En rique Pichon-Rivire O PROCESSO GRUPAL
Referncia: Pichon-Rivire, Enrique. O PROCESSO GRUPAL. So Paulo:
Martins Fontes. 2000.
Enrique Pichon-Rivire O PROCESSO GRUPAL
Traduo MARCO A URLIO FERNANDES VELLOSO
Reviso MONICA STHEL
Martins Fontes
So Paulo 2000
Ttulo original/ EL PROCESO GRUPAL.
Copyright by Ediciones Nueva Visin SAIC, Buenos Ayres 1980.
Copyright Livrara Martins Fontes Editoras Ltda.
So Paulo. 1983. para a presente edio.
Traduo
MARCO AURLIO FERNANDES VELL0S0
Reviso da traduo
Mnica StahelReviso grfica
Rosngela Ramos da SilvaProduo grfica
Geraldo AlvesPaginao/FotolitosStudio 3 Desenvolvimento
EditorialCapa
Alexandre Martins FontesKtia Harumi Terasakandice
Prlogo 1
Uma nova problemtica para a psiquiatria 9
A noo de tarefa em psiquiatria 31
Prxis e psiquiatria 37
Freud: ponto de partida da psicologia social 43
Emprego de Tofranil na psicoterapia individual e grupal 47
Tratamento de grupos familiares: psicoterapia coletiva 61
Grupos familiares. Um enfoque operativo 71Aplicaes da
psicoterapia de grupo 83Discurso pronunciado como presidente do
Segundo
Congresso Argentino de Psiquiatria 93
A psiquiatria no contexto dos estudos mdicos 99
Apresentao para a ctedra de psiquiatria da Faculdade
de Medicina da Universidade Nacional de La Plata 109
Prlogo para o livro de F. K. Taylor Uma anlise da
Psicoterapia grupal 113
Tcnica dos grupos operativos 119
Grupos operativos e doena nica 135
Grupo operativo e modelo dramtico 157
Estrutura de uma escola destinada formao de psiclogos
sociais 165
Discpolo: um cronista de seu tempo 179
Implacvel inter jogo entre o homem e o mundo 189
Uma teoria da doena 193
Uma teoria da abordagem preventiva no mbito do grupo
Familiar 207
Transferncia e contratransferncia na situao grupal 213
Questionrio para Gentemergente 221
Entrevista em Primera Plana 225
Contribuies didtica da psicologia social 229
A Ana Pampliega de Quiroga,
cujo afeto e colaborao so
a necessria companhia na tarefa
Prlogo
Connaissance dela mort
Je te salue
mon cher petit et vieux cimetire de ma ville
o jappris a joueravec les morts.
C est ici o jai voulu me rvler le secret
de notre courte existence travers les ouvertures
d anciens cercueils solitaires.
E. Pichon-Rivire1O sentido deste prlogo o de esclarecer alguns
aspectos de meu esquema referencial, questionando sua origem e sua
histria, em busca da coerncia interior de uma tarefa que mostra
nestes escritos, com temtica e enfoques heterogneos, seus
diferentes momentos de elaborao terica.
Como crnica do itinerrio de um pensamento ser, necessariamente,
autobiogrfico, na medida em que o esquema de referncia de um autor
no s se estrutura como uma organizao conceitual, mas se sustenta em
alicerce motivacional, de experincias vividas. atravs delas que o
investigador construir seu mundo interno, habitado por pessoas,
lugares e vnculos que, articulando-se com um tempo prprio, em um
processo criador iro configurar a estratgia da descoberta.
Poderia dizer que minha vocao pelas Cincias do Homem surge da
tentativa de resolver a obscuridade do conflito
1. Poema escrito em 1924. [Conhecimento da morte! eu te sado /
meu querido pequeno e velho / cemitrio de minha cidade / onde
aprendi a brincar / com os mortos. / E aqui onde eu quis que me
fosse revelado o segredo de / nossa curta existncia / atravs das
aberturas / de antigos caixes solitrios. (N. do T.)entre duas
culturas. Com as razes da emigrao de meus pais de Genebra para o
Chaco, fui, desde os 4 anos, testemunha e protagonista da insero de
um grupo minoritrio europeu em um estilo de vida primitivo. Assim,
deu-se em mim a incorporao, certamente no inteiramente
discriminada, de dois modelos culturais quase opostos. Meu
interesse pela observao da realidade teve, inicialmente,
caractersticas pr-cientficas e, mais exatamente, msticas e mgicas,
adquirindo uma metodologia cientfica atravs da tarefa
psiquitrica.
A descoberta da continuidade entre sono e viglia, presentes nos
mitos que acompanharam minha infncia e nos poemas que testemunham
meus primeiros esforos criativos, sob a dupla e fundamental
influncia de Lautramont e Rimbaud, favoreceu em mim, desde a
adolescncia, a vocao pelo sinistro.
A surpresa e a metamorfose como elementos do sinistro, o
pensamento mgico estruturado como identificao projetiva, configuram
uma interpretao da realidade caracterstica das populaes rurais
influenciadas pela cultura guarani, onde vivi at os 18 anos. Ali,
toda aproximao de uma concepo de mundo de carter mgico, e regida
pela culpa. As noes de morte, luto e loucura formam o contexto
geral da mitologia guarani.
A internalizao destas estruturas primitivas dirigiu meu
interesse para a desocultao do implcito, na certeza de que, por trs
de todo pensamento que segue as leis da lgica formal, subjaz um
contedo que, atravs de diferentes processos de simbolizao, inclui
sempre uma relao com a morte, em uma situao triangular.
Situado em um contexto no qual as relaes causais eram encobertas
pela idia da arbitrariedade do destino, minha vocao analtica surge
como necessidade de esclarecimento dos mistrios familiares e de
questionamento dos motivos que dirigiam a conduta dos grupos
imediato e mediato. Os mistrios no esclarecidos no plano do
imediato (a que Freud chama romance familiar e a explicao mgica das
relaes entre o homem e a natureza determinaram em mim a
curiosidade, ponto de partida de minha vocao para as Cincias do
Homem.
O interesse pela observao dos personagens prototpicos, que nas
pequenas populaes adquirem uma significncia particular estava
orientado, ainda no conscientemente, para a descoberta dos modelos
simblicos, atravs dos quais se torna manifesto o interjorgo de
papis que configura a vida de um grupo social em seu mbito
ecolgico.
Algo do mgico e do mtico desapareceria, ento, frente desocultao
dessa ordem subjacente, porm explorvel: a da inter-relao dialtica
entre o homem e seu meio.
Meu contato com o pensamento psicanaltico foi anterior ao
ingresso na Faculdade de Medicina, e surgiu como o achado de uma
chave que permitiria decodificar aquilo que era incompreensvel na
linguagem e nos nveis de pensamento habituais.
Ao entrar na Universidade, orientado por uma vocao destinada a
instrumentar-me na luta contra a morte, o confronto desde cedo com
o cadver que paradoxalmente o primeiro contato do aprendiz de mdico
com seu objeto de estudo, significou uma crise. Ali reforou-se
minha deciso de trabalhar no campo da loucura, que mesmo sendo uma
forma de morte, pode ser reversvel. As primeiras aproximaes com a
psiquiatria clnica abriram-me o caminho para um enfoque dinmico, o
que me levaria progressivamente a partir da observao dos aspectos
fenomnicos da conduta desviada, descoberta de elementos genticos,
evolutivos e estruturais que enriqueceram minha compreenso da
conduta como uma totalidade em evoluo dialtica.
A observao, dentro do material trazido pelos pacientes, de duas
categorias de fenmenos nitidamente diferenciveis para o operador (o
que se manifesta explicitamente e o que subjaz como elemento
latente), permitiu incorporar, deforma definitiva, em meu esquema
de referncia, a problemtica de uma nova psicologia que, desde o
incio, se dirigia para o pensamento psicanaltico.
O contato com os pacientes, a tentativa de estabelecer com eles
um vnculo teraputico, confirmou o que, de alguma maneira, havia
sido intudo. que por trs de toda conduta desviada subjaz uma situao
de conflito, sendo a enfermidade a expresso de uma tentativa falida
de adaptao ao meio. Em sntese, a enfermidade era um processo
compreensvel.
Desde os primeiros anos de estudante trabalhei em clnicas
particulares, adquirindo experincia no campo da tarefa psiquitrica,
na relao e convivncia com internos. Esse contato permanente com
todo tipo de paciente e seus familiares permitiu-me conhecer em seu
contexto o processo da enfermidade, particularmente os aspectos
referentes aos mecanismos de segregao.
Tomando como ponto de partida os dados sobre estrutura e
caractersticas da conduta desviada que me eram proporcionados pelo
tratamento dos enfermos, e orientado pelo estudo das obras de
Freud, comecei minha formao psicanaltica. Isto culminou, anos mais
tarde, em minha anlise didtica, realizada com o dr. Garma.
Atravs da leitura do trabalho de Freud sobre a Gradiva de
Jensen, tive a vivncia de ter encontrado o caminho que me
permitiria obter uma sntese com base no denominador comum dos
sonhos e do pensamento mgico, entre a arte e a psiquiatria.
Durante o tratamento de pacientes psicticos realizado segundo a
tcnica analtica e pela indagao quanto a seus processos
transferenciais, tornou-se evidente para mim a existncia de objetos
internos, multplices imago, que se articulam em um mundo construdo
segundo um processo progressivo de internalizao. Esse mundo interno
configura-se como um cenrio no qual possvel reconhecer o fato
dinmico da internalizao de objetos e relaes. Nesse cenrio interior
tenta-se reconstruir a realidade exterior porm os objetos e os
vnculos aparecem com modalidades diferentes pela passagem
fantasiada a partir do fora para o mbito intra-subjetivo, o dentro
. um processo comparvel ao da representao teatral, no qual no se
trata de uma repetio sempre idntica do texto, mas em que cada ator
recria, com uma modalidade particular, a obra e o personagem. O
tempo e o espao incluem-se como dimenses na fantasia inconsciente,
crnica interna da realidade.
A indagao analtica desse mundo interno levou-me a ampliar o
conceito de relao de objeto, formulando a noo de vnculo, que defino
como uma estrutura complexa que inclui um sujeito, um objeto e sua
mtua inter-relao com processos de comunicao e aprendizagem.
Estas relaes intersubjetivas so dirigidas e estabelecem-se sobre
a base de necessidades, fundamento motivacional do vnculo. Tais
necessidades tm um matiz e intensidade particulares, nos quais j
intervm a fantasia inconsciente. Todo vnculo, assim entendido,
implica a existncia de um emissor, um receptor uma codificao e
decodificao da mensagem. Atravs desse processo comunicacional,
torna-se manifesto o sentido da incluso do objeto no vnculo, o
compromisso do objeto em uma relao no linear e sim dialtica, com o
sujeito. Por isso insistimos que em toda estrutura vincular (e com
o termo estrutura j indicamos a interdependncia dos elementos) o
sujeito e o objeto interatuam, realimentando-se mutuamente. Nesse
interatuar d-se a internalizao dessa estrutura relacional, que
adquire uma dimenso intra-subjetiva. A passagem ou internalizao ter
caractersticas determinadas pelo sentimento de gratificao ou
frustrao que acompanha a configurao inicial do vnculo, que ser ento
um vnculo bom ou um vnculo mau .
