ndash61
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Jocircnia e todos eles recusando as explicaccedilotildees religiosas e buscando criticamente as explicaccedilotildees
naturais Xenoacutefanes tambeacutem era jocircnico e embora poeta era considerado tambeacutem um saacutebio
mas um saacutebio do novo tipo de sabedoria aquela naturalista pois ele por exemplo encontrando
conchinhas marinhas numa montanha mais do que gritar ao milagre concluiu que aquela regiatildeo
em outras eras devia ter sido submersa no mar
Quando Xenoacutefanes critica o antropomorfismo dos povos acaba pondo implicitamente
uma outra questatildeo Natildeo somente ele diz que os deuses nos quais os homens depositam sua feacute
satildeo uma invenccedilatildeo dos proacuteprios povos pois cada povo os imagina dotados de suas proacuteprias
feiccedilotildees como tambeacutem se aventura numa ideia muito nova de um deus uacutenico para todos e sem
as feiccedilotildees que os homens imaginam Mas estando assim as coisas como eacute possiacutevel escapar ao
engano dessas crenccedilas Esta eacute a questatildeo trazida implicitamente pelas pesquisas de Xenoacutefanes
e eacute nesse ponto que se insere a proposta de Parmecircnides
Parmecircnides nos conta em seu poema que o disciacutepulo iraacute aprender tudo mas nesse tudo
haacute uma divisatildeo por um lado haacute as crenccedilas dos mortais isto eacute as histoacuterias natildeo dignas de
confianccedila como aquelas contadas por Xenoacutefanes a respeito das feiccedilotildees dos deuses por outro
lado haacute os conhecimentos dignos de feacute porque a maneira como persuadem eacute de natureza
diferente pois satildeo portadores de uma persuasatildeo que anda acompanhando a verdade Em suma
traduzindo a sua linguagem arcaica para a nossa linguagem corrente Parmecircnides diz que haacute
dois tipos de conhecimentos um feito de meras opiniotildees e outro certificado como verdadeiro
Vejamos mais de perto essas questotildees
O programa de ensino de Parmecircnides
Em sua uacutenica obra Parmecircnides fala de um jovem disciacutepulo que recebe instruccedilatildeo de uma
deusa anocircnima9 No fragmento B 128-30 ela diz
eacute preciso que de tudo te instruas
9 Conveacutem lembrar que o poema de Parmecircnides foi parcialmente reconstruiacutedo com fragmentos obtidos a partir de
citaccedilotildees extraiacutedas dos doxoacutegrafos embora uma pequena parte dos fragmentos possua uma posiccedilatildeo jaacute esclarecida
dentro da obra a disposiccedilatildeo da maior parte eacute arbitraacuteria constituindo um autecircntico puzzle que deixa os criacuteticos em
seacuterias dificuldades muitas das quais insuperaacuteveis ateacute hoje
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do acircmago inabalaacutevel da verdade bem redonda
e de opiniotildees de mortais em que natildeo haacute feacute verdadeira 10
O jovem iraacute aprender tudo (paacutenta) tanto os conhecimentos soacutelidos de verdade bem
conexa quanto as opiniotildees do mortais nas quais natildeo haacute certeza confiaacutevel11 Um pouco adiante
no poema a deusa diraacute que aos mortais falta um certo recurso um mecanismo mental que
permite distinguir ser de natildeo ser e evitar que sejam tidos como o mesmo e natildeo o mesmo (DK
B 65) Este recurso eacute ensinado no fragmento DK B 2 e constitui o coraccedilatildeo da filosofia de
Parmecircnides consiste num meacutetodo ndash segundo o nome que ele mesmo coloca lsquocaminhosrsquo (de
hodoacutes em grego) e que desde entatildeo ficaraacute consagrado para indicar procedimentos especiacuteficos
ordenados para conseguir um fim ndash que permite diferenciar o conhecimento confiaacutevel daquele
natildeo confiaacutevel Sucessivamente esse mesmo meacutetodo mas em outra formulaccedilatildeo consagrada por
Aristoacuteteles receberaacute o nome de princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo12
Vamos antecipar que o meacutetodo de Parmecircnides eacute uma distinccedilatildeo simples mas irredutiacutevel
entre ser e natildeo ser Cabe enfatizar que tanto a noccedilatildeo de lsquoserrsquo quanto aquela de lsquonatildeo serrsquo satildeo
noccedilotildees novas introduzidas por Parmecircnides no pensamento ocidental ou seja satildeo invenccedilotildees
parmenidianas13 Apesar de sugestotildees de alguns estudiosos que apontam para a origem oriental
destas noccedilotildees eu penso que haacute uma explicaccedilatildeo mais razoaacutevel indicada indiretamente mais uma
10 Parm DK 28 B 1 28-30 χρεὼ δέ σε πάντα πυθέσθαι ἠμὲν Ἀληθείης εὐκυκλέος ἀτρεμὲς ἦτορ ἠδὲ βροτῶν
δόξας ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθής 11 O sentido destas palavras que poreacutem natildeo posso justificar aqui eacute que o jovem aprenderaacute dois tipos de
conhecimentos aquele expresso por discursos coerentes e aquele expresso pelo discurso contraditoacuterio do
pensamento comum (as opiniotildees dos mortais) Na verdade haacute controveacutersias a respeito desses versos (como de
resto a cada palavra do poema) Na versatildeo mais aceita contudo Parmecircnides configura dois tipos de saberes um
verdadeiro e outro opinativo Isto estaacute estabelecido de forma razoavelmente segura pela doxografia e pela criacutetica
atual embora natildeo com unanimidade 12 A versatildeo de Parmecircnides possui menos elementos daquela do Estagirita mas eacute mais profundamente ontoloacutegica 13 Existe uma discussatildeo a respeito da origem de noccedilotildees tatildeo fortes e tatildeo abruptamente novas na literatura grega Ao
menos desde Burkert (mas antes natildeo faltaram defensores dessa tese) haacute uma forte corrente de estudiosos que
buscam os elementos orientais na filosofia grega No caso especiacutefico de Parmecircnides ser e natildeo ser como noccedilotildees
primordiais se encontram nos Vedas mais antigos (como o Rig Veda) No entanto haacute um problema de datas e
tambeacutem um problema de difusatildeo Natildeo se tem certeza de que os Vedas sejam mais antigos do poema de Parmecircnides
e por outro lado natildeo aconteceram muitas chances de contato entre os povos grego e indiano Uma das mais
concretas pode ter acontecido na constituiccedilatildeo do Impeacuterio dos Persas que ia desde a Greacutecia ateacute a Iacutendia Os
embaixadores de todas as regiotildees do impeacuterio se reuniam em Perseacutepolis cidade fundada para este fim Eacute este o
lugar possiacutevel de contato entre as duas culturas Mas nesta eacutepoca Parmecircnides jaacute tinha florescido portanto pode
ser ateacute mesmo que as referecircncias ao ser e ao natildeo ser tenham ido da Greacutecia agrave Iacutendia Aleacutem das duas hipoacuteteses de
difusatildeo num sentido ou no outro haacute tambeacutem uma terceira de descobertas independentes nas duas aacutereas culturais
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vez por Aristoacuteteles Diz ele na Metafiacutesica que os antigos pitagoacutericos estudavam as oposiccedilotildees
de iniacutecio a principal o determinado e o indeterminado e depois algumas outras que eles
circunscreveram a uma taacutebua de dez oposiccedilotildees14 Parmecircnides teve um mestre pitagoacuterico
Amiacutenias que ele reverenciou ao ponto de dedicar-lhe uma herma (DL Vitae 9211) levando-
se isto em conta eacute bastante razoaacutevel pensar que Parmecircnides tambeacutem se dedicou agraves oposiccedilotildees
e numa generalizaccedilatildeo audaciosa (como era a ordem de generalizaccedilatildeo das dez oposiccedilotildees do
pitagorismo antigo) excogitou a oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser Seja como for natildeo haacute registro de
noccedilotildees similares a ser e natildeo ser antes de Parmecircnides e ele eacute o primeiro a introduzi-las
Uma outra distinccedilatildeo necessaacuteria antes de entrar no vivo do nosso tema eacute aquela referente
aos dois diversos usos que Parmecircnides faz das expressotildees lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo Assim como em
portuguecircs o grego permite a substantivaccedilatildeo do verbo Entatildeo o eleata utiliza as duas formas
tanto ser e natildeo ser como verbos quanto lsquoo serrsquo e lsquoo natildeo serrsquo como substantivos Como no
portuguecircs isto pode gerar ambiguidades (assim como tambeacutem as gera o texto parmenidiano)
eacute necessaacuterio tomar cuidado para natildeo confundir as duas formas sintaacuteticas
Uma outra advertecircncia ainda que o leitor jaacute deve ter notado eacute o uso que faccedilo ou deixo
de fazer no hiacutefen entre natildeo e ser na expressatildeo lsquonatildeo serrsquo Em portuguecircs a expressatildeo natildeo-ser
recebe um hiacutefen a indicar a ligaccedilatildeo estreita entre as duas partes natildeo e ser Inclusive o dicionaacuterio
registra a expressatildeo como devida a Parmecircnides e em consonacircncia com este entendimento toda
literatura em portuguecircs referente a Parmecircnides manteacutem o hiacutefen entre natildeo e ser De meu lado
em sede criacutetica e portanto em revistas cientiacuteficas ou textos criacuteticos acadecircmicos como o
presente eu proponho o natildeo uso do hiacutefen pela razatildeo que passo a explicar A razatildeo eacute a origem
gramatical da noccedilatildeo ou seja haacute um algo que recebe uma accedilatildeo de negaccedilatildeo explico melhor
quando se diz natildeo-ser se pensa em um objeto linguiacutestico jaacute acontecido e consolidado numa
relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel Mas se se diz natildeo ser esta relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel
14 Metaph 986ordf 15-26 Tambeacutem estes parecem considerar que o nuacutemero eacute princiacutepio natildeo soacute enquanto constitutivo
material dos seres mas tambeacutem como constitutivo das propriedades e dos estados dos mesmos Em seguida eles
afirmaram como elemento constitutivo do nuacutemero o par e o impar dos quais o primeiro eacute limitado e o segundo eacute
ilimitado O Um deriva desses dois elementos porque eacute par e impar ao mesmo tempo Do Um procede depois o
nuacutemero e os nuacutemeros como dissemos constituiriam a totalidade do universo Outros pitagoacutericos afirmavam que
os princiacutepios satildeo dez distintos em seacuterie ltde contraacuteriosgt limite-ilimite impar-par um-muacuteltiplo direito-esquerdo
(οὐ γὰρ ἀνυστόν) οὔτε φράσαιςrdquo A traduccedilatildeo de Cavalcante de Souza recebeu um pequeno ajuste meu pelo qual
substitui ldquode todo incriacutevelrdquo por ldquonatildeo de todo escrutaacutevelrdquo
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que a deusa se refere com estas palavras Antes de tudo a deusa se dirige a quem se preocupa
com pesquisa (dizeacutesis inqueacuterito pesquisa) trata-se entatildeo de palavras destinadas a quem natildeo
sabe e estaacute em busca de saber Nesta atividade de pesquisa o pensamento segue percursos em
nossa mente ou seja monta sequecircncias de proposiccedilotildees a estabelecer um entendimento aquilo
que hoje chamamos de argumento Em outras palavras a deusa afirma que haacute dois uacutenicos
percursos argumentativos para o pensar que pesquisa Um detalhe gramatical nos leva agrave
compreensatildeo dos proacuteximos passos o verbo noecircsai (de noeicircn pensar16) eacute ativo e se coordena
com os proacuteximos versos no verso 23 pensar [o primeiro] que no verso 25 pensar [o outro]
que esta configuraccedilatildeo ficaraacute mais clara a seguir
Os argumentos de pesquisa diz a deusa satildeo de dois tipos aqueles determinados pelos
dois caminhos que o pensar investigativo pode seguir um pensar que eacute outro pensar que natildeo
eacute Aqui o pensar natildeo eacute qualquer pensar mas eacute o ato especiacutefico do pensar cognitivo aquele
voltado agrave investigaccedilatildeo Entatildeo este tipo de pensar natildeo pode ser deixado fluir livremente mas
deve ser submetido a regras que ofereccedilam uma seguranccedila cognitiva e gerem argumentos fiaacuteveis
Por ser um meacutetodo para o pensar cognitivo necessariamente se refere agrave maneira de pensar e
natildeo ao pensado Isto eacute natildeo se trata de julgar o resultado do pensar que satildeo as vaacuterias teorias
mas manter a criacutetica sobre o argumento que leva agravequelas teorias Parmecircnides daraacute o exemplo
no fragmento 8 onde a descriccedilatildeo das caracteriacutesticas do lsquoserrsquo (tograve eoacuten) eacute acompanhada de
argumentos que seguem o meacutetodo exposto anteriormente Vamos entatildeo agrave exposiccedilatildeo do meacutetodo
do fragmento 2
Haacute somente estes caminhos um pensar que eacute e que natildeo pode natildeo ser outro pensar
que eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja Satildeo palavras enigmaacuteticas e haacute seacuteculos despertam imenso
interesse nos estudiosos Vejamos o primeiro (23-4) um [pensar] que eacute e que natildeo pode natildeo
ser eacute caminho de persuasatildeo que acompanha a verdade Haacute vaacuterias linhas interpretativas que
em geral se baseiam na interpretaccedilatildeo que se quer dar ao primeiro lsquoeacutersquo se existencial predicativo
veritativo ou outro Como pela minha leitura confortada da anaacutelise dos proacuteximos versos o lsquoeacutersquo
parmenidiano eacute existencial proponho aqui uma interpretaccedilatildeo provisoacuteria embora ainda natildeo
16 A traduccedilatildeo e o sentido da noccedilatildeo de pensar em Parmecircnides satildeo objeto de grandes controveacutersias haacute muito tempo
e um excelente resumo da problemaacutetica desta passagem pode ser encontrado em Cordero (2005 p 56-59) De
minha parte aceito que seja um verbo ativo e que se refira agrave atividade propriamente psicoloacutegica ou seja aos
mecanismos do pensar e natildeo ao pensamento enquanto atividade completa (pensador-pensar-pensado) ou ao
resultado da atividade do pensar (como na expressatildeo lsquoo pensamento filosoacutefico ocidentalrsquo)
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justificada lsquoeacutersquo para Parmecircnides eacute lsquoo que eacutersquo o que tem existecircncia o que estaacute presente17 Ora lsquoo
que eacutersquo natildeo pode natildeo ser isto eacute natildeo pode ser anulado nulificado negado (entenda-se aqui
negado no sentido ontoloacutegico e natildeo no sentido predicativo) Para Parmecircnides pensar que lsquoo
que eacutersquo natildeo pode ser nulificado significa seguir o percurso argumentativo que garante a
persuasatildeo verdadeira aquela investida de verdade
Vejamos o segundo caminho (25-8) outro [pensar] que natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo
seja este eacute caminho natildeo de todo escrutaacutevel pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute
exequiacutevel) nem o dirias Chegamos aqui no acircmago de nosso tema vamos examinar entatildeo
detidamente O segundo caminho consiste em pensar lsquoo que natildeo eacutersquo Deste caminho eacute necessaacuterio
pensar que natildeo seja porque lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) natildeo pode ser conhecido (natildeo eacute exequiacutevel)
e nem pode ser dito A primeira coisa a notar eacute o fato de que enquanto o primeiro caminho eacute
somente descrito neste segundo a descriccedilatildeo recebe o suporte de um argumento introduzido por
gar que eacute uma conjunccedilatildeo causal e significa ldquopoisrdquo ldquoporquerdquo pois (gar) nem conhecerias o que
natildeo eacute e nem o dirias Como ele sabe que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito
Vamos responder a esta pergunta
A meditaccedilatildeo da negaccedilatildeo do ser
Como eacute possiacutevel ver todo o fragmento 2 eacute dedicado ao pensar a um certo tipo de pensar
ao como eacute possiacutevel pensar segundo a persuasatildeo verdadeira e ao como eacute impossiacutevel pensar o
lsquonatildeo serrsquo Este fragmento eacute inteiramente dedicado ao pensamento Se Parmecircnides diz que soacute haacute
estes dois caminhos para o pensar investigativo isto indica que ele pesquisou os mais variados
caminhos do pensar e soacute dois resultaram adequados para seu propoacutesito Se ele diz que pensar o
lsquoeacutersquo se encontra em conjunccedilatildeo indissoluacutevel (tegrave kaiacute duas conjunccedilotildees uma reforccedilando a outra)
com pensar ldquoque natildeo pode natildeo serrdquo e que pensar ldquonatildeo eacuterdquo eacute um atalho que natildeo pode ser
escrutado pois natildeo eacute possiacutevel conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo significa que ele se dedicou intensamente
agrave observaccedilatildeo do comportamento da mente humana especificamente na atividade cognitiva18
17 A justificaccedilatildeo completa eacute complexa e natildeo pode ser apresentada aqui Aqui mais adiante seratildeo oferecidos alguns
argumentos sumaacuterios 18 Para notiacutecias sobre um Parmecircnides estudioso da mente e portanto um Parmecircnides psicoacutelogo dada a ausecircncia
de outros estudos mais completos me seja permitido enviar o leitor a Galgano (2017)