As relaes intra-subjetivas, u estruturas vinculares
internalizadas, articuladas em um mundo interno, condicionaro as
caractersticas de aprendizagem da realidade. Na medida em que a
confrontao entre o mbito do intersubjetivo e o mbito do
lntrasubjetjvo seja dialtica ou dilemtica, esta aprendizagem ser
facilitada ou obstaculizada. Ou seja, depender de que o processo de
interao funcione como um circuito aberto, com uma trajetria em
espiral, ou como um circuito fechado, viciado pela
estereotipia.
O mundo interno define-se como um sistema, no qual interatuam
relaes e objetos, em uma mtua realimentao. Em sntese, a inter-relao
intra -sistmica permanente, enquanto se mantm a interao com o meio.
Formularemos os critrios de sade e doena a partir das qualidades da
interao externa e interna.
Esta concepo do mundo interno e a substituio da noo de instinto
pela de estrutura vincular (entendendo o vnculo como uma
proto-aprendizagem, como o veculo das primeiras experincias
sociais, constitutivas do sujeito como tal, com uma negao do
narcisismo primrio) conduzem necessariamente definio da psicologia,
em um sentido estrito, como psicologia social.
Mesmo que essas colocaes tenham surgido de uma prxis e estejam
sugeridas, em parte, em alguns trabalhos de Freud (Psicologia das
massas e anlise do ego), sua formulao implicava romper com o
pensamento psicanaltico ortodoxo, ao qual aderi durante os
primeiros anos de minha tarefa, e para cuja difuso contribu com meu
esforo constante. Acredito que essa ruptura significou um
verdadeiro obstculo epistemolgico , uma crise profunda, para cuja
superao levei muitos anos, e que, talvez, s hoje, com a publicao
destes escritos, esta superao esteja sendo realmente
conseguida.
Esta hiptese poderia ser confirmada pelo fato de que, a partir
da tomada de conscincia das modificaes significativas de meu marco
referencial, voltei-me mais intensamente para o ensino,
interrompendo o ritmo anterior de minha produo escrita. S em 1962,
no trabalho sobre Emprego de Tofranil no tratamento do grupo
familiar, em 1965, com Grupo operativo e teoria da enfermidade
nica, e em 1967. com Introduo a uma nova problemtica para a
psiquiatria , obtive uma formulao mais totalizadora de meu esquema
conceitual, ainda que alguns aspectos fundamentais destes trabalhos
estejam relacionados entre si, e muito especialmente nos mais
recentes, ou seja. Propsitos e metodologia para uma escola de
psiclogos sociais e Grupo operativo e modelo dramtico, apresentados
respectivamente em Londres e Buenos Aires, no Congresso
Internacional de Psiquiatria Social e no Congresso Internacional de
Psicodrama, no ano de 1969.
A trajetria de minha tarefa que pode ser descrita como a
investigao da estrutura e sentido da conduta, na qual surgiu a
descoberta de sua ndole social , configura-se como uma prxis que se
expressa em um esquema conceitual, referencial e operativo.
A sntese atual dessa investigao pode evidenciar-se pela postulao
de uma epistemologia convergente, segundo a qual as cincias do
homem concernem a um objeto nico: o homem-em-situao suscetvel de
uma abordagem pluridimensional. Trata-se de uma intercincia, com
uma metodologia interdisciplinria que, funcionando como unidade
operacional, permite um enriquecimento da compreenso do objeto de
conhecimento e uma mtua realimentao de suas tcnicas de
abordagem.
E.P.-R.
UMA NOVA PROBLEMTICA PARA A PSIQUIATRIA 1A histria da
psiquiatria aparece demarcada, em diferentes pocas, pelas
especulaes de alguns investigadores quanto possibilidade de haver
um parentesco entre todas as enfermidades mentais, a partir de um
ncleo bsico e universal. No entanto, estas tentativas, viciadas por
uma concepo organicista da equao etiolgica (origem da enfermidade),
excluem da patologia mental a dimenso dialtica em que, atravs de
saltos sucessivos, a quantidade converte-se em qualidade. A concepo
mecanicista e organicista leva, por exemplo, no caso da psicose
manaco-depressiva, a estabelecer uma diviso entre formas endgenas e
exgenas, sem indicar a correlao existente entre ambas. Freud, por
sua vez, sustenta que a relao entre o endgeno e o exgeno deve ser
vista como relao entre o disposiciona! e os elementos vinculados ao
destino do prprio sujeito. Ou seja, h uma complementaridade entre
disposio
destino. Acrescentamos a essa idia que, quando se insiste no
fator endgeno ou no compreensvel psicologicamente, os psiquiatras
chamados clssicos deixam transparecer sua incapacidade1. Acta
psiquitrica y psicolgica de Amrica Latina, 1967, 13. (Nmero em
homenagem ao autor.)
10para detectar o montante de privao, que ao exercer impacto
sobre um limiar, varivel em cada sujeito, completa o aspecto
pluridimensional da estrutura da neurose ou da psicose. Ao
considerar endgena uma neurose ou psicose, nega-se de forma
implcita a possibilidade de modific-la. O psiquiatra assume o papel
de condicionante da evoluo do paciente e entra no jogo do grupo
familiar que tenta segregar o doente, por ser ele o porta-voz da
ansiedade grupal. Em sntese: o psiquiatra transforma-se no lder da
resistncia mudana em nvel comunitrio, e trata o paciente como um
sujeito equivocado, do ponto de vista racional.
Nos ltimos anos, ao uso instrumental da lgica formal
acrescentou-se o da lgica dialtica e o da noo de conflito, em que
os termos no se excluem, mas estabelecem uma continuidade gentica
sobre a base de snteses sucessivas. A operao corretora ou
teraputica levada a termo seguindo o trajeto de um vnculo no
linear, que se desenvolve na forma de uma espiral contnua, atravs
da qual se resolvem as contradies entre as diferentes partes do
mesmo sujeito. Inclui-se, assim, uma problemtica dialtica no
processo corretivo ou no vnculo com o terapeuta, que funciona como
enquadramento geral, permitindo investigar contradies que surgem no
interior da operao e do contexto em que ela ocorre.
A fragmentao do objeto de conhecimento em domnios particulares,
produto da fragmentao do vnculo, seguida de um segundo momento
integrador (epistemologia convergente), cumprindo-se assim dois
processos de sinais contrrios, que adquirem complementaridade
atravs da experincia emocional corretora. Pode-se tambm afirmar que
se trata de dois momentos de um mesmo processo, tanto na
enfermidade como na correo. Se esse acontecer posto em movimento
pelo terapeuta, ser impedida, segundo a eficcia de sua tcnica, a
configurao de situaes dilemticas, gnese de todo estancamento, e a
formao de esteretipos de uma conduta que assume caractersticas de
desvio por falta de ajuste dos momentos de divergncia e
convergncia.
11A dificuldade de integrao desses dois momentos dada pela
iniludvel presena, no campo da aprendizagem, do obstculo
epistemolgico. Esse obstculo, que na teoria da comunicao est
representado pelo rudo e na situao triangular pelo terceiro,
transforma a espiral dialtica da aprendizagem da realidade em um
crculo fechado (esteretipo), que atua como estrutura patognica. O
perturbador de todo o contexto de conhecimento o terceiro, cuja
presena em nvel do vnculo e do dilogo condiciona os mais graves
distrbios da comunicao e da aprendizagem da realidade. Da deriva
minha definio de vnculo, substituindo a denominao freudiana de
relao de objeto. Todo vnculo, como mecanismo de interao, deve ser
definido como uma Gestalt, que ao mesmo tempo bicorporal e
tripessoal. (Gestalt como Gestaltung, nela introduzindo a dimenso
temporal.)
Dessa Gestalt vai surgir o instrumento adequado para apreender a
realidade dos objetos. O vnculo configura uma estrutura complexa,
que inclui um sistema transmissor-receptor, uma mensagem, um canal,
signos, smbolos e rudo. Segundo uma anlise intra-sistmica e
extra-sistmica, para obter eficcia instrumental necessria a
similitude no esquema conceitual, referencial e operativo do
transmissor e do receptor; no sendo assim, surge o mal-entendido.
Toda minha teoria da sade e da doena mental centra-se no estudo do
vnculo como estrutura. A adaptao ativa realidade, critrio bsico de
sade, ser avaliada segundo a operatividade das tcnicas do ego
(mecanismos de defesa). Seu uso pluridimensional horizontal e
vertical, adaptativo, operacional e gnosiolgico, em cada aqui e
agora, ou seja, de uma forma situacional, atravs de uma planificao
instrumental, deve ser tomado como sinal de sade mental, que se
expressa atravs de um limitado desvio ou bias * do modelo natural.
Isto possvel atravs de uma primeira
Em ingls no original. (N. do T.)
12fase, que podemos chamar terica, realizada atravs de tcnicas
de percepo, penetrao, depositao e ressonncia (empatia), em que o
objeto reconhecido e mantido a uma distncia tima do sujeito
(alteridade). por isso que tanto a qualidade como a dinmica do
conhecimento condicionam uma atividade na qual se reconhece um
estilo prprio de abordagem e de criao do objeto. Abordagem que
tende a apreend-lo e modific-lo, constituindo-se assim o juzo de
realidade, critrio de sade e doena mental, atravs de uma permanente
referncia, verificao e avaliao no mundo externo. A adaptao ativa
realidade e a aprendizagem esto indissoluvelmente ligadas. O
sujeito sadio, medida que apreende o objeto e o transforma, tambm
modifica a si mesmo, entrando em um interjogo dialtico, no qual a
sntese que resolve uma situao dilemtica transforma-se no ponto
inicial ou tese de outra antinomia, que dever ser resolvida neste
contnuo processo em espiral. A sade mental consiste nesse processo,
em que se realiza uma aprendizagem da realidade atravs do
confronto, manejo e soluo integradora dos conflitos. Enquanto se
cumpre esse itinerrio, a rede de comunicaes constantemente
reajustada, e s assim possvel elaborar um pensamento capaz de um
dilogo com o outro e de enfrentar a mudana.
Essa descrio refere-se superestrutura do processo. O campo da
infra-estrutura, depsito de motivos, necessidades e aspiraes,
constitui o inconsciente com suas fantasias (motivao), que so o
produto das relaes dos membros do grupo interno entre si (grupo
interno como grupo mediato e imediato internalizado). Esse fenmeno
pode ser estudado no contedo da atividade alucinatria, em que o
paciente ouve a voz do lder da conspirao inconsciente em dilogo com
o self a quem controla e observa, j que uma parte projetada dele
mesmo. Outro fato curioso do desenvolvimento da psiquiatria que, at
hoje, havia-se insistido exclusivamente na relao com o objeto
perseguidor projetado, abrindo-se um campo to vasto quanto o
anterior ao se descobrir uma patologia do vnculo
13bom, e a dimenso grupal do contedo inconsciente, perceptvel
atravs da noo de grupo interno, em permanente inter- relao com o
externo. Encontramos na fantasia motivacional, como fizemos na
alucinao, uma escala de motivos, necessidades e aspiraes que
subjazem no processo da aprendizagem, da comunicao e das operaes
que tendem obteno de gratificao em relao com determinados objetos.
A ao e a deciso assentam-se sobre essa constelao de motivos e o
ganho est mais relacionado com a apreenso do objeto do que com a
descarga de tenses, como foi descrito por Freud. A aprendizagem e a
comunicao, aspectos instrumentais da obteno de objeto, possuem uma
subestrutura motivacional.
A conduta motivacional, a mais ligada ao destino do sujeito,
consta tambm dessa dupla estrutura, na qual se pode observar que o
aspecto direcional primrio est ligado s etapas iniciais do
desenvolvimento. O processo universal que promove a motivao o da
recriao do objeto, que adquire em cada sujeito uma determinao
individual, surgida da conjugao das necessidades biolgicas e do
aparato instrumental do ego. O aspecto direcional secundrio,
escolha de tarefa, par, etc., passa pelo filtro grupal, que decide
a escolha em definitivo. A descoberta da motivao constitui a maior
contribuio de Freud, que relacionou os fenmenos do aqui e agora com
a histria pessoal do sujeito. Isto se chama sentido de sintoma.
A dupla dimenso do comportamento, verticalidade e
horizontalidade, torna-se compreensvel por uma psicologia dinmica,
histrica e estrutural, distanciada da psiquiatria tradicional, que
se movimenta somente no campo do fenomnico e descritivo. A dupla
dimenso condiciona aspectos essenciais do processo corretivo. A
correo obtida atravs da explicao do implcito. Essa concepo coincide
com o esquema que alguns filsofos, economistas e socilogos
relacionaram ao econmico-social, falando de uma superestrutura e de
uma infra- estrutura, situando a necessidade como ncleo dinmico de
ao. No mbito do processo teraputico, a resoluo da fissura14
entre as duas dimenses conseguida atravs de um instrumento de
produo, expresso em termos de conhecimento que permite a passagem
da alienao ou da adaptao passiva num baias progressivo adaptao
ativa realidade. Em nossa cultura, o homem sofre a fragmentao e
disperso do objeto de sua tarefa, criando-se ento, para ele, uma
situao de privao e anomia que lhe toma impossvel manter um vnculo
com tal objeto, com o qual conserva uma relao fragmentada,
transitria e alienada.
Ao fator insegurana ante sua tarefa, acrescenta-se a incerteza
diante das mudanas polticas, sendo ambos sentimentos que repercutem
no contexto familiar, no qual a privao tende a se globalizar. O
sujeito v-se impotente no manejo de seu papel, e isto cria um baixo
limite de tolerncia s frustraes, em relao com seu nvel de aspiraes.
A vivncia de fracasso inicia o processo de enfermidade,
configurando uma estrutura depressiva. A alienao do vnculo com sua
tarefa desloca-se para vnculos com objetos internos. O conflito
internaliza-se em sua totalidade, passando do mundo externo para o
mundo interno com seu modelo primrio da situao triangular. Essa
depresso, que aparece com os caracteres estruturais de uma depresso
neurtica ou neurose de fracasso, submerge o sujeito num processo
regressivo para posies infantis. O grupo familiar, em estado de
anomia diante da enfermidade de um membro, incrementa a depresso do
sujeito. Estamos no ponto de partida que, em um processo de
regresso, vai articular-se com uma estrutura depressiva anterior,
reforando-a. o momento, nesta exposio, de considerar a vigncia de
outras depresses e analis-las na direo do desenvolvimento, no
sentido inverso quele seguido no processo teraputico que parte do
aqui e agora.
Tomarei como esquema de referncia aspectos da teoria de M.
Klein, Freud e Fairbairn para tornar compreensvel minha teoria da
enfermidade nica. Levarei em considerao as duas primeiras posies do
desenvolvimento: a instrumental esquizoparanide e a depressiva
(patogentica existencial), 15
qual acrescento outra: a patorritmica (temporal), que inclui os
diferentes tempos em que se manifestam os sintomas gerados na posio
patogentica ou depressiva, estruturada sobre a base da posio
instrumental esquizoparanide. Atravs de todo esse trajeto
permanecerei conseqente com minha teoria do vnculo. Porm, antes de
prosseguir na descrio das posies, vamos estudar os ingredientes da
causao de uma neurose ou psicose, ou, usando a formulao de Freud: a
equao etiolgica. Entendo que os princpios que regem a configurao de
uma estrutura patolgica so: 1) policausalidade, 2) pluralidade
fenomnica, 3) continuidade gentica e funcional, 4) mobilidade das
estruturas, 5) papel, vnculo e porta-voz, 6) situao triangular.
Como primeiro princpio devemos destacar o da policausalidade ou
equao etiolgica, processo dinmico e configuracional, expresso em
termos do montante de causao. Em detalhe, os parmetros so: fator
constitucional, dividido em dois anteriores: o gentico propriamente
dito e o precocemente adquirido na vida intra-uterina. A influncia
sofrida pelo feto atravs de sua relao biolgica com a me j inclui um
fator social, visto que a segurana ou insegurana da me est
relacionada com o tipo de vnculo que tem com seu parceiro e a
situao de seu grupo familiar. Levando em considerao a situao
triangular, vemos que ela opera desde o incio. Ao fator
constitucional se acrescenta, no desenvolvimento, o impacto no
grupo familiar. A interao deste fato com o fator anterior tem como
resultado aquilo que se chama disposio ou fator disposicional
(segundo Freud, fixao da libido em uma etapa de seu percurso),
lugar ao qual se volta no processo regressivo com a finalidade de
se instrumentar, como aconteceu no momento disposicional. o
regresso promovido pelo fator atual, no qual o montante
disposicional entra em complementaridade com o conflito atual,
descrito por mim como depresso desencadeante iniciando-se a uma
regresso que marca o comeo da enfermidade.16
Pluralidade fenomnica. Este princpio baseia-se na considerao de
trs dimenses fenomnicas da mente com suas respectivas projees,
denominadas em termos de reas: rea um, ou mente; rea dois, ou
corpo; rea trs, ou mundo exterior. Essas trs reas, fenomenicamente,
tm importncia enquanto o diagnstico feito em funo do predomnio de
uma delas, ainda que uma anlise estratigrfica demonstre a existncia
ou coexistncia das trs reas comprometidas nesse processo em termos
de comportamento, porm em diferentes nveis. isso que constitui o
comportamento na forma de uma Gestalt ou Gestaltung em permanente
interao das trs reas. No entanto, levamos em conta que o processo
ordenador, ou seja, a planificao, em termos de estratgia, ttica,
tcnica e logstica, funciona a partir do self situado na rea um, ou
seja, que nenhum comportamento lhe estranho. Qualquer outra
investigao que negasse esta totalidade totalizante cairia em uma
flagrante dicotomia.
As reas so utilizadas na posio instrumental esquizoparanide que
se segue depresso regressiva, para situar os diferentes objetos e
vnculos de sinais opostos em um clima de divalncia, com a
finalidade, como j dissemos, de preservar o bom e controlar o mau,
impedindo assim a fuso de ambas as valncias, o que significaria a
configurao da posio depressiva e a apario do caos, do luto, da
catstrofe, da destrutividade, da perda, da solido, da ambivalncia e
da culpa. Se a posio instrumental no est paralisada, funciona na
base do splitting, configurando os vnculos bom e mau, com seus
respectivos objetos. Aqui aparece a fundamentao de uma nosografia
gentica estrutural e funcional em termos de localizao dos dois
vnculos nas trs reas, com todas as variveis que podem existir. Por
exemplo, a ttulo de ilustrao: nas fobias, agorafobia e
claustrofobia, o objeto mau, paranide e fobgeno, est projetado na
rea trs e atuando; isto configura a situao fbica, em que tanto o
objeto mau (fobgeno-paranide), quanto o objeto bom, em forma de
acompanhante fbico, esto situados na mesma
17
rea. Por um lado, o paciente teme ser atacado pelo objeto
fobgeno, preservando, por outro lado, o objeto acompanhante
depositrio de suas partes boas, por meio do mecanismo de evitao.
Assim no se juntam, evitando a catstrofe que se poderia produzir
ante o fracasso da evitao. Toda uma nosografia poderia
manifestar-se em termos de rea comprometida e valncia do objeto
parcial. Essa nosografia, muito mais operacional do que as
conhecidas, caracteriza-se pela compreenso na operao corretora, nos
termos j assinalados, e por sua mobilidade ou passagem de uma
estrutura a outra, constituindo o quarto princpio que pode ser
observado durante o adoecer e durante o processo corretivo.
Continuidade gentica e funcional. A existncia de uma posio
esquizoparanide com objetos parciais, ou seja, o objeto total
cindido, pressupe a existncia de uma etapa prvia em relao com um
objeto total, com o qual se estabelecem vnculos de quatro vias. A
ciso ou splitting produz-se no ato do nascimento, e todo vnculo
gratificante far com que o objeto seja considerado bom. o que Freud
chama (erradamente, a meu ver) instinto de vida (Eros), enquanto a
outra parte do vnculo primrio e de seu objeto, sobre a base de
experincias frustrantes, transforma-se em objeto mau, em um vnculo
persecutrio, o que de novo Freud considera como instinto, neste
caso, instinto de morte, agresso ou destruio (Thanatos).
Como se v, no meu entender, os instintos de vida ou de morte so,
de fato, uma experincia em forma de comportamento em que o social
est includo atravs de momentos gratificantes ou frustrantes,
produzindo-se a insero da criana no mundo social. Adquire atravs
dessas frustraes e gratificaes a capacidade de discriminar entre
vrios tipos de experincias como primeira manifestao de pensamento,
construindo assim uma primeira escala de valores. A diviso do
objeto total tem como motivao impedir a destruio total do objeto,
que,
18
ao cindir-se em bom e mau, configura as duas condutas primrias
em relao com o amar e ser amado, e odiar e ser odiado, ou seja,
duas condutas sociais que determinam o comeo do processo de
socializao na criana, que tem um papel e um status dentro de um
grupo primrio ou familiar. Retomando o ponto de partida da
protodepresso, com a apario do splitting como primeira tcnica do
ego, introduzimo-nos na posio esquizoparanide, descrita por
Fairbairn e M. Klein de forma paralela aos meus primeiros trabalhos
sobre esquizofrenia.
Com a apario desta tcnica defensiva, configuram-se dois vnculos:
uma situao de objeto parcial em relao de divalncia (e no de
ambivalncia como definiu Bleuler), processos de introjeo e projeo,
de controle onipotente, de idealizao, de negao, etc. Levando em
conta esse conceito da posio esquizoparanide, possvel revisar o
conceito de represso, to importante na teoria psicanaltica e ponto
de partida da divergncia entre Freud e P. Janet. Freud sustentava
que o processo de represso era uma estrutura nica e caracterstica
na gnese das neuroses; Janet, no entanto, entendia que o processo
primrio podia ser definido em termos de dissociao. Penso que a
questo fica resolvida ao se considerar que a represso um processo
complexo que inclui a dissociao ou splitting, processos de introjeo
e projeo, e de controle onipotente, etc.
Por exemplo, o fracasso deste ltimo constitui o que Freud chama
a volta do reprimido, que o negado, o fragmentado, o introjetado e
projetado, podendo voltar a qualquer das trs reas ou dimenses
fenomnicas em que a mente situa os vnculos e objetos para seu
melhor manejo. Nesse voltar, o reprimido vivido pelo self como o
estranho e o alienado. A ansiedade dominante na posio
esquizoparanide a ansiedade persecutria ou paranide de ataque ao
ego, como produto de uma retaliao pela projeo da hostilidade2 que
volta agigantada ou realimentada2. A hostilidade emerge como
produto da frustrao.