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Estamos diante de um conjunto de observaccedilotildees do comportamento da mente que Parmecircnides
deve ter extraiacutedo tambeacutem de sua proacutepria atividade de reflexatildeo
A descriccedilatildeo dos caminhos estaacute apoiada num argumento entatildeo eacute a ele que temos que
dirigir as nossas atenccedilotildees para entender o inteiro fragmento O argumento eacute pois (gar) nem
conhecerias o que natildeo eacute (tograve megrave eoacuten) e nem o dirias Parmecircnides de alguma forma chegou agrave
conclusatildeo de que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido Eu penso que para chegar a esta
conclusatildeo ele tentou conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo Para tanto antes de tudo deve ter tentado pensar
lsquoo que natildeo eacutersquo
Antes de tentar reproduzir a tentativa de Parmecircnides vamos esclarecer o sentido da
expressatildeo lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) Esta expressatildeo eacute composta pelo artigo definido neutro
singular toacute (em portuguecircs lsquoorsquo) pelο adveacuterbio de negaccedilatildeo me (em portuguecircs lsquonatildeorsquo) e pelo
substantivo eoacuten obtido da substantivaccedilatildeo do particiacutepio de verbo eimiacute que significa ldquoserrdquo (em
portuguecircs lsquoque estaacute sendorsquo ou lsquoque eacutersquo) Unindo as trecircs partes temos lsquoo que natildeo eacutersquo Eacute preciso
atentar para o fato de que eoacuten em Parmecircnides embora singular natildeo se refere a um uacutenico ente
mas ao ente em geral Podemos ver isto tanto pela intenccedilatildeo inicial de falar de tudo (paacutenta 128)
quanto e principalmente pelo tratamento dado ao eoacuten no fragmento 8 onde ele representa o
todo da realidade
Embora o significado do eoacuten em Parmecircnides natildeo tenha sido inteiramente esclarecido19
e embora natildeo haja unanimidade entre os estudiosos em relaccedilatildeo ao alcance de sua noccedilatildeo eacute
bastante razoaacutevel que esta uacuteltima natildeo fique restrita a um uacutenico ente mas seja generalizada em
suma para Parmecircnides eoacuten eacute um termo geral e significa lsquotudo que eacutersquo incluindo tanto o ente
individual quanto todos os entes (paacutenta) Entatildeo na versatildeo negativa tograve megrave eoacuten podemos aceitar
a noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo desde que se entenda em sentido absoluto lsquoo tudo que natildeo eacutersquo (ou lsquoo
todo que natildeo eacutersquo) Que Parmecircnides se refira ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo serrsquo tomados em sentido absoluto
estaacute claro pela estrutura ontoloacutegica de sua filosofia ademais uma confirmaccedilatildeo histoacuterica vem
do proacuteprio Platatildeo o qual diante das dificuldades filosoacuteficas postas pela noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo
absoluto de Parmecircnides acaba introduzindo no seu diaacutelogo lsquoO sofistarsquo a noccedilatildeo de natildeo-ser
enquanto outro ou seja do natildeo-ser relativo Apoacutes essas palavras preliminares podemos analisar
a reflexatildeo parmenidiana
19 Jaacute Platatildeo declarava natildeo ter certeza de ter entendido Parmecircnides (Theet 184a)
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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a
noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo
o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a
mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele
livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa
portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa
no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele
mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe
Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo
que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo
aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela
aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia
do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo
Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo
lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo
deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo
acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo
mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo
a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia
imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem
evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente
tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado
2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto
sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo
pode ser conhecida
Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No
primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que
natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas
condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a
proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos
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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel
Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do
pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo
meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar
aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se
reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado
negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo
eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a
negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo
ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo
cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo
O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar
comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais
minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise
gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel
porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do
pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico
por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples
os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo
eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute
cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade
estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por
ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20
A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo
Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o
fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz
20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria
expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)
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claramente
pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)
nem o dirias
A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo
de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de
lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na
discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e
principalmente da linguagem epistecircmica
Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e
tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode
ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar
mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo
serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz
Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22
E ainda em 88-9 ele diz
pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel
eacute que natildeo eacute23
E ainda em 817-19
estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio
uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira
via natildeo eacute24
Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre
apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel
como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam
exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente
consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em
sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo
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megrave eoacuten para que natildeo se use tograve megrave eoacuten no discurso epistecircmico Parmecircnides expotildee explicitamente
portanto conscientemente uma regra de metalinguagem com fundamento ontoloacutegico
Conclusotildees
Em nosso percurso ateacute aqui analisamos principalmente a noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo de
Parmecircnides relacionada ao nosso tema do indiziacutevel Para tal fim comeccedilamos dizendo que a
criacutetica tradicional desde Hegel privilegiou o estudo do lsquoserrsquo parmenidiano deixando de lado
o lsquonatildeo serrsquo Vimos poreacutem que a partir principalmente da segunda metade do seacuteculo XX os
estudos do lsquonatildeo serrsquo comeccedilaram a surgir e a evidenciar aspectos do eleata que tinham ficado de
lado pela influecircncia platocircnica que no Sofista ao considerar sem sentido a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo
a descarta totalmente de sua visatildeo de mundo
Ao voltarmos a nossa atenccedilatildeo ao poema a partir da nova visatildeo criacutetica que quer ir aleacutem
das sugestotildees platocircnicas e do historicismo idealista de marca hegeliana abordamos a proposta
explicitada por Parmecircnides no fragmento 1 Seu programa de ensino se propotildee a ensinar todas
as coisas (paacutenta) expressatildeo que se deve natildeo a uma megalomania do autor mas ao assunto
predileto dos preacute-socraacuteticos que consistia em encontrar os princiacutepios de todas as coisas Assim
esse paacutenta significa todas as coisas no sentido de todo A respeito desse todo o disciacutepulo
aprenderaacute tanto o saber que procede da verdade bem conexa quanto as opiniotildees dos mortais
nos quais natildeo haacute feacute verdadeira
Noacutes nos dedicamos entatildeo ao meacutetodo que ele expotildee para identificar a persuasatildeo que
acompanha a verdade e podecirc-la distinguir da crenccedila sem fundamento Vimos que esse meacutetodo
eacute composto por duas vias a primeira somente descrita e a segunda descrita e justificada por
argumentos Dedicamos nossa atenccedilatildeo aos argumentos da segunda via e vimos que o principal
se refere a lsquoo que natildeo eacutersquo e dele se diz que natildeo pode ser conhecido e nem dito Ao procurarmos
entender o que poderia significar lsquoo que natildeo eacutersquo antes de tudo estabelecemos que eacute uma
expressatildeo no singular mas que deve ser generalizada a todo ente e sucessivamente dissemos
que esta negaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo absoluta
Prosseguimos nossa anaacutelise tentando reproduzir a meditaccedilatildeo que levasse agraves conclusotildees
reportadas no fragmento 2 e encontramos que ontologicamente eacute impossiacutevel pensar o lsquonatildeo serrsquo
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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas
neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito
cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo
por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para
Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico
portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido
Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar
algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa
ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos
que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute
expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma
autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento
ocidental
Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco
exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no
Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro
exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria
platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica
com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto
significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e
que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram
Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a
apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo
de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica
para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias
inovaccedilotildees que estava trazendo
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do acircmago inabalaacutevel da verdade bem redonda
e de opiniotildees de mortais em que natildeo haacute feacute verdadeira 10
O jovem iraacute aprender tudo (paacutenta) tanto os conhecimentos soacutelidos de verdade bem
conexa quanto as opiniotildees do mortais nas quais natildeo haacute certeza confiaacutevel11 Um pouco adiante
no poema a deusa diraacute que aos mortais falta um certo recurso um mecanismo mental que
permite distinguir ser de natildeo ser e evitar que sejam tidos como o mesmo e natildeo o mesmo (DK
B 65) Este recurso eacute ensinado no fragmento DK B 2 e constitui o coraccedilatildeo da filosofia de
Parmecircnides consiste num meacutetodo ndash segundo o nome que ele mesmo coloca lsquocaminhosrsquo (de
hodoacutes em grego) e que desde entatildeo ficaraacute consagrado para indicar procedimentos especiacuteficos
ordenados para conseguir um fim ndash que permite diferenciar o conhecimento confiaacutevel daquele
natildeo confiaacutevel Sucessivamente esse mesmo meacutetodo mas em outra formulaccedilatildeo consagrada por
Aristoacuteteles receberaacute o nome de princiacutepio de natildeo-contradiccedilatildeo12
Vamos antecipar que o meacutetodo de Parmecircnides eacute uma distinccedilatildeo simples mas irredutiacutevel
entre ser e natildeo ser Cabe enfatizar que tanto a noccedilatildeo de lsquoserrsquo quanto aquela de lsquonatildeo serrsquo satildeo
noccedilotildees novas introduzidas por Parmecircnides no pensamento ocidental ou seja satildeo invenccedilotildees
parmenidianas13 Apesar de sugestotildees de alguns estudiosos que apontam para a origem oriental
destas noccedilotildees eu penso que haacute uma explicaccedilatildeo mais razoaacutevel indicada indiretamente mais uma
10 Parm DK 28 B 1 28-30 χρεὼ δέ σε πάντα πυθέσθαι ἠμὲν Ἀληθείης εὐκυκλέος ἀτρεμὲς ἦτορ ἠδὲ βροτῶν
δόξας ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθής 11 O sentido destas palavras que poreacutem natildeo posso justificar aqui eacute que o jovem aprenderaacute dois tipos de
conhecimentos aquele expresso por discursos coerentes e aquele expresso pelo discurso contraditoacuterio do
pensamento comum (as opiniotildees dos mortais) Na verdade haacute controveacutersias a respeito desses versos (como de
resto a cada palavra do poema) Na versatildeo mais aceita contudo Parmecircnides configura dois tipos de saberes um
verdadeiro e outro opinativo Isto estaacute estabelecido de forma razoavelmente segura pela doxografia e pela criacutetica
atual embora natildeo com unanimidade 12 A versatildeo de Parmecircnides possui menos elementos daquela do Estagirita mas eacute mais profundamente ontoloacutegica 13 Existe uma discussatildeo a respeito da origem de noccedilotildees tatildeo fortes e tatildeo abruptamente novas na literatura grega Ao
menos desde Burkert (mas antes natildeo faltaram defensores dessa tese) haacute uma forte corrente de estudiosos que
buscam os elementos orientais na filosofia grega No caso especiacutefico de Parmecircnides ser e natildeo ser como noccedilotildees
primordiais se encontram nos Vedas mais antigos (como o Rig Veda) No entanto haacute um problema de datas e
tambeacutem um problema de difusatildeo Natildeo se tem certeza de que os Vedas sejam mais antigos do poema de Parmecircnides
e por outro lado natildeo aconteceram muitas chances de contato entre os povos grego e indiano Uma das mais
concretas pode ter acontecido na constituiccedilatildeo do Impeacuterio dos Persas que ia desde a Greacutecia ateacute a Iacutendia Os
embaixadores de todas as regiotildees do impeacuterio se reuniam em Perseacutepolis cidade fundada para este fim Eacute este o
lugar possiacutevel de contato entre as duas culturas Mas nesta eacutepoca Parmecircnides jaacute tinha florescido portanto pode
ser ateacute mesmo que as referecircncias ao ser e ao natildeo ser tenham ido da Greacutecia agrave Iacutendia Aleacutem das duas hipoacuteteses de
difusatildeo num sentido ou no outro haacute tambeacutem uma terceira de descobertas independentes nas duas aacutereas culturais
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vez por Aristoacuteteles Diz ele na Metafiacutesica que os antigos pitagoacutericos estudavam as oposiccedilotildees
de iniacutecio a principal o determinado e o indeterminado e depois algumas outras que eles
circunscreveram a uma taacutebua de dez oposiccedilotildees14 Parmecircnides teve um mestre pitagoacuterico
Amiacutenias que ele reverenciou ao ponto de dedicar-lhe uma herma (DL Vitae 9211) levando-
se isto em conta eacute bastante razoaacutevel pensar que Parmecircnides tambeacutem se dedicou agraves oposiccedilotildees