19
como um bumerangue, sobre o prprio sujeito. Essa ansiedade
paranide volta como se procedesse de objetos humanos ou
deslocamentos, depositrios da hostilidade da qual o ego liberou-se
pela projeo. A essa ansiedade, a nica descrita anteriormente,
acrescento a outra, proveniente das vicissitudes do vnculo bom, ou
dependncia de objetos depositrios dessa qualidade de sentimentos.
As alternativas sofridas por esse vnculo tm como produto outro tipo
de ansiedade, diferente da persecutria, com a qual, no entanto,
muitos a confundem: o sentimento de estar merc do depositrio.
A ansiedade paranide e o sentimento de estar merc (ansiedade
depressiva da posio esquizide) so coexistentes e cooperantes em
toda estrutura neurtica normal. A antiga diferenciao entre
ansiedade, angstia e medo desaparece medida que inclumos a dimenso
do inconsciente ou do implcito. As definies de ansiedade e angstia
estavam viciadas pelo conceito de relao an-objetal.
A posio esquizoparanide vincula-se crescente idealizao do objeto
bom, conseguindo o ego, por meio de sua tcnica, a preservao do
objeto idealizado. medida que se incrementa a idealizao do bom,
aumenta o controle e o afastamento do mau e persecutrio,
convertendo-se o primeiro em um objeto invulnervel. Essa situao de
tenso entre os dois objetos em diferentes reas torna necessria a
emergncia de uma nova tcnica diante do carter insuportvel da
perseguio: a negao mgica onipotente.
Entre os demais processos que operam, devemos assinalar a
identificao projetiva. Nesse mecanismo, o ego pode projetar parte
de si mesmo com diferentes objetivos: por exemplo, as partes ms,
para livrar-se delas, assim como para atacar e destruir o objeto
(irrupo). Pode-se, tambm, projetar partes boas, por exemplo, para
coloc-las a salvo da maldade interna ou melhorar o objeto externo
atravs de uma primitiva reparao projetiva. Nesse momento podemos
compreender aquilo que chamo situao depressiva esquizide ou
neurtica. E produzida20pela perda do controle do depositrio e do
depositado. Essa depresso no deve ser confundida com a depresso da
posio depressiva bsica. Nesta, observamos a presena de um objeto
total, vnculos de 4 vias, ambivalncia, culpa, tristeza, solido em
relao imagem do prprio sujeito. Na depresso esquizide observa-se o
vnculo com um objeto parcial, com depositao dos aspectos bons. E
uma depresso vivida fora, sem culpa, em uma situao diva/ente e com
sentimento de estar merc.
O sentimento bsico da depresso esquizide a nostalgia. M. Klein a
descreveu sem perceber sua estrutura diferenciada, quando se
referiu situao de despedida normal. A parte boa colocada no objeto
viajante ou depositrio afasta-se da pertena do ego. Este fica
debilitado, e a partir desse momento no deixar de pensar em seu
destino; e ainda que a preocupao manifesta seja pelo depositrio,
sua preocupao est vinculada ao estado das partes dele prprio que se
desprenderam, criando-se uma situao de naufrgio permanente.
A nostalgia algo diferente da melancolia, O termo, criado por
Hofer, uma condensao das palavras gregas nostos (voJro) retorno e
algos (a.yo) dor.
O splitting permite ao ego emergir do caos e ordenar suas
experincias. Est na base de todo pensamento, se considerarmos que a
discriminao uma das primeiras manifestaes deste comportamento da
rea 1.
Posio depressiva. A posio esquizoparanide ao obter um manejo
bem-sucedido das ansiedades dos primeiros meses, leva a criana
pequena a organizar seu universo interno e externo. Os processos de
Splitting, introjeo e projeo permitem-lhe ordenar suas emoes e
percepes, e separar o bom (objeto ideal) do mau (objeto mau). Os
processos de integrao tornam-se mais estveis e contnuos, surgindo
um novo momento do desenvolvimento: a posio depressiva
caracterizada pela presena de um objeto total e um vnculo de 4
vias.
21
A criana sofre um processo de mudana sbita e a existncia de 4
vias no vnculo causa-lhe um conflito de ambivalncia, do qual emerge
a culpa. A maturao fisiolgica do ego traz como conseqncia a
organizao das percepes de origem mltipla, assim como o
desenvolvimento e a organizao da memria. A ansiedade dominante, ou
medo, refere-se perda do objeto, devido coexistncia no tempo e no
espao de aspectos maus (destrutivos) e bons, na estrutura
vincular3.
Os sentimentos de luto, culpa e perda formam um ncleo
existencial junto solido. A tarefa do ego, neste momento, consiste
em imobilizar o caos possvel ou iniciante, apelando para o nico
mecanismo ou tcnica do ego pertencente a essa posio: a inibio. Essa
inibio precoce, mais ou menos intensa em cada caso, ir constituir
uma pauta estereotipada e um complexo sistema de resistncia mudana,
com perturbaes da aprendizagem da comunicao e da identidade. A
regresso a partir de posies mais elevadas do desenvolvimento a
esses pontos disposicionais, que adquirem o contexto daquilo que M.
Klein chamou de neurose infantil, traz como conseqncia a reativao
desse esteretipo a que chamamos depresso bsica, com a paralisao das
tcnicas instrumentais da posio esquizide. Se o processo regressivo
do adoecer consegue reativar o splitting e todos os outros
mecanismos esquizides, com a reestruturao de dois vnculos com
objetos parciais, um totalmente bom e outro totalmente mau,
configuram-se ento as estruturas nosogrficas, segundo a localizao
destes objetos nas diferentes reas.
s duas posies descritas por M. Klein e Fairbairn (estruturas
predominantemente espaciais), acrescentamos o fator temporal para
construir a estrutura tetradimensional da mente. A situao
patorrtmica expressa-se em paradas, velocidades ou ritmos que
constituem momentos de estruturao patolgica, que vo da inibio e
desacelerao dos processos mentais
3. Que abrange o ego, o vnculo e o objeto.
22
ao plo explosivo, onde tudo acontece com as caractersticas das
crises colricas infantis (e de onde tomaro sua configurao). Se esta
bipolaridade chega a predominar na maneira de ser e de expressar-se
das ansiedades e das tcnicas do ego que tendem a control-las e
elabor-las, encontramo-nos no amplo campo da enfermidade paroxstica
(epilepsia).
Na equao etiopatognica da neurose e psicose, devemos considerar
o que acontece no processo do adoecer e do recuperar-se, durante a
operao corretora com o psicoterapeuta, assim como a reparao dos
aspectos instrumentais do par aprendizagem comunicao E a essa
perturbao uma estrutura com vigncia na posio depressiva do
desenvolvimento, e com antecedentes constitucionais que se retorna
(partindo da depresso desencadeante) no processo regressivo. A
funcionalidade desse processo deve ser descrita em termos de voltar
ao lugar onde as tcnicas do ego foram eficientes; mas ao imobilizar
e dificultar a estrutura depressiva, esta se torna rgida,
repetitiva (esteretipo), permanecendo, de forma latente, como posio
bsica. Essa estrutura atuou como ponto disposicional no momento do
desenvolvimento, e se houve um bom controle dos medos bsicos, ficou
estancada como estrutura prototpica que constitui o ncleo
patogentico do processo do adoecer. Isso o que eu chamo de depresso
bsica (depresso do desenvolvimento, acrescida da depresso
regressiva com aspectos da protodepresso).
Denomino depresso desencadeante a situao habitual de comeo, cujo
denominador comum foi expresso por Freud em termos de privao de
ganhos vinculados em nvel de aspirao. Esse fator pode ser
reproduzido quando se estuda sua estrutura, em termos de depresso
por perda ou privao. No s em termos de satisfao da libido e seu
estancamento, mas tambm em termos de privao de objeto, ou situao em
que o objeto aparece como inatingvel por impotncia instrumental de
origem mltipla. A impossibilidade de estabelecer um vnculo com o
objeto acarreta primeiro fantasias de recuperao,
23
nas quais o fantasiado est em relao com os instrumentos do
vnculo (exemplo: caso do membro-fantasma na amputao de um brao;
negao da perda do membro). Isso constitui a defesa imediata diante
da perda que, contudo, no resiste confrontao com a realidade e faz
o sujeito submergir na depresso. Ao impor-se a cruel verdade da
perda, inicia-se a regresso e 1aborao do luto que configuram a
complexidade fenomnica e gentica da depresso regressiva.
Em sntese, a estrutura da pauta depressiva da conduta est
assentada na situao de ambivalncia diante de um objeto total. Dessa
situao de ambivalncia surge a culpa (amor e dio ante um mesmo
objeto, num mesmo tempo e espao). A ansiedade depressiva deriva do
medo da perda real ou fantasiada do objeto, o conflito de
ambivalncia, produto de um vnculo qudruplo (o sujeito ama e
sente-se amado, e odeia e sente-se odiado pelo objeto), paralisa o
sujeito devido a sua intrincada rede de relaes. A inibio centra-se
em determinadas funes do ego. A tristeza, a dor moral, a solido e o
desamparo derivam da perda do objeto, do abandono e da culpa.
Diante dessa situao de sofrimento surge a possibilidade de uma
regresso a uma posio anterior, operativa e instrumental para o
controle da ansiedade da posio depressiva, O mecanismo bsico a
diviso do ego e seus vnculos, e a apario do medo do ataque ao ego,
seja a partir da rea 2 (hipocondria) ou a partir da rea 3
(parania). Aparece tambm um medo depressivo ante o objeto bom
depositado, com sentimento de estar merc e de nostalgia.
As neuroses so tcnicas defensivas contra as ansiedades bsicas So
as mais bem sucedidas e prximas do normal e esto distanciadas da
situao depressiva bsica prototpica. As Psicoses so tambm formas de
manejo das ansiedades bsicas, assim como a psicopatia. As perverses
so formas comPlexas de elaborao da ansiedade psictica, e seu
mecanismo centra-se no apaziguamento do perseguidor. O crime uma
tentativa de aniquilar a fonte de ansiedade projetada a partir
da
rima nova probtemtica para a psiquiatria
24
rea 1 para o mundo exterior, enquanto este mesmo processo,
quando internalizado, configura a situao de suicdio. A loucura a
expresso de nossa incapacidade para suportar e elaborar um montante
determinado de sofrimento. Esse montante e o nvel de capacidade so
especficos para cada ser humano e constituem seus pontos
disposicionais, seu estilo prprio de elaborao.
Depresso iatrognica. Denominamos depresso iatrognica o aspecto
positivo da operao psicoterpica, que consiste em integrar o sujeito
atravs de uma dosificao operativa de partes desagregadas e fazer
com que a constante universal de preservao do bom e controle do mau
funcione em nveis sucessivos, caracterizados por um sofrimento
tolervel, por diminuio do medo da perda do bom e uma diminuio
paralela do ataque durante a confrontao com a experincia corretora.