e numa generalizaccedilatildeo audaciosa (como era a ordem de generalizaccedilatildeo das dez oposiccedilotildees do
pitagorismo antigo) excogitou a oposiccedilatildeo entre ser e natildeo ser Seja como for natildeo haacute registro de
noccedilotildees similares a ser e natildeo ser antes de Parmecircnides e ele eacute o primeiro a introduzi-las
Uma outra distinccedilatildeo necessaacuteria antes de entrar no vivo do nosso tema eacute aquela referente
aos dois diversos usos que Parmecircnides faz das expressotildees lsquoserrsquo e lsquonatildeo serrsquo Assim como em
portuguecircs o grego permite a substantivaccedilatildeo do verbo Entatildeo o eleata utiliza as duas formas
tanto ser e natildeo ser como verbos quanto lsquoo serrsquo e lsquoo natildeo serrsquo como substantivos Como no
portuguecircs isto pode gerar ambiguidades (assim como tambeacutem as gera o texto parmenidiano)
eacute necessaacuterio tomar cuidado para natildeo confundir as duas formas sintaacuteticas
Uma outra advertecircncia ainda que o leitor jaacute deve ter notado eacute o uso que faccedilo ou deixo
de fazer no hiacutefen entre natildeo e ser na expressatildeo lsquonatildeo serrsquo Em portuguecircs a expressatildeo natildeo-ser
recebe um hiacutefen a indicar a ligaccedilatildeo estreita entre as duas partes natildeo e ser Inclusive o dicionaacuterio
registra a expressatildeo como devida a Parmecircnides e em consonacircncia com este entendimento toda
literatura em portuguecircs referente a Parmecircnides manteacutem o hiacutefen entre natildeo e ser De meu lado
em sede criacutetica e portanto em revistas cientiacuteficas ou textos criacuteticos acadecircmicos como o
presente eu proponho o natildeo uso do hiacutefen pela razatildeo que passo a explicar A razatildeo eacute a origem
gramatical da noccedilatildeo ou seja haacute um algo que recebe uma accedilatildeo de negaccedilatildeo explico melhor
quando se diz natildeo-ser se pensa em um objeto linguiacutestico jaacute acontecido e consolidado numa
relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel Mas se se diz natildeo ser esta relaccedilatildeo intriacutenseca e indissoluacutevel
14 Metaph 986ordf 15-26 Tambeacutem estes parecem considerar que o nuacutemero eacute princiacutepio natildeo soacute enquanto constitutivo
material dos seres mas tambeacutem como constitutivo das propriedades e dos estados dos mesmos Em seguida eles
afirmaram como elemento constitutivo do nuacutemero o par e o impar dos quais o primeiro eacute limitado e o segundo eacute
ilimitado O Um deriva desses dois elementos porque eacute par e impar ao mesmo tempo Do Um procede depois o
nuacutemero e os nuacutemeros como dissemos constituiriam a totalidade do universo Outros pitagoacutericos afirmavam que
os princiacutepios satildeo dez distintos em seacuterie ltde contraacuteriosgt limite-ilimite impar-par um-muacuteltiplo direito-esquerdo
(οὐ γὰρ ἀνυστόν) οὔτε φράσαιςrdquo A traduccedilatildeo de Cavalcante de Souza recebeu um pequeno ajuste meu pelo qual
substitui ldquode todo incriacutevelrdquo por ldquonatildeo de todo escrutaacutevelrdquo
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que a deusa se refere com estas palavras Antes de tudo a deusa se dirige a quem se preocupa
com pesquisa (dizeacutesis inqueacuterito pesquisa) trata-se entatildeo de palavras destinadas a quem natildeo
sabe e estaacute em busca de saber Nesta atividade de pesquisa o pensamento segue percursos em
nossa mente ou seja monta sequecircncias de proposiccedilotildees a estabelecer um entendimento aquilo
que hoje chamamos de argumento Em outras palavras a deusa afirma que haacute dois uacutenicos
percursos argumentativos para o pensar que pesquisa Um detalhe gramatical nos leva agrave
compreensatildeo dos proacuteximos passos o verbo noecircsai (de noeicircn pensar16) eacute ativo e se coordena
com os proacuteximos versos no verso 23 pensar [o primeiro] que no verso 25 pensar [o outro]
que esta configuraccedilatildeo ficaraacute mais clara a seguir
Os argumentos de pesquisa diz a deusa satildeo de dois tipos aqueles determinados pelos
dois caminhos que o pensar investigativo pode seguir um pensar que eacute outro pensar que natildeo
eacute Aqui o pensar natildeo eacute qualquer pensar mas eacute o ato especiacutefico do pensar cognitivo aquele
voltado agrave investigaccedilatildeo Entatildeo este tipo de pensar natildeo pode ser deixado fluir livremente mas
deve ser submetido a regras que ofereccedilam uma seguranccedila cognitiva e gerem argumentos fiaacuteveis
Por ser um meacutetodo para o pensar cognitivo necessariamente se refere agrave maneira de pensar e
natildeo ao pensado Isto eacute natildeo se trata de julgar o resultado do pensar que satildeo as vaacuterias teorias
mas manter a criacutetica sobre o argumento que leva agravequelas teorias Parmecircnides daraacute o exemplo
no fragmento 8 onde a descriccedilatildeo das caracteriacutesticas do lsquoserrsquo (tograve eoacuten) eacute acompanhada de
argumentos que seguem o meacutetodo exposto anteriormente Vamos entatildeo agrave exposiccedilatildeo do meacutetodo
do fragmento 2
Haacute somente estes caminhos um pensar que eacute e que natildeo pode natildeo ser outro pensar
que eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja Satildeo palavras enigmaacuteticas e haacute seacuteculos despertam imenso
interesse nos estudiosos Vejamos o primeiro (23-4) um [pensar] que eacute e que natildeo pode natildeo
ser eacute caminho de persuasatildeo que acompanha a verdade Haacute vaacuterias linhas interpretativas que
em geral se baseiam na interpretaccedilatildeo que se quer dar ao primeiro lsquoeacutersquo se existencial predicativo
veritativo ou outro Como pela minha leitura confortada da anaacutelise dos proacuteximos versos o lsquoeacutersquo
parmenidiano eacute existencial proponho aqui uma interpretaccedilatildeo provisoacuteria embora ainda natildeo
16 A traduccedilatildeo e o sentido da noccedilatildeo de pensar em Parmecircnides satildeo objeto de grandes controveacutersias haacute muito tempo
e um excelente resumo da problemaacutetica desta passagem pode ser encontrado em Cordero (2005 p 56-59) De
minha parte aceito que seja um verbo ativo e que se refira agrave atividade propriamente psicoloacutegica ou seja aos
mecanismos do pensar e natildeo ao pensamento enquanto atividade completa (pensador-pensar-pensado) ou ao
resultado da atividade do pensar (como na expressatildeo lsquoo pensamento filosoacutefico ocidentalrsquo)
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justificada lsquoeacutersquo para Parmecircnides eacute lsquoo que eacutersquo o que tem existecircncia o que estaacute presente17 Ora lsquoo
que eacutersquo natildeo pode natildeo ser isto eacute natildeo pode ser anulado nulificado negado (entenda-se aqui
negado no sentido ontoloacutegico e natildeo no sentido predicativo) Para Parmecircnides pensar que lsquoo
que eacutersquo natildeo pode ser nulificado significa seguir o percurso argumentativo que garante a
persuasatildeo verdadeira aquela investida de verdade
Vejamos o segundo caminho (25-8) outro [pensar] que natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo
seja este eacute caminho natildeo de todo escrutaacutevel pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute
exequiacutevel) nem o dirias Chegamos aqui no acircmago de nosso tema vamos examinar entatildeo
detidamente O segundo caminho consiste em pensar lsquoo que natildeo eacutersquo Deste caminho eacute necessaacuterio
pensar que natildeo seja porque lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) natildeo pode ser conhecido (natildeo eacute exequiacutevel)
e nem pode ser dito A primeira coisa a notar eacute o fato de que enquanto o primeiro caminho eacute
somente descrito neste segundo a descriccedilatildeo recebe o suporte de um argumento introduzido por
gar que eacute uma conjunccedilatildeo causal e significa ldquopoisrdquo ldquoporquerdquo pois (gar) nem conhecerias o que
natildeo eacute e nem o dirias Como ele sabe que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito
Vamos responder a esta pergunta
A meditaccedilatildeo da negaccedilatildeo do ser
Como eacute possiacutevel ver todo o fragmento 2 eacute dedicado ao pensar a um certo tipo de pensar
ao como eacute possiacutevel pensar segundo a persuasatildeo verdadeira e ao como eacute impossiacutevel pensar o
lsquonatildeo serrsquo Este fragmento eacute inteiramente dedicado ao pensamento Se Parmecircnides diz que soacute haacute
estes dois caminhos para o pensar investigativo isto indica que ele pesquisou os mais variados
caminhos do pensar e soacute dois resultaram adequados para seu propoacutesito Se ele diz que pensar o
lsquoeacutersquo se encontra em conjunccedilatildeo indissoluacutevel (tegrave kaiacute duas conjunccedilotildees uma reforccedilando a outra)
com pensar ldquoque natildeo pode natildeo serrdquo e que pensar ldquonatildeo eacuterdquo eacute um atalho que natildeo pode ser
escrutado pois natildeo eacute possiacutevel conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo significa que ele se dedicou intensamente
agrave observaccedilatildeo do comportamento da mente humana especificamente na atividade cognitiva18
17 A justificaccedilatildeo completa eacute complexa e natildeo pode ser apresentada aqui Aqui mais adiante seratildeo oferecidos alguns
argumentos sumaacuterios 18 Para notiacutecias sobre um Parmecircnides estudioso da mente e portanto um Parmecircnides psicoacutelogo dada a ausecircncia
de outros estudos mais completos me seja permitido enviar o leitor a Galgano (2017)
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Estamos diante de um conjunto de observaccedilotildees do comportamento da mente que Parmecircnides
deve ter extraiacutedo tambeacutem de sua proacutepria atividade de reflexatildeo
A descriccedilatildeo dos caminhos estaacute apoiada num argumento entatildeo eacute a ele que temos que
dirigir as nossas atenccedilotildees para entender o inteiro fragmento O argumento eacute pois (gar) nem
conhecerias o que natildeo eacute (tograve megrave eoacuten) e nem o dirias Parmecircnides de alguma forma chegou agrave
conclusatildeo de que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido Eu penso que para chegar a esta
conclusatildeo ele tentou conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo Para tanto antes de tudo deve ter tentado pensar
lsquoo que natildeo eacutersquo
Antes de tentar reproduzir a tentativa de Parmecircnides vamos esclarecer o sentido da
expressatildeo lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) Esta expressatildeo eacute composta pelo artigo definido neutro
singular toacute (em portuguecircs lsquoorsquo) pelο adveacuterbio de negaccedilatildeo me (em portuguecircs lsquonatildeorsquo) e pelo
substantivo eoacuten obtido da substantivaccedilatildeo do particiacutepio de verbo eimiacute que significa ldquoserrdquo (em
portuguecircs lsquoque estaacute sendorsquo ou lsquoque eacutersquo) Unindo as trecircs partes temos lsquoo que natildeo eacutersquo Eacute preciso
atentar para o fato de que eoacuten em Parmecircnides embora singular natildeo se refere a um uacutenico ente
mas ao ente em geral Podemos ver isto tanto pela intenccedilatildeo inicial de falar de tudo (paacutenta 128)
quanto e principalmente pelo tratamento dado ao eoacuten no fragmento 8 onde ele representa o
todo da realidade
Embora o significado do eoacuten em Parmecircnides natildeo tenha sido inteiramente esclarecido19
e embora natildeo haja unanimidade entre os estudiosos em relaccedilatildeo ao alcance de sua noccedilatildeo eacute
bastante razoaacutevel que esta uacuteltima natildeo fique restrita a um uacutenico ente mas seja generalizada em
suma para Parmecircnides eoacuten eacute um termo geral e significa lsquotudo que eacutersquo incluindo tanto o ente
individual quanto todos os entes (paacutenta) Entatildeo na versatildeo negativa tograve megrave eoacuten podemos aceitar
a noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo desde que se entenda em sentido absoluto lsquoo tudo que natildeo eacutersquo (ou lsquoo
todo que natildeo eacutersquo) Que Parmecircnides se refira ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo serrsquo tomados em sentido absoluto
estaacute claro pela estrutura ontoloacutegica de sua filosofia ademais uma confirmaccedilatildeo histoacuterica vem
do proacuteprio Platatildeo o qual diante das dificuldades filosoacuteficas postas pela noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo
absoluto de Parmecircnides acaba introduzindo no seu diaacutelogo lsquoO sofistarsquo a noccedilatildeo de natildeo-ser
enquanto outro ou seja do natildeo-ser relativo Apoacutes essas palavras preliminares podemos analisar
a reflexatildeo parmenidiana
19 Jaacute Platatildeo declarava natildeo ter certeza de ter entendido Parmecircnides (Theet 184a)
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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a
noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo
o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a
mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele
livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa
portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa
no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele
mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe
Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo
que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo
aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela
aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia
do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo
Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo
lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo
deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo
acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo
mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo
a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia
imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem
evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente
tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado
2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto
sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo
pode ser conhecida
Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No
primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que
natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas
condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a
proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos
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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel
Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do
pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo
meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar
aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se
reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado
negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo
eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a
negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo
ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo
cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo
O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar
comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais
minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise
gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel
porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do
pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico
por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples
os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo
eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute
cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade
estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por
ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20
A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo
Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o
fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz
20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria
expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)
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claramente
pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)
nem o dirias
A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo
de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de
lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na
discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e
principalmente da linguagem epistecircmica
Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e
tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode
ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar
mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo
serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz
Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22
E ainda em 88-9 ele diz
pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel
eacute que natildeo eacute23
E ainda em 817-19
estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio
uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira
via natildeo eacute24
Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre
apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel
como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam
exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente
consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em
sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo
(οὐ γὰρ ἀνυστόν) οὔτε φράσαιςrdquo A traduccedilatildeo de Cavalcante de Souza recebeu um pequeno ajuste meu pelo qual
substitui ldquode todo incriacutevelrdquo por ldquonatildeo de todo escrutaacutevelrdquo
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que a deusa se refere com estas palavras Antes de tudo a deusa se dirige a quem se preocupa
com pesquisa (dizeacutesis inqueacuterito pesquisa) trata-se entatildeo de palavras destinadas a quem natildeo
sabe e estaacute em busca de saber Nesta atividade de pesquisa o pensamento segue percursos em
nossa mente ou seja monta sequecircncias de proposiccedilotildees a estabelecer um entendimento aquilo
que hoje chamamos de argumento Em outras palavras a deusa afirma que haacute dois uacutenicos
percursos argumentativos para o pensar que pesquisa Um detalhe gramatical nos leva agrave
compreensatildeo dos proacuteximos passos o verbo noecircsai (de noeicircn pensar16) eacute ativo e se coordena
com os proacuteximos versos no verso 23 pensar [o primeiro] que no verso 25 pensar [o outro]
que esta configuraccedilatildeo ficaraacute mais clara a seguir
Os argumentos de pesquisa diz a deusa satildeo de dois tipos aqueles determinados pelos
dois caminhos que o pensar investigativo pode seguir um pensar que eacute outro pensar que natildeo
eacute Aqui o pensar natildeo eacute qualquer pensar mas eacute o ato especiacutefico do pensar cognitivo aquele
voltado agrave investigaccedilatildeo Entatildeo este tipo de pensar natildeo pode ser deixado fluir livremente mas
deve ser submetido a regras que ofereccedilam uma seguranccedila cognitiva e gerem argumentos fiaacuteveis
Por ser um meacutetodo para o pensar cognitivo necessariamente se refere agrave maneira de pensar e
natildeo ao pensado Isto eacute natildeo se trata de julgar o resultado do pensar que satildeo as vaacuterias teorias
mas manter a criacutetica sobre o argumento que leva agravequelas teorias Parmecircnides daraacute o exemplo
no fragmento 8 onde a descriccedilatildeo das caracteriacutesticas do lsquoserrsquo (tograve eoacuten) eacute acompanhada de
argumentos que seguem o meacutetodo exposto anteriormente Vamos entatildeo agrave exposiccedilatildeo do meacutetodo
do fragmento 2
Haacute somente estes caminhos um pensar que eacute e que natildeo pode natildeo ser outro pensar
que eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja Satildeo palavras enigmaacuteticas e haacute seacuteculos despertam imenso
interesse nos estudiosos Vejamos o primeiro (23-4) um [pensar] que eacute e que natildeo pode natildeo
ser eacute caminho de persuasatildeo que acompanha a verdade Haacute vaacuterias linhas interpretativas que
em geral se baseiam na interpretaccedilatildeo que se quer dar ao primeiro lsquoeacutersquo se existencial predicativo
veritativo ou outro Como pela minha leitura confortada da anaacutelise dos proacuteximos versos o lsquoeacutersquo
parmenidiano eacute existencial proponho aqui uma interpretaccedilatildeo provisoacuteria embora ainda natildeo
16 A traduccedilatildeo e o sentido da noccedilatildeo de pensar em Parmecircnides satildeo objeto de grandes controveacutersias haacute muito tempo
e um excelente resumo da problemaacutetica desta passagem pode ser encontrado em Cordero (2005 p 56-59) De
minha parte aceito que seja um verbo ativo e que se refira agrave atividade propriamente psicoloacutegica ou seja aos
mecanismos do pensar e natildeo ao pensamento enquanto atividade completa (pensador-pensar-pensado) ou ao
resultado da atividade do pensar (como na expressatildeo lsquoo pensamento filosoacutefico ocidentalrsquo)
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justificada lsquoeacutersquo para Parmecircnides eacute lsquoo que eacutersquo o que tem existecircncia o que estaacute presente17 Ora lsquoo
que eacutersquo natildeo pode natildeo ser isto eacute natildeo pode ser anulado nulificado negado (entenda-se aqui
negado no sentido ontoloacutegico e natildeo no sentido predicativo) Para Parmecircnides pensar que lsquoo
que eacutersquo natildeo pode ser nulificado significa seguir o percurso argumentativo que garante a
persuasatildeo verdadeira aquela investida de verdade
Vejamos o segundo caminho (25-8) outro [pensar] que natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo
seja este eacute caminho natildeo de todo escrutaacutevel pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute
exequiacutevel) nem o dirias Chegamos aqui no acircmago de nosso tema vamos examinar entatildeo
detidamente O segundo caminho consiste em pensar lsquoo que natildeo eacutersquo Deste caminho eacute necessaacuterio
pensar que natildeo seja porque lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) natildeo pode ser conhecido (natildeo eacute exequiacutevel)
e nem pode ser dito A primeira coisa a notar eacute o fato de que enquanto o primeiro caminho eacute
somente descrito neste segundo a descriccedilatildeo recebe o suporte de um argumento introduzido por
gar que eacute uma conjunccedilatildeo causal e significa ldquopoisrdquo ldquoporquerdquo pois (gar) nem conhecerias o que
natildeo eacute e nem o dirias Como ele sabe que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito
Vamos responder a esta pergunta
A meditaccedilatildeo da negaccedilatildeo do ser
Como eacute possiacutevel ver todo o fragmento 2 eacute dedicado ao pensar a um certo tipo de pensar
ao como eacute possiacutevel pensar segundo a persuasatildeo verdadeira e ao como eacute impossiacutevel pensar o
lsquonatildeo serrsquo Este fragmento eacute inteiramente dedicado ao pensamento Se Parmecircnides diz que soacute haacute
estes dois caminhos para o pensar investigativo isto indica que ele pesquisou os mais variados
caminhos do pensar e soacute dois resultaram adequados para seu propoacutesito Se ele diz que pensar o
lsquoeacutersquo se encontra em conjunccedilatildeo indissoluacutevel (tegrave kaiacute duas conjunccedilotildees uma reforccedilando a outra)
com pensar ldquoque natildeo pode natildeo serrdquo e que pensar ldquonatildeo eacuterdquo eacute um atalho que natildeo pode ser
escrutado pois natildeo eacute possiacutevel conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo significa que ele se dedicou intensamente
agrave observaccedilatildeo do comportamento da mente humana especificamente na atividade cognitiva18
17 A justificaccedilatildeo completa eacute complexa e natildeo pode ser apresentada aqui Aqui mais adiante seratildeo oferecidos alguns
argumentos sumaacuterios 18 Para notiacutecias sobre um Parmecircnides estudioso da mente e portanto um Parmecircnides psicoacutelogo dada a ausecircncia
de outros estudos mais completos me seja permitido enviar o leitor a Galgano (2017)
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Estamos diante de um conjunto de observaccedilotildees do comportamento da mente que Parmecircnides
deve ter extraiacutedo tambeacutem de sua proacutepria atividade de reflexatildeo
A descriccedilatildeo dos caminhos estaacute apoiada num argumento entatildeo eacute a ele que temos que
dirigir as nossas atenccedilotildees para entender o inteiro fragmento O argumento eacute pois (gar) nem
conhecerias o que natildeo eacute (tograve megrave eoacuten) e nem o dirias Parmecircnides de alguma forma chegou agrave
conclusatildeo de que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido Eu penso que para chegar a esta
conclusatildeo ele tentou conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo Para tanto antes de tudo deve ter tentado pensar
lsquoo que natildeo eacutersquo
Antes de tentar reproduzir a tentativa de Parmecircnides vamos esclarecer o sentido da
expressatildeo lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) Esta expressatildeo eacute composta pelo artigo definido neutro
singular toacute (em portuguecircs lsquoorsquo) pelο adveacuterbio de negaccedilatildeo me (em portuguecircs lsquonatildeorsquo) e pelo
substantivo eoacuten obtido da substantivaccedilatildeo do particiacutepio de verbo eimiacute que significa ldquoserrdquo (em
portuguecircs lsquoque estaacute sendorsquo ou lsquoque eacutersquo) Unindo as trecircs partes temos lsquoo que natildeo eacutersquo Eacute preciso
atentar para o fato de que eoacuten em Parmecircnides embora singular natildeo se refere a um uacutenico ente
mas ao ente em geral Podemos ver isto tanto pela intenccedilatildeo inicial de falar de tudo (paacutenta 128)
quanto e principalmente pelo tratamento dado ao eoacuten no fragmento 8 onde ele representa o
todo da realidade
Embora o significado do eoacuten em Parmecircnides natildeo tenha sido inteiramente esclarecido19
e embora natildeo haja unanimidade entre os estudiosos em relaccedilatildeo ao alcance de sua noccedilatildeo eacute
bastante razoaacutevel que esta uacuteltima natildeo fique restrita a um uacutenico ente mas seja generalizada em
suma para Parmecircnides eoacuten eacute um termo geral e significa lsquotudo que eacutersquo incluindo tanto o ente
individual quanto todos os entes (paacutenta) Entatildeo na versatildeo negativa tograve megrave eoacuten podemos aceitar
a noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo desde que se entenda em sentido absoluto lsquoo tudo que natildeo eacutersquo (ou lsquoo
todo que natildeo eacutersquo) Que Parmecircnides se refira ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo serrsquo tomados em sentido absoluto
estaacute claro pela estrutura ontoloacutegica de sua filosofia ademais uma confirmaccedilatildeo histoacuterica vem
do proacuteprio Platatildeo o qual diante das dificuldades filosoacuteficas postas pela noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo
absoluto de Parmecircnides acaba introduzindo no seu diaacutelogo lsquoO sofistarsquo a noccedilatildeo de natildeo-ser
enquanto outro ou seja do natildeo-ser relativo Apoacutes essas palavras preliminares podemos analisar
a reflexatildeo parmenidiana
19 Jaacute Platatildeo declarava natildeo ter certeza de ter entendido Parmecircnides (Theet 184a)
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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a
noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo
o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a
mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele
livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa
portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa
no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele
mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe
Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo
que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo
aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela
aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia
do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo
Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo
lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo
deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo
acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo
mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo
a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia
imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem
evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente
tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado
2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto
sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo
pode ser conhecida
Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No
primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que
natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas
condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a
proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos
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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel
Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do
pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo
meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar
aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se
reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado
negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo
eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a
negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo
ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo
cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo
O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar
comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais
minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise
gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel
porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do
pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico
por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples
os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo
eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute
cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade
estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por
ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20
A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo
Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o
fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz
20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria
expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)
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claramente
pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)
nem o dirias
A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo
de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de
lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na
discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e
principalmente da linguagem epistecircmica
Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e
tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode
ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar
mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo
serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz
Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22
E ainda em 88-9 ele diz
pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel
eacute que natildeo eacute23
E ainda em 817-19
estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio
uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira
via natildeo eacute24
Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre
apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel
como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam
exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente
consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em
sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo
(οὐ γὰρ ἀνυστόν) οὔτε φράσαιςrdquo A traduccedilatildeo de Cavalcante de Souza recebeu um pequeno ajuste meu pelo qual
substitui ldquode todo incriacutevelrdquo por ldquonatildeo de todo escrutaacutevelrdquo
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que a deusa se refere com estas palavras Antes de tudo a deusa se dirige a quem se preocupa
com pesquisa (dizeacutesis inqueacuterito pesquisa) trata-se entatildeo de palavras destinadas a quem natildeo
sabe e estaacute em busca de saber Nesta atividade de pesquisa o pensamento segue percursos em
nossa mente ou seja monta sequecircncias de proposiccedilotildees a estabelecer um entendimento aquilo
que hoje chamamos de argumento Em outras palavras a deusa afirma que haacute dois uacutenicos
percursos argumentativos para o pensar que pesquisa Um detalhe gramatical nos leva agrave
compreensatildeo dos proacuteximos passos o verbo noecircsai (de noeicircn pensar16) eacute ativo e se coordena
com os proacuteximos versos no verso 23 pensar [o primeiro] que no verso 25 pensar [o outro]
que esta configuraccedilatildeo ficaraacute mais clara a seguir
Os argumentos de pesquisa diz a deusa satildeo de dois tipos aqueles determinados pelos
dois caminhos que o pensar investigativo pode seguir um pensar que eacute outro pensar que natildeo
eacute Aqui o pensar natildeo eacute qualquer pensar mas eacute o ato especiacutefico do pensar cognitivo aquele
voltado agrave investigaccedilatildeo Entatildeo este tipo de pensar natildeo pode ser deixado fluir livremente mas
deve ser submetido a regras que ofereccedilam uma seguranccedila cognitiva e gerem argumentos fiaacuteveis
Por ser um meacutetodo para o pensar cognitivo necessariamente se refere agrave maneira de pensar e