Na adjudicao sucessiva de papis que a se realiza, o psicoterapeuta
deve ter a plasticidade suficiente para assumir o papel adjudicado
(transferncia), no o atuando (acting in do terapeuta), mas
introduzindo-o (interpretao) em termos de uma conceitualizao,
hiptese ou fantasia acerca do acontecer subjacente do outro,
estando atento para sua resposta (emergente), que, por sua vez,
deve ser retomada em um contnuo, como um fio de Ariadne, em forma
de espiral. Agora j podemos formular o que deve ser considerado
como unidade de trabalho, nico mtodo que, por suas possibilidades
de predio, mais se aproxima de um mtodo cientfico, de acordo com
critrios tradicionais. Critrios que, por sua vez, devem ser
analisados para no se tornarem vtimas de esteretipos, que, atuando
a partir de dentro do ECRO, de maneira quase inconsciente,
funcionam da parte do terapeuta como resistncia mudana. A unidade
de trabalho composta por 3 elementos que representam o ajuste da
operao: existente-interpretao emergente. O emergente expresso no
contexto da operao e tomado pelo terapeuta como material. Quando o
contedo multifacetado25
e, em seguida, atua fora pelo paciente, configura-se o acting
out, diante do qual no ter o terapeuta que emitir juzo segundo uma
tica formal, mas sim funcional, relacionando-o com o aqui e agora
que inclui aspectos positivos vinculados com a aprendizagem da
realidade ou da reparao das comunicaes. Se o terapeuta julga o
paciente em termos de bom, mau, imoral, etc., pe em risco sua
possibilidade de compreenso.
No processo corretor, atravs de fenmenos de aprendizagem,
comunicao e sucessivos esclarecimentos, diminuem os medos bsicos e
possibilita-se a integrao do ego, produzindo- se a entrada em
depresso e a emergncia de um projeto ou prospectiva que inclui a
finitude como situao prpria e concreta. Aparecem mecanismos de
criao e transcendncia. Ento a posio depressiva d oportunidade ao
sujeito de adquirir identidade, base do insight, e facilita uma
aprendizagem de leitura da realidade por meio de um sistema de
comunicaes, base da informao. Em sntese, os ganhos da penosa
passagem pela posio depressiva, situao inevitvel no processo
corretor, incluem a integrao que coincide com a diminuio dos medos
bsicos, reativados pelo processo desencadeante, a diminuio da culpa
e da inibio, o insight, a movimentao de mecanismos de reparao,
criao, simbolizao, sublimao, etc., que tm como resultado a construo
do pensamento abstrato, que, por no arrastar o objeto
subjacentemente existente, acaba sendo mais til, flexvel, capaz de
avaliaes em termos de estratgia, ttica, tcnica e logstica de si
mesmo e dos demais.
A planificao e a prospectiva, juntamente com as ltimas tcnicas
citadas, constituem o que Freud chama de processo de elaborao que
se segue ao insight. Esse processo, uma vez colocado em movimento,
persiste ainda que se interrompa o vnculo com o terapeuta,
continuando-se a elaborao depois da anlise (after analysis). Isso
acontece quando o processo corretor seguiu uma estratgia adequada.
Paradoxalmente, o momento dos maiores ganhos para a autoconduo. Com
a depresso iatrognica26
fechamos nosso esquema das 5 depresses: protodepresso, de
desenvolvimento, desencadeante, regressiva, iatrognica. Elas
constituem o ncleo bsico do acontecer da enfermidade e da cura.
Retomando os componentes da causao configuracional, depois do
princpio de continuidade gentica estrutural e funcional atravs de 5
depresses, irei referir-me ao quarto princpio: mobilidade e interao
das estruturas. J assinalamos o carter funcional e significativo
das estruturas mentais que adquirem a fisionomia do que chamamos
doena mental. Uma anlise seqencial e estratigrfica prova-nos o
carter complexo e misto de cada uma delas, diferenciando-se umas
das outras pelo carter dominante da colocao dos medos bsicos em
cada rea, atravs de vnculos significativos. Geneticamente,
observa-se no desenvolvimento o mesmo que no processo de adoecer e
no processo corretor. As estruturas so instrumentais e situacionais
em cada aqui e agora do processo de interao. As discusses
bizantinas dos psiquiatras devem-se, em grande parte, a um
mal-entendido, j que a estrutura que foi vista em um momento de
observao pode variar no tempo e no espao, considerando-se que a
relao vincular com o pesquisador determina a configurao de
estruturas com esse carter funcional, instrumental, situacional e
vincular, figurando este ltimo em relao com o tipo especfico de
codificao e decodificao, aprendizagem, etc. Por isso sustentamos
este princpio em seus aspectos fenomenolgico e gentico, estrutural
e clnico.
Quinto princpio: vnculo, papel, porta-voz: j definimos o
conceito de vnculo como uma estrutura complexa de interao, no de
forma linear, mas em espiral, fundamento do dilogo operativo, em
que a cada giro h uma realimentao do ego e um esclarecimento do
mundo. Quando essa estrutura se estanca pelo montante dos medos
bsicos, paralisam-se a comunicao e a aprendizagem: estamos na
presena de uma estrutura esttica e no dinmica, que impede uma
adaptao ativa realidade.
27
O conceito de papel, incorporado psicologia social e
desenvolvido por G. H. Mead, o grande precursor dessa disciplina,
que baseou todo o seu desenvolvimento terico no conceito de papel,
de sua interao, o conceito de mim, de outro generalizado, que
representaria o grupo interno como produto de uma internalizao dos
outros, padece, no entanto, de uma limitao que resolvemos
incorporando idia de grupo interno ou mundo interno do sujeito a
internalizao chamada ecolgica. Consideramos que a internalizao do
outro no se faz como a de um outro abstrato e isolado, mas inclui
os objetos inanimados, o habitat em sua totalidade, que alimenta
intensamente a construo do esquema corporal. Defino este ltimo como
a representao tetradimensional que cada um tem de si mesmo em forma
de uma Gestalt-Gestaltung, estrutura cuja patologia compreende os
aspectos da estrutura espao-temporal da personalidade.
A noo popular de querncia, ou pago, vai muito alm das pessoas
que a integram, e isso observado nas reaes das situaes de migrao: o
medo da perda paralisa o migrante campons no momento em que tem de
assumir um papel urbano, provocando sua marginalizao. Retomando o
conceito de papel, consideraremos algumas situaes que se apresentam
com maior freqncia nos grupos operativos. O campo do grupo
operativo est povoado por papis prescritos ou estabelecidos, que
definimos em termos de pertena, afiliao, cooperao, pertinncia,
comunicao, aprendizagem e tel, os quais, representados na forma de
um cone invertido, convergem como papis ou funes para provocar na
situao de tarefa a ruptura do esteretipo.
Pode-se dizer que, no acontecer do grupo, determinadas pessoas
vo assumir estes papis correspondentes de acordo Com suas
caractersticas pessoais: porm, nem tudo se realiza em termos de uma
tarefa positiva.
Outros papis, de certa maneira prescritos por sua freqncia, so
assumidos por membros do grupo, como os papis de
28
porta-voz, sabotador, bode expiatrio e, quando algum deles vem
associado a comando, o papel de lder (o lder autocrtico, democrtico
ao qual acrescento o demaggico, cuja estranha ausncia nos
pesquisadores nos chama a ateno). Os membros do grupo podem assumir
os papis prescritos, e quando a adjudicao ou assuno do papel se
realiza adequadamente dentro dos limites do lugar que ocupam, sua
funcionalidade aumenta. Certos papis, como o de conspirador ou
sabotador, so geralmente eleitos pelo extragrupo e introduzidos no
intra- grupo com uma misso secreta de sabotar fundamentalmente a
tarefa e o esclarecimento. Essas infiltraes, em forma de conspirao,
devem ser tomadas como um fato natural e so as foras que atuam a
partir de fora, introduzidas dentro do grupo com a finalidade de
sabotar a mudana, ou seja, so representantes da resistncia mudana.
Papis por delegao, s vezes com infinitos degraus, mas que, no
entanto, vo dar em outro grupo, o qual, como grupo de presso,
assume na comunidade o papel da resistncia mudana e do
obscurantismo.
O nvel de cooperao nos pequenos grupos pode ser operativo, porm
tambm o , principalmente, nos grupos maiores. Quando as lideranas
adquirem um campo maior, identificao cooperativa soma-se a
identificao chamada cesariana, que pode exercer um papel na histria
quando as situaes grupais esto em perigo, ou so incapazes de
compreender o processo histrico, e quando o medo reativado por
situaes de insegurana e perigo torna-se persecutrio. O movimento
regressivo dirigido por um lder cesariano tenta ento controlar o
grupo ou tomar o poder. As identificaes deste tipo entre os membros
de um grupo ou comunidade, massa e lder, conduzem idia de que a
desgraa que caiu sobre a comunidade foi produzida exclusivamente
por uma conspirao de certas pessoas ou grupos, aos quais adjudicado
o papel de responsveis e de bodes expiatrios. Porm, freqente
encontrar um fio condutor que vai da liderana ao bode expiatrio, no
qual ambos desempenham uma espcie de role-playing, em que um o bom
e o outro o mau.
29
Situao triangular
O complexo de dipo, tal como foi descrito por Freud, com suas
variantes negativas e positivas, pode ser compreendido de unia
maneira muito mais significativa se recorrermos sua representao
espacial em forma de um tringulo, colocando no ngulo superior o
filho, no ngulo inferior esquerdo, a me, e no ngulo inferior
direito, o pai.
Seguindo a direo de cada lado do tringulo, temos uma representao
de quatro vnculos. Por exemplo: a criana, em um primeiro nvel, ama
e se sente amada pela me; em um nvel subjacente, odeia e se sente
odiada pela sua me; no outro lado est a relao da criana com o pai,
na qual, em um primeiro nvel, odeia e sente-se odiada e, em um
segundo nvel, ama e sente-se amada. O que poucas vezes assinalado o
parmetro que opera desde a vida pr-natal. a estrutura vincular
entre me e pai, na qual um ama e sente-se amado pelo outro, ou
odeia e sente-se odiado pelo outro. Fazendo abstrao dos
participantes, este vnculo teria tambm 4 vias; mas, na realidade,
visto simultaneamente a partir de cada um dos extremos, complica-se
mais ainda, porque tanto um como outro adjudicam e assumem papis
originrios de cada um dos membros do casal. O montante de
adjudicaes e assuneS depender do papel de ser amado e ser odiado.
Essa totalidade, verdadeira selva de vnculos, forma uma totalidade
totalizante, ou seja, uma Gestalt em que a modificao de um dos
parmetros acarreta a modificao do todo.
Cerca de 80% dos trabalhos que tratam da criana e de seus
vnculos referem-se relao com a me; o pai aparece como uma
personagem escamoteada, mas por isso mesmo operativo e perigoso. E
a noo do terceiro, que definitivamente nos leva a definir a relao
bipolar ou vnculo como sendo de carter bicorporal, mas
tripessoal.
O terceiro, na teoria da comunicao, representado pelo rudo, que
interfere em uma mensagem entre emissor e receptor,30
conceito este que, ao ser aplicado em qualquer situao de
conflito social, nos faz de novo encontrar a situao triangular como
estrutura bsica e universal. Partem de cada ngulo, por
deslocamentos sucessivos, pessoas que desempenham papis semelhantes
com relao a idade e sexo; dessa maneira, separamo-nos
progressivamente do endogrupo endogmico para o extragrupo exogmico,
que representa a sociedade. No endogmico, o tabu do incesto orienta
as linhas de parentesco com suas proibies e tabus, e dessa maneira
passamos da psicologia individual, com sua situao endopsquica,
psicologia social, que trata das inter-relaes no endogrupo ou
intragrupais, e finalmente sociologia, quando tratamos das
inter-relaes intergrupais. E o campo do exogrupo, mbito especfico
da sociologia.