natildeo ao pensado Isto eacute natildeo se trata de julgar o resultado do pensar que satildeo as vaacuterias teorias
mas manter a criacutetica sobre o argumento que leva agravequelas teorias Parmecircnides daraacute o exemplo
no fragmento 8 onde a descriccedilatildeo das caracteriacutesticas do lsquoserrsquo (tograve eoacuten) eacute acompanhada de
argumentos que seguem o meacutetodo exposto anteriormente Vamos entatildeo agrave exposiccedilatildeo do meacutetodo
do fragmento 2
Haacute somente estes caminhos um pensar que eacute e que natildeo pode natildeo ser outro pensar
que eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja Satildeo palavras enigmaacuteticas e haacute seacuteculos despertam imenso
interesse nos estudiosos Vejamos o primeiro (23-4) um [pensar] que eacute e que natildeo pode natildeo
ser eacute caminho de persuasatildeo que acompanha a verdade Haacute vaacuterias linhas interpretativas que
em geral se baseiam na interpretaccedilatildeo que se quer dar ao primeiro lsquoeacutersquo se existencial predicativo
veritativo ou outro Como pela minha leitura confortada da anaacutelise dos proacuteximos versos o lsquoeacutersquo
parmenidiano eacute existencial proponho aqui uma interpretaccedilatildeo provisoacuteria embora ainda natildeo
16 A traduccedilatildeo e o sentido da noccedilatildeo de pensar em Parmecircnides satildeo objeto de grandes controveacutersias haacute muito tempo
e um excelente resumo da problemaacutetica desta passagem pode ser encontrado em Cordero (2005 p 56-59) De
minha parte aceito que seja um verbo ativo e que se refira agrave atividade propriamente psicoloacutegica ou seja aos
mecanismos do pensar e natildeo ao pensamento enquanto atividade completa (pensador-pensar-pensado) ou ao
resultado da atividade do pensar (como na expressatildeo lsquoo pensamento filosoacutefico ocidentalrsquo)
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justificada lsquoeacutersquo para Parmecircnides eacute lsquoo que eacutersquo o que tem existecircncia o que estaacute presente17 Ora lsquoo
que eacutersquo natildeo pode natildeo ser isto eacute natildeo pode ser anulado nulificado negado (entenda-se aqui
negado no sentido ontoloacutegico e natildeo no sentido predicativo) Para Parmecircnides pensar que lsquoo
que eacutersquo natildeo pode ser nulificado significa seguir o percurso argumentativo que garante a
persuasatildeo verdadeira aquela investida de verdade
Vejamos o segundo caminho (25-8) outro [pensar] que natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo
seja este eacute caminho natildeo de todo escrutaacutevel pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute
exequiacutevel) nem o dirias Chegamos aqui no acircmago de nosso tema vamos examinar entatildeo
detidamente O segundo caminho consiste em pensar lsquoo que natildeo eacutersquo Deste caminho eacute necessaacuterio
pensar que natildeo seja porque lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) natildeo pode ser conhecido (natildeo eacute exequiacutevel)
e nem pode ser dito A primeira coisa a notar eacute o fato de que enquanto o primeiro caminho eacute
somente descrito neste segundo a descriccedilatildeo recebe o suporte de um argumento introduzido por
gar que eacute uma conjunccedilatildeo causal e significa ldquopoisrdquo ldquoporquerdquo pois (gar) nem conhecerias o que
natildeo eacute e nem o dirias Como ele sabe que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito
Vamos responder a esta pergunta
A meditaccedilatildeo da negaccedilatildeo do ser
Como eacute possiacutevel ver todo o fragmento 2 eacute dedicado ao pensar a um certo tipo de pensar
ao como eacute possiacutevel pensar segundo a persuasatildeo verdadeira e ao como eacute impossiacutevel pensar o
lsquonatildeo serrsquo Este fragmento eacute inteiramente dedicado ao pensamento Se Parmecircnides diz que soacute haacute
estes dois caminhos para o pensar investigativo isto indica que ele pesquisou os mais variados
caminhos do pensar e soacute dois resultaram adequados para seu propoacutesito Se ele diz que pensar o
lsquoeacutersquo se encontra em conjunccedilatildeo indissoluacutevel (tegrave kaiacute duas conjunccedilotildees uma reforccedilando a outra)
com pensar ldquoque natildeo pode natildeo serrdquo e que pensar ldquonatildeo eacuterdquo eacute um atalho que natildeo pode ser
escrutado pois natildeo eacute possiacutevel conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo significa que ele se dedicou intensamente
agrave observaccedilatildeo do comportamento da mente humana especificamente na atividade cognitiva18
17 A justificaccedilatildeo completa eacute complexa e natildeo pode ser apresentada aqui Aqui mais adiante seratildeo oferecidos alguns
argumentos sumaacuterios 18 Para notiacutecias sobre um Parmecircnides estudioso da mente e portanto um Parmecircnides psicoacutelogo dada a ausecircncia
de outros estudos mais completos me seja permitido enviar o leitor a Galgano (2017)
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Estamos diante de um conjunto de observaccedilotildees do comportamento da mente que Parmecircnides
deve ter extraiacutedo tambeacutem de sua proacutepria atividade de reflexatildeo
A descriccedilatildeo dos caminhos estaacute apoiada num argumento entatildeo eacute a ele que temos que
dirigir as nossas atenccedilotildees para entender o inteiro fragmento O argumento eacute pois (gar) nem
conhecerias o que natildeo eacute (tograve megrave eoacuten) e nem o dirias Parmecircnides de alguma forma chegou agrave
conclusatildeo de que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido Eu penso que para chegar a esta
conclusatildeo ele tentou conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo Para tanto antes de tudo deve ter tentado pensar
lsquoo que natildeo eacutersquo
Antes de tentar reproduzir a tentativa de Parmecircnides vamos esclarecer o sentido da
expressatildeo lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) Esta expressatildeo eacute composta pelo artigo definido neutro
singular toacute (em portuguecircs lsquoorsquo) pelο adveacuterbio de negaccedilatildeo me (em portuguecircs lsquonatildeorsquo) e pelo
substantivo eoacuten obtido da substantivaccedilatildeo do particiacutepio de verbo eimiacute que significa ldquoserrdquo (em
portuguecircs lsquoque estaacute sendorsquo ou lsquoque eacutersquo) Unindo as trecircs partes temos lsquoo que natildeo eacutersquo Eacute preciso
atentar para o fato de que eoacuten em Parmecircnides embora singular natildeo se refere a um uacutenico ente
mas ao ente em geral Podemos ver isto tanto pela intenccedilatildeo inicial de falar de tudo (paacutenta 128)
quanto e principalmente pelo tratamento dado ao eoacuten no fragmento 8 onde ele representa o
todo da realidade
Embora o significado do eoacuten em Parmecircnides natildeo tenha sido inteiramente esclarecido19
e embora natildeo haja unanimidade entre os estudiosos em relaccedilatildeo ao alcance de sua noccedilatildeo eacute
bastante razoaacutevel que esta uacuteltima natildeo fique restrita a um uacutenico ente mas seja generalizada em
suma para Parmecircnides eoacuten eacute um termo geral e significa lsquotudo que eacutersquo incluindo tanto o ente
individual quanto todos os entes (paacutenta) Entatildeo na versatildeo negativa tograve megrave eoacuten podemos aceitar
a noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo desde que se entenda em sentido absoluto lsquoo tudo que natildeo eacutersquo (ou lsquoo
todo que natildeo eacutersquo) Que Parmecircnides se refira ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo serrsquo tomados em sentido absoluto
estaacute claro pela estrutura ontoloacutegica de sua filosofia ademais uma confirmaccedilatildeo histoacuterica vem
do proacuteprio Platatildeo o qual diante das dificuldades filosoacuteficas postas pela noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo
absoluto de Parmecircnides acaba introduzindo no seu diaacutelogo lsquoO sofistarsquo a noccedilatildeo de natildeo-ser
enquanto outro ou seja do natildeo-ser relativo Apoacutes essas palavras preliminares podemos analisar
a reflexatildeo parmenidiana
19 Jaacute Platatildeo declarava natildeo ter certeza de ter entendido Parmecircnides (Theet 184a)
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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a
noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo
o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a
mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele
livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa
portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa
no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele
mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe
Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo
que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo
aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela
aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia
do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo
Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo
lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo
deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo
acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo
mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo
a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia
imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem
evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente
tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado
2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto
sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo
pode ser conhecida
Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No
primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que
natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas
condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a
proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos
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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel
Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do
pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo
meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar
aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se
reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado
negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo
eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a
negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo
ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo
cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo
O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar
comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais
minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise
gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel
porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do
pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico
por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples
os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo
eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute
cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade
estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por
ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20
A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo
Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o
fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz
20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria
expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)
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claramente
pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)
nem o dirias
A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo
de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de
lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na
discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e
principalmente da linguagem epistecircmica
Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e
tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode
ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar
mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo
serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz
Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22
E ainda em 88-9 ele diz
pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel
eacute que natildeo eacute23
E ainda em 817-19
estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio
uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira
via natildeo eacute24
Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre
apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel
como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam
exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente
consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em
sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo
(οὐ γὰρ ἀνυστόν) οὔτε φράσαιςrdquo A traduccedilatildeo de Cavalcante de Souza recebeu um pequeno ajuste meu pelo qual
substitui ldquode todo incriacutevelrdquo por ldquonatildeo de todo escrutaacutevelrdquo
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que a deusa se refere com estas palavras Antes de tudo a deusa se dirige a quem se preocupa
com pesquisa (dizeacutesis inqueacuterito pesquisa) trata-se entatildeo de palavras destinadas a quem natildeo
sabe e estaacute em busca de saber Nesta atividade de pesquisa o pensamento segue percursos em
nossa mente ou seja monta sequecircncias de proposiccedilotildees a estabelecer um entendimento aquilo
que hoje chamamos de argumento Em outras palavras a deusa afirma que haacute dois uacutenicos
percursos argumentativos para o pensar que pesquisa Um detalhe gramatical nos leva agrave
compreensatildeo dos proacuteximos passos o verbo noecircsai (de noeicircn pensar16) eacute ativo e se coordena
com os proacuteximos versos no verso 23 pensar [o primeiro] que no verso 25 pensar [o outro]
que esta configuraccedilatildeo ficaraacute mais clara a seguir
Os argumentos de pesquisa diz a deusa satildeo de dois tipos aqueles determinados pelos
dois caminhos que o pensar investigativo pode seguir um pensar que eacute outro pensar que natildeo
eacute Aqui o pensar natildeo eacute qualquer pensar mas eacute o ato especiacutefico do pensar cognitivo aquele
voltado agrave investigaccedilatildeo Entatildeo este tipo de pensar natildeo pode ser deixado fluir livremente mas
deve ser submetido a regras que ofereccedilam uma seguranccedila cognitiva e gerem argumentos fiaacuteveis
Por ser um meacutetodo para o pensar cognitivo necessariamente se refere agrave maneira de pensar e
natildeo ao pensado Isto eacute natildeo se trata de julgar o resultado do pensar que satildeo as vaacuterias teorias
mas manter a criacutetica sobre o argumento que leva agravequelas teorias Parmecircnides daraacute o exemplo
no fragmento 8 onde a descriccedilatildeo das caracteriacutesticas do lsquoserrsquo (tograve eoacuten) eacute acompanhada de
argumentos que seguem o meacutetodo exposto anteriormente Vamos entatildeo agrave exposiccedilatildeo do meacutetodo
do fragmento 2
Haacute somente estes caminhos um pensar que eacute e que natildeo pode natildeo ser outro pensar
que eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja Satildeo palavras enigmaacuteticas e haacute seacuteculos despertam imenso
interesse nos estudiosos Vejamos o primeiro (23-4) um [pensar] que eacute e que natildeo pode natildeo
ser eacute caminho de persuasatildeo que acompanha a verdade Haacute vaacuterias linhas interpretativas que
em geral se baseiam na interpretaccedilatildeo que se quer dar ao primeiro lsquoeacutersquo se existencial predicativo
veritativo ou outro Como pela minha leitura confortada da anaacutelise dos proacuteximos versos o lsquoeacutersquo
parmenidiano eacute existencial proponho aqui uma interpretaccedilatildeo provisoacuteria embora ainda natildeo
16 A traduccedilatildeo e o sentido da noccedilatildeo de pensar em Parmecircnides satildeo objeto de grandes controveacutersias haacute muito tempo
e um excelente resumo da problemaacutetica desta passagem pode ser encontrado em Cordero (2005 p 56-59) De
minha parte aceito que seja um verbo ativo e que se refira agrave atividade propriamente psicoloacutegica ou seja aos
mecanismos do pensar e natildeo ao pensamento enquanto atividade completa (pensador-pensar-pensado) ou ao
resultado da atividade do pensar (como na expressatildeo lsquoo pensamento filosoacutefico ocidentalrsquo)
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justificada lsquoeacutersquo para Parmecircnides eacute lsquoo que eacutersquo o que tem existecircncia o que estaacute presente17 Ora lsquoo
que eacutersquo natildeo pode natildeo ser isto eacute natildeo pode ser anulado nulificado negado (entenda-se aqui
negado no sentido ontoloacutegico e natildeo no sentido predicativo) Para Parmecircnides pensar que lsquoo
que eacutersquo natildeo pode ser nulificado significa seguir o percurso argumentativo que garante a
persuasatildeo verdadeira aquela investida de verdade
Vejamos o segundo caminho (25-8) outro [pensar] que natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo
seja este eacute caminho natildeo de todo escrutaacutevel pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute
exequiacutevel) nem o dirias Chegamos aqui no acircmago de nosso tema vamos examinar entatildeo
detidamente O segundo caminho consiste em pensar lsquoo que natildeo eacutersquo Deste caminho eacute necessaacuterio
pensar que natildeo seja porque lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) natildeo pode ser conhecido (natildeo eacute exequiacutevel)
e nem pode ser dito A primeira coisa a notar eacute o fato de que enquanto o primeiro caminho eacute
somente descrito neste segundo a descriccedilatildeo recebe o suporte de um argumento introduzido por
gar que eacute uma conjunccedilatildeo causal e significa ldquopoisrdquo ldquoporquerdquo pois (gar) nem conhecerias o que
natildeo eacute e nem o dirias Como ele sabe que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito
Vamos responder a esta pergunta
A meditaccedilatildeo da negaccedilatildeo do ser
Como eacute possiacutevel ver todo o fragmento 2 eacute dedicado ao pensar a um certo tipo de pensar
ao como eacute possiacutevel pensar segundo a persuasatildeo verdadeira e ao como eacute impossiacutevel pensar o
lsquonatildeo serrsquo Este fragmento eacute inteiramente dedicado ao pensamento Se Parmecircnides diz que soacute haacute
estes dois caminhos para o pensar investigativo isto indica que ele pesquisou os mais variados
caminhos do pensar e soacute dois resultaram adequados para seu propoacutesito Se ele diz que pensar o
lsquoeacutersquo se encontra em conjunccedilatildeo indissoluacutevel (tegrave kaiacute duas conjunccedilotildees uma reforccedilando a outra)
com pensar ldquoque natildeo pode natildeo serrdquo e que pensar ldquonatildeo eacuterdquo eacute um atalho que natildeo pode ser
escrutado pois natildeo eacute possiacutevel conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo significa que ele se dedicou intensamente
agrave observaccedilatildeo do comportamento da mente humana especificamente na atividade cognitiva18
17 A justificaccedilatildeo completa eacute complexa e natildeo pode ser apresentada aqui Aqui mais adiante seratildeo oferecidos alguns
argumentos sumaacuterios 18 Para notiacutecias sobre um Parmecircnides estudioso da mente e portanto um Parmecircnides psicoacutelogo dada a ausecircncia
de outros estudos mais completos me seja permitido enviar o leitor a Galgano (2017)
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Estamos diante de um conjunto de observaccedilotildees do comportamento da mente que Parmecircnides
deve ter extraiacutedo tambeacutem de sua proacutepria atividade de reflexatildeo
A descriccedilatildeo dos caminhos estaacute apoiada num argumento entatildeo eacute a ele que temos que
dirigir as nossas atenccedilotildees para entender o inteiro fragmento O argumento eacute pois (gar) nem
conhecerias o que natildeo eacute (tograve megrave eoacuten) e nem o dirias Parmecircnides de alguma forma chegou agrave
conclusatildeo de que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido Eu penso que para chegar a esta
conclusatildeo ele tentou conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo Para tanto antes de tudo deve ter tentado pensar
lsquoo que natildeo eacutersquo
Antes de tentar reproduzir a tentativa de Parmecircnides vamos esclarecer o sentido da
expressatildeo lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) Esta expressatildeo eacute composta pelo artigo definido neutro
singular toacute (em portuguecircs lsquoorsquo) pelο adveacuterbio de negaccedilatildeo me (em portuguecircs lsquonatildeorsquo) e pelo
substantivo eoacuten obtido da substantivaccedilatildeo do particiacutepio de verbo eimiacute que significa ldquoserrdquo (em
portuguecircs lsquoque estaacute sendorsquo ou lsquoque eacutersquo) Unindo as trecircs partes temos lsquoo que natildeo eacutersquo Eacute preciso
atentar para o fato de que eoacuten em Parmecircnides embora singular natildeo se refere a um uacutenico ente
mas ao ente em geral Podemos ver isto tanto pela intenccedilatildeo inicial de falar de tudo (paacutenta 128)
quanto e principalmente pelo tratamento dado ao eoacuten no fragmento 8 onde ele representa o
todo da realidade
Embora o significado do eoacuten em Parmecircnides natildeo tenha sido inteiramente esclarecido19
e embora natildeo haja unanimidade entre os estudiosos em relaccedilatildeo ao alcance de sua noccedilatildeo eacute
bastante razoaacutevel que esta uacuteltima natildeo fique restrita a um uacutenico ente mas seja generalizada em
suma para Parmecircnides eoacuten eacute um termo geral e significa lsquotudo que eacutersquo incluindo tanto o ente
individual quanto todos os entes (paacutenta) Entatildeo na versatildeo negativa tograve megrave eoacuten podemos aceitar
a noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo desde que se entenda em sentido absoluto lsquoo tudo que natildeo eacutersquo (ou lsquoo
todo que natildeo eacutersquo) Que Parmecircnides se refira ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo serrsquo tomados em sentido absoluto
estaacute claro pela estrutura ontoloacutegica de sua filosofia ademais uma confirmaccedilatildeo histoacuterica vem
do proacuteprio Platatildeo o qual diante das dificuldades filosoacuteficas postas pela noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo
absoluto de Parmecircnides acaba introduzindo no seu diaacutelogo lsquoO sofistarsquo a noccedilatildeo de natildeo-ser
enquanto outro ou seja do natildeo-ser relativo Apoacutes essas palavras preliminares podemos analisar
a reflexatildeo parmenidiana
19 Jaacute Platatildeo declarava natildeo ter certeza de ter entendido Parmecircnides (Theet 184a)
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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a
noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo
o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a
mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele
livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa
portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa
no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele
mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe
Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo
que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo
aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela
aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia
do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo
Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo
lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo
deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo
acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo
mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo
a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia
imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem
evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente
tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado
2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto
sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo
pode ser conhecida
Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No
primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que
natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas
condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a
proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos
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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel
Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do
pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo
meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar
aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se
reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado
negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo
eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a
negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo
ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo
cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo
O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar
comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais
minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise
gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel
porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do
pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico
por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples
os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo
eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute
cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade
estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por
ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20
A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo
Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o
fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz
20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria
expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)
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claramente
pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)
nem o dirias
A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo
de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de
lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na
discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e
principalmente da linguagem epistecircmica
Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e
tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode
ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar
mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo
serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz
Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22
E ainda em 88-9 ele diz
pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel
eacute que natildeo eacute23
E ainda em 817-19
estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio
uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira
via natildeo eacute24
Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre
apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel
como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam
exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente
consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em
sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo
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megrave eoacuten para que natildeo se use tograve megrave eoacuten no discurso epistecircmico Parmecircnides expotildee explicitamente
portanto conscientemente uma regra de metalinguagem com fundamento ontoloacutegico
Conclusotildees
Em nosso percurso ateacute aqui analisamos principalmente a noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo de
Parmecircnides relacionada ao nosso tema do indiziacutevel Para tal fim comeccedilamos dizendo que a
criacutetica tradicional desde Hegel privilegiou o estudo do lsquoserrsquo parmenidiano deixando de lado
o lsquonatildeo serrsquo Vimos poreacutem que a partir principalmente da segunda metade do seacuteculo XX os
estudos do lsquonatildeo serrsquo comeccedilaram a surgir e a evidenciar aspectos do eleata que tinham ficado de
lado pela influecircncia platocircnica que no Sofista ao considerar sem sentido a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo
a descarta totalmente de sua visatildeo de mundo
Ao voltarmos a nossa atenccedilatildeo ao poema a partir da nova visatildeo criacutetica que quer ir aleacutem
das sugestotildees platocircnicas e do historicismo idealista de marca hegeliana abordamos a proposta
explicitada por Parmecircnides no fragmento 1 Seu programa de ensino se propotildee a ensinar todas
as coisas (paacutenta) expressatildeo que se deve natildeo a uma megalomania do autor mas ao assunto
predileto dos preacute-socraacuteticos que consistia em encontrar os princiacutepios de todas as coisas Assim
esse paacutenta significa todas as coisas no sentido de todo A respeito desse todo o disciacutepulo
aprenderaacute tanto o saber que procede da verdade bem conexa quanto as opiniotildees dos mortais
nos quais natildeo haacute feacute verdadeira
Noacutes nos dedicamos entatildeo ao meacutetodo que ele expotildee para identificar a persuasatildeo que
acompanha a verdade e podecirc-la distinguir da crenccedila sem fundamento Vimos que esse meacutetodo
eacute composto por duas vias a primeira somente descrita e a segunda descrita e justificada por
argumentos Dedicamos nossa atenccedilatildeo aos argumentos da segunda via e vimos que o principal
se refere a lsquoo que natildeo eacutersquo e dele se diz que natildeo pode ser conhecido e nem dito Ao procurarmos
entender o que poderia significar lsquoo que natildeo eacutersquo antes de tudo estabelecemos que eacute uma
expressatildeo no singular mas que deve ser generalizada a todo ente e sucessivamente dissemos
que esta negaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo absoluta
Prosseguimos nossa anaacutelise tentando reproduzir a meditaccedilatildeo que levasse agraves conclusotildees
reportadas no fragmento 2 e encontramos que ontologicamente eacute impossiacutevel pensar o lsquonatildeo serrsquo
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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas
neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito
cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo
por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para
Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico
portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido
Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar
algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa
ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos
que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute
expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma
autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento
ocidental
Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco
exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no
Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro
exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria
platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica
com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto
significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e
que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram
Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a
apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo
de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica
para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias
inovaccedilotildees que estava trazendo
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REFEREcircNCIAS
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USP 2015
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1982 pp 19ndash61
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que a deusa se refere com estas palavras Antes de tudo a deusa se dirige a quem se preocupa
com pesquisa (dizeacutesis inqueacuterito pesquisa) trata-se entatildeo de palavras destinadas a quem natildeo
sabe e estaacute em busca de saber Nesta atividade de pesquisa o pensamento segue percursos em
nossa mente ou seja monta sequecircncias de proposiccedilotildees a estabelecer um entendimento aquilo
que hoje chamamos de argumento Em outras palavras a deusa afirma que haacute dois uacutenicos
percursos argumentativos para o pensar que pesquisa Um detalhe gramatical nos leva agrave
compreensatildeo dos proacuteximos passos o verbo noecircsai (de noeicircn pensar16) eacute ativo e se coordena
com os proacuteximos versos no verso 23 pensar [o primeiro] que no verso 25 pensar [o outro]
que esta configuraccedilatildeo ficaraacute mais clara a seguir
Os argumentos de pesquisa diz a deusa satildeo de dois tipos aqueles determinados pelos
dois caminhos que o pensar investigativo pode seguir um pensar que eacute outro pensar que natildeo
eacute Aqui o pensar natildeo eacute qualquer pensar mas eacute o ato especiacutefico do pensar cognitivo aquele
voltado agrave investigaccedilatildeo Entatildeo este tipo de pensar natildeo pode ser deixado fluir livremente mas
deve ser submetido a regras que ofereccedilam uma seguranccedila cognitiva e gerem argumentos fiaacuteveis
Por ser um meacutetodo para o pensar cognitivo necessariamente se refere agrave maneira de pensar e
natildeo ao pensado Isto eacute natildeo se trata de julgar o resultado do pensar que satildeo as vaacuterias teorias
mas manter a criacutetica sobre o argumento que leva agravequelas teorias Parmecircnides daraacute o exemplo