Se consideramos a funo partindo desses parmetros, podemos falar
de comportamento econmico, poltico, religioso, etc., em um nvel
grupal ou comunitrio, cuja anlise e evoluo realiza-se partindo das
6 funes descritas: pertena e afiliao, cooperao e pertinncia,
aprendizagem, comunicao e tel, cooperando nos nveis correspondentes
aos dos campos das cincias sociais mencionadas e dirigidas para uma
situao de mudana que pode ser descrita nos nveis individual,
psicossocial, comunitrio e nas direes dos comportamentos.
31
A noo de tarefa em psiquiatria1 (em colaborao com o dr. A.
Bauleo)
A noo de tarefa na concepo de psicologia social por ns proposta
permite-nos um posicionamento ante a patologia e, por sua vez, uma
estrutura de linhas de ao.
Para isso, distinguiremos trs momentos abrangidos por essa noo:
a pr-tarefa, a tarefa e o projeto. Esses momentos apresentam-se em
uma sucesso evolutiva, e sua apario e interjogo constante podem
situar-se diante de cada situao ou tarefa que envolva modificaes no
sujeito.
Iremos desenvolvendo cada um desses momentos, sabendo, desde j,
que so proposies relativas a posies teraputicas, e como tais devem
ser admitidas, isto , como proposies.
Na pr-tarefa situam-se as tcnicas defensivas, que estruturam o
que se denomina resistncia mudana e que so mobilizadas pelo
incremento das ansiedades de perda e ataque.
Essas tcnicas so empregadas com a finalidade de postergar a
elaborao dos medos bsicos; por sua vez, estes ltimos, ao se
intensificarem, operam como obstculo epistemolgico na leitura da
realidade. Ou seja, estabelece-se uma distncia entre o real e o
fantasiado, que sustentada por aqueles medos bsicos.
1. 1964.
32
A pr-tarefa tambm aparece como campo no qual o projeto e a
resistncia mudana seriam as exigncias de sinais opostos e criadoras
de tenso; a busca de sadas dessa tenso obtida atravs de uma figura
transacional, resoluo transitria da luta: aparece o como se ou a
impostura da tarefa. Tudo feito como se se tivesse executado o
trabalho especificado (ou a conduta necessria).
Os mecanismos defensivos atuantes no momento da pr- tarefa so os
caractersticos da posio esquizoparanide (M. Klein), instrumental e
patoplstica (P-Rivire); mecanismos que operam como meios de
expresso e configurao das estruturas patolgicas (neurose, psicose,
perverses, etc.). Alm disso, nesta pr-tarefa que se observa um jogo
de dissociaes do pensar, atuar e sentir, como que fazendo parte
tambm dos mecanismos enunciados anteriormente.
Podemos estipular que o como se aparece atravs de condutas
parcializadas, dissociadas, semicondutas poderamos dizer , pois as
partes so consideradas como um todo. E impossvel a integrao dos
aspectos manifestos e latentes em uma denominao total que os
sintetize.
O problema da impostura nos apresentado nessas semicondutas da
pr-tarefa. Se a significao est reduzida e o sujeito no apresenta a
opacidade que sua presena requer, h uma certa transparncia. Com a
falta de totalidade efetua-se em seu corpo a decantao
significativa. O sujeito uma caricatura de si prprio, seu negativo.
Falta-lhe a revelao de si mesmo, sua denominao como homem. A situao
se lhe apresenta com um sabor de estranheza, e essa estranheza que
o desespera; para super-la recorre a comportamentos estranhos a ele
como sujeito, porm coerentes com ele enquanto homem alienado.
Entrega-se ento a uma srie de tarefas que lhe permitem passar o
tempo (mecanismo de postergao, atrs do qual se oculta a
impossibilidade de suportar frustraes de incio e trmino de tarefas,
causando, paradoxalmente uma constante frustrao).
33
Os mecanismos de defesa so somente elementos formais, cujo
contedo (tarefa e projeto para cada sujeito) est dissolvido neles.
O sujeito aparece como mais uma estrutura daqueles mecanismos e
seus fins esgotam-se em cada manifestao.
Portanto, o que se observa so maneiras ou formas de no entrar na
tarefa.
O momento da tarefa consiste na abordagem e elaborao de
ansiedades, e na emergncia de uma posio depressiva bsica, na qual o
objeto de conhecimento toma-se penetrvel pela ruptura de uma pauta
dissociativa e estereotipada, que vinha funcionando como fator de
estancamento da aprendizagem da realidade e de deteriorao da rede
de comunicao.
Na tarefa, aquela posio depressiva requer elaborao, processo
cuja significao central est em tomar consciente o inconsciente, e
no qual se observa uma total coincidncia das diferentes reas de
expresso fenomnica.
O sujeito apareceria com uma percepo global dos elementos em
jogo, com a possibilidade de manipul-los e com .um contato com a
realidade no qual, por um lado, lhe acessvel o ajuste perceptivo,
ou seja, o situar-se como sujeito, e por outro lado, lhe possvel
elaborar estratgias e tticas mediante as quais pode intervir nas
situaes (projeto de vida), provocando transformaes. Essas
transformaes, por sua vez, modificaro a situao, que se tomar, ento,
nova para o sujeito, e assim o processo comea outra vez (modelo da
espiral).
Na passagem da pr-tarefa para a tarefa, o sujeito efetua um
salto, ou seja, a acumulao quantitativa prvia de insight realiza um
salto qualitativo durante o qual o sujeito se personifica e
estabelece uma relao com o outro diferenciado.
No contexto da situao teraputica, corretora, a situao
transferencial e contratransferencial ocorre, principalmente, no
mbito da pr-tarefa do sujeito. Se o terapeuta confunde a pr-tarefa
com a tarefa, entra no jogo da neurose transferencial e atua nela.
A tarefa do terapeuta converte-se em pr-tarefa, ao ter ele mesmo
resistncia a entrar em sua tarefa especfica, por
34
evitar o problema essencial do tornar-se responsvel, do
compromisso, do ser consciente e do projeto. (Resistncias
ideolgicas prxis.)
Conclui-se ento que as noes de pr-tarefa, tarefa e projeto
apareceriam como elementos para situar uma atitude teraputica.
Seria esquemtico resumir, sob a noo de tarefa, tudo que implica
modificao em dupla direo (a partir do sujeito para o sujeito),
envolvendo assim a constituio de um vnculo.
Trata-se de estabelecer uma noo que englobe, ao examinar um
sujeito, sua relao com os outros e com a situao. A noo trabalho tem
a conotao ideolgica de ser feito por algum, modificando algo. Sua
indeterminao faz com que diversas concepes filosficas, teolgicas e
metafsicas tenham falado a respeito dele. Para ns tambm um elemento
ideolgico, mas sua incluso em nossa concepo psicossociolgica tem
por finalidade, como disse anteriormente, elaborar, atravs de
esquemas adequados, certas situaes prticas. O estabelecer
pr-tarefa, tarefa e projeto como momentos situacionais de um
sujeito, permite-nos uma aproximao e um diagnstico de orientao.
Pois em cada um desses momentos configura-se um pensar, um sentir e
um agir, cuja discriminao central para toda terapia. Mas isso, por
sua vez, nos leva a pensar que, se situamos o sujeito em cada uma
dessas situaes, em direo a algum com quem est relacionado, no ser
necessrio estabelecer o porqu e o para qu da situao total de cada
momento particular. E assim que, tanto em relao situao geral quanto
diante de ns mesmos como observadores, temos de agir logo sobre
esses mecanismos, j que porqu e o para qu da situao assim se nos
apresenta:
Por outros Etiopatogenia Diagnstico/Profilaxia
Para outros Profilaxia/Tratamento
35
Por ltimo, diremos que estabelecer pr-tarefa, tarefa e projeto
consiste na busca de noes que, partindo da suposio do
homem-em-situao (Lagache), permitam estabelecer melhor a relao
entre os dois limites dessa suposio, de modo a poder operar no
campo prtico.37
Prxis e psiquiatria1
1) prxis da higiene mental, tarefa essencialmente social,
nutre-se das principais teorias provenientes de diferentes posturas
ideolgicas. Segundo seu esquema referencial, qual a contribuio
desse mesmo esquema para a higiene mental?
Chama a minha ateno o uso de uma linguagem que entra em
flagrante contradio com o aspecto da semntica e da tarefa. Ao
perguntar se a prxis da higiene mental, tarefa essencialmente
social, nutre-se das principais teorias provenientes de diferentes
posturas ideolgicas, poderamos responder dizendo que no existe uma
prxis da higiene mental. Talvez exista uma confuso entre mtodos de
higiene mental. De qualquer maneira, ainda que o problema formal
esteja repleto de mal-entendidos, a tarefa essencialmente social
centra o problema no sobre os mtodos da HM, mas sobre os mtodos ou
estratgias de como mudar a estrutura socioeconmica da qual emerge
um doente mental. H mais de vinte anos venho sustentando que o
doente mental o porta-voz da ansiedade e dos
1. Reportagem realizada pela Revista Latinoamericana de Salud
Mental, 1966.
38
conflitos do grupo imediato, ou seja, do grupo familiar. E essas
ansiedades e conflitos que so assumidos pelo doente so de ordem
econmica e acabam acarretando um sentimento crnico de insegurana,
um ndice de ambigidade considervel e, principalmente, um ndice de
incerteza tambm crnico, submetido a ziguezagues, de acordo com a
situao histrica de cada momento. O paciente, se for analisado
detidamente, est denunciando: ele o alcagete da subestrutura da
qual ele se tornou responsvel e que traz como conseqncia o emprego
de tcnicas de marginalidade ou segregao (internamento em hospital
psiquitrico), em que em um interjogo implcito, mas certamente no
explcito, o psiquiatra assume o papel de resistncia mudana, ou
seja, de mantenedor da cronicidade do paciente. Ele est
inexoravelmente comprometido com a situao e, dessa maneira, leal
sua classe social. Poderamos chegar a uma interpretao mais
profunda, com o risco de atrair a repulsa dos psiquiatras como
comunidade, se empregarmos a palavra smbolo, j que alguns acreditam
que ela foi uma inveno de Freud. O doente mental, ento, o smbolo e
depositrio do aqui e agora de sua estrutura social. Cur-lo
transform-lo ou adjudicar-lhe um novo papel, o de agente de mudana
social. Assim, estamos em plena militncia, todo o mundo est
comprometido atravs de uma ideologia com revestimentos cientficos.
Quanto s principais teorias provenientes de diferentes posturas, so
simplesmente ideologias. A psicoterapia tem como finalidade
essencial a transformao de uma situao frontal em uma situao
dialtica, que percorre um trajeto com a forma de uma espiral
permanente, atravs de uma tarefa determinada. Ali sim, encontramos
o verdadeiro sentido da prxis, no qual teoria e prtica
realimentam-se mutuamente atravs dessa sucesso, resultando na criao
de um instrumento operacional que configura uma situao que
poderamos denominar operao-esclarecimento o que chamamos ECRO,
esquema conceptual, referencial e operativo, o produto da sntese de
correntes aparentemente antagnicas,39
mas principalmente ignoradas, situao que cria, por exemplo, pelo
desconhecimento da psicanlise, um clima sonolento e de
bizantinismo. Finalizando essa resposta, direi que o psiquiatra, em
geral, tem todas as caractersticas de uma personalidade autoritria
etnocntrica, que pensa sempre em termos absolutos e no dialticos; e
naqueles que aparentemente pensam dessa forma dialtica, suas
proposies chegam a estereotipar-se de tal modo, como se as tivessem
estudado de memria, transformando-se paradoxalmente em pessoas que,
devendo ter adquirido flexibilidade e personalidade democrtica,
comportam-se da mesma maneira que os primeiros, de forma
autoritria, absoluta, sem aberturas, chegando alguns deles a
situar-se na mais covarde das posies, que difcil de pronunciar, e
que se intitula ecleticismo.