no fragmento 8 onde a descriccedilatildeo das caracteriacutesticas do lsquoserrsquo (tograve eoacuten) eacute acompanhada de
argumentos que seguem o meacutetodo exposto anteriormente Vamos entatildeo agrave exposiccedilatildeo do meacutetodo
do fragmento 2
Haacute somente estes caminhos um pensar que eacute e que natildeo pode natildeo ser outro pensar
que eacute e que eacute necessaacuterio que natildeo seja Satildeo palavras enigmaacuteticas e haacute seacuteculos despertam imenso
interesse nos estudiosos Vejamos o primeiro (23-4) um [pensar] que eacute e que natildeo pode natildeo
ser eacute caminho de persuasatildeo que acompanha a verdade Haacute vaacuterias linhas interpretativas que
em geral se baseiam na interpretaccedilatildeo que se quer dar ao primeiro lsquoeacutersquo se existencial predicativo
veritativo ou outro Como pela minha leitura confortada da anaacutelise dos proacuteximos versos o lsquoeacutersquo
parmenidiano eacute existencial proponho aqui uma interpretaccedilatildeo provisoacuteria embora ainda natildeo
16 A traduccedilatildeo e o sentido da noccedilatildeo de pensar em Parmecircnides satildeo objeto de grandes controveacutersias haacute muito tempo
e um excelente resumo da problemaacutetica desta passagem pode ser encontrado em Cordero (2005 p 56-59) De
minha parte aceito que seja um verbo ativo e que se refira agrave atividade propriamente psicoloacutegica ou seja aos
mecanismos do pensar e natildeo ao pensamento enquanto atividade completa (pensador-pensar-pensado) ou ao
resultado da atividade do pensar (como na expressatildeo lsquoo pensamento filosoacutefico ocidentalrsquo)
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justificada lsquoeacutersquo para Parmecircnides eacute lsquoo que eacutersquo o que tem existecircncia o que estaacute presente17 Ora lsquoo
que eacutersquo natildeo pode natildeo ser isto eacute natildeo pode ser anulado nulificado negado (entenda-se aqui
negado no sentido ontoloacutegico e natildeo no sentido predicativo) Para Parmecircnides pensar que lsquoo
que eacutersquo natildeo pode ser nulificado significa seguir o percurso argumentativo que garante a
persuasatildeo verdadeira aquela investida de verdade
Vejamos o segundo caminho (25-8) outro [pensar] que natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo
seja este eacute caminho natildeo de todo escrutaacutevel pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute
exequiacutevel) nem o dirias Chegamos aqui no acircmago de nosso tema vamos examinar entatildeo
detidamente O segundo caminho consiste em pensar lsquoo que natildeo eacutersquo Deste caminho eacute necessaacuterio
pensar que natildeo seja porque lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) natildeo pode ser conhecido (natildeo eacute exequiacutevel)
e nem pode ser dito A primeira coisa a notar eacute o fato de que enquanto o primeiro caminho eacute
somente descrito neste segundo a descriccedilatildeo recebe o suporte de um argumento introduzido por
gar que eacute uma conjunccedilatildeo causal e significa ldquopoisrdquo ldquoporquerdquo pois (gar) nem conhecerias o que
natildeo eacute e nem o dirias Como ele sabe que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito
Vamos responder a esta pergunta
A meditaccedilatildeo da negaccedilatildeo do ser
Como eacute possiacutevel ver todo o fragmento 2 eacute dedicado ao pensar a um certo tipo de pensar
ao como eacute possiacutevel pensar segundo a persuasatildeo verdadeira e ao como eacute impossiacutevel pensar o
lsquonatildeo serrsquo Este fragmento eacute inteiramente dedicado ao pensamento Se Parmecircnides diz que soacute haacute
estes dois caminhos para o pensar investigativo isto indica que ele pesquisou os mais variados
caminhos do pensar e soacute dois resultaram adequados para seu propoacutesito Se ele diz que pensar o
lsquoeacutersquo se encontra em conjunccedilatildeo indissoluacutevel (tegrave kaiacute duas conjunccedilotildees uma reforccedilando a outra)
com pensar ldquoque natildeo pode natildeo serrdquo e que pensar ldquonatildeo eacuterdquo eacute um atalho que natildeo pode ser
escrutado pois natildeo eacute possiacutevel conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo significa que ele se dedicou intensamente
agrave observaccedilatildeo do comportamento da mente humana especificamente na atividade cognitiva18
17 A justificaccedilatildeo completa eacute complexa e natildeo pode ser apresentada aqui Aqui mais adiante seratildeo oferecidos alguns
argumentos sumaacuterios 18 Para notiacutecias sobre um Parmecircnides estudioso da mente e portanto um Parmecircnides psicoacutelogo dada a ausecircncia
de outros estudos mais completos me seja permitido enviar o leitor a Galgano (2017)
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Estamos diante de um conjunto de observaccedilotildees do comportamento da mente que Parmecircnides
deve ter extraiacutedo tambeacutem de sua proacutepria atividade de reflexatildeo
A descriccedilatildeo dos caminhos estaacute apoiada num argumento entatildeo eacute a ele que temos que
dirigir as nossas atenccedilotildees para entender o inteiro fragmento O argumento eacute pois (gar) nem
conhecerias o que natildeo eacute (tograve megrave eoacuten) e nem o dirias Parmecircnides de alguma forma chegou agrave
conclusatildeo de que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido Eu penso que para chegar a esta
conclusatildeo ele tentou conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo Para tanto antes de tudo deve ter tentado pensar
lsquoo que natildeo eacutersquo
Antes de tentar reproduzir a tentativa de Parmecircnides vamos esclarecer o sentido da
expressatildeo lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) Esta expressatildeo eacute composta pelo artigo definido neutro
singular toacute (em portuguecircs lsquoorsquo) pelο adveacuterbio de negaccedilatildeo me (em portuguecircs lsquonatildeorsquo) e pelo
substantivo eoacuten obtido da substantivaccedilatildeo do particiacutepio de verbo eimiacute que significa ldquoserrdquo (em
portuguecircs lsquoque estaacute sendorsquo ou lsquoque eacutersquo) Unindo as trecircs partes temos lsquoo que natildeo eacutersquo Eacute preciso
atentar para o fato de que eoacuten em Parmecircnides embora singular natildeo se refere a um uacutenico ente
mas ao ente em geral Podemos ver isto tanto pela intenccedilatildeo inicial de falar de tudo (paacutenta 128)
quanto e principalmente pelo tratamento dado ao eoacuten no fragmento 8 onde ele representa o
todo da realidade
Embora o significado do eoacuten em Parmecircnides natildeo tenha sido inteiramente esclarecido19
e embora natildeo haja unanimidade entre os estudiosos em relaccedilatildeo ao alcance de sua noccedilatildeo eacute
bastante razoaacutevel que esta uacuteltima natildeo fique restrita a um uacutenico ente mas seja generalizada em
suma para Parmecircnides eoacuten eacute um termo geral e significa lsquotudo que eacutersquo incluindo tanto o ente
individual quanto todos os entes (paacutenta) Entatildeo na versatildeo negativa tograve megrave eoacuten podemos aceitar
a noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo desde que se entenda em sentido absoluto lsquoo tudo que natildeo eacutersquo (ou lsquoo
todo que natildeo eacutersquo) Que Parmecircnides se refira ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo serrsquo tomados em sentido absoluto
estaacute claro pela estrutura ontoloacutegica de sua filosofia ademais uma confirmaccedilatildeo histoacuterica vem
do proacuteprio Platatildeo o qual diante das dificuldades filosoacuteficas postas pela noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo
absoluto de Parmecircnides acaba introduzindo no seu diaacutelogo lsquoO sofistarsquo a noccedilatildeo de natildeo-ser
enquanto outro ou seja do natildeo-ser relativo Apoacutes essas palavras preliminares podemos analisar
a reflexatildeo parmenidiana
19 Jaacute Platatildeo declarava natildeo ter certeza de ter entendido Parmecircnides (Theet 184a)
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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a
noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo
o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a
mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele
livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa
portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa
no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele
mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe
Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo
que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo
aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela
aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia
do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo
Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo
lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo
deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo
acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo
mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo
a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia
imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem
evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente
tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado
2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto
sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo
pode ser conhecida
Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No
primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que
natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas
condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a
proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos
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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel
Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do
pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo
meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar
aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se
reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado
negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo
eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a
negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo
ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo
cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo
O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar
comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais
minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise
gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel
porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do
pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico
por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples
os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo
eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute
cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade
estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por
ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20
A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo
Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o
fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz
20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria
expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)
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claramente
pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)
nem o dirias
A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo
de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de
lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na
discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e
principalmente da linguagem epistecircmica
Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e
tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode
ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar
mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo
serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz
Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22
E ainda em 88-9 ele diz
pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel
eacute que natildeo eacute23
E ainda em 817-19
estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio
uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira
via natildeo eacute24
Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre
apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel
como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam
exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente
consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em
sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo
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megrave eoacuten para que natildeo se use tograve megrave eoacuten no discurso epistecircmico Parmecircnides expotildee explicitamente
portanto conscientemente uma regra de metalinguagem com fundamento ontoloacutegico
Conclusotildees
Em nosso percurso ateacute aqui analisamos principalmente a noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo de
Parmecircnides relacionada ao nosso tema do indiziacutevel Para tal fim comeccedilamos dizendo que a
criacutetica tradicional desde Hegel privilegiou o estudo do lsquoserrsquo parmenidiano deixando de lado
o lsquonatildeo serrsquo Vimos poreacutem que a partir principalmente da segunda metade do seacuteculo XX os
estudos do lsquonatildeo serrsquo comeccedilaram a surgir e a evidenciar aspectos do eleata que tinham ficado de
lado pela influecircncia platocircnica que no Sofista ao considerar sem sentido a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo
a descarta totalmente de sua visatildeo de mundo
Ao voltarmos a nossa atenccedilatildeo ao poema a partir da nova visatildeo criacutetica que quer ir aleacutem
das sugestotildees platocircnicas e do historicismo idealista de marca hegeliana abordamos a proposta
explicitada por Parmecircnides no fragmento 1 Seu programa de ensino se propotildee a ensinar todas
as coisas (paacutenta) expressatildeo que se deve natildeo a uma megalomania do autor mas ao assunto
predileto dos preacute-socraacuteticos que consistia em encontrar os princiacutepios de todas as coisas Assim
esse paacutenta significa todas as coisas no sentido de todo A respeito desse todo o disciacutepulo
aprenderaacute tanto o saber que procede da verdade bem conexa quanto as opiniotildees dos mortais
nos quais natildeo haacute feacute verdadeira
Noacutes nos dedicamos entatildeo ao meacutetodo que ele expotildee para identificar a persuasatildeo que
acompanha a verdade e podecirc-la distinguir da crenccedila sem fundamento Vimos que esse meacutetodo
eacute composto por duas vias a primeira somente descrita e a segunda descrita e justificada por
argumentos Dedicamos nossa atenccedilatildeo aos argumentos da segunda via e vimos que o principal
se refere a lsquoo que natildeo eacutersquo e dele se diz que natildeo pode ser conhecido e nem dito Ao procurarmos
entender o que poderia significar lsquoo que natildeo eacutersquo antes de tudo estabelecemos que eacute uma
expressatildeo no singular mas que deve ser generalizada a todo ente e sucessivamente dissemos
que esta negaccedilatildeo eacute uma negaccedilatildeo absoluta
Prosseguimos nossa anaacutelise tentando reproduzir a meditaccedilatildeo que levasse agraves conclusotildees
reportadas no fragmento 2 e encontramos que ontologicamente eacute impossiacutevel pensar o lsquonatildeo serrsquo
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absoluto pois nos dois tipos de tentativas possiacuteveis ou somos testemunhas do lsquonatildeo serrsquo mas
neste caso ele natildeo seria absoluto exatamente por causa de nossa presenccedila como sujeito
cognitivo ou noacutes natildeo somos testemunhas e entatildeo o lsquonatildeo serrsquo absoluto escapa de nossa cogniccedilatildeo
por falta de sujeito cognitivo Por conseguinte quando se fala do lsquonatildeo serrsquo (tograve megrave eoacuten) que para
Parmecircnides eacute sempre e somente o lsquonatildeo serrsquo absoluto se diz algo que sem referente ontoloacutegico
portanto se diz algo que natildeo tem realidade e nem sentido
Vimos tambeacutem que a linguagem refletindo um processo mental eacute capaz de expressar
algo sem sentido portanto Parmecircnides recomenda que no caminho do pensamento de pesquisa
ou seja na linguagem saacutebia e epistecircmica esta expressatildeo natildeo deva ser usada Por fim vimos
que natildeo haacute contradiccedilatildeo em Parmecircnides pois a deusa natildeo diz o indiziacutevel mas diz que haacute
expressotildees que por se referir ao indiziacutevel erram em suas intenccedilotildees estabelecendo uma
autecircntica regra de metalinguagem talvez uma das primeiras da histoacuteria do pensamento
ocidental
Eacute interessante notar que esta capacidade e consciecircncia linguiacutestica foram muito pouco
exploradas pela criacutetica Eu penso que mais uma vez isso se deve a Platatildeo que justamente no