2) Complementam-se essas idias com as provenientes de outras
escolas?
Se considerarmos o homem como um ser total e totalizante em
pleno desenvolvimento dialtico, as idias com as quais se prope
atuar sobre ele so emergentes das prprias contradies do paciente e
absorvidas pelo terapeuta, configurando- se uma situao alienada e
realimentada por ambos os personagens. Toda compreenso do paciente
mental deve partir da compreenso vulgar, ou seja, de uma
psiquiatria da vida cotidiana. O grau de profundidade a que se pode
chegar depender do instrumental operacional e situacional empregado
por cada psiquiatra, j que no final das contas no existem
prognsticos em relao s enfermidades, mas sim prognsticos em
relao
3) Considera possvel o trabalho em comum de investigadores de
diferentes ideologias cientficas no campo da sade a cada terapeuta.
mental?
Sou um veterano da investigao grupal, sempre que o grupo seja
manejado com tcnicas operativas centradas na tarefa40
(a doena mental), e no se gaste o tempo da tarefa no
pingue-pongue da pr-tarefa, nas discusses interminveis sobre
ideologias cientficas. A tarefa deve estar centrada no como obter
uma maior sade mental em uma comunidade especfica, situada no tempo
e no espao.
4) No campo concreto da prxis, e de acordo com seus princpios
tericos e com suas experincias, que medidas prticas considera
oportunas para uma educao sanitria em higiene mental?
Primeiramente, faria com que o aprendiz de psiquiatria
entendesse o sentido real da prxis e no o dissociasse em campos
concretos e princpios tericos. O melhor meio didtico para formar
psiquiatras fazer com que a tarefa esteja centrada no na doena
mental, mas na sade mental. O termo higiene est viciado por um
materialismo ingnuo, e os grupos de trabalho, repetimos, devem
estar centrados nos fatores que condicionam um certo modo de sade
mental (no na forma absoluta de sade mental como valor mximo e
absoluto). Trata-se de quantidades de sade mental que, atravs de
saltos dialticos, transformam a quantidade em qualidade, j que a
sade mental medida principalmente em termos de qualidade de
comportamento social e suas causas de manuteno ou deteriorao esto
relacionadas com situaes sociais como os fatores socioeconmicos,
estrutura de famlia em estado de mudana e principalmente nesse
ndice de incerteza que se torna persecutrio e que perturba o
comportamento social, j que o que se quer obter uma adaptao ativa
realidade, na qual o sujeito, na medida em que muda, muda a
sociedade, que, por sua vez, atua sobre ele no interjogo dialtico
em forma de espiral, em que, na medida em que se realimenta em cada
passagem, realimenta tambm a sociedade qual pertence. Aqui est o
erro mais freqente: o de considerar um paciente curado quando capaz
apenas de cuidar de seu asseio pessoal, adotar boas maneiras e,
principalmente, no demonstrar rebeldia. Este ltimo sujeito, desde
j, com sua conduta passiva e parasitria, continua filiado
alienao.
41
5) Qual sua opinio quanto a uma orientao em higiene mental em
relao com as estruturas socioeconmicas e eu creio que em minhas
opinies anteriores esto mais implcitas as respostas a esta
pergunta. O que, por sua vez, me faz perguntar a mim mesmo: possvel
que exista algum psiquiatra que ainda duvide disto?
43
Freud: ponto de partida da psicologia social1
Sigmund Freud assinala claramente sua postura diante do problema
da relao entre psicologia individual e psicologia social ou
coletiva em seu trabalho Psicologia das massas e anlise do ego. Na
introduo deste livro, em geral to mal compreendido, diz: A oposio
entre psicologia individual e psicologia social ou coletiva, que
primeira vista pode nos parecer muito profunda, perde grande parte
de sua significao quando a submetemos a um exame mais minucioso. A
psicologia individual concretiza-se, certamente, no homem isolado,
e investiga os caminhos atravs dos quais ele tenta alcanar a
satisfao de seus instintos, porm, s muito poucas vezes, e sob
determinadas condies excepcionais, lhe dado prescindir das relaes
do indivduo com seus semelhantes. Na vida anmica individual,
aparece integrado sempre, efetivamente, o outro como modelo,
objeto, auxiliar ou adversrio, e deste modo a psicologia individual
ao mesmo tempo, e desde o princpio, psicologia social, em um
sentido amplo, mas plenamente justificado.
Freud refere-se logo s relaes do indivduo com seus pais, com
seus irmos, com a pessoa objeto de amor e com seu
1. 1965.
44
mdico, relaes que tm sido submetidas a investigaes psicanalticas
e que podem ser consideradas como fenmenos sociais. Esses fenmenos
estariam em oposio queles denominados por Freud narcissticos (ou
artsticos, por Bleuler)2. Podemos observar, de acordo com as
contribuies da escola de Melanie Klein, que se trata de relaes
sociais externas que foram internalizadas, relaes que denominamos
vnculos internos, e que reproduzem no mbito do ego relaes grupais
ou ecolgicas. Essas estruturas vinculares que incluem o sujeito, o
objeto e suas mtuas inter-relaes configuram-se sobre a base de
experincias muito precoces; por isso, exclumos de nossos sistemas o
conceito de instinto, substituindo-o pelo de experincia. Mesmo
assim, toda vida mental inconsciente, ou seja, o domnio da fantasia
inconsciente, deve ser considerada como a interao entre objetos
internos (grupo interno), em permanente inter-relao dialtica com os
objetos do mundo exterior.
Freud insiste na necessidade de uma diferenciao dos grupos, mas
afirma que de qualquer maneira as inter-relaes entre indivduos
continuam existindo, e que para sua compreenso no necessrio apelar
para a existncia de um instinto social primrio e irredutvel,
podendo o comeo de sua formao ser encontrado em crculos mais
limitados, por exemplo na famlia.
Em outro pargrafo, diz Freud: Basta pensar em que o ego entra, a
partir deste momento, na relao de objeto com o ideal do ego por ele
desenvolvido, e que, provavelmente, todos os efeitos recprocos (que
poderamos assinalar como regidos
2. Poderamos objetar aqui que tal oposio no existe, pois todo
narcisismo secundrio, na medida em que no vnculo interno, que pode
ter uma aparncia narcisstica, o objeto foi previamente introjetado.
Ou seja, dada uma estrutura vincular, o outro, o objeto, est sempre
presente atravs de tal vnculo, ainda que seja escamoteado sob a
aparncia de um narcisismo secundrio.
45
pelo princpio de ao recproca funcionando em forma de espiral)
desenvolvidos entre o objeto e o ego total, conforme nos foi
revelado na teoria das neuroses, reproduzem-se agora dentro do
ego.
Este conjunto de relaes internalizadas, em permanente interao, e
sofrendo a atividade de mecanismos ou tcnicas defensivas, constitui
o grupo interno, com suas relaes, contedo da fantasia
inconsciente.
A anlise destes pargrafos mostra-nos que Freud alcanou, por
momentos, uma viso integral do problema da inter- relao
homem-sociedade, sem poder desprender-se, no entanto, de uma
concepo antropocntrica, que o impede de desenvolver um enfoque
dialtico.
Apesar de perceber a falcia da oposio dilemtica entre psicologia
individual e psicologia coletiva, seu apego mitologia da psicanlise
teoria instintivista, e seu desconhecimento da dimenso ecolgica,
impediram-lhe a formulao do vislumbrado, isto , de que toda
psicologia num sentido estrito, social.
47
Emprego de Tofranil na psicoterapia individual e grupal1
Minha contribuio neste Colquio Internacional sobre Estados
Depressivos trata do uso instrumental e situacional de uma droga
antidepressiva (Tofranil), empregada durante o transcurso de
tratamentos psicoterpicos individuais e grupais. O objetivo
principal do uso da droga facilitar a mobilizao de estruturas ou
pautas estereotipadas (esteretipos) que se apresentam e operam com
as caractersticas de resistncias ao progresso do processo
teraputico. As ansiedades diante da mudana ou aprendizagem, de tipo
depressivo e paranide, promovem a estruturao do esteretipo (mais
vale um pssaro na mo do que dois voando). A oportunidade de um
colquio sobre estados depressivos fundamenta-se no fato de que,
finalmente, a psiquiatria aparece progressivamente centrando-se ao
redor da gnese, estrutura e vicissitudes de uma situao depressiva
bsica. Acredito ser necessrio esclarecer previamente, em termos
gerais, o texto e contexto do marco ou esquema de referncia com o
qual penso e opero. Assim, farei primeiro uma rpida crnica do
desenvolvimento biogrfico de tal esquema referencial.
1. Acta Neuropsiquitrica Argentina, 6, 1960.
48
1. Construo de um esquema conceitual, referencial e operativo
(ECRO)
Minhas investigaes sobre uma situao depressiva bsica (1938)
partiram de dois campos ou marcos de trabalho em contnua
interao:
1) de uma prtica contnua como psicoterapeuta de casos
individuais e de grupos, e 2) de uma vasta experincia paralela
anterior e, amide, combinada com ela, empregando tratamentos
biolgicos: choque hipoglicmico, convulsoterapia, sono prolongado,
etc. No ano de 1946 publiquei a primeira sntese pessoal sobre uma
teoria geral das neuroses e psicoses, introduzindo os conceitos de
pluralidade fenomnca, de unidade funcional e gentica (enfermidade
nica) e de policausalidade.
Sustentava ento: Atravs da psicanlise de esquizofrnicos e
epilpticos, e apoiado pelas observaes realizadas durante os
tratamentos biolgicos, tomou-se evidente um ncleo psictico central,
bem delimitado e do qual partem todas as outras estruturas como
maneiras ou tentativas de resolver tal situao bsica. Esta situao se
configura com os elementos que caracterizam o estado depressivo,
com seus conflitos e mecanismos especficos, ... que a situao assim
estabelecida... situao bsica das psicoses e configurada no sentido
de uma estrutura melanclica, o ponto de onde se inicia a elaborao
de outras situaes que vo configurar todos os outros tipos clnicos
descritos. Em termos gerais, poderamos dizer que esta a nica
enfermidade; todas as demais estruturas so tentativas feitas pelo
ego para desfazer-se dessa situao depressiva bsica.... Criada esta
situao penosa o ego tende a livrar-se dela apelando para um novo
mecanismo de defesa que a projeo. Se for projetada no corpo,
configura-se a segunda estrutura, que a hipocondria Tudo o que o
hipocondraco diz de seus rgos
49
uma transposio da situao anterior, podendo-se dizer que,
enquanto o melanclico um sujeito perseguido por sua conscincia, o
hipocondraco o por seus rgos... Se a projeo for feita no exterior,
configura-se a terceira estrutura: a estrutura paranide... frmula j
expressa de que o melanclico um sujeito perseguido por sua
conscincia e o hipocondraco por seus rgos, acrescentaremos que o
paranide o por seus inimigos interiores projetados (3, 4, 5).
Indagaes posteriores, em continuidade a estas, permitiram-me a
construo de um esquema conceitual, referencial e operativo cujas
caractersticas podemos, grosso modo, assim definir:
1) A resposta depressiva deve ser considerada como pauta total
de conduta frente a situaes de frustrao, perda, privao, tendo alm
disso um carter unitrio em seu aparecimento, estrutura e funo.
2) Uma situao depressiva infantil est includa no desenvolvimento
normal (M. Klein [2]), junto a outras situaes:
esquizide e epileptide.
3) A situao depressiva bsica opera no desenvolvimento de toda
doena mental (situao patogentica vivencial). O fator disposicional
pode ser expresso em termos de graus de fracasso na elaborao da
situao depressiva infantil (luto). A regresso, durante o processo
da enfermidade, reativa a posio depressiva infantil (situao
patogentica), assim como promove o emprego da posio esquizide
(situao patoplstica e instrumental), como tambm da situao
epileptide (situao patorrtmica temporal).
4) Outra situao depressiva a ser descrita aquela que est includa
em todo processo teraputico. A resoluo das divises ou cises do ego
e de seus vnculos, ou seja, o processo de integrao, s possvel
atravs desta nova passagem por uma situao depressiva (grau de
insight conseguido; a conseqncia, junto com o processo de
re-dissociao).
50
5) A estrutura da pauta de reao inclui o conflito de ambivalncia
diante de um objeto total. Da surge o sentimento de culpabilidade e
a inibio ou desacelerao de determinadas funes do ego. A tristeza, a
dor moral, o sentimento de solido e desamparo derivam da perda de
objeto e da culpa. A Possibilidade de reparar e sublimar esto
seriamente impedidas.
6) Ante essa situao de sofrimento surge a Possibilidade de uma
regresso a uma posio anterior, operativa e instrumental, para o
controle da ansiedade (situao esquizide) O mecanismo bsico aqui a
diviso ou dissociao (split) do ego e de seus vnculos, com a
conseqente emergncia da ansiedade paranide que substitui a culpa. A
situao epileptide e patorrtmica assinala as formas nas quais o
tempo se manifesta atravs do manejo das ansiedades bsicas ou
medos.
7) As neuroses so tcnicas defensivas contra ansiedades bsicas,
psicticas. Tais tcnicas so as mais bem sucedidas e as mais prximas
do normal, e esto afastadas da situao depressiva bsica prototpica
As psicoses so tambm formas de manejo de menor sucesso que as
anteriores, como as psicopatias, que tm como caracterstica
privativa o mecanismo de delegao. As perverses manifestam-se como
formas complexas de elaborao das ansiedades psicticas e seu
mecanismo geral centra-se em torno do apaziguamento do perseguidor
O crime constitui a tentativa de aniquilar a fonte de ansiedade
mxima projetada no mundo externo, enquanto este processo centrado
no prprio sujeito configura a conduta suicida.
8) O sofrimento inerente posio depressiva est vinculado ao
incremento do insight (autognose), ou seja, o conhecimento e
compreenso da realidade psquica interna e externa. O fracasso da
elaborao da posio depressiva (luto), alm das conseqncias
assinaladas, acarreta inevitavelmente o predomnio de defesas que
carregam em seu bojo o bloqueio das emoes e da atividade da
fantasia, Impedem, principalmente aparecimento de um certo grau de
autognose necessrio para uma boa adaptao realidade. (As defesas
manacas que
51
emergem em certos casos condicionam a superficialidade
manifestada pelo ego, impedindo de certa maneira seu fortalecimento
e aprofundamento durante o processo teraputico.)
9) Rickman afirma (6) que no existe uma psiquiatria sem lgrimas
e que melhor enfrentar concretamente o que relacionado com a
vivncia depressiva sem, claro, descuidar dos demais aspectos que tm
relao com o processo de progresso. Alm disso, no contexto de toda
psiquiatria dinmica a indagao e o processo teraputico so
inseparveis. O paciente, diz Rickman, s poder nos revelar os mais
profundos nveis de seu sofrimento sob a condio de experimentar, ao
mesmo tempo que acontece o processo de indagao, um alvio de seu
prprio sofrimento devido ao prprio processo de indagao (temos aqui
um modelo daquilo que denominado indagao ativa operativa dentro do
campo da psicologia).
10) Este esquema referencial foi depois completado com o
enquadramento grupal da situao depressiva, assim como com as noes
de porta-voz da ansiedade do grupo (o paciente), de pauta grupal
estereotipada, de depresso bsica grupal, de grupo operativo, de
coincidncia do processo de comunicao, esclarecimento, aprendizagem
e treinamento centrado na tarefa e no processo teraputico. Uma
espiral dialtica assinala a direo desse complexo processo.
II
Psicoterapia individual e Tofranil (uso instrumental e
situacional da droga)
H. Azima (1950) vem estudando, em particular, as modificaes
psicodinmicas provocadas pela administrao de Tofranil, tentando
encontrar uma explicao dos efeitos desta droga. Observou o
seguinte: 1) Uma mudana na direo das preocupaes. Estas passam dos
objetos internos para os externos52
nos. 2) Uma diminuio do sentimento de culpabilidade 3) Uma
diferente orientao dos impulsos agressivos e, em certos casos, sua
liberao sob a forma de exploses agressivas. 4) Uma reorganizao
secundria das cargas de objeto. 5) Euforia e conduta hipomanaca em
pacientes classificados como manaco-depressivos. 6) Necessidade de
certa intensidade de depresso para a obteno desses efeitos; as
manifestaes depressivas ligeiras no so influenciveis pelo Tofranil.
7) Diminuio da necessidade de beber lcool. 8) Uma mudana centrada,
unicamente, sobre o estado depressivo. 9) Nenhuma modificao das
caractersticas bsicas da personalidade, anteriores ao estado
depressivo (1).
Apoiado nessas observaes, Azima pe em evidncia uma mutao do
equilbrio da agressividade em relao ao superego. Essa reorganizao
traz como conseqncia uma sedao do estado depressivo, mas essa
mudana no equilbrio psicodinmico parece ser transitria e necessita,
alm disso, para se produzir, de uma certa intensidade de
depresso.
O Tofranil representa at o momento o nico timolptico e, em
conseqncia, novas orientaes em psicofarmacologia. Ao manter o humor
e elevar o impulso vital, desenvolve uma ao seletiva sobre o ncleo
central da depresso, sem os efeitos de um sedativo, ou de um
estimulante ou euforizante.
A indagao sobre a ao desta droga antidepressiva (Tofranil) que
realizei com a ajuda de meus colaboradores, os doutores E.
Taragano, G. Vidal, A. Marrantj e A. Benchetrit tinha como ponto de
referncia a considerao da situao depressiva bsica j descrita. Tambm
se incluiu o conceito de que a enfermidade traz implcita, como
causa ou conseqncia, uma perturbao da aprendizagem e da
comunicao.
O montante de ansiedade predominantemente depressiva seria
responsvel pela pauta estereotipada de conduta anormal. A ansiedade
diante da mudana, tornada possvel pela ao especfica do
esclarecimento, provoca, por outro lado, a resistncia mudana, que
em termos gerais denominada reao
53
teraputica negativa. O Tofranil atua baixando o montante de
agresso de ansiedade, de ambivalncia e de culpa. Dessa maneira, sua
ao possibilita uma mudana, produzida pelo esclarecimento do campo
de trabalho. Produz-se a abertura de um crculo vicioso anterior,
criando-se as condies para a emergncia de uma espiral dinmica de
aprendizagem e de comunicao. A transferncia negativa diminui (ao
diminuir a hostilidade) e a tarefa entre paciente e psicoterapeuta
orienta-se para um nvel de maior integrao. A vivncia da monotonia
ou estereotipia torna-se consciente em sua estrutura e motivaes.
Observa-se um grande progresso no insight e o paciente chega a
vivenciar a entrada em uma posio depressiva necessria a todo
tratamento realmente eficaz. Expressa de diferentes maneiras que
sente que coisas dispersas comeam ajuntar-se, que adquirem vida e
agora as compreende melhor (integrao).
Para ilustrar essa situao prototpica de todo tratamento, vou
utilizar o caso analisado por um de meus colaboradores, o dr.
Guiliermo Vidal. Trata-se de uma doente de 35 anos, casada, que faz
uma consulta queixando-se de depresses peridicas, quase sempre
durante o inverno, coincidindo com a estao do ano em que seu marido
mais viaja. Seu primeiro episdio depressivo ocorreu em conseqncia
do primeiro parto. Normalmente duravam de 3 a 4 meses.
Aplicaram-lhe vrias vezes insulina e eletrochoque. Comea seu
tratamento psicanaltico em maio de 1959, em estado de depresso
leve. Logo depois de umas curtas frias, em julho, sucede a sexta
crise depressiva. A depresso desenvolve-se lenta e
progressivamente, acompanhada de uma grande inibio psicomotora. A
doente mostra-se impermevel s interpretaes que lhe so feitas.
perceptvel o tom choroso e montono em que fala. Diz: Eu me sinto
muito mal. Eu no posso nem me levantar da cama. impossvel
trabalhar.Quero ajudar minhas filhas e no posso.No posso, no posso,
repete insistentemente. Como o quadro se agrava ostensivamente e a
doente quase no pode vir para a consulta, o terapeuta decide
administrar-lhe Tofranil em doses progressivas,54
at 5 drgeas dirias. Isso foi numa sexta-feira; no dia seguinte,
sbado, no foram registradas maiores variaes. Porm, na
segunda-feira, quando j havia tomado 8 drgeas, a doente aparece
mudada. Diz: No sei o que se passa comigo. E como se no pudesse
continuar triste. Ou ento, agora estou triste mas no angustiada.
Sinto-me simplesmente cansada. No posso precisar bem o que est
acontecendo comigo. Com certa estranheza assiste ao seu prprio
acontecer. Dois dias depois, a transformao manifesta-se com mais
clareza; expressa-a assim:
Doutor, hoje me sinto bem. Imagine que ontem noite pude ter
relaes com meu marido, e de forma natural (a doente era frgida),
coisa que nunca havia acontecido antes...Alm disso me acontece uma
coisa estranha, agora como se de repente eu compreendesse tudo o
que voc me disse antes no decorrer da anlise, e as coisas dispersas
se juntassem todas e recuperassem a vida, e eu as compreendesse
melhor. No sei francamente o que me est acontecendo.
Na semana do incio do tratamento com Tofranil, a paciente
acha-se praticamente recuperada, melhor ainda do que nos intervalos
anteriores, com a vivncia de que compreendeu muitas coisas
(insight) e de que outra mulher. Poder-se-ia dizer que,
subitamente, cristalizara o efeito de cinco meses de tratamento
psicanaltico. A doente tomou no total 100 drgeas de Tofranil.
III
Psicoterapia grupal (grupo familiar). Uso instrumental e
situacional do Tofranil
A loucura a expresso de nossa incapacidade para suportar e
elaborar um montante determinado de sofrimento. Esse nvel de
tolerncia especfico para cada um de ns e depende, em grande parte,
da dificuldade relativa em superar a depresso55
infantil bsica, tecida de frustraes, aspiraes, demandas
biolgiCaS excessivas, provocando a emergncia da agresso (zangas,
broncas), de ansiedades depressivas e paranides (os medos), da
ambivalncia, da culpa, de inibies, etc.
A emergncia de uma neurose ou psicose no mbito de um grupo
familiar significa que um membro deste grupo assume um novo papel,
transforma-se no porta-voz ou depositrio da ansiedade do grupo. A
estrutura grupal altera-se, sucedem perturbaes no sistema de
adjudicao e assuno de papis, aparecem mecanismos de segregao do
doente, o