Sofista aleacutem de descartar o lsquonatildeo serrsquo como uma expressatildeo sem sentido oferece o primeiro
exemplo conhecido de teoria linguiacutestica completa com a sua teoria da predicaccedilatildeo A teoria
platocircnica da predicaccedilatildeo ainda eacute aquela que usamos na nossa linguagem comum e cientiacutefica
com exceccedilatildeo de regiotildees muito avanccediladas da Loacutegica da Matemaacutetica e de aacutereas afins Isto
significa que de certa forma vemos o mundo com os filtros que foram elaborados por Platatildeo e
que ou natildeo nos permitem ou dificultam enxergar aquilo que estes filtros filtram
Fica entatildeo registrada a imensa sabedoria linguiacutestica de Parmecircnides aliaacutes o primeiro a
apresentar o formato explicitamente argumentativo no Ocidente exibindo ainda o virtuosismo
de fazer isto em versos hexacircmetros eacutepicos usando uma linguagem voluntariamente arcaica
para sua eacutepoca para criar um efeito de moldura miacutetica para a comunicaccedilatildeo das extraordinaacuterias
inovaccedilotildees que estava trazendo
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REFEREcircNCIAS
ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad para o italiano de REALE G com retraduccedilatildeo de PERINE M Ed Loyola
Satildeo Paulo 2002
CAVALCANTE DE SOUZA J (dir) (1978) Os preacute-socraacuteticos Ed Abril Cultural Satildeo Paulo 1978
COLOMBO A Il primato del nulla e le origini della metafiacutesica Ed Universitagrave Cattolica Milatildeo 1972
CORDERO N-L Siendo se es Ed Editorial Biblos Buenos Aires 2005
GALGANO NS O preceito da deusa o natildeo ser como contradiccedilatildeo em Parmecircnides de Eleia Tese de doutorado
USP 2015
GALGANO NS Parmecircnides psychologist part 1 and 2 In Archai 19 (part 1) e 20 (part 2) 2017
HEGEL G W F Vorlesungen uumlber die Geschichte der Philosophie 1836 Trad italiana de CODIGNOLA E e
SANNA G (1967) Lezioni sulla storia della filosofia Ed La nuova Italia Firenze 1967
ROSSETTI L La structure du poegraveme de Parmeacutenide In Philosophie Antique n 10 p 187-226 Ed Les Presses
Universitaries de Septentrion 2010
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175 1964 depois in Essenza del nichilismo Brescia Paideia 1972 pp 13ndash66 nova ediccedilatildeo Milatildeo Adelphi
1982 pp 19ndash61
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justificada lsquoeacutersquo para Parmecircnides eacute lsquoo que eacutersquo o que tem existecircncia o que estaacute presente17 Ora lsquoo
que eacutersquo natildeo pode natildeo ser isto eacute natildeo pode ser anulado nulificado negado (entenda-se aqui
negado no sentido ontoloacutegico e natildeo no sentido predicativo) Para Parmecircnides pensar que lsquoo
que eacutersquo natildeo pode ser nulificado significa seguir o percurso argumentativo que garante a
persuasatildeo verdadeira aquela investida de verdade
Vejamos o segundo caminho (25-8) outro [pensar] que natildeo eacute e eacute necessaacuterio que natildeo
seja este eacute caminho natildeo de todo escrutaacutevel pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute
exequiacutevel) nem o dirias Chegamos aqui no acircmago de nosso tema vamos examinar entatildeo
detidamente O segundo caminho consiste em pensar lsquoo que natildeo eacutersquo Deste caminho eacute necessaacuterio
pensar que natildeo seja porque lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) natildeo pode ser conhecido (natildeo eacute exequiacutevel)
e nem pode ser dito A primeira coisa a notar eacute o fato de que enquanto o primeiro caminho eacute
somente descrito neste segundo a descriccedilatildeo recebe o suporte de um argumento introduzido por
gar que eacute uma conjunccedilatildeo causal e significa ldquopoisrdquo ldquoporquerdquo pois (gar) nem conhecerias o que
natildeo eacute e nem o dirias Como ele sabe que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito
Vamos responder a esta pergunta
A meditaccedilatildeo da negaccedilatildeo do ser
Como eacute possiacutevel ver todo o fragmento 2 eacute dedicado ao pensar a um certo tipo de pensar
ao como eacute possiacutevel pensar segundo a persuasatildeo verdadeira e ao como eacute impossiacutevel pensar o
lsquonatildeo serrsquo Este fragmento eacute inteiramente dedicado ao pensamento Se Parmecircnides diz que soacute haacute
estes dois caminhos para o pensar investigativo isto indica que ele pesquisou os mais variados
caminhos do pensar e soacute dois resultaram adequados para seu propoacutesito Se ele diz que pensar o
lsquoeacutersquo se encontra em conjunccedilatildeo indissoluacutevel (tegrave kaiacute duas conjunccedilotildees uma reforccedilando a outra)
com pensar ldquoque natildeo pode natildeo serrdquo e que pensar ldquonatildeo eacuterdquo eacute um atalho que natildeo pode ser
escrutado pois natildeo eacute possiacutevel conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo significa que ele se dedicou intensamente
agrave observaccedilatildeo do comportamento da mente humana especificamente na atividade cognitiva18
17 A justificaccedilatildeo completa eacute complexa e natildeo pode ser apresentada aqui Aqui mais adiante seratildeo oferecidos alguns
argumentos sumaacuterios 18 Para notiacutecias sobre um Parmecircnides estudioso da mente e portanto um Parmecircnides psicoacutelogo dada a ausecircncia
de outros estudos mais completos me seja permitido enviar o leitor a Galgano (2017)
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Estamos diante de um conjunto de observaccedilotildees do comportamento da mente que Parmecircnides
deve ter extraiacutedo tambeacutem de sua proacutepria atividade de reflexatildeo
A descriccedilatildeo dos caminhos estaacute apoiada num argumento entatildeo eacute a ele que temos que
dirigir as nossas atenccedilotildees para entender o inteiro fragmento O argumento eacute pois (gar) nem
conhecerias o que natildeo eacute (tograve megrave eoacuten) e nem o dirias Parmecircnides de alguma forma chegou agrave
conclusatildeo de que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido Eu penso que para chegar a esta
conclusatildeo ele tentou conhecer lsquoo que natildeo eacutersquo Para tanto antes de tudo deve ter tentado pensar
lsquoo que natildeo eacutersquo
Antes de tentar reproduzir a tentativa de Parmecircnides vamos esclarecer o sentido da
expressatildeo lsquoo que natildeo eacutersquo (tograve megrave eoacuten) Esta expressatildeo eacute composta pelo artigo definido neutro
singular toacute (em portuguecircs lsquoorsquo) pelο adveacuterbio de negaccedilatildeo me (em portuguecircs lsquonatildeorsquo) e pelo
substantivo eoacuten obtido da substantivaccedilatildeo do particiacutepio de verbo eimiacute que significa ldquoserrdquo (em
portuguecircs lsquoque estaacute sendorsquo ou lsquoque eacutersquo) Unindo as trecircs partes temos lsquoo que natildeo eacutersquo Eacute preciso
atentar para o fato de que eoacuten em Parmecircnides embora singular natildeo se refere a um uacutenico ente
mas ao ente em geral Podemos ver isto tanto pela intenccedilatildeo inicial de falar de tudo (paacutenta 128)
quanto e principalmente pelo tratamento dado ao eoacuten no fragmento 8 onde ele representa o
todo da realidade
Embora o significado do eoacuten em Parmecircnides natildeo tenha sido inteiramente esclarecido19
e embora natildeo haja unanimidade entre os estudiosos em relaccedilatildeo ao alcance de sua noccedilatildeo eacute
bastante razoaacutevel que esta uacuteltima natildeo fique restrita a um uacutenico ente mas seja generalizada em
suma para Parmecircnides eoacuten eacute um termo geral e significa lsquotudo que eacutersquo incluindo tanto o ente
individual quanto todos os entes (paacutenta) Entatildeo na versatildeo negativa tograve megrave eoacuten podemos aceitar
a noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo desde que se entenda em sentido absoluto lsquoo tudo que natildeo eacutersquo (ou lsquoo
todo que natildeo eacutersquo) Que Parmecircnides se refira ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo serrsquo tomados em sentido absoluto
estaacute claro pela estrutura ontoloacutegica de sua filosofia ademais uma confirmaccedilatildeo histoacuterica vem
do proacuteprio Platatildeo o qual diante das dificuldades filosoacuteficas postas pela noccedilatildeo de lsquonatildeo serrsquo
absoluto de Parmecircnides acaba introduzindo no seu diaacutelogo lsquoO sofistarsquo a noccedilatildeo de natildeo-ser
enquanto outro ou seja do natildeo-ser relativo Apoacutes essas palavras preliminares podemos analisar
a reflexatildeo parmenidiana
19 Jaacute Platatildeo declarava natildeo ter certeza de ter entendido Parmecircnides (Theet 184a)
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Parmecircnides diz que lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser conhecido e nem dito Sabendo que a
noccedilatildeo de lsquoo que natildeo eacutersquo se refere a todas as coisas entatildeo vamos tentar pensar pela imaginaccedilatildeo
o que seria a negaccedilatildeo de todas as coisas Vamos partir de um objeto sensiacutevel o livro sobre a
mesa Pensar a aniquilaccedilatildeo do livro que estaacute sobre a mesa significa pensar a mesa sem aquele
livro Na sequecircncia da aniquilaccedilatildeo de todas as coisas se pode pensar na aniquilaccedilatildeo da mesa
portanto na sala sem aquela mesa e depois na casa sem aquela sala na cidade sem aquela casa
no mundo sem aquela cidade e em tudo que existe (incluindo os entes inteligiacuteveis) sem aquele
mundo Chega-se entatildeo agrave aniquilaccedilatildeo de tudo que existe
Todavia neste momento algo acontece pois se se quer aniquilar completamente tudo
que existe eacute necessaacuterio aniquilar tambeacutem o sujeito cognitivo que estaacute pela sua reflexatildeo
aniquilando tudo que existe Suponhamos que este sujeito cognitivo seja eu Se eu pela
aniquilaccedilatildeo imaginativa me dou conta de que lsquoa mesa sem o livrorsquo eacute lsquoa mesa com a ausecircncia
do livrorsquo entatildeo posso estabelecer a noccedilatildeo de lsquonegaccedilatildeo daquele livrorsquo ou de lsquonatildeo este livrorsquo
Isto pode ser feito a cada uma das passagens lsquonatildeo esta mesarsquo lsquonatildeo esta casarsquo lsquonatildeo esta cidadersquo
lsquonatildeo este mundorsquo Todavia ao chegar ao lsquonatildeo tudo que existersquo haacute um problema pois a negaccedilatildeo
deveria incluir a mim sujeito cognitivo Suponhamos que eu aniquilo a mim tambeacutem entatildeo
acontecem duas possibilidades 1) a primeira eacute aquela em que eu ldquopercebordquo que eu me aniquilo
mas isto significa necessariamente que haacute um outro sujeito cognitivo meu que estaacute percebendo
a minha aniquilaccedilatildeo neste caso como que num desdobramento da minha consciecircncia
imaginativa eu estou ldquopercebendordquo imaginativamente a minha proacutepria aniquilaccedilatildeo poreacutem
evidentemente um algo ndash o novo sujeito cognitivo ndash persiste e a aniquilaccedilatildeo de absolutamente
tudo natildeo aconteceu este processo pode ser repetido indefinidamente com o mesmo resultado
2) a segunda eacute aquela em que eu aceito a aniquilaccedilatildeo de tudo incluindo a mim mesmo enquanto
sujeito cognitivo neste caso dada a ausecircncia do sujeito cognitivo a aniquilaccedilatildeo de tudo natildeo
pode ser conhecida
Nos dois casos lsquoo que natildeo eacutersquo considerado absolutamente natildeo pode ser conhecido No
primeiro caso porque a presenccedila de uma consciecircncia cognitiva impede a realizaccedilatildeo do lsquoo que
natildeo eacutersquo absoluto logo natildeo se chega a conhececirc-lo porque ele natildeo se apresenta e nem pode nestas
condiccedilotildees (de presenccedila de um sujeito cognitivo) jamais se apresentar No segundo caso a
proacutepria ausecircncia do sujeito cognitivo impede que se conheccedila lsquoo que natildeo eacutersquo Em ambos os casos
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lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel
Podemos agora retornar ao fragmento 2 Parmecircnides estaacute analisando os processos do
pensar e percebe que lsquoo que natildeo eacutersquo eacute incognosciacutevel O percurso de pensamento (reflexatildeo
meditaccedilatildeo) que tenta pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute um percurso que comeccedila mas natildeo termina (ou gar
aniston natildeo eacute levado a termo) Νo primeiro dos casos analisados o sujeito cognitivo se
reapresenta inexoravelmente entatildeo o que eacute natildeo pode ser totalmente aniquilado nulificado
negado lsquoo que eacutersquo (lsquoeacutersquo) natildeo pode natildeo ser eis o primeiro caminho No segundo caso lsquoo que natildeo
eacutersquo natildeo eacute conhecido completamente entatildeo eacute a expressatildeo da impossibilidade de se pensar a
negaccedilatildeo absoluta ou como diz o segundo caminho pensar lsquoo que natildeo eacutersquo eacute necessariamente natildeo
ser (megrave eiacutenai) eacute caminho que natildeo pode ser escrutado totalmente pois por ficar fora do espaccedilo
cognitivo lsquoo que natildeo eacutersquo eacute uma expressatildeo que natildeo tem sentido na argumentaccedilatildeo
O primeiro dos caminhos eacute mais facilmente e intuitivamente identificaacutevel pelo pensar
comum O segundo parece mais difiacutecil e na verdade seriam necessaacuterias anaacutelises mais
minuciosas para mostrar o sentido da expressatildeo grega megrave eiacutenai Poreacutem para aleacutem da anaacutelise
gramatical o sentido filosoacutefico eacute claro e eacute o seguinte pensar o lsquonatildeo serrsquo (absoluto) eacute impossiacutevel
porque o lsquonatildeo serrsquo cuja presenccedila eacute impossiacutevel em todo caso natildeo se apresenta como objeto do
pensamento portanto natildeo pode ser conhecido Dados estes dois caminhos do pensar epistecircmico
por que eles seriam o meacutetodo para o discurso de persuasatildeo verdadeira Por um motivo simples
os dois caminhos natildeo se cruzam porque o segundo natildeo oferece um percurso pensar o lsquonatildeo serrsquo
eacute um caminho que natildeo leva a lugar nenhum eacute uma promessa de percurso que jamais seraacute
cumprida portanto ao se usar a expressatildeo lsquonatildeo serrsquo acreditamos dizer algo mas na verdade
estamos utilizando uma expressatildeo sem sentido Todo discurso que implica o lsquonatildeo serrsquo acaba por
ser eivado de contradiccedilatildeo porque lsquonatildeo serrsquo natildeo tem sentido20
A impossibilidade de dizer lsquoo que natildeo eacutersquo
Depois dessa explicitaccedilatildeo se lsquoo que natildeo eacutersquo natildeo pode ser pensado e nem conhecido o
fato de que ele tambeacutem natildeo possa ser expresso indicado ou dito eacute corolaacuterio Parmecircnides o diz
20 Eacute possiacutevel mostrar que no texto de Parmecircnides a contradiccedilatildeo se daacute mesmo entre natildeo e ser A proacutepria
expressatildeo natildeo ser eacute contraditoacuteria (Galgano 2015)
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claramente
pois nem conhecerias o que natildeo eacute (pois natildeo eacute exequiacutevel)
nem o dirias
A expressatildeo nem o dirias traduz o grego oute phraacutesais uma negaccedilatildeo do optativo aoristo
de phraacutezo verbo que significa originariamente lsquoindicarrsquo e aos poucos tomou o sentido de
lsquodizerrsquo Gostaria de me deter um pouco sobre este verbo porque natildeo soacute eacute um verbo chave na
discussatildeo de nosso tema mas o eacute tambeacutem em todo o desenvolvimento da linguagem e
principalmente da linguagem epistecircmica
Phraacutezo significa mais precisamente ldquoapontarrdquo ldquoindicarrdquo ldquomostrarrdquo ldquomencionarrdquo e
tambeacutem ldquoindicar com palavras dizerrdquo21 Afinal poreacutem o sentido eacute que o lsquonatildeo serrsquo natildeo pode
ser objeto de comunicaccedilatildeo Em vaacuterias outras passagens do poema que aqui posso apenas citar
mas natildeo analisar Parmecircnides associa o pensar e o dizer sempre em relaccedilatildeo ao lsquoserrsquo e ao lsquonatildeo
serrsquo Assim por exemplo em DK 61 ele diz
Necessaacuterio eacute o dizer e pensar que (o) ente eacute22
E ainda em 88-9 ele diz
pois natildeo diziacutevel nem pensaacutevel
eacute que natildeo eacute23
E ainda em 817-19
estaacute portanto decidido como eacute necessaacuterio
uma via abandonar impensaacutevel inominaacutevel pois verdadeira
via natildeo eacute24
Os termos usados satildeo diferentes (phraacutezo leacutegein phaacuteton anoacutenymon) mas sempre
apontam para a comunicaccedilatildeo seja ela possiacutevel como em 61 onde ele usa leacutegein ou impossiacutevel
como em 88 onde usa ougrave phaacuteton e em 818 onde usa anoacutenymon Estas passagens (que sejam
exemplo suficiente pois haacute outras no poema) nos mostram que Parmecircnides estaacute plenamente
consciente da estreita ligaccedilatildeo cognitiva e epistecircmica entre o pensar e o dizer (comunicar) Em
sua pesquisa sobre o pensar Parmecircnides descobre que a negaccedilatildeo absoluta do ser eacute algo que natildeo